A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DA REVISTA HISTÓRIA: … · propagação e de sustentação destas...
Transcript of A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DA REVISTA HISTÓRIA: … · propagação e de sustentação destas...
A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DA REVISTA HISTÓRIA: QUESTÕES E
DEBATES. UMA CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA
PARANAENSE.
Thiago Felipe dos Reis
(Mestrado em História, Cultura e Identidades – UEPG)
Palavras-chave: História da Historiografia; Historiografia Paranaense; História:
Questões e Debates
Os anos 1980, mesmo que tardiamente em relação a outros locais, foram no Brasil
singulares para a produção historiográfica. Aqueles modelos estruturantes de explicação
da História, principalmente os ligados à Segunda Geração dos Annales,1 já não davam
mais conta dos novos problemas, novos debates e novos questionamentos propostos, é
nesse momento que se tem no Brasil e, por consequência, no Paraná, uma influência da
chamada “Nova História” francesa.
Além da “Nova História” francesa, observou-se ao longo destes anos a entrada na
historiografia brasileira de autores como Edward P. Thompson, Walter Benjamin, Eric
Hobsbaw e Michel Foucault. A ideia de uma história advinda do ponto de vista econômico
englobando as grandes estruturas não mais era compartilhada pela grande maioria dos
historiadores. Esta nova geração, onde muitos haviam estudado fora do país, sobretudo
na Europa, inclinava-se para uma história mais social, permeada por um novo debate e
novas metodologias em que as classes mais baixas e os cidadãos anônimos puderam ser
protagonizados nestas novas pesquisas.2
1 Entende-se aqui como Segunda Geração dos Annales, aquela ligada a Fernand Braudel em que houve,
principalmente, uma tendência ao nascimento de uma história quantitativa. Sobre isso, Peter Burke infere
que: “Dessas tendências, a mais importante, de mais ou menos 1950 a 1970, ou mesmo mais, foi certamente
o nascimento da história quantitativa. Esta ‘revolução quantitativa’, como foi chamada, foi primeiramente
sentida no campo econômico, particularmente na história dos preços. Da economia espraiou-se para a
história social, especialmente para a história populacional [...]” BURKE, Peter. A Escola dos Annales.
1929-189. A revolução francesa da historiografia. São Paulo: Editora UNESP, 1997. p. 66-67. 2 Sobre isso, ver: SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter (org.) A escrita da história
novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011
OS ANOS 90 E A PROPAGAÇÃO DE UMA “NOVA” HISTORIOGRAFIA. O
EXEMPLO DA REVISTA HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES.
Nas últimas décadas do século XX, observou-se no Brasil uma historiografia
inspirada, ainda que com relativo atraso, na historiografia francesa das mentalidades ou
na historiografia inspirada nas vertentes mais críticas da história das mentalidades, a
exemplo da história cultural italiana de Carlo Ginzburg ou Giovanni Levi, autores que
praticamente fundaram a micro-história. Ou, ainda, na historiografia derivada da obra de
Roger Chartier, este ligado à tradição dos Annales, embora crítico a uma história social
totalizante. Ou, enfim, na historiografia ligada à história sociocultural britânica,
especialmente em E. P. Thompson, cuja trajetória pouco tem a ver com as vertentes já
citadas, sendo da corrente marxista que procurou dimensionar a luta de classes e os
movimentos sociais no campo da cultura.
Mas por que, sobretudo no Brasil, a historiografia nas últimas décadas do século
XX passaria por essa transformação? Ronaldo Vainfas, em seu artigo História Cultural e
Historiografia Brasileira3, por coincidência publicado no periódico desta pesquisa em
2009, reflete o fato de que:
Foi com o avanço da pós-graduação, de um lado, e a crise do regime militar,
de outro, que a pesquisa histórica no Brasil pouco a pouco se abriu a estes
novos campos. A queda do muro de Berlim, em 1989, completa o quadro,
libertando a pesquisa histórica brasileira dos patrulhamentos esquerdistas. O
arejamento do ambiente universitário, enfim livre dos compromissos políticos
de combate ao regime de exceção e, de quebra, livre das patrulhas ideológicas,
teve peso decisivo nesta inflexão historiográfica.4
A partir disso, pode-se dizer que tanto as universidades quanto os pesquisadores
que a elas eram vinculados, se viram num período de maior liberdade, em que a busca e
a apropriação de novas teorias trouxeram novos modelos explicativos para a história. Não
se via mais a necessidade de lutar contra um sistema e muito menos a de explorar as
pesquisas históricas por um viés econômico e, sobretudo, político.
3 VAINFAS, Ronaldo. História Cultural e Historiografia Brasileira. História: Questões e Debates. n. 50,
jan/jun. 2009. 4 Idem, p. 229
Neste sentido, viu-se crescer nas universidades brasileiras os programas de pós-
graduação em História, locais onde essas novas tendências de pesquisa se difundiram5.
Partindo disto, observou-se que, assim como os demais locais do país, o Departamento
de História da UFPR e o seu programa de pós-graduação também viveram esse período
de transição e de transformações, sobretudo, a partir da segunda metade da década de
1980 se estendendo pelos anos 1990. Estas transformações também se repercutiram nas
publicações do periódico História: Questões e Debates, onde se é perceptível,
principalmente na década de 1990, uma abertura a novas temáticas oriundas dessa “Nova
História”.
É claro que, por vezes, a publicação de pesquisas em torno de uma história mais
ligada ao viés político e econômico era publicada, afinal existia no Departamento os
professores que ainda se dedicavam a essas pesquisas, fato que, do nosso ponto de vista,
enriquecia a programação da revista ao trazer diversos olhares para a história numa
década em que já se existia essa possibilidade de interação. Sobre isso, observou José
d´Assunção Barros:
Apesar de falarmos frequentemente em uma “História Econômica”, em uma
“História Política”, em uma “História Cultural”, e assim por diante, a verdade
é que não existem fatos que sejam exclusivamente econômicos políticos e
culturais. Todas as dimensões da realidade social interagem, ou rigorosamente
sequer existem como dimensões separadas. Mas o ser humano, em sua ânsia
de melhor compreender o mundo, acaba sendo obrigado a proceder a recortes
e a operações simplificadoras, e é neste sentido que devem ser considerados os
compartimentos que foram criados pelos próprios historiadores para enquadrar
os seus vários tipos de estudos históricos.6
Partindo disto, é possível observar tanto na produção da Questões e Debates,
quanto na historiografia nacional deste período, que a década de 1990 foi o período de
propagação e de sustentação destas ditas transformações historiográficas. O que
aconteceu com a História no Brasil, na década de 1980, foi uma abertura maior à
utilização de novas fontes e métodos, sem haver um discurso teórico de maior fôlego em
5 Quem analisou essa conjuntura foram os historiadores Carlos Fico e Ronald Polito em seu livro A história
no Brasil (1980-1989): elementos para uma avaliação historiográfica. V.1 . Ouro Preto: UFOP, 1982, já
discutido no capítulo anterior. 6 BARROS, José d´Assunção. O campo da história. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p. 15
relação a esse fenômeno. Observamos na Revista História: Questões e Debates deste
período um esforço, ainda que iniciante, de tentar discutir essas novas teorias, além de
uma abertura às novas problematizações, por mais tímida que fosse em seus primeiros
volumes.
Deste modo, é possível aferir que a década de 1990 representa para a historiografia
e um período permeado de diversas “tendências” historiográficas que originou novas
pesquisas, fruto destes novos olhares sobre a história. Sobretudo, a partir da segunda
metade da década de noventa é observada uma pluralidade de temas jamais vista antes na
historiografia brasileira, oriundas do recorte da História que chamamos de História
Cultural.7
Esta História Cultural seria, a partir de então, considerada um novo paradigma de
pesquisa e sua ascensão conhecida como “teoria cultural”, como afirma Peter Burke em
sua obra O que é História Cultural?8.Os estudos relacionados a esta perspectiva de análise
se inspiraram quase que inteiramente nas interpretações de Roger Chartier, que ao
trabalhar a História Cultural observou que as próprias representações do mundo social
são componentes da realidade social, uma vez que as pessoas criam representações
objetivando dar um sentido às suas vidas.
Para Jurandir Malerba, a década de 1990 “assistiu a um sensível aumento de
trabalhos e eventos de viés historiográfico”.9 Já Margareth Rago em seu artigo “A ‘nova’
historiografia brasileira”10, aponta para uma abertura das pesquisas à “cultura urbana” e
a esta história interpretada a partir da perspectiva cultural:
A determinação cultural dos agentes e das práticas sociais, para além da
economia e política, revela-se na leitura que os historiadores passam a fazer
das subjetividades, do imaginário e do campo simbólico. Roger Chartier
(1988) sistematiza as inovações trazidas por uma produção historiográfica que
assume sua ruptura com a crença no real e no social. Para além da construção
7 Entende-se como História Cultural, o recorte histórico onde se privilegia os estudos ligados à cultura, ou
estudos culturais, que além de trabalhar com a interdisciplinaridade, propõe uma articulação da história
com a antropologia e a crítica literária. Ainda hoje se pergunta o que é a História Cultural? Para Peter Burke,
a História Cultural ainda é um campo que em pleno século XXI encontra-se em processo de (re)construção.
Sobre isso, ver: BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: J. Zahar, 2005. 8 Idem. p.71 9 MALERBA, Jurandir. Notas à margem. A crítica historiográfica no Brasil dos anos 1990. Textos de
História, v.1/2, 2002. 10 RAGO, Margareth. A “nova” historiografia brasileira. Anos 90, Porto Alegre, n.11, julho de 1999.
cultural de nossas referências, enfatiza as práticas de leitura e apropriação da
cultura, destacando os complexos movimentos da circulação de ideias.11
Isto posto, o que se pode dizer é que a historiografia brasileira viveu, ao longo
destes anos, uma consolidação da abertura às singularidades e às subjetividades, produto
daquela reviravolta dos anos 1980. Neste sentido, torna-se importante salientar que os
programas de pós-graduação e as suas respectivas produções passaram a divulgar esse
impacto historiográfico fruto da “Nova História”, ancorada numa “História das
Mentalidades” que deu abertura a esta “História Cultural” permeada pelas suas
circularidades culturais. Não diferente disso, é observável na produção das capas da
Questões e Debates, ao longo desta década, uma inclinação a temas mais ligados à cultura,
conforme apresenta o gráfico:
Gráfico 04: Temas abordados pelas capas da Revista História: Questões e
Debates (1990-2000)
Fonte Revista: História: Questões e Debates
11 Idem, p. 89
54.50%
18.20% 18.20%
9.10%
0.00%
10.00%
20.00%
30.00%
40.00%
50.00%
60.00%
Arte Religião Urbano Anônimos
Temas abordados pelas capas da Revista "História: Questões e
Debates" (1990-2000)
Como se pode observar, o tema “Arte” tem o maior número de fotografias nas
capas. Em um segundo plano aparece o tema “Religião” e “Urbano”, demonstrando uma
preocupação destes historiadores com a história das religiões e suas subjetividades, além
de uma preocupação com a cultura urbana e a formação das grandes cidades, destacando-
se Curitiba. Há, ainda, o tema relacionado a “anônimos” com o intuito de mostrar o papel
das singularidades e dos cidadãos comuns neste recorte histórico. Nesse sentido, chega-
se à conclusão de que os temas das capas não demonstram apenas uma preocupação
estética, mas, também, a preocupação de um grupo de pesquisadores com as abordagens
culturais.
Como um dos resultados da análise do corpus documental desta pesquisa, pôde-
se verificar que a abertura da produção deste periódico a estas novas temáticas, bem como
do Departamento de História da UFPR, se deu, ao longo da década de 1990, devido a uma
renovação dos professores. Houve no Departamento, no início dos anos noventa, a
aposentadoria compulsória de muitos professores, ocasionando assim a entrada de uma
nova geração, em que muitos haviam estudado fora do Paraná e até mesmo fora do país.
Foram durante os primeiros anos desta década que entraram para o Departamento
professores que trariam novos fôlegos às pesquisas, entre estes podemos destacar:
Marionilde Brepohl de Magalhães12, Euclides Marchi13, Francisco Paez14, Dennison de
12 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1986, concluiu o Doutorado em História na
UNICAMP em 1993.
Ver: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4782777E7 13 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1990, havia concluído o Doutorado em História na
USP em 1989. Trouxe para o Departamento as pesquisas relacionadas à história e religião. Ver:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4793550P9 14 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1990, concluiu o Doutorado em História na UFPR,
nos primeiros anos da década de 1990, sob a orientação da prof. Ana Maria Burmester.
Oliveira15, Magnus Pereira16, Ana Paula Vosne Martins17, Ronald Raminelli18, Marcos
Napolitano19, entre tantos outros que chegaram depois.
A partir disso, o Departamento de História da UFPR rompe os últimos laços com
as duas linhas de pesquisa que o sustentaram ao longo da década de setenta, ligadas à
História Econômica e à História Demográfica, sendo reorganizado um programa de pós-
graduação concentrado na área de “História, Cultura e Sociedade”. Neste momento é
notável que estes docentes deixam de lado as discussões em torno da APAH, e
concentram-se apenas no Departamento e no programa de pós-graduação. Assim, as
preocupações e indagações da História Cultural começam a permear e criar espaço dentro
do programa, bem como ainda existe o espaço para a História Social, fruto da década
anterior. Deste modo, as pesquisas da pós-graduação em História da UFPR começaram a
girar em torno de duas linhas de pesquisa criadas nsta década: “Cultura e Poder” e
“Espaços e Sociabilidades”.
Já nos primeiros números da Questões e Debates, é notado uma preocupação
maior com às pesquisas em torno dos fenômenos e processos culturais. Pesquisas
destinadas às mais diversas temáticas como sexualidade, individualidades e sentimentos;
a aproximação da história com a literatura, música e o cinema, além de diversos estudos
envolvendo gênero, religião e religiosidade e todas as suas subjetividades transitaram pelo
periódico ao longo destes anos. Mas, o que se observou em meio a esta análise, é que
15 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1991, concluiu o Doutorado em Ciências Políticas
pela UNICAMP em 1995.
Ver: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4763754J4 16 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1991, concluiu o Doutorado em História pela UFPR
e, 1998, sob a orientação da prof. Ana Maria Burmester. Ver:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4786420T2 17 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1993, concluiu o Doutorado em História pela
UNICAMP em 2000. Havia sido orientada no mestrado pelo professor Carlos Roberto Antunes dos Santos,
foi uma das precursoras das pesquisas relacionadas à história e gênero no Departamento. Ver:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4784223Y6 18 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1990, concluiu o Doutorado em História pela USP
em 1994. Trouxe para o Departamento pesquisas relacionadas à História do Brasil Colonial a partir de uma
perspectiva da História Cultural. Deixou o Departamento em 1997, transferindo-se para a UFF.
Ver: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4782509Z0 19 Entrou para o Departamento de História da UFPR em 1994, concluiu o Doutorado em História pela USP
em 1999. Trouxe para o Departamento pesquisas relacionadas à história do Brasil Republicano com o
recorte sobre a Ditadura Militar, além de pesquisas relacionadas à História e Música e História e Cinema.
Deixou o Departamento em 2004, transferindo-se para a USP. Ver:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4798506U9
mesmo partindo de um novo olhar, ou de uma nova abordagem, a revista não deixou de
focar nas publicações em torno da História Regional, tendo sempre Curitiba e, em um
segundo plano, o Paraná como recorte de suas pesquisas.
Ainda que, numa abordagem um pouco menor em relação à década anterior, a
História Regional predominou entre as publicações dos anos 90. Observou-se que esta
temática perdeu em número de publicações somente para os estudos destinados à teoria
da história e à historiografia, o que faz esta pesquisa ir de encontro às ideias de Jurandir
Malerba, já apresentadas neste texto.20
Para melhor ilustrar isso, elaboramos um gráfico com as principais temáticas
trabalhadas pela História: Questões e Debates nestes anos.
Gráfico 05 – Principais temas problematizados na Revista História: Questões e Debates
(1990-2000)
Fonte: Revista História: Questões e Debates.
20 MALERBA, Jurandir. Notas à margem. A crítica historiográfica no Brasil dos anos 1990. Textos de
História, v.1/2, 2002.
Esses números apontam como as preocupações de pesquisa estavam tanto para a
história regional, a partir de uma nova abordagem, quanto para o estudo de novas práticas
historiográficas e de teoria da história.
Como exemplo, citamos a publicação volume 13, número 24, de 1996, na qual é
dedicada uma parte da revista somente para a discussão de “História e Historiografia”
onde encontram-se os artigos: “Textos, símbolos e o espírito francês”, de Roger Chartier;
“Dificuldades com o cotidiano”, de Klaus Tenfelde, historiador alemão; “Um retorno à
narração?” de Jürgen Kocka, historiador alemão; “A experiência em Thompson”, de
Arlene Renk, antropóloga; e, por último, “Pierre Nora: da história do presente aos lugares
de memória”, de Ana Claudia Fonseca Brefe, historiadora. A publicação desses artigos
demonstra a afeição deste periódico em discutir questões que permeavam a historiografia
nacional e internacional da época, ressaltando a ênfase em discussões historiográficas em
torno da História Cultural. Sobre isso, nos apropriamos das palavras de Carlos Fico e
Ronald Polito ao dizerem que a historiografia brasileira nas últimas décadas do século
XX passou por algumas tendências, entre elas:
[...] a constituição de uma história da cultura em novos termos, o
aumento de enfoques antropológicos, de preocupações com o
cotidiano, com as mentalidades, com as artes e a micro-história,
em detrimento da história econômica e social típicas, e a
ampliação de discussões em teoria da história e historiografia.21
Para os autores, estas “tendências” trariam para a história no Brasil uma
consistência que ainda lhe faltava na década de 90, e que se pode dizer que falta ainda
hoje, mas que já apresentava um quadro bem diferente em relação às discussões dos anos
setenta. Deste modo, torna-se possível afirmar que a HQD, enquanto um periódico que,
mesmo não integrando o grande eixo de produção historiográfica do país, Rio de Janeiro
e São Paulo, transitou por estas “tendências”, viveu e se apropriou destas novas
21 FICO, Carlos; POLITO, Ronald. A historiografia brasileira nos últimos 20 anos – tentativa de avaliação
crítica. In: MALERBA, Jurandir. (Org.) A Velha História: teoria, método e historiografia. Campinas, SP:
Papirus, 1996. p.206
abordagens e, ao longo de sua produção, demonstrou um cuidado em discutir essas novas
teorias e publicá-las em forma de pesquisas autênticas e inovadoras para a época.
Já com relação à História Social, observou-se que na HQD, os anos noventa foram
de um maior impacto em relação à perspectiva de análise cultural; porém o debate social
não se excluiu completamente de suas publicações, pois como comentamos
anteriormente, existiam os professores dentro do Departamento que também se
dedicavam às pesquisas de uma história mais social e política.
O que se torna importante salientar é o fato de que esta História Social produzida
pelo periódico neste tempo, foi um debate revisado; ou seja, este enfoque social se
inspirava naquela abertura historiográfica vivida desde o início dos anos oitenta. Neste
sentido, não se buscava mais fazer uma história social totalizante, mas um estudo em que
as classes sociais tivessem o seu papel e a sua consciência destacadas, assim como
também, os movimentos e sujeitos excluídos da história anteriormente tivessem espaço
nessa nova abordagem.
Estudos como os de Thompson e Hobsbawn foram essenciais nesta nova
perspectiva da História Social, além de que, houve também uma abertura para novas
fontes e novos procedimentos metodológicos. Os historiadores Sidney Chalhoub e
Fernando Teixeira em um artigo citam a utilização de:
[...] processos judiciais, imprensa operária, correspondências diplomáticas,
fontes policiais, depoimentos orais, ao lado da publicação de documentos e da
criação de centros de documentação com farto acervo sobre a história dos
trabalhadores.22
Neste exemplo, os autores fazem um balanço das possibilidades de arquivos e
documentos existentes para a pesquisa, a partir dessa abertura da História Social a novas
perspectivas e novos problemas.
Em relação a tendência do periódico em se preocupar mais com a abordagem
cultural da história outro fator que influenciou foi a participação de historiadores de
instituições nacionais e internacionais que colaboraram com as suas pesquisas. No
22 CHALHOUB, Sidney e SILVA, Fernando T. da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 80. Cadernos AEL. Campinas: UNICAMP, v. 14,
n. 26, 1º semestre de 2009. p. 11-45.
decorrer das publicações dos anos noventa, é perceptível, entre um volume e outro, textos
de historiadores ligados à Unicamp, USP, PUC-SP, UFRJ, além de professores do
Programa de Pós-Graduação em História da UFPR, professores de outros programas de
pós-graduação da UFPR, como o de Ciências Sociais, e os mestrandos e doutorandos da
UFPR e de outras instituições. Nomes como Maria Helena Rolim Capelato, Maria Izilda
Matos, Jacqueline Herman, Sidney Chalhoub, Theodore Zeldin, Steve Seidman, Roger
Chartier, Jörn Rusen, transitaram pelas pesquisas publicadas desta década.
Neste sentido, torna-se claro dizer também que a revista História: Questões e
Debates se propôs, ao longo destes anos, dar espaço a pesquisas oriundas de outras
instituições e outros estados, como forma de apresentar aos seus leitores as mais diversas
temáticas que permeavam o discurso historiográfico deste período; além do que, a revista
não estava aberta somente a grandes nomes ou a professores de grandes departamentos,
mas também a alunos de graduação e pós-graduação. Sendo assim, a revista afirmaria a
sua proposta inicial, como era também a proposta da APAH (Associação Paranaense de
História) nos anos 80, de ter uma discussão histórica ampliada a todos os níveis da
educação.
A partir da análise proposta por essa pesquisa, concluímos que este periódico
estudado, mesmo não tendo alcançado a repercussão nacional de outras publicações
similares, ainda que tenha sido citado por vários estudos do país, repercutiu as mudanças
paradigmáticas da produção historiográfica do país. E, além disso, ainda que tenha
passado por vários momentos de dificuldades e de transitoriedades da historiografia no
Brasil das últimas décadas, permaneceu até o momento atual com suas publicações
realizadas periodicamente de acordo com os objetivos iniciais da revista. Uma vez que
junto à criação da Questões e Debates aconteceu a explosão de uma série de revistas
criadas em suas respectivas regiões como forma de divulgação, muitas delas hoje não
mais existentes.
Partindo destes pressupostos, nos sentimos a vontade em afirmar que a revista
História: Questões e Debates, mesmo com as suas dificuldades e com as suas limitações,
conseguiu, ao longo das últimas décadas do século XX, transmitir um reflexo do que foi
a historiografia no Brasil. É claro que em outros centros como São Paulo e Rio de Janeiro,
por exemplo, o volume e o avanço das produções historiográficas já estavam num patamar
mais avançado; porém, inspirados nestes centros e com a vontade de divulgar uma
pesquisa de padrão mais audacioso, os historiadores idealizadores deste periódico
científico conseguiram a partir dele experimentar e divulgar para a academia curitibana e
paranaense os novos percursos trilhados pela historiografia nacional nos anos oitenta e
noventa. Além disso, os anos noventa foram promissores para o periódico, no sentido de
que, a partir destes, a revista conseguiu consolidar uma linha de publicações voltada para
a perspectiva cultural da história, que perpassou a década posterior e que é seguida até os
dias atuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, José d´Assunção. O campo da história. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales. 1929-189. A revolução francesa da historiografia.
São Paulo: Editora UNESP, 1997.
BURKE, Peter (org.) A escrita da história novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp,
2011
CHALHOUB, Sidney e SILVA, Fernando T. da. Sujeitos no imaginário acadêmico:
escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 80. Cadernos AEL.
Campinas: UNICAMP, v. 14, n. 26, 1º semestre de 2009
FICO, Carlos; POLITO, Ronald. A historiografia brasileira nos últimos 20 anos –
tentativa de avaliação crítica. In: MALERBA, Jurandir. (Org.) A Velha História: teoria,
método e historiografia. Campinas, SP: Papirus, 1996.
MALERBA, Jurandir. Notas à margem. A crítica historiográfica no Brasil dos anos 1990.
Textos de História, v.1/2, 2002.
RAGO, Margareth. A “nova” historiografia brasileira. Anos 90, Porto Alegre, n.11, julho
de 1999.
VAINFAS, Ronaldo. História Cultural e Historiografia Brasileira. História: Questões e
Debates. n. 50, jan/jun. 2009