A perspectiva da Psicologia Budista Mente ... - Casa de...
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Mente consciente,
Mente subconscienteA perspectiva da Psicologia Budista
VEN. BHANTE HENEPOLA GUNARATANA
Edições Casa de Dharma2008
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Mente consciente,
Mente subconscientea perspectiva da Psicologia Budista
VEN. BHANTE HENEPOLA GUNARATANA
Edições Casa de Dharma2008
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Ficha Técnica
Copyright © 2015 – Casa de DharmaTodos os direitos reservados
Projeto Gráfico, Diagramação e Capa
FotografiaCasa de Dharma
Coleção: Edições Casa de Dharma
Índices para catálogo sistemático:1. Budismo; 2. Mente; 3. Dhamma; 4. Religiões; 5. Meditação; 6. Vipassana; 7. Psicologia Budista; 8. Meditação
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Mente consciente,
Mente subconscientea perspectiva da Psicologia Budista
Retiro com Bhante Henepola Gunaratana
organizado pela Casa de Dharma – fevereiro 2005
tradutores:
Arthur Shaker
Francisco Penteado
Rafael Ortiz
Renata Lyrio
Revisão: Arthur Shaker
Edições Casa de Dharma2008
Casa de DharmaCentro de Meditação Budista Theravada
r. Augusta, 2333 – cj 09São Paulo 01413-000
Tel. (11) [email protected]
www.casadedharmaorg.org
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Respiração
Concentração Vipassana: estados mentais
Perguntas e Respostas
Concentração Correta
Concentração – Obstáculos e fatores
Preceitos/ Perguntas e Respostas
Sati (Consciência Atenta) Correta
Metta
Perguntas e Respostas
Preparação para a Meditação
Os 7 fatores da iluminação
Investigação do Dhamma
Perguntas e Respostas
Como lidar com os irritantes e as emoções
Porque meditar
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O têrmo Sati, um dos oito e muito importantes fatores ou habilidades
do Nobre Óctuplo Caminho a ser desenvolvido, é de difícil tradução. Tem
sido traduzido, para a língua inglesa como “Mindfulness”, e é esse o termo
que Bhante Gunaratana sempre usa; para a língua portuguesa, encontramos
muitas vezes traduzido como “Plena Atenção”. Mas os monges budistas
que conhecem os três termos - Sati, Mindfulness e Plena Atenção -, nos
alertaram que essa tradução como “Plena Atenção” não faz jus ao sentido
mais complexo e amplo de Sati, pois para “atenção”, há o outro têrmo na
língua Páli, “manasikara”. Considerando esses aspectos e cuidados, nos
parece mais prudente e útil usarmos ou a forma original “Sati”, ou, uma
tradução, ainda provisória, “Consciência Atenta”.
O Revisor
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1º dia
05/02/2005
Respiração
[Iniciamos esse retiro] pensando no Buddha, no Dhamma e na Sangha.
Buddha é a incorporação da sabedoria, da calma e da paciência; Dhamma é a
representação da Verdade, e a Sangha é seguir os ensinamentos do Buddha e
conseguir a iluminação. Com esta observação nós ganhamos confiança em nosso
treinamento, porque estamos nos colocando um objetivo de uma alta realização;
por isso nesse retiro vocês estão observando preceitos especiais.
Estes não são os preceitos que vocês terão que observar pelo resto de sua
vida; são chamados de “os oito preceitos monásticos”; esses oito preceitos são os
que devemos observar para alcançar a purificação da mente, de modo que
tornemos nossa mente calma e relaxada, e quando praticamos a meditação
podemos ganhar a concentração mais rapidamente, de modo que possamos
durante o retiro tornar a nossa vida simples e fácil de ser sustentada.
Quando há muitas outras coisas a fazer, a mente se tornará distraída;
quando estamos envolvidos em muitas atividades nós nos tornamos mais
agitados; quando temos muitas agitações e preocupações na mente, não
conseguimos fazer a nossa prática de meditação de modo mais calmo e tranqüilo.
Por isso observamos esses princípios de modo que possamos restringir-
nos. Esses preceitos não são nenhum tipo de mandamento; são preceitos que
observamos voluntariamente; estes oito preceitos foram já traduzidos em
Português e não precisam de maiores explicações; podemos seguir diretamente
para as instruções da prática de meditação.
Como alguns de vocês não estão familiarizados com a prática da
meditação, eu procurarei dar instruções bem simples, de modo que vocês possam
seguir a prática.
Em primeiro lugar, procurem observar se vocês estão sentados na postura
ereta e relaxada; procurem observar se o corpo não está curvado para frente, nem
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para trás; o corpo e a cabeça devem estar alinhados, de modo que quando vocês
inspirarem e expirarem, os pulmões possam contrair e expandir plenamente.
Sentar na postura correta evita também que vocês caiam no sono; assim
que perceberem que o corpo está se inclinando para frente, para trás ou para os
lados, procurem estar conscientes disso; sentar na postura ereta é, portanto, a
melhor maneira de manter a mente alerta. Assim que perceberem que estão
caindo em sonolência, voltem para o estado de mente alerta.
Então, façam três respirações profundas, procurando observar a expansão
do baixo abdômen, a contração e expansão do seu abdômen e do peito, de modo
que vocês possam observar a contração e expansão natural dessas três áreas.
Façam três respirações profundas, bem vagarosamente, de modo que essas áreas
se expandam e contraiam...
(Prática...)
Então, respirem naturalmente, de modo que possam sentir a respiração
fluindo sem nenhum esforço especial.
Procurem não verbalizar, nem conceitualizar: “expandindo ... contraindo...
inspirando... expirando”; procurem prestar atenção à simples e pura respiração.
Embora a nossa prática de meditação não seja apenas se concentrar na respiração,
a respiração é um instrumento muito importante como objeto de concentração.
Nós usamos a respiração por algumas razões muito úteis. Como disse, a
respiração não é o objetivo total, mas um dos instrumentos muito importantes da
nossa prática. A respiração é pura e simples, não pertence a nenhuma tradição,
cultura ou religião em particular; por isso não há nenhum preconceito em relação
à respiração; não há um proprietário da respiração; é encontrada de modo livre e
gratuito; é universal; traz a vida; precisamos respirar para nos manter vivos;
todos os seres vivos respiram.
Ao mesmo tempo a respiração é bastante natural; nesta respiração natural
nós também encontramos algo muito importante: temos que repetir a respiração.
A repetição da respiração é sempre uma lembrança da impermanência; como não
existe nada na vida que façamos apenas uma vez, então a respiração lembra-nos
que tudo é repetitivo; se a respiração não fosse impermanente, nós teríamos que
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respirar apenas uma vez; como é impermanente, temos que respirar de novo, de
novo. Por isso, toda vez que inspiramos e expiramos, nos lembramos do aspecto
grosseiro da impermanência. Com a respiração também, além do aspecto
grosseiro e superficial da impermanência, nossa mente se torna afiada, limpa e
clara, de modo a perceber as mudanças sutis ocorrendo na respiração.
Para que possamos perceber isso, não devemos nem verbalizar nem
conceituar; devemos prestar total e não-dividida atenção à respiração. Sati na
respiração é uma consciência atenta de alta qualidade. A elevada qualidade da
concentração é aquela que está isenta do ódio, da cobiça e da confusão.
Quando prestamos atenção na respiração, às vezes ela pode ser muito
agradável, criando calma e paz e podemos nos apegar à essa respiração. Por isso
prestamos atenção à respiração, sem nos apegar àquelas sensações prazerosas
naquela respiração.
Algumas vezes essa respiração pode criar uma perturbação em nossa
mente e com isso sentirmos aversão para com ela; por isso devemos evitar esse
ressentimento que surge.
Algumas vezes a respiração pode ser tão suave que não percebemos a
impermanência; então podemos pensar que é algo permanente. A permanência é
uma delusão, e com Sati prestamos atenção a esse tipo de delusão. Prestando
atenção à respiração podemos perceber as mudanças que ocorrem nessa
respiração, e com isso temos a percepção da sensação da respiração, que muda
conforme a respiração também vai mudando.
Quando também expiramos, mentalmente percebemos essa respiração;
esta é uma percepção que também muda. Para prestar atenção na respiração
existe uma vontade e um esforço, e esta atividade volitiva também muda.
Então, temos total consciência da sensação, da percepção, da atenção, e
essa consciência também muda com a mudança dessas coisas.
Não tente parar para pensar nessas coisas, mas essas são as coisas que
mudam e vocês simplesmente prestem atenção a essas mudanças.
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Algumas vezes vocês podem ouvir sons; mesmo nesses sons você
experienciará mudanças; você poderá sentir sensações no seu corpo; se prestar
atenção a estas sensações perceberá que elas também mudam.
Se a mente se distrair, não se aborreça com isso, não fique desapontado,
simplesmente observe esse estado distrativo da mente. As distrações da mente
são outros exemplos da impermanência.
Qualquer coisa que você sentir será sempre um exemplo sobre a
impermanência; tudo que você tem que fazer é prestar atenção ao que você
experiencia, enquanto impermanência.
Qualquer que seja a sensação ou emoção que surja, simplesmente preste
atenção a ela, procurando não se apegar nem rejeitá-la. Algumas vezes você
sentirá um estado muito pacífico e tranquilo da mente; simplesmente observe
sem se apegar a isso; algumas vezes você terá sensações desagradáveis, procure
não rejeitá-las, simplesmente observe com atenção.
Lembre-se que tudo isso acontece aqui e agora, neste momento em que
estamos sentados; você simplesmente respirando e observando isso. Procure não
trazer o passado para o presente; procure não trazer o futuro para o presente;
simplesmente procure prestar atenção para o que acontece neste momento. O
melhor modo de prestar atenção ao momento presente é estar junto com a
respiração; porque isso é o que continua vindo e indo neste momento presente.
Então, se você prestar atenção à respiração, poderá estar em um estado de
calma; perceberá que tudo flui com a respiração. A respiração aparece como o
foco frontal e as outras coisas ficarão apenas como pano de fundo; se você
observar a impermanência de outras coisas, então a respiração ficará como pano
de fundo.
Qualquer que seja o caso, não verbalize; apenas preste atenção ao que
você está experimentando. Mesmo a mente, que está prestando atenção a todas as
coisas, está mudando; você perceberá que não existe uma pessoa ou entidade
observando isso; a experiência, a mente cambiante em si, a própria observação
do quê está mudando, também estão mudando. A única coisa que você deve
procurar não fazer é verbalizar e conceitualizar.
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Quando você não conceitualiza, seu insight cresce muito rapidamente.
Com essas simples instruções, eu vou deixar vocês praticando e seguindo essas
instruções.
Respirem vagarosa e profundamente, até que a respiração se torne lenta,
calma e relaxada...
(Prática...)
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Concentração Vipassana: estados mentais
Vou falar sobre nossa prática e a relação com os estados mentais.
Nós meditamos com a ideia de que fazendo isso vamos purificar a mente.
De acordo com o Buddha, nossa mente é luminosa; mas ela fica poluída com
todas as impurezas que surgem. As pessoas comuns, que não são educadas no
Dhamma, não sabem disso; então essas pessoas não praticam a meditação para
purificar a mente. Mas aquele que é educado no Dhamma sabe que a mente é
luminosa e que ela se torna poluída por impurezas externas; então essa pessoa
medita para se liberar dessas impurezas externas.
Essas duas afirmações parecem contraditórias: a primeira afirmação diz
que a mente é luminosa, mas as pessoas comuns, não educadas no Dhamma, não
sabem disso. Ao mesmo tempo se diz que essa mente é luminosa, mas se torna
poluída, invadida pelas impurezas. Podemos pensar que se a mente é luminosa,
ela deveria ser pura; porque se pensa que ela não poderia brilhar se ela não fosse
pura. Então se pensaria: se a mente já é pura, porque alguém deveria saber que
ela é pura, e como ela pode se tornar impura por impurezas externas? Porque se
ela é pura, ninguém tem que fazer nada sobre isso. E se é impura, como pode ser
luminosa?
Acontece que luminosidade não quer dizer pureza; algo pode brilhar e
mesmo assim ter muitas impurezas dentro de si. Há muitas coisas que brilham,
como o vaga-lume que brilha à noite; vocês devem ter visto esse bichinho que
brilha de noite; mas esse inseto não é totalmente puro, e a parte luminosa desse
inseto também não é pura; por causa de um produto químico nele, ele brilha.
A mente é luminosa, pois ela possui uma luminosidade, que é um sinal ou
potencial de possibilidade de purificação; e essa luminosidade está na mente, não
na sabedoria. Pessoas comuns: significa pessoas que não conhecem a verdade, ou
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a realidade, não estudaram a teoria de como é possível alcançar esse estado de
luminosidade da mente, e não meditam.
Se a mente é pura, a nossa tentativa de purificá-la não tem sentido; por
outro lado, sabemos pelo Buddha que há tendências subjacentes em nossas
mentes (anusayas); esses anusayas nascem junto conosco. Anusayas significa as
tendências subjacentes, pode ser a ganância, o desejo de vir-a-ser, o ódio, visões
equivocadas, a ignorância. Todas elas nascem conosco em nossa concepção.
Eu gostaria de ilustrar isso com um exemplo muito simples. No momento
em que nascemos, nesse exato momento, o desejo surge. Por causa desse desejo,
o embrião sobrevive; está sempre buscando uma maneira de se alimentar para
poder sustentar a vida; então essa estrutura unicelular mínima se aloja ali no
útero; e a partir daí começa a sugar todos os nutrientes do útero da mãe. E no
exato momento da concepção, a ignorância também surge; a ignorância não é
introduzida por alguém ou por alguma coisa, ela nasce naturalmente no exato
momento da concepção. Quando a ignorância e a cobiça nascem
simultaneamente, elas se reconhecem, elas se reconhecem porque elas existem
desde o início dos tempos no samsara; elas já se viram, se reconheceram e se
conhecem tão bem que se apaixonam uma pela outra, e não precisam esperar
nem um segundo, não precisam namorar; assim que nascem, se reconhecem e
casam.
Assim que elas se casam, amadureceram tanto tempo no samsara, que não
precisam esperar para ter filhos; e nesse momento essa criança não tem nenhum
gênero em particular; mas se o gênero combina “x” com “y”, então ele reconhece
e diz, “sou menino”; e se ele combina os dois “x”, ele diz, “sou uma menina”.
A mãe dessa criança é a ganância, a cobiça, e o pai é a ignorância; os pais
sustentam essa criança; essa criança sem gênero, o nome dela é “eu”. Então o
“eu” está crescendo e crescendo; esta criança chamada “eu” se torna muito
arrogante e teimosa, às vezes é chamada de “ego”, às vezes de “self”, às vezes
“alma”; agora se tornou uma criança muito arrogante e teimosa, filha da
ignorância e da cobiça. E esses pais estão tentando disciplinar essa criança; mas
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nem o pai, nem a mãe podem discipliná-la. Porque ela se torna muito forte e
poderosa; e a mãe às vezes fica cansada e vai consultar seus conselheiros.
Esses conselheiros são: o ciúme, o ódio, a competitividade, o medo, a
ansiedade, a preocupação; então ela vai a eles e pede conselhos para disciplinar
seu filho, porque seu filho se tornou teimoso e arrogante; e eles dizem: “não se
preocupe, esse é seu filho... você tem que sustentar essa criança que você deu à
luz, aquilo que você possui, seu bebê possui”; então ela retorna com os mesmos
sentimentos e então, o pai, a ignorância, resolve se aconselhar com o mesmo
grupo de conselheiros.
E eles unanimemente dizem a mesma coisa: “não se preocupem, é seu
filho, procurem apoiá-lo”. Então, agora ambos os pais estão tentando sustentar
esse filho chamado “eu”; e eles nunca podem se separar desse filho, e nem a
criança pode se separar deles.
Esse é o tipo de estado mental que nós temos; isso é o que chamamos de
tendência subjacente; enquanto tivermos essas tendências, com essa condição
nossa mente não estará totalmente pura.
Mas de vez em quando a mente tem um lampejo de desejo de querer
libertar-se disso; e quando percebemos essa situação começamos a buscar meios
positivos e significativos para nos tirar dessa situação.
Então, por um lado temos essas tendências subjacentes que são
alimentadas por impurezas externas que nos invadem; se a mente é totalmente
pura não existem impurezas que possam torná-la impura. Como a mente já possui
essas tendências subjacentes, então elas convidam essas impurezas a entrar.
Nós convidamos estados que combinem com aqueles estados que já
possuímos; a cobiça está procurando algo para sustentar a própria cobiça; a
ignorância procura externamente algo que a sustente; o seu filho também, o self,
a alma, o ego, também está procurando alimento externo para se sustentar. Se
percebermos essa situação, podemos usar nossos sentidos para desencorajar a
ignorância, a cobiça e o ego de buscarem alimento do exterior.
Essa é a tentativa que os meditadores estão fazendo. Estão procurando um
modo de restringir seus sentidos; nós podemos tentar restringir os sentidos para
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que a mente possa trabalhar com aquilo que ela já possui. Por isso na meditação
nós tentamos fazer com que a mente não se distraia de um objeto para outro.
Há um exemplo muito bonito que o Buddha deu, sobre pegar seis animais:
uma raposa, um cachorro, uma cobra, um crocodilo, um macaco e um pássaro.
Você os amarra com seis cordas e amarra essas seis cordas entre si e deixa ali. O
crocodilo vai tentar ir para a água; a cobra vai tentar ir para um pântano; o
pássaro vai tentar voar; o macaco vai tentar ir para a árvore; o cachorro vai tentar
ir para casa procurar seu dono e a raposa vai tentar ir para a floresta. O animal
que for mais forte vai puxar os outros animais e vai haver um grande caos entre
eles.
Então, o que você fez não é uma coisa muito sábia; apesar de você tê-los
amarrado para controlá-los, você está fazendo-os sofrer mais. O que você tem
que fazer é amarrar essas cordas a um ponto firme; então você tem um poste no
chão e amarra todas essas cordas a esse poste.
Cada um deles vai tentar fugir e arrebentar essa corda, mas cada um
independentemente vai se cansar; nenhum pode puxar o outro, e eles vão acabar
se cansando e você pode discipliná-los e treiná-los.
Analogamente, os seus sentidos vão procurar por objetos sensoriais: os
olhos vão procurar por objetos visuais agradáveis, os ouvidos por sons
agradáveis; o nariz por cheiros agradáveis, a língua procura por gostos, o corpo
procura por sensações agradáveis, e a mente procura por objetos mentais
atraentes também.
Portanto, se usarmos Sati como um poste firme e a concentração como
uma corda para pegar esses sentidos e amarrá-los a esse poste firme chamado de
Sati, então fica fácil para nós disciplinarmos cada sentido. Mas se você deixar os
sentidos correrem atrás do que eles quiserem e aí tentar concentrar-se, você não
vai conseguir nem concentrar-se, nem ter Sati.
Assim, sem concentração não podemos disciplinar a mente, e sem
disciplinar a mente não podemos ganhar Sati; sem disciplinarmos a mente e sem
termos Sati, não podemos alcançar o estado luminoso da mente. O que fazemos
quando estamos tentando disciplinar os sentidos é reduzir e minimizar a
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quantidade de impurezas que entram na mente. Porque essas impurezas que
permitimos que entrem na mente pelos sentidos vão alimentar as tendências
subjacentes.
Se nós não enfraquecermos essas tendências subjacentes não poderemos
remover essas impurezas de modo a alcançar o estado luminoso da mente; se
começamos supondo que a mente é totalmente impura, então não existe
possibilidade de torná-la pura; mas nós começamos com a suposição de que ela é
impura, mas que existe luminosidade, isto é, a possibilidade de torná-la pura.
A prática da concentração é uma coisa, e a de Sati é outra; algumas
pessoas podem dizer: “Eu pratico meditação de Sati”, ou “Eu pratico
concentração”. Na tradição budista, essas duas práticas não são separadas; para
que a nossa prática de meditação seja completa temos que combinar essas duas
práticas juntas. Até mesmo na concentração existe concentração incorreta, e em
Sati existe Sati incorreta. Posso falar em outra palestra o que pode haver de
errado na concentração e em Sati, mas agora só quero dizer que precisamos das
duas para ter uma prática meditativa que leve à purificação.
Nos ensinamentos do Buddha temos a libertação da mente (cettovimutti) e
a libertação da sabedoria (paññavimutti). Libertação da mente é a prática da
meditação de concentração; libertação da sabedoria é a prática do Vipassana ou
Meditação do Insight. Quando praticamos a concentração, estamos removendo
uma das três maiores tendências subjacentes; essas três tendências subjacentes
maiores são as que eu mencionei antes, o pai, a mãe e o filho. Uma delas é a mãe.
Em minha analogia, eu disse que a mãe é a cobiça e ela é nutrida e apoiada por
tudo que se refere ao desejo, à ganância, o apego, ao correr atrás das coisas;
enquanto eles estiverem ali, a mente não está pura e a concentração não é
possível.
Eu vou falar sobre isso depois, mas existe um obstáculo chamado cobiça,
que tem muitos sinônimos; a cobiça é o fator mental diametralmente oposto à
concentração; então, quando meditamos, para obter a concentração temos que
reduzir, minimizar e eliminar temporariamente a cobiça; se conseguirmos deixar
a cobiça de lado temporariamente quando meditamos, poderemos alcançar a
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pureza da mente. Isso é chamado libertação da mente (cettovimutti); isso
significa que alcançamos a pureza da mente através da prática da concentração;
mas isso não é a prática completa.
Na concentração conseguimos colocar a cobiça de lado temporariamente,
mas depois disso, ela pode surgir novamente, sem sabedoria; então temos que
praticar Sati de modo a superar a ignorância, para que essa cobiça não surja
novamente. Se praticarmos também a Meditação do Insight, o pai, a ignorância,
também será eliminado.
Se o pai, a ignorância, e a mãe, a cobiça, forem eliminados, então a
criança também não vai sobreviver, também vai desaparecer. Porque essa criança
existe somente pelo sustento desses pais, e se esses pais desaparecerem essa
criança se torna um órfão, sem nenhum sustento; então a criança também vai
morrer.
Então é dessa forma que Samatha e Vipassana, ou Concentração e Sati,
nos ajudam a chegar ao ponto básico do fundo de nossos problemas e alcançar a
pureza da mente e da sabedoria.
Todos os nossos problemas surgem dessas três tendências subjacentes de
nossa mente; então a luminosidade é luminosa se ela conhece o método, o
sistema, o processo de chegar à luminosidade para eliminar suas impurezas; a
mente luminosa se tornou impura, poluída, corrompida por causas dessas
tendências subjacentes. E para podermos chegar à pureza, devemos eliminar
essas tendências subjacentes, e o modo de eliminar isso é através desses dois
métodos juntos, Concentração e Sati.
Existe um discurso no Samyuta Nikaya, onde o Buddha apresenta um
exemplo sobre dois mensageiros rápidos; eles vêm de quatro direções e através
de seis portões, e eles vão dar uma mensagem ao príncipe sentado no
cruzamento. Esses dois mensageiros são Samatha e Vipassana, que é a
Concentração e Sati; e os dois passam a mesma mensagem e a mensagem é a
liberdade. Os seis portões são os seis sentidos; o príncipe sentado no cruzamento
é a Sabedoria. (As quatro direções são os Quatro Fundamentos de Sati).
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Eu quero deixar isso bem claro aqui, porque é muito comum que as
pessoas digam que elas só praticam Samatha, ou meditação da tranqüilidade ou
Concentração, como se fosse uma coisa, e Meditação do Insight ou Vipassana,
como se fosse outra coisa; elas não vêem a conexão entre as duas. Temos que
entender que essas duas são complementares e não-contraditórias; sem praticar
ambas, não podemos alcançar o objetivo final da meditação budista.
É o bastante por hoje para nossa palestra do Dhamma, e vamos continuar
sobre esse assunto amanhã.
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Perguntas e Respostas
P – Bhante, o que você quer dizer com “não-conceituação?”
R – Não conceitualizar significa não colocar rótulos na experiência que estamos
tendo; por exemplo, isso (aponta para um bastão) é algo que todos podemos ver; caso eu
o esconda, e não conceitualize, você vai perceber que algo surgiu e desapareceu. Se
você tentar dar um nome para isso, então você tentará pensar sobre isso; então a mente
se tornará ativa.
Por exemplo, quando você tem dor de estômago; se você simplesmente colocar
Sati (a consciência atenta) sobre essa dor, poderá conhecer profundamente essa
sensação de dor; se você verbalizar o que está experimentando, não estará
experimentando a dor diretamente como ela é, mas a mente estará presa em uma espécie
de armadilha em torno do nome da sensação.
Quando você está em um estado profundo de meditação e você ouve um som, se
você verbalizar dizendo: “isso é o som de um cachorro, é o som de uma pessoa, de uma
moça”... Sua mente estará agitada e você perderá a concentração. Mas se você deixar
simplesmente que esse som repercuta nos seus ouvidos, e lentamente deixar que ele se
vá, a sua mente não será perturbada por esse som.
Para sua conscientização você não precisa de nenhum conceito; apenas quando
você tenta comunicar isso para outra pessoa é que então precisará pensar, encontrar
nomes, frases, verbos, de modo que possa expressar o que você experienciou.
Essa prática é chamada de consciência “não-conceitualizada” ou “pré-
conceitualizada”; a primeira significa não-uso de conceitos e de nomes, e a segunda
significa a consciência antes de surgir o nome sobre a experiência.
P – Quais são as Quatro Direções?
R – Eu não entrei hoje em detalhes, mas as quatro direções são as Quatro
Fundações de Sati (a consciência atenta); os seis sentidos são os sentidos da audição,
visão, etc., e as quatro direções são as de Sati (a consciência atenta), de modo que você
pode praticar cada uma dessas fundações para cada um dos sentidos.
Vou dar um exemplo para ficar mais claro. Vamos supor que você veja um
objeto; então o olho e o objeto estão na categoria do corpo físico; podemos ter Sati
sobre o olho e o objeto; ter Sati (a consciência atenta) o olho e o objeto significa ter Sati
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(a consciência atenta) sobre o fato de que o olho e o objeto são impermanentes,
insatisfatórios e sem um “eu”. De modo que você desenvolve Sati sobre o corpo; não
importa qual seja a parte do corpo, você ganha Sati sobre essas três características.
Quando você vê um objeto, sensações surgem dependendo do objeto e do seu
próprio estado mental. Pode ser uma sensação prazerosa, desprazerosa ou uma sensação
neutra; esta é Sati (a consciência atenta) da sensação e que deve levar a compreender
que as sensações são impermanentes, insatisfatórias e sem um “eu”; então ter Sati sobre
essa sensação é a segunda categoria, que é Sati (a consciência atenta) sobre as
sensações.
Quando as sensações surgem, também a consciência surge; e essa consciência
pode estar carregada com cobiça, ódio, confusão ou delusão; e também elas são
impermanentes, insatisfatórias e sem um “eu”; esta é Sati (a consciência atenta) da sua
mente.
Então, também surgem com as sensações, vários pensamentos que podem ser
ligados à forma, à sensação e à consciência; esta é Sati sobre os objetos mentais ou as
formações volitivas, porque estas formações são também impermanentes, insatisfatórias
e sem um “eu”.
Esse é um exemplo; esta Sati (a consciência atenta) às quatro fundações pode ser
aplicada a todos os outros sentidos. Esses seis mensageiros, vindo das quatro direções,
trazem sempre a mesma mensagem.
P - Qual é a maneira de praticar a diferença entre a meditação do Insight e a
meditação de Sati? Ambas consistem em observar a respiração?
R – São sinônimos. O Insight provém de Sati; deixe-me explicar um pouco de
modo que não fique muito confuso. Sati (a consciência atenta) possui dois aspectos; vou
usar as palavras em Páli, para mim é mais fácil: Anupassana e Vipassana. A maioria das
pessoas ouviu falar em Vipassana, mas poucos ouviram falar em Anupassana;
Anupassana significa ver as coisas como elas são. Nas quatro fundações Sati (a
consciência atenta), nós temos Kayanupassana, Vedananupassana, Citanupassana e
Dhammanupassana; ver o corpo como ele é; ver as sensações como elas são; ver a
mente como ela é, e ver as formações volitivas ou formações mentais como elas são, é
chamado Anupassana.
Quando as vemos como elas são, as vemos com Vipassana, que significa “ver de
um modo especial”, significa ver como elas são de um modo muito especial. Não do
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modo como todos as vêem; o que é esse modo muito especial? Ver de modo especial
significa que quando vemos o corpo, o vemos como impermanente; quando vemos as
sensações, vê-las de modo especial é vê-las como impermanentes; do mesmo modo
quando vemos a mente de um modo especial, vemos como impermanente; e quando
vemos objetos mentais de um modo especial, vemos os objetos mentais como
impermanentes. E nós os vemos também como insatisfatórios e não tendo um “eu”.
Quando vemos o corpo de modo especial, quando vemos as sensações de um
modo especial, quando vemos a mente de um modo especial, quando vemos as
formações mentais de um modo especial, quando vemos os objetos mentais de um
modo especial, daí surge o Insight; e o que é esse Insight?
Esse Insight é quando a mente realiza que agarrar-se a isso é trazer para nós
mesmos sofrimento e lamentação, de modo que a mente abandona o apego, o agarrar-se;
do mesmo modo quando nós vemos as coisas como elas são, agarrar-se à cobiça
também traz sofrimentos e aí deixamos a cobiça, e do mesmo modo com a confusão;
isto é desenvolver a habilidade para conseguir o Insight.
Esse é um sistema muito bonito e conseguimos ver a diferença entre Insight e
Sati (a consciência atenta); o Insight nasce de Sati; Sati (a consciência atenta) é o treino
da mente para ver os objetos de um modo especial; ver as coisas como elas realmente
são.
Eu acho essas perguntas muito boas e importantes para o ensinamento do
Dhamma, mas vamos ter uma sessão de meditação, então tentarei responder essas outras
perguntas amanhã; se essas respostas não forem suficientes para vocês, não hesitem em
fazer perguntas adicionais, para o esclarecimento dessas respostas.
Vamos ter mais uma sessão de meditação sentado.
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2º dia
06/02/2005
Concentração Correta
Essa manhã quero continuar a palestra que comecei ontem à tarde. Mencionei
que há dois lados da mesma prática: um é a concentração e o outro é Sati (a consciência
atenta), ou Insight.
No final de cada sessão de meditação, eu digo:
“Não há concentração sem sabedoria
Não há sabedoria sem concentração.
Aquele que obtém ambos
Está mais próximo da paz e da liberação”.
Eu quero explicar cada um deles e primeiro vou falar sobre a concentração.
Concentração é um dos vários fatores que se consolidam em uma unidade; não podemos
separar a concentração dessa unidade; aqueles que tentam isolá-la desenvolvem uma
visão errônea em relação à concentração; porque se você tiver apenas a concentração
sem esses outros fatores consolidados, então essa concentração não vai trazer nenhum
benefício. Uma pessoa pode se concentrar na respiração e passar o dia inteiro assim;
uma pessoa pode passar dias, meses ou anos, somente praticando a concentração na
respiração. E essa pessoa pode pensar que não há sensações ou pensamentos e que ela
está dentro de um vácuo.
Por essa razão muita gente diz que a concentração da respiração é extremamente
perigosa; porque elas pensam que quando você está nesse estado, elas pensam que você
não sabe o que está acontecendo dentro de você ou fora; portanto elas dizem que você
não precisa de nenhuma concentração para praticar Sati (a consciência atenta). Mas elas
ocasionalmente sentem a necessidade de desenvolver alguma concentração; então elas
fazem um acordo: um pouquinho de concentração e mais Sati; e esse pouquinho de
concentração elas chamam de “concentração de acesso”; é aquela que está mais próxima
da verdadeira concentração. Então elas dizem que se você alcançar a concentração de
acesso, ainda assim você terá os benefícios da concentração.
23
É muito parecido a chegar próximo a uma mesa de comidas deliciosas; você
chega perto e sente o cheiro e seu estômago já fica cheio com a ideia daquela comida.
Sem comer a comida, como você pode dizer que ela é deliciosa? Se você não tem a
concentração, como pode dizer que tem concentração?
A concentração de acesso é um tipo muito fraco que qualquer pessoa pode ter; é
tão fraquinha como se fosse uma criança tentando andar; porque os ossos e músculos da
criança não estão totalmente formados, ela tem dificuldade para andar.
Da mesma forma, quando praticamos a meditação para a concentração, temos
que ter uma concentração completa. Vamos explicar em detalhe o que é uma
concentração completa. A concentração em si tem estágios; alguns dizem que se a
concentração de acesso não é suficiente, você precisa ter pelo menos um nível primeiro
muito básico de concentração.
Alguns dizem que a concentração total é perigosa porque você pode enlouquecer
se alcançá-la; isso é porque eles não compreendem o que uma concentração total seja.
Algumas pessoas dizem que isso é apenas uma prática monástica, e há uma boa
razão para que elas pensem isso; uma delas é que você precisa ter algum tempo para
permanecer em um só lugar; há algumas exigências, como a reclusão; reclusão de
prazeres sensoriais; essa é uma exigência muito importante para atingir a concentração;
você tem que restringir as atividades que envolvem prazeres sensoriais. Se você não
tiver isso, você não pode praticar a concentração; e quando você está em uma festa
conversando, fofocando ou ouvindo música, você não pode obter a concentração;
também se você tem muitas atividades, trabalho e compromissos familiares.
Claro que você precisa ter um certo nível de foco quando você está em suas
atividades, mas não é o mesmo tipo de foco que é exigido quando você quer consolidar
esse fator para poder concentrar.
Então você tem que, de vez em quando, sair um pouco e separar-se dessas
atividades que são tão estressantes e enervantes. Isso é o que chamamos de reclusão ou
restrição dos prazeres sensoriais, que significa restringir o que você vê, cheira, ouve,
toca; é uma reclusão física; mas também há reclusão mental; a reclusão mental não
significa que você deixe sua mente totalmente vazia; a pessoa pode chegar a essa mente
vazia através de produtos químicos; mas como é um treinamento deliberado e
cuidadoso, nós fazemos essa reclusão mental através da compreensão.
É o que chamamos de disciplina mental; nessa disciplina mental deve haver uma
certa quantidade de contentamento, que é não deixar a mente ser levada por numerosas
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atividades mentais; então quando restringimos as atividades mentais, temos dois tipos
de reclusões: a reclusão física e mental. Por causa desses dois tipos de reclusão as
pessoas tendem a pensar que esta prática é uma coisa restrita para monges.
Mas a disciplina é necessária não apenas para monges; ela também é útil para
leigos, vocês sabem disso. Quando aprendemos a nos disciplinar, nossa vida se torna
muito confortável, e, além disso, nós aprendemos a ganhar concentração.
Algumas pessoas têm medo de se concentrar, porque temem perder seus
sentimentos ou sensações; eu já vi pessoas terem esse tipo de prática; algumas pessoas
se sentam e porque depois de 5 ou 10 minutos, as almofadas são confortáveis e estão
sentadas de uma forma confortável, então chegam a esse tipo de concentração;
especialmente em sociedades mais ricas onde você tem ar-condicionado, as salas têm
três grandes almofadões, paredes à prova de som, tudo é muito silencioso e muito
confortável; eles não querem se sentar em uma posição ereta, estável, eles querem se
encostar a alguma coisa; hoje em dia existem cadeiras com suporte para os braços, com
aquecimento pelas costas, então tudo fica realmente confortável...Assim que eles
sentam, em 10 minutos eles estão em concentração muito profunda (risos)... Você
começa a ver a cabeça deles se inclinar, a boca abrir, você pode até ouvi-los roncando...
E se um dia vocês forem a um centro de meditação, não verão nenhuma pessoa
com a postura ereta, verão uma com a cabeça pendurada, a boca aberta, meio roncando.
Lá no meu centro, quando eu toco o sino, vejo que as pessoas tomam aquele susto,
acordam e depois dizem: “Cheguei no quarto nível de concentração” (risos). Talvez seja
por isso que algumas pessoas aconselham a que não se pratique a meditação da
concentração.
Então, temos que entender o que é a concentração correta e a incorreta; sem
saber a distinção entre essas duas, você acaba jogando fora a água com o bebê. Algumas
pessoas acham que a concentração é uma forma de auto-hipnotismo, você se hipnotiza e
fica meio como um legume. Claro que se você estiver em um tipo incorreto de
concentração, você pode ser hipnotizado ou se hipnotizar.
Algumas pessoas dizem que você não precisa de instruções, de teoria, que você
só precisa praticar; e como as pessoas não querem saber de instruções e de teoria,
geralmente podem entrar em uma concentração incorreta. Nós precisamos da teoria e
das instruções para evitar que caiamos na meditação incorreta; pois quando você sabe a
teoria, o plano, pode sempre voltar e se reportar a esse caminho correto.
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O Buddha, quando aconselhava os meditadores, sempre dava um plano muito
bonito; era um pouco como um arquiteto, que quando projeta um prédio, tem esse
prédio inteiro na sua cabeça; ele sabe sobre as janelas, a porta, o chão, o tipo de material
que vai ser usado, ele sabe tudo o que vai ser usado de acordo com o seu plano.
O Buddha quando ensinava, tinha a parte teórica, a parte prática e então a
realização; chamado paryati, patipati e pativeda em Páli; paryati significa a teoria;
patipati é a prática; pativeda é a realização; então com esses três conhecimentos,
quando ele dava instruções sobre a meditação, ele dava instruções perfeitas.
Assim, quando vocês cometerem um erro, devem sempre ir para a teoria para se
corrigir; seguindo as instruções, cada vez que cometerem um erro, voltem para a teoria e
aí finalmente você vai alcançar o seu objetivo. E quando você alcança o objetivo é
muito fácil ensinar alguém; e é exatamente o que ele fez, ele nos deu instruções
perfeitas, e nos mostrou a diferença entre concentração correta e incorreta.
Então o que é concentração incorreta? Concentração incorreta pode fazer você
se apegar pela concentração; porque quando você ganha concentração é tão bonito,
pacífico, tão prazeroso, que você não quer largar isso; é muito como um sono profundo;
mesmo que você desperte um pouquinho, você quer voltar a dormir. Na concentração
incorreta você se torna apegado a essa concentração; e se ela for correta, você não vai se
apegar a ela; porque a concentração é o fator mental diametralmente oposto à cobiça;
quando a cobiça está presente você não pode ganhar concentração.
Na concentração incorreta não há Sati; na concentração correta há Sati; na
concentração correta você tem Sati desde o princípio, para que você desenvolva as duas
juntas e não caia na concentração incorreta; quer dizer que você não cai no sono quando
ganha concentração correta; nós não vamos perder nossas sensações e sentimentos.
Na concentração correta nós vamos consolidar vários fatores mentais saudáveis;
a concentração incorreta não pode concentrar todos esses fatores porque não tem a
consolidação suficiente para juntar todos os fatores.
Vocês lembram que o Siddharta teve professores que o ensinaram a meditar,
antes de atingir a iluminação. Esses professores tinham atingido o nível mais alto de
concentração e foi isso que eles ensinaram a Siddharta. E no final de seu aprendizado,
Siddharta concluiu que seus professores tinham fé, esforço, Sati, concentração e
sabedoria, mas eles não tinham obtido a iluminação completa.
Por quê? Porque sua fé era fé incorreta.
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Incorreto nos mesmos fatores mentais com os quais eles tinham começado a
prática; e a concentração estava colocada somente em uma substância eterna e
permanente; e a sabedoria era incorreta porque era baseada na crença de que havia uma
substância permanente a qual eles tinham atingido.
Então eles tinham uma suposição incorreta e ficavam com ela até atingir a
concentração; qual a suposição incorreta? Que as coisas são permanentes; e eles
queriam alcançar esse estado permanente. Assim, eles queriam unir a sua mente a esse
estado permanente.
E quando Siddharta os deixou, ele começou a praticar a meditação de Sati (a
consciência atenta) ; e nessa meditação ele observou que as coisas estão constantemente
em estado de fluxo; e isso se mostrou ser eternamente verdadeiro. E mesmo quando ele
atingiu a iluminação, ele disse que seja que o Buddha se manifeste ou não, esse
Dhamma verdadeiramente estabelecido existe.
E qual é esse Dhamma estabelecido? É que todas as coisas condicionadas são
impermanentes; isso foi verdadeiro no passado, é verdadeiro no presente e será
verdadeiro no futuro, que as coisas estão em constante fluxo; então qualquer coisa que
seja impermanente não pode nos tornar felizes; não importa o quanto seja bonito,
prazeroso, atraente; sendo impermanente, vai nos tornar infeliz, porque ela muda; o que
é confortável se torna desconfortável, veja o que acontece quando vocês sentam em suas
almofadas confortáveis, em postura ereta, começam muito bem, mas vejam como estão
agora.
Com essa consciência da impermanência, você pratica a concentração; essa é a
concentração correta; a fé de Siddharta estava nessa realidade, de que as coisas são
impermanentes; e essa fé é baseada na sua experiência pessoal. Com relação ao esforço,
ele fez um esforço com Sati para poder perceber essa realidade da impermanência. Ele
ganhou a concentração através de ver essa impermanência. E ele se tornou sábio
conhecendo que não há nada a que você possa se agarrar.
Essa é a concentração correta; com Sati (a consciência atenta) você ganha
concentração, e essa concentração é chamada concentração correta; e quando você
desenvolve sua concentração, Sati (a consciência atenta) também se desenvolve.
Se vocês lembrarem do Nobre Óctuplo Caminho do ensinamento de Buddha, a
etapa número sete é Sati (a consciência atenta) Correta e a número oito é a
Concentração Correta; não quero ser muito técnico, mas queria explicar uma coisa.
Imagino que todos vocês conheçam o Nobre Óctuplo Caminho: a Compreensão Correta,
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o Pensamento Correto, a Fala Correta, a Ação Correta, o Meio de Vida Correto, o
Esforço Correto, Sati (a consciência atenta) Correta e a Concentração Correta; esses três
últimos são colocados juntos como Samadhi. Samadhi é você atingir a Concentração; há
três fatores nessa categoria: Sati, Esforço e Concentração; então, para atingir a
concentração correta, você tem que ter os três fatores em conjunto; você pode ver a
diferença entre a concentração correta e a incorreta; na correta você precisa de esforço e
Sati corretos para sustentar a concentração.
Espero que vocês lembrem do que eu disse ontem, que é um erro querer separar
concentração de Sati, porque esses dois juntos, mais o esforço, caminham em conjunto.
A consolidação desses três fatores é chamada de concentração correta ou verdadeira.
Para ver nossa mente como ela é, precisamos conseguir a concentração correta.
Mesmo quando a mente não está plenamente ativa com os vários objetos que
entram pelos sentidos, temos que entender que ela só se torna ativa quando esses objetos
entram pelos sentidos. Podemos ver a mente exatamente como ela é quando atingimos a
concentração correta; normalmente quando observamos a mente, não conseguimos ver a
mente porque temos o pensamento do “eu”, do “meu”, “mim”, e pensamos em algo, e
essas coisas sobre que pensamos bloqueia nosso conhecimento da mente exatamente
como ela é. Mas quando você tem concentração correta, você não perde o caminho do
conhecimento da mente; por um lado a mente começa a ficar mais clara e por outro
começa a brilhar por si mesma.
Espero que vocês lembrem o que eu disse ontem, que a mente é luminosa;
somente quando a mente atinge a concentração correta com Sati, então apenas assim
podemos experienciar essa luminosidade da mente; se a concentração é superficial essa
luminosidade não vai ser clara; se você tem uma mente em concentração profunda,
dentro dessa mente concentrada e profunda, você pode ver a clareza, a pureza e a
luminosidade da mente.
A mente luminosa não fica clara e perdemos a concentração por causa das
impurezas que a invadem; quando a mente é luminosa, ela brilha muito intensamente e
dentro de nós experienciamos a expansão e muito brilho. E quando você perde a
concentração, esse brilho desaparece.
Nesse estado mental brilhante, vários fatores mentais trabalham juntos para
sustentá-lo; então atingir a concentração não acontece sem outros fatores concomitantes
para sustentá-lo. Quando estamos na concentração correta estamos completa e
totalmente despertos e alertas. Porque não há mais sonolência, nem agitação,
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preocupação ou dúvida; quando essas coisas deixaram a mente, ela permanece na sua
própria esfera, que é chamada mente luminosa.
Então temos que fazer a distinção entre concentração correta e incorreta, e a
concentração correta tem muitos níveis que podem ser colocados em dois; uma das
categorias é quando você experimenta um prazer físico e mental muito forte; e no
segundo nível, você experimenta uma paz tremenda e inexplicável.
Quando você experimenta essa paz inexplicável, você ainda assim está
totalmente desperto e alerta, mas você não tem mais o prazer físico; não é só uma mera
felicidade, mas é um alto nível de paz altruísta.
O que dá prazer é chamado de concentração material, e o que traz paz é
chamado de concentração imaterial; você chega a esses dois níveis ascendentes
seguindo um método gradual, pouco a pouco.
Hoje à tarde vou prosseguir, e por enquanto é o suficiente.
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Concentração – Obstáculos e fatores
Vou continuar a palestra da manhã. Normalmente começamos a meditação com
a meditação amorosa. Temos que entender que todos os aspectos da meditação têm
relação com a prática principal. Eles se dirigem à concentração ou ao insight. A
meditação amorosa pode ser usada para concentração ou insight. Na meditação de
concentração, ela serve de agente entre os obstáculos e os fatores da concentração. Na
meditação de concentração, existem fatores que se opõem aos obstáculos. Isso é algo
importante de se lembrar, pois eles ressurgem continuamente na meditação.
Na meditação de concentração, entre outros fatores, há o da aplicação inicial do
pensamento. Que tipo de pensamento é este? Deve se lembrar de praticar a concentração
correta. E você deve entender o que é a aplicação inicial do pensamento na
concentração correta. As pessoas pensam que se trata do pensamento ir logo direto ao
objeto da meditação. Exemplo: é como uma abelha se aproximando de uma flor e
circulando em torno da flor. E há outro fator, a aplicação sustentada do pensamento. E
isso, dizem que é a abelha pousando na flor. Mas a abelha se aproximando da flor, e
pousando na flor não indica de que modo suprimiu o obstáculo. Isso é importante de
lembrarem: como quando a abelha está se aproximando da flor, a mente está procurando
se aproximar da concentração, e o que acontece?
Suponha que você esteja focalizando na respiração, você focaliza, focaliza,
focaliza, se sente confortável, a respiração fica cada vez mais suave, mais sutil e a
mente vai se tornando mais próxima da respiração, e o que acontece? Você sente
confortável, uma sensação muito doce, aquela sensação é bem-vinda, você gosta
daquela sensação, e de repente você cai no sono. E o sono é tão doce, que você gosta, é
sugado por isto. Isto é o que normalmente acontece quando você se aproxima do objeto
da meditação. Portanto, se a aplicação inicial do pensamento é algo que nos ajuda a
aproximar do estado de concentração, terá de ser alguma outra coisa, ela é o fator
mental oposto à sonolência, portanto não pode ser apenas a aproximação ao objeto da
meditação. Em nosso entendimento, a aplicação inicial do pensamento tem três
aspectos. Um é a amizade amorosa. Quando se pratica amizade amorosa, nossa mente
fica repleta de deleite, repleta de sensações amistosas, sentimos que o mundo todo é
nosso amigo. Relaxa nosso corpo e mente, mas nos previne de cair em sonolência,
porque praticamos a amizade amorosa com Sati. Lembrem-se que a concentração
correta sempre está associada com Sati (a consciência atenta). A prática da amizade
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amorosa também é uma prática de Sati, que também tem um aspecto da concentração.
Quando recitamos a amizade amorosa na hora do almoço, num certo momento se diz
“esta mente de Sati”. A prática de Sati é algo dinâmico, não passivo; então a prática da
amizade amorosa também é dinâmica; a mente ativa, consciente e com Sati nos ajuda a
não cair no sono. Então um dos três fatores da aplicação inicial do pensamento é a
prática da amizade amorosa, que evita a sonolência.
O segundo fator é a compaixão. Também quando você pratica a compaixão, a
mente fica muito ativa. A compaixão não é apenas sentimentos tristes. É um estado
mental ativo, dinâmico, positivo. O terceiro fator da aplicação inicial do pensamento,
que faz parte da amizade amorosa, também é muito importante, é o pensamento de
“deixar ir”, largar a cobiça. A prática da amizade amorosa supera três obstáculos:
sonolência e torpor; a cobiça e o ódio. A amizade amorosa tem dois inimigos: próximo
e distante. O inimigo próximo pode se disfarçar para que você o aceite. É o agarrar-se, o
apego. Quando se pratica da amizade amorosa, o primeiro pensamento que vem à mente
são as pessoas queridas. Na pratica da meditação, o inimigo é agarrar-se, o desejo sobre
o objeto da meditação. Este pensamento vai tornar a prática contraprodutiva. Se você se
deixar levar por esse pensamento, não vai praticar realmente a amizade amorosa. O
inimigo distante é o ódio. Um obstáculo é a cobiça, e o outro o ódio. Então, na prática
de concentração, nós começamos com a amizade amorosa, até que cheguemos a um
nível da mente calma e que possamos praticar a concentração.
Antes de chegarmos a esse nível de concentração, estaremos na aplicação inicial
do pensamento, onde a amizade amorosa, a compaixão e o pensamento do desapego
evitam que caiamos no obstáculo do sono. Cair no sono não deve ser associado com a
meditação; apesar de ser confortável e prazeroso, vai bloquear seu progresso. É como se
você fosse empurrado para dentro de uma prisão. Quando você está numa prisão, você
não sabe o que está acontecendo em volta de você. Similarmente, quando você está em
sonolência, você não sabe o que está acontecendo. Muita gente cai na sonolência
durante e meditação e pensa que está alcançando graus elevados de concentração, mas
não estão vendo, ouvindo ou sentindo nada. Quando você está sonolento, deve praticar
mais intensamente Sati. Lembrem que eu disse que a concentração e Sati não devem ser
tratadas como dois objetos diferentes. Quando você está praticando a concentração e
fica sonolento, deve praticar Sati para evitar isso; reflita na impermanência, na
insatisfatoriedade e “não-eu” para tornar a mente mais ativa. Ou se levante e pratique
Sati de pé. Ou pratique a meditação de Sati atenção andando. E também com Sati você
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pode visualizar um objeto brilhante. E belisque os lóbulos da orelha. Ou lave seu rosto
com água fria. Ou inspire, prenda a respiração o máximo possível e lentamente solte o
ar. E tudo isso você faz com Sati. E se nada disso funcionar, vá ao quarto e tire uma
soneca rápida.
Se a sonolência for algo forte, devido a estados mentais ou físicos, temperatura,
etc., então vá dormir. Não queremos torturar nosso corpo e mente quando meditamos.
Temos de usar nosso bom senso. A sonolência é um obstáculo muito forte na prática de
Sati e concentração, e quando você volta, surge o oposto.
Você está muito agitado, excitado, e a mente se torna muito ativa. Então você
tem de pensar num objeto muito pacífico. Pensar numa pessoa pacífica;
deliberadamente cultivar metta; desenvolver estados mentais na reflexão das qualidades
mentais de pessoas como o Buddha. Quando você está agitado e cheio de preocupações,
você não consegue prosseguir com a prática; é como se você estivesse escravizado. Para
superar a agitação e a preocupação, devemos fazer surgir alegria na mente. E essa
alegria não é algo artificial. Surge por saber que existem princípios nobres que você
pode observar. Isso é chamado de hábitos saudáveis. Os hábitos são de dois tipos:
saudáveis e não-saudáveis. Os saudáveis são chamados de kusala sila. Cultivamos
hábitos saudáveis para superar hábitos não-saudáveis, akusala sila, que criam a agitação
e preocupação. Sila pode ser usado para hábitos saudáveis e não-saudáveis. Meditantes
sérios devem cultivar hábitos saudáveis, de modo que quando surge a agitação e
preocupação, essa pessoa pode pensar em hábitos saudáveis que cultivou.
Por exemplo, você andou cultivando uma fala gentil, suave, para unir o que está
dividido. Você andou dando conselhos muito úteis para as pessoas; sem esperar nada
em troca. Então, se você está praticando isso, essa fala pacífica e amiga, você vê os
resultados dela, vê que as pessoas estão mais amigas e felizes e tudo está mais calmo,
então no momento que for necessário você pode lembrar dessas coisas e sua mente vai
ficar satisfeita.
Então, ter esse tipo de instrução é um bom hábito; habitualmente você gosta de
falar coisas boas sobre as pessoas. Você desenvolve o hábito de falar a verdade; vocês
devem ter algum hábito que desenvolveram e que seja muito bom; quando vocês
estiverem no meio de agitação e cheios de preocupações, façam surgir a alegria através
da lembrança do cultivo desse hábito. Eu sei que vocês já devem ter desenvolvido
muitos hábitos saudáveis aqui, tendo uma fala gentil, ajudando os outros, ajudando os
doentes, praticando trabalhos de Dharma, lendo livros, meditando.
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Quando você está sentado na almofada, não tem outro jeito de superar as
preocupações e a agitação, a não ser fazer surgir a alegria através da lembrança dos
hábitos saudáveis que você cultivou. E eu lembro a vocês que a prática de metta
também é muito útil para fazer surgir o fator mental da alegria quando você está agitado
ou com preocupações.
Há um outro fator que pode ser um obstáculo à sua prática: é a dúvida, que tem
dois aspectos, podendo ser um obstáculo ou um grilhão. Como obstáculo, surge
temporariamente. A dúvida surge quando você não tem muita clareza sobre o que está
fazendo. Quando você tem dúvida sobre algo que não entende, não precisa se sentir
culpado por isso; é muito natural para uma pessoa comum ter dúvidas. E para
ultrapassar essa dúvida você tem que fazer surgir a confiança; você pode trazer a
confiança de sua própria prática.
Se você conseguir ultrapassar o sono e o torpor, então essa é a sua experiência;
sabendo que você conseguiu trabalhar com a sonolência e o torpor, e que você os
ultrapassou, somente isso já lhe dá confiança; porque você fez alguma coisa, isso deu
bom resultado e isso traz a confiança. Então você confia na sua prática; você confia na
sua habilidade; você confia no método que você segue e você confia nas instruções que
você recebeu. Isso também lhe ajuda a desenvolver a confiança naquele que introduziu
as instruções.
A dúvida é como estar em um deserto; quando você está em um deserto não sabe
aonde ir; não há placas, ninguém para perguntar, então tudo é muito confuso. Mas
quando você está no deserto, ao menos pode ver algumas estrelas no céu; se você seguir
as estrelas pode ver onde está o norte, o sul, o leste e o oeste. Analogamente, quando
você está em um estado de dúvida, pode fazer surgir a confiança, olhando para sua
própria experiência; assim, a confiança lhe ajuda a tratar sua dúvida.
E há também outros dois obstáculos muito importantes; esses dois são ainda
mais profundos, mais fundamentais, mais básicos e subjacentes. A sonolência, o torpor,
as preocupações, a agitação e a dúvida, não são consideradas tendências subjacentes;
elas não são as raízes das impurezas, mas os dois obstáculos que restam são as raízes
das impurezas; esses dois são chamados cobiça e ódio.
Eu gostaria de falar sobre um deles, e o outro vou adiar para a próxima palestra;
quero falar sobre a cobiça.
A mente ávida é como se fosse água colorida; quando há muitas cores
misturadas na água você não pode ver o fundo do recipiente onde ela está; e também
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não podemos ver através dessa água; é muito pior que a sonolência e o torpor; porque a
cobiça tem a tendência de se colar às coisas. A cobiça faz com que surja a tendência na
mente de querer colar-se às coisas; acontece que essa cola nunca é forte o suficiente
para poder segurar, por isso há sofrimento. Quando há cobiça, temos a intenção
profunda, intensa, forte, de se colar a alguma coisa; mas não segura; sempre quer se
separar. A intenção é de colar, mas a realidade é que não cola; isso é muito frustrante; e
é por isso que a cobiça sempre termina em sofrimento, frustração e dor; e a cobiça é a
coisa mais fácil de aparecer em nossa mente; é tão básica para todos os seres viventes;
na verdade, todos os seres vivos vivem basicamente por causa dessa coisa que
chamamos desejo; ele penetra em tudo, existe em tudo.
É por isso que aparece em duas categorias, como obstáculo e como grilhão. Esse
obstáculo, assim como outros, é apoiado e alimentado por outro fator; e esse fator
mental que sustenta e alimenta todos esses obstáculos, se chama “reflexão sem Sati”.
Por causa de nossa reflexão sem Sati, estamos sempre querendo justificar nossa cobiça.
Sem levar em conta o aspecto negativo da cobiça, estamos sempre querendo promover a
cobiça através da reflexão sem Sati; através dos olhos, nariz, orelhas, boca, corpo e
mente, a cobiça está sempre entrando e saindo de nós. A cobiça é chamada em Páli,
asava; isso significa algo que flui como água, para dentro e para fora; asava é uma
palavra muito bonita a se lembrar, e também significa algo que nós fermentamos
durante muito tempo.
Vocês devem ter ouvido falar na tradição ayurvédica, em que é dada uma
mistura muito forte de ervas para as pessoas, para acabar com as doenças, e que se
chama ashava. Eles pegam ervas, cascas, raízes, sementes, misturam tudo e enterram
durante um certo período; quando você finalmente tira essa mistura de debaixo da terra,
ela está muito fermentada e isto lhe dá um “barato”, isso é chamado ashava em
sânscrito.
A cobiça foi sendo fermentada dentro de nós por um longo período de tempo no
samsara; então nossa mente e corpo estão ambos igualmente saturados com a cobiça;
cada célula de nosso corpo tem cobiça; porque cada célula luta contra qualquer célula
invasora; e a concepção acontece no útero por causa dessa natureza intrínseca das
células. Então, a cobiça é um fator muito potente, que afeta nossa vida toda; é por isso
que é tão difícil se livrar dela; e é por isso que estamos tentando sempre justificá-la
utilizando a reflexão sem Sati.
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Todas as vezes que falamos das desvantagens da cobiça, não precisamos nos
sentir culpados por isso. Tudo o que precisamos fazer é relaxar e acalmar, com Sati,
racionalmente, e como pessoas razoáveis, nós olhamos para isso; e nós podemos fazer
isso quando ganhamos concentração; porque o estado concentrado da mente é o estado
em que tudo está equilibrado.
Esse é um fator mental com o qual vocês devem lidar somente quando a mente
estiver em perfeito equilíbrio; se a mente não estiver madura e em equilíbrio, vocês não
podem olhar para a cobiça exatamente como ela é. Se vocês não tiverem essas
qualificações, quando forem olhar para a natureza da cobiça, por um lado não vão ver a
natureza dela, e por outro terão uma percepção distorcida dela.
Quando vocês tentarem ganhar concentração, vocês têm que ter também Sati
muito forte para lidar com o obstáculo da cobiça. Então, vocês vêem a concentração e a
Sati como duas coisas inter-relacionadas e não separadas. Muita gente diz: “Eu não
quero praticar a concentração, só quero praticar Vipassana”. Outros dizem: “Eu não ligo
para Vipassana, só quero praticar Concentração”. Se você quer praticar um sistema
completo de meditação, tem que praticar os dois; com a orientação, o entendimento e as
instruções corretas, vocês podem praticar os dois sem problemas.
Penso que é suficiente para a palestra desta tarde e falaremos mais depois.
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Preceitos/ Perguntas e Respostas
P – Poderia explicar sobre se comer carne quebra o primeiro preceito de não
matar?
R – É interessante que nós expliquemos um pouco do que se trata, mesmo que as
pessoas não tivessem perguntado, é importante explicar com relação a assumir os Oito
Preceitos na vida cotidiana.
Como eu havia dito, vocês não devem aceitar nada do que não compreendam,
nada que tenham perguntas ou dúvidas sobre, não devem se envolver se houver dúvidas.
Nesses oito preceitos, existem três que as pessoas se preocupam, embora devamos
entender todos os oito.
O primeiro diz respeito ao não matar, não tirar a vida; inevitavelmente a questão
que vem é: podemos comer carne? Comer carne e se envolver em matar não são
exatamente a mesma coisa; por exemplo, quando você quer comer carne, não sai para
matar um animal; você compra carne em um açougue; por isso você não está quebrando
o primeiro preceito. As pessoas perguntam, então, sobre a oferta e procura; as pessoas
pensam: “Como eu compro carne, então estou envolvido na morte do animal”; se
deduziria que se eu não comer carne, os animais não serão mortos. Mesmo que você
coma legumes e vegetais, haverá pessoas que matam animais. Vamos supor que todos
nós nos tornemos vegetarianos; vamos considerar o caso do fazendeiro que planta
vegetais, frutas, mandioca, nozes, para nos trazer alimento. Para que esses vegetais se
desenvolvam, esse fazendeiro precisa também proteger sua fazenda; para arar a terra,
insetos e vermes também são mortos, e quando esses vegetais estão crescendo, também
têm que ser protegidos de grandes animais, porque esses animais podem vir e destruir
sua fazenda.
Então eles também matam animais; não para comer, mas para proteger sua
fazenda; e nós aqui sentados, com nossa clara consciência, comemos vegetais, pensando
que não participamos do matar; portanto, quer comamos carne ou vegetais, alguém irá
matar animais.
Então essa história da oferta e procura nem sempre funciona; a pergunta é se
podemos diminuir o número de animais que são sacrificados se pararmos de comer
carne. Existem fazendas que criam animais apenas para o abate; essas fazendas criam
bois, vacas, carneiros, porcos, galinhas, apenas para o abate; assim, não comendo carne,
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nós podemos apenas reduzir o número de animais que são mortos, mas não podemos
impedir que haja os abates. Para que sua consciência fique mais clara e vocês se sintam
melhor, vou dizer mais algumas coisas.
Existem cinco condições que têm que ser preenchidas para que se refira como
matar. A primeira condição é que tem que haver um ser vivente; a segunda é que você
deve saber que é um ser vivente, pois pode haver um ser vivente que você não saiba se é
vivente ou não; a terceira é o método que você utiliza para matar; a quarta condição é a
sua intenção; e a quinta condição é a combinação dessas quatro e a execução desse
matar do ser vivente.
Se, por exemplo, você for limpar uma área e jogar uma pedra e ela cair em cima
de um pequeno coelho e ele morrer, você não é responsável por essa morte, porque não
sabia que o animal estava lá e não jogou a pedra deliberadamente. E também quando
você vai comprar a carne no açougue, não sabe se o animal foi morto para ser oferecido
ou vendido especificamente para você; o animal foi morto, a vida dele se encerrou e
aquela carne está à disposição, à venda.
Do ponto de vista emocional, os vegetarianos, quando ficam com raiva, podem
fazer todo tipo de coisa; a sua violência ou o seu soco podem ser tão fortes como
aquelas do não-vegetariano.
Havia no aeroporto um desenho com uma figura do Hitler afiando uma faca e
havia duas galinhas, uma dizendo para a outra: “não se preocupe, ele é vegetariano...”
Vocês vejam quantas mortes ele acarretou... Então vegetarianos podem estar cheios de
ciúmes, de ódio, de inveja, exatamente como não-vegetarianos. Não estou apoiando um
ou outro, apenas colocando os fatos como eles são. Mas tenho que admitir que os
vegetarianos são mais saudáveis que os não-vegetarianos. A maior parte dos budistas no
mundo todo são não-vegetarianos; estive na Birmânia e havia muitos monges, e eu e
mais outros dois sentamos numa mesa separada, porque éramos vegetarianos e os outros
monges ficaram implicando conosco durante toda a refeição.
Era isso que eu queria dizer sobre o primeiro preceito; comer carne não significa
a quebra do primeiro preceito.
O terceiro preceito diz respeito à conduta sexual incorreta. Isso significaria
violentar a liberdade das pessoas, violentar a dignidade e a honra das pessoas, estuprar à
força e incentivar as pessoas a quebrar sua confiança uma pela outra, e essas coisas
estão envolvidas com a quebra desse terceiro preceito: abuso de crianças, o estupro,
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adultério ou quebrando relações entre pessoas. A vida sexual correta, com seu parceiro,
pessoas adultas, com o consentimento de ambos, isto é aceitável.
Mas a parte mais sutil desse preceito diz respeito a abusar dos nossos próprios
sentidos. A primeira parte desse preceito diz respeito à atitude sexual incorreta, mas a
parte mais sutil diz respeito às atitudes incorretas com relação aos sentidos; diz respeito
ao abuso dos sentidos contra a sua paz mental, contra a sua saúde, até ficar doente. Eu
ouvi um programa de rádio com uma pessoa que dizia que não dormia, porque não
queria perder nenhum programa de rádio; esse é um exemplo de abuso sensorial.
O outro preceito, que não está nos Oito Preceitos da vida diária, diz respeito ao
não uso dos intoxicantes, mas está incluído no Modo de Vida Correto. No Nobre
Óctuplo Caminho estão incluídos também os preceitos de não tirar a vida, de não
mentir, de não usar palavras ásperas, fofocas, e sobre a conduta sexual, mas não se
refere aos intoxicantes. Porque está incluído no Modo de Vida Correto.
Esse preceito significa não utilizar drogas e bebidas e se refere a evitar
consequências que anuviem a mente e levem à desatenção. Vamos pensar, por exemplo,
uma pessoa que toda a vida toma um pequeno copo de alguma bebida, mas isso não
significa que a mente dela esteja intoxicada ou anuviada com isso. Uma vez eu viajei
em um navio francês e na hora das refeições eles colocavam grandes jarros de vinho na
mesa e nenhuma água. Quando eu pedi água, eles riram, porque o que eles bebem em
todas as refeições é vinho; eu não vi ninguém bêbado ao beber um copo de vinho. Em
muitos países e muitas culturas, isso se tornou um uso e um costume frequente; uma
pessoa que nasceu nessa cultura e desde pequeno foi ensinada, e bebe um copo de
vinho, ela não vai ficar bêbada com isso.
O que o preceito está dizendo é não tomar bebidas que façam com que você
fique bêbado, mas o problema é quando parar. Você começa com uma quantidade
pequena, depois vai subindo, subindo e você não percebe isso; os alcoólatras, muitos
deles, nem admitem que sejam alcoólatras. As pessoas que bebem devem ter Sati (a
consciência atenta), o bom senso e o cuidado para saber se não estão passando de um
certo limite. Na tradição católica existe um rito com vinho; por isso, por acaso, as
pessoas saem da Igreja bêbados? Não. Algumas pessoas tomam um copo de vinho como
remédio, e isso é permitido. Mas você não vai encontrar escrito em nenhum lugar qual é
a quantidade que pode tomar. Então as pessoas tomam a liberdade de beber para ficar
bêbadas. A pessoa que tem Sati vai então tentar evitar de beber.
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Espero, com isso, ter esclarecido as dúvidas, mas se existir alguma pergunta
ainda, façam para que possamos esclarecer. A regra básica é sempre utilizar o seu bom
senso.
P – Como manter a postura das pernas cruzadas?
R – Se você não senta todos os dias em pernas cruzadas, como pode fazê-lo no
retiro? Quando as pessoas vêm para a meditação, a primeira coisa que sentem é dor e
elas culpam a meditação por isso e ficam desencorajadas. No caso da Yoga, um dos
primeiros aasanas que se ensina é ficar de pernas cruzadas; esse é um treinamento
maravilhoso. Não se sintam frustrados quando sentirem dores na meditação. Procurem
sempre manter as costas eretas; com as vértebras colocadas uma em cima da outra, não
sentirão dor, pois o peso está bem distribuído; se estiverem em uma posição torta, umas
vértebras são mais pressionadas que outras, e se sente dor.
P – Se a concentração não pode ser com cobiça, como fazer o esforço correto
para obtê-la? Quando se quer obter alguma coisa, um resultado, o desejo está lá. Como
resolver isso?
R – O desejo também tem dois aspectos: o desejo saudável e o desejo não-
saudável. O desejo não-saudável é aquele que perpetua os desejos; o desejo saudável é
aquele que deseja encerrar os desejos. Quando você tenta ganhar concentração, seu
desejo é se livrar do desejo, o que é um desejo saudável. É como subir uma escada,
quando você segura um degrau, solta um outro. Se você quiser subir a escada, você deve
largar o degrau em que está apoiado e o que você está segurando, para pegar o que está
acima Ao segurar o próximo, você larga o anterior Similarmente, na prática espiritual,
você se envolve nela com intenção de desenvolvê-la. Se você segurar algo e ficar ali,
não terá progresso. O Buddha deu belos exemplos no Majjhima Nikaya com o símile da
jangada. Ele diz que o Dhamma é algo muito belo, muito puro, que nos ajuda a libertar
das impurezas mentais, por isso nós amamos o Dhamma. Mas o Buddha disse: não se
agarrem a ele. Não se agarre mesmo a esse belo Dhamma, use-o como uma jangada. O
objetivo da jangada é servir para cruzar as águas; com a canoa que você construiu, você
entra nela e com ajuda de suas mãos e pernas, você vai para a outra margem. Já do outro
lado, você não precisa mostrar gratidão à jangada, carregando-a nas suas costas. Você a
deixa para trás. Serviu-lhe bem, para realizar seu propósito, e você a deixa.
Similarmente, usamos o desejo saudável apenas para um propósito particular, depois
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disso nós o deixamos. Você pratica a meditação, ganha concentração com qual
propósito? Você ganha insight, concentração, para se livrar do sofrimento. Liberar-se do
sofrimento significa abandonar sua cobiça, pois a cobiça é a causa do sofrimento.
Vamos encerrar essa sessão de perguntas e respostas, prosseguiremos amanhã.
Continuem com a meditação, sentado ou andando fora da sala de meditação.
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3º dia
07/02/2005
Sati (a consciência atenta) Correta
Quero falar hoje sobre Sati correta e incorreta. Quando as pessoas ouvem falar
de Sati, elas assumem que praticam Sati correta. Quando você pratica Sati correta, você
não deixa a mente vaguear para cá e para lá, você sempre a traz para o caminho certo.
Por exemplo, você tem uma conta bancária, pagou todas as contas e taxas e vai dormir,
mas fica pensando na sua conta bancária. É o tipo de Sati incorreta, pois no fundo existe
o desejo. Há pessoas que meditam anos, vão a lugares solitários, cavernas, mas seu
ódio, ilusão, cobiça continuam intactos. Em Sati correta, deve haver consciência atenta.
A consciência atenta também tem dois níveis. Essa atenção mais básica, todos os seres
vivos têm. Inclusive os predadores. Quando um gato quer pegar um rato, ele precisa
prestar atenção total aos movimentos do rato. O mesmo se dá com o batedor de carteira,
ele precisa lhe roubar sem que você perceba.
Nesta consciência atenta, existe cobiça e confusão, então não é uma consciência
atenta saudável, apropriada. Na consciência atenta correta, tem de haver consciência
atenta saudável. A consciência atenta saudável é sem cobiça, ódio e delusão. Embora a
consciência atenta possa ter a memória de dados como sua propriedade, conta bancária,
no. do telefone, etc., esse tipo de memória não faz parte da consciência atenta correta. A
memória correta da consciência atenta correta é aquela memória da insatisfatoriedade,
da impermanência e do não-eu. Se vocês tiverem este tipo de memória da consciência
atenta, serão capazes de enfrentar a realidade. Com a correta memória, de que no seu
passado tudo que mudou, desapareceu é porque é impermanente, então será muito fácil
para você enfrentar a sua própria mudança. Não estaremos aqui nos próximos cem anos.
Esta é a memória da consciência atenta Para ter esta memória vívida, temos de ter
consciência atenta ao que está acontecendo agora. Através disso, vão se abrir as portas
para sabermos o que aconteceu no passado e o que vai acontecer no futuro. Saberemos
que qualquer coisa que aconteça, estará num estado constante de fluxo, que vai fazer
com que não nos sintamos pessimista. Tudo que se refere ao nosso corpo e mente está
num estado de fluxo. Por exemplo, quando temos consciência atenta à respiração, como
objeto da meditação. Esta verdade da impermanência percebemos na respiração. Vêem
quantas vezes nós respiramos? Se a respiração fosse permanente, precisaríamos respirar
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apenas uma vez. Mas como é impermanente, temos de respirar muitas vezes para
sustentar a vida. Quando inspiramos e expiramos, experimentamos esta impermanência.
Se você estiver com a consciência atenta, verá que assim que a respiração toca suas
narinas, já começa a mudar. Enquanto vocês estão ouvindo esta palestra, façam a
experiência de respirar lentamente e verão esta realidade da impermanência. Não só da
respiração, mas a sensação da respiração também modifica. Quando você está
consciente, alerta da respiração, verá a impermanência da respiração e da sensação dela.
Você tem atenção e ela tem de ser plena, e a consciência atenta plena saudável é aquela
sem cobiça, ódio e delusão. Não deveria haver cobiça pela respiração, nem
ressentimento quando às vezes não conseguimos respirar, nem nenhuma ilusão de que
esta respiração foi trazida para nós por alguém. Sem essas três concepções equivocadas,
respiramos com consciência atenta sem nenhuma noção pré-concebida. Esta é a
consciência atenta correta.
E a nossa intenção em estar com consciência atenta também se modifica. Não
podemos prestar atenção sem intenção, e a intenção também tem de ser correta. E se a
intenção muda, a atenção muda. E lentamente percebemos nossa respiração. E a
percepção da respiração também muda. E para perceber tudo isso, você tem de estar
com total consciência atenta, não-dividida, na respiração. Assim, quando vemos esta
realidade, vemos a mudança de todos os agregados. O agregado da forma, da sensação,
da percepção, da mente e da consciência. Podemos encontrar todos os agregados em
uma respiração. Qual é a forma? A respiração é a forma; é o agregado da forma. A
respiração é feita dos mesmos elementos do corpo, o elemento terra, fogo, ar, água.
Quando observamos com consciência atenta a respiração, podemos ver todas as
mudanças do agregado da forma. Quando você se torna consciente da sensação da
respiração, estamos com a consciência atenta ao agregado da sensação. Quando você se
torna consciente da percepção da respiração, estamos com a consciência atenta ao
agregado da percepção. Quando temos a intenção de estarmos com a consciência atenta
à respiração, estamos com a consciência atenta ao agregado da volição, da formação
mental, porque a intenção é uma formação mental; sem a vontade, não pode haver
intenção. Quando você se torna consciente de todas essas coisas, estamos com a
consciência atenta ao nosso agregado da consciência. Portanto, quando temos a
consciência atenta correta, podemos ver todas essas coisas acontecendo, e você pode ver
cada respiração, cada agregado mudar. Não podemos levantar ou estalar nem um dedo,
sem que todos os agregados estejam envolvidos. Mas todos eles se modificam em um
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segundo. Em todos eles, podemos ver a impermanência, a insatisfatoriedade, e sem
nenhum eu. Então a consciência atenta correta é a consciência atenta da impermanência,
da insatisfatoriedade, e do não-eu de todos os cinco agregados. E chegamos a isso
cultivando a observação do que está ocorrendo agora. E para cultivar isso, Buddha nos
pediu para estarmos com a consciência atenta na experiência do momento presente.
Tudo está convergindo para um único momento presente. A partir desta experiência,
você pode ir ao passado ou futuro, se quiser. “Apenas com a consciência atenta, você
inspira, apenas com a consciência atenta você expira”.
Então você lembra que toda a respiração do passado é impermanente,
insatisfatória e sem um eu, toda a respiração do presente é impermanente, insatisfatória
e sem um eu. E todas as que virão no futuro também. E se estamos com a consciência
atenta às nossas experiências, nada no mundo pode nos perturbar, nos desgostar e nos
trazer lamentação. Por exemplo, podemos ver os erros dos outros, é a coisa mais fácil de
fazer; podemos ver a falta dos outros, sua cobiça, raiva, ciúmes. Quando vemos as faltas
dos outros, não devemos nos irritar, nem sentirmos afetados por isso, pois isso é muito
natural. E não há nada errado nisto. Se ouvirmos alguém mentir, isto é natural. Quando
vemos alguém arrogante, notamos isto, experienciamos isto, isso é muito natural.
Assim, se tivermos a consciência atenta, podemos aproveitar desta oportunidade para
cultivar o nosso próprio estado mental. Pois quando vemos que alguém é arrogante,
você não se sente confortável, se sente? Com a consciência atenta você se diz: Nunca
quero ser arrogante. Porque aquela arrogância me torna desconfortável; se eu for
arrogante, farei outros desconfortáveis”. Então agradecemos às pessoas que são
arrogantes, pois elas me ajudam a não ser arrogante. Elas são meus professores, então
devo ser agradecido àqueles que são arrogantes, pois posso aprender com eles a não se
arrogante. Então você pode transformar a situação para seu próprio benefício, se você
permanecer com a consciência atenta. Se você for desatento, não acontecerá isto, pois se
o outro for arrogante, você ficará raivoso e vai se tornar arrogante também. Se vermos
alguém fazendo um maravilhoso trabalho, compassivo, amistoso, paciente, ao invés de
ficar com inveja, ciúmes daquela pessoa, você pensa que pode aprender a ser como ela.
Assim, desatenção traz desatenção, consciência atenta promove a consciência atenta.
Falta de Sati, a consciência atenta, alimenta a raiz da consciência atenta, consciência
atenta alimenta a raiz da consciência atenta.
Assim, na meditação, devemos distinguir a consciência atenta correta da
consciência atenta incorreta. Na consciência atenta incorreta não existe a visão correta,
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o pensamento correto, a ação correta, a concentração correta, a fala correta, o modo de
vida correto, o esforço correto. Na consciência atenta correta existe a visão correta, o
pensamento correto, a ação correta, a concentração correta, a fala correta, o modo de
vida correto, o esforço correto. Então você tem esse par, correto e não-correto e suas
derivações. Na consciência atenta correta, existem três fatores trabalhando juntos:
esforço correto, entendimento correto, e a consciência atenta correta. No esforço
correto, quando você vê alguém fazendo algo incorreto, você se esforça para não fazer a
mesma coisa. Então ficar sentado prestando atenção na respiração todo o tempo não é
consciência atenta correta. Devemos sempre fazer alguma coisa com a nossa mente para
treinar a mente, quando você pratica a consciência atenta correta.
A maior parte das pessoas presta atenção aos seus corpos; querem ter um corpo
saudável, forte, jovem, atlético, que possa fazer ginástica, correr, tudo para ter um corpo
em forma. Ter um corpo saudável é muito bom. Mas a maior parte das pessoas de corpo
saudável tem uma mente confusa. Dizem que querem fazer exercícios com consciência
atenta para manter o corpo saudável. Vão para a academia, mas quando chegam em casa
brigam com a mulher ou o marido. Pois fazem tudo para deixar o corpo em forma, mas
nada para deixar a mente em forma. A consciência atenta foi projetada para deixar a
mente em forma. Seja que esteja sentado numa almofada, ou numa academia, devemos
sempre olhar para a nossa mente. Dizem: quando você lava a louça, você lava a louça,
quando você lava a roupa, você lava a roupa. Hoje em dia há uma divisão sistemática do
trabalho, se está especializando nas coisas mínimas. Antigamente, tudo era colocado sob
a égide da filosofia, agora tudo está sendo quebrado em pequenas partes, e todo mundo
quer se especializar apenas naquelas partes específicas. Agora temos biologia
molecular, você vai ao nível molecular para se tornar especializado. Mas a mente
permanece tão confusa como ela sempre foi. Então você faz uma coisa de cada vez,
como lavar a louça, quando você lava a louça, você lava a louça, significa que você está
apenas fazendo aquilo, mas a consciência atenta é prestar atenção sobre o que está
acontecendo em sua mente. Há muitos especialistas em saúde que ajudam as pessoas em
seus estados mentais, mas eles não sabem como lidar com sua própria mente. No
treinamento da consciência atenta, devemos prestar atenção à nossa mente e não à dos
outros. Assim, consciência atenta correta é a consciência atenta aos nossos estados
mentais, sem cobiça, ódio e delusão. Quer dizer que se o ódio surgir, devemos olhar o
ódio objetivamente, sem perpetuar, racionalizar ou justificar o ódio; você observa o ódio
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como objeto. A mesma coisa acontece com os outros estados, quando eles surgem, você
pára completamente, respira algumas vezes lentamente, e olha para eles inteiramente.
Suponha que você esteja conversando com alguém, e de repente surge na sua
mente um pensamento de dizer alguma coisa; se você disser essas palavras, você pode
criar uma situação desagradável, desarmonia e criar uma sensação desprazerosa. Se
tiver desatento, você se diz: “vou por para fora o que eu quero falar, eu tenho de tirar
isso da minha cabeça de qualquer jeito, e essa é a oportunidade de por para fora”.
Entretanto, mais tarde você se arrepende. Se você está com consciência atenta, você
refreia sua língua. As pessoas não vão dizer para você observar sua língua, pois você
estará observando sua mente. Consciência atenta correta sempre nos conduzirá no
caminho da atitude correta, intenção correta e atenção correta. Vocês podem encontrar
diferentes interpretações da consciência atenta. Tem gente que acha que Sati é sentar
numa almofada e ficar prestando atenção na respiração, por isso as pessoas hoje em dia
encontram listas e revistas com “grupo de meditação sentado”, significa que você vai
sentar para meditar. Se você senta, você está meditando; você levanta, não está
meditando. Se você anda, não tem meditação; se você fala, não tem meditação; você só
tem de sentar para meditar. Sentar e meditar são usados como sinônimos. Consciência
atenta não é apenas meditação sentado. Sentar é apenas umas das posturas; em outras
três posturas também meditamos. De pé, andando e deitados. Buddha dá uma longa lista
de posturas no Maha Satipathana sutta, dobrando, indo para frente, comendo, falando,
indo ao banheiro, ficando em silencio, em todas essas situações praticamos consciência
atenta.
Falei anteriormente sobre a cobiça e o ódio, mas existe um fator mais poderoso,
que é a ignorância. A cobiça não surge sem a ignorância, e a ignorância não existe sem
a cobiça. Elas firmaram um contrato tão forte que ninguém pode quebrá-lo. Mas
nenhuma delas pode existir por si mesma. Cada uma delas precisa do apoio da outra. A
ignorância surge em dependência dos obstáculos. A ignorância por si só não é um
obstáculo. A ignorância é ainda mais potente do que os obstáculos. Apesar da
ignorância ser mais forte do que os obstáculos, ela não pode se manter sem os
obstáculos, pois os obstáculos alimentam a ignorância. E os obstáculos também não
podem existir por si mesmos. Os obstáculos dependem dos pensamentos, fala e ações
sem consciência atenta; é o que chamamos de comportamento sem consciência atenta. E
esse comportamento sem consciência atenta não existe por si mesmo. Depende de não
saber o Dhamma; não conhecendo a verdade, não conhecendo a realidade, nós temos
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um comportamento sem consciência atenta. Não conhecer o Dhamma depende de não
associação com pessoas certas.
Pessoas certas são chamadas amigos excelentes, o Buddha chamou de
kalyanamitta. Kalyana, que significa “excelente”. Então se você não se associar a
amigos excelentes, você não vai conhecer o Dhamma, por isso um amigo excelente é
muito importante. Um amigo excelente é aquele que é compassivo, paciente e tenta lhe
compreender. E você pode se tornar um amigo excelente para outra pessoa. E quando
você se torna um amigo excelente, o que você tem de fazer? Tem de meditar, ser
paciente, compassivo, com Sati. O que fazemos durante a meditação é tornar a mente
calma, relaxada, pacifica e desenvolver qualidades especiais que vão nos ajudar e ajudar
os outros. E você como amigo excelente vai ser compassivo, paciente, tolerante para
não impor sua prática sobre os outros. Um meditante com Sati vai ensinar alguém a
meditar apenas quando a necessidade surgir. Quando você precisar de ajuda, você vai ao
amigo excelente e ele estará disposto a ajudá-lo. Um dos obstáculos que não faz de você
um amigo excelente é a raiva, o ódio, que é a má-vontade. Literalmente seria a vontade
doente, e quando você está com a vontade doente, você está com má-vontade. E, ao
contrário, se você tiver uma vontade boa, você terá boa-vontade.
Buddha comparou a má-vontade a uma pessoa doente, pois a vontade está
doente, e quando você tem má-vontade você está doente. E uma pessoa doente não pode
aproveitar a vida, não pode apreciar a comida, e não importa quão deliciosa é a comida,
essa pessoa vai achar que não tem gosto, é amarga, e não vai querer comer, pois suas
glândulas salivares estão afetadas por essa doença. Similarmente, quando nossa vontade
está doente, não apreciamos nada, nem ninguém em todo mundo. Quando você vê ou
ouve alguma coisa, você fica tão infeliz que começa a criticar. Conheci um monge do
Sri Lanka que era um pregador muito popular. Sempre que ele dava uma palestra, vinha
muita gente para ouvir; todo mundo apreciava suas palestras do Dhamma. E quando
alguém perguntava a um outro monge, que era cheio de raiva, o que ele achara da
palestra, ele dizia que aquele monge tinha ainda muito a aprender sobre como dar
palestras. E que era uma boa experiência para aquele palestrante aquelas palestras, mas
todos os outros apreciavam aquelas palestras.
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Metta
Uma pessoa com má-vontade é como se fosse um homem muito doente que está
em um deserto, não sabe para onde ir e não consegue levantar o pé para dar um passo,
desesperançado. Então você vai lá com compaixão, dá a mão a essa pessoa, mas ela não
pode se mexer, põe ela nas costas, carrega esse fardo, leva a pessoa à cidade mais
próxima para achar um médico que cuide dela. Mesmo se essa pessoa for totalmente
má, mesmo assim é objeto de metta; pois quando a pessoa é saudável, seu coração é
doce, seus pensamentos e palavras são doces, essa pessoa é muito agradável, amigável,
então é muito fácil praticar metta para ela. Quando queremos praticar metta, podemos
achar situações, oportunidades, ocasiões para praticar; quando estamos cheios de metta,
fica fácil colocar a raiva de lado e evitar que ela surja.
Isso é o bastante para a palestra de hoje e se vocês tiverem perguntas, vou
responder mais tarde.
Perguntas e Respostas
P – Como podemos ensinar meditação para crianças?
R – Ensinar meditação para crianças vai depender da idade; à vezes os pais me
perguntam: “Quando começo a ensinar meditação para as crianças?” Digo que devem
começar antes delas nascerem; enquanto elas estão no útero da mãe, a mãe deve
meditar.
Se a mãe for calma e pacífica, o bebê vai nascer muito saudável; após o
nascimento a mãe deve continuar a meditar, mantendo o bebê no seu colo. E o bebê
sente aquela sensação calma e pacífica da mãe; e nós sabemos que as crianças,
especialmente as meninas, após os seis anos são muito apegadas à mãe; os meninos
também; portanto, a mãe deve tirar vantagem desse agarramento que a criança tem ao
corpo da mãe; nessa idade a criança é suave e gentil e funciona como uma esponja que
absorve tudo; ela absorve som, cor, cheiro, sabor, mas também sensações e sentimentos;
elas sempre observam como a mãe faz as coisas.
Quando você fala com crianças e diz alguma coisa diferente, elas dizem: “Minha
mãe não disse isso”. Todos nós sabemos que a mãe, nessa idade, é a imagem ideal. E, à
medida que a mãe vai meditar, a criança pode cair no sono e dormir no colo da mãe e
isso é bom porque ela vai recebendo aquela sensação pacífica que vem da mãe. Quando
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a criança tem 2 ou 3 anos, gosta de imitar o que a mãe faz; quando eu estava em Belo
Horizonte, tirei uma foto de uma criança de 3 anos, com os olhos fechados, porque a
mãe meditava.
Então elas aprendem muito gradualmente a partir do exemplo dos próprios pais;
se você tem uma família que está sempre brigando e correndo para cá e para lá, como
em um manicômio, e você pergunta à criança se ela quer meditar, naturalmente ela não
vai querer. Então a prática começa antes mesmo do bebê nascer e continua com os
exemplos que se colocam para a criança; é assim que se ensina meditação: de uma
forma muito suave e gradual, nós é que damos o exemplo.
P – Onde está a raiz da Consciência Atenta?
R – A raiz da Consciência atenta está na nossa mente; e com esforço, intenção e
entendimento, nós podemos cultivar isso. De acordo com o Dhamma, há 52 estados
mentais; e 25 deles são saudáveis; a Consciência atenta é um deles. Como raiz, como
semente, a Plena Atenção está em nossa mente; portanto, com uma orientação
adequada, com esforço e entendimento, nós podemos cultivar isso; é claro que a
vontade tem que estar lá.
P – Por que não praticamos a meditação deitado, já que a posição sentada é tão
difícil?
R – Se você acha que meditação sentada é difícil, então deitado é mais difícil
ainda, porque na meditação sentada você tem dores, sensações e elementos para se
manter acordado; se fizer meditação deitado, vai ter que lutar contra a sonolência; só
mesmo à noite, quando você tiver terminado tudo que tem para fazer, está pronto para
dormir, então pratica essa meditação deitado; e em um estado calmo e pacífico da
mente, você vai dormir.
Existem as exceções, de pessoas que têm aquele estado mental específico, de
deitar e não conseguir dormir; então nesse caso, talvez a meditação deitada seria algo
útil.
P – Você disse que a Consciência atenta é o instrumento que leva ao Insight, que
leva a abandonar a cobiça, o ódio e a delusão. Onde está anatta (não-eu) nisso tudo?
R – Abandonar a cobiça, a raiva e a delusão é o propósito da meditação
Vipassana. Quando você abandona a raiva e a cobiça, o que fica é a delusão; e a ilusão
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reside na crença de que existe um “eu” permanente, portanto quando você abandona a
ilusão, abandona o conceito de um “eu” permanente. Quando você observa que as
coisas estão mudando incessantemente, isso é muito importante na meditação
Vipassana; isso significa observar que as coisas definitivamente mudam o tempo todo.
Se você me pergunta: “O que é permanente?” Eu digo: “Permanente é a
impermanência”.
Isso significa que tudo é permanentemente impermanente, ou seja, você não vai
encontrar uma mínima fração de algo que permaneça permanente, exceto essa sua noção
de “eu”, que é a delusão. Quando você perceber que todas as coisas estão
permanentemente mudando, onde fica o espaço para um “eu” permanente?
Portanto, você vai encontrar nos três fatores o abandono da noção de “eu”.
P – Como saber, com toda certeza, que estamos meditando?
R – Quando você está dormindo, não sabe se está meditando ou não; mas se
estiver acordado, sabe que está meditando se souber o que está fazendo. Por exemplo, se
você senta e fica pensando: “O que vou fazer amanhã? Quem vou encontrar? O que vou
comer? Em que restaurante eu vou? Preciso conectar todos os planetas do Universo”.
Com certeza você não está meditando; se você começa a pensar em pessoas e lugares,
está deixando sua mente divagar e isso não conduz a nenhum Insight.
Portanto, o que você deve dizer a si mesmo é focar a sua mente no que está
acontecendo nesse exato momento.
O fato de que a mente fica passeando entre pessoas, lugares, comidas, etc., é a
demonstração da impermanência do estado mental; isso é a sua meditação: observar a
mudança constante do assunto da mente; você observa as sensações corpóreas que
também mudam.
Portanto, observar as mudanças que ocorrem dentro de você o tempo todo, é um
dos aspectos da meditação; e aí você observa que tudo que você experiencia é
exatamente assim... Mudando, mudando, mudando...de repente uma emoção surge, e
quando você a percebe, se agarra a ela; se for desagradável você tenta rejeitá-la.
Observe essa natureza da mente que agarra e repele; o agarrar deixa você desapontado e
o rejeitar também.
O agarrar é decepcionante porque quando você agarra não consegue segurar,
aquilo não permanece com você, e as coisas que você rejeita não irão embora, isso
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também decepciona. Você observa esse conflito entre as experiências prazerosas e as
desprazerosas, e esses conflitos surgem devido à cobiça e ao ressentimento.
Portanto, durante a meditação você busca nem agarrar, nem rejeitar, mas apenas
observar cada momento específico, mantendo o seu estado mental equânime. Isso faz
surgir o Insight sobre a impermanência de todas as coisas mais uma vez; aí você sabe
que está meditando.
Ou você focaliza sua mente em uma única coisa, como a respiração, e não leva
nenhuma dessas coisas em consideração; se você fizer isso, atinge a concentração e aí
você também sabe que está meditando.
Portanto, você sabe de sua própria experiência se você está meditando ou não.
Essa foi uma resposta breve.
P – Os oito preceitos fariam parte do treinamento de nossa disciplina?
R – Quando você assume esse treinamento, como no caso de: “Eu me abstenho
de tirar a vida”, você estaria tomando para si essa disciplina; então, cada um desses oito
preceitos é um treinamento que você aceita. Como já disse, não são mandamentos, são
regras que você voluntariamente resolve aceitar, para sua disciplina mental e
psicológica; por isso é que chamamos de treinamento. Treinamos a mente a se
disciplinar, na medida em que se aceita esses princípios.
P – Suponha que alguém tenha o costume de matar insetos, isso é uma quebra de
preceitos?
R – Geralmente as pessoas perguntam isso com relação a matar mosquitos,
baratas, etc. O grau de prejudicialidade desse matar, depende também do grau de
desenvolvimento desse ser; cada vez que aplicamos sabão no corpo, matamos milhões
de micróbios, mas não tomamos isso por matar; quando você bebe água, existem seres
microscópicos na mesma, isso não é considerado matar; também quando usa detergente
na cozinha e acaba matando pequenos seres, isso não é considerado quebra de preceito.
Mas ao matar insetos você desenvolve estados mentais não virtuosos que não são
desejáveis. Portanto, o demérito do matar está diretamente relacionado ao
desenvolvimento e ao tamanho daquele ser vivo.
P – Em certo nível de concentração, a conceitualização cessa?
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R – Sim, em um certo nível de concentração a conceitualização cessa; quando se
atinge o segundo nível de Jhana, a conceitualização deve cessar, mas as sensações ainda
estão lá; mas existe um nível em que sensações e percepções cessam; isso pode ser
atingido após oito níveis de concentração; existem dois níveis onde a conceitualização
desaparece e um nível onde a sensação também cessa.
P – O que são as quatro direções?
R – As quatro direções são os Quatro Fundamentos da Consciência atenta, que
são: a Consciência atenta do corpo, das sensações, da mente e dos objetos mentais;
essas são chamadas as quatro direções.
P – Quando estamos dormindo e fazemos movimentos involuntários, os cinco
agregados estão presentes ou é necessária a intenção?
R – Quando você está dormindo e faz movimentos involuntários, existe uma
movimentação sub-consciente muito sutil, mas que não é forte suficiente para fazer
parte do seu karma, pois não é uma intenção plenamente consciente. Portanto, quando
fazemos algo durante o sono, não é considerado algo muito sério.
P – Por que a impermanência é insatisfatória?
R – Essa é uma questão muito importante e fundamental: por que as coisas
impermanentes são insatisfatórias?
Porque temos um desejo permanente pelo prazer. Assim que algo agradável
surge, desejamos que esse sentimento aprazível fique para sempre; quando um casal se
conhece, sente aquela alegria, depois de algum tempo aquela alegria não está mais lá; e
alguma coisa que eles não esperavam vagarosamente se infiltra; conforme o prazer vai
se desvanecendo, uma coisa desagradável vai entrando; e conforme o prazer vai embora,
o desprazer vagarosamente entra. Por que o prazer desaparece? Porque é impermanente.
Nós gostamos disso? É por isso que o impermanente é insatisfatório. Nós não
precisamos de nenhuma filosofia, nenhum treinamento, é só olharmos nossa própria
vida.
Vocês devem se lembrar do primeiro encontro com a pessoa mais amada do
mundo; você lembra daquela quantidade de prazer que você tinha? Ninguém nesse
mundo poderia separá-los; todos pareciam errados e só vocês certos; e depois que o
tempo passou, vocês ainda têm esse prazer inicial? Vocês vão começar a brigar, um
51
começa a imaginar que o outro está saindo com alguém, começam as suspeitas e
acusações e onde está aquele prazer inicial? Inicialmente parece que é um prazer
celestial que não vai mudar; e depois de um certo tempo, ele fica como se fosse um pão
velho e aí vocês passam a odiar um ao outro.
Por isso as coisas impermanentes nos fazem infelizes, porque nos agarramos a
elas sem lembrar que elas são impermanentes; por mais que façamos que as coisas
sejam permanentes, a impermanência está trabalhando por baixo; a impermanência nos
trai, tirando o prazer de nós e por isso ficamos infelizes.
Por isso é que dizemos que todas as coisas impermanentes são insatisfatórias.
Isso acontece em dois níveis: primeiro é a nossa tentativa de se agarrar a alguma coisa, e
segundo, é que mesmo sem percebermos, a dor lentamente se infiltra em nossa mente.
Por exemplo, quando vocês se sentaram aqui no começo, estava razoavelmente
confortável; e para onde foi esse conforto? Eu vejo as pessoas mexendo as pernas,
trocando de lado para cá e para lá. A impermanência vagarosamente se infiltra na sua
vida, até quando você se senta; a postura agradável se tornou desagradável pela
impermanência; por isso é que a impermanência faz as coisas insatisfatórias.
As pessoas argumentam: “a dor impermanente surge e também vai embora, e
com a ida da dor surge o prazer; então, como poderia se dizer que toda impermanência é
insatisfatória? A dor é impermanente e traz satisfação quando vai embora”. Mas espere
um minutinho: Veja o que acontece com esse prazer que surgiu com o desaparecimento
da dor. Portanto, não há escapatória; quando prestamos atenção à nossa vida, cada dia,
essas verdades afloram e se tornam cada vez mais claras à medida que aprofundamos
nosso Insight; e quando a consciência atentao e a concentração se juntam, no nível mais
profundo de meditação, podemos perceber essa relação entre insatisfatoriedade e
impermanência.
P – Dos oito preceitos, três se referem à fala; fala-se mais do que se mata, ou se
comete adultério, ou se bebe; além disso, para quebrar um desses preceitos usamos a
fala; gostaríamos que o Bhante falasse sobre a fala.
R – Assim que usamos a boca para falar, existem quatro preceitos referentes à
fala. É verdade que você diz que falamos mais do que bebemos, e há pessoas que não
bebem nada e mesmo assim falam; controlar nossas palavras nos traz mais harmonia e
paz.
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O Buddha diz que quando nascemos, temos um machado em nossa boca; com
esse machado podemos destruir os outros e a nós mesmos; esse machado está em nossa
boca: é nossa língua. Usar a linguagem ferina para atacar os outros é chamado em Páli
de fala de adaga, que serve para esfaquear os outros; porque certas palavras que usamos
ferem tanto que atravessam os órgãos e chegam até o tutano dentro dos ossos.
A fala agressiva é muito dolorosa; a mentira é muito dolorosa; a fala caluniosa é
muito dolorosa; essa fala é a que destrói a amizade, por isso é muito doloroso quando
entre amigos é usada uma fala caluniosa; e também uma pessoa pode ter sua vida, sua
personalidade e seu caráter destruídos pela fala, e isso é chamado assassinar o caráter.
No passado, a fala que você usava se restringia às pessoas próximas a você, no lugar em
que você vivia, mas agora a fala pode viajar milhares de quilômetros em um décimo de
segundo. Você pega um telefone e calunia alguém a milhas de onde você está, em um
segundo. Uma vez que você enviou essas palavras, não tem como pegá-las de volta,
pedir à pessoa para que as mande de volta e você as corrija e mande de volta... Se foi,
para sempre.
Portanto, em um mundo civilizado e em uma sociedade culta, disciplinar a sua
língua é uma coisa extremamente importante; e é por isso que temos quatro partes nesse
preceito específico; nós observamos esse preceito justamente para elevar nossa honra,
nossa auto-estima.
Assim, encerramos essa sessão de perguntas.
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4º dia
08/02/2005
Preparação para a Meditação
Hoje eu quero falar sobre a preparação para conseguir ser bem sucedido na
meditação. Normalmente durante o retiro, as pessoas ficam reclamando que não
conseguem se concentrar. Alguém perguntou ontem à noite, como se sabe que se está
meditando. Isto é porque elas não estão preparadas; quando vocês vêm sem nenhuma
preparação, somente com uma confiança, é normal que fiquem confusos. Aqueles que
são sérios na meditação, devem preparar suas mentes para que possam meditar, porque
isto é uma parte muito séria de suas vidas. Diria que não é uma parte de nossa vida, mas
a nossa vida, pois quando meditamos, todos os nossos atos são colocados juntos, e leva
a nossa vida a uma linha reta, como um navio navegando suavemente no mar. O mar é
cheio de ondas, pequenas e grandes, às vezes ele fica mais bravio, e a nossa vida é a
mesma coisa, cheia de altos e baixos, pontos que são mais ásperos, vazios.
Meditantes devem se lembrar que vivemos uma vida muito curta. Mesmo que
vivamos cem anos, isto é muito curto; metade dela passamos dormindo, e da metade
restante, gastamos a outra metade trabalhando; a outra quarte parte usamos para brigar,
discutir, se preocupando como sobreviver. Quando você vê a vida assim, sobra alguma
parte para relaxar e ter paz mental? Muita gente, quando chega aos quarenta, cinquenta
anos, se pergunta: “o que fiz com minha vida?” Aprendem, aprendem, estudam, passam
o tempo se preparando para viver, e acabam sem tempo para a vida. Observem quantas
horas gastam por dia fazendo coisas desnecessárias, e maior parte das coisas está ligada
ao que temos de fazer para manter a nossa vida. Não importa quanto tempo vivamos, se
não houver paz, concentração, consciência atenta, se não vermos a vida como ela
realmente é, sua vida não está sendo bem sucedida. Mas se você aprende a viver com
boa consciência atenta, boa concentração, mesmo que por um dia, esse dia vai ser
melhor que esses 99 anos que você viveu.
Tem gente que está propagando a ideia de que o mundo vai acabar muito em
breve. Claro que o mundo vai acabar um dia, mas não sei o quão em breve. Mesmo que
eles tenham razão, não temos que nos preocupar, se nós nos prepararmos. Recentemente
a impermanência nos atingiu com muita força, com os tsunamis, no dia 26 de dezembro
de 2004. Veio tão de repente, ninguém esperava. Mais de 200.000 pessoas morreram
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instantaneamente. Provavelmente elas tinham muitos planos para suas vidas, e a vida os
deixou tão rápido, sem lhes dar nenhuma chance. Isto significa que a vida é
impermanente. E isto é um chamado muito sério para despertar, e isto deveria fazer
surgir em nós uma urgência espiritual. Urgência espiritual é conhecer, ver, entender
situações como essa e estar preparado para o que vier nessa vida. Para nos preparar,
devemos manter a mente a mais clara e pura possível. Como sabemos que todos iremos
morrer, devemos morrer com um estado mental que não seja confuso, com uma mente
de consciência atenta e teremos uma morte pacífica. Se morremos com um estado
mental confuso, a morte em si será miserável e o que acontecerá depois também não
será muito bom. A morte é a única coisa certa, o demais é incerto; que venha mais tarde
ou agora, ela virá. Então o que temos de fazer é nos preparar para isso.
Manter a mente clara e pura através da prática da meditação é a melhor maneira
de se preparar para isso. Nesta preparação, há cinco maneiras de nos disciplinar. A
meditação não será bem sucedida se vocês não se disciplinarem. Algumas vezes as
pessoas dizem que não é preciso se preocupar com a disciplina, simplesmente só
meditar. Uma vez que você medite, tudo estará bem. Há um elemento verdadeiro nisso,
porque se você esperar que sua mente se endireite, fique clara e pura, para que você
possa meditar, você nunca vai meditar. É como se fosse um homem que vai para a beira
do mar, esperando o mar se acalmar, as ondas pararem, para que ele possa mergulhar,
então ele nunca vai nadar, porque o mar nunca se torna calmo. Similarmente, quando
alguém diz que é preciso meditar sem se preocupar muito com a disciplina, há certo
sentido nisso. Pois este tipo de prática ao menos faz você saber se alguma coisa está
faltando, e é por isso que você não consegue meditar. E você começa a pensar: porque
não consigo meditar? Qual é esse elo perdido? O que fiz de errado? Você realiza: Ah, é
porque eu não me disciplinei. Então preciso me disciplinar. Isso faz surgir sua urgência
espiritual. Quando você mergulha de cabeça na prática, você vê o que deve fazer.
Suponha alguém com vida caótica, agitada, ansiosa, e começa a meditar,
conseguirá? Ele vê com a sua própria experiência a beleza desse treinamento, que você
aprende não apenas por teoria, livros ou outra pessoa, mas primariamente através de sua
própria experiência. Então a exigência número um para você praticar é a disciplina.
Disciplina tem cinco níveis, mas não tentem praticar nesta ordem que vou explicar,
nossa vida não é toda certinha, ordenada. Você pratica o que vier primeiro, o que for
mais urgente, mas você tem de praticar os cinco.
55
Número um é a restrição. Em Páli é sila samvara. Sila significa disciplina ou
moralidade. Por isto nas tradições budistas os princípios são divididos em categorias, e
o mais básico são os cinco preceitos. E apesar deles parecerem ser muito simples, têm
um grande impacto em nossa disciplina. Os cinco preceitos são os preceitos de abster de
matar, de roubar, de má conduta sexual e sensual, de falar mentiras, e de tomar
intoxicantes que causem inconsciência e confusão na mente. Praticantes leigos sérios
observam esses cinco preceitos, pois quando você vem para a meditação, os seus
sentimentos de culpa ficam cutucando a sua mente; você sente que fez algo de errado e
fica cheio de remorso e aí a concentração fica muito difícil. Portanto, se alguém se
empenha seriamente em conseguir concentração, deve começar ao menos com esses
cinco simples preceitos. Embora sejam fáceis de recitar, colocá-los em prática não é tão
simples.
Havia no tempo do Buddha um homem que observava apenas um preceito, o
número um. Então outras pessoas que estavam no mesmo estado mental, pensaram: ah,
isto parece uma boa ideia. Então se você não pode observar os cinco preceitos, você
escolhe um e o observa inteiramente o melhor que puder. E eles se juntaram a esse
homem. E eles formaram um tipo de sociedade de pessoas observando o primeiro
preceito. Veio outro homem e disse que o primeiro preceito não é tão difícil, o segundo
é mais difícil, é esse que vou escolher observar. As pessoas ficam roubando coisas
pequenas, que parecem insignificantes, dizendo a si mesmos, “eles têm tanto, ninguém
vai notar”. Se alguém não rouba nada de outro, mas tem dentro da mente esta tendência
de roubar, ela engana o governo não pagando impostos. Os homens de negócios têm
dois caixas: um para mostrar ao governo e outro com as contas reais. Eles aprendem
maneiras muito sutis de roubar. Às vezes as pessoas não têm nada material para roubar,
mas roubam as ideias dos outros. Se você roubar a ideia de alguém, ou de um grupo de
pessoas ou de um livro, pode ser processado por plágio; mas se roubar ideias de muitas
pessoas, isto é chamado de “pesquisa”. Então esse homem disse que não ia roubar nada
de ninguém, nem mesmo ideias. Outros se juntaram a ele e formaram uma sociedade do
“não-roubo”. Um terceiro tomou o terceiro preceito, abster-se da má conduta sexual e
sensual, e como vimos, o desejo está em todos os aspectos de nossa personalidade;
cometemos abuso sexual ou sensual, por causa dessa intensa cobiça que temos. Então,
ele disse: eu não vou abusar dos meus sentidos de nenhum modo. Pessoas se juntaram e
formaram a sociedade do “não-abuso sexual e sensual”. O quarto grupo se formou, de
não falar mentiras. O quinto homem formou a sociedade não-alcóolica, dos não-
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bebedores. Mas quando alguém de um grupo encontrava um de outro, começavam a
brigar. Acusavam-se do preceito do outro ser mais fácil, o dele mais difícil. Isto durou
certo tempo. Um dia, um deles teve bom-senso: nós estamos querendo fazer algo bom,
mas somos tolos, ficamos só brigando. Vamos buscar um conselho de alguém de fora.
Isto é comum em conflitos. Deve haver alguém imparcial e compassivo, que tenha
insights, vamos procurar o Buddha.
Apresentaram o caso ao Buddha. E ele disse, vocês são maravilhosos. Quando
vocês observarem esses preceitos, não brigarão. E ele pensou que preceitos iria dar,
além daqueles que já estavam praticando. E esse não está entre os outros cinco, mas este
preceito inclui todos os cinco. E o Buddha disse: a consciência atenta. Quando você
tem consciência atenta, pode praticar todos esses preceitos sem brigar. Então, uma
disciplina é a de observar os cinco preceitos. Quer dizer restrição os sentidos. Restrição
dos sentidos não significa que quando você vê um objeto, você fecha os olhos. Ou que
quando você ouve um som, você tampa os ouvidos. Restrição dos sentidos significa que
quando nossos sentidos entram em contato com um objeto sensorial, você não deixa a
sua mente ser levada pela cobiça, ódio ou delusão. Por exemplo, vendo uma vitrine no
shopping, decorada por especialistas em atiçar sua cobiça. São especialistas na
promoção da cobiça, fazem tudo parecer tão atraente que você não consegue tirar os
olhos dos produtos. E quando você os vê, quer comprá-los, pensando “isto é o que eu
preciso”. Hoje em dia nem dinheiro você precisa carregar, basta um cartão de crédito,
de plástico. E leva o seu produto. Em casa, abre o armário e tem dez produtos como
aquele. E você os utilizou somente uma vez, e você os deixa juntando poeira, e vai atrás
de outro. E uma vez por ano, a pessoa faz um bazar caseiro, para limpar o armário e ter
espaço para novos produtos. Mas estas coisas não são gratuitas, você tem de pagá-las. E
para ter o cartão de crédito e pagar, você tem de trabalhar duro, pois nem todos são
ricos. Este é o círculo vicioso, contínuo. Se você tivesse o mínimo de restrição de seus
olhos, de seus sentidos, poderia perguntar: “preciso realmente disso?” Se nos
observarmos em nossas ações, fazemos isso seguidamente, sem pensar, sem restrições,
simplesmente pulamos em cima das coisas, e gastamos muito tempo, dinheiro, energia
em coisas desnecessárias, e pouco tempo para meditar. O primeiro fator do treinamento
da disciplina é a restrição dos sentidos.
O segundo fator é o contentamento. Significar ser capaz de viver uma vida
muito simples, com exigências básicas. Isto nos ajudar a minimizar nossa cobiça.
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Quando vivemos uma vida simples, é bem fácil cuidar de nossas casas, roupas, corpo,
nossa comida; tudo fica fácil de se manter.
O terceiro fator é a restrição na sabedoria, viññana samvara. Significa que
pessoas inteligentes usam sua inteligência para guiar suas vidas numa direção correta,
sem deixar que elas se desagreguem; e com sabedoria sempre planejamos nossas vidas,
sobre quanto tempo dispender em cada item particular, e para a meditação; e quanto que
cada coisa fará minha mente tranquila, pacífica e quanto a fará agitada, preocupada, etc.
Mesmo o Buddha, após atingir a plena iluminação, tinha um belo plano. Hoje temos
todo o tipo de instrumentos para organizar em partes nossa vida. Agendas, arquivos,
computadores. Uma pessoa inteligente vai conseguir tirar uma parte desse tempo para
sua prática da meditação.
O quarto fator é viriya samvara. Viriya significa esforço deliberado, para nos
restringir. Se você não planejou suas atividades, deve fazer um esforço para isso. Se
tivermos hábitos destrutivos em nossa vida, devemos fazer um esforço especial para
parar esses hábitos. Se não praticamos, devemos fazer um esforço especial para começar
nossa prática. Começamos algo com muito entusiasmo, meditar por exemplo, mas esse
esforço não continua. Há três elementos do esforço: o elemento inicial do esforço,
aramba datu, como quando começamos a meditar por causa de uma palestra ou algum
problema em nossas vidas. O segundo elemento é parakama datu, o elemento da
determinação, o compromisso que você assumiu. Outro elemento é nikama datu, é
prosseguir, nikama vem da raiz kam, que é se mover, que significa que uma vez feita a
determinação se deve ir sem parar. As pessoas às vezes começam com grande esforço,
energia, mas logo decai até desaparecer, como um fogo de artifício. Meditação deve ser
feita regularmente, com consistência, sem interrupção, por toda a vida. É um outro
modo de construir um hábito especial em nossas vidas. É como aprendemos a usar
nossos braços e pernas repetidamente, meditamos até atingir sua perfeição, viriya
samvara, disciplinando-nos e nos restringindo usando esforço.
A quarta disciplina é khanti samvara; khanti significa paciência. É preciso
paciência para fazer sua prática, seja meditação andando, sentado, parado, o que quer
que seja. Essa não é uma prática que você faz só por fazer, não é um dever que se faz só
porque tem de fazer, como se fosse ao banheiro e termina logo para voltar ao trabalho.
Tem de ter paciência para assentar seu corpo, sua mente. E para isso precisa de tempo.
Vocês já devem ter reparado, quando sentam não alcançam de imediato a concentração.
Até para dormir, você não entra no sono tão logo coloque a cabeça no travesseiro.
58
Como a nossa mente está repleta de atividades, ela precisa de algum tempo para se
assentar para que tenhamos uma meditação significativa. Então a disciplina da paciência
também é um componente importante nesta prática.
A quinta disciplina é a mais importante de todas: a consciência atenta. A cada
dia, a cada momento devemos trazer a consciência atenta de volta para nossa mente.
Todas as outras são secundárias em relação à consciência atenta. Pois é a consciência
atenta que lhe lembra de fazer todo o resto. A consciência atenta lhe lembra de restringir
seus sentidos, de fazer esforço, de ser paciente, e disciplinar sua sabedoria. A
consciência atenta é a linha vital de todas essas práticas. E tudo isso é o trabalho
preparatório para a verdadeira meditação. Mas a que está acima delas todas, e que
continua existindo sempre, trazendo beneficio é a consciência atenta.
Com essas palavras, paro por aqui essa palestra, tragam as perguntas mais tarde.
59
Os 7 fatores da iluminação
Esta manhã eu disse que o último passo na disciplina é a consciência
atenta. E é isso que praticamos em nosso retiro. Quando praticamos a consciência
atenta, não é um compromisso só para uma vez. Como as coisas acontecem o tempo
todo, assim como a impermanência, a consciência atenta também é impermanente. As
coisas têm um lado insatisfatório, mas também um lado satisfatório. A respiração é
impermanente, insatisfatória, mas ao mesmo tempo é muito importante, porque é ela
que nos mantém vivos. Similarmente, mesmo a consciência atenta é impermanente, mas
ela é tão importante quanto a respiração. A respiração nos mantém vivos, a consciência
atenta nos mantém mais vivos. De modo bem passivo, a respiração mantém a nossa vida
coesa; a consciência atenta, de modo ativo, mantém a nossa vida coesa. A respiração
mantém todos os seres vivos, sem fazer nada além disso. A consciência atenta não
apenas mantém as pessoas vivas, mas faz que os fatores sejam coesos. Quando se
pratica a consciência atenta, há outros fatores que ocorrem juntos. Deixa-me listar
algumas coisas que acontecem quando praticamos a consciência atenta.
Nossa mente se torna alerta e clara, inquisitiva e começa a investigar. Segundo,
quando investigamos nos tornamos mais energéticos. Não é apenas o fator energia, mas
uma energia mental, psíquica. Isso não nos cansa, nos torna cheio de alegria. Quando
você está pleno de alegria, isto lhe conduz à tranquilidade, e quando você está tranquilo,
ganha concentração; e com concentração, você tem uma mente equilibrada, equânime.
Temos então sete deles nesta lista: a consciência atenta, a investigação, esforço
(energia), alegria, tranqüilidade, concentração e equanimidade. A equanimidade é o
fator de equilíbrio. Estes sete podem ser colocados em duas categorias: ativa e passiva.
Ativos e passivos são equilibrados pela categoria neutra, a equanimidade. É como uma
balança antiga, com os dois pratos e o ponteiro. De um lado temos os fatores ativos: a
consciência atenta, a investigação, a energia; no outro lado, os fatores passivos: a
alegria, a tranquilidade e a concentração. O trabalho da equanimidade é equilibrar isso.
Significa que quando há demasia consciência atenta, a sua concentração é fraca, então
você deve desenvolver mais concentração para equilibrar a consciência atenta. Quando
o esforço é demasiado, o fator alegria pode estar fraco, então você tem de equilibrar
com mais alegria e reduzir o esforço. Quando a investigação é alta, o fator tranquilidade
se torna fraco, então você tem de equilibrar aumentando a tranquilidade. Então você tem
de fazer um balanceamento desses fatores, através da equanimidade. Assim, desde o
60
inicio de nossa meditação, esses fatores estão trabalhando juntos; entretanto, não
tentamos praticar apenas um deles num dado momento, porque quando tentamos
praticar um deles, todos os outros começam a se desdobrar dentro de sua prática.
Vamos passar pela lista, de uma forma mais prática. O primeiro da lista é a
consciência atenta. Então, praticamos consciência atenta da manhã até a noite, essa é
uma prática muito intensa. Vamos supor alguém que deixe suas atividades por um dia,
só para praticar a consciência atenta. Isto não é impossível. Assim que você acorda,
começa a prática. Vocês pensam: “o que devo fazer?” Pedimos para as pessoas que se
sentem, não porque esta seja a única postura na qual você possa praticar, mas porque no
começo você precisa de uma postura que lhe dê estabilidade. Você se senta
confortavelmente, de preferência na almofada, se não puder não se sinta mal por isso,
sente-se numa cadeira, mãos no colo, coluna ereta. Essas sugestões são apenas para uma
prática intensiva. Até mesmo nesse retiro, vocês não estão fazendo uma prática
intensiva, há palestras, discussões, entrevistas, se movem para cá e para lá, cochicham,
tiram fotos, têm os cânticos, orientações no almoço, todo tipo de atividade. É claro que
tudo isso é necessário para um grupo grande como este.
Mas vocês podem praticar sozinhos, com essas instruções. Sentado na posição,
focando a mente na respiração, você vai sentir sua respiração se tornar calma, relaxada,
pacífica, talvez você se sinta sonolento, então com consciência atenta você se levanta e
anda. Quando eu digo que você se levanta com consciência atenta, o que devemos fazer
para estarmos com consciência atenta? Levante lentamente, prestando total atenção para
notar as mudanças, todos os mínimos detalhes do esforço que você faz para se levantar,
como sua postura está mudando, como as sensações associadas com a postura estão
mudando. Quando você anda, preste total atenção aos movimentos, coordenando com a
respiração e ande bem lentamente. Quando você pára, preste total atenção na sensação
de estar de pé e preste atenção à sua respiração e a sensação da respiração enquanto
você inspira e expira, e lentamente você retorna, se vira para o lugar de onde você veio
e começa a andar para o outro lado bem devagar, e com consciência atenta.
Quando você anda com consciência atenta, você faz várias coisas: uma é prestar
total consciência atenta às mudanças; segunda é prestar total consciência atenta ao que
está acontecendo com seu corpo; a terceira é prestar total consciência atenta ao que está
acontecendo com sua mente, e não tente separar o corpo da mente, porque toda pequena
intenção de você fazer algo, imediatamente se manifestará no corpo. Quando andamos
com consciência atenta , não o fazemos automaticamente. No treinamento e prática da
61
consciência atenta, deve sempre existir a intenção. Se não há intenção, não há
conscientização. Devemos estar plenamente conscientes e com intenção de girar,
levantar, se mover, pôr o pé no chão. Você ficará surpreso de ver que no momento em
que você tem a intenção de levantar seu pé, naquele exato momento, muita energia é
criada na sua mente por essa intenção, e essa energia se irradiará pelo seu sistema
nervoso para levantar seu pé. Tomamos muitas coisas como óbvias; se você fez uma
cirurgia do estomago ou da perna, você vai sentir como as coisas ficam mais difíceis.
Tente andar dessa forma, verá o quanto de energia precisa para levantar o pé, porque
todas as células vão estar doloridas, que vem também do fato de que a energia está
tentando passar dos nervos simpáticos através dessa ferida, passando por todas essas
células. É uma oportunidade de vermos o quanto a mente e o corpo cooperam para fazer
um movimento. Quando não temos um ferimento ou não passamos por uma cirurgia,
tudo ocorre tão facilmente, por isso não prestamos nenhuma atenção. Então, quando
você se move lenta e plenamente atento, finja que você é uma pessoa doente e você
sentirá todas as conexões das células com os nervos e a mente que estão produzindo este
movimento, e você notará a rapidez com que as coisas mudam, e isto deixa a sua mente
totalmente envolvida com o movimento; é por isso que pedimos que as pessoas andem
lentamente na meditação caminhando. E vocês não têm pressa, não têm outra coisa a
fazer, não têm compromisso, apenas treinar a consciência atenta. A distância que você
normalmente levaria 30 segundos para percorrer, na meditação você pode levar 15
minutos, pois desaceleramos o passo, e prestamos total atenção nas mudanças. E
também quando sentamos, o fazemos com consciência atenta. Esta é a parte física.
Junto com isso, ocorrem atividades mentais. Quando você tem a intenção de
fazer algum movimento particular, não nomeie com palavras, apenas preste atenção à
intenção. Suponha que você vá comer alguma coisa, veja sua intenção primeiro, talvez
você esteja fazendo sua própria comida, e todas as coisas que você pretenda fazer
relacionadas ao cozinhar, você presta atenção a essas intenções; e há muitos momentos
de atividades envolvidos no fazer a comida. E veja o quanto de desejo surge, quanto de
ressentimento surge, e preste atenção a isto, e veja o quão rápido desaparecem.
Comer com consciência atenta é uma parte extremamente importante do
treinamento da meditação. Comemos para sustentar o nosso corpo. Se comemos com
consciência atenta, não apenas sustentamos o corpo, como fazemos que o corpo seja
relativamente saudável, porque comemos muito lentamente, prestando total atenção ao
movimento e atividades envolvidas no comer, dando-nos bastante tempo para mastigar
62
e misturar a comida com a saliva na boca antes dela ir ao estomago. Esta também é a
parte física do comer; também tem a parte mental. Toda porção de comida que pegamos
do prato e levamos para a boca é feita com intenção. Preste atenção a quantos momentos
de intenção você teve para chegar até a comida, dar a garfada, levantar o garfo, colocar
na boca. Todas essas intenções são motivadas pelo nosso desejo de comer. Quando
comemos com essa intenção, observando esse desejo, assim que nossa fome for saciada,
nós decidimos não mais comer. Então veremos que não estamos comendo pelo prazer
de comer, não comemos apenas para nos deleitar com a comida. Comumente, quando
não temos consciência atenta, comemos para nos deleitar com a comida. E fazemos
escolhas, para saciar nossos desejos, e nunca podemos preenchê-los. Comendo com
consciência atenta, o fazemos não para saciar nossos desejos, mas para manter esse
corpo. Isso é o que fazemos quando fazemos a recitação nas refeições: na primeira
passagem dizemos “com consciência atenta eu como essa comida, não para o prazer,
não para ganhar mais peso, não como um jogo, mas para manter esse corpo e para
superar a dor da fome, e não para trazer mais dores pela gula (excesso de comida)”. E
outra passagem, mas que não concerne aos leigos, é um treinamento monástico,
dizemos: “comemos essa comida para sustentar nossa vida celibatária e nos ajudar para
continuar nosso treinamento espiritual”.
Aquele que estiver fazendo meditação intensiva do insight, deve incorporar a
ideia disso que recitamos. O leigo pode fazer uma versão mais leve dessa citação, para
tornar a vida dele mais fácil, mas não perca a essência dessa passagem. A essência é que
comemos não para sermos glutões, não para aumentar nossa cobiça, não por prazer, mas
apenas para manter esse corpo, de modo que eu possa continuar essa prática. Temos de
entender também que quando comemos demais, nos sentimos sonolentos e preguiçosos.
E se tiver suficiente força de vontade para pular uma refeição, isso seria melhor ainda. E
se você decide fazer essa meditação intensiva o dia inteiro, pode pensar em deixar de
comer esse dia inteiro para se dedicar totalmente à prática. Pratique, pratique o dia todo,
prestando atenção ao máximo de coisas que pode notar. Imagine o tempo que você
dispenderá para prestar atenção a tudo que acontecer durante o dia; você verá algo que
nunca viu antes, e vai querer saber mais sobre isso. Essa vontade de saber mais não virá
pela instigação, ensinamento ou imposição de outros, virá de dentro de si. Quando
mergulhamos no Dhamma, encontramos mais ouro e diamantes nele, porque o
Dhamma, a verdade, a realidade, não tem condições, ele está simplesmente ali; à
63
medida que a mente se torna mais clara, mais clara, mais verdades se desdobram dentro
de nós.
Gostaria agora de falar algo que está diretamente relacionado a esse tópico.
Normalmente recitamos um aspecto do Dhamma que não prestamos atenção, mas
quando com consciência atenta prestamos atenção, esse aspecto particular do Dhamma
se torna bastante claro para nós. Em páli se chama ehipassika, significa “venha e veja”.
Eu gosto muito desta frase. Quando você ouve essa frase, é um convite, não é? Quando
você recebe um convite para vir e ver, você pode perguntar quem mandou esse convite
para vir e ver. Quando é convidado a vir, se pergunta: aonde ir? E o que ver? Quando
você pergunta quem fez o convite, a resposta é ninguém. Quando você pergunta aonde
ir, a resposta é para nenhum lugar. E quando você pergunta o que ver, a resposta é:
nada. Não é desconcertante? Não é um convite misterioso? Ninguém mandou, não há
nenhum lugar, e nada para ver. Não é um convite estranho? Mas esse convite tem todo
sentido. Esse convite vem do Dhamma, pedindo para você vir e ver o Dhamma. Quando
você pergunta onde ir, Dhamma diz: vá para dentro de você mesmo. Para ver o quê?
Para ver o Dhamma. E onde está o Dhamma? Na biblioteca? Numa livraria?
Supermercado? O Dhamma está dentro de nós. Nós falamos de sofrimento, sofrimento é
Dhamma, e onde está isto? Está em nós. A causa do sofrimento, onde ela está? Dentro
de nós. O fim do sofrimento? Dentro de nós. O caminho que leva ao fim do sofrimento
está dentro de nós. Então quando investigamos o Dhamma, quando estamos com
consciência atenta, nos abre uma nova área para vermos profundamente o Dhamma.
Disse o Buddha: seja que os Buddhas tenham vindo à existência ou não, esse Dhamma
bem estabelecido existe. Os Buddhas não precisam vir ao mundo para que o Dhamma
exista. Eles não inventam o Dhamma, não criam o Dhamma, tudo que os Buddhas
fazem é realizar o Dhamma, e expõem, explicam esse Dhamma aos outros. Seja que os
Buddhas tenham vindo à existência ou não, esse elemento do Dhamma, Dhamma datu
existe. Quando prestamos consciência atenta às nossas experiências, a todos os
pequenos momentos, vemos esse elemento do Dhamma em nós. Comumente, tentamos
encontrar o Dhamma fora, através de nossos olhos, ouvidos, nariz, boca, pele e mente.
Mas existe o influxo e o defluxo (para fora) de impurezas mentais.
O Dhamma não é algo fluindo para dentro ou fora de nós, está em nós. Esse
elemento de Dhamma, o que é? Vocês ficarão surpresos de ouvir, é algo tão simples:
sabbe sankhara anicca, sabbe sankhara dukkha, sabbe dhamma anatta. Esse é o
Dhamma que existe independente dos Buddhas: todas as coisas condicionadas são
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impermanentes, todas as coisas condicionadas são insatisfatórias, todos os dhammas são
sem um eu. Os Buddhas não precisam vir ao mundo para que as coisas sejam
impermanentes; se você prestar plena atenção a você, você experimentará a
impermanência em tudo na sua vida. Não vemos a impermanência por causa de várias
condições.
Uma delas é que as mudanças são tão rápidas. Quando algo muda muito
rapidamente, numa rapidez inconcebível, você não consegue ver a mudança. Você vê
uma coisa, lhe parece sólida, por exemplo um tição de fogo girando muito rápido, o que
você vê? Um círculo contínuo, completo. Parece uma coisa sólida, mas há algo sólido
naquele círculo? Não. Devido à rapidez do movimento, as mudanças são tão rápidas,
não conseguimos ver a mudança. Similarmente, as coisas em nós estão mudando tão
rapidamente, o tempo todo, que tomamos por certo que as coisas seriam sólidas.
A segunda razão pela qual não vemos as mudanças é porque as coisas são tão
compactadas, tão ajuntadas, e a rapidez é a mesma, mas por causa desse arranjo tão
compacto, não podemos ver as mudanças. Então pelo menos tentamos prestar atenção
aos nossos movimentos, e na verdade do movimento podemos experienciar as
mudanças. Um dos movimentos é o da respiração, o segundo é a série de movimentos
que fazemos em nossas atividades, o terceiro é a mudança ocorrendo em nossas células
através da forma e das sensações. As sensações mudam como todas as outras coisas. E o
quarto são nossos pensamentos e nossos estados mentais. Ao menos essas coisas
podemos ver, experienciar as mudanças. E se durante 24 horas nós diminuirmos o ritmo
de nossas atividades e tivermos consciência atenta a todas elas, ao final do dia
experimentaremos essa realidade.
Isso significa “venha e veja”. Quando você fica com raiva, “venha e veja”, como
você se sente. Quando estamos cheios de alegria, “venha e veja”, como você se sente.
Quando você está totalmente confuso, “venha e veja”, como você se sente. “Venha e
veja”, dentro de você, com toda confiança, como você se sente, e deste conhecimento
você abrirá sua mente para você mesmo, e mudará seu humor, seu comportamento,
pensamento, atitude, para trazer novo insight em suas vidas. Isto é o “venha e veja”.
Isto é o bastante para esta palestra, tragam as dúvidas para a sessão de perguntas
e respostas.
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5º dia
09/02/2005
Investigação do Dhamma
Estávamos falando sobre a investigação do Dhamma. Como investigamos?
Primeiro, deve haver algo em nós para investigarmos. Em segundo, temos de ter em
mente que vamos encontrar algo. Depois devemos nos questionar. Quando fazemos
questões, devemos fazer perguntas corretas. Se fizermos questões erradas, podemos
obter respostas erradas. Por exemplo, frequentemente as pessoas perguntam: quem é
aquele que investiga? Quem é aquele que presta atenção? Quem está meditando? Esses
são exemplos de perguntas incorretas, pois você parte da suposição de que existe um ser
dentro de você para fazer tudo isto. Além destas perguntas da mente, atenção,
pensamento, você supõe que tem algo ali sentado por detrás fazendo essas perguntas. E
para estes tipos de pergunta você não obterá respostas corretas, porque a pergunta em si
é incorreta. Temos de refazer a pergunta e perguntar: como a atenção está ocorrendo, ou
o quê é que presta atenção? Ou como a atenção acontece? Ou, dependendo do quê a
atenção está acontecendo? Pois dependendo de vários objetos, certos estados mentais
ocorrem.
[Começamos investigando nosso corpo. Depois investigamos nossas sensações].
Mas se deixarmos que a cobiça cumpra seu papel quando se está prestando atenção na
sensação, a coisa natural que acontece é que a mente vai querer agarrar aquela sensação
prazeirosa. Ou se deixarmos que o ódio, a raiva, o ressentimento joguem seu papel, no
prestar atenção às sensações, se acontecer da sensação ser desprazerosa, a aversão toma
conta e a aversão surge. Assim quando investigamos todos os estados mentais, nossas
próprias experiências, vemos esse processo claramente, e veremos que assim que a
aversão surge, o pensamento que surge após será bastante doloroso e desprazeroso.
Quando o pensamento desprazeroso começa a aumentar, então a sensação desprazerosa
também aumenta. Lembre-se: qualquer sensação faz surgir um pensamento e qualquer
pensamento faz surgir uma sensação. Por outro lado, quando uma sensação prazerosa
surge, se nos apegarmos a ela, então o desejo aumenta e o pensamento desejoso
aumenta. Quando o pensamento desejoso aumenta, a mente tenta se agarrar à sensação
prazerosa. Então, enquanto a mente está tentando se agarrar àquela sensação prazerosa,
a sensação prazerosa começa a se transformar lentamente em sensação desprazerosa.
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A não ser que você tenha essa sensação não através da cobiça, só assim ela vai
continuar agradável. Por exemplo, se você tem uma sensação agradável por não ter
cobiça na mente, aquela sensação agradável continua a ser agradável, mais pacífica,
mais relaxante e você não vai terminar em desapontamento. Sempre que a sensação
agradável for sustentada pela cobiça, apego, anseio, então termina em frustração e
desapontamento, porque o estado cobiçoso da mente tenta agarrar-se a ela, e devido à
natureza impermanente, o prazeroso desaparece, e experienciamos desprazer. Se você
não tiver a tendência subjacente de cobiça, quando a sensação prazerosa surge, mesmo
quando a sensação prazerosa desaparece, você não ficará desapontado, porque você não
está tentando se agarrar àquela sensação. Então, quando os meditantes não prestam
atenção a esse mecanismo psicológico sutil, eles tentam buscar algo muito grosseiro,
exterior, para os tornarem felizes e pacíficos.
Sensações
Vamos continuar a palestra dessa manhã.
Eu disse que quando temos uma sensação é quando podemos ter a Consciência
Atenta, porque é o momento em que podemos ver a qualidade de nossa experiência; e
também quando temos a sensação, temos tempo suficiente para observá-la e estarmos
conscientes dela. E junto com a consciência, quando o contato surge, a sensação surge
imediatamente; a consciência e o contato ficam como pano de fundo, e a sensação fica à
frente; em outras palavras, a sensação fica mais proeminente que a consciência e o
contato nesse momento.
Nós podemos observar que dentro da sensação agradável às vezes encontramos a
tendência subjacente da cobiça; e às vezes a sensação agradável não tem a tendência
subjacente da cobiça. Da mesma forma, algumas sensações desagradáveis têm a
tendência subjacente do ressentimento; algumas sensações desagradáveis não têm essa
mesma tendência.
Como podemos saber quando a sensação agradável tem ou não a tendência
subjacente da cobiça? E como saber quando a sensação desagradável tem ou não a
tendência subjacente do ressentimento?
O sentimento ou sensação associado aos prazeres sensoriais definitivamente tem
a tendência subjacente da cobiça; mas há também sensações agradáveis que não têm
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nada a ver com os prazeres sensoriais. Isso significa que existem sensações agradáveis
que não têm nenhuma relação com os objetos sensoriais. As pessoas, às vezes, falam
das sensações agradáveis como se elas surgissem apenas dos prazeres sensoriais.
Quando a sensação agradável surge dos prazeres sensoriais, ela tem cobiça,
necessariamente; então, toda sensação agradável que vem dos prazeres sensoriais
termina em dor, tristeza, lamentação e desespero. Essa sensação agradável veio da
cobiça e a tendência natural da mente é agarrar-se às sensações agradáveis, mas as
sensações agradáveis estão sujeitas à mudança, são impermanentes; e quando temos
cobiça e desejo pelas sensações agradáveis, ficaremos decepcionados quando elas
mudarem.
Quando as sensações agradáveis não surgem dos prazeres sensoriais, não vão
levar à tristeza, dor, desespero, lamentação e pesar, porque não têm a tendência
subjacente da cobiça.
Normalmente temos a dor e o prazer; enquanto tivermos desejo pelo prazer, a
dor sempre virá junto; é como se você comprasse um e o outro viesse grátis; apesar de
você não querer a dor, ela vem naturalmente com o prazer; você não pode dizer: “Dor,
você fica aí, não venha para cá, eu só quero prazer”. Porque esses dois são dois lados da
mesma moeda.
O Buddha disse: “Aquele que se deleita no prazer, também se deleita na dor”.
Eles só querem deliberadamente se aproveitar do prazer e não da dor; então você
convida o prazer, e a dor vem junto; quando você convida diretamente o prazer, convida
indiretamente a dor. Essa é a natureza do prazer sensorial, porque tem a tendência
subjacente do desejo; essa tendência subjacente do desejo está em toda parte em nossa
mente e corpo.
Então, qual é a alegria e o prazer que temos sem o prazer sensorial? Ou sem a
tendência subjacente da cobiça? Às vezes chamamos de prazer espiritual. O prazer
espiritual vem do desapegar-se do nosso desejo; o prazer material vem quando
promovemos o desejo, e o prazer espiritual surge quando você desiste do desejo.
Mas não fique preocupado com essa história do desejo, você não tem que
desistir de tudo; eu estou dizendo isso para vocês só para que entendam.
Quando você tem desejo é como estivesse fechando seu punho; quanto mais
você apertar o seu punho, mais doloroso vai ficar; porque você está tentando agarrar
cada vez mais. No momento em que você larga esse apertar e abre o seu punho, aí você
experimenta o prazer.
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Analogamente, quando nos desapegamos do desejo, há um alívio. O Buddha
disse: “Qual é a utilidade de um poço, se há água disponível em todo lugar?” A água
está disponível para você em qualquer lugar, a qualquer momento, quando você quiser;
se a água está disponível em qualquer lugar, qual é o objetivo de se cavar um poço?
Similarmente, o Buddha disse: “Quando você desenraíza o desejo, qual a
utilidade de você ficar procurando e pesquisando?” Toda busca tem o desejo como fator
de motivação; não importa se você for o desejo de inventar um remédio, ou construir
um prédio, tudo isso vai ter o desejo como o fator motivador. Mas se está tudo
disponível, qual é a utilidade de você pesquisar e buscar?
Da mesma forma, quando nos desapegamos de todos nossos desejos,
experimentamos uma liberdade ilimitada, sem fronteiras; esse é o prazer espiritual.
Há uma experiência pessoal que vocês podem ter. Quando você tem ódio,
ressentimento ou rancor, imagine a quantidade de alívio que você vai sentir ao se
desapegar, deixando esses sentimentos. Todo esse insight surge através da experiência
da compreensão da sensação ou sentimento.
O que devemos fazer para ter essa compreensão, esse insight? Temos que ter
consciência atenta imparcial, total, não-dividida às nossas experiências. Quando a
sensação agradável surge, você simplesmente presta atenção nela, sem deixar que a
cobiça se torne forte; quando a sensação agradável surge, você deve observar se ela tem
a tendência subjacente da cobiça ou não.
Quando a sensação agradável tem a tendência subjacente da cobiça,
necessariamente vai surgir a dor, pesar, tristeza; porque nós ficamos envolvidos no
processo mental de tentativa de perpetuar isso, de se agarrar a isso. Quando nós nos
envolvemos na perpetuação disso, isso é chamado “tornar-se, vir-a-ser”; o tornar-se
significa você se tornar parte disso, totalmente envolvido nisso, você mergulha
inteiramente nisso ao invés de dar um passo atrás.
E com a Consciência Atenta devemos observar também que a cobiça tem uma
característica obsessiva; e quando observamos isso, com consciência atenta, mesmo que
seja sensação sensual surgindo da sensação prazerosa, ainda assim não permitimos que
surja essa característica obsessiva da cobiça. Estou falando sobre o momento em que
fizermos uma meditação intensiva de verdade; e quando vocês estiverem fazendo isso,
isso é uma prática muito profunda, importante e eficaz; porque queremos passar esse
tempo de maneira que nos beneficie, que possamos aproveitar; e nesse momento não
vamos brincar com a nossa prática, não vamos fazer papel de tolos.
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E quando você tem a sensação agradável que vem do prazer espiritual, você vai
sentir que o seu estado mental vai ficar muito calmo e pacífico e é esse tipo de coisa que
devemos promover. Quando você tem uma certa quantidade de insight vai ficar
deliciado de tê-la; nesse insight não há a tendência subjacente da cobiça. No momento
que você permite que a cobiça invada a mente, o insight desaparece, você o perde. A
função da Consciência Atenta é observar quando a cobiça vai invadir a mente e como
achar um modo de se prevenir contra isso.
Qual é a tendência subjacente da dor, que vem dos prazeres sensoriais? Eu disse
que quando há sensações desagradáveis, há a tendência subjacente do ressentimento.
Por exemplo, se você lembrar de uma conversa desagradável que você teve, uma pessoa
disse coisas para lhe machucar, você disse coisas para machucá-la, naturalmente se você
lembrar disso, vai gerar sensações desagradáveis com tendência subjacente de
ressentimento. Vocês sabem que quando surge a dor, o ciúme, a raiva, o ódio, todas
essas sensações desagradáveis, sempre há o ressentimento por trás delas.
Eu disse que nem todas as sensações desagradáveis têm a tendência subjacente
do ressentimento; então qual seria ela?
Quando você pratica a meditação, pratica, pratica e pratica, mesmo assim
percebe que não fez progresso algum; então a decepção surge. Você pode culpar alguém
por isso? Você pode ficar com raiva de alguém? Você pode ficar com raiva de você
mesmo por não ter progredido? Você pode culpar a si mesmo por não ter progredido,
mas isso não faz o menor sentido, porque com toda a honestidade e sinceridade você
praticou, seguiu todas as instruções corretamente e fez tudo que deveria ser feito.
Então, o meditador com verdadeira Consciência Atenta não vai culpar a si
mesmo, nem ao sistema, nem a prática por isso, vai ver que chegou em um ponto de
transição e tem que intensificar sua prática.
Quando praticamos a meditação normalmente chegamos a um platô; quando
chegamos a esse platô temos que perceber que atingimos um certo estágio de
desenvolvimento. Você tem que pensar que não perdeu nada, apesar de ainda não ter
conseguido nada; e o meditador faz surgir sua urgência espiritual: “Já que eu gastei
tanto tempo e energia com isso, porque não fazer uma prática intensiva em que eu possa
olhar a coisa desde o princípio e intensificar a prática?” Então, ao invés de se
desencorajar com a prática você fica mais estimulado, com mais insight para continuar;
quando você pratica a Consciência Atenta você sabe que odiar a si mesmo é contra-
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produtivo; porque é exatamente dessa coisa que o meditador de Consciência Atenta vai
se livrar.
Nós também temos sensações que não são agradáveis, nem desagradáveis
relacionadas ao prazer sensorial. Isto é quando alguém está tentando ter um ganho ou
sucesso material e faz muito esforço, e finalmente desiste, dizendo, “eu não me importo,
eu não preciso disso”.
Vocês devem conhecer a história da raposa que estava tentando comer as uvas e
ela pulou, pulou, e não conseguiu alcançar e disse: “Não quero essas uvas, não ligo mais
para isso”.
Essa é a chamada sensação neutra, nem agradável, nem desagradável; mas
existem também as sensações saudáveis ligadas às sensações neutras, que estão ligadas
à prática espiritual. É o que chamamos de equanimidade; quando as coisas estão indo
facilmente, você não tem reclamações, nem um prazer especial, é quando você está em
um certo equilíbrio.
Na sensação neutra comum, há uma tendência subjacente de confusão; essa
confusão está relacionada ao “self” ou à “alma”; a pessoa pode pensar: essa é a forma
pela qual o “self” é, essa é a forma pela qual o self sente, nem prazeroso nem
desprazeroso; isso é o que chamamos de confusão, surgindo dessas sensações. Quando
você pratica a Consciência Atenta, então pode ter esse tipo de sensação surgindo não
por causa da tendência subjacente da confusão; isso acontece porque a mente alcançou
um estado equilibrado.
Isso surge do fato de que sabemos que todas as coisas condicionadas do passado,
tudo o que aconteceu na minha vida inteira, elas mudam; qualquer coisa que eu
experimente, não importa o que seja, nesse exato momento, está mudando: todas elas
são impermanentes. Da mesma forma, tudo que eu experimentar no futuro através de
meus sentidos, será impermanente. E essa pessoa, com essa compreensão vai manter a
mente equânime, sabendo que tudo tem a mesma característica, não existe nenhuma
excitação, nenhuma empolgação, tudo é igual.
Quando praticamos a meditação da concentração, esse estado mental equânime
se torna cada vez mais forte; porque a concentração correta também possui plena
atenção. Mesmo na prática de concentração correta, sempre há Consciência Atenta
desde o princípio; quando a concentração fica mais forte e mais potente, a equanimidade
também fica mais forte e mais potente; a equanimidade fica tão potente que ela purifica
nossa Consciência Atenta.
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Assim, esse é o tipo de equanimidade ou estado equilibrado da mente, que
mostra as coisas exatamente como elas são; por causa da presença da Consciência
Atenta , a pessoa não será levada pelas emoções; um dos fatores da Consciência Atenta
é de recolocar no caminho.
Do mesmo modo, uma das funções da concentração também é recolocar a mente
nos trilhos; quando ambos, a Consciência Atenta e a concentração colocam a mente de
volta nos trilhos, então a mente pode ver as coisas exatamente como elas são.
Tudo isso acontece no momento em que começamos a prestar atenção em nossas
sensações, que surgem do contato.
O Buddha disse: “Todos os dhammas surgem do contato”. A sensação
agradável, desagradável, neutra, e os insights que surgem a partir disso, tudo surge do
contato. Mas nós nos temos conscientização somente a partir do momento em que
sentimos o que contatamos.
Quando começamos a investigar nossos estados mentais, todo esse processo se
torna claro para nós, e a Consciência Atenta penetra essa realidade. Então, a cobiça, o
ódio e a confusão se dissolvem, e o objetivo completo da prática da Consciência Atenta
estaria alcançado.
Isso é o suficiente para a palestra da tarde, e convido as pessoas a fazerem
perguntas que responderei mais tarde.
Perguntas e Respostas
P – A Consciência Atenta é quando observamos nossa mente plenamente
atentos; se estamos lavando a louça atentos à nossa mente, isso não implica em
dualismo?
R – Quando lavamos a louça com Consciência Atenta, temos que prestar atenção
à louça ou à nossa mente, mas não é possível ter Consciência Atenta nos dois ao mesmo
tempo; nós prestamos atenção à nossa mente enquanto lavamos a louça para ver se ela
está (ou não) contaminada pela cobiça, ódio ou delusão. Algumas pessoas podem pensar
que simbolicamente, assim como lavam a louça, estariam analogamente purificando a
mente; contudo, não é possível ter Consciência Atenta nas duas coisas simultaneamente.
Não devemos lavar a louça de forma automática, e sim prestando atenção à
mente para ver se em algum momento surge qualquer tipo de pensamento associado à
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delusão, ao ódio ou à cobiça, e assim podemos pensar: “assim como estou lavando a
louça para limpá-la, deixa-me purificar minha mente”.
P – Comente, por favor, como a vaidade pode ser um obstáculo à emancipação.
R – A vaidade é uma das últimas impurezas que saem da mente iluminada, e na
verdade não é um obstáculo, é mais forte que o obstáculo, é um dos mais poderosos
estados mentais chamados de “grilhões”. Mas a vaidade não vai impedir que você ganhe
concentração no início do processo de meditação, porque lhe faz sentir que vai ganhar
algo, você se sente bem, estimulado, com uma boa auto-estima.
Algumas pessoas podem atingir altos graus de concentração, mesmo tendo o ego
inflado. Assim, o ego, o orgulho e a vaidade não lhe impedem de ganhar altos graus de
concentração. Na verdade, a meditação de concentração fortalece seu ego.
P – Todos somos iguais; no entanto em algumas ocasiões podemos fazer algo,
ser compassivos, generosos, agradáveis, etc., e ao fazermos isso nos sentimos melhor
que os outros, soberbos e convencidos. Inversamente, em outras ocasiões fazemos
coisas erradas: somos mesquinhos, falamos asperamente, etc., e nos sentimos como se
não valêssemos nada, sem conserto. O que fazer para evitar esses dois estados mentais,
o orgulho e o desprezo por nós mesmos?
R – De uma certa forma a premissa é verdadeira, somos todos iguais; iguais no
sentido de que somos feitos dos mesmos elementos; também somos compostos dos
cinco agregados.
Mas, em um certo sentido não somos iguais; nossa educação e experiência
individual são diferentes, nós pensamos de maneira diferente; não somos iguais
especialmente devido ao nosso kamma.
Mas, quando meditamos devemos tentar enxergar as coisas de maneira
equânime. Existe um tipo de comparação durante a meditação; a comparação é no
sentido de que quando eu estou raivoso me sinto muito mal; similarmente, também
quando o outro fica raivoso ele também se sente mal; nesse sentido não há diferença
entre nós dois nos sentindo raivosos; e tudo que eu experimento é impermanente, e as
experiências do outro também são impermanentes; nesse sentido, nenhuma de nossas
experiências é diferente, essa é a parte igual.
Mas devido ao nosso kamma e à condicionalidade, às vezes fazemos coisas
muito ruins; mas ao invés de nos sentirmos deprimidos, culpados, nos menosprezando e
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sentindo muito mal a respeito do que aconteceu, devemos pensar: “quando eu não
estava com a consciência atenta, fiz algo muito mal”; e a partir de então, devemos nos
comprometer a praticar com consciência atenta de uma maneira mais intensiva para não
cometer o mesmo erro nas próximas vezes; sentir-se culpado, mal, deprimido não vai
lhe ajudar em nada. Devemos reconhecer o erro, somos seres humanos e podemos errar,
e ser diligentes a partir de então.
Quando fazemos algo bom, naturalmente nos sentimos bem com isso; mas não
devemos nos colocar em um pedestal e olhar os outros de cima para baixo. Quando
fazemos algo bom, fazemos pelo bem da bondade, por fazer algo que seja bom; por
exemplo, quando você vê uma criança querendo atravessar uma rua de tráfego intenso e
você ajuda, não deve pensar: “Eu estou fazendo algo, pois sou muito bom mesmo, sou
muito bacana”, isso só vai lhe deixar convencido, aumentar o seu ego, deixar você mais
vaidoso e isso não é bom.
Não há lugar para a vaidade na vida espiritual, embora na vida cotidiana ela seja
muito importante; você pode se exibir colocando seu nome na placa do carro. É muito
importante reconhecer a des-importância da vaidade na nossa vida espiritual; nós
tentamos ser muito simples, humildes na forma como nos dirigimos às pessoas, para que
isso torne nosso trabalho bem fácil.
Existe um trecho do Metta Sutta (Amizade amorosa) que é recitado diariamente
no almoço, em que é ressaltada a importância da humildade na vida espiritual.
Essa foi uma pergunta longa, mas o importante é ver o quanto cada uma dessas
coisas vai colaborar para trazer a nossa paz e felicidade, e ver o quanto elas podem
colaborar para purificar a nossa mente, e quando nós as observamos com consciência
atenta, vemos que nenhuma delas ajuda em nada, com exceção de fazer as coisas com
Consciência Atenta e não esperar nada em troca.
P – Qual a diferença entre observar Citta (Mente) e Dhamma (formações
mentais)?
R – De uma maneira grosseira: Citta é a mente e Dhamma são os objetos
mentais, os pensamentos, as atividades mentais, mas não conseguimos observar a mente
pura e simples sem alguns conteúdos na mente. Sempre que queremos observar a mente
vamos enxergar alguma coisa dentro dela; sempre que queremos estar com consciência
atenta à mente, precisamos ter conscientização (sati) ao quê existe na mente, quais são
as condições da mente.
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Vamos enxergar a mente cobiçosa como mente cobiçosa, e a mente sem cobiça
como sem cobiça, estando conscientes disso. Similarmente, quando a nossa mente
estiver com algum tipo de ressentimento vamos estar conscientes disso, e quando estiver
sem ressentimento vamos estar conscientes disso; a mesma coisa vale para a mente
confusa, ou sem confusão mental; o mesmo vale para a mente distraída e a mente não
distraída, concentrada. É assim que observamos a mente.
E com os objetos mentais não é muito diferente. Por exemplo, os obstáculos são
objetos mentais; quando estamos com consciência atenta aos objetos mentais, nós
prestamos atenção àquele fator mental sem pensar muito sobre a mente propriamente
dita; mas é muito interessante, os objetos mentais são na maioria similares aos
conteúdos da mente, mas existem alguns objetos mentais como memórias, fantasias,
alucinações, sonhar acordado, que não podem ser usados para observar a mente.
P – Como a meditação Vipassana influencia no processo de karma?
R – O processo meditativo certamente influencia nas formações kármicas, nas
forças kármicas. Há dois tipos de kamma, o saudável e o não saudável; o não saudável é
aquele cometido com os estados mentais não saudáveis. Por exemplo, dizemos que deve
existir a intenção para cometer um kamma; se essa intenção é motivada por cobiça, ódio
e delusão, então o kamma que é cometido com essa intenção é um kamma não saudável;
se o kamma é cometido sem cobiça, ódio e delusão, é um kamma saudável.
No processo de meditação nosso objetivo é reduzir ao máximo possível a nossa
cobiça, o ódio e a delusão; portanto o processo meditativo é um processo de formação
de kamma saudável; a meditação em si já é um kamma saudável; na meditação da
consciência atenta cometemos um kamma saudável; a meditação da concentração
correta também.
P – É possível meditar durante o parto normal visando reduzir as dores do parto?
R – Em alguns hospitais alguns obstetras recomendam às mães que respirem
com consciência atenta; elas devem estar com total atenção na respiração, lenta e
profunda, durante o parto; eu ouvi falar de algumas mulheres que relataram não ter tido
dor nenhuma com essa lenta e profunda respiração durante o parto; essa prática pode
não ser uma prática 100% pura de meditação da consciência atenta , mas é uma parte do
treinamento da consciência atenta.
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P – Grato pela sua vinda e ensinamentos maravilhosos;
1) A vida é impermanente, entretanto mudanças não trazem sempre dor e
sofrimento; parece que muitas coisas mudam de acordo com uma razão, um programa,
uma maneira específica que torna a mudança mais aceitável.
2) A vida não é só viver para o prazer; mesmo uma criança de sete anos de idade
compreende que algumas vezes o dever vem antes; eventualmente descobrimos que o
prazer não é o nosso objetivo como seres humanos; portanto, as mudanças não trazem
infelicidade, mas são uma oportunidade para o crescimento e aprendizado.
Comente essas afirmativas, por favor.
R – Nem sempre a impermanência significa dor; significa prazer também,
porque quando a dor muda, surge o conforto e o prazer; mas quando essa dor desaparece
e o prazer surge, mesmo esse prazer é impermanente, quando esse prazer muda, surge a
dor; infelizmente não é só a dor que muda, mas também o prazer; portanto, qualquer
mudança, especialmente do prazer, nos traz dor.
Existem coisas que podem mudar de acordo com certas condições e nos trazer
dor; por exemplo, as mudanças climáticas; várias coisas condicionam a mudança
climática, quando o clima muda, sentimos a mudança; esses tipos de mudanças são
muito superficiais; mas há certas mudanças que estão ocorrendo o tempo inteiro,
independente de onde estejamos; as mudanças internas de nossas células acontecem o
tempo inteiro, seja que estejamos acordados ou dormindo; algumas dessas mudanças
podem nos trazer desapontamento porque ficamos mais velhos.
Uma criança de sete anos de idade compreende que algumas vezes o dever vem
antes; finalmente descobre que o prazer não é o nosso objetivo como seres humanos.
Isto é verdade.
Realmente, se nós conseguirmos entender as mudanças de uma maneira
adequada, isso vai ajudar no processo de insight. Geralmente muitas pessoas não
pensam que as coisas mudam e por não pensarem, sem profunda compreensão, ficam
apegadas às coisas, sem pensarem que elas mudam; não são as mudanças em si que
causam a dor e infelicidade, o que causa dor é o nosso apego às coisas, sem pensarem
que elas mudam, querendo que elas sejam permanentes e que elas nunca mudem; se
aceitamos as mudanças sem apego, sabendo que tudo muda, então a mudança não nos
fará infelizes; é apenas o apego, anseio pelas coisas impermanentes, na verdade, que nos
faz infelizes.
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P – Gostaria que esclarecesse a diferença entre “self” e “eu”.
R – O “eu” é a manifestação do “self”, mas podemos usar a palavra “eu” sem o
“self”; mas a maior parte das vezes usamos a palavra “eu” com um pensamento ou
sentimento interior de que existe o “self”.
Uma mulher dirigia o carro e apenas uma canção aparecia na sua mente o tempo
inteiro; nessa canção havia três versos.
O primeiro era... Eu, eu, eu...
O segundo era... Mim, mim, mim...
O terceiro era... Meu, meu, meu.....
Essa é a música que ouvimos quando as pessoas conversam; essas são as três
palavras que mais usamos: eu, meu e mim.
Você pode ver o tamanho do self de uma pessoa contanto o número de vezes que
ela usa o eu, meu e mim.
Essas três palavras são a expressão do “self”; mas podemos usá-las sem um
sentimento associado ao ego.
P – Quando uma pessoa se liberta, ainda existe algum tipo de individualidade,
ou seja, quando a gota atinge o oceano, só existe o oceano?
R – Quando alguém alcança a plena iluminação, aquela iluminação em si não
tem individualidade; a iluminação é iluminação; e o que é a iluminação? Completa
cessação de cobiça, ódio e delusão; completa cessação do sofrimento, isso é iluminação;
libertação total de todos os irritantes psíquicos; nesse sentido todo o iluminado se torna
um, uno, não há diferença.
P – Gostaria que você fizesse um comentário sobre o Bahiya Sutta, sobre como
podemos produzir equanimidade, não indo além das sensações; por favor, explique o
que o Buddha quis dizer com “não ir além das sensações”.
R – Não sei se vocês estão familiarizados com o Bahiya, era um náufrago e
quando chegou à terra, só tinha folhas para se cobrir e quando estava nessa situação, se
encontrou com o Buddha; ele pediu que o Buddha desse instruções de uma forma muito
sumária e o Buddha assim o fez:
“Quando você vir algo, simplesmente observe que viu aquilo, não vá além disso;
quando ouvir o som, apenas se torne consciente do fato que ouviu o som; o mesmo vale
para degustar, cheirar, tocar, em cada órgão dos sentidos, apenas se torne consciente
77
daquele evento de degustar, cheirar, tocar”. Parece muito simples, mas uma sabedoria
profunda surgiu no Bahiya por apenas fazer aquilo; geralmente complicamos muito as
coisas; e nós gostamos de complicá-las; se as coisas são simples, daremos um jeito de
complicá-las um pouquinho, nós gostamos do jogo de complicar.
Se tornarmos a mente totalmente simples, será muito fácil de tornar nossa mente
e vida muito simples; não apenas Bahiya, mas muitas pessoas chegaram à iluminação
completa ao tornarem a mente totalmente simples. Claro que o Bahiya fôra um
mendicante por muitos anos e praticando meditação por muito tempo e com essa
simples instrução pôde ter uma compreensão profunda sobre a impermanência, a
insatisfatoriedade e o não-eu de tudo aquilo que ele viu, ouviu, cheirou, tocou e
degustou.
Entre os seres humanos, existem indivíduos que entendem as coisas muito
rapidamente; precisam apenas de pequenas coisas para abrirem sua sabedoria. Algumas
pessoas precisam um pouco mais de explicações. Algumas pessoas precisam de
explicações, repetições, precisam de ver o orientador mais frequentemente,
regularmente, por um longo período de tempo. Outras pessoas, mesmo com tudo isso,
não alcançam a iluminação nesta vida. O Bahiya pertencia à primeira categoria. Ele era
como um botão de lótus, que vem à superfície da água, esperando o sol para abrir.
Quando o botão está pronto para se abrir, quando o primeiro raio de luz cai sobre ele,
ele se abre. Foi o caso do Bahiya, que com essa simples instrução, alcançou a
iluminação. Então ele disse que queria se tornar um monge. O Buddha disse: “vá, e
traga a tigela e o manto, sem isso não posso lhe ordenar”. Quando estava procurando
por estas coisas, uns minutos após ter encontrado o Buddha, uma vaca o atacou e o
matou, mas ele não perdeu nada, pois já tinha se iluminado.
78
6º dia
10/02/2005
Como lidar com os irritantes e as emoções
Ontem falamos sobre a investigação do Dhamma; todos os dhammas que
investigamos não são encontrados no exterior; a maior parte de nós só olha para fora,
através dos sentidos; nós nos envolvemos com muitas coisas externamente; nós temos a
tendência de esquecer muitas coisas importantes da nossa prática. Existe uma parábola
da deidade que queria esconder da humanidade o segredo da felicidade. Ela pensou em
vários lugares onde esconder o segredo: nas profundezas do mar, no topo do Everest,
numa caverna escondida e remota, mas a cada lugar, repensava que os seres humanos
são tão espertos, curiosos, que um dia descobririam. Finalmente, pensou em esconder
dentro da mente humana, porque este é o local onde normalmente as pessoas não vão
procurar o segredo da felicidade, pois nossos olhos, ouvidos, língua, nariz e corpo vão
buscar fora, algo que nos faça feliz. A chave da nossa felicidade está em nossa mente.
Portanto, quando meditamos, devemos fazer a pergunta: porque meditamos?
Queremos meditar para buscar a felicidade, encontrar a paz e nos libertar dos numerosos
irritantes psíquicos. Para isso, temos de purificar nossa mente. Purificar a mente é muito
difícil, exige toneladas de detergente, porque deixamos acumular muito lixo em nossa
mente. Como é tão complicado limpar a mente, devemos começar com passos bem
simples, um passo de cada vez. Quando olhamos para a nossa mente, e vemos que ela
está repleta de tantas coisas, nos sentimos tão desencorajados, e nos perguntamos como
limparemos todo esse lixo? Muitas vezes, a magnitude e potência do que vemos de lixo
em nossa mente é tal, que desistimos. “Vou deixar isso para lá durante esta vida, a vida
é muito curta, deixa-me beber, comer, dormir e divertir, porque limpar a mente é muito
complicado”. Parece humanamente impossível. Não percebemos que esse lixo nós
acumulamos durante muito tempo, você não pode querer removê-lo em um segundo,
dias, semanas, mesmo nesta vida. Foram anos e vidas juntando este lixo.
No retiro as pessoas ficam no máximo cinco ou dez dias, e a cada coisa que
removemos, surge outra por baixo. É como se você estivesse cavando uma pilha de lixo,
cada vez que você começa a desbastar a superfície, mais lixo você encontra. E queremos
esquecer disso, mas não importa o que façamos, essa pilha de lixo continua surgindo.
79
Então devemos compreender que essa quantidade de impurezas é tão grande, que não
podemos removê-las de uma só vez. A prática é um treinamento gradual. Como você
coletou essas impurezas gradualmente, você vai ter de se libertar delas gradualmente.
Temos de ser muito habilidosos, cuidadosos e com consciência atenta quando
lidamos com a nossa mente. É como segurar um cacto espinhento, deve segurar com
cuidado, pois ele tem espinhos afiados, você pode utilizá-lo para cortar algo como se
fosse um serrote; se não usarmos corretamente, vai cortar nossa mão. Do mesmo modo,
se não utilizarmos corretamente nossa mente, vamos criar mais problemas do que nos
libertarmos. Por isso em nosso treinamento, enfatizamos a prática da consciência atenta.
Praticamos a consciência atenta com cuidado, para ver como ela se desenvolve.
Devemos fazer muito lentamente, gradualmente, sem pressa. O Athula me disse várias
vezes: “don´t hurry, don’t worry”, “não se preocupe, não se apresse”. Foi um conselho
muito bom. Quando você pratica a consciência atenta, não se apresse. Prestamos
atenção a coisas muito simples.
No exemplo do Bahiya, ele seguiu as orientações simples do Buddha exatamente
como foi sugerido. Ele não complicou as coisas bem simples. Quando tentamos abarcar
nosso processo mental, devemos começar de forma muito simples, porque é uma coisa
muito delicada. Se fizermos incorretamente, vamos confundir a mente, se fizermos
corretamente iremos na direção certa. O que fazemos na consciência atenta é colocar
uma atenção muito simples no estado mental no qual estamos. Quando estamos num
certo estado mental, normalmente as pessoas têm muitas suposições; recomendamos
não fazerem nenhuma suposição, pré-suposição ou ideia preconcebida, simplesmente
prestar atenção ao estado em que você está.
Por exemplo, porque estou dando uma palestra? Você pode eventualmente ter
uma certa irritação mental, tem algo que você sente que não está certo; neste momento
não se chateie, não tente culpar alguém, não tente falar mal de mim, mas apenas preste
total atenção àquela pequena e simples irritação mental, não racionalize, não finja que
não existe, não se sinta mal com você mesmo, e não tome isso pessoalmente, porque
quando dou uma palestra do Dhamma, não tenho intenção de ferir sentimentos pessoais.
Eu nem sei que tipo de coisas vocês tem em suas mentes, estou simplesmente
apresentando os fatos do Dhamma. Às vezes, algumas coisas que digo podem não lhes
serem agradáveis. Nesse momento, simplesmente preste atenção a esse estado mental
específico, e vocês vão ver que esse estado mental provém de um condicionamento
prévio; vocês nem sabem qual é esse condicionamento prévio; alguma coisa pode estar
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escondida em nossa mente subconsciente, e essa ideia ou palavra que estou expressando
pode se relacionar diretamente àquele estado mental escondido, e nós não temos tempo
de ir atrás de todos esses condicionamentos remotos que estão em nossas mentes. Se
naquele exato momento você tem irritação, se você simplesmente prestar atenção a ela,
então aquela irritação lentamente desaparece.
Por exemplo, quando você está na meditação, você se esforça para ganhar
alguma estabilidade, ajeitando o corpo, e quando você finalmente ganha certa
concentração, naquele exato momento, ouvimos um cachorro latindo. Isso pode distrair
a nossa concentração. Se naquele momento prestamos apenas simples atenção àquele
estado mental de perturbação, sem criar estados mentais negativos em sua mente, você
poderá lidar com aquela perturbação. Se você disse para si, “eu vim nesse caminho todo
só para vir aqui meditar, e finalmente quando estou conseguindo chegar em algum
lugar, aí vem esse cachorro e late! Porque esse cachorro não latiu outra hora? Porque ele
decidiu latir nesse momento? Porque esse homem não faz esse cachorro parar de latir?
Porque ele tem um cachorro que late tanto? Se ele quer proteger a propriedade dele, que
tenha um cachorro que morda, não que lata! Isso realmente é um incômodo. Eu tenho
que ir lá falar com ele, e vou ensinar a ele uma lição.” Aí você pensa que isso não vai
funcionar, “chamarei a polícia, para manter a paz nessa vizinhança, para que eu possa
meditar!” Estão vendo a quantidade de coisas que podem surgir na mente?
O quanto você torna complicado seu estado mental, isso não é algo incomum,
frequentemente as pessoas fazem isso com suas mentes. Mas se você prestar uma
atenção simples e hábil, não dividida, ao seu próprio estado mental, mantendo a
concentração, vai conseguir estar atento a esta perturbação. Se estiver praticando a
consciência atenta, verá claramente o som do cachorro lentamente desaparecer. Não só
neste caso, mas se prestar atenção a qualquer som, sem preconceito, critica, análise,
irritação, o que veremos realmente naquele som é apenas um som chegando numa alta
velocidade e lentamente se vai, mostrando a verdade da impermanência. O som vem em
ondas, podemos até sentir as ondas do som, vindo pelo ar até nossos ouvidos. Mesmo o
som pode ser usado como objeto da meditação para ganhar concentração e insight. Isso
é exatamente o que o Buddha disse para o Bahiya fazer. O Bahiya treinou tão bem a
mensagem do Buddha, que era tão clara para ele; a mente dele era como uma mente de
uma criança bem pequena, muito tenra, suave, como uma esponja, sem muita
complicação, era muito fácil para a mensagem penetrar em sua mente.
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Como adultos, devemos aprendemos a tornar nossa mente simples, esquecendo e
cobrindo temporariamente aquela pilha de lixo com plástico grosso e começar de uma
maneira bem simples. Cobrir o lixo é não prestar atenção àquele plástico nem ao seu
passado, deixar o passado para trás. Se você ficar pensando no passado, digamos que
você tenha trinta anos, são trinta anos de coleta de lixo, se você passar o tempo todo
pensando nesses anos, você nunca vai terminar. Suponha que alguém lhe fez algo muito
ruim; na meditação você fica o tempo todo pensando naquilo que ela lhe fez, pois não
há outras perturbações, você pode pensar nos mínimos detalhes daquela situação.
Então o que acontece com a sua meditação? Você passou uma hora só pensando
nisto. Você criou muita tensão e um estado mental bem mais desagradável. Você ouve o
sino tocar, fica meio perturbado, se levanta, começa a andar e volta a sentar, e pega
outra pessoa, porque em trinta anos você se associou com tantas pessoas, você pode
gastar os próximos trinta anos pensando nessas pessoas. Nesse momento você tem de
pensar: bem, há 6 bilhões de pessoas neste mundo; se eu fosse passar o tempo todo
pensando nas pessoas, teria de pensar nas 6 bilhões de pessoas neste mundo. Isso iria
me deixar maluco e eu iria parar num hospital psiquiátrico. Então, o melhor modo de
lidar com esta situação é esquecer completamente esta ou aquela pessoa e trazer sua
mente para o presente momento.
Honestamente, o que se pode dizer verdadeiramente é sobre a experiência deste
presente momento. O que experienciamos agora é a coisa mais importante em nossa
vida, porque do presente momento da experiência podemos ver a verdade exatamente
ali; podemos ver se a mente está clara ou confusa ou se temos boas sensações,
prazerosas, desprazerosas, neutras; podemos ver a impermanência, ir à consciência
profunda da experiência presente. Significa que quando conseguimos plena consciência,
o que aprendemos dela, se transforma num conhecimento. O conhecimento que obtemos
pela leitura, discussão não é tão profunda quanto aquele que ganhamos pela plena
consciência. O que aprendemos da plena consciência vai direta e profundamente à nossa
mente subconsciente e se aloja lá. E nunca esqueceremos disso, porque aprendemos por
prestar total atenção, plena consciência e pela nossa própria experiência.
É por isso que dizemos que a experiência presente é a mais importante
experiência daquele momento, e para ganhar essa experiência real, precisamos prestar
total atenção. Quando aprendemos algo pela compreensão clara e profunda, isto
permanece em nossa mente, mas se você apenas memoriza algo, sem entender o
significado, sem entender, aquilo rapidamente desaparece. Para ter uma compreensão
82
real, temos de prestar total atenção ao que experienciamos agora. Quando eu digo
agora, aquele agora é o agora perpétuo, nunca irá envelhecer. Quando prestamos
atenção ao agora, cada momento é um momento de agora, e o presente momento é
sempre um momento novo, fresco. Desse momento novo, a nossa mente se renova, e
está sempre viva. Assim, embora saibamos que as coisas são impermanentes, da
impermanência podemos aprender algo verdadeiramente permanente. Geralmente,
quando aprendemos algo, acumulamos a memória do passado e esquecemos do
presente. Quando praticamos a consciência atenta, esquecemos o passado e ficamos
com o presente.
É por isso que o presente momento é sempre um insight claro, profundo e novo;
o Buddha nos aconselha a ficar com a mente no presente momento, inspirando com
consciência atenta e expirando com consciência atenta. Devemos sentir a mente com o
presente momento, é assim que a mente com plena consciente atenta se torna plena; não
queremos tornar a mente cheia (plena) de lixo passado, queremos tornar a mente cheia
(plena) do presente momento. É por isso que é chamada a mente plena (mindfulness);
não estamos tentando fazer a mente vazia, estamos tentando deixar a mente cheia;
encher a mente com este presente momento que é novo, vivo. Não queremos deixar o
passado intervir neste presente prazeroso momento; por isso o Buddha diz: “quando
você ver, fique simplesmente consciente do ‘vendo’; quando você ouvir, fique
simplesmente consciente do ‘ouvindo’”.
Temos muitos tipos de anéis em nossas vidas, um deles é o anel de noivado,
outro é o anel do casamento; outro é o de orelha, mas nem todos nós usamos todos esses
anéis. Mas existe um anel que todos os seres viventes usam. É o “sufer-ring” (jogo de
palavras em inglês, para o têrmo “sofrimento”). Assim, quando ouvimos, devemos
prestar atenção ao “ouvindo “(hear-ring), para nos livrar do “sufer-ring” (sofrimento).
Esse é o propósito da meditação Vipassana. Quando ouvimos algo, podemos usar isto
como objeto de nossa meditação, se prestarmos total atenção àquilo que ouvimos, então
podemos ganhar concentração e insight daquele ouvir.
Havia um monge chamado Kematha, estava muito doente, mas foi e deu uma
palestra do Dhamma a monges mais velhos. Sua palestra foi muito sutil, profunda e
conseguiu manter a atenção daqueles monges mais velhos. Vendo-os prestar total
atenção à sua palestra, ele também prestou atenção a eles. Interessante, se damos uma
palestra e o publico presta total atenção, ficamos encorajados a dar uma palestra bem
sistemática. Os monges ganharam calma, alegria, felicidade e concentração e se
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libertaram dos irritantes psíquicos. Ao mesmo tempo, esse monge em particular
simultaneamente alcançou a plena iluminação naquele momento. Tornando a mente
simples e atenta ao momento presente, por um lado evitamos que a mente seja invadida
pelos irritantes psíquicos, e por outro lado podemos cultivar um estado mental puro e
claro. No meu exemplo do cão latindo, pode facilmente irritar nossa mente,
especialmente quando estamos ganhando concentração, pois é tão difícil ganhar
concentração, o latido pode irritar a mente. Mas se desenvolvemos aquela pequena
concentração com consciência atenta, então imediatamente podemos usar a consciência
atenta para nos livrar daquela irritação. O que fazemos naquele momento, com
consciência atenta, é ver como a mente se torna irritada. Como a mente está tentando
desencadear a irritação, pensando mal sobre o cão, o dono do cão, e todos os tipos de
impossibilidades e criando irritações. Se simplesmente com consciência atenta vemos,
“isto é a natureza dos cães, são apenas cães, eles naturalmente latem”; ninguém ensinou
os cães a latir, é o instinto natural deles, está no DNA deles, por isso diferentes cães
latem em diferentes modos.
Ontem estávamos andando e de repente apareceu um cachorro, muito tranqüilo,
nos seguindo, e daí vieram outros cães querendo atacá-lo; é assim, diferentes tipos, é a
natureza da existência; quando algo assim acontece, você simplesmente vê e não fica
irritado. Às vezes, quando estamos desatentos, nos comportamos como crianças
imaturas. Quando uma criança tem um pequeno corte no dedo, faz um grande choro,
mas quando adulto, mesmo se perde todo o dedo, não chorará daquele jeito. Como
adulto, sabe que isto acontece, tenta consertar ou aceitar, o que fazer? Similarmente,
procuramos olhar para nossa mente num modo adulto, realista, maduro, com emoções
equilibradas, então fazemos nossa mente estável, clara e saudável.
Assim, o treinamento da consciência atenta nos mostra como tornar a nossa vida
menos complicada, não permitindo que se construa tensão, ansiedade e preocupações
desnecessárias. Algumas vezes, quando perdemos nossos entes queridos, ficamos tão
deprimidos, pesarosos, doloridos, quando não estamos plenamente atentos. Mas quando
estamos com consciência atenta, vemos toda a situação como fenômenos naturais que
aconteceram naturalmente; algumas coisas parecem ter acontecido muito rapidamente,
mas mesmo nelas existem fenômenos naturais acontecendo subjacente a isso.
Observando os fenômenos naturalmente, mesmo que não os vemos claramente, vemos
os princípios deles.
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O que a consciência atenta nos ensina é a lei natural e universal; vamos ter uma
consciência macrocósmica da verdade da vida; e uma vez que tenhamos estabelecido
nossa mente naquela posição, então a mente se torna relativamente calma, relaxada,
pacífica todo o tempo, e quando a situação surge, a mente age de acordo com a situação,
sem se tornar emocionalmente reativa, irritada e muito perturbada. Este é um dos
propósitos da meditação Vipassana, purificar a mente. Vocês estão vendo como é fácil
limpar a mente, se praticarem a consciência atenta desta forma, caso contrário, podemos
facilmente nos tornar confusos. Então tentamos fazer nossa mente tão simples quanto
possível, de modo que esta prática tenha um sentido real em nossas vidas.
Isso é o suficiente para a palestra desta manhã.
Porque meditar
Se você tem ideias confusas sobre a prática de meditação, então sua prática
também será confusa. Temos de nos perguntar frequentemente: porque meditamos?
Porque não fico em casa vendo TV? Ou futebol, ou ir à praia? A resposta séria de um
meditador sério é: “ainda não encontrei o que eu queria na vida”. E o que você queria na
sua vida? Se você perguntar para milhões de pessoas, vai ter uma resposta: quero ser
pacífico, feliz, livre de todos os estados mentais que me atrapalham. E como me
envolvo nisso para ser pacífico, feliz, livre de todos os estados mentais que me
atrapalham? Tendemos a ignorar a nós mesmos; às vezes nos sentimos tão compassivos,
generosos, queremos fazer tudo para o mundo. Algumas pessoas vivem para a familia e
seus filhos, alguns pelas suas esposas; eles têm obrigações e cumprem com elas. Um dia
eles percebem que não podem continuar com isso, que estão cansados, e nada parece
fazê-los felizes. E eles percebem: “o que fiz com minha vida? Vivi durante tantos anos,
terei de viver mais anos, e nesta última parte da minha vida não me parece que fiz algo
por mim. Então deixa-me fazer algo por mim a partir de agora”. Essa é uma razão pelas
quais algumas pessoas querem meditar.
Alguns querem ver um significado profundo na vida; tudo que fizeram ou
estudaram foi superficial, querem se envolver em algo profundo dentro de si. Uma das
razões que meditamos é para que foquemos em nossas vidas, e a partir desse foco,
queremos ter insights sobre nossas vidas. Uma parte é chamada concentração e a outra
consciência atenta. A concentração é apoiada pela plena atenção. Então um pré-
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requisito para concentração é a consciência atenta. Quando estamos plenamente atentos,
no quê devemos ter consciência atenta? Deve ser sobre algo que entendamos.
Consciência atenta sobre os fatos políticos, econômicos é algo muito superficial.
Quando tentamos isso, ficamos confusos pois há tanta coisa acontecendo hoje em dia.
Algumas pessoas querem se envolver em trabalhos sociais, pensando em conseguir uma
sociedade perfeita e aí quando ela for perfeita você vai poder viver pacificamente. Um
homem que quer corrigir o mundo e viver em paz é como se ele tivesse andando no
mundo inteiro, mas ele pensa que o mundo é tão grande, complicado, cheio de altos e
baixos, vou machucar meus pés, deixa-me cobrir o mundo de couro, daí posso andar
bem suavemente. Outro homem lhe diz que ele é um tolo, isso é impossível. O mais
prático é conseguir um pedaço de couro e fazer um sapato, assim podes andar. Quando
este tipo de pergunta foi levado ao Buddha, ele disse: você nunca verá o fim do mundo
andando. E sem conhecer o mundo todo, você nunca vai ser capaz de terminar com o
seu sofrimento. Isto é um tipo de enigma. Como podemos entender este enigma?
Nos ensinamentos do Buddha, o mundo somos nós. Cada um de nós é um
mundo. De um lado, somos feitos do mesmo material do mundo. Qualquer coisa que
exista no mundo pode ser encontrada em seu corpo e mente. Por outro lado, se
realmente olhar para você mesmo, verá que você vive no seu próprio mundo. As
pessoas, às vezes quando vêem alguém totalmente focado na sua atividade, fazendo algo
diferente, para criticá-lo dizem: ele vive no seu mundo próprio. Mas é correto, pois
todos vivemos no nosso próprio mundo. Significa que quando sinto algo, você nunca
sentirá o que eu sinto. Você nunca pensará do jeito que eu penso; pode haver muitas
similaridades em nossos pensamentos, mas a maneira que eu penso é a maneira que eu
penso. Minha percepção do mundo não é exatamente igual à sua. Meus pensamentos,
percepções, sentimentos, ideias sobre o mundo são totalmente diferentes dos seus.
Quando vou aqui e ali, e encontro com pessoas, tenho certas perspectivas e ideias sobre
as coisas, e eu funciono a partir dessas ideias, percepções e sentimentos. Posso fazer
alguns ajustes de acordo com a situação, mas primariamente eu vivo de acordo com o
meu mundo. Similarmente, se vocês honesta e sinceramente olharem para si,
investigarem-se dentro de si, verão que cada um de vocês vive num mundo totalmente
independente.
Por isso, o Buddha disse que é fácil para nós conhecermos nosso próprio mundo;
portanto quando tentarmos entender o mundo, devemos tentar entender o nosso próprio
mundo. Portanto, quando praticamos a consciência atenta, praticamos a consciência
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atenta sobre o nosso próprio mundo. Nosso próprio mundo é feito de forma, sensação,
percepção, pensamento e consciência. Meu próprio mundo tem minha própria forma,
minha sensação, minha percepção, meu pensamento e minha consciência. Portanto,
quando tentamos meditar, temos de entender em primeiro lugar nosso próprio corpo,
sensação, percepção, pensamento e consciência. Portanto, um dos propósitos principais
da meditação Vipassana é a compreensão. Compreensão do nosso próprio corpo,
sensação, percepção, pensamento e consciência. Não podemos compreender nosso
próprio corpo, sensação, percepção, pensamento e consciência sem estarmos com a
consciência atenta a eles. Quando faço movimentos corporais, devo ter a consciência
atenta aos movimentos corporais; quando certas sensações e sentimentos surgem em
mim, devo ter a consciência atenta à estas sensações e sentimentos; similarmente, devo
ter a consciência atenta às minhas percepções, meus pensamentos e minha consciência.
Quando presto atenção ao meu corpo, não deveria tentar possuí-lo; devo ter a
consciência atenta para entender o corpo como ele é.
Normalmente é extremamente difícil de entender o corpo como ele é, apesar de
vivermos neste corpo, cuidando dele. Meditação Vipassana é ver as coisas de um modo
especial; ver as coisas como elas são para entendê-las exatamente como elas são. É
difícil de entender o corpo como ele é, por causa de nossas visões condicionadas
distorcidas. Quando vejo o corpo, vejo apenas a parte exterior do corpo, sua forma,
tamanho e cor, mas não vejo como exatamente ele é, se não tiver a ter a consciência
atenta a ele. Como podemos ter a consciência atenta ao corpo? Consciência atenta é a
consciência atenta sem cobiça, ódio e confusão. Isto também é muito difícil porque
quando tentamos prestar plena atenção ao corpo, definitivamente o desejo pelo corpo
surge na mente. Surgir na mente o desejo pelo corpo é muito natural. Quando o desejo
pelo nosso próprio corpo surge na mente, não podemos fazer nada sobre isso, pois é
como esse corpo e mente funcionam. Quando o desejo pelo nosso próprio corpo surge
na mente, tendemos a nos apegar ao corpo; se apegarmos ao corpo com desejo, não
conseguiremos ver o corpo como ele é.
Também não devemos ver o corpo como um objeto de repulsa, aversão, rejeição,
raiva ou ódio. Não devemos olhar o corpo com cobiça nem com ódio, mas devemos
olhar o corpo com um estado mental imparcial. Quando olhamos o corpo com um
estado mental imparcial, não odiamos nem nos apegamos ao corpo. É uma forma muito
calma e confortável de se observar o corpo, porque as coisas que acontecem ao corpo
são coisas muito naturais; você não pode lutar com a natureza; podemos desejar que
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certas coisas aconteçam com esse corpo de um certo modo, mas estas coisas não
acontecem segundo nosso desejo. Devemos entender o desejo de nossa mente de que o
corpo funcione de uma certa maneira; ainda que a mente deseje que o corpo funcione de
uma certa maneira, o corpo não se importa com a mente; o corpo tem sua própria
dinâmica e agenda. Quando o corpo quer se tornar fraco, ele se torna fraco; quando o
corpo quer ter cabelos grisalhos, unhas quebradiças ou rugas, ele tem cabelos grisalhos,
unhas quebradiças e rugas. E estas são as coisas naturais que ocorrem no corpo;
portanto, se com plena atenção observamos como o corpo funciona, então poderemos
fluir com esse modo natural do corpo; se tentamos resistir e lutar, então sempre teremos
uma luta com o nosso próprio corpo.
Assim, os meditantes da consciência atenta sempre se tornam plenamente
conscientes ao que está acontecendo com o corpo, como o corpo está mudando, como
está indo em um certo modo e direção; portanto não estamos tentando fugir da
realidade, mas ir para dentro dela. Mudanças do corpo são coisas bem naturais e reais.
Portanto, quando praticamos a consciência atenta, tentamos entender o modo como o
corpo muda, o modo como o corpo se comporta.
Quando eu era garoto, e via os velhos, e perguntava por que eles ficam velhos,
não pensava que eu também ficaria velho, eu não tinha muita compaixão pelos velhos,
pois eu era muito jovem, não achava que iria envelhecer, nem entendia o que é ser
velho. Mas hoje em dia eu tenho muita simpatia, compaixão pelos velhos; levei muitos
anos para entender esta lição, agora eu gostaria de ter tido essa compaixão há quarenta
anos atrás, porque agora é muito valiosa para mim. Quando vemos que o corpo muda e
envelhece, nós não vemos com desprezo os mais velhos, porque está acontecendo
conosco, nós vemos acontecendo conosco, nós experienciamos isto. Quando ainda
jovens entendemos isto, podemos compassivamente cuidar dos idosos, há muitos jovens
fazendo isso, e se eles têm esse insight, podem fazer seu trabalho ainda melhor. E
quando vemos que nosso corpo está mudando, e não permanecendo o mesmo o tempo
todo, devido à natureza material do qual é feito, vemos que também ficamos doentes. Se
soubermos pela nossa experiência do insight, então não olharemos com desprezo as
pessoas doentes, teremos grande compaixão por qualquer pessoa doente porque
ninguém que ficar doente. Apesar do desejo de viver uma vida saudável, elas adoecem.
Esta é a natureza desta vida e deste corpo.
Havia um jovem de uma família muito rica, seu nome era Raktapala. Certa vez
foi a uma palestra do Buddha; voltou para casa e disse que queria ser um monge. Os
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pais recusaram, dizendo que ele era o único herdeiro de uma fortuna imensa, e seria
confiscada pelo governo. Ele disse que eles não o impediriam de se tornar um monge;
eles negaram, então ele disse que jejuaria até morrer. Então ele começou a jejuar, eles
tentaram, junto com os vizinhos, a persuadi-lo a comer. Os vizinhos aconselharam aos
pais que o deixassem ir ao mosteiro, pois ao menos teriam um filho vivo em algum
lugar. Os pais então acederam. Ele era um monge honesto e sincero, meditante, escutava
as palestras do Buddha com atenção. O Buddha falava da natureza do corpo e da mente,
da vida. Em pouco tempo ele conseguiu se libertar dos seus irritantes psíquicos. Um dia
ele estava sentado sob uma árvore num parque de um reinado. O rei, passeando no
parque, viu esse jovem e bonito monge sentado sob a árvore. Fez algumas perguntas:
“as pessoas se tornam monges quando são muito velhas, viveram a vida toda e fizeram
o que queriam, quando chegam na velhice viram monges, mas você é muito jovem;
segundo, as pessoas se tornam monges quando perdem sua riqueza, você perdeu a sua?”
“Não, a minha família é muito rica”. “As pessoas se tornam monges quando estão muito
doentes, mas você não parece doente, parece muito saudável. As pessoas se tornam
monges quando têm o coração partido, porque perderam seus entes queridos. Você
perdeu algum parente?” Ele disse que não. “Então porque você virou monge?” “Não me
tornei monge por estas razões, mas por outras quatro boas razões: a vida está se
movendo para um fim; a vida é sempre incerta; podemos morrer a qualquer momento;
não há nenhum contrato assinado entre a morte e a vida, a morte pode nos pegar a
qualquer momento. Antes disso acontecer, quis me tornar monge. Em segundo lugar,
não há proteção contra a doença e o envelhecimento. Em terceiro, não há nenhum
controle sobre esta vida, o que acontece com nosso corpo independe de nossos desejos;
por último, me tornei monge porque não há um fim para a cobiça, a cobiça é insaciável,
nunca podemos satisfazer a cobiça”.
Ele percebeu tudo isso na sua própria vida, através de sua própria situação.
Vocês poderiam perguntar se após ele se tornar monge, pôde controlar o corpo, a
doença, a morte? Não. Mas ele queria ver a vida de uma perspectiva diferente e viver
uma vida extremamente simples. Independente de quão complicada é nossa vida, não há
garantia; quando a vida é simples, podemos usar esta vida simples com um estado
mental claro, prestando atenção ao corpo e mente e viver pacificamente, livre da cobiça,
ódio e delusão. O Buddha não lhe pediu que se tornasse monge, ninguém lhe pediu, isso
veio de sua própria convicção. Quando a compreensão é bem clara, você não precisa
que ninguém lhe diga o que fazer, você mesmo toma sua decisão.
89
Quero concluir esta palestra, falando sobre pessoas aceitando os ensinamentos
com convicção. Uma coisa que gostaria de enfatizar sobre a tradição budista é que
somos treinados a não forçar a imposição dos ensinamentos para as pessoas. O Buddha
deu um exemplo muito bonito. Havia um homem chamado Upali, era um seguidor do
jainismo, uma das muitas tradições que havia no tempo do Buddha. Ele era muito rico e
hábil na fala, seus mestres acharam que ele conseguiria converter o Buddha ao jainismo.
Ele foi ao Buddha e ao final da conversação, Upali mudou seu modo de ver. Ele disse
que queria ser seguidor do Buddha, “me aceite como seu discípulo”. Buddha lhe disse:
“Upali, você é uma pessoa muito conhecida, rica, todos sabem que você é seguidor do
jainismo; se você agora vai como meu seguidor, o que as pessoas pensarão disto? Uma
pessoa de seu porte não deve ter conclusões apressadas assim, vá para casa e pense”. “É
muito estranho”, Upali disse, “se eu fosse a outra tradição e dissesse que queria segui-la,
eles me levariam pelas ruas numa procissão, anunciando minha conversão, e você está
me mandando para casa para pensar. Por esta razão quero repetir meu pedido de ser seu
discípulo”. Buddha respondeu: “quando você voltar para casa, não deve parar de dar
apoio ao seu mestre religioso, deve continuar seu apoio a eles”. “É muito estranho”,
Upali disse, “falaram que todos fazem as oferendas a você e seus discípulos, e você me
diz para fazer as oferendas aos seus rivais”. Buddha respondeu: “se você parar de dar
apoio aos seus mestres religiosos, então você não estará seguindo meus conselhos, e se
você parar de dar apoio aos seus mestres religiosos, como eles viverão? Todos esses
anos eles dependeram de você, e será difícil deles sobreviverem”.
É pouco comum dos mestres religiosos lembrarem as pessoas de pensarem
muitas vezes antes de aceitarem seus ensinamentos; portanto quando somos meditantes
sérios, e que algumas coisas começam a se desdobrar dentro de nós, é que chegamos à
compreensão de que é isto que eu quero. É o que aconteceu a Raktapala e Upali.
Ninguém lhes pediu que seguissem os ensinamentos do Buddha, mas de suas próprias
compreensões, convicção, realização, aceitaram os ensinamentos do Buddha. É uma
questão de observar o corpo e a mente com um estado mental imparcial.
A maior parte das pessoas acha muito difícil olhar para o corpo e a mente com
um estado mental imparcial, porque a maior parte de suas vidas foi condicionada num
certo modo, e é muito difícil para elas mudarem esse condicionamento. Para elas, olhar
o corpo e a mente com um estado mental imparcial é muito difícil. Entretanto,
aconselhamos as pessoas a desenvolverem sua consciência atenta, de modo que possam
tomar decisões livres, imparciais e independentes. Uma vez que tenham tomado uma
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decisão imparcial, se sentirão muito alegres por esta decisão. Se houver dúvida ou
confusão na mente, elas nunca devem assumir um compromisso. Sugerimos que até que
essa dúvida ou confusão desapareçam, devem praticar meditação da consciência atenta
repetidamente, até que vejam a realidade.
Assim, com esta palestra, gostaria de concluir esse retiro.