A QUESTÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL - paulotimm.com.br do Timm... · 18.As cotas- Marcos Francisco...
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A QUESTO UNIVERSITRIA NO BRASIL
ENSINO PBLICO E GRATUITO: ISSO AVANO REPUBLICANO. No criao de bolsas para Faculdades Privadas , de baixa qualidade, que acabam enriquecendo seus donos...Esta praga neo-liberal das ltimas
dcadas parece que veio para ficar no Brasil e ningum critica.
US Uncut
Following three years of nationwide student protests, Chile will make college tuition-free and are paying for it with a 27% tax on corporations. For-profit scho...
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https://www.facebook.com/usauncut/photos/a.190167221017767.44131.186219261412563/922510887783393/?type=1https://www.facebook.com/usauncut/photos/a.190167221017767.44131.186219261412563/922510887783393/?type=1https://www.facebook.com/usauncut/photos/a.190167221017767.44131.186219261412563/922510887783393/?type=1&fref=nfhttps://www.facebook.com/groups/224733694221369/?fref=tshttps://www.facebook.com/groups/224733694221369/?fref=tshttps://www.facebook.com/usauncut/photos/a.190167221017767.44131.186219261412563/922510887783393/?type=1
NOTA (da pgina): A razo deste post o restabelecimento da verdade.
Circula nas redes sociais uma imagem do Ministro Joaquim Barbosa sorrindo
com a seguinte f...
NOTA (da pgina): A razo deste post o restabelecimento da verdade.
Circula nas redes sociais uma imagem do Ministro Joaquim Barbosa sorrindo
com a seguinte frase: COTAS? NO, OBRIGADO. EU ESTUDEI. Isso, no
entanto, no verdade. Ao contrrio, seu voto foi A FAVOR das cotas nas
universidades, o que pode ser comprovado em inmeras reportagens
disponveis na internet. s vezes, a manipulao... pode vir de onde menos se
espera. FONTE:
http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2012/04/26/interna_nacional,291243
/joaquim-barbosa-vota-a-favor-das-cotas-raciais-em-universidades.shtml
Indice
1. A delinqncia acadmica M. Tractemberg
2. A corrupo acadmica e a crise financeira C.Ferguson
3. Outra Educao, alm da monotonia acadmica Alex Bretas Vasconcelos
4. Como a universidade pblica e gratuita aumenta a desigualdade de
renda - Carlos Ges
5. Faculdades enriquecem
6. Grandes grupos econmicos esto ditando a formao de crianas e
jovens brasileiros - Luiz Felipe Abulquerque
http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2012/04/26/interna_nacional,291243/joaquim-barbosa-vota-a-favor-das-cotas-raciais-em-universidades.shtmlhttp://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2012/04/26/interna_nacional,291243/joaquim-barbosa-vota-a-favor-das-cotas-raciais-em-universidades.shtmlhttp://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/http://mercadopopular.org/author/goes/http://www.facebook.com/photo.php?fbid=414280048638251&set=a.274604465939144.62949.272904466109144&type=1&ref=nf
7. Prouni criou milionrios em troca de m qualidade na educao Soci. Wilson
de Almeida questiona incentivos pblicos incluso de estudantes de
baixa renda em universidades privadas que ofertam ensino
"pasteurizado" - por Marcelo Pellegrini
8. A doena da "normalidade" na universidade Unb
9. MEC pune 70 faculdades mal avaliadas; 11 so de SP
10 . A gang do MIT Paul Krugman
11. Temas controversos sobre universidades pblicas e a igualdade S. Scwatzman
12.O Ataque s Fundaes Universitrias S.S.
13.Trancada pelo trancao - Alis - Estado
14 . A universidade brasileira e os desafios do sculo XXI - Alosio Teixeira
15. Fundaes so parte da soluo, no do problema - Simon S.
16.TF: Universidades Federais no precisam mais realizar
concurso pblico para contratao de professores
17 . O debate sobre as Fundaes nas Universidades pg67-76
18.As cotas- Marcos Francisco Martins
19.Ricos deveriam financiar ensino, afirma brasileiro reitor nos EUA -
Jos Sartarelli
20.Lei das Cotas revolucionar acesso da populao excluda a
universidade
21. De como o STF sacramenta uma iluso e ajuda a minar a universidade
pblica
http://www.cartacapital.com.br/Plone/autores/marcelo-pellegrinihttp://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/07/a-doenca-da-normalidade-na-universidade.htmlhttp://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=3244&lang=pt-brhttp://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=3244&lang=pt-brhttp://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=5143&lang=pt-brhttp://l.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Falias.estadao.com.br%2Fnoticias%2Fgeral%2Ctrancada-pelo-trancaco%2C1566906&h=_AQF7W6VL&s=1http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=5215&lang=pt-brhttp://blogdotarso.com/2015/04/17/stf-universidades-federais-nao-precisam-mais-realizar-concurso-publico-para-contratacao-de-professores/http://blogdotarso.com/2015/04/17/stf-universidades-federais-nao-precisam-mais-realizar-concurso-publico-para-contratacao-de-professores/http://feedproxy.google.com/~r/PragmatismoPolitico/~3/wn60CVh6Fzo/lei-das-cotas-acesso-universidade-dilma.html?utm_source=feedburner&utm_medium=emailhttp://feedproxy.google.com/~r/PragmatismoPolitico/~3/wn60CVh6Fzo/lei-das-cotas-acesso-universidade-dilma.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email
22.''Negros tm de ser prioridade no Brasil sem Misria''Roldo Arruda
23. Cotas e democracia Fundao Palmares
24.Pelo menos, sete votos a favor e quatro contra - Elio Gaspari
25. Por que o Brasil precisa das cotas - Luiz Felipe de
Alencastro
26.O julgamento das cotas no STF: Balano de uma vitria histrica
27.Eduardo Guimares: Rejeio a cotas explica desde
desigualdade at o mensalo
28.Lei das Cotas Raciais anacrnica: Jos Jorge de Carvalho
29 . A saudade que a casa grande tem da senzala
30.Alunos cotistas tm desempenho superior a no-cotistas-
Agencia Brasil
31. IBGE: acesso de jovens negros e pardos universidade triplicou em dez
anos
32.Dez anos da poltica de cotas - Emir Sader
33. O Brasil e a nao diasprica - DEMTRIO MAGNOLI
1.A Delinqncia Acadmica*
Maurcio Tragtenberg
http://www.outraspalavras.net/2012/04/27/por-que-o-brasil-precisa-das-cotas/http://feedproxy.google.com/~r/PragmatismoPolitico/~3/e3r12WOrM_8/eduardo-guimaraoes-cotas-mensalao.html?utm_source=feedburner&utm_medium=emailhttp://feedproxy.google.com/~r/PragmatismoPolitico/~3/e3r12WOrM_8/eduardo-guimaraoes-cotas-mensalao.html?utm_source=feedburner&utm_medium=emailhttp://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/11/cotas-alunos-cotistas-desempenho-superior.htmlhttp://avaranda.blogspot.com.br/2013/11/o-brasil-e-nacao-diasporica-demetrio.htmlhttp://www.espacoacademico.com.br/014/14mtrag1990.htm#_ftn1
O tema amplo: a relao entre a dominao e o saber, a relao entre o intelectual e a universidade como instituio dominante ligada dominao, a universidade antipovo.
A universidade est em crise. Isto ocorre porque a sociedade est em crise; atravs da crise da universidade que os jovens funcionam detectando as contradies profundas do social, refletidas na universidade. A universidade no algo to essencial como a linguagem; ela simplesmente uma instituio dominante ligada dominao. No uma instituio neutra; uma instituio de classe, onde as contradies de classe aparecem. Para obscurecer esses fatores ela desenvolve uma ideologia do saber neutro, cientfico, a neutralidade cultural e o mito de um saber objetivo, acima das contradies sociais.
No sculo passado, perodo do capitalismo liberal, ela procurava formar um tipo de homem que se caracterizava por um comportamento autnomo, exigido por suas funes sociais: era a universidade liberal humanista e mandarinesca. Hoje, ela forma a mo-de-obra destinada a manter nas fbricas o despotismo do capital; nos institutos de pesquisa, cria aqueles que deformam os dados econmicos em detrimento dos assalariados; nas suas escolas de direito forma os aplicadores da legislao de exceo; nas escolas de medicina, aqueles que iro convert-la numa medicina do capital ou utiliz-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de um compl de belas almas recheadas de ttulos acadmicos, de um doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia, da produo de um saber a servio do poder, seja ele de que espcie for.
Na instncia das faculdades de educao, forma-se o planejador tecnocrata a quem importa discutir os meios sem discutir os fins da educao, confeccionar reformas estruturais que na realidade so verdadeiras restauraes. Formando o professor-policial, aquele que supervaloriza o sistema de exames, a avaliao rgida do aluno, o conformismo ante o saber professoral. A pretensa criao do conhecimento substituda pelo controle sobre o parco conhecimento produzido pelas nossas universidades, o controle do meio transforma-se em fim, e o campus universitrio cada vez mais parece um universo concentracionrio que rene aqueles que se originam da classe alta e mdia, enquanto professores, e os alunos da mesma extrao social, como herdeiros potenciais do poder atravs de um saber minguado, atestado por um diploma.
A universidade classista se mantm atravs do poder exercido pela seleo dos estudantes e pelos mecanismos de nomeao de professores. Na universidade mandarinal do sculo passado o professor cumpria a funo de co de guarda do sistema: produtor e reprodutor da ideologia dominante, chefe de disciplina do estudante. Cabia sua funo professoral, acima de tudo, inculcar as normas de passividade, subservincia e docilidade, atravs da represso pedaggica, formando a mo-de-obra para um sistema fundado na desigualdade social, a qual acreditava legitimar-se atravs da desigualdade de rendimento escolar; enfim, onde a escola escolhia pedagogicamente os escolhidos socialmente.
A transformao do professor de co de guarda em co pastor acompanha a passagem da universidade pretensamente humanista e mandarinesca universidade tecnocrtica, onde os critrios lucrativos da empresa privada,
funcionaro para a formao das fornadas de colarinhos brancos rumo s usinas, escritrios e dependncias ministeriais. o mito da assessoria, do posto pblico, que mobiliza o diplomado universitrio.
A universidade dominante reproduz-se mesmo atravs dos cursos crticos, em que o juzo professoral aparece hegemnico ante os dominados: os estudantes. Isso se realiza atravs de um processo que chamarei de contaminao. O curso catedrtico e dogmtico transforma-se num curso magisterial e crtico; a crtica ideolgica feita nos chamados cursos crticos, que desempenham a funo de um tranqilizante no meio universitrio. Essa apropriao da crtica pelo mandarinato universitrio, mantido o sistema de exames, a conformidade ao programa e o controle da docilidade do estudante como alvos bsicos, constitui-se numa farsa, numa fbrica de boa conscincia e delinqncia acadmica, daqueles que trocam o poder da razo pela razo do poder. Por isso necessrio realizar a crtica da crtica-crtica, destruir a apropriao da crtica pelo mandarinato acadmico. Watson demonstrou como, nas cincias humanas, as pesquisas em qumica molecular esto impregnadas de ideologia. No se trata de discutir a apropriao burguesa do saber ou no-burguesa do saber, mas sim a destruio do saber institucionalizado, do saber burocratizado como nico legtimo. A apropriao universitria (atual) do conhecimento a concepo capitalista de saber, onde ele se constitui em capital e toma a forma nos hbitos universitrios.
A universidade reproduz o modo de produo capitalista dominante no apenas pela ideologia que transmite, mas pelos servos que ela forma. Esse modo de produo determina o tipo de formao atravs das transformaes introduzidas na escola, que coloca em relao mestres e estudantes. O mestre possui um saber inacabado e o aluno uma ignorncia transitria, no h saber absoluto nem ignorncia absoluta. A relao de saber no institui a diferena entre aluno e professor, a separao entre aluno e professor opera-se atravs de uma relao de poder simbolizada pelo sistema de exames esse batismo burocrtico do saber. O exame a parte visvel da seleo; a invisvel a entrevista, que cumpre as mesmas funes de excluso que possui a empresa em relao ao futuro empregado. Informalmente, docilmente, ela exclui o candidato. Para o professor, h o currculo visvel, publicaes, conferncias, tradues e atividade didtica, e h o currculo invisvel esse de posse da chamada informao que possui espao na universidade, onde o destino est em aberto e tudo possvel acontecer. atravs da nomeao, da cooptao dos mais conformistas (nem sempre os mais produtivos) que a burocracia universitria reproduz o canil de professores. Os valores de submisso e conformismo, a cada instante exibidos pelos comportamentos dos professores, j constituem um sistema ideolgico. Mas, em que consiste a delinqncia acadmica?
A delinqncia acadmica aparece em nossa poca longe de seguir os ditames de Kant: Ouse conhecer. Se os estudantes procuram conhecer os espritos audazes de nossa poca fora da universidade que iro encontr-los. A bem da verdade, raramente a audcia caracterizou a profisso acadmica. Os filsofos da revoluo francesa se autodenominavam de intelectuais e no de acadmicos. Isso ocorria porque a universidade mostrara-se hostil ao pensamento crtico avanado. Pela mesma razo, o projeto de Jefferson para a Universidade de Virgnia, concebida para produo de um pensamento
independente da Igreja e do Estado (de carter crtico), fora substitudo por uma universidade que mascarava a usurpao e monoplio da riqueza, do poder. Isso levou os estudantes da poca a realizarem programas extracurriculares, onde Emerson fazia-se ouvir, j que o obscurantismo da poca impedia a entrada nos prdios universitrios, pois contrariavam a Igreja, o Estado e as grandes corporaes, a que alguns intelectuais cooptados pretendem que tenham uma alma. [1]
Em nome do atendimento comunidade, servio pblico, a universidade tende cada vez mais adaptao indiscriminada a quaisquer pesquisas a servio dos interesses econmicos hegemnicos; nesse andar, a universidade brasileira oferecer disciplinas como as existentes na metrpole (EUA): cursos de escotismo, defesa contra incndios, economia domstica e datilografia em nvel de secretariado, pois j existe isso em Cornell, Wisconson e outros estabelecimentos legitimados. O conflito entre o tcnico e o humanismo acaba em compromisso, a universidade brasileira se prepara para ser uma multiversidade, isto , ensina tudo aquilo que o aluno possa pagar. A universidade, vista como prestadora de servios, corre o risco de enquadrar-se numa agncia de poder, especialmente aps 68, com a Operao Rondon e sua aparente democratizao, s nas vagas; funciona como tranqilidade social. O assistencialismo universitrio no resolve o problema da maioria da populao brasileira: o problema da terra.
A universidade brasileira, nos ltimos 15 anos, preparou tcnicos que funcionaram como juzes e promotores, aplicando a Lei de Segurana Nacional, mdicos que assinavam atestados de bito mentirosos, zelosos professores de Educao Moral e Cvica garantindo a hegemonia da ideologia da segurana nacional codificada no Pentgono.
O problema significativo a ser colocado o nvel de responsabilidade social dos professores e pesquisadores universitrios. A no preocupao com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui em fator de delinqncia acadmica ou da traio do intelectual. Em nome do servio comunidade, a intelectualidade universitria se tornou cmplice do genocdio, espionagem, engano e todo tipo de corrupo dominante, quando domina a razo do Estado em detrimento do povo. Isso vale para aqueles que aperfeioam secretamente armas nucleares (M.I.T.), armas qumico-biolgicas (Universidade da Califrnia, Berkeley), pensadores inseridos na Rand Corporation, como aqueles que, na qualidade de intelectuais com diploma acreditativo, funcionam na censura, na aplicao da computao com fins repressivos em nosso pas. Uma universidade que produz pesquisas ou cursos a quem apto a pag-los perde o senso da discriminao tica e da finalidade social de sua produo uma multiversidade que se vende no mercado ao primeiro comprador, sem averiguar o fim da encomenda, isso coberto pela ideologia da neutralidade do conhecimento e seu produto.
J na dcada de 30, Frederic Lilge [2] acusava a tradio universitria alem da neutralidade acadmica de permitir aos universitrios alemes a felicidade de um emprego permanente, escondendo a si prprios a futilidade de suas vidas e seu trabalho. Em nome da segurana nacional, o intelectual acadmico despe-se de qualquer responsabilidade social quanto ao seu papel profissional, a poltica de panelas acadmicas de corredor universitrio e a publicao a qualquer preo de um texto qualquer se constituem no metro para
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medir o sucesso universitrio. Nesse universo no cabe uma simples pergunta: o conhecimento a quem e para que serve? Enquanto este encontro de educadores, sob o signo de Paulo Freire, enfatiza a responsabilidade social do educador, da educao no confundida com inculcao, a maioria dos congressos acadmicos serve de mercado humano, onde entram em contato pessoas e cargos acadmicos a serem preenchidos, parecidos aos encontros entre gerentes de hotel, em que se trocam informaes sobre inovaes tcnicas, rev-se velhos amigos e se estabelecem contatos comerciais.
Estritamente, o mundo da realidade concreta e sempre muito generoso com o acadmico, pois o ttulo acadmico torna-se o passaporte que permite o ingresso nos escales superiores da sociedade: a grande empresa, o grupo militar e a burocracia estatal. O problema da responsabilidade social escamoteado, a ideologia do acadmico no ter nenhuma ideologia, faz f de apoltico, isto , serve poltica do poder.
Diferentemente, constitui, um legado da filosofia racionalista do sculo XVIII, uma caracterstica do verdadeiro conhecimento o exerccio da cidadania do soberano direito de crtica questionando a autoridade, os privilgios e a tradio. O servio pblico prestado por estes filsofos no consistia na aceitao indiscriminada de qualquer projeto, fosse destinado melhora de colheitas, ao aperfeioamento do genocdio de grupos indgenas a pretexto de emancipao ou poltica de arrocho salarial que converteram o Brasil no detentor do triste record de primeiro pas no mundo em acidentes de trabalho. Eis que a propaganda pela segurana no trabalho emitida pelas agncias oficiais no substitui o aumento salarial.
O pensamento est fundamentalmente ligado ao. Bergson sublinhava no incio do sculo a necessidade do homem agir como homem de pensamento e pensar como homem de ao. A separao entre fazer e pensar se constitui numa das doenas que caracterizam a delinqncia acadmica a anlise e discusso dos problemas relevantes do pas constitui um ato poltico, constitui uma forma de ao, inerente responsabilidade social do intelectual. A valorizao do que seja um homem culto est estritamente vinculada ao seu valor na defesa de valores essenciais de cidadania, ao seu exemplo revelado no pelo seu discurso, mas por sua existncia, por sua ao.
Ao analisar a crise de conscincia dos intelectuais norte-americanos que deram o aval da escalada no Vietn, Horowitz notara que a disposio que eles revelaram no planejamento do genocdio estava vinculada sua formao, sua capacidade de discutir meios sem nunca questionar os fins, a transformar os problemas polticos em problemas tcnicos, a desprezar a consulta poltica, preferindo as solues de gabinete, consumando o que definiramos como a traio dos intelectuais. aqui onde a indignidade do intelectual substitui a dignidade da inteligncia.
Nenhum preceito tico pode substituir a prtica social, a prtica pedaggica.
A delinqncia acadmica se caracteriza pela existncia de estruturas de ensino onde os meios (tcnicas) se tornam os fins, os finsformativos so esquecidos; a criao do conhecimento e sua reproduo cede lugar ao controle burocrtico de sua produo como suprema virtude, onde administrar aparece como sinnimo de vigiar e punir o professor controlado mediante os critrios visveis e invisveis de nomeao; o aluno,
mediante os critrios visveis e invisveis de exame. Isso resulta em escolas que se constituem em depsitos de alunos, como diria Lima Barreto em Cemitrio de Vivos.
A alternativa a criao de canais de participao real de professores, estudantes e funcionrios no meio universitrio, que oponham-se esclerose burocrtica da instituio.
A autogesto pedaggica teria o mrito de devolver universidade um sentido de existncia, qual seja: a definio de um aprendizado fundado numa motivao participativa e no no decorar determinados clichs, repetidos semestralmente nas provas que nada provam, nos exames que nada examina, mesmo porque o aluno sai da universidade com a sensao de estar mais velho, com um dado a mais: o diploma acreditativo que em si perde valor na medida em que perde sua raridade.
A participao discente no constitui um remdio mgico aos males acima apontados, porm a experincia demonstrou que a simples presena discente em colegiados fator de sua moralizao.
____________ * Texto apresentado no I Seminrio de Educao Brasileira, realizado em 1978, em Campinas-SP. Publicado em: TRAGTENBERG, M. Sobre Educao, Poltica e Sindicalismo. S Paulo: Editores Associados; Cortez, 1990, 2 ed. (Coleo teoria e prticas sociais, vol 1) [1] Kaysen pretende atribuir uma alma corporao multinacional; esta parece no preocupar-se com tal esforo construtivo do intelectual. [2] Frederic LILGE, The Abuse of Learning: The Failure of German University.
Macmillan, New York, 1948
2.A corrupo acadmica e a crise financeira
CHARLES FERGUSON
DO "GUARDIAN" - 27/05/2012 - 08h00
Muitas pessoas que viram meu documentrio "Trabalho Interno" (2010)
acharam que a parte mais perturbadora a revelao sobre amplos conflitos
de interesses em universidades e institutos de estudos e entre pesquisadores
acadmicos. Espectadores que assistiram s minhas entrevistas com
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eminentes professores universitrios ficaram estarrecidos com o que saiu da
boca deles.
Mas no deveramos ter ficado surpresos. Nas duas ltimas dcadas, mdicos
j comprovaram de modo substancial a influncia que o dinheiro pode exercer
num campo supostamente objetivo e cientfico. De modo geral, as escolas de
medicina e os peridicos mdicos vm reagindo bem, aderindo s exigncias
de transparncia.
Os cursos de ps-graduao em economia, as faculdades de administrao, as
de direito e as de cincia poltica vm reagindo de modo muito diferente. Nos
ltimos 30 anos, parcelas importantes do mundo acadmico americano foram
deterioradas, convertendo-se em atividades do tipo "pay to play" (pague para
participar).
Gary Hershorn - 27.fev.11/Reuters
Charles Ferguson, diretor, e Audrey Marrs, produtora do filme, na entrega do
Oscar de Melhor Documentrio
Hoje em dia, se voc vir um clebre professor de economia depondo no
Congresso ou escrevendo um artigo, so boas as chances de ele ou ela ter
sido pago por algum com grande interesse no que est em debate. Na maior
parte das vezes esses professores no revelam esses conflitos de interesse.
Alm disso, na maior parte do tempo suas universidades se fazem de
desentendidas.
Meia dzia de firmas de consultoria, vrios birs de palestrantes e diversos
grupos de lobby de setores diferentes mantm grandes redes de acadmicos
de aluguel, com o objetivo de defender os interesses desses grupos em
discusses sobre polticas e regulamentao.
Os principais setores envolvidos so energia, telecomunicaes, sade,
agronegcio e, sem dvida, o setor de servios financeiros.
Alguns exemplos: o economista Glenn Hubbard virou reitor da Columbia
Business School em 2004, pouco depois de deixar o governo George W. Bush
(2001-09), no qual trabalhou no Departamento do Tesouro e foi o primeiro
presidente do Conselho de Assessores Econmicos do presidente, entre 2001
e 2003.
Boa parte de seu trabalho acadmico dedicado poltica fiscal. Num resumo
justo de suas posies intelectuais, pode-se dizer que ele jamais viu um
imposto que tenha gostado de ver aprovado e em vigor. Em novembro de
2004, ele escreveu um artigo espantoso em coautoria com William C. Dudley,
ento economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs.
O artigo em questo, "Como os Mercados de Capitais Elevam a Performance
Econmica e Facilitam a Gerao de Empregos", merece ser citado. Vale
lembrar que estamos em novembro de 2004, com a bolha j bem
encaminhada:
"Os mercados de capital tm ajudado a tornar o mercado imobilirio menos
voltil. 'Arrochos de crdito' do tipo que, periodicamente, fecharam a oferta de
recursos aos compradores da casa prpria [...] so coisas do passado."
Hubbard se negou a dizer se foi pago ou no para escrever o artigo. E se
negou a me fornecer sua declarao mais recente de conflitos de interesse
financeiros com o governo, documento que no pudemos obter de outra forma
porque a Casa Branca o destruiu.
Hubbard recebeu US$ 100 mil para depor na defesa criminal dos dois gerentes
do fundo hedge (de alto risco) Bear Stearns, processados por envolvimento
com a bolha; eles foram absolvidos. No ano passado, Hubbard se tornou
assessor econmico snior da campanha presidencial de Mitt Romney, o pr-
candidato republicano Presidncia dos EUA.
RABO PRESO
Outro economista, Larry Summers, j ocupou quase todos os cargos
governamentais importantes na rea econmica. Secretrio do Tesouro sob o
presidente Bill Clinton (1993-2001), em 2009 ele se tornou diretor do Conselho
Econmico Nacional na administrao Barack Obama.
Embora seja sensato em relao a muitas questes, Summers cometeu uma
sucesso bem documentada de erros e concesses. E seus pontos de vista
sobre o setor financeiro dificilmente seriam distinguidos dos de, digamos, Lloyd
Blankfein (chefe do Goldman Sachs) ou Jamie Dimon (presidente do banco
JPMorgan).
Diego Giudice - 1.dez.99/Associated Press
O ento secretrio do Tesouro americano, Larry Summers em visita a Buenos
Aires
A maior parte de nossas informaes sobre Summers vem de sua declarao
obrigatria de conflitos de interesse, exigida pelo governo. De acordo com a
declarao dada em 2009 por Summers, sua fortuna lquida estava calculada
entre US$ 17 milhes e US$ 39 milhes. Seus recebimentos totais no ano
antes de ingressar no governo chegaram a quase US$ 8 milhes. O Goldman
Sachs pagou a Summers US$ 135 mil por um discurso.
Larry Summers um homem com o rabo preso, que deve a maior parte de sua
fortuna e boa parte de seu sucesso poltico indstria de servios financeiros e
que esteve envolvido em algumas das decises de poltica econmica mais
desastrosas da ltima metade de sculo. Na administrao Obama, Summers
se ops adoo de medidas fortes para punir banqueiros ou limitar a receita
deles.
A universidade de Harvard ainda no exige que Larry Summers divulgue seus
envolvimentos com o setor financeiro. Tanto Harvard quanto Summers
negaram meus pedidos de informao.
O problema da corrupo acadmica hoje est to profundamente
entrincheirado que essas disciplinas e essas universidades importantes esto
gravemente comprometidas, e qualquer pessoa que pensasse em se opor
tendncia ficaria racionalmente muito assustada.
COMEDIMENTO
Considere a seguinte situao: voc estudante de doutorado ou um membro
jnior do corpo docente que estuda a possibilidade de fazer pesquisas sobre,
digamos, as estruturas de pagamento aos profissionais que assumem riscos
nos servios financeiros, ou sobre o impacto potencial das exigncias de
divulgao pblica de informaes sobre o mercado de "credit default swaps" --
instrumentos financeiros que funciona como um seguro contra calotes. O reitor
de sua universidade ... Larry Summers. O chefe de seu departamento ...
Glenn Hubbard.
Ou voc est no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e quer estudar o
declnio dos pagamentos de impostos de pessoas jurdicas. A reitora do MIT
Susan Hockfield, que faz parte do conselho de direo da General Electric,
uma empresa que vem conseguindo evitar o pagamento de quase todos os
impostos corporativos h vrios anos.
At que ponto essas foras de fato afetam as pesquisas acadmicas e as
polticas das universidades? As evidncias das quais dispomos sugerem que o
efeito grande.
Os comentrios sobre a crise financeira proferidos por economistas na
academia tm sido bastante comedidos. verdade que existem algumas
excees notveis. Na maior parte do tempo, porm, o silncio tem sido
ensurdecedor.
Como possvel que um setor inteiro seja estruturado de modo que
funcionrios sejam encorajados a saquear e destruir suas prprias firmas? Por
que a desregulamentao e a teoria econmica fracassaram to
espetacularmente?
O lanamento do documentrio "Trabalho Interno" claramente mexeu com
sensibilidades que foram tocadas por essas questes. Fui contatado por
estudantes e docentes em grande nmero, e houve debates em grande
nmero.
Algumas escolas, incluindo a Columbia Business School, adotaram exigncias
de divulgao de informaes pela primeira vez.
Mas a maioria das universidades ainda no faz essas exigncias, e poucas ou
nenhuma impem qualquer limitao existncia de conflitos de interesse. O
mesmo se aplica maioria das publicaes acadmicas.
Reprteres de jornais so proibidos terminantemente de aceitar dinheiro de
qualquer setor econmico ou organizao sobre o qual escrevam matrias. O
mesmo no acontece no mundo acadmico.
Houve um avano positivo importante. No incio deste ano, a Associao
Americana de Economia passou a exigir uma declarao de conflitos de
interesse para os sete peridicos que edita.
Mas a maioria das instituies ainda se ope divulgao de mais
informaes, e, quando eu estava fazendo meu filme, se negou at mesmo a
tratar do assunto.
Traduo de CLARA ALLAIN.
4.Outra Educao, alm da monotonia acadmica
ALEX BRETAS VASCONCELOS 02/02/2015
http://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/http://outraspalavras.net/author/alexbretasvasconcelos/
HTTP://MERCADOPOPULAR.ORG/2015/07/COMO-A-UNIVERSIDADE-
PUBLICA-E-GRATUITA-AUMENTA-A-DESIGUALDADE-DE-RENDA/
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Um padeiro medieval e seu aprendiz. Journeymen contemporneos reelaboram tradio da Idade Mdia: viajar pelo mundo em troca apenas de hospedagem e experincia Jornadas de aprendizado. Viagens-projeto. Doutorados informais. Mentorias. Como se multiplicam e diversificam as formas de conhecer por meio da experincia elaborada
Por Alex Bretas Vasconcelos
At ento, eu me via trabalhando como designer, mas Cuba me fez virar jornalista ao menos por alguns dias. Viajei at l para trabalhar num projeto artstico de fotografia e vdeo com Daniel Castro, para quem eu j havia trabalhado em So Francisco, nos EUA. Entretanto, de uma hora pra outra nos vimos num trabalho jornalstico entrevistando vrias pessoas, na frente e atrs das cmeras.
Numa noite, encontramos dois jovens estudantes cubanos que toparam nos abrir portas para fotografarmos alguns moradores. O que eles no sabiam que ns tambm entrevistamos cada um deles, perguntando coisas sobre a situao de Cuba e como isso afetava as suas vidas. Conhecemos gente que no via seus filhos h anos, desde que eles tentaram fugir da ilha num barco. Conversamos com danarinas exticas apaixonadas por Fidel Castro e com pessoas que afogavam suas mgoas em rum.
http://mercadopopular.org/2015/07/como-a-universidade-publica-e-gratuita-aumenta-a-desigualdade-de-renda/http://mercadopopular.org/2015/07/como-a-universidade-publica-e-gratuita-aumenta-a-desigualdade-de-renda/http://www.facebook.com/sharer.php?u=http://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/http://twitter.com/share?url=http://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/&text=Outra+Educa%C3%A7%C3%A3o,+al%C3%A9m+da+monotonia+acad%C3%AAmica+outraspalavrasshttps://plus.google.com/share?url=http://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/javascript:void((function(){var e=document.createElement('script');e.setAttribute('type','text/javascript');e.setAttribute('charset','UTF-8');e.setAttribute('src','//assets.pinterest.com/js/pinmarklet.js?r='+Math.random()*99999999);document.body.appendChild(e)})());http://www.linkedin.com/shareArticle?mini=true&url=http://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/mailto:?Subject=Outra Educa%C3%A7%C3%A3o, al%C3%A9m da monotonia acad%C3%AAmica&Body= http://outraspalavras.net/destaques/outra-educacao-alem-da-monotonia-academica/http://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2015/02/150202-Journeyman.jpg
Entrevistar pessoas e perguntar-lhes sobre suas opinies polticas no uma coisa que as autoridades cubanas gostam de ver Pouco a pouco, uma paranoia comeou a tomar conta de ns: toda vez que um policial se aproximava, os dois jovens cubanos precisavam mostrar seus documentos de identificao. E se algum for preso, caso eles nos descubram? E se ns formos embora, publicarmos as entrevistas online e a polcia ficar sabendo quem critica o regime? Passou. Os vdeos que gravamos sero apresentados em breve junto a uma exposio de fotos nos EUA. E, assim espero, mais pessoas entendero que o embargo a Cuba no est ajudando ningum.
Fabian Sixtus Krner um journeyman. E o que ele acabou de nos relatar espelha a jornada que essas pessoas escolhem viver, cheia de imprevisibilidades e tambm de desenvolturas. No sculo XIV, eram comuns na Alemanha jovens que deixavam suas casas e viajavam pelo mundo por trs anos e um dia, a fim de se desenvolverem como artesos trabalhando somente por comida, hospedagem e transporte para o prximo destino. Hoje em dia, a tradio do journeyman mantida acesa por jovens como Fabian, que viajou durante dois anos e trs meses e trabalhou como designer, arquiteto e fotgrafo (para alm do eventual job como jornalista) em lugares to distintos quanto China, Egito, Etipia e Cuba.
Conheci essa histria depois de uma tima conversa com a Luah Galvo e o Danilo Espaa, que idealizaram o Walk and Talk como uma volta ao mundo em busca do que move, inspira e motiva. Num desses encontros inesquecveis tpicos das viagens, eles se depararam com um journeyman no meio de uma praia na Guatemala. Arretados, acabaram dando uma de cupido e fizeram a ponte entre ele e uma australiana que havia resolvido viver por ali desde que conhecera aquela belssima paisagem. Recentemente, veio ao mundo um journeybaby.
Como poderamos nos (re)apropriar deste esplendor das jornadas de aprendizagem? A tradio do journeyman uma imagem pulsante que caminha nessa direo. Outro exemplo o UnCollege, um experimento educativo de autoaprendizagem recm-chegado ao Brasil e cuja base por aqui em Ilhabela SP. O Gap Year, programa de um ano oferecido pelo UnCollege, estruturado em quatro etapas que conformam uma grande jornada: Viagem, Lanamento, Estgio e Projeto. Todo esse percurso imbudo de um esprito de desafio, permeado pela curiosidade e repleto de interaes e imprevisibilidades. Trata-se de uma descrio excelente para a aprendizagem, ou para o viver-aprender.
Nesse sentido, ser que jornada e aprendizagem seriam equivalentes? No processo do doutorado informal, entendo que a jornada de aprendizagem pode ser um caminho especialmente valioso para, alm de suscitar algumas respostas, inaugurar novas perguntas. Lucas Favaretto, por exemplo, resolveu sair Pelo Mundo de Magrela e conhecer o sul do Brasil pedalando. Foram 86 dias de subida, descida, pouso, alimento, carinho, verdade, amizade, sorrisos,
http://walkandtalk.com.br/caminho-de-santiago/http://brazil.uncollege.org/story/index.htmlhttps://www.facebook.com/pelomundodemagrelahttp://www.outraspalavras.net/outrosquinhentos/
buzinas, abraos. Minha amiga Thaiane Moregola tambm escolheu a bicicleta como instrumento de reflexo, e ousou ser Buscante do seu sonho de redescobrir o mundo por outra perspectiva.
Se uma jornada no precisa ser do heri (ou talvez heris sejamos todos), tambm no precisa significar necessariamente viagem. Como so as jornadas que escolhemos e criamos para nossas vidas?
Quando algum toma conscincia de que est numa jornada, d mais valor para as interaes e os dilogos que surgem no meio do caminho. Afinal, esses momentos sempre podem se tornar indispensveis oportunidades de desenvolvimento para os confrontos que aguardam nosso heri. Paul Feyerabend, em seus Dilogos sobre o Conhecimento, d vida a Gaetano, um jovem tmido que tem o ar de quem escreve poesia, e este personagem que alerta a todos a respeito da monotonia intelectual que alguns doutores e acadmicos insistem em reproduzir. Gaetano, ento, salienta que houve um tempo em que se nutriam relaes pessoais com os sbios, ao invs de somente citar os autores clssicos nas teses e dissertaes. E continua: no creio que exista hoje relao pessoal anloga, o que h uma forte presso pessoal para o conformismo e, sobretudo, em vez da conversao viva que Plato queria, temos frases vazias combinadas de maneira esquemtica.
Pois bem, digamos a Gaetano e a Feyerabend: essas relaes e conversaes vivas esto sendo resgatadas e, acredito, mais rapidamente fora dos domnios da universidade do que dentro dela. A mentoria um tipo de abordagem que reflete esse resgate. Um mentor um parceiro de jornada, algum que no se restringe s tentativas de impessoalidade do ambiente acadmico. Por isso, uma relao afetiva, amorosa, educativa. No h uma pretenso hierrquica ou qualquer tipo de subordinao entre o mentor e o mentorado. mais aprendizagem mtua (sim, o mentor tambm est ali para aprender!) do que ensino.
Nos percursos de doutorado informal, a mentoria uma possibilidade muito interessante. Em outras palavras: se voc encontrar uma pessoa que admira e sentir que de alguma forma ela poder te ajudar no seu processo, convide-a para uma conversa e veja no que d. Pode me ensinar sua arte? o que Andr Stern pergunta para um luthier que encontrou na Sua, no documentrio Ser e Vir a Ser (Being and Becoming, no original em ingls), sobre desescolarizao. Posso te mostrar como fao, mas no posso te ensinar nada foi a resposta que ele ouviu. Iniciou-se uma frutfera relao de mentoria isto , de aprendizagem.
Essa postura de no ensinar, mas aprender junto tem muito a ver com desescolarizao. No caso, de adultos. E justamente isso que o doutorado informal pode propiciar. Clara Bellar, diretora do filme, fez um desabafo aps uma exibio em So Paulo: quando eu conheci adultos que no foram escolarizados, eu fiquei com inveja, de tanta autoconfiana que eles demonstram! Chega at a agredir. Eles so to fortalecidos, to seguros de si! A jornada do doutorado informal , no limite, um trajeto de fortalecimento
https://www.facebook.com/thaybuscante
humano, e a heteronomia acarretada pela mentalidade escolar vai sendo pouco a pouco encurtada para dar lugar autonomia do ser que quer vir a ser.
Sistemicamente, criar empodimentos de aprendizagem em adultos e crianas significa pintar um novo mundo com cores diferentes daquelas diagnosticadas por Ivan Illich, quando ele diz que no apenas a educao, mas a prpria realidade social tornou-se escolarizada.
O doutorado informal passa a representar, a partir das suas aproximaes com as jornadas de aprendizagem e a desescolarizao, mais um processo do que uma ao pontual ou um projeto. Passa a ser um jeito de viver-aprender. Ainda assim, pra mim, existe uma necessidade de haver um lado mais sistemtico que trabalha com ciclos recursivos de entregas: se, antes, eu consideraria meu doutorado informal como finalizado aps entregar o que me comprometi (um livro, produto, servio, evento, curta-metragem etc), agora minha compreenso caminha no sentido de considerar esse marco apenas como o primeiro passo de uma espiral.
medida que me reconheo em minha autonomia e deixo fluir minhas paixes, este no um processo que costuma parar. Haver outras entregas, e acredito que o ritmo ou a pulsao so importantes como numa sequncia de Us encadeados, numa hora estou num ciclo de aprofundamento, e noutra, num ciclo de entrega ou de realizao.
No livro Mapeando Dilogos, de Marianne Mille Bojer e outros autores, h uma compreenso mais especfica sobre as jornadas de aprendizagem que pode ser particularmente til como ferramenta num ciclo de aprofundamento: aqui, elas significamjornadas de um lugar para outro com o objetivo de explorar e experimentar o mundo em primeira mo e tm uma relao forte com a criao de empatia e com princpios do dilogo.
Numa tpica jornada de aprendizagem, os participantes so convidados a se sentar em pequenos grupos para conversar com os atores locais, buscando entender sua realidade. Escutam no apenas com a mente aberta, mas tambm com o corao e a vontade abertos. Aps a visita, escutam as perspectivas de cada um e, por meio da conversa, chegam a uma compreenso mais profunda e a um quadro mais completo do que foi experienciado.
Caio Dib aproveitou-se da essncia que anima as jornadas de aprendizagem para ir em busca do seu sonho de viajar pelo pas para conhecer experincias educativas inspiradoras. o projeto Caindo no Brasil, cujo livro retrata algumas timas histrias como a de Seu Luiz, meu conterrneo de Minas Gerais. Caio narra o encontro que teve com ele numa viagem por terras mineiras. Durante nossa conversa, ele me contava sobre assuntos que circundavam sua realidade e que passavam pela nossa janela do nibus. Ele sempre completava com mas voc deve saber disso, n? Voc estudou!.
Na maioria das vezes, no sabia. Eram saberes populares ou conhecimentos necessrios para a realidade dele. No sabia medir um hectare apenas
https://www.facebook.com/caindonobrasil
olhando, no sabia fazer o parto de uma vaca, no sabia quanto custava um caminho carregado de madeira para se fazer carvo.
Esse trecho assinala, por um lado, o relativismo cultural que Paul Feyerabend argumenta, em algumas de suas obras, ser imprescindvel para entender a aprendizagem ou o conhecimento. A sabedoria que Seu Luiz demonstrava pertencia a um mundo completamente diferente do que o que Caio habitava. No caso, poderamos dizer que sabedoria popular, mas penso que talvez esse termo no consiga exprimir as singularidades existentes em cada fala e em cada contexto. Sabedorias so vrias, e populaes tambm.
De outro lado, percebo a beleza da narrativa construda pelo Caio, que emana de sua escolha por simplesmente contar histrias. Toda vez que estabeleo contato com iniciativas assim, me lembro da provocao que Ian Mitroff se fez, retomada por Juanita Brown: a questo ento no se contar histrias cincia, mas sim ser que a cincia consegue aprender a contar boas histrias? (traduo livre). Assim, por esse caminho, vejo aproximarem-se os mundos da poesia e da racionalidade, da fico e da realidade, da arte e da cincia. Tudo so histrias.
Fabian Krner, o journeyman que foi jornalista em Cuba e percorreu o mundo para aprimorar seu talento e se enriquecer de experincias diversas e interessantes, escreveu um livro para contar sua histria. Segundo ele, a tradio dos journeymen aponta que eles devem sempre compartilhar seus momentos mais marcantes com a comunidade. Faz parte da jornada.
Referncias
Berlin FM 104,1. Crossing Borders With Fabian Sixtus Krner at TEDxBerlin. Nov. 2012.Disponvel em: . Acesso em: 3 out. 2014.
Bojer, Marianne Mille et al. Mapeando dilogos: ferramentas essenciais para a mudana social. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010.
BROWN, Juanita. The World Caf: Living Knowlegde Through Conversations That Matter.Tese (Doutorado em Filosofia)Human and Organizational Development, The Fielding Institute, Saint Barbara, 2001.
Dib, Caio. Caindo no Brasil: uma viagem pela diversidade da educao. 2014.
Fabian Sixtus Krner. We Are No Journalists. In: Stories of a Journeyman (blog). Dez. 2011. Disponvel em: . Acesso em: 3 out. 2014.
Feyerabend, Paul. Dilogos Sobre o Conhecimento. So Paulo: Perspectiva, 2008.
Fonseca, Andr Azevedo da. Sociedade sem escolas (Parte 1) Introduo ao pensamento de Ivan Illich. Video do Youtube publicado em 15/09/2014. Disponvel em: . Acesso em: 4 out. 2014.
4.Como a universidade pblica e gratuita aumenta a desigualdade de
renda
Carlos Ges @goescarlos On 23/07/2015
Existe um grande paradoxo na realidade poltica brasileira. Aqueles que usualmente se colocam como defensores da justia social e dos mais vulnerveis, normalmente tambm entendem que as universidades pblicas devem ser financiadas do modo que so hoje: com dinheiro de impostos. Tentativas de financiamento privado da universidade pblica por meio de empresas e fundaes privadas ou de cobrana de taxas de mensalidade e matrcula para os estudantes mais abastados como tentou fazer, durante algum tempo, a UFMG so rechaados como mtodos de privatizao da universidade pblica, gratuita e de qualidade. Mas por que essa justaposio de defesas seria um paradoxo? A realidade que, quando se olha para os dados do conjunto dos estudantes de universidades pblicas brasileiras, observa-se que estastendem a beneficiar os ricos de forma desproporcional. Por causa da alta concorrncia das universidades pblicas e da baixa qualidade das escolas pblicas brasileiras, aqueles em situao econmica mais vulnervel tm pouca chance de conseguir uma vaga para estudar em uma universidade financiada pelo contribuinte. Os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domiclios do IBGE mostram a realidade dessa distoro. Usando os critrios de classe desenhados pela
http://www.outraspalavras.net/outrosquinhentos/http://www.outraspalavras.net/outrosquinhentos/http://mercadopopular.org/author/goes/http://twitter.com/goescarloshttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12349.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12349.htmhttp://agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/171903http://agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/171903http://mercadopopular.org/2015/06/5-medidas-do-governo-que-pioram-a-desigualdade-no-brasil/http://mercadopopular.org/2015/06/5-medidas-do-governo-que-pioram-a-desigualdade-no-brasil/http://goo.gl/VxhKTuhttp://mercadopopular.org/wp-content/uploads/2015/07/IMG_7389_2.jpg
Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, a classe alta corresponde a 24,8% da populao. Mas, nas universidades pblicas, a classe alta ocupa 45,5% das vagas. Do outro lado dessa equao, as pessoas que esto hoje na classe baixa so 23,1% da populao brasileira, mas apenas 8,4% da populao universitria. Os dados esto expostos no grfico abaixo (clique aqui para um grfico com faixas de renda mais detalhadas).
Note que esses dados so de 2013 portanto, aps os amplos ciclos de expanso das universidades federais e disseminao das polticas de ao afirmativa durante o governo Lula. Mesmo aps esses processos, a universidade pblica continua beneficiando primariamente os mais ricos. E isso acontece mesmo em pases bem mais igualitrios que o Brasil: mesmo na Noruega pobres tm dificuldade em chegar universidade pblica. Como pessoas com ensino superior tendem a ter salrios maiores, essa distoro nas universidades pblicas acaba financiando com impostos um sistema de aumento e perpetuao das desigualdades de renda. Essa realidade estatstica algo que quem conhece universidades pblicas j percebia intuitivamente. Certa vez, eu ouvi um professor da Universidade de Braslia dizer algo que esses dados confirmam: as universidades do governo so universidades estatais, mas no universidades pblicas. Elas so universidades que, apesar de utilizarem recursos do estado, beneficiam primariamente aqueles que esto nas faixas mais altas de renda.
Existe um problema adicional nessa questo. De acordo com dados da OCDE, enquanto o governo brasileiro gasta cerca de 11 mil dlares por cada estudante de uma universidade pblica, o gasto com cada estudante de ensino mdio cerca de 2.700 dlares. Ou seja, para cada estudante que financiado pelo governo para frequentar o ensino superior, seria possvel financiar quatro
http://goo.gl/VxhKTuhttp://mercadopopular.org/wp-content/uploads/2015/07/uni2.pnghttp://mercadopopular.org/wp-content/uploads/2015/07/uni2.pnghttp://mercadopopular.org/2015/06/aprendendo-com-a-noruega/http://mercadopopular.org/2015/06/aprendendo-com-a-noruega/http://goo.gl/mI6xEthttp://mercadopopular.org/wp-content/uploads/2015/07/uni.png
estudantes no ensino mdio. Isso muito importante porque, como mostram dados do IBGE, a maioria das pessoas que esto entre os mais 20% mais pobres do Brasil sequer termina o ensino fundamental. Subsidiar a educao superior dos mais ricos enquanto os mais pobres sequer terminam os ensinos fundamental e mdio resulta em transferncia de renda dos mais pobres para os mais ricos. Por isso, as universidades pblicas brasileiras so um dos mais importantes mecanismos de perpetuao das desigualdades de renda que j existiu na histria brasileira. Enquanto os filhos da elite so educados com o dinheiro dos contribuintes (no Brasil, majoritariamente negros e pobres), os filhos dos mais pobres tero pouqussimas chances de conseguir entrar na universidade pblica.
Uma alternativa bvia mudar o foco do investimento pblico da educao superior para a educao de base: pr-escolar, primria e secundria. James Heckman, prmio Nobel em Economia, coletou dados durante cinquenta anos e demonstrou que os retornos ao investimento em educao, em termos econmicos para a sociedade e cognitivos para as crianas, so maiores quando esses investimentos so direcionados educao de base em especial na primeira infncia. Por isso, no lugar de criar programas que mandem os filhos dos ricos estudar no exterior com o dinheiro de impostos com o Cincia Sem Fronteiras o governo federal poderia recordar de umapromessa de campanha da Presidenta Dilma e pagar bolsas de estudo para estudantes pobres estudarem em boas escolas particulares. Alm disso, para horror dos puristas, o governo poderia cobrar uma mensalidade daqueles estudantes que podem pagar como acontece por exemplo nas universidades pblicas dos Estados Unidos, onde a bolsa recebida proporcional renda familiar do aluno e usar esse oramento para incentivar a educao pr-escolar, o que garantiria melhores ndices escolares para as crianas no ensino fundamental e mdio e facilitaria a insero das mulheres em especial mes solteiras no mercado de trabalho. Talvez voc tenha torcido o nariz ao ouvir algumas dessas propostas, mas seja pragmtico e pense duas vezes. Apesar da sua paixo ideolgica, a tal universidade pblica, gratuita e de qualidade, na verdade, est ajudando a fomentar uma sociedade desigual que voc no gosta. Se voc, como eu, realmente se preocupa com os mais pobres e com justia social, voc precisa ajudar a mudar essa situao. E, pra isso, precisa mudar de opinio.
6.Grandes grupos econmicos esto ditando a formao de
crianas e jovens brasileiros
Em entrevista exclusiva, novo reitor da UFRJ, Roberto Leher, aponta os impactos da lgica mercantilizada sobre a educao brasileira e aponta que como grupos financeiros tentam dominar a educao pblica.
Por Luiz Felipe Abulquerque - De So Paulo (SP) - 01/07/2015
http://goo.gl/ddolwJhttp://goo.gl/ddolwJhttps://economics.sas.upenn.edu/sites/economics.sas.upenn.edu/files/u21/0_PerryFactorPaper_AER_2012-09-07_sjs.pdfhttps://economics.sas.upenn.edu/sites/economics.sas.upenn.edu/files/u21/0_PerryFactorPaper_AER_2012-09-07_sjs.pdfhttp://www.nber.org/papers/w14064.pdfhttp://www.nber.org/papers/w14064.pdfhttp://www.nber.org/papers/w14064.pdfhttp://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/dilma-promete-estender-prouni-para-ensino-medio-23bkoebah73qrmuefo145pjdahttp://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/dilma-promete-estender-prouni-para-ensino-medio-23bkoebah73qrmuefo145pjdahttp://admission.universityofcalifornia.edu/paying-for-uc/how-aid-works/estimate-your-aid/index.htmlhttp://admission.universityofcalifornia.edu/paying-for-uc/how-aid-works/estimate-your-aid/index.html
Um grande negcio. assim que o novo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, enxerga o novo momento da educao brasileira.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor titular da Faculdade de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRJ traa um panorama do atual estgio da educao no Brasil, e as concluses no so nada animadoras.
Para Leher, que tomar posse nesta sexta-feira (3), os recentes processos de fuses entre grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, e a criao de movimentos como o Todos pela Educao representam a sntese deste processo.
No primeiro caso, ocorre uma inverso de valores, em que o primordial no mais a educao em si, mas a busca de lucros exorbitantes por meio de fundos de investimentos. No segundo, a defesa de um projeto de educao bsica em que a classe dominante define forma e contedo do processo formativo de crianas e jovens brasileiros.
O movimento Todos Pela Educao uma articulao entre grandes grupos econmicos como bancos (Ita), empreiteiras, setores do agronegcio e da minerao (Vale) e os meios de comunicao que procuram ditar os rumos da educao no Brasil.
Para o professor, o movimento se organiza numa espcie de Partido da classe dominante, ao pensarem um projeto de educao para o pas, organizarem fraes de classe em torno desta proposta e criar estratgias de difuso de seu projeto para a sociedade.
Os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianas e jovens brasileiros sero formados. E fazem isso como uma poltica de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepes clara de formao, de modo a converter o conjunto das crianas e dos jovens em capital humano, observa o professor.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato - Muitos setores denunciam a atual mercantilizao da educao brasileira. O que est acontecendo neste setor?
Roberto Leher - De fato h mudanas no que diz respeito a mercantilizao da educao, diferente do que acontecia at 2006 no Brasil. Os novos organizadores dessa mercantilizao so organizaes de natureza financeira, particularmente os chamados fundos de investimento.
Como o prprio nome diz, os fundos de investimentos so fundos constitudo por vrios investidores, grande parte estrangeiro, como fundos de penso,
trabalhadores da GM, bancos, etc, que apostam num determinado fundo, e esse fundo vai fazer negcios em diversos pases.
Em geral, os fundos fazem fuses, como o caso da Sadia e Perdigo no Brasil. Mas o mesmo grupo que tambm adquiri faculdades e organizaes educacionais com o objetivo de constituir monoplios.
Esse processo levou a Kroton e a
Anhanguera - fundo Advent e Ptria - a constiturem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que hoje j possui mais de 1,2 milho de estudantes, mais do que todas as universidades federais juntas.
O que muda com essa nova forma de mercantilizao da educao?
O negcio do investidor no propriamente a educao, o fundo. Ele investiu no fundo e quer resposta do fundo, que cria mecanismos para que os lucros dos setores que eles esto fazendo as aquisies e fuses sejam lucros exorbitantes. isso que valoriza o fundo.
A racionalidade com que organizada as universidades sob controle dos fundos uma racionalidade das finanas. So gestores de finanas, no so administrados educacionais. So operadores do mercado financeiro que esto controlando as organizaes educacionais.
Toda parte educacional responde uma lgica dos grupos econmicos, e por isso eles fazem articulaes com editoras, com softwares, hardwares, computadores, tablets; um conglomerado que vai redefinindo a formao de milhes de jovens.
No caso do Brasil, cinco fundos tm atualmente cerca de 40% das matrculas da educao superior brasileira, e trs fundos tm quase 60% da educao distncia no Brasil.
Quais os interesses dessas grandes corporaes para alm do econmico?
A principal iniciativa dos setores dominantes na educao bsica brasileira uma coalizo de grupos econmicos chamadoTodos pela Educao, organizado pelo setor financeiro, agronegcio, mineral, meios de comunicao,
Crdito: Reproduo
que defendem um projeto de educao de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para o conjunto da sociedade brasileira.
Em outras palavras, os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianas e jovens brasileiros sero formados. E fazem isso como uma poltica de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepes clara de formao, de modo a converter o conjunto das crianas e dos jovens em capital humano.
Em ltima instncia, com isso que eles esto preocupados: em como fazer com que a juventude seja educada na perspectiva de serem um fator da produo. Essa a racionalidade geral, e isso tem vrias mediaes pedaggicas.
A aparncia de que esto preocupados com a alfabetizao, com a escolarizao, com o aprendizado, etc. E de fato esto, mas dentro dessa matriz de classe, no sentido de educar a juventude para o que seria esse novo esprito do capitalismo, de modo que no vislumbrem outra maneira de vida que no aquela em que sero mercadorias, apenas fora de trabalho.
De que maneira eles interferem nas polticas educacionais do Estado?
Como sociedade civil, os setores dominantes buscam interferir nas polticas de Estado. O Todos pela Educao conseguiu difundir a sua proposta educativa para o Estado, inicialmente por meio do Plano Nacional de Educao (PNE) - que alis foi homenageado com o nome Plano de Metas Compromisso Todos pela Educao, em referncia ao movimento. Com isso definiram em grandes linhas o que seria o PNE que est vigente.
Articulam por meio de leis, mas tambm da adeso de secretrios municipais e estaduais s suas metas, aos seus objetivos. Articulam com o Estado, que cria programas, como o programa de aes articuladas, em que a prefeitura, quando apresenta um projeto para o desenvolvimento da educao municipal, tem que implicitamente aderir s metas do movimento Todos pela Educao.
Temos um complexo muito sofisticado que interage as fraes burguesas dominantes, as polticas de Estado e os meios operativos do Estado para viabilizar esta agenda educacional.
Mas como se d isso na prtica?
Quando um municpio faz um programa de educao para a sua regio, ele j deve estar organizado com base no princpio de que existe uma idade certa para educao, que os contedos no devem se referenciar nos conhecimentos, mas sim no que eles chamam de competncias, que o professor no deve escapar deste currculo mnimo que eles esto desenvolvendo por meio de uma coero da avaliao.
A escola que no consegue bons ndices no Idep [ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica] penalizada, desmoralizada, sai nos jornais, e isso cria um constrangimento que chega ao cotidiano da sala de aula, e as prefeituras pressionadas por esses ndices acabam sucumbidos s frmulas que o capital
oferece. A mais importante delas comprar sistemas de ensino, apostilas, que so fornecidos pelas prprias corporaes.
O professor est em sala de aula, recebe apostilas, exames padronizadas que foram feitos pela corporao, e na prtica, ao invs do professor desenvolver um papel intelectual, criador, ele tem que ser muito mais um aplicador das cartilhas, um entregador de conhecimento, e isso obviamente esvazia o papel do professor que tem consequncias diretas com o processo de formao.
A formao esperada do educador no uma formao enquanto intelectual, mas sim como algum que sabe desenvolver tcnicas para aplicar aquelas pacotes que as corporaes preparam.
E h resistncias a isso?
Existe um complexo de situaes onde as resistncias, as tenses so muito grandes, o que traz infelicidade aos professores e aos estudantes, mas tudo isso muito difuso. As resistncias acontecem na forma de lutas sindicais, quando fazem greve criticando a chamada meritocracia, os sistemas de avaliao.
Aparecem aqui e ali, mas foroso reconhecer que existe um complexo de controle sobre as escolas que restringem muito a margem de manobra dos trabalhadores da educao para desenvolverem um projeto pedaggico autnomo e crtico.
Essa situao agravada quando a prpria direo da escola, que deveria pensar como a escola se auto governa, vem sendo ressignificada como um papel de gesto. O diretor e os coordenadores so pensados como gestores na lgica de uma empresa, que deve cumprir metas, fiscalizar o cumprimento delas e tentar atingir essas metas de todas as formas.
Temos uma mudana de referncias quando a prpria equipe de coordenao da escola se torna uma equipe de gestores. No documento Ptria Educadora h uma possibilidade de punio dos professores que no cumprirem as metas.
Por sinal, o Ptria Educadora um dos programas carro chefe do governo federal. Como voc avalia este documento?
No casualmente, esse documento foi elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratgicos (SAE), atualmente dirigido pelo ministro Mangabeira Unger. Ele parte de um diagnstico de que o modelo de desenvolvimento baseado em commodities se esgotou com a crise mundial, com seus preos despencando depois daquele perodo de ouro entre 2004 e 2009.
Com a desvalorizao dessas commodities, Mangabeira chama ateno para o fato de que o Brasil deveria buscar outra forma de insero na economia mundial que no fosse apenas de commodities.
E a minha hiptese que eles esto sinalizando nesse documento que o Brasil deveria ser uma espcie de plataforma de exportao, assim como j existe na fronteira norte do Mxico, em alguns pases asiticos - o modelo chins foi isso nos anos 90, de ser um local em que a fora de trabalho muito explorada, recebe um treinamento especfico que permite uma explorao muito grande, e esses pases entram em circuitos de produo industrial de maneira subalterna, explorando o que seriam sua vantagens comparativas: baixo custo de energia, da fora de trabalho, baixa regulamentao ambiental, e isso daria vantagens competitivas novamente ao pas.
O drama que a concepo do Ptria Educadora tem como correspondncia a ideia de que a formao da maior parte da fora de trabalho no Brasil deve ser por um trabalho mais simples, e isso tem consequncias pedaggicas muito grande.
Se para formar para o trabalho simples, a maior parte das escolas podem ser instituies estruturadas para a formao de um trabalho de menor complexidade, que seria desdobrados em processos de formao tcnica de cursos de curta durao, cujo exemplo mais conhecido o Pronatec, em que grande parte dos cursos so aligeirados para a formao de uma fora de trabalho simples - tanto aquela que j estar inserida no mercado quanto aquela que constitui o que podemos denominar de um exrcito industrial de reserva.
O documento Ptria Educadora altera a racionalidade da organizao da escola quando vislumbra escolas que vo formar foras de trabalho de menor complexidade. importante destacar que no documento encontramos uma formulao muito perigosa de enormes consequncias para o futuro da educao brasileira, que a referncia que o Mangabeira faz da adoo de um modelo tipo SUS (Sistema nico de Sade).
O que isso?
O modelo SUS teve como objetivo assegurar o direito ao atendimento sade de maneira universal, e isso poderia ser feito tanto pelo rgos pblicos quanto pelas entidades privadas.
Crdito: Antnio Cruz/Agncia Brasil
Quando Mangabeira reivindica o modelo SUS, claramente est sinalizando que a formao do conjunto da classe trabalhadora deveria ser feita em nome de uma suposta democratizao, realizada tanto pelas instituies pblicas quanto pelas organizaes privadas.
Isso congruente com o PNE aprovado em 2014, ao estabelecer que a verba pblica aquela utilizada nas instituies pblicas, mas tambm em todas as parcerias pblico-privadas, como o FIES, PROUNI, Cincias Sem Fronteira, PRONATEC, Pronacampo, sistema S, tudo isso entra como recurso pblico.
A rigor, estamos diante de uma poltica que pode indiferenciar as instituies pblicas e privadas em detrimento do pblico, j que as corporaes tambm se acercam da educao bsica.
Em setembro acontecer o 2 Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrria (Enera), em Braslia. Como o Enera se insere nesta conjuntura?
Tenho uma expectativa muito positiva em relao ao segundo Enera. No primeiro Enera tivemos a constituio de outra perspectiva pedaggica para a educao brasileira, que foi a Educao do Campo, uma conceituao do que seria uma educao pblica voltada para o campo, mas com um horizonte de formao humana que ultrapassa o campo.
Foi certamente uma proposta que promoveu snteses brilhantes entre uma perspectiva crtica que vem do campo marxista, da ideia da escola unitria, do trabalho, ao compreender que o trabalho deveria ser um elemento simblico, imaginativo, capaz de nos constituir como seres humanos, e que portanto a escola o lugar da cultura, da arte, da cincia, da tecnologia, e no uma instituio livresca. uma instituio que tem interao com o mundo, com a vida, com os processos de trabalho, com a produo real da cultura em diversos espaos, como pensar no que significa a agricultura no Brasil.
Ministro Mangabeira Unger | Crdito: Marcelo Camargo/Agncia Brasil
Foi uma proposta pedaggica que promoveu snteses incorporando pensamento critico marxista, tradio latino-americana de educao popular, particularmente com Paulo Freire, e criou bases para um pensamento pedaggico socialista.
O segundo Enera, a meu ver, est desafiado pela conjuntura a fazer um balano do que foi essa mercantilizao e de como o capital est tentando se apropriar do conjunto da educao bsica.
Ao fazer essa reflexo, certamente o Enera vai ajudar a criar bases para uma perspectiva de educao pblica unitria capaz de contrapor a educao frente lgica de movimentos empresariais como o Todos pela Educao.
Pode haver incorporaes de elementos novos na nossa reflexo sobre a pedagogia socialista que respondam desafios da ofensiva do capital, mas sobretudo respondam os anseios que esto pulsando em todo o pas em torno da educao pblica.
Como as ltimas greves na educao?
Podemos problematizar a fragmentao das lutas pela educao, o fato de que muitas vezes so lutas econmicas e corporativas, que esto vinculadas as polticas municipais e estaduais, mas no tenho dvidas de que essas lutas que esto pulsando no pas esto enfrentando aspectos dessa pedagogia do capital, criticando a meritocracia, a racionalidade das competncias e dos sistemas centralizados de avaliao, o uso de cartilhas.
Temos crticas reais a essa lgica de controle que o capital est buscando sobre a educao bsica, mas precisamos sistematizar isso com outros fundamentos pedaggicos, e aprofundando a experincia que foi construda a partir do primeiro Enera.
No segundo Enera acredito que novas dimenses para essa pedagogia socialista vo ser esboados, e no como o resultado de um processo em que os especialistas de educao do MST vo se reunir e pensar o que seria essa agenda.
Ao contrrio, como resultado de uma articulao de movimentos que esto fazendo educao pblica e esto buscando uma educao criativa, que esto fazendo as lutas de resistncias com as greves, mobilizaes, com a participao de estudantes.
Esta riqueza de produes que esto em circulao nas lutas em defesa da educao pblica que podem criar uma sistematizao maior. Creia condies para que possamos ampliar esta aliana entre experincias da luta urbana com as que vieram do campo, produzindo novas snteses e novas possibilidades para que a classe trabalhadora tenha sua prpria agenda para o futuro da educao pblica.
um processo longo e exigir um esforo organizativo e intelectual de enorme envergadura. Temos que ter uma produo pedaggica mais sistematizadas, mais profunda, para criarmos a base desse pensamento pedaggico crtico,
que assegure uma formao integral, mas uma educao que recusa a diviso dos seres humanos em dois grupos: um que pensa e mando, outro que executa e obedece.
Essas bases para uma proposta socialista esto sendo gestadas nas lutas, mas com o ENERA podemos ganhar um momento de qualidade no terreno da elaborao, articulao e organizao em defesa desse projeto de novo tipo.
7. Prouni criou milionrios em troca de m qualidade na educao
Socilogo Wilson de Almeida questiona incentivos pblicos incluso de estudantes de baixa renda em universidades privadas que ofertam ensino "pasteurizado"
Marcelo Pellegrini publicado 19/12/2014
http://www.cartacapital.com.br/educacao/prouni-criou-milionarios-em-troca-de-
ma-qualidade-na-educacao-7396.html
Wilson de Almeida doutor em sociologia pela USP e autor do livro
"ProUni e o Ensino Superior Lucrativo em So Paulo"
Leia tambm
As Eleies e o Ensino Superior
Criado em 2004, o Programa Universidade para Todos (ProUni) j garantiu
mais de 2 milhes de bolsas de estudo parciais e integrais em universidades
privadas a estudantes brasileiros de baixa renda. Ao lado do Financiamento
Estudantil (Fies), o programa uma importante maneira de assegurar
qualificao profissional a jovens que, historicamente, dificilmente conseguiriam
http://www.cartacapital.com.br/Plone/autores/marcelo-pellegrinihttp://www.cartacapital.com.br/educacao/prouni-criou-milionarios-em-troca-de-ma-qualidade-na-educacao-7396.htmlhttp://www.cartacapital.com.br/educacao/prouni-criou-milionarios-em-troca-de-ma-qualidade-na-educacao-7396.htmlhttp://www.cartacapital.com.br/politica/educacao-superior-e-as-eleicoes-8092.html
espao em universidades pblicas, seja pela forma como os vestibulares se
estruturam, seja por problemas em sua formao bsica.
A lgica emergencial do Prouni, construdo para suprir a baixa oferta de vagas
em universidades pblicas, tem reflexos diretos no modelo e na qualidade do
ensino universitrio brasileiro. Para o socilogo Wilson Mesquita de Almeida, o
Prouni ajudou a consolidar um modelo de Ensino Superior que prioriza o lucro
em detrimento da qualidade. "Hoje, os fundos de investimento de educao
reestruturam as instituies, reduzindo custos, com o corte de professores e
outras medidas que influenciam na qualidade", afirma o socilogo. "O resultado
evidente: o maior grupo educacional no usa livros, mas apostilas, que saem
mais barato. Existe uma pasteurizao dos contedos didticos oferecidos aos
alunos."
Autor de Prouni e o Ensino Superior Lucrativo em So Paulo, Almeida afirma
que os incentivos fiscais oferecidos s universidades privadas pelo Prouni
transformaram pequenas universidades em grandes grupos de educao com
aes comercializadas na Bolsa de Valores. A transferncia de dinheiro
pblico continua a pleno vapor, agora fazendo novos milionrios que vendem
seus grupos a investidores estrangeiros e nacionais", argumenta.
Em 2014, os valores destinados ao Prouni, via renncia fiscal, cresceram
166%. J o oramento na rede pblica do Ensino Superior aumentou 86%. Os
dados reiteram a opinio do socilogo de que houve omisso do governo
federal. Para Almeida, a poltica de estmulos estatais para universidades
privadas "ocorreu paralelamente a uma omisso em desenvolver um sistema
de Ensino Superior que combinasse instituies de pesquisa de ponta com um
sistema pblico de ensino de massa, indo em direo oposta quela de pases
desenvolvidos". Confira abaixo a entrevista de Wilson de Almeida
a CartaCapital.
CartaCapital: O que diferencia o ensino privado lucrativo de outras
instituies privadas de ensino?
Wilson Mesquita de Almeida: Trata-se de um setor voltado para extrair lucros
com a venda de servios educacionais em nvel superior, tocado por
empresrios e suas mantenedoras. Qualifico-o como ensino
privado lucrativo para diferi-lo das instituies privadas comunitrias,
confessionais, fundaes de direito privado, autarquias municipais, dentre
outras, que cobram mensalidades, mas cujo lucro no revertido para os
proprietrios e seus herdeiros. Esse o ponto essencial.
CC: Quando surge este modelo?
WMA: Esse setor surge durante o regime militar, no contexto da Reforma
Universitria de 1968. Para a sua consolidao, contou com o auxlio do
aparato estatal do perodo por meio da concesso de incentivos e subvenes
e mediante a interferncia do Conselho Federal de Educao, rgo na poca
responsvel pela autorizao de abertura dos cursos em prol do segmento
privado lucrativo. Os governos posteriores ditadura no conseguiram mudar o
desenho desse sistema privado lucrativo de Ensino Superior, ao contrrio,
continuaram estimulando-o. Por isso, hoje ele hegemnico em termos de
vagas na graduao.
CC: O modelo brasileiro de ensino privado lucrativo nico no mundo? Qual
a diferena entre este modelo e o modelo americano, por exemplo, com
universidades privadas de excelncia?
WMA: No s no Brasil que existe, mas aqui teve estmulos estatais para
desenvolvimento e consolidao. Isso ocorreu paralelamente a uma omisso
em desenvolver um sistema de Ensino Superior que combinasse instituies de
pesquisa de ponta com um sistema pblico de ensino de massa, indo em
direo oposta quela de pases desenvolvidos como Frana, EUA, Inglaterra,
Holanda e Austrlia.
Nos Estados Unidos, por exemplo, universidades com fins lucrativos
constituem uma parcela baixssima. So quase inexistentes. As nicas que h
so justamente os grupos que investiram ou fizeram parcerias com
universidades privadas lucrativas brasileiras. Em geral, no h universidade
que vise ao lucro na Frana, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha,
na Sucia.
CC: O Prouni importante para garantir que estudantes de baixa renda tenham
acesso ao Ensino Superior. Mas ele lucrativo para as universidades
privadas?
WMA: Sim. Segundo o MEC [Ministrio da Educao], 40% do faturamento do
maior grupo educacional formado pela fuso entre Kroton e Anhanguera so
provenientes de recursos pblicos das isenes fiscais do ProUni e do
financiamento obtido por meio do FIES [Financiamento Estudantil]. Com o
ProUni, as instituies com fins lucrativos ficam isentas de tributos que antes
recolhiam. Isso em troca de um nmero de bolsas muito baixo em relao ao
nmero de alunos pagantes.
Caso emblemtico foi a adeso da Universidade Estcio de S ao ProUni. Na
poca, ela era a maior privada do Pas, com mais de 100 mil alunos, e mudou
seu estatuto de filantrpica para entidade com fins lucrativos. Com isso, obteve
uma srie de privilgios e benefcios: iseno de impostos, reduo da
concesso de bolsas de estudo gratuitas, no precisou pagar de forma
retroativa alguns tributos devidos, alm de ter alargado o tempo para pagar a
cota patronal do INSS.
Ao retirar a carga de impostos, o ProUni contribui para o lucro das
universidades. como se uma empresa que vende um produto no precisasse
pagar o governo ou se do salrio bruto do trabalhador no precisasse extrair o
imposto de renda.
CC: Dessa forma, pode-se dizer que h um financiamento indireto do governo
federal a instituies privadas de Ensino Superior?
WMA: Sim, o financiamento se deu e se d por meio das isenes fiscais. As
universidades privadas lucrativas no so financiadas apenas com recursos
vindos diretamente das mensalidades pagas pelos estudantes. preciso
considerar tambm a forma indireta, pela no cobrana de impostos ao longo
do tempo e, agora, por meio do ProUni.
Nos anos 70, eram faculdades isoladas, pequenas. Hoje, so imprios,
possuem o maior nmero de matrculas na graduao e as maiores faculdades
j esto na Bolsa de Valores. O lobby das universidades lucrativas, que
possuem articulaes polticas em todos os partidos, conseguiu o flego
necessrio para hoje se dar ao luxo de entrar na Bolsa de Valores. A conta, a
imensa maioria dos brasileiros paga. Ou seja, a transferncia de dinheiro
pblico continua a pleno vapor, agora fazendo novos milionrios que vendem
seus grupos a investidores estrangeiros e nacionais.
CC: A profissionalizao da gesto das universidades privadas as tornaram
corporaes despreocupadas com o seu produto, que a qualidade do ensino
e a formao do aluno?
WMA: Mais ainda. Intensificou algo que j era bem complicado. Desde o seu
surgimento, durante o regime militar, a qualidade de ensino das universidades
estritamente voltadas ao lucro est comprometida. Por exemplo, no que se
refere ao corpo docente, h a contratao de professores pagos por hora, sem
um plano de carreira, e dedicados a circular entre as vrias unidades para
somente dar aulas.
Algo como um professor-feirante que no tem tempo para pesquisar, estudar,
produzir conhecimento novo e transmitir esse conhecimento novo para as
geraes vindouras. H problemas mais graves com universidades que utilizam
cooperativas para no pagarem direitos sociais assegurados ao trabalhador
formal.
Hoje, os fundos de investimento de educao reestruturam as instituies,
reduzindo custos pelo corte de professores e outras medidas que influenciam
na qualidade do ensino oferecido, para maximizar suas aes na Bolsa de
Valores, visando um alto retorno financeiro. O nome disso desinvestimento
ou sada do investimento.
O resultado evidente: o maior grupo educacional no usa livros, mas, sim,
apostilas, que saem mais barato. Existe uma pasteurizao dos contedos
didticos oferecidos aos alunos.
CC: O Brasil carece de mo de obra qualificada e de vagas no Ensino Superior
pblico. Programas como o Prouni e o Fies so um incentivo no curto prazo do
governo federal. Na sua opinio, o ensino privado lucrativo responde a essa
demanda proporcionando um aluno com os padres de qualificao
desejados?
WMA: No. Na verdade, sem a inverso da lgica atual predominante, esses
programas tendem a ser ainda mais prejudiciais. No entanto, para inverter a
lgica atual, tem que mexer em privilgios. Ou a sociedade brasileira enfrenta o
lobby das universidades lucrativas, regulando-o de fato, ou ficaremos nos
discursos. importante ampliar o acesso ao Ensino Superior, mas deve-se
garantir a qualidade dos cursos ofertados. O desafio que a rede privada e
lucrativa atualmente possui mais de 70% de participao no Ensino Superior
brasileiro.
CC: O senhor poderia comentar o lobby que a Frente Parlamentar fez pela
adoo do Prouni pelos grupos como a Anhanguera e o Kroton?
WMA: No Congresso, o lobby privatista representado pela Frente
Parlamentar de Apoio ao Ensino Superior Privado. Ela composta por
senadores e deputados, tanto da oposio quanto da situao, o que
demonstra a fora do segmento privatista incrustado tambm no Poder
Legislativo. Em 2008, a frente era formada por 171 deputados e 36 senadores.
Ela j chegou a pleitear, sem sucesso, mudanas na lei para incluso do setor
de Ensino Superior privado lucrativo entre as reas de aplicao do FGTS.
Quanto ao ProUni, a influncia pode ser constatada a partir do total de
emendas propostas pelos deputados ao Projeto de Lei do ProUni. Ao todo,
foram 292 propostas de emenda. No livro, fao uma anlise comparativa que
revela a existncia de claras mudanas decorrentes das interferncias do
segmento privado lucrativo por meio de suas entidades representativas e dos
deputados e senadores que as apoiam.
CC: Qual a forma de garantir padres mnimos de formao do aluno pelas
universidades?
WMA: Assegurar padres mnimos de formao passa obrigatoriamente pela
atrao de bons professores. Isso depende de uma carreira digna, com
condies de trabalho decentes e salrio condizente com suas funes.
Tambm preciso fornecer tempo para o professor se dedicar a estudos e
pesquisas, evitando que o profissional vire um papagaio repetindo coisas
velhas.
Alm disso, preciso que o aluno passe por um crivo mnimo, que o possibilite
acompanhar, de modo mais pleno, o curso superior. Educao no s com
ter o diploma na mo. Sabemos h muito tempo que grande parte das
universidades privadas no faz um vestibular de verdade. mais para
preencher formalidades junto ao MEC. No toa que os bolsistas do ProUni,
geralmente, tendem a possuir desempenho igual ou superior que os alunos
pagantes.
Isso porque, alm de ser uma oportunidade que ele agarrou para conseguir
fazer o Ensino Superior, o aluno do Prouni tambm teve de passar por um crivo
mnimo que o Enem (Exame do Ensino Mdio).
Logicamente, h outros fatores a considerar: redesenho do sistema de Ensino
Superior para um modelo que reverta a lgica de curtssimo prazo, currculo,
forma de avaliao do estudante, complementao de contedos para alunos
de baixa renda, interface com o mercado de trabalho, dentre outros. Porm, o
essencial a qualidade do professor e em uma seleo mnima do estudante.
CC: O descredenciamento do MEC funciona?
WMA: No. Os prazos so muito largos. Efetivamente, conta-se nos dedos as
instituies que, de fato, foram descredenciadas. Os advogados dessas
instituies utilizam-se de brechas na legislao para protelar o processo na
Justia e, no fim, fica por isso mesmo. O MEC passa muito a mo na cabea
de gente que no cumpre a lei. Ou seja, omisso. O correto seria o
descredenciamento imediato de quem no cumpriu com seus compromissos.
Infelizmente, empresa, no mundo e no Brasil, s muda quando di no bolso,
quando perde mercado. Ou muda ou desaparece.
CC: Polticas como o Plano Nacional de Educao podem ecoar num salto de
qualidade no Ensino Superior?
WMA: Planos so delineamentos e propostas de metas e objetivos.
importante, mas o que muda, de fato, a poltica adotada, com estmulos e
desestmulos a determinado setor, investimentos ou a falta deles, enfim, aes
concretas.
preciso redesenhar o sistema de ensino superior brasileiro. Uma alternativa
concreta, vivel e mais slida seria fazer o que eu chamo de um modelo
pblico diversificado e amplo, pois o modelo pblico de Ensino Superior atual,
centrado nas universidades pblicas, ainda muito restrito, com poucas vagas
e com baixo nmero de estudantes de baixa renda.
Ter um sistema de Ensino Superior composto por universidades pblicas com
um leque maior de opes de cursos e universidades privadas no lucrativas
seria bem mais adequado e produtivo. Nos pases mais desenvolvidos, esse
o modelo dominante. O Brasil possui ambas, mas elas so minoria, justamente
porque se elas fossem maioria no haveria espao para esse setor voltado
estritamente para o lucro, sem preocupao maior em ofertar educao de
qualidade. Mexer nisso contrariar interesses e mudar o desenho do sistema
de Ensino Superior brasileiro, tanto na sua parte privada quanto na sua parte
pblica. Ao faz-lo, penso, estaramos bem mais prximos de ter um Ensino
Superior mais democrtico e de qualidade. Se o Brasil souber utilizar os novos
recursos destinados educao nessa direo, abrir novas perspectivas de
avano educacional.
8.A doena da "normalidade" na universidade
Somos todos normticos em um sistema acadmico de formao de pesquisadores e de produo de conhecimentos que est doente, e nossa Normose acadmica tem feito naufragar o pensamento criativo e a iniciativa para o novo em nossas universidades
Fonte: Uol - Educao
Doena sempre foi algo associado anormalidade, disfuno, a tudo aquilo
que foge ao funcionamento regular. Na rea mdica, a doena identificada
por sintomas especficos que afetam o ser vivo, alterando o seu estado normal
de sade. A sade, por sua vez, identifica-se como sendo o estado de
normalidade de funcionamento do organismo.
Numa analogia com os organismos biolgicos, o socilogo mile Durkheim
tambm sugeriu como identificar sade e doena em termos dos fatos sociais:
sade se reconhece pela perfeita adaptao do organismo ao seu meio, ao
passo que doena tudo o que perturba essa adaptao.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/07/a-doenca-da-normalidade-na-universidade.html
Ento, ser saudvel ser normal, ser adaptado, certo? No
necessariamente: apesar de Durkheim, h quem considere que do ponto de
vista social, ser normal demais pode tambm ser patolgico, ou pode levar a
patologias letais.
Os pensadores alternativos Pierre Weil, Jean-Ives Leloup e Roberto Crema
chamaram isto de Normose, a doena da normalidade, algo bem comum no
meio acadmico de hoje. Para Weil, a Normose pode ser definida como um
conjunto de normas, conceitos, valores, esteretipos, hbitos de pensar ou de
agir, que so aprovados por consenso ou por maioria em uma determinada
sociedade e que provocam sofrimento, doena e morte. Crema afirma que uma
pessoa normtica aquela que se adapta a um contexto e a um sistema
doente, e age como a maioria. E para Leloup, a Normose um sofrimento, a
busca da conformidade que impede o encaminhamento do desejo no interior de
cada um, interrompendo o fluxo evolutivo e gerando estagnao.
Estes conceitos, embora fundados sobre um propsito de anlise pessoal e
existencial, so muito pertinentes ao que se vive hoje na academia. Aqui, pela
Normose no apenas o indivduo que adoece, que estagna, que deixa de
realizar o seu potencial criador, mas o prprio conhecimento. E no apenas no
Brasil, tambm em outras partes do mundo.
Peter Higgs, Prmio Nobel de Fsica de 2013 disse recentemente que no teria
lugar no meio acadmico de hoje, que no seria considerado suficientemente
produtivo, e que, por isso, provavelmente no teria descoberto o Boso de
Higgs (a partcula de Deus), descrito por ele em 1964 mas somente
comprovado em 2012, quase 50 anos depois, com a entrada em
funcionamento de uma das maiores mquinas j construdas pelo homem, o
acelerador de partculas Large Hadron Collider. Higgs contou ao The Guardian
que era considerado uma vergonha para o seu Departamento pela baixa
produtividade de artigos que apresentava, e que s no foi demitido pela
possibilidade sempre iminente de um dia ganhar um Nobel, caso sua teoria
fosse comprovada. Ele reconheceu que, nos dias de hoje, de obsesso por
publicaes no ritmo do publique ou perea, no teria tempo nem espao
para desenvolver a sua teoria. sua poca, porm, no s o ambiente
acadmico era outro como ele prprio era um desajustado, um anormal, uma
espcie de dissidente que trabalhava sozinho em uma rea fora de moda, a
fsica terica expeculativa. Ento, sua teoria tambm fruto desta saudvel
anormalidade.
A mim, embora no surpreendam, as declaraes de Higgs soam
estarrecedoras: ou seja, com os sistemas meritocrticos de avaliao de hoje,
que privilegiam a produo de artigos e no de conhecimentos ou de
pensamentos inovadores, uma das maiores descobertas da humanidade nas
ltimas dcadas, que rendeu a Higgs o Nobel em 2013, provavelmente no
teria ocorrido, como certamente muitos outros avanos cientficos e intelectuais
esto deixando de ocorrer em funo dos sistemas atuais de avaliao da
produtividade em pesquisa. a Normose acadmica fazendo a sua maior
vtima: o prprio conhecimento.
Alis, nunca se usou tanto a autoridad