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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A OUTORGA E A COBRANÇA COMO INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS REGINA RUSSI DA SILVA Itajaí, 19 de junho de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A OUTORGA E A COBRANÇA COMO INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DOS RECURSOS

HÍDRICOS

REGINA RUSSI DA SILVA

Itajaí, 19 de junho de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A OUTORGA E A COBRANÇA COMO INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DOS RECURSOS

HÍDRICOS

REGINA RUSSI DA SILVA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora MSc Fernanda de Salles Cavedon

Itajaí, 19 de junho de 2006

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AGRADECIMENTO

Primeiramente a Deus por todas as oportunidades que proporcionou em minha vida.

Aos meus pais, por tudo que são e por tudo que sempre foram, pelos erros e pelos acertos, pela

compreensão e pelo cansaço, pela luta, pelo exemplo de vida, pelo amor, pelas horas felizes e

pelas tristes sempre superadas juntos, pelo companheirismo, pela doação, pelo carinho, pela

bronca, pelos ensinamentos, por mostrarem o melhor de tudo e também o pior. Deus não

poderia pensar em pessoas melhores no mundo para terem a importância que têm em minha vida.

Exemplo do que é o verdadeiro amor.

A minha irmã linda pela amizade, pelo carinho, pelo companheirismo, pelas horas maravilhosas

compartilhadas sempre juntas, pelas gargalhadas, pelos conselhos e por tudo o que de melhor tenha

acontecido em nossas vidas.

À pessoa que têm se dedicado a mim nos últimos meses, pelo carinho, pela ajuda, pelo

companheirismo, pela sinceridade, pela compreensão, pelo zelo, pela paciência e principalmente pelos sentimentos sempre

demonstrados de forma tão sincera e perfeita.

E por fim aos meus queridos amigos que sempre estiveram ao meu lado me proporcionando

momentos maravilhosos que ficarão guardados em meu coração para sempre.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Deus, aos meus pais Luiz e Denise, à minha irmã Daiane e ao meu

namorado Diogo.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 19 de junho de 2006

Regina Russi da Silva Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Regina Russi da Silva, sob o título

A outorga e a cobrança como instrumentos da Política Nacional de

Gerenciamento dos Recursos Hídricos, foi submetida em 05 (cinco) de junho de

2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Fernanda de

Salles Cavedon, (orientadora e presidente da banca examinadora), Francelise

Pantoja Diehl (membro da banca examinadora) e Maria da Graça de Melo

Ferracioli (membro da banca examinadora), e aprovada com a nota 9,25 (nove e

vinte e cinco).

Itajaí, 19 de junho de 2006.

Professora MSc Fernanda de Salles Cavedon Orientadora e Presidente da Banca

Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANA Agência Nacional de Água

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

MMA Ministério do Meio Ambiente

MP Medida Provisória

ONU Organização das Nações Unidas

SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNIÁGUA Universidade da Água

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Água

[...] água é o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou utilização.

É o gênero1.

Cobrança sobre o uso dos recursos hídricos

É um mecanismo educador, que reconhece a água como bem econômico e dá ao

usuário uma indicação de seu real valor, incentivando a racionalização do uso da

água e obtendo recursos para o financiamento de programas e intervenções

contemplados nos planos de recursos hídricos2.

Legislação ambiental

O conjunto de normas jurídicas que regem os direitos e as limitações ao uso do

recurso natural na dominialidade e condições físicas, assim como o poder-dever

da administração Pública na sua gestão e estruturada de acordo como sistema de

direito existentes no país de sua aplicação considerando ainda as demais fontes

do direito, quais sejam a doutrina, a jurisprudência, os usos e costumes e ao

ajustes internacionais3.

Macrobem ambiental

O meio ambiente, como macrobem, é bem público não por que pertença ao

Estado (pode até pertencê-lo), mas por que se apresenta no ordenamento,

1 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: disciplina jurídica das águas doces.

São Paulo: Atlas, 2001, p. 29. 2 Ministério do Meio Ambiente e Secretaria de Recursos Hídricos. Documento de introdução

sobre o Plano Nacional de Recursos Hídricos: iniciando um processo de debate nacional. Brasília-DF, 2005, p. 26.

3 DELUQUE, Sandra Maria Lima. A educação ambiental e os aspectos legais e institucionais para a proteção e preservação dos recursos hídricos na bacia do alto Paraguai. http://www.pgta.ufms.br/trabs/trab039.pdf. Acesso em 05 set. 2005.

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constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”. É bem público em

sentido objetivo e não, subjetivo4.

Outorga de direito de uso dos recursos hídricos

A outorga de direito de uso de recursos hídricos é o ato administrativo mediante o

qual a autoridade outorgante faculta ao outorgado previamente ou mediante o

direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos termos e nas

condições expressas no respectivo ato, consideradas as legislações específicas

vigentes5.

Poluição

Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

[...]

III – poluição, a degradação de qualidade ambiental resultante de atividades que

direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais

estabelecidos6;

Recurso hídrico

Recurso hídrico é a denominação dada à água, recurso natural essencial à

sobrevivência dos homens, animais e plantas, funcionando como elemento de

4 BENJAMIM, Antônio Herman V. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70. 5 Artigo 1º da Resolução do Conselho Nacional de Recurso Hídrico n. 16/01. 6 Artigo 3º da Lei n. 6.938/81.

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estabilidade social e desenvolvimento econômico, devido a isso é classificado

como um bem público7.

7 DELUQUE, Sandra Maria Lima. A educação ambiental e os aspectos legais e institucionais

para a proteção e preservação dos recursos hídricos na bacia do alto Paraguai. http://www.pgta.ufms.br/trabs/trab039.pdf. Acesso em 05 set. 2005.

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................ 1

INTRODUÇÃO ................................................................................... 2

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 5

A ÁGUA COMO BEM JURÍDICO TUTELADO................................... 5 1.1 CONCEITOS DE ÁGUA E DE RECURSOS HÍDRICOS ..................................5 1.2 ÁGUA: IMPORTÂNCIA, ESCASSEZ E CAUSAS DE DEGRADAÇÃO...........7 1.3 A ÁGUA COMO RECURSO AMBIENTAL: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA LEI 6.938/81..........................................................................................................16 1.4 MICROBEM E MACROBEM AMBIENTAL RELACIONADO AO RECURSO HÍDRICO...............................................................................................................20 1.5 CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA .......................................................22

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 25

TUTELA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.................................................................. 25 2.1 HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE OS RECURSOS HÍDRICOS.............................................................................................................25 2.2 A ÁGUA NA CRFB/88: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SUA DOMINIALIDADE E COMPETÊNCIAS ................................................................28 2.3 CÓDIGO DAS ÁGUAS – DECRETO N. 24.643/34 – IMPORTÂNCIA ...........31 2.4 A GESTÃO DAS ÁGUAS: DO CÓDIGO DAS ÁGUAS À LEI N. 6.938/81....34 2.5 LEI N. 9.433/97: IMPORTÂNCIA, OBJETIVOS E FUNDAMENTOS .............35 2.5.1 SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS....................38 2.5.1.1 A importância do Conselho Nacional de Recursos Hídricos ..............40 2.5.1.2 As Agências de Águas............................................................................41 2.5.1.3 Os conselhos estaduais e os comitês de bacias hidrográficas..........43 2.5.1.4 Os órgãos dos poderes públicos...........................................................45

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 46

A OUTORGA DE DIREITO E A COBRANÇA SOBRE O USO DOS RECURSOS HÍDRICOS ................................................................... 46 3.1 A OUTORGA DE DIREITO SOBRE O USO DOS RECURSOS HÍDRICOS ..46 3.1.1 OUTORGA DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS: CONCEITO E OBJETIVOS ..................46 3.1.2 NATUREZA JURÍDICA DA OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS ..50 3.1.3 ATIVIDADES SUJEITAS À OUTORGA DE DIRETO DE RECURSOS HÍDRICOS...............52

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3.1.4 COMPETÊNCIA PARA CONCEDER A OUTORGA ....................................................54 3.1.5 POSSIBILIDADES DE SUSPENSÃO, EXTINÇÃO DA OUTORGA DE DIREITO OU

EMBARGOS .............................................................................................................59 3.1.6 OUTORGA PREVENTIVA ...................................................................................64 3.2 A COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS............................67 3.2.1 CONCEITO......................................................................................................67 3.2.2 NATUREZA JURÍDICA .......................................................................................70 3.2.3 PREVISÃO LEGAL............................................................................................74 3.2.4 OBJETIVOS DA COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS.........................75 3.2.5 CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR A SER COBRADO PELO USO DE RECURSOS

HÍDRICOS ................................................................................................................77 3.2.6 COMPETÊNCIA PARA A FIXAÇÃO DO VALOR E DE QUEM DEVE EFETUAR A COBRANÇA

..............................................................................................................................77 3.2.7 DA APLICAÇÃO DO PRODUTO DA COBRANÇA E DA SUA ADMINISTRAÇÃO ..............80

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 84

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 87

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RESUMO

O presente trabalho monográfico trata sobre a outorga de

direito e a cobrança sobre o uso da água. Tema que tem sido muito discutido a

nível nacional e que tem causado muitas preocupações às pessoas envolvidas

nesta relação, seja do lado de quem autoriza o uso da água, seja do das pessoas

que irão fazer uso deste recurso ambiental, bem como os próprios ambientalistas

envolvidos com esta questão e a própria população.

Tanto a outorga como a cobrança sobre o uso da água são

dois dos instrumentos da Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos

Hídricos, esta criada através da Lei n. 9.433/97, encontrado previsão no artigo 5º,

incisos III e IV.

Em seu primeiro capítulo é tratado sobre a água como bem

jurídico tutelado. É explicado a conceituação e conseqüente a diferença entre

água e recurso hídrico, sobre a importância que a água tem para todos os seres

vivos, bem como a escassez e as causas de degradação. É diferenciado

microbem de macrobem bem como explanado sobre a classificação jurídica da

água.

No seu segundo capítulo é comentado sobre a tutela dos

recursos hídricos no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto é trazido todo o

histórico da legislação brasileira referente aos recursos hídricos e competências e

dominialidades constantes na CRFB/88, comentado sobre o Código das Águas,

bem como sobre a gestão das águas e também a Lei n. 9.433/97 e o Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

No terceiro capítulo são conceituados a outorga de direito e

cobrança sobre o uso dos recursos hídricos, objetivos, citadas as suas naturezas

jurídicas, competências, aplicações, atividades sujeitas, possibilidades de

suspensão, extinção e embargos, critérios para a fixação do valor, bem como a

outorga preventiva.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo sobre dois

dos instrumentos que a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos trouxe para

combater a escassez e a degradação da água: a outorga de direito e a cobrança

sobre de uso dos recursos hídricos.

O seu objetivo é analisar a outorga de direito de uso de

recursos hídricos e a cobrança por tal prática fundamentando-o como instrumento

da Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, traçando

estratégia para a garantia de disponibilidade em quantidade e qualidade da água

para esta e futuras gerações, sendo a água um bem jurídico tutelado pelo

ordenamento pátrio.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de

diferenciar o conceito de água e recurso hídrico, a disposição e quantidade de

água a nível mundial e federal, bem como apresentando a problemática sobre a

escassez deste recurso e poluição.

No Capítulo 2, é tratado sobre a legislação que visam a

proteção do meio ambiente e a água como recurso hídrico que é, bem como os

órgãos criados pela Política Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

prevista na n. Lei 9.433/97 usados para o fim de controle dos recursos hídricos.

No Capítulo 3, é tratado do objeto de estudo específico do

presente trabalho científico, ou seja “a outorga e a cobrança como instrumentos

da Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos”. Ainda neste

capítulo, trazemos à tona as hipóteses de outorga de direito de uso das águas,

bem como sua natureza jurídica, e possibilidades de suspensão, extinção de

referido direito. Quanto à cobrança trabalharemos seu conceito, objetivos a serem

alcançados com esta prática, bem como critérios para fixação de valores e efetiva

arrecadação.

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O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a outorga e a cobrança sobre o uso da água.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

� O regime jurídico dos recursos hídricos no Brasil passa por profundas alterações a partir da CRFB/88 e da Lei n. 9.433/97, que instituem um novo arranjo institucional e jurídico de gestão do recurso pautado na sua dominialidade pública, na descentralização e na participação pública nos processos decisórios, transpondo as concepções privatistas e economicistas que marcavam o regime jurídico de águas até então.

� A outorga de uso de recursos hídricos e a cobrança pelo uso podem ser entendidos como os instrumentos de gestão de recursos hídricos que melhor representam a nova concepção de gestão propugnada pela Lei n. 9.433/97, caracterizando-se como aplicação do Princípio Usuário Pagador, capazes de promover o controle e a racionalização do uso e recursos hídricos no sentido de manter a sua disponibilidade em quantidade e qualidade suficiente para garantir a satisfação das necessidades das presentes e futuras gerações.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo8,e nas outras diversas fases da

Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente9, da Categoria10, do

Conceito Operacional11 e da Pesquisa Bibliográfica.

8 Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção

ou conclusão geral. (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 4ª ed. Florianópolis:OAB/SC Editora. 2000, p. 85.)

9 Explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 2000, p. 59.)

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Assim ao final do presente trabalho, ter-se-á delineado a

outorga de direito e cobrança pelo uso das águas como importantes instrumentos

para a consolidação da Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos

Hídricos no Brasil.

10 Palavra ou expressão estratégica e/ou a expressão de uma idéia. (PASOLD, César Luiz.

Prática da pesquisa jurídica:idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 2000, p. 29)

11 Quando estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos. (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica:idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 2000, p. 41)

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CAPÍTULO 1

A ÁGUA COMO BEM JURÍDICO TUTELADO

Primeiramente, se faz necessário ressaltar, a outorga de

direito e a cobrança sobre o uso da água, sobre a importância que a água, ou

recurso hídrico possui para a vida humana, o problema de escassez e bem como

o jeito com que o homem está degradando este recurso, para tanto segue

conceituação e conseqüente diferenciação entre ambos os termos.

1.1 CONCEITOS DE ÁGUA E DE RECURSOS HÍDRICOS

SILVA12 traz o conceito de água do professor Antonio

Guerra:

O professor ANTÔNIO GUERRA define água como um composto químico formado de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). A água constitui uma unidade de medida de densidade e a escala termométrica centesimal (Celsius) se baseia no seu ponto de solidificação 0°C e de ebulição 100°C. Segundo ele, as águas estão em constante circulação, estando presentes tanto na atmosfera sob a forma de vapor, quanto na superfície do solo sob a forma líquida, ou mesmo no interior do subsolo, constituindo lençóis aqüíferos. Três são, pois, as partes que integram o ciclo hidrológico: água de evaporação, água de infiltração e água de escoamento superficial.

A professora da Universidade do Estado do Mato Grosso,

DELUQUE13, traz o conceito de recurso hídrico, conforme transcrição que segue:

Recurso hídrico é a denominação dada à água, recurso natural essencial à sobrevivência dos homens, animais e plantas,

12 SILVA, Américo Luís Martins. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 93. 13 DELUQUE, Sandra Maria Lima. A educação ambiental e os aspectos legais e institucionais

para a proteção e preservação dos recursos hídricos na bacia do alto Paraguai. http://www.pgta.ufms.br/trabs/trab039.pdf. Acesso em 05 set. 2005.

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funcionando como elemento de estabilidade social e desenvolvimento econômico, devido a isso é classificado como um bem público.

GRANZIERA14 traz a distinção entre água e recurso hídrico:

Árdua é a tarefa de distinguir o termo água da expressão recurso hídrico. Para Cid Tomanik Pompeu, “água é o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou utilização. É o gênero. Recurso Hídrico é a água como bem econômico, passível de utilização para tal fim”. O autor fundamenta sua opinião no fato de vigorar no Brasil um Código de Águas e não um Código de Recursos Hídricos, pois o Código disciplina o elemento líquido mesmo quando não há aproveitamento econômico, como são os casos de uso para as primeiras necessidades da vida, da obrigatoriedade dos prédios inferiores de receberem as águas que correm naturalmente dos superiores, da águas pluviais.

Por exemplo, as águas doces não utilizadas para

abastecimento humano, devendo tratá-las como se fosse um recurso hídrico,

porém as águas do mar, atualmente, não são consideradas como um recurso

hídrico, mas futuramente poderão vir a ser.

Por fim, GRANZIERA15, conforme previsão do Código de

Águas, bem como a Lei 9.433/97, adota como sinônimo em sua obra os termos

“água” e “recurso hídrico”, in verbis:

Utilizo ambas as terminologias – água e recursos hídricos -, no singular ou no plural, considerando apenas que o objeto de interesse são as águas doces, contidas nos corpos hídricos, à luz do direito administrativo brasileiro [...].

Para o presente trabalho será adotado o entendimento da

doutrinadora citada, tendo em vista que este parece ser o melhor posicionamento,

14 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas doces.

2001, p. 29. 15 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas doces.

2001, p. 30.

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pois tanto o Código das Águas como a Lei 9.433/97 não fazem diferenciação

entre os dois termos.

1.2 ÁGUA: IMPORTÂNCIA, ESCASSEZ E CAUSAS DE DEGRADAÇÃO

A água é indispensável a todas as formas de vida. Sem ela

os vegetais e animais não existiriam.

ALEXANDRE FREITAS16, em seu artigo tratando sobre a

importância da água, cita entendimento de J. W. MAURITS LA RIVIÉRE,

conforme segue:

A água é o constituinte mais característico da terra. Ingrediente essencial da vida, a água é talvez o recurso mais precioso que a terra fornece à humanidade. Embora se observe pelos países mundo afora tanta negligência e tanta falta de visão em relação a este recurso, é de se esperar que os seres humanos tenham pela água grande respeito, que procurem manter seus reservatórios naturais e salvaguardar sua pureza. De fato, o futuro da espécie humana e de outras espécies pode ficar comprometido a menos que haja uma melhora significativa na administração dos recursos hídricos terrestres.

Tales de Mileto, filósofo pré-socrático, assim como a maioria

dos filósofos daquela época, definiam a água (hydor) como elemento primordial.

A água é o princípio de todas as coisas, e elemento da vida17.

Segundo FARIAS18, Tales teria escolhido a água talvez

pelas conjecturas que passam a serem transcritas:

1. ser o único elemento que se encontra na natureza nos três estados sólido, líquido e gasoso;

16FREITAS, Alexandre. A importância da água.

http://www.zone.com.br/corridadeaventura/index.php?destino_comum=noticia_mostra&id_noticias=10934. Acesso em 12 set. 2005.

17 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 331-332.

18 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? 2005, p. 331-332.

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2. Tales ter sido influenciado por antigos mitos do Egito e da Mesopotâmia (origem oriental da concepção da água), civilizações de regiões áridas e que se desenvolveram em deltas de rios e onde por isso mesmo a água aparece como fonte de vida;

3. que a Terra bóia no Oceano, “A terra que emerge de uma vastidão ilimitada de água primeva continuará a estar rodeada de água” (apud KIRK; RAVEN, 1966, p. 6);

4. os alimentos e os germes serem todos húmidos (ARISTÓTELES, 1968, p. 694);

5. razões metereológicas pela observação do ciclo hidrológico (chuvas, rios, mares, infiltração da água no solo, evaporação);

6. precedentes homéricos na Ilíada e na Odisséia;

7. razões fisiológicas, conforme teoria defendida por Aristóteles ao se referir a Tales, assinalando que todos os seres vivos dependem da água no que respeita à sua alimentação e que o sêmen é húmido, dentre outras razões (KIRKR; RAVEN, 1966, p. 85);

8. A própia origem familiar fenícia de Tales, sendo os fenícios os grandes desbravadores do mar da época.

A ciência demonstra diariamente que Tales não estava

distante da verdade.

O MMA19, tece comentários sobre a água:

O Planeta Terra abriga um complexo sistema de organismos vivos no qual a água é elemento fundamental e insubstituível. Sem água não existe vida! Ela é responsável pelo equilíbrio da “comunidade vida”, da qual nós, seres humanos, fazemos parte.

A água é também insumo indispensável à produção e recurso estratégico para o desenvolvimento econômico. Todas as

19 Ministério do Meio Ambiente e Secretaria de Recursos Hídricos. Documento de introdução

sobre o Plano Nacional de Recursos Hídricos: iniciando um processo de debate nacional. Brasília-DF, 2005, p. 10.

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atividades humanas dependem da água. Navegação, turismo, indústria, agricultura e ração de energia elétrica são alguns exemplos de seu uso econômico.

Os estudos de FARIAS20 nos mostram que caso exista um

elemento primordial no Universo, este será o hidrogênio, ou seja, um dos

componentes da água, que possui etimologicamente este nome, exatamente em

razão de ser gerador da água.

Desta forma, tudo teria surgido da água, tanto o homem

como os animais e todas as partes do ecossistema natural.

A UNIÁGUA21, demonstra estatísticas sobre a quantidade de

água existente em nosso planeta conforme segue:

A água existe em abundância no planeta, porém a água disponível para o consumo humano é escassa. Os estudos mostram que ¾ da superfície da Terra sejam cobertos de água. Do total de água existente em nosso planeta 97,5% é salgada e está em oceanos e mares, 2,493% é doce, sendo possível encontrá-la em geleiras ou regiões subterrâneas (aqüíferos), de difícil acesso. Somente 0,007% restante de água doce pode ser encontrada em rios, lagos e na atmosfera, de fácil acesso para o consumo humano.

MILARÉ22 tece importante comentários sobre a situação da

água, in verbis:

Além da maior parte da água do planeta ser salgada e não haver formas científicas e economicamente viáveis para aproveitá-la, existe um longo caminho a ser percorrido, e fortunas a serem investidas, até que a água seja disponibilizada às pessoas. Dentre os desafios estão o transporte por distâncias cada vez maiores, o tratamento e, depois de usada, sua purificação para que possa retornar ao meio ambiente e retornar seu ciclo.

20 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? 2005, p. 333-334. 21Universidade da Água. Água no planeta.

http://www.uniagua.org.br/website/default.asp?tp=3&pag=aguaplaneta.htm. Acesso em 12 set. 2005.

22 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 171.

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Conforme estudos da Universidade da Água, o Brasil é o

país que mais leva vantagem no que diz respeito aos recursos hídricos. Os

estudos apontam o Brasil como detentor de 11,6% da água doce disponível para

o consumo do mundo. O único problema é a má distribuição em relação à

densidade demográfica do país, seja 70% está localizada na Região Amazônica e

os 30% restantes distribuem-se desigualmente pelo País, para atender 93% da

população23.

É válido lembrar os ensinamentos de MILARÉ24 sobre a

água:

[...] ela participa com elevado potencial na composição dos organismos e dos seres vivos em geral; suas funções biológicas e bioquímicas são essenciais, pelo que se diz simbolicamente que a água é elemento constitutivo da vida. Dentro do ecossistema planetário, seu papel junto aos biomas é múltiplo, seja como integrante da cadeia alimentar e de processos biológicos, seja como condicionante do clima e dos diferentes habitats.

Tendo em vista que a água é um dos preciosos recursos que

existe em todo o planeta, conforme mencionado acima, trata-se de um bem

jurídico que deve ser protegido e seu uso fiscalizado.

A água é indispensável a todas as formas de vida

conhecidas e às atividades humanas. Por este motivo origina-se a sua função

social reconhecida e consagrada por todos os povos.

REBOUÇAS25 trata sobre o assunto:

Os dados geológicos disponíveis indicam que a quantidade total de água da Terra permaneceu praticamente constante durante os últimos milhões de anos. Porém, os volumes estocados em cada um dos grandes reservatórios de água da Terra – oceanos,

23 Universidade da Água. Água no planeta.

http://www.uniagua.org.br/website/default.asp?tp=3&pag=aguaplaneta.htm. Acesso em 12 set. 2005.

24 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 171. 25 REBOUÇAS, Aldo. Uso inteligente da água. São Paulo: Escrituras Editora, 2004, p. 22.

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calotas polares, geleiras, águas subterrâneas, - podem ter variado durante esses tempos, em níveis nunca imaginados.

Não obstante a sua abundância aparente trata-se de um

bem finito e de distribuição heterogênea, o que determina situações de escassez

absoluta e relativa, em função das disponibilidades hídricas e das demandas, e

que vem sendo crescentemente comprometido em termo de qualidade e

quantidade, em função principalmente do uso inadequado do solo, da irrigação

com tecnologias de alto consumo, da diluição e assimilação de poluentes, da

captação, derivação e consumo nos processos produtivos variados e do

abastecimento público, face ao acelerado crescimento populacional26.

Neste contexto, o uso múltiplo e integrado das águas, bem

como a minimização dos impactos decorrentes desta utilização, constitui objetivo

fundamental a ser constantemente perseguido.

Por ser a água abundante no planeta é difícil imaginar a sua

escassez, ocasionando mortes, conflitos internacionais, ameaças a sobrevivência

de animais e plantas e comprometer alguns setores da economia.

A ONU estima que em 2025 somente um quarto da

humanidade terá água apenas para as suas necessidades mínimas27.

Existem no mundo, atualmente, quarenta países que são

considerados os mais secos. Eles encontram-se na Ásia e na África. Nestes

países cada pessoa tem direito a 8 (oito) litros de água diariamente, sendo que

pelos estudos da ONU, um indivíduo adulto necessita de algo em torno de 50

26 TURTELLI, Cláudio (Coord.). Relatório da comissão permanente de estudos sobre a

variável ambiental e suas implicações na gestão pública. http://www.pvbauru.org.br/aguamostra.asp?id=14618. Acesso em 05 set. 2005.

27 Ministério do Meio Ambiente. Ambiente-se. http://www.mma.gov.br/ascom/imprensa/fevereiro2000/informma217.html. Acesso em 05 set. 2005.

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(cinqüenta) litros diários para poder viver (ingestão, preparo de alimentos, diluição

de esgotos e higiene pessoal)28.

Segundo o diretor geral da UNESCO, órgão da ONU,

Koichiro Matsuura “nenhuma região será poupada do impacto dessa crise que

afeta todos os aspectos da vida, da saúde das crianças a capacidade das nações

de providenciar comida”29.

Conforme as pesquisas, atualmente é mais fácil morrer por

falta de água ou do saneamento do que por AIDS, tuberculose ou doenças

infantis. Cerca de 6.000 (seis mil) pessoas morrem de falta de água potável

diariamente30.

Pelo menos 20% (vinte por cento) das cerca de 10.000 (dez

mil) espécies de peixes da água doce estão ameaçados ao desaparecimento. De

acordo com as pesquisas da FAO, 69% (sessenta e nove por cento) dos estoques

pesqueiros marinhos estão totalmente comprometidos de alguma forma31.

Vários são os fatores que contribuem para a degradação da

água e conseqüente escassez. Um deles é a poluição causada por fontes naturais

(em menor quantidade) ou por fontes humanas (esgotos domésticos ou sanitários,

esgotos industriais, despejos industriais, despejos de águas pluviais de áreas

urbanas, águas de retorno de irrigação, drenagem de minas e etc)32.

28 Revista Ecotur. Água: questão de sobrevivência.

http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./agua/doce/index.html&conteudo=./agua/doce/artigos/sobrevivencia.html. Acesso em 05 set. 2005.

29 Francisco Lopes Viana. Agência Nacional de Águas: uma guardiã dos rios. http://www.dn.senai.Br/repertorio/antena%20%20agua.pdf. Acesso em 24 ago. 2005.

30 Revista Ecotur. Água: questão de sobrevivência. http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./agua/doce/index.html&conteudo=./agua/doce/artigos/sobrevivencia.html. Acesso em 05 set. 2005.

31 Revista Ecotur. Água: questão de sobrevivência. http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./agua/doce/index.html&conteudo=./agua/doce/artigos/sobrevivencia.html. Acesso em 05 set. 2005.

32 Revista Ecotur. Água: questão de sobrevivência. http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./agua/doce/index.html&conteudo=./agua/doce/artigos/sobrevivencia.html. Acesso em 05 set. 2005.

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A Lei n. 6.938/81 traz, em seu artigo 3º, inciso III, o conceito

de poluição:

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

[...]

III – poluição, a degradação de qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

Não bastando a conceituação trazida pela lei supra

mencionada, SILVA33 cita seu entendimento sobre o assunto:

A poluição das águas é o lançamento e a acumulação nas áreas dos mares, dos rios, dos lagos e demais corpos d’água, superficiais ou subterrâneos, de substâncias químicas, físicas ou biológicas que afetem diretamente as características naturais das águas e a vida ou que venham a lhes causar efeitos adversos secundários.

LANFREDI34 também possui um entendimento sobre a

poluição do recurso hídrico, conforme transcrição a seguir:

[...] qualquer alteração de suas propriedades físicas, químicas ou biológicas, que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança

33 SILVA, Américo Luís Martins. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. 2004, p.

153. 34 LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política Ambiental: busca da efetividade de seus

instrumentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 160.

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e ao bem-estar das populações, causar dano à flora ou à fauna, ou comprometer o seu uso para fins sociais e econômicos.

Dentre todos os tipos de poluição das águas existentes, a

mais comum, segundo SILVA35, é o esgoto doméstico ou esgoto sanitário, in

verbis:

O esgoto doméstico o esgoto sanitário é a fonte de poluição da água mais comum, contendo matérias altamente putrescíveis (grande quantidade de matéria orgânica e microorganismos – patogênicos ou de indivíduos doentes, bactérias aeróbicas etc. Esses materiais estáveis (bicarbonato, nitratos, sulfatos e fosfatos), por meio de ação de bactérias e outros organismos das águas naturais. Se a carga poluidora não for demasiadamente pesada, a purificação será aeróbica36 e feita por esses mesmos organismos com utilização de oxigênio dissolvido e conseqüente ausência de gases fétidos. Quando a poluição da água é mais forte que a capacidade de autodefesa da água, ocorre um tipo de degradação anaeróbica (processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades que resulta na aparição de gases malcheirosos (metano, gás sulfídrico, mercaptanas etc.).

É também de relevância levar em consideração os despejos

urbanos e industriais, sendo estes os que contribuem em grande escala para a

poluição das águas.

Todas as formas de poluição da água contribuem para a

degradação da água, umas um pouco mais e outras um pouco menos, mas as

35 SILVA, Américo Luís Martins. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. 2004, p.

155. 36 Aeróbio e anaeróbio: aeróbios são os organismos para os quais o oxigênio livre do ar é

imprescindível à vida. Os anaeróbios, ao contrário, não requerem ar ou oxigênio livre para manter a vida; aqueles que vivem somente na total ausência do oxigênio livre são os anaeróbios estritos ou obrigatórios; os que vivem tanto na ausência quanto na presença de oxigênio livre são os anaeróbios facultativos. Segundo R. DAJOZ, denomina-se “aeróbio” o organismo que não pode viver em ausência do oxigênio. Já respiração aeróbia é toda oxidação biótica na qual o oxigênio gasoso (molecular) é o receptor de hidrogênio (oxidante); respiração anaeróbia, por sua vez, é a oxidação biótica na qual o oxigênio gasoso não intervém. O elétron absorvente (oxidante) é composto diferente do oxigênio (ODUM, Eugene P. Ecologia. 3ª edição, tradução Carlos Ottenwalder. México: Interamerica, 1972, p. 72).

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mais conhecidas e fáceis de serem encontradas são essas elencadas,

ressaltando-se que as outras não ficam muito para trás.

É importante lembrar que a qualidade de água vem

diminuindo consideravelmente pela crescente urbanização e industrialização,

sendo a água doce a com maior incidência.

Afirmam CUNHA e GUERRA37 o que segue:

[...] o ciclo hidrológico tem sido radicalmente alterado pelo contínuo processo de desmatamento e pela urbanização, prejudicando o nível dos aqüíferos subterrâneos. A expansão das áreas urbanas, por exemplo, resulta na impermeabilização crescente do solo (por meio da pavimentação, do asfaltamento e das edificações com elevados índices de aproveitamento do terreno), impedindo a infiltração natural das águas pluviais, o que favorece o escoamento superficial responsável pelas inundações e pela erosão.

O Brasil é um país rico em recursos hídricos, como foi citado

anteriormente, possuindo 11,6% (onze vírgula seis por cento) da água utilizável

do mundo e possui a maior bacia hidrográfica do planeta, mesmo assim sofre com

a falta de água potável nas grandes cidades.

CORDEIRO NETTO38 trata sobre a má distribuição da água,

conforme transcrição que segue:

A água é um problema seríssimo no mundo todo. No Brasil, se tem a falsa sensação de que é um país muito rico em água, mas na verdade nós temos uma falsa riqueza, porque a abundância de água doce está situada na Amazônia, longe do grande centro produtor, consumidor e longe da grande concentração da população brasileira.

Continua ainda:

37 CUNHA, Sandra Batista da e GUERRA, Antônio José Teixeira. Avaliação e perícia ambiental.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 229-230. 38 CORDEIRO NETTO, Oscar Cordeiro. A abundância de água no Brasil é uma ilusão. Folha do

Meio Ambiente Cultura Viva, Brasília, v. 12, n. 124, p. 9-10, mar. 2002.

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No semi-árido nordestino, no Sudeste e Sul o problema é sério. Há falta de água e há muita poluição de recursos hídricos. O próprio Centro-Oeste já tem problemas dessa natureza. Às vezes a água está tão poluída que não pode ser aproveitada para usos mais importantes como o abastecimento público das cidades. O caso clássico é o de São Paulo e do Rio de Janeiro, cidades que sofrem, ao mesmo tempo, de falta de água e de enchentes. Porque a água que inunda é tão poluída que não pode ser aproveitada e a água que se bebe é buscada em locais muito distantes.

Pode-se concluir que o problema principal não é a falta de

água no Brasil, mas sim a sua utilização inadequada que ocasionou a má

qualidade de água que o país possui. Há que se falar na necessidade de uma

cultura de preservação deste bem, potencializando o entendimento de que é um

bem limitado e que precisa ser conservado.

É importante ressaltar que é necessário reduzir os fatores

que comprometem os estoques disponíveis, como o desmatamento, o consumo

excessivo e a poluição. Depois pode-se apelar para uma série de soluções

tecnológicas já disponíveis, como a dessalinização da água do mar ou a

reciclagem dos esgotos tratados, que podem ser usados para jardins, lavar ruas

ou, ainda, em processos industriais.

1.3 A ÁGUA COMO RECURSO AMBIENTAL: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA

LEI 6.938/81

A água conforme definição advinda do artigo 3º da Lei

6.938/81, é um recurso ambiental, como segue:

V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

Desta forma, recurso ambiental é a primeira grande

classificação na qual se enquadra os Recursos Hídricos, sendo muito importante

ter isso claro para entendermos o restante do presente trabalho monográfico.

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Ainda no artigo 3º da referida lei, tem-se o conceito de meio

ambiente, sendo este o maior conjunto no que se refere a Política Nacional do

Meio Ambiente. Considerando que recurso ambiental faz parte do meio ambiente

e a água é recurso ambiental, traremos alguns arrazoados acerca do que vem a

ser meio ambiente.

Entende-se por meio ambiente como o “conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Isto é o que está disposto

no artigo 3º, inciso I da Lei n. 6.938/81, ou seja, a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente.

A Lei acima mencionada, ainda em seu artigo 2º, inciso I,

dispõe que o meio ambiente é considerado como um “patrimônio público a ser

necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”.

SILVA39 nos ensina que:

O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja integração condiciona o meio em que se vive. Daí por que a expressão meio ambiente se manifesta mais rica de sentido (como a conexão de valores) do que a simples palavra ambiente. Esta exprime o conjunto de elementos; aquela expressa o resultado da interação desses elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico.

O meio ambiente é assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais.

39 SILVA, José Afonso da. Ética prática. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins

Fontes, 1994, p. 1.

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MUKAI40 traz entendimento em consonância com o

posicionamento de SILVA, in verbis:

A expressão “meio ambiente” tem sido entendida como a interação de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado vida do homem, não obstante a expressão, como observam os autores portugueses, contenha um pleonasmo, porque “meio” e “ambiente” são sinônimos.

O meio ambiente pode ser classificado, segundo

FIORILLO41, em quatro tipos:

� MEIO AMBIENTAL NATURAL – é constituído por solo, água, ar atmosférico, flora e fauna. Concentra o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem;

� MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL – é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto);

� MEIO AMBIENTE CULTURAL – de acordo com o Prof. José Afonso da Silva (1994, p. 03) meio ambiente cultural “é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial”;

� MEIO AMBIENTE DO TRABALHO – constitui o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio em na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).

40 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992,

p. 3. 41 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva,

2000, p. 20.

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SILVA42 classifica o meio ambiente em três tipos, conforme

transcrição que segue:

� meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto);

� meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou; e

� meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, água, e ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam. É esse o aspecto do meio ambiente que a Lei n. 6.938/81, define, em seu art. 3º, quando diz que para os fins nela previstos, entende-se por meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Nesse mesmo sentido a doutrinadora GRAF43 segue,

conforme transcrição:

[...] sendo a água um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, não se lhe pode negar a natureza jurídica de bem difuso ambiental. Sua utilização, por este motivo, está condicionada à manutenção do equilíbrio ecológico do ambiente. Isto logicamente não quer significar que todo e qualquer uso implique um desequilíbrio juridicamente relevante, mas configura um limite fundado na sustentabilidade ambiental44, que deve ser observado por todos, Poder Público e coletividade.

42 SILVA, José Afonso da. Ética prática. 1994, p. 3. 43 FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Águas: aspectos jurídicos e ambientais. 2ª edição,

Curitiba: Editora Juruá, 2004, p. 56. 44 LANFREDI (LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política Ambiental: busca da efetividade de seus

instrumentos. 2002, p. 138) traz em sua obra o conceito de sustentabilidade: “[...] é a busca da segurança da humanidade em, que a implementação das exigências sociais, culturais e econômicas se compatibiliza com a proteção do meio ambiente”. Ainda sobre a sustentabilidade,

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Conforme todo o exposto verifica-se que a água é um bem

jurídico tutelado principalmente pela Legislação Pátria, por preencher todos os

requisitos necessários para assim poder fazer parte do que se chama meio

ambiente e, ainda, podendo ser classificada como meio ambiente natural, visto

ser a água um Recurso Ambiental.

1.4 MICROBEM E MACROBEM AMBIENTAL RELACIONADO AO RECURSO

HÍDRICO

Para o presente trabalho, árdua e não menos importante

ressaltar os conceitos de microbem e macrobem e em qual destes conceitos a

água está inserida.

Ao longo do tempo surgiram diferentes terminologias

utilizadas no trato do bem ambiental por haver mudanças nas valorações dadas

ao fenômeno ambiental sob o prisma de sua visão econômica.

BENJAMIM45 trata sobre o assunto, como se segue:

Preliminarmente, em visão sistêmica, fundamental é distinguirem-se as partes do todo, ou seja, não confundir os elementos constitutivos do ambiente com o ambiente como universalidade. É a distinção de bem ambiental, categorizando-o em macrobem e microbem ambientais.

BENJAMIM46 continua no mesmo sentido:

O ambiente, como “equilíbrio ecológico”, e macrobem ambiental, é essencialmente imaterial e incorpóreo, não sendo passível de apropriação ou sobre o qual se possam conferir direitos

MILARÉ (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 52), “[...] é preciso crescer, sim, todavia de maneira planejada e sustentável, com vistas a assegurar a compatibilizaçao do desenvolvimento econômico-social com a proteção da qualidade ambiental. Isto é condição para que o progresso se concretize em função de todos os homens e não à custa do mundo natural e da própria humanidade, que, com ele ameaçada pelos interesses de uma minoria”.

45 BENJAMIM, Antônio Herman V. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. 1993, p. 69 a 72.

46 BENJAMIM, Antônio Herman V. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. 1993, p. 70.

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individuais. Os elementos corpóreos integrantes do meio ambiente têm regime jurídico e estão submetidos á legislação própria. Observe-se que, quando se fala na proteção da fauna, da flora, do ar, da água e do solo, não se busca propriamente a proteção desses elementos em si, mas sim, deles como elementos indispensáveis à proteção do meio ambiente como bem imaterial, objeto último e principal almejado pelo legislador. Sem diminuir a importância da preservação dos elementos corpóreos – microbens -, deve-se atentar para o fato de que eles são vistos e considerados não em sua individualidade específica, mas como elos fundamentais da imensa cadeia, da grande teia que rege a vida de forma geral (o meio ambiente).

O Código Civil Brasileiro de 1916, em seu artigo 43 dividiu

os bens em móveis, imóveis, as coisas fungíveis e consumíveis, as divisíveis e

indivisíveis e as coisas singulares e coletivas.

Já o doutrinador BEVILÁQUA47, que afirmava serem os bens

“em relação às pessoas, a quem os bens pertencem”, divididos em públicos e

particulares, in verbis:

Os bens públicos, encarados do ponto de vista de sua utilização, podem ser: de uso especial, de uso comum e particular ou dominicais. São de uso comum os administrados pelos poderes públicos, e que podem ser utilizados por quaisquer pessoas, respeitadas as leis e regulamentos [...]. Os bens comuns, enquanto conservam esse caráter, são inalienáveis e repelem o usucapião; os de uso especial e os patrimoniais podem ser alienados, de conformidade com as leis que os regulam.

Já o jurista BENJAMIM48 afirma que:

O meio ambiente, como macrobem, é bem público não por que pertença ao Estado (pode até pertencê-lo), mas por que se apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”. É bem público em sentido objetivo e não, subjetivo. Por sua natureza e pelos elementos que engendra,

47 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Rio, 1980, p. 1993-1994. 48 BENJAMIM, Antônio Herman V. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. 1993, p.

66.

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prematuro é, entretanto, categorizar o bem ambiental no âmbito de “dominialidade coletiva”.

FARIAS49 soluciona os questionamentos de ambos os

doutrinadores supra mencionados conforme transcrição:

Portanto, o bem ambiental, “bem de uso comum do povo”, não se identifica com a definição de bens públicos e privados do Código Civil brasileiro50. Sua titularidade não o vincula somente ao Estado, mas à sociedade em geral. Por outro lado, não só os bens públicos integram, os bens sujeitos á proteção ambiental também, os bens privados são protegidos no enunciado constitucional.

É importante ressaltar a diferença existente entre microbem

e macrobem, para isto, faz-se uso da doutrina de LEITE51, conforme segue a

transcrição:

Na concepção de microbem ambiental, isto é, dos elementos que o compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico etc.), o meio ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou seja, pública e privada, no que concerne à titularidade dominial. Na outra categoria, ao contrário, é um bem qualificado como de interesse público; seu desfrute é necessariamente comunitário e destina-se ao bem estar-estar individual.

A água, como recurso hídrico que é, está inserida neste

contexto como sendo um macrobem ambiental, por tratar-se de bem de interesse

público, em que é utilizado pela comunidade e destinado ao bem estar individual.

1.5 CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA

SILVA52 faz a classificação das águas em: águas territoriais,

águas interiores superficiais, águas interiores subterrâneas e águas públicas,

comuns e particulares.

49 FARIAS, José Leite Farias. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? 2005, p.84. 50 Artigo 66. Os bens públicos são: I – de uso comum do povo, tais como os mares, estradas, ruas

e praças [...]. 51 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. 2.

ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 85.

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23

Entende-se por águas territoriais como aquelas que banham

as costas exteriores dos Estados membros e das ilhas oceânicas53. O doutrinador

faz, ainda, subdivisões: águas interiores (sendo subdivididas em águas artificiais,

águas correntes e fluviais, água doce, águas escolatícias, águas estagnadas,

águas lacustres ou dormentes, águas minerais, águas nascentes, águas nocivas,

águas pluviais, águas remanescentes águas salinas, águas salobras, águas

sobejas, águas selvagens, águas vertentes ou colatícias, águas vivas) e águas

exteriores (sendo subdivididas em água estrangeira, águas livres, internacionais

ou não contíguas, águas territoriais adjacentes e águas contíguas).

As águas interiores superficiais são aquelas que se

encontram na superfície do solo sob a forma líquida. Portanto, as águas interiores

superficiais são aquelas que correm ou encontram-se nos rios, ribeiros, córregos,

arroios, fontes ao ar livre, açudes, mar etc54.

Entende-se por águas interiores subterrâneas como sendo

aquelas que se acumulam (águas subterrâneas paradas) ou têm curso a certa

profundidade, sob a superfície do solo (correntes d´águas subterrâneas ou lençóis

aqüíferos – flumina subterrânea)55.

Acrescenta-se que o artigo 96 do Código de Águas

(revogado pela CRFB/88) dispõe que o dono de qualquer terreno poderá

apropriar-se por meio de poços, galerias etc., das águas que existam debaixo da

superfície de seu prédio, contanto que não prejudique aproveitamentos existentes

nem derive ou desvie de seu curso natural águas públicas dominicais, públicas de

uso comum ou particulares56.

52 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

2004, p. 94. 53 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

2004, p. 94. 54 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

2004, p. 97. 55 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

2004, p. 104. 56 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

2004, p. 104.

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24

As águas públicas (aquelas que se acham submetidas a

domínio público), águas comuns (aquelas correntes não navegáveis ou flutuáveis

e das quais os donos ou proprietários dos prédios que elas banham ou

atravessam), águas particulares ou privadas (aquelas apropriadas ou utilizadas

nos prédios particulares, provenham destes, ou não; são particulares as

nascentes e todas as demais águas localizadas em áreas sob o domínio

particular, quando elas não estiverem, de uma forma ou de outra, classificas entre

as águas comuns, águas comuns de todos ou águas públicas), encontram-se

especificadas no Código de Águas, Decreto 24.643/34, nos seus artigos 7º, 8º, 71

e seguintes57.

Ressalta-se que com o advento da CRFB/88, as águas

particulares deixaram de existir e a Lei n. 9.433/97 trata da água como um bem

público.

Percebe-se através do capítulo a importância que o recurso

hídrico tem para a sobrevivência de todos os seres, bem como a sua escassez e

a constante luta pela conscientização da população a respeito da economia de

água, bem como a sua conservação para o bem da humanidade. Faz-se

necessário, partindo de todo o exposto, fazer, de alguma forma, um controle

desse recurso ambiental.

57 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

2004, p. 105.

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CAPÍTULO 2

TUTELA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No presente capítulo será tratado sobre a proteção que a

legislação traz para os recursos hídricos. Para isto, em primeiro lugar, vamos

passar ao histórico da legislação.

2.1 HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE OS RECURSOS

HÍDRICOS

O primeiro passo nesta parte do estudo é conceituar o que

vem a ser legislação de águas. No que tange este tema DELUQUE58 dispõe:

O conjunto de normas jurídicas que regem os direitos e as limitações ao uso do recurso natural na dominialidade e condições físicas, assim como o poder-dever da administração Pública na sua gestão e estruturada de acordo com o sistema de direito existentes no país de sua aplicação considerando ainda as demais fontes do direito, quais sejam a doutrina, a jurisprudência, os usos e costumes e ao ajustes internacionais.

DELUQUE59 apresenta em seus estudos o histórico

completo sobre a legislação que trata sobre o recurso hídrico e é com base nas

suas considerações sobre o tema que este item da presente monografia foi

construído.

O primeiro registro sobre a legislação aconteceu ainda na

época da Colônia de Portugal com o surgimento das Ordenações através de

58 DELUQUE, Sandra Maria Lima. A educação ambiental e os aspectos legais e institucionais

para a proteção e preservação dos recursos hídricos na bacia do alto Paraguai. http://www.pgta.ufms.br/trabs/trab039.pdf. Acesso em 05 set. 2005.

59 DELUQUE, Sandra Maria Lima. A educação ambiental e os aspectos legais e institucionais para a proteção e preservação dos recursos hídricos na bacia do alto Paraguai. http://www.pgta.ufms.br/trabs/trab039.pdf. Acesso em 05 set. 2005.

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26

normas legais. A principal preocupação dos legisladores foi a proteção da

natureza com o intuito de preservá-la enquanto fonte geradora de riqueza,

declarando o domínio e a posse das águas particulares.

Enquanto o Brasil ainda era um Império tivemos vários

decretos e atos esparsos e não proibitivos tendo em vista a concepção privatista

do direito absoluto da propriedade, limitando o poder público até no que diz

respeito à atribuição do valor social da terra.

Com a promulgação do CC/1916, em seus artigos 554

(referente ao direito de vizinhança) e com mais destaque ao 584 (que proíbe

construções capazes de poluir ou inutilizar para uso ordinário a água de poços em

fonte alheia) há a caracterização de dispositivos que visam a proteção do meio

ambiente.

Com o advento da criação do Código Florestal, Lei n.

4.771/65, passou-se a disciplinar a matéria com entendimento idêntico ao texto do

Código das Águas, Decreto Federal n. 24.643/34, diferenciam-se somente no que

tange aos objetivos.

O Código de Águas anteriormente citado instituiu a política

hídrica do país. Esta continua vigente até hoje, mas sofreu alterações devido à

suas medidas já não garantirem mais a proteção de forma a contemplar todos os

tipos de usos e classificações dos recursos hídricos e necessitando assim de

implementar outras leis já que a água antes tinha características de bens

particulares.

Os conceitos dos princípios usuário-pagador e poluidor-

pagador já estavam presentes no Código das Águas, que registrava no parágrafo

2º de seu artigo 36º que o “uso das águas pode ser gratuito ou retribuído,

conforme as leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que

pertencerem”60.

60 TURTELLI, Cláudio (Coord.). Relatório da comissão permanente de estudos sobre a

variável ambiental e suas implicações na gestão pública. http://www.pvbauru.org.br/aguamostra.asp?id=14618. Acesso em 05 set. 2005.

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Já em 1970 foi promulgado o Decreto n. 67.084 que foi

registrado nas Nações Unidas em 29 de maio de 1973 que disciplinava o Tratado

da Bacia do Prata cujo objetivo era reunir esforços por parte do Brasil, Argentina,

Bolívia, Uruguai e Paraguai para preservar e promover desenvolvimento dos

recursos hídricos integrantes da referida Bacia Hidrográfica.

Em 1988, com a promulgação da CRFB/1988 tem-se a

consolidação do princípio da defesa do meio ambiente como condicionante do

direito de propriedade e introduz o sistema de gerenciamento dos recursos

ambiental e hídrico, bem como estabelece as competências para legislar sobre

recursos hídricos e garantindo às gerações presentes e futuras o direito ao uso da

água em condições de consumo.

A instituição das bases da Política Nacional do Meio

Ambiente foi instituída com a criação da Lei n. 6.938/81 que também menciona de

forma direta no inciso VII do artigo 4º “a imposição, ao poluidor e ao predador, da

obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da

contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” em

consonância com o Código de Águas de 193461.

A água só foi tratada como um bem econômico na

Conferência Internacional sobre a Água e o Meio Ambiente, ocorrida em janeiro

de 1992, em Dublin, Irlanda, e acabou por merecer todo o Capítulo 18 da Agenda

2162.

Tendo em vista a publicação da Lei Federal n. 9.433/97,

instituiu-se a Política Nacional dos Recursos Hídricos. Com esta lei foi promovido

o instrumento econômico da Cobrança pelo Uso da Água (outorga, cobrança e

planos de Recursos Hídricos) ao centro de discussões atenções, por seu caráter

indutor de comportamento dos setores produtivos direcionando-os, em tese, para

61 TURTELLI, Cláudio (Coord.). Relatório da comissão permanente de estudos sobre a

variável ambiental e suas implicações na gestão pública. http://www.pvbauru.org.br/aguamostra.asp?id=14618. Acesso em 05 set. 2005.

62 TURTELLI, Cláudio (Coord.). Relatório da comissão permanente de estudos sobre a variável ambiental e suas implicações na gestão pública. http://www.pvbauru.org.br/aguamostra.asp?id=14618. Acesso em 05 set. 2005.

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estratégias econômicas de maior sustentabilidade sócio-ambiental e pelas

perspectivas de prover recursos para o financiamento de programas, projetos e

intervenções prioritárias no âmbito das bacias hidrográficas, função esta supra

mencionada explicitamente, em seu artigo 19, inciso III63:

Foi criada a Agência Nacional das Águas pela Lei n. 9.984

em 2000. Nesta lei fica estabelecida a competência para formular a Política

Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e articular os planejamentos

nacionais, regionais, estaduais e dos setores referentes à matéria.

2.2 A ÁGUA NA CRFB/88: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SUA

DOMINIALIDADE E COMPETÊNCIAS

A Constituição da República Federativa do Brasil, tratando

sobre o domínio das águas prevê:

Artigo 20. São bens da União:

[...]

III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

[...]

VI – o mar territorial;

[...]

VIII – os potenciais de energia hidráulica;

63 Artigo 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:[...] III – obter recursos financeiros

para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

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Destaca MILARÉ64 sobre as águas da União:

São da União as águas interiores superficiais que não se contenham no território de um Estado. As águas subterrâneas são sempre estaduais, independente da extensão do aqüífero. [...] As águas marítimas são sempre da União. [...] reservou à União o domínio dos potenciais de energia hidráulica.

A CRFB/88 ainda sobre o domínio das águas, no que diz

respeito aos Estados, dispõe:

Artigo 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;[...].

Segundo MILARÉ65 “o inciso abrange todo o ciclo hidrológico

terrestre [...]. O texto, como se vê, não faz qualquer limitação territorial, donde se

conclui que, ordinariamente, as águas são de domínio dos Estados”.

Sobre a competência legislativa no que tange a União, a

Constituição preceitua:

Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão.

Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

64 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 582. 65 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 582.

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VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

[...]

VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

FIORILLO66 tece comentários sobre os artigos:

Diante dessa celeuma, em que não restou claro ser competência da União legislar sobre a matéria águas ou caber a ela somente a edição de normas gerais, temos que a melhor interpretação é extraída com base no art. 24, de modo que a competência para legislar sobre normas gerais é atribuída à União, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal legislar complementarmente e ao Município suplementarmente, com base no art. 30, II, da Constituição Federal67.

GRAF68 acrescenta ainda:

Quanto aos Municípios, apesar de não terem sido contemplados no art. 24, eles detêm competência para legislar sobre as matérias lá arroladas, desde que observadas as condições estabelecidas pela própria Constituição: trata-se de assuntos de interesse local e respeitar o disposto nas legislações estadual e federal.

Com base nos ensinamentos de MACHADO69 no que tange

os artigos acima mencionados:

Significa que os padrões de qualidade das águas deverão ser estabelecidos somente pela União. Assim, dar critérios para classificação das águas de rios, lagos, lagoas, etc. compete somente à área federal. Contudo, nas águas estaduais, competirá

66 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2000, p. 101 67 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2000, p. 101. 68 FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Águas: aspectos jurídicos e ambientais. 2004, p. 60. 69 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 8ª edição, São Paulo:

Malheiros, 2000, p. 106.

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aos órgãos estaduais fazer a aplicação dos critérios federais e efetuar a classificação.

Assim, o município tem competência para suplementar as

legislações existentes no ordenamento jurídico, podendo complementar tais

regras, adaptando-se às suas particularidades, e estabelecer, inclusive, normas

mais restritivas.

2.3 CÓDIGO DAS ÁGUAS – DECRETO N. 24.643/34 – IMPORTÂNCIA

O Código das Águas foi implementado pelo Decreto n.

24.643/34 e foi o primeiro diploma legal que possibilitou ao Poder Público

disciplinar o aproveitamento industrial das águas para a exploração de energia

hidráulica. Foi editada em forma de decreto e não em lei, pois estavam no então

chamado Governo Provisório, ou seja, após a Revolução de 193070.

ARAGÃO71 ressalta o marco da revolução industrial na

história da proteção ambiental, como se segue:

Com a revolução industrial, os papéis inverteram-se e agora é a Natureza que carece de proteção contra a ação humana.

Continua ainda:

Os problemas ambientais com que o Homem moderno se defronta já não são as catástrofes naturais de outrora, mas os efeitos

70 A Revolução de 1930 foi um movimento iniciado por oligarquias insatisfeitas com o resultado

das eleições presidenciais de 1930 com associação com grupos radicais de oficiais do exército brasileiro. Através de um movimento militar, essa coalizão heterogênea derruba o governo legalmente constituído, com uma plataforma de moralização das práticas políticas e de transformações sociais e econômicas.

O governo instaurado pela Revolução de 30 foi responsável pela adoção no Brasil das primeiras formas de legislação social e de estímulo ao desenvolvimento industrial. Dos sindicatos brasileiros às grandes empresas estatais, todas as modernas estruturas do Estado e da sociedade brasileira têm sua origem nas reformas desse período (LAMOUNIER, Bolívar. Revolução de 1930. http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/consnac/orgpol/periodos/rev1930/apresent.htm. Acesso em 17 set. 2005).

71 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio o poluidor pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997, p. 19-20.

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nefastos, e quantas vezes irreversíveis, que derivam de rupturas graves do equilíbrio ecológico pela ação do Homem.

Conforme MILARÉ72, o Código das Águas é dividido em

duas partes: a primeira trata das águas em geral e de seu domínio, estabelecendo

as normas fundamentais do que podemos chamar de Direito das Águas; a

segunda trata do aproveitamento dos potenciais hidráulicos e estabelece uma

disciplina para geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Esta parte

é mais extensa do que a primeira, dado que foi o motivo determinante da edição

do Código.

FARIAS73 tece comentários a respeito do Código das Águas:

O Código das Águas, diploma legal formulado na terceira década do século XX, foi considerado um instrumento avançado para a época. Todavia, a evolução das atividades humanas acarretou sua desconformidade à realidade, à medida que novas atividades econômicas surgiram, ensejando a necessidade de criação de outros instrumentos de controle, em função do aumento da demanda da água, de forma qualitativa e quantitativa.

Dividia as águas em três classes: as águas públicas de uso

comum, águas comuns e águas particulares.

Segundo MILARÉ74 “em suma as águas públicas eram as

águas navegáveis ou flutuáveis, [...] As demais eram comuns, sem dono; poucas

e insignificantes eram as águas particulares”.

No que diz respeito às águas pluviais, MACHADO75 acha

importante ressaltar, e explica em conformidade com o que está disposto no

Código das Águas, como se segue:

O Código das Águas divide equilibradamente o direito de propriedade das águas pluviais, conforme o lugar em que essas

72 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 574. 73 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? 2005, p. 392. 74 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 575. 75 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2000, p. 418.

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caírem e conforme o lugar em que essas caírem e conforme o curso da natureza citar para essas águas. Se as águas das chuvas caírem em um terreno privado, ao seu proprietário inicialmente pertencerão. Se caírem em terrenos ou lugares públicos, todos poderão ir apanhar as águas pluviais. Essa apropriação será feita gratuitamente e segundo as necessidades, tanto do proprietário privado como de qualquer do povo. No caso das águas pluviais caídas em terreno privado, o proprietário deste não poderá desperdiçar essas águas, nem desviá-las de seu curso natural.

Afirma, ainda, o doutrinador que “a Lei n. 9.433/97 não

modificou as sábias regras de 1934”.

Os alvéolos76, segundo o Código, eram particulares quando

cobertos por áreas comuns ou particulares. Se cobertas por águas públicas eram

de domínio público. Atualmente, com a promulgação de novas leis, os alvéolos

são públicos.

As margens77 são públicas dominicais os terrenos da

marinha e os terrenos reservados às margens das correntes navegáveis.

MILARÉ78 destaca: “[...] o Código Florestal revogou o Código

das Águas, no que tange tanto aos terrenos reservados quanto à faixa de

servidão [...]”.

A UNIÁGUA79, em artigo publicado sobre o Código das

Águas, tece comentário ao referido Código:

76 Segundo MILARÉ (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário.

2004, p. 576), “alvéolo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo ordinariamente enxuto”.

77 Segundo MILARÉ (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 576), “as margens são os terrenos ordinariamente enxutos, ao longo dos corpos de água”.

78 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p.576. 79 Universidade da Água. Água no planeta.

http://www.uniagua.org.br/website/default.asp?tp=3&pag=aguaplaneta.htm. Acesso em 12 set. 2005.

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[...] assegura o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água para as primeiras necessidades da vida e permite a todos usar as águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos. Impede a derivação das águas públicas para aplicação na agricultura, indústria e higiene, sem a existência de concessão, no caso de utilidade pública, e de autorização nos outros casos; em qualquer hipótese, dá preferência à derivação para abastecimento das populações.

Conclui-se que o Código das Águas embora antigo, ainda é

vigente, mas muito modificado por leis posteriores.

2.4 A GESTÃO DAS ÁGUAS: DO CÓDIGO DAS ÁGUAS À LEI N. 6.938/81

A preocupação com a água no Código das Águas era com a

sua quantidade e não com a qualidade. Somente em 1970 é que houve a

preocupação com a poluição que começou a atingir de forma drástica as águas

brasileiras.

MILARÉ80 tece os seguintes comentários sobre o tema,

conforme segue:

A implementação do Código de Águas ficou a cargo de órgãos federais, no que respeita às águas de domínio da União, e de órgãos estaduais, mas de domínio dos Estados. Na órbita federal, essa competência era do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, compartilhada com o Departamento Nacional de Obras contra as Secas – DNOCS nas áreas sujeitas ao flagelo das secas. Os Estados também constituíram órgãos para aplicar o Código de Águas, e seus atos mais importantes eram as autorizações para a derivação de águas e as concessões para o aproveitamento de energia hidroelétrica.

Prevía-se a indenização pela poluição ou a purificação da

mesma por parte dos agricultores que fizessem uso da água.

80 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 577.

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Somente a Lei n. 6.938/81 é que dispôs sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente e SISNAMA. O órgão superior ao SISNAMA é o

CONAMA.

A lei supra mencionada em seu artigo 11 estabelece as

atribuições do CONAMA: “estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao

controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso

racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos”.

Nota-se a importância de que são tratados os vários

recursos ambientais, bem como o recurso hídrico.

2.5 LEI N. 9.433/97: IMPORTÂNCIA, OBJETIVOS E FUNDAMENTOS

Foi esta lei que instituiu a Política Nacional de Recursos

Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Altera profundamente o Código das Águas, mesmo tendo outro objetivo

específico, qual seja o de gestão organizacional e gerencial dos Recursos

Hídricos.

Esta lei deu execução ao disposto no artigo 21, XIX da

CRFB/88, in verbis:

Artigo 21. Compete à União:

[...]

XIX – instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso.

Os seus objetivos primordiais estão dispostos em seu artigo

2º, conforme se segue:

Artigo 2º. São objetivos da Política Nacional dos Recursos Hídricos:

I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água com qualidade adequada para seu uso;

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II – o uso racional e integrado dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável;

III – a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos, quer sejam de origem natural, quer decorrentes do uso inadequado, não só das águas, mas também dos demais recursos naturais.

Percebe-se que o intuito do legislador ao delimitar os

objetivos contidos na Política Nacional de Recursos Hídricos inicialmente buscam

garantir o acesso futuro à água para uso humano, ou seja, criar mecanismos para

que tal objetivo específico aconteça (inciso I).

Para que o primeiro objetivo da Política referida seja

possível de ser alcançado, indispensável o respeito a racionalidade no uso da

água, garantindo um conceito moderno de desenvolvimento sustentável atrelado

a qualidade e essencialidade da vida humana (inciso II).

Já no último inciso, claramente buscou-se utilizar tanto a

prevenção quanto a defesa para garantir o uso atual e futuro dos recursos

hídricos, adotando tal assertiva tanto para as causas naturais quanto para o mau

uso da água (inciso III).

Já os fundamentos da Política Nacional de Recursos

Hídricos encontram-se dispostos em seu artigo 1º, in verbis:

Artigo 1º. A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:

I – a água é um bem de domínio público;

II – a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III – em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;

IV – a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

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V – a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

VI – a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Os fundamentos citados acima denotam os objetivos da lei,

atribuindo a água dominialidade pública e valor econômico, conforme

abordaremos especificamente em momento oportuno neste trabalho monográfico.

Ainda em seus fundamentos, a Política de Recursos

Hídricos consagra o respeito ao consumo racional e a unidade territorial para

implementação da Política referida. Por fim, adota a descentralização participativa

para tanto da esfera pública como da sociedade civil organizada na gestão dos

Recursos Hídricos.

Além disto, um dos pontos mais importantes desta lei é que

ela trouxe amparo legal para a ética de sustentabilidade, podendo-se, desta

forma, ser invocado pelo Poder Judiciário quando as outorgas, planos e ações

inviabilizarem a disponibilidade hídrica para as presentes e futuras gerações81.

Seguindo o entendimento de FARIAS82, sobre a Lei Federal,

conforme transcrição:

[...] incorpora à ordem jurídica novos conceitos, como: o de bacia hidrográfica, considerada como unidade de planejamento e gestão; o da água como bem econômico passível de ter a sua utilização cobrada; a gestão das águas delegada a comitês e conselhos de recursos hídricos, com a participação, da União, dos Estados, dos Municípios, de usuários de recursos hídricos e da sociedade civil.

Ainda continua:

81 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2000, p. 425. 82 FARIAS, José Leite Farias. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? 2005, p. 393.

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A Lei busca assegurar viabilidade ao Sistema: viabilidade financeira, ao destinar os recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água ao custeio dos organismos que integram o Sistema e à constituição dos financiamentos das intervenções identificadas pelo processo de planejamento; viabilidade administrativa, ao criar organismos de apoio técnico, financeiro e administrativo aos colegiados do Sistema – as Agências de Água e a Secretaria Executiva.

Esta é a lei de maior relevância para a proteção e GESTÃO

dos recursos hídricos não só a nível federal, já que descentraliza a gestão, que se

dá a partir da bacia hidrográfica.

2.5.1 Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

Segundo MACHADO83, este se encontra previsto no art. 21,

XIX da CRFB/8884, já citado oportunamente no item 2.5.

Á semelhança dos demais sistemas nacionais previstos e

relacionados com o meio ambiente (sistema cartográfico, estatístico e geológico)

não deu a Constituição qualquer orientação sobre a organização e o campo de

abrangência desse sistema, a não ser que deve ser de natureza nacional.

Organizado e constituído já existe o SISNAMA, no qual as águas já estão

evidentemente incluídas. As águas não podem dissociar-se dos outros recursos

ambientais e nem ter uma política antagônica ou fechada em si mesma.

Os objetivos do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos estão dispostos no artigo 32 da Lei n. 9.433/97, in verbis:

Artigo 32. Fica criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com os seguintes objetivos:

I – coordenar a gestão integrada das águas;

83 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2000, p 182. 84 Art. 21. Compete à União: [...] XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos

hídricos e definir critérios de outorga de direito de seu uso;

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II – arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos;

III – implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;

IV – planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos;

V – promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

VIANA85, Superintende de Outorga da ANA no ano de 2002,

tece comentários sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos, conforme transcrito:

O funcionamento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é relativamente simples e descentralizado. A ANA é a entidade reguladora do uso dos rios de domínio da União. As agências de águas, ao contrário, serão entidades de direito privado, para dar flexibilidade ao sistema. A relação entre a ANA e as agências de águas será estabelecida por contratos de gestão. Os comitês de bacias, no entanto, é que decidirão quando e quanto cobrar pelo ouso dos rios.

GRAF86 comenta sobre a organização do Sistema Nacional

de Gerenciamento de Recursos Hídricos:

Integra este sistema o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; os conselhos de recursos hídricos dos Estados e do Distrito Federal; comitês de bacia hidrográfica; os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos e, as agências de água.

Destarte, percebe-se a preocupação do legislador em

montar um plano amplo para gestão sustentável e responsável dos recursos

hídricos do nosso país.

85 VIANA, Francisco Lopes. A problemática do uso da água e impactos na formação.

http://www.dn.senai.br/repertorio/antena%20%20agua.pdf. Acesso em 24 ago. 2005. 86 FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Águas: aspectos jurídicos e ambientais. 2004, p. 67.

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2.5.1.1 A importância do Conselho Nacional de Recursos Hídricos

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é o órgão maior

do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Foi a ele que o legislador conferiu o

poder normativo e articulador do planejamento dos Recursos Hídricos.

Foi o Decreto n. 4.613/03 quem regulamentou o Conselho

Nacional de Recursos Hídricos.

MILARÉ87 tratou sobre a composição deste órgão, conforme

transcrição:

Presidido pelo Ministro do Meio Ambiente, é composto por 57 membros, sendo 29 representantes dos Ministérios e Secretarias Especiais da Presidência da República, com atuação no gerenciamento e no uso de recursos hídricos; 10 representantes de Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; 12 representantes de usuários de recursos hídricos (irrigantes; instituições encarregadas da prestação de serviço público de abastecimento de água e de esgotamento sanitário; concessionárias e autorizadas de geração de energia hidroelétrica; setor hidroviário; indústria; pescadores e usuários de recursos hídricos com finalidade de lazer e turismo); e 6 representantes de organizações intermunicipais de bacias hidrográficas; organizações técnicas de ensino e pesquisa com interesse e atuação comprovada na área de recursos hídricos; organizações não-governamentais com objetivos, (interesses e atuação comprovada na área de recursos hídricos).

Continua ainda:

O titular da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente será o Secretário-Executivo do Conselho88.

Assim, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem

significativa importância no processo de gestão dos recursos hídricos neste país.

87 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 598-599. 88 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência. 2004, p. 599.

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2.5.1.2 As Agências de Águas

A ANA é uma autarquia sob regime especial, com autonomia

administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, é

responsável pela execução da Política Nacional de Recursos Hídricos, criada pela

Lei 9.984 de 2000. Sua principal competência é a de implementar o

gerenciamento dos recursos hídricos no país.

As atividades a que a ANA está incumbida são as dispostas

no art. 4º da Lei n. 9.984/00, onde em linhas gerais limitou a sua atuação aos

verbetes instituídos pela Política Nacional de Recursos Hídricos, de forma

articulada ao Sistema Nacional de Recursos Hídricos.

Quanto às suas incumbências pontuais, temos a salientar as

principais, sendo elas zelar pelo cumprimento da legislação federal referente à

matéria de recursos hídricos (inciso I) e normatizar no sentido de fazer-se efetiva

a implementação e operacionalização dos instrumentos da Política Nacional de

Recursos Hídricos (inciso II).

Cabe também à ANA outorgar o direito de uso das águas e

fiscalizar seu uso, no caso de corpos de recursos hídricos de domínio da União

(inciso IV e V).

No que se refere aos valores cobrados pelo uso dos

recursos hídricos, a ANA deve elaborar estudos técnicos para subsidiar a

definição pelo Conselho Nacional no que se trata das águas de domínio da União

(inciso VI). Deve também implementar, arrecadar, distribuir e aplicar as receitas

advindas da cobrança dos valores fixados em articulação com os Comitês de

Bacia Hidrográfica (inciso VIII e IX).

O estímulo e apoio a iniciativas de criação de Comitês de

Bacia Hidrográfica também é tarefa da Agência Nacional de Águas conforme

expressa previsão legal do inciso VII do art. 4º da lei 9.984/00.

Já a MP 2.216-37 de 01.09.2001 introduziu o inciso XVIII

para determinar a participação da ANA na elaboração do Plano Nacional de

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Recursos Hídricos, como principal órgão de trabalho da União no que se refere a

gestão das águas de domínio da União.

Importante salientar que a ANA poderá delegar à agência de

água ou de bacia hidrográfica a execução de atividades de sua competência,

conforme o que prevê o parágrafo 4º do mesmo artigo citado acima.

Passada as explicações referente à ANA, discorreremos

sobre as Agências de água, vinculadas estas aos Comitês de Bacia.

MILARÉ89 define as Agências de Água, conforme segue

transcrição:

As Agências de Água são órgãos com personalidade jurídica, criadas para dar apoio técnico aos Comitês de Bacia e arrecadar e gerir os recursos advindos da cobrança pelo uso da água, desenvolvendo a chamada “engenharia” do Sistema. Por isso, são requisitos para sua criação a prévia existência do Comitê de Bacia e a sua viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso das águas. Uma Agência pode abranger a área de atuação de mais de um Comitê de Bacia.

Já as atribuições das agências de água encontram-se

previstas no artigo 44 da Lei n. 9.433/97. Entre as principais atribuições encontra-

se a de manutenção do balanço de disponibilidade de recursos hídricos em cada

área de atuação, possuindo cadastro de usuários (inciso I e II).

No que diz respeito à cobrança pelo uso da água, cabe às

Agências efetuar tal cobrança além de acompanhar e administrar os recursos

arrecadados desta forma (inciso III e V).

Cabe também às Agências de Água gerir o Sistema de

Informações sobre Recursos Hídricos vinculados ao Comitê de sua Atuação além

de elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação também do Comitê no

qual tiver vinculada (inciso VI e X).

89 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 603

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Considerando a proximidade de atuação e vinculação aos

Comitês de Bacia, tem como atribuição propor ao mesmo o enquadramento dos

corpos de água nas classes de uso (XI ‘a’ ), os valores a serem cobrados pelo uso

da água (XI ‘b’) e o plano de aplicação dos recursos provenientes desta cobrança.

(XI ‘c’).

Através do exposto percebem-se a diferença clara entre a

ANA e as agências de águas, não restando dúvidas sobre o assunto.

2.5.1.3 Os conselhos estaduais e os comitês de bacias hidrográficas

GRAF90 tece comentários sobre os conselhos estaduais e os

comitês de bacias hidrográficas, conforme segue:

Os conselhos, (nacional e estaduais) e os comitês de bacia hidrográfica são colegiados democráticos constituídos por representantes dos governos e da sociedade civil (compreendendo segmentos dos usuários e entidades não governamentais), para a gestão dos recursos hídricos. Ou seja, todos os setores interessados decidem como planejar e gerenciar de forma participativa o uso da água, compatibilizando os seus diversos usos: abastecimento, produção de energia, uso industrial, irrigação, transporte, entre outros.

São nos comitês que serão tomadas as decisões políticas

sobre a utilização dos recursos hídricos.

O artigo 37 da Lei 9.433/97 dispõe sobre a área de atuação

dos comitês.

Artigo 37. Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação:

I – a totalidade de uma bacia hidrográfica;

II – sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou

90 FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Águas: aspectos jurídicos e ambientais. 2004, p. 67.

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III – grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.

Parágrafo único. A instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio da União será efetivada por ato do Presidente da República.

De acordo com o Superintendente da ANA91, o comitê de

bacia é uma espécie de parlamento das águas. Reúnem vários usuários

(indústrias, irrigantes e consumidores), o poder público (governos federal,

estaduais e prefeituras) e organizações não-governamentais.

Tão logo foi criada, a ANA dedicou-se a incentivar a

organização de comitês de bacia onde existem conflitos pelo uso das águas e em

regiões com rios muito poluídos. Atualmente, já são cerca de 60 (sessenta)

comitês de bacia em plena atividade.

A composição dos comitês de bacias hidrográficas está

definida no artigo 39 da Lei n. 9.433/97, conforme redação descrita abaixo:

Art. 39. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes:

I - da União;

II - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;

III - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação;

IV - dos usuários das águas de sua área de atuação;

V - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.

Desta forma, percebe-se que procurou a legislação descrita

conceder aos comitês de bacias hidrográficas um caráter supra governamental, 91 VIANA, Francisco Lopes. A problemática do uso da água e impactos na formação.

http://www.dn.senai.br/repertorio/antena%20%20agua.pdf. Acesso em 24 ago. 2005.

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tornando participativo, onde os entes federados – União, Estados e Municípios –

tivesse direito a participar de sua composição, sem esquecer dos usuários das

águas na esfera de atuação do comitê e também da sociedade civil organizada.

Com isso garantiu a lei, que no processo decisório dentro

das competências legais atribuídas aos comitês de bacias hidrográficas,

houvesse a participação de praticamente todos os atores envolvidos ou

interessados neste processo.

2.5.1.4 Os órgãos dos poderes públicos

Segundo MILARÉ92, os órgãos dos poderes públicos

“compreendem todos os órgãos e entidades integrantes da Administração Pública

Federal, Estadual e Municipal, cujas competências estejam associadas ao

disciplinamento de uso de recursos hídricos”.

No artigo 31 da Lei 9.433/97 estabeleceu-se que os

Municípios e o Distrito Federal devem promover a integração de suas políticas

locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio

ambiente com as políticas estaduais e federal de recursos hídricos.

Neste sentido, procurou-se dentro da forma como a

ordenamento jurídico brasileiro regula as questões referente aos recursos

hídricos, demonstrar todas as bases fundamentais para garantia do uso racional e

prolongado deste elemento indispensável a vida humana.

92 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 602.

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CAPÍTULO 3

A OUTORGA DE DIREITO E A COBRANÇA SOBRE O USO DOS RECURSOS HÍDRICOS

O presente capítulo irá tratar sobre a outorga de direito e a

cobrança sobre o uso dos recursos hídricos, tendo em vista serem eles um dos

instrumentos utilizados pela Política Nacional de Recursos Hídricos para existir

um controle maior sobre este recurso ambiental, bem como ser o objeto do

presente trabalho.

3.1 A OUTORGA DE DIREITO SOBRE O USO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Antes de dar início à explanação sobre a cobrança faz-se

necessário entendimento sobre a outorga, que não só na prática, mas na própria

lei que trata sobre o assunto, esta antecede à cobrança.

3.1.1 Outorga de uso de recursos hídricos: conceito e objetivos

Segundo FREIRE93 “o termo outorgar provém do latim

auctoricares e significa conceder, facultar, permitir, atribuir, imputar, estar de

acordo”. Na doutrina, como veremos a seguir, o termo outorgar é usado como

autorização e permissão.

A Resolução do Conselho Nacional de Recurso Hídrico n.

16/01, em seu artigo 1º, define o que vem a ser a outorga:

Art. 1º. A outorga de direito de uso de recursos hídricos é o ato administrativo mediante o qual a autoridade outorgante faculta ao outorgado previamente ou mediante o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato, consideradas as legislações específicas vigentes.

93 FREIRE, Laudelino. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: A

Noite, 3v, 1940 a 1943, p. 2564.

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A Instrução Normativa n. 4 de 21.06.2000, do Ministério do

Meio Ambiente (DOU de 03.07.2000, pp. 25-30) definiu o que vem a ser outorga

de direito de recursos hídricos, conforme transcrição que segue:

[...] ato administrativo, de autorização, mediante o qual o Poder Público outorgante faculta ao outorgado o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos termos e condições expressas no respectivo ato.

O Decreto n. 24.643, de 10.07.1934 traz o conceito de

autorização administrativa:

Ato unilateral, por meio do qual o detentor do domínio do recurso hídrico – União ou Estados – com base nas prioridades fixadas no Plano de Bacia Hidrográfica, aprovado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica, confere ao interessado o direito à autorização privativa do recurso, com o fim de atender a interesse público ou particular, devendo a precariedade ser dimensionada de acordo com a finalidade dessa utilização, em cada caso concreto.

A Instrução Normativa de n. 4, que aprovou os

procedimentos administrativos para a emissão de outorga de direito de uso de

recursos hídricos, em corpos d’água de domínio da União, assim definiu:

ANEXO I

[...]

Art. 2º. Para efeito desta Instrução Normativa, considera-se:

[...]

XVI – Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos: ato administrativo, de autorização, mediante o qual o Poder Público outorgante faculta ao outorgado o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato;

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GRANZIERA94 define a outorga de direito de uso da água,

conforme segue:

A outorga do direito de uso da água é o instrumento pelo qual o poder público atribui ao interessado, público ou privado, o direito de utilizar privativamente o recurso hídrico.

Ainda sobre o conceito da outorga, segue entendimento de

CAUBET95:

A outorga de direito de uso de recursos hídricos consiste no fato de a administração pública atribuir a disposição de certa quantidade de água bruta, a pedido de um interessado, para finalidade específica no ato de atribuição.

Para um melhor entendimento sobre a autorização traz-se a

baila a conceituação de autorização que se tem no âmbito do Direito

Administrativo, através de MEIRELLES96, conforme transcrição que segue:

Autorização é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais etc. Na autorização, embora o pretendente satisfaça as exigências administrativas ou não do atendimento da pretensão do interessado ou da cessação do ato que, satisfeitas as prescrições legais, fica a Administração obrigada a licenciar ou a admitir.

A outorga é um dos seis instrumentos da Política Nacional

de Recursos Hídricos trazidos pela nova legislação. ANTUNES97 discorre sobre a

94 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas doces.

2001, p. 180. 95 CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política... e o meio ambiente? Curitiba: Juruá, 2004,

p. 165. 96 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p.

186. 97 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 598.

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importância para o Estado do instrumento da Política Nacional dos Recursos

Hídricos denominado “outorga”, in verbis:

[...] através da outorga, o Estado passa a ter controle sobre a captação e o lançamento de efluentes nos corpos de água. A inexistência de tais controles, como se sabe, acarretou conseqüências extremamente negativas. De fato, antes da legislação atual, o bem público água era apropriado privadamente, gerando lucro e riqueza para seus usuários e transferindo os ônus da manutenção de sua qualidade para a sociedade como um todo. Esta prática é desnecessária dizer, era extremamente anti-social.

Em conformidade com o já constatado no presente trabalho,

“a necessidade de controlar o uso da água está intrinsecamente relacionada com

a escassez do recurso”98. Pelo exposto pela referida doutrinadora, conclui-se que

a finalidade da outorga é justamente para se ter um controle sobre o uso da água,

pois, há não só no país, como no mundo, pouco desse recurso.

Os objetivos da outorga estão elencados no art. 11 da Lei

9.433/97, conforme transcrição:

Art. 11. O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.

Vale lembrar no presente trabalho que “a outorga não

implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito

de seu uso”99.

VIANA100 tece comentários a respeito da outorga, conforme

segue:

98 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas doces.

2001, p. 180. 99 Lei 9.433/97, art. 18. 100 VIANA, Francisco Lopes. A problemática do uso da água e impactos na formação.

http://www.dn.senai.br/repertorio/antena%20%20agua.pdf. Acesso em 24 ago. 2005.

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A outorga deverá respeitar, também, a classe na qual o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso. A outorga visa preservar o uso múltiplo da água, que inclui os usos no saneamento, indústria, agricultura, mineração, geração de energia, irrigação, recreação, turismo e paisagismo.

Tendo conceituado a outorga bem como exposto os seus

objetivos, passa-se agora à sua natureza jurídica.

3.1.2 Natureza jurídica da outorga de direito de uso de recursos hídricos

Leva-se em consideração a outorga dos direitos de uso dos

recursos hídricos como sendo “ato administrativo que faculta, a particulares e a

prestadores de serviço público, o uso das águas, em condições preestabelecidas

e por tempo determinado”101, para o presente estudo.

O art. 43, caput do Dec. 24.643/34 ao definir o regime das

outorgas, referia-se às figuras da concessão administrativa, para os casos de

utilidade pública, e da autorização administrativa, para as outras finalidades102,

conforme segue transcrição:

Art. 43. As águas públicas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa, no caso de utilidade pública e, não se verificando esta, de autorização administrativa, que será dispensada, todavia, na hipótese de derivações insignificantes.

A Lei 9.433/97 não alterou essa regra, mas a Lei

9.984/2000, que criou a ANA, estabeleceu que a outorga será feita por meio da

autorização103, conforme segue transcrição:

Art. 4º. A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos

101 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 589. 102 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 589. 103 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 589.

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Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:

[...]

IV - outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, observado o disposto nos arts. 5º, 6º, 7º e 8º;

Segue entendimento de MEIRELLES104 acerca da outorga:

[...] a outorga será expedida por meio de autorização, que é ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade ou a utilização especial de um bem público. Não obstante, a lei institui uma nova forma de autorização, porque ela será expedida com prazo determinado, que pode ir até 35 anos prorrogável.

Continua ainda:

Lamentavelmente, o legislador nem sempre segue os conceitos jurídicos-doutrinários. Ao criar a autorização com prazo, deixa de lado sua definição tradicional de ato administrativo precário para dar-lhe um caráter quase-contratual, como aconteceu com a permissão. Sem dúvida, será uma autorização condicionada, pois enquanto estiver cumprindo os termos da outorga, no prazo estabelecido, o autorizatário terá direito ao uso de água. É verdade que a Lei 9.433/97 permite a suspensão da autorização, total ou parcialmente, por tempo determinado ou em definitivo, por motivos de relevante interesse público (art. 15). Mas, se o autorizatário efetuou investimentos para a utilização da água em sua atividade econômica (industrial, agrária, comercial etc.), sempre surgirão dúvidas sobre seu direito ao ressarcimento dos mesmos.

Na verdade o ato administrativo de outorga possui uma parte

vinculada, conforme pode ser percebido no artigo 13 e parágrafo único da Lei n.

9.433/97 e uma parte discricionária. Segue artigo:

104 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 2001, p. 520.

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Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso.

Parágrafo único. A outorga de uso dos recursos hídricos deverá preservar o uso múltiplo destes.

Tecidos os comentários à natureza jurídica sobre a outorga

de uso de recursos hídricos passamos às atividades sujeitas à este instrumento

da Política Nacional de Recursos Hídricos.

3.1.3 Atividades sujeitas à outorga de direto de recursos hídricos

As atividades sujeitas à outorga de uso de recursos hídricos

encontram-se elencadas no artigo 12 da Lei 9.433/97, conforme transcrição que

segue:

Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:

I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;

V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.

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MACHADO105 tece comentários sobre o inciso V do artigo

supra mencionado:

No inc. V do art. 12 acima referido, o legislador deu à Administração Pública a possibilidade de alargar os casos em que a outorga hídrica seja obrigatória. A Administração Pública, contudo, terá o ônus da prova a respeito da possibilidade da alteração do regime, da quantidade e/ou da qualidade de água existente em um corpo de água. Só assim pode-se entender como legais as modalidades de outorga do art. 3º, III, IV e V, da IN 4, de 21.6.2000: obras hidráulicas; serviços de limpeza, proteção de margens e desassoreamento de cursos de água e travessias em cursos d´água (DOU de 3.7.2000, p. 27).

MUSETTI106 também faz comentários ao mesmo inciso,

conforme segue transcrição:

O inciso V, do art. 12, revela que o rol ali apresentado é exemplificativo e não taxativo, ou seja, qualquer uso que altere o regime, a quantidade o a qualidade da água de um corpo d’água, desde que não esteja elencado no art. 12, § 1º, deverá obter a devida outorga, além de se submeter a cobrança pelo uso do recurso hídrico (art. 20).

No mesmo artigo, em seu parágrafo primeiro, está disposto

sobre as situações que independem de outorga, elencadas nos 3 (três) incisos,

conforme segue:

§ 1º Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em regulamento:

I - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;

II - as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;

105 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 437. 106 MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico ambiental dos recursos hídricos. São

Paulo: Direito, 2001, p. 82.

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III - as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.

Ainda no mesmo artigo, dispõe no que concerne à outorga e

utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de acordo

com a transcrição:

§ 2º A outorga e a utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica estará subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hídricos, aprovado na forma do disposto no inciso VIII do art. 35 desta Lei, obedecida a disciplina da legislação setorial específica.

Citadas as atividades que se encontram submetidos ao

regime da outorga, passa-se a explanar sobre o procedimento para a obtenção.

3.1.4 Competência para conceder a outorga

Segundo GRANZIERA107, “a outorga do direito de uso de

recursos hídricos constitui exercício do poder de polícia administrativa”.

Assim estabelece o artigo 14:

Art. 14. A outorga efetivar-se-á por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal.

MUSETTI108, em sua obra, tece comentários sobre quem

concede a outorga, conforme transcrição que segue:

Sabe-se que é o Poder Público quem concede a outorga (efetivada por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, Estadual ou do Distrito Federal), entretanto, quando o recurso hídrico for de domínio da União, o Poder Executivo Federal poderá delegar aos Estados e ao Distrito Federal competência para conceder a outorga de direito de uso (art. 14, § 1º).

107 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 180. 108 MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico ambiental dos recursos hídricos. 2001,

p. 83.

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GRANZIERA109 traz a problemática sobre a competência

sobre quem pode ou não outorgar:

Na esfera federal, ou no que toca aos rios de domínio da União, essa competência vinha sendo exercida pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério de Meio Ambiente, que assumiu algumas das funções do extinto Departamento de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, relativas ao controle de usos para fins outros que não a geração de energia elétrica. Atualmente, cabe à Agência Nacional de Águas – ANA outorgar o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, conforme art. 4º, IV, da Lei n. 9.984/2000.

E continua ainda:

Nas águas de domínio estadual, ou do Distrito Federal, cabe aos órgãos incumbidos de exercer essa atividade, legal e regimentalmente, de acordo com o disposto nas leis estaduais.

Conforme pode ser evidenciado a partir dos autores supra

mencionados, pode-se concluir que quando se trata de águas de domínio da

União cabe à ANA conceder a outorga sobre o uso da água e quando se trata de

águas de domínio do Estado cabe aos órgãos responsáveis pelo que dispõe as

leis estaduais. Então a concessão da outorga tem como princípio a dominialidade

do bem.

No site da ANA110, tem-se o seguinte entendimento:

De acordo com o inciso IV do art. 4º da Lei Federal n. 9.984, de 17 de junho de 2000, compete à Agência Nacional de Águas, ANA, outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, bem como emitir outorga preventiva. Também é competência da ANA a emissão da reserva de disponibilidade hídrica para fins de aproveitamentos hidrelétricos e sua conseqüente conversão em outorga de direito de uso de recursos hídricos.

109 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 180. 110 Agência Nacional de Água. Outorga de direito de uso.

http://www.ana.gov.br/GestaoRecHidricos/Outorga/default2.asp. Acesso em 17 abr. 2006.

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O entendimento da ANA vai de encontro ao disposto no art.

14, § 1º da Lei das Águas, no que tange às águas de domínio da União de que

pode a esta última delegar aos Estados e Distrito Federal a concessão da outorga

de direito de uso de recurso hídrico, conforme segue transcrição,

Art. 14. [...]

§ 1º O Poder Executivo Federal poderá delegar aos Estados e ao Distrito Federal competência para conceder outorga de direito de uso de recurso hídrico de domínio da União.

Evidencia-se, de acordo com o artigo supra mencionado,

que se trata de norma que autoriza o poder público federal a decidir aos casos em

que delegará a competência sobre outorgas aos Estados ou ao Distrito Federal

através de poder discricionário, uma vez que será verificada, em cada caso, a

conveniência e a oportunidade, assim como o interesse público nessa delegação.

Outra questão a ser analisada é sobre a área territorial

abrangida pela outorga. Sobre o assunto GRANZIERA111 tece comentários:

A lei não indica diretamente o espaço territorial que deve ser considerado pela autoridade na decisão administrativa sobre a concessão da outorga de direito de uso da água. Apenas diz que cabe ao detentor do domínio o respectivo exercício do poder de polícia de outorgas.

A Lei 9.433/97 resolveu esta questão ao fixar a competência

dos Comitês para aprovar o Plano de Bacia Hidrográfica que conterá as

prioridades para outorga, entre outros elementos, bem como determina que a

outorga se condiciona à essas prioridades. Com isso foi restringida a

discricionariedade dos órgãos competentes para outorgar o direito de uso das

águas, à medida que devem ser consideradas as prioridades definidas nas

decisões emanadas dos Comitês de Bacias Hidrográficas.

111 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 187.

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Para fundamentar o que foi acima exposto, traz-se a baila

artigos para comprovar tal entendimento:

Art. 38. Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação:

[...]

III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;

Art. 7º Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos e terão o seguinte conteúdo mínimo:

[...]

VIII - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos;

Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso.

Com a criação da Lei supra mencionada restringiu-se a

discricionariedade dos órgãos competentes para outorgar o direito de uso das

águas, bem como ficou resolvida a questão de abrangência geográfica para

concessão de outorgas em cada bacia hidrográfica, conforme pode ser percebido

através dos artigos citados anteriormente.

Nos casos em que os comitês atuem nas sub-bacias ou

grupos de bacias e sub-bacias contíguas, o poder público deve considerar todos

os planos relativos à determinada região, para conceder as outorgas.

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No que tange aos municípios, GRANZIERA112 tece

comentários:

A competência dos Municípios cinge-se ao “interesse local”, relativo aos recursos naturais e a proteção do meio ambiente. Não sendo os Municípios detentores do domínio hídrico, não que se falar em fixação de regras administrativas sobre gestão de águas. Todavia, nada impede a participação desses entes no âmbito dos sistemas de gerenciamento de recursos hídricos.

Pode-se perceber que não foi concedido ao Município tal

competência. Este poderá apenas suplementar certas omissões, complementar

princípios ou normas gerais nas matérias cuja competência não seja exclusiva ou

privativa dos demais entes políticos, com destaque para os assuntos inseridos na

competência residual destes últimos, desde que haja compatibilidade com os

interesses da população local.

Abaixo seguem algumas das atribuições específicas da ANA

no que tange à outorga:

A – analisar e emitir parecer circunstanciado e conclusivo sobre outorga de direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, inclusive adução de água bruta, pra decisão da Diretoria Colegiada;

B – coordenar a articulação entre os órgãos gestores de recursos hídricos sobre critérios e procedimentos de outorga nas bacias hidrográficas integradas por rios de domínio da União;

C – propor o estabelecimento de prazos para a regularização dos usos de recursos hídricos de domínio da União, que não sejam amparados por correspondente outorga de direito de uso;

[...]

Tendo concluído o entendimento sobre a competência, tanto

a nível Federal, Estadual como Municipal, para que seja requerida a outorga,

112 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 187.

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passamos a tratar sobre os casos de suspensão, extinção ou embargos da

outorga, conforme segue o tópico.

3.1.5 Possibilidades de suspensão, extinção da outorga de direito ou

embargos

ANTUNES113 faz uma introdução ao assunto:

A outorga deve ser tida como um instituto jurídico administrativo intermédio entre a autorização e a licença administrativa. Embora não seja concedida em caráter precário, igualmente não o é, de forma definitiva.

A outorga do direito é dada por prazo determinado, não

podendo exceder 35 (trinta e cinco) anos, bem como é renovável, devendo esta

última ser pedida antes do término do prazo, sob pena de perda de direito de uso

das águas.

O artigo 15 da Lei n. 9.433/97, explicita diversas hipóteses

nas quais se poderá registrar a suspensão da outorga, conforme segue

transcrição:

Art. 15. A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias:

I - não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;

II - ausência de uso por três anos consecutivos;

III - necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;

IV - necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;

113 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2002, p. 599.

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V - necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas;

VI - necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água.

O inciso I trata sobre o não-cumprimento das obrigações

impostas no ato administrativo de outorga. Já o inciso II diz respeito ao desuso.

Nesses dois casos a suspensão aparece como sanção administrativa, o que não

é caso dos incisos posteriores.

MILARÉ114, tece comentários sobre o inciso III:

Versa sobre medida preventiva ou corretiva a ser adotada em episódios críticos referentes à quantidade de água para garantir usos essenciais à vida e à saúde pública, por exemplo. Permite estabelecer um racionamento do uso das águas, suspendendo, parcial ou até mesmo totalmente, certos usos durante período crítico.

O inciso IV é similar ao anterior e se refere à qualidade da

água, bem como é medida de suspensão total da captação de água para

abastecimento público.

Em situações de escassez o uso da água será priorizado ao

consumo humano e a dessedentação como uso prioritário, conforme inciso V e

em caso de navegabilidade, inciso VI.

CAUBET115 define as situações previstas nos incisos III a V

como “stress hídrico que podem ser definidas como de penúria aguda, dentro de

um quadro geral de escassez”.

O inciso V contem, ainda, as exigências previstas nos

fundamentos da Lei n. 9.433/97, no seu art. 1º, inciso III: “em situações de

114 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 593. 115 CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política... e o meio ambiente? 2004, p. 173.

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escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a

dessedentação de animais”.

MILARÉ116 termina sua explanação a respeito da suspensão

ou extinção da outorga sobre o uso da água, conforme segue:

A possibilidade de suspender o direito de uso da água decorre do fato de não ser ele um “direito adquirido”, irrevogável ou só revogável mediante indenização. O direito de uso é revogável, sem indenização, sempre que houver necessidade atender a usos prioritários, de interesse coletivo, que podem revelar-se tempos depois de outorgado o direito de uso da água. Nesse ponto, como já dito, a outorga tem o caráter da autorização, que é essencialmente revogável a critério da autoridade competente e é a denominação que lhe dá o Código de Águas.

Torna-se importante ressaltar que no momento em que a

outorga foi concedida tais circunstâncias não existiam e passaram de certa forma

a existirem.

Segundo MACHADO117, “A suspensão irá ocorrer pelo

advento de circunstâncias que não são de responsabilidade da Administração

Pública, nem de responsabilidade do outorgado”.

Conforme pode ser evidenciado, quem torna necessária a

suspensão é o interesse público geral, podendo a suspensão ser por prazo

determinado ou definitiva, não restando ao outorgado direito à indenização. O

princípio da não indenização pode ser exemplificada com o que se encontra

previsto no art. 33, caput do Decreto 89.496/84, para fins de irrigação, in verbis:

Art. 33. A concessão ou a indenização de distribuição de águas públicas, para fins de irrigação ou atividades decorrentes, extingue-se, sem qualquer indenização a concessionário ou autorizado, nas seguintes hipóteses:

[...]

116 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 594. 117 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 445.

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Conforme evidenciado, não há que se falar em indenização

na suspensão ou extinção do uso da água.

MACHADO118 traz, ainda, um importante comentário sobre a

suspensão, conforme segue:

Nos casos em que tenha havido a suspensão da outorga, no período em que vigora a suspensão não se efetuará a cobrança. Evidentemente, far-se-á a adequada fiscalização, para que a suspensão não seja burlada.

Há também uma terceira hipótese que será o embargo, este

podendo ser definitivo ou provisório. Ambos os casos encontram-se dispostos no

art. 50 da Lei 9.433/97, conforme transcrição que segue:

Art. 50. Por infração de qualquer disposição legal ou regulamentar referentes à execução de obras e serviços hidráulicos, derivação ou utilização de recursos hídricos de domínio ou administração da União, ou pelo não atendimento das solicitações feitas, o infrator, a critério da autoridade competente, ficará sujeito às seguintes penalidades, independentemente de sua ordem de enumeração:

[...]

III - embargo provisório, por prazo determinado, para execução de serviços e obras necessárias ao efetivo cumprimento das condições de outorga ou para o cumprimento de normas referentes ao uso, controle, conservação e proteção dos recursos hídricos;

IV - embargo definitivo, com revogação da outorga, se for o caso, para repor incontinenti, no seu antigo estado, os recursos hídricos, leitos e margens, nos termos dos arts. 58 e 59 do Código de Águas ou tamponar os poços de extração de água subterrânea.

Sobre o embargo definitivo MACHADO119 tece comentários,

conforme se segue:

118 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 451. 119 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 451.

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A cominação da penalidade de embargo definitivo (art. 50, IV, da Lei 9.433/97) acarreta obrigatoriamente a revogação da outorga. Portanto, ocorrendo o embargo definitivo não se poderá efetuar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

Continua ainda, mas tratando agora sobre o embargo

provisório:

A aplicação da penalidade de embargo provisório (art. 50, III, da Lei 9.433/97) tem caráter cominatório, pois visa ou à “execução de serviços e obras necessárias ao efetivo cumprimento das condições de outorga” ou tem a finalidade de levar ao “cumprimento de normas referentes ao uso, controle, conservação e proteção dos recursos hídricos”. O embargo provisório irá impedir o uso dos recursos hídricos no prazo de sua vigência. Não suspende nem revoga a outorga, e, portanto, não confere ao outorgado o direito a deixar de pagar os valores referentes ao uso dos recursos hídricos, uma vez que, estando vigente a outorga, está, também, vigente a obrigação de cobrança, conforme o art. 20, mencionado.

Em suma, pode-se dizer que a extinção da outorga, bem

como a suspensão e o embargo definitivo faz com que não seja mais efetuada a

cobrança pelo uso da água, o que diferencia o embargo provisório, que, pela

própria natureza de seu nome, tem caráter provisório, não fazendo com que o

outorgado tenha o direito de não pagar mais os valores sobre o uso dos recursos

hídricos.

O art. 50, da lei supra mencionada, ainda traz algumas

outras penalidades sobre o mau uso dos recursos hídricos, conforme segue

transcrição:

[...]

I - advertência por escrito, na qual serão estabelecidos prazos para correção das irregularidades;

II - multa, simples ou diária, proporcional à gravidade da infração, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais);

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[...]

1º Sempre que da infração cometida resultar prejuízo a serviço público de abastecimento de água, riscos à saúde ou à vida, perecimento de bens ou animais, ou prejuízos de qualquer natureza a terceiros, a multa a ser aplicada nunca será inferior à metade do valor máximo cominado em abstrato.

§ 2º No caso dos incisos III e IV, independentemente da pena de multa, serão cobradas do infrator as despesas em que incorrer a Administração para tornar efetivas as medidas previstas nos citados incisos, na forma dos arts. 36, 53, 56 e 58 do Código de Águas, sem prejuízo de responder pela indenização dos danos a que der causa.

§ 3º Da aplicação das sanções previstas neste título caberá recurso à autoridade administrativa competente, nos termos do regulamento.

§ 4º Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

Nota-se, através dos incisos e parágrafos do artigo supra

mencionados que existem outros tipos de penalidades.

3.1.6 Outorga preventiva

A outorga preventiva também conhecida como preliminar

encontra-se disposta nos arts. 6º e 7º da Lei 9.984/2000, conforme transcrição

que segue:

Art. 6º A ANA poderá emitir outorgas preventivas de uso de recursos hídricos, com a finalidade de declarar a disponibilidade de água para os usos requeridos, observado o disposto no art. 13 da Lei n. 9.433, de 1997.

§ 1º A outorga preventiva não confere direito de uso de recursos hídricos e se destina a reservar a vazão passível de outorga, possibilitando, aos investidores, o planejamento de empreendimentos que necessitem desses recursos.

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§ 2º O prazo de validade da outorga preventiva será fixado levando-se em conta a complexidade do planejamento do empreendimento, limitando-se ao máximo de três anos, findo o qual será considerado o disposto nos incisos I e II do art. 5º.

Art. 7º Para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial de energia hidráulica em corpo de água de domínio da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL deverá promover, junto à ANA, a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídrica.

§ 1º Quando o potencial hidráulico localizar-se em corpo de água de domínio dos Estados ou do Distrito Federal, a declaração de reserva de disponibilidade hídrica será obtida em articulação com a respectiva entidade gestora de recursos hídricos.

§ 2º A declaração de reserva de disponibilidade hídrica será transformada automaticamente, pelo respectivo poder outorgante, em outorga de direito de uso de recursos hídricos à instituição ou empresa que receber da ANEEL a concessão ou a autorização de uso do potencial de energia hidráulica.

§ 3º A declaração de reserva de disponibilidade hídrica obedecerá ao disposto no art. 13 da Lei n. 9.433, de 1997, e será fornecida em prazos a serem regulamentados por decreto do Presidente da República.

O site da ANA120 traz esclarecimentos quanto à outorga

preventiva, como se segue:

A outorga prévia é exigível quando o objeto requerido é condicionante para a continuidade de outros procedimentos de licenciamentos, em especial a Autorização Ambiental e a Licença Prévia, atos administrativos de licenciamento ambiental.

No caso do uso de recursos hídricos para aproveitamento de potenciais hidrelétricos, a outorga prévia terá como finalidade declarar a reserva de disponibilidade hídrica.

120 Agência Nacional de Água. Outorga de direito de uso.

http://www.ana.gov.br/GestaoRecHidricos/Outorga/default2.asp. Acesso em 17 de abr. 2005.

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MACHADO121, explica como se deve proceder para dar

entrada ao pedido de outorga preventiva através dos artigos supra mencionados:

Tanto no art. 6º como no art. 7º pode-se pedir a reserva de determinada quantidade de água. O requerente entra numa fila para que se estabeleça a precedência de seu pedido. A outorga preventiva não vai obrigar o requerente ao uso imediato, devendo a ANA estabelecer um prazo máximo de até três anos para utilização da outorga preventiva (art. 6º, § 2º, da Lei 9.984/2000).

A ANA não está obrigada a conceder a outorga de uso de recurso hídrico só pelo fato de o requerente ter obtido a outorga preventiva de “declaração de disponibilidade de água”. [...] A vantagem da outorga preventiva, aqui tratada, é estabelecer uma preferência em relação a quem não a obteve.

A outorga preventiva deve ter seu pedido e sua autorização publicados no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na respectiva região (art. 8º da Lei 9.984/2000), ainda que não confira direito imediato de uso dos recursos hídricos. [...] A publicidade dessa outorga destina-se a mostrar a todos a “vazão passível de outorga”, para que, em toda uma bacia hidrográfica, possa ser feito um planejamento hídrico eficiente e idôneo e não se esconda de ninguém a água que se pretende reservar.

A Lei n. 9.433/97 dispõe sobre a utilização de recursos

hídricos sem a devida outorga, como segue:

Art. 49. Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos:

I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso;

Tem-se a necessidade de ressaltar que a outorga preventiva

não confere direito de uso de recursos hídricos. O único objetivo é o de reservar a

vazão passível de outorga, possibilitando aos investidores o planejamento de

121 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 445.

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empreendimentos que necessitam desses recursos. O prazo máximo de duração

é de 3 (três) anos, não podendo ser renovado.

Segundo o entendimento de ANTUNES122, “existe, no

particular, um certo grau de similaridade com a Licença Prévia (LP) prevista na

legislação de licenciamento ambiental”.

A diferença encontra-se no sentido em que a outorga

preventiva não cria uma vinculação da administração para com as razões nela

estabelecidas.

Conclui-se com o exposto que a outorga preventiva é

somente para a declaração de disponibilidade de água, não resultando em direito

de uso da água, somente para planejamento de uso.

3.2 A COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Agora será tratado sobre a cobrança pelo uso dos recursos

hídricos.

3.2.1 Conceito

Segundo FREIRE123 (apud GRANZIERA, 2001) ““cobrar”, do

latim recuperare, tem o sentido de “fazer ser pago; exigir o valor de””. “Cobrança

significa arrecadação de quantias”.

Ainda, faz-se necessário trazer entendimento do MMA124,

conforme segue:

É um mecanismo educador, que reconhece a água como bem econômico e dá ao usuário ma indicação de seu real valor, incentivando a racionalização do uso da água e obtendo recursos

122 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2002, p. 599. 123 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 220. 124 Ministério do Meio Ambiente e Secretaria de Recursos Hídricos. Documento de introdução

sobre o Plano Nacional de Recursos Hídricos: iniciando um processo de debate nacional. Brasília-DF, 2005, p. 26.

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para o financiamento de programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

O conceito supra mencionado é de grande valia para se

chegar ao entendimento sobre a importância que tem a cobrança pelo uso da

água e também o instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos.

Para se chegar ao conceito de cobrança pelo uso dos

Recursos Hídricos, há de se trazer a baila considerações de FARIAS125:

A medida de valor de algum bem – seja na visão econômico-liberal, seja na visão de bem jurídico como objeto de relações jurídicas – está localizada no interesse despertado por este bem, para satisfação de necessidade específica ou na proteção de determinado valor, conforme análise já realizada da obra de Hessen (1967, p. 42).

GRANZIERA126 conceitua o que vem a ser a cobrança pelo

uso dos recursos hídricos:

A cobrança pelo uso da água consiste no instrumento econômico da política de recursos hídricos.

Assim como Granziera, FARIAS127, também traz o conceito

de cobrança, conforme segue transcrição:

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos é um dos instrumentos de gestão que, ao lado da outorga e de outros, atua como um dos mais eficazes indutores do uso racional desse recurso.

Ainda sobre o conceito de cobrança, GARRIDO128 traz seu

entendimento:

125 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico, econômico ou ecológico? 2005, p. 411. 126 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 220. 127 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico, econômico ou ecológico? 2005, p. 438. 128 GARRIDO, Raymundo. A cobrança pelo uso da água. São Paulo: Instituto de Qualificação

e Editoração. 2000, p. 1.

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A cobrança pelo uso dos recursos hídricos é um dos instrumentos de gestão mais eficientes para induzir o usuário da água a uma utilização racional desse recurso. A sua importância reside no fato de atuar sobre as decisões de consumo do agente econômico que tem, na água bruta, um dos insumos, às vezes matéria-prima, para sua produção.

ANTUNES129 tece comentários sobre a cobrança:

A cobrança pelo uso da água está inserida dentro de um princípio geral do Direito Ambiental que impõe àquele que, potencialmente, auferirá os lucros com a utilização dos recursos ambientais, o pagamento dos custos. A cobrança, portanto, está plenamente inserida no contexto das mais modernas técnicas do Direito Ambiental e é socialmente justa.

Assim como a outorga, a cobrança também é uma das

formas de se aplicar o princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro da

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento de

1992, conforme já explicado em capítulo anterior.

Vale lembrar que muito antes da Lei que criou a Política

Nacional dos Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97), o Código das Águas de 1934 já

dispunha sobre a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e sobre aquilo que hoje

chamamos de Princípio de Usuário-Poluidor-Pagador130.

É o entendimento de MACHADO131:

A aplicação do princípio usuário-poluidor-pagador pressupõe a conscientização do público, que tem sido o grande prejudicado pela “internalização dos lucros e externalização dos custos”, pois, como acentua Olivier Godard, as empresas são incentivadas pelo mecanismo da concorrência a escapar, tanto quanto possível, da assunção dos ônus associados ás suas atividades, sendo esses

129 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2002, p. 600. 130 A criação do princípio poluidor-pagador está no Princípio n. 16 da Declaração do Rio de

Janeiro: “As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse do público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais”.

131 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 450.

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ônus transferidos para outros agentes, para o Poder Público ou para o meio ambiente.

A Lei n. 6.938/81, em seu art. 4º, VII, já trazia o princípio da

cobrança, conforme segue transcrição:

Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

[...]

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Há que se lembrar que a cobrança está sujeita à outorga,

pois sem esta última não há que se falar em estabelecer valores como

contraprestação para o uso da água.

MACHADO132 ainda lembra que “a cobrança decorre dos

usos das águas, não sendo uma punição; e, portanto, não tem relação direta com

a imposição das multas”.

Tecidos os comentários a respeito da cobrança, bem como a

sua conceituação, passamos a explicar sobre a sua natureza jurídica.

3.2.2 Natureza jurídica

FARIAS133, trata da natureza jurídica da cobrança pelo uso

da água:

[...] o aspecto que se destaca na sua natureza jurídica é o de um instrumento econômico (de uma forma de internação de um custo que até então não era incorporado ao procedimento de utilização da água).

132 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 451. 133 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico, econômico ou ecológico? 2005, p. 437.

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Vale ainda destacar comentário de ANTUNES134, conforme

segue:

A cobrança pela utilização do uso dos recursos hídricos não é um fim em si mesmo, mas ao contrário, um instrumento utilizado para o alcance de finalidades precisas. A cobrança não tem natureza de tributo.

MILARÉ135 complementa este entendimento:

O preço não se relaciona com a prestação de serviço público. É um preço público, pago do uso dos recursos hídricos não tem a natureza de imposto, pois este é pago genericamente, sem vinculação a um fim determinado. Não é taxa, porque pelo uso de um bem público, no interesse particular. É o que ocorre quando alguém é autorizado a usar um bem público mediante retribuição, como o estacionamento em vias públicas de intenso tráfego.

No mesmo sentido encontra-se o entendimento de

MACHADO136, conforme segue:

[...] o sistema de cobrança instituído pela Lei 9.433/97 não tem natureza tributária. Assim, ao instituir-se a cobrança pelo uso das águas não se criou imposto, taxa ou contribuição de melhoria.

GRANZIERA137 evidencia que o grande grupo no qual se

aloja as receitas advindas da possível cobrança pelo uso da água, é o das

receitas públicas, sendo que tratam-se de valores que adentram ao cofres

públicos:

O produto da cobrança pelo uso da água constitui, sob o aspecto jurídico-financeiro, uma receita pública, em que é importante estabelecer o tipo de relação jurídica entre Estado e particular, já que é este que a fornece, e o Estado quem a recebe.

134 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2002, p. 600. 135 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 2004, p. 595. 136 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 458. 137 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 222.

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SOUSA138 (apud GRANZIERA, 2001), caminhando para a

questão da atividade de finanças do Estado, em contrapartida a escassez do

recurso natural, tece comentários:

[...] o ponto de partida do estudo de finanças públicas é que toda atividade financeira do Estado se traduz por um conflito entre interesses público e interesse particular. Em sede de recursos hídricos, as ponderações efetuadas ao longo de todo este trabalho apontam para isso: o conflito de interesse sobre uso da água, em razão do risco de escassez, e da crescente demanda, torna-a um bem de valor econômico, cujo é passível de ser cobrado.

GRANZIERA139 ajuda a elucidar o tema, ao comentar sobre

as categorias de receitas públicas, como segue:

As receitas públicas, com base nos autores anteriormente citados, podem ser classificadas em cinco categorias, “segundo uma escala de graduações dos dois interesses em presença em cada caso”:

“1. Preços quase privados são as receitas cobradas pelo Estado tendo em vista exclusivamente o interesse dos particulares na atividade desempenhada pelo governo, sendo o interesse público meramente acidental. É o que ocorre quando o Estado desempenha atividades tipicamente privadas, como a exploração do comércio ou da indústria, concorrendo com os demais comerciantes ou industriais em situação de igualdade de mercado. A posição do Estado, em tais casos, é portanto idêntica à dos particulares, só não se chamando a receita de ‘preço privado’ porque seu titular é uma entidade pública.

2. Preços públicos são as receitas cobradas pelo Estado tendo em vista principalmente o interesse dos particulares na atividade desempenhada pelo governo, mas atendendo também, embora secundariamente, à existência de um interesse público geral e coletivo nessa atividade. Também aqui se trata de desempenho,

138 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 222. 139 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 222-223.

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pelo Estado, de atividades tipicamente privadas; porém a existência de um interesse público secundário justifica que o Estado se reserve a exclusividade do seu exercício, eliminando a concorrência por meio de monopólio legal. [...]

3. Taxas são as receitas públicas cobradas pelo Estado tendo em vista principalmente o interesse público na atividade desempenhada pelo governo, mas considerando também que do exercício dessa atividade decorre diretamente para o particular um interesse individual específico. É o que ocorre quando o Estado desempenha atividades tipicamente públicas (saúde pública, polícia, justiça), cuja existência interessa à coletividade à coletividade em geral, mas cujo exercício pode ser relacionado, em cada caso, a um determinado indivíduo.

4. Contribuições são as receitas cobradas pelo Estado tendo em vista preponderantemente o interesse público da atividade desempenhada pelo governo, mas considerando também as vantagens que decorrem dessa atividade, embora não diretamente e não especificamente pra determinado indivíduo, mas para determinada classe ou categoria de particulares. É o que ocorre quando o governo decide construir uma obra pública, por exemplo, uma estrada, em razão do interesse geral na existência de meios de transporte mas essa estrada vai beneficiar de modo especial os proprietários dos terrenos marginais.

5. Impostos, finalmente, são as receitas que o Estado cobra tendo em vista exclusivamente o interesse público da atividade desempenhada pelo governo, sem levar em conta as vantagens que possam decorrer dessa atividade para os particulares ou mesmo a ausência de tais vantagens sob o ponto de vista individual. É o que ocorre a todas as atividades inerentes à própria existência, organização e funcionamento do governo (administração pública, órgãos políticos, funcionalismo,defesa nacional), que representam um interesse público geral não suscetível de ser relacionado direta ou indiretamente a um determinado indivíduo.”

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Por fim, GRANZIERA140 opina em qual das categorias de

receitas públicas descritas acima enquadrar-se-ia a cobrança pelo uso do recurso

hídrico:

Dessa forma, entendo que a natureza do produto da cobrança é a de preço público, pois se trata de fonte de exploração de bem de domínio público. Sua natureza é negocial, cabendo ao detentor do domínio estabelecer o respectivo valor. Em sede de recursos hídricos, há uma sistemática de proposições e aprovações, no âmbito de Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Conclui-se após o estudo e tendo em vista ser este o melhor

posicionamento, conforme demonstrado, que a natureza jurídica da cobrança é de

preço público pelo uso de um bem público, não tendo este natureza tributária.

3.2.3 Previsão legal

O Código Civil de 1916, em seu artigo 68, previa a utilização

de bens de uso comum dos bens públicos. Tal artigo foi transcrito ipsis litteris para

o Novo Código Civil de 2002 assumindo como artigo 103, conforme transcrição:

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.

Esta é a primeira manifestação no Direito Brasileiro da

possibilidade da cobrança sobre o uso da água.

O Código das Águas, Decreto 24.643/34 alterado pela Lei

das Águas, em seu artigo 34 e 36 previa o uso gratuito da água, desde que seu

destino seja para atender às primeiras necessidades, como segue:

Art. 34. É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a torne acessível.

140 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 224.

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Art. 36. É permitido a todos usar de quaisquer águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos.

§ 1º Quando este uso depender de derivação, será regulado, nos termos do Capítulo IV do Título II, do Livro II, tendo, em qualquer hipótese, preferência a derivação para o abastecimento das populações.

§ 2º O uso comum das águas pode ser gratuito ou retribuído, conforme as leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que pertencerem.

A Lei n. 9.433/97, em seu artigo 12 trata sobre as atividades

sujeitas à necessidade de instrumento de outorga pelo uso da água, bem como os

casos em que não é necessário tal instrumento (§1º) conforme já citado

anteriormente no tópico acerca da outorga do uso da água.

No que se refere à cobrança pelo uso da água, a Lei da

Política Nacional dos Recursos Hídricos, no seu artigo 20 relacionou como

sujeitos a tal cobrança, as atividades previstas no citado art. 12 da mesma lei, ou

seja, as atividades com necessária instrumentalização de outorga pelo uso da

água.

Assim, somente com a edição da Lei 9.433/97 é que foi

efetuada a ligação entre utilização e pagamento pelo uso do recurso hídrico,

princípios de poluidor-pagador e usuário-pagador (prevista na Lei n. 6.938/81 em

seu artigo 4º). Fora desta lei, vigora a legislação ambiental que fixou padrões de

qualidade e emissão de efluentes e que devem ser obrigatoriamente observados.

Entretanto a possibilidade indireta de cobrança pelo uso da

água já existia mesmo que implícita anteriormente à Lei n. 9.433/97, mas com

eficácia somente após a edição desta.

3.2.4 Objetivos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos

Os objetivos da cobrança estão elencados no artigo 19 da

Lei n. 9.433/97, in verbis:

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Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:

I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

II - incentivar a racionalização do uso da água;

III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

É o entendimento de GRANZIERA141:

A cobrança tem por objetivo, entre outros, arrecadar recursos financeiros necessários ao desenvolvimento de atividades relativas ao alcance das metas propostas no Plano. Entre esses dois extremos, encontram-se os instrumentos de controle administrativo – outorga do direito de uso da água e licenciamento ambiental.

Faz-se importante ressaltar consideração que

GRANZIERA142 traz ao comentar o caráter econômico da cobrança pelo uso dos

recursos hídricos:

É econômico em dois sentidos: o primeiro, relativo ao financiamento de obras contidas no plano de recursos hídricos; o segundo, no que tange ao entendimento da água como bem de valor econômico, cuja utilização deve ser cobrada.

Destarte, clara é a idéia contida na lei no que se refere à

cobrança pelo uso da água e seus objetivos mestres.

141 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 220. 142 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 220.

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3.2.5 Critérios para fixação do valor a ser cobrado pelo uso de recursos

hídricos

As observações que devem ser consideradas para a fixação

do valor encontram-se estabelecidas no artigo 21 da Lei n. 9.433/97, in verbis:

Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros:

I - nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação;

II - nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente.

Ao comentar sobre tais regras, MACHADO143 evidencia a

seguinte hipótese prática:

Todos os lançamentos deverão ser cobrados, estejam ou não nos limites das normas de emissão, isto é, os lançamentos que observarem as normas de emissão pagarão, como também pagarão os lançamento acima das normas de emissão. A novidade, portanto, da lei é que mesmo a poluição autorizada pelos órgãos oficiais devem ser incluída no pagamento pelo uso das águas.

Desta forma para a fixação dos valores devem considerar

todos os possíveis lançamentos de emissão, sejam eles autorizados ou não.

3.2.6 Competência para a fixação do valor e de quem deve efetuar a

cobrança

A competência para fixação do valor a ser cobrado, deve

partir da escala de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.

Neste sentido, a primeira diretriz sobre o valor a ser cobrado pelo uso da água

deve ser efetuada pelo chamado Conselho Nacional de Recursos Hídricos: 143 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 453.

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Art. 35. Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos:

[...]

X - estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso.

Desta forma, os critérios gerais para cobrança do uso da

água é atribuição específica do Conselho supra referendado.

A partir das definições de critérios gerais, os Comitês de

Bacia, devem mecanizar as formas de cobrança e sugerir valores a serem

cobrados dentro da realidade de gestão de cada bacia e respeitado os princípios

da Lei 9.433/97, como segue:

Art. 38. Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação:

[...]

VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados;

Estabelecidos os mecanismos de cobrança e a sugestão dos

valores a serem cobrados, cabe às Agências de Água, órgãos de função de

secretaria executiva dos Comitês de Bacia Hidrográfica, a efetiva cobrança pelo

uso dos recursos hídricos, senão vejamos:

Art. 44. Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de atuação:

[...]

III - efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

[...]

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XI - propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:

a) [...]

b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;

Percebe-se que às Agências de Águas deve receber de

quem tem competência para efetuar a outorga, a delegação para cobrança do uso

dos recursos hídricos.

No presente trabalho, fundamentou-se a titularidade dos

Recursos Hídricos, sendo parte federal e parte estadual. Assim, no que cabe a

outorga à União Federal, por expressa previsão da Lei n. 9.984/00, quem deve

proceder a cobrança pelo uso da água é a ANA, como segue:

Art. 4º. A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:

[...]

VI - elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, com base nos mecanismos e quantitativos sugeridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, na forma do inciso VI do art. 38 da Lei n. 9.433, de 1997;

[...]

VIII - implementar, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União;

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Neste sentido, as águas que por expressa previsão legal são

de domínio da União, as regras e valores de cobrança devem ser estabelecidos

pela ANA. No que se referem aos recursos hídricos de competência estadual, os

órgãos de água de cada estado federado, inclusive o Distrito Federal, deve

estabelecer as formas de cobrança, valores e execução, respeitando as diretrizes

e critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e pelas

indicações dos Comitês de Bacia.

3.2.7 Da aplicação do produto da cobrança e da sua administração

Conferida as hipóteses legais de quem deve cobrar pelo uso

da água, falta atribuir a correta destinação destes recursos bem como quem irá

gerí-lo.

Quanto aos valores arrecadados, a prioridade de aplicação é

da bacia hidrográfica na qual foram gerados os recursos financeiros, sendo que a

possibilidade de utilização destas quantias, está disposto na Lei n. 9.433/97:

Art. 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:

I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;

II - no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

§ 1º A aplicação nas despesas previstas no inciso II deste artigo é limitada a sete e meio por cento do total arrecadado.

§ 2º Os valores previstos no caput deste artigo poderão ser aplicados a fundo perdido em projetos e obras que alterem, de modo considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão de um corpo de água.

Assim, em regra, a bacia hidrográfica que gerar o recurso

financeiro deve aplicá-lo para sua melhoria específica.

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Neste sentido, MACHADO144 opina:

[...] para aplicarem os valores referidos fora da Bacia Hidrográfica em que foram gerados é necessário a inclusão desta anuência prévia nos Planos apontados. Fora daí, resvala-se para a ilegalidade.

O termo prioritariamente tem causado bastante polêmica

entre os doutrinadores, fazendo com que tenham pontos de vistas diferentes e

que façam uso de alguns meios que resguardem o principal interesse que seria a

aplicação do dinheiro arrecadado com a cobrança, para que, de certa forma, não

seja desviado.

Quanto à questão acima abordada, CAUBET145 destaca:

[...] As pessoas que se identificam com as estâncias locais e regional – estaduais de tomada de decisão que seriam em princípio beneficiadas pela aplicação do princípio de subsidiariedade, se pronunciavam a favor da aplicação dos recursos no lugar onde tivesse sido gerados; excluíam, coerentemente, o uso da palavra prioritariamente. Os representantes das instâncias federais, ao contrário, exigiam o uso desta palavra, como garantia de controle, pela União, dos volumosos recursos esperados.[...]

Dentro do organograma proposto para gestão dos Comitês

de Bacia, o órgão responsável pela montagem da forma de aplicação destes

recursos são as chamadas agências de água, como segue:

Art. 44. Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de atuação:

XI - propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:

[...]

144 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2001, p. 455. 145 CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política... e o meio ambiente? 2004, p. 176.

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c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

No âmbito federal cabe à ANA a arrecadação e distribuição

das receitas auferidas por meio da cobrança pelo uso da água, conforme lei

9.984/00, senão vejamos:

Art. 4º. A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:

[...]

IX - arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por intermédio da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, na forma do disposto no art. 22 da Lei n. 9.433, de 1997;

Na mesma lei 9.984/00 que criou a Agência Nacional de

Águas, prevê expressamente a destinação dos recursos arrecadados

provenientes do uso da água de domínio federal:

Art. 21. As receitas provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União serão mantidas à disposição da ANA, na Conta Única do Tesouro Nacional, enquanto não forem destinadas para as respectivas programações.

§ 1º A ANA manterá registros que permitam correlacionar as receitas com as bacias hidrográficas em que foram geradas, com o objetivo de cumprir o estabelecido no art. 22 da Lei n. 9.433, de 1997.

§ 2º As disponibilidades de que trata o caput deste artigo poderão ser mantidas em aplicações financeiras, na forma regulamentada pelo Ministério da Fazenda.

§ 3º (VETADO)

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§ 4º As prioridades de aplicação de recursos a que se refere o caput do art. 22 da Lei n. 9.433, de 1997, serão definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, em articulação com os respectivos comitês de bacia hidrográfica.

A forma de alocação dos recursos provenientes da cobrança

pelo uso da água, é alvo de críticas através da opinião de GRANZIERA146:

A definição da aplicação do produto da cobrança pelo uso da água deve ser transparente, o que não ocorre na lei em vigor, pois se a essência da lei é fazer com que todos façam parte do gerenciamento, não teria sentido que essas pessoas não pudessem influenciar a ordem de prioridade na aplicação de valores arrecadados na bacia hidrográfica.

Conforme se pôde perceber, a própria lei deixa lacuna no

sentido do uso correto das quantias auferidas nesta cobrança, o que deve ser

logo resolvido do ponto de vista legal, buscando preservar a própria efetividade do

sistema com um todo.

A outorga de direito bem como a cobrança, como

instrumentos que são para a Política Nacional de Recursos Hídricos, trazem em si

algumas peculiaridades que foram explanadas no desenvolver do trabalho

monográfico, não restando dúvidas sobre o seu uso, bem como a importância

para uma efetiva diminuição da destruição do Planeta, fazendo com que se volte

ao pensamento de que é preciso agir, de alguma forma.

146 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: Disciplina jurídica das águas

doces. 2001, p. 225.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir o presente trabalho, observa-se inicialmente da

relevância do tema escolhido, visto a importância da água como recurso

ambiental para a vida, onde sua disponibilidade se torna cada vez mais escassa e

sua degradação é processo em curso.

Assim, em sede de 1º capítulo, os aspectos sócio-ambientais

da água, principalmente sob o enfoque de recurso natural foram considerados

como base do estudo proposto, onde constata-se a crise em que vivemos em

nível mundial de escassez de água, bem como sua má distribuição.

Eminente é a responsabilidade de cada cidadão na

manutenção de um dos principais elementos da vida humana que se configura a

água. Além disto, promover o desenvolvimento sustentável com foco na

manutenção dos recursos hídricos é desafio importante para nossa época.

Mais adiante, no 2º capítulo, situamos a tutela jurídica dos

recursos hídricos como providência no campo do direito para preservar-se a água

enquanto bem público.

Nesse sentido, concluí-se que a Política Nacional de

Gerenciamento dos Recursos Hídricos aparece como norte jurídico, oferecendo

objetivos e estrutura funcional na gestão das águas no Brasil.

Percebe-se também, conforme trabalhado no 3º capítulo,

que os principais instrumentos da referida política são a outorga de direito e a

cobrança pelo uso das águas. Tal outorga concede ao particular ou público o

direito de utilizar-se do recurso hídrico seguindo regras de conduta.

A cobrança aparece como alternativa econômica para o uso

racional obrigando os usuários a contribuir com recursos financeiros a serem

aplicados na própria preservação da bacia hidrográfica no qual a água é utilizada.

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Estes dois instrumentos trazidos com a instituição da Política

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos se usados de forma correta e

efetiva garantirão uma maior proteção à água, e trarão muitos benefícios para as

bacias hidrográficas existentes no Brasil.

A lei deixa muitas lacunas quando o assunto é o retorno

financeiro para a bacia hidrográfica da qual foi gerado. Parece claro que ao

mesmo tempo que houve a preocupação com este recurso ambiental e a sua

constante degradação, também houve uma preocupação maior que seria o

controle deste dinheiro, no sentido de que não se sabe ao certo para onde ele

retornaria. A lei fala em “prioridade”, sem fazer com que o órgão responsável

traga estudos sobre a real necessidade de cada bacia hidrográfica.

Algumas das lacunas desta lei, os órgãos criados por esta,

têm criado resoluções visando o atendimento das necessidades para a efetiva

utilização dos instrumentos objetos do presente.

Para que se proceda ao uso da outorga e da cobrança, faz-

se necessário que os Estados legislem sobre o assunto e sejam criados os

comitês de bacia hidrográfica e isso tem causado sérios problemas, tais como a

preocupação com o desenvolvimento do Estado. Por exemplo, um Estado que

efetive a cobrança sobre o uso da água pode tornar a vinda de uma empresa

mais onerosa. Além disto, é de se considerar que o próprio consumo doméstico

irá tornar-se mais caro para a população.

O que tem que ser considerado é o que ao final sairá mais

oneroso, se é a prevenção de algum problema que futuramente poderá atingir as

bacias hidrográficas ou talvez tentar corrigir um problema que já não terá mais

solução, ou seja, quando esta estiver totalmente poluída, como já acontece em

alguns rios, e não terá a possibilidade de se fazer o caminho inverso para se

chegar à uma água límpida e própria para o consumo.

No que tange às hipóteses trazidas no presente estudo,

concluí-se que efetivamente a nova ordem jurídica imposta pela Carta da

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República de 1988 tornou a gestão dos recursos hídricos alvo de preocupação

estratégica de Estado, alterando a idéia privatista até então muito fortalecida.

Além disto, chega-se a conclusão que efetivamente a

outorga de direito e a cobrança pelo uso são os principais instrumentos trazidos

pela nova concepção de gestão das águas traduzida na Lei 9.433/97,

consagrando o Princípio Usuário Pagador, buscando o uso racional dos Recursos

Hídricos e tentando garantir satisfação em quantidade e qualidade para a

população em geral, ressaltando, mais uma vez que a garantia da efetivação se

dará quando do preenchimento das lacunas encontradas nessa lei, bem como a

preocupação das autoridades competentes em dar continuidade ao trabalho

iniciado pela CRFB/88, bem como pela Lei n. 9.433/97.

Entende-se assim que se as pessoas envolvidas neste

processo sejam os governantes, a população, as pessoas responsáveis pela

ANA, as agências de água, comitês e todos os órgãos, tratarem a gestão dos

recursos hídricos com respeito à Constituição Federal e a Política Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos atuando com responsabilidade ambiental,

existe chance de se começar a reverter o quadro em que nos encontramos, sob

pena de colocar-se em risco o futuro enquanto sociedade desta e das futuras

gerações deste país.

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