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A PRODUÇÃO DE RAPADURA NO MUNICÍPIO DE BARBALHA: DIFICULDADES
E PERSPECTIVAS
Denize de Lima Paixão1
Eliane Pinheiro de Sousa2
RESUMO: A produção de rapadura é uma atividade marcada pelo tradicionalismo no município de Barbalha.
Durante várias décadas se destacou como principal atividade econômica local, atuando como forte
gerador de emprego (apesar de informal) e renda no município. No entanto, no decorrer dos anos,
vieram surgir fatores que afetaram negativamente essa atividade levando ao fechamento de grande
parte dos engenhos de rapadura locais, e deixando os que ainda funcionam em situação de decadência,
comprometendo o futuro dessa atividade. Nesse contexto, o estudo tem o objetivo de identificar os
fatores responsáveis pela crise vivida nos últimos dez anos nos engenhos de rapadura do município de
Barbalha, assim como apresentar alternativas de sustentação da atividade no local. Os principais
problemas estão associados principalmente aos seguintes fatores: dificuldade de comercialização do
produto; baixa lucratividade, preços baixos, alto custo de produção; evasão de mão de obra; exigências
feitas pelo Ministério do Trabalho; falta de recursos; falta de incentivos e ajuda governamental;
falência da agricultura local; encargos sociais elevados; dificuldade de obtenção de crédito; e idade
avançada de proprietários. A solução dos problemas causados por esses fatores poderia tirar os
engenhos em funcionamento da situação de decadência, mantendo-os em funcionamento, assim como
dar esperanças aos engenhos que encerraram suas atividades a chance de voltarem a funcionar.
Palavras-chave: engenhos de rapadura; dificuldades; perspectivas.
1. INTRODUÇÃO
A rapadura foi trazida ao Brasil provavelmente pelos colonizadores portugueses,
sendo que no início de sua fabricação teve sua produção voltada para fora do país; ao decorrer
dos anos, foi ganhando espaço internamente, principalmente na região Nordeste, onde se
encontrava instalada a maior parte dos engenhos de todo o Brasil. A rapadura, produto típico
do Nordeste brasileiro, ―[...] originou-se da raspagem das camadas espessas de açúcar presas
1 Economista pela Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected]
2 Doutora em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Professora do Departamento de
Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected]
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às paredes dos tachos utilizados para a fabricação do mesmo, e depois moldadas em formas
semelhantes às de tijolos‖ (OLIVEIRA et al., 2007, p. 80).
Segundo Luna (1997) apud Lima e Cavalcanti (2001), apesar da concorrência do
açúcar e de outros adoçantes, o consumo de rapadura proveniente do início da colonização no
País permaneceu, sobretudo em áreas interioranas próximas de regiões produtoras, com
destaque para a região semiárida, como os estados nordestinos do Ceará, Pernambuco,
Paraíba, Bahia, Rio Grande do Norte e Piauí. No entanto, esse mercado consumidor
apresentava declínio, sendo constituído principalmente por famílias com menor poder
aquisitivo, que mantinham os hábitos de consumo, podendo ser atribuído ao fato da rapadura
possuir preço acessível e conter elevado teor energético em termos alimentares.
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Centro de Ensino Tecnológico do
Brasil (CENTEC, 2004) apud Oliveira et al. (2007), a rapadura é um alimento rico em
vitaminas, proteínas, carboidratos e sais minerais, como potássio, cálcio e ferro, sendo,
portanto, um alimento essencial ao desenvolvimento humano. Ademais, possui características
de produto natural e orgânico.
Essas características quanto ao valor nutritivo da rapadura são corroboradas por
Figueiredo Filho (2010, p.55), que ressalta: ―Na rapadura, conserva-se todos os sais minerais,
substâncias pépticas e açúcares invertidos da cana. Torna-se assim mais nutritiva e de
digestão mais fácil que seu similar de superior qualidade.‖
Dentre os estados da região Nordeste, o Ceará se destaca como um dos maiores
produtores de rapadura. No Estado [...] ―duas regiões se destacam pela existência da pequena
produção de rapadura: a do Cariri e a da Serra do Ibiapaba‖ (LIMA; CAVALCANTI, 2001, p.
30). A região do Cariri se destaca como uma forte produtora de rapadura. De acordo com
Oliveira (2003, p. 45), ―a produção desse gênero alimentício era uma das maiores expressões
de riqueza na região.‖ Eram numerosos os engenhos existentes, esses se espalhavam,
principalmente, nos municípios que tinham a atividade agrícola voltada, especialmente, para o
cultivo da cana-de-açúcar.
Concentrada em sua maioria nas terras das vilas de Missão Velha, Crato, Barbalha,
Brejo Grande e Jardim, a lavoura canavieira, no período colonial, foi bastante consistente e a
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produção de rapadura nos engenhos preserva uma estrutura de produção e mão de obra que
resiste até a atualidade (OLIVEIRA, 2003).
A agricultura canavieira predominava no município de Barbalha, onde se encontrava
uma grande quantidade de engenhos instalados. Durante décadas, a produção de rapadura foi
a principal atividade econômica no município. Devido à intensidade da produção no local nos
tempos de auge da fabricação do produto no Brasil, Barbalha ficou conhecida como a "Capital
Nacional da Rapadura". Assim, como afirma Figueiredo Filho (2010a, p. 7), ―Barbalha, que é
dos recantos mais encantadores do Cariri, é a verdadeira capital da rapadura.”
No entanto, a agroindústria de rapadura, que foi o setor econômico que mais
contribuiu para o progresso do município, vem se mostrando nos últimos anos bastante
ameaçada e com difícil sustentação. Graves dificuldades e fortes crises vêm sendo
enfrentadas, ameaçando o futuro dessa atividade já tão tradicional no município de Barbalha.
Os engenhos de rapadura estariam desaparecendo do município. Segundo Vicelmo (2008),
―dos mais de 100 engenhos que funcionaram na década de 60, no município de Barbalha,
restam somente cinco que estão agonizando. [...] As velhas moendas estão virando sucata na
bagaceira dos engenhos. Outras estão sendo vendidas para outros Estados para fabricação de
cachaça e álcool.‖
Mesmo com tantas dificuldades sendo enfrentadas, os proprietários têm esperança de
que essa atividade ainda possa se reerguer, e vêm lutando para manter viva a tradição de se
produzir a rapadura no município de Barbalha.
Em face dessas considerações, torna-se relevante a realização de estudos que se
preocupem com essa questão com o intuito de evitar o encerramento total da produção de
rapadura neste município, como também que tais medidas recomendadas possam ser adotadas
por outros municípios para fortalecer essa atividade produtiva. Desta forma, este estudo busca
descrever a produção de rapadura no município cearense de Barbalha nos últimos dez anos,
com destaque para as crises e as perspectivas futuras dessa atividade produtiva.
Especificamente, pretende-se identificar os fatores determinantes da decadência da produção
de rapadura em Barbalha; e apresentar alternativas de manutenção dessa atividade produtiva
em Barbalha.
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2. METODOLOGIA
2.1. Área de estudo
Segundo dados do IPECE (2012), o município de Barbalha localiza-se no sul do
Ceará; na microrregião do Cariri, tendo como municípios limítrofes, ao Norte: Missão Velha,
Juazeiro do Norte e Crato; ao Sul: estado do Pernambuco e Jardim; ao Leste: Missão Velha; à
Oeste: Crato. Com uma área de 479,18 km², distancia-se 405,00 Km da Capital, Fortaleza; e
apresenta um clima tropical quente semiárido brando, com temperatura média de 24° a 26°C.
Sua localização o faz um dos municípios privilegiados do interior cearense. De acordo com
Oliveira (2003, p. 71), ―as nascentes eram úteis à irrigação das plantações de cana em tempos
de escassez de chuvas‖.
Possui uma população de 55.323 habitantes, sendo 68,73% desses habitantes na zona
urbana e 31,27% na zona rural. Em termos econômicos, o PIB a preços de mercado (R$)
chegou a 361.385 mil reais no município em 2009, sendo 3,71%, 28,71% e 67,57%,
respectivamente, oriundos dos setores da agropecuária, indústria e serviços (IPECE, 2012).
2.2. Natureza dos dados
Para atender os objetivos propostos, foram empregados dados primários provenientes
de pesquisa direta junto aos proprietários dos engenhos que encerraram suas atividades
durante os últimos dez anos, como também com os que continuam em funcionamento durante
esse mesmo período, sendo realizada nos meses de abril e maio de 2013. Quanto aos
engenhos que encerraram suas atividades nesse período, buscou-se entrevistar esses
proprietários e no caso dos engenhos que funcionaram durante o período proposto, como
atualmente somente cinco engenhos continua em funcionamento, este estudo pesquisou todas
essas unidades e não utilizou amostragem.
2.3. Método de análise
Este estudo utilizou análise descritiva, em que os principais dados coletados foram
agrupados em tabelas de frequências, contendo as frequências absolutas e relativas das
variáveis consideradas ou representados por meio de gráficos.
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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Identificação dos engenhos e dos proprietários
Os engenhos de rapadura do município de Barbalha, em geral, são unidades antigas,
comprados há várias décadas, no início da fabricação do produto na região do Cariri, ou foram
herdados por filhos ou netos de algum proprietário que os adquiriu naquela época. Os dados
apresentados na Tabela 1 comprovam essa informação.
No caso dos engenhos que encerraram suas atividades no município de Barbalha nos
últimos dez anos, percebe-se que 61,54% são próprios (8 engenhos), e sua maioria foi
adquirida por seus proprietários no início da fabricação do produto no local, há bem mais de
10 anos; apenas um desses dez engenhos comprados foi adquirido pelo proprietário há menos
de 10 anos, o qual foi comprado a um outro produtor de rapadura que havia desistido de atuar
na área, se desfazendo do engenho, sendo que um destes engenhos próprios pertence a uma
associação de uma comunidade local (Associação dos Pequenos Produtores do Sítio Santana).
Outra parte destes engenhos foi herdada, 38,46%, passando de pai para filho por duas ou mais
gerações, fortalecendo a tradição de se produzir o produto.
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Dos engenhos de rapadura que ainda funcionam no município de Barbalha, 60% são
próprios (três dos cinco engenhos pesquisados), sendo que os proprietários são filhos, netos
ou sobrinhos de algum ex ou ainda produtor de rapadura, ou seja, vem de famílias que
mantém a tradição de se produzir o produto no local. Um dos cinco engenhos, que
corresponde a 20%, foi herdado de pai para filho já há três gerações; e o outro engenho é
arrendado (R$ 10.000,00 por ano), onde o arrendatário é filho de um ex-proprietário de
engenho, que chegou a falecer e este decidiu seguir os costumes da família e continuar
fabricando o produto.
Os engenhos de rapadura pesquisados são, em sua maioria, unidades antigas, com
vários anos de funcionamento. Como se pode observar pelas informações obtidas na pesquisa
de campo, dos engenhos que encerraram suas atividades, 84,62% funcionaram por mais de 10
anos, sendo que alguns ultrapassaram 40 anos de uso (havendo relatos de alguns que
perduraram por mais de um século); estes, ao decorrer dos anos, tiveram que ser conservados
e/ou melhorados para que fosse possível sua permanência em funcionamento, como a
substituição de moendas de madeira por moendas de ferro, e também a introdução de tração
elétrica ao invés de serem puxados por boi ou movidos por força hidráulica. Há a informação
de um engenho que funcionou por até cinco anos (7,69%), porém o proprietário informou que
o engenho não era novo, já tinha vários anos de uso, posto que foi comprado a outro produtor
de rapadura, que se desfez do mesmo. Entre 5 a 10 anos, tem-se a evidência de um engenho
(7,69%), também com vários anos de uso conforme o antigo proprietário.
Com relação aos engenhos de rapadura que ainda funcionam no município de
Barbalha, 60% do total pesquisado também são bem antigos, com mais de dez anos de uso,
sendo que 40%, que corresponde a dois engenhos do total de cinco, funcionam entre cinco a
dez anos, porém, segundo os proprietários, antes da compra, esses engenhos já tinham vários
anos de uso pelo antigo proprietário. Essas informações são comprovadas pelos dados
contidos na Tabela 1. Dessa forma, constata-se que essa atividade é secular no município de
Barbalha, comprovando a tradicional cultura de se produzir rapadura no local.
Conforme se observa pelo Gráfico 1 (a), a produção de rapadura nos engenhos, na
maioria das vezes, é feita sazonalmente, em geral, de março a dezembro. Os proprietários dos
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engenhos que encerraram suas atividades informaram que funcionavam apenas nesse período,
nunca funcionaram durante o ano todo. Entretanto, quanto aos engenhos que ainda funcionam
no município de Barbalha, 80% fabricam o produto durante o ano todo, com produção
modesta. Segundo os proprietários entrevistados, isso se dá por conta da necessidade de se
manter seus principais compradores, uma vez que a rapadura é produzida, em sua maioria das
vezes, sob encomenda. Dos cinco engenhos em funcionamento, apenas um funciona no
período de sazonalidade (de maio a novembro), também com produção modesta.
(a) (b)
Gráfico 1 – Período de funcionamento dos engenhos que encerraram suas atividades e dos
engenhos ainda em funcionamento (a) e período de fechamento dos engenhos que
encerraram suas atividades (b) no município de Barbalha, CE.
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da pesquisa.
Com base no Gráfico 1 (b), percebe-se que a maioria dos engenhos que encerraram
suas atividades (61,54%) fechou as portas depois do ano de 2007, e os outros 38,46%
fecharam entre os anos de 2002 a 2007, que corresponde a cinco dos treze engenhos visitados.
Segundo as informações reveladas pelos proprietários destes engenhos, esse resultado pode
ser atribuído ao fato de ter sido nesse período (2008 a 2012) que o Ministério do Trabalho
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tenha intensificado as fiscalizações nesses estabelecimentos e feito exigências que os mesmos
não tiveram como cumprir diante da situação vivida em seus engenhos.
Conforme dito anteriormente, a grande maioria dos engenhos de rapadura do
município funcionou por mais de 10 anos e, segundo a pesquisa empírica, esses engenhos
estiveram nas mãos dos mesmos proprietários durante todo o seu período de funcionamento.
Nesse contexto, é evidente que a maioria dos proprietários dos engenhos de rapadura, em
geral, apresente idade mais avançada, já que eram os responsáveis por manter a fabricação do
produto no local por tantas décadas.
Como se pode observar na Tabela 2, mais da metade (53,85%) dos proprietários dos
engenhos que encerraram suas atividades têm mais de 65 anos de idade. Dentre esses, dois
deles, que corresponde a 15,38%, possui faixa etária entre 75 a 85 anos, sendo que o
proprietário primogênito possui 85 anos. Por outro lado, o proprietário mais novo dos
engenhos que encerram suas atividades se encontra com 37 anos.
Já em relação aos proprietários dos engenhos ainda em funcionamento, percebe-se que
a maioria é mais jovem. De posse dessas informações obtidas, verifica-se que 40%,
correspondente a dois dos cinco proprietários entrevistados, têm entre 35 a 45 anos e os 60%
restantes estão divididos igualmente entre os proprietários que têm entre 45 a 55 anos de idade
(20%), 55 a 65 anos (20%), e os que têm entre 65 a 75 anos de idade (20%). Portanto,
constata-se que os engenhos em funcionamento estão nas mãos de pessoas com uma faixa
etária menor. Estes são familiares (filho, neto, irmão) de algum ex-proprietário de engenho
que tenha desistido de produzir o produto ou tenha vindo a falecer, sendo que estes estão
levando adiante à tradição familiar de se produzir a rapadura.
A idade avançada da maioria dos proprietários acaba sendo um dos fatores
responsáveis pelo fechamento de alguns engenhos, pois o proprietário se viu diante da
situação de decadência do engenho, sendo obrigado a abandonar a atividade por conta da
idade avançada, que lhe restringia de alguma forma. Assim, não tendo algum filho disposto a
assumir a administração da unidade, dando continuidade a tradição familiar (estes se voltaram
para outras áreas mais rentáveis e fora do campo), viram-se obrigados a fechar o engenho.
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No tocante ao nível de escolaridade dos proprietários dos engenhos que encerraram
suas atividades no município de Barbalha, nota-se que a maior frequência relativa (38,46%)
verificada se encontra no nível médio completo e que apenas um dos treze proprietários
pesquisados informa ter nível superior (7,69%), porém sua formação se deu na área da saúde.
Percebe-se, desta forma, que, em sua grande maioria, os proprietários desses engenhos tinham
nível de escolaridade considerado razoável. Dos proprietários dos engenhos de rapadura ainda
em funcionamento, o cenário não é diferente. Os dados mostram que 40% destes não
concluíram o ensino fundamental, apenas um dos cinco proprietários concluiu esse nível
(20%), e o restante (40%) possui ensino médio completo.
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3.2. Produção e comercialização da rapadura
Os engenhos pesquisados, em sua maioria, quase não apresentam diversificação de
produtos, o que, segundo Lima; Cavalcanti (2001, p. 32), ―pode ser considerado como
característica desse universo‖. Todos os engenhos pesquisados produzem rapadura na forma
tradicional. Dos engenhos que encerraram suas atividades, obteve-se a informação, pela
Tabela 3, de que sete dos treze engenhos pesquisados, que corresponde a 53,85%, produziam
somente a rapadura; sendo que um destes proprietários informou ter tentando diversificar a
produção, produzindo rapadura em tabletes de 25g, mas a tentativa não teve êxito, pois o
custo de se produzir esse tipo de rapadura era maior, o tempo de produção era mais extenso,
além de não ter encontrado um mercado consumidor fixo. Os outros seis, que corresponde a
46,15% produzem outros produtos além da rapadura, sendo que dois produzem mel, dois
produzem batida, um produz alfenim, um produz melaço, dois produzem cachaça e um
produz açúcar demerara.
Com relação aos engenhos que continuam em funcionamento, dois dos cinco engenhos
pesquisados (40%) afirmam produzir somente a rapadura. Os outros três engenhos (60%)
informam produzir outros produtos além da rapadura, sendo que dois produzem mel, dois
produzem batida, um produz alfenim e um produz cachaça. Segundo Lima; Cavalcanti (2001,
p. 32), ―isso mostra o conservadorismo dos proprietários e a reduzida abertura de novos
mercados, que, em geral, são mais propensos à diversificação.‖
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A produção de rapadura há alguns anos era feita nos engenhos sem quase nenhuma
preocupação dos produtores com sua venda. Eles garantem que antigamente não se tinha
problemas com a venda, o mercado consumidor dificilmente deixava de demandar toda a
produção. Entretanto, no caso de a produção inteira fabricada no período da moagem
(sazonalidade) pelo engenho não ser vendida, era feito estoque do produto. Segundo eles,
quase não se tinha prejuízo, pois não havia perda total, a rapadura poderia ser desmanchada e
reaproveitada em uma nova produção, ou de alguma outra forma.
Com o passar dos anos, por conta de alguns fatores, passou-se a haver dificuldades
com a comercialização do produto e, foi a partir daí, que a produção passou a ser feita, na
maioria das vezes, apenas sob encomenda. A atividade já não gerava tanto lucro como
antigamente, e os proprietários viam esta como sendo uma forma de se evitar perda.
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A partir dessas informações e com base na Tabela 3, percebe-se que dos engenhos de
rapadura que encerraram suas atividades nos últimos dez anos (2002 a 2012), 69,23% deles
produziam rapadura acima do que se previa para venda. Dessa forma, já com um mercado
consumidor bem limitado no período proposto na pesquisa, obviamente havia dificuldade de
se vender o estoque. Um dos produtores informa que vendia a produção restante no comércio
local, enquanto o restante aguardava por compradores no próprio engenho.
Com a dificuldade cada vez maior de um mercado consumidor abrangente, alguns
proprietários viram na produção de rapadura apenas sob encomenda como sendo uma forma
de se prevenir contra perdas e, consequentemente, prejuízos que poderiam vir a sofrer. Dentro
deste contexto, encontram-se quatro dos treze engenhos produtores de rapadura que
encerraram suas atividades, que corresponde a 30,77%. Estes preferiam produzir sem nenhum
risco. Entretanto, apesar da alternativa recorrida, a falta de um mercado consumidor que
abrangesse toda a produção local teria sido um dos motivos da falência destes engenhos.
É tanta a comprovação de um mercado consumidor pouco expressivo e cada vez mais
declinante, que todos os engenhos do município de Barbalha que continuam em
funcionamento produzem a rapadura somente sob encomenda. Alegam que devido o lucro em
alguns casos não cobrir os custos, não se pode haver nenhum prejuízo com relação à venda,
pois isso poderia colocar em risco o funcionamento destes.
De acordo com as informações obtidas com a aplicação dos questionários, tem-se que
a maioria dos produtores vendia ou vende sua produção ao mercado atacadista, na própria
unidade de produção. A grande maioria vende ao chamado pequeno atravessador, que são
responsáveis por fazer a distribuição do produto, que conforme os proprietários entrevistados
se dão principalmente em outros estados da região Nordeste.
Segundo os proprietários dos engenhos pesquisados que encerraram suas atividades,
toda ou grande parte da produção é vendida aos atravessadores que vêm principalmente dos
estados nordestinos do Rio Grande do Norte, Paraíba, e Pernambuco, que são responsáveis
por fazer a distribuição do produto no comércio destes Estados. Esta parte da produção era
feita sob encomenda, sendo que os proprietários dos engenhos de rapadura que produziam
excedente do produto informaram que vendiam esse excedente a atravessadores locais, que
faziam a distribuição do produto em cidades cearenses, como Juazeiro do Norte (aos romeiros
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principalmente), Iguatu e Várzea Alegre. Além de eles próprios irem vender em feiras de
cidades da região e também aos ambulantes, aguardavam compradores no próprio engenho.
No caso dos produtores dos engenhos de rapadura que ainda funciona, sua maioria,
também vende a produção aos chamados atravessadores, que fazem a distribuição do produto
principalmente em outros estados da Região Nordeste (Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco), mas que há também os que distribuem para o comércio de cidades da região do
Cariri, principalmente, Juazeiro do Norte, por conta da presença intensa de romeiros que,
segundo os proprietários dos engenhos pesquisados, são grandes apreciadores do produto.
Diante deste fato, tem-se a informação de que, um dos cinco proprietários dos engenhos ainda
em funcionamento, ressalta que 70% de toda a produção do seu engenho eram vendidas aos
romeiros que visitam o município de Juazeiro do Norte. Estes comprariam o produto
diretamente no engenho e aparecem como seus principais compradores.
Dessa forma, verifica-se que, no geral, o destino das vendas distribui-se
principalmente no mercado regional (Região Nordeste), seguido do mercado local
(municípios da Região do Cariri).
Segundo os proprietários dos engenhos ainda em funcionamento, não há nenhum
registro de venda de rapadura para o mercado externo e informam que não têm planos para
exportação. Afirmam que o principal objetivo no momento é manter e tentar expandir o
mercado consumidor nacional, regional e principalmente local, que deixa muito a desejar.
Além disso, eles têm consciência das exigências do mercado externo, sabem que para se
inserir neste mercado, seria necessária uma forte reestruturação dessa atividade, que exigiria
recursos, os quais estariam fora do alcance dos mesmos.
Os proprietários dos engenhos de rapadura adotam diferentes maneiras de monitorar a
produção. Uns fazem a contagem da quantidade produzida por carga, sendo que uma carga
equivale a 100 rapaduras; outros por unidade, sendo que a rapadura tradicional contém 500g;
outros por quilograma (1 kg = 1.000g), além dos que fazem a contagem por tonelada (uma
tonelada = 1.000.000g).
Apesar de se ter informação da quantidade média de rapadura produzida por ano em
cada engenho, em unidade, carga, kg ou tonelada, não seria confiável estimar a quantidade
média de rapadura produzida anualmente no município de Barbalha por conta dos diferentes
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períodos de fechamento dos engenhos, além do que os produtores não têm controle confiável
da quantidade produzida, informando uma média do que costumam produzir. Dessa forma,
será informada a quantidade média produzida nesses engenhos em seu período de moagem.
Pelas informações obtidas na pesquisa aplicada com os proprietários de engenhos que
encerraram suas atividades, teve-se a informação de que os engenhos produziam por moagem
(período de sazonalidade) de 120 kg de rapadura, que foi a menor quantidade de produção de
rapadura informada por moagem, podendo chegar a produzir cerca de 150.000 kg de rapadura
por moagem (maior quantidade produzida informada), essa seria a quantidade produzida no
período de auge da fabricação do produto na região.
Os engenhos de rapadura ainda em funcionamento chegam a produzir de 5.750 kg a
50.000 kg de rapadura por ano, sendo que um dos proprietários informa já ter produzido até
100.000 kg do produto por ano, comprovando uma tendência de diminuição da produção do
produto no município ao decorrer dos anos.
3.3. Principais dificuldades apontadas
Os proprietários dos engenhos de rapadura, em geral, atribuem à falência e fechamento
ou decadência dos engenhos aos seguintes fatores: dificuldade de comercialização do produto;
evasão de mão de obra; exigências feitas pelo Ministério do Trabalho; preço baixo do
produto; falta de recursos; falta de incentivos e ajuda governamental (inserir a rapadura na
merenda escolar); falência da agricultura local; baixa lucratividade, de forma que o lucro não
vinha sendo o suficiente para cobrir os custos; secas sofridas que prejudicou o plantio da
cana-de-açúcar; encargos sociais elevados; energia elétrica cara (utilizada na irrigação da cana
e moagem); dificuldade de obtenção de crédito; e idade avançada do proprietário.
Conforme enfatizado, a comercialização da rapadura nos últimos anos vem sendo um
dos problemas enfrentados pelo segmento. O mercado consumidor da rapadura é bem
limitado, onde a produção local acaba se voltando principalmente para outros estados da
região Nordeste (RN, PB e PE, principalmente), através do pequeno atravessador,
observando-se a falta de um mercado consumidor local mais abrangente; a produção local se
tornara excedente diante da pequena procura pelo produto. Além do que a tendência de um
mercado consumidor cada vez mais declinante amedrontava os produtores locais, que diante
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desse fato se vinha obrigada a diminuir cada vez mais a produção, o que fez com que grande
parte destes, aliada a outros fatores, optassem pelo fechamento de seus engenhos; deixando os
engenhos ainda em funcionamento produzindo apenas sob encomenda para que não ocorram
perdas que viessem a piorar a situação de decadência já vivida nessas unidades sobreviventes.
Dessa forma, a dificuldade de comercialização da rapadura aparece como uma barreira a ser
quebrada para que venha a ser possível alavancar a produção no município.
A evasão de mão de obra das unidades (agrícolas) está associada à melhoria de vida da
população em geral, devido aos projetos governamentais; e ao desenvolvimento da região,
que levou a especialização da mão de obra local, que se evadiu para os centros urbanos;
acabou vindo a se tornar um problema para o setor. Os engenhos por falta de mão de obra
suficiente para ocupar todo o processo produtivo da rapadura muitas vezes tiveram que parar
a produção até que encontrassem mão de obra suficiente para ocupar todas as fases do
processo, sendo que os que não conseguiam pessoal suficiente acabaram fechando as portas.
Os engenhos ainda em funcionamento continuam sofrendo com esse problema que vem se
agravando cada vez mais, os trabalhadores rurais estariam migrando para o setor industrial
que vem se firmando na região. Diante desta situação, os engenhos acabam recorrendo à mão
de obra vinda de outras cidades da região e também de estados vizinhos.
Com o preço reduzido do produto e os custos elevados da produção,
consequentemente se tem uma baixa lucratividade com a venda do produto. Sendo assim, o
lucro obtido na produção nem sempre era o suficiente para cumprir com todas as obrigações
necessárias (custos da produção e renda familiar, além de capital necessário para cumprir com
os custos iniciais da produção seguinte). Além do que as exigências feitas pelo Ministério do
Trabalho, que com o descumprimento levaria a aplicação de multas (que chegou a ocorrer
com grande parte dos engenhos que alegam não terem tido condições de cumpri-las), vieram a
piorar ainda mais a situação de decadência vivida nos engenhos. Diante do baixo lucro e da
falta de recursos, a maioria dos proprietários informa não se ter condições de cumprir com
todas as obrigações citadas acrescidas aos custos adicionais (buscando cumprir com as
exigências feitas pelo Ministério do Trabalho e o pagamento de multas, no caso do
descumprimento das exigências), levando a falência de grande parte dos engenhos. Portanto,
os engenhos sobreviventes continuam a sofrer com o baixo lucro, onde parte afirma não ser
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viável a produção que ocorreria com objetivo de se manter a tradição de se produzir rapadura
no local.
A falência da agricultura local também aparece com um dos fatores responsáveis pelo
fechamento e pela decadência dos engenhos. A falência da agricultura estaria associada à falta
de chuva (secas sofridas no Nordeste), que levou a necessidade de irrigação da cana-de-
açúcar, acarretando em um aumento significativo da tarifa de energia elétrica paga, que diante
da falta de recursos e dificuldade de obtenção de crédito, além dos altos encargos sociais e
falta de incentivo e ajuda governamental, se tornou difícil cumprir com os custos acrescidos
ao cultivo da cana-de-açúcar. Com a dificuldade de se cultivar a cana-de-açúcar, que é a
principal matéria-prima utilizada na produção da rapadura, a produção acaba se vendo
ameaçada, já que a redução se é necessária, comprovando ser um dos fatores responsáveis
pelo fechamento e decadência dos engenhos ainda em funcionamento.
O último fator citado seria a idade avançada dos proprietários. Estes alegam não ter
mais condições físicas de continuar administrando as unidades de engenhos, e já que os filhos
e outros membros familiares optaram por atuar em outras atividades (não agrícolas), se viram
obrigados a fechar os engenhos. Os proprietários dos engenhos ainda em funcionamento veem
um futuro não tão diferente para suas unidades, informam que ao alcançar idade avançada
terão que abandonar a atividade, não tendo estes expectativas de que filhos ou netos se
disponham a continuar a tradição de se produzir o produto, diante das mudanças de hábitos já
vividas no local.
3.4. Sugestões para que os engenhos continuem funcionando
Diante da situação de decadência vivida atualmente nos engenhos de rapadura do
município de Barbalha, os proprietários dos engenhos ainda em funcionamento indicam
sugestões para que seja possível a continuidade da produção do produto no local. Eles
apontam como tipo de apoio mais urgente: incentivos à comercialização do produto;
incentivos e ajuda governamental; inclusão da rapadura na merenda escolar municipal; acesso
à linha de crédito (investir em melhorias tecnológicas); e assistência para o plantio da cana-
de-açúcar.
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Como se pode perceber, os apoios necessários para sustentação dos engenhos que se
encontram em situação de decadência, citados pelos proprietários dos engenhos ainda em
funcionamento, se resumem na resolução dos problemas referenciados no item anterior.
Outro fato relativamente novo no ramo é a introdução da rapadura na merenda escolar
de vários municípios, bem como a sua aquisição pela Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB) para compor as cestas básicas distribuídas às famílias indigentes (LIMA;
CAVALCANTI, 2001, p. 38).
Dessa forma, a diversificação do produto poderia levar a abertura desses novos
mercados que são mais exigentes, porém isso só aconteceria diante de outras mudanças
ocorridas no setor, como, por exemplo, tornar os engenhos de rapadura em pequenas ou
médias empresas formais; assim como também agregaria valor ao produto.
Ainda se poderia negociar com redes de supermercados e também entrar com
licitações para incluir o produto na merenda escolar municipal. Essas experiências já foram
feitas em outros centros produtores de rapadura aqui mesmo no estado do Ceará e também em
outros estados nordestinos. No entanto, com relação à tentativa de venda da rapadura para a
merenda escolar, pode-se encontrar o problema da concorrência com os atacadistas, que
levariam vantagem ao conseguir oferecer o produto por melhor preço.
Entretanto, essas mudanças são presentes apenas nos centros maiores produtores de
rapadura do Nordeste. Na área de estudo em questão, não há expectativas positivas em relação
a essas mudanças; já que o município é o único que ainda mantém alguns engenhos de
rapadura em funcionamento na região do Cariri, se vendo totalmente restrito a tais mudanças,
diante dos outros problemas enfrentados pelo setor no local.
Ademais, para que isso viesse a acontecer seria necessária a presença de algum tipo de
incentivo ou apoio governamental, aliada a outros órgãos (foi o que aconteceu nos casos
citados anteriormente), que seria outro apoio informado pelos proprietários dos engenhos
ainda em funcionamento como necessário para manter a atividade em ativa. Os produtores
clamam por ajuda governamental para continuarem a atividade, e indicam a aquisição da
rapadura para merenda escolar municipal como sendo uma das alternativas mais fáceis de
implementação. Mas, segundo Lima; Cavalcanti (2001), no caso da demanda institucional,
além da decisão política de incluir a rapadura na merenda escolar, os proprietários teriam que
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ter capacidade de atender os requisitos mínimos de qualidade, higiene, formalização e
legalização para participar de licitações e regularidade da oferta. Diante da situação de
decadência vivida pelas unidades de engenhos, essa seria mais uma barreira a ser superada.
Com relação à aquisição da rapadura para a merenda escolar municipal, assim como
outros produtos produzidos em unidades de engenhos (como o caldo de cana, por exemplo),
os proprietários dos engenhos pesquisados informam já ter ocorrido esse fato no local.
Entretanto, o produto não era comprado diretamente aos engenhos, que não chegaram a se
beneficiar; o produto era comprado a atacadistas que revendiam a rapadura à prefeitura
municipal que o incluía como parte da merenda escolar. Isso mostra a falta de apoio e
reconhecimento local com os engenhos de rapadura do município de Barbalha.
Outro apoio informado pelos proprietários dos engenhos de rapadura em
funcionamento está relacionado ao acesso a linhas de crédito. Os proprietários reclamam da
dificuldade de se obter qualquer tipo de obtenção de crédito, além dos altos juros cobrados no
pagamento da dívida. A facilitação da obtenção de crédito, assim como uma diminuição na
taxa de juros cobrada no pagamento da dívida viria a beneficiar os engenhos, de modo que o
crédito obtido seria utilizado, principalmente, para obtenção de máquinas e equipamentos que
trariam melhorias tecnológicas para as unidades, vindo a trazer benefícios como redução dos
custos de produção, agilização do processo produtivo (substituição do trabalho manual por
máquinas), aumento da produção, assim como também melhoramento na qualidade do
produto, entre outros.
A assistência ao plantio da cana-de-açúcar também foi apontada como apoio
necessário para o melhoramento da situação de decadência vivida pelos engenhos. Com a
agricultura tida como falida pelos produtores, estes veem na assistência ao plantio uma forma
de salvar a agricultura. Essa ajuda poderia ocorrer tanto na forma de assistência técnica, como
também ajuda governamental. A necessidade de assistência técnica viria no caso de indicar
propostas de técnicas de plantio e irrigação, diante da convivência com a seca, melhorando a
qualidade da cana-de-açúcar local e também aumento da produtividade, que se encontra em
baixa diante dos problemas causados pela seca; e a necessidade de assistência governamental
viria no caso de incentivar a agricultura local, como financiando a plantação da cana,
cobrando juros abaixo dos cobrados pelos bancos na hora do pagamento da dívida, e também
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dando maior prazo de pagamento; podendo também diminuir os encargos de energia elétrica
paga com a irrigação da plantação da cana.
Nesse contexto, segundo os produtores de rapadura dos engenhos ainda em
funcionamento do município de Barbalha, a chegada desses apoios melhoraria a situação
desses engenhos, retirando-os da situação de decadência vivida atualmente.
4. CONCLUSÕES
O estudo sobre a produção de rapadura no município de Barbalha nos últimos dez anos
com destaque para as dificuldades e perspectivas futuras dessa atividade produtiva indicou
que a importância dessa atividade para a economia local vem tendo quedas significativas nos
últimos anos, sofrendo com aparecimento de fatores que comprometem o futuro dessa
atividade já tão tradicional no município.
Diante dos pontos contemplados na pesquisa de campo, vale destacar a identificação
do engenho e do proprietário; a produção e comercialização da rapadura; e principais
dificuldades e sugestões.
Com base nesses pontos, conclui-se que a falência e o fechamento ou decadência dos
engenhos estão associados principalmente aos seguintes fatores: dificuldade de
comercialização do produto; baixa lucratividade, associada aos preços baixos e alto custo de
produção; evasão de mão de obra; exigências feitas pelo Ministério do Trabalho
(regularização do pessoal ocupado, melhoramento nas unidades produtivas, com relação às
melhores condições de trabalho e higiene do produto); falta de recursos; falta de incentivos e
ajuda governamental; falência da agricultura local, associada à seca e a falta de apoio a
agricultura; encargos sociais elevados; energia elétrica cara (utilizada na irrigação da cana e
moagem); dificuldade de obtenção de crédito; e idade avançada de proprietários.
A solução dos problemas causados por esses fatores poderia evitar a situação de
decadência dos engenhos de rapadura ainda em funcionamento, que informam as seguintes
medidas de apoio mais urgentes ao segmento: incentivos à comercialização do produto
(projetos de abertura de novos mercados e agregação de valor, com diversificação do
produto); incentivos e apoio governamental (inclusão da rapadura na merenda escolar
municipal); acesso à linha de crédito (com juros mais baixos e maior prazo de pagamento, que
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seria investido em melhorias tecnológicas, capital de giro); assistência técnica para plantio da
cana-de-açúcar; e ajuda governamental no caso de incentivos à agricultura local.
Dentro desse contexto, conclui-se que apesar das expectativas negativas tidas em
relação ao futuro dessa atividade econômica, uma forte reorientação do setor, visando
solucionar os problemas responsáveis pelo fechamento e decadência dos engenhos de
rapadura do município de Barbalha, poderia manter os engenhos funcionando por mais um
considerável período de tempo e até reabrir engenhos antigos. Entretanto, a produção
continuaria ocorrendo de forma modesta, respeitando os limites impostos atualmente pelo
setor, com rendimentos também modestos, podendo ser tão somente o suficiente para manter
a tradição de se produzir rapadura no local. Sem retirar a hipótese de que sem essa
reorientação no setor, os engenhos ainda sobreviventes podem vir a fechar em um período não
tão longo de tempo, dando um fim a essa atividade tão tradicional no município.
REFERÊNCIAS
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LIMA, J. P. R.; CAVALCANTI, C. M. L. Do engenho para o mundo? A produção de
rapadura no Nordeste: características, perspectivas e indicação de políticas. Revista
Econômica do Nordeste. Fortaleza, v. 32, n. 4, p. 950-974, 2001.
OLIVEIRA, A. J. Engenhos de rapadura do Cariri: trabalho e cotidiano (1790-1850).
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OLIVEIRA, J. C.; NASCIMENTO, R. J.;BRITTO, W. S. F. Demonstração dos custos da
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1556
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VICELMO, A. Falência da tradição: engenhos agonizam no Cariri. Diário do Nordeste,
publicado em 16/08/2008. Disponível em: caririagora.blogspot.com/.../matéria-do-diário-do-
nordeste-16-08-2008. Acesso em: 07 de Dezembro de 2011.
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A QUESTÃO AGRÁRIA COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL E O
TRABALHO DESENVOLVIDO PELOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS
ASSENTAMENTOS RURAIS
Claudina Sonaly Melo Rodrigues3
Jamyllier Nathafia Araújo Gurgel4
Ana Paula Rodrigues da Silva5
Gilcélia Batista de Góis6
RESUMO Com a reconceituação da profissão do Serviço Social, o trabalho dos Assistentes Sociais abandonou
suas raízes conservadoras e se tornou cada vez mais necessário em espaços sociais distintos que
necessitassem da garantia e efetivação dos direitos dos trabalhadores. Os profissionais passaram a
participar ativamente junto com a classe trabalhadora em lutas e conquistas ganhando cada vez mais
espaço, inclusive em assentamentos rurais, trabalhando com a chamada Questão Agrária. A
contribuição teórica e técnica do Serviço Social tem sido um importante instrumento de intervenção
para enfrentamento da Questão Social, sendo também indispensável a articulação entre outras
profissões para que se faça ainda mais viável a elaboração de programas, projetos e ações que
realmente contemplem a necessidades presentes nos assentamentos rurais.
Palavras-chave: Questão agrária, questão social, trabalho do assistente social.
INTRODUÇÃO
O processo de concentração de terras brasileiras perpassa desde a época da
Colonização, quando as terras pertenciam aos colonos Portugueses e a população ficava a
mercê destes para garantir sua moradia e sobrevivência, o que deixa seus vestígios até os dias
atuais, onde a população ainda sofre com a falta de teto, de terras, com o desemprego e sem
condições de subsistência.
3 email: [email protected], Telefone: (84) 9654-0384.
4 email: [email protected], Telefone; (84) 9666-3870
5 email: [email protected], Telefone: (85) 8153-0767
6 email: [email protected], Telefone: (84) 9927-8339
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE-UERN
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL – FASSO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO
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O Brasil se mostra um país agrário, que passou pelo processo de urbanização, graças
ao movimento de industrialização existente no Mundo e mesmo assim não perdeu sua riqueza
natural e a capacidade do povo em criar alternativas de resistências frente às políticas
neoliberais, mesmo diante do sistema capitalista em vigor, que ao mesmo tempo em que
avança no desenvolvimento de novas forças e modos de produção, capaz de construir novas
riquezas, favorece um processo de subordinação das necessidades humanas a condições de
vida precárias, submetendo o trabalhador a um processo de empobrecimento.
É nesse contexto que temos as expressões da questão social bem presentes e que se
apresentam por meio da concentração de terras, da questão fundiária, das desigualdades e da
pauperização cada vez mais visíveis no meio rural.
A Questão Agrária perpassa nesse contexto, através das relações de poder econômico,
político, cultural e social, entre sujeitos antagônicos que visam interesses diversificados em
torno da propriedade de terras no sistema capitalista. Trata da concentração de terras
produtivas em posse dos que as utilizam em períodos sazonais, não conferindo a elas uma
função social e ao mesmo tempo as mantém como um elemento que os caracteriza como
detentores de poder, dominação, submissão sobre os que não têm terras para garantir a sua
sobrevivência através da agricultura familiar ou sua subsistência. Aparece nessa situação,
expondo entre outras problemáticas: a centralização de terras, desapropriação do pequeno
produtor da agricultura familiar e o não acesso a terra por parte das famílias rurais.
Com a decorrência desses fatos, surgem diversos Movimentos Sociais Organizativos,
que inicialmente lutavam e ainda hoje permanecem na luta pelo acesso a terra, enquanto
direito social, bem como por programas e projetos para o Espaço Rural, que batalham de
forma organizada pelo acesso a esses elementos e por melhores condições de vida e de
salários, pela distribuição de terras, dentre outros.
Junto aos Movimentos Sociais em vigor e a realidade de desigualdades presentes nos
assentamentos rurais, é que se faz fundamental a presença de profissionais como assistentes
sociais, atuando junto a essa população que se mostra vulnerável ao sistema capitalista, na
busca pelo enfrentamento das disparidades e pela garantia da efetivação dos direitos do
homem do campo. Para tanto, é preciso que o Serviço Social, enquanto atividade pensada e
voltada aos assentamentos e comunidades rurais exerça uma ruptura com as práticas
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conservadoras que permeiam o histórico da profissão e passe a adotar outras atitudes e
pensamentos mais condizentes com a realidade vigente.
É preciso analisar a possibilidade de repensar e redirecionar as ações profissionais para
que passem a apontar para um rumo social distinto dos interesses da classe dominante, ou
seja, é preciso que o assistente social assuma uma postura política e profissional voltadas para
os interesses da classe popular, na perspectiva da transformação social. Por meio da ruptura
com o conservadorismo, que o profissional possa dirigir suas ações à transformação da
realidade dos sujeitos acima relatados, que foram historicamente explorados e marcados por
processos desiguais.
Questão agrária como expressão da questão social
Para compreender o significado da questão social partimos dos pressupostos da
expansão da produção e reprodução das relações capitalistas, impulsionadoras da
industrialização e urbanização, as quais trazem em seu bojo as raízes da referida questão.
Contudo, foi somente em meio a luta dos trabalhadores por direitos sociais que a questão da
exploração humana passou a fazer parte da cena política, imprimindo ao Estado a necessidade
reconhecê-la enquanto uma questão pública.
A partir do reconhecimento da questão social pelo Estado, este ampliou suas funções
e passou a administrar e gerir os conflitos de classes não apenas via coerção, mas também
através do consenso, considerando-o como favorável ao funcionamento da sociedade de modo
a evitar tensões contra hegemônicas. O Estado, no processo de mediações das tensões
apresentadas no cotidiano das relações capital e trabalho, toma como centralidade a política
sócio-assistencial e efetiva-se através de prestação de serviços sociais.
Segundo Iamamoto, o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista tem uma raiz comum: ―a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho
torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade‖ (IAMAMOTO, 2001, p. 27). O que nos faz
perceber a existente desigualdade de apropriação de bens e também de terras no cenário
nacional.
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É no movimento do processo de reprodução da vida social que procuramos decifrar as
novas mediações por meio das quais se expressa a questão social hoje. Tal fato é de
fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se possa
tanto apreender as várias expressões que assumem na atualidade as desigualdades sociais,
muitas vezes travestidas e forjadas e também qualificar o horizonte das competências
profissionais na luta contra o capital.
A questão agrária, enquanto expressão da questão social traz as disparidades e
impactos do sistema capitalista no meio rural, as relações de produção no campo são bastante
complexas, pois abarca a intensificação da concentração fundiária e, concomitantemente, a
resistência dos trabalhadores na luta pela terra e a implantação dos assentamentos rurais. A
questão agrária compreende ainda as relações de poder no bojo da correlação de forças entre
sujeitos antagônicos com interesses e perspectivas diferenciadas em torno da propriedade da
terra, inclusive na realidade brasileira.
No caso da situação rural brasileira, são predominantes as relações de dominação e
subordinação por meio do capitalismo tardio, que se estrutura em grandes latifúndios
concentradores de capital e desempenham a função de reproduzir a questão social do campo,
marcada de forma mais específica pelo acesso desigual a terra. Dessa forma, a luta pela terra
se torna um dos elementos essenciais para compreendermos a questão agrária no Brasil como
expressão da questão social.
O meio rural tornou-se palco de lutas entre atores sociais taticamente engajados, que
expandem os conflitos em torno da posse da terra e se organizam de acordo com seus
interesses de classe específicos, estando em um lado, uma elite latifundiária e, de outro, a
grande parcela da população dos trabalhadores rurais, secularmente desapropriada pelos
donos de terras. Percebe-se, portanto uma forte arena de lutas desiguais, de correlações de
força e poder assimétricas, onde o campo é o grande palco do embate político, demarcado por
interesses de classes sociais distintas, no qual a questão social é explicitada e negociada.
Com base nas raízes históricas do serviço social, é recorrente na literatura, que os
Assistentes Sociais passaram a atuar no enfrentamento das mais variadas expressões
quotidianas da questão social em diversos setores, o que envolve também a sua presença na
questão da propriedade da terra, mais especificamente na questão agrária.
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No entanto, a direção retórica adotada pelo conjunto das atuais diretrizes curriculares
norteadoras da profissão na contemporaneidade, em suas análises, entendem que no serviço
social brasileiro, as discussões pautam-se na compreensão crítica acerca das novidades sobre a
questão social, muitas vezes renomeando a expressão e adotando o termo problemas sociais,
que se mostra como uma reposição de análise equivocada, que tende a despolitizar o real
sentido do termo.
Iamamoto (2006) afirma que, esta nomenclatura impede uma compreensão da
complexidade da qual emerge a Questão Social no interior da organização capitalista. A
autora defende um discurso genérico, que resulta numa visão unívoca e indiferenciada da
Questão Social, prisioneira das análises estruturais, segmentadas da dinâmica conjuntural e da
vida dos sujeitos sociais.
Neste contexto a reforma agrária constitui-se uma questão polêmica no Brasil, já que
pôs em jogo interesses de classes antagônicas, bem como as divergências que esses interesses
acarretam, favorecendo ora uma e por vezes a outra classe social. Por isso a importância do
trabalho dos assistentes sociais junto a essa realidade, lidando com as múltiplas expressões da
questão social e procurando meios viáveis a igualdade entre as classes.
O trabalho dos/as Assistentes Sociais nos Assentamentos Rurais de questão agrária
Com o movimento de reconceituação, a profissão iniciou o processo de repensar o seu
fazer profissional, de maneira a fugir da neutralidade e do conservadorismo e voltar-se ao
compromisso com as classes subalternas. O Assistente Social vem se mostrando cada vez
mais como um agente profissional capaz de intervir na realidade dos sujeitos, proporcionando
a garantia e efetivação de seus direitos, bem como na implementação das políticas públicas ou
sociais, visto que o Serviço Social historicamente participa do processo de produção e
reprodução das relações sociais, onde seu trabalho se volta à relação estabelecida entre os
sujeitos e pelos interesses que envolvem as classes sociais distintas.
O Assistente Social possui a capacidade técnica e teórica de elaborar estratégias de
intervenção, de leitura crítica e de transformação da realidade social, possui a habilidade com
o trato a pessoa humana e enfrentamento da questão social, o que são questões próprias do
Serviço Social. No exercício de suas funções e mediante às demandas inscritas no contexto
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atual, este profissional necessita desenvolver capacidades técnico-operativas, teóricas e
reflexivas para direcionar sua própria ação rumo ao horizonte da cidadania, da democracia, da
igualdade e justiça social, visando alcançar uma nova ordem societária.
Os assistentes sociais são desafiados neste tempo de divisas, de gente cortada em
suas possibilidades de trabalho e de obter meios de sobrevivência, ameaçada na
própria vida. Tempos de crise, em que cresce o desemprego, o sub-emprego, a luta
por meios para sobreviver no campo e na cidade. Tempos extremamente difíceis
para todos aqueles que vivem do trabalho: para a defesa do trabalho e para a
organização dos trabalhadores.<grifos da autora> (IAMAMOTO, 2006, p. 18).
Por meio do surgimento de novas demandas profissionais, o Serviço Social se
incorpora às equipes multiprofissionais com a finalidade de realizar ações em assentamentos
rurais, acampamentos, comunidades rurais, nas equipes técnicas de organizações não-
governamentais, cooperativas de prestação de serviços, assim como, nas instituições
governamentais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), por exemplo, dentre outros
espaços.
As ações desenvolvidas por estes profissionais podem ocorrer junto aos programas e
projetos dirigidos ao homem que vive no campo, que visam garantir benefícios a estes e que
conferem um compromisso por parte do profissional com a classe trabalhadora, com as lutas
pela justiça social e pelos princípios de democratização popular no campo.
O agir profissional do assistente social nos assentamentos rurais, possibilita um
fortalecimento do saber popular que é delimitado por uma ação essencialmente
socioeducativa, no qual o fortalecimento da classe popular implica na adoção de novos meios
de construção e utilização do conhecimento, onde a população possa ter acesso não somente a
informações institucionais, mas também aos processos de construção dessas informações,
bem como aos de tomada de decisões, sendo, portanto, capaz de decidir, possuindo a
liberdade de escolha sobre seus caminhos e construindo estratégias de enfrentamento das
adversidades cotidianas, protagonizando sua própria história.
As suas atividades envolvem a cooperação, a solidariedade, a busca de direitos, a ação
conjunta, reinvindicações, o incentivo aos assentados a participar de fóruns de discussões,
participação em conselhos, que envolvem, portanto atividades de mobilização, orientação,
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formação, organização e elaboração, que afirmam a necessidade histórica de direcionamento
ao projeto ético-político da profissão e que se mostram como enfrentamento às disparidades
vigentes, produzidas pela presença do sistema capitalista, que é possível também por meio da
organização e da coletividade dos trabalhadores e moradores do campo, através de sua
participação social, de sua integração no controle social, avaliando, monitorando e propondo
melhorias aos programas, projetos e ações.
Dentre as tarefas mais frequentes realizadas pelos profissionais nos assentamentos
rurais, se destacam a formação e organização de grupos (de mulheres, trabalhadores, jovens,
idosos, etc.), o acompanhamento da população do campo (no caso dos assentados, por
exemplo) às assembleias mensais e reuniões das associações, o acompanhamento dos
trabalhos realizados pelos moradores do campo, assessoria na gestão e organização das
associações (elaborando atas e ofícios), a organização e fortalecimento das famílias, voltadas
ao associativismo e o cooperativismo, o planejamento, a elaboração de projetos, o apoio a
comercialização de produtos (de maneira a garantir a subsistência e fonte de renda dos
sujeitos), a participação em movimentos sociais e a articulação de parcerias.
A busca por parcerias e alianças com outros setores que visem o progresso e bem-estar
social, que tendem a um novo tipo de sociedade, é fundamental para recriar novas formas de
enfrentamento aos problemas da realidade habitual dos sujeitos envolvidos.
Como desafios enfrentados por estes profissionais aparecem a desmotivação por parte
de algumas pessoas, os resultados de suas ações que muitas vezes são obtidos em longo prazo,
o comodismo e falta de apoio a determinadas atividades, dificuldades quanto a finalização de
projetos e aquisição de recursos, dentre outros que possam existir e que são relativos a
realidade de cada assentamento.
Dentre os resultados do trabalho dos assistentes sociais no campo, percebemos a
organização dos grupos, a melhoria das famílias assentadas, a ampliação do acesso ao
conhecimento e dos seus direitos, a possível visibilidade do trabalho e produção
desenvolvidas em muitos assentamentos rurais.
CONCLUSÃO
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No decorrer do presente artigo foi possível se compreender uma, dentre muitas das
faces da Questão Social: a então chamada Questão Agrária. Esta se torna mais um espaço
onde o Serviço Social encontra relações de dependência e dominação, como de desigualdades,
onde de um lado, uma minoria possui grandes concentrações de terras e, do outro, muitos
lutam por moradia. Diante dessa situação se formam movimentos sociais como o Movimento
dos Sem Terra (MST) que realizam ocupações e constroem assentamentos na busca por terras
para quem não as possui. O Serviço Social, a partir de sua nova formação, se insere nessa
realidade tanto na luta contra a desigualdade social, como na participação nos próprios
assentamentos, acompanhando a população, orientando-a e realizando programas e projetos
que visem uma melhor participação e bem-estar social de todos através da garantia de seus
direitos.
REFERÊNCIAS
IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
MELO, E. [et al] Serviço Social e Questão Agrária, entre as marcas da exclusão, a
apreensão de demandas socioprofissionais e o caminhar de ações socioeducativas, sob a
perspectiva do desenvolvimento como liberdade: um estudo de caso no projeto de
assentamento porto velho. 2007. 102 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Serviço Social). Faculdade de Serviço Social de Presidente Prudente. São Paulo. 2007.
MOTA, Claudia. O trabalho do/a Assistente Social na Agricultura Familiar – desafios e
resultados. Mossoró. 2013. 22 slides. Color.
SILVA, Nelmires Ferreira da. Serviço Social e Questão Social: as particularidades de uma
profissão no enfrentamento a questão agrária brasileira. Universidade Federal do Pernambuco,
UFBE. 2010.
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A QUESTÃO AGRÁRIA NA ATUALIDADE BRASILEIRA: desafios e possibilidades
para o fazer profissional do/a assistente social
Thaís da Silva Aguiar7
Laíz Cristina de Oliveira8
Gilcélia Batista de Gois9
RESUMO O presente artigo trará como tema central a Questão Agrária em nosso país, na primeira parte
apresentaremos um breve resgate histórico da Questão Agrária e as formas de organização da
estrutura econômica em diferentes contextos brasileiros, visto que o problema da Questão Agrária
em nosso país não é novo, é algo histórico, na qual surgiu desde a época da colonização e até hoje
permanece sem mudança. No segundo momento abordaremos a inserção e atuação do/a assistente
social frente a esse problema, bem como se dá o trabalho do Assistente Social para fortalecer esta
causa.
Palavras-chave: Reforma Agrária. Questão Agrária. Assistente social.
1 INTRODUÇÃO
Mesmo após tantas lutas em defesa da Reforma Agrária brasileira, a mesma ainda
não alcançou mudanças significativas no cenário do país, sendo realizada como medidas
pontuais frente a conflitos. Evidenciado a problemática da Questao Agrária no Brasil ainda
não há amplas discussões a respeito, ficando esta restrita a academia e aos movimentos
sociais em defesa da causa.
Sendo assim, as discussões acerca da Questão Agrária ainda não conseguiram
impactar a sociedade como um todo. No entanto, os movimentos sociais de trabalhadores
sem terra ou com pouca terra exercem um papel de extrema relevância no que diz respeito à
publicização da problemática.
7 Aluna de graduação da Faculdade de Serviço Social da UERN. E-mail: [email protected] Fone: (84)
9662-5015. 8 Aluna de graduação da Faculdade de Serviço Social da UERN. E-mail: [email protected] Fone: (84)
9983-7756. 9 Professora Adjunta II da Faculdade de Serviço Social da UERN. Doutora em Ciências Sociais e estuda a
temática como questão central desde o Mestrado. E-mail: [email protected] Fone: (84) 9927-8339.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
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1566
Assim, apesar de ainda não haver efetivamente a Reforma Agrária no Brasil, pelo
fato de o governo não tratar a questão com a atenção devida, o sistema vem se
modernizando e aos pouco se ampliando, resultado de lutas travadas durante muitos anos e
até os dias atuais.
Nesse sentido, faremos um breve resumo da problemática da Questão Agrária
brasileira, vinculando-a ao fazer profissional do/a assistente social, como sujeito capaz de
impulsionar e fortalecer os movimentos sociais a favor da Reforma Agrária, por meio de um
trabalho desenvolvido com o compromisso de lutar por uma sociedade mais justa e
igualitária.
2 A questão agrária do Brasil: breve caracterização
O debate sobre a política da Reforma Agrária no Brasil não é algo novo, em vários
contextos históricos houve reivindicações por parte da população na busca dessa reforma,
como também houve tentativa por parte do Estado em mudar a estrutura de nossas terras.
Com efeito, a Questão Agrária em nosso país não é um problema novo, o mesmo é advindo
da grande desigualdade social que assola o país e o acesso as terras é uma das expressões
dessa desigualdade, na qual tem suas origens desde a época da divisão das terras na
colonização do país e até hoje não houve uma reforma política capaz de mudar a estrutura
agrária da nação.
Desde a colonização portuguesa, passando pela Lei de Terras de 1850 e por todo o
processo de industrialização vivenciado no século XX e ainda em curso, a questão
agrária permaneceu quase que inalterada, a despeito de avanços decorrentes das
crescentes contradições sociais e econômicas e da correlata violência verificadas
no campo. A Europa Ocidental e países como os Estados Unidos (Homestead Act
de 1862), China (o Grande Salto para Frente, de 1959) e URSS (a partir da
Revolução de 1917) em algum momento, e de diferentes formas, promoveram o
maciço acesso da população à terra, e mesmo vizinhos latino-americanos, como a
Argentina, forjaram sociedades mais abertas no que se refere à propriedade da
terra (vide as políticas de colonização do território implementadas no século XIX)
do que a brasileira (NAKATANI, FALEIROS, VARGAS 2012, p. 214).
O Brasil é um dos países onde existem as maiores desigualdades sociais do mundo,
sendo assim, a estrutura agrária de nosso país não fica fora dessa estatística, sendo o Brasil
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um dos países com maiores índices de terras não produtivas que ficam sobre o poder de uma
pequena parcela da nossa sociedade.
No contexto histórico da colonização em nosso país a estrutura agrária era
predominantemente latifundiária canavieira e dos engenhos de cana de açúcar no nordeste
brasileiro que garantiam a economia naquela época e o regime de trabalhista prevalecia o
trabalho escravo. Com a coercitiva apropriação do território Brasileiro pelos portugueses e
logo após outros diversos países que impuseram suas leis, costumes e cultura ao povo que
aqui habitava. Tudo que era produzido ou extraído era enviado à metrópole européia que era
denominada como agricultura plantation, que consistia na produção de um único produto em
grandes áreas e utilizando mão-de-obra escrava. Com relação à propriedade da terra a Coroa
optou pela concessão de uso, onde era feito a divisão dessas terras para colonizadores e estes
por sua vez eram incentivados a fazer investimentos aqui mesmo no Brasil.
Um fato importante que contribuiu para a mudança no regime de trabalho na época da
colonização do país foi à grande pressão que a coroa Inglesa fez contra os portugueses para
transformar a mão-de-obra escrava para assalariada, em razão da possível abolição da
escravatura e consequentemente foi criada a lei nº601/1850 da Constituição brasileira de
1824, chamada lei das terras que visando modificar a concessão de terra em propriedade
privada. Com essa lei qualquer cidadão brasileiro poderia ser proprietário das terras, sendo
necessária sua compra a ser pago a coroa, fato que evitava os ex-trabalhadores escravizados
ser proprietários da terra, pois não tinha como pagar por ela e forçava-os a continuar
trabalhando para os fazendeiros com condições de vida e trabalho insuportáveis o que gerou
várias mobilizações sociais nesse período.
É válido frisar que a real intenção da criação da lei supra era estabelecer um mercado
das terras brasileiras, na qual as terras que não pertencesse a nenhum dono, pertenceria ao
Estado na condição de terra devolutas, todavia, não houve praticamente nem uma mudança na
estrutura de nossas terras, haja vista todos os proprietários de terras naquela época eram da
elite nacional e posteriormente a essa lei é que ficou mais difícil acesso por parte da maioria
da população e ex-escravos que representava a grande parcela da população em nosso país,
bem como não houve mudança na correlação de forças políticas no seio do império.
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Na verdade, o objetivo dessa legislação era bloquear o acesso à terra por parte da
população supostamente livre (dado o esgotamento da escravidão), antecipando o
que poderia ser uma ameaça ao poder de parcela da elite nacional, qual seja, a
quebra do monopólio da terra. Nestes termos, e ainda com Florestan Fernandes,
bloqueia-se a constituição de uma ordem social competitiva e bloqueia-se
violentamente o processo de mobilidade social, como que congelando o tempo
histórico e político, e, nesse bojo, a questão agrária. (NAKATANI, FALEIROS,
VARGAS 2012, p. 219).
O principal produto da economia do nosso país naquele contexto era o café, sendo a
estrutura agrária baseada na agricultura agro-exportadora, sendo justamente nessa época que
houve a grande migração tanto de trabalhadores europeus, como brasileiros para trabalhar nas
grandes fazendas de café localizada no sul do país e trabalhavam sob um novo um novo
regime de trabalho chamado colonato, nas quais os camponeses recebiam a lavoura de café,
moradia e terras para o cultivo de subsistência e criação de pequenos animais e recebiam
como forma de pagamento o próprio café.
Um fato importante que desencadeou várias mudanças na forma da estrutura agrária
em nosso país foi à promulgação da lei de 1888, a lei Áurea da Constituição brasileira de
1824 que, pois fim à escravidão no Brasil, com isso, levou milhares de ex-escravos buscarem
sua sobrevivência nas grandes cidades.
Com a crise no modelo agroexportador que resulta na queda da monarquia e o
estabelecimento da República, aos poucos o país vai se industrializando com sua dependência
econômica dos países centrais, onde a economia do país ficou subordinada a política da
agricultura a industrial, Apesar da industrialização no país, a mesma é totalmente vinculada à
agricultura e é nesse período também que milhares de camponeses vão busca novos empregos
como operários das fabricas.
Na contemporaneidade a estrutura agrária em nosso país não mudou
significativamente, no que pesem as várias mudanças e inovação tecnológicas que ocorreram
no cenário da agricultura brasileira, bem como vários partidos que governaram a nação e não
resolveram tal problema, sendo assim, o que se tem é uma política agrária praticamente
inalterada de origem colonata.
No mais, o que prevalece são os grandes latifúndios improdutivos concentrados nas
mãos da elite de nosso país e a grande modernização da agricultura capitalista propicia para
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que os camponeses fiquem totalmente subordinados a lógica do capital industrial. Diante
disso, a reforma agrária em nosso país só acontecerá quando verdadeiras reformas políticas e
avanços na política agrária realmente se efetivarem.
Todavia, essa reforma na estrutura de nossas terras não será apoiada pela oligarquia
fundiária, nem pelo setor da agricultura patronal, como também por alguns segmentos da
classe política e empresarial brasileira, os motivos são diversos: por princípio e medo, seja por
defender seus privilégios e conseqüentemente se sentirem prejudicados, ou mesmo por
preconceito contra os que serão beneficiados,
Por fim, o meio pelo qual os que buscam a reforma agrária em nosso país atingirem
seus objetivos, é traçarem e se organizarem em movimentos sociais que visem e lutem pela
democratização de um sistema agrário justo e igualitário para toda a sociedade, bem como
uma reforma que beneficie toda a população, desde os pequenos produtores de subsistência
até as grandes propriedades, e não somente os proprietários do grande capital se beneficiar.
3 A inserção e atuação do/a assistente social frente à Questão Agrária
O Brasil é um país onde há grandes desigualdades sociais, sendo estas refletidas
diretamente no acesso da população a direitos como educação, saúde, habitação, transporte,
entre outros necessários para uma vida com dignidade.
Sendo assim, a Reforma Agrária no Brasil se faz necessária para que milhares de
famílias que não possuem um pedaço de terra para morar e plantar conquistem por meio desta
a garantia do direito a uma moradia digna e de qualidade, e mais que isso um local para que
possa trabalhar e cultivar alimentos para sua própria subsistência e para comercialização.
Assim, como preconiza a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º ao afirmar
que: ―São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição‖.
Desse modo, a política de Reforma Agrária é uma das maneiras de garantir a uma
grande parte da população direitos ainda almejados por esses sujeitos, dando-lhes condições
de emancipação mesmo após longos anos de lutas.
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Netto e Sant‘Ana, afirmam que ―a questão agrária é uma das expressões da questão
social, pois reflete as contradições postas pelo capitalismo no meio rural, e no Brasil com
particularidades extremamente perversas‖ (citado por NUNES, 2011, p. 16).
Sendo assim, o assistente social enquanto profissional direcionado a buscar a garantia
de direitos sociais, principalmente da população mais vulnerável, deve cada vez mais se
inserir nesses espaços de lutas, com o intuito de fortalecer o movimento e a organização
política dos sujeitos envolvidos.
Como afirma Souza:
[...] os movimento sociais representam uma nova ordem política, na construção de
sua organização em vista à solução de suas necessidades sociais e o Serviço Social,
em sintonia com o projeto ético-político, tendo como um dos princípios a construção
de uma nova ordem social tem o dever de apoiar tais movimentos (citado por
NUNES, 2011, p. 17).
Percebe-se assim que o/a assistente social está intimamente relacionado à luta pela
política de Reforma Agrária no Brasil, pelo compromisso ético de sua profissão e por ser a
Questão Agrária uma das expressões da Questão Social, elemento fundamental de sua
atuação.
Atualmente, é notório que a Questão Agrária tem se ampliado como espaço de
pesquisa e intervenção do Serviço Social, sendo este requisitado por instituições e
organizações que atuam no meio rural.
Para isso, é necessário que haja uma maior aproximação desses profissionais à
temática da Questão Agrária, sendo de extrema importância que a problemática seja trabalha
desde a academia, pois é este o momento de estudo e aproximação de temas ainda não
considerados como foco de intervenção do/a profissional de Serviço Social.
Pois, historicamente a formação do/a assistente social está voltada para pensar e agir
nos problemas urbanos, formulando políticas públicas para esses espaços, deixando a
discussão do campo em segundo plano, sendo que estes espaços se constituem um riquíssimo
campo de atuação necessitando a cada dia maior intervenção por parte do Serviço Social,
devido o acirramento da problemática da Questão Agrária no Brasil.
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Como bem assinala Nunes, ao explicitar que há várias fases no processo de
organização e luta dos movimentos sociais as quais podem ser fortemente potencializadas
pela atuação do/a assistente social. Que são:
a) Fase de acampamento: No período de acampamento, as famílias vivem
precariamente nas margens de rodovias e estradas, morando de baixo de barracos de
lonas, em uma completa condição subumana, não são reconhecidos oficialmente
pelo Governo, sendo que de vez enquanto o INCRA10
encaminha uma cesta básica
para as famílias [...].
b) Fase de pré-assentamento: Neste período as famílias já conseguiram a
posse da área, no entanto ainda não é liberado nenhum recurso por parte do governo
para a estruturação do assentamento, as famílias continuam ainda morando em
barracos, no entanto em condições um pouco melhor pois já tem a terra para
produzir [...].
c) Fase de assentamento: As famílias já estão produzindo, já receberam
seus créditos moradia, fomento, já tem energia elétrica, o assentamento já tem um
mínimo de estrutura [...] (NUNES, 2011, p. 25-26).
No entanto, deve-se atentar que após tantas lutas pala garantia da terra, essa conquista
não cessa o processo da luta, pois os então assentados terão que buscar os direitos ao acesso à
educação, saúde, transporte, entre outros necessários para a qualidade de vida de uma
população.
Sendo assim, a atuação do/a assistente social é essencial para a formulação, execução
e operacionalização de políticas públicas que atendam a essa população, podendo ser estas no
âmbito municipal, estadual e federal (NUNES, 2011).
Frente ao exposto, são evidenciadas as possibilidades de atuação do Serviço Social
frente à Questão Agrária no Brasil, no entanto ainda há desafios a serem enfrentados pela
categoria profissional. Entre os quais podemos citar a pouca visibilidade do/a assistente social
no meio rural, mesmo havendo a grande necessidade e a importância da intervenção social em
áreas rurais, a descredibilidade dada pela população ao profissional, pelo fato de que os
resultados esperados em sua maioria só são alcançados a médio e longo prazo o que causa
desmotivação na população, outro desafio é a pouca elaboração acadêmica que subsidie a
atuação do/ assistente social no meio rural.
10
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
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Assim, cabe a nós enquanto discentes e futuros/as assistentes sociais nos
aproximarmos de temáticas como essa, abrindo nosso leque de conhecimento para que
estejamos preparadas teoricamente e metodologicamente para atuar junto as demandas postas
no cotidiano do fazer profissional.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atual conjuntura que estamos inseridos, onde se tem o capitalismo se expandindo
por todas as esferas sociais na sua busca incessante por lucratividade, o problema da Questão
Agrária é uma das áreas que é atingida diretamente com essa invasão. Com efeito, a Questão
Agrária em nosso país não é colocada como uma das pautas defendida pelo Estado, nem tão
pouco pela classe dominante, uma vez que a reforma política da estrutura agrária em nossas
terras afetaria diretamente seus interesses.
Como já foi citado já se passaram vários governos na administração do nosso país e
nada é feito para resolver essa problemática, salientado também, que é pouca a parcela da
sociedade que é comprometida na luta pela causa.
Diante do exposto, o que devemos destacar que é de suma importância a atuação do
Assistente Social nessa causa, uma vez que o mesmo enquanto profissional tem sua ação
pautada na defesa e garantia de direitos dos indivíduos e no fortalecimento dos movimentos
sociais na busca pelas reivindicações.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro
de 1988.
NAKATANI, Paulo; FALEIROS, Naques Rogério; VARVAS, Neide César. Histórico e os
limites da Reforma Agrária na contemporaneidade brasileira. In: Serviço Social e
Sociedade. São Paulo, n 110, p. 213-240.
NUNES, Pedro Ferreira. O Serviço Social e a luta por reforma agrária no Estado de
Goiás. 2011. Nº 71. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social) – Centro
de Ciências Empresariais e Sociais Aplicadas, Universidade Norte do Paraná, Goiânia, 2011.
Disponível em: http://www.slideshare.net/PedroTocantins/tcc-pedro. Acesso em: 05 set 2013.
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AGROECOLOGIA E PRODUÇÃO: O CASO DOS FEIRANTES
AGROECOLÓGICOS DA FEIRA DE JUAZEIRO DO NORTE-CE
Leonardo Lopes Rufino11
Maria Inês Escobar Costa Casimiro12
RESUMO
A produção de base ecológica tem se caracterizado, como um modo de produção que valoriza as
tradições culturais, os conhecimentos dos(das) agricultores(as) transmitidos geração em geração, e a
preservação ambiental. O objetivo deste trabalho foi verificar o significado que o termo Agroecologia
tem para as famílias de agricultores (as), que comercializam sua produção na feira agroecológica de
Juazeiro do Norte, e refletir sobre os aspectos sociais e econômicos que estão envolvidos nesta
conceituação. Para isto o calculo da renda da produção agroecológica aparece como objetivo
específico, como também, a tipologia dos sistemas de produção das famílias, afim de, aprofundar
nossa análise nos aspectos socioeconômicos definidores da visão de mundo e sociedade destes
trabalhadores (as). Como ferramenta metodológica foi utilizada um questionário com perguntas
abertas sobre agroecologia, com a finalidade de uma breve análise de discurso dos feirantes. Também
foram observados na pesquisa fatores como, tecnologia, crédito, e rendas extras. Sendo identificados
em Juazeiro do Norte cinco sistemas de produção agroecológico. Na análise do discurso dos (as)
agricultores (as) conjuntamente com a análise das rendas pode-se verificar que as famílias apresentam
forte diferenciação social que contribui decisivamente para o desenho de diversos sistemas e
subsistemas de produção.
Palavras-chave: feira agroecológica; agricultores (as); sistemas de produção.
ABSTRACT
The ecologically-based production has been characterized as a mode of production that values cultural
traditions, knowledge of (the) farmers (as) passed generation to generation, and environmental
preservation. The aim of this study was to determine the meaning that the term has for Agroecology
farm families (as), who sell their production in agroecological fair in Juazeiro do Norte, and reflect on
the social and economic aspects that are involved in this conceptualization. For this calculation the
income of agroecological production appears as a specific objective, as well as the typology of
production systems of families, in order to deepen our analysis on the socioeconomic aspects of
defining worldview and society of these workers (as). As a methodological tool used was a
questionnaire with open questions about agroecology, for the purpose of a brief discourse analysis of
the fairground. Were also observed in the research factors such as technology, credit, and extra
incomes. Being identified in Juazeiro five agroecological systems. In discourse analysis (the) farmers
11
Mestrando em Economia Rural, Universidade Federal do Ceará, [email protected],
(88)99793083 12
Professora da UFC Campus Cariri, E-mail: [email protected], fone: (85) 96527624
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(as) together with the analysis of rents can verify that families have strong social differentiation that
contributes significantly to the design of various systems and subsystems production.
Keywords: Thursday agroecological; farmers (as); production systems.
Introdução
A disputa paradigmática acerca de modelos de produção não é novidade no debate
acadêmico, mas a partir da emergência de um novo conceito que materializa em si, uma
pluralidade de sujeitos e ideologias, nasce uma inquietação a respeito do termo agroecologia.
Seria um novo paradigma de produção e pesquisa, ou talvez uma nova forma de organização
da produção, ligada à classe camponesa? A configuração destas ideias ganha espaço no Brasil
e no mundo, mas o que significa ser agricultor agroecológico no cariri cearense? E qual a real
valor da produção para essas famílias camponesas.
Estas indagações irão permear este trabalho que reconhece o uso contemporâneo do
termo agroecologia, que data dos anos 70. Mas salienta da mesma forma que Hecht (1999)13
,
que a ciência e a prática da agricultura são tão antigas quanto às origens da própria
agricultura. À medida que os pesquisadores descobrem os itinerários das agriculturas
indígenas e as formas agronômicas mais antigas, se faz saber que muitos sistemas
desenvolvidos localmente incorporam mecanismos de adaptação das variedades cultivadas ao
meio ambiente natural. Isto como proteção a possíveis ―pragas‖ e à competição entre espécies.
Estes mecanismos utilizam insumos renováveis existentes nas localidades, nos grupos
ecológicos, estruturando os próprios sistemas.
A produção de base ecológica tem se caracterizado, marcadamente, como um modo de
produção que valoriza as tradições culturais, os conhecimentos dos agricultores e agricultoras,
que são passados de geração em geração, como a reprodução da fertilidade dos solos através
de insumos locais (esterco, folhagens) e uso de defensivos naturais.
Kuhn (2011) adverte que o progresso da ciência não se dá somente pelo acúmulo de
novos conhecimentos, e sim pelas revoluções do pensamento científico provocadas,
especialmente nos períodos de crise, por fatores externos a ciência. Assim, a academia através
13
Capítulo 1 La evolución del pensamiento agroecológico Susanna B. Hecht livro Agroecología: Bases
científicas para una agricultura sustentable.
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de um verdadeiro choque epistemológico é forçada a desconstruir conteúdos disciplinares e ao
mesmo tempo rever seus compromissos e suas práticas.
Foram entrevistados (as) produtores (as) que comercializam em feiras conhecidas
como agroecológicas, com intuito de selecionar os (as) agricultores (as) que já teriam
superado a barreira da produção de subsistência, apresentando assim, condições de
comercializarem sua produção em feiras.
O objetivo deste trabalho é verificar o conceito de Agroecologia presente no
imaginário das famílias de agricultores (as), que comercializam sua produção na feira
agroecológica de Juazeiro do Norte, e refletir sobre os aspectos sociais e econômicos que
estão envolvidos nesta conceituação. Calcular a renda da produção agroecológica aparece
como objetivo específico.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Concepções Agroecológicas
Os danos causados a natureza e ao homem pelo modelo de desenvolvimento adotado
pelas sociedades tem levado ao surgimento de novos estilos de agricultura que se caracterizam
em oposição ao modelo convencional de produção estruturado nas premissas da Revolução
Verde do pós Segunda Guerra Mundial. De acordo com Müller, Lovato e Mussoi (2008) esses
estilos são denominados alternativos ou ‗agricultura sustentável‘, dos quais se destacam: a
agricultura de baixos inputs externos, a orgânica, a biodinâmica, a agroecológica, entre outras
denominações.
Sendo a agroecologia um desses estilos alternativos de agricultura abordada por
Caporal e Costabeber (2004) que menciona o seu surgimento como um novo enfoque
científico, capaz de dar suporte a uma transição a estilos de agriculturas sustentáveis e,
portanto, contribuir para o desenvolvimento de processos de desenvolvimento rural
sustentável. No livro Agroecologia os desafios da transição agroecológica Schmitt (2009) faz
uma abordagem sobre as origens da agroecologia no Brasil.
No Brasil, a agroecologia passou a se afirmar como uma referência conceitual e
metodológica, sobretudo partir do início da década de 1990. A incorporação dessa
abordagem por uma parcela significativa das organizações da sociedade civil,
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ligadas à chamada agricultura alternativa que foi precedida historicamente por uma
rica trajetória de crítica e contestação aos impactos sociais e ambientais gerados pela
modernização conservadora da agricultura brasileira Schumitt (2009, pag.55).
Hoje a ciência dispõe de recursos tecnológicos disponíveis direcionados a agricultura
convencional ou tida moderna. Entretanto esses avanços tecnológicos não chegaram às outras
formas de agricultura, como a agroecológica, como pode ser observado no livro A Historia
das Agriculturas no Mundo14
, o autor faz um relato sobre a agricultura moderna e sua relação
com as outras formas de agricultura.
Apesar dos milhões gastos em sua promoção, a agricultura ―moderna‖, que triunfou
nos países desenvolvidos utilizando muito capitais e pouca mão de obra, penetraram
apenas em pequenos setores limitados dos países em desenvolvimento. A grande
maioria dos agricultores desses países é muito pobre para adquirir maquinário
pesado e grandes quantidades de insumos. A agricultura moderna está, portanto,
muito longe de ter conquistado o mundo. As outras formas de agricultura continuam
predominantes e ocupam a maioria da população ativa dos países em
desenvolvimento. (Mazoyer, Marcel 2010, p.42)
De acordo com Londres (2011) sobre os sistemas agroecológicos de produção eles são
adaptados a realidade da agricultura familiar e reforçam a proposta de um outro modelo de
desenvolvimento para o campo, que prevê a repartição das terras e a produção
descentralizada, que possa empregar muita mão de obra, dinamizar economias e abastecer
mercados locais com alimentos saudáveis. Superando assim o falso dilema entre a
necessidade crescente de produção de alimentos e o imperativo contemporâneo da
preservação ambiental, cabendo ao agricultor familiar ser o principal sujeito na construção
desta ponte (MEIRELLES, 2006). Pois é o (a) agricultor (a) o sujeito ação nesse contexto de
produção crescente e preservação permanente, cabendo nesse modelo sistemas agrícolas como
o agroecológico para fins de preservação ambiental com produção agrícola.
Já Mello (2007, p. 55) ―sugere a necessidade de que sejam ultrapassados os velhos
conceitos de agricultura de baixa renda, pequena produção e agricultura de subsistência, os
14
A presente edição brasileira é fruto da cooperação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por intermédio
do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) e se trata de uma tradução do livro (Histoire
des agricultures du monde) de Marcel Mazoyer, Laurence Roudart (2010, p.50)
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quais não têm ajudado a resolver o processo de integração dos agricultores ao mercado
competitivo‖.
A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de
ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam
culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis (ALTIERI, 2004).
Para sistemas agroecológicos Balestro e Sauer (2009), classificam em três aspectos
essenciais para o desenvolvimento rural sustentável: primeiro consome menos energia e
permite um aproveitamento mais racional dos recursos presentes na propriedade, segundo a
paisagem se constitui em um ativo econômico e cultural com a existência de grandes
incentivos para a sua preservação e terceiro é a distribuição de renda.
Além desses três aspectos sociais de desenvolvimento sustentável citado
anteriormente, existe uma procura por produtos alimentícios tidos mais ―saudáveis‖
(agroecológicos) como tendência em ascensão por parte da população preocupada com uma
melhor qualidade de vida, evitando assim o consumo de alimentos produzidos com
agrotóxicos que se enquadra como um dos fatores de risco ao câncer. Essas preocupações de
como os alimentos estão sendo produzidos tende a aumentar, em decorrência da elevação do
consumo de agrotóxicos no Brasil, entre 2001 e 2008 sendo que a venda de venenos agrícolas
no país saltou de pouco mais de US$ 2 bilhões para mais US$ 7 bilhões, quando alcançamos a
triste posição de maior consumidor mundial de venenos (LONDRES, 2011)
Percebe-se assim a complexidade das questões que circundam o debate
agroecológico: tecnologia, mercado, a própria epistemologia da palavra agroecologia, os
limites da ciência clássica, mediação junto aos agricultores e muito mais. No entanto este
breve levantamento já nos auxilia na análise do discurso das famílias entrevistadas no âmbito
das feiras agroecológicas.
2.2 Feiras Agroecológicas
Trata-se de uma definição conceitual para um espaço de comercialização no estilo
―convencional‖ com a venda em um espaço coletivo, o seu diferencial é a venda de produtos
com valores incorporados de boa qualidade, livres de agrotóxicos, produzidos em uma
política de preservação da natureza, com valorização da agricultura familiar camponesa.
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1578
Para o INSTITUTO SABIÁ (2011) as feiras livres do Nordeste brasileiro são espaços
importantes de comercialização da produção da agricultura familiar agroecológica. Elas são,
também, uma boa opção para uma conversa entre consumidores (as) e agricultores (as) para
falar sobre o modo de produzir. Esse contato entre produtores/as e consumidores/as propicia
um ambiente de amizade, diálogo e o estabelecimento da confiança entre quem produz e
quem consome.
A feira agroecológica é um espaço democrático e popular de comercialização da
produção da agricultura familiar e deve ser usado para gerar renda e garantir uma proposta
alternativa de alimentação saudável para a população em geral. O Centro de Desenvolvimento
Agroecológico Sabiá localizado em Recife - PE nomeia as feiras agroecológicas como Espaço
Agroecológico, foi feito a partir de vários momentos de discussão com todos os participantes
da experiência. Esse nome está registrado e tem o seguinte significado:
Espaço tem o sentido de um local de encontros e de comercialização da
produção agroecológica construído com a participação de todos.
Agroecológico visa englobar os modelos de agricultura sustentável.
As feiras agroecológicas são mercados diferenciados, que seguem um padrão
instituído pelos atores/as sociais envolvido. Só aqueles agricultores/as que foram tocados
pelos enfoques agroecológicos e que seguem explicitamente as regras estabelecidas pelos
grupos podem entrar e desfrutar desse território das feiras (FREIRE e FRANÇA, 2011 apud
MARIANO NETO, 2006).
Segundo Moura, et al (2010) em seu artigo Produtos Orgânicos em Juazeiro do Norte,
CE: Perfil de consumo em dois postos varejistas, produzido para o II Congresso Cearense de
Agroecologia, em uma comparativa feita entre a comercialização convencional de produtos
hortícolas no Pirajá (Juazeiro do Norte –CE) e uma feira de produtos agroecológico na mesma
cidade, observou que:
O desconhecimento acerca dos produtos orgânicos foi maior na feira do Pirajá do
que na feira própria para esse tipo de produto; assim como também era esperado um
gasto maior por parte dos consumidores nesta feira. O nível de escolaridade
verificado dos consumidores na feira de orgânicos foi maior do que na feira do
Pirajá. Os preços foram considerados bons, porém, não deveriam ser 10% mais
caros do que os produtos não-orgânicos. Caso os produtos orgânicos fossem
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1579
ofertados em domicílios, as pessoas comprariam mesmo um pouco mais caros.
(MOURA, et al, 2010).
Observa-se uma tendência de aceitação dos produtos orgânicos (agroecológicos) por
parte dos consumidores (as) com o aumento do grau de escolaridade poder aquisitivo de
compra, essa tendência esta associada a questões como: preocupação com a saúde, meio
ambiente e sociedade. Entretanto, tem-se observado uma convergência a rejeição a produção
agroecológica quando esta vem conduzida de preços mais elevados em relação á produção
convencional.
Tem-se uma tendência no Nordeste da organização e comercialização da produção
agroecológica em ―espaços especializados‖, tidos de feiras agroecológicas, ou canais curtos
de comercialização, produzidos no mesmo município sede da feira ou municípios
circunvizinhos, possibilita um produto mais fresco (com um período menor de colheita),
estruturados por meio de Organizações Não Governamentais e entidades públicas.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa iniciou-se com o estabelecimento de definições conceituais dos principais
termos e variáveis do estudo – escolha do referencial teórico, delimitação do contexto
estudado, pesquisa na feira agroecológica de Juazeiro do Norte, pesquisa em entidades de
extensão rural, pesquisa ―in loco‖ através de visitas aos locais da feira e alguns sítios dos (as)
produtores (as) e agrupamento dos dados obtidos na entrevista para elaboração do trabalho
final. Utilizou-se como ferramenta metodológica um questionário com perguntas abertas
sobre agroecologia, com a finalidade de uma breve análise de discurso dos (das) feirantes. No
mesmo questionário encontram-se questões que caracterizam e classificam os sistemas de
produção. Para esta caracterização ou tipologia utilizou-se o roteiro do Guia Metodológico
Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários (INCRA/FAO 2011). A seguir as fases da
metodologia de maneira mais detalhada:
Durante esta fase foram aplicados questionários na Feira agroecológica de Juazeiro do
Norte, para o grupo entrevistado composto por agricultores (as) familiares autodenominados
orgânicos dos municípios de Juazeiro do Norte (Sítio Gaviãozinho com uma família, Sítio
Jurema com três famílias e Vila Santo Antônio com uma família) e Caririaçu (sendo duas
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Produção Consumo
VA = PB – CI – D
famílias do sítio carneiro, quatro do Sítio Barra das Lages), que comercializam suas
produções na feira agroecológica de Juazeiro do Norte abrangendo 100% dos feirantes;
Seguiu-se para a fase da avaliação econômica dos sistemas de produção das famílias
entrevistadas, esta avaliação pode ser feita segundo dois pontos de vista, o do (da) produtor
(a) que se preocupa com a renda agrícola e o da sociedade, que se interessa pela quantidade de
riquezas novas geradas pelo sistema a partir de um modo de produção mais sustentável.
Nesse caso o presente trabalho seguiu as duas vertentes com uma abordagem que
considera a visão do (da) agricultor (a) e suas preocupações com a renda agrícola e com a
sociedade, representado pelo meio acadêmico que vem através desse estudo observar como
ocorrem as relações de comercialização e geração de renda nesses sistemas específicos.
Cálculo do Valor Agregado da Produção
Para o cálculo do valor agregado da produção – VA foi necessário ser calculado
outros parâmetros da produção, como: o consumo intermediário – CI (que são os bens
inteiramente transformadores no processo: nesse caso, adubos, rações, sementes,
medicamentos para os animais, entre outros), tem-se também que consideram a depreciação
do capital fixo – D que são ―danos‖, pequenos desgastes nos bens (tratores, enxada, pá, carro-
de-mão...) ocasionado pelo uso e o cálculo do Produto bruto – PB que corresponde ao valor
total do que é produzido, para a venda e consumo da família, podendo ser produtos das
cultivares, dos pomares, das hortas, das criações e do extrativismo, lenha, e derivados da
produção animal e vegetal etc.
Com tais unidades denominadas anteriormente, chega-se a seguinte fórmula para
calcular o valor agregado – VA, em que o VA do sistema de produção é igual ao valor do
que se produziu menos o valor do que se consumiu:
(1)
Onde: VA Valor Agregado da Produção;
PB Produto Bruto;
CI Consumo Intermediário;
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D Depreciação.
O valor agregado gerado é partido entre os vários agentes que intervêm no processo de
produção, seja porque possuem uma parte do capital invertido, seja porque assumem parte dos
riscos, seja porque trabalham diretamente, (LIMA, et al, 1995).
Cálculo da Renda Agrícola
A renda agrícola corresponde à parte do valor agregado que ficam na propriedade após
serem retiradas as contribuições referentes à renumeração dos fatores de produção utilizados
no processo produtivo, como arrendamento de terra (RT), juros (J), subsídios (SUB),
impostos (I) e salários (S).
RA = VA – S – I – J – R (2)
RA = PB – CI – D + Sub – S – I – J – RT (3)
Onde: S são os salários;
I são os impostos;
J são os juros;
RT é a renda da terra (arrendamentos) e;
Sub são os subsídios.
Assim a Renda Agrícola, de acordo com LIMA, et al (1995), representa a parte do
valor agregado que fica com o produtor e sua família para remunerar e aumentar o seu capital
pessoal. O que não for utilizado pela família poderá ser investido na unidade de produção
(compram de terras, aquisição de novos equipamentos, etc.).
Cálculo da Renda Total
O intuito de caracterizar de forma mais aprofundada os tipos de produtores
agroecológicos, as relações entre eles e a composição da renda total (RTotal) elaboramos a
seguinte equação dos sistemas de produção agroecológicos:
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RTotal= RNA+ RPS + RAA (4)
Onde: RNA renda não agrícola, (aposentadoria, comércio)
RPS renda de programas sociais, (bolsa família15
,Seguro Safra16
)
RAA renda agrícola agroecológica mais ou renda do artesanato (RArt)
Resultados e discussão
Uma das etapas da Metodologia Análise Diagnóstico dos Sistemas Agrários é a
caracterização dos sistemas produtivos, que tem como objetivo analisar cada um dos
principais sistemas de produção, explicar a sua origem e a sua racionalidade. Analisar um
sistema de produção na escala dos estabelecimentos agrícolas não se resume somente ao
estudo de cada um de seus elementos constitutivos, mas consiste, sobretudo, em examinar
com cuidado as interações e as interferências que se estabelecem entre eles. Deve-se, também,
avaliar as práticas agrícolas e econômicas de cada grupo de agricultores (GARCIA FILHO,
1999). Para tanto, destaca-se cinco tipo de tipologias identificadas durante a pesquisa.
Tipo 1
O Tipo 1 é composto por uma família com duas forças de trabalho517
disponíveis para
o manejo do sistema. A produção agrícola consiste no cultivo de hortaliças, plantas
medicinais e frutíferas, e o de criação possuem caprinos e aves.
15 Política pública de distribuição de renda, Programa atende mais de 13 milhões de famílias em todo território
nacional de acordo com o perfil e tipos de benefícios: o básico, a variável vinculado ao adolescente (BVJ), o
variável gestante (BVG) e o variável nutriz (BVN). Os valores dos benefícios pagos pelo PBF variam de R$ 32 a
R$ 306, considerando a renda mensal da família por pessoa, do número de crianças e adolescentes de até 17 anos
e do número de gestantes e nutrizes componentes da família. Disponível em ˂
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia ˃. 16
Garantia-Safra (GS) é uma ação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)
voltada para os agricultores e as agricultoras familiares localizados na região Nordeste do país, na área norte do
Estado de Minas Gerais, Vale do Mucuri, Vale do Jequitinhonha e na área norte do Estado do Espírito Santo ―
área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), majoritariamente Semiárida
que sofrem perda de safra por motivo de seca ou excesso de chuvas. Os agricultores familiares selecionados
cadastrados receberam 640,00 no ano passado divididos em 5 parcelas como seguro pela perda de parte da
produção agrícola. 5 Força de trabalho corresponde a um adulto (homem ou mulher)
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Com relação á análise econômica do sistema de produção do tipo 1, totalizou R$
24.460,00 de produto bruto. Desse total, o sistema de cultura contribui com R$ 20.460,00 e o
sistema de criação contribui com R$ 4.000,00.
Nesse sistema de produção são utilizados os seguintes insumos: sementes, cal, sulfato
de cobre, esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e a manutenção do poço. No
que diz respeito à produção animal, são utilizados vacinas, medicamentos, milho (Zea mays) e
ração. O consumo intermediário totalizou R$ 6.936,00. Sendo que o sistema de cultura com
custo de R$ 4.044,00 e o sistema de criação com R$ 2.892,00.
A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou R$ 117,40.
Sendo os fatores depreciados cultura permanente, instalações, máquinas e equipamentos.
A Tabela 1 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 1. O valor
agregado totalizou R$ 17.006,60. O sistema de cultivo contribuiu com 82,27% enquanto o
sistema de criação com R$ 17,36%.
Tabela 1 - Análise do valor Agregado Tipo 1, Juazeiro do Norte -CE, 2012
SUBSÍDIOS
(R$)
DEPRECIAÇÃ
O (R$)
CONS.
INTERMEDIARIO
(R$)
PRODUTO
BRUTO (R$)
VALOR
AGREGADO (R$)
0,00 117,40 6.936,00 24.060,00 17.006,60
Fonte: Dados da pesquisa.
Não apresentando subsídios governamentais para financiar a produção, tão pouco
seguro safra caso venha a ter perdas por estiagem, os gastos com depreciação são pequenos e
o consumo intermediário foi alto, mas propiciou um produto bruto considerável, restando um
valor agregado de 17.006,60.
Podemos observar, conforme o gráfico 1 que o Tipo 1 não apresenta renda vinda de
programas sociais ou de atividades não agrícolas, a renda total desse sistema se estrutura na
produção agrícola com um rendimento anual de R$ 17.006,60, que corresponde a R$ 1.417,21
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mensais, ou R$ 708,60 por forca de trabalho mês, bem acima dos R$: 622,0018
de salário
mínimo vigente em 2012 ano da pesquisa.
Gráfico 1 – Distribuição da renda Tipo 1, Juazeiro do Norte - CE, 2012.
Fonte: dados da pesquisa.
Esse sistema de produção apresenta características simbólicas dos sistemas
agroecológicos: como o não uso do fogo na limpa do solo, preservação de áreas dentro da
propriedade, e não utilizam os produtos químicos (defensivos agrícolas) possuem
conhecimento de métodos naturais de controle das pragas como caldas antifúngicas,
entretanto seus gastos em consumo intermediário apresentam-se alto podendo ser um fator
identificador de uma política de substituição de insumos químicos (agrotóxicos, adubos
químicos, etc.) por orgânicos (esterco, compostos para caldas antifúngicas, etc.), podendo esse
sistema de produção se caracterizar em uma transição agroecológica que chegara ao fim
quando os sistemas de criação animal passar a suprir a fertilidade do sistema de cultivo e
novas técnicas de defensivos naturais com vegetação local forem usados para reduzir esses
gastos com insumos externos.
Tipo 2
6http://www.trt3.jus.br/informe/calculos/minimo.htm DECRETO Nº 7.655, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011.
Regulamenta a Lei no 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo e a sua
política de valorização de longo prazo. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Decreto/D7655.htm
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O Tipo 2 é composto por três família, e possui três forças de trabalho disponíveis para
o manejo dos sistemas. A produção agrícola (consiste no sistema de cultivo de hortaliças,
plantas, medicinais, frutíferas e condimentares) e no sistema de criação (aves, porcos).
Com relação à parte econômica do sistema de produção do tipo 2, o produto bruto
totalizou R$ 16.127,16. Desse total, o sistema de cultura contribui com R$ 15.327,16 e o
sistema de criação contribui com R$ 800,00.
No Processo produtivo do sistema de produção são utilizados os seguintes insumos:
sementes, calcário, sulfato de cobre, esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e
bombeamento da água do açude. No que descreve a produção animal, são utilizados: vacinas,
medicamentos e milho. O consumo intermediário totalizou uma média de R$ 1.545,33. Sendo
que o sistema de cultura com consumo de R$ 1.245,33 e o sistema de criação com R$ 300,00.
A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou uma média de
R$ 47,37. Sendo que os fatores depreciados foram cultura permanente, e equipamentos.
A Tabela 2 apresenta o valor agregado total do sistema de produção Tipo 2. de R$
16.127,16. Sendo que 95% desse valor é a contribuição do sistema de cultivo e 5% é a
contribuição do sistema de criação o fato da contribuição do sistema de criação ser inferior a
contribuição do sistema de produção 1 analisado anteriormente, provavelmente esta associado
a maior valorização a produção vegetal, por essa se constituir em uma produção de mais fácil
comercialização no sistema de feiras, enquanto os animais se tornam um fator de produção
direcionado mais ao autoconsumo.
Tabela 2 - Análise do valor Agregado Tipo 2, Juazeiro do Norte – CE, 2012.
SUBSÍDIOS
(R$)
DEPRECIAÇÃO
(R$)
CONSUMO
INTERMEDIARIO
(R$)
PRODUTO
BRUTO
(R$)
VALOR
AGREGADO
(R$)
0,00 47,37 1.545,33 17.556,16 15.963,46
Fonte: Dados da pesquisa.
Esse sistema de produção não apresenta subsídios, o fator depreciação foi quase um
terço do sistema anterior, indicando um menor uso de equipamentos que venham a ser
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depreciados, o seu consumo intermediário correspondeu a R$ 1.545,33, sendo bem inferior ao
Tipo 1 e apresentando um valor agregado de R$15.963,46, inferior ao tipo 1 em R$ 1.043,14,
mas considerado bom por não apresentar maiores gastos intermediário.
Observa-se conforme o gráfico 2, que o Tipo 2 apresentou renda proveniente de
programas sociais correspondendo a R$ 1.248,00 por família, já com relação a atividades não
agrícolas não apresenta renda, a renda agrícola corresponde a R$ 15.963,46. Por fim a renda
total desse sistema se estrutura na produção agrícola e programas sociais com um rendimento
anual de R$ 17.211,46 por família.
Gráfico 2 – Distribuição da renda Tipo 2, Juazeiro do Norte – CE, 2012
Fonte: Dados da pesquisa.
Este grupo já possuía experiência de feiras convencionais, onde o comprador era um
intermediário do consumidor final. Neste momento, capacitados pela EMATERCE
adquiriram técnicas de manejo de sistemas agroecológicos, otimizando o sistema e
substituindo inseticidas sintéticos, por defensivos naturais. Também apresenta alguns
indicadores de melhoria na saúde com pode ser visto em depoimento:
“..._muitos benefícios á saúde, alimentação, lucro financeiro”, dificuldades,
limitações para produzir (mão-de-obra, transporte), cultivo protegido que ainda não
conseguir, distâncias para levar a produção ao local da feira e estradas ruim” (agricultora
20 anos);
Tipo 3
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O tipo 3 é composto por uma família com duas força de trabalho disponíveis para o
manejo do sistema. A produção rural consiste no sistema de cultivo de hortaliças, milho (Zea
mays), feijão (Phaseolus vulgaris) e frutíferas.
No que diz respeito a analise econômica do sistema de produção do tipo 3 do Grupo
A, o produto bruto totalizou R$ 3.665,48, sendo apenas o sistema de cultivo o responsável por
esse valor. Pois nesse sistema não apresenta de criação de animais.
Sendo utilizado como insumos, basicamente, sementes, cal virgem, sulfato de cobre,
esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e a manutenção do poço. O consumo
intermediário do sistema de cultura totalizou R$ 130,00.
Os gastos com a depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou R$
38,44. Constituindo os fatores depreciados, equipamentos de uso manual.
A Tabela 5 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 3. O valor
agregado totalizou R$ 3.487,03. O sistema de cultivo contribuiu com 100% desse valor, pois
não apresenta produção animal nesse sistema.
Tabela 5 - Análise do valor Agregado Tipo 3, Juazeiro do Norte – CE, 2012
SUBSÍDIOS
(R$)
DEPRECIAÇÃO
(R$)
CONSUMO
INTERMEDIARIO (R$)
PRODUTO
BRUTO (R$)
VALOR
AGREGADO
(R$)
640,00 38,44 130,00 3.655,47 3.487,03
Fonte: Dados da pesquisa.
Observa-se que esse sistema apresenta subsídio distribuído pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário, seguro safra, ao contrário dos anteriores que não contão com esse
tipo de política pública, a depreciação do capital fixo foi pequena e aceitável se for levado em
consideração o pouco tempo de atuação desse grupo no campo, pois vieram da zona urbana
sendo integrado aos poucos no grupo de feirantes agroecológicos.
O consumo intermediário foi pequeno e poderia ter sido maior por se tratar de um
grupo principiante nos preceitos agroecológicos, consumindo mais insumos orgânicos para
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1588
elevar a produção. Entretanto esse grupo não apresenta capital financeiro para adotar a
política de substituição de insumos tão presente nos sistemas em transição agroecológica.
É observado conforme o Gráfico 3, que o Tipo 3 apresenta renda também proveniente
de programas sociais bolsa familiar no valor anual de R$ 1.152,00 mais 640,00 do seguro
safra, totalizando 1.792,00, a renda agrícola apresentou um rendimento anual de R$ 3.487,03
a renda total desse sistema se estrutura em programas sociais de distribuição de renda e da
renda agrícola totalizando, 5.239,03. Não apresentando produção animal nem para o
autoconsumo familiar.
Gráfico 3 – Distribuição da renda Tipo 3 (Juazeiro do Norte, 2012)
Fonte: Dados da pesquisa (2012).
Nesta família observamos que o conceito de agricultura agroecológica está ligado a
oportunidade de sobrevivência no campo com mais dignidade que na cidade. Também
possuem conhecimento de técnicas agroecológicas de manejo do sistema. Essa família tem
pouquíssimo tempo no desenvolvimento desta atividade, animada com o apoio técnico segue
vencendo as dificuldades nas péssimas estradas, no abastecimento de água, enfim desafios de
infraestrutura que sofrem a maioria dos agricultores familiares do Nordeste. Como pode ser
notado em trechos da entrevista:
―_Me considero porque hoje a gente planta, cria, porque antes nem plantava nem
criava não tinha a chance, não tinha assistência técnica que hoje incentivou tocar para frente
á produção, só ai é que saímos do aluguel na cidade, pois morávamos fora da terra para
trabalhar_” (agricultor 31 anos).
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Tipo 4
O tipo 4 é composto por quatro famílias com três forças de trabalho disponíveis para o
manejo de cada sistema. A produção familiar consiste no sistema de cultura: de hortaliças,
fruticultura, plantas condimentares e plantas medicinais; não apresenta sistema de criação de
animais.
O sistema de produção do tipo 4, o produto bruto totalizou R$ 11.121,86. Sendo esse
valor todo constituído do sistema de cultura, pois não apresenta sistema de criação.
Como insumos são essencialmente empregados: sementes, cal virgem, sulfato de
cobre, esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e a manutenção do açude. A
média do consumo intermediário totalizou R$ 1.400,50.
A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou uma média de
R$ 24,20. Sendo os fatores depreciados equipamentos.
A Tabela 4 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 4. O valor
agregado totalizou R$ 9.697,16. O sistema de cultivo contribuiu com 100% nesse percentual,
pois não apresenta sistema de produção animal, essa característica acontece pelo fato da área
ser utilizada somente para produção vegetal não sendo produzidos animais nem para o
consumo familiar.
Tabela 4 - Análise do valor Agregado Tipo 4, Juazeiro do Norte – CE, 2012.
SUBSÍDIOS
(R$)
DEPRECIAÇÃO
(R$)
CONSUMO
INTERMEDIARIO
(R$)
PRODUTO
BRUTO (R$)
VALOR
AGREGADO (R$)
0,00 24,20 1.400,50 11.121,86 9.697,16
Fonte: Dados da pesquisa.
Conforme a Tabela 6 esse sistema de produção não apresenta renumeração advinda de
programas sociais (seguro safra), a depreciação do capital fixo foi pequena relação ao tipo 3,
com um valor agregado de R$ 9.697,16 apresentando uma renda mensal de origem agrícola
em torno de R$ 808,09 por família.
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Conforme, pode se observar no gráfico 4, o Tipo 4 do Grupo A, apresenta renda vinda
de programas sociais no valor anual de R$ 1.782,00 por família, a renda agrícola apresenta
uma receita anual de R$ 9.697,16, a renda total desse sistema estrutura-se em programas
sociais de distribuição de renda e da renda agrícola, totalizando, R$ 11.479,46.
Gráfico 4 – Distribuição da renda Tipo 4, Juazeiro do Norte, 2012.
Fonte: Dados da pesquisa.
Estas famílias se consideram produtores (as) agroecológicos por não utilizarem
insumos da agricultura convencional. No processo de transição estão situados na etapa de
substituição dos insumos por técnicas alternativas aprendidas com o sistema público de
extensão rural – EMATERCE. Mas podemos perceber algumas falas que nos indicam o início
de uma consciência do serviço ambiental que a produção agroecológica presta para a
sociedade.“... _Sim porque produz sem veneno, não usa veneno para nada.” (agricultora 20
anos).
“... _porque de primeiro não tinha conhecimento e trabalhávamos como as outras
pessoas que usava veneno, então adquirimos conhecimento com o pessoal da Ematerce e
recebemos a proposta de trabalhar com orgânicos sem uso de veneno. No começo foi difícil,
porque tem os produtos que são usados para combater as doenças, que levaram um tempo
para aprender a usar”. (agricultora 29 anos)
Tipo 5
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1591
O Tipo 5 é composto por duas famílias e possui três força de trabalho disponíveis para
cada sistema. A produção familiar consiste no sistema de cultivo: hortaliças, medicinais e
frutíferas; e no sistema de criação têm-se aves e caprinos.
Na análise econômica do sistema de produção do tipo 5, verifica-se que o produto
bruto totalizou R$ 18.598,83. Desse total, o sistema de cultura contribui com R$ 16.348,83 e
o sistema de criação contribui com R$ 2.250,00.
Sendo utilizado como insumos, basicamente: sementes, esterco e gastos com
transporte até a feira (frete). No que diz respeito á produção animal, são utilizados: vacinas,
medicamentos e milho. O consumo intermediário totalizou R$ 1.666,00. Sendo que o sistema
de cultura consumiu R$ 850,00 e o sistema de criação R$ 816,00.
A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou R$ 48,01.
Ficando depreciados os seguintes fatores: cultura permanente e equipamentos.
A Tabela 5 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 5. O valor
agregado totalizou R$ 16.942,84. O sistema de cultivo contribuiu com 81,74%, enquanto o
sistema de criação com R$ 18,25% no valor agregado. Esse percentual elevado do sistema de
cultivo é em decorrência da comercialização semanal da produção nas feiras, ou contrario da
produção animal que se constitui em uma produção de autoconsumo, com exceção da
comercialização do gado.
Tabela 5 - Análise do valor Agregado Tipo 5, Juazeiro do Norte – CE, 2012.
SUBSÍDIOS
(R$)
DEPRECIAÇÃO
(R$)
CONSUMO
INTERMEDIARIO
(R$)
PRODUTO
BRUTO
(R$)
VALOR
AGREGADO
(R$)
0,00 48,01 1.666,00 18.598,83 16.884,82
Fonte: Dados da pesquisa.
Observa-se que o tipo 5 não apresenta subsídios para sua produção, a depreciação do
capital fixo é correspondente a duas vezes o tipo 4, com relação ao consumo intermediário
esse grupo apresenta uma despesa superior ao Grupo 4 em R$ 265,50 apresentando um
produto bruto total superior em R$ 7.476,97 do Grupo 4, tal valor pode esta associado a maior
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1592
depreciação do capital fixo e um consumo intermediário mais elevado propiciando uma maior
produção.
Observa-se, conforme o gráfico 5, que o Tipo 5 apresenta renda proveniente de
programas sociais correspondendo a R$ 840,00 por família, já com relação as atividades não
agrícolas esta apresenta renda em torno de R$ 8.040,00, a renda agrícola corresponde a R$
16.884,82. Por fim a renda total desse sistema se estrutura na produção agrícola, e programas
sociais, renda não agrícola, com um rendimento anual total de R$ 25.764,82 por família.
Gráfico 5 – Distribuição de renda Tipo 5, Juazeiro do Norte, 2012.
Fonte: Dados da pesquisa.
Este grupo identifica no seu imaginário os benefícios econômicos desta forma de
produção, confunde agricultura orgânica com a produção agroecológica. Sentem-se
agricultores agroecológicos por terem assimilado as técnicas difundidas pela EMATERCE.
CONCLUSÃO
Este estudo revela a face ainda tecnicista da Extensão Rural expressa na descrição das
ações dos técnicos e da relação construída entre agricultores e técnicos. Mesmo assim as
famílias que recebem um ―treinamento‖ baseado em técnicas agroecológicas atingem uma
renda agrícola bem superior aos que declararam não ter apoio técnico. Este estudo também
revelou, embora sem profundidade que a produção agroecológica ora na composição de outras
rendas, ora como principal renda familiar tem um grande potencial na retirada dos
trabalhadores de condições precárias de trabalho para uma qualidade de vida e trabalho
melhores ou mesmo trazer um nível de renda capaz de suprir confortavelmente a vida das
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1593
famílias. Esta situação extrapola ainda mais os níveis superiores quando se faz a valoração de
elementos como, por exemplo, a alimentação livre de venenos.
É fundamental salientarmos que falar sobre as mesmas coisas não significa,
necessariamente, ter a mesma visão de mundo ou a mesma intenção. Conceitos como
participação, sustentabilidade, agroecologia, desenvolvimento e equidade, por exemplo, às
vezes são utilizados para expressar intenções sérias, em outras expressam apenas modismo,
adesão a pacotes tecnológicos ou teóricos. As famílias embora utilizem alguns conceitos
comuns em sua fala, e aparentemente tenham características semelhantes fazendo parte de um
mesmo grupo de agricultores familiares agroecológicos do Cariri apresentam forte
diferenciação social que contribui decisivamente para o desenho de diversos sistemas e
subsistemas de produção. A metodologia nos conduziu a 5 tipologias diferentes de sistemas
de produção e os elementos que foram capazes de desenhar as tipologias são decisivos para
futuras análises e até mesmo para políticas públicas que almejem ser exitosas por
considerarem as especificidades locais.
Percebemos a necessidade de outros passos metodológicos para a análise da influência
da renda sobre o conceito de agroecologia dos agricultores. Mas percebeu-se uma enorme
carência de diálogo com outros sujeitos, também construtores deste novo paradigma: as
universidades, institutos, centros de pesquisa e muitos outros.
Não cabe aqui avaliarmos a feira, pois a metodologia nos propiciou enxergar além, nos
levou a diferentes sistemas de produção, onde terra, trabalho e capital são decisivos. Cultura,
ecossistema, educação e políticas públicas desenham o espaço da produção, que se manifesta
sob a tutela de uma economia camponesa. Esta economia camponesa agroecológica necessita
ser estudada e entendida a fim de se verificar como as atividades econômicas afetam o
ambiente, a família, a comunidade, as relações de trabalho, assim como a maneira como elas
determinam o uso dos recursos naturais, alterando as relações ecológicas e culturais pré-
existentes. Em outras palavras não se pode ignorar que o campesinato tem sua própria
economia, que se expressa na sobrevivência dos povos do campo, em sua resistência e
replicabilidade, nas trocas, na criação de alternativas e no combate à desintegração, já tão
amplamente anunciada. E que, para além da maximização dos lucros, deve-se considerar a
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1594
sustentabilidade da família, da cultura, do ambiente e os impactos ambientais provocados pela
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ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: O CASO DO CAFÉ ECOLÓGICO NO
TERRITÓRIO RURAL DE BATURITÉ NO ESTADO DO CEARÁ
José Newton Pires Reis19
Raquel Neris Teixeira20
Resumo: Este trabalho objetivou mapear os arranjos produtivos locais nos territórios rurais no Estado
do Ceará. Para contemplar este escopo, foram usados os indicadores Quociente Locacional, Índice de
Potencialidade e Índice de Hirschman-Herfindahl modificado, com dados da Pesquisa de Produção
Agrícola e Pecuária Municipal do IBGE. Dos 17 APLs identificados, o presente estudo se preocupa,
especificamente, em caracterizar e propor medidas de apoio para o APL de café no Território de
Baturité. Tal escolha justifica-se pela importância cultural, econômica, ambiental e social da cultura
do café produzido dentro um sistema agroecológico nos limites da Área de Proteção Ambiental do
Território. Em uma ponta, os resultados demonstram que o setor tem atuado na forma cooperada, com
integração vertical para frente por meio de beneficiamento com certificação e marca própria, na
comercialização adota uma estratégia que abrange o mercado local e o nacional, mas sem perder de
vista as vendas na rede de comércio justo Fair Trade com selo internacional. Em outra ponta, a
realidade é de avanço da degradação ambiental e de desânimo por parte de muitos produtores que não
veem o retorno esperado da sua produção.
Palavras-chave: Arranjos Produtivos, Café, Ceará.
1. INTRODUÇÃO
Até recentemente, a maioria das políticas públicas trabalhava o desenvolvimento
regional como crescimento do centro para a periferia (CHANG, 2004). De fato, exposta a
consideráveis avaliações, essa prática vive uma transição que entende o desenvolvimento
como um processo ―visceral‖, participativo e dependente da iniciativa local.
Este reexame reflete certa dose de desilusão com os resultados que não produziram um
crescimento auto-sustentado. No Estado do Ceará, por exemplo, MANSO (2011) revela que
pelo critério estabelecido pelo Banco Mundial para definir a extrema pobreza, 1.502.924
cearenses ganham até U$ 1 por dia. Em nível nacional, são 9,24% dos 16,3 milhões de
brasileiros na extrema pobreza. Com isso, atualmente, o Ceará é o terceiro estado do país com
19 Professor da Universidade Federal do Ceará, TELEFONE: 85- 86824588, E-MAIL: [email protected] 20
Graduanda em Agronomia pela Universidade Federal do Ceará, TELEFONE: 85-96939494, E-MAIL:
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1597
maior contingente de pessoas miseráveis, atrás apenas da Bahia (14,80%) e do Maranhão
(10,40%). Isso significa 17,8% da população cearense vivendo em situação de miséria.
Face ao reconhecimento da limitação desses resultados, a questão colocada pelo
governo estadual foi como combinar ações que ao mesmo tempo estimulassem o crescimento
da renda e diminuíssem a desigualdade. Assim, as iniciativas para atração de indústrias via
concessão de benefícios fiscais tiveram continuidade, mas foi inevitável a revisão das suas
políticas públicas com novo foco no desenvolvimento econômico local.
Ao mesmo tempo, sob o auspício de vários ministérios, o governo federal coordena
um conjunto de programas que adota a abordagem territorial, considerando as dimensões
econômica, sócio cultural, político institucional e ambiental como referência para estratégias
de desenvolvimento.
Atualmente, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do
Desenvolvimento Agrário - MDA apóia 165 territórios rurais no Brasil que compreendem
2.509 municípios, abrangendo 45% da área nacional.
Nesse sentido, o objetivo geral desse artigo é de identificar os arranjos produtivos
locais nos territórios rurais no Estado do Ceará. O passo seguinte elege um território para
estudo de caso. Essa etapa visa, especificamente, caracterizar e propor medidas de apoio ao
arranjo produtivo selecionado.
2. METODOLOGIA
2.1. Fonte de dados
Os dados referentes à elaboração dos indicadores de filtragem dos potenciais APLs em
estudo foram coletados no Cidades@ cuja tabulação é realizada pelo IBGE– Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas, e constitui uma base de informações desagregadas, em
termos setoriais e, em termos espaciais, até o nível de municípios sobre, entre outros, valor da
produção, produtividade, plantel pecuário e número de estabelecimentos por atividades
econômicas. O período de análise contempla valores médios para os anos 2000 a 2009.
Tendo em vista a metodologia aqui proposta, a principal vantagem do Cidades@ é
justamente a elevada desagregação setorial e geográfica dos dados. Isto torna possível, sem
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1598
necessidade de recurso a tabulações especiais, obter e processar diretamente os dados
desagregados, em termos setoriais e, em termos espaciais, até o nível de municípios.
Para o estudo de caso, ou seja, caracterização do APL selecionado, foi realizado um
levantamento exaustivo de informações de origem secundária a partir de pesquisa junto a
instituições, tais como Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA-CE), Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
(IPECE), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), bem como
Departamento de Estradas e Rodagens do Ceará (DER), Instituto Agropolos do Ceará,
Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), dentre outros.
Informações adicionais e complementares foram coletadas em visitas realizadas pelo
autor ao Território de Baturité nos meses de julho e dezembro de 2010, bem como a partir de
entrevistas concedidas pelos Srs. Marcos Arruda – presidente da Cooperativa Mista dos
Cafeicultores Ecológicos do Maciço de Baturité e Francisco Xavier – pesquisador da
Embrapa Agroindústria Tropical, importantes lideranças do setor.
2.2. Identificação dos arranjos produtivos locais nos territórios
O foco da análise na economia territorializada em dado local tem raízes desde os
economistas clássicos (FUJITA et al., 2002). Todavia, o interesse sobre a economia em
espaços geográficos vem se intensificando nos últimos anos. Nesse movimento, o espaço
territorial deixou de ser visto apenas como um suporte para localização de fatores produtivos,
assumindo papel ativo na formação de mecanismos de retorno crescente que explicam o
desenvolvimento.
De acordo com Santana (2005) O território funciona como um espaço que favorece o
desencadeamento de um conjunto de relações intencionais e não-intencionais, tangíveis e
intangíveis, comercializáveis e não- comercializáveis, que movem o processo de
aprendizagem e de construção de competências – que se incorporam e evoluem de forma
acumulativa, de modo a resultar em eficiências coletivas. Quando essas forças interagem e
passam a dar forma e coesão a um conjunto de agentes diferentes, porém com grau de
complementaridade no todo ou em alguns elos das cadeias produtivas, têm-se aí o conceito de
sistemas produtivos.
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1599
Os ―sistemas produtivos locais são aqueles ambientes produtivos em que
interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e
aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da capacidade inovativa endógena, da
competitividade e do desenvolvimento‖. (BRITTO; ALBAGLI, 2003). Entretanto, a realidade
brasileira, especialmente do Nordeste, está distante desse ―tipo ideal‖ de aglomeração
produtiva, tendo em vista, a informalidade das atividades econômicas e o caráter incipiente e
frágil das relações de cooperação entre os agentes. Neste caso, as aglomerações produtivas
tem um status de arranjo produtivo local.
O nível de análise produtiva dessa pesquisa assume a dimensão dos arranjos
produtivos locais e a dimensão territorial assume o espaço dos Territórios Rural Sustentável,
promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para o Estado do Ceará (Tabela 1).
Estes territórios têm escala intermediária entre o local e o regional, uma institucionalidade
com forte participação social, articulação municipal com o estado, e uma temática que
extrapola a atividade rural.
Tabela 1: Territórios Rurais homologados pelo MDA – Estado do Ceará.
Territórios No de municípios
1. Baturité 13
2. Cariri 27
3. Inhamuns Crateús 20
4. Sertão Central 12
5. Sertões de Canindé 6
6. Sobral 17
7. Vales do Curu e Aracatiaçu 18
TOTAL 133
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA (2010).
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1600
2.3. Método de Análise
Essa pesquisa propõe um método de análise baseado em CROCCO et al. (2003) que
lança mão de indicadores que funcionam como filtros para identificar os potenciais APLs.
O primeiro filtro utiliza o Quociente Locacional (QL) para determinar se o território
em particular possui especialização em um setor. A partir da razão entre a ―economia‖ em
estudo no numerador e uma ―economia de referência‖ no denominador, o QL procura
comparar duas estruturas econômicas setoriais–espaciais. A fórmula de cálculo é a seguinte:
⁄
⁄
(1)
Onde:
QLij = Quociente Locacional do setor i no território j;
= Valor da Produção do setor i no território j;
= ∑
= Valor da Produção de todos os setores no território j;
= ∑
= Valor da Produção do setor i no Ceará;
= ∑ ∑
= Valor da Produção de todos os setores no Ceará.
i = 1,2,3,...45 – Setores Produtivos; e
j = 1,2,3,...,7 – Territórios Rurais.
Considera-se que exista especialização do setor i no território j, caso seu QL seja
superior a 4. Segundo CROCCO et al. (2003), apesar do QL ser um indicador extremamente
útil na identificação da especialização produtiva da região, ele deve ser utilizado com cautela,
pois a interpretação de seu resultado deve levar em conta as características da economia que
está sendo considerada como referência. É de se esperar que economias com elevado grau de
disparidade regional apresente um grande número de setores com QL acima de um, sem que
isto signifique a existência de especialização produtiva, mas sim de diferenciação produtiva.
Assim, seria prudente que o valor de corte a ser assumido pelo QL deveria ser
significativamente acima de 1. De acordo com o autor, alguns estudos para a economia
americana, que possui uma distribuição espacial de sua indústria bem mais homogênea que a
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1601
abrasileira, consideram especialização industrial naquela região que apresentar um QL acima
de 4.
Por limitação de informações, será considerado o ―número de animais‖ em
substituição ao ―valor da produção‖, para o caso de bovinos, suínos, ovinos e caprinos.
Uma vez que o par setor-território passe por este filtro, ele é considerado um potencial
candidato a um APL e será avaliado em termos de sua relevância estadual. Assim sendo, usa-
se, como segundo critério, o Indicador de Potencialidade que é utilizado para captar a
importância relativa do par setor-território no valor da produção total do setor no Estado:
(2)
Onde:
IPij = Indicador de Potencialidade do setor i no território j.
O par setor-território deve possuir pelo menos 1% do valor da produção estadual
daquele setor. Aqueles potenciais candidatos a APLs que possuírem QL>4 e participação
relativa maior que 1%, deverão, então, ser filtrados pelo último critério, que procura captar o
real significado do peso do setor na estrutura produtiva territorial. Tal índice foi denominado
Hirschman-Herfindahl modificado (HHm). Ele é definido da seguinte forma:
(
) (
) (3)
Onde:
HHmij = Índice de Hirschman-Herfindahl modificado do setor i no território j.
Este indicador possibilita comparar o peso do setor i do território j no setor i do estado
com o peso da estrutura produtiva do território j na estrutura do estado. O par setor-território
deve possuir HHm > 0, ou seja, a contribuição do setor daquele território para o setor no
estado deve ser maior que a contribuição da estrutura produtiva do território para a estrutura
produtiva do estado.
Vale reiterar que a utilização desses critérios é um passo prévio, e não substitui a
realização dos estudos de casos, já que diversas especificidades da organização produtiva
local, bem como suas características históricas, institucionais, sociais e culturais somente
poderão ser identificadas com a realização de pesquisa de campo.
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1602
2.4. Caracterização dos arranjos produtivos locais nos territórios
Essa etapa visa apurar informações sobre acontecimentos em curso, com posições de
diferentes fontes secundárias e de campo. O estudo contempla um conjunto de pontos de
investigação considerados estratégicos para explicar trajetórias exitosas nessas aglomerações
(IEDI, 2002):
História, condições iniciais e evolução;
Especialização produtiva: número, área e pessoal envolvido nos estabelecimentos
agropecuários, produção e produtividade;
Infra-estrutura: localização, armazenagem, portos, aeroportos, ferrovias, rodovias,
número de caminhões e tratores;
Organização institucional: qualificação, escolas, cursos de graduação e pós-
graduação, cooperativas e associações do setor, fontes de financiamento.
A partir do estudo de caso selecionado pela metodologia quantitativa aqui proposta e que
sigam o roteiro de pontos acima sugerido, é possível caracterizar o arranjo produtivo local de
forma a indicar ações de apoio mais promissoras para resolver problemas específicos e
estimular o crescimento da produção, o aumento do emprego, o desenvolvimento tecnológico
e outros objetivos relevantes em cada caso.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme mostra a Tabela 2, a aplicação dos critérios descritos possibilitou a
identificação de 17 APLs relevantes para o Estado do Ceará. Como se pode notar, o território
que mais se destaca com sete APLs é o Cariri: sisal, fumo, amendoim, fava, uva, alho e
mamona. Também é possível identificar quatro APLs no Território de Baturité (urucum, café,
alho e sorgo), além de dois nos Sertões Central (girassol e algodão herbáceo) e de Canindé
(algodão arbóreo e mamona). Por fim, são bastante fortes os indícios de especialização
produtiva de mamão no Território de Sobral e de coco no Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu. O Território de Inhamuns Crateús se destaca em algodão arbóreo, milho e
mamona, mas não alcance índice 4 em nenhum dos quocientes locacionais.
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1603
A opção deste estudo por focalizar o arranjo produtivo do café no território de Baturité
explica-se pela tradição da cultura na região, pelo esforço atual que instituições como
Embrapa Agroindústria Tropical, Cooperativas de Produtores, Universidade Federal do Ceará,
Agroindústrias do setor etc. tem feito quanto à organização dessa cadeia produtiva, pela
preocupação na manutenção do equilíbrio da biodiversidade no Maciço, bem como pela
importância econômica e social do setor para o Território. Em segundo lugar, dentre os
Território do MDA para o Estado do Ceará, o de Baturité é o mais próximo da capital, o que
simplifica os requisitos para a caracterização do arranjo.
3.1. O caso do café no Território de Baturité
a) Raízes históricas e evolução
O café foi introduzido no Território de Baturité em 1822. O cultivo ao sol proliferou
paulatinamente, motivando pioneiros e adquirindo vulto depois de 1845, com a migração para
a Serra de parte da população sertaneja expulsa pela seca. Essa ―ilha‖ de Mata Atlântica no
maciço central do Ceará transformou-se numa tradicional região produtora de café no século
XIX, e chegou a deter 2% da produção brasileira. Há relatos, da época, de que o café de
Baturité era um dos mais apreciados nas cafeterias francesas (ROMERO; ROMERO, 1997).
A partir dos sítios de café consolidaram-se as povoações que deram lugar ao conjunto das
atuais cidades do Território. Desta feita o Território do Maciço de Baturité teve sua
configuração iniciada, e tal como hoje é percebida, forma uma verdadeira rede urbana
distribuída em 13 municípios, conforme apresentados na Tabela 3.
Contudo, a expansão dos cafezais nesse sistema de cultivo trouxe consigo malefícios
ambientais que provocaram crises para a cultura na região (SAES, et al., 2002). Entretanto, o
grande golpe veio em meados dos anos 1960, quando a maior parte do parque cafeeiro
cearense foi destruída, em decorrência do Programa de Erradicação de Cafezais estabelecido
pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC) para reduzir a produção nacional. Nos anos 1970, o
governo adotou o Programa de Renovação e Revigoramento de Cafezais, que promoveu o
replantio de 6.156.700 novos pés de café entre os anos 1971 e 1977 no Ceará. O acesso aos
créditos, entretanto, estava condicionado à utilização da tecnologia proposta pelo IBC, com
ênfase na monocultura plantada a pleno sol e adubação química. Os produtores que se
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1604
seduziram pelos recursos subsidiados do governo não lograram êxito, pois no verão as chuvas
provocavam erosão e na época da estiagem o cafeeiro não suportava o sol forte por um longo
período.
A adoção desse sistema de cultivo, sem considerar as especificidades climáticas da
região serrana provocou não só o fracasso do programa como também a decadência da cultura
do café na Região. Recentemente, a preocupação com o meio ambiente e a necessidade de
evitar o processo intenso de degradação da Serra, pela forte especulação imobiliária e
disseminação de práticas de agricultura convencional na plantação de hortaliças e frutas,
resultaram num movimento por sua preservação que culminou na criação em 1990 da Área de
Proteção Ambiental da Serra de Baturité pela agência estadual do meio ambiente – SEMACE
que em parceria com a Fundação CEPEMA, uma ONG preocupada com a produção de
conhecimento em práticas agroecológicas e desenvolvimento sustentável, trouxeram grandes
mudanças para o Território.
Mais de 100 produtores se organizaram na APEMB (Associação dos Produtores
Ecologistas do Maciço do Baturité), que chegou a exportar café orgânico certificado para a
Europa. Esse fato é importante, pois essa iniciativa conseguiu abalar a forma predominante de
comercialização, baseada na desqualificação do produto e conseqüente rebaixamento dos
preços. Essas novas formas de governança impediram que o café arábica ecológico fosse
comprado pelos intermediários da região ao preço de conillon, permitindo que os produtores
ganhassem um ágio na produção vendida.
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Tabela 2: Quociente Locacional (QL), Indicador de Potencialidade (IP) e Índice de Hirschman-Herfindahl modificado (IHHm) mais elevados em
setores dos territórios rurais no Estado do Ceará.
Territórios
Setor Baturité Cariri Inhamuns Scentral Scanindé Sobral Vcuru
QL
IP
(%)
IHH
QL
IP
(%)
IHH QL
QL
IP
(%)
IHH
QL
IP
(%)
IHH
QL
IP
(%)
IHH
QL
IP
(%)
IHH
Alho 6,4 2,5 0,02 5,8 2,3 0,01
Alg herbáceo
5,7 2,7 0,02
Amendoim
7,4 3,0 0,02
Fava
6,9 2,8 0,02
Fumo
8,5 3,4 0,03
Girassol
11,7 5,5 0,05
Mamona
5,0 2,0 0,01 2,21
9,1 1,5 0,05
Mandioca
Milho
2,34
Sorgo 4,4 1,7 0,01
Alg arbóreo
2,58
14,8 9,1 0,08
Café 11,8 4,7 0,04
Coco
4,9 2,7 0,02
Mamão
4,0 1,0 0,008
Sisal
9,1 3,7 0,03
Urucum 13,9 5,5 0,05
Uva
6,1 2,4 0,02
Fonte: Cálculos do autor.
1606
Tabela 3: Território de Baturité-CE, população e alfabetização, 2010.
TOTAL URBANA RURAL
Pessoas de 5 anos ou
mais de idade, alfabetizadas
Acarape 15338 7982 7356 11147
Aracoiaba 25391 13737 11654 16778
Aratuba 11529 3769 7760 8196
Barreira 19573 8127 11446 13388
Baturité 33321 24437 8884 23922
Capistrano 17062 6212 10850 11364
Guaramiranga 4164 2495 1669 3247
Itapiúna 18626 8819 9807 12013
Mulungu 11485 4198 7287 8224
Ocara 24007 7605 16402 16085
Pacoti 11607 4745 6862 8690
Palmácia 12005 4957 7048 8640
Redenção 26415 15134 11281 18587
Total Território 230523 112217 118306 160281
Total Ceará 8452381 6346557 2105824 6342530
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010.
A produção conjunta do conhecimento, gerado in loco em pequenas unidades
experimentais e disseminado por agentes de agricultura ecológica, foi fundamental para gerar
tecnologias apropriadas e facilitar sua adoção. As mudanças na organização dos produtores e
na qualidade do produto também foram reflexos dessa proposta.
Essa estratégia tenta unir dois enfoques que até então tinham estado em conflito - a
preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento local de práticas agrícolas com
enfoque agroecológico - com o objetivo de garantir a sustentabilidade do meio ambiente e dos
produtores rurais. É importante destacar que tudo se fez possível ao se considerar o
conhecimento informal, não escrito nem institucionalizado. Essa forma de conhecimento
apresenta forte especificidade local, decorrente da proximidade dos municípios e de
identidades cultural, social e empresarial. Isto facilita seu transbordamento (spill-over) nos
1607
estabelecimentos, tornando-se, portanto, elemento de vantagem competitiva para o APL do
café no Território.
b) Especialização produtiva
A cafeicultura no Maciço de Baturité é um dos poucos casos no Brasil em sistema
agroflorestal tradicional e orgânico, o que favorece a busca pela Indicação Geográfica
(garantia da origem de um produto ou de suas qualidades e características regionais que pode
ser apresentada como Indicação de Procedência ou Denominação de Origem).
Nesse sistema, o café é cultivado sob a sombra de árvores da Mata Atlântica, isso
contribui para melhoria da qualidade do grão e evita a ocupação e a exploração desorganizada
dos recursos naturais. Outras vantagens do cultivo agroecológico são a manutenção da
biodiversidade, a proteção do solo e a promoção do equilíbrio biológico natural da região.
Em 2003, A Cooperativa Mista dos Cafeicultores Ecológicos do Maciço de Baturité –
COMCAFÉ - lançou no mercado o ―CAFÉ ECOLÓGICO‖. O plantio é parte integrante de
um consórcio de cultivos que engloba bananeira, mamoeiro, goiabeira, jaqueira, acerola,
abacateiro, feijão e mandioca, formando um diversificado e produtivo sistema agroflorestal de
alta sustentabilidade. Já são 100 hectares cultivados nesse sistema. A idéia da Cooperativa,
segundo seu presidente, Sr. Marcos Arruda, é trabalhar na qualidade desse café agregando
valor ao produto. Apesar de deficiências quanto ao controle de qualidade ao longo da cadeia
produtiva, o produto já chegou a receber certificação da empresa sueca KRAV especializada
em produtos ecológicos. Agora a Cooperativa quer diversificar os sistemas de
comercialização abrangendo desde a inserção na rede de comércio justo com selo
internacional Fair Trade até vendas diretas no comércio local, passando por esquemas
intermediários que levam a marca ―Café da Floresta‖ para o mercado nacional. Apesar de
custos mais elevados, essa estratégia de distribuição permite o domínio de ativos comerciais
relacionados à posse de marcas que têm papel fundamental para a competitividade dos
produtores locais.
Outro exemplo positivo de confiança e de atuação conjunta entre os produtores foi a
implantação de uma mini-fábrica de torrefação de café no município de Mulungu com
capacidade de processar e empacotar 20 toneladas por mês. Isso pode ser evidência do papel
de liderança da Cooperativa como coordenadora das ações relacionadas com as atividades do
APL. Por outro lado, essas ações podem ter seus efeitos ampliados na organização de centrais
1608
de compras de matérias primas, programas de exportação, participação de produtores em
feiras, organização de eventos, treinamentos ou contratação de profissionais.
A abrangência da estrutura produtiva, em certa medida, pode ser verificada por meio
das Tabelas 4 e 5. A Tabela 4 indica o número de empresas atuantes no Território, bem como
o número, a área e o pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários.
Tabela 4: Território de Baturité-CE: número de empresas atuantes (2009), número, a
área e o pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários (2006).
Municípios
Número de
Empresas atuantes(1)
Estabelecimentos Agropecuários (2)
Número Área (ha) Pessoal ocupado
Acarape 138 539 4422 1639
Aracoiaba 370 1873 31844 5426
Aratuba 130 1805 9143 4961
Barreira 230 2173 25747 7144
Baturité 656 1850 25341 5526
Capistrano 161 2253 11315 5940
Guaramiranga 90 225 3349 530
Itapiúna 227 2092 36792 6755
Mulungu 120 1314 7286 3359
Ocara 314 2015 48745 6972
Pacoti 159 867 6170 2343
Palmácia 91 1030 4378 3216
Redenção 285 1630 13864 4579
Total Território 2971 (2,0%) 19666 (5,1%) 228396 (2,8%) 58390 (5,0%)
Total Ceará 145051 381014 7922214 1145985
Fonte: (1) IBGE - Cadastro Central de Empresas 2009. (2) IBGE - Censo Agropecuário 2006.
De um total de 19.666 estabelecimentos agropecuários apresentados na tabela anterior,
a Tabela 5 mostra que 334 possuem plantações de café com mais de 50 pés em produção, o
que representa 41,6% quantidade produzida e 76,6% do valor da produção no Estado do
Ceará, destacando a importante participação do Território no mercado estadual. Atualmente,
conforme o Sr. Francisco Xavier, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, a produção
1609
de café no Maciço de Baturité é cerca de 15 mil sacas por ano, aproximadamente 1.000
toneladas.
Tabela 5: Estabelecimentos, quantidade produzida, valor da produção e produtividade
do café no Território de Baturité-CE, 2006.
Estabelecimento
com mais de
50 pés
Qtde produzida
(ton)
Valor da
produção
(mil reais)
Produtividade
(kg/ha)
Acarape 0,0 0,0 0,0 0,0
Aracoiaba 0,0 0,0 0,0 0,0
Aratuba 50,0 59,0 118,0 436,1
Barreira 0,0 0,0 0,0 0,0
Baturité 50,0 23,0 64,0 526,9
Capistrano 3,0 0,0 0,0 485,0
Guaramiranga 86,0 220,0 4840,0 446,4
Itapiúna 0,0 0,0 0,0 520,0
Mulungu 101,0 90,0 222,0 434,2
Ocara 0,0 0,0 0,0 0,0
Pacoti 43,0 48,0 44,0 431,1
Palmácia 1,0 0,0 0,0 500,0
Redenção 0,0 0,0 0,0 431,3
Total Território 334,0 (26,8%) 440,0 (41,6%) 5288,0 (76,6%) -
Total Ceará 1244,0 1056,0 6899,0 433,7
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 2006.
c) Localização e problemas de logística e infraestrutura
O Estado do Ceará possui dois aeroportos administrados pela INFRAERO, o
Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza, e o Regional do Cariri no Juazeiro do
Norte. Os portos e terminais de uso privativo são o Porto do Mucuripe em Fortaleza e do
Pecém na Região Metropolitana. No Território de Baturité também não existe nenhum
armazém cadastrado na Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB.
1610
Os municípios do Território de Baturité distam em média de 100 km, ao sul da Cidade
de Fortaleza, e o acesso entre os municípios além da BR-222 é feito também pelas CE-168,
CE-71, CE- 085, CE-368, CE-362, CE-354, e CE-178.
A mobilidade de acesso entre a maioria destes municípios é possível, unicamente,
através do transporte rodoviário. As principais vias encontram-se em bom estado de
conservação e sinalização. As estradas vicinais podem ser classificadas como carroçáveis e
algumas passagens molhadas. O acesso facilitado e a proximidade com Região Metropolitana
de Fortaleza são vantagens comparativas que favorecem o desenvolvimento do Território.
O transporte ferroviário de passageiros no Maciço de Baturité foi desativado há mais
de vinte anos e o de carga, atualmente, é subutilizado, não beneficiando os municípios da
Região. No que se refere à frota existente, o Território dispõe de 430 tratores e 1134
caminhões, conforme a Tabela 6. Verifica-se que pelas próprias características do sistema
produtivo do café ecológico, que a mecanização é praticamente nula nos principais
municípios produtores que são Guaramiranga, Mulungu e Aratuba.
Tabela 6: Frota de tratores e caminhões no Território de Baturité-CE.
Municípios
No de
estabelecimentos
agropecuários com
tratores(1)
No tratores
existentes nos
estabelecimentos
agropecuários(1)
Caminhões(2)
Total de
veículos(2)
Acarape 11 20 85 1499
Aracoiaba 40 72 92 3011
Aratuba 3 3 52 1418
Barreira 39 64 84 3069
Baturité 27 46 183 5206
Capistrano 18 31 56 1886
Guaramiranga 2 0 30 849
Itapiúna 16 25 59 1926
Mulungu 1 0 57 1100
Ocara 73 138 111 3331
Pacoti 6 9 94 1545
Palmácia 1 0 37 955
1611
Redenção 11 22 194 3654
Total Território 248 430 1134 29449
Total Ceará 4447 7623 49946 1711998
Fonte: (1) IBGE - Censo Agropecuário 2006; (2) Departamento Nacional de Trânsito -DENATRAN -
2010.
d) Organização institucional
O papel das instituições de apoio e prestação de serviços aos produtores ainda é pouco
expressivo no APL do café no Território de Baturité. Essa é uma área em que há muito espaço
para políticas públicas que estimulem a criação e o funcionamento de tais instituições.
A Tabela 7 traça um retrato da estrutura educacional nos municípios da Região. Esses
números indicam um atendimento precário e refletem a falta de prioridade dada a educação
nos municípios do Território. Apesar disso, para a grande maioria dos municípios, o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica no ano de 2009, possuía um valor em torno de 3,4,
aproximando-se da média do Estado do Ceará que foi de 4,4.
Tabela 7: Território de Baturité-Ce – Número de Escolas, 2009.
Município
Número de Escolas
Ensino
Fundamental(1)
Ensino
Médio(1)
Com laboratório de informática(2)
Rural Urbana
Acarape 12 1 1 0
Aracoiaba 39 2 2 0
Aratuba 9 1 1 4
Barreira 22 2 0 0
Baturité 39 3 5 0
Capistrano 13 1 1 0
Guaramiranga 9 1 1 0
Itapiúna 17 1 1 0
Mulungu 15 1 1 0
Ocara 22 1 1 1
Pacoti 12 1 1 0
Palmácia 16 1 1 0
1612
Redenção 31 5 2 0
Total Território 256 21 18 5
Total Ceará 7947 822 - -
Fonte: (1) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP - Censo Educacional 2009. (2) IBGE –
Censo Agropecuário 2006.
Outro dado importante é a diferença entre o número de escolas do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio. Isso mostra uma descontinuidade de nível, o que revela que
se faz necessária a elaboração de projetos de motivação e incentivo à continuação da
formação no Ensino Médio.
Quanto ao ensino superior, os números ressaltam a necessidade de ampliação da
formação de profissionais voltados para o campo, bem como, iniciativas devem ser tomadas
para criação de um curso de gestão com capacitação gerencial e administrativa, pois na
maioria dos casos, predominam estabelecimentos de agricultores familiares nos quais a
administração de custos e métodos gerenciais são bastante precários.
Em alguns municípios há uma significativa atuação de instituições públicas e privadas,
como Sindicatos, EMATERCE, Agentes Financeiros, Instituto Agropólos, Cooperativa
Prestadora de Serviços – COPASAT, composta por técnicos de ATER, trabalhando
fortemente na organização das cadeias produtivas junto aos agricultores familiares. Ainda
acontecem eventos anuais como a Feira de Negócios de Baturité - FENEBE e o Fórum
Regional de Agroecologia, organizados com apoio do SEBRAE. No entanto, não se verificam
experiências expressivas de ações relevantes nos governos locais capazes de gerar
externalidades positivas consistentes aos produtores, dando aos mesmos condições de
alcançar níveis superiores de competitividade.
Com o advento do PRONAF houve um considerável incremento na dinâmica de
acesso ao crédito rural (Tabela 8). Entretanto, dada a burocracia existente, a exemplo do
PRONAF Jovem, mulher e agroflorestal ainda há no Território uma demanda latente neste
sentido. Por outro lado, é necessário desenvolver uma estratégia de forma a amenizar o índice
de inadimplência dos beneficiários que tem sido preocupante.
Tabela 8: Território Baturité-CE – Agências bancárias, número de contratos e montante
do crédito rural do PRONAF, 2009.
1613
Município No de agências e postos bancários Contratos Montante (R$1,00)
Acarape 3 24 36766,00
Aracoiaba 3 401 726943,88
Aratuba 3 262 426285,96
Barreira 2 102 261524,58
Baturité 5 228 556692,36
Capistrano 2 440 835962,72
Guaramiranga 3 75 156025,71
Itapiúna 2 327 700301,43
Mulungu 2 364 639472,00
Ocara 2 650 1179643,14
Pacoti 2 140 200000,00
Palmácia 2 160 262000,00
Redenção 2 485 1208801,34
Total 33
3658 7190419,12
Fonte: Plano Territorial de Desenvolvimento Rural e Sustentável (PTDRS), 2010.
De modo geral, mesmo com a melhoria de acesso ao crédito, o Território não tem
conseguido avanços significativos na dinâmica produtiva. A tabela 8 ainda oferece condição
de visualização onde o maior volume de crédito ofertado foi para o município de Ocara. O
município de Guaramiranga com mais de 90% da produção de café no Território detém
apenas 2,1% dos empréstimos. Esses índices se por um lado refletem uma melhor organização
da APL do café em repúdio aos agentes financeiros face a dificuldades no acesso, nas taxas de
juros, exigências de garantias e prazos de carência, por outro lado mostram o baixo índice de
investimentos o que dificulta inovações e desenvolvimentos, induzindo desânimo em boa
parte dos produtores que não veem o retorno esperado da sua produção. Esses baixos índices
de investimentos podem ser corroborados com a Tabela 9 que mostra os resultados das
despesas orçamentárias empenhadas pelo Ministério da Fazenda para o ano de 2009 nos
municípios da Região.
Tabela 9: Despesas orçamentárias empenhadas (R$) – 2009.
Investimentos Obras e FPM
1614
instalações
Acarape 317261,2 112559,5 7610492,5
Aracoiaba 1017539,0 633174,2 10654689,5
Aratuba 1115388,0 694786,6 6088394,0
Barreira 614366,4 319949,6 9133975,4
Baturité 762447,7 280107,6 12176863,6
Capistrano 1441121,2 1157639,3 7610492,5
Guaramiranga 637880,7 304421,5 4566295,5
Itapiúna 1179069,2 1021147,9 9132591,0
Mulungu 1009085,9 557702,0 6096094,7
Ocara 2450885,8 2030411,3 10654648,9
Pacoti 943900,0 851027,8 6088394,0
Palmácia 359338,7 56349,9 6087266,0
Redenção 1592389,0 1104712,8 10654689,5
Total Território 13440672,7 9123989,9 106554887,0
Total Ceará 943354332,3 760147735,4 2583552177,0
Fontes: Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional, Registros Administrativos 2009.
4. CONCLUSÕES
Apesar de centenária, a produção de café no Território Rural de Baturité se deu de
uma forma descontinuada, em que novas tentativas sucediam velhas derrocadas. Mesmo
contando com esse histórico, a tradição resistiu ao tempo, de tal forma que, recentemente, boa
parte do setor tem gestado um paradigma diferente ainda que em bases irrisórias quando se
tem o Brasil como referência, mas como atividade de destaque quando se considera o Estado
do Ceará.
De uma maneira empreendedora quanto à união das partes na forma de cooperativa,
uma lógica de comercialização que envolve um apelo ecológico face aos aspectos produtivos
com preocupação ambiental e social cujo contexto é foco de interesse de um consumidor que
alcança o público internacional, uma integração para frente por meio do beneficiamento com
certificação e marcas próprias, o APL de café na Região pode consolidar-se como um arranjo
1615
de considerável importância para o desenvolvimento sustentável do Território, funcionando
como ―amortecedor‖ das pressões sobre a degradação dos recursos naturais.
Apesar de incipientes, importantes apoios têm rompido paulatinamente o comodismo
inercial dos atores, e o setor parece sinalizar a intenção de tomar seu destino ―nas próprias
mãos‖. A percepção de iniciativas sinergéticas formais e informais começa a criar
capacidades coletivas que tendem a impulsionar mudanças quantitativas e qualitativas na
cadeia produtiva.
Constatou-se a necessidade de inúmeras ações que vão desde pesquisas que
dimensionem os mercados até a intenção de pagamento pelos consumidores por um produto
Premium. Sistematização de informações sobre a legislação ambiental e recursos hídricos,
passando por assessorias quanto a licenciamentos e planos de manejos, até uma política de
financiamento ao crédito diferenciado em bases produtivas sustentáveis.
Quanto à intervenção pública, a principal política consiste em fornecer ambiência à
formação profissional em diversos níveis e a disseminação de conhecimentos científicos
agronômicos e ecológicos para a cultura sombreada e administrativos para gestão de
empresas.
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1618
CAMINHOS DA CONVERGÊNCIA DA RENDA RURAL NO BRASIL – UMA
APLICAÇÃO DO PROCESSO MARCOVIANO DE PRIMEIRA ORDEM
Isabela da Silva Valois21
Resumo: O setor agropecuário brasileiro tem apresentado no período de pós estabilização do Plano
Real (1996-2009) uma dinâmica econômica satisfatória, em que o nível de produto agropecuário
iniciou uma trajetória ascendente e praticamente ininterrupta de crescimento. Tal performance sugere
que as economias estaduais estejam passando por um processo de catching up, em que no longo prazo
existiria uma tendência das economias mais pobres alcançarem o mesmo nível de crescimento
econômico das economias mais ricas, configurando um processo de convergência no steady state.
Nesse sentido, o processo markoviano de primeira ordem busca confirmar a hipótese de existência de
convergência da renda agropecuária per capita entre os estados do Brasil. Os resultados, no entanto,
apontaram a ocorrência de movimentos de retrocesso das economias para níveis de renda per capita
agropecuária inferiores, indicando que as economias em análise apresentaram uma tendência de
empobrecimento, apesar do crescimento econômico global do setor ao longo do período. Dentre os
fatores que levariam tais economias a trilharem uma trajetória de empobrecimento, pode-se citar a
ênfase das políticas públicas às culturas de exportação, não contempladas por todas as unidades
federativas do país, o que resultaria no fortalecimento das economias estaduais já desenvolvidas, em
detrimento das que se encontram em desenvolvimento; além dos movimentos migratórios da mão-de-
obra agropecuária para os centros produtores agrícolas mais desenvolvidos, causando o ―Efeito Rainha
Vermelha”, em que o crescimento do PIB agropecuário não se traduziria em crescimento das rendas
per capita no campo.
Palavras chave: Convergência de renda agropecuária, Processo Markoviano, unidades federativas
brasileiras.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Jones (2000), o estudo do crescimento econômico floresce nos anos
1960, tendo até os anos 1970 o modelo neoclássico de Solow (1956) como o principal
fundamento teórico para o crescimento econômico. Para Stülp e Fochezatto (2004), o modelo
de Solow prevê que diante da presença de retornos decrescentes para os fatores produtivos,
regiões menos desenvolvidas ao promoverem uso menos intenso de tais fatores, tenderiam a
crescer em velocidade maior que as regiões mais desenvolvidas, em que a utilização dos
fatores produtivos é realizada de forma mais intensiva, de modo a alcançarem a convergência
de renda per capita no longo prazo.
21
(Graduada em Economia), Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 3521-1397, e-mail:
1619
Os trabalhos internacionais de Togo (2001), Ponzio (2004), Rodriguez e Velàzquez
(2009), Naschold (2009), e Rattso e Stokke (2011) mostram que o Processo de Markov de
Primeira Ordem tanto supera as circunscrições dos testes convencionais como beta e sigma
convergência, quanto permite capturar o movimento das rendas na direção de seu estado
estacionário, bem como possibilita a mensuração do tempo necessário para que as economias
em análise alcancem o equilíbrio de longo prazo.
Os estudos nacionais de Laurini, Andrade e Pereira (2005), Stülp e Fochezatto (2004),
Fochezatto e Stülp (2008), e Salvato e Matias (2010) buscaram contemplar o processo
Markoviano em seus trabalhos. Contudo, estudos nacionais (e mesmo internacionais) com
base nesta metodologia, ainda são poucos, e o campo rural é particularmente pouco abordado,
podendo-se mencionar, em nível internacional, o exame da convergência de renda entre os
setores agrícola, industrial e de serviços de transporte da economia turca, realizado por Temel,
Tansel e Gungor (2005), para o período de 1975-1990; e no Brasil, o estudo de Pessoa et al
(2009) que analisa a convergência do PIB agropecuário per capita dos Estados brasileiros
entre 1995 e 2005; e o trabalho de Santos (2010), que investiga a convergência da renda
agropecuária entre os municípios do Estado de Goiás para os anos de 1996 e 2006.
O presente estudo espera contribuir para a eliminação de lacunas existentes acerca de
estudos de convergência da renda no campo rural, buscando, através do processo estacionário
de primeira ordem de Markov, identificar se os movimentos de renda per capita agropecuária
nos Estados do Brasil tendem à equalização e convergência no longo prazo; ou se o
crescimento econômico rural se processa de maneira concentrada, acentuando ainda mais as
disparidades inter estaduais já existentes.
2. MOVIMENTOS DINÂMICOS DA ECONOMIA AGROPECUÁRIA
BRASILEIRA (1996-2009)
Os resultados da estabilização econômica promovida pela eficácia da implementação
do Plano Real passaram a ser mais fortemente sentidos pelo setor rural a partir de 1996,
quando apesar da obstrução de créditos de custeio para produtores em situação de
inadimplência terem constituído um fator restritivo do nível de produção agrícola, assim como
a queda de preços agrícolas, o setor agropecuário conseguiu registrar, expansão de 3,1%,
alavancada pela ampliação do consumo de proteínas (em decorrência da recuperação do poder
de compra possibilitado pela estabilização econômica, bem como pela elevação dos ganhos
1620
reais) e crescimento das exportações de aves e carne suína, que permitiu que a produção
animal se elevasse em 7,8%.
No âmbito da política agrícola, o setor foi beneficiado pela implementação do
zoneamento agrícola que buscou compatibilizar as características das áreas produtivas com as
culturas mais adequadas, introduzindo ainda o uso de tecnologias redutoras de custos e
amplificadoras da produtividade. Medidas adicionais como a criação do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) direcionada à capacitação do pequeno
produtor rural e à modernização das pequenas unidades produtivas, também mostraram-se
importantes para o incremento do produto, assim como as diretrizes traçadas para a safra
1995/96, em consonância com a conjuntura de estabilização econômica e abertura comercial.
Em 1997, de acordo com o Boletim do Banco Central (1997) a implementação do
programa de securitização que regularizou as dívidas agrícolas permitindo a reabertura dos
canais de crédito de custeio para os produtores, somado à recuperação dos preços agrícolas no
mercado interno, estabilizados pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM),
estimularam a ampliação das lavouras. Contudo, em decorrência da retração nos resultados da
produção animal em 2,5%, a expansão do setor agropecuário em 1997 situou-se em torno de
1,2% apenas.
Em relação à política agrícola do período, destaca-se a manutenção de benefícios do
Pronaf, assim como a criação de instrumentos de comercialização menos onerosos que os
Empréstimos do Governo Federal com Opção de Venda (EGF/COV)22
, como o contrato de
opção de venda e o Prêmio de Escoamento do Produto (PEP)23
que garantiam a venda da
produção ao governo a um preço mínimo; além da criação do Empréstimo do Governo
Federal (EGF) para a agroindústria com o objetivo de acelerar o processo de comercialização
dos produtos agrícolas.
Em 1998, em decorrência da crise asiática que resultou em tendência de queda dos
preços das commodities, a produção do setor agropecuário registrou expansão bastante
moderada – 0,4% apenas. A produção agrícola do período sofreu retração de 0,2% das
lavouras e de 7,3% da extração vegetal, em conseqüência das adversidades climática
provocadas pelo fenômeno El Niño (BOLETIM DO BANCO CENTRAL, 1998, p. 30).
22
Alterados em decorrência das restrições financeiras do Tesouro Nacional, inviabilizando a concessão de
empréstimos vinculados ao empréstimo de comercialização antes do período de plantio. 23
Regularizado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento através da Portaria n0 667 de 6.12.96.
1621
Em 1999, o arrefecimento das más condições climáticas e a expansão das exportações
agropecuárias permitiram que o setor agropecuário assinalasse crescimento de 9,5%,
representando o melhor desempenho setorial na composição do PIB do período, com
participação de 11,3% da produção agrícola e 7,4% da pecuária (BOTETIM DO BANCO
CENTRAL,1999). Nesse contexto, os instrumentos já existentes de condução da política
sofreram apenas certo grau de aprimoramento das regras para fomento das safras de
1998/1999, tais como a ampliação da alocação de recursos destinados ao crédito rural e
investimento em 37% em relação ao período passado, e a redução da taxa de juros de 9,5%
para 8,75% ao ano; redução da taxa de juros das operações de custeio do Pronaf de 6,5% para
5,75%, e ainda, a criação do crédito rotativo dentro do Programa de Geração de Emprego e
Renda (Proger).
A persistente tendência de crescimento da produção animal (7,4%) deu-se em virtude
da ampliação das exportações de carne bovina (81,5%) direcionadas principalmente ao
mercado consumidor africano e oriental médio; crescimento das exportações de frango (26%)
em decorrência do reaquecimento das economias asiática e européia; embora a exportação de
carne suína tenha sofrido decréscimo de 1,9%.
Em 2000, a expansão do setor agropecuário foi bem mais modesta, em conseqüência
do baixo crescimento do produto agrícola (2,8%) e pecuário (3,3%) em relação aos valores
apresentados no ano anterior; embora as diretrizes do Plano Agrícola para a safra de
1999/2000 tenham ampliado em R$ 3 bilhões o montante direcionado aos empréstimos de
custeio com manutenção da taxa de juros em 8,75% a.a., e redução das taxas de juros das
operações de crédito do Pronaf de 5,75% a. a. para um limite mínimo de 2% a.a. e máximo de
4% a. a. A retração da produção agrícola em 2000 deu-se principalmente em virtude dos
períodos de estiagem e/ou geadas que prejudicaram o crescimento das lavouras dos
importantes centros produtores como as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste (BOLETIM DO
BANCO CENTRAL, 2000).
De acordo com as análises do Banco Central, parte do desempenho do setor
agropecuário em 2001 (quando a produção registra crescimento de 18,4%), resulta dos ajustes
realizados nas políticas do Plano Agrícola24
direcionadas ao atendimento uniforme a todas as
culturas, tais como a elevação do financiamento rural, dos recursos para investimento e dos
créditos de custeio em 19,1%, 59,5% e 15,5%, respectivamente; das políticas verticais
24
Publicado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
1622
inovativas tais como o Programa Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas,
Programa de Desenvolvimento à Apicultura, Programa de Apoio à Fruticultura e Programa de
Desenvolvimento à Ovinocaprinocultura, direcionadas aos setores específicos de regiões
consideradas estratégicas para a agropecuária brasileira; sendo também, resultado da
eficiência das diretrizes da política agrícola de longo prazo, implementadas pelo Governo
Federal desde 1995 e 1996, dentre as quais se destacam: Programa de Incentivo ao Uso de
Corretivos de Solo (Prosolo); Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e
Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota); Programa de Incentivo à
Mecanização, Resfriamento e Transporte Granelizado da Produção de Leite (Proleite);
Agência Especial de Financiamento Industrial-Agrícola (Finame Agrícola)25
; Contratos de
Opções; Prêmios de Escoamento da Produção (PEP); Preços de Liberação de Estoques
Públicos (PLE).
Em 2002, o total da produção de grãos sofreu rebatimentos negativos de -1,4% em
relação à safra anterior, em decorrência dos períodos de estiagem nas áreas de plantio
concentradas em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (BOLETIM DO
BANCO CENTRAL, 2002). O decrescimento da safra de milho refletiu negativamente no
custo de produção de carne suína e de frango. Mesmo assim, estimulada pelo crescimento da
demanda externa, o segmento de carne suína registrou ampliação de 18,4% seguida da
produção de frango (9%) e de carne bovina (7,7%); que apresentaram crescimento das
exportações em 81,3%, 28,2% e 16,4%, respectivamente.
Nesse período, os programas específicos da política agrícola tais como o Moderfrota,
Propasto, Prosolo e Proleite, além da Cacauicultura foram beneficiados pela ampliação dos
recursos do BNDES em 22,5% em relação ao ano anterior. A ampliação dos recursos da
Caderneta de Poupança Rural26
foram expandidos para a agroindústria, beneficiamento e
comércio de produtos e insumos agropecuários. O Plano de Safra 2002/2003 do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também disponibilizou um montante de R$
21,7 bilhões a serem distribuídos entre custeio e comercialização da produção agrícola,
Fundos Constitucionais, Finame-Agrícola e Fundo de Defesa da Economia Cafeeira
(Funcafé). Observa-se no entanto que o Pronaf não foi contemplado por benefícios financeiros
25
Financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) 26
De acordo com o Boletim do Banco Central (2002), até 2001 os recursos da Caderneta de Poupança Rural
beneficiavam apenas os produtores rurais e cooperativas agropecuárias.
1623
no período. Tais medidas contribuíram para o bom desempenho do PIB27
agropecuário
nacional, que registrou variação positiva de 13,81%.
Em 2003, o crescimento do PIB agropecuário em 28,92% refletiu tanto a ampliação
em 25,8% dos recursos destinados à comercialização e custeio da produção agrícola, liberados
pelo Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004 do Mapa, quanto os valores adicionais
disponibilizados pelo BNDES (R$5,8 bilhões) para os Fundos Constitucionais28
, Proger Rural
e Pronaf. No desempenho do setor agrícola, assinala-se o crescimento da produção de grãos
em 26,8%, alavancado pela ampliação da produção de soja (22,6%), que sofreu influência
positiva da elevação dos preços internacionais em decorrência do crescimento da demanda
chinesa e da quebra da safra norte americana; milho (34,7%) favorecido pela elevação das
cotações internacionais e ampliação da demanda do setor produtivo de carnes; trigo (102%)
favorecido pelas adequadas condições climáticas somada à utilização de grãos geneticamente
modificados com o objetivo de ampliar a produtividade da cultura; e feijão (8,5%). Já as
culturas de arroz e café sofreram contração de 2,6% e 21% respectivamente; a primeira em
decorrência do excesso de chuvas e a segunda em resposta às baixas cotações internacionais
devido a contínua ampliação da oferta nos últimos anos. Já a pecuária, estimulada pela
conquista de novos mercados consumidores no exterior, registrou expansão de 6% no
segmento de carnes bovina, seguida da produção de aves que cresceu em 3,7%, e de carne
suína (1,7%); com elevação das exportações em 20,1%, 44,1% e 2% das carnes de frango,
bovina e suína.
Em 2004, nem mesmo a ampliação em 45,5% do montante de recursos previstos pelo
Plano Agrícola e Pecuário 2004/2005, somado à elevação de 30% dos recursos direcionados
ao Pronaf, além da manutenção dos demais instrumentos da política agrícola foram suficiente
para evitar o significativo recuo do PIB agrícola que apresentou crescimento de 6,05% contra
28,92% do ano anterior. Tal desempenho deu-se, principalmente, em conseqüência das
adversidades climáticas que atingiram as principais áreas produtoras do país e à elevação dos
preços do petróleo e dos insumos derivados como os fertilizantes, impactaram negativamente
nos custos de produção das culturas.
Em 2005, a gravidade das irregularidades climáticas atingiu todas as culturas,
provocando recuo do PIB em agropecuário em - 8,71%. A estiagem assolou as safras das
27
Os valores de PIB agropecuário são a preços básicos e fornecidos pelo IBGE e disponibilizados pelo IPEA. 28
Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
1624
principais culturas, provocando retração do volume total de grãos produzidos em -5,7%. Nem
mesmo a expansão da produção de carnes bovinas (7,4%), suína (15,4%) e de frango (11,9%)
estimulada pelo crescimento das exportações em 17,4%, 13,91% e 23% respectivamente, foi
suficiente para evitar o decréscimo do PIB agropecuário do período. Mesmo assim, destaca-se
que os recursos do BNDES em 2005 foram estendidos em 5,2%, assim como o os recursos do
Plano Agrícola e Pecuário 2005/2006 que ampliaram-se em 12,4% e, como medida de
estímulo, os preços mínimos de alguns produtos agrícolas foram elevados.
Em 2006, a sojicultura novamente sofreu com a instabilidade climática em que se
registraram perdas tanto pelo excesso de chuvas, quando pela estiagem, além dos prejuízos
decorrentes do surgimento e proliferação de doenças relacionadas aos fungos, de modo que o
crescimento da produção da cultura de grãos situou-se em apenas 2,1%.
O setor pecuário continuou sua expansão apresentando crescimento da produção de
carne bovina (8,1%), suína (6,6%) e aves (3,4%); embora apenas a carne bovina tenha
registrado crescimento das exportações (12,9%), dado que as carnes suína e de frango
registraram recuo das vendas externa em -16,4% e -6,4% respectivamente. Apesar de tudo,
juntos, os setores agrícola e pecuário conseguiram recuperar a performance negativa do PIB
agropecuário do país, apresentando ainda crescimento de 6,09%, conforme os dados do IBGE
fornecidos pelo IPEA. No campo da política agrícola, verificou-se a ampliação dos recursos
previstos pelo Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007 em 12% e a manutenção da política de
preços mínimos das culturas mais importantes; além da ampliação das linhas de crédito de
alguns programas financiados pelo BNDES como o Moderfrota e o Finame Agrícola.
Em 2007 a estabilidade climática contribuiu para que as culturas de grãos apresentasse
melhor desempenho na quantidade produzida (expansão de 13,6%), impactando
positivamente no valor do PIB agropecuário nacional, que apresentou ampliação de 14,07%
(IBGE). Na pecuária, a produção de aves apresentou crescimento de 10,1%, seguida da carne
suína (6%). Já a produção de carne bovina apresentou menor expansão (1,8%). Quanto as
exportações do setor, registrou-se que houve expansão do volume vendido em 4,9%, 16,3% e
14% das carnes bovina, aves e suína, respectivamente.
No âmbito da política agrícola, houve expansão de 16% dos recursos previstos pelo
Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008 destinados ao custeio, comercialização e investimento
na safra do período; foram realizadas ampliações no limite de financiamento do crédito rural
para culturas estratégicas para o abastecimento interno e para a produção animal; além da
1625
redução da taxa de juros nos Programas sob responsabilidade do BNDES (exceto o
Moderfrota).
Em 2008, a nova expansão do PIB agropecuário nacional em 19,31% deu-se em
função principalmente da regularidade climática que resultou em elevação da produção de
grãos em 9,6%. No setor pecuário a produção de carnes suína e de aves apresentaram
crescimento de 6,2% e 13,2%, enquanto a carne bovina registrou retração em -6,1%, em
resposta ao ambiente internacional instável em decorrência da crise no mercado subprime dos
EUA, que afetou as exportações tanto de carne bovina (-20,5%), quanto da carne suína (-
15,3%). As exportações de carne de frango no entanto conseguiram apresentar performance
favorável em que o crescimento situou-se em 8,7%.
Na política agrícola registrou-se como principais medidas adotadas, nova expansão
dos recursos disponibilizados pelo Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009 em 12%; e elevação
de 0,8% dos recursos destinados aos programas financiados pelo BNDES que ainda absorveu
a criação de mais um programa – Programa de Estímulo à Produção Agropecuária Sustentável
(Produsa), sendo este orientado para a recuperação de áreas degradadas para que pudessem
ser utilizada para a produção.
Já em 2009, o aprofundamento da crise internacional, somada aos problemas
climáticos, refletiram em recuo do PIB agropecuário nacional em relação ao ano anterior, ao
apresentar elevação de apenas 3,03%. Nesse contexto, a produção total de grãos contraiu-se
em 8,3%, com retração das safras de soja (-4,81%), algodão (-25,9%), trigo (-16%) e café (-
12,8%). Dentre as principais culturas, apenas o feijão e o arroz foram capazes de apresentar
algum crescimento 0,5% e 4,2% respectivamente. Na pecuária os segmentos de carne bovina,
suína e registraram crescimento de 0,3% e 10,9%, respectivamente, embora a produção de
aves tenha caído em -2,7%, seguindo a tendência declinante das exportações em que
assinalou-se redução das venda de carnes de ave (-0,1%) e bovina (-9,5%), apesar da
performance da carne suína ter se mostrado favorável, registrando aumento de 13,2%.
3. METODOLOGIA
Para o estudo de crescimento econômico do setor agropecuário brasileiro no período
de 1996 a 2009, utilizou-se a metodologia do processo de Markov de primeira ordem, com o
principal objetivo de identificar se os movimentos de convergência/divergência da renda per
capita no meio rural brasileiro.
1626
Inicialmente, os dados do PIB agropecuário estadual29
para os anos de 1996 e 2009
obtidos junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, foram divididos pelos
dados estaduais referentes ao número de vínculos empregatícios formais no setor rural em
31/12, obtidos no anuário do Registro Anual de Informações Sociais – RAIS do Ministério do
Trabalho e Emprego – MTE, a fim de se obter as séries de PIB per capita para os anos de
1996 e 2009. Em seguida, os valores de ambas as distribuições foram normalizadas pelo valor
do PIB agropecuário do Brasil (que após o processo, passa a corresponder a uma unidade),
para que se chegasse ao PIB per capita médio para cada unidade federativa. Na seqüência,
construiu-se as classes de PIB agropecuário per capita e, a partir da identificação das unidades
federativas que migraram de uma classe em 1996 para outra em 2009, é que se tornou
possível construir a matriz de probabilidade de transição do Processo Dinâmico de Markov,
em que na discretização da variável tempo, a dinâmica será dada por um sistema de equações
a diferenças, cuja solução resultará em informações acerca da trajetória do crescimento
econômico no longo prazo, e de sua respectiva condução no sentido de convergência ou de
divergência da renda per capita agropecuária, bem como a velocidade em que ocorre tal
processo.
O tratamento dos dados, bem como os cálculos necessários para a construção da
matriz markoviana e parte da solução do sistema de equação de diferenças foram feitos no
software Excel. No procedimento markoviano, também se fez uso de uma calculadora30
de
autovalores e autovetores disponibilizada pelo Departamento de Matemática da University of
British Columbia de Vancouver, Canadá.
4. ANÁLISE MARKOVIANA DA CONVERGÊNCIA DE RENDA
AGROPECUÁRIA NO BRASIL
A classificação dos estados de acordo com tais níveis de PIB agropecuário per capita
pode ser vista na tabela 1 (ver anexos), a qual mostra a alocação dos estados no início e no
final do período selecionado para análise. Com base nessa classificação supracitada, foi
possível modelar a evolução da distribuição da renda relativa das unidades federativas a partir
do cálculo das probabilidades de transição de uma classe de renda para outra, por meio do
29
Valores adicionados a preços básicos. 30
Disponível em: http://www.math.ubc.ca/~israel/applet/mcalc/matcal.html.
1627
estimador de máxima verossimilhança para a probabilidade de transição sugerida por Geweke
et al (1986). Com tais probabilidades, construiu-se a matriz de transição de Markov:
Tabela 2 – Matriz de Transição de Markov do PIB per capita agropecuário para as
unidades federativas do Brasil no período de 1996-2009.
Classes 1 2 3 4 5
1 (2) 0,0000 0,5000 0,5000 0,0000 0,0000
2 (7) 0,2857 0,4285 0,1428 0,1428 0,0000
3 (5) 0,0000 0,6000 0,4000 0,0000 0,0000
4 (2) 0,0000 1,0000 0,0000 0,0000 0,0000
5 (11) 0,0000 0,2727 0,0000 0,3636 0,3636
Nota: os valores citados nos parênteses indicam o número de unidades federativas alocadas em cada
classe no início do período (1996).
Fonte: Elaboração própria.
A diagonal da matriz mostra a probabilidade dos estados permanecerem em 2009 na
mesma classe em que se encontravam em 1996.
A primeira linha da matriz de transição estimada informa os movimentos migratórios
das economias que se encontravam na classe 1 (abaixo de 50%) para as demais classes de PIB
per capita agropecuário. Assim, o primeiro elemento mostrou que não há probabilidade das
unidades federativas que se encontram na classe 1 (abaixo de 50%) de PIB per capita
agropecuário em 1996, nela permanecer em 2009, apesar de ambos os estados terem reduzido
sua participação na composição do PIB agropecuário do Brasil. Na seqüência, verifica-se que
o Distrito Federal melhorou sua performance, apresentando 50% de probabilidade de ter
migrado para a classe 2 (com renda entre 50% e 100% do valor médio do país que é igual a 1
ou 100%), enquanto Alagoas igualmente apresentou 50% de chance de ter avançado para um
nível de renda ainda mais elevado (classe 3) em 2009.
A segunda linha da matriz mostra a evolução/involução das economias que se
encontravam na classe 2 (entre 50% e menos de 100%) em 1996 para as demais classes em
2009. Assim, verifica-se que Rio de Janeiro e São Paulo apresentaram 28,57% de chance de
terem regredido o seu nível de renda per capita agropecuária para a classe 1 em 2009,
corroborando com a expressiva retração da participação do produto agropecuário desses
estados no PIB agropecuário do Brasil, com o Rio de Janeiro apresentando queda de 4,79%
1628
para 0,92%, e São Paulo apresentando retração de 67,63% para 9,07%. Enquanto os Estados
de Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Norte apresentaram 42,85% de probabilidade
de terem permanecido na classe 2 ao longo do período, apesar de terem reduzido sua
participação no PIB agropecuário do Brasil (tabela 3, ver anexos). Já Mato Grosso avançou da
classe 2 para a 3 em 2009 com 14,28% de probabilidade, assim como o Acre que apresentou
melhor performance, com 14,28% de probabilidade de ter se deslocado da classe 2 para a
classe 4, que representa a segunda maior faixa de PIB per capita agropecuário (entre 100% e
menos de 200% em relação à média estadual). Tal resultado vai de encontro com a ampliação
da participação do produto agrícola desses estados no PIB agropecuário nacional, como
mostra a tabela 3, que mostra o crescimento do Acre de 0,41% para 0,72% e do Mato Grosso
de 7,82% para 9,01%.
Na terceira linha, que indica a trajetória das economias que se encontravam na classe 3
(entre 100% e menos de 150%) para as demais classes ao longo do período, mostra que não
houve probabilidade de nenhuma unidade federativa ter regredido para a classe 1 de PIB per
capita agropecuário em 2009. Contudo, os estados do Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e
Sergipe revelaram 60% de probabilidade de terem retrocedido da classe 3 para a classe 2 em
2009, dado que reduziram a participação do setor agropecuário do PIB agropecuário do país;
enquanto Goiás e Tocantins apresentaram um percentual de 40% de chance de terem
permanecido na classe 3 em que se encontravam no início do período, apesar do setor
agropecuário de Goiás ter contraído a participação no PIB agropecuário nacional em sete
pontos percentuais, enquanto Tocantins apresenta apenas leve decréscimo de 0,31 pontos
percentuais em sua participação.
Na quarta linha, todos os estados que se encontravam na classe 4 de PIB per capita
agropecuário em 1996 (Bahia e Paraná) apresentaram 100% de probabilidade de terem
regredido para o segundo menor estrato de PIB (entre 50% e 100% do valor médio dos
estados).
Por fim, a quinta linha que revela a dinâmica das economias que se encontravam na
classe 5 ( a partir de 200%) de PIB per capita agropecuário em 1996 na direção das demais
classes, mostrou que o Pará e a Paraíba foram os estados que mais retrocederam em nível de
renda agropecuária per capita média, tendo apresentado 27,27% de probabilidade de
migração da classe 5 para a classe 2 em 2009, como revela a tabela 3 (ver anexos) em que o
setor agropecuário do Pará apresenta queda de participação no PIB agropecuário nacional de
1629
21,44% pra 2,37% e a Paraíba, de 6,9% para 0,91%; enquanto Amapá, Piauí, Rio Grande do
Sul e Santa Catarina apresentaram 36,36% de probabilidade de terem recuado da classe 5 para
a classe 4 ao longo do período analisado, em resposta à queda da participação do setor
agropecuário desses estados na composição do PIB agropecuário do Brasil (tabela 3, ver
anexos). Já o Amazonas, Maranhão, Rondônia e Roraima apresentaram probabilidade de
36,36% de terem permanecido na classe mais elevada de renda per capita agropecuária
durante todo o período de análise, apesar de apenas o estado de Roraima ter conseguido
apresentar elevação (ainda que sensível) da participação do produto agropecuário no PIB
agropecuário nacional.
A queda da participação do setor agropecuário estadual na composição do PIB
agropecuário nacional vai de encontro à dinâmica de transição das economias agropecuárias
estaduais rumo aos estratos de PIB per capita agropecuário inferiores.
A partir da obtenção da matriz de transição de Markov, procedeu-se a construção do
sistema de equações de diferenças correspondente ao modelo Markoviano, em que Yt+1
representa a distribuição de renda per capita agropecuária no tempo t+1, M corresponde a
matriz de transição de Markov, e Yt representa a distribuição da renda agropecuária per capita
no tempo t :
Yt=1 = M. Yt
A solução do sistema de equações de diferenças exigiu o cálculo do polinômio
característico, suas respectivas raízes (também chamadas de autovalores) e os autovetores
associados a cada autovalor. Nesse sentido, as raízes características encontradas foram: r1 = 1;
r2= -0,2752; r3= 0,0, r4=0,103807 e r5 = 0,363636 .
As distribuições de probabilidades que mostram o percentual de alocação de estados em
cada estrato do PIB no início do período (1996) foram obtidas a partir da razão entre o
número de unidades federativas de cada classe de PIB per capita agropecuária em 1996 e o
total de unidades de observação (27) e apresentam os seguintes valores:
[ ]
[ ]
[ ]
O valores das constantes c1...ck foram obtidos a partir da solução geral e das
probabilidades do início do período, considerando a raiz polinomial unitária, que de acordo
1630
com os princípios gerais sobre o processo Markoviano, será sempre um autovalor da matriz de
Markov (SIMON; BLUME, 2004): c1 = -0,445148; c2 = 0,390049; c3 = 0,385709; c4 =
0,114770; c5 = 0,036819.
Com base nos valores das constantes, na solução geral do sistema de equações a
diferenças, na distribuição de probabilidades para o período inicial, e nas raízes polinomiais
características, foi possível encontrar a solução particular do sistema, dada por:
[ ]
[ ]
[ ( )
( )
( )
( )
( ) ]
A solução de equilíbrio de longo prazo que mostra o percentual de alocação de estados
em cada estrato do PIB no steady state foi dada pela expressão anterior, em que se considerou
t = 14, fazendo referência ao total de períodos selecionados para estudo (1996 a 2009):
[ ]
[ ]
[ ]
Através do valor absoluto do maior autovalor ou raiz característica (r2=0,363636), foi
possível encontrar a velocidade necessária para que a economia percorresse uma distância
média (correspondente à metade do caminho) entre a situação inicial e o estado estacionário,
chegou-se ao valor dm = 0,685198 que, segundo Stülp e Fochezatto (2004), ao ser
multiplicado pela quantidade de anos selecionados para o estudo (14 anos) resulta em um
valor que indica o tempo necessário para alcançar a metade do caminho da trajetória de
equilíbrio de longo prazo, ou seja, 10 anos. Nesse sentido, a tabela 4 apresenta as posições
relativas das unidades federativas em relação ao PIB per capita agropecuário ao longo do
tempo, ou seja, mostra que a trajetória de equilíbrio de longo prazo pode ser verificada a partir
da solução particular do sistema de equação a diferenças, em que as raízes polinomiais ou
autovalores foram elevados a t = 0, 1, 2...,n, até que se obtivesse uma coluna de resultados
correspondentes à posição de steady state:
Tabela 4 – Trajetória das economias estaduais rumo ao equilíbrio de longo prazo
(análise para o período de 1996 a 2009)
1631
Inicial steady state
0 1 2 3 4 5 6 7
1) Abaixo de 50% 7,41 22,22 19,95 19,97 19,90 19,91 19,91 19,91
2) Entre 50% e menos de 100% 25,93 16,93 20,59 19,71 19,96 19,89 19,91 19,91
3) Entre 100% e menos de 150% 18,52 22,96 19,34 20,09 19,86 19,92 19,90 19,91
4) Entre 150% e menos de 200% 7,41 25,93 16,93 20,59 19,71 19,96 19,89 19,91
5) A partir de 200% 40,74 24,58 22,98 20,13 20,18 19,95 19,94 19,91
Períodos (intervalos de 14 anos)
Classes de PIB per capita agropecuário (valores em percentual %)
Fonte: Cálculo da autora.
No início do período (1996), observava-se que 7,41% dos estados estavam alocados na
faixa de PIB per capita agropecuário inferior a 50% da média estadual; 25,93% inseriam-se
na classe entre 50% e menos de 100%; 18,52% incluíam-se entre 100% e menos de 150%;
7,41% situavam-se entre 150% e menos de 200%; e a maior parte das unidades federativas
(40,74%) estava concentrada na melhor faixa de renda agropecuária per capita: a partir de
200% da média do país. Esta situação apontava para a formação de clubes de convergência na
segunda menor faixa de remuneração (entre 50% e menos de 100%) e na maior faixa de
remuneração (a partir de 200%), tendo este último uma concentração maior de estados
inseridos, indicando uma situação econômica favorável em termos de remuneração per capita
para tais estados.
Contudo, o processo markoviano utilizado como ferramenta de identificação de
convergência da renda per capita agropecuária mostrou que a hipótese inicial de que a
dinâmica econômica do setor agropecuário apresentado pelos estados do Brasil entre 1996 e
2009 seria resultado de um processo de catching up, em que no longo prazo as economias
tenderiam a convergir para as maiores faixas de remuneração, foi refutada, dado que o os
resultados encontrados mostraram que no longo prazo o equilíbrio se daria com a divergência
de crescimento entre os estados, os quais estariam distribuídos de forma equitativa entre os
estratos de PIB per capita construídos para a análise.
Tal resultado indica que houve um retrocesso das economias estaduais que no início do
período comportavam melhor renda per capita agropecuária, para níveis de renda mais baixo,
em que as economias já se aproximariam do equilíbrio de longo prazo no primeiro período
que engloba os 10 anos necessários para que metade da trajetória rumo ao longo prazo seja
alcançado. Assim, se, e somente se, as condições econômicas vigentes no período selecionado
para análise se sustentassem até que o steady state fosse finalmente atingido, isto ocorreria em
um prazo de 98 anos (ou seja, sete períodos de catorze anos).
1632
Uma possível explicação para esse movimento regressivo das economias do setor
agropecuário seria o fato das políticas públicas voltadas para o setor darem maior ênfase aos
estados produtores de produtos específicos ou de commodities voltadas para a exportação.
Esta situação excluiria dos benefícios governamentais as demais economias não orientadas
para o ramo exportador, gerando empobrecimento, ao promover desenvolvimento das
unidades federativas mais ricas, acentuando as disparidades inter regionais preexistentes, de
modo que o crescimento econômico do setor seria resultado do bom desempenho das
economias já desenvolvidas. Outra causa para o fenômeno poderia ser atribuída aos
movimentos migratórios populacionais para regiões que apresentassem melhor desempenho
econômico agropecuário, elevando o número de vínculos formais de emprego no setor, sem
no entanto melhorar a qualidade da mão-de-obra, implicando em redução da renda per capita
em tais estados, ou manutenção do mesmo nível de PIB per capita agropecuário, apesar do
crescimento do produto setorial. Esse fato retrata o que Pessoa (2011), fazendo alusão ao livro
―Alice através do espelho‖ de Lewis Carroll, chamou de ―Efeito Rainha Vermelha‖ em que,
na medida em que o PIB agropecuário das economias se ampliam, em decorrência do
crescimento do nível de emprego rural, apenas permanecem no mesmo lugar, não tendo
algumas economias, alcançado a expansão de suas rendas per capita agropecuárias ao longo
do tempo – o que reflete a necessidade de políticas de emprego rural regionais e locais que
busquem minimizar ou mesmo extinguir movimentos migratórios dessa natureza, além de
políticas voltadas para a qualificação do trabalhar agropecuário.
Contudo, os resultados desta pesquisa, ao sugerirem que as economias em análise
apresentam uma tendência ao empobrecimento, que conseqüentemente trariam reflexos
negativos sobre a condição social do homem do campo, abrem espaço para novos estudos que
busquem investigar as causas de tal empobrecimento, a fim de poder fornecer um diagnóstico
capaz de auxiliar de forma pontual as políticas públicas agropecuárias, as quais devem sofrer
alterações em seu âmbito e direcionamento para que a tendência de crescimento econômico
dispare do setor agropecuário possa ser não apenas minimizada, mas revertida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados encontrados, ao refutar hipótese de convergência, revelaram que as
economias estaduais tendiam a apresentar movimentos retrocedentes para níveis de renda per
capita agropecuária cada vez menores, indicando a ocorrência de um processo de divergência,
1633
em que os níveis de renda per capita agropecuária mais elevados tenderiam a englobar menos
unidades federativas no steady state, o qual sendo mantidas as condições econômicas vigentes
do período selecionado para a pesquisa, seria alcançado em um prazo de 98 anos, quando as
economias estariam equitativamente distribuídas nos estratos de PIB per capita agropecuário
elaborados para a análise do período de 1996 a 2009, revelando uma tendência ao
empobrecimento, apesar da trajetória ascendente crescimento do PIB apresentado pelo setor
durante o período de análise.
Nesse sentido, fatores como a orientação das políticas públicas para as culturas de
exportação não contempladas por todas as unidades federativas do país, além dos movimentos
migratórios da mão-de-obra agropecuária para os centros produtores agrícolas mais
desenvolvidos, poderiam ser citados como possíveis causas responsáveis pela tendência
regressiva das rendas per capita no meio rural brasileiro. A primeira, por revigorar as
economias que apresentaram melhor desempenho agropecuário; a segunda, por fazer com que
o crescimento do PIB não se traduza em crescimento das rendas per capita agropecuária,
refletindo no empobrecimento do meio rural.
Contudo, os resultados deste estudo que teve o objetivo de identificar a existência de
convergência/divergência da renda per capita agropecuária das unidades federativas do
Brasil, são incapazes de identificar as causas que de fato levam as economias à trilharem uma
trajetória de divergência, implicando na necessidade de novos estudos que busquem
identificá-las, a fim de contribuir para a elaboração de políticas públicas melhor planejadas,
que busquem de maneira mais eficiente a homogeneização da distribuição de renda no campo.
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1636
ANEXOS
Tabela 1 – Classificação das unidades federativas do Brasil segundo os níveis de PIB
agropecuário per capita (1996-2009)
Fonte: Elaboração própria.
1637
Tabela 3 – Participação dos Estados no PIB Agropecuário do Brasil (1996-2009) –
valores em percentual
Estados 1996 2009
Acre 0,41 0,72
Alagoas 2,46 0,88
Amazonas 1,34 1,32
Amapá 0,75 0,14
Bahia 24,36 5,76
Ceará 9,04 1,82
Distrito Federal 0,65 0,33
Espírito Santo 8,07 2,25
Goiás 13,51 6,51
Maranhão 10,24 3,67
Minas Gerais 42,37 13,95
Mato Grosso do Sul 14,04 2,98
Mato Grosso 7,82 9,01
Pará 21,44 2,37
Paraíba 6,91 0,91
Pernambuco 13,60 1,99
Piauí 3,11 1,06
Paraná 37,24 7,87
Rio de Janeiro 4,79 0,92
Rio Grande do Norte 2,47 0,80
Rondônia 3,04 2,61
Roraima 0,12 0,18
Rio Grande do Sul 51,88 11,44
Santa Catarina 23,53 5,68
Sergipe 2,75 0,64
São Paulo 67,62 9,07
Tocantins 1,38 1,69 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA.
1638
DA QUESTÃO AGRÁRIA À CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE QUILOMBOLA
NAS COMUNIDADES RURAIS: UMA APROXIMAÇÃO DA RESISTÊNCIA NEGRA
CAMPESINA
Miguel Ângelo Silva de Melo31
Manuella Alessandra Aleixo Costa32
Isaac de Oliveira Magalhães e Silva33
Resumo: O objetivo deste artigo é instigar o debate sobre a Questão Agrária no Brasil, utilizando,
como marco teórico de análise, alguns pressupostos conceituais oriundos da Sociologia Rural e da
Agricultura. Frisa-se que o presente não objetiva esgotar a temática, apenas fomentar uma nova leitura
crítico-teórica que nos permita reavaliar ―velhos e novos‖ paradigmas sobre o contexto Agrário
brasileiro. O presente trabalho é, portanto, resultado de pesquisa que envolveu uma revisão
bibliográfica sobre o tema da Questão Agrária e os Movimentos Negros de Contestação e de
Autoafirmação Rural. Presenciamos nesta revisão bibliográfica, a contribuição de diferentes ciências –
sociais, humanas, aplicadas, exatas, biológicas e jurídicas -, que nas últimas décadas do século XX,
vêm travando e demarcando as fronteiras e as linhas de batalha que legitimaram e mistificavam os
juízos e argumentações sobre os termos identidade negra e campesinato. Destacam-se aqui conceitos
tais como: campesinato, pequena produção, produção de subsistência e/ou agricultura familiar,
comunidades quilombolas e comunidades rurais negras. O que elas têm em comum? Responde-se a
política pública e agrária de exclusão e de perseguição racial que marca a história dos movimentos
rurais e negros brasileiros. Palavras-chave: Movimentos campesinos, escravismo rural e resistência negra.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O cenário da pesquisa se deu, por um lado, a partir da leitura transversal e
interdisciplinar de teses de doutorado, dissertações de mestrado, livros e artigos sobre o tema.
A leitura de clássicos da Sociologia Rural e da Agricultura, sobretudo marxistas e não
marxistas, permitiu perceber que estes autores vêm travando (diante da heterogeneidade dos
31
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia/ UFPE. Mestre em Criminologia e Sociologia do
Crime pela Universidade de Hamburgo/ Alemanha; Mestre em Ciências da Educação e Antropologia Jurídica
pela Universidade de Hamburgo/ Alemanha; Coordenador -Pesquisador do LIEV (Laboratório Interdisciplinar
de Estudos da Violência), Professor de Antropologia Jurídica, Sociologia do Direito e Direito Internacional
Público do Curso de Direito; Filosofia - Ética e Questões Étnico-Raciais do curso de Administração a Faculdade
Leão Sampaio. E-mail: [email protected]. 32
Mestre em Administração pela Universidade Tecnológica Intercontinental do Paraguay/ UTIC. Coordenadora
do Curso de Administração da Faculdade Leão Sampaio. Professora das disciplinas Gestão da Qualidade;
Evolução do Pensamento Administrativo. E-mail: [email protected]. 33
Aluno do 7. Semestre do Curso de Direito/ FAP. Aluno pesquisador do LIEV (Laboratório Interdisciplinar de
Estudos da Violência). E-mail: [email protected].
1639
conceitos sobre o ‗ser camponês‘, a condição e os modos de produção camponeses) e
demarcando ―as fronteiras e as linhas de batalha‖ que legitimaram e mistificavam os juízos e
argumentações sobre o termo à tradição sociológica europeia (SHANIN, 1980, p. 45).
Consequentemente, encontramos estudos clássicos sobre o campesinato brasileiro, realizados
a partir da década de sessenta e setenta do século XX que não apenas discutiam a condição
camponesa, mas também, os modelos desenvolvidos, sobretudo, pela escola europeia, que
polarizavam a questão, ao colocar o camponês entre os extremos do proletariado e da
burguesia.
Estes significativos estudos nacionais promoveram discussões e novas interpretações
sobre o campesinato, quando entendiam que a realidade camponesa no Brasil não deveria
mais ser tratada enquanto uma ―categoria esquecida, espúria, em processo de diferenciação
social, em direção a uma das classes polares do capitalismo‖, nem também como ―sinônimo
de atraso, de fragilidade política e de dependência‖ (WELCH/ MAGOLI/ CAVALCANTI/
WANDERLEY, 2009, p. 23), mas deveriam antes de tudo, buscar compreender a condição e a
situação dos camponeses, principalmente nas últimas décadas do período escravista, a saber:
regencial e imperial.
Por outro lado, buscamos embasamento epistemológico, nos estudos de cultura afro-
brasileira ou estudos pós-coloniais. Foram realizadas leituras na Sociologia e Antropologia da
Cultura, como também, em artigos advindos na História Social. Assim, se tornou possível à
recuperação de fatos históricos que puderam auxiliar na compreensão da condição camponesa
as comunidades rurais negras, como defendem alguns, ou comunidades tradicionais
quilombolas, como afirmam outros estudos, conforme vermos ao longo desta revisão
bibliográfica.
A proposta do presente artigo não pretende esgotar a análise de todos os trabalhos
sobre o tema enquanto objeto de estudo da Sociologia Rural e da Antropologia Social, até por
que, pesquisas mais especializadas e aprofundadas, como dissertações de mestrado e teses de
doutorado, é quem de fato intentam lograr tal êxito. De modo que o objetivo deste artigo visa
apenas conhecer e registrar algumas formas de resistência negra de comunidades quilombolas
já observadas por outros estudos, e revistar como a temática vem sendo abordada pela
Sociologia Rural (consequentemente, diante das naturais fronteiras disciplinares
epistemológicas, por outras ciências sociais, tais como a Antropologia e História), para que
erros do passado não recaíam no presente, como recomenda Silva (2003, p. 232) ―Estudar o
1640
passado pode nos ajudar a observar o quanto diferentes práticas e manifestações culturais e
políticas contribuíram para a organização dos negros no presente‖. Assim, deseja-se aqui,
cumprir o papel acadêmico-empírico de compreender as dinâmicas sociais e a construção de
categorias conceituais sobre o campesinato e a resistência de comunidades periféricas, sob o
ponto de vista interdisciplinar.
2. UMA BREVE ANÁSLISE DOS MOVIMENTOS CAMPESINOS NO BRASIL
Ao se analisar a construção do processo evolutivo dos movimentos sociais campesinos
no Brasil fica claro que as formas de vida social em que os atores sociais que protagonizam a
cena principal não advêm do grupo dominante luso-europeu. Também, contata-se que estes
não são exaltados pela historiografia tradicional brasileira como mereceriam, sendo este o
objeto da presente revisão bibliográfica buscar compreender não apenas os mecanismos de
resistência negra no campo, como também, a possibilidade de configurar enquanto legítima a
condição camponesa à população quilombola.
Motta/ Zarth (2006, p. 17) ao organizarem o livro ―Formas de resistência camponesa:
Visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história‖ buscaram apresentar os
resultados de pesquisas produzidas em diferentes universidades brasileiras, sitiadas nas
distintas regiões do país com o intuito de sustentarem suas hipóteses e encontrarem evidências
sobre a relação entre as rebeliões rurais contra a exploração de grandes latifundiários. Ao
passo que as evidencias encontradas mostram por um lado, ausência de visibilidade à história
das ações de resistência camponesas que dificilmente eram documentadas, e por isso, não
deixavam marcas visíveis, impedindo assim, uma identificação de suas lutas; e por outro lado,
quando estas eram documentadas, representavam a não observância às normas sociais de
controle implementadas pelo Estado.
Os documentos existentes mostram uma dimensão de conflitos ilegais onde os
camponeses e rebeldes aparecem como ―inimigos do Estado‖ ou contrários ―ordem social‖,
ordens e normas estas estabelecidas pelos grandes latifundiários, enquanto legítimos
representantes do Estado que tentavam a partir destas experiências, demonstrar a passividade
do povo brasileiro. Ferro (1983 apud. MOTTA/ ZARTH 2006, p. 18) apimenta este debate,
quando acrescenta que a ―história é escrita de acordo com os interesses dos diversos grupos
que compõem a sociedade ao longo do tempo e que em geral prevalece a visão dos grupos
dominantes‖. Utilizando esta argumentação cabe aqui salientar que a abordagem ‗oficial‘ da
1641
Historia Rural nacional foi escrita de forma tendenciosa a partir do momento que referendava
não apenas esconder os conflitos no campo, como também, estigmatizar e dissimular os atores
sociais envolvidos em tais processos, ‗mascarando mocinhos e escrachando bandidos‘. De
modo que se percebe que os grupos rebeldes escravizados de afrodescendentes e ameríndios
foram na grande maioria das vezes, deturpados pelos relatos e documentos oficiais sobre o
processo de ocupação e de luta pela terra. Neste sendo Scott (2002, p. 13) e Cunha Jr (2012, p.
161) ressaltam que não se deve subtrair a este complexo processo sobre as estruturas rurais no
período escravista, que uma das alternativas de resistência encontradas por muitas
comunidades rurais (cansadas de enfrentamentos), teria sido justamente a fuga e o
esconderijo. Assim, com o passar do tempo estas se transformaram em comunidades rurais de
agricultura e de subsistência familiares, hoje chamadas de comunidades negras rurais,
comunidades quilombolas e/ou comunidades rurais de afrodescendentes.
Rios (1979, p. 86) ao tentar definir a sociologia rural, destaca a necessidade de se
entender não apenas os ―fenômenos e os processos sociais na vida rural através dos tempos‖,
ou seja, as características da vida no campo e do campo, as práticas e conhecimentos sobre a
agricultura, como também, o tipo de povoamento, a natureza dos títulos de propriedade, o
sistema de demarcação da terra, os sistemas agrícolas, e toda série de traços sociais e culturais
ligados à propriedade da gleba e ao trabalho agrícola e aos quais se atribui o adjetivo agrário.
Desta forma o autor intensifica sua argumentação sobre este ramo da sociologia,
dizendo que a sociologia da vida rural seria
uma ciência ou um campo científico ligado à sociologia geral. Isto porque pretende
aplicar ao estudo de seus problemas ou mesmo métodos, (..,) técnicas de pesquisa
científica específicos da sociologia que visam o estudo sistematizado das relações
entre os homens, pelo fato de verem em coletividade ou grupos, e as mudanças
que daí decorem no seu comportamento. (IBID., p. 87)34
.
Repensar paradigmas e conceitos a partir das abordagens difundidas foi o propósito
deste capítulo, tarefa nada fácil, principalmente, quando se desejou inserir no debate um
objeto de estudo tido por muitos teóricos enquanto ―periférico‖, principalmente quando se
observa os debates acadêmicos travados em torno do reconhecimento ou não do campesinato
durante o período escravista no Brasil, nas pesquisas que alicerçam o atual estágio de
desenvolvimento da Sociologia Rural e da Agricultura (WELCH/ MAGOLI/ CAVALCANTI/
34
Negrito do autor.
1642
WANDERLEY, 2009, p. 25). Neste sentido, Wanderley (apud BRUMER/ SANTOS, 2006,
p.56), ao sintetizar as linhas temáticas em torno da agricultura familiar no Brasil, enfatizou os
seguintes eixos de investigação, a saber:
1. O debate sobre a existência ou não do campesinato no Brasil, incluindo tanto os
estudos que procuraram analisar o lugar do campesinato no interior da sociedade
colonial e do sistema escravocrata como as análises sobre as formas tradicionais de
produção e reprodução do campesinato brasileiro; 2. As perspectivas da agricultura
familiar diante do processo de transformação modernizante do setor agrícola e as
mudanças por ele provocadas na agricultura camponesa tradicional, as quais
ocuparam grande parte das análises em sociologia rural, principalmente na década
de 70; 3. O significado das fronteiras, isto é, a analise do processo de incorporação
de novas terras À agricultura nacional, resultando na ampliação do processo de
incorporação de novas terras À agricultura nacional, resultando na ampliação de
atividades rurais (...); 4. Movimentos sociais dos grupos ou categorias rurais35.
Com certeza não se intenta aqui reconstruir os fatos históricos que ensejaram na
formação de movimentos sociais dos grupos ou categorias rurais, mas compreender a
importância das lutas de resistência negra e a construção do conceito quilombola enquanto
categoria social que por um lado, buscar o reconhecimento da condição camponesa que
ensejaria em uma conquista de espaços rurais, posse e propriedade de suas terras para a
execução de sua agricultura familiar em uma economia de subsistência; e por outro lado,
intenta discutir as tendências contemporâneas da Nova Sociologia Rural sobre o processo de
―revisitar o campo‖, diante da necessidade de ―tentar definir fenômenos ou situações antes
não considerados para análise; rever facetas diferentes de fatos já estudados; indicar novos
problemas para investigação; apontar tendências e mais, especialmente, delinear
características... para melhor conhecer o campo.‖ (CAVALCANTI, 1993, p. 61).
Principalmente no que diz respeito à agricultura de subsistência de comunidades rurais que
desenvolvem atividades de baixa renda e de pequena produção em suas agriculturas, quase
que exclusivamente, familiares ou comunais, como é o caso das comunidades negras rurais de
quilombolas no Brasil.
3. ESCRAVISMO RURAL, RESISTÊNCIA NEGRA E LEGISLAÇÃO NO
SÉCULO XIX
35
Negrito do autor.
1643
Moura (1993, p. 67) destaca que o escravismo negro apresentava-se no Brasil com
peculiaridades próprias, em tempos diferentes, obedecendo a ciclos e as necessidades
regionais de cada Província, a saber: em Pernambuco, Alagoas e Paraíba verificava-se a
utilização do trabalho escravo nas plantações cana de açúcar (Engenhos) e de algodão; na
Bahia as atividades eram direcionadas as plantações de cana de açúcar, do fumo e do cacau;
em Minas Gerais o trabalho do negro era utilizado na extração de minerais; no Rio de Janeiro
e Guanabara as atividades ocupavam se das plantações de cana de açúcar e de café; no
Espírito Santo destacava-se o trabalho escravo na produção da farinha de mandioca; já São
Paulo o trabalho era utilizado nas plantações de café (CHIAVENATO, 1980, p. 39 – 43).
Dentro desta linha de raciocínio, Cunha Júnior remete se a Caio Prado quando criticava o
desenvolvimento da histórica econômica do Brasil ao entender que ―a população africana e
afrodescendente não tinham importância na história brasileira, a não ser braçal‖ (2012, p.
160), onde qualquer possibilidade de se reconhecer as qualidades do negro e de suas
contribuições no processo produtivo eram marginalizadas pelos teóricos escravocratas que
difundiam concepções afirmativas da inferioridade racial advindas de suas peculiaridades
históricas (CONRAD, 1975, p. 191).
Cunha Júnior ao tecer considerações sobre a história africana e afrodescendente e o
tratamento destas pela historia social brasileira referenda não foi dada uma ―satisfatória
notoriedade à especificidade dos africanos e dos afrodescendentes‖, como também, o autor
verifica que não foi possível ―retirar do eixo das lutas de classe uma formulação que
explicasse a particularidade da história e da cultura desenvolvidas pelos povos africanos e
por seus descendestes.‖(2005, p. 249- 250). Soma-se a isto o fato de que sendo o escravo a
base da economia pré-capitalista no Brasil - colonial e imperial -, onde a essência do trabalho
capitalista se delineou somente a posteriori pela relação de exploração implementada nos
latifúndios aos descendentes de escravizados nas diferentes regiões brasileiras, a historiografia
nacional teria uma enorme dívida pela forma com que retratou os conhecimentos (técnicos e
tecnológicos) dos africanos e afrodescendentes principalmente no que se refere às atividades
produtivas no país durante o período escravista e as estratégias de resistência negra rural,
principalmente durante o período que antecede o fim do tráfico negreiro em 1850.
Durante o século XIX – seja no período pré-regencial, regencial ou pós-regencial -
variados conflitos advindos de insurreições e resistência negra se alastravam pelo Brasil, um
exemplo clássico é descrito por Assunção (2006, pp. 171- 195) ao tratar da Balaiada e
1644
Resistência Camponesa no Maranhão (1838 – 1841)36
. O autor ao analisar a formação do
campesinato no Maranhão aponta para o fato de que as comunidades rurais rebeldes37
além de
terem objetivos bem definidos ―viviam em unidades familiares de produção, tinham uma
cultura específica decorrente do modo de vida em pequenas comunidades rurais e estavam
sujeitos à dominação externa‖ (ibid., p. 173), também detinham conhecimento de técnicas
agrícolas que implementavam com o sistema de mutirão em suas atividades agrícolas.
Em Scott (2002, p. 10) fica evidente que grande parte da produção (registros
históricos, arquivos materiais e processuais) sobre a temática das rebeliões, revoluções ou
insurreições camponesas só obtiveram visibilidade nos momentos em que estes representaram
ameaça ao poder vigente local e a ordem social imposta pelas classes dominantes. Pois, do
contrário, o autor acrescenta que, os camponeses insurgentes aparecem nestes registros ―não
como atores históricos”, mas simples coadjuvantes anônimos. Assunção citando Serra (1946,
p. 133) e Corrêa (1946, p. 35) ressalta que estes movimentos representaram, antes de tudo,
―uma guerra camponesa de resistência contra o recrutamento arbitrário e os abusos de uma
elite que se considerava branca e superior‖. (ibid., p. 171). Em adição a isto, o fator maior
que os unia, se baseava na (in) subordinação aos donos da terra e detentores do poder, a saber:
exploração e maus-tratos da sociedade escravista, péssimas condições de trabalho e de vida,
separação de parentes em caso de venda, não cumprimento de direitos adquiridos como
cultivo e uso da própria terra para a subsistência (discriminação pelas elites escravistas pelo
fato de que estas comunidades não acompanhavam a ideia do modelo de uso da terra agrícola,
a partir do momento que não produziam excedentes para serem comercializados por suas
atividades, como também, desprezavam atividades econômicas de aglomeração, e finalmente,
a diversificação produtiva era somente para o sustento da comunidade), por isso eram
constantemente discriminados como vadios, sem ocupação e que não exerciam atividades
reguladas pelo mercado. Nesse sentido Abranches acrescenta:
36
Inúmeros movimentos de resistência africana e afrodescendentes contra o regime escravista brasileiro –
Balaiada/ MA (1831), Cabanada/PE-AL (1832), Carrancas/ MG (1833), Malés/ BA (1835), Cabanagem/ Pará
(1835), Manuel Congo/ RJ (1838) – eclodiram na zona rural pelo país inteiro no século XIX. Embora não
tenham conseguido atrair muito interesse ou notoriedade, sendo descritos pela historiografia oficial (que era em
grande parte encarregada pela repressão aos rebeldes) como movimentos de ―bandidos, anarquistas ou facínoras‖
(OTÁVIO, 1942, p. 18 apud. ASSUNÇÃO, 2006, p. 171). 37
Retratados pelos documentos oficiais dos militares encarregados de exercerem a repressão enquanto vaqueiros,
caboclos e escravos negros eram representados por índios das aldeias missionárias, escravos africanos e
afrodescentes das fazendas rurais e migrantes do serão nordestino, sobretudo cearenses que imigraram do Ceará
durante a seca de 1824.
1645
Não são menos insuportáveis os serviços de todos os mais estabelecimentos ou
engenhos, por cuja razão não será fácil conseguir-se a prática da agricultura em geral
com europeus livres, nem com essa multidão de vadios, que inundam os sertões do
Brasil. (...) Ao mesmo tempo, a vasta prodigência da natureza, na variedade de
frutos silvestres, caças e peixes, lhes oferece um superabundante sustento aos seus
comuns desejos, e os convida a viverem em perpétua ociosidade, apenas cultivando
alguns legumes ou mandioca, que é pão próprio do país, trabalhando escassamente
três ou quatro dias em cada mês, recebem da liberal fecundidade da terra, mais de
trezentos por um em retribuição de seu trabalho. (...) Edificam com a maior
facilidade uma casa ou tugúrio, não precisando para essa obra outro instrumento
mais que uma foice, ou traçado, para cortar paus, pindobas e cipó (...). Vivem em
agregados de mulheres dissolutas ou cunhãs, com as quais se engolfam na mais
torpe e libidinosa sensualidade.(1822, p. 41 apud. ASSUNÇÃO, ibid., 176)
Gómez (2001 apud. KAGEYAMA, 2008, p. 19) identifica características desta visão
sobre a ruralidade que vem a corroborar com a citação acima, quando ele ressalta que a
perspectiva tradicional atribui à ruralidade três características que representariam e
justificariam o atraso em relação ao urbano-civilizado, onde estes são representados por
espaços de baixa de densidade populacional, ocupação com atividades agrícolas e atraso de
vida em aspectos materiais e culturais. Essa argumentação sobre o desprezo em relação à vida
material e cultural das populações rurais apresentada por Goméz (op. citatum) fica evidente
em Assunção ao estudar a eclosão e os motivos que ensejaram nos movimentos de resistência
da população rural brasileira durante o século XIX – A Balaiada no Maranhão de 1831 -, a
qual era formada principalmente por caboclos, vaqueiros, indígenas, negros libertos,
alforriados e fugitivos (que viviam em quilombos). Em adição a isto, acrescenta-se que o
trabalho desenvolvido por estas populações campesinas não era visto como desejável ou
satisfatória. Enquanto camponeses que dispunham suas forças de trabalho para satisfação de
suas necessidades e reprodução da vida em família pela produção de uma agricultura familiar
de subsistência que não obedecia ao viés econômico provedor do progresso eram
discriminados como vadios pelas elites e pelo Estado,
Porque coleta, caça e pesca não eram consideradas trabalho na ideologia
dominante, influenciada pelas teorias fisiocráticas e mercantilistas, que
privilegiavam o cultivo da terra ou o comércio como atividades úteis e
produtivas. As atividades dos caboclos não traziam nenhum benefício ao
Estado. (2006, p. 176).
Fato é que estes eventos históricos de levantes camponeses durante o regime
escravista, além de terem vivenciado massacres, repressões e desmoralizações impostas pelas
derrotas durante o processo de luta de classes, têm sido sistematicamente distorcidos pela
1646
historia oficial centralizada pelas classes dominantes do Estado. No dizer de Scott (ibid., 11)
―os eventos que chamam a atenção são aqueles que o Estado e as classes dominantes
concordam em destacar em seus arquivos‖. Constata-se ainda que a participação de ―grupos
minoritários‖ das classes dominadas somente obteve destaque, sendo então documentada,
quando estes participaram do processo da tomada de poder ao lado da classe dominante,
enquanto atores que cooperaram com o sucesso de tal empreitada. Essa situação de controle
pelo Estado recebeu uma maior motivação a partir da ―parcial antecipação‖ da abolição do
tráfico de escravos em 7 de novembro de 1831, pela promulgação da Lei Diogo Feijó que se
propunha a acabar com o tráfico no continente africano38
, sendo abolida definitivamente
apenas com o advento da Lei n.º 581, de 4 de setembro de 1850, mais conhecida como Lei
Eusébio de Queiroz que estabelecia entre outras providências, medidas para a repressão do
tráfico de africanos no Império. Todavia ambas as leis elevaram a necessidade interna de
mão-de-obra livre e escrava durante o governo regencial. Somem-se a isto as leis de locação
de serviços de 13 de setembro de 1830 e de 11 de outubro de 1837, as quais vieram a
regulamentar as relações de trabalho entre empregadores e empregados.
Além disso, existia a normatização da legislação extra constitucional que através do
Código Criminal do Império de 1830, estabelecia pena de oito a vinte e quatro dias de prisão e
trabalho forçado para os vadios, a saber: art. 295 do CPI - ―Não tomar qualquer pessoa uma
ocupação honesta e útil de que possa subsistir depois de advertida pelo Juiz de Paz, não
tendo renda suficiente‖39
. Já em caso de reincidência criminal, a pena foi aumentada de seis
meses a um ano de trabalhos forçados, além de medidas punitivas40
. Vale ressaltar que a
condenação se tornava possível a partir de uma única advertência sobre ações de vadiagem41
.
38
Neste sentido o art. 1º. daop. citatumLei versava que ―todos os escravos que entrarem no território ou nos
portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres‖. BRASIL. Lei Imperial de 7 de novembro de 1831. Secretaria de
Estado dos Negócios da Justiça,Rio de Janeiro, Livro 1º de Leis, fl. 98, 15/11/1831. Disponível em:
<http://www.2camara.gov.br/legislação/publicaçõesdoimperio/coleção3.html>. Acesso em: 15/10/2012 as
19h46. 39
O Código Criminal de 1830 foi sancionado poucos meses antes da abdicação de D. Pedro I, em 16 de
dezembro de 1830. Vigorou de 1831 até 1891, sendo posteriormente substituído pelo Código Penal dos Estados
Unidos do Brasil (Decretos ns. 847, de 11 de outubro de 1890, e 1.127, de 6 de dezembro de 1890). 40
Nesse sentido o artigo 14 do Código Criminal do Império de 1830 estabelecia que será o crime justificável, e
não terá punição dele: ―[...] § 6º Quando o mal consistir em castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os
senhores a seus escravos, e os mestres a seus discípulos; ou desses castigos resultar, uma vez que a qualidade
dele não seja contrária às leis em vigor‖. 41
Já o Art. 60 do Código Criminal versava que: ―Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a
capital, ou de galés, será condenado na de açoutes, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se
obrigará a trazê-lo com um ferro, pelo tempo, e maneira que o juiz designar. O numero de açoutes será fixado
na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta‖ (BRASIL. Código Criminaldo Império.
1647
Diante do aumento de casos de insurreição que se alastravam não mais apenas no
espaço rural, mas também, no espaço urbano a partir das incidências de descontentamento
regionais42
, se tornava necessário o recrutamento da população para as linhas de frente da
segurança imperial, pois, tanto o Estado quanto os latifundiários estavam insatisfeitos com o
ócio dos homens livres no espaço rural, visto estes não pagavam impostos, restando como
única alternativa recrutá-los no Exército ou na Marinha para assim defenderem os interesses
do Estado na manutenção da ordem social (CHIAVENATO, 1980, p. 197). Todavia antes de
qualquer coisa era necessário capturá-los, como enfatiza Assunção (2006, p. 182) que a:
Guerra do Paraguai, Guerra dos Bem-te-vi, Guerra de Balaio. O povo ganhava os
mato para não ir, a tropa vinha para pegar, passava dois, três, quatro dias, aí
aparecia de novo... De noite, fora de hora, vinham pegar bóia aqui com as mulheres:
‗cuide que a tropa onde andava por aqui‘. Meu avô era um dos que correram muito,
ah! Meu avô pegava muita carreira. Chegou a tropa: ‗Agora tu vai mesmo‘ Ele deu
um pulo no jirau com a granadeira; eles ficaram tudo em cima: Pega! Pega! Aí ele
pulou fora, para dentro do rio e mergulhou, saiu do outro lado do rio e escapuliu. Os
soldado de farda não caíam n‘água e muitos escapuliram pelo rio. (Avelino
Gonçalves, 84 anos quando entrevistado em 1982, povoado Pedreira, Município de
Mata Roma apud. Assunção, 2006, p. 182).
Neste contexto, percebemos que a segurança e o aumento do contingente do Exército e
da Marinha se tornavam pontos importantes que caracterizando assim, um abuso de poder
cada vez mais arbitrário e coercitivo, principalmente no espaço rural43
. Sob esta visão
destacava-se a implantação de políticas contra o aumento dos casos de levantes e insurreições
liberais e republicanas pelo Brasil; a luta pelo acesso e exploração da terra (acentuada pelo
domínio dos mecanismos e meios de acesso a terra, principalmente com a promulgação da
resolução 76 de 17 de julho de 1822 que extinguiu o regime de sesmarias no Brasil, e
posteriormente, pôs termo a instituição da Lei das Terras em 1850, a qual ratificou
formalmente as posses de terras do antigo regime, instituindo a compra legal como única
possibilidade ao acesso e ao domínio da propriedade, extinguindo de vez, as antigas de cartas
Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.2camara.gov.br/legislação/publicaçõesdoimperio/coleção3.html>.
Acesso em: 15/10/2012 as 19h46. 42
Neste sentido destacam-se entre outras: Revolução Liberal (1821)/ BA- PA; Independência da Bahia (1821);
Confederação do Equador (1823)/NE; Federação do Guanais (1832)/ BA; Revolução Farroupilha(1835)/ RGS;
Sabinada(1837)/ BA; Revoltas Liberais(1842)/ SP-MG; Revolta dos Lisos (1844)/ AL; Levante dos
Marimbondos (1852)/ PE. 43
Chiavenato citando Caxias demonstra a necessidade da política de segurança neste período de se formar tropas
armadas para se fazer guerra: ―(...) V. Majestade, sobrepondo-se ainda ao direito constitucional, havia aplainado
todas as garantias que este fornecia ao povo brasileiro e havia ORDENADO A APREENSÃO CAPCIOSA E
COERCITIVA DE HOMENS, agarrando por esse meio, a pais de família, a anciões, a toda classe de
trabalhadores e artistas, e até crianças, para encarcera-los e manda-los a nossos exércitos (...).‖(1980, p. 198)
1648
de doações); a questão do ócio e da não produção direcionada para o mercado nas
comunidades campesinas rurais; focos de resistência negra que ensejaram na formulação de
quilombos entre outros problemas mais.
4. COMPREENDENDO CONCEITOS E PARADIGMAS A PARTIR DOS
ESTUDOS CULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
Corbisier (1959, 49) corroborando com a linha de pensamento difundida pelo ISEB, e
impulsionado pelo pensamento crítico de Sartre, refletia não apenas sobre a cultura no Brasil,
como também, buscava compreender e analisar as abordagens advindas do período colonial,
quando retomou ao conceito de cultura impulsionado pelo espírito da época isebiano que
ensejava, a seu ver, em uma tomada de consciência nacional. Consciência esta que foi
lentamente amadurecendo não apenas sócio politicamente, como também juridicamente,
principalmente no que diz respeito aos direitos territoriais específicos para comunidades rurais
negras - comunidades rurais quilombolas e/ ou comunidades de descendentes de escravos – no
âmbito do art. 68 da Constituição Federal da República de 1988, como forma de justiça
restaurativa e ações afirmativas as atrocidades cometidas durante a situação colonial do
escravismo criminoso no Brasil. Conforme ressalta Balandier (1951, p. 05) ao elaborar o
conceito de situação colonial apontou a necessidade de se compreender o colonialismo
enquanto fenômeno social em sua totalidade, que a seu ver, envolveria vários nuances,
restando ao sociólogo o papel de entender os aspectos do domínio colonialista através de suas
manifestações sobre o homem colonizado (ibid., p. 15).
De acordo com Telles (2003, p. 24) ao estudar as teorias nacionais e internacionais
produzidas no século XX sobre as relações raciais, edificadas nos séculos anteriores a
república, e a influência destas nas Ciências Sociais brasileiras, constata a predisposição
teórica para duas abordagens, onde a primeira representada por Gilberto Freyre entende que
as relações raciais no Brasil se deram de maneira harmônica e pouco conflituosas; e a
segunda, de veia crítica e contestadora, tendo a frente Florestan Fernandes, enfatizava que o
contexto da industrialização ensejou no alastramento de relações raciais, e consequentemente,
intensificava o problema da questão racial deveria ser destacado pela ‗nova perspectiva
sociológica‘, para que assim se tornasse possível compreender a ―lógica interna do sistema
racial brasileiro‖ (TELLES, 2003, p. 27). Assim, na opinião do autor existiriam três grandes
1649
sistemas que uma vez correlacionados entre si, representariam a ‗classificação racial‘ à
brasileira, a saber:
(1) os censos do IBGE que distinguem três categorias, brancos, pardos e pretos,
além de amarelos e indígenas); (2) o discurso popular que utiliza uma nomenclatura
ampla, inclusive o termo bastante ambíguo‗―moreno‖ e (3) o sistema do movimento
negro que distingue apenas duas categorias, reunindo pardos e pretos como
―negros‖. O governo brasileiro parece ter optado por esta última (Telles,2003). Mais
recentemente, a expressão afrodescendente está sendo incorporada a esta
etnosemântica (Kabengelê Munanga, comunicação pessoal). Neste trabalho, usamos
as expressões ―branco, pardo e preto‖, especialmente quando utilizamos dados dos
censos, e a palavra ―negro‖ para o conjunto mais amplo, envolvendo pretos e
pardos. Também utilizamos o vocábulo ―afrodescendente‖ para se referir a todas as
pessoas com ancestrais africanos, independente da cor da pele.
Neste sentido, Ortiz (2006, p. 13) enfatiza que a implausibilidade das teorias
explicativas e interpretações teóricas edificadas em fins do século XIX e inícios do século XX
– de Silvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues - que alcançaram o status de
Ciências, enfatizam a questão de o quanto problemático é tratar da identidade nacional.
É obvio apontar que os conceitos ―Negro e Preto‖ são termos construídos pela
intelligentsia eurocêntrica e mercantilista dos países colonizadores, ou seja, generalizações
valorativas e depreciativas que objetivavam legitimar a escravidão no continente africano, e
posteriormente americano, o que na opinião de alguns críticos, demonstrava a ―incapacidade
crítica de nossos intelectuais‖ (SKIDMORE, 1976, p. 13 apud. ARCANJO, 2008, p. 33) que
se calaram durante décadas, salvo algumas exceções, ao silencio e a invisibilidade dos
problemas relacionados ao escravismo criminoso que se iniciou no espaço rural e urbano
brasileiro.
Dessa feita, tais teorias racistas colocavam o negro em um polo enquanto povo
―bárbaro, primitivo e pagão‖; e no outro surgia o discurso que legitimava o branco como povo
―civilizado, culto e cristão‖. Decerto, é necessário destacar que os conceitos em voga
sofreram modificações ao longo do tempo, acompanhando assim, o desenvolvimento sócio-
político que construiu a trajetória da humanidade. Conforme expõe Cunha Jr (2012, p. 162),
Os conceitos científicos são produzidos para facilitar a interpretação de
problemas enfrentados pela sociedade (...). Os conceitos são inferências dos
valores e credos dos produtores da ciência; (...) Os conceitos têm a
especialidade e temporalidade das culturas em geral e das culturas científicas
em particular. (...) os conceitos científicos são parte das lutas sociais e estão
inseridos em fase da valide de um determinado paradigma científico. A
dinâmica social e os processos de transformações existentes nestas
1650
substituições de paradigmas científicos impõem a revisão, atualização e
modificação dos conceitos e formas de pensar de um grupo de cientistas.
Com o aumento da produção dos estudos culturais e pós-coloniais internacionais e a
eventual descentralização acadêmica por estudiosos nacionais (principalmente por estudos
empíricos de dissertações de mestrado e teses de doutorado) que se intensificaram
gradativamente nas últimas décadas do século XX, se verifica que novos paradigmas foram
sendo traçados, atores sociais antes anônimos foram assumindo o papel de não mais meros
expectadores ou coadjuvantes, mais autores de suas próprias realidades. Desta forma partiu-se
para a estratégia acadêmica de enfrentamento não apenas nas lutas dos movimentos sociais
negros sobre as e esferas de poder, mas também, na produção e construção do saber, como
referenda Cunha Jr (ibid. p. 162):
As pesquisas no âmbito das relações raciais que eram consideradas universais e
eurocêntricas estão passando por uma esfera de especificidade de base africana, ou
de referências de hibridismos culturais sob a ótica da interculturalidade. (...) De
pesquisadores quase unicamente eurodescendestes para pesquisadores
afrodescendentes em número cada vez maior em termos quantitativos e qualitativos.
Ao analisar a argumentação acima de Cunha Jr., fica evidente que as divergências e
polêmicas interpretativas sobre o período escravista, surgem a partir do momento em que
novos estudos mudaram a forma de olhar o escravismo, buscando não mais reproduzir os
conceitos eurocêntricos, mais compreender os conceitos e paradigmas historicamente
construídos, reformulando assim, os pressupostos ideológicos, as dinâmicas de inferiorização
e seus consagrados estereótipos, as posições políticas e os hibridismos culturais estabelecidos
entre as posturas de escravistas e limitações dos escravos – negros, pretos ou
afrodescendentes - até a abolição oficial em finais do século XIX. Essa posição contra a
reprodução de tais paradigmas ficou expressa no Relatório da II Reunião Nacional das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas de 1996:
Ao longo de sua trajetória neste país, a população negra foi vítima de uma elite
racista que buscou ser detentora de sua liberdade e tornou-se proprietária das terras
daqueles que nelas afetivamente moram e trabalham: negros, índios e excluídos em
geral. (...). Neste processo, centenas de povos indígenas e quilombolas foram
dizimados a ferro e fogo. (..), os quilombos existiram em todo país, tendo construído
um marco de resistência da população negra contra a opressão (apud. DUQUE,
2011, p. 4)
1651
Telles (2003) intensifica o debate quando aborda os hibridismos culturais
estabelecidos e as posturas teóricas vigentes ao afirmar ser, em sua opinião, necessário a
compreensão de como os discursos raciais embasavam o escravismo brasileiro, e por que os
instrumentos de resistência escrava não conseguiram lograr resultados, como por exemplo, o
despertar tardio de uma identidade que caracterizasse o espaço territorial quilombola.
5. RELAÇÕES ENTRE TERRITORIO, TERRITORIALIDADE E IDENTIDADE
NA CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO QUILOMBOLA
A Fundação Palmares criada em 2004 é uma instituição pública – vinculada ao Estado
através do Ministério da Cultura - responsável pela promoção e preservação da cultura afro-
brasileira (valorização das manifestações de matriz africana e implementação de políticas
públicas) com intuito de dar maior visibilidade e estimulo na participação da população negra
no processo de desenvolvimento nacional, preservação do patrimônio material e imaterial
afro-brasileiro44
e certificação das comunidades quilombolas. Dentro desta perspectiva vale
ressaltar que uma de suas funções está em formalizar o processo de certificação das
comunidades negras quilombolas, a saber:
Quilombolas são descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições
culturais, de subsistência e religiosas ao longo dos séculos. E uma das funções da
Fundação Cultural Palmares é formalizar a existência destas comunidades,
assessorá-las juridicamente e desenvolver projetos, programas e políticas públicas de
acesso à cidadania. Mais de 1.500 comunidades espalhadas pelo território nacional
são certificadas pela Palmares.45
Ao se buscar uma aproximação sobre o significado do termo Quilombo, verifica-se
que este tem origem no passado escravista, ou seja, nas comunidades de escravos, negros,
pardos, índios que não conformistas ao sistema promoveram dissidências, revoltas,
insurreições, ou seja, era uma forma de resistência cultural e política organizada em uma
persistente luta por liberdade e dignidade que se iniciava pela fuga e se complementava pela
tentativa de reprodução do modo de vida africano. Estes homem e mulheres ao se
organizarem em quilombos demonstravam a não aceitabilidade a mão-de-obra coadjuvante e
44
Nesse sentido ver a apresentação institucional da Fundação Cultural Palamres. Disponível em:
http://www.palmares.gov.br/quem-e-quem/. Acesso: 19/10/2012, às 14h08. 45
Nesse sentido ver http://www.palmares.gov.br/quilombola/.
1652
amorfa enquanto escravos, retratada pela historiografia oficial brasileira até o século XIX e
inícios do século XX.
Assim, verifica-se que o termo sofreu no século XX algumas transformações, por um
lado, a partir das abordagens de teóricos como Abdias Nascimento (1980, p. 255) - ao
valorizar e difundir ideias sobre o Quilombismo (projeto de organização social e política que
busca a valorização negra na edificação da identidade nacional) -, e por outro lado, em virtude
do trabalho da militância negra e acadêmica, advindas das leituras pós-coloniais, as quais
fizeram com que o termo ganhasse outra conotação, ou seja, uma nova roupagem.
De modo que se produziu assim, um novo conceito, com intuito de melhor
compreender os problemas enfrentados, produzindo-se assim, uma nova dinâmica social do
termo Quilombola - principalmente no século XXI - na sociedade. Para os defensores do
termo quilombola, este não se remete apenas a fuga de negros fugitivos do escravismo
criminoso pelo trabalho forçado ou como formas de convivência comunal alternativa à
sociedade escravocrata, ele indica uma identidade coletiva ou comunal de cunho cultural a
partir do enfoque da territorialidade e da permanência no mesmo espaço geográfico pelo uso
da terra (CUNHA JR, 2012, p. 163):
Assim, então, identidade e territorialidade são dois requisitos fundamentais
construídos para a definição de referência cultural e esta, por sua vez, para os
conceitos ampliados do que vem a ser os patrimônios culturais materiais e
imateriais.
Segundo Santos (2010, p. 34), ao tratar em sua tese de doutorado sobre o Ser
Quilombola em uma Comunidade Quilombola Hoje, deverá o pesquisador antes de tudo
entender como ocorre o processo de aquisição da identidade quilombola, pois, ―o
reconhecimento como comunidade quilombola passa, antes, pelo reconhecimento como
sujeito quilombola‖. Dialogando com esta perspectiva Silva (2011, p. 9) acrescenta que ―num
ambiente de constante negação como o nosso, a criação de uma identidade racial negra
positiva (...) será construída a partir de uma atitude relacional entre a pessoa e a
coletividade‖. Todavia para que o desenvolvimento de uma ‗identidade de pertença‘ ocorra é
necessário que antes se compreenda as causas que originam o processo de negação da
identidade individual que não é uma atitude meramente individual, mas antes de tudo, uma
reação que se apreende nas representações sociais oriundas das inter-relações entre diferentes
grupos sociais. Dentro desta perspectiva Silva (Ibid. p. 9) esclarece que o processo de negação
1653
da identidade individual, é antes de tudo ―um processo constante de identificação do eu ao
redor do outro e do outro em relação ao eu‖ que se constata, a nosso ver, dentro de um
espaço social (território) definido e delimitado pelo próprio grupo ou comunidade. Schneider
(2009, p. 3) ao analisar a construção e a utilização do termo território pelas Ciências Sociais,
explica que
O conceito de território é ubíquo e amplo. Para os geógrafos trata-se de um dos
conceitos fundadores da disciplina, que se relaciona com outro de complexidade
ainda maior, que é o espaço. (..) Para os biólogos e ecólogos o conceito de território
serve como recurso heurístico para análise do habitat e das formas de uso dos
biomas e ecossistemas pelos animais. Os Antropólogos e etnólogos usam o conceito
de território pra descrever e delimitar o espaço em que transcorrem relações e
interações de determinados grupos sociais em geral demarcados por meio de
símbolos e representações. Já os economistas e planejadores apelaram para o
conceito de território para tentar entender em que medida a localização espacial de
determinado recurso ou atividade produtiva pode influenciar no seu custo e na
formação dos preços relativos dos produtos.
Schneider (ibid., p.3 – 4) também ressalta a importância de compreender o território
enquanto um espaço delimitado a partir das relações sociais e pelo processo de ocupação do
grupo social, que desenvolve consequentemente, estratégias de territorialidade. Conforme
aponta Storey (2001, p. 1), quando afirma que:
In general, territory reverse to a portion of geographical space, which is claimed or
occupied by a person, group of persons or an institution. Territory is thus an area of
bounded space. Territoriality is the process whereby this individuals, groups and
institutions lay claim to a territory46
.
Diante desta pressuposição teórica, levantada por Storey, é válido ressaltar que não se
intenta aqui caracterizar a materialidade do termo território a partir de sua etimologia, más a
observação a outro ponto que deve ser considerado, a saber, as ações realizadas pelos grupos
ou atores sociais que se organizaram e se estruturaram em um determinado território. Já Sack
(1986, apud. ARRUZO, 2012, p. 3) esclarece que ―A territorialidade é, para nós, as ações
desenvolvidas na tentativa de se formar um território e mantê-lo, ou seja, de exercer controle
sobre uma área para controlar pessoas e/ou recursos‖. No que concerne ao tema em questão,
verifica-se que o entendimento sobre a territorialidade, território e identidade é de
46
Tradução do autor - Em geral, o território reverte a uma porção do espaço geográfico, o que é reivindicado ou
ocupado por uma pessoa, grupo de pessoas ou uma instituição. Território é, assim, uma área de espaço limitado.
Territorialidade é o processo pelo qual esta indivíduos, grupos e instituições reivindicam o território ocupado.
1654
fundamental importância, a partir do momento em que o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) - que preside desde 2007 a Comissão Nacional de
Desenvolvimento sustentável das Comunidades Tradicionais – quando instituiu por meio do
Decreto 6.040/2007 a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais (PCTs), definindo as Comunidades Rurais Negras de Quilombolas
– povos indígenas, as comunidades de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os
pescadores artesanais, os pomeranos entre outros – como Comunidades Tradicionais,
enfatizando que as Comunidades Quilombolas são:
Grupos étnicos, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória própria, dotados
de relações territoriais específicas e com ancestralidade negra relacionada com a
resistência à opressão histórica sofrida, conforme Decreto 4.887/2003. Essas
comunidades possuem direito de propriedade de suas terras consagrado desde a
constituição Federal de 1988 (Programa Brasil Quilombola)47
.
Este contexto indica a trajetória própria de auto-atribuição dotado de relações
territoriais específicas que se deram na conjuntura sócio-política iniciada pelo isolamento e
pela resistência enquanto estratégias de proteção e subsistência que marcaram a formação
social heterogênea por parte das explorações familiares agrícolas de camponeses advindos dos
diferentes grupos étnicos que caracterizam as Comunidades Tradicionais de Povos Rurais por
todo o país. Neste sentido, Lamarche (1993, p. 17 - 19) ao tratar da formação social das
explorações familiares ressalta que diferentes estratégias agrícolas de subsistência foram
desenvolvidas, não direcionadas apenas a reprodução enquanto unidade de produção para o
ganho, mas também, enquanto unidade de reprodução e de sobrevivência famíliar.
Como característica estas comunidades procuravam os locais longínquos em regiões
acidentadas, montanhosas, pantanosas e/ou áridas que dificultavam o acesso dos agressores
escravagistas, onde os atores escravizados desenvolviam uma economia familiar de
subsistência, como se verifica ainda hoje em algumas comunidades negras, como por exemplo
47
Nesse sentido ver o Programa Brasil Quilombola da Presidência da República - Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial - Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais ―O
Programa Brasil Quilombola (SEPPIR) reúne um conjunto de ações governamentais para melhorar a qualidade
de vida e garantir o acesso das populações quilombolas aos serviços públicos essenciais. Suas prioridades são:
regularização fundiária, desenvolvimento econômico local, geração de renda, saúde, educação e estímulo à
participação e ao controle social das políticas públicas pelos quilombolas‖. Disponível em:
http://portalraizes.org/index.php?option=com_content&view=article&id=60:programa-brasil-
quilombola&catid=6:quilombos&Itemid=5. Acesso: 13/10/2012 às 21h.
1655
na Comunidade Quilombola no Vale do Ribeira, a existência uma agricultura voltada também
ao mercado de alimentos, a saber: arroz, chá, banana (SANTOS/ TATTO, 2008, p. 08).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi pelo presente trabalho exposto, ficou explícito o caráter descritivo-
dialético que direcionou o nosso estudo. A partir do momento que realizamos uma
reconstrução histórica, que procurou abordar por um lado o tema da escravidão negra, e de
forma crítica, por outro lado, auxiliou na compreensão de que a resistência negra rural existiu,
como também, as formas de agricultura familiar de sobrevivência, que caracterizam a nosso
ver, o campesinato, durante o período de escravidão no Brasil. Procuramos analisar a
evolução dos movimentos campesinos no Brasil, a partir do momento em que o foco principal
foi direcionado aos movimentos de resistência negra rural no Nordeste brasileiro. Revendo as
concepções sobre os conceitos de resistência - de Scott e Cunha Jr. – se percebe que
alternativas tais como fuga, esconderijo foram utilizadas como forma de resistir a opressão do
regime escravista criminoso. Regime este que se fundamentava em leis e decretos que pouco a
pouco, num processo lento e gradual, foram sendo questionados e revogados ensejando na
abolição total da escravidão em 1888.
Os Estudos Pós-Coloniais serviram para a reconstrução de conceitos e paradigmas, e
permitiu que constatássemos como as teorias e abordagens raciais se proliferaram (em meados
do século XIX a inícios do século XX) nas Ciências Sociais. Assim, se tornou possível
entender como o ambiente acadêmico brasileiro negligenciou a figura do negro, as
comunidades rurais tradicionais negras e as comunidades quilombolas, fato este que só veio a
obter maior visibilidade nas últimas décadas do século XX. Os conceitos de território,
territorialidade e identidade serviram para compreensão das relações desenvolvidas sobre a
formação social heterogênea das explorações familiares agrícolas camponesas, a partir da
importância dada pelo entendimento sobre a preservação do patrimônio material e imaterial
afro-brasileiro e certificação das comunidades rurais negras de quilombolas pelo Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Fundação Palmares.
Finalmente, gostaria de finalizar acrescentando que muito há o que ser analisado,
muito há o que ser compreendido, pois, este artigo não ambicionava responder a todos os
questionamentos que tínhamos antes de escrevê-lo, todavia não logramos no êxito, quando
verificamos que esta tarefa deveria ser especificamente aprofundada. Sob esta incerteza ficou
1656
a dúvida, a qual poderá ser respondida em um trabalho de campo, observatórios,
participativos ou por histórias orais de vida, que não era o objetivo do presente artigo, que
consistia apenas em promover uma revisão bibliográfica em torno da condição camponesa de
comunidades rurais negras durante o período da escravidão.
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1661
DINÂMICA AGRÍCOLA DAS NOVAS ÁREAS PRODUTIVAS DO NORDESTE
INSERIDAS NO CIRCUITO NACIONAL DO AGRONEGÓCIO – ALGUMAS
BREVES CONSIDERAÇÕES
Isabela da Silva Valois48
RESUMO: No contexto da divisão territorial do trabalho agrícola no Brasil, verifica-se que as
mudanças recentemente observadas no setor deram-se de forma bastante pulverizada, beneficiando
áreas que passaram a constituir verdadeiros pontos isolados de desenvolvimento, em detrimento até
mesmo de seus espaços circunvizinhos. Nesta nova dinâmica de rápida renovação das forças
produtivas e do ―investimento agrícola em áreas e culturas selecionadas‖, o Nordeste vem se
destacando por apresentar novos arranjos territoriais produtivos agrícolas, em que se vê a dominação
das áreas úmidas e cerrados do Nordeste por empresas multinacionais que passam a comandar o eixo
de produção moderna da agricultura; incluindo no circuito agribusiness e acrescentando às áreas
selecionadas já existentes, as manchas verdes e irrigadas, pertencentes aos ―eixos nacionais de
integração e desenvolvimento‖ com um viés para o desenvolvimento local. Com base nos dados do
Balanço Social 1998-2001 de Pólos de Desenvolvimento Integrado do Banco do Nordeste, no trabalho
de Elias (2006); utilizando a análise SWORT que constitui uma ferramenta de diagnóstico estratégico
em que se contempla os pontos fortes (Stringths), pontos fracos (Weaknesses), as oportunidades
(Opportunities) e as ameaças (Threats) das organizações ou sistemas produtivos, sejam eles
agroindustriais ou não, considerando os aspectos internos e externos ao ambiente de análise, foi
possível verificar que a modernização da agricultura permitiu que o Nordeste voltasse ao circuito
produtivo agrícola nacional e internacional, espalhando benesses nas áreas contempladas por
investimentos pontuais, mas espalhando também desigualdades que tornam o Nordeste uma região
díspar agora em nível intrarregional.
Palavras chave: Agronegócio, Nordeste, SWORT.
1. INTRODUÇÃO
O principal objetivo deste trabalho é realizar um rápido retrospecto da trajetória agrícola
produtiva da Região Nordeste do Brasil, desde seu apogeu como área produtiva no período
açucareiro até seu declínio e ressurgimento estratégico nos circuitos de agronegócio nacional
e internacional através da formação de novos espaços agrícolas resultantes da dispersão
espacial da agricultura científica, bem como verificar a situação estratégica em que os
sistemas agroindustriais comportados tais áreas estão inseridos através de uma macroanálise a
partir da ferramenta SWORT.
48
Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 3521-1397 e e-mail:
1662
2. ÁREAS E CULTURAS SELECIONADAS DO NORDESTE E SUA GÊNESE
Apesar da Região Nordeste do Brasil ter constituído importante expoente produtivo
nos tempos áureos do ciclo canavieiro, quando os primeiros pilares da formação econômica
do Brasil eram fundamentados; o surgimento da intensa concorrência para os produtos
tropicais, refletindo na depressão dos preços de exportação, associada ao elevado grau de
especificidade do investimento desta cultura, induzida por sua alta rentabilidade; iniciaram
um lento processo de decadência do setor a partir de meados do século XVII, até o início do
século XIX, em que se assistiu o atrofiamento e mesmo a involução tanto nas formas de
divisão do trabalho e especialização, quanto nas técnicas artesanais de produção; que,
segundo Furtado (2007), fizeram a economia nordestina retroceder ao nível de subsistência.
Neste interstício, outras formas de exploração econômica despontaram no país,
iniciando novos ciclos produtivos (não necessariamente agrícolas), tais como o ciclo extrativo
de minérios em Minas Gerais; um novo ciclo de prosperidade do açúcar, em função do
colapso da grande colônia açucareira francesa que era o Haiti em 1789, – o que trouxe
novamente o Nordeste ao cenário da produção agrária, mas esta, além de ter constituído uma
fase efêmera, não permitiu que a região retomasse a força econômica experimentada na época
do pioneirismo da cultura de cana-de-açúcar; o ciclo do algodão no século XIX sob a
orientação da demanda européia durante a Revolução Industrial, enquanto a guerra civil
interrompia o fluxo produtivo norte americano; e finalmente o ciclo do café que, na aurora do
século XX, em vista da Crise do Complexo Rural, desencadeada desde a transição do trabalho
escravo para o trabalho livre, logo após a proibição do trafico negreiro, acelera a
proletarização da mão-de-obra no campo, e a consolidação dos mercados internos; enquanto a
formação do Complexo Agroindustrial Cafeeiro, simultâneo ao Processo de Substituição de
Importação – PSI alavanca a industrialização do país, direcionando de vez os esforços
produtivos para a Região Sudeste, de modo que a Região Nordeste como área agrícola
produtora, ficou relegada ao esquecimento.
No período pós Segunda Guerra a partir de 1950, quando no cenário internacional o
Estado reforça sua atuação no desenvolvimento das economias nacionais através de subsídios
creditícios, ficais e de infra-estrutura, em consonância tanto com o compromisso fordista de
produção de alimentos barato, quanto com a política norte americana do New Deal – a qual
apregoava ―um carro em cada garagem e uma galinha em todas as panelas‖ – é iniciado um
1663
processo de reestruturação produtiva da agropecuária denominado ―Revolução Verde‖
(ALBANO, 2005). Engendrado nos países desenvolvidos como os EUA, esse processo é
deflagrado para as demais nações, e como resultado, se verifica a racionalização e
massificação da industrialização na agricultura, sob a coordenação de empresas
multinacionais, produtoras principalmente de tratores e insumos para a agricultura. Essa nova
dimensão econômica produtiva redesenhou as bases tanto técnicas quanto econômicas e
sociais do setor agrícola brasileiro, afetando simultaneamente os espaços agrícolas – dado as
mudanças tecnológicas promovidas e implementadas com um viés poupador de mão-de-obra
– e os espaços urbanos – como reflexo da adoção de tais tecnologias, implicando em fluxos
populacionais no sentido campo-cidade, marginalização do trabalhador rural tradicional
pouco apto às demandas urbanas, e crescimento da pobreza.
Rezende (2005) destaca ainda que a exagerada mecanização da agricultura brasileira
observada a partir desse período, antes de ser resultado da absorção dos padrões
internacionais produtivos em pleno movimento de transformação, teve como principais
determinantes a política trabalhista nacional que, somada à política de crédito subsidiado,
promoveu uma distorção do custo privado da contratação da mão-de-obra vis-à-vis seu custo
social, na medida em que o custo privado do capital tornou-se inferior ao seu custo social.
Além disso, a política fundiária brasileira, cujo marco se observa com a elaboração do
Estatuto da Terra de 1964, contrariando seu próprio objetivo, termina por impossibilitar
parcerias, suprimindo também o mercado de aluguel de terras, tendo com maiores
consequências a limitação das possibilidades de crescimento da pequena agricultura no Brasil,
culminando com a expulsão dos trabalhadores tradicionais do campo e consequente inchaço
dos centros urbanos, incapazes de oferecer infraestrutura suficiente para absorver o crescente
fluxo de massas populacionais.
Assim, de acordo com Carvalho (2001), em meados desse mesmo período (anos 1950),
quando pressões e movimentos sociais eclodiam com força na Região Nordeste, o Governo
Federal criou o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN (1956), que
posteriormente resultou na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE (1959), com o intuito de identificar os problemas da região, bem como buscar
oportunidades e mecanismos eficazes de superação que culminassem com o desenvolvimento
econômico e social da Região, em consonância com o viés cepalino de desenvolvimento
regional, que segundo Diniz Filho e Bessa (2006), tinha o enfoque centrado no binômio
1664
intervenção estatal e indústria sem comprometer a autonomia dos estados nordestinos no
processo de integração nacional. Nesse sentido:
O GTDN continha uma abordagem histórica e foi um marco no enfrentamento do
problema regional no Brasil, ao mostrar, pela primeira vez, que os recursos naturais
não eram os únicos fatores sobre os quais as ações governamentais deveriam agir.
As suas propostas visaram, sobretudo, a reestruturação econômica e social da região
(CARVALHO, 2008, p. 28).
Entretanto, a intervenção sofrida pela SUDENE no pós Golpe Militar de 1964, retirou
sua autonomia e legitimidade redirecionando suas diretrizes, e transferiu recursos para outras
atividades econômicas do país, promovendo um verdadeiro esvaziamento da força
coordenadora da agência de desenvolvimento do Nordeste (CARVALHO, 2008). Deste
modo, as estratégias de desenvolvimento regional brasileiro, a partir dos anos 1970, tornaram-
se atreladas aos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) que tinham como forças
basilares o Plano de Integração Nacional (PIN) e o Programa de Redistribuição de Terras e de
Estímulo à Agropecuária do Norte-Nordeste (PROTERRA), tendo este último, o objetivo de
promover o deslocamento das populações excedentes principalmente nordestinas para novas
fronteiras agrícolas do Norte e Centro-Oeste; e passaram a representar uma transformação na
concepção do papel da agricultura no desenvolvimento do país em que, o problema agrário
referente à estrutura fundiária e a emergência da reforma agrária, como elementos táticos de
políticas de desenvolvimento são substituídos por uma estratégia de pólos de
desenvolvimento, com base no ideário de Perroux, em que se deixa de existir economias
regionais para surgirem economias nacionais regionalmente localizadas (VIEIRA, 2003).
Para François Perroux (1977) apud Carvalho (2008):
A economia capitalista tenderia a produzir pólos que constituiriam a partir da
localização de indústrias num determinado espaço econômico, as quais
desempenhariam uma força centrípeta na atração de novos investimentos. Esses
pólos estabeleceriam relações com outros espaços polarizados através da
estruturação de sistemas de transportes e comunicações, estruturando eixos de
desenvolvimento. Procurava-se, com os investimentos nas áreas delimitadas,
produzir efeitos irradiadores na economia regional.
Para Valois (2007), após o encerramento do auge do ―Milagre Econômico‖ (1967-
1973), em que o arrefecimento da atividade econômica refletia os choques no cenário
internacional (I Choque do Petróleo), a economia brasileira inaugurou o II Plano Nacional de
1665
Desenvolvimento em 1974, com prioridade para os setores atrofiados, tais como bens de
capitais, energéticos e insumos básicos, e a realização de ―obras faraônicas‖ como a
construção de Angra I e II, as hidrelétricas de Itaipu, Sobradinho, e a rodovia
Transamazônica. Mas Carvalho (2001) verifica que apesar de objetivar a complementaridade
da matriz industrial com o intuito de reduzir a dependência externa, o II PND procurou
também integrar o Nordeste à base produtiva nacional, aproveitando os tipos de produtos
específicos que a região pudesse oferecer. Nesse sentido, o Plano trazia novos elementos à
estratégia de intervenção do Nordeste em que:
(...) na perspectiva agrícola, foram criados os Programas Especiais, voltados para o
desenvolvimento rural integrado de áreas selecionas, cujo objetivo maior era a
transformação da agropecuária nordestina nos moldes de uma modernização
conservadora; e, na perspectiva industrial, seria estimulada a instalação de
Complexos Industriais na região, cuja idéia ganhara força no Brasil na segunda
metade dos anos 60 (CARVALHO, 2008, p. 31).
Assim, as áreas periféricas do Nordeste contempladas por esses Programas Especiais,
receberam recursos do PROTERRA através do Programa Especial de Apoio ao
Desenvolvimento da Região Semiárida do Nordeste (Programa Sertanejo) e do Programa de
Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE), sendo este último, a gênese da dinâmica
de investimentos agrícolas em áreas consideradas estratégicas, inaugurado pelo Complexo
Agroindustrial do Médio São Francisco (Petrolina/Juazeiro) e o Pólo de Fruticultura Irrigada
do Vale do Açu (Rio Grande do Norte), os quais, contrariando as concepções do GTDN,
privilegiaram as grandes empresas beneficiadas por incentivos fiscais que culminaram na
criação do Sistema de Fundo Industrial do Nordeste – FINOR, permitindo, segundo Vieira
(2003) que se lograsse expressivos níveis de produtividade e de tecnologia, sem, no entanto,
apresentar os efeitos propagadores esperados para o restante da economia regional, assistindo-
se mais uma vez a reprodução econômica nos mesmos moldes já estruturados no Sudeste,
aprofundando desigualdades já existentes no Nordeste e recriando novas desigualdades em
que se constata o agravo da concentração de renda e forte exclusão social.
Esse movimento econômico produtivo direcionado aos grandes, mesmo quando
pensado para os pequenos, corrobora com o pensamento de Wanderley (1995) apud Balsan
(2006, p. 126), e nisso se percebe uma força secular e gestacional que impele a formação
produtiva de modo excludente:
1666
No Brasil, a história agrícola está ligada à história do processo de colonização no
qual a dominação social, a política e a economia da grande propriedade foram
privilegiadas. Assim, a grande propriedade impôs-se como modelo socialmente
reconhecido e recebeu estímulos expressos na política agrícola que procurou
modernizar e assegurar sua reprodução, podendo-se concluir que a agricultura
familiar sempre ocupou um lugar secundário e subalterno na sociedade brasileira.
E, no que concerne a região nordeste, a reinvenção dos espaços agrícolas não se excetua da
contexto concentrador de recursos e de resultados, restringindo o crescimento a áreas de certa
forma, considerada restritas, seja pela pontualidade ou especificidade do investimento, seja
por imposição de condições geomorfológicas e climáticas.
3. DINÂMICA DA (RE)PRODUÇÃO NOS NOVOS ESPAÇOS AGRÍCOLAS DO
NORDESTE
No contexto da divisão territorial do trabalho agrícola no Brasil como resultados das
recentes mudanças observadas no setor, verifica-se o quão se deram de forma pulverizada
estas transformações, beneficiando áreas que passaram a constituir verdadeiros pontos
isolados de desenvolvimento, em detrimento até mesmo de seus espaços circunvizinhos.
Nesta nova dinâmica de rápida renovação das forças produtivas e do ―investimento agrícola
em áreas e culturas selecionadas‖, o Nordeste vem se destacando por apresentar novos
arranjos territoriais produtivos agrícolas alinhados com o que Elias (2005) chamou de
―circuito superior do agronegócio brasileiro‖, comandado por empresas agrícolas e
agroindustriais tanto nacionais quanto multinacionais.
Essas novas áreas de (re)produção agrícola modernizadas no Nordeste, em que,
segundo Santos (1994; 1996), se identifica a substituição do meio natural e mesmo do meio
técnico pelo meio técnico-científico-informacional fundamentada na globalização da
produção e do consumo; se observa uma dinâmica continuamente atrelada à dinâmica do
mercado externo, dado o viés exportador produtivo adotado. Nisto se verifica o caráter
excludente da difusão da agricultura científica e do próprio agronegócio em que as
disparidades sócio econômicas territoriais já existentes, se acentuam, ganhando novos
contornos que remarcam os antigos, deixando sobressalentes antigas questões acerca da
estrutura fundiária concentradora, oriunda do próprio modelo histórico de formação
econômico agroexportador do Brasil; e fazendo surgir novas indagações acerca da
proletarização das relações trabalhistas do campo e da dinâmica do mercado de terras. Deste
modo, de acordo com Elias (2006; p. 28):
1667
(...) a reestruturação da agropecuária brasileira, isto é, a intensificação do
capitalismo no campo, com todas as possibilidades advindas da revolução
tecnologia, processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva.
Diante disto, manteve intocáveis algumas estruturas sociais, territoriais e políticas
incompatíveis com os fundamentos do verdadeiro significado do conceito de
desenvolvimento. Isto significa que privilegiou determinados segmentos sociais,
econômicos e os espaços mais rapidamente suscetíveis de uma reestruturação
sustentada pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção e do
consumo.
As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, constituíram as primeiras Regiões
Concentradas, ou seja, espaços agrícolas atingidos de forma sustentada pelo aparato
tecnológico-científico-informacional nas últimas quatro décadas. A composição destes
arranjos territoriais produtivos, dominados por empresas nacionais e multinacionais,
hegemônicas da agropecuária mundial, fizeram destas áreas um modelo de crescimento
concentrado que atualmente se observa na Região Nordeste, nos territórios produtivos que
Santos (1986b; 1993; 1996) chamou de ―pontos luminosos‖. Tais áreas, inicialmente
polarizadas no ramo da fruticultura tropical pelos municípios de Petrolina (PE) e Limoeiro do
Norte (CE); e no ramo da soja por Balsas (MA), Uruçuí(PI), Barreiras (BA) e Luís Eduardo
Magalhães (BA)
Ainda nos anos 1980, a difusão da agricultura científica se tornou presente no
submédio do rio São Francisco trecho polarizado pelos municípios de Petrolina (PE) e
Juazeiro (BA) na cultura de frutas voltadas especialmente para a exportação. Os municípios
polarizados Barreiras na Bahia também se destacam pelo pioneirismo da produção intensiva
de soja neste mesmo período; assim com a fruticultura no baixo curso do rio Açu em Rio
Grande do Norte, o baixo curso do rio Jaguaribe no Ceará (ELIAS, 2005b).
Com o advento da globalização em que se assiste a abertura comercial e financeira do
país, a maciça entrada de investimentos estrangeiros no Brasil e a orientação neoliberal da
política explicam a arquitetura do processo de reestruturação da produção em todo território
nacional, em que se vê a dominação das áreas úmidas e cerrados do Nordeste por empresas
multinacionais que passam a comandar o eixo de produção moderna da agricultura; incluindo
no circuito agribusiness e às áreas selecionadas já existentes, as manchas verdes e irrigadas,
pertencentes aos ―eixos nacionais de integração e desenvolvimento‖ com um viés para o
desenvolvimento local, segundo as prioridades do governo FHC e em consonância com os seu
programas Brasil em Ação (2006) e Avança Brasil. Estas novas áreas selecionadas de acordo
1668
com suas características estratégicas em termos climáticos, topográficos, logísticos, infra-
estrutura potencial e mão-de-obra, a partir de 1998 passaram a contar com a coordenação do
Banco do Nordeste na articulação da iniciativa privada, pública e local, e dentro do conceito
de ―Empreendimento Integrado‖ passaram a ser chamadas de Pólos de Desenvolvimento
Integrado.
Esses novos arranjos territoriais produtivos, gestacionados ainda no arcabouço das
idéias de Perroux, sem, no entanto se fazer menção à ele, contam onze áreas ou pólos de
desenvolvimento integrado dentro do Nordeste, a saber: Sul do Maranhão49
, Uruçuí-
Gurgéia50
, Baixo Jaguaribe51
, Cariri Cearense52
, Açú-Mossoró53
, Alto Piranhas54
, Petrolina55
,
Bacia leiteira de Alagoas56
, Sul de Sergipe57
, Juazeiro58
(BA), e Oeste Baiano59
.
Com base nos dados do Balanço Social 1998-2001 de Pólos de Desenvolvimento
Integrado do Banco do Nordeste, no trabalho de Elias (2006); utilizando a análise SWORT
que constitui uma ferramenta de diagnóstico estratégico em que se contempla os pontos
fortes (Stringths), pontos fracos (Weaknesses), as oportunidades (Opportunities) e as ameaças
(Threats) das organizações ou sistemas produtivos, sejam eles agroindustriais ou não,
considerando os aspectos internos e externos ao ambiente de análise, é possível analisar o
49
Pólo Sul do Maranhão integra os municípios de Alto Parnaíba, Balsas, Tasso Fragoso, Riachão, Feira Nova do
Maranhão, Nova Colinas, Fortaleza dos Nogueiras, São Raimundo das Mangabeiras, Sambaíba, e Loreto. 50
Pólo de Uruçuí-Gurguéia integra os municípios piauienses de Antônio Almeida, Sebastião Leal, Bertolínea,
Uruçuí, Ribeiro Gonçalves, Eliseu Martins, Colônia do Gurgéia, Palmeira do Piauí, Baixa Grande do Ribeiro,
Santa Filomena, Currais, Cristino Casto, Santa Luz, Bom Jesus, Monte Alegre do Piauí, Redenção do Gurgéia,
Gilbués, Barreias do Piauí, São Gonçalo do Gurgéia, Corrente, e Cristalândia do Piauí. 51
Pólo do Baixo Jaguaribe integra os municípios cearenses de Icapúí, Aracati, Itaiçaba, Jaguaruana, Quixeré,
Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte, São João do Jaguaribe, Palhano, Russas, e Morada Nova. 52
Pólo Cariri Cearense integra os municípios de Mauriti, Milagres, Abaiara, Brejo Santo, Porteiras, Jardim,
Barbalha, Missão Velha, Juazeiro do Norte, Crato, e Santana do Cariri. 53
Pólo Açu-Mossoró integra os municípios rio grandenses de Itajá, Ipanguaçu, Afonso Bezerra, Alto do
Rodrigues, Pendências, Carnaubais, Serra do Mel, Açu, Upanema, Mossoró, e Baraúna. 54
Pólo Alto Piranhas integra os municípios paraibanos de Condado, São Bentinho, Cajazeirinhas, Pombal, São
Domingos de Pombal, Aparecida, São Francisco, Sousa, Marizópolis, São João do Rio do Peixe, Cajazeiras, e
Vieirópolis. 55
Pólo de Petrolina integra os municípios pernambucanos de Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa
Vista, e Orocó. 56
Pólo Bacia Leiteira de Alagoas integra os municípios de São José da Tapera, Monteirópolis, Jacaré dos
Homens, Olho D‘água das Flores, Santana do Ipanema, Olivença, Dois Riachos, Cacimbinhas, Minador do
Negrão, Estrela de Alagoas, Belo Monte, Igaci, Major Isidoro, Jaramataia, Batalha, Palmeira dos Índios, e Pão
de Açúcar. 57
Pólo Sul de Sergipe integra os municípios sergipanos de Lagarto, Itaporanga d‘Ajuda, Salgado, Boquim,
Riachão do Dantas, Pedrinhas, Arauá, Estância, Santa Luzia do Itanhi, Indiaroba, Umbaúba, Itabaianinha, Tomar
do Geru, Cristianápolis; e os municípios baianos de Jandaíra, Rio Real, e Itapicuru. 58
Pólo de Juazeiro integra os municípios baianos de Juazeiro, Casanova, Sobradinho, e Curaçá. 59
Pólo Oeste Baiano integra os municípios de Riachão das Neves, Barreiras, Luís Eduardo Magalhães,
São Desidério, Santa Maria da Vitória, e Correntina.
1669
conjunto de cadeias produtivas inseridas nas novas regiões agrícolas dinamizadas do
Nordeste, embora em uma visão apenas macro que mereça ainda ser minunciosamente
detalhada tanto por região quanto por cadeias inseridas em cada uma delas, uma vez que,
segundo Williamson (1996), ―...a ação analítica reside nos detalhes.‖
O quadro que segue resume os resultados da metodologia adotada:
Tipo de
Análise
Pólos
Principais
Cadeias
produtivas
Pontos Fortes
(Strenghts)
Pontos Fracos
(Wekenesses)
Oportunidades
(Opportunities)
Ameaças
(Threats)
Análise
Extern
a
Açú
Mossoró
-
fruticultura
irrigada - Distribuição
externa
garantida por
empresas
multinacionais
atuantes;
- Introdução de
pacote
tecnológico que
exige
importação de
mão-de-obra
especializada.
- Crescente
demanda
externa por
frutas tropicais;
- Variação de
preços
externos;
- Possibilidade
de alteração
em barreiras
sanitárias que
afetam a
introdução do
produto no
mercado
externo;
Alto
Piranhas
- produção
de coco. ( * )
-
Impraticabilidad
e da exportação
da água de coco
in natura.
- Crescente
demanda
externa de coco
desidratado.
- Concorrência
internacional
das Filipinas e
embargos da
OMC.
Bacia
Leiteira
de
Alagoas
- produção
de leite in
natura ( * )
60 ( * ) ( * ) ( * )
Baixo
Jaguaribe
-
fruticultura
;
- produção
de grãos
(arroz,
feijão,
milho etc.)
- Distribuição
externa
garantida por
empresas
multinacionais
atuantes na
fruticultura;
- Preferência por
mão-de-obra
especializada
importada.
- Crescente
demanda
externa por
frutas tropicais;
- Variação de
preços
externos;
- Possibilidade
de alteração
em barreiras
sanitárias que
afetam a
introdução do
produto no
mercado
externo;
Cariri
Cearense
-
fruticultura
( * )
( * )
( * )
( * )
60
( * ) os dados obtidos por meio do Balanço Social 1998-2001 de Polos de Desenvolvimento Integrado do
Banco co Nordeste são insuficiente para realizar análise externa neste aspecto, ou o pólo ainda não possui
inserção internacional de seus produtos.
1670
irrigada.
Juazeiro
(BA)
-
fruticultura
irrigada. - Distribuição
externa
garantida;
- Centralização
dos canais de
distribuição
externa por
grandes
multinacionais;
- Crescente
demanda
externa por
frutas tropicais;
- Variação de
preços
externos;
Oeste
Baiano
- produção
de grãos de
sequeiro,
com
destaque
para a soja.
- Distribuição
externa
garantida;
- Oligopolização
da produção de
grãos de
sequeiro;
- Demanda
externa
consolidada;
- Variação de
preços
externos;
Petrolina
-
fruticultura
irrigada. - Distribuição
externa
garantida;
- Centralização
dos canais de
distribuição
externa por
grandes
multinacionais;
- Crescente
demanda
externa por
frutas tropicais;
- Crescente
oferta da
manga ameaça
o preço de
venda externa;
Sul de
Sergipe
- citrus de
sequeiro;
( * )
( * )
( * )
- dumping;
Sul do
Maranhã
o
- produção
de grãos de
sequeiro,
com
destaque
para a soja.
- Distribuição
externa
garantida;
- Oligopolização
da produção de
grãos de
sequeiro;
- Demanda
externa
consolidada;
- Variação de
preços
externos;
Uruçuí-
Gurguéia
- produção
de grãos de
sequeiro,
com
destaque
para a soja.
- Distribuição
externa
garantida;
- Oligopolização
da produção de
grãos de
sequeiro;
- Demanda
externa
consolidada;
- Variação de
preços
externos;
Tipo de
Análise
Pólos
Principais
Cadeias
produtivas
Pontos Fortes
(Strenghts)
Pontos Fracos
(Wekenesses)
Oportunidades
(Opportunities)
Ameaças
(Threats)
Açú
Mossoró
-
fruticultura
irrigada
- Aumento do
nível de
emprego
formal
agrícola;
- Concentração
de mercado para
multinacionais;
- Concentração
fundiária;
- Pouca
interação local;
-
Descumpriment
o parcial da
legislação
ambiental e
(**)61i
(**)
61
(**) os dados obtidos por meio do Balanço Social 1998-2001 de Polos de Desenvolvimento Integrado do
Banco co Nordeste são insuficientes para análise interna neste aspecto.
1671
Análise
Interna
trabalhista;
- Quase total
verticalização da
produção;
- Desprezo ao
mercado interno;
Alto
Piranhas
- produção
de coco.
- Demanda
interna
consolidada
(**)
- inserção da
água de coco
envasada.
- concorrência
interna da
produção de
coco no
Espírito Santo.
Bacia
Leiteira
de
Alagoas
- produção
de leite in
natura
- cultivo local
da palma
forrageira
utilizado como
alimento
completivo da
dieta bovina.
-ascendência
genética
bovina
holandesa de
alta linhagem.
- ausência de
planta de
indústria
processadora de
laticínios com
marca regional
forte.
- canais de
distribuição de
leite in natura
resfriado para
indústria de
laticínios com
marca nacional
consolidada.
(**)
Baixo
Jaguaribe
-
fruticultura
;
- produção
de grãos
(arroz,
feijão,
milho etc.)
- Aumento do
nível de
emprego
formal
agrícola;
- Concentração
de mercado para
multinacionais;
- Concentração
fundiária;
- Pouca
interação local;
-
Descumpriment
o parcial da
legislação
ambiental e
trabalhista;
- Quase total
verticalização da
produção;
- Desprezo ao
mercado interno;
- Construção de
perímetros
irrigados em
fase de
processamento;
- Desprezo ao
mercado
interno;
Cariri
-
fruticultura
- Aumento do
nível de
emprego
(**)
- canais de
abastecimento
para grandes
(**)
1672
Cearense irrigada. formal
agrícola;
redes de
supermercado
que começam a
se instalar na
região.
Juazeiro
(BA)
-
fruticultura
irrigada.
- Aumento do
nível de
emprego
formal
agrícola;
-
produtividade
precoce das
culturas;
- alta
produtividade.
(**)
- eqüidistância
das principais
capitais do
Nordeste,
receptoras de
tais produtos.
- Controle de
qualidade
acerca do uso
de agrotóxicos;
Oeste
Baiano
- produção
de grãos de
sequeiro,
com
destaque
para a soja.
- Apreço ao
mercado
interno de
grãos de
sequeiro e
óleos vegetais;
- Perda de
autonomia dos
médios e
grandes
produtores
nacionais em
relação ao preço
de mercado;
- Mercado
interno;
- Compra e
moagem de
grãos garantida
por
multinacionais
dominantes do
setor neste elo
produtivo;
- Garantia de
matéria-prima
para a produção
por parte das
multinacionais
instaladas;
- Fornecimento
de crédito pela
agroindústria
processadora
multinacional;
- Geração de
verticalidades e
horizontalidades
;
-
Impossibilidad
e de
participação de
pequenos
produtores
devido ao
elevado nível
de capital
inicial
necessário;
Petrolina
-
fruticultura
irrigada.
- Constituição
de perímetros
irrigados
públicos;
- Mercado
interno é
considerado;
-Relações de
parceria que
constituem
subordinação do
pequeno e médio
produtor ao
grande capital;
- Mercado
interno;
- Controle de
qualidade
acerca do uso
de agrotóxicos;
Sul de
Sergipe
- citrus de
sequeiro;
Maio produtor
de laranja do
Nordeste e
segundo maior
(**)
- Mercado
interno
consolidado
para a laranja in
(**)
1673
do Brasil. natura e suco
concentrado.
Sul do
Maranhã
o
- produção
de grãos de
sequeiro,
com
destaque
para a soja.
- baixo custo
da terra e
disponibilidad
e de grandes
áreas de
exploração
agrícola.
- Perda de
autonomia dos
médios e
grandes
produtores
nacionais em
relação ao preço
de mercado;
- Mercado
interno;
- Compra e
moagem de
grãos garantida
por
multinacionais
dominantes do
setor neste elo
produtivo;
- Garantia de
matéria-prima
para a produção
por parte das
multinacionais
instaladas;
- Fornecimento
de crédito pela
agroindústria
processadora
multinacional;
- Geração de
verticalidades e
horizontalidades
;
-
Impossibilidad
e de
participação de
pequenos
produtores
devido ao
elevado nível
de capital
inicial
necessário;
Uruçuí-
Gurguéia
- produção
de grãos de
sequeiro,
com
destaque
para a soja.
- Apreço ao
mercado
interno de
grãos de
sequeiro e
óleos vegetais;
- Perda de
autonomia dos
médio e grandes
produtores
nacionais em
relação ao preço
de mercado;
- Mercado
interno;
- Compra e
moagem de
grãos garantida
por
multinacionais
dominantes do
setor neste elo
produtivo;
- Garantia de
matéria-prima
para a produção
por parte das
multinacionais
instaladas;
- Fornecimento
de crédito pela
agroindústria
processadora
multinacional;
- Geração de
verticalidades e
horizontalidades
;
-
Impossibilidad
e de
participação de
pequenos
produtores
devido ao
elevado nível
de capital
inicial
necessário;
1674
Com esta análise é possível observar que, no geral, as novas regiões dinâmicas do
Nordeste que possuem as mesmas principais cadeias produtivas também se assemelham
quanto aos pontos fracos, fortes, ameaças e oportunidades, de modo que as estratégias a serem
tratadas para fortalecimento de tais cadeias também serão, a grosso modo, bastante parecidas.
No entanto cada uma das cadeias, assim como em cada uma das regiões analisadas existem
particularidades que as tornam mais competitivas uma em relação às outras, bem como mais
competitivas em relação ao mercado externo. Tais peculiaridades não foram, entretanto,
levadas em consideração neste estudo, que possui caráter generalista e busca fazer apenas
algumas considerações sobre os novos pontos agrícola produtivos do Nordeste, deixando
lacunas acerca de análises desagregadas tanto das cadeias quanto das regiões focadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cadeias produtivas das novas áreas dinâmicas do setor agrícola do Nordeste,
conforme a análise por meio da ferramenta SWORT, apresenta marcadamente como ponto
forte, a orientação para o setor externo, em que a condução da produção para esse fim
desprivilegia o uso da mão de obra interna, apesar de as oportunidades para as cadeias
produtivas estarem concentradas nos canais de distribuição induzidas pelo crescimento da
demanda externa. Quanto às vulnerabilidades das cadeias, identificadas como ameaças, estas
vão desde a instabilidade dos preços no mercado externo, às barreias sanitárias em
decorrência da falta de controle ou do controle insuficiente e inadequado no uso de
agrotóxicos; e ainda, a entrada de pequenos produtores nas cadeias, em decorrência dos
vultosos investimentos exigidos.
No entanto, vale destacar que a modernização da agricultura permitiu que o Nordeste
voltasse ao circuito produtivo agrícola nacional e internacional, espalhando benesses nas áreas
contempladas por investimentos pontuais, mas espalhando também desigualdades que tornam
o Nordeste uma região díspar agora em nível intra-regional.
Contudo, as considerações finais ficam ainda na superfície dos fatos, dado que as
novas áreas dinamizadas do Nordeste tiveram neste estudo, um tratamento analítico muito
pouco aprofundado, merecendo ainda uma retomada de forma mais detalhada tanto por região
quanto por cadeias produtivas comportadas em cada região.
1675
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WILLIAMSON, O. E. The mechanisms of governance. New York: Oxford University
Press, 1996.
1677
MOVIMENTO DOS TRBALHADORES SEM TERRA (MST) E A QUESTÃO
ÁGRARIA
Thaís Pereira da Silva62
Gilcelia Batista de Góis63
Maciana De Freitas e Souza64
Maria do Socorro Gurgel Loiola65
Resumo: Este artigo é resultante de uma pesquisa com base na literatura que discute sobre o MST e a
Questão Agrária. Assim, partimos de uma discussão sobre os fundamentos da questão agraria,
centrando nas expressões particularizadas do espaço agrário brasileiro. Tem como objetivo apresentar
o debate teórico sobre a atuação do MST no Brasil e como se configura a questão agraria. Identifica
que, embora tenha se criado algumas politicas para o enfrentamento das refrações da questão agraria
esta se mantem vigente. A política agrária favorece o agronegócio em detrimento da agricultura
camponesa e o desenvolvimento dos assentamentos rurais fica comprometido bem como melhorias
para o campesinato. O protagonismo dos movimentos sociais do campo, principalmente do MST, vem
contribuindo para que politicas publicas sejam criadas. A temática da questão agrária e o processo de
organização dos trabalhadores rurais sem-terra, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) e tem como objetivos problematizar a questão agrária brasileira, considerando o
Neoliberalismo e suas consequências para os trabalhadores rurais;
Palavras chaves: Questão agrária, MST, politicas publicas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como temática central a questão agraria no contexto
brasileiro. São apresentados elementos acerca da importância das bases de formação do
Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) como uma organização social e política em
torno da luta pelo direito a terra.
O artigo discute, que embora a reforma agrária seja o objetivo central do movimento, o
contexto político e econômico trouxeram a necessidade de criar ou expandir alianças políticas
e organizações internas voltadas para outros núcleos e setores do movimento, centralizados na
62 [email protected] – (084)87249970 – Autora, Universidade do Estado do Rio Grande Do Norte –
UERN 63
[email protected] – (084)99278339 – Coautora 64
[email protected] – (084)94612713 – Coautora 65
[email protected] – (084)88542220 – Coautora
1678
educação, cultura, e politização dos militantes. Entre os desafios da luta, são colocados em
pauta a necessidade das melhorias nas condições vida dos trabalhadores e o desenvolvimento
sustentável da terra.
Neste sentido, desde a criação do movimento como núcleo organizado, o MST tem
reafirmado sua agenda de luta política para o alcance da reforma agrária e um novo projeto de
desenvolvimento para o campo no Brasil. O MST é um movimento que construiu não
somente pela necessidade de sua formação como veículo de resistência e reivindicação, mas
também como um processo de luta descrito na história do trabalhador rural em nosso país.
HISTÓRICO
Segundo Stedile (2005), um dos fundadores do MST, ao falarmos em questão agrária,
podemos entendê-la em diversas formas. Na Literatura Politica, esta relacionada ao estudodos
problemas que a concentração da propriedade de terra traz ao desenvolvimento das forças
produtivas de uma determinada sociedade e a influencia do poder politico. Na Sociologia,
explicam-se as formas de como se desenvolvem as relações sociais, na organização da
produção agrícola. Na Geografia, fala-se de como a sociedade se apropria do maior bem
oferecido pela natureza, a terra, e como se ocorre a ocupação do território. Na História,
explica-se a evolução das lutas politicas e de classe para se obter domínio sobre a terra. A
historia da questão agraria brasileira é muito recente. Somente a partir da década de 60, é que
se tiveram debates a cerca do mesmo. Em 1964, se deu a Primeira Lei de Reforma Agrária no
Brasil. No governo de João Goulart. Lei que regularia os direitos e obrigações concernentes
aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agraria e promoção da Politica
Agrícola.
Com o crescimento industrial na década de 1940 e o processo de urbanização que se
intensificou no decorrer dos anos 60, fez com que a população rural se tornasse minoritária.
Em 1964 com o desenvolvimento do capitalismo se dirige ao campo, e com isso segundo
Almeida e Sánchez (1997, p. 77), ―colocou em relevo o novo proletário agrícola — o ―bóia-
fria‖ — reforçando as posições, no seio da esquerda...‖
Três frentes de lutas de classe se destacaram no âmbito brasileiro da década de 60. A
primeira era a luta de todo campesinato contra as varias modalidades da opressão e da
1679
espoliação66
imperialista. A segunda dizia respeito a luta do campesinato contra as
sobrevivências do pré-capitalismo e contra os latifundiários. E por fim, a terceira forma era
em relação a luta dos assalariados e semi assalariados rurais contra os patrões, grandes
empresários de terra. Vale ressaltar que essas três frentes de lutas não estão separadas uma das
outras, elas se relacionam entre si. Embora sejam muito diferentes entre si, elas são essenciais
para o processo da revolução agraria no Brasil.
Trabalhadores rurais sem terra sentiram a necessidade de uma maior organização para
uma melhor conquista de terra e de seus direitos. Fundaram então o Movimento dos sem
Terra – MST.
No encontro nacional feito em 1984, com participação de lideres dos sem terra de
diversos estados do país, discutiram e aprovaram os princípios do novo movimento. Tais
princípios serviriam para por ordem no movimento e não acabar perdendo o foco de luta. Seus
princípios eram: lutar pela reforma agrária já; queriam uma sociedade igualitária; manter a
autonomia politica do movimento; a terra ficar nas mãos de quem trabalha. Eram
considerados trabalhadores rurais sem terra: parceiros, posseiros, ocupantes, agregados, entre
outros.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem – Terra (MST) trouxe nos anos 80 para o
cenário da mídia a questão de reforma agrária que até então não era um tema discutido e
visível para a população. Com isso, as suas ações de protestos, e a capacidade de desenvolver
a luta pela reforma agrária ganham visibilidade na mídia, visando dessa forma à comunicação
com a sociedade como um todo, criando assim, sua existência social.
No ano de 1995, o Movimento dos trabalhadores sem Terra lançou a Proposta de
Reforma Agraria. Sua luta era por um novo poder agrícola que contemplasse a pequena e
media propriedade, os sem terra e assentados rurais. Os objetivos dessa reforma, segundo
Stedille, eram:
[...] garantir trabalho para todos os trabalhadores rurais sem terra; produzir
alimentação farta, barata e de qualidade para toda a população brasileira; garantir o
bem estar social e a melhoria das condições de vida de forma igualitária para todos
os brasileiros; buscar permanentemente a justiça social, a igualdade de direitos em
todos os aspectos: econômico, politico, social, cultural e espiritual; difundir a pratica
dos valores humanistas e socialistas nas relações entre as pessoas; contribuir para
criar condições objetivas de participação igualitária da mulher na sociedade;
preservar e recuperar recursos naturais; implementar a agroindústria e a indústria
66
Expropriação
1680
como o principal meio de se desenvolver o interior do país; e gerar emprego para
todos os queiram trabalhar na terra. (2005)
Implementando todos esses objetivos, a sociedade por inteiro lucraria com o sucesso,
pois todos precisam se conscientizar que a programa da reforma agraria não é só uma solução
para os problemas do meio rural, mas também do meio urbano. De uma maneira mais
simples: esse novo modelo de reforma agraria garante um ótimo desenvolvimento econômico,
politico e cultural para a população do campo, consequentemente, quem mora na cidade se
beneficia também, pelo simples fato de comprar os produtos do campo.
A luta Campesina pela Reforma Agrária contribuiu para reforçar a impressão de que a
questão agrária no Brasil deixara de ser politicamente relevante. A origem do MST está
intrinsecamente ligada à emergência do novo sindicalismo dos movimentos sociais urbanos,
bem como a origem do Partido dos Trabalhadores (PT). Dentro desse contexto, Almeida e
Sánchez (1997), elencam três importantes processos para se constatar essa afirmação:
Um deles foi à modernização capitalista de fortes traços conservadores que dominou
a agricultura brasileira nas décadas de 60 e 70 e aguçou os conflitos agrários,
principalmente nos estados de São Paulo e no Sul do país, onde surgiu o embrião do
movimento. Em segundo lugar, merece destaque a ação pastoral dos cristãos ligados
à Teologia da Libertação e sua convergência, na conjuntura brasileira, com o ideário
de setores da esquerda marxista. (...) O terceiro processo remonta ao conjunto de
experiências organizativas acumuladas pelos trabalhadores rurais nas décadas que
precederam o golpe de 64 e que não foram, ou foram incorporadas (total ou
parcialmente) pela organização sindical que emergiu depois. Embora tenham sido
derrotadas pela ditadura militar, as experiências das Ligas Camponesas, da União
dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultabss) são referências
freqüentemente destacadas pelos próprios dirigentes do MST.(1997)
De acordo com o MST ―a luta pela reforma agrária e pelo sonho da justiça social vai
além da conquista da terra. A luta dos Sem Terra é por um projeto popular para o Brasil,
baseado na dignidade, soberania e solidariedade entre todos e todas‖ (MST, 2005). Assim o
MST busca associar uma luta politica de mudança da própria gestão do país – por um projeto
popular para o Brasil.
Diante do exposto, o MST criou sua estratégia de luta, a ocupação de terras sendo esta
a sua principal característica. Vale ressaltar que o MST recorre a uma variedade de formas de
lutas. Desde a ocupação de órgãos públicos, fazendo greves de fome, passeatas nas grandes e
pequenas cidades, marchando ao longo das rodovias em ―caminhadas‖, propõem jornadas
nacionais a outras forças políticas (Navarro, 1997; Stédile, 1997).
1681
De acordo com documento produzido pelo MST, a sua primeira coordenação reuniu
representantes de cinco Estados da região do Centro – Sul do país bem como Rio Grande do
Sul (RS), Santa Catarina (SC), Paraná (PR), São Paulo (SP) e Mato Grosso do Sul (MS). Esta
coordenação foi criada em janeiro do ano de 1983. Porém, o MST foi fundado oficialmente
em 1984 num encontro nacional em Cascavel, estado do Paraná, contando com o apoio da ala
progressista da igreja, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, que ajudou a articular as
lideranças dos diversos movimentos.
O MST é formado por trabalhadores e trabalhadoras rurais em sua maioria arruinados,
mas também há trabalhadores(as) sem perspectivas, e também por servidores desiludidos.
Como o MST luta por Reforma Agrária, ou seja, por um pedaço de terra que lhe dê o sustento,
é natural que nos próprios assentamentos exista cooperativas para a produção, delas ligada a
Confederação das Reforma Agrária do Brasil (Croncrab), (VEJA, 1491 p. 35).
A proposta de cooperação formada pelo MST, regida pelo Sistema Cooperativista dos
Assentados (SCA) possui dois caráter: o econômico e o político que o diferencia das
cooperativas tradicionais. Como caráter econômico, ele deve ser gerido com eficiência para
permitir o sustento dos assentados, sem criar obstáculos para o trabalho politico. Como caráter
politico, se dá a atuação na organização política dos assentamentos, na conscientização e
politização da base, e assim na mobilização social bem como na articulação das lutas
econômicas e políticas e também na contribuição para o Setor da Frente de Massas.
O MST contribuiu muito para esclarecer a população sobre a questão de Reforma
Agraria no Brasil, pois através da sua luta e suas ações possibilitou que a população se
engajasse na luta, defendendo assim também a sua bandeira, entendendo a importância desse
movimento, a ideologia desse grupo e compreendendo suas ações. Isso é muito significante
uma vez, que os governos adotam politicas de confrontos direto com esses trabalhadores, para
conter suas ações.
O MST E A SUA RELAÇÃO COM OS DIVERSOS SETORES DA
SOCIEDADE
O governo brasileiro considera o MST um grupo que atua de forma política. Mas elas
ilustram também a tática do governo de desqualificar constantemente esse movimento e
dificultar as negociações.
1682
Deve-se prestar especial atenção aos grupos que estabelecem uma novidade no cenário
político nacional. Pode-se dizer que o MST constitui um ator político novo, mesmo que
nenhuma de suas ações ou características organizativas seja original. A novidade está na
articulação, feita a partir de táticas e elementos já conhecidos, e na habilidade política que o
movimento tem demonstrado, ao fazer aliados em vários segmentos da sociedade civil. Trata-
se de uma forma diferente de reivindicação social, ou, se preferirmos, de uma nova forma de
atuação política.
A partir de uma ampla pesquisa em material jornalístico, verifica-se que o MST
conquistou um espaço político importante no quadro público atual, e, contrariando toda uma
suposta tradição de passividade e anomia do povo brasileiro, consegue se organizar, ter força
política e desafiar os poderes constituídos. Uma análise detalhada do relacionamento entre o
MST e o governo, revelou que o movimento cresceu e se expandiu durante a presidência de
Fernando Henrique Cardoso, e não pode mais ser ignorado.
O MST e a luta pela terra
O MST surgiu da reunião de vários movimentos populares de luta pela terra, os quais
promoveram ocupações de terra em várias partes do mundo.
Naturalmente, o MST não é o primeiro movimento de luta pela terra. Na história do
Brasil há vários relatos de revoltas camponesas. Todos os movimentos anteriores, contudo,
permaneceram limitados à região em que surgiram.
Uma característica importante que destaca o MST de todos os movimentos anteriores
de luta pela terra: trata-se do primeiro movimento que identifica como seu principal
adversário o governo federal, e não os grandes proprietários de terras. Faz-se necessário
lembrar, também, que o MST não é o único movimento de luta pela reforma agrária. Existem
atualmente dezenas de outros movimentos, inspirados no MST ou dissidências dele.
O MST e o governo
Faz-se necessário ressaltar que, entre essas duas datas, dois acontecimentos
importantes obrigaram o governo a dedicar maior atenção ao MST: o massacre de Eldorado
dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, e a Marcha a Brasília, realizada de fevereiro a
abril de 1997. Com efeito, apesar de ter incluído a reforma agrária no plano de governo
1683
anunciado durante a campanha eleitoral (O Globo, 06/07/97), de ter afirmado que "a base da
política fundiária do meu governo é a reforma agrária" (Folha de S.Paulo, 24/03/95), e de ter
anunciado a intenção de dialogar com o MST em audiência, em 27 de julho de 1995, o
Presidente da República não percebeu imediatamente a gravidade do massacre de Eldorado
dos Carajás, em que 19 militantes do MST foram mortos pela polícia militar do Pará.
A postura do governo diante do MST mudou após o massacre de Eldorado dos
Carajás. Fernando Henrique Cardoso percebeu a necessidade de coordenar melhor as ações
para poder enfrentar o movimento. Essa mudança foi percebida pelos meios de comunicação:
"O governo resolveu adotar uma linha mais dura para enfrentar o MST. O objetivo é impedir
não apenas as invasões de sedes do Incra, como o MST vem fazendo nas grandes cidades,
mas também a ocupação de fazendas, ação preferencial dos sem-terra. A proposta aprovada na
reunião foi coordenar a repressão ao MST no Gabinete Militar da Presidência, em vez de
deixar a tarefa para os governadores de Estado. Toda vez que se verificar que as polícias
militares não estão dando conta dos conflitos, tropas do Exército serão chamadas."
Outra linha de conduta adotada pelo governo, para enfrentar a pressão exercida pelo
MST, é tentar descaracterizá-lo como movimento social, para enquadrá-lo como um
movimento criminoso, que realiza um conjunto de ações fora da lei. Como mostram esses
exemplos, as principais estratégias do governo para combater o MST não enfrentam
diretamente o movimento, mas buscam atingir a sua imagem e popularidade junto à opinião
pública.
Os encontros entre o Presidente da República e representantes do MST também são
importantes, pois é a partir deles que tanto o governo quanto o movimento se reconhecem
mutuamente como interlocutores políticos. A partir do momento em que estabelecem um
diálogo, por mais truncado que seja eles se reconhecem como adversários, mesmo em campos
opostos, e não como inimigos. Com efeito, para ambos seria um erro estratégico pretender
eliminar o outro, pois o MST precisa do governo, da mesma forma que o governo não pode
ignorar o MST. Os dirigentes do movimento têm plena consciência de que precisam da
mediação do governo para atingir os seus objetivos. Apenas o governo pode desapropriar
terras, conceder indenizações, garantir crédito aos assentados, estabelecer uma política agrária
e executá-la. Em outras palavras, o governo é o único ator que pode conciliar os interesses em
jogo e impedir que o conflito entre os proprietários de terra e os sem-terra se radicalize
1684
Uma análise dos enfrentamentos entre o MST e o governo mostra que a luta pela
reforma agrária dá origem a duas formas de pressão sobre o governo. A primeira forma é
aquela exercida por sem-terra acampados e só se desfaz quando o assentamento é
conquistado. Surge então o segundo tipo de pressão, aquele exercido pelos assentados para ter
acesso aos créditos de reforma agrária, e viabilizar a produção até que o assentamento adquira
autonomia suficiente para ser emancipado.
ESTRATÉGIAS DE LUTA
O movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também conhecido como MST, é
fruto da articulação das lutas pela terra, que foram retomadas a partir do final da década de 70,
especialmente na região Centro-Sul do país e, aos poucos, expandiu-se pelo Brasil inteiro. O
MST tem como bandeira de luta a Reforma Agrária e a construção de uma sociedade mais
justa e emancipada.
O MST tem como principais estratégias de luta a questão da ocupação dos latifúndios
improdutivos como a principal forma de luta pela terra, e a mobilização em massa dos sem-
terra. O MST tem na luta pela terra seu eixo central e característico, mas as suas ações tem
como eixo questões relacionadas à produção, à educação, à saúde, à cultura, aos direitos
humanos e a uma vida mais digna no campo.
Através de suas ações o MST reconhece que para que a reforma Agrária aconteça de
fato para isso é importante que a sociedade possa reconhecer que para isso é importante a luta
não apenas dos trabalhadores e das trabalhadoras da terra,mais da sociedade como um todo.
O MST se configura como um movimento que possui em suas ações políticas a
ocupação de terra e a ação de praticas educativas voltadas para a formação dos militantes para
que estes possam atuar da melhor maneira em prol da reforma agrária e de seus direitos.
As ocupações de terra e prédios públicos são atos políticos que intencionam pressionar
o Poder Público a agir, isto é, realizar, em sentido estrito, a reforma agrária, bem como
garantir subsídios agrícolas. O trabalho do MST consiste na luta pelo acesso e permanência na
terra.A reforma agrária é essencial para diminuição das desigualdades sociais e as ocupações
de terra e as ocupações coletivas são os atos políticos que dão visibilidade ao Movimento,
sendo forte e contundente instrumento de pressão para consecução dos objetivos do
Movimento. O MST luta pela terra e pela reforma agrária, mas também por outras questões
inerentes à pessoa humana, como soberania alimentar, moradia, trabalho, enfim, cidadania e
1685
dignidade. Assim, a luta é realmente de todos. Internamente, tanto é dos trabalhadores(as)
rurais, dos indígenas e dos quilombolas, como também é dos trabalhadores(as) urbanos(as), e
extremamente englobado os diversos movimentos sociais que lutam contra a hegemonia da
submissão e dominação, que lutam por melhores condições de vida e de cidadania.
Entre suas estratégias inclui-se também a formulação de propostas de políticas sociais
e participação nas políticas públicas. Os movimentos sociais rurais têm utilizado
especialmente das marchas de seus participantes à Brasília como estratégia deste nível
organizativo, além de manifestações e protestos em várias regiões do país.
Como se dá a direção e forma de organização do MST
A direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST), que foi fundado
no início da década de 1980, esta alicerçado em três intuitos, sendo eles: lutar pela terra, pela
Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa e fraterna. É válido salientar que, esse
movimento social não defende esses princípios apenas para a população camponesa, pois
acredita-se que esses objetivos só podem ser alcançados por meio da união da classe
trabalhadora em todas as instâncias, abarcando assim as expressões da questão social como:
desigualdade social e de renda, a discriminação de etnia e gênero, a concentração da
comunicação, a exploração do trabalhador urbano, etc. Então defende-se que juntos temos
mais força para lutar contra a ofensiva do capitalismo, que tem a exploração do homem pelo
homem, como meio de sobrevivência. Com isso, o MST, passou a preocupar-se com a
educação política dos seu integrantes bem como de seus filhos. Pois, as escolas regulares não
tinham uma leitura crítica da realidade social vigente no país combatido pelo movimento,
tendo uma forte tendência a criminalizar o MST.
Sendo assim, entendeu-se que só a partir da educação com a condição de formar
aliados por meio de uma discussão político social, instauradas nos diversos níveis de ensino,
seja ele básico eu superior que discuta claramente a questão agrária, é que a real condição de
opressão da classe trabalhadora pode ser modificada e com isso, fortalecer os movimentos
sociais de modo geral. (site oficial do MST, NOSSOS OBJETIVOS, publicado em 2003).
É válido salientar que o Movimento do Sem Terra (MST), detém uma dimensão
nacional, pois está presente em 24 estados nas quatro regiões do país, onde cerca de 350 mil
famílias, conquistaram a terra através da luta e organização dos trabalhadores rurais. Cujo, as
famílias assentadas e acampadas, organizam-se em uma estrutura participativa e democrática
1686
onde existem os núcleos que discutem a produção, a escola, as necessidades de cada área.
Destes núcleos, saem os coordenadores e coordenadoras do assentamento ou do
acampamento. A mesma estrutura se repete em nível regional, estadual e nacional. Um
aspecto importante é que as instâncias de decisão são orientadas para garantir a participação
das mulheres, sempre com dois coordenadores, um homem e uma mulher. E nas assembléias
de acampamentos e assentamentos, todos têm direito a voto: adultos, jovens, homens e
mulheres.
O maior espaço de decisões do MST é o Congresso que ocorre a cada 5 anos. É nesse
espaço que são definidas as linhas políticas do Movimento para o próximo período e avaliado
o período seguinte. Estas definições são abreviadas nas palavras de ordem de cada Congresso
e que se ampliam para o período seguinte. Lembrando que, a cada dois anos, o MST realiza
seu encontro nacional, onde são avaliadas e atualizadas as definições deliberadas no mesmo.
Além dos Congressos, Encontros e Coordenações, as famílias também se organizam por
setores para encaminharem tarefas peculiares. Setores como Produção, Saúde, Gênero,
Comunicação, Educação, Juventude, Finanças, Direitos Humanos, Relações Internacionais,
entre outros, são organizados desde o nível local até nacionalmente, de acordo com a
necessidade e a demanda de cada assentamento, acampamento ou estado. (site oficial do
MST).
PROJETO SOCIETÁRIO DO MST
A crise econômica do final da década de 1970, fez com o capitalismo buscasse novas
formas de sustentabilidade danasse início a um processo de reformas estruturais tanto no
campo econômico, da educação, social entre tantos outros, para que assim de alguma maneira
pudesse sair da crise profunda que afetou principalmente os países de economia central, mas
que afetou grande parte do mundo inclusive o Brasil.
Como sempre acontecem os detentores dos meios de produção sempre buscam refugio
nas correntes ideológicas que de alguma forma dão legitimidade e que oferecem as condições
sociais para salvaguardar sua posição social de classe hegemônica. Nesse período a corrente
teórica que preenchiam a esses pré-requisitos ela o Neoliberalismo.
O Neoliberalismo faz a defesa de um Estado mundo mínimo principalmente quando se
trata em suprir as necessidades sociais da população, deixando essa responsabilidade para as
organizações da sociedade civil (GURDEL, 2010. p. 7).
1687
Devido ao desenvolvimento da industrialização tardio, é que só nesse período que
efetivamente que começam a se organizar no Brasil uma nova fase do modo de produção
capitalista.
Essas transformações afetam não somente aos grandes centros urbanos mas se
propagam – ainda que num primeiro momento com menor foça devido inclusive uma
peculiaridade do desenvolvimento econômico-social-político se dar de forma centralizada e
desigual – também para o campo, afetando o modo de vida dessas populações já
―acostumadas‖ a serem esquecidas. Estavam colocados agora para esses trabalhadores
questões como a construção de Hidroeletricas, o plantio de enormes extensões de
monoculturas, o agronegócio, a modernização rural, o processo de redemocratização do Brasil
e etc. (SIMIONATTO; AZEVEDO; MENDES, 2012. P. 2).
A opção político-econômica do Estado brasileiro na manutenção dos grandes
latifundiários e em priorizar ao agronegócio em detrimento do pequeno agricultor e
agricultura familiar fez com que dos anos 1970 até os dias de hoje houvesse uma ponderável
movimentação das pessoas do campo para as cidades.
Em meio a todas essas transformações Fez surgi à necessidade dos trabalhadores rurais
se unirem em prol de reivindicarem melhores condições de vida e permanência no campo.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), surgi nesse contexto, ele
representada a capacidade dos trabalhadores de se unir, e, reivindicar transformações sociais
em uma estrutura fundiária há muito tempo consolidada no país, pois é o mesmo modelo de
estrutura implementado aqui durante a colonização. Modelo esse responsável em grande parte
pela desigualdade social.
O MST aglutina em torno de se várias categorias de trabalhadores desde pequenos
proprietários de terra, posseiros expulsos, boias-frias, meeiros, atendidos por barragens,
reassentados, trabalhadores dos centros urbanos expulsos de suas terras entre outros, estando
em presente em 24 estados, atingindo quase todo o território brasileiro.
O MST é hoje um dos principais movimentos sociais rural, sendo um dos que
concentra a maior quantidade de trabalhadores na América Latina, tendo grande relevância na
organização políticas desses trabalhadores.
Fundamentalmente o MST gira suas ações em torno de três grandes pautas
reivindicatórias: a primeira delas é a luta pelo acesso a terra, segunda seria a defesa que
1688
finalmente no Brasil seja realizada a reforma agraria e por último tem a luta para que sejam
feitas alterações sociais no país (SIMIONATTO; AZEVEDO; MENDES, 2012. p. 2).
Cabe ressaltar que estando o MST inserido na dinâmica societária e atento as
transformações das relações sociais vem pontuando outras questões além das que já foram
citadas acima.
No V Congresso Nacional do MST realizada em 2007 em Brasília, é reafirmado o
papel do MST na defesa dos direitos do povo e contra as desigualdades e injustiças sociais por
quem historicamente a ampla maioria da população vem passando. Sendo assim, é colocada a
importância de se articular com outros setores organizados da sociedade como uma maneira
de construir o projeto popular; se unir na defesa dos direitos já alcançados, lutar contra as
privatizações do patrimônio publico; acabar com os latifúndios principalmente aqueles dobre
a posse de estrangeiros ou bancos; fazer a defesa de nossas matas nativas que são destruídas
para expansão dos latifúndios; combater as transnacionais que controlam a produção de
semente, a produção e o comercio da produção agrícola; pelo fim do trabalho escravo no
campo punindo-se seus responsáveis; lutar contra a violência no campo bem como a
criminalização dos movimentos sociais, demarca-se o limite máximo do tamanho da terra;
defesa do meio ambiente; que o controle da produção dos biocombustíveis estejam nas mãos
dos camponeses; lutar pelo acesso da classe trabalhadora a educação gratuita e de qualidade;
para que cada comunidade tenha seus próprios meios de comunicação; Fortalecer os
movimentos sociais camponesas na Via Campesina Brasil e por fim contribuir para a
integração dos povos da América Latina através da defesa ALBA – Alternativa Bolivariana
dos Povos das Américas (CARTA DO 5º CONGRESSO NACIONAL DO MST, 2009).
Além dessas o MST puxa lutas que não estão ligadas diretamente ao campo tais como:
cultura, combate a violência sexista, democratização da comunicação, saúde pública,
desenvolvimento econômico para melhoria de toda a população, defesa da diversidade ética,
ampla participação população nas esferas de decisão política e a defesa da soberania nacional
e popular (SITE DO MST, 2013). Mas sem perder de vista o que é central na organização do
movimento que é a construção de um novo projeto de sociedade pautado no socialismo.
(SIMIONATTO; AZEVEDO; MENDES, 2012. p. 3).
O MST dá o exemplo de que somos capazes de nos organizar e enfrentar o grande
capital. No processo da luta de classes o MST se torna um importante espaço de disputa
ideológica. O movimento sempre tá buscando formas de dar visibilidade as suas
1689
reivindicações para isso são traçadas as mais variadas táticas, optando em geral por ações
diretas como ocupações de terras e prédios públicos, acampamentos, marchas e passeatas,
interdições de estradas e vias, pressão política do governo e etc.
A partir de 2002 quando Lula é eleito como novo presidente da república, profundas
transformações ocorrem dentro da organização da classe trabalhadora, inclusive dentro do
próprio MST. A eleição de Lula representava para os movimentos sociais a esperança de
terem suas reivindicações atendidas. Ainda que o PT tenha que fazer várias alianças políticas
e acordo com a burguesia para se eleger, não podemos desconsiderar que essa eleição só foi
possível também devido a aceitação dos movimentos sociais e devi ao acumulo político que
esses já vinham construindo a várias décadas.
O Governo Lula representou um desafio para a manutenção da força reivindicatória
dos movimentos sociais, pois muitas lideranças dos movimentos passaram a fazer parte da
cúpula do governo. Mas mesmo diante dos desafios apresentados pela nova conjuntura social
O MST segue em frente com ações d luta e resistência contra o poder que nos oprime,
buscando sempre formas de organizar, mobilizar e conscientizar o povo.
CONCLUSÃO
Compreendemos que o MST se constitui como um movimento social em favor de
iniciativas de desapropriação e reforma agraria de modo a prover a distribuição igualitária das
terras. Nesse contexto percebemos o quanto o mesmo com todos os limites encontrados tem
atuado com ações e medidas consistentes com a finalidade de satisfazer as demandas coletivas
de modo a alcançar a justiça social.
Esse estudo também nos possibilitou um maior realismo ao lidar com a questão agraria
e possíveis políticas de enfrentamento da mesma, no sentido de verificar que existem muitos
desafios para a sua concretização, em virtude de uma extrema concentração de terras e de um
Estado neoliberal que não é capaz de prover os direitos sociais mantendo-se a ordem
capitalista. A política econômica e social realizada pelos atuais governos não tem contribuído
de forma totalizante, a questão agraria se agudiza e ganha imensas proporções com a
consolidação do agronegócio a nível nacional.
Portanto, reafirmamos que os graves problemas manifestados nas expressões da
questão agraria em nosso País só podem ser efetivamente enfrentados no processo de
1690
organização, mobilização e luta dos movimentos sociais como o MST em prol de conquistas
democráticas e sociais tendo como horizonte a construção de uma nova ordem societária.
REFERENCIAS
Cartilha do MST: Lutas e conquistas, Secretaria Nacional do MST - Movimento dos
GURGEL, Telma. Feminismo e Luta de Classe: história, movimento e desafios teórico-
políticos do feminismo na contemporaneidade. In: Fazendo o Gênero 9. 23 a 26 de agosto de
2010.
http://scholar.google.com.br/scholar?hl=ptBR&q=projeto+societario+do+MST&btnG=&lr=ht
tp://www4.pucsp.br/neils/downloads/v5_artigo_lucio_felix.pdf
Disponivel em: http://www.mst.org.br/ Acessado em O9 de março de 2013.
SIMIONATTO, Ivete; AZEVEDO, de Daviane; MENDES Kaliandra.O MST na Conjuntura
do Governo Lula e as Tenções na Disputa por um Novo Projeto Societário. In: XX Seminario
Latino Americano de Escuela Trabajo Social. 2012. Disponível em:
http://200.16.30.67/~valeria/xxseminario/datos/1/1br_simionatto_stamp.pdf
STEDILE, João Pedro; A questão agrária no Brasil 1 – O debate tradicional: 1500 - 1960;
Expressão Popular, 2ª ed. São Paulo – 2011.
STEDILE, João Pedro; A questão agrária no Brasil 3 –Programas de reforma agrária: 1946 -
2003; Expressão Popular, 1ª ed. São Paulo – 2005.
Trabalhadores Rurais Sem Terra,janeiro de 2010, 2a edição São Paulo -SP
1691
PERFIL SOCIOECONÔMICO E PREFERÊNCIAS DO CONSUMIDOR DE LEITE
EM EXU-PE
Talinny Nogueira Lacerda67
Alanyelle Gonçalves de Alencar68
Wescley de Freitas Barbosa69
Eliane Pinheiro de Sousa70
RESUMO
Dada a importância desempenhada pelo leite na alimentação humana, este estudo busca analisar o
comportamento do consumidor de leite no município de Exu-PE. Especificamente, pretende-se
descrever o perfil socioeconômico do consumidor de leite no município de Exu-PE; apresentar a
escolha do consumidor quanto ao tipo de leite, identificando seus fatores determinantes; e comparar o
consumo de leite com as características socioeconômicas do consumidor. Para atender a esses
objetivos propostos, utilizou-se o método analítico da estatística descritiva por meio de tabelas e
gráficos. Os dados foram coletados diretamente com os consumidores de leite de Exu-PE. Os
resultados mostraram que a maior parte dos consumidores prefere o leite in natura e consome o leite
frequentemente. Entretanto, apesar de o município ser grande produtor de leite, seu consumo está
abaixo do recomendado pela FAO. Portanto, devem ser adotadas medidas para incentivar o consumo
de leite neste município.
Palavras-chave: consumo de leite, preferências, Exu.
1. INTRODUÇÃO
O leite é essencial na dieta alimentar humana, pois contém proteínas e minerais
fundamentais à promoção do crescimento e da manutenção da vida, como cálcio, vitamina D,
proteína, potássio, vitamina A, vitamina B12, fósforo, riboflavina, niacina, ente outros. Esse
alimento desempenha um papel primordial nas diferentes fases da vida humana, sendo que, na
67
Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Telefone: (88) 9716-
4285.
E-mail: [email protected] 68
Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Telefone: (87) 9667-7926
E-mail: [email protected] 69
Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e Bolsista de Iniciação
Cientifica PIBIC CNPq. Telefone: (88) 9977-9812. E-mail: [email protected]. 70
Doutora em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Professora adjunta do
Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). Telefone: (85) 9680-2139.
E-mail: [email protected]
1692
infância, age na formação e no desenvolvimento do organismo; na adolescência, auxilia no
crescimento rápido através de boa composição muscular e óssea; e, na terceira idade, atua na
manutenção da integridade dos ossos. Além de sua importância nutricional, o leite é um dos
principais produtos do agronegócio brasileiro (MALLMANN et al., 2012).
Entretanto, apesar de sua relevância, verifica-se que, conforme Goldbarg (2007), o
consumo de leite no Brasil ainda encontra-se abaixo dos países desenvolvidos e aquém das
recomendações do Ministério da Saúde, que é de 146 litros/ano por criança até 10 anos de
idade; 256 litros/ano por jovens de 11 a 19 anos; e 219 litros/ano por adulto acima de 20 anos.
Ademais, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2010) revelam redução na
participação relativa de leite e derivados no total de calorias pela aquisição alimentar
domiciliar de 6,0% para 5,8%, respectivamente, entre 2002-2003 e 2008-2009, sendo que a
participação relativa do leite caiu de 4,8% para 4,4% e de derivados teve um acréscimo de
1,2% para 1,4% durante esse período.
Em face dessas considerações, reveste-se de importância a realização de estudos que
busquem conhecer o perfil do consumidor de leite com o intuito de incentivar a expansão do
seu consumo. Para Goldbarg (2007), Isernhagen (2012) e Mallmann et al. (2012), o
conhecimento do perfil e das preferências dos consumidores assume grande importância, pois
permite que sejam traçadas ações que contribuam para o desenvolvimento da produção e do
consumo de leite no país, por meio de campanhas de marketing destinadas à comercialização,
melhor organização da cadeia produtiva e melhoria da qualidade.
Dada a sua relevância, essa questão tem sido amplamente abordada na literatura
recente em diversos recortes geográficos brasileiro, contemplando o comportamento do
consumidor de leite dos vários tipos (GOLDBARG, 2007; MAGDALENA et al., 2008;
FREIRE et al., 2009; NASCIMENTO, DÖRR, 2010; SOARES et al., 2010; AGUILAR et al.,
2012; ISERNHAGEN, 2012; MALLMANN et al., 2012).
Dentre esses estudos, somente o de Soares et al. (2010) foi aplicado à região Nordeste
brasileira, no estado do Rio Grande do Norte. Entretanto, conforme a Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF, 2010), a disponibilidade de leite na região Nordeste está bastante aquém da
média nacional, pois enquanto a participação relativa de leite no total de calorias pela
aquisição alimentar domiciliar era de 5,8% em termos médios nacionais em 2008-2009, sendo
o leite responsável por 4,3%, a participação na região Nordeste era de 4,6%, sendo 3,6%
atribuído ao leite.
1693
No estado de Pernambuco, onde se localiza o município de Exu, objeto de estudo deste
trabalho, a situação é ainda mais preocupante, visto que a participação relativa de leite no total
de calorias pela aquisição alimentar domiciliar era de apenas 3,4% (POF, 2010). Em
contrapartida, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) indicam
que Pernambuco é o segundo maior produtor de leite da Região Nordeste, perdendo apenas
para Bahia e que o município pernambucano de Exu tem destaque no Estado como grande
produtor de leite.
Portanto, este estudo se propõe analisar o comportamento do consumidor de leite no
município de Exu-PE. Especificamente, pretende-se descrever o perfil socioeconômico do
consumidor de leite no município de Exu-PE; apresentar a escolha do consumidor quanto ao
tipo de leite, identificando seus fatores determinantes; e comparar o consumo de leite com as
características socioeconômicas do consumidor.
2. REVISÃO DE LITERATURA
O comportamento do consumidor de leite tem sido amplamente debatido na literatura
recente em diferentes localidades, conforme apresentado nessa seção.
Goldberg (2007) buscou traçar o perfil do consumidor de leite na cidade de Volta
Redonda, RJ. Este estudo buscou verificar as ocasiões de consumo; o tipo de leite consumido
e o motivo; a forma e a frequência de consumo do leite; as vantagens e desvantagens de beber
leite; a preferência por embalagem; o nível de informação sobre o leite; e os atributos
valorizados na compra desse produto. A pesquisa foi realizada em cinco supermercados da
cidade em outubro e novembro de 2006 com 105 consumidores. Para atender aos objetivos
propostos, utilizou-se o método analítico de estatística descritiva por meio de frequências e
percentagens das variáveis que fizeram parte do estudo. Os resultados indicaram que a
maioria bebe leite quase todos os dias, desconhece a diferença entre os tipos de leite, prefere a
embalagem do leite longa vida e considera o leite como importante para saúde, contribuindo
para uma alimentação balanceada. Desta forma, esse atributo deve ser fortalecido em
campanhas para estimular o consumo deste produto.
Magdalena et al. (2008) avaliaram o consumo de leite entre os idosos da cidade de
Campo Grande, MS, onde se buscou caracterizar os hábitos de consumo de leite para os
adultos com mais de 60 anos, além dos principais fatores que determinam a escolha do tipo de
leite no momento da compra. O método utilizado foi a estatística descritiva com a
1694
apresentação de tabelas, elaboradas a partir da aplicação de questionários com 100 idosos em
três centros de referências aos idosos existentes na cidade. O trabalho observou que a grande
maioria dos idosos entrevistados consome leite com frequência de no mínimo duas vezes por
dia, adquire o leite em supermercados e prefere o leite longa vida. A escolha do produto está
atrelada a confiabilidade aplicada à marca. Essas pessoas consomem o produto com indicação
particular a sua faixa etária. Assim sendo, é incentivado o aprimoramento de produtos
voltados para esse público.
Freire et al. (2009) realizaram estudo buscando analisar as preferências dos
consumidores de leite fluido, em uma comunidade universitária no Sul de Minas Gerais. Para
tal, optou pelo uso da estatística descritiva, organizada por intermédio de tabelas de
distribuições de freqüências e análise de correlação de Spearman, em que foram aplicados 986
questionários entre docentes, discentes e técnicos administrativos da Universidade. A grande
maioria dos entrevistados era do sexo masculino, sendo que, entre os docentes, a parcela mais
expressiva ocupou a faixa etária entre os 41 aos 60 anos, diferentemente dos alunos, em que a
faixa dominante estava entre os 20 e 41 anos. A análise do consumo indicou que a menor
parcela dos entrevistados não consumia leite, a maior parte adquire o leite em supermercado,
dando preferência ao leite longa vida integral, e indicando como fator preponderante a sua
escolha a qualidade do produto. Observou-se que o consumo de leite por parte desta
população está aquém do indicado pelo Ministério da Saúde. Portanto, necessita-se da
implementação de estratégias que venham a melhorar a percepção do consumidor quanto às
características básicas do produto.
Com o objetivo de analisar o consumo de leite e as preferências entre leite
pasteurizado e UHT na cidade de Santa Maria, RS, Nascimento e Dörr (2010) realizaram um
estudo contando como base teórica a Teoria do Consumidor. Para atender ao objetivo
proposto, aplicaram 250 questionários em dois supermercados da cidade, durante fevereiro de
2010. A análise se deu através do método da estatística descritiva, em que se observou a
presença de grande parcela dos entrevistados dando preferência ao leite tipo UHT, porém se o
valor superar a R$ 2,00, substituem pelo Leite Pasteurizado. Os consumidores atribuem
diversos fatores preponderantes a sua escolha, sendo o principal a qualidade, seguido pelo
preço, e ainda pelo sabor. No caso do leite tipo UHT, a opção principal estaria associada ao
preço. Observou-se ainda que os entrevistados não consomem a quantidade mínima de leite
indicada pela Organização Mundial da Saúde.
1695
Soares et al. (2010) analisaram o hábito do consumo de leite em três cidades do Rio
Grande do Norte (Natal, Mossoró e Apodi), em que se procurou verificar o nível de
informação da população estudada em relação ao tipo de leite consumido. Para este fim,
foram aplicados questionários com 553 entrevistados em dezembro de 2009. Através da
estatística descritiva, obteve os seguintes resultados: parcela majoritária possui o hábito de
consumir leite, e este ocorre diariamente, indicado pela concepção de ser o leite dotado de
proteínas e minerais essenciais ao desenvolvimento humano, grande parte opta pelo leite tipo
UHT, seguido pelo pasteurizado e pelo em pó, mas também houve indicação do consumo de
leite in natura. Neste caso, mesmo sendo recomendada a prática da fervura, chama-se atenção
aos perigos de contaminação existentes neste tipo leite, fazendo-se necessária a
conscientização dos consumidores.
Aguilar et al. (2012) buscaram identificar as preferências de consumo dos leites UHT
e pasteurizado tipo C na cidade de Janaúba, MG. Para isso, muniu-se da aplicação de
questionários no centro da cidade com 1.561 entrevistados. Utilizou-se do método analítico da
estatística descritiva e do teste do Qui-quadrado. Os resultados indicaram que a maior parcela
dos entrevistados possuía o hábito do consumo do leite, sendo que a opção mais frequente foi
o leite pasteurizado, devido ser obtido através de um programa do Governo Federal; um terço
dos entrevistados possuía o hábito de consumir leite informal e desconheciam as doenças
possivelmente transmitidas por esse tipo de leite; e os demais consomem o leite UHT, em pó
e outros tipos.
Para avaliar o comportamento do consumidor diante da compra do leite, analisando
suas opiniões e seu nível de conhecimento em relação aos diversos atributos do leite,
Isernhagen (2012) realizou pesquisa na cidade de Campo Grande, MS, em que se aplicou 228
questionários em supermercados. O método de análise utilizado foi a estatística descritiva. Os
resultados mostraram que a maior parte dos entrevistados toma leite diariamente e prefere o
leite longa vida, por acreditar que este possui um padrão de higiene mais elevado. Quanto ao
nível de informação sobre o leite, a maioria indicou um conhecimento mediano, tanto em
relação aos nutrientes, quanto seus efeitos para a saúde.
Mallmann et al. (2012) realizaram estudo sobre as preferências e o perfil dos
consumidores de leite na cidade de Palmeira da Missões, RS, buscando identificar o nível de
conhecimento sobre os diferentes atributos do leite. Para tal, foram aplicados 427
questionários, usando como método analítico a estatística descritiva. Os resultados revelaram
1696
que a maioria dos entrevistados consome leite, sendo que, dentre estes, a maior parcela toma-
o com café, e o iogurte foi indicado como o melhor substituto do leite. Os consumidores
tendem por optar pelo leite da embalagem longa vida, sendo do tipo integral, e preferem o que
apresentar maior indicação, ou representatividade de qualidade. Em relação à embalagem, os
consumidores pesquisados optam pela de um litro, indicando ainda o desejo por uma de
menor conteúdo. Ademais, verificou-se pequena elasticidade em relação à renda, e um pouco
de sensibilidade em relação ao aumento do preço.
A maior parte desses estudos se limitou ao uso das ferramentas analíticas de estatística
descritiva e não buscaram verificar a influência das variáveis socioeconômicas na preferência
pelo tipo de leite e demais atributos do consumo do leite. Este estudo além de contribuir neste
sentido também aborda uma cidade produtora de leite do Nordeste, que tem sido pouco
explorado na literatura.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
O presente estudo se embasou na teoria microeconômica do consumidor, sob a qual se
faz possível avaliar o comportamento e a tomada de decisões do consumidor ante a aquisição
de um produto, bem como sua preferência até que obtenha o nível máximo de satisfação.
De acordo com Pindyck e Rubinfeld (2010), considerando a imensa variedade de bens
disponíveis no mercado, podem-se descrever as preferências do consumidor através da
indicação por parte do consumidor de sua cesta de mercado. Os autores identificam três
pressupostos básicos em relação à preferência do consumidor por uma determinada cesta de
mercado: integridade, onde o consumidor estaria indiferente entre uma cesta a outra, já que
ambas o trariam o mesmo nível de satisfação; transitividade, em que se o consumidor optou
por X em detrimento de Y, e Z em detrimento de Y, ele também optará por Z em relação a X;
O consumidor nunca estará completamente satisfeito, ou seja, se houver opção de uma maior
aquisição ele a adotará.
Para ilustrar as preferências do consumidor, utilizam-se as curvas de indiferença, onde
são representadas pelas combinações de cestas de mercado que possam fornecer o mesmo
nível de satisfação ao consumidor. Desta forma, o consumidor estará indiferente a qualquer
opção disposta ao longo da curva de indiferença. Ao se ampliar a visão e implementar mais de
uma curva na análise, compõe-se um mapa de indiferença, sendo que com várias curvas
apresentadas, o consumidor estará indiferente as cestas dispostas sobre a mesma curva, no
1697
entanto, ao se comparar as curvas, o consumidor adquirirá maior satisfação em uma cesta da
curva que o possibilitar maior aquisição de produtos (PINDYCK e RUBINFELD, 2010)
A curva de indiferença, também poderá ser utilizada para a demonstração da Taxa
Marginal de Substituição (TMS), que nada mais é, do que a quantidade de unidades de um
bem A que o consumidor está disposto a abrir mão para adquirir uma maior quantidade de
unidades do bem B. Em outros termos, a TMS mede ―o valor que um indivíduo atribui a uma
unidade extra de um bem em termos de outro‖ (PINDYCK E RUBINFELD, 2010).
Segundo Varian (2006), através das curvas de indiferença podem-se caracterizar os
bens de acordo com as preferências do consumidor, assim sendo, pode-se dizer que dois bens
são substitutos perfeitos quando o consumidor aceita substituir um bem pelo outro, e que essa
substituição manterá o nível de satisfação, ou pelo menos não ocorrerá um elevado grau de
dispersão em relação ao nível de satisfação. Outra classificação é a de complementares
perfeitos, que ocorre quando esses bens são consumidos sempre juntos em proporções fixas.
Desta forma, o aumento de um implicará no aumento seguido de outro.
Para Pindyck e Rubinfeld (2010), a restrição orçamentária do consumidor ocorre em
virtude de o consumidor possuir renda limitada. A linha de orçamento representa as diferentes
combinações de dois bens para as quais o total de dinheiro gasto seja igual à renda.
Existem modificações que podem influenciar a linha de orçamento, a primeira delas é
a modificação na renda, de modo que dada uma modificação no nível de renda, por exemplo,
um aumento na renda, possibilitará um aumento na aquisição de bens, igualmente se a renda
for reduzida, o consumidor terá que reduzir suas opções de aquisição de bens. Nesta
modificação, pressupõe-se que não houve mudança nos preços. Quando a modificação ocorre
no nível de preço de um dos produtos, e dado aumento no poder de compra, ele poderá
consumir uma maior quantidade de bens.
A escolha deve ser realizada considerando simultaneamente as preferências e o
orçamento, ou seja, os consumidores fazem suas escolhas visando maximizar sua satisfação,
tendo em vista suas preferências e seus recursos limitados. Para isso, a cesta maximizadora de
mercado deverá estar sobre a linha de orçamento e devera fornecer ao consumidor sua
combinação preferida.
Diante do que se expõe, procurar-se-á, a luz da teoria do consumidor analisar as
opções do consumidor de leite.
1698
4. METODOLOGIA
4.1. Área de estudo
O município de Exu tem como sua segunda fonte de renda a agropecuária, além de
localizar-se a 32 km de Bodocó, bacia leiteira do sertão do Araripe, PE. Assim sendo, o
consumo de leite é bastante elevado no município, fato que influenciou a escolha desta área
de estudo.
4.2. Natureza dos dados e amostragem
O presente trabalho utilizou dados primários, coletados com a aplicação de
questionários, entre os meses de novembro e dezembro de 2012, em bairros aleatórios da
cidade.
De acordo com Fonseca e Martins (1996), para se calcular o tamanho da amostra para
populações infinitas através da amostragem aleatória estratificada simples, utiliza-se a
fórmula a seguir:
d
qpn Z
2
2 .. , Onde: n = tamanho da amostra; Z = abscissa da normal padrão; p =
estimativa da proporção da característica pesquisada no universo; q = 1 – p; d = erro amostral.
Considerando-se um erro de estimação de 8% (d=0,08), a abscissa da normal padrão
Z=1,64, ao nível de confiança de 90% e p = q = 0,5 (na hipótese de se admitir o maior
tamanho da amostra, já que não se conhecem as proporções estudadas), obteve-se um
tamanho da amostra (n) igual a 105.
4.3. Método de análise
Para atender aos objetivos propostos, o método analítico utilizado foi a estatística
descritiva por meio da utilização de gráficos e tabelas.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1. Perfil socioeconômico do consumidor de leite
Conforme se observou pela pesquisa de campo, a maioria dos consumidores
investigados é do gênero feminino, aproximadamente 61%, podendo ser atribuído ao fato de
serem as mulheres que cuidam da compra dos gêneros alimentícios da família. Essa maior
1699
participação feminina dentre os consumidores de leite também foi observada no estudo de
Nascimento e Dörr (2010) com os consumidores de leite em Santa Maria, no Rio Grande do
Sul. Além dessa razão, ressaltam também que quando são abordados casais, a esposa é que
tende a responder o questionário.
No tocante à faixa etária, verifica-se pela Tabela 1 que mais da metade dos
consumidores entrevistados possui idade até 35 anos. Em contrapartida, os dados mostram
que apenas 5,8% têm mais de 65 anos, revelando uma pequena participação de idosos na
pesquisa. Entretanto, sabe-se que o leite assume papel essencial na alimentação,
principalmente para os idosos, já que o leite apresenta grande teor de cálcio.
De acordo com os dados apresentados na Tabela 2, constata-se que parcela majoritária
dos consumidores entrevistados recebe uma renda familiar de até dois salários mínimos,
sendo que 45,7% contam com até um salário mínimo para sobreviver. Por outro lado, somente
7,6% dos consumidores pesquisados auferem uma renda acima de quatro salários mínimos.
1700
Esses dados indicam que a renda familiar, em geral, pode ser insuficiente para se obter
alimentos que forneçam os nutrientes necessários para que o organismo exerça bem suas
funções, além de não possibilitar a aquisição de alimentos de maior qualidade. Desta forma,
um consumo alimentar abaixo do recomendado pode resultar em problemas de saúde. No caso
da deficiência de cálcio, obtido no leite, pode ser muito danosa especialmente para crianças e
idosos.
A situação é mais preocupante quando se verifica os dados descritos na Tabela 3 e
percebe-se que mais da metade dos consumidores entrevistados moram na residência com
pelo menos cinco componentes familiares, sendo que somente 32,4% não possuem crianças
em seus lares. Portanto, a renda per capita é muito baixa, comprometendo sobremaneira a
aquisição de alimentos.
1701
O nível de escolaridade dos consumidores analisados de leite pode ser visualizado na
Tabela 4. Verifica-se que o percentual de entrevistados que não obteve nem o ensino
fundamental completo compreende 33,3%, sendo que, dessa participação, 16,2% fizeram
somente a alfabetização. Esse baixo nível de escolaridade pode influenciar negativamente a
obtenção de uma dieta balanceada. Em contrapartida, apenas 3,8% dos consumidores
pesquisados chegaram a concluir o nível superior.
1702
5.2. Preferências do consumidor de leite e a interação do consumo de leite com suas
características socioeconômicas
A grande maioria dos consumidores entrevistados opta pelo leite in natura, conforme
se observa pelo Gráfico 1a. Ao se investigar as razões desta preferência, verifica-se que,
mesmo tendo consciência que o leite in natura possui higienização precária, já que não há
uma fiscalização mais rigorosa, atribui a qualidade como determinante de sua escolha, visto
que não se confia na qualidade do leite longa vida (UHT) nem do leite pasteurizado devido
possuir elevado teor de conservantes. Para Nascimento e Dörr (2010), os consumidores
preferem o leite UHT devido à praticidade da embalagem.
De acordo com Harding (1999) citado por Molina et al. (2010), a sigla UHT refere-se
ao termo ultra-high temperature, pois consiste no método de esterilização do leite a altas
temperaturas, por alguns segundos, com o objetivo de eliminar os microrganismos presentes
no substrato. O leite pasteurizado, por sua vez, é submetido a um processo de pasteurização
sob temperaturas mais brandas, tendo, dessa forma, um prazo de validade consideravelmente
menor que o leite UHT.
A partir do Gráfico 1a, percebe-se também que 16% dos entrevistados preferem
consumir leite em pó, justificando sua escolha devido aos problemas de saúde.
O Gráfico 1b mostra que parcela majoritária (64%) dos entrevistados consome leite
entre 5 a 7 dias por semana, porém 13% consomem apenas 1 a 3 dias por semana, sendo
insuficiente. O consumo de leite dos demais se enquadra na faixa entre 3 a 5 dias por semana.
1a 1b
Gráfico 1 – Participação relativa dos consumidores de leite e derivados segundo o tipo de leite mais consumido
(a) e a frequência semanal (b), na cidade de Exu, PE. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.
Leite in natura
75%
Leite em pó
16%
Leite UHT 9%
Leite Pasteuri
zado 0%
1 a 3 dias 13%
3 a 5 dias 23%
5 a 7 dias 64%
Frequência Semanal - Consumo de Leite
1703
Os Gráficos 2 e 3 ilustram as preferências dos consumidores por tipo de leite mais
consumido por gênero (2a), faixa etária (2b), por renda (3a) e por nível de escolaridade (3b)
para verificar se essas variáveis socioeconômicas influenciam a preferência pelo tipo de leite
adquirido. Conforme se verifica, nos tipos de leite UHT e in natura há uma participação maior
do gênero masculino, enquanto o leite em pó é mais consumido pelas pessoas do gênero
feminino. Esse resultado concernente ao consumo do leite em pó ser mais frequente em
mulheres também é verificado no estudo de Magdalena et al. (2008).
No tocante à faixa etária, pode-se inferir que a maior participação relativa do leite
UHT se encontra presente nos consumidores mais jovens, enquanto as pessoas de terceira
idade não optam por esse tipo de leite. O leite em pó é mais consumido pelas pessoas com
mais de 65 anos, enquanto os consumidores entre 25 a 65 anos preferem o leite in natura.
2a 2b
Gráfico 2 – Participação relativa dos consumidores de leite e derivados segundo o tipo de leite mais consumido
por gênero (a) e por faixa etária (b), na cidade de Exu, PE.
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.
Como se observa pelo Gráfico 3, o leite UHT é mais adquirido por pessoas com renda
média mensal familiar acima de 4 salários mínimos, enquanto o leite in natura é mais
demandado pelos consumidores com renda entre 2 a 4 salários mínimos. Em relação ao nível
de escolaridade, os dados ilustram que aqueles que possuem maior escolaridade preferem o
leite UHT e leite em pó do que o leite in natura.
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
UHT Leite em Pó Leite innatura
9,5 11,9
78,6
7,9
19,0
73,0
% Masculino % Feminino
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
UHT Leite emPó
Leite innatura
12,1
30,3
57,6
7,5 7,5
85,1
0,0
40,0
60,0
15 ├┤25 anos 25 ┤65 anos
> 65 anos
1704
3a 3b
Gráfico 3 – Participação relativa dos consumidores de leite e derivados segundo o tipo de leite mais consumido
por renda em salários mínimos (a) e por nível de escolaridade (b), na cidade de Exu, PE. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.
Conforme se observou no Gráfico 1b, o leite é consumido frequentemente, visto que
64% dos entrevistados consomem leite entre 5 a 7 dias por semana. No entanto, com base na
Tabela 5, verifica-se que a quantidade ingerida é relativamente baixa. De acordo com a FAO
(Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), o consumo mínimo de
leite diário é 500 ml por pessoa. Assim, ao analisar os dados da Tabela 5 e considerando que a
média familiar encontra-se entre 4 a 6 membros, percebe-se que a quantidade consumida de
leite é extremamente inferior, pois como 74,3% dos entrevistados consomem entre 1 a 4 litros,
então, uma família constituída por 4 componentes consome, em média, 4 litros de leite. Sendo
assim, cada indivíduo consome 1 litro/semanal, estando muito abaixo do recomendado pelo
órgão mundial. Ademais, pode-se inferir que, para a amostra utilizada, apenas 7% atendem a
recomendação do Órgão Mundial.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
UHT Leiteem Pó
Leite innatura
0┤2 sm
2┤4 sm
> 4 sm 0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
0┤8 anos de estudo
8┤11 anos de estudo
11┤15 anos de estudo
1705
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da pesquisa indicaram que a maior parte dos consumidores de leite
entrevistados pertence ao gênero feminino, possui idade até 35 anos, recebe uma renda
familiar de até dois salários mínimos, mora na residência com pelo menos cinco componentes
familiares e um terço não obteve nem o ensino fundamental completo.
Quanto ao tipo de leite preferido, parcela majoritária opta pelo leite in natura. O leite
pasteurizado não é utilizado nessa amostra de consumidores entrevistados. Ao associar os
tipos de leite mais consumidos com as características socioeconômicas desses entrevistados,
verifica-se que o leite em pó é mais consumido pelas pessoas do gênero feminino e por
pessoas de terceira idade. Por sua vez, o leite UHT é mais adquirido por pessoas com renda
média mensal familiar acima de 4 salários mínimos e por consumidores mais jovens.
Ademais, os consumidores que possuem maior escolaridade preferem o leite UHT e leite em
pó do que o leite in natura.
Os dados também mostraram que apesar de consumirem o leite frequentemente, seu
consumo está abaixo do consumo recomendado pela FAO. Portanto, é importante estimular as
pessoas a ampliar o consumo desse produto, dada a sua importância para a saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FONSECA, J. S.; MARTINS, G. A. Curso de Estatística - 6ª ed. São Paulo: Atlas, 1996.
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preferências de membros de uma comunidade universitária em relação ao consumo de leite
fluido: uma pesquisa no Sul de Minas Gerais. In: Congresso da Sociedade Brasileira de
Economia, Administração e Sociologia Rural, 47, 2009. Anais... Porto Alegre, RS: SOBER,
2009.
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Monografia (Especialização em Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal e
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Monografia (Graduação em Zootecnia), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, MS,
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Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 46, 2008. Anais... Rio
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MALLMANN, E.; CAVALHEIRO, M.; MELLO, P.; MAGRO, D.; MIRITZ, L. D.;
CORONEL, D. A. Caracterização do consumo de leite no município de Palmeira das Missões
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NASCIMENTO, A. R.; DÖRR, A. C. Análise econômica do perfil dos consumidores de leite
em Santa Maria– RS. In: Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e
Sociologia Rural, 48, 2010. Anais... Campo Grande, MS: SOBER, 2010.
PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 7ª ed. São Paulo: Pearson Education
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POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
SOARES, K. M. P.; GÓIS, V. A.; AROUCHA, E. M. M.; VERÍSSIMO, A. M. O. T.; SILVA,
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Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. Mossoró, RN, v. 5, n.3, p.
160-164, 2010.
VARIAN, H. R. Microeconomia: princípios básicos 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1994.
1707
QUESTÃO AGRÁRIA: SUA CONFIGURAÇÃO NO GOVERNO PT E A ATUAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
Gilcelia Batista de Góis71
Ana Lívia Fontes da Silva72
Gabriela Beatriz Dantas Soares73
Mara Rúbia da Silva Araújo74
RESUMO: O Brasil se é um país com alto índice de desigualdade social, em que a menor parte da
população é detentora da grande parcela da riqueza aqui existente. A questão agraria é fruto de uma
enorme concentração de terras que foi se formando ao longo do tempo. Dessa forma, o problema
agrário não é atual, mas sim histórico. Diante disso, faz-se necessário fazer uma analise de como se
deu a intensificação da concentração de latifúndios no Brasil, enfatizando sua ligação direta com as
práticas excludente desde o período colonial até os dias atuais, dando focalização na gestão do
governo do Partido dos Trabalhadores (PT). E ainda apresentar elementos que fazem da questão
agrária uma das formas de expressão da questão social, na qual se materializa como campo de
intervenção dos profissionais de Serviço Social.
Palavras-chave: questão agrária; questão social: desigualdade social
1 Introdução
O presente trabalho foi pensado a partir da importância da Questão Agrária no
contexto histórico brasileiro, bem como pela necessidade de analisar tal problemática partindo
da perspectiva do governo petista após a eleição de Luíz Inácio Lula da Silva. Inicialmente
abordaremos como se deu o desenvolvimento sobre da questão agrária no Brasil,
identificando ao longo dos períodos as principais características que esta assume, tendo em
vista os avanços que foram sendo efetivados ao longo dos tempos e como essa questão é
tratada na atualidade. No decorrer da abordagem nota-se que a questão agrária é tida como um
71
Doutora em Ciências Sociais. Professora de Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa Sobre a Terceira Idade (NEPTI). 72
Graduanda em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisadora no
Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a terceira idade (NEPTI). 73
Graduanda em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Integrante do
Núcleo de Estudo sobre a Criança e o Adolescente (NECRIA). 74
Graduanda em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisadora no
Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a terceira idade (NEPTI). Integrante do Núcleo de Estudo sobre a Criança e o
Adolescente (NECRIA).
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problema histórico, sendo dessa forma socialmente construída e que refletiu – e ainda reflete –
uma série de problemas sociais que se configuram para além do acesso a terra.
Em meio a esse contexto, outro fator que terá visibilidade no referido estudo consiste
no fato de compreender como a questão agrária é vista sob a governança do Partido dos
Trabalhadores – PT, levando em consideração que essa gestão deveria estar pautada em
diretrizes que viessem a contribuir com as melhorias da qualidade de vida da população
brasileira, neste caso específico, o estudo buscará entender não somente a problemática da
questão agrária, mas principalmente o que os governos petistas tem feito em prol de uma
reforma agrária que contemple os sujeitos destituídos de terra para viver e produzir, bem
como a pequena e média agricultura familiar já existente.
Decorrente disto, e compreendendo que a questão agrária é uma expressão da
questão social, se faz importante entender como se dá a atuação profissional do serviço social
em meio a esse contexto de vulnerabilidade. Para isto, algumas contribuições acerca de
aspectos como o projeto ético-político, movimentos sociais e atuação dos profissionais de
serviço social devem ser identificadas. Dessa forma, a abordagem finaliza-se identificando
fatores que vão para além do acesso a terra e que nos leva a refletir sobre as reais
necessidades e fragilidades postas a questão agrária na atualidade.
2 Contextualização histórica da Questão Agrária no Brasil.
Atualmente a questão agrária vive um cenário de desigualdades e lutas por melhorias
na distribuição de terras. O Brasil se destaca por ser um dos países que vivenciou grandes
formas de crescimento e desenvolvimento econômico e que mesmo com toda evolução ainda
apresenta graves problemas na questão da propriedade fundiária. Porém, é válido ressaltar que
esses impasses não são atuais, pois ao longo dos tempos vários foram os fatores que
condicionaram para que essa problemática se desenvolvesse no país. Assim, faz-se necessário
um recorte histórico de como se deu o surgimento da questão agrária no Brasil.
Nos primórdios, mas precisamente por volta de 50.000 a.C. a sociedade brasileira já
era povoada, existem estudos e sinais históricos que comprovam a presença de vida humana
nesses territórios. Diante disso, foram evidenciados que as populações que habitavam o país
viviam em agrupamentos sociais, onde a maioria dedicava-se a caça e a pesca que serviam
como meio de manutenção de subsistência.
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Para efeito do estudo da questão agrária nesse período, sabe-se que esses povos
viviam no modo de produção do comunismo primitivo. Organizavam-se em
agrupamentos sociais de 100 a 500 famílias, unidos por algum laço de parentesco,
de unidade idiomática, étnica ou cultural. Não havia entre eles qualquer sentido ou
conceito de propriedade de bens da natureza (STEDILE, 2005, P.03).
Nada se existia de concepção de propriedade privada entre eles, pelo contrário, as
pessoas viviam em coletividade e tudo que existia naquelas terras era de posse dos grupos que
ali habitavam em que todos os meios de subsistência eram utilizados para atender as
necessidades gerais, não apenas individuais.
Com a invasão dos portugueses as terras brasileiras no ano de 1.500 o cenário
mudou, estes chegaram e se apropriaram das terras e riquezas aqui existentes. A população
indígena que ocupava o território ficou a mercê de práticas repressivas. Primeiramente, os
europeus submeteram os povos ao uso de suas leis e regras, tentando com isso monopolizar e
se apoderar da mão-de-obra, e foi a partir desse novo contexto que a sociedade brasileira
introduziu as primeiras práticas capitalistas de posse de terra.
A metrópole portuguesa tinha como objetivo principal de suas navegações encontrar
ouro em terras até então, não ―descobertas‖, porém como o Brasil não dispunha dessas
riquezas mudaram o foco de suas expedições. A partir da análise do território pode-se
constatar que a maior fortuna aqui existente se materializava na fertilidade das terras, então
foi introduzido um modelo de produção agrícola que iria servir como meio de exportação para
outros países, gerando para os portugueses uma fonte para obtenção de lucro. Podemos
perceber que esse modelo de produção permanece até os dias atuais, em que o Brasil ainda
continua sendo um país que produz seus alimentos muito mais para exportação do que mesmo
para o consumo interno.
Outra marca que vem do período colonial e que até os dias atuais ainda está presente
na questão agrária brasileira é o caráter cíclico e continuo que essas práticas assumem
(NAKATANI; FALEIROS & VARGAS, 2012). Ou seja, a exploração de terra no Brasil
sempre foi marcada pelo ordenamento de ciclos de produção, como por exemplo, ciclo
extrativista do pau-brasil, ciclo da cana-de-açucar, ciclo do café. Isso acarreta uma
superprodução de alguns produtos determinados, provocando uma significativa geração de
riquezas para os detentores de grandes latifúndios de terras.
É importante destacar que no período colonial ainda não existia a prática de compra e
venda de propriedades, as terras eram de posse exclusiva da Coroa.
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A ―concessão de uso‖ era de direito hereditário, ou seja, os herdeiros do fazendeiro
capitalista poderiam continuar com a posse das terras e com a sua exploração. Mas
não lhes dava o direito de venderem as terras, ou mesmo de comprarem terras
vizinhas (STEDILE, 2005, p.4).
Na colônia as terras eram divididas em capitanias hereditárias e podiam ser
repassadas como forma de herança, todavia as mesmas ainda não eram consideradas
mercadorias, pois só podiam ser repassadas por intermédio da Coroa para as classes mais
nobres da sociedade. A finalidade dessa concessão de terra era fazer com que houvesse um
maior investimento na produção e consequentemente uma maior expansão da exportação dos
produtos. É possível constatar que as desigualdades começavam a surgir, pois havia a negação
da distribuição de terras para as pessoas que não tinham um elevado poder aquisitivo.
Os índios foram os primeiros sujeitos incorporados para trabalhar nesse meio de
produção, mas os escravos constituíram-se nos principais protagonistas dessa época, sendo
importados da África com o intuito trabalhar em lavouras e exercer uma função que não lhes
dava, se quer uma condição digna de sobrevivência. Por muito tempo o trabalho escravo
permaneceu, e foi só a partir do fim das capitanias hereditárias e das fortes repressões que os
ingleses faziam ao modelo de mão-de-obra utilizada no Brasil, que começaram a ser pensadas
leis que ―protegessem‖ esses sujeitos que até então eram tratados como mercadorias.
Porém, antes mesmo que fosse criado algum documento que garantisse o fim da
escravidão, foi-se pensado em estratégias que fizessem com que, uma vez libertos, os ex-
trabalhadores escravos não tivessem possibilidades de se transformar em camponeses. Com
isso, foi criada a Lei das Terras em 1850. Segundo Einsfeld (apud, MOREIRA, 2007)
A primeira legislação que regula efetivamente a posse de terras no Brasil foi
elaborada e ficou conhecida como Lei das terras. Ela regulava a propriedade privada
da terra, sendo que o interessado tinha que pagar a regularização a Coroa. Isso
permitiu que as pessoas ricas regularizassem suas propriedades junto ao cartório de
Terras.
A referida lei foi criada justamente para controlar a extensão das terras, ficando
quase impossível dos escravos mudarem o rumo das suas vidas e também do país. Mesmo
depois da promulgação da Lei Áurea de 1888 que garantia a ―liberdade‖ desses indivíduos,
eles ainda continuavam submissos a grande propriedade.
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E, pela mesma lei de terras, eles foram impedidos de se apossarem de terrenos e,
assim, de construírem suas moradias: os melhores terrenos das cidades já eram
propriedade privada dos capitalistas, dos comerciantes etc. Esses trabalhadores
negros foram, então, a busca do resto, dos piores terrenos, nas regiões íngremes, nos
morros, ou nos manguezais, que não interessavam ao capitalista. Assim, tiveram
inicio as favelas. A lei de terras é também a ―mãe‖ das favelas nas cidades
brasileiras (STEDILE, 2005, p. 06).
A terra ganha um novo significado no país, ela agora passa a ser vista como
mercadoria e objeto de negócio. Dessa forma, quem apresentava um maior poder aquisitivo na
sociedade tinha condições concretas de se transformar em um grande latifundiário, já as
pessoas pobres estavam destinadas a viver em subordinação. Esse cenário é marcado pelas
expressões da questão social, mesmo que essas ainda não sejam reconhecidas, uma vez que,
as desigualdades começam a aparecer de forma bastante acentuada e os indivíduos mais
pobres estavam cada vez mais pré-destinados à subalternidade.
Em meio a esse contexto nasce o campesinato, que foi constituído por camponeses
pobres vindos da Europa e também de um grande contingente de pessoas mestiças, as quais
foram se formando ao longo da história do país. Essa população não era submetida ao
trabalho escravo, todavia não eram detentores de riquezas, então para manter a sobrevivência
começaram a se deslocar para terras do interior, sendo desenvolvido assim mais um modo de
ocupação de terras no Brasil, referindo-se atualmente à Região Nordeste.
Em meados dos anos de 1930 o país vive um cenário de crise, trazendo elementos que
condicionam para o fim da monarquia e a implantação de uma República. Várias foram às
estratégias usadas para que houvesse essa mudança, porém é importante destacar que somente
as classes dominantes participaram desse movimento, incluindo dessa forma apenas os seus
devidos interesses, deixando mais uma vez as classes subalternas longe das decisões e
inclusões do rumo da sociedade. Assim, aproximadamente no inicio do século XX os grandes
latifúndios perdem o controle do Estado e nasce a burguesia industrial.
O modelo econômico imposto no Brasil tem suas bases ligadas às práticas da
industrialização dependente da agricultura para exportação, e a agricultura fica intimamente
subordinada a esse novo padrão.
Surge então, um setor na indústria vinculado a agricultura, as indústrias produtoras
de insumos para a agricultura, como ferramentas, máquinas, adubos químicos,
venenos, etc. E outro, da chamada agroindústria, que foi a implantação da indústria
de beneficiamento de produtos agrícolas (STEDILE, 2005, p. 09).
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Podemos perceber que o modelo poderia ter sofrido mudanças, mas ainda havia uma
grande interligação entre a classe dos latifundiários e da burguesia industrial, eles exerciam
uma associação que tinha como objetivo principal a troca de interesses para que pudessem se
desenvolver. Nota-se que a questão agrária sofreu vários impactos nesse período, não somente
do contexto em si, mas também dos sujeitos que a protagonizavam.
O crescente desenvolvimento nas cidades a partir da industrialização ocasionou o
êxodo rural, que se caracterizou como a saída do homem do campo para as cidades. Essa
população se deslocava das suas terras com o intuito de conseguir bons empregos na indústria.
Porém a realidade foi totalmente outra, pois esses camponeses exerceram o papel de mão-de-
obra barata, decorrente do grande número de pessoas que chegavam as cidades, formando um
grande exército industrial de reserva que ocasionava uma grande queda de salários.
Diante de todo esse contexto, é notável perceber que a questão da má distribuição de
latifúndios no Brasil não é recente. Ao longo da história muitos indivíduos sofreram com a
negação do direito a terra e foram protagonistas de uma sociedade totalmente excludente.
Apesar de todo desenvolvimento econômico que o país vivenciou, ainda não conseguiu
avançar no que diz respeito à concentração de terras, chegando a ser um dos países mais
desiguais do mundo. É pensando nessa realidade social que existem grandes lutas pela
implantação de uma reforma agrária como política estrutural para que se possam resolver os
problemas fundiários, bem como amenizar a pobreza existente no campo e na cidade.
3 A Questão Agrária e o Partido dos Trabalhadores (PT)
Apesar dos avanços das organizações de movimentos sociais na luta pela terra, e do
constante embate político desses movimentos com o Estado, a Reforma Agrária no Brasil
ainda não se efetivou. A concentração de terras traz consigo consequências devastadoras,
aumentando significativamente a desigualdade social e a miséria. Não obstante, a política
neoliberal adotada pelos governantes políticos, se torna fator essencial para o quadro em que
se encontra o país. O capitalismo, não apenas impede o desenvolvimento social, como
contribui com a crescente pauperização da população, intensificando cada vez mais a divisão
da sociedade em classes. Nesse sentido, a busca pelo lucro, se torna objetivo da maioria,
gerando exploração e pobreza daqueles que não possuem nada, além de sua força de trabalho.
A Reforma Agrária é vista atualmente como uma das alternativas para solucionar a
má distribuição das terras e diminuir as desigualdades sociais. Contudo, esse debate nos
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âmbitos político, social e econômico, está longe de se concretizar, sendo adotadas pelos
governos vigentes, medidas que ora se tornam repressivas, ora são meramente assistencialistas
e compensatórias, visando essencialmente à conformação popular diante da realidade posta.
No Brasil, a Questão Agrária se tornou destaque na segunda metade da década de
1970 e 1980, principalmente devido ao declínio da Ditadura Militar iniciada no ano de 1964.
Esse período foi de grande importância para o contexto histórico brasileiro, não somente pela
queda da ditadura, mas pelo ressurgimento de movimentos sindicais e partidários, como
resposta ao absolutismo que predominava no país até aquele momento. Desse modo, a
questão da terra, que fora suprimida com o golpe militar, é retomada, principalmente com a
criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em um estágio de
reabertura da liberdade política. Nessa mesma conjuntura, foram criados o Partido dos
Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com objetivo de lutar pelos
direitos dos trabalhadores e pela conquista da democracia.
Em 1989, ocorreu no país à primeira eleição para Presidente da República após a
ditadura de 64, o PT teve como candidato a presidente o sindicalista Luíz Inácio Lula da Silva
e José Paulo Bisol como vice-presidente. Contudo, quem venceu as eleições foi Fernando
Collor de Mello, do então Partido da Reconstrução Nacional (PRN), tendo como vice-
presidente Itamar Franco. No ano de 1994, Lula enfrentou nas eleições presidenciais o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), sendo mais uma vez derrotado logo no primeiro turno. Já nas eleições de 1998, o
sindicalista foi novamente vencido por Fernando Henrique, também no primeiro turno.
Em seu primeiro mandato FHC, investiu na política de assentamentos rurais, no
entanto, acreditava que naquele momento o Brasil não possuía grandes latifúndios,
procurando assentar apenas as famílias que permaneciam em acampamentos (FERNANDES,
2003). Nesse sentido, tal política não saiu como o esperado, sendo que em 1998, ―em seu
segundo mandato, FHC mudou de estratégia e desenvolveu uma política agrária
extremamente repressora, criminalizando a luta pela terra e desenvolvendo uma política de
mercantilização da terra‖ (FERNANDES, 2003, p.02). Assim, o governo de Fernando
Henrique não apresentou de fato, um projeto que solucionasse a questão da terra no Brasil,
sendo a maioria dos assentamentos fruto das ocupações pelos movimentos de camponeses.
Com a criminalização dos movimentos sociais no segundo mandato de FHC, houve
uma intensificação desses movimentos. Segundo Sobreiro Filho,
1714
Diante da falta de negociação com o governo FHC os movimentos, entre os anos de
1994 e 1995, passaram a intensificar o número de ocupações em 15,52% e famílias
em ocupações em 142,47% visando explicitar, acima de tudo, a necessidade da
realização da reforma agrária no país e a sua indignação perante aos acontecimentos
e a maneira conforme o governo vinha tratando do assunto (SOBREIRO FILHO,
2011, P. 16).
A falta de um debate concreto por parte do governo sobre a questão agrária revoltava
os ativistas dos movimentos sociais, principalmente devido ao agudo quadro em que a política
neoliberal de FHC submetia as políticas sociais, aumentando significativamente a pobreza e
as desigualdades sociais.
Em 2002, as eleições presidenciais trouxeram consigo a vitória de Luíz Inácio Lula da
Silva sobre o candidato do PSDB José Serra, com 61,27% de diferença. A conquista da
presidência do sindicalista despertava na população o sentimento de mudança política e social
no país. De fato, o Programa Agrário do PT de 1989, percebia a questão agrária como
essencial para uma sociedade mais justa e democrática, contudo, o programa sofreu mudanças
já em 2002, quando passa a defender a reforma agrária como necessária para o
desenvolvimento no campo e a consequente eliminação da pobreza, ou seja, buscando
principalmente a modernização tecnológica no meio rural.
O outro aspecto do programa contemplava as políticas compensatórias e
emergenciais que acabaram se tornando o ―carro chefe‖ do governo do PT, como a
bolsa família, por exemplo. No entanto, mesmo com as limitações, caso o segundo
programa agrário do governo Lula tivesse sido colocado em prática, talvez a reforma
agrária e a agricultura familiar se tornassem políticas fundamentais para a garantia
da soberania alimentar, erradicação da pobreza e geração de empregos, o que não se
verifica na realidade (ENGELMANN e GIL, 2012, p. 06).
Desse modo, com o intuito do desenvolvimento no campo, o governo petista
intensificou o agronegócio, sendo esta uma carapuça do latifúndio. Além disso, a não
criminalização dos movimentos sociais e a credibilidade de Lula em seu primeiro mandato,
fez com que diminuíssem as ocupações de terras pelo MST, divergindo do governo de FHC.
Outrossim,
Conforme dados divulgados pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA)/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), entre os
dois mandatos de Lula (2003-2008), 519 famílias teriam sido assentadas. Enquanto
que, nos oito anos (1995-2002) do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC),
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segundo o INCRA, foram assentadas 524.380 famílias. (GONÇALVES apud
ENGELMANN e GIL, 2012, p. 06).
Contudo, os dados do governo Lula contabilizados pelo INCRA abrange não apenas o
número de assentados, mas compreende outros dados, entre eles a inclusão de assentamentos
antigos. Assim, percebe-se uma tentativa do governo em tentar manipular os números de
famílias assentadas, concluindo que no governo de Fernando Henrique, mesmo com sua
aguda política neoliberal e a forte criminalização dos movimentos sociais, houve uma maior
criação de assentamentos rurais.
No governo de Dilma Rousseff, militante do PT, iniciado no ano de 2010, o contexto
político não mudou. O investimento no agronegócio, sob a perspectiva de desenvolvimento,
cada vez mais se acentua, gerando além da má distribuição de terras e da concentração de
renda, o desemprego, a poluição do meio ambiente e o prejuízo à saúde humana, devido o uso
indiscriminado de agrotóxicos. As medidas adotadas não visam o enfrentamento do
latifúndio, mas a aliança do governo com as multinacionais, que se alojam em grandes
propriedades, usufruem de suas riquezas e após sua saturação, abandonam a terra. Nesse
sentido, o investimento na agricultura familiar é reduzido, dando espaço ao agronegócio.
O capitalismo agrário se tornou marcante no governo petista, o ideário de
transformação que o partido transparecia na década de 1980, foi deixado de lado, sufocado
por um governo latifundiário e a serviço da burguesia. No entanto, o PT se configura como
partido de todas as classes sociais, principalmente por causa de seus programas
assistencialistas e compensatórios como o Bolsa Família, que apesar de não resolver o
problema da pobreza, garante a milhares de famílias um ganho fixo mensalmente.
4 A Problemática da terra sob a ótica da atuação do Serviço Social
O Serviço Social é uma categoria profissional que atua cotidianamente com as
expressões da questão social. As referidas expressões quando relacionadas à problemática da
Questão Agrária podem ser entendidas como as contradições existentes entre as grandes
concentrações de terra e as consequências decorrentes dessa situação, Iamamoto por sua vez,
afirma:
[...]a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades
sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a interdição
do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contrapondo à
1716
apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho, das condições
necessárias a sua realização, assim como de seus frutos (IAMAMOTO, 2004:17).
Nesse sentido, compreende-se que a questão agrária ao fazer parte de um conjunto de
contradições decorrentes da propriedade privada da terra, expressa o que no entendimento da
autora acima referenciada se entende por questão social, que são as expressões das
desigualdades desenvolvidas pela sociedade do capital. ―A questão agrária trata, pois, da
desigual distribuição das terras, decorrente da alta concentração de grandes extensões dessas
nas mãos de poucos proprietários, em detrimento de todo um segmento da população que não
tem terra[...] (EINSFELD, 2009, p.36-37). Dessa forma, entende-se que, para que as pessoas
possam acessar espaços territoriais, se faz necessário que ocorra uma distribuição igualitária
das terras, e é frente essa questão que o Serviço Social deve dá suporte aos problemas
referentes a Questão Agrária.
A atuação dos assistentes sociais frente à problemática da terra, requer não somente
uma prática interventiva garantidora de direitos, mas também uma atuação conjunta com as
lutas organizativas do campo. ―Conforme o projeto ético-político que orienta a profissão, o
Assistente Social deve primar pela autonomia, pela emancipação e expansão dos indivíduos
sociais, defendendo e assegurando seus direitos civis, sociais e políticos [...]‖ (EINSFELD,
2009, p.15). Seguindo essa direção, entende-se que o Serviço Social deve impulsionar os
indivíduos a lutarem por sua emancipação em busca das necessidades sociais que os
legitimem enquanto seres sociais. Dessa forma, esse segmento profissional encontra nos
movimentos pertinentes a questão agrária um meio para apoiar e assegurar o direito a terra,
relacionado a isso, Souza enfatiza que:
[...]os movimentos sociais representam uma nova ordem política, na construção de
sua organização em vista à solução de suas necessidades sociais e o Serviço Social,
em sintonia com o projeto ético-político, tendo como um dos princípios a construção
de uma nova ordem social tem o dever de apoiar tais movimentos (2007:4).
Mediante o exposto, entende-se que o Projeto Ético Político ao visar à construção de
uma nova ordem societária, imprime nos movimentos sociais o pontapé em busca dessa nova
conjuntura política, uma vez que os movimentos atuam no contexto social frente ás
desigualdades impostas pelo atual modo de produção. Ou seja, organizam-se na busca por
melhores condições de vida, nesse caso específico, os movimentos sociais do campo estão
inseridos em um contexto de contradições que tem na luta pela terra seu principal objetivo.
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Cabe aos Assistentes Sociais incorporarem a sua prática profissional aos anseios
postos pela Questão Agrária, segundo Nunes (2011, p.15):
O Serviço Social deve, portanto, cada vez mais ocupar espaços dentro das
organizações que organizam os trabalhadores em luta pela reforma agrária, lutando
para que as milhares de famílias que estão acampadas nas margens das rodovias
lutando por um pedaço de chão em uma situação precária possam ter minimamente
seus direitos enquanto cidadãos, que é de ter acesso a políticas públicas
fundamentais como saúde, educação, entre outras que possam ser atendidas
(NUNES, 2011, p.15).
Diante disso, percebe-se que, sendo o Serviço Social uma profissão orientada por um
Projeto Ético Político, se faz necessário impulsionar uma prática profissional que venha a
contribuir com a construção de uma nova ordem societária que prime pela emancipação dos
grupos mais vulneráveis. Dessa forma, ao incorporar e apoiar os espaços organizativos
ligados à questão da terra, os assistentes sociais estão não somente contribuindo na busca por
uma sociedade mais justa e igualitária, mas principalmente estão assegurando direitos àqueles
que ―estão em uma situação de exclusão extrema‖. (IDEM, 2011, p.18)
Existem diversos momentos no que concerne a abordagem da questão agrária, que
segundo análises de Nunes (2011) o Serviço Social deve estar envolvido. Entre estes, destaca-
se a luta pela reforma agrária na sua fase de acampamento, nessa situação as famílias ficam
acampadas em rodovias, sem nenhum reconhecimento social, como estratégia para pressionar
o governo a garantir minimamente seus direitos sociais legalmente existentes. Outro momento
corresponde à fase de pré-assentamento, aqui as famílias já tem as terras para produzir, o
governo meio que já ―concedeu‖ as terras, mas as famílias continuam desassistidas de
assistência, morando, por exemplo, em barracas de lonas e sem o mínimo acesso a políticas
públicas. O último momento compreende as famílias assentadas, essa situação quando
comparada as anteriores pode ser considerada de maior visibilidade, uma vez que as famílias
assentadas dispõem de créditos concedidos pelo governo para produzir, já possuem energia
elétrica, no entanto, o acesso às políticas públicas fundamentais ainda continua quase que
inexistente. Percebe-se a partir disso, que essa conjuntura expressa uma postura omissa por
parte do Estado, como se a partir do momento que as famílias tivessem as terras concedidas,
todos os outros direitos que não estavam sendo assegurados como educação, saúde, moradia,
lazer entre outros passassem agora a existir.
Corroborando com essa ideia, (RIBEIRO; RIBEIRO) afirma:
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[...] Reforma Agrária acontece a partir da luta das multidões que sofrem
cotidianamente a questão agrária através da concentração de terra e riqueza presente
em nosso país. No entanto, ela continua acontecendo a cada instante pelas vidas que
habitam acampamentos, assentamentos, reservas indígenas escassas e os
sobreviventes quilombos. A Reforma Agrária é mexida pelos movimentos do viver
das famílias que mesmo com a posse da terra ainda lutam pela expansão de suas
vidas e de seus direitos. (2008, p.175)
A problemática da terra não incide apenas em dar apoio aos movimentos sociais para
que estes lutem por melhores condições de acesso a terra, mas consiste em entender que a
questão agrária não acaba quando as essas são concedidas, ou seja, a luta pela terra não se
restringe simplesmente a sua concessão. Diante disso, cabe ao Serviço Social estar inserido
em meio a essa conjuntura devendo apoiar os movimentos do campo, uma vez que, a questão
agrária é expressa para além da terra, ou seja, as outras expressões sociais não podem ser tidas
como um discurso pronto, uma vez que cada família em sua conjuntura particular necessita de
condições peculiares a sua situação para desenvolver-se. Dessa forma, sentiu-se a necessidade
do Serviço Social em atuar cotidianamente com esses sujeitos, como forma de identificar mais
verdadeiramente as necessidades dessa população.
O Assistente Social é um profissional que ainda detém 70% de sua prática no meio
urbano, por essa razão deve encontrar uma maneira de implantar seu fazer profissional, no
meio rural, (NUNES, 2011). Nessa direção, encontrou-se nas práticas de estágio em
assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST a situação mais pertinente
pra isso:
[...] as práticas de estágio em Serviço Social, junto aos assentamentos do MST,
foram conduzidas pela escuta sensível, pela alteridade, pela acolhida ao heterogêneo,
permitindo a expressão do conflito e do debate, buscando propor atividades a partir
das escolhas feitas pelas famílias e pelos grupos organizados. O exercício de tentar
romper com uma postura profissional detentora de um saber absoluto foi constante.
Este modo de construir a intervenção profissional exigiu um movimento de
aprender-ensinar-desaprender-aprender, ou seja, tenta abrir mão de estigmas,
assumir limitações, encarar desafios e propor alternativas capazes de vir a contribuir
com o processo autogestionário possível (RIBEIRO e RIBEIRO, 2008, p.180).
A partir disso, entende-se que não basta simplesmente ao Serviço Social entender e
apoiar os movimentos e grupos vulneráveis na busca por seus objetivos, faz-se necessário
primordialmente, entender a intervenção profissional como um processo de aprendizado,
tendo em vista que não é impondo a um grupo específico o que deve ou não ser feito, mas
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identificar as fragilidades e potencialidades presentes na comunidade para então desenvolvê-
las na busca por seus objetivos. O fazer profissional do Assistente Social será incorporado à
comunidade a partir do momento que valoriza o conhecimento do outro, que encontra na
própria realidade a base para seu êxito.
Diante do exposto, é visível notar que os profissionais de serviço social devem estar
aptos para atuarem em meio às expressões da questão social, a questão agrária é aqui
entendida como uma dessas expressões, tendo em vista que é devido à contradição existente
na apropriação desigual das terras que essa se intensifica. Partindo desse pressuposto e
levando em consideração as abordagens feitas nesse estudo, se faz necessário entender que a
relação do Serviço Social com a questão agrária assume muito mais que um fazer estritamente
profissional, uma vez que encontra na problemática da terra, bem como nos movimentos
sociais do campo uma de espécie de aliados, tendo em vista que lutam por um modo de
sociabilidade onde a igualdade e a emancipação humana estejam presentes.
5 Considerações Finais
O acesso a terra se configura uma problemática da sociedade atual, grandes
latifundiários detém a maior parte das extensões territoriais brasileiras, aumentando cada vez
mais as desigualdades sociais. Nesse sentido, percebe-se que mesmo após a ditadura militar, a
reforma agrária não se efetivou, continuando sendo tratada em segundo plano, devido a isso,
nos últimos anos os movimentos sociais da terra, como o MST, vem intensificando suas
ações, como forma de garantir o direito a terra.
Outrossim, os governos da história brasileira, não apresentaram interesse em realizar
a Reforma Agrária, uma vez que essa ação vai em contrapartida com o interesse da classe
dominante. Com isso, a expectativa que o governo Lula gerou na população, era de, entre
outras coisas, solucionar a questão da terra no Brasil, já que a política neoliberal de FHC,
além de não ter conseguido dar a atenção necessária a essa problemática, criminalizava
profundamente os movimentos sociais. No entanto, o que se percebeu na gestão petista de
Lula, foi uma intensificação do agronegócio, deixando a Reforma Agrária de lado mais uma
vez. Com o governo da também petista Dilma Rousseff, o agronegócio foi ainda mais
valorizado, diminuindo a importância da agricultura familiar.
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Desse modo, o trabalho do Assistente Social se torna de grande relevância para a
conjuntura social vigente, dando apoio aos movimentos sociais da terra, bem como
assessorando as famílias já assentadas na garantia de seus direitos.
REFERÊNCIAS
EINSFELD, Jordana. A questão agrária e os movimentos sociais do campo- Um tema
para o Serviço Social. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2009.
ENGELMANN, Solange I; GIL, Aldo Duran. A questão agrária no Brasil: a política
agrária do governo Lula e a relação com o MST. Universidade Federal de Uberlândia,
2012.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária no governo lula: a esperança.
Disponível em: http://www2.fct.unesp.br/nera/publicacoes/LULA_RA.pdf. Acesso em: 06 de
setembro de 2013.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade; trabalho e formação
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1721
SELEÇÃO E ESTOCAGEM DE SEMENTES DA PAIXÃO: UMA EXPERIÊNCIA
ALTERNATIVA DE RESISTÊNCIA AO CAPITAL NO CAMPO
Nascimento, Juliano Moreira do75
Silva, Elizabeth Alves da76
Resumo
Desde que aprendeu a dominar as técnicas de plantio e cultivo agrícola, o ser humano desenvolveu
formas de adaptação importantes para a produção de alimentos direcionados ao consumo familiar,
partindo das observações das mudanças que ocorriam na natureza. Durante milhares de anos,
pequenos agricultores de diversos lugares do mundo iniciaram e mantêm a tradição de plantar uma
diversidade de espécies alimentícias usadas como garantia de subsistência das comunidades locais.
Dentre essas experiências, podemos citar a de seleção e estocagem de sementes naturais (conhecidas
como sementes crioulas ou Sementes da Paixão). Este artigo expõe alguns resultados apresentados na
dissertação de mestrado (PPGG-UFPB) intitulada: Os bancos de sementes comunitários na construção
dos territórios de esperança: o caso do assentamento Três Irmãos/PB (concluída em 2011), o qual
objetivou um estudo da resistência camponesa ao processo de dominação do capital na agricultura,
através da recuperação da luta pela terra e a da construção do Banco de Sementes Comunitários no
Assentamento Três Irmãos, localizado próximo à cidade de Triunfo, na microrregião de Cajazeiras, na
Paraíba. Essa comunidade é composta por 74 famílias, distribuídas em 07 glebas: Três Irmãos, Saco,
Tabuleiro Grande, Croá, Carretão, Mulunguzinho e Vertente. A metodologia utilizada foi quanti-
qualitativa, para isso, fizemos a bibliográfica e documental, além de pesquisas de campo; o método foi
o materialismo histórico e dialético. Estudar, portanto, as Sementes da Paixão e os Bancos de
Sementes Comunitários, faz-nos perceber como os camponeses enfrentam os problemas deles, sejam
naturais, sociais, culturais ou econômicos.
Palavras-chave: Sementes da paixão. Campesinato. Capitalismo
Introdução
Historicamente, o campesinato no Brasil vem sendo marcado por lutas e resistência,
sejam elas contra as relações patronais, as limitações climáticas e/ou a total subordinação ao
capitalismo. Na busca pela reterritorialização e à procura por novas terras para morar e
produzir seus alimentos, de forma natural e saudável, os camponeses se juntam aos
movimentos sociais, sindicatos rurais, entre outras entidades para lutarem pelo que lhes são de
75
Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Cajazeiras – PB; Prof.
Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB); [email protected] 76
Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; e-
mail: [email protected]
1722
direito. Pode-se observar em várias comunidades camponesas o trabalho de resgate às
tradições agrícolas que valorizam o trabalho familiar, o meio ambiente, a coletividade e a
preservação da biodiversidade.
A agricultura camponesa está inserida em um processo de resistência e luta pela terra,
seguindo um caminho inverso às discussões capitalistas (que pregam a modernização agrícola
associada aos insumos químicos e ao domínio e patenteamento da biodiversidade). A relação
do camponês com a agricultura é resultado de experiências a partir do contato com o meio
natural e de conhecimentos acumulados através dos tempos, repassado para os demais
membros da família, que se mantêm presentes em todo o processo de produção alimentar,
fortalecendo a aproximação entre estes e outros membros da comunidade local (Almeida
2003).
No sertão da Paraíba, os movimentos de luta pela terra tem ganhado destaque não só
pela conquista da terra, mas, pelo desenvolvimento de experiências locais que representam
um reforço à permanência do campesinato dentro do modelo capitalista dominante.
As sementes naturais ou crioulas são reconhecidas por um nome especial, o de
Sementes da Paixão. Dentre os 228 Bancos de Sementes Comunitários ou BSC espalhados
pelo estado (figura 01) destaca-se o do Assentamento Três Irmãos, localizado próximo à
cidade de Triunfo, na microrregião de Cajazeiras, na Paraíba (locus da pesquisa). Essa
comunidade é composta por 74 famílias, distribuídas em 07 glebas: Três Irmãos, Saco,
Tabuleiro Grande, Croá, Carretão, Mulunguzinho e Vertente.
1723
Figura 01
Para a efetivação desse trabalho foi feito um levantamento bibliográfico - acerca dos
conceitos-chave utilizados na discussão – e documental, no intuito de compreender o contexto
histórico no qual o locus dessa pesquisa estava inserido; documentação fotográfica e em
vídeo; e pesquisas de campo: visitas ao Assentamento Três Irmãos, participação em eventos
da Rede Sementes da Comissão Pastoral da Terra/Sertão-PB e da Festa Estadual da Semente
da Paixão, na qual fizemos diversas entrevistas. Na intenção de encontrar um método que
melhor se aplicasse à discussão proposta, escolhemos o método materialismo histórico e
dialético e, para melhor interpretar esse método, escolhemos uma vertente qualitativa.
No percurso de nosso trabalho acompanhamos um pouco da dinâmica e da realidade
dos camponeses do Assentamento em questão, onde, através da convivência com estes,
conhecemos as suas histórias e como estas estavam atreladas à história do Banco de Sementes
1 – Mapa de distribuição dos Bancos de Sementes da Paixão no estado da Paraíba, ASA/PB, 2009.
1724
Comunitário. Para estes, a estocagem de sementes representam uma garantia das necessidades
básicas como: sementes para o alimento e para o plantio no período de chuvas.
O campesinato e a luta pela terra
Desde que aprendeu a dominar as técnicas de plantio e cultivos agrícolas, o homem
observou as mudanças que ocorriam na natureza e, dessa leitura, desenvolveu formas de
adaptação importantes para a produção de alimentos direcionados ao consumo familiar. O
cuidado com o material orgânico, com a valorização e adaptação aos padrões e limites
impostos pela natureza foram importantes para o melhoramento na produção de alimentos.
Assim, as relações de proximidade com a terra foram estreitadas, fixando-os em uma
determinada fração do espaço.
Esse acontecimento marcou a história do ser humano, pois muitos abandonaram uma
vida de nomadismo e tornaram-se sedentários. Desse modo, durante milhares de anos,
pequenos agricultores de diversos lugares do mundo deram origem a uma tradição de plantar
uma gama de espécies alimentícias, usadas como garantia de subsistência das comunidades
locais. A agricultura é caracterizada pela manipulação natural de vegetais, valorizando o
atendimento das necessidades essenciais de uma população em crescimento.
A dedicação do camponês à agricultura é resultado do contato e conhecimento
acumulados através dos tempos e repassado para os demais membros da família que se
mantêm presentes em todo o processo de produção alimentar, gerando uma melhor
aproximação entre os familiares e outros membros da comunidade local.
De modo que, como afirmam Almeida e Freire (2003):
De olhos atentos ao seu mundo, comunidades de agricultores vêm observando seu
meio, a natureza, seus elementos e mecanismos; vêm assim inventando e
reinventando sua realidade e construindo um repertório de conhecimentos que
permite, como as sementes, germinar e frutificar espaços socioculturais, expressão
legitima de suas formas de atuar. As sementes, antes portadoras de mensagens
biológicas, carregam agora novos significados. Fazem germinar roçados, mas
também fazem crescer um conjunto de saberes, resultado de um intenso processo de
pesquisa, seleção e troca realizado pelos agricultores (p. 280).
A valorização do cultivo de alimentos está relacionada à cultura local, e, em muitos
casos foi-lhe atribuído um valor místico de acordo com as tradições assim, ―a diversidade
agrícola interage dinamicamente com a diversidade cultural‖ (RIBEIRO, 2003). A seleção e
1725
estocagem de sementes que melhor se adaptam a determinadas regiões e que tinham melhor
qualidade foi importante para a diversificação na produção de alimentos.
Celebrar e preservar a cultura do plantio de sementes sempre foi motivo de alegria e
satisfação para os camponeses. Resgatar o trabalho de produção, conservação e estocagem das
sementes está intimamente ligado à preservação da cultura de uma determinada sociedade.
No Nordeste brasileiro, a prática e uso dessas técnicas de estocagem mantêm relações
com a fé popular, fortalecidas em um contexto de simbolismo, misticismo e afetividade. Essa
cultura valoriza a união e a proximidade entre os camponeses (coletivismo), que se juntam em
períodos de festas ou até mesmo nas conhecidas rodas de conversas, para discutirem e
trocarem experiências sobre suas formas de produção (NASCIMENTO, J.M., 2011).
Ressalta-se ainda a importância da fé do camponês e do imaginário popular que
valoriza fielmente a tradição de celebrar o dia dos santos que protegem a produção e a
colheita. A valorização do alimento e a tradição da estocagem de sementes são antigas,
podendo ser encontradas em passagens bíblicas, na mitologia grega, nos mitos e nas lendas
indígenas (CASOY, 2003). Antigamente, os fiéis guardavam sementes dentro das imagens
dos santos, acreditando que seriam abençoadas e que trariam uma produção farta.
Com isso, queremos reforçar a idéia de que, o agricultor, durante muito tempo foi o
responsável direto pela sua produção. Atuando desde a seleção de sementes até a colheita de
seus produtos, reforçando uma relação de harmonia com a terra e com os demais camponeses.
Karl Marx observa que:
os alimentos que excediam das produções podiam ser guardados, estocados e
reservados para suprir as necessidades da população em épocas de colheitas ruins. A
tradição pela conservação dos alimentos sempre teve importância para a formação
da sociedade humana em vários momentos da história. (MARX, 1975, p. 861)
Para o camponês, a cultura de seleção e produção de sementes tem como finalidade
assegurar a qualidade dos alimentos e garantir a subsistência de sua família. Todavia, com a
ascendente expansão capitalista no campo, que culminou com o processo de ―modernização
conservadora da agricultura‖ na década de 1970, os maiores beneficiados foram os grandes
latifundiários77
que, valorizados pelo agronegócio, automaticamente excluíram os pequenos
77
O senhor territorial descrito por Marx, em sua obra O Capital, é identificado no Brasil como o grande
latifundiário e o trabalhador livre está diversamente caracterizado como boia-fria, meeiros, sem-terra, posseiros,
etc. que ao serem retirados de suas terras retornam as mesmas não como dono da produção, mas como um
assalariado ou submisso ao dono da terra.
1726
produtores de suas terras, no qual não tinham meios de se inserir no mercado competitivo
(SILVA, 2003, p. 59).
Em suas análises sobre o capitalismo, Marx diz que:
O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que
retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, o processo que
transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e
converte em assalariados os produtores diretos (...). O processo que produz o
assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do trabalhador. O
processo consistiu numa metamorfose da sujeição, na transformação da
exploração feudal em exploração capitalista (MARX, 1975, p. 830).
Alexander Chayanov (1966) em sua análise sobre os sistemas econômicos não-
capitalistas apresenta a teoria econômica da sociedade capitalista moderna como: um
complexo sistema de categorias econômicas inseparavelmente vinculadas entre si: preço,
capital, salários, juros, renda, determinam-se uns aos outros, e são funcionalmente
interdependentes (p. 136).
Nesse tipo de economia, a ausência de um destes elementos desarticularia toda
a estrutura, pois perderia o seu caráter específico e seu conteúdo conceitual. Chayanov (1966)
ainda observou que a unidade natural - que tem por finalidade satisfazer as necessidades da
família – tinha como característica principal uma produção alimentar de qualidade, voltada ao
consumo familiar, inexistindo a necessidade de obtenção de lucros que resistiu até o
surgimento de uma “economia de troca e monetária”. Ao atribuir o caráter de valor, a
produção qualitativa perde espaço para uma produção voltada para a quantidade e a categoria
preço adquire importância que, exemplificadas anteriormente, compõem o sistema econômico
capitalista.
Percebe-se então a importância da relação do camponês com a sua terra, seja ela vista
com fins de lucro ou como subsistência para a família. Para Marx, o processo de expansão
capitalista que intensifica o assalariamento dos camponeses resultaria no fim do campesinato.
Chayanov por sua vez, tentou mostrar em seus trabalhos que ―as leis do capitalismo‖ não
podem ser atribuídas a todas as formas de economia e que as leis de mercado (lucro) não são
encontradas quando a produção está voltada para o consumo familiar. Luxemburgo (1983),
por sua vez, observou que o capital não poderia resistir sem que houvesse uma parte da
sociedade não-capitalista que estivesse inserida diretamente na dinâmica do capitalismo, pois
estes seriam a classe consumidora de seus produtos, o que manteria o mercado.
1727
De acordo com Oliveira (1997, p.49), o foco principal do desenvolvimento do modo
capitalista de produção no campo brasileiro está ―na sujeição da renda da terra ao capital, pois
a partir daí, ele tem as condições necessárias para sujeitar também o trabalho que se dá na
terra‖. Assim, observamos que a retirada dos camponeses de suas terras, obriga-os a vender
seu bem mais importante, sua mão-de-obra.
O sistema capitalista, por mais devastador que seja, abre brechas para o surgimento de
outras formas de sobrevivência. Ao mesmo tempo em que exerce domínio, gera situações
onde o camponês recorre a outros meios para manter a subsistência familiar e econômica. De
acordo com Ariovaldo de Oliveira (1997):
Entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de produção na formação
social capitalista, significa entender que ele supõe sua reprodução ampliada, ou seja,
que ela só será possível se articulada com relações sociais não-capitalistas. (p.11)
Marx em seus estudos sobre o capitalismo, afirmou que a base sólida da agricultura
capitalista, se encontra na indústria moderna e na introdução de máquinas no campo e o
resultado dessa modernização leva a expropriação radical de uma imensa maioria dos
habitantes no campo (MARX, 1975: p. 866).
Decerto, ao separar o produtor camponês de suas terras, o capitalismo contribui para o
enfraquecimento das relações de identidade que este tem com o seu território, deste modo,
com o tempo perdem-se a conservação de seus valores sociais e culturais.
A produção agrícola no Brasil
É bem verdade que, desde o ―descobrimento do Brasil‖, a concentração de grandes
extensões de terra sempre foi defendida pelos governantes, mas, é no período colonial que a
terra é concebida como valor de mercado através da Lei de Terras de 185078
.
A respeito da agricultura brasileira, percebemos que, a década de 1960 marcou uma
mudança nas estruturas econômicas e produtivas, movimentada pela ditadura militar. Na
pauta das discussões do governo destacam-se os rumos do desenvolvimento econômico
78
No Brasil, a Lei de Terras (lei nº 601/1850) foi uma das primeiras leis brasileiras, após a independência do
Brasil, a dispor sobre normas do direito agrário brasileiro, tratando-se de uma legislação específica para a
questão fundiária. Esta lei estabelecia a compra como a única forma de acesso à terra e abolia, em definitivo, o
regime de sesmarias. A criação desta Lei transformou a situação na época porque as terras só poderiam ser
adquiridas através da compra nos leilões mediante pagamento à vista, e não mais através de posse, e quanto às
terras já ocupadas, estas podiam ser regularizadas como propriedade privada.
1728
brasileiro, que tinha como propósito retomar a corrida pela industrialização iniciada na
década de 30. Contudo, dessa vez, a política industrial não poderia acontecer caso não
houvesse profundas modificações no meio rural. Mudanças estas que tiveram o apoio do
Estado e dos que defendiam e apostavam que a modernização rural/industrial não necessitava
de uma reforma agrária, ou seja, a ―salvação do Brasil‖ não estava na divisão de terras e sim
na valorização e intensificação da concentração territorial em mãos de um número mínimo de
latifundiários. De acordo com Nogueira, (2005):
O país explodiu em termos capitalistas. Expandiu suas forças produtivas, estatizou-
se como nunca dantes, internacionalizou sua economia, dinamizou sua agricultura e
se industrializou. Movimentou-se freneticamente para todos os lados. Em vinte anos,
tornou-se outro: mais capitalista, mais moderno, mais deformado e injusto,
radicalizando uma tendência que vinha se acentuando desde a década de 50. (...) A
desigualdade social e a injustiça na distribuição da renda cresceram na mesma
proporção em que a economia capitalista se fortaleceu. (p.17-18)
A chegada da modernização no campo brasileiro tornou-se atração pela rapidez e
praticidade nas formas de cultivo desenvolvidas em países como os EUA. Existia uma
propaganda de disseminação de produtos agroindustriais nos países subdesenvolvidos,
guiados pelo ―exemplo de modernidade‖ dos Estados Unidos. Essas novas idéias eram
complementadas pela concepção de que o aumento da produção seria suficiente para atender a
necessidade alimentar dos brasileiros, acabando assim, com a fome e a desigualdade social
(SILVA, 2001). Entretanto, a própria história nos mostra que essa melhoria nunca aconteceu.
Segundo Graziano da Silva, a tecnificação das formas de produção no campo:
(...) coloca, necessariamente, os pequenos produtores na concorrência
intercapitalista, tanto no mercado de produtos como no de insumos. E a sua
capacidade de sobrevivência passa a ser determinada pela competição
intercapitalista nesses mercados. É uma ―corrida‖ cujo ritmo é dado pela
acumulação e, por mais que corram, são poucos os que conseguem ao menos
manterem-se no mesmo lugar, ou seja, sobreviver como pequenos produtores (2003,
p.59).
Nessa competição, os países que não se adequassem a essas mudanças eram vistos
como ―países atrasados‖. Isso facilitou a intensificação da monocultura, o uso de máquinas
pesadas, inseticidas e adubos químicos, a difusão das inovações biogenéticas na manipulação
das sementes, grande concentração territorial, trabalho assalariado e outras ―novidades‖ que
forçaram o agricultor a se adaptar às novas ―facilidades‖ no campo, deixando, assim, para trás
1729
(e até permitindo cair no esquecimento) a cultura de produção de alimentos naturais, nativos e
saudáveis (SILVA, 2003).
A terra com valor de mercado e a modernização da agricultura, geraram uma corrida
por uma maior concentração de terras associada à inserção e substituição gradual da
policultura pela monocultura intensiva, que transformou grandes extensões de terras em
produtoras de um tipo especifico de alimento ou de matéria-prima destinados à exportação e a
substituição gradual do pasto nativo pelo pasto plantado na esteira da expansão de uma
atividade pecuária intensiva e semi-intensiva. Segundo Silva:
O Estado brasileiro teve um papel decisivo na criação das condições políticas,
institucionais e econômicas para que a modernização se efetivasse de maneira rápida
e em grande escala. As exigências de consolidação e reprodução em larga escala do
modelo de ―industrialização da agricultura‖ comandaram uma drástica
reestruturação dos setores de produção de insumos e de transformação industrial, das
instituições e mecanismos de crédito, dos circuitos de comercialização e da estrutura
dos mercados (...) o Estado definiu um amplo e complexo conjunto de instrumentos
de intervenção – leis, regulamentos, programas, instituições – que passaram a
favorecer a expansão e a consolidação do modelo no terreno técnico - científico e a
regular as relações sociais e os conflitos resultantes das mudanças na organização
social e técnica da produção agrícola. (SILVA, 2001, p. 22)
A modernização no campo teve como carro-chefe as exportações agrícolas
estadunidenses, e chegou ao Brasil com o nome de Revolução Verde 79
. Suas técnicas de
produção, aliadas a produtos químicos, beneficiavam as grandes empresas de agronegócios
que se espalhavam pelo mundo e contribuiu para o aumento da desigualdade (MITTAL E
ROSSET, 2003, p.175). Algumas empresas de agrotóxicos, visando expandir seus negócios,
aliaram-se a uma visão de domínio sobre a produção de alimentos, comprando a maioria das
empresas que produziam sementes, criando as chamadas ―companhias de ciências da vida‖
que, através de técnicas de manipulação genética, procuraram, de forma maquiada, exercer
domínio sobre a produção e o consumo alimentar da população. Importantes empresas podem
ser destacadas como: Monsanto, Giga-Geigy, Hoecshst, Aventis, Novartis e Syngenta
Segundo Andrioli (2008) a Revolução Verde teve como base três elementos
interligados:
1) a mecanização, através da produção de tratores, colheitadeiras e
equipamentos; 2) a aplicação de adubo químico, pesticidas e medicamentos para a
criação de animais; 3) o progresso da biologia, através do desenvolvimento de
79
Entende-se por Revolução Verde à invenção e disseminação de novas sementes e práticas agrícolas (industrial,
química e mecanizada) que permitiram um vasto aumento na produção de alimentos em países menos
desenvolvidos durante as décadas de 60 e 70. (RIBEIRO, 2003)
1730
sementes híbridas e novas raças de animais com potencial produtivo superior (
p.103).
A manipulação genética das sementes ligada ao crescimento capitalista gerou um
domínio sobre o camponês, que viu seu alimento precioso sendo dominado por grandes
indústrias e cientistas que ―brincam de ser Deus‖, criando sementes modernas com alto poder
de produção que, no entanto, só germinam se estiverem associadas a insumos agrícolas
(herbicidas, adubos químicos, etc.), produzidas por tais empresas. (PINHEIRO, 2005).
Assim, o camponês tornou-se um escravo dessas empresas, pois além de pagar pelas
sementes, é obrigado a adquirir também os insumos tóxicos que, em sua maioria, são
vendidos em pacotes especiais, com preços ―acessíveis‖ que ―beneficiam‖ a produção de
alimentos (ALTIERI e NICHOLLS, 2003, p.164).
Nas concepções de Mittal e Rosset (2003), a relação desigual entre dominador e
dominado intensifica-se quando os problemas de saúde pública, causados pelo consumo de
alimentos geneticamente alterados e/ou produzidos com insumos tóxicos, causam doenças
como alergias, intoxicação alimentar, entre outros distúrbios que afetam grande parte da
população. Por outro lado, essa mesma população busca ―a cura‖ através de remédios, muitas
vezes, produzidos pela mesma empresa que ―criou‖ a semente e produziu o adubo/veneno,
fechando um ciclo de dominação alimentar. Algumas empresas como a Bayer e a Monsanto
podem ser lembradas nessa discussão.
A partir do momento em que os camponeses optam por usar em seus roçados as
sementes naturais e não as que são disponibilizadas pelo mercado, criam barreiras que
impedem a sua total absorção pelo modelo vigente de agricultura, principalmente o
agronegócio.
Os Bancos de Sementes Comunitários são experiências alternativas a essa agricultura
de mercado e vem ganhando destaque dentro dos Assentamentos, das entidades como a ASA-
PB (Articulação do Semiárido Paraibano) e a AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em
Agricultura Alternativa), e da CPT/Sertão (Comissão Pastoral da Terra/Sertão). Na Paraíba,
este trabalho em conjunto resultou em um grande evento e um importante espaço de discussão
mais ampla, as Festas Estaduais das Sementes da Paixão (FESP). No entanto não iremos nos
aprofundar neste encontro, mas, explicar o papel do BSC no Assentamento Três Irmãos.
O Banco de Sementes Comunitário do Assentamento Três Irmãos
1731
Conforme discutimos anteriormente, o capitalismo em sua contradição, ao mesmo
tempo em que expulsa o camponês de suas terras com a finalidade de torná-lo um assalariado,
também desperta nestes uma resistência a essas forças dominantes. A respeito da resistência
social camponesa, Carvalho (2003) explica que é necessário um processo prolongado de
resgate das identidades sociais, que exija uma:
redescoberta de seus saberes, habilidades e práticas de produzir, de se alimentar e de
cuidar da saúde, experiências essas de vida que ―rejeitaram‖ porque lhes disseram
que eram saberes e fazeres ultrapassados‖ (p.108) (grifo nosso).
Além de assegurar a subsistência da família - não só alimentar como também
econômica - a estocagem de sementes é importante para a recuperação e multiplicação dos
recursos genéticos locais, que garantem uma flexibilidade de opções através de um sistema de
policultura contrapondo-se à discussão capitalista que apóia a monocultura.
De acordo com Almeida (2001):
Tradicionalmente, o armazenamento de sementes do estoque familiar tem como
principio a baixa umidade e a vedação, sendo utilizados cabaças, latões de
querosene, garrafas e garrafões de vidro ou de plástico, baldes ou silos de zinco,
sempre vedados (p. 47).
A introdução da experiência de um banco de sementes comunitário nas comunidades
paraibanas trouxe consigo um discurso de conscientização sobre os impactos causados pelo
uso de insumos tóxicos nos roçados. A partir de então, muitos agricultores passaram a
produzir de forma natural e sustentável. Segundo os dados da Rede Sementes da Paraíba, o
estado possuía em 2006 o número de 476 silos, 228 BSC e contava com a participação de
6.561 famílias associadas, distribuídas em 61 municípios. Diante das estratégias
desenvolvidas por estes camponeses, destacam-se os bancos de sementes: comunitários
(BSC) e os familiares (BSF).
No BSC (figura 02), os estoques são disponibilizados tanto aos camponeses das
comunidades que possuam o banco, quanto para outras áreas como as de assentamento que
possam vir a necessitar de sementes para consumo ou plantio, obedecendo a uma regra de
devolução. O empréstimo de sementes, de acordo com a política do BSC, acontece da
seguinte forma: cada família recebe uma determinada quantia de sementes – de acordo com o
tamanho e as necessidades das famílias – e utilizam-nas no período de plantio ou para
1732
consumo próprio. No período de colheita devolve a quantia solicitada ao banco acrescida de
20% (o valor é estabelecido pela coordenação dos bancos). Esse método garante um estoque
sempre farto.
Figura 02
No caso dos BSF, algumas famílias camponesas optam por estocar as sementes de
forma caseira, em garrafas PET, contribuindo para a preservação do meio ambiente. Essa
reserva é utilizada em momentos de dificuldades econômicas, sendo vendidos diretamente no
mercado ou através de atravessadores. Um bom exemplo de Banco Familiar é o de Dona
Mariana, que guarda as suas sementes dentro de silos, em um quartinho e também em diversas
garrafas empilhadas nos vãos da casa, como podemos ver na figura 03:
Figura 03
É importante ressaltar que o alimento que excede da produção destes bancos de
sementes é vendido em feiras agroecológicas ou em feiras livres, localizadas nas cidades
circunvizinhas, contribuindo na complementação da renda familiar dos agricultores. A
2 - Banco de Sementes do Assentamento Três Irmãos, agosto de 2010. Foto: Juliano
Moreira do Nascimento
Figura 03: Modelo de um BSF na casa de Dona Mariana, agosto de 2010. Foto:
Juliano Moreira do Nascimento
1733
estocagem de sementes também garante uma segurança diante dos programas de distribuição
de sementes do governo, que em sua maioria chegam aos agricultores depois do período de
chuvas na região, além disso, enfraquece as relações de domínio pelos políticos que oferecem
sementes em troca de votos (Almeida, 2001).
Segundo Almeida (2001) os primeiros relatos desta experiência comunitária no Brasil,
aparecem na região Nordeste na década de 1970, graças ao trabalho da Igreja Católica junto
as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A primeira experiência de BSC registrada na
Paraíba surge no ano de 1992, no Assentamento Três Irmãos, logo após a conquista e posse
do direito de uso das terras, contando com o apoio da CPT/Sertão e de um projeto da Cáritas
Brasileira, que liberou recursos para a comunidade construir casas e poços, comprar carroças
e animais.
O BSC de Três Irmãos surgiu de uma ideia de um dos camponeses, o Sr Chico Salú.
Esta trazida de suas memórias e de suas vivências em busca de trabalho, é fruto de suas
experiências de vida, daí a sua alegria e uma certa nostalgia ao nos relatar que:
a história desse banco de sementes é quase um romance. Vem dum tempo que não
existia banco, nem notícia, que a gente nem conhecia. Em 1958, eu estava
trabalhando no Enhambú (Ceará). Eu trabalhava em açude, fazendo construção de
açudes com jumentos, o cabra com cem, cento e tantos jumentos, num açude
trabalhando era que nem formiga de roça. Eu trabalhei muito. Em 1958, eu passei o
ano todo trabalhando no Enhambú, Tauá, Parambú, Cariús, Catarina. E lá, chegou
um dia, eu andando mesmo atrás de uma ―empeleita‖, eu sai numa casa e tava uma
reunião, em 1958 o tempo era ruim também. Tavam numa reunião, assim, umas dez
pessoas. E eu passei um pedaço da tarde lá e fiquei observando. Ai peguei a
expecular deles: ―Aqui é um banquim de sementes que nós tem, esse foi seco‖.
Naquele tempo era nos litros Dom Bosco ―cheio de feijão e milho e arroz que é para
em 1959 nós tá prevenido. Nós temos esse banco de sementes e não podemos acabar
com ele não‖. E eu fiquei com aquilo na cabeça. Eu digo: ―E como é que vocês
fazem?‖ – e eles: ―Não, a gente leva e quando é no fim que colhe, traz, se levar 10
litros, traz 12‖. Isso em 1958, e nós fundamos o daqui em 1992.
Esse relato mostra que diferente do que afirma Almeida (2001), os primeiros
resquícios de um BSC foram observados já no final da década de 1950, como afirma o Sr
Chico Salú. As sementes que foram o pontapé do BSC foram compradas pelos próprios
camponeses nas cidades vizinhas como Cajazeiras/PB e Triunfo/PB, cerca de 2.250 quilos,
entre arroz, feijão e milho que foram estocados em 02 silos (também comprado com o recurso
da Cáritas).
A ideia de Sr Chico e o trabalho da comunidade deram origem a um espaço de trocas
não só de sementes, mas, de conhecimentos, tornando acessível aos camponeses algumas
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discussões que não faziam parte do seu dia-a-dia, ou seja, funciona como ―um espaço político
organizativo, mobilizador de processos coletivos de conservação da diversidade‖
(ALMEIDA, 2003).
Com o apoio e o acompanhamento da CPT/Sertão, os assentados passaram a discutir
em suas reuniões, alguns temas como agroecologia, os problemas causados a partir do uso de
insumos químicos na produção, e propostas para estimular a união e a solidariedade entre
eles. Essa união pode ser identificada nos vários mutirões ressaltados durante as entrevistas,
que eram momentos em que os camponeses se juntavam para dividir tarefas, como, a limpeza,
o plantio e a colheita na roça comunitária.
Além da garantia de sementes para alimentação e para o plantio, o BSC de Três
Irmãos representa a luta e a resistência destes camponeses aos problemas impostos pelas
relações de patronato, dependência de políticos ou de prefeituras, ainda comuns em algumas
regiões sertanejas. Essas condições são identificadas na fala de Vicente da Viúva quando
ressalta a importância do Banco de Sementes:
Um dos problemas que viu a necessidade maior naquela época dessa iniciativa de
um banco de sementes foi: uma que naquele tempo, o povo era muito agregado aos
políticos, prefeituras, a maioria confiava nas prefeituras e comia toda sementizinha
que tinha em casa, para esperar que quando chovesse no outro dia ia bater na porta
do prefeito. A gente aqui nunca gostemos disso e muita das vezes eu via mãe dizer
―rapaz, o feijão que tem é só o da casa‖ e muitas vezes pai dizia ―não, abre um
litro‖ e sem ter nenhuma expectativa assim de que quando chovesse fosse buscar
sementes a não ser nas prefeituras, e a gente continuava até essa época que foi
criado o banco de semente, vinha nesse mesmo rojão. E quando a gente criou esse
banco de sementes, acabou aquilo ali. A gente não lembra mais de prefeitura ou de
EMATER. Muitas vezes são eles que vem procurar a gente. (Entrevista em 19 de
agosto de 2009)
O BSC serve como uma alternativa à dependência dos camponeses aos políticos e às
prefeituras, libertando-os do assistencialismo ainda fortalecido na região semiárida do Sertão
Paraibano. O fato de não precisarem de ajuda externa quando se tratam de sementes para o
plantio e alimentação, os camponeses de Três Irmãos resistem à dominação imposta pelas
multinacionais ou pelo Programa de Distribuição de Sementes do governo. Assim, reduzem o
nível de dependência a esses Programas que distribuem as sementes nos períodos em que as
chuvas já tem passado, e os camponeses já tenham plantado ou já estejam próximos de colher
a sua produção.
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Além de sua importância como garantia de semente para alimentação e para o plantio,
o BSC de Três Irmãos representa um espaço de discussão política, cultural e ambiental, onde
as suas tradições são respeitadas e os limites naturais são contornados, mas sem que aja
agressão ao meio ambiente.
A história das sementes da paixão, muitas vezes, mistura-se a dos camponeses. Muitos
deles guardam seus insumos naturais, dando continuidade aos cuidados e à dedicação de seus
familiares por anos, contribuindo não só para a preservação da agrobiodiversidade local,
como também para a construção do conhecimento, da melhoria das experiências na produção
de alimentos naturais e na garantia da soberania alimentar.
As sementes da paixão representam a preservação da memória camponesa, pois é o
resultado de muitos testes e observações nos seus roçados, em um processo de seleção e
plantio das melhores sementes, garantindo, assim, a melhoria e a perpetuação da qualidade
desses insumos naturais.
Considerações finais
Observamos, de modo geral, que o enfraquecimento das relações entre o camponês, as
sementes e o seu território se deve basicamente à modernização no campo e a concentração
das terras nas mãos de uma minoria da sociedade. Tais fatores foram associados à
manipulação genética dos alimentos promovidos pela expansão do capital na agricultura junto
ao uso de insumos químicos que apenas beneficiam para a lucratividade das multinacionais.
Entretanto, as experiências de Bancos de Sementes da Paixão no Assentamento Três
Irmãos, nos mostra que, de forma organizada, eles garantem uma certa segurança quanto a
disponibilidade de sementes para plantar e se alimentarem. As sementes são escolhidas e as
melhores são guardadas em silos, garrafas plásticas ou de vidro (contribuindo para a
preservação do meio ambiente). Após a criação do banco de sementes nesta comunidade,
aprofundaram-se as discussões a respeito da segurança alimentar, da agroecologia e do
desenvolvimento sustentável, levando muitos dos camponeses a abandonar o uso de insumos
químicos, principalmente o veneno.
Quando analisamos em um contexto maior, percebemos que eles resistem ao modelo
agrícola capitalista, pois não dependem da distribuição de sementes do governo (que são
distribuídas após o período de plantio) e nem precisam comprar as sementes vendidas pelas
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empresas multinacionais. Ao passo que não necessitam de produtos externos (fertilizantes,
herbicidas, agrotóxicos), contribuem para o enfraquecimento das , vendas dessas empresas.
Possuir um banco de sementes é preservar a biodiversidade e a cultura da produção e
consumo de alimentos naturais, dando mais autonomia ao camponês nas escolhas do que
plantar e/ou comer.
Percebemos também que a união entre os camponeses e os movimentos sociais e
sindicatos rurais, faz com que experiências e discussões como essas sejam expandidas para
todo o Estado, chegando a todos que moram na cidade ou no campo. O Banco de Sementes
Comunitário de Três Irmãos, por se tratar de um dos primeiros focos de estocagem
comunitária de sementes na Paraíba, serviu e ainda serve como base para a criação de novos
bancos de sementes nos assentamentos do estado.
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