A ORNAMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ARTE E DESIGN: … · Mesquita Filho” - campus Bauru, como...
Transcript of A ORNAMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ARTE E DESIGN: … · Mesquita Filho” - campus Bauru, como...
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU
Programa de Pós-Graduação em Design, nível Mestrado Linha de Pesquisa: Planejamento de Produto
A ORNAMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ARTE E DESIGN: FUNÇÃO ESTÉTICA, FUNÇÃO ANAGÓGICA, FUNÇÃO
TERAPÊUTICA
Aluno: Lucas Farinelli Pantaleão
Orientador:
Prof. Dr. Olimpio José Pinheiro
Setembro 2010
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU
Lucas Farinelli Pantaleão
A ORNAMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ARTE E DESIGN: FUNÇÃO ESTÉTICA, FUNÇÃO ANAGÓGICA, FUNÇÃO
TERAPÊUTICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Design, da FAAC/ UNESP – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista, “Júlio de Mesquita Filho” - campus Bauru, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Desenho Industrial – Planejamento do Produto. Orientador: Prof. Dr. Olimpio José Pinheiro
Setembro 2010
2
Pantaleão, Lucas Farinelli.
A Ornamentação Contemporânea em Arte e Design: Função Estética, Função Anagógica, Função Terapêutica / Lucas Farinelli Pantaleão, 2010.
215 f.
Orientador: Olimpio José Pinheiro
Dissertação (Mestrado) – FAAC/UNESP - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2010.
1. Design de Produto. 2. Arte e Design. 3. Estética. 4. Ornamento. 5. Função estética, anagógica, terapêutica. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título.
3
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU
Lucas Farinelli Pantaleão
A ORNAMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ARTE E DESIGN: FUNÇÃO ESTÉTICA, FUNÇÃO ANAGÓGICA, FUNÇÃO
TERAPÊUTICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Design, da FAAC/ UNESP – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista, “Júlio de Mesquita Filho”- campus Bauru, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Desenho Industrial – Planejamento do Produto. Orientador: Prof. Dr. Olimpio José Pinheiro
COMISSÃO EXAMINADORA _______________________________________ Prof. Dr. Olimpio José Pinheiro Universidade Estadual Paulista – UNESP _______________________________________ Profª. Drª. Nelyse Apparecida M. Salzedas Universidade Estadual Paulista – UNESP
_______________________________________ Prof. Dr. João Cardoso Palma Filho Instituto de Artes – UNESP – São Paulo Bauru, 20 de Setembro de 2010
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Vida que, através do amor que tudo impulsiona nas
circunstâncias do aparente acaso que se faz sensível e compreensível através
das sincronicidades (junguianas) do cotidiano, por meio desta pesquisa, me
concedeu a oportunidade única de saciar parte da minha “fome” e “sede” de
entendimento e busca de sentido.
Agradeço a meus pais que proporcionaram, com muito carinho, a “infra-
estrutura” física e espiritual necessária para que tudo se realizasse. Através de
uma família unida e equilibrada, educada sob sólidas égides morais, científicas,
filosóficas e religiosas garantindo que meus passos se fizessem sempre
seguros no caminho reto.
Sou extremamente grato também a esta instituição, FAAC – UNESP,
que desde minha graduação, sempre me impulsionou a um trabalho sério, para
a obtenção de mais um título, fundado na honestidade e no reconhecimento do
Programa de Pós-Graduação em Design.
Não posso deixar de mencionar o Prof. Dr. Dorival Campos Rossi que,
com sua simpatia característica, confiou no ante-projeto apresentado,
facultando minha porta de entrada neste programa. E à Profª. Drª. Nelyse A. M.
Salzedas que se fez peça chave a partir do exame de qualificação, orientando
metas, direcionando idéias, impulsionando a pesquisa.
Finalmente, volto meus agradecimentos em especial a meu amigo e
orientador Prof. Dr. Olympio José Pinheiro que, muito mais que cumprir
excepcionalmente sua função de orientação, me ensinou como deve ser um
professor de verdade. Através de uma relação de amizade e respeito,
interpretou, traduziu, respeitou e direcionou meus mais profundos anseios com
a perspicácia e sensibilidade próprias de um verdadeiro mestre, no sentido
mais amplo que esta palavra pode contemplar. Sua orientação foi fundamental
a fim de garantir o grau obrigatório de rigor científico sem deixar de lado o
prazer e a beleza próprios de um fazer artístico.
A tudo e a todos, meus mais sinceros agradecimentos!
Lucas Farinelli Pantaleão
5
RESUMO
Palavras-chave: Design de Produto, Arte e Design, Estética, Ornamentação,
Efeito estético, Anagógico, Terapêutico
Delineia-se uma delimitação entre arte e design no âmbito da estética,
tomando como ponto de partida a análise interpretativa e a reflexão sobre o
ornamento. Pressupondo o ornamento como uma forma elementar e universal
a todas as manifestações estéticas, procura-se trabalhar, através de
contribuições recentes e de maneira unificada, conceitos referentes à estética
em paralelo com o fenômeno da percepção. O ornamento como elemento
previamente “ordenado” frente à necessidade de organização que a
interpretação exige, constitui instrumento filosófico fecundo, para todas as
formas de arte e de design, nas quais se visa proporcionar uma percepção
estética. Voltado à função contemplativa, o ornamento tem como propósito
essencial estimular a experienciação estética, capaz de induzir a percepção a
estados de consciência mais sutis semelhantes ao do êxtase, onde o espírito
daquele que contempla pode vivenciar experiências de extrema liberdade e
intenso prazer. Inerente a este questionamento, focalizando a importância do
auto-conhecimento, propõe-se traçar uma linha de raciocínio que vai da relação
entre estética e funcionalidade, até o acaso e a intuição, como processo
metodológico projetual presente na arte, no design, e como atividade
expressiva que visa à criação do novo e do original. Estabelecendo
fundamentos de semiótica capazes de evidenciar uma função anagógico-
terapêutica no ato de conceber e contemplar, alternadamente, um objeto com
função estritamente decorativa (estética), propõe-se uma reflexão de cunho
moral sobre o conceito ornamental do decoro. Baseando-se nos preceitos
orientais mandalísticos, visa-se salientar as propriedades de uma
ornamentação voltada para a elevação de consciência, tanto individualizada
como em sociedade.
6
ABSTRACT
Key-words: Design of Product, Art and Design, Aesthetics, Ornamentation,
Aesthetic effect, anagogic, and therapeutic.
Taking as starting point the reflection on the ornament, is delineated an
interpretative analysis of delimitation between art and design in the extent of the
aesthetics. Presupposing the ornament as an elementary and universal form of
the all aesthetics’ manifestations, tries to work, through recent contributions and
in an unified way, concepts regarding the aesthetics in parallel with the
phenomenon of the perception. The ornament as element previously "ordered"
front to the organization need that the interpretation demands, it constitutes
fertile philosophical instrument, for all the art forms and of design, in which seek
to provide an aesthetic sensation. Returned to the thoughtful function, the
ornament has as essential purpose to stimulate the aesthetic experimentation,
capable to induce the perception to subtler states of conscience similar of to the
ecstasy, where the spirit of that that contemplates can live experiences of
extreme freedom and intense pleasure. Inherent to this question, intends to
draw a reasoning line that is going of the relationship between aesthetics and
functionality, until the chance and the intuition, as methodological projetual
process present in the art, in the design, and as expressive activity that it seeks
the creation of the new and of the original. Establishing semiotical foundations
capable to evidence a function anagógico-therapeutics in the action of to
become pregnant and to meditate, alternately, an object with function strictly
ornamental (aesthetics), intends a reflection of moral stamp on the ornamental
concept of the decency. Basing on the precepts oriental mandalistics it is
sought to point out the properties of an ornamentation returned to the elevation
of conscience, so much individualized as in society.
7
ÍNDICE GERAL
PRÓLOGO 12
INTRODUÇÃO: Design, Estética e Ornamentação 14
CAPÍTULO 1 – INTERSECÇÃO DE ARTE E DESIGN: FRONTEIRAS DA CONTEMPORANEIDADE 19 1.1 Conseqüências paradoxais modernistas: visão a partir do ornamento 20
1.2 Panorama contextual: modernismo e ornamento 23
1.3 Ornamentalismo: a conciliação pós-moderna entre forma e função 34
1.4 Percepção visual, questão do estilo e historicidade da arte 41
1.4.1 Autoconsciência pós-moderna: a maturidade da arte 44
1.4.2 O espírito do tempo como estilo do tempo 48
1.5 Ornamento: fundamento elementar e universal à historicidade da arte 52
1.6 Do espírito evolutivo da arte: o design como movimento natural 60
CAPÍTULO 2 – PERCEPÇÃO E ESTÉTICA: DA NATUREZA AO ORNAMENTO 64 2.1 Premissas: natureza, ornamento, estética e percepção 65
2.2 Sentido de ordem: natureza, estética e padrões decorativos 75
2.3 Percepção estética: o fruir sensível do conhecimento 84
2.4 Conteúdo e forma: o ciclo percepção-expressão 99
2.5 Estrutura, matéria e energia: conteúdo e forma na natureza 110
2.6 Atividade e passividade: o livre-arbítrio da percepção 123
CAPÍTULO 3 – CRIATIVIDADE E AUTO-CONHECIMENTO: FUNDAMENTOS DE SEMIÓTICA PARA UMA ORNAMENTAÇÃO TERAPÊUTICA 131 3.1 Criatividade e inovação: intuição e acaso em arte e design 132
3.1.1 Criatividade e intuição 133
3.1.2 Design: arte e ciência na construção do saber 135
3. 1.3 Projeto: emoção e razão 138
3.1.4 Objeto: intuição e inovação 140
8
3.1.5 Considerações auto-centradas: “conhece-te a ti mesmo” 142
3.2 Semiótica e auto-conhecimento: da função estética/poética à função
anagógica/terapêutica 144
3.2.1 Auto-conhecimento e a natureza da mente 144
3.2.2 Autoconsciência: três cérebros, três mentes 149
3.2.3 A questão da linguagem: semiótica universal de Charles
Sanders Peirce 156
3.2.4 Linguagem em arte e design: da função estética à função
anagógica 161
3.3 O ornamento do auto-conhecimento: anagogia terapêutica 173
CAPÍTULO 4 – ORNAMENTAÇÃO ANAGOGICO-TERAPÊUTICA: UMA PROPOSTA DE ELEVAÇÃO DE CONSCIÊNCIA 182 4.1 Realidade ou Realeza? Qual é a real função do ornamento? 183
4.1.1 Mediação pacificadora: o espírito do ornamento 187
4.2 Quintessência ornamental: o potencial simbólico-espiritual-religioso
dos mandalas 192
4.1.1 O paradoxo de volta ao centro 203
BIBLIOGRAFIA 206
9
LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Capa da 1ª Edição de A Gramática do Ornamento publicada por Owen Jones em 1856. Fonte: http://i39.tinypic.com/inbj7r.jpg______________ 29 Figura 2 - Exemplos de ornamentalismo. Fonte: Jensen e Conway, 1982, p. 16 __________ 38 Figura 3 - “Lepidopterical” chair, de Pedro Friedeberg. Exemplo de objeto que evoca a utilidade funcional, mas permanece objeto de contemplação. Segundo o questionamento do criador:“Can one sito n a butterfly? Why not?” Fonte: JENSEN; CONWAY, 1982, p. 237 ___ 39 Figura 4 - Exemplos de Palmette: Fonte:http://image.absoluteastronomy.com/images/encyclopediaimages/o/or/orna105-stirnziege.png ______________________________________________________________ 58 Figura 5 - Paramécio. Fonte: http://www.microscopy- uk.org.uk/mag/imgdec02/paramecium.jpg ________________________________________ 82 Figura 6 - Busto de Plotino; escultura de autor desconhecido. Fonte: http://www.filosofia.com.br/figuras/biblioteca/Plotino.jpg _____________________________ 97 Figura 7 - Exemplo de Expressão Corporal; Boneco Articulado do Corpo Humano. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_nSwrmeln2lY/SOpf_PlrrTI/AAAAAAAABVI/DryzzUbt_0k/s1600-h/Wooden+Mannequin.jpg ___________________________________________________108 Figura 8 - Os Cinco Sólidos de Platão. Fonte: http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/PoliedrosPlatao2.jpg ___________________114 Figura 9 - Estrutura Molecular do Carbono: Fonte: http://geomuseu.ist.utl.pt/MINGEO%20LEC2006LET/Aulas%20pr%E1ticas%202006/PR%C1TICA%20MINERALOGIA/Imagens%20Cristalografia/Os%20cristais%202.jpg _____________115 Figura 10 - Reflexão da Luz através de um Diamante; Fotografia Diogo Viegas. Fonte: http://br.olhares.com/diamante_or_not_foto1773371.html ___________________________117 Figura 11 - Fogos de Artifício; Manipulação do elemento fogo capaz de gerar belos espetáculos de luzes e cores. Fotografia Nuno Pinto. Fonte: http://br.olhares.com/fogo_de_artificio_foto619578.html ____________________________ 118 Figura 12 - Formações cristalinas da água; ampliação microscópica de partículas de gelo Fonte: http://blogs.jovempan.uol.com.br/panelachic/wp-content/uploads/2010/01/flocos-de-nece.jpg __________________________________________________________________120 Figura 13 - Simbolo do Yin-Yang Chinês. Fonte: http://mor.phe.us/writings/Yin-Yang.html _ 124 Figura 14 - Dionéia. Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_YliehjkfxUc/StVWawqLj8I/AAAAAAAACQI/GX48HMZ4PMk/s400/dioneia.gif ___________________________________________________________________ 127 Figura 15 - Border Collie, considerado uma das raças de cães mais inteligentes. Fotografia: Life on White. Fonte: http://www.gettyimages.com/detail/102853206/Photodisc __________ 128 Figura 16 - O homem e o mundo: inteligência especial e indefinida. Fotografia Comstock. Fonte: http://www.gettyimages.com/detail/78468620/Comstock-Images ________________ 129 Figura 17 - As 3 camadas do cérebro. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_8ltVmSMpz-E/SYNd4wqS3oI/AAAAAAAAABg/IBqfxAzulvs/s320/3-cerebros.gif ___________________ 151 Figura 18 - Esquema de neurônio e detalhe de um sinapse. Fonte: http://www.sosdepressao.com.br/Image14.gif ____________________________________ 152
10
Figura 19 – Exemplo de Azulejo Padrão sob a configuração do Mandala. Cúpula azulejada da Igreja do Convento de Santo Antônio, Recife, século XVIII. Fotografia: Günter Heil. Fonte: Pinheiro, Azulejo luso-brasileiro: uma leitura plural. In:V.V.A.A. Barroco Memória Viva, Arte Sacra Colonial. São Paulo, EDUNESP, 2001, p. 119. ______________________________ 168 Figura 20 - Catedral de Saint Denis atualmente; Localizada perto de Paris, ao norte, constituiu a sede mais rica da abadia da França, hoje é um dos subúrbios mais pobres da região parisiense. Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_osWZAiIt1A4/SRtUo57cAaI/AAAAAAAAFRg/tghxN113I0k/s1600-h/Saint+Denis+(3).JPG _____________________________________________________ 169 Figura 21 - Vitral em formato de mandala localizado no ponto central da fachada frontal da Basílica de Saint Denis, logo acima do portal de entrada. Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_osWZAiIt1A4/SRtUnZS_7FI/AAAAAAAAFRQ/ZcZJLYGIDlc/s1600-h/Saint+Denis+(34).JPG ____________________________________________________ 169 Figura 22 - Roda da Vida. Fonte: http://ptesoterico.wordpress.com/category/psicologia-do-autoconhecimento-autoajuda/ ________________________________________________ 193 Figura 23 - Simbolo do Yin-Yang Chinês. Fonte: http://mor.phe.us/writings/Yin-Yang.html _ 194 Figura 24 - Estrela de Davi. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Star_of_David2.svg ___ 194 Figura 25 - Tipos de Cruzes. Fonte: http://www.ebrisa.com/portalc/ShowArticle.do%3Bjsessionid=056215EBE7044172C58602B663116C4B?articleId=69930 ____________________________________________________ 194 Figura 26 - Formas ornamentais dos 4 elementos. Fonte: CIRLOT, 2001, p. 246 ________ 196 Figura 27 – 5º ornamento; configuração holística. Segundo o Ayurveda: o Éter. Fonte: Dahlke, 2007, p. 46 ___________________________________________________ 196 Figura 28 - Mandala Shri-Yantra. Fonte: http://www.omagain.com/images/SriYantra.jpg ___197 Figura 29 - Cruz com os quatro evangelistas e Cristo ao centro. Fonte: http://www.cordiscolatina.com.br/adm/img/g_foto1_767.jpg _________________________ 200 Figura 30 - Mandala “Elementos” Ilustração Vagner Vargas. Fonte: Fioravanti, 2007, CD-Rom interativo _________________________________________________________ 201 Figura 31 - O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci. Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_tpHtarCu9V8/S_Z1g-9yPII/AAAAAAAAAJc/D2RBeUj_6mw/S660/phi-HomemVitruviano%5B1%5D.jpg ______________________________________________ 202
11
PRÓLOGO
Afim de melhor situar o leitor quanto a abordagem um tanto diferenciada
desta pesquisa, faz-se necessário alguns esclarecimentos no que se refere a
aspectos que poderiam se tornar motivo de mal entendidos ou carência de rigor
científico. Na tentativa de criar um panorama contextual com o intuito de evitar
dúvidas ou equívocos durante a leitura da mesma, tais explicações visam
precisar um pouco sobre o ponto de vista holístico - ainda não muito comum
em trabalhos de mestrados acadêmicos - utilizado como forma de investigação.
Quanto à temática e abordagem da investigação, devido a aspectos
subjetivos inscritos em sua natureza, como por exemplo, as características
artísticas do design em seu processo de criação, diminuem-se as
possibilidades da apropriação de parâmetros quantificáveis, o que implica
numa abordagem científica aparentemente menos sistemática, um tanto
divergente da característica tradicional do empirismo cartesiano. Procurou-se
trabalhar de maneira unificada com o objetivo de proporcionar uma
compreensão ampla e ao mesmo tempo holística, o que aproxima nosso
método investigativo da abordagem filosófica em forma de discurso, se
comparado à tradicional metodologia experimental.
No que se refere à restrição de parâmetros quantificáveis e
consequentemente a opção por uma abordagem filosófica discursiva voltada à
holística, pode parecer que o objeto da pesquisa (corpus), o ornamento, tenha
sido abordado de maneira muito ampla ou generalizada, fato que invalidaria a
investigação devido à impossibilidade de abarcar o ornamento em “todos” seus
aspectos: artísticos, psicológicos, sociais etc. Deste modo, justificamos nosso
posicionamento da seguinte forma: análogo a teoria contemporânea da arte
como expressão que objetiva a função da arte, e que por sua vez, consiste em
ver na arte, uma forma geral das atitudes humanas, procurou-se analisar o
ornamento quanto a sua finalidade, isto é, o caráter funcional do ornamento
como elemento expressivo.
Assim, o que a primeira vista parece constituir um recorte muito
abrangente, na verdade não passa da aplicação de uma teoria que se justifica
pela obrigatoriedade da abrangência e generalização frente a um objeto que se
12
caracteriza justamente pela flexibilidade de sua utilização. O qual, por mais
diversificado que se apresente enquanto forma, na essência, suas funções
mantém-se sempre as mesmas. Fundamentado na conceituação dialética entre
conteúdo e forma a partir da teoria estética contemporânea, a análise do
corpus da pesquisa incide sobre a função do ornamento como forma
expressiva: finalidade comunicativa da arte, do design ou qualquer atividade
criativa que demonstre preocupação com a beleza. Visto que expressão é, “por
natureza”, a própria comunicação da arte (ABBAGNANO, 2000, p. 374).
Cientes de nossas limitações e possíveis falhas, com esta explicação
entregamos nosso trabalho a esta banca examinadora, não sem antes
agradecer e rogar as sempre bem vindas sugestões para melhoria do trabalho.
13
INTRODUÇÃO Design, estética e ornamentação
As correlações entre design, arte, função estética1, materiais e
usabilidade, constituem alguns dos grandes questionamentos recorrentes na
contemporaneidade. Se o Design é responsável por conciliar os imperativos da
produção com as necessidades sociais sem abrir mão de valores estéticos, no
estágio atual da evolução do sistema capitalista tardio (JAMESON, F. 1997), a
função estética passa a ocupar um lugar ainda mais proeminente.
Até o século XVIII, a reflexão filosófica de cunho estético, considerando
as técnicas de produção, discutia a arte vinculada ao conceito do belo como
perfeição. A partir da Revolução Industrial e seus desdobramentos, ocorre uma
mudança nos conceitos vigentes da arte e de sua avaliação interpretativa, sem
ainda se conceber a máquina no centro do processo da especulação e
produção artística. É na passagem do século XIX para o século XX que
começa a se evidenciar a reflexão da atividade do design, como alternativa de
conciliação entre a produção artística e industrial, e que vai caracterizar a
estética do design modernista, sob a influência da Bauhaus (e da Vchutemas,
no âmbito da revolução soviética).
No período modernista (primeira metade do século XX), a produção do
design bauhausiano preconizava a funcionalidade e a satisfação das
necessidades sociais, na tentativa de uma conciliação entre a arte, artesanato
e a produção industrial, sob a égide da arquitetura. Neste processo, devido às
restrições impostas pela máquina, a questão estética foi orientada para a
subordinação da forma à função (good design). Passam a predominar as
formas retilíneas, as composições modulares, sistemáticas, seriais e, em
contraponto, exclui-se quase tudo que faça referência ao pré-modernismo,
como a questão de estilo e a ornamentação, que é identificada como um delito
estético2.
A reflexão do ornamento no modernismo, conforme Paim, “além de
contribuir para a definição de estratégias para a arte, a arquitetura e o design,
1 Vide: JAKOBSON, R., 1995; MUKAROVSKY, J. 1993. 2 Vide: LOOS, A. Ornamento y Delito y otros escritos, 1972.
14
forneceu elementos para a elaboração de abordagens críticas do mundo
industrial”. Ao longo desse período, o ornamento configura-se motivo de
intensas perturbações para as tradicionais teorias estéticas, pois as ousadas
experimentações artísticas fundamentadas no processo de produção industrial,
colocavam em suspensão todo consenso sobre o conceito do belo,
“reformulando as fronteiras entre a arte e a natureza, a criação e a imitação, a
representação e a abstração, o trabalho alienante e o trabalho enriquecedor, a
fruição estética e o consumo”. (PAIM, 2000, p. 22).
Os grandes movimentos das vanguardas históricas (ARGAN, G. C.
1992), tais como o cubismo, futurismo, abstracionismo, neo-plasticismo,
suprematismo e construtivismo russo vão, paralelamente, influenciar o
surgimento de uma “estética da máquina” vinculada à produção. Nesse
contexto, o modo artesanal de conceber e realizar, simultaneamente, uma obra
utilitária é substituído pela metodologia projetual, visando à produção em série
industrial e à estandardização, pela incorporação da máquina e da tecnologia.
Entre as décadas de 1960 a 1980, com o iminente desgaste e
esgotamento das experimentações modernistas, num cumprimento ao
movimento pendular das estéticas ao longo de toda história da arte, começa a
observar-se uma retomada dos valores precedentes ao modernismo.
Estabelecendo novas conexões simbólicas, a citação dos estilos históricos, a
redescoberta da ornamentação, a profusão das cores e das formas e novas
conjunções de materiais, são marcos de um novo pensamento híbrido,
contrário e ao mesmo tempo complementar ao modernismo, que passa a
designar-se por Pós-modernismo, entre outras designações.
No design, a insatisfação com a tradição do novo que assenta na ordem
e uniformidade estabelecidas pela Bauhaus e derivações (Escola da Forma,
Europa, e demais experiências nos EUA), dá lugar a experiências heterodoxas
e a grupos que passam a ser denominados como Antidesign. São exemplos o
Archigram e Archizoom, cuja filosofia propõe uma revalorização da função
estética do objeto, vinculada a valores pluralistas e ao resgate pré-modernista.
Nas artes visuais, os movimentos do pós-guerra (HEARTNEY, E. 2002),
como o Neodadá, Neopop, High-Tech, numa referência ao dadaísmo e ao
surrealismo, apropriam-se de obras e imagens do passado, e realizam
assemblages em diferentes e provocadores contextos. Paralelamente,
15
rompendo com princípios modernistas vinculados às vanguardas históricas
construtivas, abrem espaço para os estilos pré-modernistas, para a metáfora,
ironia e ornamentação.
Devido à área de atuação do design na sociedade atual ter se expandido
em diferentes aportes do conhecimento, sem nunca ter eliminado as questões
de âmbito artístico, julga-se pertinente tais conceitos, por se apresentarem a
cada dia mais intermutáveis, levando à constante necessidade de se atribuir a
setores tecnológicos e científicos, o valor estético.
Com a recolocação da função estética a partir de novos parâmetros de
revival transtextual, o design pós-moderno resgata o papel pioneiro do
designer, conciliando a produção em série personalizada3. Visando cada vez
mais a unicidade, verifica-se uma retomada da produção artesanal e,
conseqüentemente, um aumento no nível e grau de elementos semióticos
(simbólicos, como a metáfora) e psicológicos (de apelo emocional). Elementos
que passam a ser embutidos pelo autor, tanto espontânea quanto
reflexivamente, ao longo do processo de criação e execução de um projeto ou
obra de design que, comunicados através da obra ao usuário objetiva
interesses comerciais, em certa medida equivalentes ao styling americano da
década de 1930, e vem materializando uma série de novos conceitos em
relação à recriação do ornamento na produção contemporânea.
A decoração, outrora domínio estritamente do artesão, passa a ser uma
preocupação constante na produção do designer consciente (GOMBRICH,
1980, p. 96). Como elemento compositivo, a função do ornamento vinculado ao
conceito de unicidade ao longo do processo de criação e execução de um
projeto ou obra de design, visa ampliar os horizontes comunicativos e de
consumo, atrelados as mais íntimas e particulares necessidades do usuário.
Se o Design, em sua evolução, produziu uma série de ramificações, a
partir da articulação de diferentes áreas do conhecimento (arte, artesanato,
arquitetura, ciência e tecnologia), a produção contemporânea, sem abrir mão
dessas relações interdisciplinares, amplia ainda mais o seu universo, ao
retomar determinadas questões da estética da arte do período anterior à
3 A produção em série é o oposto de personalizada, entretanto, a informatização além da interatividade, permite mensagens e produtos-padrão seriados, com detalhes personalizados, ao gosto ou às necessidades do usuário.
16
revolução industrial. Essa retomada da tradição, neste contexto amplo do
design, leva a uma quebra de paradigmas, na qual se torna relevante a trans-
textualidade da linguagem, com a citação dos estilos artísticos, das figuras de
linguagem e da ornamentação.
A partir deste panorama delineia-se uma análise interpretativa sobre a
função estética/poética na linguagem do design, sob a óptica do pensamento
contemporâneo. A fim de proporcionar uma contribuição de atualização do
presente contexto de delimitação entre a arte e o design no âmbito da estética,
toma-se como ponto de partida a reflexão sobre o ornamento.
Parte-se do pressuposto da importância que o estudo do ornamento é
capaz de propiciar à reflexão sobre arte contemporânea no tocante à
criatividade e à espiritualidade, valores que se estendem de maneira pertinente
à produção atual do design.
O capítulo 1, após traçar um breve panorama contextual sobre a
mudança de sentido que ocorre na arte durante o período modernista no que
diz respeito ao ornamento. Relata-se sua utilização na contemporaneidade, e
evidencia-se, como característica de resgate no pensamento pós-moderno, a
utilização do ornamento em novos e ousados contextos referentes às artes e
ao design. Traça-se uma analogia de equivalência entre as questões de estilo e a
ornamentação, apoiando-se na teoria de Aloïs Riegl a fim de esboçar uma reflexão
para o surgimento do design e suas confluências com a arte. Enriquecido pelos
avanços que a psicologia da percepção visual proporcionou à compreensão
contemporânea acerca da representação artística, e consequentemente de sua
historicidade, parte-se da hipótese que este surgimento tenha se dado num processo
naturalmente evolutivo, objetivando suprir uma inerente necessidade humana.
Pressupõe-se o ornamento como uma forma elementar e universal à
todas as acepções estéticas, admitindo que tais manifestações podem se fazer
presentes tanto na arte, no design, ou em qualquer atividade criativa que
demonstre preocupação com a beleza.
No capítulo 2, procura-se, através de contribuições recentes, trabalhar
de maneira unificada, conceitos referentes à estética em paralelo ao fenômeno
da percepção, visando proporcionar uma compreensão ampla e ao mesmo
tempo holística sobre o caráter do ornamento na natureza.
17
O capítulo 3, após a compreensão acerca das propriedades que a
ornamentação é capaz de produzir à percepção, dedica-se à exploração de
dois tipos de consciência: a emocional e intuitiva, e a racional e analítica.
Focaliza-se, mais precisamente, a relevância da intuição no processo criativo,
fator responsável pela produção do conhecimento e conseqüente construção
do saber humano. Inerente a este questionamento, focalizando a importância
do auto-conhecimento para a satisfação e garantia das atividades humanas,
propõe-se traçar uma linha de raciocínio que vai da relação entre estética e
funcionalidade, até o acaso e a intuição, como processo metodológico projetual
presente na arte, no design, e em qualquer atividade reflexiva que vise à
criação do novo e do original. Deste modo, pretende-se construir um panorama
semiológico a partir de atividades criativas tanto artísticas quanto de design
rumo ao desenvolvimento de uma ornamentação voltada à anagogia que,
através da incitação de estados de mais sutis de consciência possuem
atributos terapêuticos.
Já o último capítulo é destinado à proposição de uma aplicação de
consciência moral no ato de ornamentar. Voltada ao âmbito do design em
conciliação com a arte, a ornamentação consciente é capaz de produzir
expressões simbólicas em essência, isto é, conteúdo e forma naturalmente em
harmonia, possibilitando a abertura de um campo fecundo para processos de
autoterapia e auto-edificação moral, tanto individualizado como em sociedade.
Tomando como ponto de partida as proposições voltadas à fruição perceptiva
que Owen Jones estabeleceu para a concepção harmoniosa de padrões
ornamentais, e procurando evidenciar sua validade através do princípio da
pregnância da Gestalt, pretende-se estabelecer similitudes entre tais
proposições frente à filosofia oriental que prega o auto-conhecimento por meio
da confecção de mandalas. Parte-se do pressuposto de que o ato de
ornamentar, se realizado segundo os preceitos mandalísticos, é capaz de
estimular o auto-conhecimento através da estimulação de estados mais sutis
de consciência, ampliando a percepção intuitiva, elevando o espírito daquele
que ornamenta/contempla.
18
CAPÍTULO 1 INTERSECÇÃO DE ARTE E DESIGN: FRONTEIRAS DA
CONTEMPORANEIDADE
19
CAPÍTULO 1 – INTERSECÇÃO DE ARTE E DESIGN: FRONTEIRAS DA CONTEMPORANEIDADE
1.1 Conseqüências paradoxais modernistas: visão a partir do ornamento
Parte-se do pressuposto da importância que o estudo do ornamento é
capaz de propiciar à reflexão sobre arte contemporânea4. Á luz da perspectiva
pós-moderna, a reflexão sobre o ornamento, trabalhada de modo insuficiente
ou incriminada pelos modernistas, merece atenção renovada. Mais
recentemente tem sido motivo de intensos e riquíssimos debates intelectuais
acerca da produção artística, científica e tecnológica em relação aos valores
contemporâneos. Por conseqüência, no tocante à criatividade, estes mesmos
valores se estendem de maneira pertinente à produção atual do design.
Segundo Dorfles (1988), considerado um dos precursores no âmbito dos
estudos e das tendências atuais da semiótica das artes, a “identificação da
precedência” do elemento ornamental, mais do que “qualquer outra matriz
artística”, parece mais significativa para “defender a hipótese de um primitivo
impulso criativo”, pois “pode revelar observando o organizar-se de alguma
elementar actividade formativa no indivíduo, desde os primeiros anos de vida”
(DORFLES, 1988, p. 158). Neste contexto, delineia-se um panorama sobre os principais aspectos
do pensamento modernista em relação ao ornamento. Fundamentado no
discurso de designers, artistas, artesãos, arquitetos, historiadores, críticos e
teóricos cuja reflexão esteve intimamente ligada à ornamentação, procura-se
relacionar tais conceitos, à visão auto-questionadora e descentralizada5,
própria do pensamento pós-moderno. Linda Hutcheon (1991), teorizadora da
arte de nosso tempo, evidencia a distinção entre o pensamento modernista
quando comparado à reflexão pós-moderna, ao destacar o caráter provisório
que configura o pensamento contemporâneo:
4 Cientes das distinções semânticas, os termos contemporâneo e pós-moderno poderão ser admitidos como equivalentes no intuito de tornar a discussão mais fluida, mas lembrando que não devem ser entendidos como sinônimos. Mesmo porque, ainda hoje, não há consenso total sobre a definição do termo pós-modernismo, ou tampouco, contemporâneo para expressar um período artístico subseqüente ao modernismo. 5 Vide: HUTCHEON, 1991.
20
Modernistas [...] em seu desejo paradoxal de atingir valores estéticos e
morais estáveis, mesmo em vista da percepção que tinham sobre a
inevitável ausência desses valores universais. O pós-modernismo se
distingue disso, não em suas contradições humanistas, mas no caráter
provisório de sua relação a elas (HUTCHEON, 1991, p. 23).
Ao abordar tal questionamento recai-se no campo da historicidade da
arte, em um novo modo de pensar, onde a psicologia atual evidencia a extensa
e profunda complexidade da percepção humana. Por meio de uma analogia de
equivalência entre as questões referentes à utilização do ornamento com as
questões de estilo, no que revela como a história da arte foi se “embaralhando”
com a psicologia da percepção, “os tempos parecem maduros para
abordarmos mais uma vez o problema do estilo, fortificados pelo conhecimento
da força da tradição” (GOMBRICH, 2007 p. 20). Esta reflexão adquire
importância fundamental, uma vez que é uma característica preponderante do
pensamento pós-moderno, no qual a linguagem estética, posta em evidência
através das questões de estilo, resgata a recriação do ornamento.
A linguagem na contemporaneidade, por se tratar de fator essencial à
comunicação e expressão artística, principalmente a partir da intensa
massificação das técnicas industriais, abre caminho para outra considerável
reflexão: a relação estilística entre o objeto industrial, o artesanal e o
propriamente artístico (DORFLES, 1988, p. 147).
Walter Benjamin, já na década de 1930 teorizava sobre o
desenvolvimento das novas tecnologias que permitiram a reprodutibilidade
técnica da obra de arte, o que, de certa forma, significava o fim dos valores
eternos da arte estabelecidos desde os gregos, colocando em suspensão toda
tradicional compreensão acerca da historicidade da arte ocidental (BENJAMIN,
1994, apud, PINHEIRO, 1993).
Deste modo, pretende-se aprofundar a reflexão sobre o ornamento,
voltada às questões estéticas comuns entre a arte e o design. Sendo a
estética, fator inerente e mediador a todos estes questionamentos, visa-se
estabelecer similitudes entre o conceito de design e a arte contemporânea. A
esse respeito, Décio Pignatari (2002) levanta importante questão sobre tal
relação:
21
Já Hegel previra a morte do objeto da arte, dizendo que viria apenas a
se desenvolver a vontade de um planejamento estético. Hoje, põe-se
em causa a própria estética que, ao nível de consumo, poderá dar lugar
simplesmente a uma “lógica da preferência”, a idéia de arte devendo
alargar-se continuamente ou ceder lugar definitivamente à idéia de
design em todos os campos da sensibilidade formal ou da comunicação
lógica (PIGNATARI, 2002, p. 97).
A partir desta proposição, aposta-se que o aprofundamento de questões
estéticas relativas à linguagem visual voltada à ornamentação, constitui um
fator particularmente considerável para o avanço no esclarecimento das
fronteiras comuns da arte e do design. Ao se referir à importância da
compreensão da linguagem para o estudo da arte, a afirmação de Gombrich
reforça esta hipótese:
Assim como o estudo da poesia fica incompleto sem algum
conhecimento da linguagem e da prosa, o estudo da arte deve ser [...]
suplementado cada vez mais com uma pesquisa da lingüística da
imagem visual (GOMBRICH, 2007, p. 7).
De acordo com o Manual de Ornamentación (1964) de F. S. Meyer, as
denominações ornamento, ornamentario, ornamental, ornamentação,
ornamentista, etc., derivam-se do verbo latino ornare, que significa adornar.
Segundo Meyer, o ornamento é o adorno artístico; a ornamentação é o
emprego do mesmo; o ornamentista é aquele que adorna; ornamental quer
dizer aquilo que foi adornado artisticamente ou referente à ornamentação,
enquanto “ornamentaria” ou teoria da ornamentação faz referência ao conceito
global da arte decorativa (MEYER, 1989, p. 1).
Dentre os tópicos abordados neste capitulo, inicia-se com um panorama
contextual do ornamento a partir do período modernista, onde começa a passar
por uma revisão de valores, responsável entre outros fatores, por contribuir à
ascese de toda discussão de historicidade da arte contemporânea. Em
seguida, amplia-se a discussão do ornamento, destacando sua contribuição às
questões simbólicas da ordem do sensível, que devido ao resgate de sua
22
utilização por parte da crítica pós-moderna, é responsável por evidenciar uma
interessante e natural tendência ao equilíbrio entre os conceitos de forma e
função.
Finalmente, com o intuito de apresentar uma exposição esclarecedora
sobre historicidade, a partir da análise fundamental das questões de estilo,
destaca-se a contribuição que psicologia da percepção visual trouxe à
compreensão artística contemporânea. Delineia-se uma relação filosófica
embasada na teoria da Kunstwollen de Aloïs Riegl6, e na visão autoconsciente7
da arte contemporânea, responsável por demonstrar a valiosa contribuição que
o estudo da ornamentação é capaz de fornecer ao esclarecimento histórico
sobre o surgimento do design, e sua respectiva relação com a arte.
1.2 Panorama contextual: modernismo e ornamento Com o desenvolvimento do cubismo, começa-se evidenciar mais
claramente uma ruptura com os estilos anteriores em arte, essa ruptura
recebeu, pelos historiadores e críticos da arte, o nome de Modernismo.
Clement Greenberg em 1948, traçando uma análise retrospectiva do cubismo,
prenunciou-o como “o feito da arte do século XX que marcou época, um estilo
que alterou e determinou a compleição da arte ocidental tão radicalmente
quanto o naturalismo renascentista havia feito” (Greenberg 1948, em
Greenberg II 1986, p. 212 Apud: HARRISON, 2001, p. 9).
A denominação um tanto subjetiva do termo Modernismo, naturalmente
suscita uma ambigüidade, pois, derivado de outros conceitos como
Modernização e Modernidade, sugere, além de questões relativas à arte,
reflexões sobre o mundo moderno e sua cultura em geral. Segundo Harrison, o
termo modernização “se refere a uma série de processos tecnológicos,
econômicos e políticos associados à Revolução Industrial e suas
conseqüências”, enquanto por modernidade deve-se entender as “condições
6 Com a função de formar um acervo pioneiro na promoção das artes decorativas a fim de influenciar positivamente o design, Riegl (1858-1905) é considerado um dos principais teóricos sobre o ornamento. Surpreendeu os acadêmicos e historiadores de arte de sua época, ao demonstrar consistentemente que o ornamento possuía uma história legítima. 7 Vide: HUTCHEON, 1991.
23
sociais e experiências, que são vistas como os efeitos desses processos”
(HARRISON, 2001, p. 6). No uso comum, modernidade significa “a propriedade
ou a qualidade de ser moderno ou atualizado. Contudo, tende também a
implicar um certo tipo de posição ou atitude que se caracterizaria por formas
específicas de resposta tanto à modernização como à modernidade” (Ibidem).
Sobre a semântica dos termos modernismo e modernidade, Pinheiro
(2005), embasado na teorização de Kumar, atenta para o perigo em confundi-
los:
Modernidade e modernismo embora usados como sinônimos e
pertencendo ao mesmo domínio semântico, não são idênticos. “Entendo
por ‘modernidade’ – escreve Kumar8 – uma designação abrangente de
todas as mudanças, - intelectuais, sociais e políticas – que criaram o
mundo moderno. ‘Modernismo’ é o movimento cultural que surgiu no
ocidente em fins do século XIX e, para complicar ainda mais a questão,
constituiu, em alguns aspectos, uma reação crítica à modernidade”
(PINHEIRO, 2005, p. 4).
Em arte, especificamente, a questão pós-modernismo se estende a
outro problema. O termo se apresenta ainda mais ambíguo, pois pode sugerir
tanto a relação de movimento artístico, quanto à de periodização temporal.
Conforme esclarece Harrison, “‘modernismo’ não costuma ser utilizado como
um termo genérico para cobrir toda a arte do período moderno. Trata-se antes
de uma forma de valor, em geral associada apenas a algumas obras e que
serve para distingui-las de outras” (HARRISON, 2001, p. 6). Isso acontece devido
as origens do modernismo serem classificadas entre o período que vai do final
do século XVIII ao início do XX. Nesta acepção, a utilização recente do termo
pós-modernismo sugere que o modernismo tenha encerrado seu curso ou se
tornado sinônimo de uma forma de conservadorismo cultural, o que talvez seja
a mesma coisa.
Toda essa problematização deve-se basicamente à tradicional
compreensão de história da arte até então. O entendimento tradicional sobre
história da arte, por não constituir uma fundamentação filosófica precisa sobre 8 Vide: Krishan Kumar. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna; Novas teorias sobre o Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro, Zahar, 1997. p. 79.
24
a sua historicidade, abre caminho a esse tipo de questionamento. Não
obstante, o modernismo torna-se o ponto culminante a tal reflexão, obrigando a
arte a rever valores e iniciar uma busca a fim de instituir uma fundamentação
mais precisa e ao mesmo tempo mais autônoma no que refere à
sistematização filosófica. Em síntese, delimitando o território da arte
contemporânea em oposição ao modernismo, Hans Belting elucida tal
problematização na obra intitulada O fim da história da arte: uma revisão dez
anos depois (1995):
A compreensão da modernidade, que não sabemos se já é passado ou
se ainda é presente, também está relacionada ao argumento da história
da arte escrita, que por sua vez, como objeto científico, é um produto da
modernidade. [...] Desse modo, manifesta-se uma contradição no
fundamento da ciência da arte que teve conseqüências de longo
alcance. Ela surgiu certamente na modernidade, mas procurava o seu
objeto no passado e encontrou nele as suas regras científicas para lidar
essencialmente com a arte. [...] Permanece contudo a contradição de
que a ciência da arte moderna orientava todas as suas energias para a
arte passada (BELTING, 2006, p. 41-2).
No período moderno a arte inicia uma mudança de sentido.
Anteriormente vista como a maestria de alguma aptidão humana (conceito
aristotélico), após o cubismo e os desdobramentos da revolução industrial,
passa a ser entendida numa compreensão mais ampla, onde a estética, como
discurso filosófico, visa cada vez mais a compreensão das grandes verdades
universais em todos os âmbitos da arte em relação à vida.
Luigi Pareyson, considerado um dos principais teóricos da estética
contemporânea, recorda que “na Antiguidade e na Idade Média, a arte era
confundida com os ofícios e as técnicas no conceito comum de um fazer”. No
período de Setecentos, tratou-se de distinguir a arte das outras grandes
atividades do homem, ou seja, “buscou-se distinguir e definir o sentido do belo”.
Exemplo disso é a filosofia romântica, pois “construía-se de diversos modos a
ordem dialética e a hierarquia entre arte, religião e filosofia”. Ou ainda como
“nos últimos desenvolvimentos da filosofia idealista na Itália”, distinguia-se a
arte dessas outras três “formas do espírito” (PAREYSON, 1997, p. 30).
25
Ainda sobre o papel da estética, como ciência da arte calcada no
discurso filosófico, Pareyson salienta que “é fundamental também a exigência
da extensão da arte a todos os campos da atividade humana, como atesta toda
a história do homem”, principalmente as civilizações de alto sentido artístico,
como a grega e a humanística. Nestas civilizações, “cada atividade se
persegue, juntamente com o valor específico daquela atividade determinada”,
diferentemente de como se observa numa idade como a nossa, onde “a
renovação do gosto ocorre não apenas na arte propriamente dita, mas,
sobretudo nos mais diversos âmbitos da vida, da decoração à arte gráfica e do
desenho industrial às artes de massa” (Idem, ibidem).
Neste sentido o modernismo inicia toda uma revisão de valores sobre o
belo e o emprego dos elementos estilísticos pré-modernistas, dentre eles o
ornamento. É consenso por parte dos historiadores, que essa renovação do
gosto principalmente a partir do século XX, inicia-se essencialmente devido à
uma espécie de “deslumbramento” frente as “maravilhas” da máquina. Este
fato, não sem mérito, recebeu a denominação de Revolução Industrial, pois foi
responsável por caracterizar a estética modernista, ou, também conhecida,
como Estética da Máquina. Para Pevsner:
[...] sem imprensa e sem máquina não haveria o século XX. A
comunicação de massa e a produção em massa estão entre as coisas
que distinguem nosso século dos anteriores. Contudo, o que nos
pertence com exclusividade é a exploração quantitativa e não a
invenção em si. E este é um fenômeno de destaque entre as origens do
século XX e, portanto, da arte moderna. (PEVSNER, 2001, p. 7).
Partindo deste princípio, Argan (1992), numa simplificação terminológica,
entende que por “Modernismo resumem-se as correntes artísticas que [...]
propõem-se a interpretar, apoiar e acompanhar o esforço progressista,
econômico-tecnológico, da civilização industrial” (ARGAN, 1992, p. 185).
Em arte, uma das maiores revoluções que o advento da máquina foi
responsável por proporcionar, incide diretamente sobre o conceito de
ornamentação. No período modernista, devido ao suposto “nivelamento” do
que antes era considerado como artigo de luxo, o ornamento passa a ser
26
produzido em grande escala pela máquina, fato que concede à ornamentação
o status de elemento popularizador da arte. O objeto ornamentado, como artigo
que até então somente a elite era capaz de usufruir, carregado de alto valor
unitário, original e exclusivo que somente o trabalho e o sacrifício do artesão
eram capazes de proporcionar, em tese, tornava-se acessível à massa.
Na interpretação de Gombrich:
Deste este punto de vista, una decoración hecha a máquina es un
absurdo. [...] La hipocresía del lujo no fue considerada como una
amenaza. Debe reconocerse que la producción barata en serie de lo
que antes fueran artículos de lujo ofrecía una gran oportunidad. Las
comodidades, y incluso los ‘símbolos de categoría’ de los ricos parecían
ahora estar al alcance de casi todo el mundo. [...] no debemos olvidar
hasta qué punto fue la máquina un nivelador social (GOMBRICH, 1980,
p. 62-3).
Gilberto Paim, ceramista e apaixonado pesquisador do ornamento, em A
Beleza sob Suspeita (2000), sintetiza com precisão e clareza, boa parte da
discussão sobre o ornamento no período modernista. A fim de pontuar alguns
dos principais fatos que se sucederam e o que acarretaram sobre a questão da
ornamentação ao longo do debate moderno, reproduzindo algumas pontuações
do autor, delineia-se uma breve abordagem contextual com o objetivo de
contribuir para o aprofundamento da questão neste período.
Paim reconhece que “durante a fermentação, a eclosão e o triunfo oficial
do modernismo, o ornamento não foi refúgio tranqüilo para a beleza”. Em
paralelo à marcante ousadia na experimentação da arte, o ornamento
constituiu uma “arena onde diversas forças puderam se manifestar,
questionando e reformulando as fronteiras entre a arte e a natureza, a criação
e a imitação, a representação e a abstração, o trabalho alienante e o trabalho
enriquecedor, a fruição estética e o consumo”. Fora a contribuição para a
definição da arte, arquitetura e design9, “a tematização do ornamento forneceu
9 A inter-relação entre design e ornamentação é conceitualmente mais profunda do que se parece. Apesar do primeiro emprego da palavra designer, registrado pelo Oxford English Dictionary datar do século XVII, o termo se manteve infrequente até o início do século XIX, “quando surge primeiramente na Inglaterra e logo depois em outros países europeus um número considerável de trabalhadores que já se
27
elementos para a elaboração de abordagens críticas do mundo industrial“
(PAIM, 2000, p. 22).
Já a partir da segunda metade do século XIX, os ornamentos haviam
passado a ser feitos conforme as exigências da produção em série. O que
transformou radicalmente sua configuração nas grandes cidades das Américas
e na Europa. O artesão oficinal cedeu lugar ao operário industrial com função
repetitiva. Artistas e arquitetos, que anteriormente eram solicitados na
elaboração de projetos específicos, cederam lugar ao administrador da
indústria e a uma mercadoria, produzida em larga escala e voltada ao consumo
das mais variadas classes da população urbana.
Conforme Paim:
A disseminação das novas formas ornamentais deveria contribuir para
embelezar as cidades e tornar os lares mais acolhedores num período
dramático de refluxo da natureza, alta concentração de renda,
crescimento da pobreza e avanço das modalidades propriamente
modernas de poluição (Idem, op. cit, p. 13).
Com o intuito de incentivar a consulta para a reprodução, a fim de
atender a crescente demanda do mercado que visava incitar o consumo das
classes urbanas, principalmente média e alta, foram publicados diferentes e
inúmeros catálogos de padrões ornamentais (design patterns), representantes
dos mais diversos períodos e civilizações históricas, fato que ocasionou uma
verdadeira miscelânea na sua apropriação e utilização, pois não se respeitava
os materiais, os suportes, os desenhos, tampouco sua finalidade.
Passaram a ser compreendidos e utilizados como formas
desmaterializadas e descontextualizadas, totalmente desvinculados do
processo artístico. Verdadeiras fantasmagorias, foram assim batizados pelos
críticos de arte e estetas da época. Tal conseqüência abre a reflexão moderna
sobre a revisão de valores da decoração por meio da ornamentação, onde as
mais divergentes opiniões foram responsáveis por construir a nova visão do
ornamento na atualidade. (PAIM, 2000, p. 13-4).
intitulavam designers, ligados principalmente, mas não exclusivamente à confecção de padrões ornamentais na indústria têxtil”. Vide: CARDOSO, 2008, p. 22.
28
Seguindo com o panorama traçado por Paim:
Entre 1850 e 1950, os ornamentos foram atentamente analisados e
discutidos por designers, arquitetos, artistas, artesãos, escritores,
filósofos, críticos e historiadores da arte, além de médicos e psiquiatras.
[...] Os profissionais capazes de intervir diretamente na criação e na
produção dos ornamentos se empenharam em reformar ou combater a
sua mutação industrial. Os ornamentos mereceram exposições críticas,
museus especializados e estudos eruditos; critérios para avaliação dos
ornamentos foram estabelecidos em função do seu grau de
inventividade e abstração (Idem, op. cit, p. 17).
Owen Jones (1809-1874), designer, arquiteto e um dos mais influentes
teóricos do século XIX, na tentativa de conter a utilização desmedida do
ornamento, publicou em 1856 a Gramática do Ornamento. O mais notável
repertório de imagens ornamentais, incluindo um texto crítico introdutório, o
qual visava interromper essa tendência mecanicista e despertar uma ambição
mais sublimada10.
Figura 1 - Capa da 1ª Edição de A Gramática do Ornamento
publicada por Owen Jones em 1856.Fonte: http://i39.tinypic.com/inbj7r.jpg 10 Vide: JONES, Owen. Grammar of Ornament. Londres: Slovaquia: L”Aventurine, 2006.
29
Jones deixou claro que a intenção de seu trabalho era esclarecer a
compreensão sobre os princípios fundamentais da ornamentação, salientando
que os padrões bem sucedidos do passado deveriam servir de base para
nortear novas criações, e não para serem copiados em suas formas literais.
Gilberto Paim interpreta e sintetiza as 37 proposições intituladas “general
principles in the arrangement of form and colour, in architecture and the
decorative arts”, conforme o que Jones pregava:
Que a composição ornamental deveria produzir uma sensação de
“plenitude e de repouso ao olhar e à mente”; que as linhas deveriam “crescer e
se desdobrar de modo suave e gradual”; que a construção do plano ornamental
deveria “obedecer, em cada uma de suas partes e no todo, a uma geometria
rigorosa que permanece oculta ao olhar”; que a harmonia do conjunto
“depende da presença de elementos contrastantes”; que o modelo da
composição deveria respeitar “a árvore frondosa, cujas ramificações originam-
se de um mesmo tronco ou raiz; e que as flores e outros objetos naturais
considerados belos só se tornam verdadeiros ornamentos quando são
representados de modo abstrato e se submetem às regras gerais da
composição” (Idem op. cit, p. 18-9).
Em suma, com tais proposições Jones pretendia transmitir a mensagem
de que “os belos estilos ornamentais do passado respeitaram as leis que
regulam a distribuição das formas da natureza”, e não constituiam meras
combinações aleatórias, muitas vezes desorganizadas. Jones compreendia o
impulso ornamental de Riegl11, como um poderoso e inalienável “instinto”, de
acordo com o qual tentamos, conforme nossas possibilidades, imitar o trabalho
do Criador (Idem, op. cit, p. 20).
Paralelamente, apesar de reconhecerem que os ornamentos eram uma
necessidade simbólica ao bem estar da vida humana, os reformistas do design,
preconizando a funcionalidade absoluta e a satisfação das necessidades
sociais, na tentativa de uma conciliação entre arte, artesanato e a produção
industrial, repudiaram a imitação dos mesmos, apagando seus vestígios e sua
utilização.
11 Vide Alois Riegl em cap. 1, item 1.5.
30
Não obstante, sobre a importância do ornamento à satisfação humana, a
visão do artista, designer e arquiteto Eugène Grasset12 (1841-1917) é bem
diferente:
[...] a criação ornamental correspondia a uma vontade bem humana de
fantasia e abstração, positivamente associada à alegria de viver. [...] ‘o
ornamento nasce do desejo de exercer nossa fantasia além da imitação
pura e simples dos objetos naturais’, sendo simultaneamente uma forma
de demonstrar nosso prazer de viver e parte de ‘uma disposição feliz do
espírito’ (GRASSET, apud, PAIM, 2000, p. 20).
Esta conscientização constitui um importante contraponto frente à visão
vanguardista do ornamento. Compreendido como elemento supérfluo,
acessório, passível de ser retirado sem comprometer a composição nem
prejudicar o tema principal, com sua anulação, é compreendido por Grasset,
como elemento essencial à beleza, uma necessidade inerente à personalidade
humana, grande responsável pela satisfação do fruir estético. O que
caracteriza a valorização pelo contraste, comportamento tipicamente humano,
que somente passa a perceber o real sentido de algo a partir do momento que
sente sua falta13.
John Ruskin na Inglaterra, crítico e teórico da arte e da sociedade, e
Louis Sullivan nos EUA, um dos pioneiros da arquitetura moderna, cientes da
importância do ornamento na vida do homem, e ao mesmo tempo atentos às
contribuições da produção industrial no momento, colocaram-se no papel de
mediadores, no intuito de vivenciar as descobertas da produção industrial e
conter a banalização da ornamentação. A partir deste posicionamento,
fomentaram a renovação da arquitetura, do design, e do artesanato, nivelando-
os igualmente ao patamar das artes ditas “puras”. Tanto para Ruskin como
para Sullivan, os ornamentos verdadeiros não eram meros acessórios, mas
formas ornamentais legítimas que nascem do mesmo impulso criativo
responsável pelo surgimento de toda a estrutura em uma obra.
12 GRASSET, Eugène. Méthode de composition ornamentale. Paris: Librairie Centrale dês Beaux-Arts, 1905. 13 A título de exemplo: assim como o silencio, que é tão valorizado após a exposição por longo tempo a um barulho contínuo. Valor: vide Pareyson, 1997, p. 30.
31
Segundo a interpretação de Paim:
John Ruskin condenou severamente a captura industrial do ornamento
em favor do artesanato, que jamais é mera repetição pois guarda os
traços singulares de quem o realizou. Louis Sullivan propôs a
suspensão temporária do ornamento como uma ascese indispensável
para a reavaliação de suas verdadeiras possibilidades e o
favorecimento da sua plena expressão num futuro não muito distante
(Idem, op. cit, p. 115).
Nesta fase, as fronteiras entre as artes decorativas, o design, a pintura e
a arquitetura, eram constantemente colocadas em suspensão. Artistas,
artesãos, designers, pintores e arquitetos, todos aqueles envolvidos com a
produção ornamental procuravam colocar-se numa posição estável dentro da
hierarquia das artes. Essa intensa reflexão crítica, foi responsável por incitar
um duplo propósito, ao mesmo tempo em que inibiu, fomentou a produção
ornamental, mas uma produção renovada e conscientizada.
Conforme constata Paim:
A ênfase na naturalidade do impulso ornamental e o repúdio à utilização
fantasmagórica das formas ornamentais pela indústria estimularam a
revitalização de diversos ofícios artesanais que haviam desaparecido
com o advento da industrialização. [...] Muitos artistas-artesãos
buscaram inspiração na arte japonesa, depositária de uma beleza
cotidiana mais direta e refinada. Questionaram a hierarquia entre as
belas-artes e as artes decorativas e conseguiram apresentar os seus
trabalhos nos salões reservados anteriormente apenas à pintura e à
escultura (Idem, op. cit, p. 21).
Neste momento histórico a definição das artes decorativas como artes
menores, começou a ser posta em cheque. Desfez-se o foco sobre a pintura e
a escultura; levantou-se questão sobre a obrigatoriedade mimética da arte;
passou-se a valorizar a vontade da forma riegliana (Kunstwollen);
desconsiderou-se o princípio da autoria; e evidenciou-se a circulação e
transformação das formas através da miscigenação de culturas. Tornaram-se
32
menos rígidas as fronteiras entre a arte ocidental e oriental, bem como entre a
arte dos povos civilizados e dos primitivos, sem falar no reconhecimento das
artes populares. Em suma, “a história do ornamento ampliou os limites
históricos e geográficos da história da arte, identificando semelhanças e
estabelecendo comparações inéditas entre formas que anteriormente sequer
partilhavam de um mesmo conjunto” (Idem, op. cit, p. 22).
No pensamento pós-moderno (pós década de 1960), ora procurando
complementar o pensamento moderno, ora propondo uma ruptura dos
princípios norteadores da produção da arte e do design modernista, o que se
observa no tocante à estética é, entre outros fatores, uma redescoberta das
figuras de estilo, como a metáfora, a ironia e também o ornamento. Como
elemento compositivo, a função do ornamento vinculado ao conceito de
unicidade busca ampliar o resgate de valores artísticos pré-modernistas
(DEMPSEY, A. 2003).
Com o ressuscitar da pintura tradicional, e por conseqüência, o
questionamento de seus fundamentos formalistas, o ornamento é resgatado
ironicamente pelo pós-modernismo, colocando novamente em suspensão a
idéia de seu status de prestígio e de seu valor sublimado. Cabe ressaltar que é
justamente este o papel do pós-modernismo: ironizar para reavaliar as
“verdades” do passado, a fim de lhes atribuir um valor mais preciso, mesmo
que provisório e ciente de sua natural impossibilidade de mensuração.
Para Hutcheon:
[...] a ironia “é sempre uma reelaboração crítica, nunca um ‘retorno’
nostálgico. [...] O importante debate contemporâneo sobre as margens e
as fronteiras das convenções sociais e artísticas é também o resultado de
uma transgressão tipicamente pós-moderna em relação aos limites
aceitos de antemão: os limites de determinadas artes, dos gêneros ou da
arte em si. (HUTCHEON, 1991, p. 21-6).
O resgate pós-modernista da ornamentação é exatamente o retorno
irônico à fantasmagoria que, conforme Paim, “deixou em segundo plano o
princípio modernista supremo da verdade dos materiais para resgatar
33
procedimentos decorativos de superfície que brincam com a possibilidade de
iludir mais do que realmente iludem” (PAIM, 2000, p. 120).
Na década de 1980, Robert Jensen e Patricia Conway (1982),
observaram o resgate irônico do ornamento e sua utilização por parte de
arquitetos, designers e artistas. Ornamentar ou decorar passa a ser um
procedimento radical em oposição ao conservadorismo modernista, abrindo
espaço para uma revisão de conceitos, e consequentemente para uma
compreensão mais ampla: a comprovação do fato que, ornamentar e decorar
não são meros sinônimos, pois há sempre uma designação, por mais sutil que
seja, onde pode-se revelar tal diferenciação.
Sobre o nivelamento proposto por Jensen e Conway, alerta Paim:
A indiferenciação entre “ornamentar” e “decorar” afirmada por Jensen e
Conway contraria uma distinção fundamental do modernismo e revela
uma nova disposição para reavaliar as fronteiras entre o que é
intrínseco e o que é extrínseco à experiência da arte (PAIM, 2000, p.
120).
Seguindo este princípio, é fato que a arte, em sua evolução, produziu
uma série de ramificações, a partir da articulação de diferentes áreas do
conhecimento (design, artesanato, arquitetura, pintura, ciência e tecnologia), a
produção contemporânea, sem abrir mão dessas relações interdisciplinares,
amplia ainda mais o seu universo, ao retomar determinadas questões da
estética. Essa retomada da tradição, neste contexto amplo da arte, podendo
ser naturalmente estendido ao design, leva a uma quebra de paradigmas, onde
a ornamentação aparece como fundamento capital à epistemologia do
momento artístico atual.
1.3 Ornamentalismo: a conciliação pós-moderna entre forma e função
Entre inúmeras teorias contemporâneas que abrangem tanto a cultura
em geral quanto as artes, o termo pós-modernismo deve ser, segundo
Hutcheon, ao mesmo tempo “o mais sobredefinido e o mais subdefinido”
34
(HUTCHEON, 1991, p. 19). Nestes termos, a autora pretende chamar a
atenção para toda imprecisão, e até mesmo confusão do simples fato verbal
em relação à definição etimológica que circundam os textos na atualidade:
O pós-modernismo é um fenômeno contraditório, que usa e abusa,
instala e depois subverte os próprios conceitos que desafia [...] Em
outras palavras, o pós-modernismo não pode ser utilizado como um
simples sinônimo para contemporâneo (cf. Kroker e Cook 1986). E ele
realmente não descreve um fenômeno cultural internacional, pois é
basicamente europeu e (norte- e sul-) americano. [...] Suas formas
estéticas e suas formações sociais são problematizadas pela reflexão
crítica (Idem, op. cit, p. 19-20).
Hoje a sociedade convive com a pura (dura) realidade, causa de todo
mal-estar social, político, econômico e cultural da atualidade, o que Lyotard
(LYOTARD, J.F. 1989, p. 23-26), um pioneiro a teorizar do movimento pós-
moderno, denominou de “crise da legitimação”, isto é, o fim das grandes
certezas, a convicção da instabilidade de qualquer estrutura que carregue por
si um valor de verdade (narrativa-mestra), assim como a arte ou o mito, por
exemplo. As narrativas-mestras, conforme recorda Hutcheon, já eram alvo de
ataques céticos por parte de pensadores como: “Foucault, Derrida, Habermas,
Vattimo, Baudrillard” que, seguindo as pegadas de “Nietzsche, Heidegger, Marx
e Freud – para citar alguns – em suas tentativas no sentido de desafiar os
pressupostos empiristas, racionalistas e humanistas de nossos sistemas
culturais, inclusive os da ciência” (HUTCHEON, 1991, p. 23; PINHEIRO, 2005;
2007).
Quando a poluição, juntamente com outras tantas calamidades geradas
pela sede do progresso desmedido, passaram a ser eventos dramáticos e
alarmantes no dia-a-dia da vida moderna, a estética modernista, numa reação
espontânea imanente à natureza humana, começou a declinar assim que as
vicissitudes da compulsiva produção tecnológica/industrial deram os primeiros
indícios de somatizar seus malefícios à vida cotidiana, conforme Jensen e
Conway, “Though we cannot (and shoud not) abandon the convenience that
35
modern science and technology have brought us, we can no longer believe in
the machine as a “spiritual” force” (JENSEN; CONWAY, 1982, p. 12).
A estética da máquina, longe de ser uma metáfora válida às melhores
esperanças e sonhos humanos, inicia um processo de questionamento se a
pura estética industrial, derivada das técnicas de produção em massa,
realmente produzem o good design, barato e disponível a todos. Insistindo no
uso "honesto" dos materiais e descartando todos os elementos "irracionais"
como o ornamento, o foco do modernismo impiedosamente suprimiu o
refinamento do detalhe em sua produção, subjugando a aparência das
superfícies, sem levar em conta o caráter individual de cada peça. Com isso,
procurava garantir a satisfação particular do consumidor, prescindindo as
tolerâncias minuciosas que só o trabalho mais qualificado é capaz de agregar.
O que os Modernistas de cedo não puderam prever - e seus discípulos foram
relutantes em admitir - é que a estética da máquina não poderia ser barata para
a produção em massa (Idem, ibidem).
Com a recolocação da função estética a partir de novos parâmetros de
revival transtextual, o design pós-moderno resgata o papel pioneiro do
designer, conciliando a produção em série personalizada14. Visando cada vez
mais a unicidade, verifica-se uma retomada da produção artesanal e,
conseqüentemente, um aumento no nível e grau de elementos semióticos
(simbólicos, como a metáfora) e psicológicos (de apelo emocional).
Na atualidade, devido ao fato de ter-se compreendido como o objeto
industrial deve corresponder, não só aos requisitos técnicos exigidos, mas
também quanto à natureza do material de que é constituído, Gillo Dorfles
(1988) salienta a retomada da função estética na produção econômica.
Discorrendo sobre o que se apresenta como uma espécie de tendência
conciliatória entre os conceitos de forma e função, ao levar em conta duas
importantes premissas que por sua vez acabam por ampliar o aspecto subjetivo
do produto através de dois aspectos.
Primeiro:
14 A produção em série é o oposto de personalizada, entretanto, a informatização além da interatividade, permite mensagens e produtos padrão, seriados com detalhes personalizados.
36
[...] a necessária e inevitável instabilidade formal, devida, como disse,
às exigências de mercado, à solicitação, à concorrência, ao monopólio,
todos estes elementos inelimináveis, pelo menos na fase actual da
estrutura econômico-social da humanidade (DORFLES, 1988, p. 145-6).
E segundo:
[...] a sua proeminente função simbólica. E com esta expressão não me
refiro, apenas, a uma característica genérica de toda a arte considerada
como elemento simbólico, segundo numerosas teorias, mas a um tipo
de eficácia simbólica, muitíssimo preciso e específico. [...] Trata-se do
simbolismo pelo qual o objecto está destinado a significar a sua função
de maneira evidente, por meio da semantização de um elemento
plástico que lhe sublinha a figuratividade e que sirva para nos indicar
um outro parentesco do objecto industrial com o verdadeiramente
artístico (Idem, ibidem).
Rafael Cardoso (2008) amplia essa reflexão, trazendo à tona as
profundas transformações que a adoção das tecnologias computacionais
ocasionam à produção contemporânea. Salientando inclusive, o papel do
objeto virtual, que “acaba sendo gerado por um processo muito mais artesanal
que propriamente industrial”, pois “mesmo sendo distribuído em escala quase
ilimitada, ele pode ser produzido por uma única pessoa do começo ao fim, o
que subverte a divisão histórica entre projeto e fabricação” (CARDOSO, 2008,
p. 235):
A aplicação da informática a diversos processos produtivos introduziu
uma flexibilização a tal ponto que hoje é perfeitamente viável fabricar
industrialmente pequenas séries ou, por meio da prototipagem rápida,
até peças únicas. [...] À medida que a produção industrial vai se
tornando mais precisa e diferenciada, é no âmbito eminentemente
subjetivo da experiência e da emoção que as verdadeiras decisões de
projeto deverão se dar (Idem, op. cit, p. 236).
Desde que o arquiteto americano Robert Venturi em 1966 observou que
“menos é enfadonho” (“less is a bore”) num trocadilho em oposição ao lema
37
modernista atribuído a Mies van der Rohe “less is more” (“menos é mais”), a
utilização do ornamento e da decoração vem sofrendo consideráveis alterações
substanciais. O ornamento passa a ser considerado, não mais como algo
supérfluo, que se retirado não prejudica a estrutura da obra, mas sim, como
elemento essencial e indissociável à composição da obra, principalmente no
que se refere ao refinamento simbólico. Em alguns casos, como por exemplo
em arquitetura, o ornamento é trabalhado de tal forma, capaz de produzir uma
sensação de experiência espacial-decorativa, causando a impressão
perceptiva de que um ambiente pode ser maior ou menor do que o é
realmente. Ou ainda, quando utilizado na forma de pintura, com ricas e
complexas combinações de cores, ou mesmo na forma tridimensional,
produzem sensações que aludem à arte dos séculos passados.
Figura 2 - Exemplos de ornamentalismo. Fonte: Jensen e Conway, 1982, p. 16
Muitos artistas, trabalhando em azulejo cerâmico, pano tingido,
miçangas, lantejoulas, entre outros materiais alternativos, estão abandonando
suas telas e composições miméticas para cobrir paredes inteiras com formas
padronizadas fantásticas. Com materiais associados mais freqüentemente as
artes decorativas do que com as belas artes, as distinções tradicionais entre
estes dois campos, apresentam-se cada vez mais intrincadas, até mesmo pelo
fato de que muitos destes artistas, também concebem cadeiras, mesas, camas,
e luminárias. Peças que livremente evocam a "utilidade" em potencial,
permanecendo, contudo, ao mesmo tempo como objetos de contemplação. A
38
esse novo, porém crítico ressurgimento da decoração através da utilização do
ornamento em novos e provocadores contextos, Jensen e Conway, o
denomina: Ornamentalismo, isto é, basicamente a reflexão crítica tipicamente
pós-moderna sobre o ornamento. (JENSEN; CONWAY, 1982, p. 17).
Figura 3 - “Lepidopterical” chair, de Pedro Friedeberg. Exemplo de objeto que evoca a
utilidade funcional, mas permanece objeto de contemplação. Segundo o questionamento do criador:“Can one sito n a butterfly? Why not?”Fonte: JENSEN; CONWAY, 1982, p. 237
Segundo Jensen e Conway, o ornamentalismo é mais uma reação
contra os fracassos mais óbvios do modernismo, entretanto, não é a própria
rejeição do modernismo. Uma das razões do ornamentalismo poder ser
considerado um fenômeno moderno, é a quebra cardeal das regras
características do ornamento de todos os estilos históricos. Considerando que
ornamento no início da produção modernista, segundo novas formas para as
quais era aplicado, procurou reforçar ou complementar os estilos gótico,
barroco, ou neoclássico, o ornamentalismo freqüentemente contradiz ou anula
estas formas de aplicação. Além disso, a beleza visada pelo ornamentalismo,
remonta, até certo ponto, aplicações servis da estrutura, resgatando conceitos
pré-modernistas anteriores aos séculos XVIII e XIX (Idem, op. cit, p. 18).
39
Neste sentido, o renovado interesse no ornamento visa uma construção
propositada da decoração. A decoração, aliada à tendência do ornamentalismo
a fim de contradizer-se, reforça sua estrutura essencial e funcional. O
ornamentalismo é importante, pois permite manter claras as distinções entre o
que somente está na superfície das coisas do que realmente as coisas são,
evidenciando o que é real do que é ilusão (mímesis). De acordo com Jensen e
Conway, não é o uso diário da tecnologia que o ornamentalismo questiona,
mas a tendência ao deixar a tecnologia ditar o que fazer com essa própria
tecnologia, permitindo-a tornar-se um fim em si mesmo. O ornamentalismo
“dança” na superfície de tecnologia enquanto a utiliza para negar sua aura.
Ornamentalismo é um sinal de vida, não de acordo, e promete um futuro que
parecere muito diferente do que se conhece pela melhor fase deste século
(Idem, op. cit, p. 21).
Toda reflexão acerca da ornamentação na pós modernidade dá vazão a
uma infinitude de questionamentos, dentre eles destaca-se a problematização
sobre a historicidade da arte, onde a maioria das experimentações tem seu
foco voltado à especulação do sensível. Tais especulações, abarcadas pela
teoria da percepção em paralelo com a própria estética, no tocante à
criatividade do processo formativo, apresentam-se intimamente entrelaçadas
nos meandros entre arte e design.
Ao se referir ao resgate do ornamento como elemento erroneamente
marginalizado, Gillo Dorfles afirma categoricamente que “não há dúvida de que
um novo elemento artístico se juntou às outras artes”, elemento que,
“transformado e sublimado”, seja nas construções arquitetônicas ou nas obras
de arte visuais, “poderá ser o embrião de uma nova forma de sensibilidade
estética”. O próprio fato de que a arte de hoje, “aparentemente reservada às
elites, está cada vez mais a universalizar-se, é um dado significativo que por si
só basta para explicar a generalização da arte, o que seria inimaginável em
épocas anteriores à nossa”. Tal generalização, tanto do produto industrial,
como do artístico, acarretam consigo uma generalização do estilo. Neste
sentido, julga necessário “que a forma exprima e semantize não só a sua
função técnica e utilitária, como a sua função signo-simbólica”, mas também
que, “por outro lado o elemento modular, pré-fabricado, de série, seja
40
concebido sempre em função da sua integração num ambiente preciso”
(DORFLES, 1988, p.147-150).
1.4 Percepção visual, questão do estilo e historicidade da arte Nas últimas décadas, variadas e importantes mudanças vêm sendo
consolidadas no campo das artes. O que se verifica como característica
marcante é a intensa diversidade e simultaneidade na profusão de estilos e
movimentos.
Do ponto de vista da história e teoria da arte tradicional, fica cada vez
mais difícil, a certeza de qualificar uma obra, como obra de arte. Para Archer,
“parece, com freqüência, que pouco se pode fazer para impedir que mesmo o
resultado das atividades mais mundanas seja erroneamente compreendido
como arte” (ARCHER, 2001, p. IX).
A intensa abundância e fertilidade da práxis artística contemporânea,
não devem ser entendidas como resultado confuso de um estado de coisas
desordenado. Mas sim como uma revisão de conceitos e valores propostos
pelos movimentos de vanguarda modernista e até mesmo pré-modernista.
Novamente interpretados e desenvolvidos sob outra óptica ainda não
claramente designada, já que é entendida por uma profusão de nomes, é mais
consensualmente denominada como pós-modernismo.
A partir do final da década de 1970, novas teorias15, de criação, leitura e
inteligibilidade da obra, embasadas em conceituações culturais, filosóficas e
psicológicas, vêm sendo desenvolvidas para a consolidação de um pós-
modernismo crítico. Algumas delas já com o objetivo de unir os conceitos de
arte e design, a exemplo da “estética matemática e tecnológica” de Max Bense,
que propõe uma verificação objetiva da realidade estética por meio da
mensuração da natureza comunicativa da obra. Ou a teoria da “informação e
da percepção estética” de Abraham Moles que pressupõe a diferenciação entre
informação semântica, utilitária e informação estética, inutilitária.
Simultaneamente a este cenário, “sustentado pela explosão do mercado
de arte durante o boom financeiro dos anos 80”, assistiu-se com sucesso, o 15 Vide: CALABRESE, Omar. 1987.
41
ressuscitar de uma pintura consideravelmente tradicional, o que não deixou de
gerar incômodo às tentativas de compreensão do movimento vigente das artes,
visto que se mostrava totalmente contraditório em relação às manifestações
nada conservadoras das experiências vivenciadas nas décadas de 1960 e
1970. (ARCHER, 2001, p. XI).
Ernst Gombrich, considerado um dos mais eminentes historiadores e
“ainda hoje, como o pai e o melhor expoente da semiótica das artes”
(CALABRESE, 1987, p. 57; PINHEIRO, 2005; 2007) em sua obra Art and
Illusion – a study in the psychology of pictorial representation (1959), traz à tona
o debate acerca da representação mimética, resgatada com grande avidez pela
produção artística contemporânea. Enriquecido pelas contribuições do avanço
da psicologia da percepção, que facultam um novo e mais amplo entendimento
sobre o ato da visão, convida-nos a tal reflexão, a partir da análise das
questões de estilo na pintura, ao considerar: “que o estudo da arte e o estudo
da ilusão não podem ser mantidos sempre à parte”. E como as questões de
estilo estão intrinsecamente ligadas à história da representação, cada vez mais
se confundem com as questões sobre a psicologia dos sentidos de como o
homem contempla e representa a natureza (GOMBRICH, 2007, p. 6).
Para Gombrich, “o motivo pelo qual a representação da natureza pode
ser hoje vista como coisa banal deve ser do maior interesse para o historiador”
(Idem, op. cit, p. 7), pois
A maneira pela qual a linguagem da arte se refere ao mundo do
visível é igualmente tão óbvia e tão misteriosa que permanece
amplamente desconhecida, exceto para os próprios artistas, que
fazem dela o uso que fazemos de todas as línguas – sem
precisar conhecer-lhe a gramática e a semântica (Ibidem).
Desde a antiguidade à Idade Média, estilo (do latim stilus) era uma haste
de ferro, osso ou madeira, empregada na gravação de caracteres, ou gráfio.
Hoje tem seu significado ampliado para: “maneira particular como cada um
exprime seus pensamentos, suas emoções seus sentimentos” Ou ainda, nas
artes, como “conjunto de características que resultam da aplicação de
42
determinado sistema técnico e estético, próprio às obras de uma época, de
uma escola, de um artista, etc.” (LAROUSSE, 1998, p. 2264).
As particularidades de determinado estilo, como modo de expressão,
estão subjugadas às questões de habilidade, que por sua vez estão
intimamente conectadas às questões de interpretação daquele que expressa. É
dessa relação que Gombrich define como “o primeiro fugaz contato entre a
psicologia do estilo e a da percepção” (GOMBRICH, 2007, p. 9). Ao examinar
tal relação, observa que se inclui no conceito de técnica, já que o domínio da
técnica é subordinado ao maior ou menor grau de habilidade.
Dessa inter-relação de pressupostos, Gombrich, a partir de Cícero,
resgata a questão: “os pintores têm sucesso na imitação da realidade por
‘verem mais’, ou vêem mais por terem adquirido a habilidade da imitação?”
(Idem, ibidem). A Antiguidade clássica não foi capaz de ir além de tal
questionamento, talvez por estar mergulhada, e até mesmo, “deslumbrada”
pela conquista da ilusão através da mímesis. Tal questão provavelmente se
mostra passível de ser compreendida nos dias de hoje, devido ao estado atual
da arte e ao avanço da psicologia cognitiva.
Este resgate do questionamento de Gombrich, se justifica de ambos os
lados (Vide: cap. 2, item 2.4). O pintor quanto mais vê, mais se aprimora na
técnica da representação. E, por outro lado, quanto mais se aprimora, mais se
torna sensível às percepções visuais proporcionadas pela natureza. Dessa
espécie de ciclo, o autor observa o progresso evolutivo da arte, ao afirmar:
“Pode-se até dizer que o progresso da arte nessa direção era, para o mundo
antigo, o que é hoje, para o moderno, o progresso da técnica: o próprio modelo
de progresso como tal” (Idem, ibidem).
Paralelamente, o filósofo italiano Luigi Pareyson (1997), criador da
estética da “formatividade”, propõe uma estética da produção, seguindo o
mesmo raciocínio sobre a evolução progressiva das artes, por sua vez, inserida
no conceito de historicidade. Afirma Pareyson: “A obra de arte tem um caráter
de historicidade unicamente no sentido de que contém em si todo o passado, e
não apenas a arte precedente, na qual ela se inspira, mas a vida do universo
inteiro”. Não há dúvida que um poeta moderno pode “compreender” um poeta
antigo, mas aceitar que um poeta antigo seja capaz de compreender um poeta
moderno é um contra-senso. O juízo sobre arte pressupõe necessariamente, “a
43
ordem histórica, no sentido de que uma obra moderna não seria bem entendida
se fosse considerada contemporânea ou anterior a uma obra antiga ou
medieval”. Para o autor, a questão não está tanto na relação da arte com a
realidade histórica, mas sim na relação da arte com a arte precedente
(PAREYSON, 1997, p. 126-7).
Nesta acepção, a reflexão se volta para os elementos que fazem alusão
a uma continuidade em matéria de arte, como por exemplo, a “instituição dos
estilos, seu nascimento, crescimento, maturidade, decadência e morte” (Idem,
op., cit, p.127-8). Verifica-se como uma espécie de transposição natural destes
estilos, uma evolução espontânea das estruturas compositivas: “a vida das
formas que parece desenvolver-se com um ritmo quase biológico,
independentemente das obras, a continuidade da tradição e das escolas, a
permanência de certos temas recorrentes, a invenção de gêneros poéticos, a
influência das poéticas, a filiação a grandes movimentos espirituais e artísticos”
(Idem, op. cit, p.128). Tal raciocínio reforça a tese de Gombrich sobre o
progresso da arte ao longo dos séculos. Um progresso que vai além do sentido
estrito da acepção: uma verdadeira evolução milenar, “que dá conta das
passagens de autor para autor e de obra para obra, reduzindo aqueles e estas
a simples etapas de um único e contínuo processo” (Idem, ibidem).
1.4.1 Autoconsciência pós-moderna: a maturidade da arte
Na atualidade, esse processo evolutivo manifesta-se na transposição de
valores à qual a cultura ocidental ascende, para um novo modo de pensar,
talvez ou supostamente mais consciente e auto-reflexivo16. Por conseguinte é
16 Sobre a teoria evolucionista da arte, há inúmeras controvérsias. Tais posicionamentos estão diretamente ligados à compreensão do conceito de evolução. Em uma compreensão basicamente cartesiana e linear, uma compreensão “técnico-materialista” na concepção de Riegl (1980, p.2), entende-se evolução como uma progressão estritamente ascendente e desprovida de variações, o que por si, exclui o próprio sentido do termo. Entre autores que negam a evolução na arte, cita-se, por exemplo, o poeta, ensaísta e crítico de arte brasileiro Ferreira Gullar, que em sua obra Argumentação contra a morte da arte (1993), defende, a partir da teoria de evolução proposta por Mondrian, que a arte não evolui. Sob a argumentação de que a própria obra de Mondrian prova o contrário, pois “durante décadas ele parece repetir, com poucas variações, o mesmo quadro”, até admitir que “o que faz na verdade é ‘destruir a pintura’ para que no futuro, ela se integre na vida”, quando propõe que “esse passo adiante seria o fim da arte” (GULLAR, 1999, p.47-8). Na seqüência, Gullar, categórico, afirma: “De fato, a arte não evolui; a arte muda” (Idem, op. cit, p.48).
44
automaticamente refletido no termo pós-moderno, onde a própria dificuldade no
consenso de sua definição, natureza e delimitação, expressam um caráter de
dúvidas e incertezas, típicos de um período transitório. Linda Hutcheon (1991),
teorizadora do momento artístico contemporâneo, discorre sobre esse
problema terminológico, ao afirmar: “O termo pós-moderno, da forma como é
escrito, significa algo mais do que ‘um hífen cercado por uma contradição’,
conforme as memoráveis palavras de Charles Newman (1985). O hífen
caracteriza mais do que ‘um passo hesitante; em tênue enxerto; a cauda
aparada do híbrido’” (HUTCHEON, 1991, p. 60).
Ao propor uma poética, na qual julga ser a melhor alternativa para
“explicar” o pós-modernismo, salienta: “Por ser contraditório e atuar dentro dos
próprios sistemas que tenta subverter, provavelmente o pós-modernismo não
pode ser considerado como um novo paradigma [...] No entanto, pode servir
como marco da luta para o surgimento de algo novo” (Idem, op. cit, p. 21).
Apoiada nesta teoria, a autora admite a dificuldade de teorização e a
impossibilidade de definição por conceituações convencionais, pois admite o
caráter falho de qualquer delimitação, devido ao fato de tratar por apenas um
ponto de vista isolado, e reconhece que: “tais sistemas são de fato atraentes,
talvez até necessários; mas isso não os torna nem um pouco menos ilusórios”
(Idem, op. cit, p. 23).
Segundo a autora, a proposição de uma poética para “explicar” esse
momento da arte parece adequada por tratar de “uma estrutura conceitual
flexível que possa, ao mesmo tempo, constituir e conter a cultura pós-moderna
e nossos discursos tanto a seu respeito como adjacentes a ela” (Idem, op. cit,
p. 11), pois considera que: Desta afirmação cabe a pergunta: Se o que ocorre é somente uma mudança (alteração), isso basta para descaracterizar evolução? “A essência do significado do termo evolução é a de desenrolar, desenvolver, ou desdobrar, designando assim movimento de natureza metódica que gera novas espécies de mudanças. Mais especificamente, designa o processo de mudança através do qual algo novo é produzido” (SAMPSON, 1987, p. 443). Ou seja, um desenvolvimento ou transformação; de idéias, sistemas, costumes ou hábitos. Mesmo que um sistema “regrida” em determinada circunstância, isso não exclui a evolução. Até porque, se se quiser admitir evolução somente em vias de progresso ascendente, um retrocesso parcial ou momentâneo, não exclui uma ascensão a longo prazo. Portanto, toda mudança caracteriza uma evolução. Daí a visão holística para onde a percepção contemporânea desperta e caminha. Para Riegl, a origem técnico-materialista das mais antigas formas artísticas incluindo os ornamentos, identifica-se na mesma proporção com que se relacionam o moderno darwinismo com a teoria original de Darwin: “entre ambos fenómenos existe, sin duda, una íntima conexión causal, ya que en dicha corriente materialista la interpretación de los comienzos del arte no significa otra cosa que la transferencia del darwinismo a un ámbito de la vida espiritual” (RIEGL, 1980, p. 2).
45
Uma poética do pós-modernismo jamais estabeleceria uma hierarquia
que pudesse privilegiar a teoria ou a prática. Ela não faria com que a
teoria fosse autônoma nem servil. E uma das justificativas para manter
o enfoque tanto sobre a teoria como sobre a prática estética seria a
natureza didática e autoconscientemente teórica da própria arte pós-
moderna (Idem, op. cit, p. 79-80).
A partir deste posicionamento, pondera sobre o despertar da
autoconsciência no pós-modernismo:
A idéia não é exatamente a de que o mundo não tem sentido, mas de
que qualquer sentido existente vem de nossa própria criação. [...] é a
auto-reflexividade que atua para que os paradoxos do pós-modernismo
passem a ser visíveis e até definitórios. [...] Em outras palavras,
nenhuma linguagem é realmente “auto-obscurecedora”; todas têm
algum grau de “auto-evidenciação” [...] Dentro dessa perspectiva, o pós-
modernismo seria apenas uma manifestação mais auto-consciente e
mais aberta do paradoxo básico da forma estética. (HUTCHEON, 1991,
p. 68).
Outro pensador que agrega fundamentação ao partilhar do mesmo
raciocínio é Fritjof Capra, pois além de estabelecer uma concordância de
idéias, amplia a proposição de uma transição evolucionista dos valores
humanos na atualidade. Físico e teórico, autor de vários trabalhos sobre as
implicações filosóficas da ciência moderna, Capra é um precursor a respeito da
transposição de percepção que a humanidade, mais precisamente o mundo
ocidental, vivencia. Embasado pela física moderna, prevê uma revolução
iminente das ciências, juntamente com a transformação da atual visão de
mundo e seus respectivos valores.
Em sua obra O Ponto de Mutação (1982), denominada desta forma por
considerar nosso tempo histórico como um período de transformação,
considera o atual estágio evolutivo da humanidade, como um “movimento
natural e espontâneo” de transição de consciência, a caminho de um
paradigma realmente novo. Podemos observar uma equivalência entre esta
46
visão que se assemelha à de Hutcheon no que se refere ao pós-modernismo
como movimento cultural.
Para Capra, a nova compreensão do universo físico, revelada devido à
exploração do mundo atômico e subatômico após uma crise existencial
vivenciada por parte dos cientistas na década de 1920, foi responsável por
provocar uma grande mudança na visão tradicional de mundo, que ascende de
uma concepção mecanicista e cartesiana para uma concepção holística e
ecológica. O autor, convicto, afirma:
[...] hoje nossa sociedade como um todo encontra-se numa crise
análoga. [...] Temos taxas elevadas de inflação e desemprego, temos
uma crise energética, uma crise na assistência à saúde, poluição e
outros desastres ambientais, uma onda crescente de violência e crimes,
e assim por diante. [...] tudo isso são facetas diferentes de uma só crise,
que é, essencialmente, uma crise de percepção. [...] deriva do fato de
estarmos tentando aplicar os conceitos de uma visão de mundo
obsoleta – a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana-
newtoniana – a uma realidade que já não pode ser entendida em função
desses conceitos (CAPRA, 2006, p. 13-4).
A arte, inserida neste processo de evolução e entendida através do
termo pós-modernismo, reflexo de toda uma mudança cultural e perceptiva, é
vista como uma fase transitória em prol de sua própria “maturidade” (maior
autonomia): a tomada da autoconsciência da arte pela própria arte. Inaugurada
pelos modernistas, teorizada inicialmente pelo crítico norte-americano Clement
Greenberg, a autoconsciência da arte moderna, devido a uma precipitação um
tanto ingênua, e até de certo modo presunçosa, é facilmente compreendida
porque de seus ideais terem se apresentado extremamente paradoxais.
Utilizando a fórmula de Hutcheon, podemos observar uma poética
(metáfora) a fim de exemplificar esse processo de transição atual da arte: o
pós-modernismo assemelha-se à mudança de postura de um jovem que passa
para a idade adulta. As responsabilidades e a complexidade dos ideais, já um
tanto desenvolvidos pela bagagem de experiências, são responsáveis por
operar a grande mudança, dando início a uma atitude mais consciente, auto-
47
reflexiva e questionadora de seus próprios valores. A transição da juventude
para a maturidade constitui um paradigma totalmente novo.
1.4.2 O espírito do tempo como estilo do tempo
Em virtude de a arte ser uma constante progressiva de estilos, conforme
evidenciada ao longo da história e comprovada pelo fenômeno do movimento
pendular das estéticas, os efeitos deste processo de transição assemelham-se
às características típicas de uma crise, que recaem sobre a tradição artística,
ou sobre a questão histórica da arte e do seu esgotamento.
A visão mecanicista e o método de pesquisa cartesiano-newtoniano que
Capra se refere, também são insuficientes para a compreensão da arte na
atualidade. Este paradigma remete à história linear e cronológica,
compreendendo o estilo, em sua forma disfarçada, semelhante a um fragmento
de estudo tipicamente cartesiano, que utiliza à mesma metodologia, incapaz de
perceber que, ao estudar em separado as peças extraídas da engrenagem de
um relógio, não basta para compreender seu funcionamento como um todo.
Hans Belting, um pioneiro a tratar sobre o fim da história da arte, já na
década de 1980 postulava:
Desde o início, a pesquisa em arte encontrou-se diante da tarefa de
inserir a arte antiga na seqüência coerente de sua história, sem ter
ainda um conceito geral do que afinal seja arte. [...] Contemplava-se a
história da arte, ou a arte em sua história, quase com a mesma
credulidade com que antes se havia deixado impressionar pela
perfeição absoluta da arte. [...] A consideração histórica assegura à arte,
de uma outra maneira, tanta autonomia (em vez de determinação
exterior) quanto antes o fizera a teoria doutrinária da arte (BELTING,
2006, p.201).
Para Belting, os métodos empíricos, empregados na pesquisa em arte,
forneceram apenas um exame crítico superficial, ao por à prova a imagem
histórica com que a organização se iniciou e ao formular as questões sobre a
verdadeira natureza dessa imagem. “O conceito derivava do ambiente
48
intelectual do historicismo, que queria dar conta de todo fenômeno histórico
segundo seus próprios critérios e, por isso, não podia admitir que uma época
não pudesse fazer o que outras faziam”. Sendo assim, era perfeitamente viável
avaliar um estilo arcaico ou um decadente, conforme intenções subjetivas de
valor, sem com isso cair na obrigatoriedade de ter que depreciá-los diante do
período do classicismo, “como também podia-se ampliar a própria jurisdição
sobre toda a extensão da produção artística, sem cair na obrigatoriedade da
sua fundamentação”. Tomava-se a história universal como um “fenômeno
estilístico”, o que caracterizava “sincronicamente uma visão de mundo ligada
ao tempo” (Idem, op. cit, p. 202-3).
Conforme Belting, a ruptura deste conceito se dá quando o estilo tem
seu significado ampliado para todas as formas de expressão, tanto sob a forma
de estilo de vida, como de pensamento. Em suas palavras:
[...] o exame da forma, numa inversão surpreendente de causa e efeito,
penetrou a partir de então no exame histórico geral: o espírito do tempo
como estilo do tempo, assim como, por outro lado, o estilo do tempo
como fisionomia do espírito do tempo. A história da arte, como a história
universal, foi declarada simplesmente como sincrônica, embora se
evitasse prudentemente toda prova a esse respeito que ameaçasse a
interpretação histórica idealista (BELTING, 2006, p. 203).
Essa “inversão surpreendente” a que Belting se refere, Pareyson
também a observa e a sintetiza com tamanha maestria, que é capaz até de
vislumbrar a priori as características e os resultados de uma nova arte. Após a
transcendência de valores para que esta avança, agora autoconsciente, após a
crise pós-moderna, assim a define antecipadamente, em sua nova
possibilidade histórica:
Eis que se abre a possibilidade da história da arte num primeiro
significado: trata-se de seguir a espiritualidade humana no seu caminho
e nas suas variadas encarnações nos diversos povos e nas diversas
épocas, de colher estas diversas concretizações espirituais na sua
vocação formal, isto é, no duplo ato de precisar o próprio destino de arte
e fazer-se modo de formar ou estilo, e de tornar-se sede propícia para
49
determinadas formas de arte; de ir no encalço das mudanças da
espiritualidade humana, que, por um lado, podem ser solicitadas pela
própria arte em virtude de sua eficaz presença no mundo espiritual e,
por outro lado, reclamam, por sua vez, uma mudança na arte, isto é,
variações de gosto e de estilo; (PAREYSON, 1997, p. 131).
A tese de uma evolução pelo do viés espiritual amplia a teoria de
Pareyson, pois suscita novas possibilidades para a regeneração da arte, por
tomar como hipótese, que a decadência das artes neste século é o resultado
inevitável da concentração dos pensamentos somente sobre as coisas
materiais, em conseqüência da não-aceitação da espiritualidade do ser. Devido
as artes se apoiarem nas filosofias que lhes consagraram as particularidades
idealizadas, estas por sua vez tiveram que se transformar ou modificar, já que,
com a ausência de convicções, as artes carecem de vitalidade, e que toda
transformação filosófica gera necessariamente uma transformação artística
paralela.
Neste sentido, Pareyson propõe que “a obra de arte é expressiva
enquanto é forma”. Assim ela é o mais perfeito reflexo do artista em sua
essência, “nela até a mínima partícula é mais reveladora acerca da pessoa de
seu autor do que qualquer confissão direta, e a espiritualidade que nela se
exprime está completamente identificada com o estilo” (PAREYSON, 1997, p.
23). Desse modo, o estilo apresenta um caráter comum e coletivo, já que “não
tem outra realidade e outra sede senão as obras individuais que o adotam,
interpretam e realizam nelas próprias” (Idem, op. cit, p.144). Em suas palavras:
Absurdo é falar de uma evolução orgânica que no viço da juventude
conduz à senectude e à morte, ultrapassando a plenitude da
maturidade, [...] porque um estilo está congenitamente destinado a
mudar enquanto resulta do desígnio de prosseguir inventando e de criar
continuando, [...] não é o estilo que decai e morre, mas é a
espiritualidade que muda. [...] Mas absurdo também é falar de puro
nome ou de etiqueta classificatória, porque aquilo que institui um estilo e
o perpetua é, precisamente, a livre e original interpretação que cada um
lhe dá (Idem, op. cit, p.144-5).
50
Sendo assim, um estilo, “longe de ser uma generalização abstrata
sempre posterior às obras de arte, é uma realidade eficaz e viva, que, contudo,
não vive e não opera senão nas obras singulares, as quais nele se inscrevem
no próprio ato que o realizam em si”, pois nasce como um modelo eficaz de
algumas obras paradigmáticas, conforme com a natureza operosa de seus
seguidores (Idem, op. cit, p.145).
Na seqüência das idéias de Pareyson, acerca dos problemas da estética
na arte, o estilo através de uma compreensão mais holística de sua função
histórica para a humanidade torna-se uma evidência investigativa à
historicidade da arte.
História, historicidade e especificidade da arte só se tornam úteis e
possíveis a partir do momento que não se excluem entre si. E somente se a
continuidade singular das obras não se fizer demasiadamente rígida, a ponto
de tornar impossível a verificação de seu desenvolvimento natural evolutivo, o
que caracterizaria um absurdo, de acordo com a compreensão expressa
anteriormente.
Historicidade e especificação, continuidade e singularidade, tais
conceitos, em harmonia, podem proporcionar o novo paradigma da história da
arte: “que é história pela atenção dada ao condicionamento histórico e à
continuidade da arte, e é verdadeiramente história da arte pela ênfase posta
sobre sua especificação e originalidade” (Idem, op. cit, p. 147).
Compreendida por este prisma, a nova história da arte passa a ter dupla
importância: por um lado associa-se a história da civilização e da cultura, “sem
por isso dela depender ou nela resolver-se”, pois assimila a “completa
espiritualidade no ato de fazer-se estilo e descreve a arte na sua eficaz
presença no mundo humano”. Por outro lado “institui entre as obras e os
artistas uma continuidade, sem por isso suprimir a originalidade de cada um,
mas antes explicando-a e motivando-a desde dentro” (Idem, ibidem).
Nestes dois sentidos a história da arte ocupa uma função singular e
fundamental: a função moral. Talvez nunca antes defrontada com tamanha
importância, provavelmente devido à ausência de sua necessidade até o
presente estágio evolutivo da humanidade, pois:
51
[...] contribui tanto para a compreensão e avaliação da arte como tal
quanto para o incremento e enriquecimento da história geral, realizando
um duplo e fecundo movimento, que, por um lado, utiliza a história geral
para iluminar, traçar a história da arte e daí chegar a uma interpretação
cada vez mais profunda e avaliação cada vez mais adequada das obras
de arte, e, por outro lado, tira da fruição direta das obras de arte a
capacidade de inseri-las no lugar que lhes compete numa história da
arte; e, ao traçar a história da arte, contribui para uma revelação mais
ampla e compreensão mais profunda da civilização humana no seu
caminho (Idem, op. cit, p.147-8).
É a partir desta compreensão, que este estudo julga traçar as bases
responsáveis pelo surgimento do conceito de design: suprir uma necessidade
humana ao longo do progresso espiritual evolutivo, como fica expresso com
mais clareza ao final deste capítulo.
1.5 Ornamento: fundamento elementar e universal à historicidade da arte Com base na acepção de historicidade da arte calcada na teoria da
evolução progressiva da espiritualidade que lhe reflete a época, o ornamento,
por se tratar de forma inata à expressão estética, constitui meio fértil e propício
no auxilio de tal reflexão, o que justifica a importante relevância deste objeto de
estudo. O ornamento olhado sob este prisma, pode ser considerado ferramenta
“elementar e universal”, capaz de auxiliar a demonstração e delimitação do
pregresso evolutivo das artes. Conforme destacado anteriormente, os tempos e
os fatos se mostram favoráveis para o desenvolvimento de tal raciocínio,
graças ao estado atual das artes e aos avanços da psicologia da percepção.
A teoria do ornamento como fundamento elementar e universal, foi
inicialmente defendida pelo visionário historiador de arte Aloïs Riegl em sua
obra intitulada Questões de estilo: fundamentos para uma história do
ornamento, publicada em 1893. Quando formulada, a história da arte ainda não
fornecia todos os subsídios necessários para tal compreensão. Conforme se
pretende demonstrar. Com alguns esclarecimentos a fim de atualiza-la as
52
concepções da pós-modernidade, principalmente no que tange à compreensão
holística de historicidade, hoje, a ambição de Riegl se apresenta bem mais
desenvolvida para auxiliar em tal reflexão.
O anseio de Riegl, com suas próprias palavras, expressa seu princípio
norteador:
Todo arte, y por tanto también el arte decorativo, está en indisoluble
comunión con la naturaleza. Todo producto artístico traduce uno natural,
ya sea en el estado inalterado em que lo ofrece la naturaleza, ya sea
transformado por el hombre para su beneficio o placer (RIEGL, 1980, p.
9).
Se a arte é, entre outros fatores, a expressão de como o artista vê,
entende e reproduz a natureza, e se esse modo de proceder respeita uma
progressão/evolução conforme a sensibilidade/maturidade do artista, ele por
sua vez, funciona como uma espécie de tradutor da natureza, pois é o reflexo
preciso da espiritualidade de sua época. Isso caracteriza uma evolução
constante e ininterrupta, claramente evidenciada pelo aprimoramento desse
estado psicológico do ver, um ver de dentro para fora. Nas palavras de
Gombrich:
A distinção entre o que realmente vemos e o que inferimos através do
intelecto é tão velha quanto o pensamento humano sobre a percepção.
Plínio resumiu a posição da Antiguidade clássica quando escreveu que
‘a mente é o verdadeiro instrumento da visão e da observação, os olhos
funcionam como uma espécie de veículo, que recebe e transmite a
porção visível da consciência’ (GOMBRICH, 2007, p. 12-3).
Sendo assim, pode-se supor que, estudar a progressão dos estilos
ornamentais, seria como remeter à essência das origens da arte. Em
conformidade, Dorfles salienta: “muito frequentemente, ainda hoje, se atribui ao
termo “ornamento” uma conotação derrogatória que não lhe pertence; que, pelo
contrário, é mesmo no conjunto de elementos constitutivos da ornamentação
que reside um dos mais fecundos motivos formativos de uma época cultural”,
ao passo que a fase ornamental, de acordo com as circunstancias, poderá ser
53
“tanto o embrião de uma seqüente obra realizada, como o último acréscimo, a
ramificação da mesma”, pois admite que, somente com grande dificuldade ou
em condições anômalas, “poderá existir uma obra em que o ornamento não
entre em jogo, antes ou depois, como factor determinante e necessário a todo
o devir artístico” (DORFLES, 1988, p. 162).
Partindo deste princípio, Riegl desenvolveu o que denominou “impulso
ornamental”. Já que a ornamentação constitui a forma mais básica e até
mesmo simplória de representação da natureza, e que se verifica como fator
inerente à evolução humana ao longo da história. A partir desta proposição
pretende-se contribuir para a compreensão da arte, e por conseqüência, do
design.
Aloïs Riegl (1858-1905) foi “diretor do departamento têxtil do Museu de
Arte e Indústria de Viena, [...] sua função era formar um acervo exemplar nos
diferentes ramos das artes decorativas e apresentar exposições regulares de
caráter didático que pudessem influenciar positivamente o design” (PAIM,
2000, p. 37). Segundo Gombrich:
A ambição de Riegl, era tornar a história da arte cientificamente
respeitável pela eliminação de todos os ideais subjetivos de valor. [...]
Estudando a história da arte decorativa, dos motivos decorativos, dos
ornamentos, convenceu-se da impropriedade das afirmações sem base
que tinham sempre dominado a cena (GOMBRICH, 2007, p. 14).
Neste sentido, Riegl se apresentava como importante precursor na
desmistificação da tradicional história da arte. Desmistificação natural devido à
ampliação da iminente compreensão do progresso evolutivo, mas que, na
época do historiador, por lhe faltarem valores que só o desenrolar mais crítico
do modernismo traria à tona, ainda não passava de mero presságio.
Belting, entre outros autores, confirma o que Riegl previra com quase um
século de antecedência: uma crise histórica na arte, devido a uma
fundamentação antropológica inconsistente. E esclarece: “O fim da história da
arte não significa que a arte e a ciência da arte tenham alcançado o seu fim,
mas registra o fato de que na arte, assim como no pensamento da história da
54
arte, delineia-se o fim de uma tradição, que desde a modernidade se tornara o
cânone na forma que nos foi confiada (BELTING, 2006, p. 23).
Essa presciência que Riegl foi capaz de atingir, deve-se em grande
parte, ao objeto que o historiador tinha como material de pesquisa: os padrões
ornamentais no trabalho de catalogação de tapetes orientais. Favorecido por
trabalhar num museu de artes e ofícios, foi beneficiado em ampliar e aguçar a
sua já grande capacidade no poder de observação. Segundo a análise de
Paim, o historiador vienense acreditava que: “a resistência em conceber ou a
admitir uma história do ornamento estava relacionada ao fato de que a
metodologia utilizada pelos historiadores da arte era incapaz de perceber
semelhanças e diferenças entre formas artísticas desvinculadas da
representação” (PAIM, 2000, p. 38). Para Riegl, um aspecto crucial que se
apresentava como empecilho à pesquisa histórica sobre o ornamento, era o
fato da interpretação estritamente técnico-materialista da origem da arte, tanto
para o senso comum quanto para a comunidade acadêmica; “segundo a qual
os padrões ornamentais teriam surgido mais ou menos espontaneamente em
diferentes cantos do mundo, a partir das técnicas e dos materiais utilizados na
prática dos artesanatos, mais especialmente na tecelagem”. Tal premissa
excluía a tese de um princípio evolutivo das formas ornamentais nas diferentes
culturas através da história, o que inibia qualquer tentativa de pesquisa neste
sentido (Idem, ibidem).
Questões de estilo é considerada hoje um marco na história da arte.
Nela, idéias “materialistas” como o próprio autor as denominou, como por
exemplo: o motivo sempre subordinado à técnica, ou o que vale em arte é a
habilidade manual, “Riegl mostrou que questões deste tipo podiam e deviam
ser discutidas da maneira puramente ‘objetiva’, sem que no debate fossem
introduzidas idéias subjetivas de progresso e decadência” (GOMBRICH, 2007,
p. 15).
Logo no prefácio, Riegl antecipa o que julga, seria encarado com
resistência por parte de seus leitores: “à própria idéia de que o ornamento tem
uma história, e ao fazê-lo, revela como o conceito de ter uma história foi
compreendido no século XIX, nos círculos ligados à história da arte” (DANTO,
2006, p. 67). Traduções recentes (1992) trouxeram contribuições, com
destaque para a crítica do historiador francês Hubert Damisch, que considera a
55
obra de Riegl como um texto do “inconsciente da história da arte, recalcado
durante tempo demais” (DAMISCH, H, Apud. PAIM, 2000, p. 37). Segundo a
análise de Danto:
Por achar inacreditável que o ornamento pudesse ter o que Riegl
explicitamente denomina ‘um desenvolvimento progressivo’, o público,
em sua concepção, estava ‘paralisado’ por uma tese da ‘interpretação
materialista das origens da arte’, [...] O materialista vê o ornamento
sobretudo como uma decoração de superfície, e decoração de
superfície principalmente em termos que derivam das, e dizem respeito
às, formas de atender a determinadas necessidades materiais dos seres
humanos (DANTO, 2006, p. 67).
Por apresentar as características de elementaridade e universalidade, se
o ornamento tivesse por finalidade apenas atender às necessidades materiais,
anular-se-ia as possibilidades de possuir uma história, tal como se verifica no
tocante à reprodução, ou até mesmo no que se refere à própria percepção.
Esta visão que Riegl se compeliu em combater, pois “se sentiu obrigado a
destruir esse modelo para estabelecer a possibilidade de um desenvolvimento
progressivo, o que significa, que os últimos estágios na sucessão de estilos
ornamentais vão além dos estágios iniciais para atingir os mesmos objetivos
artísticos, e os estágios iniciais entram na explicação dos últimos” (DANTO,
2006, p.68).
Riegl procurou organizar uma genealogia dos padrões ornamentais,
mais precisamente dos vegetais, partindo do lótus, derivado do símbolo solar
egípcio, ao arabesco. Mas, apesar de negar a formulação técnico-materialista
dos ornamentos geométricos, não tentou classifica-los, “talvez por reconhecer
que os mesmos surgiram em diversos pontos do mundo, sendo impossível
traçar uma genealogia do seu desenvolvimento” (PAIM, 2000, p.38-9).
Um conceito importante, talvez o principal na teoria de Riegl, que se faz
extremamente pertinente à compreensão do conceito de design na atualidade,
é a chamada Kunstwollen. Por Kunstwollen, ou “vontade da arte”, entende-se
como a manifestação do espírito humano expressado pela intenção artística,
conforme as variações e afinidades formais da visão de mundo
56
(Weltanschauung), em todas as culturas numa mesma época. Também pode
ser compreendido como “vontade” ou “modo” de formar. Tal conceito, no que
tange à compreensão da história da arte como evolução do espírito artístico, se
assemelha a proposição de Pareyson, ao tratar a arte como uma
“formatividade”: a obra é expressiva enquanto é forma. O design por sua vez,
aparece inserido no subconsciente deste contexto já que, relativo ao processo
metodológico em busca da invenção, apresenta tal característica em comum
com este sentido de arte. Para Pareyson arte é:
[...] um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de
fazer. A arte é uma atividade na qual execução e invenção procedem
pari passu, simultâneas e inseparáveis, na qual o incremento de
realidade é constituição de um valor original. Nela concebe-se
executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra operando, já que a
obra existe só quando é acabada [...], portanto, um fazer em que o
aspecto realizativo é particularmente intensificado, unido a um aspecto
inventivo (PAREYSON, 1997, p.26).
Na concepção de Riegl, tal conceito origina-se da hipótese que o espírito
humano manifesta sua intenção artística através da simetria, pois parte do
princípio que todo produto artístico nada mais é que a manipulação da natureza
em benefício do homem, voltada para uma finalidade utilitária, ou simplesmente
por mero prazer: “La simetría se muestra, pues, como um postulado innato e
inmanente al hombre, que abarca desde el origen toda creación artística
decorativa” (RIEGL, 1980, p. 32). Neste sentido, Riegl recria o momento no
qual o homem dá um salto evolutivo considerado marco antropológico inicial
sobre o historicismo da arte, o qual abarca por sua vez o processo de
representação:
[...] cuando se abandonó en las obras de arte la dimensión de
profundidad y com ella, al mismo tiempo, toda la figura corporal, lo cual
sucedió en aquellas artes que representan em superfícies [...] Desde
este momento, el arte avanza em su infinita capacidad de
representacíon. Al abandonar la corporeidad y contentarse com la
apariencia, se libera la fantasía de la severa observância de las formas
57
de la naturaleza, dando paso a um trato y a unas combinaciones menos
serviles de aquéllas. [...] Así, pues, la naturaleza siguió siendo el modelo
de las formas artísticas cuando éstas abandonaron la dimensíon de
profundidad y convirtieron en elemento de su representacíon uma línea
delimitante que no existia en la realidad. [...] Pero, finalmente, se
comenzó a crear com la própria línea uma forma artística sin tener a la
vista un modelo inmediato y acabado de la naturaleza. Estas
configuraciones cumplían las leyes artísticas fundamentales de la
simetría y del ritmo (Idem, op. cit, p. 9-10).
A sensibilidade do conceito da Kunstwollen demonstra a genialidade
visionária do historiador que, com a mente à frente de seu tempo, já era capaz
de enxergar a história da arte, como a história do espírito da arte. Que se
comprovava nas variações de consciência cultural, sob a forma de
sobreposição de estilos, como fruto fundamental da religião e do pensamento
científico.
Para o historiador, a idéia tem origem nos impulsos mimético e
ornamental que, longe de ser obra do acaso, evolve e muda numa tradição
contínua, onde o ato puro e legítimo da criação em arte seria o resultado da
reprodução das formas naturais (mímesis), devido à atuação do impulso
ornamental, “que se manifesta na mais ínfima palmette17 quanto no edifício
monumental” (GOMBRICH, 2007, p. 15). Segundo Paim: “enquanto o primeiro
estava genuinamente envolvido na criação artística, o segundo encontrava
satisfação no mero aperfeiçoamento de habilidades técnicas” (PAIM, 2000, p.
40).
Figura 4 - Exemplos de Palmette: Fonte:
http://image.absoluteastronomy.com/images/encyclopediaimages/o/or/orna105-stirnziege.png
17 Por palmette, refere-se Gombrich ao ornato cujo motivo é a folha de palmeira (palma).
58
Com o “deslumbramento” tecnológico gerado pela Revolução Industrial,
essa “vontade da arte”, se apresentava como um impasse, a qual precisava ser
suprimida para que as “maravilhas da máquina” se exaltassem. Neste sentido,
“a Kunstwollen, torna-se um fantasma na máquina, movendo as engrenagens
do desenvolvimento artístico segundo ‘leis inexoráveis’” (GOMBRICH, 2007, p.
16). Tal idéia foi combatida com extremo vigor pelos aliados da máquina e foi
precipitadamente trancafiada no inconsciente das idéias modernistas,
identificando o ornamento como um delito estético (Loos)18.
A supressão da Kunstwollen em prol da exaltação da indústria foi
responsável por caracterizar a estética modernista. Esta supressão serviu de
base para o surgimento do conceito de design, na concepção da Bauhaus
(“casa para construir, crescer, nutrir”) fundada por Walter Gropius em 1919 na
cidade de Weimar. Com seu ideal ainda um tanto utópico, de “formar artistas,
designers e arquitetos mais responsáveis socialmente, visando capacitar os
alunos na teoria e na prática das artes, dando-lhes condições de criar produtos
que fossem ao mesmo tempo artísticos e comerciais” (DEMPSEY, 2003, p.
130).
A partir deste fato, Belting, demonstrando o problema da compreensão
de historicidade daquela época, relaciona a teoria de Riegl com o surgimento
do design:
Aloïs Riegl transferiu o conceito de estilo desenvolvido na arte a tudo o
que mais tarde viria a ser chamado de “cultura material”, buscando
descobrir o estilo também na moda e no domínio cotidiano. Seu
procedimento harmonizava-se notavelmente com a estetização da vida
no período do Jugendstil19, a qual prosseguiria posteriormente nas
utopias de fé no design. Essas operações agitadas nas fronteiras da
arte denunciam os esforços em lidar com problemas de uma história da
arte pura no meio do mundo histórico (BELTING, 2006, p. 2007).
18 Vide: LOOS, Adolf. Ornamento y Delito y otros escritos. Barcelona: Gustavo Gili, 1972 19 Por Jugendstil, como se sabe, é a denominação alemã equivalente ao art nouveau francês. Apresenta duas tendências distintas: um estilo floral, geralmente sentimental e naturalista e uma tendência mais abstrata que se desenvolveu após 1900 (Vide: DEMPSEY, 2003, p. 57-8).
59
1.6 Do espírito evolutivo da arte: o design como movimento natural
À luz do desenvolvimento progressivo da arte, calcado no conceito da
Kunstwollen, com suas origens no impulso ornamental inerente às
necessidades da cultura humana, delineia-se uma breve relação filosófica a fim
de esboçar uma convergência histórica entre a arte e o design.
A arte no homem, derivada da estética20 e gerada pelo próprio homem
através do impulso ornamental, segue seu curso naturalmente evolutivo: o
curso ditado pela espiritualidade humana. Mas em certo ponto, devido à
imposição da máquina e seus desdobramentos, sofre um desvio forçado, não
por mero acaso, mas sim em vista de alguma finalidade, mesmo que esta seja
inconsciente. Deste desvio surge o design, para alguns, como o ramo potencial
utilitário da arte, para outros como complementar.
Neste propósito, arte e design poderiam ser considerados como forças
complementares, e não excludentes como sugere Pignatari (2002) quando
supõe que a arte pode ceder lugar “definitivamente” ao design. Mas admitindo
o design como uma ramificação, ou complementar à arte, no intuito de suprir
uma necessidade natural do homem em determinado estágio da evolução
histórica do espírito humano.
Conforme observa Cardoso (2008), são muitos os pontos de confluência
do design; esses pontos, além de difícil teorização estão exatamente ligados à
importância do design às necessidades humanas. Daí o desvio histórico no
desenvolvimento natural da arte, responsável por proporcionar o nascimento do
design. Desvio este não fortuito, por se tratar uma finalidade útil: suprir uma
necessidade humana. Necessidade esta que, grosso modo, poderia ser
compreendida como a tentativa de conciliação entre a concepção e a fruição,
entre a estética e as novas tecnologias industriais e pós-industriais. Ou seja, o
design como uma atividade sem fronteiras para a construção de um mundo
melhor, de acordo com Cardoso:
[...] atividade posicionada historicamente nas fronteiras entre a idéia e o
objeto, o geral e o específico, a intuição e a razão, a arte e a ciência, a 20 No sentido de discurso filosófico da arte em relação às manifestações de verdade e de bem, desde o Fedro de Platão à Estética de Hegel, a tradição crítica concorda em ver na beleza a manifestação sensível da verdade (VIDE: ABBAGNANO, 2000, p. 367-74).
60
cultura e a tecnologia, o ambiente e o usuário, o design tem tudo para
realizar uma contribuição importante para a construção de um país e um
mundo melhores (CARDOSO, 2008, p. 253).
A partir do conceito da Kunstwollen, nosso estudo julga ter construído
um raciocínio coerente do ponto de vista da historicidade espiritual da arte,
capaz de contribuir para a compreensão de uma, entre tantas outras fronteiras
entre a arte e o design. O design em sua extensão, olhado através do prisma
histórico-espiritual-evolutivo, tanto pode ser um braço útil, do grande rio
chamado arte, quanto um rio complementar da bacia hidrográfica do espírito
criativo do homem.
Na seqüência, destaca-se o que Riegl ainda não tinha como subsídio
para aprofundar a legitimação de sua interpretação: a tomada da real
autoconsciência artística, ciente da própria falibilidade e do caráter provisório
de qualquer valor de verdade. O que viria somente com o natural
amadurecimento do modernismo e sua assimilação na contemporaneidade.
Segundo Gombrich:
Há uma nota de gênio na obstinação com que Riegl tenta, por esse
princípio unitário, explicar todas as mudanças estilísticas em arquitetura,
escultura, pintura e decoração. Mas essa obstinação, essa idéia fixa,
que para ele era a marca registrada da abordagem cientifica, tornou-o
vulnerável àqueles hábitos pré-científicos de pensamento pelos quais os
princípios unitários proliferam, os hábitos dos fazedores de mitos
(GOMBRICH, 2007, p. 16).
Riegl não foi mais longe, justamente por estar mergulhado no universo
da rigidez modernista e deixar-se contaminar por tamanho rigor disfarçado em
forma de empirismo científico. Tal comportamento caracteriza um paradoxo
tipicamente modernista: “se arrogar a autoridade epistemológica é ficar preso
naquilo que tentam superar” (HUTCHEON, 1991, p. 23).
É essa autoconsciência que hoje a arte contemporânea assimila, amplia,
e caminha na direção de uma compreensão anti-materialista, em favor de uma
estética do significado, visando uma arte autônoma e autodefinitória. “Com
61
isso, toda arte se tornaria ‘pura’, e em sua pureza encontraria a garantia de
seus padrões, bem como de sua independência” (DANTO, 2006, p. 77).
Conclui-se daí, que a teoria de Riegl, calcada no ornamento, era
estrategicamente fundamentada, pois tinha um objeto de estudo capaz de
fornecer as bases necessárias para uma compreensão mais “verdadeira” sobre
a arte que, por sua vez naturalmente esclarece muitas questões sobre as
fronteiras entre a arte e o design. Ciente das limitações provisórias que o
tempo e os fatos permitem à impossibilidade de estabelecer uma verdade mais
ampla, o que faltou para Riegl foi uma visão mais holística e autoconsciente da
arte, teorizada desde Greenberg21, que se estende à contemporaneidade como
o reflexo dos desafios pós-modernos. Desafios estes que caminham em busca
de uma nova visão de mundo, para um novo paradigma não somente no
campo das artes, que somente o desenrolar dos acontecimentos serão
capazes de revelar.
Nas palavras de Hutcheon:
Não é que o mundo modernista fosse “um mundo que precisava ser
reparado” e o mundo pós-modernista esteja “além dos reparos” (A.
Wilde 1981, 131). O pós-modernismo atua no sentido de demonstrar
que todos os reparos são criações humanas, mas que, a partir desse
mesmo fato, eles obtêm seu valor e também sua limitação. Todos os
reparos são consoladores e ilusórios. Os questionamentos pós-
modernistas a respeito das certezas do humanismo vivem dentro desse
tipo de contradição (HUTCHEON, 1991, p. 24).
Como já previa Gillo Dorfles na passagem entre as décadas de 1960 e
1970, em sua obra Le Oscillazioni del Gusto; L’arte d’oggi tra tecnocrazia e
consumismo:
[...] não se deverá olhar levianamente as correntes artístico-culturais
daqueles que se revoltam contra a diretriz tecnológica e que procuram
libertar-se dela através de tentativas de desenvolvimento de novas
21 Clement Greemberg, de acordo com Arthur Danto, “alcançou, pode-se dizer, uma autoconsciência da ascensão à autoconsciência, e cujo pensamento foi guiado por uma poderosa e convincente filosofia da história” (DANTO, 2006, p. 73).
62
capacidades perceptivas, talvez de impulsos sensoriais adormecidos, e
aproximar-se assim, novamente, de um tipo de criatividade artística que
seja desvinculada da escravatura perante a máquina e do artificialismo
da civilização de consumo (DORFLES, 1974, p. 169).
63
CAPÍTULO 2 PERCEPÇÃO E ESTÉTICA: DA NATUREZA AO ORNAMENTO
64
CAPÍTULO 2 – PERCEPÇÃO E ESTÉTICA: DA NATUREZA AO ORNAMENTO
2.1 Premissas: Natureza, ornamento, estética e percepção
Pulchrum, Bonum, Verum [Belo, Bom,Verdadeiro]22
Natura simplicitatem amat [A natureza ama a simplicidade]23
Seguindo o conselho de Gillo Dorfles (1988), qualquer investigação
acerca do ornamento deveria partir de uma primeira interrogação: “o ornamento
existe na natureza? Os reinos naturais – mineral, vegetal, e animal – são
espontaneamente participantes de uma presença ornamental?” (DORFLES,
1988, p. 155).
Para o autor é impossível ignorar as inúmeras interações e interferências
entre natureza e artifício, logo, entre natureza e arte, muitas formas
aparentemente criadas como elementos supérfluos tiveram sua origem em
análogas ou idênticas formas naturais e funcionais. Neste sentido Dorfles
questiona:
Se esta interdependência – antes dependência – da arte com a
natureza existe, e é constante ao longo do decurso de milênios, como
nos admiramos que os objectos criados pelo homem, os artefactos
humanos, contenham, e tenham desde sempre contido, elementos que
podemos considerar ornamentais, ainda que à partida sejam
“funcionais” e de todo necessários à própria constituição da obra
arquitectónica, utensílios ou instrumentos de trabalho que sejam?
(Ibidem).
A esse respeito, Raymond Bayer (1995), reconhecido esteta e
historiador de arte francês, ao inquirir sobre o despertar da consciência estética
na pré-história, salienta que é possível “imaginar a mentalidade e a
22 Os três conceitos fundamentais da Beleza, mesmo antes da unificação estética (Vide ABBAGNANO, 2000, p. 105-9, 367-74, 994-8). 23 Expressão atribuída a Kepler, por volta de 1619 (Vide: GIANNETTI, 2008, p. 105).
65
sensibilidade dos homens que criaram essas obras, mesmo sendo inconsciente
essa mentalidade” (BAYER, 1995, p. 15). Segundo o historiador:
Poder-se-ia considerar, à primeira vista, que os utensílios em si não
pertencem à arte. O utensílio, ou arma, são fabricados para um fim
prático determinado. [...] O que constitui a arte é a criação e o
desinteresse, mas foi mostrado que a utilidade era uma das raízes da
arte e que toda a espécie de arte começou por ser interessada. A
criação consiste em modificações intencionais que o espírito humano
imprime em objectos da natureza [...], além disso, o utensílio ou a arma,
à medida que se adaptam melhor aos seus fins técnicos, recebem com
mais freqüência uma decoração (Idem, op. cit, p. 16).
Ao remontar às origens da arte na pré-história, considerando mais
precisamente o Paleolítico Superior clássico, “tentou-se por vezes explicar o
nascimento da pintura pelo gosto do adorno” (Idem, op. cit, p. 20). Através da
interpretação relativa entre o útil e o desinteresse, partiu-se da hipótese de que
o homem, ao pintar o seu próprio corpo e ao deixar nas paredes dos abrigos os
sinais das suas mãos sujas, foi seduzido pelo efeito, passando então a
transportar sistematicamente as cores para as paredes. Mas, conforme salienta
Bayer, “isto não explica o carácter particular da arte paleolítica. É possível que
o sentido da simetria tenha nascido sobretudo da tatuagem do corpo; o enfeite
foi, sem dúvida, a etapa necessária entre as modificações dos objectos da
natureza e a livre criação artística” (Idem, op. cit, p. 20-1).
Acredita-se que o que tenha levado o homem pré-histórico a projetar a
imagem que tinha de um referido animal, tornando-a externa e material, seja
análoga a de um sentimento fortemente reconhecido nas crianças24, segundo
Bayer:
Nas sociedades primitivas, com efeito, a mais pequena transformação é
considerada como um verdadeiro sacrilégio: a “participação” mística
implica a identidade do totem ou do antepassado mítico e da sua
representação, a fim de que dele se receba bênção e protecção. Por
conseqüência, o artista, impregnado destas noções místicas, não 24 Essa mesma hipótese também é defendida por Gillo Dorfles (1988). Vide: cap. 1, item 1.1.
66
distingue ou distingue mal a existência e a não existência, o eu e o não
eu do ponto de vista metafísico. Os Primitivos sentem-se
misteriosamente ligados ao seu grupo social e à espécie animal ou
vegetal de que ele é suposto derivar, e mesmo, em geral, a tudo o que
está fora deles, que vêem como se fosse eles, uma vez que é hesitante
o seu princípio de identidade (BAYER, 1995, p. 21-2).
Milênios mais tarde, conforme Benedito Nunes, a partir do século VI a.C.
no período conhecido como Antiguidade clássica, os primeiros pensadores
gregos se “preocuparam em conhecer os elementos constitutivos das coisas”.
Os Sofistas (século V a.C.) numa época de crise, “não obstante à falta de rigor”
se notabilizaram pelo “indiscutível mérito de introduzir [...] o ponto de vista
reflexivo-crítico que caracteriza a filosofia”. Sócrates (470-399) “que discorria
sobre todos os assuntos humanos” tendo em vista os valores morais, foi o
responsável por iniciar a investigação desses valores “na apreciação das artes”
(NUNES, 2008, p. 8-9).
Mas foi Platão (427-347), discípulo de Sócrates, que conseguiu
“transformar em problema filosófico a existência e a finalidade das artes, assim
como, um século antes, os filósofos anteriores a Sócrates haviam
problematizado a Natureza”. Aristóteles, discípulo de Platão, já no século IV
a.C. graças à perspectiva aberta por seu mestre, com a obra de capital
importância, a Poética, desenvolveu “a primeira teoria explícita da Arte” (Idem,
op. cit, p. 9).
Além da tardia incidência da reflexão filosófica nas artes, a história do
pensamento demonstra fases intermitentes dessa incidência. A principal delas
coincide com a fase inicial da elaboração doutrinária do cristianismo até a
Idade Média (século II a.C. a século III d.C.). Antes disso, praticamente
nenhuma especulação relevante acerca da arte é encontrada antes de Plotino
(204-270 d. C.). À medida que decresce o interesse intelectual pela arte,
consequentemente intensifica-se à tradição platônica, a importância filosófica e
teológica da idéia do Belo que, elevada à ordem do divino, representa a síntese
do pensamento medieval, caracterizando juntamente com a Verdade e o Bem,
os aspectos fundamentais do Ser (Idem, op. cit, p. 9).
67
Com o advento do Renascimento acontece a união teórica do Belo com
a Arte, união proveniente de uma terceira idéia, a de Natureza que, para
Leonardo da Vinci, corresponde à fonte do Belo, concedendo ao Belo uma
consistência semelhante à do Universo material e sensível, cuja beleza natural,
apanágio das coisas materiais, é fonte para o deleite do espírito (Idem, op. cit,
p. 10). Anos mais tarde, já no século XVIII, - voltando a Bayer - sob a pena de
Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), surge uma nova disciplina
filosófica com o objetivo de estudar o Belo e suas manifestações na arte: a
“Estética”, cujo significado resumia-se apenas à teoria da sensibilidade
conforme a etimologia do termo grego, aisthesis (BAYER, 1995, p. 13).
Segundo Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano (2000), o substantivo
estética designa hoje “qualquer análise, investigação ou especulação que
tenha por objeto a arte e o belo, independentemente de doutrinas ou escolas”
(ABBAGNANO, 2000, p. 367). Na filosofia moderna e contemporânea, os
conceitos de arte e belo coincidem, tal conexão aconteceu a partir do século
XVIII, fruto do conceito de gosto, compreendido como a faculdade responsável
por discernir o belo, tanto na arte quanto em qualquer outro contexto.
Recentemente na Alemanha, a fim de instituir uma “ciência geral da arte”,
tentou-se separar a ciência da arte da doutrina do belo. Entretanto, no próprio
domínio da estética, devido à crescente abrangência de problemas de ordem
psicológica, social, moral etc., tal tentativa não parece exigir um lugar à parte
(Idem, op. cit, p. 368).
À vista disso, a história da estética apresenta uma grande quantidade de
definições tanto da arte como do belo. Antes da descoberta do conceito de
gosto, o Belo não se incluía naquilo que os antigos chamavam poética, isto é:
ciência ou arte da produção. Hoje, não obrigatoriamente vinculado à arte, o
Belo pode ser distinguido em cinco conceitos fundamentais: 1º: o Belo como
manifestação do Bem; 2º: como manifestação do Verdadeiro; 3º: como
simetria; 4º: como perfeição sensível; e 5º: como perfeição expressiva (Idem,
op. cit, p. 106).
1º: O Belo como manifestação do Bem, corresponde à teoria de
Platão. Sua ampliação no neoplatonismo assume caráter teológico ou
místico na figura de Plotino, devido à unificação do Bem junto às
68
essências ideais platônicas na personificação do Uno, isto é, em Deus:
“o Uno e Deus são definidos como ‘o Bem’” (Ibidem).
2º: O Belo como manifestação da Verdade é próprio do
Romantismo. Para Hegel, o Belo “‘define-se como a aparição sensível
da Idéia’” (Idem, ibidem).
3º: A doutrina do Belo como simetria é original de Aristóteles.
Neste caso, o Belo é constituído pela ordem, pela simetria e por “uma
grandeza capaz de ser abarcada, em seu conjunto, por um só olhar”.
Essa doutrina manteve-se por longo tempo, até ser adotada pelos
escolásticos Santo Agostinho e S. Tomás de Aquino principalmente.
(Idem, ibidem).
4º: Do Belo como perfeição sensível nasce a estética. Inicialmente
proposta por Baumgarten, referia-se por um lado como “representação
sensível perfeita”, e por outro como “prazer que acompanha a atividade
sensível”. Posteriormente unificada por Kant a partir do conceito de
desinteresse, o Belo foi reconhecido numa esfera específica, juntamente
com o Verdadeiro e o Bem, “entrou na constituição de uma nova espécie
de trindade ideal, correspondente às três formas de atividade
reconhecidas como próprias do homem: intelecto, sentimento e vontade”
(Idem, op. cti, p. 106-7).
5º: O Belo como perfeição expressiva ou completude da
expressão, aparece implícita ou explicitamente em todas as teorias que
consideram a arte como expressão. Na obra de Croce, por exemplo, arte
como expressão combina-se com a idéia de arte como conhecimento, e
a definição de beleza em Croce pode ser generalizada a qualquer teoria
da arte como expressão. (Idem, op. cit, p. 107).
Quanto às definições estéticas sobre teoria da arte, embora cada uma
delas tenha, via de regra, a pretensão de expressar de forma absoluta a
essência da arte, fica cada dia mais evidente que a maioria delas só expressa
tal essência, segundo determinado ponto de vista, são elas: “1ª: a relação entre
a arte e a natureza; 2ª: a relação entre a arte e o homem; 3ª: a função da arte”
(Idem, op. cit, p. 368).
69
1ª: A relação entre arte e natureza pode ser compreendida, em sua
acepção mais geral, como a co-relação entre arte e realidade. Podendo
entender a arte como algo “dependente da natureza, independente dela ou
condicionada por ela”, verificam-se três diferentes concepções da arte sob este
ponto de vista: 1.a) arte como imitação; 1.b) arte como criação; 1.c) arte como
construção (Idem, ibidem):
1.a) Insistindo na idéia de passividade, a mimese grega (imitação)
representa a definição mais antiga da arte na filosofia ocidental. Desde
Platão, tal concepção pretende subordinar a arte à natureza ou à
realidade em geral. Em Aristóteles, o valor da arte deriva do valor do
objeto imitado: a beleza do mito, na extensão de seu conjunto, deve ser
facilmente abarcada pela mente, assim como a beleza dos corpos dos
seres vivos é facilmente abarcada pelo olhar. Basicamente da mesma
forma, é encontrada na concepção de Plotino: “o que a arte acrescenta à
natureza é por ela haurida da realidade superior (inteligível) para a qual
tem voltado o olhar” (Idem, op. cit, p. 368-9).
Hoje, a teoria da imitação é defendida principalmente pelos
simpatizantes do realismo, mas frequentemente a interpretação que se
faz da imitação elimina justamente o caráter de passividade que
caracteriza a formulação clássica. Neste sentido, a imitação não difere
da criação, pois entende que a realidade é “o resultado da interação
entre natureza e homem, interação mediada pelo trabalho e pela
sociedade, em seu momento histórico”. Deste ponto de vista, entende-se
a arte, como “reflexo da realidade, o modo de expressão mais adequado
e mais elevado da autoconsciência da humanidade” (Idem, ibidem).
1.b) O conceito de arte como criação é próprio do Romantismo.
Nesta acepção a arte não está subordinada à natureza, para Schelling,
que foi quem a iniciou, a arte é a realização mais perfeita da beleza, a
qual a natureza só atinge de forma parcial e casual. Segundo o filósofo
alemão, a arte é comparada à mesma atividade criadora do Absoluto,
uma espécie de continuação da atividade criadora de Deus. Conceito
que, retomado por Fichte e posteriormente por Hegel, conferiu a estética
o status de ciência autônoma da arte, pois o princípio de arte como
70
criação aparece como verdade evidente na concepção romântica, cujo
caráter eleva-se à esfera do Espírito Absoluto, igualando-se à religião e
à filosofia (Idem, op. cit, p. 369).
1.c) Na estética contemporânea, predomina o conceito de arte
como construção, o qual entende a inter-relação entre arte e natureza
como uma condição mutuamente complementar. É o conceito instituído
inicialmente por Kant e posteriormente ampliado por Schiller, que
concebeu a atividade estética como forma de juízo reflexivo: “a natureza
limitando e condicionando a liberdade humana e esta, por sua vez,
compondo e unificando os dados naturais”. O homem na condição
mesma de natureza e razão “é dominado por duas tendências
contrastantes: a tendência material e a tendência formal”, as quais são
conciliadas pela tendência ao prazer, que tem por finalidade realizar a
forma viva, isto é, a beleza (Idem, op. cit, p. 370)
2ª: Da relação ente a arte e o homem, que considera a situação da arte
inserida no sistema de faculdades espirituais, também se verificam três
concepções fundamentais: 2.a) a que considera a arte como conhecimento;
2.b) como atividade prática; 2.c) ou como sensibilidade (Idem, op. cit, p. 371-2):
2.a) A concepção de arte como conhecimento dá seus primeiros
sinais na doutrina de Aristóteles, sobretudo, foi no romantismo que se
insistiu no valor cognitivo da arte. Schelling a via como o “órgão geral da
filosofia”, pois permite apreender a identidade Absoluta que é Deus, a
partir da atividade consciente e inconsciente. Já Hegel, atribuía-lhe um
grau a menos, situando-a abaixo da filosofia e da religião, mas
reafirmando seu valor teórico na esfera do “Espírito Absoluto”: o mais
alto grau de conhecimento (autoconsciência). Croce, e posteriormente
Bergson, vinculou-a ao conhecimento intuitivo ou do particular, insistindo
na tese de que a arte religa “o particular ao universal e portanto tem
sempre a marca da universalidade e da totalidade. Na doutrina
bergsoniana, arte se reduz à intuição: o órgão do conhecimento filosófico
(Idem, op. cit, p. 371).
71
2.b) A arte como atividade prática é a tese explícita de Aristóteles.
Não obstante sua forte influência, tal concepção raramente voltou à
história da estética. Dentre os pensadores mais recentes, Nietzsche
destaca-se como partidário da concepção aristotélica, para ele, a arte
está condicionada por um sentimento irresistível de plenitude
equivalente à embriaguez: a beleza é a expressão da vontade vitoriosa
por uma coordenação mais intensa através de um equilíbrio infalível
(Idem, op. cit, p. 372).
2.c) A arte como sensibilidade é a tese platônica. Retomada no
século XVIII com uma mudança de sinal, confere o postulado de ciência
à estética. Apesar dos conceitos imperfeitos, Baumgarten reivindicava a
autonomia do sensível, defendendo a tese de que o objetivo da estética
é a perfeição do conhecimento sensível, e tal perfeição refere-se à
beleza. Com a ampliação teórica a partir do conceito de juízo, Kant foi o
responsável por oficializar a “faculdade do sentimento”, proposição mais
freqüente na estética contemporânea (Idem, op. cit, p. 373).
3ª: A terceira acepção considera a função da arte. Sob esta perspectiva,
dentre inúmeras ramificações, todas teorias incidem particularmente sobre dois
grupos fundamentais: 3.a) os que consideram a arte como educação; 3.b) e os
que consideram-na como expressão. Como educação ela é instrumental, como
expressão, é final (Idem, ibidem).
3.a) O conceito de arte como educação, mantém-se praticamente
o mesmo desde a Antiguidade. Persistiu por toda Idade Média e não
sofreu grandes alterações no Renascimento. Mesmo sob diferentes
aspectos, até hoje, no que diz respeito à educação, predomina o ponto
de vista tradicional, o qual a arte é instrumento de aperfeiçoamento
moral. “A tônica no caráter catártico da arte nada mais é que a ênfase
em sua instrumentalidade educativa” (Idem, ibidem).
3.b) A teoria da arte como expressão consiste em ver na arte,
uma forma geral das atitudes humanas. A melhor definição do caráter
expressivo da arte reside na fórmula tradicional da arte pela arte, o que
significa que as possibilidades de ver, contemplar e fruir as infinitas
72
aberturas para o mundo que a arte revela, estão à disposição de
qualquer pessoa que tenha vontade, e capacidade, de ler sua obra
quando expressa. A expressão é, “por natureza”, a própria comunicação
da arte (Idem, op. cit, p. 374).
A capacidade de julgar obras de diversos estilos denomina-se gosto,
gosto do apreciador. O gosto tende a se difundir tornando-se uniforme em
determinados períodos ou grupos de indivíduos. As possibilidades
comunicativas de uma obra bem realizada são praticamente ilimitadas e
relativamente independentes do gosto dominante, o que significa que nem
todos farão a mesma leitura, ou irão fruí-la do mesmo modo. Essa liberdade de
julgamento é regida conforme a percepção que cada um tem sobre a obra em
contraste com seu repertorio pessoal.
Ainda embasados no panorama que o dicionário de filosofia tem por
objetivo propiciar, por percepção pode-se distinguir três significados principais:
num primeiro significado, designa “qualquer atividade cognoscitiva em geral”,
neste caso não se distingue de pensamento; já num significado mais restrito,
refere-se “o ato ou a função cognoscitiva à qual se apresenta um objeto real”,
equivalente ao conhecimento empírico, imediato, “certo e exaustivo do real”;
por ultimo, numa acepção mais específica, designa “uma operação
determinada do homem em suas relações com o ambiente”, literalmente é a
“interpretação dos estímulos”, no âmbito deste último significado, refere-se ao
que a psicologia contemporânea trata como o “problema da percepção”
(ABBAGNANO, 2000, p. 753).
A priori, em um sentido mais geral, Descartes e Kant, entre outros,
empregaram o termo percepção referindo-se a todos os “atos cognitivos, que
são passivos em relação ao objeto, em oposição aos atos da vontade, que são
ativos”. Mais tarde, o próprio Descartes estabeleceu um novo e mais complexo
significado para o termo. Referindo-se às percepções externas, afirmava que,
embora elas sejam produzidas por movimentos oriundos de coisas externas, a
mente as relaciona com as coisas que supõe serem suas causas. A partir desta
constatação, a distinção entre sensação e percepção passa a ser peça chave à
teoria da percepção (Idem, op. cit, p. 753-4).
73
A sensação é reduzida “a uma unidade elementar produzida diretamente
no sujeito pela ação causal do objeto”, enquanto a percepção aparece como
“um ato complexo que inclui uma multiplicidade de sensações, presentes e
passadas, e também a sua referencia ao objeto, ou seja, um ato judicativo”. A
participação do juízo na percepção, torna-se tema freqüente na filosofia do séc.
XIX, por um lado Hegel a eleva ao extremo, considerando percepção como um
produto do Universal, enquanto Bergson, por outro lado, simplifica-a como
sinônimo de seleção. Referenciadas no objeto externo, as principais
contribuições de tais teorias foram, além da distinção entre sensação e
percepção, o importante reconhecimento do caráter “ativo ou judicativo” da
percepção (Idem, op. cit, p. 754).
Segundo sintetiza Abbagnano:
O conceito de percepção ao qual essas doutrinas fazem referência é
bastante uniforme: a percepção é o ato pelo qual a consciência
“apreende” ou “situa” um objeto, e esse ato utiliza certo número de
dados elementares de sensações. Este conceito, portanto, supõe: 1º a
noção de consciência como atividade introspectiva e auto-reflexiva; 2º a
noção do objeto percebido como entidade individual perfeitamente
isolável e dada; 3º a noção de unidades elementares sensíveis (Ibidem).
Esta concepção é baseada justamente no abandono destes três
pressupostos que trabalha a psicologia e a filosofia contemporânea,
entendendo percepção, simplesmente como interpretação dos estímulos,
dividida em dois grupos de teorias. As que priorizam os fatores e circunstâncias
objetivas, caracterizada pela Gestalttheorie (teoria da forma), que é
substancialmente uma teoria da percepção. E as que insistem na importância
dos fatores e condições subjetivas, as quais, por não recorrerem à noção de
consciência ou introspecção, propiciam uma compreensão mais ampla, que se
estende para além do universo restrito ao homem, incorporando sua aplicação
à toda a natureza em sua generalidade.
Teorias mais recentes consideram percepção como transação, “um
acontecimento que ocorre entre o organismo e o ambiente”, deste modo fica
evidente o caráter ativo da percepção, o que levou à teoria da motivação e à
74
teoria das hipóteses ao chamado “New Look” da teoria da percepção. Tal teoria
resume de forma menos dogmática, não só os dados experimentais recolhidos
por um expressivo número de observadores, mas também as características
essenciais atribuídas à percepção pelas doutrinas contemporâneas da
psicologia, a partir da Gestalttheorie.
Com o objetivo de fundamentar as bases para o desenvolvimento do
raciocínio no presente capítulo, as principais interpretações sobre arte e Belo,
associadas aos conceitos relativos à percepção e analisadas à luz do
ornamento, compõem o caráter de premissa obrigatório à contextualização do
assunto proposto.
Pressupondo o ornamento como forma elementar e universal (cap. 1,
item 1.5) à todas as acepções estéticas, e admitindo que tais manifestações
podem se fazer presentes tanto em arte, design, ou qualquer atividade criativa
que demonstre preocupação com a beleza, procura-se, através de
contribuições recentes, trabalhar de maneira unificada, conceitos referentes à
estética em paralelo ao fenômeno da percepção, visando proporcionar uma
compreensão ampla e ao mesmo tempo holística sobre o caráter do ornamento
na natureza.
2.2 Sentido25 de ordem: natureza, estética e os padrões decorativos
Duas coisas me enchem a mente de crescente admiração e respeito,
quanto mais intensa e frequëntemente o pensamento delas se ocupa: o
céu estrelado sobre mim e a lei natural dentro de mim26.
KANT (1788)
Ernst Gombrich em El Sentido de Orden: estúdio sobre la psicología de
las artes decorativas (1979), considerada como uma das obras mais completas
sobre os motivos decorativos do ponto de vista da psicologia cognitiva, nega o
conceito da percepção humana como processo passivo. Baseia sua teoria 25 Nesta acepção, o termo sentido se refere às funções psicofisiológicas de natureza física, química ou luminosa pelas quais um organismo recebe informações sobre certos elementos do meio externo (Vide: Larousse, 1998, p.5325). 26 Citação extraída de GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de idéias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. (p. 148)
75
numa visão evolutiva da mente, onde a percepção é direcionada pela atenção
do observador. Para Gombrich, quem abriu a primeira brecha neste campo
teórico foi Kant, “cuando preguntó cómo podía la mente ordenar tales
impresiones en espacio y tiempo, si el espacio y el tiempo habían de ser
aprendidos primero a través de la experiência” (GOMBRICH, 1980, p. 15).
A filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), condensada em três obras
fundamentais: Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e
Crítica do juízo (1790), foi responsável por concluir a integralização da estética.
Através da ampliação teórica do conceito de Belo, reformulou o problema sobre
as inter-relações entre arte e realidade (NUNES, 2009, p. 46), legando à
estética, o caráter de ciência que conceitua o Belo e as artes. Vendo a arte
“como aquele produto da atividade humana que, obedecendo a determinados
princípios, tem por fim produzir artificialmente os múltiplos aspectos de uma só
beleza universal, apanágio das coisas naturais” (Idem, op. cit, p. 10).
Para Kant, o juízo do gosto ou do prazer, não se refere apenas à
faculdade da cognição, mas também à faculdade da imaginação, uma
imaginação ligada ao entendimento. A distinção de que algo é belo não se
constitui apenas através da lógica, mas também por meio da experiência
estética, isto é, a realidade humana é caracterizada pela interdependência
entre o real e o imaginário, o objetivo e o subjetivo. “É por meio da
Sensibilidade que intuímos os objetos, e, de acordo com as percepções dos
sentidos, os representamos no espaço e no tempo” (Idem, p. cit, p. 47).
Conforme Nunes:
O espaço e o tempo são, para Kant, formas de sentir, que estruturam as
percepções ou intuições, matéria-prima do conhecimento, e que dão
origem à experiência sensível. A função do entendimento é sintetizar
em conceitos as intuições da sensibilidade. Mas assim como há formas
de sentir, há também formas de pensar, pois que o Entendimento é a
faculdade de produzir conceitos (Ibidem).
Gombrich (1980), numa espécie de antropologia da percepção, inicia
sua reflexão dissertando sobre “Orden y propósito en la naturaleza”.
Procurando expandir os limites da compreensão, para além da razão pura tão
76
objetivada por Kant, “que jamás se preguntó cómo se las arreglaban los demás
ornagismos en este mundo”. Explicitamente apoiado na metodologia de Karl
Popper, propõe uma análise das artes decorativas a partir de elementos
simples encontrados na natureza e seus respectivos mecanismos de ação, ao
demonstrar como questões relativas à percepção de ordem desempenham um
papel fundamental na gama das artes visuais. Estas por sua vez, ao reconstruir
sua analogia com o conhecimento biológico, aparecem como importante
instrumento capaz de propiciar uma “lógica del descubrimiento científico”
(GOMBRICH, 1980, p. 15-27).
Para Gombrich, as formas e os padrões decorativos, dentre eles o
ornamento, atestam o prazer que o homem sente ao exercitar seu “sentido del
orden”: uma elementar esperança de regularidade subjacente que, ao conceber
e/ou contemplar simples configurações, produz nele uma sensação prazerosa,
pois lhe permite renunciar mentalmente de suas referências com o mundo
natural27 (Idem, op. cit. p. 28). Em sua concepção:
Tan profundamente arraigada está nuestra tendencia a contemplar el
orden como marca de una mente ordenante, que reaccionamos
instintivamente con admiracíon cada vez que percibimos regularidad en
el mundo natural. [...] La breve respuesta a este problema complejo es
que en la naturaleza surge el orden cuando las leyes de la física pueden
actuar em sistemas aislados y sin mútuos estorbos (Idem, ibidem).
Com o empirismo característico que lhe é próprio, Rudolf Arnheim
(2008), na obra Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora
(1980), elucida a minúcia destra proposição de Gombrich, ao demonstrar a
interação constante entre os aspectos físicos e psicológicos do processo de
percepção visual28.
27 Sobre renunciar mentalmente as referências com o mundo natural, deve-se entender algo equivalente ao ato da contemplação no sentido de introspecção. A concentração (atenção) é direcionada para um único ponto, uma espécie de interiorização focada a um assunto restrito. Conforme se procura demonstrar na seqüência, semelhante processo pode ser evidenciado como uma analogia ao procedimento filosófico. 28 Com o objetivo de facilitar a inteligibilidade do raciocínio a ser demonstrado, partindo da clareza e das valiosas constatações de Arnheim, inicia-se a discussão com seu centrado apenas ao processo de percepção visual. Mais adiante a questão será estendida à percepção em sua generalidade, não se restringindo inclusive, a uma faculdade restrita ao homem (cap. 2, item, 2.6).
77
Para Arnheim, a experiência perceptiva é “dinâmica” (ARNHEIM, 2008,
p. 4). Tudo que é passível de ser notado é uma questão eminentemente
dinâmica: portanto, fundamental à percepção. “A dinâmica não é uma
propriedade do mundo físico, mas pode-se mostrar que os padrões de
estímulos projetados em nossas retinas determinam a série de qualidades
dinâmicas inerentes ao que se percebe” (Idem, op. cit, p. 429). O que um
observador percebe, não é somente um arranjo de estímulos (formas, cores,
movimentos etc.), antes de tudo, é uma interação de forças (tensões dirigidas),
que adquire dinâmica enquanto é processado pelo sistema nervoso. “Uma vez
que as tensões possuem magnitude e direção pode-se descrevê-las como
‘forças’ psicológicas” (Idem, op. cit, p. 4). Conforme esclarece:
[...] a matéria-prima perceptiva não é estampada mecanicamente sobre
uma superfície receptora passiva, [...] A percepção reflete uma invasão
ao organismo por forças externas, que perturbam o equilíbrio do sistema
nervoso. [...] Deve resultar uma luta quando as forças invasoras tentam
se manter contra as forças no campo fisiológico, que procuram eliminar
o intruso ou pelo menos reduzi-lo ao padrão mais simples possível
(Idem, op. cit, p. 429).
Em concordância com a proposição de Arnheim, Gombrich, ao se referir
à percepção de ordem, considera que um organismo, ao sondar à sua volta,
“debe comparar el mensaje recibido con essa elemental esperanza de
regularidad subyacente”, (GOMBRICH, 1980, p. 26), sendo assim, pode-se
supor que tal organismo, ao constatar uma configuração harmoniosa, ou seja,
previamente ordenada, sente prazer ao contemplá-la, pois o estímulo
percebido não entra em conflito com o sistema fisiológico.
O autor salienta que, “la classificación es siempre el producto de la
mente ordenadora, y la búsqueda del sistema ‘lógico’ en el que se pueda
asignar un lugar único a cualquier motivo [...] está condenada al fracaso” (Idem,
op. cit, p. 107). Para Gombrich o organismo pode ser comparado “con un
dispositivo homeostático que pugna por el equilibrio con el entorno. Equilibrio
siempre exige acción, en otras palabras, incluso en estado de descanso no es
posible permitir que el organismo se mantenga pasivo” (Idem, op. cit, p. 33).
78
Segundo Arnheim, o princípio29 básico da psicologia gestaltiana estabelece
que, “para o sentido da visão, qualquer padrão visual tenderá para a
configuração mais simples possível, em dadas condições”, mas adverte que
essa tendência à simplicidade “leva a descrições unilaterais” (ARNHEIM, 2008,
p. 403).
Sobre o processo de funcionamento fisiológico da visão, Arnheim
esclarece que os raios luminosos ao incidirem sobre um objeto, são em parte
absorvidos, em parte refletidos, e ao refletir, atingem a lente do olho
projetando-se na retina, onde estão situados pequenos órgãos receptores
combinados em pequenos grupos sensíveis por meio das células ganglionares.
“Através destes agrupamentos consegue-se uma primeira organização
elementar da forma visual muito próxima do nível da estimulação retiniana”, a
sensibilização desses órgãos envia “mensagens eletroquímicas” para seu
destino, o cérebro, ficando “sujeitas a uma posterior conformação em outros
estágios do percurso até que se complete o padrão nos vários níveis do córtex
visual” (ARNHEIM, 2008, p 9). Basicamente, “a percepção visual consiste da
experimentação de forças visuais” (ARNHEIM, 2008, p. 405), “trata-se da
contraparte psicológica dos processos fisiológicos que resultam na organização
dos estímulos perceptivos” (Idem, op. cit, p. 429).
No mundo físico, essa tendência à simplicidade rege absoluta somente
em sistemas fechados. No entanto, o organismo não é, de forma nenhuma, um
sistema fechado. Sobre organismo, Arnheim clarifica:
Fisicamente, ele contrabalança dispêndio da energia utilizável dentro de
si mesmo, extraindo constantemente recursos de calor, oxigênio, água,
açúcar, sal e outros nutrientes do meio. Psicologicamente, também, a
criatura viva reabastece seu combustível para a ação absorvendo
informações através dos sentidos, processando-as e transformando-as
internamente (Idem, op. cit, p. 404).
No homem, tanto o cérebro como elemento físico, quanto a mente como
elemento psíquico, enfrentam a mudança e dela necessitam, por essa razão
que prefere-se a vida à morte, a atividade à inatividade. Paralelamente, a
29 Princípio da Pregnância da Forma. Vide: GOMES FILHO, 2000, p. 36-7.
79
tendência à simplicidade está constantemente em ação, criando a organização
mais harmoniosa e unificada possível para dada circunstância, garantindo o
melhor funcionamento possível da mente e do corpo, tanto nas relações com o
ambiente físico quanto social (Ibidem).
O que difere a percepção humana dos demais organismos, poder-se-ia
assim dizer, no seu todo menos complexos, é a faculdade da Imaginação
(imagem + ação). Conforme intuído por Kant, a imaginação do homem o torna
capaz de evocar, sob a forma de imagens, objetos ou fatos extracognoscitivos
ou extraperceptivos. Uma faculdade mental que confere ao homem uma
atividade criadora que inventa, concebe, representa, fantasia, e crê, sob uma
forma sensível e concreta, coisas das quais não necessariamente teve uma
experiência direta.
Na acepção kantiana, a imaginação seria a “faculdade intermediária, que
liga as intuições da Sensibilidade aos conceitos do Entendimento” (NUNES,
2009, p. 51). Para se investigar a imaginação, Drofles (1988) julga “essencial
estabelecer uma distinção entre os dados fenomenológicos30” e a presença de
uma “corrente imaginativa autónoma, auto-criadora”, para a qual “os dados da
experiência podem ser o mais das vezes ponto de partida, base, premissa”
(DORFLES, 1988, p. 20).
Entre tudo aquilo que é passível de ser percebido e a percepção
propriamente dita, existem diversos estados intermediários. Segundo Dorfles “a
própria filosofia fenomenológica adverte que a percepção é a coexistência de
elementos subjectivos e objectivos que podem entrar no processo perceptivo
como elementos intencionais” (Ibidem). Daí a excepcional importância de
considerar a “diversidade das percepções” (Idem, op. cit, p.24). Ainda
continuando com Dorfles:
Naturalmente, esta posição não nega nem a possibilidade de admitir
como suficientemente válidas as formulações gestálticas duma
globalidade e plenitude da forma percebida; nem as mais recentes
teorias transaccionistas, que atribuem maior importância aos dados da
experiência passada, às assunções, premunições, expectativas e a tudo
30 Vide: MERLEAU-PONTY, M. 2006.
80
o que, até de criativo, possa aumentar o valor e a plenitude da imagem.
(DORFLES, 1988, p. 21)
Neste sentido, percepção prescinde indução, crivo, juízo. A visão, ou
qualquer outro sentido, direcionado a determinado objeto por meio da atenção,
gera induções perceptivas subjugadas à premissas mentais, estas por sua vez,
baseadas no conhecimento previamente adquirido, “são conclusões derivadas
espontaneamente durante a percepção de determinada configuração do
padrão” (ARNHEIM, 2008, p. 5). Desta forma, sempre que algo é percebido é
quase instantaneamente analisado, passando a fazer parte do repertório
pessoal daquele que contempla. Simultaneamente, se inter-relaciona com a
imaginação, esta qualidade da mente humana ativa que está além do dado
fenomênico, “à qual a percepção nos constrange, e activa até para prescindir
de todas as implicações gnoseológicas e de todo o mecanismo operativo”
(DORFLES, 1988, p. 22).
Por “sentido de ordem”, Gombrich pretende evidenciar que a percepção,
o meio pelo qual um organismo acumula experiências e consequentemente
progresso, não é somente privilégio do homem que dispõe da razão para
interpretar a vida por intermédio da visão ou dos demais sentidos, ela está
subjacente na natureza, fundamentada na lei do equilíbrio. Em suas palavras:
“[...] es necessario precisar que en los estádios más bajos de la
evolucíon estas capacidades no pueden depender de esa entidade
elusiva a la que llamamos consciência. Ni siquiera em el hombre están
así emparejadas. Uma de las manifestaciones más elementales de
nuestro sentido del orden es nustro sentido del equilíbrio (GOMBRICH,
1980, p. 16).
Ao citar o exemplo do paramécio31 que, em seu movimento de
locomoção empreende uma ação de desvio ao encontrar um obstáculo,
primeiro retrocedendo para depois nadar em outra direção ao acaso, Gombrich
sugere que o paramécio dá a entender que “sabe” algo sobre o mundo externo,
pois tal ação pode ser descrita, literalmente, como um fato objetivo (Idem, op. 31 Gênero de protozoários cilados, de corpo alongado ou ovóide, é encontrado em águas estagnadas, alimenta-se de bactérias (Vide: Larousse, 1998, p. 4443)
81
cit, p. 16-25). Gombrich esclarece que tudo o que o paramécio “sabe” sobre o
“objeto” é que este impede a continuidade do seu movimento em determinada
direção. E relaciona este “conhecimento”, à análise crítica que o homem é
capaz de exercer sobre os objetos que o sensibilizam através da visão, esta
em sua condição muito mais rica e detalhada (Idem, op. cit, p. 25).
Figura 5 - Paramécio. Fonte: http://www.microscopy-uk.org.uk/mag/imgdec02/paramecium.jpg
Desta proposição, Gombrich confirma a contribuição que o pensamento
evolucionista proporcionou à compreensão moderna, modificando e
enriquecendo o sistema abstrato que Kant havia formulado sobre o problema
do espaço e do tempo, comprovando que há “una estrecha semejanza entre el
progresso del conocimiento en la ciencia y la adquisición de informacíon a lo
largo de la escala de la evolucíon”. Ao citar a obra Eye and Brain de Richard L.
Gregory, Gombrich entende percepção, “como proceso activo de utilización de
la información para sugerir y someter a prueba hipótesis” (Idem, ibidem).
Entendendo a percepção como uma imanente capacidade de produzir
experiências, e por sua vez, conhecimento, como os ornamentos e os motivos
decorativos podem influenciar e até contribuir para a qualidade deste
conhecimento?
82
A arte ornamental ou decorativa pode ser considerada como a primeira
manifestação “consciente” do homem visando essencialmente à produção do
Belo no sentido de experiência estética. Gombrich afirma que a percepção de
ordem é o primeiro passo para a percepção do significado32. O primeiro “nos
permite localizar un estímulo en espacio y tiempo, el segundo responde al
mismo en interés de nustra supervivencia” (GOMBRICH, 1980, p. 189). A
percepção instintiva da ordem, “el elemento de condicionamiento y capacidad
al que hemos visto influenciar la lectura de todas las formas complejas, puede
determinar tambiém nustra reación ante motivos representativos” (Idem, op. cit,
p. 191). Neste sentido, prossegue Gombrich, o reconhecimento é um “dom” e a
atenção do olhar, uma “necessidade”. “Por tanto, contemplar un objeto no es lo
mismo que explorar nuestro entorno em busca de orden” (Idem, op. cit, p. 189),
contemplação pressupõe reflexão. Contemplar refletindo, objetiva apreender,
assimilar algo mentalmente, entender ou compreender, em suma: adquirir
conhecimento.
Baseado neste princípio, Gombrich afirma que os motivos decorativos ou
ornamentais, são um testemunho do prazer que o homem experimenta ao
concebê-los e/ou contempla-los, pois o prazer está subentendido no desejo
imanente de progresso, que através da percepção, acumula aprendizado
constantemente. Por esta razão, pode ser considerado equivalente a um
instrumento filosófico, capaz de produzir uma “lógica del descubrimiento
científico” (GOMBRICH, 1980, p. 25).
O ornamento como elemento previamente “ordenado” frente a
necessidade de organização que a interpretação perceptiva exige, constitui
instrumento filosófico fecundo, juntamente como outras formas de arte, design,
ou tudo aquilo que visa proporcionar uma sensação estética. Voltado à função
contemplativa, o ornamento, com decoro ou adequação, tem como propósito
essencial estimular a experienciação estética, capaz de induzir a percepção a
estados de consciência mais sutis semelhantes ao do êxtase33. Nessa
experiência, o espírito daquele que contempla pode vivenciar sensações de
32 Sentido de orden e sentido del significado em Gombrich (1980), podem ser entendidos como uma ampliação teórica aos equivalentes impulso ornamental e impulso mimético de Riegl (Vide cap. 1, item 1.5). No tocante à percepção, ambos podem ser entendidos como uma derivação estrita dos conceitos gerais da filosofia Antiga: poiésis e mimese. 33 Vide: WEIL, P. Antologia do êxtase, 1992.
83
extrema liberdade e intenso prazer, pois, segundo o idealismo estético de
Schelling e Hegel, “põem a inteligência humana, de um modo imediato, em
contato com a Beleza, revelação do infinito no finito, e que equivale à própria
Verdade”, (NUNES, 2009, p. 63).
2.3 Percepção estética: o fruir sensível do conhecimento
Embasados nas contribuições que a teoria da percepção proporcionou
ao entendimento sobre o ato da visão nas últimas décadas, tanto Gombrich
quanto Arnheim evidenciam a antiga proposição filosófica de que a experiência
estética é um dos atributos fundamentais à aquisição de conhecimento. Ambos
concordam que percepção consciente é uma atividade que requer esforço, já
que depende do direcionamento e manutenção da atenção. Neste sentido,
entende-se percepção como participação ativa em prol do conhecimento,
motivada pelo imanente desejo de progresso. Sendo o progresso lei universal,
faz parte da natureza humana. E sendo assim, cabe perguntar, como é
possível admitir este processo como sendo prazeroso, já que depende de
esforço e desgaste de energia para realizá-lo? Apesar de parecer um paradoxo, a resposta está justamente no
empenho necessário à aquisição deste conhecimento. Na tentativa de conciliar
estímulos distintos, os de ordem fisiológica com os de ordem psicológica, o
organismo realiza uma atividade que tem como meta o equilíbrio, conforme o
“princípio de prazer”, na denominação de Freud, a que se demonstrou que os
acontecimentos mentais “são ativados por tensões desagradáveis” que por sua
vez, procuram um meio para reduzir essas tensões34 (ARNHEIM, 2008, p. 28).
Na atualidade, cada vez mais evidenciam-se as correlações entre
estética e percepção. Descobertas não somente no campo da psicologia
experimental, mas também no campo da biologia, fisiologia, psicologia
cognitiva, física quântica, neurociência35 e até mesmo a psicopatologia,
34 O meio que o organismo procura para reduzir as tensões, equivale à denominação de Gombrich sentido de ordem. 35 A esse respeito, convém ressaltar o recém formulado “Paradigma Holográfico” (entre décadas de 70 e 80), onde descobertas no campo da ciência e da teoria, embasadas na filosofia perene e psicologia moderna, demonstraram uma extraordinária semelhança entre as grandes tradições místicas do Oriente e
84
contribuem para reforçar a justificativa de um dos fatos mais básicos da
experiência estética: que o sentimento de prazer de fato, “se encuentra en
algún lugar entre el aburrimiento y la confusión” (GOMBRICH, 1980, p. 32).
A partir de tal constatação, pode-se dizer que a experiência estética é
uma das formas humanas normais mais prazerosas - senão a mais - para a
aquisição de conhecimento. No entanto, cabe fazer distingui-la de outras duas
formas onde há progresso de aprendizado: a experiência comum, ou na
terminologia de Mukarovsky (1993) “função elementar”, e a experiência
científica.
A experiência comum é aquela de todos os dias, o hábito que nos liga ao
mundo, mostrando como “natureza e cultura, sentidos e intelecto se penetram
reciprocamente”, vale-se “daquela forma de inteligência prática, de forma
sintética, capaz de reduzir e plasmar a multiplicidade de cada evento”
(BARILLI, 1994, p.32). É a inteligência praticada de forma auto-conscientizada,
“um mecanismo inconsciente” que guia nossos atos, governando com
“habilidade e segurança em meio das insídias do mundo”. Na maioria das
vezes é benéfica, pois atua priorizando a economia de energia a fim de
alcançar o equilíbrio no domínio das circunstâncias. Mas também pode se
apresentar como “força negativa e estéril”, pois “reduz o diferente e o variado
ao simples e igual”, levando a “reiterar ao infinito os mesmos comportamentos”
(Idem, op. cit, p. 33). É o que Arnheim denomina de “princípio da simplicidade”
(ARNHEIM, 2008, p. 403), na percepção visual.
Contudo, hábitos não bastam para dominar eventos. Segundo Barilli:
do Ocidente frente ao pensamento científico contemporâneo. “Um holograma é um tipo especial de sistema de armazenamento óptico, [...] onde cada pedaço individual da imagem contém a imagem toda em forma condensada. A parte está no todo e o todo está em cada parte – um tipo de unidade-na-diversidadee e de diversidade-na-unidade”. Resultante da junção ente a pesquisa pioneira do neurocirurgião Karl Pribram e aos trabalhos em física subatômica sobre o “potencial quântico” do inglês David Bohm, o “Paradigma Holográfico” reuniu as conclusões de Pribram sobre o funcionamento cerebral, o qual, semelhante a um holograma, é capaz de ter acesso a um “domínio de freqüências holísticas” possibilitando-o transcender fronteiras espaciais e temporais, às conclusões de Bohm sobre entidades físicas que pareciam separadas e discretas no espaço e no tempo. Estas estariam, na verdade, ligadas ou unificadas de maneira implícita ou subjacente, ou seja, o próprio universo físico como um gigantesco holograma. O que levou-os a concluir que vivenciaram uma “experiência religiosa em sua quintessência, a experiência da unidade mística e da ‘identidade suprema’” (Vide: WILBER, Ken (organizador). O paradigma holográfico e outros paradoxos, explorando o flanco dianteiro da ciência (12ª ed.). São Paulo: Cultrix, 2007 p. 7-10).
85
[...] estes voltam a ser emergentes, imprevistos, o que provoca em nós
uma ruptura do equilíbrio: as energias afectivas, já não adequadamente
canalizadas para o sentido habitual, urgem no estado livre, “movendo-
nos” para fora dos binários de costume. Em suma, tem-se a emoção, a
perturbação, que só poderá ser apaziguada se submetivermos aquela
certa situação confusa em que nos encontramos imersos a uma
investigação que nos leve a ver “com outros olhos” as suas várias
componentes, e a mudar os instrumentos de intervenção” (Ibidem).
Deste estado de impermanência surge a exigência de inovar, procurar
novos comportamentos. E inovar demanda criatividade. O momento em que a
experiência comum passa a fazer parte das fases mais seletivas do consciente,
pode divergir tanto para a ciência-conhecimento como para a estética. Para
Barilli, “a novidade é, portanto, um primeiro sinal dividido por ambas. Se não
houver esta ânsia de renovar, de modificar as nossas abordagens do mundo,
não se tem a passagem de uma para a outra” (Ibidem).
A experiência científica - para Mukarovsky (1993), “função científica” -
possui uma natureza eminentemente instrumental: analisa a situação inicial
com a finalidade de descobrir o problema e afastar o obstáculo, elegendo vias
mais factíveis; sua tarefa, todavia, é de “medição a prazo”, extingue-se para
novamente dar lugar à experiência prática comum, “serenamente apoiada nos
hábitos, entretanto reconstituídos sobre bases mais eficientes” (Ibidem).
Já a experiência estética - ou “função estética” - visa essencialmente a
finalidade. Objetiva considerar a situação da maneira mais ampla e intensa
possível, livre dos mecanismos da rotina, sem recair à habitual atitude
mecânica. Nas palavras de Barilli:
O seu objectivo seria introduzir na terra um estado paradisíaco onde se
possam viver os vários aspectos do mundo, exactamente, com a
máxima intensidade, sem a preocupação de economizar as energias.
Poderia também ser a descoberta do paraíso terrestre, vivido na
primeira infância, quando o impulso para o prazer dos sentidos não
encontra repressões e censuras pela obrigação de prestar contas com
as exigências práticas e sociais (BARILLI, 1994, p. 34).
86
Na acepção fisiológica, a proposição estética pode ser demonstrada
através da dinâmica, a qual Arnheim afirma ser produto de tensões dirigidas.
Presente em tudo que é passível de ser percebido, as tensões são reguladas
pela homeostase36, daí poder-se dizer que, “a atividade artística é um
componente do processo motivador tanto no artista como no consumidor”, pois
como tal “participa da busca do equilíbrio” (ARNHEIM, 2008, p. 28).
A busca do equilíbrio, que equivale à forma em harmonia, sempre
constituiu motivo de um dos principais objetos de investigação estética. Desde
a Antiguidade, no sentido clássico da teoria filosófica, procurava inquirir o que
produzia no homem o sentimento de que algo é belo.
Segundo Dorfles, a razão porque o homem desde os primeiros milênios
no decurso da história sempre esteve “obcecado” pelos temas intimamente
ligados ao equilíbrio, como simetria, harmonia, modulação, está na “mesma
constituição física e psíquica do homem e do universo” (DORFLES, 1988, p.
65-6), conforme evidencia:
As mesmas “leis” que regulam algumas das mais flagrantes situações
fisiológicas, físicas, cosmológicas, etc., respondem a este princípio
essencial; mas ao mesmo tempo que se afastam dele infringem-no. É
somente penetrando-se nos mistérios da simetria e da “especularità37”,
que a certa altura, nos damos conta de como o próprio prosseguimento
do caminho do homem sobre a Terra, o próprio evoluir ou envolver-se
na civilização, se baseia num constante conflito – por vezes
dialeticamente positivo, outras vezes dramaticamente negativo” (Idem,
op. cit, p. 66).
Friedrich Hegel (1770-1831), ao inquirir sobre a experiência estética,
compreende estas constantes tensões entre o objeto de contemplação e os
sentidos, como as “duas tendências fundamentais mutuamente contraditórias
da natureza e da realidade: a ‘atração’ e a ‘repulsão’” (FISCHER, 2002, p. 142).
36 Por homeostase ou homeostasia, refere-se a uma determinada tendência à estabilidade do meio interno dos organismos, enunciado por Cannon em 1926. Uma propriedade auto-reguladora de um sistema que permite manter o estado de equilíbrio de suas variáveis essenciais ou de seu meio ambiente. Na ecologia, refere-se à característica de um ecossistema que resiste às mudanças (perturbações) e conversa um estado de equilíbrio. (Vide: Larousse, 1998, p. 3012). 37 O termo especularità refere-se à condição das imagens quando refletidas por espelhos, contrapondo-se aos próprios objetos refletidos.
87
Demonstrando empiricamente a proposição de Hegel, Arnheim afirma que
“tanto visual como fisicamente, o equilíbrio é o estado de distribuição no qual
toda a ação chegou a uma pausa.” (ARNHEIM, 2008, p. 12-3). Tudo que é
perceptível ao olhar “é determinado por interação entre as partes e o todo. Se
fosse de outra maneira, as várias induções, atrações e repulsões não poderiam
ocorrer no campo da experiência visual. O observador vê as atrações e
repulsões nos padrões visuais como propriedades genuínas dos próprios
objetos percebidos” (Idem, op. cit, p. 10).
Segundo Arnheim, o homem esforça-se por obter equilíbrio em todas as
etapas de sua existência física e mental. Essa tendência “pode ser observada
não apenas em toda a vida orgânica, mas também nos sistemas físicos”. A
segunda lei da termodinâmica, também conhecida como princípio da entropia,
afirma que “em qualquer sistema isolado, cada estado sucessivo representa
um decréscimo irreversível da energia ativa. O universo tende para um estado
de equilíbrio no qual todas as assimetrias de distribuição existentes serão
eliminadas”. As recentes descobertas da psicologia cognitiva definiram a
motivação, como “o equilíbrio do organismo que conduz à ação para a
restauração da estabilidade” (Idem, op. cit, p. 27-8).
O prazer que o homem atesta ao contemplar um padrão pré-organizado,
por exemplo, um ornamento, uma composição artística equilibrada ou uma
obra de design bem resolvida, reside na economia de energia que o processo
perceptivo economiza na obtenção do incessante “conhecimento” progressivo.
De acordo com Arnheim:
[...] o homem tenta constantemente consumir o mínimo de energia. [...]
Somente observando a interação entre a força energética da vida e a
tendência ao equilíbrio pode-se conseguir uma concepção mais
completa da dinâmica que ativa a mente humana e que se reflete nos
seus produtos (ARNHEIM, 2008 p. 28).
Porém, economia de energia não implica em inércia. Monotonia é
sinônimo de tédio, pois, por não gerar interesse à percepção, dificulta a
manutenção da atenção. De acordo com Gombrich, “cuando ocurre lo que era
de esperar en nuestro campo visual, dejamos de prestar atención y la
88
disposición se hunde por debajo del umbral de nustra consciencia"
(GOMBRICH, 1980, p. 32). A atenção é direcionada e sustentada conforme o
grau de motivação. O interesse motivador segundo Arnheim (2004), pode ser
reduzido a dois tipos distintos: “há aqueles que são atraídos principalmente
pelo que distingue uma coisa de outra” enquanto “outros enfatizam a unidade
na diversidade”. No processo de percepção, “o intelecto tem uma necessidade
básica de definir as coisas distinguindo-as, ao passo que a experiência
sensória direta nos impressiona, antes de tudo, pela forma como tudo se
mantém unido” (ARNHEIM, 2004, p. 67).
Além da constante tendência ao equilíbrio baseado nas leis gerais de
atração e repulsão, outro princípio universal que se revela claramente quando
confrontam-se as inter-relações entre estética e psicologia da percepção, é a
unidade na diversidade. A infinita variedade das configurações elementares da
natureza, que por sua vez aparecem nas mais diversas estruturas hierárquicas
que o homem atinge quando imprime sua ação, ilustram, segundo Gombrich,
“el principio de unidad en la diversidad que siempre ha sido relacionado con las
configuraciones estéticas” (GOMBRICH, 1980, p. 32), o qual a ciência segue
comprovando a cada descoberta.
Tal princípio, então defendido somente pela filosofia ou pelo misticismo,
obteve sua principal evidência científica na extraordinária proeza intelectual de
Albert Einstein em dois artigos publicados, ambos em 1905. O primeiro sobre a
teoria especial da relatividade e o segundo sobre radiação eletromagnética, a
qual, mais tarde se consagraria como marco inicial da moderna física quântica.
Segundo Capra, a nova concepção de realidade formulada pela matemática da
teoria quântica, culminou em “profundas mudanças no conceito de espaço,
tempo, matéria, objeto e causa e efeito” (CAPRA, 2006, p. 72). Em oposição à
concepção mecanicista cartesiana, salienta:
“O universo deixa de ser visto como uma máquina, composta de uma
infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico,
indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só
podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico
(Ibidem).
89
Na tradição da teoria filosófica, a beleza “das coisas que se compõem de
partes” em geral podem ser reduzidas a esses dois “princípios clássicos que a
filosofia antiga legou-nos” (NUNES, 2009, p. 18). Ciclicamente, se alternando a
fim de incessantemente complementarem-se, estes dois princípios aludem às
acepções do Belo, mais precisamente no tocante à interação conteúdo e forma
que, dialeticamente trabalhados na doutrina de Platão, foi responsável por
condensar a experiência do Belo na primeira interpretação filosófica mais
completa, o que caracteriza os primórdios da estética.
Para Platão, o verdadeiro conteúdo (Ser) das coisas está nas essências
universais, somente ele existe verdadeiramente, “sendo a imutabilidade o sinal
distintivo da realidade completa”. Porém, como tudo no mundo é
impermanente, a essência imutável deve existir não nas coisas materiais e
passageiras, mas sim no “mundo inteligível”. Neste sentido, o cerne do
pensamento platônico é que “o Belo, como valor atribuído às coisas, deriva da
beleza universal”, a qual tem como sua forma essencial a Idéia (NUNES, 2009,
p. 22-3). De acordo com Fischer, tal como vista por Platão, a unidade está no
conteúdo, na idéia, e a variedade, enquanto forma, é “algo primário, original
que há de reabsorver a matéria: um princípio ordenador espiritual que reina
absoluto sobre a matéria” (FISCHER, 2002, p. 133).
A matéria, como conceito derivado da forma, recebe na poésis
aristotélica, um aspecto ainda mais amplo, cuja acepção de densidade
metafísica e cosmológica, concebe a natureza como princípio produtivo, antes
de tudo, causa formal (NUNES, 2009, p. 20-7). A matéria (hyle), a qual nada
pode gerar por si mesma, necessita da forma (morphe) que, para Aristóteles,
não é essência universal, mas princípio ativo preexistente, ainda
indeterminado, em estado de mera potência. “A origem do universo, cosmos,
que é conjunto ordenado de seres, cada qual com sua essência ou, o que é o
mesmo, com a sua forma definida, deve-se a um ato poético”. (Idem, op. cit, p.
20). Para Aristóteles, a natureza é uma espécie de “arte da inteligência divina e
a arte, o prolongamento da Natureza na atividade humana”, por meio da
manipulação da matéria, concebe à sua maneira, objetos que “assemelham-se
a seres vivos, orgânicos, dotados de alma” (Idem, op. cit, p. 28).
A idéia concebe o conteúdo que é refletido e se reflete na forma por
meio da sua atuação sobre a matéria, esta por sua vez, é a responsável por
90
sensibilizar os sentidos, um médium de via dupla entre o físico e o psíquico: a
matéria como elemento primitivo, e a idéia (espírito/essência) como princípio
inteligente. Foi aprofundando e esclarecendo tal raciocínio que Hegel, a partir
da ampliação filosófica acerca do conceito do Belo, admite a estética como, de
fato, uma ciência da arte integrada num processo metafísico, conferindo-lhe o
postulado de ciência autônoma. Na concepção de Nunes, “síntese de vinte e
cinco séculos de tradição filosófica, uma das fontes do pensamento
contemporâneo”. (NUNES, 2009, p. 63).
A partir da analogia entre estética e conhecimento, não somente Hegel,
mas também Schelling (1775-1854) e Fichte (1762-1814), tomando por base a
oposição kantiana entre Natureza e Espírito, empreenderam uma verdadeira
“odisséia do Ser” (BAYER, 1995, p. 302), vendo nestes dois elementos - cada
um a seu modo - a personificação do Absoluto: objeto no qual a filosofia tem
por fim reconstituir. Na concepção de Schelling, por exemplo:
A ordem interna da liberdade, o Espírito, e a externa dos fenômenos,
mais propriamente chamada Natureza, ou, em outros termos, o sujeito e
o objeto do conhecimento, o consciente e o inconsciente, são aspectos
parciais, complementares, da realidade em si, absoluta, que nem a
consciência que temos de nós mesmos, permite apreender (NUNES,
2009, p. 62).
Neste sentido, quando o homem concebe uma obra, seja ela de
qualquer gênero, realizando-a em harmonia com suas idéias e sentimentos,
isto é, quanto vivencia uma experiência estética, essa experiência culmina no
próprio inconsciente e no objeto, pois nascida através do esforço consciente,
atinge uma objetividade, uma exteriorização material, resultado da ação do
Espírito sobre a Natureza ao mesmo tempo em que dela se serve. Por esse
motivo a experiência estética pode ser considerada instrumento filosófico, pois
eleva-se à esfera da ação metafísica, atingido patamares onde a especulação
racional das ciências, tão somente, é incapaz de alcançar.
Hegel, evidenciando a inter-relação entre o que há de psicológico
(espírito) com o que é de domínio fisiológico (matéria), em conformidade com a
Idéia platônica e a Poésis aristotélica, entende que “a arte define-se pela Idéia,
91
o modelo encarnado na coisa particular” (BAYER, 1995, p. 305), e a
determinação do Belo “como a aparência ou o reflexo sensível da Idéia”
(HEGEL, Estética, vol I, 1ª parte, cap. I: Da idéia do belo em geral. Apud
BAYER, 1995, p. 305). Caminhando pari passu ao fenômeno da percepção,
Hegel induziu através da filosofia, o que as ciências só comprovariam séculos
mais tarde.
Segundo Bayer, o ideal hegeliano é a encarnação do Verdadeiro nas
manifestações exteriores, que só existe a partir do momento que é expressado.
“O belo na natureza não faz mais do que reflectir o que está no espírito”, a arte
é “a manifestação ou a aparência sensível da Idéia; peça capital num sistema
cultural” (Idem, op. cit, p. 305). Pode-se resumir em três teses básicas a
concepção do Belo em Hegel: “1ª: A obra de arte não é produto da natureza,
mas do esforço humano; é criação humana. 2ª: É criada para os sentidos do
homem. 3ª: Toda obra de arte tem um fim em si” (Idem, op. cit, p. 307).
Através dos movimentos de atração e repulsão submetidos ao princípio
da unidade na diversidade, Hegel, ao complementar a teoria estética proposta
por Kant, compreende o princípio do equilíbrio, como a extensão do dualismo
kantiano entre sensibilidade (emoção) e entendimento (razão), ambos, como
agentes inerentes do processo formador, tanto no que é relativo ao conteúdo
quanto à forma. Nas palavras de Hegel:
[...] a lei do espírito no seu desenvolvimento livre é o regresso a si
mesmo, movimento em virtude do qual requer e conserva a consciência
reflectida da natureza. [...] O princípio divino, em geral, deve ser
concebido como a unidade do elemento natural e do elemento
espiritual: estes dois elementos constituem o absoluto, e só as
diferentes maneiras de como esta harmonia é representada explicam a
marcha progressiva das formas. (HEGEL, Cours d’esthétique, p. 238-
257. Apud. BAYER, 1995, p. 306).
Partindo desta dicotomia, Hegel enxerga a arte, como nada mais que
“uma encarnação particular da Idéia38” (BAYER, 1995, p. 302). A idéia como
38 Na concepção estética de Hegel, tal visão da arte faz referência à principal analogia entre arte e design. Conforme Löbach salientava já na década de 70, design, como conceito geral mais amplo na acepção do
92
produto da interpretação, formulada a partir da experiência perceptiva
(experiência estética), passa a ser, genuinamente, a própria coisa para aquele
que a experiencía: “a Idéia não é só um fim ideal, ela é; só há ela; tudo que
está fora dela não é mais do que manifestação imperfeita, incompleta, dessa
idéia. Ela obedece às leis da lógica” (Idem, ibidem). Neste sentido, a
experiência estética produzida pela arte, ou qualquer atividade formativa,
possui o poder de arrebatar o espírito, pois é capaz de por “no mundo supra-
sensível, idéias perante a sensação imediata: é o primeiro intermediário
reconciliador, a encarnação do infinito do mundo espiritual no finito mundo das
formas” (Idem, op. cit, p. 306).
A rigor, conforme observa Nunes, “o domínio dos fenômenos estéticos
não está circunscrito pela Arte, embora encontre nesta a sua manifestação
mais adequada” (NUNES, 2009, p. 15). A arte, como a atividade humana capaz
de proporcionar uma experiência estética mais profunda, embora não tenha
sofrido grandes rupturas em seus fundamentos do ponto de vista filosófico,
mesmo quando este encontra-se em constante transformação devido os
avanços da ciência, psicologia e até mesmo da própria filosofia, evidenciam um
fato inegável, e a história comprova: que o homem evolui, e nesta evolução sua
percepção se apura, ampliando ou simplesmente particularizando seu juízo
estético. Sobre evolução Mukarovsky acrescenta: “como também são
evolutivamente variáveis os limites que separam toda a esfera da arte dos
fenómenos estéticos extra-artísticos”, faz-se necessário ter em conta a relação
entre a arte e os outros fenômenos estéticos, “em particular de todos os
aspectos e produtos da actividade humana”, dentre eles o design
(MUKAROVSKY, 1993, p. 20).
Acerca da atuação da arte sobre as outras atividades humanas, Gillo
Dorfles, já na passagem das décadas de 1960 e 1970, protestava sobre a
dilatação do panorama artístico em sua obra Le Oscillazioni del Gusto; L’arte
d’oggi tra tecnocrazia e consumismo, a qual faz-se pertinente sua transcrição
Ipsis litteris devido a relevância de suas considerações junto à abordagem
deste nosso estudo:
termo Gestaltung originalmente utilizado no alemão, também pode ser entendido, assim como a arte, simplesmente como a “materialização de uma idéia” (Vide: LÖBACH, B. 2001, p. 16).
93
“Foi por muitos observado que um primeiro dissídio entre o gosto do
artista (e do conhecedor) e o gosto popular se começa a notar sobretudo a
partir da segunda metade do século XVII delicado período que viu o primeiro
afirmar-se maciço da burguesia e das grandes massas populares. [...] Se
podemos, pois, limitar a um século, ou pouco mais, o fenómeno da
incompreensão artística (no sentido de incompreensão de artistas
contemporâneos pelo grande público), deveremos, por outro lado, tomar em
consideração a enorme dilatação que o próprio conceito de ‘arte’ adquiriu nos
últimos tempos. E não só, mas deveremos ainda ter em conta o nascimento de
novas formas expressivas, que hoje desempenham um papel preponderante na
nossa vida de relação global; queremos referir-nos, por exemplo, ao cinema, à
televisão, à gráfica publicitária, ao desenho industrial, etc., [...] Devemos, tomar
em consideração que a mente humana se alimenta de um universo imenso de
sinalizações e de estímulos, e que tais estímulos, tanto os ‘desinteressados’,
atribuídos à arte, como os utilitários, [...] possuem uma eficácia sobre a
germinação daquelas constantes formativas que sempre dominaram a
actividade humana, e as quais servem de ponto de partida às diversas
manifestações estéticas. Mesmo não querendo em definitivo considerar
‘artísticas’ todas as novas manifestações visuais, visíveis e sonoras de que
estamos quotidianamente cercados não podemos deixar de as ter em linha de
conta como elementos estimulantes da nossa inata capacidade perceptiva e
criativa. Isto é, qualquer coisa de especialíssimo, de exclusivamente humano, e
como tal digno de ser estudado e analisado a fundo não apenas por mera
curiosidade doutrinária, por frívola e elegante lucubração de salão, mas porque
o seu estudo ainda hoje diz respeito a alguns ‘mistérios’ da evolução humana:
à origem dos grandes mitos, dos primitivos, e dos mais complexos rituais; ao
surgir, ao declinar, ao desaparecer, das religiões; ao acender-se de lutas
políticas e culturais, talvez até as manifestações das descobertas científicas”
(DORFLES, 1974, p. 21-3).
No que se refere à atividade do design, por apresentar uma
preocupação com a valorização estética maior do que outra área da atividade
humana põe-se em dúvida seus limites em relação à arte. Devido a
preocupação comercial em relação ao design ser mais freqüente que a da arte,
no tocante à contemplação, a arte como manifestação estética parece mais
livre que o design, pois o juízo estético é, e se objetiva, como privilégio do
94
sujeito formador. Ele o concebe, primeiramente, para seu próprio deleite. No
design voltado a atividade comercial, o sujeito além de atuar como agente
formativo, objetiva também o juízo estético do público alvo para quem cria, ou
seja: um segundo fruidor à parte. Circunstância que o constrange se
comparado à arte, pois pode dificultar a harmonia objetivação, visto que a
unidade de um conteúdo/forma, deve se submeter à apreciação de duas ou
mais diversidades de fruição. Em âmbito comercial, será muito difícil o design
atingir a liberdade própria da arte desinteressada, pois se resume à
“formatividade” de uma unidade (agente formativo - designer) para outra/s
unidade/s (fruidor - público alvo), sendo as últimas, geralmente possuidoras de
uma vivência estética inferior à primeira, na posição daquela que detém o
conhecimento teórico-prático do que realiza. Neste caso há uma inter-relação a
ser respeitada para que a harmonia da criação seja bem sucedida, e esta inter-
relação, na maioria das vezes por se tratar de um artefato voltado a fins
mercadológicos e de consumo, está mais inserida no campo da comunicação
do que da contemplação estética: fato que limita o design se comparado à arte.
Devido a um caráter ordinário, parece acertado afirmar que no âmbito da
estética, desde Platão e Aristóteles passando por Hegel até às recentes teorias
contemporâneas, todas as concepções sobre realidade convergem-se a um
único ponto, ao ilustrar filosoficamente dois princípios universais: o equilíbrio e
a unidade na diversidade. No tocante ao processo perceptivo, ambos atestam o
incessante movimento, ativo, que a percepção realiza – podendo-se dizer que -
tendo o Belo como objetivo de progresso e meta final a perfeição, este é o que
a motiva, pois proporciona sensações prazerosas. Para Platão, quando a alma
humana atinge o pináculo da contemplação, “revela-se-lhe ‘o oceano da beleza
universal’, que confina com a realidade em si, e onde, finalmente, ela pode
aplacar a sua infinita inquietação” (NUNES, 2009, p. 23). Já no sentido
cosmológico de Aristóteles, os filósofos cristãos Santo Agostinho e S. Tomás
de Aquino, legaram suas contribuições39 ampliando a noção de poiésis,
levando avante a idéia de uma ordem metafísica reinando sobre o mundo. 39 Como atividade formadora que tem por fim a realização de uma obra, e o produto desta atividade sendo capaz de se relacionar diretamente com o Belo, grande é a distância entre a Idéia de Platão e a Póiesis aristotélica. Cabe salientar que os filósofos cristãos, principalmente Santo Agostinho (354-430) e Santo Tomás de Aquino (1225-1274), consideraram separadamente estes dois conceitos, os quais aparecem unidos na filosofia de Plotino, e somente depois, séculos mais tarde, no conceito de Belas-Artes com o Renascimento.
95
Segundo a interpretação de Fischer a respeito dos metafísicos, a estética
aparece em plena concordância com o fenômeno da percepção:
A ordem, isto é, a diversidade ordenada de maneira unificada,
pressupõe a finalidade; a idéia de ordem implica um princípio final. [...]
Daí que o imperfeito precise ser ativo, para atingir a perfeição. A ação
de cada todo material é a forma; a forma é o princípio da ação”
(FISCHER, 2002, p. 134).
Após o referido panorama filosófico, fazendo jus à expressão, “sentido
de ordem” proposta por Gombrich, fica claro que o prazer que o homem sente
ao re-produzir e/ou contemplar a harmonia do universo por meio das infinitas
variações que a natureza lhe é capaz de propiciar projeta-se na percepção
através da fruição estética do Belo.
Quando o prazer estético ocorre, a imaginação está livre para conciliar
sensibilidade e entendimento, numa relação onde essas duas faculdades se
complementem em perfeita harmonia, utilizando livremente as intuições ou
representações frente à ordem da razão, sem com isso, infringir sua estrutura,
nem subordina-las a quaisquer um de seus conceitos.
Conforme é encontrada na compilação filosófica de Plotino40, a beleza
perceptível está muito além da mutua simetria entre as partes e o todo. O
prazer estético é mais que a simples constatação de coerência e
correspondência, já que, se fosse dessa forma, o simples jamais poderia ser
belo, pois sendo simples, não poderia possuir beleza fundada na simetria. Para
o filósofo, a Beleza em si, se identifica com o Bem em si e com o Uno. O Belo
legitima-se na virtude, uma espécie de sentido muito mais real e sutil que todos
40 Plotino, filósofo grego (Licópolis, Egito, c. 205 – Campônio, Itália, c. 270). Principal representante do neoplatonismo, durante 11 anos foi discípulo de Amônio Sacas, em Alexandria. Estabeleceu-se definitivamente em Roma (245) onde fundou sua escola e ensinou até o fim da vida, deixando 54 tratados editados por Porfírio, seu principal discípulo e biógrafo. Sua filosofia, mais que uma síntese renovadora do platonismo, é uma recapitulação original de grande parte da filosofia grega, com a qual procurou conciliar ingredientes místicos. (Vide: LAROUSSE, 1998, vol. 19, p. 4654). Por conceder uma importância metafísica e espiritual à arte, exerceu profunda influência nos primeiros pensadores cristãos, mas após a unificação do cristianismo e a firmação dos dogmas católicos, suas idéias foram postas de lado, pois os doutores da igreja deveriam estar propensos a considerar a arte como objeto mundano, estranho à índole das questões religiosas que os preocupavam, quando não, indigna de conhecimento, porque contrária ao ascetismo evangélico e suas vinculações perante a matéria e a sensibilidade, viam a arte como infensa ao mundo e suas pompas, à carne e suas solicitações sensíveis (Vide: NUNES, 2009, p. 9; 30-3).
96
os outros. A beleza dos corpos é apenas algo que se faz perceptível a fim de
mover o espírito a expressar-se, como se intelectualmente se compenetrasse
com ela, numa espécie de reconhecimento, uma recepção, de certa maneira,
uma integração do espírito a ela (PLOTINO, 1950, p.79-82).
Figura 6 - Busto de Plotino; escultura de autor desconhecido. Fonte:
http://www.filosofia.com.br/figuras/biblioteca/Plotino.jpg
Ante o feio, o espírito se intranqüiliza, sente repugnância e se distancia
por não se harmonizar nem se assimilar a ele. Consequentemente o espírito,
por gozar da natureza de que goza, e por estar em continuidade com a
essência que na escala dos seres lhe é superior, regozija-se ao contemplar
seres de seu mesmo gênero ou vestígios deste. Frente a eles, em êxtase de
entusiasmo, se espanta, os atrai até si, acordando-se de si mesmo e do que
lhe é próprio (Idem, op. cit, p. 82).
Na visão de Plotino, a semelhança entre a beleza das coisas do mundo
material com as do mundo imaterial, está, e depende, da participação de uma
97
Idéia41 que lhe é comum. Pois tudo que naturalmente está destinado a receber
uma idéia (conteúdo), e consequentemente uma forma, permanece privado
dela e não participa de sua idéia modelar, é, portanto, feio, e está fora do plano
divino, no qual consiste a feiúra absoluta. Porque o conteúdo (idéia) que nele
se introduz, é o que constitui ao ser múltiplo a sua unidade, tornando-o
coerente, e levando-o a um acabamento harmônico, pela totalização de suas
partes em equilíbrio.
Sendo a idéia única e particular, único será também aquilo que é
informado por ela, conforme a ordem de unidade que é capaz de receber a
diversidade. E a beleza não se entrega ao ser até que este se unifique, mas ao
entregar-se, penetra tanto no conjunto como nas partes, a não ser quando
encontra um ser único e homogêneo (simples), neste caso, penetra em todo o
conjunto com a mesma harmonia. (Idem, op. cit, p. 83).
Neste contexto, ao indagar de que forma a beleza corpórea responde à
beleza que é anterior ao corpo, Plotino discorre sobre o que poderíamos
denominar de Percepção Estética:
[...] es la idea íntima que se ha dividido en la masa exterior de la matéria
y que a pesar de su ser indivisible se muestra en partes múltiples. De la
misma manera, cuando la sensación capta la idea que en los cuerpos
une y domina la naturaleza adversa e informe, y una forma que
sobresale entre las demás luminosa y victoriosamente, percibe com un
solo golpe de vista la multiplicidad dispersa y la orienta y reduce a la
simple unidad mental, poniéndola así en armonía coherente y simpática
resonancia com lo mental42 (PLOTINO, 1950, p. 84).
41 Ainda que empregada por Plotino, filósofo representante do neoplatonismo, neste sentido, Idéia, pode ser entendida em dois significados. 1º na mesma acepção platônica, empregada também pelos escolásticos, Kant e outros, refere-se a “espécie única intuível numa multiplicidade de objetos. Já num 2º significado, também pode ser estendendida como “um objeto qualquer do pensamento humano, ou seja, como representação em geral”, neste sentido foi empregado por Descartes, pelos empiristas e boa parte dos filósofos modernos. (Vide: ABBAGNANO, 2000, p. 524-8). 42 Nas palavras do professor de filosofia pela Faculdade de Filosofia de San Miguel, e reconhecido tradudor dos pensamentos plotinianos ISMAEL QUILES, S. I., “Es verdaderamente sorprendente la síntesis a que há llegado Plotino, conjugando elementos de la tradición filosófica griega: dentro del ambiente platônico de la teoría de las ideas y de la participación, hace convivir también la riqueza aristotélica de la forma, y la atrevida teoria pitagórica de la armonia, constituída por los números, como esencia inteligible del mundo material. (Vide: PLOTINO, 1950, p. 85).
98
Olhada deste prisma, a Beleza Natural, “que é uma livre finalidade das
coisas”, irredutível aos preceitos da razão, caracteriza precisamente a
“liberdade do Espírito”, que se reflete na própria natureza, ao desempenhar sua
mais alta função: “traduz a possibilidade ideal de que a ordem dos fins morais
se concilie com a ordem natural dos fenômenos” (NUNES, 2009, p. 51).
O Belo, como sendo “a qualidade de certos elementos em estado de
pureza, [...] toda espécie de relação harmoniosa” (Idem, op. cit, p. 18), faz-se o
meio pelo qual o homem sente a beleza resultante dos elementos puros, a
perfeita adequação destes para com os sentidos. Para os filósofos gregos que
se ocuparam do Belo, o verdadeiro deleite estético “é inseparável da medida e
da contenção, virtudes impostas pelas faculdades superiores da alma. A fruição
da Beleza, que participa tanto da inteligência quanto da sensibilidade, afeta
moderadamente a alma, ao contrário do gozo físico, ilimitado e instável, que
leva à insatisfação permanente e ao desequilíbrio das paixões” (Idem ibidem).
Neste sentido, o Belo estético é “uma antecipação das qualidades morais que o
homem deverá possuir e expressar em seus atos”, e a Beleza, na acepção
moral, é “justamente o patrimônio das almas equilibradas”, pois conseguem
manter-se em harmonia perfeita consigo mesmas, o que constituiu para
Aristóteles, “a medida do Bem” (Idem, ibidem).
2.4 Conteúdo e forma: o ciclo percepção-expressão
Ao longo da história da arte e da estética, o significado dos termos
conteúdo e forma é muito diverso. Por muito tempo, de acordo com uma visão
“materialista” e objetiva da arte, também conhecida como teoria do “ornato”,
conteúdo era visto no “simples assunto ou argumento tratado”, enquanto “forma
era vista na perfeição exterior da obra”, isto é, “naqueles valores formais nos
quais reside a qualidade artística da obra e que a distinguem das outras obras
não artísticas que, porventura, tenham os mesmos conteúdos” (PAREYSON,
1997, p. 55).
A teoria do ornato (conforme abordado no cap. 1, item 1.5) é a mesma
que Riegl se via obstinado e impelia em combater. Segundo tal teoria, a arte se
reduzia a uma “veste exterior”, a qual “concebe a união de forma e conteúdo
99
como uma junção: a forma se acrescenta ao conteúdo, vindo-lhe de fora e,
permanecendo-lhe exterior”, podendo o assunto, ser tratado de maneira não
artística, sendo a forma artística um “ornamento que o embeleza” (Idem, op. cit,
p. 56).
Desde Platão, a arte possui uma “dimensão significativa e espiritual”, a
Idéia, que alcança também finalidades e funções não artísticas “sempre
inscritas na vida espiritual do homem”, isto porque “ela contém a vida de onde
emerge”. Para Aristóteles, que foi quem primeiro evidenciou a interação
conteúdo-forma, aquilo por que a arte se distingue das outras atividades, a
Poiésis, é justamente a “elaboração destes conteúdos; não tanto o ‘quê’ mas
antes o ‘como’, isto é, precisamente, a forma”, o estado final e conclusivo da
arte, “a elegância da representação ou da expressão, a perfeição da imagem, o
êxito do processo artístico, a auto-suficiência da obra” (Idem, op. cit, p. 55).
Somente quando a arte foi compreendida sob uma ótica mais subjetiva e
consequentemente espiritualista, viu-se que o assunto poderia ser “pouco mais
que um pretexto”, passando então a ver o conteúdo no tema, no papel de um
“sentimento inspirador: a reação sentimental que acompanha um determinado
argumento, ou o sentimento profundo que diverge do argumento tratado na
superfície”, em suma, uma particular impressão daquele mundo que constitui a
vida emotiva do homem. Neste contexto mais “amplo”, reconheceu-se a
“inteireza da expressão”, pela qual a obra diz tudo o quanto tem a dizer, sem
deixar nada inacabado ou inexpresso, sem a necessidade de remeter-se a
outrem para ser compreendida ou penetrada de modo que, “tendo tudo aquilo
quanto deve ter – nada de mais e nada de menos – pode, enfim, viver por
conta própria”. Sob este ponto de vista, “forma e conteúdo são vistos em sua
inseparabilidade: o conteúdo nasce como tal no próprio ato em que nasce a
forma, e a forma não é mais que a expressão acabada do conteúdo” (Idem op.
cit, p. 56-7).
Se bem analisada, conforme atenta Pareyson, nessa concepção mais
“ampla”, “a inseparabilidade da forma e conteúdo é afirmada do ponto de vista
do conteúdo: fazer arte significa ‘formar’ conteúdos espirituais, dar uma
‘configuração’ à espiritualidade”, traduzir sentimento em imagem, expressar
sentimentos, o que encerra o perigo de “desvalorizar o aspecto físico e sensível
100
da arte: a forma pode ser uma imagem puramente interior” existindo somente
por uma “íntima vontade expressiva” (Idem, ibidem).
Quando a forma foi entendida como o “resultado da formação de uma
matéria”, a configuração ordenada de um elemento qualquer; um padrão de
átomos, palavras, cores, pedras, etc., isto é, “matéria formada”, procurou-se o
conteúdo a um “nível mais profundo”, e num campo mais vasto, encontrou-se
um “mundo ideal”, uma unidade particular de pensar, viver e sentir, uma
personalidade concreta em “toda a sua espiritualidade”. Deste modo, a
operação artística implicaria em dois processos: “um processo de formação de
conteúdo e um processo de formação de matéria, uma relação conteúdo-forma
e uma relação matéria-forma” (Idem, op. cit, p. 57-61).
A partir deste momento, salienta Pareyson, ilumina-se a possibilidade de
analisar a inseparabilidade de forma e conteúdo do ponto de vista da forma,
considerando estes dois processos como simultâneos, coessenciais e
coincidentes, em suas palavras:
Há arte quando o exprimir apresenta-se como um fazer e o fazer é, ao
mesmo tempo, um exprimir, quando a formação de um conteúdo tem
lugar como formação de uma matéria e a formação de uma matéria tem
o sentido da formação de um conteúdo. [...] formalismo e conteudismo
são defeitos simétricos e complementares, [...] para abandonar um é
necessário eliminar ambos, porque eles estão juntos e caem juntos.
(PAREYSON, 1997, p. 62-9).
Com o passar do tempo, as posições contrárias foram se refinando, e o
problema representado por esta secular oposição e os dilemas que dela
derivam, é um dos mais sentidos pelo nosso tempo. Mas essa divergência de
pontos de vista43, ora formalista, ora conteudista, repousa basicamente na
tendência que o pensamento ocidental, tradicionalmente cartesiano, demonstra
ao tentar compreender as coisas sempre de maneira isolada.
Pareyson, ao solucionar a questão, trata a inter-relação conteúdo e
forma como opostos de mesma natureza, pólos extremos de um único todo
43 Para um sucinto panorama sobre este movimento pendular, ora conteudísmo, ora formalismo, com seus respectivos defensores e teorias ao longo da história, veja PAREYSON, 1997, p. 58-60.
101
inseridos no axioma de causa e efeito, focalizando o problema a partir da
forma, portanto, do efeito, já que o conteúdo é algo abstrato e imaterial, logo,
de difícil mensuração.
Conforme exposto (cap. 2, item 2.2), sendo a experiência perceptiva
uma questão eminentemente dinâmica, isto é, uma inter-relação de forças
sujeita às leis da física, pode-se perfeitamente, através da terceira lei de
Newton44 (ação e reação), fundamentar os processos de percepção e
expressão no axioma de causa e efeito, o que possibilita uma análise estrutural
de conceitos equivalentes em contextos divergentes: conteúdo e forma para
estética, equivaleriam à percepção e expressão na natureza45.
Partindo da interação estética entre conteúdo e forma, delineia-se uma
relação de equivalência frente aos fenômenos relativos à percepção e
expressão. Inicia-se traçando o desenvolvimento da interação percepção-
expressão, primeiramente inserida na natureza humana, na ação mútua de
seus aspectos físicos e psíquicos “por detrás” de uma mente pensante, a fim
de generalizar tal interação à realidade em si conhecida. Em outras palavras:
partindo da análise da percepção nos seres orgânicos mais complexos dotados
de consciência, objetiva-se estender a questão tanto aos seres orgânicos mais
simples, como até mesmo aos inorgânicos.
Seguindo a fórmula de Pareyson, ao observar a questão a partir de algo
palpável, isto é, da forma (efeito), admite-se esta, como sinônimo de
expressão, já que no confronto entre estética e teoria da percepção, a forma
equivale ao resultado expresso pelo conteúdo.
De acordo com Nunes, o conceito de expressão é, “sem dúvida, um dos
mais importantes de que se vale a estética moderna”. Na acepção mais geral
do termo, “é o ato que consiste relacionar certos dados atuais ou presentes a
objetos ocultos ou distantes”, significando desde uma simples “representação
44 Publicada em 1687, em seu trabalho de três volumes intitulado Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, a terceira lei, conhecida como Princípio da Ação e Reação, diz que a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas. As três leis - 1ª Princípio da Inércia; 2ª Princípio Fundamental da Dinâmica e 3ª Princípio da Ação e Reação – foram responsáveis por explicavar vários comportamentos relativos ao movimento de objetos físicos, com elas, Newton postulou um dos pilares da mecânica clássica. 45 Por natureza, entende-se aqui a natureza em todos os seus aspectos, tudo o que existe de fato. A realidade em si, tanto nos fenômenos de ordem física quanto os de domínio psicológico e social.
102
figurada ou convencional”, um “meio de comunicação do pensamento” ou modo
de “evocar estados afetivos, emoções ou sentimentos” (NUNES, 2009, p. 71).
Na acepção psicológica, levantada por Nunes, a partir do Vocabulário
técnico e crítico da filosofia de Lalande: “expressão é o conjunto de efeitos
exteriores da consciência, efeitos esses que são sintomas de processos
interiores ou sinais de estados psíquicos, sentimentais e emotivos” (Idem, op.
cit, p. 72). Segundo a psicologia da forma ou teoria da forma (Gestalttheorie),
elaborada por Koffka e Köhler, por volta de 1910, “as reações físicas, orgânicas
e psíquicas, são partes de uma totalidade. A emoção constitui um
comportamento, cuja forma característica, integrando determinadas reações
orgânicas, é imediatamente perceptível”. O que é apreendido pela percepção
por meio da forma com que uma emoção é expressa, “é o seu significado
intrínseco”, isto é, “uma decorrência do caráter global ou estrutural da
percepção que nos permite captar, com a forma que lhes pertence, o valor e o
sentido dos objetos” (Idem, op. cit, p. 72).
Na fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty que, para Nunes, é uma
interpretação aprofundada da teoria da gestalt, “a emergência de significados,
não seria possível se não houvesse, precedendo o pensamento conceptual e
lógico, a atividade intencional da consciência” (NUNES, 2009, p. 73). Tal
constatação reforça ainda mais o que anteriormente foi dito sobre percepção
como processo ativo direcionado pela atenção (cap. 2 item, 2.2). Para Merleau-
Ponty, a
[...] intencionalidade não quer dizer ação voluntária. É, do ponto de vista
fenomenológico, a direção da consciência para os objetos, direção em
que se fundam as vivências originárias da percepção. A consciência
intencional é significante: apropria-se dos elementos sensíveis, da
matéria, dos aspectos do ser físico, subordinando-os àquela função de
simbolização que Ernst Cassirer considera a essencial do espírito
humano (NUNES, 2009, p. 73).
Retomando a relação de equivalência ente conteúdo-forma e percepção-
expressão, aceitando percepção como conjunto de atividades psicofisiológicas
cuja função é apreender informações suscetíveis de serem captadas através
103
dos órgãos sensoriais, como é possível admitir a existência, ou até mesmo
“perceber” um conteúdo (idéia). Entendendo este, como um devir46 imaterial,
logo, imperceptível aos órgãos dos sentidos? Pela própria forma como se
expressa. Questionar a existência do conteúdo seria negar que todo efeito tem
uma causa47.
Neste sentido, da mesma maneira que Pareyson compreende conteúdo
e forma em sua disposição dialética como conceitos simultâneos, coessenciais
e coincidentes, percepção e expressão atuariam do mesmo modo: cíclicos e
contínuos. Incessantemente complementando-se, imprimem forma à matéria
(expressão) a partir de um conteúdo que constantemente é impressionado
(percepção). Aplicando tal raciocino segundo a teoria estética, poder-se-ia dizer
que: se essa inter-relação possui harmonia, ela é causa que por sua vez, tem
como efeito o Belo estético. Sendo o conteúdo o intermédio deste ciclo, se este
é Bom, automaticamente a relação é harmoniosa, produzindo somente belas
formas.
Fundamentado no axioma de que não há efeito sem causa, parece
acertado concluir que conteúdo é causa, e a inter-relação, geradora da forma, é
efeito. Ou ainda, calcados na constatação de que a experiência perceptiva é
dinâmica (Arnheim: vide cap. 2, item 2.2), logo, pressupõe atividade de forças,
se relacionarmos tal proposição à terceira lei de Newton, já referida como lei de
ação e reação. Pode-se deduzir que: constantemente alimentado pela
percepção, o conteúdo na condição de causa imprime sua ação sobre a
matéria, que por sua vez produz um efeito exprimindo uma reação que se
configura na forma, a qual novamente se faz perceptível ao conteúdo, fechando
assim, o ciclo percepção-expressão, baseado nos conceitos conteúdo e forma.
Aplicados à estrutura de axioma é possível atingir uma abstração maior
de tais conceitos, capaz de proporcionar uma visão ainda ampla e
generalizada, o que possibilita uma transposição dos limites traçados pela
teoria da gesltalt e até mesmo pela reconhecida fenomenologia de Husserl e
Merleau-Ponty. Uma ampliação teórica para além da atividade intencional da 46 Para muitos autores, como é o caso de Gillo Dorfles, a inter-relação conteúdo-forma é entendida como um devir: um “processo metamorfósico contínuo” (Vide: DORFLES, 1988, p. 13). 47 A título de exemplo: o vento por si só é imperceptível ao sentido da visão, daí deduzir que ele não exista ou que seja imperceptível seria inferir em erro. Uma rama de capim quando balançada pelo vento, faz-se perfeitamente perceptível à visão, portanto, neste caso, vento é causa e o balançar do capim é efeito. Daí poder-se admitir a existência e a perceptividade deste conteúdo invisível: o vento.
104
consciência humana, possibilitando estender os processos de percepção e
expressão para os demais aspectos da realidade, incluindo os seres orgânicos
mais simples e os inorgânicos.
Em concordância com o posicionamento acima proposto, Rudolf
Arnheim admite que “rochas, cachoeiras” e “nuvens tempestuosas” também
“carregam expressões”, mesmo que somente “em sentido figurado, por mera
analogia com o comportamento humano” (ARNHEIM, 2008, p. 438). Nestes
termos define expressão num sentido mais abrangente: como “maneiras de
comportamentos orgânico ou inorgânico revelados na aparência dinâmica de
objetos ou acontecimentos perceptivos” (Idem, ibidem).
No sentido mais restrito, “diz-se que a expressão só existe onde há um
espírito a ser expresso” (Idem, ibidem), mas admitindo a presença universal e
direta da dinâmica, tornam-se claras suas qualidades estruturais, o que
possibilita a afirmação: tudo que é dinâmico - poder-se-ia dizer também: tudo
que existe na realidade; tudo que tem forma - é expressivo e
consequentemente, mas num segundo momento, passível de ser percebido.
Para Arnheim, “estamos começando a ver que a expressão perceptiva não se
relaciona necessariamente com uma mente ‘por trás dela’” (Idem, op. cit, p.
443), aliás, todas as variedades de teorização tradicional pregavam o contrário:
“a negação de qualquer parentesco intrínseco entre a aparência percebida e a
expressão que ela transmite” (Idem, op. cit, p. 441).
Na concepção de Arnheim baseada na dinâmica, “a expressão reside
nas qualidades perceptivas do padrão de estímulo”:
Quando seres humanos relacionam-se com seres humanos, animais
com animais, ou, quando um gato e seu dono tentam entender-se um
com o outro, eles constantemente lêem o comportamento externo do
parceiro e controlam o seu próprio. [...] não vêem nada a não ser um
relevo de músculos e ossos coberto de pele e sujeito a várias
mudanças, contrações e expansões (Idem, op. cit, p. 438-9).
Neste sentido, demonstrando que a percepção da expressão envolve a
atividade de forças, Arnheim, ao citar a “teoria da empatia” proposta por Lipps,
explica “por que encontramos expressão mesmo em objetos inanimados tais
105
como as colunas de um templo” (Idem, op. cit, p. 440). Tal raciocínio, partindo
de uma estrutura de pensamento associativo, desenvolveu-se da seguinte
forma:
Quando olho para as colunas, conheço, de experiência anterior, o tipo
de pressão mecânica e contrapressão que ocorrem nelas. Igualmente
de experiência anterior sei como me sentiria se eu estivesse no lugar
das colunas e se estas forças físicas agissem sobre e dentro de meu
próprio corpo. Projeto meus próprios sentimentos sinestésicos nas
colunas. [...] “Quando projeto minhas forças e energias na natureza,
faço o mesmo também em relação ao modo como minhas forças e
energias fazem-me sentir” (Idem, ibidem).
Prosseguindo com a análise de Arnheim, com a teoria da “empatia”,
Lipps dá a entender que a percepção da expressão esteja subjugada a algum
tipo de aprendizado ou, no mínimo, a algum comportamento instintivo “de
experiência anterior”. Tal posicionamento era combatido pelos psicólogos
gestaltianos, Max Wertheimer, particularmente, “afirmava que a percepção da
expressão é imediata e evidente demais para ser explicável simplesmente
como um produto da aprendizagem”. Enquanto William James, considerado ao
lado de Charles Sanders Peirce, um dos fundadores do pragmatismo, não
estava totalmente certo sobre corpo e mente não possuírem nada de
intrinsecamente comum. Pois raciocinava de forma a acreditar que, “embora
corpo e mente sejam meios diferentes - um sendo material, o outro, não - eles
deviam ainda assemelhar-se em certas propriedades estruturais” (Idem, op. cit,
p. 441-2).
Desde que qualidades estruturais como forma, força, direção,
velocidade, intensidade, entre tantas outras existam, é legítimo assegurar que
são portadoras de expressão, logo, perceptíveis, mesmo havendo a presença
de uma mente para percebê-las ou não.
“Isomorfismo”, para a Gestalt, é a semelhança estrutural entre o padrão
de estímulo e a expressão que ele transmite. Sendo a expressão uma
característica inerente aos padrões perceptivos, suas representações não se
resumem à figura humana muito menos necessitam estar subjugadas a seus
106
estados mentais. Para Arnheim, “suas manifestações na figura humana não
são senão um caso especial de um fenômeno mais geral”, uma vez que a
expressão tenha sido antropomorfizada, “é natural usar palavras derivadas de
estados mentais humanos” para descrever objetos, processos, circunstâncias,
etc., em suma, a própria dinâmica em seu sentido figurado (Idem, op. cit, p.
442-5).
Sobre essa analogia de significados, Arnheim exemplifica:
A comparação da expressão de um objeto com o estado de espírito
humano é um processo secundário. [...] Uma rocha íngreme, um
salgueiro, as cores de um pôr do sol, as fendas de um muro, uma folha
que cai, uma fonte que flui, e, de fato, uma simples linha ou cor ou a
dança de uma forma abstrata na tela cinematográfica têm tanta
expressão como o corpo humano. [...] O salgueiro não é “triste” porque
parece com uma pessoa triste. Antes, porque a forma, direção e
flexibilidade dos ramos transmitem um cair passivo, uma comparação
com o estado de espírito, e o corpo estruturalmente semelhante, que
chamamos de tristeza, impõe-se de maneira secundária (ARNHEIM,
2008, p. 444-5).
Neste sentido, o corpo humano, ao servir de base para a classificação
de estruturas expressivas, e consequentemente perceptivas, dificulta o
processo, pois, além de estar sobrecarregado de associações subjetivas, “o
corpo humano é um padrão particularmente complexo, não facilmente reduzível
à simplicidade de configuração e movimento que transmite expressão
convincente”. Na verdade, “o corpo humano não é o mais fácil, mas o mais
difícil veículo para a expressão” (Idem, op. cit, p. 444). A partir de tal
constatação, Arnheim, seguindo o conselho de Goethe, admite a atual
deficiência empírica no tocante à expressão:
[...] obter-se-ia um melhor sentido da expressão humana, considerando-
a como um caso especial de comportamento orgânico e inorgânico, ao
invés de insistir no homem como o centro e a medida da natureza. Em
relação a tais fenômenos, a ciência ainda está esperando seu
Copérnico (ARNHEIM, 2008, p. 445).
107
Figura 7 - Exemplo de Expressão Corporal; Boneco Articulado do Corpo Humano. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_nSwrmeln2lY/SOpf_PlrrTI/AAAAAAAABVI/DryzzUbt_0k/s1600-
h/Wooden+Mannequin.jpg
Em conformidade com a constatação da imprescindibilidade da dinâmica
em tudo que existe, uma estrutura que sintetiza este processo em sua
generalidade, é perfeitamente aplicável à correlação entre percepção e
expressão. E sua extensão é aplicável à interação conteúdo e forma na
estética. É o que a sabedoria milenar dos filósofos chineses chamaram tao.
Nesta concepção, tao é “a natureza em todos os seus aspectos”, tanto
os do mundo físico quanto os de domínios psicológico e social, cuja realidade,
baseia-se na idéia de uma “contínua flutuação cíclica”, envolvendo a noção
muito mais ampla de dois pólos arquetípicos: o yin e o yang. Eles são
responsáveis por sustentar o “ritmo fundamental do universo”, onde “todos os
fenômenos que observamos participam desse processo cósmico e são, pois,
intrinsecamente dinâmicos” (CAPRA, 2006, p. 32-3).
Segundo a interpretação de Capra, mediante a introdução dos pólos
opostos yin e yang que fixam os limites para os ciclos de mudança, os chineses
atribuem a essa idéia de “padrões cíclicos” uma estrutura definida, onde:
Tendo yang atingido seu clímax, retira-se em favor do yin; tendo o yin
atingido seu clímax, retira-se em favor do yang. Na concepção chinesa,
108
todas as manifestações do tao são geradas pela interação dinâmica
desses dois pólos arquetípicos, os quais estão associados a numerosas
imagens de opostos colhidas na natureza e na vida social. Todos os
fenômenos naturais são manifestações de uma contínua oscilação entre
os dois pólos; todas as transições ocorrem gradualmente e numa
progressão ininterrupta. A ordem natural é de equilíbrio dinâmico entre o
yin e o yang (Idem, op. cit, p. 33).
Projetando as interações: percepção-expressão e conteúdo-forma à
estrutura do yin e yang como pares equivalentes, mas opostos entre si de
mesma categoria e pertencentes a um único todo, ambos os pares, como tudo
na natureza, estariam subordinados ao natural encadeamento espontâneo
ordenado pelo equilíbrio. Consequentemente poder-se-ia chegar à seguinte
dedução: quanto mais se percebe, mais e melhor se expressa. Quanto mais o
conteúdo se enriquece (através da percepção), mais domina a matéria,
produzindo formas cada vez mais belas. E assim sucessivamente em
constante progresso até atingir a perfeição e transcender a materialidade da
forma48.
Através da estética, no que tange a conteúdo e forma, os filósofos
ocidentais que levaram adiante a idéia de uma ordem metafísica regendo o
universo, alcançaram, mesmo que de forma fragmentada, as mesmas
“verdades” de que o oriente é detentor com milênios de antecedência. Sobre as
idéias da estética metafísica, Fischer assim as sintetiza:
Tal perfeição é dada às coisas desse mundo como potencialidade
intrínseca e é da natureza do que é potencial o pressionar para tornar-
se ação ou fato. Todos os seres são impelidos para a meta final, todas
as criaturas se acham ordenadas, integram uma ordem, pois foi Deus
quem as criou. Todos os seres, à exceção de Deus, são imperfeitos; e,
no interior de cada ser, há uma ânsia de perfeição. A causa formal é
idêntica à causa final: a forma é encaminhamento na direção de uma
meta, é finalidade, é a fonte original da perfeição (FISCHER, 2002, p.
134).
48 Para uma exemplificação esclarecedora sobre a transcendência da matéria, ver as considerações de Ernst Fischer sobre a estrutura molecular dos cristais (cap. 2, item, 2.5).
109
Já no que se refere à percepção-expressão, Arnheim, ilustre
representante do empirismo cartesiano, mas também implicitamente
convencido da sabedoria oriental, encerra:
O padrão perceptivo não é só um meio para entender a história da
criação do homem, mas a história torna-se um meio de ilustrar um tipo
de acontecimento que é universal e portanto abstrato. [...] Um aspecto
da sabedoria que pertence a uma cultura genuína é a consciência
constante do significado simbólico expresso em um acontecimento
concreto, a sensação do universal no particular. Isto dá sentido e
dignidade para todas as buscas diárias e prepara o campo no qual a
arte cresce (ARNHEIM, 2008, p. 452; 446).
Inserindo as duas culturas globais na estrutura do yin e yang, é
interessante notar como ocidente e oriente se complementam como pólos
extremos portadores dos dois meios para se atingir as grandes verdades
universais. Enquanto a sabedoria, que representa a unidade, é característica
do oriente, o conhecimento, próprio do ocidente na figura da ciência,
caracteriza a diversidade. “Sabedoria é juntar, conhecimento é separar.
Sabedoria sintetiza e integra, conhecimento analisa e diferencia. Sabedoria vê
apenas com os olhos da mente; ela vislumbra relacionamentos, totalidade,
unidade. Conhecimento aceita apenas aquilo que pode ser verificado pelos
sentidos; ele apreende apenas o específico e o diferente” (DOCZI, 1990, p.
127). Sabedoria e conhecimento, como opostos dinâmicos cuja finalidade é
desvendar os grandes mistérios do universo até a compreensão perfeita e
integral do infinito, seguem em ação mútua em prol da harmonia, a jornada
evolutiva do progresso por toda a eternidade; desde o micro até o macro.
2.5 Estrutura, matéria e energia: conteúdo e forma na natureza
“Os ornamentos estão para a arte assim como os cristais estão para a
natureza” (FISCHER, 2002, p. 140).
110
Conforme procurou-se clarificar, a interação estética conteúdo-forma
possui uma relação de equivalência com o fenômeno percepção-expressão,
pois ambos estão submetidos às leis da natureza e fundamentados na
dinâmica por uma espécie de princípio formativo. A correlação percepção-
expressão reflete a vontade que tem esse princípio formativo (conteúdo) de
individualizar-se. E “semelhante tendência tem sido interpretada pelos
metafísicos como ‘o esforço da matéria para espiritualizar-se’ ou como um
‘anseio pela forma’” (FISCHER, 2002, p. 141).
Neste sentido, a forma se identifica com a essência das coisas,
reduzindo a matéria a um papel secundário. Tal evidência torna possível o
confronto direto entre objeto de estudo desta pesquisa, frente à própria
natureza em si. Partindo da hipótese de que é a forma, subjugada às
imposições da dinâmica, que dita as leis a toda natureza, os ornamentos, por
se tratarem de uma forma específica, tornam-se passíveis de serem analisados
segundo o reflexo de suas características no contexto onde são encontrados,
sejam eles dependentes, independentes ou condicionados à natureza em
relação à atividade do homem.
Com sua reflexão fundamentada na lógica matemática, encontrada na
obra intitulada A necessidade da arte (1963), Ernst Fischer (2002), estabelece
uma interessante relação de analogia entre ornamentos e cristais. Ao constatar
que os ornamentos “constituem uma forma de arte na qual somente os vetores
– intervalos da mesma espécie – são empregados”, observa que através da
matemática é possível calcular as mesmas simetrias presentes tanto nas artes
ornamentais como na natureza. Baseado na interação conteúdo (energia) e
forma (matéria estruturada), constrói uma investigação de cunho teórico,
relacionando a dinâmica que ocorre nos átomos dos cristais, aos intervalos
simétricos ornamentais, pois ambos possuem “a natureza matemática de
vetores”, portanto, passíveis de serem calculados por “números naturais”
(Idem, op. cit, 140-1).
Fischer, ao indagar sobre o impulso que levou os seres humanos a
aplicar vetores nas artes ornamentais, acredita que tal impulso proveio da
observação, mais precisamente da observação da terra, que para ele “é a mãe
da Geometria”. Em perfeito espírito de concordância com o raciocínio de
111
Gombrich sobre o “sentido de ordem” (cap. 2, item 2.2), Fischer julga que tal
impulso provém do “prazer que os seres humanos obtêm com a ordem” em
relação direta “com a observação”.
No entanto, deixa claro que “esta tendência para achar ‘belas’ as coisas
ordenadas, possui causas mais profundas” (Idem, op. cit, p.141), ao destacar:
Os cristais – tal como ocorre com os ornamentos – parecem-nos
“belos”; e, quanto mais simetria possuem, tanto mais beleza vemos
neles. O acréscimo de beleza, proporcional ao acréscimo de simetria,
corresponde a uma tendência natural dos cristais para realizarem o
mais elevado grau de simetria (Ibidem).
É consenso entre historiadores, que a ornamentação no sentido de
expressão artística, desenvolveu-se, no Ocidente, primeiramente entre os
egípcios49, os quais também foram originais criadores no campo da
matemática. Segundo Fischer:
A arte ornamental do antigo Egito era claramente uma espécie de
Matemática em termos gráficos. Ela precedeu os números, tal como a
Matemática precedeu as letras. Poder-se-ia dizer que ela aparecia
como a corporificação da Matemática na arte. A Matemática veio a
calcular as mesmas possíveis simetrias para a arte ornamental como
para os cristais (FISCHER, 2002, p. 140-1).
Os cristais são considerados possuidores da mais perfeita forma dentre
toda natureza inorgânica. “Sua transparência é um dos mais belos exemplos da
união dos contrários: o cristal, se bem que material, permite que se veja
através dele, como se material não fora. Representa, assim, o plano
intermediário entre o visível e o invisível” (SERVIER, 1964, apud, CHEVALIER,
2009, p. 303).
Conforme salienta Fischer, olhando para essas formações
“maravilhosamente ordenadas, transparentemente radiantes”, contemplando
sua “fascinante regularidade”, admirando sua “austera beleza, pode-se chegar
49 Vide: RIEGL, Aloïs., 1980; JONES, Owen., 2006, et al.
112
a crer que neles a matéria inorgânica como que se tornou espiritual,
alcançando a perfeição sem falhas” (Idem, op. cit, p. 135). Segundo o autor,
“em ambos os casos – cristais e ornamentos – a regularidade é produzida por
vetores. Na natureza, os vetores são expressão de relações naturais entre os
átomos” (Idem, op. cit, p. 141).
Partindo deste princípio, conforme abordado segundo as constatações
de Arnheim baseadas nas leis da termodinâmica (vide: Arnheim, 2008, p. 27-8),
a beleza resultante da regularidade e simetria, nada mais é que “uma tendência
objetiva para o máximo de equilíbrio e para a conservação de energia” (Idem,
op. cit, p. 142). Neste sentido, Fischer exemplifica nos cristais:
Quanto mais simétrico é um cristal, tanto mais se conserva a sua
energia e tanto mais firme é o seu equilíbrio, quer dizer a sua estrutura.
O que chamamos de simetria nada mais é, pois, do que a expressão de
condições de energia mais ou menos estáveis (FICHER, 2002, p. 142).
Conforme exposto (cap. 2, item 2.3), as duas tendências fundamentais e
mutuamente contraditórias da natureza e da realidade, o que os chineses
denominaram yin e yang, Hegel as proferiu através da estética como “atração”
e “repulsão”. Segundo a interpretação de Fischer, o que “Hegel chama de
‘repulsão’, é a tendência das partículas materiais para escaparem para o
infinito em constante velocidade”. E por “atração”, entende a “tendência para a
associação, para a unificação, para a formação de grupos e para a
aglomeração de energia” (Ibidem). Nestes termos, em concordância com
recentes descobertas da física quântica, Fischer define o que se deve entender
por realidade:
Sem a infinita contradição dessas duas tendências e sem a constante
superação de tal contradição por estados de relativo equilíbrio
alcançados pela matéria e pela energia, não haveria realidade. Pois a
realidade é exatamente isso: um estado de tensão a todo instante
interrompido entre o ser e o não-ser, um estado no qual tanto o ser
como o não-ser são irreais e só é real a constante interação entre
ambos, o devir deles (FISCHER, 2002, p. 143).
113
Nos cristais, a relação dialética entre conteúdo e forma pode ser
observada com precisão, pois aparece extremamente clara na estrutura da
matéria sólida, ordenada. A partir de então, entende-se por forma, “o relativo
estado de equilíbrio de uma determinada organização, numa determinada
disposição da matéria. É a expressão da tendência fundamental conservadora,
da estabilização temporária de condições materiais”. E por conteúdo, entende-
se a incessante energia transformadora, “às vezes imperceptivelmente, às
vezes em ação violenta. O conteúdo entra em conflito com a forma, e cria
novas formas nas quais o conteúdo transformado encontra, por sua vez, nova e
temporária expressão estável” (Idem, ibidem).
Neste sentido, pode-se dizer que a forma é a expressão de um estado
de equilíbrio em determinado momento, isto é, matéria formada, ordenada:
estrutura. Enquanto o conteúdo caracteriza-se justamente pela impermanência
constante, movimento e transformação, em outras palavras, energia de
precipitação.
Desde as especulações cosmológicas de Platão acerca dos
componentes fundamentais do mundo, testemunha-se que a matéria, capaz de
impressionar os sentidos por apresentar as características de extensão,
ponderabilidade e impenetrabilidade, não passa de organização mais simples
de um mesmo e único elemento primitivo, ainda menor e mais abstrato que as
partículas subatômicas.
Figura 8 - Os Cinco Sólidos de Platão.
Fonte: http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/PoliedrosPlatao2.jpg
Na acepção de Gombrich, “un patrón de sólidos semejantes a átomos,
estrechamente unidos, y cada uno de los cuatro elementos corresponde a uno
de los cinco cuerpos regulares50”, os quais, “dios compuso el cubo para la
50 Por corpos regulares, faz-se referência aos sólidos platônicos, também conhecidos como corpos cósmicos, sólidos pitagóricos, sólidos perfeitos ou poliedros de Platão, mais precisamente, como poliedros regulares convexos. São corpos geométricos caracterizados por poliedros convexos cujas faces
114
tierra, el tetraedro o la pirâmide para el fuego, el octaedro para el aire y el
icosaedro para el agua, dejando el último, el dodecaedro, ‘para el universo en
su decoración de este’” (Gombrich, 1980, p. 101).
Prosseguindo com o raciocínio de Fischer, destaca-se o exemplo do
cristal considerado o mais perfeito entre todos: o diamante, “essa radiante
apoteose do carbono”, lembrando que carbono é o mais “estranho e versátil de
todos os elementos” (FISCHER, 2002, p. 136).
Figura 9 - Estrutura Molecular do Carbono: Fonte:
http://geomuseu.ist.utl.pt/MINGEO%20LEC2006LET/Aulas%20pr%E1ticas%202006/PR%C1TICA%20MINERALOGIA/Imagens%20Cristalografia/Os%20cristais%202.jpg
são polígonos regulares iguais e em cujos vértices se unem ao mesmo número de faces. Recebem estes nomes por seus primeiros estudos serem atribuídos ao filósofo grego.
115
Diamante tem sua origem no termo grego daman, domar, vencer
(LAROUSSE, 1998, p. 1889), o que, em concordância com a acepção
metafísica, pode ser entendido como a forma, cuja matéria foi completamente
“domada” pelo conteúdo. A “estrutura do diamante, na qual cada carbono é
tetraedricamente envolvido por quatro átomos adjuntos, corresponde
exatamente à estrutura do carbono com seus quatro elétrons”. Em outras
palavras, é como se a forma houvesse transcendido a matéria, podendo “ser
encarado como uma molécula que, em princípio, é infinita, ou, de modo
converso, a molécula pode ser encarada como um cristal” (FISCHER, 2002, p.
136).
Segundo a visão de alguns escolásticos modernos, os cristais são “a
corporificação da Matemática”, já que “a estrutura do átomo para o cristal é
‘imaterial’”, o que denota um princípio ordenador metafísico (formativo), pois “a
simetria não é devida às propriedades dos átomos de que se compõe o cristal
e sim a uma rede estrutural imaterial, metafisicamente cristalina, e que esta
rede se acha ‘acima da substância’” (FISCHER, 2002, p. 135).
Uma propriedade comum da matéria é a faculdade de refletir a luz.
Quando um corpo é iluminado por uma fonte de luz, por exemplo, o sol, “pode
difundir do mesmo modo todas as radiações”, neste caso sua superfície
aparece “branca”. Como também pode absorver algumas e difundir outras,
tornando a aparência de sua superfície “colorida”. Também, ainda, pode
absorver a totalidade das radiações, o que torna sua superfície “negra”. Tal
fenômeno acontece, devido à interação das ondas luminosas como os elétrons
da substância (LAROUSSE, 1998, p. 1614).
Nos cristais, com maior intensidade no diamante, por se tratarem de
uma constituição estrutural atômica perfeitamente ordenada, acontece o que a
física denomina de “reflexão vítrea”. Produzida na fronteira entre dois meios
dielétricos51, tal fenômeno consiste na emissão de uma luz extremamente
vívida, o que caracteriza o brilho do cristal, pois, quando o primeiro meio
dielétrico possui um índice de refração superior ao do segundo, acima do qual
não há mais luz a ser transmitida, acontece o que os físicos chamam de
“reflexão total” (Idem, op. cit, p. 4957).
51 Meio ou substância que possui elétrons livres, incapaz de conduzir uma corrente elétrica. O vácuo é considerado um dielétrico (Vide: LAROUSSE, 1998, p. 1901).
116
Figura 10 - Reflexão da Luz através de um Diamante; Fotografia Diogo Viegas. Fonte:
http://br.olhares.com/diamante_or_not_foto1773371.html
A intensidade da luz refletida pelos corpos materiais, está na razão do
grau de perfeição da organização de sua estrutura atômica. O diamante, “por
causa dos elevados valores do índice de refração e do poder dispersivo desse
corpo”, quando lapidado, “oferece belos efeitos de luz (fogos)” (Idem, op. cit, p.
1889). A partir desta constatação, é lícito supor que o fogo, como elemento
puro encontrado na natureza, deve apresentar a forma elementar de sua
estrutura molecular em estado de máxima perfeição (harmonia), nele a
organização estrutural atômica de seus elementos constitutivos, atingiram o
ápice da organização, visto que, dentre os elementos conhecidos, é detentor
da forma mais etérea e autônoma, por si só capaz de produzir luz. Tal
constatação já era defendida por Plotino em seus discursos sobre a beleza das
coisas como forma proveniente da Idéia:
La hermosura simple del color provine de una forma y de la presencia
de una luz incorpórea (ejemplar e idea), que domina la obscuridad de la
matéria. Por eso – excepción única entre todos los cuerpos – el fuego
es bello en si mismo, por ser el que detenta el rango de idea entre los
otros elementos. Él em efecto, está situado en un plano superior; es el
más ligero de todos los cuerpos, por ser el más cercano a lo incorpóreo;
está aislado y no recibe em si a los otros elementos, mientras que los
117
otros lo acogen a él, porque los otros se puedan calentar, pero él no se
puede enfriar; y él posee primitivamente el color, mientras que los otros
reciben de él la idea de color. El fuego resplandece y brilla porque es
idea, y lo que le es inferior, cuando su luminosidad no lo hace
perceptible, deja de ser hermoso porque no participa absolutamente de
la idea de color (PLOTINO, 1950, p. 84).
Figura 11 - Fogos de Artifício; Manipulação do elemento fogo capaz de gerar belos
espetáculos de luzes e cores. Fotografia Nuno Pinto. Fonte: http://br.olhares.com/fogo_de_artificio_foto619578.html
A partir destes exemplos, fica claro como a disposição dos átomos é
responsável pela configuração da forma. Mas cabe salientar que a chamada
“rede espacial” como é definida pelos metafísicos, “não passa de um termo
para designar determinadas relações específicas no espaço entre
determinados átomos” (FISCHER, 2002, p. 136). Segundo Fischer: “a
disposição regular dos átomos é inteiramente determinada pelas propriedades
deles. Qualquer alteração na substância se reflete imediatamente em uma
alteração na estrutura espacial” (Idem, ibidem).
Para estar em conformidade com a definição de realidade, a rede
espacial ou, na terminologia de Fischer, “o complexo ordenado de átomos
associados”, nunca pode ser admitido como estático ou inerte. De volta a
exemplificação nos cristais, segundo “um mínimo de vagar pelas descobertas
da moderna cristalografia”, Fischer ressalta:
118
[...] os átomos no cristal não se acham absolutamente em repouso,
imóveis, e sim em um estado de movimento, de oscilação. Cada estado
de movimento possui a sua correspondente temperatura. Quanto mais
elevada for a temperatura, tanto maior será o movimento e mais
distanciados ficarão os átomos no espaço do cristal. A expansão da
estrutura do cristal significa uma expansão de todo o sistema cristalino
(FISCHER, 2002, p. 137).
Ao constatar que, “dependendo da estrutura do cristal, a expansão se
realiza em diferentes direções e em diversas extensões”, resultando formas
diferentes e imprevisíveis que, em determinado momento (ponto de fusão ou
ponto de mudança), “a quantidade se transforma em qualidade, e a estrutura
cristalina se modifica ou entra em colapso como um todo”, Fischer indaga
sobre “que espécie de princípio ordenador metafísico, predeterminado”, seria
este, “que se modifica juntamente com as propriedades da matéria”, que não
impões condições e que “é, ele mesmo, governado pelas condições materiais?”
(Idem, ibidem).
Em determinadas circunstâncias, a matéria passa de “um estado de
desordem para um estado de ordem ou vice-versa”. Sob certas condições, “o
átomos mudam a sua organização, a ordem reinante entre eles”. Tais
mudanças, “preparadas por um processo gradual, ocorrem de modo
instantâneo”: como um salto quântico (ao acaso, aparente), o que denota a
atuação de uma espécie de princípio inteligente exercendo sua vontade sobre
a composição estrutural dos átomos, fazendo com que as “partículas de
matéria”, passem, “de repente, de um estado caótico para um estado
ordenado” (Ibidem). Prosseguindo com a explicação de Fischer, verifica-se, a
título de exemplo, como acontece a cristalização dos líquidos, mais
especificamente no caso da água:
De modo parecido, no caso da água, a baixa densidade sugere que há
certas energias se opondo ao máximo de densidade da compressão
molecular (traço característico dos líquidos). Observações feitas com
raios mostraram que na água existe uma tendência para a disposição
tetraédrica das moléculas, à semelhança dos átomos de silício no
119
quartzo. Quando, porém, a água se transforma em gelo, isto é, num
cristal permanente, seus átomos se dispõem de acordo com um
princípio estrutural completamente diverso (FISCHER, 2002, p. 137-8).
Figura 12 - Formações cristalinas da água; ampliação microscópica de partículas de gelo Fonte: http://blogs.jovempan.uol.com.br/panelachic/wp-content/uploads/2010/01/flocos-de-
nece.jpg
Mas se a disposição regular dos átomos é determinada por suas
propriedades naturais, que propriedades são essas que capacitam os átomos a
tomarem posições ordenadas sob determinadas condições?
Segundo a interpretação de Fischer, são suas “exigências de espaço”,
seu raio de ação. O “raio de ação não é constante, essas exigências não são
as mesmas para quaisquer que sejam as circunstâncias”. Como uma espécie
de inteligência adaptativa, “mudam quando as circunstâncias mudam e
obedecem à lei dialética da interação”. A energia, isto é, “a carga elétrica do
átomo desempenha um importante papel”: é responsável por gerenciar o
chamado “coeficiente de coordenação” (Idem, op. cit, p. 138).
O coeficiente de coordenação “expressa o número de átomos
adjacentes ou íons eqüidistantes de um átomo. Tal número pode variar de 1 a
12”. Não se conhece “caso algum onde um átomo seja circundado por mais de
doze átomos adjacentes”; portanto, o coeficiente de coordenação 12 - como é o
caso do carbono - “expressa o máximo de ‘densidade atômica’. Quanto mais
120
elevado o coeficiente de coordenação, tanto maior é o raio de ação do átomo”
(Idem, ibidem), em outras palavras:
[...] quanto maior for o número de átomos adjacentes, tanto mais
energia será necessária para afastá-lo. O coeficiente de coordenação
possui um efeito decisivo sobre a estrutura cristalina. Desse modo,
chegamos à conclusão de que o cristal é formado por uma rede espacial
anterior à matéria ou por um princípio espiritual, mas pelas propriedades
e interações de seus átomos (FISCHER, 2002, p.138-9).
Deduzir a pré-existência de uma formação anterior à matéria, é o mesmo
que admitir a existência de um princípio espiritual metafísico. Isto é, de um
conteúdo que atua sobre a matéria em prol da unidade tanto da forma, quanto
deste próprio conteúdo. Sob este ponto de vista, pode-se dizer que a matéria é
o agente: o meio com o auxílio do qual e sobre o qual atua o espírito. Tal
suposição remonta às mesmas considerações de Plotino sobre o fogo como
elemento material que atingiu o estado de pureza, cuja formação estrutural
tetraédrica de seus átomos, alcançou o ápice da perfeição, devido às
condições de seu espírito (conteúdo) formador, cujas primeiras bases
encontram-se nas especulações cosmológicas de Platão e Pitágoras.
A partir deste contexto, fundamentam-se as bases para o que resta a ser
discutido explicitamente sobre a simetria dos cristais. Simetria esta, cuja
presença assemelha-se em razão direta às manifestações ornamentais da
natureza, e por conseqüência se refletem na obra do homem.
Sem adentrar na questão sobre todas as possíveis simetrias existentes
no mundo dos cristais, Fischer assinala que “toda substância se cristaliza em
uma particular espécie de simetria e que, ao todo, existem trinta e duas dessas
espécies” (FISCHER, 2002, p. 139). O que é surpreendente, para Fischer, é o
fato de que o homem, mesmo sem o conhecimento sobre as leis que regem o
mundo dos cristais, conseguiu descobrir todas as simetrias da natureza e
assim, utiliza-las na arte ornamental (Idem, op. cit, p. 141).
Para autor, “o simples fato” de que existe um número estrito de
simetrias, sugere que a simetria de um cristal se ache “intimamente ligada à
sua estrutura atômica”. O que justifica o ponto de vista metafísico, segundo o
121
qual, “ao lidar com os cristais”, lidamos de fato, com a “corporificação da
Matemática” (Idem, op. cit, p. 139), pois, ao levantar a hipótese sobre um
mundo sem leis regulares ou sem um sistema de interações definido, admite:
É verdade que uma racionalidade de números regulares governa o
mundo dos cristais, que os átomos da mesma espécie são sempre
encontrados em idênticos intervalos, que somente certas simetrias são
possíveis, que todas as simetrias podem expressar-se por simples
fórmulas numéricas (FISCHER, 2002, p. 139).
A partir de tal constatação, conclui que “toda existência é eo ipso uma
existência específica, isto é, um sistema de específicas interações”. Um
determinado arranjo dos átomos “só pode existir porque cada átomo requer um
determinado espaço ou possui um determinado raio de ação, o qual depende
da sua energia potencial” (Idem, op. cit, p. 139-40).
Neste sentido, confirma-se que energia tem importância capital em
relação à existência, logo, à realidade. Mesmo nos seres mais simples como os
inorgânicos, como é o caso dos cristais (minerais), ela se faz presente nas
mais ínfimas estruturas da matéria, como princípio indispensável à sustentação
da realidade em constante processo metamorfósico, encontrando na
matemática, o meio de fazer-se inteligível ao homem; nas palavras de Fischer:
A existência de uma disposição específica dos átomos implica que os
átomos formem grupos situados a determinado equilíbrio de atração e
repulsão, e implica que tais intervalos possuam a natureza matemática
de vetores e possam, portanto, expressar-se em números naturais. Não
é a natureza que se subordina às leis dos vetores matemáticos e sim,
ao contrário, são os vetores que exprimem relações naturais. O que
chamamos simetria é precisamente isso: uma série de intervalos
regulares, isto é, determinadas relações específicas entre determinados
átomos (FISCHER, 2002, p. 140).
Segundo as exigências de um elemento primitivo (matéria/forma) sob a
ação de um princípio inteligente (energia/conteúdo/espírito), muito antes da
122
matemática calcular as simetrias, havia a natureza que produzia tais simetrias.
Inspirado nesta simples observação, Gillo Dorfles questiona:
Visto que, já a natureza alberga um caráter ornamental; que até as
pedras estão providas dele, posta, portanto, esta ubiquitária presença
do ornamento na natureza, como seria possível censurar a sua
presença na obra do homem, quanto mais naquela com finalidade
artística? (DORFLES, 1988, p. 157).
Esta questão, posta por Dorfles, sintetiza nossas hipóteses sobre a
legitimação do ornamento na arte e no design contemporâneo.
2.6 Atividade e passividade: o livre-arbítrio da percepção
Se os tópicos precedentes cumpriram seus objetivos adequadamente,
fundamentados em diversos e eminentes pensadores, desde os filósofos da
antiguidade clássica até as recentes especulações da psicologia moderna.
Presume-se que questões relativas à interação entre estética e percepção,
lavradas segundo articulações de conceitos relativos à natureza e sintetizados
pela sabia tradição milenar do pensamento oriental, constituam as bases
filosóficas necessárias a fim de dar seguimento à exploração do caráter
espiritual do ornamento na arte e no design.
Desde o início procurou-se evidenciar o papel da percepção, tanto como
fenômeno inerente à mente pensante através de suas implicações na natureza
em sua generalidade, comprovada através da dinâmica presente em tudo que
existe e regida pelos princípios fundamentais do equilíbrio e da unidade na
diversidade, quanto na arte, cujo contexto é onde ela se mostra mais aparente.
Quando olhada do prisma de seu efeito, isto é, a reação que configura
sua forma, expressão, fica claro que a percepção está presente, tanto nos
seres orgânicos como animais, plantas ou o próprio homem, quanto nos seres
inorgânicos como rochas, cristais ou colunas de um templo. Por apresentarem
padrões estruturais portadores de qualidades expressivas cujo reflexo
novamente se volta como estímulo perceptivo, este ciclo constitui o que os
123
chineses entendem por realidade, a natureza (tao) em todos os seus
aspectos52.
Conforme exposto e brevemente demonstrado através das recentes
descobertas da psicologia cognitiva, procurou-se salientar também, que a
percepção no homem, mais do que nos seres orgânicos elementares (ex.
paramécio), ou nos de natureza inanimada (inorgânicos), constitui faculdade
ativa, que demanda esforço, devido ao direcionamento e manutenção da
atenção.
Seguindo a estrutura de flutuação cíclica do yin e yang chinês que
generaliza as manifestações destes opostos arquetípicos a todos os
acontecimentos colhidos na natureza e na vida social, como admitir que a
percepção seja ativa em certos seres e quase passiva em outros? A resposta a
este questionamento reside diretamente sobre o que se entende por atividade
e passividade. Neste caso em particular, a análise cartesiana é deficiente, pois
devido à extrema rigidez associada ao raciocínio fragmentado, anti-holístico,
que lhe é próprio, pode gerar conclusões superficiais e até mesmo
equivocadas.
Figura 13 - Simbolo do Yin-Yang Chinês. Fonte: http://mor.phe.us/writings/Yin-Yang.html
É comum para o ocidental, a associação do yin com passividade e do
yang com atividade, o que Capra adverte ser uma associação “particularmente
perigosa”. Segundo ele, desde os tempos mais remotos da cultura chinesa, “o
yin está associado ao feminino e o yang, ao masculino. Essa antiga associação
52 Vide: CAPRA, F. O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental, 1993.
124
é extremamente difícil de avaliar hoje, por causa de sua reinterpretação e
distorção em subseqüentes eras patriarcais” (CAPRA, 2006, p. 33-4).
Fundamentado em pesquisas recentes (década de 1970) sobre
diferenças sexuais53, Capra ressalta que “em biologia humana, as
características masculinas e femininas não estão nitidamente separadas, mas
ocorrem, em proporções variáveis, em ambos os sexos”. Tal constatação é
semelhante à visão dos antigos chineses, pois “acreditavam que todas as
pessoas, homens e mulheres, passam por fases yin e yang”. A personalidade
de cada homem ou cada mulher, “não é uma entidade estática, mas um
fenômeno dinâmico resultante da interação entre elementos masculinos e
femininos” (Idem, op. cit, p. 34). A partir deste contexto o autor atenta para um
delicado equívoco cultural da sociedade ocidental:
Essa concepção da natureza humana está em contraste flagrante com a
da nossa cultura patriarcal, que estabeleceu uma ordem rígida em que
se supõe que todos os homens são masculinos e todas as mulheres,
femininas, e distorceu o significado desses termos ao conferir aos
homens os papéis de protagonistas e a maioria dos privilégios da
sociedade (Idem, ibidem).
Em razão dessa propensão ocidental, é comum a associação do yin com
passividade e do yang com atividade, para Capra, “parece ser ainda uma outra
expressão de estereótipos patriarcais”, uma moderna interpretação que “está
longe de refletir o significado original dos termos chineses” (Idem, ibidem).
Neste sentido, destaca a substancial diferença da interpretação oriental:
Um dos mais importantes insights da antiga cultura chinesa foi o
reconhecimento de que a atividade – “constante fluxo de transformação
e mudança”, como o chama Chuang-tsé – é um aspecto essencial do
universo. A mudança, segundo esse ponto de vista, não ocorre como
conseqüência de alguma força, mas é uma tendência natural, inata em
todas as coisas e situações. O universo está empenhado em um
movimento e uma atividade incessantes, num contínuo processo
53 Vide: GOLEMAN, Daniel: “Special abilities of the sexes: do they begin in the brain?”, Psychology Today, novembro, 1978.
125
cósmico a que os chineses chamaram tao – o “caminho”. A noção de
repouso absoluto, ou inatividade, estava quase inteiramente ausente da
filosofia chinesa (CAPRA, 2006, p. 34).
Para os chineses, a imobilidade absoluta é uma abstração tamanha que
a torna impossível concebe-la. A “não-ação”, na filosofia taoísta, é denominada
pelo termo wu-wei, o qual é erroneamente interpretado no ocidente como
alusão à passividade. Por wu-wei os chineses não entendem a abstenção de
atividade, mas sim a “abstenção de uma certa espécie de atividade, a qual não
está em harmonia com o processo cósmico em curso”. Joseph Needham,
eminente sinologista na concepção de Capra, define wu-wei como: “abstenção
de ação contrária à natureza”. Desta forma, “se uma pessoa se abstém de agir
contra a natureza”, ou, na citação de Needham, “de ‘ir contra a essência das
coisas’, ela está em harmonia com o tao e, portanto, suas ações serão bem
sucedidas” (Idem, op. cit, p. 34-5).
Entendida sob este ponto de vista, essa espécie de ação, contrária ou
não à natureza, denota uma escolha a qual obedece a uma vontade: agir conta
ou a favor à natureza? A autonomia para tal possibilidade de escolha equivale
ao conceito de livre-arbítrio54 na filosofia ocidental.
A anulação da idéia de passividade como total ausência de ação, abre
caminho para uma compreensão ainda mais ampla e generalizada sobre o
processo da percepção. Tendo em vista as interpretações originais dos
conceitos yin e yang, é possível traçar induções mais seguras em relação as
adequações junto a cultura ocidental. Segundo Capra, é mais correto dizer que
yin está associado à “atividade receptiva, consolidadora, cooperativa”,
enquanto yang à “atividade agressiva, expansiva e competitiva. A ação yin tem
consciência do meio ambiente, a ação yang está consciente do eu” (CAPRA,
2006, p. 35).
Neste sentido, aplicando à questão da percepção os conceitos de
atividade e passividade segundo a acepção chinesa, a qual entende a natureza
como um processo contínuo em constante transição, das partículas mais
elementares aos seres vivos mais complexos (homem). E assim até o cosmo 54 Refere-se a livre-arbítrio, principalmente às ações e à vontade humana, e pretende significar que o homem é dotado do poder de, em determinadas circunstâncias, agir sem motivos ou finalidades diferentes da própria ação (Vide: Liberdade in ABBAGNANO, 2000, p. 605-13).
126
infinito. Desta forma é lícito supor que deva existir uma variação de grau desta
“atividade” natural, ainda que seus limites pareçam se confundir, pois o
contrário anularia todo este fluxo progressivo e incessante.
Sendo assim, parece legítimo presumir que: nos seres mais simples o
grau de “percepção” seja nulo ou praticamente nulo, existindo as idéias de
ação tanto yin como yang apenas em estado primário de desenvolvimento ou
mera potencialidade; feito a minúscula semente que carrega o germe da
grande árvore. À medida que se eleva na escala evolutiva, essa “percepção”
segue em contínuo processo de aprimoramento e mudança, sempre tendendo
à unidade. À medida que se vai aperfeiçoando, vai adquirindo autonomia, até
se consolidar no homem, cuja ação tem consciência tanto do meio ambiente
quanto do eu, portanto, pode livremente decidir se age de forma yin ou yang.
Em terminologia moderna, a primeira denomina-se ‘eco-ação e à segunda ‘ego-
ação’.
Na matéria inerte, que corresponde ao reino mineral, a ação se resume
apenas a força mecânica, por exemplo quando nas operações de química é
possível observar dois corpos se reunirem até se ajustarem reciprocamente. Já
as plantas, que constituem o reino vegetal, por serem dotadas de vitalidade,
recebem as impressões físicas que agem sobre a matéria. Em certas espécies
como é o caso da dionéia55 por exemplo, o fechar dos lóbulos que tem como
finalidade apanhar a mosca que vem sugá-la, esboça movimentos significativos
que acusam certo grau de sensibilidade, uma “espécie de vontade”.
Figura 14 - Dionéia. Fonte:
http://2.bp.blogspot.com/_YliehjkfxUc/StVWawqLj8I/AAAAAAAACQI/GX48HMZ4PMk/s400/dioneia.gif
55 Gênero de plantas insetívoras,“carnívoras”, originárias do sudeste dos EUA. Vide: LAROUSSE, 1998, p. 1920.
127
Já nos seres que formam o reino animal é possível notar a presença de
uma inteligência instintiva, mas limitada, que parece ter consciência de sua
existência e individualidade. Não se pode negar que em certos animais, atos
combinados denotam uma vontade de agir com sentido determinado e
conforme dada circunstância, mesmo observando que a maioria de suas ações
estejam concentradas aos meios de satisfazerem suas necessidades físicas e
proverem sua conservação.
Figura 15 - Border Collie, considerado uma das raças de cães mais inteligentes. Fotografia:
Life on White. Fonte: http://www.gettyimages.com/detail/102853206/Photodisc
E finalmente o homem que, naturalmente, constitui a humanidade,
possuindo todos os atributos dos demais reinos domina todas as classes, por
meio de uma inteligência especial e indefinida. O que lhe confere a consciência
do futuro, a percepção das coisas extra-materiais e a intuição de Deus56.
O limite da atividade perceptiva reside justamente nas limitações da
vontade própria. Conforme demonstrado, percepção como faculdade ativa em
prol da evolução, depende do direcionamento e manutenção da atenção. O
homem, devido à consciência de sua individualidade, possui a liberdade para
direcioná-la segundo sua própria vontade e a seu bel-prazer, em outras
palavras, possui o livre-arbítrio da sua atenção.
56 Para certos filósofos, os estágios da evolução dividem-se em cinto etapas. “Os filósofos da Antiguidade acrescentavam como quinto elemento aos quatro elementos tradicionais (água, ar, terra, fogo)” (Vide: LAROUSSE, 1998, p. 4876). Na visão da filosofia Ayurveda, este quinto elemento é o éter (Vide: FRAWLEY, 1996). Platão, em suas pesquisas, descobriu os cinco corpos geometricamente perfeitos. Na Idade Média o termo “quinta-essência” assumiu o sentido de essência mais pura, mais elevado, essencial. A partir deste contexto, deixamos em aberto a seguinte questão: se assim for, qual seria o próximo estágio evolutivo dos reinos, mineral, vegetal, animal, hominal? Angélico?
128
Figura 16 - O homem e o mundo: inteligência especial e indefinida. Fotografia Comstock.
Fonte: http://www.gettyimages.com/detail/78468620/Comstock-Images
O livre-arbítrio da percepção, cuja ação é resumida às duas espécies de
atividade - eco-ação e ego-ação - está intimamente relacionado com “dois tipos
de conhecimento, ou dois tipos de consciência”, os quais segundo Capra,
foram reconhecidos como propriedades características da mente humana,
“usualmente denominados de método intuitivo e método racional, e têm sido
tradicionalmente associados à religião ou ao misticismo e à ciência” (CAPRA,
2006, p. 35).
O racional e o intuitivo são métodos complementares de funcionamento
da mente humana. Na interpretação de Capra:
O pensamento racional é linear, concentrado e analítico. Pertence ao
domínio do intelecto, cuja função é discriminar, medir e classificar.
Assim, o conhecimento racional tende a ser fragmentado. O
conhecimento intuitivo, por outro lado, baseia-se numa experiência
direta, não intelectual, da realidade, em decorrência de um estado
ampliado de percepção consciente. Tende a ser sintetizador, holístico e
não-linear. Daí ser evidente que o conhecimento racional é suscetível
de gerar atividade egocêntrica, ou yang, ao passo que a sabedoria
intuitiva constitui a base da atividade ecológica, ou yin (Ibidem).
129
O capítulo seguinte é dedicado à exploração destes dois tipos de
consciência, mais precisamente, a relevância da intuição no processo criativo,
fator responsável pela produção do conhecimento e conseqüente construção
do saber humano. Inerente a este questionamento, propõe-se traçar uma linha
de raciocínio que vai da relação entre estética e funcionalidade, até o acaso e a
intuição, como processo metodológico projetual presente na arte, no design, e
em qualquer atividade reflexiva que vise à criação do novo e do original. Deste
modo, pretende-se construir um panorama de acesso a fim de fundamentar os
pilares rumo ao estudo de uma ornamentação voltada à contemplação, capaz
de produzir estados de anagogia através da estimulação da intuição, de
estados superiores de consciência, os quais têm atributos terapêuticos.
130
CAPÍTULO 3 CRIATIVIDADE E AUTO-CONHECIMENTO: FUNDAMENTOS DE
SEMIÓTICA PARA UMA ORNAMENTAÇÃO TERAPÊUTICA
131
CAPÍTULO 3 – CRIATIVIDADE E AUTO-CONHECIMENTO: FUNDAMENTOS DE SEMIÓTICA PARA UMA ORNAMENTAÇÃO TERAPÊUTICA
3.1 Criatividade e inovação: intuição e acaso em arte e design
A origem imediata da palavra Design está na língua inglesa, e “se refere
tanto a idéia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração, arranjo,
estrutura. [...] Trata-se portanto de uma atividade que gera projetos, no sentido
objetivo de planos, esboços ou modelos” (CARDOSO, 2008 p. 20). Bernd
Löbach salientava já na década de 1970 que no “original alemão Gestaltung,
termo originalmente utilizado antes da adoção do design, a configuração como
conceito geral mais amplo, pode ser o processo já descrito de ‘materialização’
de uma idéia” (2001, p. 16).
A distinção tornada familiar entre as chamadas belas-artes e as artes
úteis ou industriais “só se tornou preeminente no decurso do século XVIII, na
Europa ...” (OSBORN 1964, p. 120-1). Neste sentido apontava também o
sociólogo da arte Pierre Francastel, em 1948: "Não existe oposição natural
entre Arte e técnica. É bem injustamente que os teóricos do mundo moderno
partem dessa hipótese. Muito pelo contrário, a Arte e a técnica sempre
estiveram até hoje ligadas uma à outra" (1973, p. 49-50).
No período moderno e contemporâneo a palavra Arte passa portanto por
uma mudança de sentido. É como se pode perceber, só para exemplificar, nas
abordagens do filósofo Luigi Pareyson (1997, p. 29-33) ou do semioticista
Umberto Eco (1986, p. 123-49), ou ainda do historiador da cultura Raymond
Williams, que descreve essa mudança de sentido nos fins do séc. XVIII:
Uma arte significara, anteriormente, qualquer aptidão humana; mas
Arte, agora, designava um particular grupo de atividades, as artes
'imaginativas' ou 'criadoras'. Artista, assim como artesão, [era] pessoa
habilidosa; mas artista passou a referir-se, agora, apenas a essas
habilidades especiais. (...) a um particular tipo de verdade, a 'verdade
imginativa'...(1969, p. 15-18).
132
Deste modo, em sentido clássico estrito na póiesis ou na téchne
aristotélica e em sentido amplo clássico, moderno e contemporâneo, ainda
podemos identificar arte e técnica, uma vez que, a partir do século XVIII, a
palavra arte indica uma verdade imaginativa e criativa, sentido que se passou a
consolidar na linguagem da crítica à época do Impressionismo. Ou conforme
Pareyson o sentido da palavra Arte indica uma formatività (formatividade), ou
seja, um fazer, um conhecer, um exprimir e um inventar (1997, p. 29-33)57.
A inovação, a criação original, ou no mínimo a adequação de uma
situação desfavorável em uma mais satisfatória, são também
responsabilidades próprias da atividade do design ou da arte. Bernhard Bürdek
afirma que: “Design é uma atividade, que é agregada a conceitos de
criatividade, fantasia cerebral, senso de invenção e de inovação técnica e que
por isso gera uma expectativa de o processo de design ser uma espécie de ato
cerebral” (2006, p. 225). Podemos verificar que os profissionais que
conseguem alcançar um relativo destaque dentro do mercado competitivo, são
aqueles cujo potencial para a criatividade se apresenta mais acentuado. Neste
sentido, Baxter defende que, atualmente,
[...] com a concorrência acirrada, há pouca margem para a redução dos
preços. [...] Resta então a outra arma: o uso do design para promover
diferenciações de produtos. [...] E isso requer a prática da criatividade
em todos os estágios de desenvolvimento de produtos, desde a
identificação de uma oportunidade até a engenharia de produção (1998
p. 51).
3.1.1 Criatividade e intuição
Dentre inúmeras definições sobre criatividade possíveis de serem
encontradas entre os mais diversos autores, George F. Kneller prega que toda
57 Sobre este tópico, arte e técnica em sentido clássico, moderno e contemporâneo, veja se PINHEIRO, Olympio. A Contemplação de Janus Bifrons: arte e tecnologia na contemporaneidade. In: Simpósio Interfaces das Representações Urbanas em Tempos de Globalização, 2005, Bauru (SESC SP). Anais eletrônicos. <http://www.sescsp.org.br/sesc/conferencias_new/subindex.cfm?Referencia=3258&ParamEnd=5>.
133
e qualquer definição de criatividade deve incluir o conceito essencial de
inovação. “A mais alta forma de criação é seguramente aquela que, [...] quebra
o molde do costume e estende as possibilidades do pensamento e da
percepção. [...] A novidade criadora emerge em grande parte do remanejo de
conhecimento existente” (1971, p. 15-17). Sendo assim, poder-se-ia dizer que
criatividade é um talento produtivo de se pensar ao reverso das regras, de criar
coisas novas a partir da combinação original e harmoniosa do saber já
existente.
Se aceitarmos a afirmação de Kneller (1965), “não havendo teoria
universalmente aceita sobre a criatividade”, não se pode deixar de considerar,
o fato de que criatividade sempre esteve presente nas grandes invenções ao
longo da história, apresentando-se como fator essencial na evolução da
humanidade. Como constatou a teoria de Darwin quando afirmou como
conseqüência evolutiva a noção de ser a criatividade humana uma
manifestação da força criadora inerente à vida, pois parece fonte inesgotável
de inspiração advinda da mente. Inspiração neste sentido, entende-se como
uma das fases da criatividade que, assim como a intuição, inicialmente
distinguidas por Graham Wallas em The Art of Thought58, é atualmente
equivalente à etapa da Iluminação, ou Insight, nomenclatura difundida por
Catherine Patrick em What Is Creative Thinking?59 (Idem, op. cit, p. 31-62).
Conforme fundamenta Baxter: “A criatividade é o coração do design, em
todos os estágios do projeto. O projeto mais excitante e desafiador é aquele
que exige inovações de fato – a criação de algo radicalmente novo, nada
parecido com tudo que se encontra no mercado” (1998, p. 51).
Através do levantamento de relações, e a proposição de reflexões sobre
alguns aspectos do processo criativo, leva-se em consideração o elemento
acaso60, como uma possível metodologia para auxiliar na busca da solução
original em design. Tal construção pretende atentar sobre a importância de
estar pronto para receber os lampejos do intelecto na forma de intuição, como
ferramenta inata e bastante útil no cotidiano do profissional.
58 Nova York: Harcourt Brace and World, 1926. 59 Nova York: Philosophical Library, 1955. 60 O acaso como método de criação é uma questão já abordada, principalmente durante os movimentos de vanguarda modernista. Como a colagem cubista, o ready made de Duchamp, a receita para poema de Tristan Tzara, entre outros.
134
Procuramos salientar o papel da criação intuitiva como opção de
ferramental para a inovação em arte e design. Parte-se da hipótese de que
criatividade, intuição e acaso possuem natureza equivalente. Considera-se que
o acaso61 como potência de causa fortuita cuja origem imprevisível está além
da intenção racional, e intuição62 como contemplação imediata atingida sob
ordem diversa das que se atinge pela razão ou conhecimento analítico. À luz
de suas origens, ambos relacionam-se com a criatividade devido à coexistência
do aspecto de espontaneidade própria do inconsciente.
3.1.2 Design: arte e ciência na construção do saber
Partindo-se do pressuposto que a atividade do design consiste, grosso
modo, em materializar uma idéia através de um projeto no qual se concilia
estética e funcionalidade. Esses dois fatores permitem elaborar uma corrente
de levantamentos, característicos da metodologia do design, cujas relações
fazem alusão ao processo criativo da mente humana, no papel de construção
permanente do saber. Segundo Bürdek:
Teoria e metodologia do design são reflexos objetivos de seus esforços
que se destinam a otimizar métodos, regras e critérios e com sua ajuda
o design poderá ser pesquisado, avaliado e também melhorado. Uma
visão mais próxima nos mostra que o desenvolvimento de teoria e
método também é embebido de condições histórico-culturais e sociais.
Praticar a teoria no design significa em primeiro lugar se voltar para a
teoria do conhecimento (2006, p. 225).
Estética, no sentido clássico de teoria filosófica, tem como objeto a
forma e a harmonia, procurando precisar no homem o que produz o sentimento
de que algo é belo. Como forma de discurso, já desde Platão, refere-se às
relações de verdade, bem e beleza, relações estas próprias da arte. Conforme
Abbagnano:
61 Vide: ABBAGNANO, N. 2003, p. 11-13. 62 Vide: ABBAGNANO, N. 2003. p. 581-583.
135
Com esse termo designa-se a ciência (filosófica) da arte e do belo. O
substantivo foi introduzido por Baumgarten, por volta de 1750, num livro
(Aesthetica) em que defendia a tese de que são objeto da arte as
representações confusas, mas claras, isto é, sensíveis mas ‘perfeitas’,
enquanto são objeto do conhecimento racional as representações
distintas (os conceitos). Esse substantivo significa propriamente
‘doutrina do conhecimento sensível’. [...] Hoje, esse substantivo designa
qualquer análise, investigação ou especulação que tenha por objeto a
arte e o belo, independentemente de doutrinas ou escolas. [...]
Dissemos ‘arte e belo’ porque as investigações em torno desses dois
objetos coincidem ou, pelo menos, estão estreitamente mescladas na
filosofia moderna e contemporânea (2003, p. 367).
Funcionalidade como conhecimento prático utilizado para alguma
finalidade específica, relativo à determinada área do saber, no design,
caracterizado pela sistematização projetual metodológica, alude aos primórdios
da ciência, onde se faz referência ao método pioneiro de investigação,
proposto por Descartes (1596 – 1690).
Segundo Capra, físico e filósofo da ciência, a ênfase no pensamento
racional vem do célebre enunciado de Descartes, “Cogito, ergo sum” – “Penso,
logo existo”, considerado o marco da cultura científica ocidental (2006, p. 37):
René Descartes criou o método do pensamento analítico, que consiste
em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o
comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes.
Descartes baseou sua concepção da natureza na divisão fundamental
de dois domínios independentes e separados - o da mente e o da
matéria. O universo material, incluindo os organismos vivos, era uma
máquina para Descartes, e poderia, em princípio, ser entendido
completamente analisando-o em termos de suas menores partes
(CAPRA, F. 1996, p. 33-34).
E continuamos com Capra relacionando razão e intuição:
Nossa cultura orgulha-se de ser científica; nossa época é apontada
como a Era Científica. Ela é dominada pelo pensamento racional, e o
136
conhecimento científico é frequentemente considerado a única espécie
aceitável de conhecimento. Não se reconhece geralmente que possa
existir um conhecimento (ou consciência) intuitivo, o qual é tão válido e
seguro quanto outro (CAPRA, 2006, p. 36-37).
Também a Teoria da Arte reconhece essas questões, conforme
Zamboni: “Descartes fez da razão o ponto de apoio para desenvolver sua
teoria, que é calcada na necessidade de um método. [...] A ordem como
essência do método inicia a transformação radical sobre a natureza do
pensamento: este já não pensa em coisas, e sim em relações” (2006 p. 11-12).
De acordo com Löbach, “mediante o emprego do conceito de função se
faz mais compreensível o mundo dos objetos para o homem” (2001, p. 51).
Considerando a questão da funcionalidade como o problema a ser resolvido
pelo designer, Bonsiepe refere-se à “academização da metodologia”, como
analogia do ato projetual, que conduz a elaboração de um método a ser
empregado na resolução efetiva deste problema. “Em termos gerais, trata-se
de uma reconstrução estruturalista onde os componentes analíticos se
interpenetram com os componentes normativos” (1983, p. 51-52).
Fazendo alusão direta à formulação de uma hipótese científica
semelhante a um anteprojeto de design, o qual corresponde a uma espécie de
tradução de uma série de recursos funcionais, tecnológicos, econômicos,
sociais e culturais, característicos de cada proposta de projeto. Pode-se
considerar o anteprojeto como a proposição de uma conjectura a ser validada
posteriormente, por uma prova (design gráfico), protótipo (industrial) ou mesmo
o produto final.
Pinheiro, sobre a questão do objeto, nos atenta à diferenciação
gnosiológica de Max Bense, que separa “coisa e propriedade” de “estrutura e
função”:
Observar o mundo sob o prisma das coisas e das propriedades é
privilegiar o ponto de vista da lógica discursiva e linear, donde as
proposições são formuláveis como ‘proposições sobre predicados que
dizem ou não dizem respeito a um sujeito’. ‘Todo o objeto que
percebemos aparece sob inumeráveis aspectos; o conceito de objeto é
a invariante de todos esses aspectos’ (Max Born). Compreendido o
137
objeto dessa maneira abstrata, como invariante, fica evidente seu
desligamento da coisa e de suas propriedades, e a mudança na
perspectiva, determinada pela estrutura e sua função (1993, p. 43).
Na tentativa de conciliação entre esses dois fatores marcantes, pode,
para o design, se reportar a Pareyson, a fim de estabelecer um equilíbrio, entre
estética e funcionalidade quando teoriza:
De modo que arte e utilidade, beleza e funcionalidade nascem juntos,
inseparáveis e coessenciais, e a mesma arte desempenha uma função
utilitária, e a própria finalidade econômica transparece de uma pura
forma. Então o julgamento estético só é possível através do utilitário, e a
utilização não é completa se não vem acompanhada da satisfação
estética; em suma, a fruição alcança a sua plenitude apenas na
inseparável duplicidade dos aspectos estéticos e econômico (2001, p.
54).
Arte / ciência, neste sentido, é a primeira relação de ligação com o
design, desenvolvida a partir da estética e da funcionalidade. Relações cuja
relevância, no que diz respeito à natureza do pensamento humano, são fontes
primárias do processo criativo na promoção evolutiva do conhecimento.
3.1.3 Projeto: emoção e razão
Na seqüência, outra relação que pode ser cogitada com o objetivo de
pensar a construção do conhecimento baseada no processo criativo, e análogo
à metodologia do design, é a relação entre emoção e razão. Se já como foi
descrito, é possível estabelecer uma ligação entre estética, arte, funcionalidade
e ciência, não parece descabido, promover uma relação entre arte e emoção,
ciência e razão, com base no método projetual sistemático, característico do
design.
É uma incógnita até hoje entre os especialistas, a questão de o quanto a
criatividade tem sua base no pensamento inconsciente e irracional, e o quanto
no pensamento consciente e racional. Essa certeza é difícil de ser mensurada,
138
pois adentra os limites da percepção humana. A percepção é um processo
muito subjetivo que varia de mente para mente. Os sentidos transmitem as
informações, que por sua vez não são traduzidas simplesmente na forma de
mensagens, implica-se em interpretação. Define-se como o processo de
organizar e interpretar dados sensoriais recebidos, para desenvolver a
consciência do que está em volta e até de si própria. Portanto não espelha
exatamente a realidade. Damásio, em O Erro de Descartes, afirma que a
personalidade de cada ser é caracterizada por sua razão, mas a razão é
marcada por sua histórica experimentação emocional (2007, p. 11-19). Pombo
e Tschimmel, ao propor uma volta à “reflexão-em-ação” do design para o
ensino e a aprendizagem, tendo a percepção como centro, contribui
acrescentando:
Experiências emocionais intensas ajudam a memorizar eventos e fatos
por um período mais longo de tempo, e assim são mais importantes
para originar idéias do que o conhecimento teórico [...] A tomada de
decisões do indivíduo refere-se a conhecimentos prévios, que são
registrados pela memória emocional. Esta por sua vez, foi moldada ao
longo do caminho, pelo sofrimento e prazer vivenciados na interação
com outros e com o mundo (2005, p. 68-9).
Pode-se dizer que em design, nas diferentes etapas de um projeto,
principalmente na identificação do problema ou delimitação, a emoção
influência mais do que se pensa. Cada designer interpreta um problema de
design de maneira distinta e subjetiva, assim, cada solução de design passa a
ser uma opção pessoal e específica de cada profissional (idem, op. cit, p.65).
É com base nesta auto-organização do cérebro entre emoção e razão,
inconsciente e consciente, irracional e racional que o estudo procura as origens
da intuição, como elemento do acaso que aflora de imediato. Semelhante ao
insight característico do processo criativo, como uma natural resposta da mente
para uma solução, desde que tenha sido “alimentada” corretamente com as
informações necessárias para isto, sejam elas emocionais ou racionais.
139
3.1.4 Objeto: intuição e inovação
Entendendo o termo inovação como a busca por algo originalmente novo,
pode-se apropriar, do que Bruno Munari trata como conceito de invenção: “a
relacionação entre o que se conhece, mas com o objectivo de uma utilização prática”
(1987, p. 23), quando propõe que a fantasia é “a faculdade humana que permite
pensar em coisas novas, que não existiam anteriormente”. E o produto da mesma,
assim como o da criatividade e da invenção, tem sua origem em relações que o
pensamento estabelece com tudo aquilo que conhece, que por sua vez, tem como
problema central o aumento do conhecimento, “de forma a permitir um maior número
de relações possíveis entre um maior número de dados” (Idem, op. cit, p. 31-37).
A partir deste raciocínio, este tópico tem como meta levantar alguns aspectos
sobre a intuição, a fim de vislumbrar uma compreensão63. Consequentemente a
intuição é empregada como uma opção para ampliar a gama de dados e relações no
processo de criação, seja em um projeto de design ou qualquer atividade que
necessite de reflexão para a invenção de algo.
Rudolf Arnheim na obra Intuição e Intelecto na Arte, afirma que estes dois
conceitos, antigos na história da psicologia filosófica, são os dois processos da
cognição humana, e que ambos se relacionam com a percepção e o pensamento de
maneira muito complexa:
Em nossa experiência direta estamos mais familiarizados com o intelecto, pela
boa razão de que as operações intelectuais tendem a consistir de cadeias de
inferências lógicas cujos elos são com freqüência observáveis à luz da
consciência, e claramente discerníveis entre si [...] A intuição é mais bem
definida como uma propriedade particular da percepção, isto é, a sua
capacidade de apreender diretamente o efeito de uma interação que ocorre
num campo ou situação gestaltista (2004, p. 13-15).
Ao evidenciar a problematização de tornar compreensível a definição do
termo, devido ao conhecimento basicamente de suas realizações e de seu modo de
operação esquivar-se da consciência, o autor remete-se primeiramente a Descartes 63 De acordo com BURDEN, verbalizar descritivamente a significação da intuição, é algo destinado ao mau êxito, pois a autora defende que a “intuição deve ser compreendida pela intuição”, portando o melhor que se pode fazer na tentativa de explanação sobre intuição, é dar condições ao leitor de vivenciar uma experiência intuitiva ou provocar nele tal lembrança (1993, p.31).
140
ao citar a obra Regras para a orientação do espírito, onde reproduz o pensamento:
“Por intuição não entendo o testemunho instável dos sentidos, nem o julgamento
enganoso oriundo das elaborações inexatas da imaginação, mas a concepção que a
mente lúcida e atenta nos dá, tão pronta e distintamente que não nos fica qualquer
dúvida a respeito daquilo que compreendemos” (Idem, Ibidem). Posteriormente a
Platão quando se refere à intuição como “o mais alto nível da sabedoria humana,
visto que propiciava uma visão direta das essências transcendentais, às quais todos
os fatos da nossa experiência devem a sua presença” (Idem, Ibidem).
Na tentativa de entender o complexo significado da intuição, para que se faça
presente no repertório de quem pretende aplica-lo ao ato criativo/inventivo, Burden
procura “rotular” a intuição como “uma identificação com uma ordem de inteligência
superior, inerente à natureza e acessível ao homem no estado de sensibilidade
aguda” (1993, p. 46), a autora acrescenta ao salientar: “A humanidade está evoluindo,
não apenas biologicamente, mas também em consciência. Está subindo do nível do
instintivo para o intelectual e deste para o nível intuitivo, sendo estes o que podemos
chamar de ‘graus’ de consciência, apesar de não serem muito nítidos” (BURDEN,
1993, p. 26).
Para não perder de vista o foco da discussão, voltemos a Arnheim: “o produto
visual mais elementar da cognição intuitiva é o mundo dos objetos definidos, a
distinção entre figura e fundo, as relações entre os componentes, e outros aspectos
da organização perceptiva” (2004, p. 18), Essa distinção, remete à fundamentação de
Munari acerca da criatividade no design. Como sendo o design, um ato de projetar,
livre como a fantasia e exato como a invenção, compreende todos os aspectos de um
problema, não somente relativos à imagem como fantasia, ou à função como
invenção, mas também todos os aspectos psicológicos, sociais, econômicos e
humanos. “Pode falar-se em design como de prejectar um objecto, um símbolo, um
ambiente, uma nova didática, um método para procurar resolver necessidades
coletivas, etc.” (MUNARI. 1987, p. 24).
Cardoso ao se referir a essa característica interdisciplinar, natural do design,
de se estabelecer relações, afirma:
Como atividade posicionada historicamente nas fronteiras entre a idéia
e o objeto, o geral e o específico, a intuição e a razão, a arte e a ciência,
a cultura e a tecnologia, o ambiente e o usuário, o design tem tudo para
141
realizar uma contribuição importante para a construção de um país e um
mundo melhores (2008, p. 253).
3.1.5 Considerações auto-centradas: “conhece-te a ti mesmo”
Após traçar algumas reflexões que porventura possam auxiliar a vislumbrar a
intuição, como fator a ser considerado na proposição do novo, a abordagem procura
relacionar os dados, semelhante à montagem de um complexo mosaico, cujas peças
mencionadas não passam de ínfima parte de um extenso todo, ao qual
provavelmente o estudo só é capaz de proporcionar a visualização de um minúsculo
fragmento.
Com o objetivo de organizar idéias de forma que possam entender o ato
efetivo da criatividade na busca pela inovação, destaca-se a essencial importância da
emoção presente na evolução do psiquismo da espécie humana. Segundo Goleman,
são as emoções que nos orientam diante de um impasse ou uma providência
importante demais para ser deixada a cargo somente do intelecto (1995, p. 18).
Transportando esse raciocínio para o design, pode-se supor que “quando se trata de
moldar nossas decisões e ações, a emoção pesa tanto – e às vezes muito mais –
quanto a razão” (Idem, ibidem.).
É justamente na autoconsciência dessa dicotomia (emoção/razão), embutida
nas duas vertentes produtoras do conhecimento64 (arte/ciência), que por sua vez está
presente no design por meio da estética/função, de onde se acredita que ocasione a
intuição. Estar pronto para captar a mais leve idéia sob a forma de intuição, poderia
significar estar apto à milenar recomendação de Sócrates, “Conhece-te a ti mesmo”,
ou seja, ter a consciência dos próprios sentimentos no exato momento em que eles
ocorrem, pois de acordo com Goleman:
Na dança entre sentimento e pensamento, a faculdade emocional guia nossas
decisões e a cada momento, trabalhando de mãos dadas com a mente
racional e capacitando – ou incapacitando – o próprio pensamento. Do
mesmo modo, o cérebro pensante desempenha uma função de administrador
64 Produção de conhecimento no sentido de evolução / inovação.
142
de nossas emoções – a não ser naqueles momentos em que elas lhe
escapam ao controle e o cérebro emocional corre solto (1995, p. 42).
Como afirmam Pombo e Tschimmel, “O homem criativo tem que ser, ao
mesmo tempo, não mundano e pé-no-chão” (2005, p. 72). Para Arnheim, é a
cognição que estabelece esse ponto de equilíbrio entre o que é lícito ou
conveniente, e enfoca aquilo o que é realmente relevante em termos vitais. É
ela que discerne sobre o que é importante, e assim reconstrói a imagem a
serviço das necessidades daquele que percebe. “A entrada destas diversas
forças determinantes, cognitivas tanto quanto motivacionais, assume a forma
de uma imagem perceptiva unificada graças à força mental que chamamos
intuição. A intuição é, assim a base de tudo; merece, pois, todo o respeito que
podemos oferecer” (ARNHEIM, R. 2004, p. 18). Para Burden: “A consciência,
assim como o medo, só tem sentido nos níveis mais baixos de percepção”
(1993, p. 67).
O campo de estudo perseverante, esforço sincero, meditação sadia e ócio
criativo65, constituem o grande veículo de amplitude de acesso à intuição, em todos
os aspectos. O “acaso” que conduz a soluções inovadoras, somente emerge em
circunstâncias em que encontra uma mente preparada, curiosa e tranqüila. Nossa
percepção, direcionada pela atenção, como uma espécie de filtro que peneira as
informações em diferentes pontos do processo perceptivo, que varia em cada
personalidade, parece ser determinado por sensações imediatas. Na realidade é
composto de produtos de memória, ou seja, o cérebro, em uma rápida observação do
ambiente, interpreta eventos à luz da experiência prévia. É claro que parte do
desenvolvimento de tal capacidade baseia-se na acumulação de experiência.
Portanto, semelhante à natureza, a palavra de ordem para a criação
inovadora e conseqüentemente para a produção harmoniosa do conhecimento,
seria o “equilíbrio” entre estas relações que possam ser levantadas por estarem
presentes no cotidiano, mas que se encontram ainda na esfera da
inconsciência. Relações estas passíveis de serem materializadas, por cada ser
verdadeiramente inserido em seu devido papel no mundo em que vive. Como
recomenda Burden:
65 Vide: DE MASI, D. 2000.
143
Se há qualquer coisa de que esse mundo necessita mais do que tudo é
de estudar intensamente a natureza – suas formas, suas estações, seus
caminhos – tanto nas florestas como em nossos próprios corpos e
mentes. Inúmeras vezes foi dito e raras vezes levado em conta que tudo
o que precisamos saber está exemplificado na natureza, se ficarmos
suficientemente tranqüilos e atentos para ver. [...] Nada, por certo, é
mais prático do que tomar conhecimento do significado e da função
originais do nosso próprio ser (1993, p. 64).
Intuir e criar é, certamente, eliminar hábitos de percepções,
pensamentos e emoções estereotipados na prática, na reflexão e no ensino do
design. Como toda atividade que necessite da reflexão, o design está aberto
para interferências emocionais, logo, intuitivas, elevando assim a importância
de levar em consideração o acaso e a idéia silenciosa que nasce da mente
aberta e pronta para aceita-los.
3.2 Semiótica e auto-conhecimento: da função estética/poética à função anagógica/terapêutica 3.2.1 Auto-conhecimento e a natureza da mente
“Conhece-te a ti mesmo” é toda a ciência. – Apenas no final do
conhecimento de todas as coisas o homem terá conhecido a si mesmo.
Pois as coisas são apenas as fronteiras do homem66.
NIETZSCHE (1881)
Ao se falar em auto-conhecimento, faz-se mister compreender, mesmo
de maneira sucinta, o que a ciência e a filosofia contemporânea vêm
especulando sobre o processo de funcionamento da mente67 no que diz
respeito à tomada de consciência.
66 GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de idéias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. (p. 156) 67 Nesta acepção, entende-se por mente, “algo” intermediário entre intelecto e espírito (Vide: ABBAGNANO, 2003, p. 660). Conforme uso constante na filosofia, intelecto pode-se referir a dois sentidos: num primeiro sentido mais genérico, caracteriza a faculdade de pensar em geral. Já num sentido
144
De acordo com Goleman (1995), em Inteligência Emocional:
À primeira vista, pode parecer que nossos sentimentos são óbvios; uma
reflexão mais demorada nos lembra das vezes em que fomos muito
indiferentes ao que de fato sentimos sobre uma coisa, ou quando tarde
demais nos demos conta desses sentimentos” (GOLEMAN, 1995, p.
70).
Yongey Mingyur Rinponche (2007), entre outros mestres do budismo
tibetano, tem participado há quase uma década junto com neurocientistas
renomados de pesquisas laboratoriais, a fim de tentar promover uma ponte
entre a sabedoria dos preceitos práticos e subjetivos do budismo, aliados às
observações técnico-científicas objetivas próprias da ciência no que diz
respeito ao funcionamento da mente humana68.
Ressalta que “a ciência moderna tem sido capaz de identificar muitos
processos e estruturas celulares que contribuem para os eventos intelectuais,
emocionais e sensoriais” associados ao funcionamento mental, mas que a
ciência “ainda precisa identificar o que constitui a ‘mente’ em si”. Para o mestre
budista, “quanto mais os cientistas conseguem analisar com precisão a
atividade mental, mais eles se aproximam do entendimento budista de que a
mente é um evento em perpétua evolução e não uma entidade distante”, um
tipo de “ocorrência em constante evolução resultante da interação de hábitos
neurológicos e dos elementos imprevisíveis da experiência imediata” (YONGEY
MINGYUR, 2007, p. 28-9).
específico, como uma atividade ou técnica particular de pensar, alude a três aspectos distintos: intuição, operação ou entendimento, inteligência ou intelecção (Idem, op. cit, p. 571-4). Por espírito, admite-se o significado predominante na filosofia moderna e contemporânea de alma racional, ou seja, o conjunto das funções superiores da alma (Idem, op. cit, p. 354-6). 68 YONGEY MINGYUR, Rinponche. A Alegria de Viver: descobrindo o segredo da felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. “Os textos budistas clássicos começam apresentando um fundamento teórico ou filosófico de análise, comumente chamado de ‘a Base’. Prosseguem, então, para os vários métodos de prática, comumente chamados de ‘o Caminho” e finalmente concluem com uma análise de resultados de experimentos pessoais e sugestões para estudos posteriores, descritas como ‘o Futuro’. Muitas vezes, a investigação científica ocidental segue uma estrutura similar, começando com uma teoria ou hipótese, uma explicação dos métodos pelos quais a teoria é testada, e uma análise comparativa dos resultados do experimentos com a hipótese original. [...] Enquanto a abordagem budista era capaz de ensinar às pessoas um método introspectivo e subjetivo para perceber seu pleno potencial para a felicidade, a perspectiva ocidental explicava, de forma mais objetiva, por que e como os ensinamentos funcionavam. Separadamente, tanto o budismo quanto a ciência moderna proporcionavam revelações extraordinárias sobre o funcionamento da mente humana. Juntos, eles formavam um conjunto mais completo e inteligível” (2007, p. 14-5).
145
Continuando com Yongey Mingyur, sobre a localização e existência da
mente:
Na melhor das hipóteses, séculos de investigação puderam determinar
que a mente não tem uma localização determinada, forma, cor ou
qualquer outra qualidade tangível que possamos relacionar a outros
aspectos básicos como a localização do coração e dos pulmões, os
princípios da circulação e as áreas que controlam funções essenciais
como o metabolismo. [...] Entretanto, como alguém poderia
realisticamente negar a existência da mente? A incapacidade de
localizar ou definir com precisão um fenômeno não significa que ele não
exista. Tudo o que isso significa é que ainda não acumulamos
informações suficientes para propor um modelo com o qual possamos
trabalhar (Idem, op. cit, p. 28).
A filosofia da medicina ayurvédica69, a partir da interpretação do Dr.
David Frawley (1996), respeitado autor no campo da ciência e da
espiritualidade nos EUA e na Índia, ensina que “se quisermos entender como a
mente funciona, a melhor forma será atentar para como a Natureza opera”
(FRAWLEY, 1996, p. 56).
Segundo Frawley:
Precisamos ver de que maneira o vento, o fogo e a chuva atuam na
psique. Precisamos aprender a observar a tormenta das emoções, a luz
ou a meia-luz da razão e os ritmos todos por meio dos quais não
apenas o nosso corpo, mas também a nossa mente e nossos sentidos
se movem. A mente é uma formação da Natureza. A mente apresenta a
mesma estrutura básica do universo, além de seguir as mesmas leis
imutáveis (Idem, ibidem).
69 Em concordância com a recomendação de Burden 1993 (vide: cap. 3, item 3.1.6) a filosofia do Ayurveda é conhecida como a antiga “Ciência da Vida”. Data de cinco mil anos e é o tradicional sistema de cura natural da Índia. Trata-se do lado medicinal dos sistemas yogues do subconsciente indiano, que incluíam a Yoga, o Vedanta, o Tantra e o Budismo. Hoje em dia, o Ayurveda destaca-se na medicina da mente e do corpo. Foi além de sua base tradicional e é alvo de atenção em todo o mundo. Com sua compreensão da vida e da consciência, não parece arcaico nem obsoleto, mas sim, uma chave para a medicina do futuro. O Ayurveda considera o corpo físico como uma cristalização de inclinações mentais profundamente arraigadas, compreende o corpo, a mente e o espírito numa única visão, encara a alma do homem como pura percepção, ligada ao complexo da mente e do corpo, mas sem se limitar a ele, de vez que esse complexo é o instrumento pelo qual se manifesta (Vide: FRAWLEY, 1996, p. 17-8).
146
O pensamento, da maneira como é entendido pelo senso comum, é uma
função do ego ou de um “eu” separado. Uma tendência particularmente
pessoal subjetiva “dá a tônica do modo como vemos a mente, tornando quase
impossível uma afirmação objetiva de suas capacidades”. De acordo com
Frawley, a partir da milenar ciência védica, o primeiro ponto a ser observado a
respeito da natureza da mente é que, “como algo observável, ela é um objeto.
É material e faz parte do mundo”. Conforme brevemente abordado na formação
molecular dos cristais e os diversos estados da matéria (vide: cap. 2, item 2.5),
Frawley afirma que “a mente não é matéria física, mas é matéria de natureza
sutil, etérea e luminosa”. Como uma entidade orgânica que possui estrutura,
ciclo de nutrição, origem e termo, “a mente apresenta certo quantum de energia
que enseja diversos efeitos palpáveis” (Idem, op. cit, p. 46-9).
Outro aspecto que a visão ayurvédica apresenta ao se referir à mente é
que esta por ser “a maior organização da matéria, aquilo que permite ao mundo
material ser cognoscível”, é uma instrumentalidade do conhecimento projetado
pela Inteligência Cósmica para permitir que a consciência tenha experiências”.
Mente e cérebro são coisas distintas, a mente é mais sutil. “Organicamente a
mente se liga ao corpo físico”, que é sobretudo “um órgão da percepção e da
expressão”. Poder-se-ia dizer que o corpo, “é a forma grosseira da mente”. O
corpo existe “para possibilitar à mente que perceba e atue; todavia, embora o
complexo da mente e do corpo seja uma unidade orgânica, ambos não são a
mesma coisa”. A mente pode funcionar “à parte da consciência corporal, como
durante o sono, num transe ou nos estados posteriores da morte” (Idem, op. cit,
p. 49-51).
Prosseguindo com Frawley:
Toda vez que dirigimos a atenção, lá está nossa mente. Ela se desloca
com a sua percepção. Nem ao menos se limita ao corpo porque é capaz
de observa-lo com um objeto e de utiliza-lo como um instrumento. [...]
Nosso conjunto sempre mutável de pensamentos, emoções e
sensações, revela a natureza móvel da mente. Ela é extremamente
volátil, e não há como impedi-la de variar. Isso se deve ao fato de que a
mente não é apenas um ponto mutável no espaço, mas é também um
147
ponto mutável no tempo. A mente não está em movimento, ela é o seu
movimento. Sem movimento ela não funciona. [...] É a forma mais sutil
da matéria, o próprio órgão da sensibilidade que fundamenta os
sentidos (FRAWLEY, 1996, p. 51-3).
Sendo matéria a mente é dualista, pois está sujeita às duas tendências
mutuamente contraditórias da natureza e da realidade: a atração e repulsão
(vide: atração e repulsão da percepção estética, cap. 2, item 2.3). “Tudo o que
pensamos tem o seu oposto. A mente é apenas o pensamento, que é o
processo da mente. O pensamento sempre reforça o seu oposto” (Idem, op. cit,
p.53-4).
Conforme esclarece o médico e filósofo ayurvédico:
As formas do pensamento também são materiais e nos afetam na forma
de choques elétricos pequenos, quase imperceptíveis, semelhantes a
pontos. Nossa mente está sempre dando a conhecer e absorvendo
formas de pensamento. [...] Entretanto, o pensamento é de muitos tipos,
e ocorre em muitas camadas. Só quando mudamos nossos
pensamentos mais profundos é que podemos realmente mudar e ir
além dos limites impostos pela mente (Idem, op. cit, p. 54-5).
O que não se pode perder de vista é que, por “detrás” das flutuações
mentais, existe uma percepção constante, “um sentido ininterrupto do eu ou do
ser, uma capacidade cada vez maior de observar, de testemunhar e perceber”.
Portanto, “a mente em si não é percepção. É o instrumento por meio do qual a
percepção trabalha”. A verdadeira percepção é a consciência pura, está além
do campo mental, “não está situada no tempo nem no espaço”, fica à parte
como “testemunha das coisas”, por isso “não é afetada pela ação e continua
livre das conseqüências positivas e negativas” (Idem, op. cit, p. 50).
De acordo com a metodologia do Ayurveda, que é a meditação, no
sentido de auto-observação mental:
Assumindo essa atitude de testemunha, podemos facilmente vir a
conhecer a mente e a atividade dela. [...] Deveríamos nos empenhar em
conservar a nossa percepção assumindo a atitude de testemunhas da
148
mente. Essa é a chave para aprender o que ela é. [...] Assim como
podemos ver e usar as mãos, assim também a percepção pode sondar
e usar a mente; mais isso requer um profundo estado de atenção.
Envolve o desapego da mente, o que implica desapego das atividades e
interesses da mente (FRAWLEY, 1996, p. 48-9).
3.2.2 Autoconsciência: três cérebros, três mentes
Conforme explicitado anteriormente (vide: cap. 2, itens, 2.2; 2.3), a
percepção consciente seja esta focada em um objeto externo (material), uma
idéia (imaterial) ou no próprio “eu”, depende do direcionamento e manutenção
da atenção. A faculdade da atenção, é sempre altamente seletiva, por isso
afeta o indivíduo de diversas formas. A percepção da realidade está
intimamente relacionada com o foco da atenção. Somente aquilo que é objeto
da atenção parece real, enquanto aquilo que é ignorado, por mais importante
que possa ser, parece dissolver-se na insignificância. William James, filósofo
americano e pioneiro da psicologia moderna, resumiu este fato de maneira
muito simples há mais de um século: “no momento, àquilo que prestamos
atenção é a realidade70” (JAMES, apud, WALLACE, 2008, p. 20).
Ao interpretar Willian James, Alan Wallace (2008), em sua obra A
revolução da atenção, reafirma que “a realidade que se nos apresenta não é
tanto aquilo que existe, mas sim aqueles aspectos do mundo nos quais
centramos nossa atenção”. Sendo assim a atenção tem um papel fundamental
no caráter e no comportamento ético do indivíduo. “A capacidade de trazer de
volta, constante e voluntariamente, uma atenção divagante é a principal raiz do
julgamento, do caráter e da vontade” (WALLACE, 2008, p. 21). Wallace
ressalta que James “reivindicou também que os gênios de todos os tipos
primam em suas capacidade de sustentar voluntariamente a atenção”, e que
todo homem de gênio “têm demonstrado uma extraordinária capacidade de
focar suas atenções com um alto grau de clareza, por longos períodos de
tempo” (Idem, op. cit, p. 21-2).
Segundo Wallace,
70 JAMES, W. The Principles of Psychology (vol. 2). Nova Yorque: Dover, 1890/1958, p. 322.
149
James reconheceu a enorme importância da habilidade de sustentar,
voluntariamente, a atenção num determinado tópico, declarando que
uma educação que pode melhorar de maneira eficiente esta faculdade
seria a educação por excelência. [...] Enquanto nossas mentes
oscilarem compulsivamente entre a agitação e a lentidão, entre um
desequilíbrio de atenção e outro, nunca descobriremos a verdadeira
extensão da consciência humana (Idem, op. cit, p. 22).
Apesar de incontáveis estudos que vêm sendo realizados sobre os
vários aspectos da atenção, muito pouco ainda é sabido sobre a “plasticidade
da atenção”, isto é, “a extensão na qual ela pode ser otimizada com
treinamento”. Enquanto que uma mente assentada em “estado de alerta
equilibrado é um solo fértil para a emergência de todos os tipos de associações
originais e insights”, uma mente que divaga constantemente, de uma distração
para outra, “pode ser removida para sempre do seu potencial criativo” (Idem,
op. cit, p. 21).
Para se referir à consciência do processo de pensar, os psicólogos
contemporâneos utilizam o termo metacognição, em paralelo ao termo
metaestado de espírito designando a consciência das emoções. Mas para a
finalidade desta abordagem, no que tange ao estado permanente de atenção
ao que estamos pensando ou sentindo internamente, utilizaremos os termos
autoconsciência ou autopercepção com uma ressalva, neste estado, a mente
deve estar desvinculada ao menos parcialmente do “ego”. Ou seja, quando o
“eu” do homem faz referência a si mesmo: “eu como autoconsciência, eu como
unidade, eu como relação” (ABBAGNANO, 2003, p. 388). Segundo Goleman,
“nessa consciência auto-reflexiva, a mente observa e investiga o que está
sendo vivenciado, incluindo as emoções”, tornando-se capaz de “registrar com
imparcialidade, tudo que passa pela consciência, atuando como testemunha
interessada, mas não reativa”. Semelhante ao que Freud denominou de
“escuta flutuante” (GOLEMAN, 1995, p. 70-1).
Goleman ressalta que este nível de autoconsciência exige um neocórtex
ativado, “sobretudo nas áreas da linguagem, sintonizado para identificar e
nomear as emoções despertadas” (grifo nosso). Neste estágio, a
150
autoconsciência “não é uma atenção que se deixa levar pelas emoções
reagindo com exagero e amplificando a percepção. Ao contrário, é um modo
neutro, que mantém a auto-reflexividade mesmo em meio a emoções
turbulentas” (Idem, op. cit, p. 71).
Em termos de mecânica neural da consciência, Goleman esclarece:
[...] essa sutil mudança de atividade mental presumivelmente avisa que
os circuitos neocorticais estão monitorando ativamente a emoção,
primeiro passo para adquirir algum controle. Essa consciência das
emoções é a aptidão emocional fundamental sobre a qual se fundam
outras, como o autocontrole emocional. [...] reconhecer um estado de
espírito negativo é querer livrar-se dele (Idem, ibidem).
O neocórtex é a base de todas as atividades racionais, inclusive a
resolução de problemas, julgamento, análise, controle dos impulsos e
habilidades para organizar informações, aprender com experiências passadas
e projetar planos para o futuro. Um único pensamento, sensação ou
experiência, requer uma série de interações complexas entre as três camadas
do cérebro: o tronco cerebral, a região límbica e o neocórtex.
Figura 17- As 3 camadas do cérebro. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_8ltVmSMpz-
E/SYNd4wqS3oI/AAAAAAAAABg/IBqfxAzulvs/s320/3-cerebros.gif
151
Ao abordar aspectos sobre a natureza da mente (cap. 3 item, 3.1),
espera-se que tenha ficado claro que mente não se confunde, nem é apenas
produto do cérebro. Contudo, vamos tentar, em algumas linhas, aprofundar um
entendimento mesmo que parcial sobre a estrutura e o funcionamento do
cérebro, base para uma maior compreensão sobre o funcionamento da mente,
a fim de facilitar a caminhada rumo ao auto-conhecimento.
Ccolocando em termos muito simples, a maior parte da atividade
cerebral parece decorrer de uma classe muito especial de células chamadas
neurônios. Semelhantes a uma árvore, essas células compostas de um tronco
conhecido como axônio, e galhos que se estendem para enviar e receber
mensagens de, e para, outras células nervosas, atingem até os tecidos
musculares e cutâneos, órgãos vitais e órgãos sensoriais, transmitindo suas
mensagens através de pequenas lacunas conhecidas como sinapses. As
mensagens que fluem por intermédio das sinapses são enviadas na forma de
moléculas químicas denominadas de neurotransmissores.
Segundo as explanações muito didáticas de Yonguey Mingyur, “quando
os neurônios se conectam, forma um vínculo muito parecido com amizades
antigas. Eles adquirem o hábito de passar os mesmo tipos de mensagens de
um lado para o outro”. Tal vínculo constitui a “base biológica de grande parte
do que chamamos de hábitos mentais, uma espécie de reflexo automático”
(MINGYUR, 2007, p. 33-4).
Figura 18 - Esquema de neurônio e detalhe de um sinapse. Fonte:
http://www.sosdepressao.com.br/Image14.gif
152
No cérebro humano, os bilhões de neurônios estão agrupados segundo
determinadas funções em três camadas diferentes, “cada uma das quais se
desenvolveu ao longo de centenas de milhares de anos à medida que a
espécie evoluía e adquiria mecanismos cada vez mais complexos para a
sobrevivência” (Idem, op. cit, p. 35).
A primeira e mais antiga dessas camadas, o tronco cerebral, comumente
conhecido como cérebro reptiliano, “é um grupo de células na forma de uma
lâmpada que se estende até o começo da medula espinhal” e tem como
principal finalidade a regulação das funções básicas e involuntárias, “como a
respiração, o metabolismo, as batidas do coração e a circulação”. Também é
função do cérebro reptiliano, a função primordial para a sobrevivência, o
chamado reflexo de “susto”, “uma reação automática que nos compele a
interpretar um evento ou encontro inesperado como uma possível ameaça”
(Idem, ibidem).
Com o passar do tempo e a evolução de novas classes de vertebrados,
a fim de garantir a sobrevivência da espécie, “uma nova camada do cérebro
gradualmente evoluiu”. Denominada de região límbica, essa camada circunda o
tronco cerebral como um tipo de capacete e inclui uma série de conexões
neurais programadas que estimulam o impulso cooperativo, isto é, “o impulso
para cuidar dos filhos, proporcionar comida e proteção e ensinar habilidades
essenciais de sobrevivência” (Idem, op. cit, p. 36).
A região límbica possui algumas estruturas e capacidades
extraordinárias, no entanto, para a finalidade desta abordagem basta
destacarmos duas em especial. Nas palavras de Yongey Mingyur:
A primeira é o hipocampo, localizado no lóbulo temporal. [...] Crucial
para a criação de novas memórias a partir de eventos diretamente
vivenciados, fornecendo um contexto espacial, intelectual e verbal que
dá significado às nossas reações emocionais. Outra parte importante é
a amígdala, uma pequena estrutura neuronal situada na parte inferior da
região límbica, logo acima do tronco cerebral. Como o hipocampo, há
dois destes órgãos no cérebro humano: um no hemisfério direito e outro
no esquerdo. A amígdala desempenha papel fundamental tanto na
153
habilidade de sentir emoções quanto na criação de memórias
emocionais (Idem, op. cit, p. 37).
Como amígdala está ligada ao sistema nervoso autônomo, “área do
tronco cerebral que automaticamente controla as reações musculares,
cardíacas e glandulares”, e o hipotálamo, “uma estrutura neuronal na base da
região límbica que libera adrenalina e outros hormônios na corrente sanguínea,
as memórias emocionais que ela cria são extremamente poderosas”.
Vinculadas a reações biológicas e bioquímicas que chegam até o hipocampo,
enviam um sinal para o tronco cerebral, onde é armazenado na forma de
padrão (grifo nosso). Na forma de padrões, as memórias se tornam tão
poderosas que poder ser acionadas de forma relativamente fácil por eventos
posteriores que tenham alguma semelhança com a memória original (Idem, op.
cit, p. 37-8).
Todas as atividades do sistema límbico, ou “cérebro emocional” como
também é conhecido, são interpretadas e organizadas através de um processo
de homeostase que se faz na terceira e mais recente camada do cérebro: o
neocórtex. Esta camada, específica dos mamíferos, que desenvolveu nos
seres humanos uma estrutura muito maior e mais complexa, “possibilita a
capacidade de lógica, formação de conceitos, planejamento e reações
emocionais com ajuste fino” (Idem, op. cit, p. 38).
Nas palavras de Yongey Mingyur,
Na verdade, se não fosse por essas saliências e fendas, nem seríamos
capazes de imaginar o cérebro, já que nosso grande neocórtex nos
proporciona a capacidade para imaginação, bem como a habilidade de
criar, entender e manipular símbolos. É o neocórtex que nos possibilita
a capacidade da linguagem, a escrita, a matemática, a música e a arte
(MINGYUR, 2007, p. 38-9).
Cada camada do cérebro é responsável por um determinado nível de
percepção ou consciência mental. Assim como as camadas do aparelho
cerebral, pode ser dividida em mente interior, intermediária e exterior, análogo
154
à categorização dos três componentes básicos estruturais da psique de Freud:
id, superego e ego, respectivamente.
O neocórtex ou mente exterior, reflete a mente interior (id) ou a
consciência mais profunda. Esta consciência profunda, extremamente sensível,
e de limites ainda inimensúráveis, “consiste no cerne profundo do sentimento e
do conhecimento”, como um campo em movimento, “de um dinamismo de ação
recíproca composto de tendências, latências e impressões, das quais apenas
algumas chegam à mente exterior ou autoconsciente”, domina o estado normal
de vigília. O que comumente chamamos de inconsciente, subconsciente ou
superconsciente, essa mente interior é o reservatório de energia de toda a
personalidade, a estrutura da personalidade original, básica e mais central,
sujeita às exigências somáticas do corpo, assim como os efeitos dos outros
níveis de consciência (FRAWLEY, 1996, p. 57-8).
Já a região límbica, fica com a mente intermediária (superego) ou
inteligência. Possui três funções: consciência, auto-observação e formação de
ideais. Enquanto consciência age tanto para restringir, proibir ou julgar a
atividade consciente, mas também age de maneira inconsciente, restringindo
de maneira indireta certos comportamentos ou percepções sob a forma de
compulsões ou proibições. É o depósito dos códigos morais, modelos de
conduta e dos construtos que constituem as inibições da personalidade, “dessa
forma, serve de mediadora entra a consciência interior mais profunda e nossas
funções sensoriais exteriores” (Idem, op. cit, p. 58-9).
E finalmente, o tronco cerebral ou cérebro reptiliano que rege as
atividades da mente exterior (ego) ou sensação-emoção. É a parte do aparelho
psíquico que está em contato com a realidade externa. De natureza emocional,
reflete “a busca empreendida pela consciência para assumir uma forma”. O que
inclui a capacidade de “reunir impressões sensoriais e de reagir a elas por meio
da atração e da repulsão, do medo e do desejo”. Tem a tarefa de garantir a
saúde, segurança e sanidade da personalidade, concentra “a base da vontade,
da motivação, sempre fluindo para fora, em busca de se encarnar na matéria e
de acumular para si as coisas do mundo” (Idem, op. cit, p. 59).
É o que habitualmente conhecemos como mente. Como a casca de uma
árvore, protege a mente interior, mas extrai energia dela a fim de realizar isso.
Por meio da mente exterior e de sua capacidade de expressão, atuamos no
155
mundo e nos sentimos como parte de uma realidade exterior, cujas
necessidades interiores procuram satisfazer, na tentativa de enfrentar a
necessidade de reduzir a tensão e aumentar o prazer.
Portanto, apesar de admitir que a mente em si não está simplesmente
subjugada à atividade cerebral, mesmo assim, pode-se, de maneira superficial,
concluir que, praticar o auto-conhecimento equivale ao treinamento da mente
intermediária (superego), isto é, a ampliação do senso moral, do crivo, juízo.
Através do simples fato de tomar consciência do processo natural da mente,
apreendendo a repousar na pura consciência dos pensamentos, sentimentos e
percepções à medida que ocorrem, isso basta para alterar a estrutura neuronal
do cérebro, modificando a comunicação (linguagem) entre as células que
perpetua a experiência de nosso próprio “eu”. Esse método de auto-
conhecimento – a meditação – é praticado tanto pelas tradições da yoga e
ciência ayurvédica, como do budismo e suas ramificações (vide: GOLEMAN,
1997).
3.2.3 A questão da linguagem: semiótica universal de Charles Sanders Peirce Após este breve panorama sobre os meandros da mente, cérebro,
percepção, criatividade, intuição e acaso que culmina no importante fato
singular de se auto-conhecer. Posto isto, atingimos o ponto onde todo este
entendimento pode ser aplicado à arte, ao design e particularmente ao nosso
objeto de estudo: o ornamento, ou a ornamentação. Conforme vimos, as
atividades mental e cerebral comportam-se de maneira semelhante a toda a
natureza e o cosmos: por meio de padrões cíclicos e contínuos, que por sua
vez, produzem uma linguagem, isto é, leis de funcionamento de objetos
através das quais um dado fenômeno acontece.
Desta forma, para que uma ciência possa abarcar tamanha amplitude,
deveria se ocupar de todo e qualquer fenômeno possível, de maneira que
possa analisá-lo livre de quaisquer pressupostos, ou seja, uma ciência geral de
todas as linguagens. Entendendo por linguagem os modos de constituição de
“todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de
156
sentido” (SANTAELLA, 1983, p. 13), tal ciência recebe o nome de Semiótica,
ou ciência dos signos, por derivação da raiz grega semeion.
Com o objetivo de fundamentar as bases para introduzir o que
denominamos função anagógica e função terapêutica da ornamentação, segue
uma breve recapitulação da semiótica peirceana, considerada “a mais jovem
ciência a despontar no horizonte das chamadas ciências humanas” (Idem, op.
cit, 1983, p. 15). Devido a uma abordagem de caráter elementar e universal,
constitui uma visão ampla e holística da categorização dos elementos de
linguagem, possibilitando a articulação de todos os conceitos abordados
anteriormente frente à análise semiótica da estética, cuja aplicação serve tanto
para arte quanto para o design, e que será abordada mais a frente (vide: cap.
3, item 3.2.4).
Segundo Santaella (1983), “desde a descoberta da estrutura química do
código genético, nos anos 1950, aquilo que chamamos de vida não é senão
uma espécie de linguagem, a própria noção de vida depende da existência de
informação no sistema biológico”. As linguagens são e estão no mundo e nós
somos e estamos na linguagem. Através de uma determinada linguagem é que
se faz possível uma determinada interação, seja ela de qualquer espécie e em
qualquer nível. No caso da vida, para que haja interação, “os dois ingredientes
fundamentais são: energia (que torna possíveis os processos dinâmicos) e
informação (que comanda, controla, coordena, reproduz e, eventualmente,
modifica e adapta o uso da energia)”. Através da interpretação e análise dos
signos, a semiótica é a ciência geral de todas as linguagens (Idem, op. cit, p.
13-4).
O homem dentre todas as aparências sensíveis, na sua “inquieta
indagação para a compreensão dos fenômenos desvela significações”. Tudo
o que, na natureza, “fala” ao homem, o é sentido como linguagem. “É no
homem e pelo homem que se opera o processo de alteração dos sinais
(qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo) em signos ou linguagem
(produtos da consciência)”. Há portanto a linguagem das pedras, das flores,
dos ventos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e até mesmo a
linguagem do silêncio e do sonho que, desde Freud, também se estrutura como
linguagem (Idem, op. cit, p. 12-3).
157
Tudo que é passível de ser percebido em qualquer sentido pela mente,
seja externa, interna, visceral, pertencente a um sonho, uma idéia geral ou
abstrata, caracteriza um fenômeno. Desde Aristóteles os filósofos perseguiram
uma fórmula para “encontrar um número limitado de categorias que servisse de
modelo capaz de conter a multiplicidade dos fenômenos do mundo” (NÖTH,
1995, p. 63).
Segundo Winfried Nöth,
Espaço e tempo, por exemplo, são dois tipos de fenômenos que foram
considerados como categorias por serem irredutíveis a outros
fenômenos na nossa experiência. Aristóteles conseguiu classificar dez
categorias; Kant elaborou 12. [...] Numa redução radical das listas
categóricas do passado, Peirce desenvolveu uma fenomenologia de
apenas três categorias universais (Idem, ibidem).
Peirce se autodenominou um idealista objetivo, “era um evolucionista de
tipo muito especial, nem mecanicista, nem estritamente materialista”. Para ele,
“materialismo sem idealismo é cego: idealismo sem materialismo é vazio”.
Peirce postulava uma teoria do crescimento contínuo no universo e na mente
humana71. Conforme dizia: “o universo está em expansão, onde mais poderia
ele crescer senão na cabeça dos homens?” (PEIRCE, apud, SANTAELLA,
1983, p. 25).
Na fenomenologia peirceana, tal crescimento contínuo é fundamentado
em bases lógicas teoricamente sólidas admitindo que o “crescimento humano
gera produtos concretos capazes de afetar e transformar materialmente o
universo, ao mesmo tempo que são por eles afetados” (Idem, op. cit, p. 25-6).
Abordamos este mesmo princípio sob o viés da estética: conteúdo e forma: o
ciclo percepção-expressão (vide cap. 2, item, 2.4). A base da fenomenologia de
Peirce começa no aberto, livre de qualquer julgamento de qualquer espécie: “a
partir da experiência ela mesma, livre dos pressupostos que, de antemão,
dividiriam os fenômenos em falsos e verdadeiros, reais ou ilusórios, certos ou
71 Visão semelhante à forma como a filosofia ayurveda entende a mente, segundo Frawley, “em substância, a mente semelha ao espaço – é expansiva, aberta e a tudo perpassa. A exemplo do espaço, pode abarcar inúmeras formas e não se esgotar nelas. Quanto mais desenvolvida se torna a mente, maior se torna o seu espaço” (Vide: FRAWLEY, 1996, p. 57).
158
errados”, para ele, “fenômeno é tudo aquilo que aparece à mente, corresponda
a algo real ou não” (Idem, op. cit, p. 32-3).
Conforme explicita Santaella,
[...] a partir da observação acurada dos próprios fenômenos, Peirce
chega às suas categorias através da análise e do atento exame do
modo como as coisas aparecem à consciência. [...] Desse modo, sua
pequena lista de categorias consiste de concepções simples e
universais. Elementares porque são constituintes de toda e qualquer
experiência, universais porque são necessárias a todo e qualquer
entendimento que possamos ter das coisas reais ou fictícias
(SANTAELLA, 1983, p. 34).
Com o artigo “1, 2, 3, Categorias do Pensamento e da Natureza”,
elaborado ao final de observações e estudos realizados entre 1867 e 1885,
Peirce encontrou, “nas ciências da natureza e do pensamento, confirmações
independentes que corroboram suas três idéias. A tríade que, para fins
científicos preferiu denominar de Firstness, Secondness e Thirdness,
(traduzidas por Primeiridade que se refere à qualidade da experiência;
Secundidade, referente à reação, e Terceiridade correspondente a mediação
da mesma) “por serem palavras inteiramente novas, livres de falsas
associações a quaisquer termos já existentes”, começava a aparecer na “lógica
e nas ciências especiais, primeiro na psicologia, então na fisiologia e na teoria
das células, finalmente na evolução biológica e no cosmos físico como um
todo” (Idem, op. cit, p. 35-6).
Segue-se uma síntese das três características na interpretação de Nöth:
Primeiridade é a categoria do sentimento imediato e presente das
coisas, sem nenhuma relação com outros fenômenos do mundo. Na
definição de Peirce, “primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal
como é, positivamente e sem referência a outra coisa qualquer”. É a
categoria do sentimento sem reflexão, da mera possibilidade, da
liberdade, do imediato, da qualidade ainda não distinguida e da
independência.
159
Secundidade começa quando um fenômeno primeiro é relacionado a
um segundo fenômeno qualquer. É a categoria da comparação, da
ação, do fato, da realidade e da experiência no tempo e no espaço: “ela
nos aparece em fatos tais como o outro, a relação, compulsão, efeito,
dependência, independência, negação, ocorrência, realidade,
resultado”.
Terceiridade é a categoria que relaciona um fenômeno segundo a um
terceiro: “é a categoria da mediação, do hábito, da memória, da
continuidade, da síntese, da comunicação, da representação, da
semiose e dos signos” (NÖTH, 1995, p. 63-4).
Para se ter uma idéia da amplitude e abertura máxima dessas
categorias, em nível mais geral, “a 1ª corresponde ao acaso, originalidade
irresponsável e livre”; a 2ª corresponde “à ação e reação dos fatos concretos,
existentes e reais”, já a 3ª “diz respeito à mediação ou processo, crescimento
contínuo e devir sempre possível pela aquisição de novos hábitos”
(SANTAELLA, 1983, p. 39).
Ao elevar ao extremo as possibilidades de análise por meio de um rigor
científico tradicionalmente ocidental, Peirce chegou a “uma concepção de
consciência que se aproxima muito mais da filosofia oriental do que de
qualquer um dos sistemas filosóficos que o mundo ocidental produziu. Desse
modo, tomando-se consciência como um todo, nada há nela senão estados
mutáveis” (Idem, op. cit, p. 41-2). Peirce conseguiu através da ciência, alcançar
os preceitos milenares da sabedoria filosófica oriental, e que hoje
consensualmente conhecemos pelo termo holística72.
Como teoria científica, a Semiótica de Peirce “criou conceitos e
dispositivos de indagação que nos permitem descrever, analisar e interpretar
linguagens”. Tais conceitos são apenas instrumentais para o pensamento, “não
podem, por si mesmos, substituir a atividade de leitura e desvendamento da
realidade”, o que equivale a dizer que mais vale viver (experienciar) do que
saber (imaginar), ou seja, teoria não sobrevive sem prática (Idem, op. cit, p.
70).
72 Neste sentido consulte-se WEIL, P. Holística; uma nova visão e abordagem do real. São Paulo: Palas Athenas, 1990.
160
Em suma, a principal contribuição da Semiótica peirceana foi a de
organizar os caracteres gerais básicos a fim de proporcionar as imprescindíveis
fundações fenomenológicas e formais para o necessário desenvolvimento de
muitas e variadas semióticas especiais e mais estritas, como por exemplo, a
semiótica da linguagem sonora, da arquitetura, da linguagem visual, da
natureza e das artes. Esta última servirá de base para nossa proposição das
funções anagógica e terapêutica da ornamentação que vamos abordar a
seguir.
3.2.4 Linguagem em arte e design: da função estética à função anagógica
“Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”73.
[SAINT-EXUPÉRY]
A semiótica considera todos os fenômenos culturais como fenômenos de
comunicação, sejam eles verbais ou não verbais. Mas, paralelamente a isso,
considera-os como processos de significação. Tanto a arte como o design, na
qualidade de certas obras serem produzidas para fins estéticos ou enquanto
produção de objetos com efeito estético, são fenômenos de comunicação e de
significação, e como tal, passível de ser examinado pela semiótica.
Segundo Calabrese, do ponto de vista comunicacional, uma semiótica
da estética não pretende dizer se uma obra é “bela” ou não, mas “como e por
que pretende produzir um efeito de sentido”, e ainda, “como a obra diz o que
diz”. Portanto do ponto de vista comunicacional uma semiótica da estética tem
por fim limitar-se a explicar a obra em sentido estrito: “somente ao texto e não a
elementos externos a ele” (CALABRESE, 2002, p. 18).
A fim de manter a abordagem geral e abrangente preconizada até aqui,
pressupõe-se arte e design como forças complementares e não excludentes,
admitindo o design como uma ramificação, ou complementar à arte, a fim de
suprir uma necessidade natural-evolutiva de conceituação estética (vide: cap. 73 Citação extraída do e-book O Pequeno Píncipe de Antoine de Saint-Exupety, disponível em: http://www.4shared.com/file/19260300/c8062dca/O_Pequeno_Principe__Ilustrado__-_Antoine_De_Saint-Exupery.html - acesso em 15/07/2010.
161
1, item, 1.6). Sendo assim, inicialmente ocupa-se da relação entre arte e
comunicação, mais especificamente da inter-relação entre arte e linguagem,
para posteriormente estender esta relação ao design e até a ornamentação
propriamente dita.
De acordo com Calabrese, “uma obra é feita como é feita porque figura
um conjunto de critérios mais abstratos de gosto e conhecimento, porque
transforma em objetos sensíveis”, porque os reduz a artefatos comunicativos e
“porque os representa através da linguagem”. Charles Morris é considerado
como o pai da semiótica estética, isto é, “uma especificação da teoria dos
signos enquanto aplicada à arte”. Tendo dedicado ensaios fundamentais aos
problemas de sua implantação, Morris é, sem dúvida, “o primeiro a delinear
globalmente uma abordagem semiótica da estética” (Idem, op. cit, p. 71-2).
Como o presente trabalho tem por objetivo o aprofundamento e a
proposição de uma relação da ornamentação no âmbito comum do efeito
estético em entre a arte e o design enquanto função, dois nomes se fazem
categóricos para o desenvolvimento do raciocínio, são eles: Roman Jakobson,
“um dos maiores estudiosos da semiótica contemporânea”, e Ian Mukarovsky,
“devido a uma formação diversa e a uma diferente utilização da lingüística, a
qual foi para ele nada mais que um princípio metodológico fundamental para a
pesquisa no campo da estética e teoria da arte” (Idem, op. cit, p. 77-89).
Nas palavras de Calabrese:
Roman Jakobson foi, sem dúvida, o maior representante daquelas
correntes que, entre os anos 20 e 30, deram lugar às tendências
formalistas e estruturalistas no âmbito da crítica da literatura e da arte.
Mas se ele representa a polaridade mais rigorosamente lingüística
daquelas correntes, pertence a um outro membro do Círculo Lingüístico
de Praga, Ian Mukarovsky, um papel fundamental na constituição de
uma estética semiótica (Idem, op. cit, p. 83).
É por meio do conceito de função que melhor torna-se compreensível o
“tipo de operação que o signo desenvolve dentro de um processo comunicativo
e significativo” que, em geral, origina-se através do Discurso ou da Linguagem.
Jakobson foi quem “propôs uma teoria das funções da linguagem mais móvel e
162
abrangente”, capaz de interpretar, “de maneira especial”, certas atividades da
linguagem, como a estética (Idem, op. cit, p. 78).
Jakobson dividiu sua teoria em seis funções: referencial; fática ou de
contato; conativa ou imperativa; metalingüística; emotiva e poética ou estética.
Tal subdivisão é muito móvel, pois “prevê que cada processo comunicativo não
contém apenas uma, mas várias funções ao mesmo tempo” (Idem, ibidem).
Embora hoje muitas delas tenham sido colocadas em discussão, a
função estética, devido à crescente necessidade de atribuir a setores
tecnológicos e científicos o valor estético, no estágio atual da evolução do
sistema capitalista tardio (JAMESON. F. 1997) passa a ocupar um lugar ainda
mais proeminente. E o design, sem nunca ter eliminado questões de âmbito
artístico, através da recolocação da função estética, vêm materializando uma
série de novos conceitos, dentre os quais se verifica uma retomada da
produção artística artesanal e, consequentemente, um aumento no nível e grau
de elementos semióticos e psicológicos.
A função estética ou poética na concepção de Jakobson visa “concentrar
a atenção no modo pelo qual são produzidas as expressões, por exemplo, pela
subversão das regras usuais que reduz a mensagem artística a um fato
puramente formal de simples atenção sobre si mesmo”. Desta forma, “consiste
na apresentação da mensagem de forma ambígua e auto-reflexiva, isto é,
destinada a atrair a atenção do destinatário sobre a própria estrutura e a se
colocar de modo ambíguo com relação ao código entendido como norma, ou
seja, com sistema de expectativas” (CALABRESE, 2002, p. 78-9).
A poética, na concepção de Jakobson, segundo a interpretação de
Calabrese,
[...] por um lado é interna à lingüística, por que é capaz de avaliar,
mediante instrumentos de análise da linguagem, a artisticidade de um
texto. [...] Por outro lado, porém, a poética pode superar os limites da
lingüística: as mesmas características que fazem de um texto verbal um
texto estético estão, de fato, presentes de maneira análoga também em
textos que se constituem mediante outros materiais de expressão
(Idem, op. cit, p. 79).
163
Se na teoria jakobsoniana da linguagem, a função estética (ou poética)
ocupa um lugar relevante, com Mukarovsky tal função atinge o máximo de
amplitude e generalização, pois ele a eleva, enquanto fato semiológico, ao
patamar de fato social, isto é, aquilo que realmente existe, o que é,
verdadeiramente, real (grifo nosso).
Para Mukarovsky (1993) “a função estética ocupa um campo de acção
muito mais amplo que a arte propriamente dita. Qualquer objecto e qualquer
acção (seja um processo natural ou uma actividade humana) podem chegar a
ser portadores da função estética” (MUKAROVSKY, 1993, p. 22). Deste modo,
Mukarovsky defende que não há nenhum limite fixo entre o estético e o extra-
estético, pois para ele,
[...] não existem objectos nem processos que, por essência e estrutura,
e sem que se leve em linha de conta o tempo, o lugar e o critério com
que são avaliados, sejam portadores da função estética nem outros
que, pela sua estrutura real, hajam de considerar-se subtraídos ao seu
alcance (Idem, ibidem).
De acordo com a visão de Mukarovsky, os limites da esfera estética não
são determinados unicamente pela própria realidade, além de serem muito
variáveis, principalmente quando considerados do ponto de vista da avaliação
subjetiva dos fenômenos. “Todos conhecemos pessoas para quem tudo
adquire função estética e outras para quem a função estética existe apenas em
mínima medida”, os limites que separam o estético do extra-estético,
dependem do “grau de perceptibilidade estética, e variam em cada pessoa com
a idade, com o estado de saúde e mesmo com o estado momentâneo de
espírito” (Idem, op. cit, p. 24).
Ao delimitar a esfera do estético e a esfera do extra-estético,
Mukarovsky ressalta que não se trata de esferas separadas com precisão ou
livres de interligações, estas estão em permanente relação dinâmica. “ fronteira
que separa a arte do resto da esfera estética e dos fenômenos extra-estéticos
é imprescindível para a história da arte, pois dela depende de modo decisivo a
seleção do material histórico. “Parece que uma obra de arte se caracteriza
univocamente pela sua particular factura - pelo modo como foi feita”. Logo, a
164
relação entre a função estética e as demais funções da arte “decorre
logicamente do caráter da arte como esfera de fenômenos estéticos por
excelência” (Idem, op. cit, p. 25-7).
Nas palavras de Mukarovsky:
A esfera do estético não está, pois, separada em dois sectores
hermeticamente isolados um do outro: antes, no seu conjunto, é
dominada por duas forças contraditórias que ao mesmo tempo a
organizam e desorganizam – quer dizer: mantêm ininterrupto o
processo da sua evolução. Observando a arte por esta óptica, a sua
principal tarefa aparece-nos como renovação permanente da ampla
esfera dos fenômenos estéticos (MUKAROVSKY, 1993, p. 27).
Neste sentido, a função estética caracteriza o movimento que impulsiona
o processo evolutivo da arte. Admitindo a arte como um “mundo” aberto, sem
fronteiras rigorosas nem critérios unívocos, “no decurso da sua evolução, a arte
modifica a sua extensão sem cessar”. E é precisamente por esta razão que “se
mantém irredutivelmente válido o princípio da polaridade entre a superioridade
e a subordinação da função estética na hierarquia funcional”. Sem tal
polaridade, “a evolução da esfera estética careceria de sentido, pois
exactamente ela é que marca a dinâmica do contínuo processo evolutivo”
(Idem, op. cit, p. 34).
Na concepção de Mukarovsky, a função estética é “muito mais que algo
que flutua à superfície das coisas e do mundo”, ela intervém de modo
significativo na vida da sociedade e do indivíduo, tomando parte na gestão da
inter-relação entre o indivíduo e a sociedade, e entre a realidade em cujo
centro se situa. “A esfera do estético evolui, portanto, no seu conjunto”,
encontrando-se em permanente relação com aqueles setores da realidade que
não são em absoluto portadores de função estética. Para ele, “uma tal unidade
e integridade só são possíveis na base de uma consciência colectiva que
estabelece as relações entre as coisas, convertendo-as em portadoras da
função estética, e unifica os estados de consciência individual isolados uns dos
outros”. Deste modo, verifica-se que nos períodos em que a coletividade
apresenta uma intensa tendência para aplicar a função estética, o individuo
165
recebe maior liberdade para a adoção de uma atitude estética, seja ela ativa,
criando coisas, ou passiva, percebendo-as (Idem, op. cit, p. 34-8).
Assim como tantas artes apresentam fenômenos extra-artísticos ou até
mesmo extra-estéticos, como por exemplo: a arquitetura onde a função prática
compete com a função estética; a literatura cuja função comunicativa entra com
ela em competição; a dança que pode apresentar outras funções como a
higiênica ou a erótica; a pintura e a escultura que podem apresentar caracteres
puramente informativos, a exemplo das figuras ou desenhos das ciências
naturais; ou ainda no caso da pintura sob a forma de gravura que pode
apresentar todos os elementos plásticos utilizados pela comunicação visual e a
publicidade. Todas estas atividades, com leve exceção da música que é a arte
onde menos se manifestam conexões diretas com a esfera extra-artística,
quase sempre apresentam a função estética dividindo a prioridade fundamental
com outra qualidade funcional, de diferente espécie. Tais casos ocorrem
quando a arte deriva para a esfera dos fenômenos extra-artísticos.
Mas existem fenômenos que em essência radicam fora da arte, mas
tendem para ela sem a atingir de forma permanente, como por exemplo, as
atividades decorativas tradicionais, o artesanato artístico e alguns aspectos do
design, quando considerado como um ramo potencial utilitário da arte. Tais
atividades que foram predominantemente dedicadas ao fabrico de objetos de
uso quotidiano, sempre mantiveram certos matizes estéticos que costumavam
estar em estreita coexistência exterior com a criação artística propriamente
dita. Mas, a partir da segunda fase do modernismo, das conseqüências
paradoxais que a revolução industrial e seus desdobramentos proporcionaram
à atividade artística, acontece uma inversão de valores, na tentativa de salvar a
produção manual, o caráter de unicidade dos objetos que perdiam o sentido
prático na competição com a produção industrial (vide: cap. 1).
Tais atividades, ao adentrarem inteiramente na esfera da arte, ou seja,
quando começaram a tender para a fabricação de peças únicas com função
preponderantemente estética, acabaram por deixar em segundo plano suas
próprias funções práticas, o que caracterizou até certo ponto uma anomalia,
mas foi também um fato indispensável e natural na evolução da esfera artística,
principalmente para a emergência de um conceito mais amplo de design (vide:
166
cap.1, item, 1.6). Nestes casos o que se verifica é uma revalorização da função
estética acima da função prática, ou outra função particular.
À parte a estas duas qualidades divergentes de manifestação da função
estética: ora subjugada à coexistência com outras funções, ora se sobrepondo
de maneira proeminente a outras funções, Ian Mukarovsky faz referência a dois
casos particulares cujo interesse é de fundamental importância à proposição
deste nosso trabalho, são eles: “o culto religioso e o da beleza da natureza
(principalmente da paisagem) e as suas relações com a arte” (MUKAROVSKY,
1993, p. 33).
É incontestável que o culto religioso demonstra, geralmente, uma
porção considerável de elementos estéticos. Em certas religiões a estetização
do culto é tão requintada que a arte acaba por ser sua parte integrante. Para
Mukarovsky, “a liturgia está, por vezes, tão impregnada de função estética que
os teóricos não hesitam em classificá-la como arte, especialmente naquelas
épocas em que o aspecto religioso do culto é mais fraco”. Na arte sacra
“coexistem duas funções dominantes, das quais a primeira, a religiosa, faz da
outra, a estética, um meio para a sua concretização”. Pode-se dizer que, mais
que uma hierarquização, o que acontece é uma “contaminação” das duas
funções (Idem, ibidem).
Segundo Pinheiro (2001), esse tipo de utilização de caráter estético do
ponto de vista de uma “perspectiva da comunicação”, cria um potencial para se
articular ao discurso verbal e visual um conteúdo moral, o qual se dá por meio
da contemplação. Ao citar o caso do Azulejo luso-brasileiro seiscentista de
padrão, observa que manteve sua característica sui generis ao prestar-se a
contemplação:
Assim, o padrão decorativo, “quando demorada e descontraidamente
observado, em virtude das propriedades imanentes em seus centros de
simetria de estrutura caleidoscópica”, criam um apelo visual pela rotação de
elementos formais de simetria, que funcionam “como ímãs para o olho”, pois ao
se repetirem ritmicamente, “desencadeiam ao olhar contemplativo uma espécie
de suave estímulo cintilante de caráter hipnótico” (PINHEIRO, 2001, p. 135).
De acordo com o autor:
167
Os centros formais de simetria ou centros de rotação do Azulejo de
padrão apresentam uma semelhança com o mandala (grifo nosso), em
sânscrito, o ‘circulo ritual ou mágico’ do lamaísmo ou da yôga tântrica,
que é um instrumento criado para a prática da meditação, prestando-se,
por meio da concentração ou da contemplação, ao recolhimento interior
e a estados de consciência transcendental até o êxtase (Idem, ibidem).
Figura 19 – Exemplo de Azulejo Padrão sob a configuração do Mandala. Cúpula azulejada da
Igreja do Convento de Santo Antônio, Recife, século XVIII. Fotografia: Günter Heil. Fonte: Pinheiro, Azulejo luso-brasileiro: uma leitura plural. In:V.V.A.A. Barroco Memória Viva, Arte
Sacra Colonial. São Paulo, EDUNESP, 2001, p. 119.
Continuamos com Pinheiro, a respeito do caráter religioso da
contemplação:
Historicamente mais ou menos exaltado, o movimento da Igreja em
direção à contemplação de um Céu na Terra sempre existiu, mas foi
bem reconhecido, expresso e perseguido pela estética gótica pioneira
168
do abade Suger, na Catedral de Saint Denis (norte de Paris), nos
meados do século XII. A contemplação do brilho terreno na forma de
vidro colorido dos vitrais e dos trabalhos de esmalte era o meio buscado
por Suger para conduzir o fiel cristão ao caminho da iluminação divida.
[...] Essa ação estética doutrinária, ao enfatizar o papel místico da luz,
foi chamada de “movimento anagógico”, ou arroubo místico, “que leva
para cima” (Idem, op. cit, p. 136).
Figura 20 - Catedral de Saint Denis atualmente; Localizada perto de Paris, ao norte, constituiu
a sede mais rica da abadia da França, hoje é um dos subúrbios mais pobres da região parisiense. Fonte:
http://1.bp.blogspot.com/_osWZAiIt1A4/SRtUo57cAaI/AAAAAAAAFRg/tghxN113I0k/s1600-h/Saint+Denis+(3).JPG
Figura 21 - Vitral em formato de mandala localizado no ponto central da fachada frontal da
Basílica de Saint Denis, logo acima do portal de entrada. Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_osWZAiIt1A4/SRtUnZS_7FI/AAAAAAAAFRQ/ZcZJLYGIDlc/s1600-
h/Saint+Denis+(34).JPG
169
Outra característica de efeito semelhante (a qual Mukarovsky se refere),
a beleza da paisagem que, reflete o culto à natureza. Em suas palavras, “a
natureza, por si própria, é um fenômeno extra-artístico enquanto não é
transformada pela acção do homem movido de afã estético”. Deste modo, “a
paisagem pode produzir o mesmo efeito que uma obra de arte”. A solução
deste mistério é simples: “para os espíritos cultivados, a arte reflecte-se na
natureza e empresta-lhe o seu esplendor”, a função estética lhe vem de fora
(MUKAROVISKY, 1993, p. 33-4).
Em conformidade com o movimento anagógico do culto religioso,
conforme Pinheiro (1991; 2001), a percepção da beleza (função estética) na
contemplação da natureza se processa do mesmo modo. Para os místicos,
“meditação sobre a forma”, é o termo técnico utilizado para considerar o
sentido da visão como ato contemplativo/meditativo. Ou, na terminologia zen-
budista do Japão, os mestres utilizam a palavra satori, para descrever um
momento de insight quando a consciência é arrebatada através da beleza do
aspecto sagrado da natureza (TOLLE, 2002, p. 97).
Segundo prega Eckhart Tolle (2002), a beleza “nasce” da serenidade do
estado de consciência, que “a mente não pode reconhecer nem criar”. Quanto
maior for o distanciamento entre “a percepção e o pensamento, mais profundos
seremos como seres humanos, ou seja, ficaremos mais conscientes”, pois
existe algo mais sob a beleza das formas externas. “Algo que não pode ser
nomeado, que é inefável, uma essência profunda, interna e sagrada. Onde
quer que exista a beleza, essa essência interior brilhará de alguma forma”
(Idem, op. cit, p. 97-8).
Retomando, Yongey Mingyur, no contexto do budismo tibetano, explica
que,
[...] quando repousa a mente em um objeto, você o está vendo como
algo distinto ou separado de si. Mas, quando relaxa e repousa a mente
na consciência pura, a distinção se dissolve. E, ao alternar entre
concentrar-se em um objeto e permitir que a mente repouse na pura
consciência, você, de fato, começa a reconhecer a verdade básica que
a neurociência tem nos mostrado: tudo o que percebemos é uma
reconstrução criada na mente. Em outras palavras, não há distinção
170
entre o que é visto e mente que o vê (YONGEY MINGYUR, 2007, p.
153-4).
Partindo deste princípio, chega-se ao ponto onde se torna possível a
conjectura do que poderíamos denominar de “função anagógica”, tanto na
atividade artística, de design ou qualquer outra ação efetuada pelo homem.
Assim, a função anagógica está presente se o modo (maneira) ao realizar
determinada atividade, mantenha uma alternância da mente entre a
concentração e a contemplação consciente, no próprio ato em si de conceber e
perceber, simultaneamente, à ação que está sendo realizada.
Entende-se por anagogia, uma espécie de “êxtase místico” ou, o
“arrebatamento da alma na contemplação das coisas divinas, que parte do
sentido literal para chegar ao espiritual” (LAROUSSE, 1998, p. 278). A partir
deste conceito, num sentido material, passível de ser percebido através do
sentido da visão, ou outro sentido, a função estética serve como mero pretexto
para uma percepção mais elevada, possível apenas em estágios de
consciência mais sutis, cujo sentido espiritual, denominamos “função
anagógica”. Por anagógico, “diz-se de um conceito que permite representar de
modo mais abstrato, mais figurado, um objeto de pensamento”, sinônimo de
místico, extático (Idem, ibidem).
A fim de resgatar historicamente esta proposição, reportamo-nos à
Plotino que, análogo ao movimento anagógico, refere-se à natureza da
contemplação. A qualidade de um movimento cíclico e contínuo no ato
simultâneo de conceber e contemplar é capaz de elevar a consciência até ao
êxtase:
[...] los hombres, cuando la contemplación se debilita en ellos, pasan a
la acción, que es una sombra de la contemplación y de la razón.
Incapaces de dedicarse a la contemplación por la debilidad de sus
almas, no pueden alcanzar el objeto de la contemplación y llenarse de
ella, aun cuando la desean ver y se lanzan a la acción, para ver com los
ojos lo que no pueden ver com la inteligência. Cuando fabrican objetos
es porque quieren ver y contemplar. Y cuando se proponen obrar en
cuanto pueden, es porque quieren verlo y hacerlo sentir a los otros
(PLOTINO, 1950, p. 101-2).
171
Ainda com Plotino sobre o movimento de simultaneamente produzir e
contemplar para atingir o conhecimento de si mesmo, e consequentemente
uma elevação da consciência:
Siempre encontraremos que la produción y la acción, o son un
debilitamiento o un acompañamiento de la contemplación. Un
debilitamiento si después de la acción no hay nada que se pueda vez;
un acompañamiento se puede contemplar algo superior a lo producido.
[...] Por esto el sábio, penetrado ya por la razón, saca de si lo que
descubre a los otros; mira hacia si mismo; no solamente tiende a
unificarse y a separarse de las cosas exteriores, sino que se vuelve
hacia si mismo y todo lo encuentra em sí (Idem, op. cit, p. 102-5).
Assim, em conformidade com o que foi abordado sobre os ciclos
conteúdo-forma e percepção-expressão calcados na estrutura do yin yang
chinês (vide: cap. 2, itens, 2.4; 2.5; 2.6), também Plotino, em oposição a
Aristóteles, no contexto grego, estende a contemplação a todos os seres,
incluindo os de natureza inorgânica, mas é claro, respeitando certo nível de
acordo com o grau evolutivo dos seres. Em suma, Plotino afirma que tudo o
que é real é contemplação. Na natureza, todas as ações tendem a
contemplação e são elas mesmas objetos de contemplação.
Conforme o pensador:
Todas las realidades verdaderas nacen de la contemplación y son ella
mismas actos de la contemplación; y las cosas que por esta
contemplación se producen son objetos que contemplar, sea por la
sensación o por el conocimiento, o por la opinión. Las acciones tienen
por fin la contemplación, y todo deseo es deseo de conocer. La
generación parte de un acto de contemplación para llegar a una forma
que es un objeto de contemplación. [...] Las substancias engendradas –
imagen de las verdaderas realidades – nos muestran agentes que
tienen por fin, no la producción ni la acción, sino su obra misma, que
ellos tienen como fin de su contemplación. [...] La contemplación sigue
172
un orden progressivo de la naturaleza al alma y del alma a la
inteligencia (Idem, op. cit, p. 105-6).
3.3 O ornamento do auto-conhecimento: anagogia terapêutica
A ornamentação é o conceito global da arte decorativa (MEYER, 1989,
p. 1). Do latim, decoratio, entende-se a ação ou o efeito de decorar, ou ainda,
“ato de aprender de cor”, (LAROUSSE, 1998, p. 1786). Posto que, em parte, o
objeto da decoração visa produzir um efeito agradável àquele que o contempla,
é fato que existe uma estreita relação entre a ornamentação e certas funções
psíquicas. José Manuel Garcia e Garcia de la Torre, em sua obra Decoración e
Sicología (1970) acreditam que depois das funções de nutrição e de
reprodução, que são imprescindivelmente vitais, a arte da decoração, é para o
homem, uma das funções mais necessárias à existência (GARCÍA; TORRE,
1970, p. XI).
Para os autores, a função primordial da decoração é reintegrar o homem
à condições mais naturais e idôneas de desenvolvimento, frente a uma
determinada atividade ou permanência, no intuito de compensar as limitações e
alterações que os imperativos e exigências destas atividades cotidianas
proporcionam (Idem, op. cit, p. 3). De acordo com García e Torre:
Toda la actividade realizada por los seres vivos em general y por el
hombre particularmente, há de llevarse a cabo mediante la presencia o
concurso de ciertas condiciones que de una manera específica van a
influir em nuestros contactos, haciendo posibles los mismos y
proporcionándonos el adecuado rendimiento. Quiere esto decir que para
que un acto o, mejor entendido, uma función se lleve a cabo no solo van
a ser precisos aquellos condicionamientos de índole funcional y
específica, próprios de cada fenômeno en si, sino que también vamos
necesitar la concurrencia de otros factores jenos por completo a dichos
sistemas orgânicos y funcionales, sin la presencia de los cuales por muy
perfectos que estos sistemas sean, puede no producirse dicha función o
alterarse peligrosamente (Idem, op. cit, p. 3-4).
173
É fato que um ser se desenvolve melhor quanto mais favoráveis são as
condições ambientais. Tais condições abarcam todos os aspectos existenciais
de qualquer ser vivo tanto os que se referem às exigências físicas e biológicas,
quanto às psicológicas e espirituais. No caso do ser humano, todas as
atividades produzem, de forma consciente ou não, um sentimento agradável ou
de incômodo, o que muitas vezes é experimentado sem ao menos
compreender ao que pode ser atribuído. Essa forma subconsciente de
acompanhar emocionalmente todos os processos biológicos e existenciais de
todos os desempenhos ou atividades é o que determina uma maior ou menor
amplitude de rendimento (Idem, op. cit, p. 5). Daí portanto, a importância de
treinar o auto-conhecimento.
Neste sentido García e Torre afirmam que “quando el hombre descubre
este significado emocional contenido en los factores ambientales o derivado de
su presencia y forma de actuar, nace la decoración”, pois a decoração não
passa de “un fenómeno o processo de naturaleza espiritual representado por
un aspecto emocional de nuestras faculdades síquicas” (Idem, ibidem).
Conforme se procurou esclarecer (cap. 1, itens, 1.2; 1.3) no que diz
respeito à ornamentação, toda história da humanidade até o pós-modernismo e
o contemporâneo com o movimento “ornamentalismo”, a decoração cumpriu
eminentemente uma função estética. Em efeito, a decoração primitiva, fonte e
origem da decoração clássica tradicional, sempre visou a satisfação de uma
exigência emocional, mas não de uma exigência emocional genérica,
adequada ou não a uma função específica em relação a atividades
antropológicas, mas sim, apenas uma exigência estritamente cultural e estética
(Idem, op. cit, p. 6).
À medida que o homem evolui, evoluem também suas funções tanto
físicas e somáticas, quanto nervosas e representativas. Em todo ser dotado de
organização nervosa, tanto a arte, o design ou qualquer outro processo criativo
possuem a função de elaborar e conservar símbolos interpretativos por meio de
objetos externos capazes de estimular percepções. Deste modo, surgem a todo
o momento funções que lhes são peculiares, incluindo tanto as neurológicas
quanto as psíquicas (Idem, op. cit, p. 10).
Quando algo externo é capaz de produzir uma sensação estética, a
subjetividade do fruidor não se limita simplesmente a recorrer ao impacto
174
sensorial e converter em uma emoção ou um sentimento capaz de ser
projetado. Para que de fato o “estético” apareça, faz-se necessário que entre
em jogo um critério intelectual de valorização e comparação, o que numa
espécie de homeostase de critérios sobre beleza, busca re-equilibrar74 certa
escala de valores estéticos pré-formados, vigentes em cada campo de ação
psíquica e em cada cultura (Idem, op. cit, p. 12).
Neste sentido, para se fazer justiça a história, é conveniente ressaltar o
fato de que, ao se falar em ornamentação é imprescindível referir-se aos
antecedentes orientais, os quais, por conceitos de ordem prática e decorativa,
são indubitavelmente referências valiosas e definitivas ao conceito
contemporâneo de ornamentação no que diz respeito ao significado para toda
arte de decorar (Idem, op. cit, p. 57).
A síntese do pensamento chinês sobre decoração por exemplo, pode ser
expressada como “el arte de contentarse com lo que se tiene y permitir que la
fantasía humana, rompa la monotonia de los muros lisos y de los pátios
pequeños” (LIN YUTANG, apud, GARCÍA; TORRE, 1970, p. 53). No final do
século XVIII, o escritor chinês Shen Fu, em sua obra A vida Flutuante, expôs
claramente estes princípios ao dizer: “debemos mostrar lo grande en lo
pequeño y lo pequeño en lo grande, procurar lo real en lo irreal y lo irreal en lo
real” (Idem, op. cit, p. 53-4). O que quer dizer que a fantasia não está
relacionada somente ao conceito psicológico relativo à criatividade, mas
também emocional, ou quando menos, gerador de satisfações emocionais
(terapêuticas), portanto, a verdadeira essência da função estética decorativa.
Owen Jones, partilhado da visão oriental de decoração, baseando-se em
uma concepção evolutiva das formas em progressão harmônica com as leis
naturais, procurou fundamentar sua estética do ornamento na idéia de
“movimento” 75. Assim como sintetizado nos arquétipos de yin e yang, os
74 Neste sentido entende-se por conceito de “re-equilíbrio” a idêntica acepção que Gombrich (1980) denominou “sentido de ordem”, trabalhada no capítulo 2, item, 2.2. 75 Cabe ressaltar que, sobre a fundamentação da estética do ornamento de Jones, Gombrich interpreta nossa constatação maneira discordante ao afirmar: “Owen Jones hizo pivotar su estética del ornamento en la idea de ‘reposo’” (VIDE: Gombrich, 1980, p. 164). Mas as proposições de Jones, tomadas mesmo em sentido literal nos transmitem outra idéia. Outro fato que denota que Jones fundamentou sua estética do ornamento na idéia de “movimento” e não de “repouso” conforme acredita Gombrich, é sua compilação intitulada “The Grammar of Chinese Ornament” (1869), podendo-se deduzir que Jones deveria possuir ricas bases de filosofia oriental, principalmente chinesa, o que contradiz a idéia de conceber o repouso em lugar ao movimento.
175
ornamentos para Jones, deveriam produzir um movimento cíclico e contínuo de
alternância entre a intranqüilidade e o repouso do olhar e da mente, no intuito
de conceber formas capazes de, ao mesmo tempo, mas alternadamente, gerar
uma sensação pendular entre concentração e contemplação no fruidor. Ora
contemplando o “todo” ornamental, a unidade do conjunto, ora concentrando-se
nas partes ornamentais, na diversidade formadora da unidade do conjunto,
produzindo assim um movimento rítmico que tende ao equilíbrio, e
consequentemente à beleza e harmonia. Fórmula que evidencia os dois
princípios clássicos legados pela filosofia da Antiguidade: o equilíbrio e a
unidade na diversidade (vide: cap. 2, item, 2.3).
Para exemplificar selecionamos algumas proposições que Jones
denominou “princípios gerais para o arranjo de forma e cor em arquitetura e
artes decorativas” (JONES, 2006, p. 9):
[…] Proposition 4: True beauty results from that repose which the mind
feels when the eye, the intellect, and the affections, are satisfied from
the absence of any want – (Verdadeiros são os resultados de beleza
daquele repouso que a mente sente quando o olho, o intelecto, e os
afetos, estão satisfeitos da ausência de qualquer desejo).
Proposition 5: Decoration should never be purposely constructed. That
which is beautiful is true; that which is true must be beautiful –
(Decoração nunca deveria ser construída de propósito. Aquilo que está
bonito é verdade; Aquilo que é verdadeiro deve estar bonito).
Proposition 11: In surface decoration all lines should flow out of a parent
stem. Every ornament, however distant, should be traced to its branch
and root. Oriental practice – (Em decoração de superfície todas as
linhas deveriam fluir para fora de um talo pai. Todo ornamento, porém
distante, deveria ser localizado à sua filial e raiz. Prática oriental).
Proposition 12: All junctions of curved lines with curved or of curved
lines with straight should be tangential to each other. Natural law.
Oriental practice in accordance with it – (Todas as junções de linhas
curvas com arcos ou de linhas curvas com retas deveriam ser
176
tangenciais umas às outras. Lei natural. Conforme prática oriental).
(JONES, 2006, p. 9-10).
No que tange ao processo de percepção, mais precisamente em se
tratando de percepção visual, é justamente este movimento de alternância
entre contemplação e concentração que caracteriza o movimento anagógico.
Segundo as recentes descobertas da neurociência, não há distinção entre o
que é visto e o que a mente vê. Ao alternar entre a concentração, atenção
focada, em um objeto exterior (intranqüilidade) e o relaxamento agradável
(repouso) na contemplação interiorizada, a mente transita entre estes dois
“planos” em busca de estabelecer o equilíbrio entre eles. Tal equilíbrio só é
possível num terceiro plano, intermediário entre o real e o imaginário, isto é, na
consciência pura e límpida, liberta dos apegos do ego (passado), e tranqüila
quanto às infinitas possibilidades e conseqüentes aversões ao desconhecido
próprias do id (futuro). Poder-se-ia dizer que, quando se atinge um vislumbre
de consciência através do movimento anagógico, a percepção é direcionada
estritamente pelo superego (presente), por mais breve que possa durar este
estado de atenção.
Assim, quanto mais estável for o equilíbrio entre estes dois estados de
percepção, a concentração e a contemplação, mais sutis serão os estados de
consciência, podendo ser elevados até ao êxtase que, Nicola Abbagnano
(2003), caracteriza uma “fase supra-intelectual da ascensão mística para Deus,
fase em que a busca intelectual de Deus cede lugar a um sentimento de
estreita comunhão ou mesmo identificação com ele”. Neste sentido o termo
êxtase foi empregado por várias correntes religiosas da filosofia alexandrina e
especialmente pelos neoplatônicos. Plotino por exemplo, caracteriza o êxtase
“como a supressão da alteridade entre aquele que vê e a coisa vista, e como
identificação total e entusiástica da alma com Deus” (ABBAGNANO, 2003, p.
420).
Na Idade Moderna, o êxtase atraiu sobretudo a atenção dos psicólogos
e psiquiatras, “que não conseguiram perceber nenhuma diferença, a não ser no
conteúdo intelectual, entre o êxtase religioso e o êxtase produzido por
condições anormais da vida psíquica ou por drogas”. Segundo Pierre Janet,
“em todos os casos o êxtase caracteriza-se por: 1º supressão quase completa
177
da atividade motora e disposição à imobilidade; 2º atividade mais ou menos
intensa do pensamento interno; 3º grande sentimento de alegria” (Idem, op. cit,
p. 421).
Pierre Weil, em sua obra intitulada Antologia do Êxtase (1992), além de
defender o êxtase como “uma nova forma de conhecimento”, baseando seus
estudos numa meticulosa investigação de abordagem da psicologia
transpessoal onde reconhece que, na contemporaneidade, ciência e tradição
não mais se opõem, mas sim complementam-se. Fornece-nos uma
amostragem de testemunhos antigos e modernos de personalidades de cultura
ocidental, os quais dizem ter experienciado estados de êxtase. Dentre eles:
Fritjof Capra, Sigmund Freud, Karlfried Graf Dürckheim, Albert Einstein, Carl
Gustav Jung, Krishnamurti, Rembrandt, Jean Paul Sartre entre outros, incluindo
o próprio Pierre Weil. Para ilustrar, transcrevemos um trecho cuja autoria é
atribuída a Albert Einstein:
A emoção mais bela que podemos experienciar é a mística. Ela é a
propagadora de toda verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa
emoção é estranha... está, por assim dizer, como morto. O que é
impenetrável para nós existe realmente, manifestando-se como a mais
alta sabedoria e a mais radiante beleza, que nossas entorpecidas
aptidões podem compreender somente em suas formas mais primitivas
– este conhecimento, esta sensibilidade, está no centro da verdadeira
religiosidade. Neste sentido, e unicamente nele, pertenço à classe dos
homens devotamente religiosos (WILBER, Ken. Up from Éden.
Shambhala: Boulder, 1983; apud, WEIL, 1992, p. 40).
Outra abordagem que trabalha de maneira semelhante à função
anagógica no que tange ao movimento de alternância de percepção e que tem
uma relação estreitamente íntima com a arte e principalmente com o design, é
a gestalt-terapia. Conforme citado anteriormente, antes da adoção do design, o
termo originalmente utilizado como configuração de um conceito geral para o
processo de “materialização” de uma idéia, era o termo alemão Gestaltung.
Derivação da acepção Gestalt, “que se generalizou dando nome ao movimento,
no seu sentido mais amplo, significa uma integração de partes em oposição à
178
soma do ‘todo’. É geralmente traduzido em inglês, espanhol e português como
estrutura, figura, forma” (GOMES FILHO, 2000, p. 18).
Gestalt é uma escola de psicologia experimental que teve como
precursor o filósofo vienense Von Ehrenfels em fins do século XIX, mas que se
desenvolveu e conquistou reconhecimento por volta de 1910 na Universidade
de Frankfurt, graças a três nomes principais: Max Wertheimer (1880/1943),
Wolfgang Köhler (1887/1967) e Kurt Koffka (1886/1941). Conforme sintetisa
Gomes Filho:
O movimento gestaltista atuou principalmente no campo da teoria da
forma, com contribuição relevante aos estudos da percepção,
linguagem, inteligência aprendizagem, memória, motivação, conduta
exploratória e dinâmica de grupos sociais. [...] A teoria da Gestalt,
extraída de uma rigorosa experimentação, vai sugerir uma resposta ao
porquê de umas formas agradarem mais e outras não. Esta maneira de
abordar o assunto vem opor-se ao subjetivismo, pois a psicologia da
forma se apóia na fisiologia do sistema nervoso, quando procura
explicar a relação sujeito-objeto no campo da percepção (Idem, ibidem).
Fritz Perls (1893/1970), juntamente com sua esposa Laura, foi quem
propôs uma aplicação terapêutica ao conceito de gestalt. Surgida nos anos 60,
a gestalt-terapia, após compilação dos escritos de Perls por John O. Stevens,
tem por objetivo mobilizar os recursos do indivíduo a fim de permitir-lhe tornar-
se uma pessoa total. Segundo síntese extraída da Enciclopédia Larousse:
A finalidade da gestalt-terapia é restabelecer as relações dinâmicas
entre o comportamento e o desejo, a necessidade ou a falta, para
provocar uma tomada de consciência sobre a defasagem e a desunião
entre esses níveis e levar, enfim, a pessoa a fazer ela própria o
diagnóstico de suas contradições e do modo como ela trata essas
contradições, passa assumir assim a responsabilidade por si mesma
(LAROUSSE, 1998, p. 2703).
Consonante ao que foi apresentado até aqui, Perls propôs o conceito de
que o desenvolvimento psicológico e biológico de um organismo se processa
179
de acordo com as tendências inatas desse organismo, que tentam adaptá-lo
harmoniosamente ao ambiente. Baseado num dos conceitos fundamentais da
gestalt, o conceito de “figura e fundo”, Perls associa essa idéia aos dois níveis
de consciência: uma exterior (ego) que se preocupa com as necessidades
básicas materiais e desejos, e outra interior (id), responsável pela condução
moral, comportamental e portando mais profunda, ou seja, o ego tem seu foco
de concentração na “figura”, primeiro plano externo (partes), enquanto o id, por
natureza contemplativo, volta seu foco de atenção ao “fundo”, plano geral
(todo). Para Perls, a terapia gestalt basicamente se dá através de um diálogo
entre estes dois estados de consciência (niveis de percepção) que, visando
promover a conciliação entre ambos através do auto-conhecimento, procura
atingir um estado de equilíbrio, que, por natureza, é terapêutico.
Nas palavras de Perls:
Não podemos reprimir a necessidade de sobrevivência, mas podemos
impedir seus sintomas e sinais. Isto é feito pela interrupção do processo
contínuo, quando deixamos de efetuar qualquer ação que seja
apropriada. Mas, o que acontece se várias necessidadeas (ou instintos,
se preferirem) se originam simultaneamente? O organismo saudável
parece operar através do que poderíamos chamar uma escala de
valores. Desde que seja incapaz de fazer, adequadamente, mais de
uma coisa de cada vez, se encarrega da necessidade de sobrevivência
dominante, antes de cuidar de qualquer das outras; age, em primeiro
lugar, de acordo com o proncípio das coisas fundamentais (PERLS,
1988, p.23).
Continuando com Perls:
Formulando este princípio em termos da psicologia da Gestalt, podemos
dizer que a necessidade dominante do organismo, em qualquer
momento, se torna a figura de primeiro plano e as outras necessidades
recuam, pelo menos temporariamente, para o segundo plano. [...] Para
que o indivíduo satisfaça suas necessidades, feche a Gestalt, passe
para outro assunto, deve ser capaz de manipular a si próprio e ao seu
meio, pois mesmo as necessidades puramente fisiológicas só podem
180
ser satisfeitas mediante a integração do organismo com o meio (Idem,
op. Cit, p. 23-4).
A partir do exposto, pode-se deduzir que, a mera percepção por si, seja
de uma forma simples, uma estrutura ou configuração externa ou ainda interna,
pode ser transformada em uma abordagem capaz de produzir um efeito
anagógico, desde que se faça o uso consciente da atenção, alternando entre a
concentração naquilo que nos é externo e a contemplação introspectiva.
Análogo ao o conceito de meditação oriental, tal processo é passível de
produzir reação anagógica, que consequentemente também é terapêutica.
Logo se conclui que a “função anagógica” vem sempre acompanhada de uma
“função terapêutica”, pois que lhe é mera conseqüência76.
No caso da ornamentação, por exemplo, alternar a atenção entre o ato
consciente de ornamentar e perceber contemplativamente o resultado
ornamentado, constitui um dos modos milenares mais fecundos de exercitar o
auto-conhecimento, conforme é abordado no próximo capítulo com base nos
preceitos ritualísticos da confecção de mandalas.
Segundo John O. Stevens,
O processo de criação artística por diferentes meios tem sido uma forma
de auto-expressão durante milênios. Aprofundando a consciência do
processo criativo, podemos resolver e esclarecer esta expressão de nós
mesmos. O esclarecimento e resolução liberam energia e nos permitem
evolução e crescimento, podendo perceber que cada área da nossa
vida pode se tornar um meio de crescimento, criação e auto-expressão
(STEVENS, 1988, p. 227).
76 Fato que denota que não somente a arte, como se já é bem difundido, mas também o design, ou qualquer outro processo criativo possuem atributos terapêuticos. Daí poder vislumbrar a criação e o desenvolvimento de um design voltado estritamente à função terapêutica: um “design terapêutico”.
181
CAPÍTULO 4 ORNAMENTAÇÃO ANAGOGICO-TERAPÊUTICA: UMA PROPOSTA DE
ELEVAÇÃO DE CONSCIÊNCIA
182
CAPÍTULO 4 – ORNAMENTAÇÃO ANAGOGICO-TERAPÊUTICA: UMA PROPOSTA DE ELEVAÇÃO DE CONSCIÊNCIA
4.1 Realidade ou Realeza? Qual é a real função do ornamento?
Quem sabe que é profundo busca a clareza; quem deseja parecer profundo
para a multidão, procura ser obscuro. Pois a multidão toma por profundo aquilo cujo
fundo não vê: ela é medrosa, hesita em entrar na água77.
NIETZSCHE (1882)
Gombrich (1980) ao discorrer sobre o aspecto moral do ornamento cita
uma cena do Mercador de Veneza de Shakespeare, onde os personagens são
postos à prova ao terem que escolher entre um pesado baú ou uma caixa
ornamentada em ouro, expondo assim, a antiga doutrina na qual o que importa
não é o aspecto exterior, mas sim o valor interior. Para Gombrich, o ornamento
pode ser perigoso, justamente porque tenta e engana a mente a fim de que se
submeta sem a apropriada reflexão. Neste sentido adverte contra os
desdobramentos da decoração, pois são um tributo à atração psicológica, que
“pide que estemos en guardia porque pueden actuar demasiado bien”
(GOMBRICH, 1980, p. 44).
Segundo Gombrich, poucas civilizações se apresentaram dispostas a
negar que o valor interno deveria ser reconhecido mediante a apropriada
exibição externa:
No solo los esplendores de reyes y príncipes, sino también el poder de
lo sagrado ha sido proclamado universalmente mediante pompa y
circunstancia. [...] Por consiguiente, el adjudicar las objecciones a la
decoración a sus fuentes psicológicas e históricas, debemos tener en
cuenta diferentes motivaciones. Allí donde la decoración es considerada
como una forma de celebración, solo cabe elevar objeción contra ella
cuando es inadecuada. La pompa se convierte en pomposidad y la
77 GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de idéias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. (p. 110)
183
decoración en mera cursilería cuando las pretensiones de decoración
son infundadas (Idem, ibidem).
Esta ambivalência a respeito da decoração acontece devido a uma
divergência de pontos de vista frente a um conceito estritamente vinculado ao
longo da história: o decoro. Do latim decorum, tem como significado principal a
idéia de conveniência, mas também pode significar decência, dignidade,
honradez, nobreza, brio (LAROUSSE, 1998, p.1786).
O conceito de “decoro”, articulado pela primeira vez nas antigas escolas
de oratória era muito debatido por Sócrates, que constantemente advertia seus
discípulos para que estivessem atentos contra os atrativos da fala refinada,
precisamente porque conhecia bem seus poderes de sedução. Os truques e
ornamentos da oratória sofista facilmente podiam desviar o ouvinte do
argumento principal que estivesse sendo tratado. Fato que, segundo Gombrich,
caracteriza a primeira evidência de que “los encantos del ornamento pueden
ser utilizados para un propósito vil, a la sospecha de que una profusión de tales
encantos tiene la probabilidad de ocultar un propósito vil” (GOMBRICH, 1980,
p. 46).
Na história da teoria retórica grega, tal constatação quase se converteu
em prejuízo estético, pois a reação de puristas extremistas por pouco não
aboliu toda forma de ornamentação, com a argumentação de que cadências
rítmicas e imagens rebuscadas não passavam de truques para enganar o
fruidor. Não fosse pelo árduo empenho de Cícero, responsável por mediar tal
situação, fundando a influente doutrina do decorum, que segundo Gombrich,
“plantea las condiciones bajo las cuales la ostentación es admisible e incluso
necesaria, si bien apela al buen gusto para fijarle limites y vigilar sus escollos”
(Idem, ibidem).
Conforme procurou-se evidenciar (cap. 1, itens, 1.1; 1.2), a partir do
período modernista, mais precisamente após revolução industrial, a atividade
decorativa assim como muitas outras áreas de atuação do homem moderno
entraram numa espécie de crise existencial. No caso daqueles envolvidos com
a produção ornamental, observou-se que suas atividades ficaram como que
numa situação entre-fronteiras, procurando quase que aturdidamente uma
184
posição estável dentro da hierarquia das artes. Este pode ser considerado um
período de transição, pois devido à intensa reflexão crítica que gerou, fomentou
uma considerável revisão de conceitos relativos à produção ornamental, fato
que acabou por colocar em cheque a tradicional doutrina relativa ao conceito
de decoro, até então predominante ao longo da história das artes decorativas
ocidentais.
Tomando como marco a revolução industrial e seus desdobramentos,
embasados pelas teorias defendidas por Capra (2006), acredita-se que as
civilizações ocidentais vêm passando por uma fase de transição de consciência
(vide: cap. 1, item, 1.4.1; cap. 2, item, 2.6). Conforme relata, até o presente
momento, em virtude de uma pré-disposição patriarcal devido ao estágio
evolutivo de consciência da humanidade, o homem preconizou as atividades
orientadas pelo ego (ego-ação). No que tange ao conceito de decoro relativo à
produção ornamental não foi diferente.
Seguindo tal raciocínio, conforme atesta a teoria do “ornato” (vide: cap.
1, item, 1.5; cap. 2, item, 2.4), pode-se dizer que foi a conveniência egóica do
homem que acabou por distorcer o conceito essencial do decoro. Pregando
que tudo aquilo que é ornamentado é nobre, digno, decente. Segundo tal
teoria, a arte se reduzia a uma veste exterior, concebendo a união de conteúdo
e forma (estética) como uma junção, ao invés de preconizar o valor interno que
deveria ser reconhecido mediante a apropriada exibição externa, conforme
atentava Sócrates e defendia Cícero, sem falar dos preceitos de Verdade, Bem
e Beleza tão intensamente debatidos pela filosofia estética. Por este motivo o
ornamento sempre foi sinônimo de poder e riqueza.
Pode-se dizer que, até o homem, e sua arte, atingirem um determinado
nível de auto-consciência (cap. 1, item, 1.6), que culminou a partir das
conseqüências paradoxais modernistas, devido à uma visão egocêntrica
impelida pelos resquícios evolutivos de natureza instintiva e dominadora,
voltada às necessidades imediatas e superficiais, o ornamento sempre foi
considerado um dos mais proeminentes fatores de segregação social.
Conforme atenta García e Torre:
No olvidemos que hasta no hace mucho tiempo, la decoración, el arte
decorativo, superadas las etapas de convivência comunal y coletiva,
185
vino a caer o a ser privilegio de castas y de classes, de estados de
categorías y de confesiones, mientras que los indivíduos de las classes
menos capacitadas económicamente, no podían disfrutar de los
benefícios de la decoración estesiográfica u ornamental, solo reservada
a los poderosos (GARCÍA; TORRE, 1970, p. 210).
“Nem tudo que reluz é ouro”, é uma conhecida máxima moral, mas que
frequentemente é distorcida para a idéia de que tudo aquilo que é digno de
esplendor deve ser revestido de ouro. Conforme nos alerta Gombrich:
La “joya más brillante” de la corona real nunca puede ser demasiado
preciosa, pero precisamente porque es tan preciosa su uso en otros
contextos puede constituir un “quebrantamiento del decoro”. Además, el
vínculo entre lo apreciado y lo preciado tiene como su corolário el tabu
sobre la imitación. El gasto debe ser real y no fingido. [...] Las
imitaciones baratas, se convierten en metáforas para toda clase de
engaño visual. Además, su fácil atractivo muestra la necessidad de un
ojo discriminador, que pueda distinguir lo genuíno de lo falso y el sello
de la digna artesanía de los burdos métodos simplificadores
(GOMBRICH, 1980, p. 45).
Gombrich ainda ressalta que tendemos a relacionar a chamada estética
funcional com o movimento radical do século XX (Idem, op. cit, p. 47). Neste
sentido, o atrito entre a questão do uso e a contemplação, passa a ser uma
questão perturbadora. Não é novidade que a estética funcional, em grande
parte, é causa de todo um mal-estar social e cultural da atualidade.
Segundo García e Torre (1970), ante a enorme avalanche de
acontecimentos e de situações que estão se produzindo constantemente a
volta do homem contemporâneo como conseqüência da evolução natural do
gênero humano e dos progressos e conquistas da ciência e tecnologia
modernas, “el espíritu del hombre parece verse atrapado en un callejón sin
salida, impossibilitado para retroceder y peligrosamente deslumbrado para
poder seguir adelante”. Para os autores, o homem luta a cada dia mais
desesperadamente na tentativa de manter e conservar vivo seu espírito de
individualidade e independência, “amenazado por esse concepto arrollador y
186
gris que hoy hemos dado en llamar ‘masificación’” (GARCÍA; TORRE, 1970, p.
IX).
De acordo com Garcia e Torre:
Para preservar esta espiritualidad, para mantener vivo este sentimiento
estético y subjetivo de unidad y de liberdad individual, nos hemos
empenado en una lucha abierta por reivindicar todos aquellos princípios
y condicionamientos de orden existencial, que, a nuestro juicio, tienden
a revalorizar estas ideas espirituales. [...] A esta idea genérica de
preservación espiritual tenemos que agregar algo muy importante que
en el campo del Arte há sucedido em nuestro tiempo: la revolución
estética que há dado al traste con aquella subordinación y exclavitud del
hombre a princípios y leyes formales de la ciencia estética. [...] así como
de los movimientos que han de integrar el Arte de Decorar, dificilmente
podremos acceder a esos ideales de difusión y de consumo de Arte
decorativo, que presuponemos como meta definitiva de nuestra
superación espiritual (Idem, op. cit, p. IX-XX).
4.1.1 Mediação pacificadora: o espírito do ornamento
Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os
ladrões minam e roubam; Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o
vosso coração78.
[Jesus Cristo in Mateus, cap. 6, v: 19,21]
O prêmio Nobel de literatura, Octavio Paz, ao escrever o prefácio do
primeiro volume sobre artes decorativas da coleção espanhola História geral da
arte (1996), discorre de maneira poética sobre a revolução estética que
vivenciamos na atualidade, colocando as artes decorativas, as quais prefere
denominar artesania, numa posição mediadora entre o uso e a contemplação,
o desenho industrial (design) e as artes ditas “puras”. Para o poeta, antes da
revolução estética, “o valor das obras de arte referia-se a outro valor”. Tal valor
era o “nexo entre a beleza e o sentido”: os objetos de arte eram algo que
78 O Novo Testamento, Salmos e Provérbios. Campinas: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.
187
possuíam formas sensíveis. O sentido de uma obra era “plural, mas todos os
seus sentidos referiam-se a um significado último, no qual o sentido e o ser se
confundiam num nó indissolúvel: a divindade” (grifo nosso). Após a
transposição moderna afirma que o sentido da obra já não possui mais
referência alguma, pois “para nós o objeto místico é uma realidade autônoma e
auto-suficiente e seu sentido último não está além da obra, mas nela mesma”
(PAZ, 1996, p. 7).
Consonante ao pensamento de García e Torre a respeito da luta do
homem para não perder sua individualidade, Octavio Paz ressalta que o culto
ao maquinismo é um naturalismo às avessas, onde “utilidade se torna beleza
inútil, órgão sem função”. É “pelas ruínas que a história se reintegra à
Natureza. A afeição às máquinas e aparelhos em desuso não é só uma prova
mais da incurável nostalgia que sente o homem pelo passado”, mas um
atestado que revela “uma fissura na sensibilidade moderna; nossa
incapacidade para associar beleza e utilidade”. Para Paz, tal dilema se
consagra uma dupla condenação: “a religião artística proíbe-nos de considerar
belo o útil; o culto à utilidade leva-nos a conceber a beleza não com uma
presença, mas como uma função” (Idem, op. cit, p. 8-9).
A partir deste contexto Paz sustenta a égide de uma decoração
conciliadora:
A artesanía é uma mediação: suas formas não estão regidas pela
economia da função mas pelo prazer, que sempre é um gasto e que
não tem regras. O objeto industrial não tolera o supérfluo: a artesanía se
satisfaz nos adornos. Sua predileção pela decoração é uma
transgressão da utilidade. Os adornos do objeto artesanal geralmente
não têm função alguma, é daí que, obediente à sua estética implacável,
o desenhador industrial os suprima. A persistência e proliferação do
adorno na artesanía revelam uma zona intermediária entre a utilidade e
a contemplação estética. Na artesanía há um contínuo vaivém entre
utilidade e beleza; esse vaivém tem um nome: prazer. [...] O prazer que
nos dá a artesanía brota de uma dupla transgressão: ao culto da
utilidade e à religião da arte, a cicatriz quase apagada que comemora a
fraternidade original dos homens (Idem, op. cit, p 9).
188
Relacionando o que foi abordado a respeito das investigações científicas
nas neurociências que procuram entender o que constitui a mente “em si” (cap.
3, item, 3.2.1) e a argumentação sobre a artesania mediadora de que fala
Octavio Paz, faz supor a hipótese da artesania possuir um caráter transpessoal
que se imprime direta e imediatamente à percepção corporal, meio cuja função
primordial é servir de médium entre as interações materiais e as reações
mentais.
Segundo Paz,
A nossa relação com o objeto industrial é funcional; com a obra de arte,
semi-religiosa; com a artesania, corporal. [...] A artesania é um sinal que
exprime à sociedade não como trabalho (técnica) nem com símbolo
(arte, religião), mas como vida física compartilhada (Idem, ibidem).
A artesania ou o produto da arte decorativa, a ornamentação, tem como
propósito primordial estimular a sensibilidade pessoal e a fantasia, desviando o
objeto de sua função e interrompendo, temporariamente, seu significado.
Interrupção que têm como finalidade incitar outra espécie de sensibilidade: a
imaginação. Essa perpétua oscilação, possivelmente anagógica entre forma e
função, uso e contemplação, beleza e utilidade, prazer e serviço, por se fazer
acessível a todo e qualquer indivíduo permite à decoração dar lições de caráter
social.
No que diz respeito à questão histórica e à discussão da inter-relação
entre arte e design, a asserção de Paz coicide com a nossa proposição
baseada na teoria de Alois Riegl: o ornamento como fundamento elementar e
universal para uma compreensão mais geral acerca da historicidade da arte e
do design, este como um processo de evolução natural emerso após a
revolução industrial (vide: cap. 1, itens, 1.5; 1.6). Ao discorrer sobre a revolução
estética iniciada neste período, Paz observa com perspicácia:
O artista antigo queria parecer-se aos seus mais velhos, ser digno deles
através da imitação. O artista moderno quer ser diferente e sua
homenagem à tradição é negá-la. A estética da mudança exige que
cada obra seja nova e diferente daquelas que a precedem; por sua vez
189
a novidade implica a negação da tradição imediata. A tradição se
converte numa sucessão de rupturas. O frenesi da mudança também
rege a produção industrial, embora por razões diferentes: cada objeto
novo, realçado de um novo procedimento, desaloja o objeto que o
precede (Idem, op. cit, p. 10).
Com relação à historicidade, o poeta defende que a artesania não se
enquadra neste movimento pendular. Para ele, a artesania não se consagra
por uma “sucessão de invenções nem de obras únicas (ou supostamente
únicas). Realmente a artesania não tem história, se concebermos a história
como uma série ininterrupta de cantores”. Análogo à visão evolucionista
oriental, entre o passado e o presente da artesania, “não há ruptura, mas
continuidade”. De acordo com o autor, “o artista moderno está lançado à
conquista da eternidade e o desenhador à do futuro; o artesão deixa-se
conquistar pelo tempo”. O objeto artesanal, ao mesmo tempo em que é
tradicional não se funda na história, desta forma não se prende ao passado
histórico nem as ilusões do futuro. “O artesão não quer vencer o tempo, mas
unir-se ao seu fluir” (Idem, ibidem).
Ainda sobre a inter-relação arte, design e artesania, Paz salienta:
O desenho industrial tende à impersonalidade. Está submetido à tirania
da função e sua beleza radica nessa submissão. Mas a beleza funcional
só se realiza plenamente na geometria e só nela verdade e beleza são
uma e a mesma coisa; nas artes propriamente ditas, a beleza nasce de
uma necessária violação das formas. A beleza – melhor dito: a arte – é
uma transgressão da funcionalidade. [...] A artesania, outra vez, está
numa posição eqüidistante: como o desenho, é anônima; como a obra
de arte, é um estilo. Diante do desenho, o objeto artesanal é anônimo,
mas não impessoal; diante da obra de arte, destaca o caráter coletivo
do estilo e nos revela que o envaidecido eu do artista é um nós (Idem,
ibidem).
Mas se o design contemporâneo tem a missão de conciliar os
imperativos da produção com as necessidades sociais sem abrir mão dos
valores estéticos, a decoração, outrora domínio estritamente do artesão, passa
190
a ser uma preocupação constante na produção do designer consciente. Ainda
há poucos anos a opinião geral era que a artesania estaria condenada a
desaparecer devido às atividades cada vez mais diversificadas da indústria.
Hoje ocorre precisamente o contrário: os objetos feitos à mão são cada vez
mais valorizados no mercado mundial. Como elemento compositivo, a função
do ornamento vinculado ao conceito de unicidade ao longo do processo de
criação e execução de um projeto ou obra de design, visa ampliar os horizontes
comunicativos e de consumo, atrelados as mais íntimas necessidades do
usuário. O design contemporâneo, numa atitude magistral de adequação ao
conceito primordial de decoro, resgata o papel pioneiro do designer, de
conciliar convenientemente à produção em série, uma atividade personalizada
conforme os princípios da artesania.
Segundo Octavio Paz, a volta à artesania nos EUA e na Europa
Ocidental é um dos sintomas de grande transformação da sensibilidade
contemporânea. “Estamos perante outra expressão da crítica à religião abstrata
do progresso e à visão quantitativa do homem e a natureza. Certo que para
sofrer a decepção do progresso deve-se passar antes pela experiência do
progresso” (Idem, op. cit, p. 11). A esta questão pode-se considerar o fato do
aumento crescente no número de doenças psíquicas geradas pelas
conseqüências do progresso desmedido. Neste contexto, surge a necessidade
de uma medida terapêutica, em prol da profilaxia mental nas atividades e
comportamentos dos modernos núcleos sociais. Tais fatores por constituírem
uma exigência de ordem psíquica, intelectual, emocional ou estética,
fundamentam-se precisamente nos princípios da decoração.
Desta sorte, García e Torre julgam estar autorizados a estabelecer em
caráter de axioma:
[...] una sociedade en la que el arte decorativo se halle evidentemente
desarrollado y difundido, alcanzando a todas las esferas y estrato
sociales, será una sociedad mejor, una sociedad que gozará de un
mayor bienestar y por lo tanto de una mayor prosperidad, todo lo cual
contribuirá indudablemente a un modo o estilo de vivir más feliz de sus
componentes (GARCÍA; TORRE, 1970, p. 209-10).
191
Por esta razão, a ornamentação, além de agregar valores e virtudes em
diversos campos específicos como, o artístico, social, econômico, cultural,
também possui um alto grau educativo, já que a utilização do efeito decorativo
é responsável pela formação do gosto estético, que por sua vez contribui na
formação moral do indivíduo, propiciando o equilíbrio relativo essencial à saúde
do organismo. É fato, e a história comprova, que as civilizações mais cultas e
adiantadas, foram sem dúvida exímios praticantes da arte de decorar.
4.2 Quintessência ornamental: o potencial simbólico-espiritual-religioso dos mandalas
Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem
fiam; E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda sua glória, se vestiu
como qualquer deles79. [Jesus Cristo in Mateus. Cap 6, v: 28-9]
Conforme constata Gombrich (1980), os artistas e designers de nosso
tempo frequentemente tem se esforçado na criação de obras cuja exibição
apresente uma característica, tipicamente gestaltista, denominada “pregnância
da forma” (GOMBRICH, 1980, p. 307). A pregnância é a Lei Básica da
Percepção Visual da Gestalt. Vsa à criação de formas de modo que a
aparência exterior perceptível de um padrão de estímulo, resulte naturalmente
como expressão do seu conteúdo, e o conteúdo por sua vez, quando
estruturado em perfeita harmonia em relação à perfeição da forma expressiva,
se reflete e é refletido de maneira espontânea na forma que lhe é própria. A
forma nasce de maneira natural e espontânea segundo o que simboliza seu
conteúdo.
A Lei da pregnância da organização da forma segundo a Gestalt diz-nos
que:
Qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de tal modo que a
estrutura resultante é tão simples quanto o permitam as condições
dadas. As forças de organização da forma tendem a se dirigir tanto
79 O Novo Testamento, Salmos e Provérbios. Campinas: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.
192
quanto o permitam as condições dadas, no sentido da harmonia e do
equilíbrio visual. [...] uma boa pregnância pressupõe que a organização
formal do objeto, no sentido psicológico, tenderá a ser sempre o melhor
possível do ponto de vista estrutural (GOMES FILHO, 2000, p. 36-7).
Alto grau de sutileza da aplicação desta característica é encontrada nos
grandes símbolos da humanidade. Constata-se que uma boa pregnância é o
reflexo fundamental na criação de signos marcantes, isto é, signos onde
conteúdo e forma apresentam-se em estados de pleno equilíbrio, o que
caracteriza um estado de extrema depuração da harmonia. Conforme
Grombrich, os signos em determinados contextos deveriam ser memorizáveis
ou decoráveis:
En la publicidad, en la vida política o en los contextos religiosos los
signos deberían ser memorables y, por tanto, repetibles. Cabe recordar
aquí símbolos tales como el disco solar allado de Egipto, el Loto y la
Rueda de la Vida de la Índia budista, el símbolo del Yin y el Yang en
China, la Estrella de David, la svástica, el corazón o el ojo, ello sin
mencionar la Cruz (GOMBRICH, 1980, p. 307).
Figura 22 - Roda da Vida. Fonte: http://ptesoterico.wordpress.com/category/psicologia-do-
autoconhecimento-autoajuda/
193
Figura 23 - Simbolo do Yin-Yang Chinês. Fonte: http://mor.phe.us/writings/Yin-Yang.html
Figura 24 - Estrela de Davi. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Star_of_David2.svg
Figura 25 - Tipos de Cruzes. Fonte:
http://www.ebrisa.com/portalc/ShowArticle.do%3Bjsessionid=056215EBE7044172C58602B663116C4B?articleId=69930
194
No caso destes símbolos globais, o que lhes confere relevância não é
tanto seus significados, mas sim suas características formais. Segundo
Gombrich, são estas características que lhes conferem o que caberia
denominar de “potencial simbólico” (Idem, ibidem).
Paradoxalmente, este potencial formal pode representar um obstáculo
para a interpretação, mas não há razão para supor que um símbolo não
poderia ter surgido espontaneamente, principalmente se se conceber que seu
potencial simbólico pode ter sido o fator motivador para a criação da respectiva
forma, mesclando-se assim a seu significado. De acordo com Gombrich, “este
punto de vista há encontrado un defensor persuasivo en Jurgis Baltrusaitis”,
que seguiu a linha de investigação de seu mestre Henri Focillon, insistindo “en
vários estúdios, en las inadequaciones, tanto de la aproximación iconográfica
como de la puramente formal, con respecto a la história de los motivos” (Idem,
op. cit, p. 308).
Para Jurgis Baltrusaitis,
Hay ciertos “temas formales” en la historia del arte que permiten
variaciones tanto en contenido como en la forma y que todavía se
mantienen como motivos relacionados y vinculantes. [...] Su fórmula no
resuelve el problema de la persistência de tales motivos, pero señala la
necessidad de encontrar una explicación al hecho de que su indudable
potencial se vea investido con significados (Idem, ibidem).
O intento mais audaz realizado na tentativa de explicar esta persistência
remonta às teorias de Carl Gustav Jung80. O enfoque de Jung defende a
existência de uma inter-relação entre simbolismo e uma “linguagem perdida”
que resgata diversos intentos anteriores com a finalidade de recuperar a
sabedoria esotérica de um passado misterioso por meio da interpretação de
motivos simbólicos. Não obstante, Jung acreditava que a revelação desta
hipótese não poderia ser encontrada somente por meio da investigação
histórica. Mas sim, deveria ser orientada e suplementada através da
interpretação de sonhos e fantasias humanas, que por sua vez, poderiam ser
80 Ver JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos (ed. especial brasileira). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996.
195
compreendidos melhor através dos resultados da investigação histórica. (Idem,
op. cit, p. 10).
Segundo o dicionário de símbolos J. E. Cirlot (1962), “ornamentation this
is a symbol of cosmic activity, of development in space and of the ‘way out of
chaos’”. Para a simbologia, ornamentação é a virtude evolutiva dos motivos, a
progressiva reconciliação com a ordem. Significa os estágios graduais do
desenvolvimento evolutivo do universo na escala dos 5 elementos (fig. 26; 27).
Grande parte dos princípios básicos que regem os motivos ornamentais diz
respeito a simbolismos gráficos espaciais (CIRLOT, 2001, p. 245).
Figura 26 - Formas ornamentais dos 4 elementos. Fonte: CIRLOT, 2001, p. 246
Figura 27 – 5º ornamento; configuração holística. Segundo o Ayurveda: o Éter. Fonte: Dahlke,
2007, p. 46
196
A ornamentação, se analisada a partir deste ponto de vista simbólico,
tem no símbolo do mandala, sua máxima pretensão expressiva, cuja essencial
finalidade visa reproduzir este movimento evolutivo universal. A criação de um
mandala essencialmente se fundamenta na preocupação com a ornamentação,
de acordo com Cirlot, é em efeito, o simbolismo inconsciente de ordenar certa
área, isto é, “for bringing order into chaos”. Em conformidade com o que foi dito
a respeito da mediação pacificadora que a ornamentação deve ter por
finalidade (cap. 4, item, 4.1.1), Cirlot afirma que, na luta para ordenar a
configuração de um mandala, tem-se por finalidade a conciliação de dois
aspectos. A saber: o fato de que aquilo que pretende se tornar um mandala,
deve expressar o produto do simples desejo para ordem (estético ou utilitário);
e secundariamente, considerar que os objetos que compõem o mandala, são
próprios para estimular a inspiração do desejar místico para a integração
suprema (CIRLOT, 2001, p. 201).
De acordo com Gombrich, “citando a partir de la autorizada introducción
de Frieda Fordham a la Psicología de Jung (1953)”:
Mandala es una palabra sânscrita que significa círculo mágico, y su
simbolismo incluye todas las figuras distribuídas concéntricamente,
todas las distribuiciones radiales o esféricas, y todos los círculos o
cuadrados con un punto central. Es uno de los más antiguos símbolos
religiosos (GOMBRICH, 1980, p. 310).
Figura 28 - Mandala Shri-Yantra. Fonte: http://www.omagain.com/images/SriYantra.jpg
197
Jung recorre à imagem do mandala para designar uma “representação
simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida”. Junto aos seus
discípulos, Jung observou que essas imagens são utilizadas “para consolidar o
ser interior ou para favorecer a meditação em profundidade. A contemplação
de um mandala supostamente inspira a serenidade, o sentimento de que a vida
reencontrou seu sentido e sua ordem” (JUNG, 1964, apud, CHEVALIER, 2009,
p. 586). Jung descobriu que o simbolismo da mandala aparecia
espontaneamente nos sonhos e visões de muitos de seus pacientes. Sua
aparição era incompreensível para eles, mas vinha geralmente acompanhada
por uma intensa sensação de harmonia e paz (GOMBRICH, 1980, p. 311).
Neste sentido, Jung mostra que o ornamento mandala possui uma dupla
eficácia: “conservar a ordem psíquica, se ela já existe; restabelece-la, se
desapareceu. Nesse último caso, exerce uma função estimulante e criadora”
(JUNG, 1964, apud, CHEVALIER, 2009, p. 586), ou seja a função anagógico-
terapêutica como viemos argumentando.
Segundo Chevalier:
O mandala é literalmente um círculo, ainda que o seu desenho seja
complexo e muitas vezes se encerre em uma moldura quadrada. [...] é
ao mesmo tempo um resumo da manifestação espacial, uma imagem
do mundo, além de ser a representação e a atualização de potências
divinas; é assim uma imagem psicagógica, própria para conduzir quem
a contempla à iluminação. [...] O mandala é uma imagem ao mesmo
tempo sintética e dinamogênica, que representa e tende a superar as
oposições do múltiplo e do uno, do decomposto e do integrado, do
diferenciado e do indiferenciado, do exterior e do interior, do difuso e do
concentrado, do visível aparente ao invisível real, do espaço-temporal
ao intemporal e extra-espacial (V. V. A. A. apud CHEVALIER, 2009, p.
585).
Na visão de Jung, mandalas ou qualquer imagens concomitantes, sejam
elas a prior, paralelas ou conseqüentes, são derivações de sonhos ou visões
que correspondem ao mais básico simbolismo religioso conhecido pelo gênero
humano. Tais símbolos demonstram sua existência deste antes da Idade
198
Paleolítica, a primeira forma conhecida, por exemplo, a roda do sol, uma idéia
arcaica, talvez a idéia religiosa mais velha de que se tenha conhecimento.
Podemos atribuí-la às eras mesolítica e paleolítica, como o provam esculturas
da Rodésia (CIRLOT, 2001, p. 201).
Conforme Jung, muitos trabalhos artísticos e alegóricos dentre as mais
diversas culturas partiram de um mesmo impulso: um interesse primordial da
estrutura psíquica interna, gerando sua contraparte externa em muitos ritos,
fundando cidades e templos, criando divisões para o céu, no qual a orientação
e a relação espaço-tempo são provas deste singular testemunho eloqüente
(Idem, ibidem). Historicamente o mandala “servía como símbolo que
representaba la naturaleza de la deidad, tanto para clarificarla filosóficamente
como con fines de adoración” (GOMBRICH, 1980, p. 311).
Rüdiger Dahlke, em sua obra Mandalas: formas que representam a
harmonia do cosmos e a energia divina (1985), ao abordar os aspectos formais
das rosáceas, faz um alerta sobre um importante conceito filosófico,
tipicamente estético, relacionado ao simbolismo ligando tempos e culturas:
Se nos lembrarmos da universalidade do símbolo da mandala e
tivermos presente que só existe uma única verdade e uma única fonte
onde todas as religiões beberam, causará espanto a delimitação, a
exclusão e a depreciação recíprocas entre as religiões, hoje tão
comuns. [...] Será que é realmente por “acaso” que os símbolos dos
quatro evangelistas – representados por toda a parte – correspondem
exatamente à cruz fixa do zodíaco: leão, águia (enquanto escorpião
redimido), anjo (aquário) e touro, e que estes, também por acaso,
simbolizam justamente os quatro elementos da antiguidade (fogo, água,
ar e terra)? Creio que não! [...] Estamos tentando estabelecer contato
com esse antigo conhecimento e seguir a pista da unidade dentro da
multiplicidade. Esse é o significado da palavra “uni-verso” e a “uni-
versidade” era, originariamente, o lugar onde essas leis deveriam ser
reproduzidas (DAHLKE, 2007, p. 82).
Conforme ressalta Gombrich, “hay mandalas cristianos, que datan de los
princípios de la Edad Media, en los que aparece Cristo en el centro, con los
cuatro evangelistas y sus símbolos en los puntos cardinales” (GOMBRICH,
199
1980, p. 311). Na tradição tibetana, por exemplo, semelhante à idéia da
trindade universal tão difundida no ocidente, o mandala é o guia imaginário e
provisório da meditação. “Ele manifesta em suas combinações variadas de
círculos e de quadrados o universo espiritual e material assim como a dinâmica
das relações que os unem, no plano tríplice, cósmico, antropológico e divino”
(TONDRIAU, 1964 apud CHEVALIER, 2009, p. 586). Divisão também proposta
por Plotino: espírito, matéria e o Uno que é Deus81.
Figura 29 - Cruz com os quatro evangelistas e Cristo ao centro. Fonte:
http://www.cordiscolatina.com.br/adm/img/g_foto1_767.jpg
Há alguns mandalas que ao invés de incluir figuras, contrabalançam sua
formação simétrica com números que se organizam em descontinuidade
geométrica, mas que podem ser identificados com o pontos cardeais, os
elementos, cores e assim por diante, trabalhada desta maneira, a significação
do mandala pode ser maravilhosamente enriquecida com esses símbolos
adicionais. Espelhos da dinastia Han, por exemplo, uma dinastia chinesa que
durou de 206 a.C. até 220 d.C., considerado um dos grandes períodos da
história da China, descrevem mandalas que balanceiam os números quatro e
oito numa disposição ao redor do centro em cinco zonas que correspondem
81 Ver PLOTINO, 1950.
200
aos cinco elementos, isto é, os quatro elementos materiais, mais o elemento
espiritual, ou quintessência (CIRLOT, 2001, p. 202).
Figura 30 - Mandala “Elementos” Ilustração Vagner Vargas. Fonte: Fioravanti, 2007, CD-Rom
interativo
Embora o mandala sempre aluda ao conceito de centro, este fato nunca
é descrito visualmente, mas sim, sugestionado por meio de figuras
concêntricas, tal característica ao mesmo tempo que denota, exemplifica os
obstáculos que existem para alcançar e assimilar o Centro (Idem, ibidem). Para
Dahlke, “não apenas é difícil determinar um ponto central, mas é também
impossível representar um ponto verdadeiro, visto que, apesar de todas as
formas derivarem do ponto, o ponto mesmo não tem forma” (DAHLKE, 2007, p.
42). Ainda com Dahlke, sobre a questão do ponto central:
Por definição, ele não tem dimensão espacial, faz parte do reino das
idéias e não do reino das formas. Aquilo que geralmente designamos
como ponto está além da idéia. [...] do ponto surge uma esfera logo que
o insuflamos com espaço. Se adicionarmos a ele o tempo, teremos a
nossa criação, o mundo de maya; se dele retirarmos novamente o
espaço e o tempo, o mundo da ilusão afundará no interior do ponto Uno
primordial. O que todas as mandalas de todos os tempos têm em
comum é o ponto central uno, sem existência material. Nele se
reconciliam todos os opostos; nele toda polaridade é anulada (Idem,
ibidem).
201
Com relação ao que foi dito (cap. 3 item, 3.2.1) sobre o auto-
conhecimento e a natureza da mente, viu-se que a mente é um evento.
Diferentemente do corpo material não possui forma definida. Está em todo
corpo e também além dele, mas em determinados estágios de consciência, é
capaz de atingir certo grau de equilíbrio, situando-se no ponto central entre o
consciente (ego) e o inconsciente (id). Neste caso, evidencia-se uma reação de
extrema tranqüilidade e paz interior, acompanhada de alegria de viver e uma
sensação de intenso prazer. A esse respeito, Dahlke, ao comparar o corpo
humano com um mandala em sua totalidade ressalta:
Com os braços e as pernas esticados, ele [o corpo] forma uma estrela
de cinco pontas, e cada estrela é uma mandala. Enquanto mandala
estelar, cada homem possui, claramente reconhecível, um centro, e
todos estamos constantemente à sua procura. O centro – não importa
se o sentimos agora mais conscientemente ou não – reconhece, por sua
vez, essa estrutura de mandala como algo que lhe é idêntico. No
entanto, sentimos uma indescritível felicidade ao vivenciarmos
conscientemente o nosso centro: é esse o objetivo de toda meditação.
Afinal, meditar significa girar em torno do nosso próprio centro, e, dessa
forma, uma mandala e toda mandala nos faz lembrar do nosso próprio
centro e equivale, portanto, à medi-tação (Idem, op. cit, p. 34).
Figura 31 - O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci. Fonte:
http://2.bp.blogspot.com/_tpHtarCu9V8/S_Z1g-9yPII/AAAAAAAAAJc/D2RBeUj_6mw/S660/phi-HomemVitruviano%5B1%5D.jpg
202
4.2.1 O paradoxo de volta ao centro
Mas, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque
ouvem82.
[Jesus Cristo in Mateus, cap. 13 v: 16]
Ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz
poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela
força... O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a
transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido.
Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto,
nenhum dano83.
[I Ching]
Após todo este percurso desenvolvido ao longo deste trabalho sobre a
evolução da ornamentação fundamentada a partir de uma visão holística da
realidade inerentemente calcada em valores antropológicos da natureza e do
ser humano, chega-se aqui, através do princípio filosófico do mandala, a um
ponto decisivo. Este ponto poderia expressar-se deste modo: o potencial
metafísico que a arte, o design ou de qualquer forma material existente -
trabalhada pelo homem ou inato na natureza – capaz de conter funções que
estão além da percepção comum, tais como a função estética, a função
anagógica e a função terapêutica.
Segundo os preceitos mandalísticos em relação à percepção da
realidade: “só se pode entender da mandala o fato de que o essencial escapa
ao entendimento; o entendimento está relacionado com a polaridade, com o
espaço e o tempo. Onde estes dois deixam de existir, deixa também de existir
o entendimento” (Idem, op. cit, p. 43-4). Nas palavras de Dahlke:
O Uno, o centro da mandala, foge a toda representação intelectual, e
vive, contudo, dentro de todos nós. Não poderemos encontrá-lo com a
ajuda da nossa vontade e do nosso intelecto, embora os dois participem
82 O Novo Testamento, Salmos e Provérbios. Campinas: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006. 83 Citação extraída do livro I Ching Chinês, apud Capra, 2006.
203
do processo e do caminho, nele adquirindo sentido e função, só que
infelizmente não são suficientes. Nossa linguagem, que é, sobretudo,
quase sempre a expressão do nosso pensamento, não facilita o
caminho para o centro, para o essencial; ao contrário, parece que ela
nos distancia. [...] Desse modo, contudo, ela ao mesmo tempo nos
ajuda, pois quanto mais longe nos leva, mais ela nos aproxima. Essa
afirmação parece paradoxal e, na verdade, o é, e mesmo assim é mais
verdadeira do que todo o resto (Idem, op. cit, p. 13).
Porém, a subjetividade da linguagem poética, principalmente aquela
linguagem ornamental cujo motivo não tem a pretensão de representar algo
definido (mimética), pode conduzir, de forma mais diretiva, ao caminho para o
essencial, um retorno até a unidade. Nas palavras de Dahlke:
O símbolo sempre contém tudo, ou seja, os dois lados da polaridade.
Em outros termos, o símbolo não exclui, mas inclui, e não impõe limites,
tal como as palavras e os números. Desse modo, jamais poderá
satisfazer o intelecto, pois este vive de classificar e discernir. O símbolo
abrange o paradoxo e, por isso, é mais verdadeiro do que qualquer
outra coisa no mundo de “maya”, o mundo das apararências. Queremos
nos aproximar conscientemente do símbolo: a chave para isso está tão
próxima e pode nos parecer tão banal, que não nos dispomos a perder
tempo com coisas tão simples e, de fato, tudo é tão simples. [...] todos
os caminhos levam ao início e, assim, perceberemos também que todas
as viagens, exercícios e experiências sempre retornam para a Unidade
(Idem, op. cit, p. 14).
É por este motivo que atualmente vivenciamos uma época de crises,
uma fase de transição, o ponto de mutação. É preciso redescobrir nossas
raízes, nossa mandala interior. O que não quer dizer que seja bom ou ruim,
simplesmente é. Na concepção de Dahlke, desta forma vamos assistindo - e
não sem razão – à revivescência das mandalas no mundo das aparências:
[...] na arte e nas tradições de meditação que despertam para uma nova
vida. Em cada mandala podemos ler esse desenvolvimento, que
obrigatoriamente nos cabe. Encontramos agora a nossa sombra, e ela
204
passa a ser a nossa tarefa: a busca feita totalmente no nível exterior e
atolada no vício e no desespero, ou melhor, na polaridade, torna a
voltar-se para dentro, para o centro, para o meio, para a meditação. O
circulo da mandala volta a se fechar para se abrir e se fechar de novo e
se abrir outra vez... (Idem, op. cit, p. 64).
Segundo a máxima de Hermes Trismegisto, a partir da interpretação de
Dahlke:
Na realidade, estamos à espera dessa concordância entre microcosmo
e macrocosmo. [...] Porque, sem dúvida, estamos vivendo hoje
novamente uma época que se perde cada vez mais nas aparências e
deixa insatisfeita a alma dos homens. A crescente unilateralidade de
nossas avaliações [egocentrismo], relacionadas, por seu turno, com a
unilateralidade do nosso pensamento [egolatrismo], expressa bem essa
situação (DAHLKE, 2007, p. 48).
Não seria surpreendente se ao lado das experiências de cura do homem
(diversidade/microcosmo), estas também se expandissem para as diferentes
culturas e até para o mundo (unidade/macrocosmo)?
Doravante cabe ao(s) leitor(es) responder(em)...
205
BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. (4ª ed.) São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
ARCHIBALD, H. Christie. Pattern Design, an introduction to the study of formal
ornament. New York: Dover Publications, 1969.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos
contemporâneos. (7ª. ed.). São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora
(nova versão). São Paulo: Cengage Learning, 2008.
_______________. Intuição e intelecto na arte. (2ª ed.) São Paulo: Martins
Fontes, 2004. (1ª ed. brasileira, 1989).
BARILLI, Renato. Curso de estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. (original
1989).
BAXTER, Mike. Projeto de Produto: guia prático para o design de novos
produtos. (2ª ed.) São Paulo: Edgard Blücher, 1998.
BAYER, Raymond. História da estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.
(original 1961).
BAZARIAN, Jacob. Intuição Heurística. Uma Análise Científica da Intuição
Criadora (3.ed.). São Paulo, Alfa-ômega, 1986.
BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São
Paulo: Cosac Naify, 2006.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
206
BENSE, Max. Pequena Estética. São Paulo: Perspectiva/ EdUSP, 1971.
BERGSON, Henri. O pensamento e o Movente. São Paulo, Martins Fontes,
2006.
BHASKARAN, Lakshmi. Designs of the times; using key movements and
styles for contemporary design. Mies: Rotovision, 2005.
BONSIEPE, Gui. A “tecnologia” da tecnologia. São Paulo: Edgard Blücher,
1983.
BROADBENT, Geoffrey. Functionalism versus post-modernism. The post-
modern object. In: Art & Design. London: Academy Group, 1987, p. 73-5.
BÜRDEK, Bernhard. E. História, teoria e prática do design de produtos. São
Paulo: Edgard Blücher, 2006.
BURDEN, Virginia. O processo da intuição: uma psicologia da criatividade.
(9ª ed.) São Paulo: Editora Pensamento, 1993.
CALABRESE, Omar. A linguagem da Arte. Rio de Janeiro: Globo, 2002.
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Editora Cultrix, 1996.
___________. O ponto de mutação (33ª ed.). São Paulo: Cultrix, 2006.
(original, 1982).
___________. O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o
misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 1983.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. (3ª ed.). São
Paulo: Blucher, 2008.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: (mitos,
sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números) (24º ed.). Rio de
Janeiro: José Olympio, 2009
CIRLOT, J. E. A dictionary of symbols (2ª ed.). London: Taylor & Francis e-
207
Library, 2001. (original 1962)
COLLINS, Michael. Post-modern design. The post-modern object. In: Art &
Design. London: Academy Group, 1987, p. 11-23.
DAHLKE, Rüdiger. Mandalas: formas que representam a harmonia do cosmos
e a energia divina (18ª ed.). São Paulo: Pensamento, 2007.
DAMÁSIO, António. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro
humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da
história. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.
DE BONO, Edward. New thinking for the new millennium. London: Penguin
Books, 2000.
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. (3ª ed.) Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
DE MORAES, Dijon. Análise do Design Brasileiro; entre mímese e
mestiçagem. São Paulo: Edgard Blücher, 2006.
DE FUSCO, Renato. Historia del Diseño. Barcelona : Santa & Cole, 2005.
DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas e movimentos: guia enciclopédico da arte
moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
DESCARTES, René. Regras para a orientação do espírito. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
DOCZI, György. O poder dos limites: harmonias e proporções na natureza,
arte e arquitetura. São Paulo, Mercuryo, 1990.
DORFLES, Gillo. Elogio da desarmonia. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
(original: 1986)
_____________. Oscilações do gosto; a arte de hoje entre a tecnocracia e o
consumismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1974. (original: 1970)
208
_____________. O devir das artes (3ª ed.). Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1988. (original: 1959)
DORMER, Peter. Design since 1945. London: Thames & Hudson, 1993.
DROSTE, Magdalena. Bauhaus Archiv. Köln: Taschen, 2006.
ECO, Umberto. A definição da arte. Lisboa: Edições 70, 1986.
FIORAVANTI, Celina. Mandalas: como usar a energia dos desenhos sagrados.
São Paulo: Pensamento, 2007
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte (9ª ed.). Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2002. (original 1963)
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva/Edusp,
1973.
FRAWLEY, David. Uma visão Ayurvédica da mente; a cura da consciência
(13º ed.). São Paulo: Editora Pensamento, 1996.
GARCÍA, J. M.; TORRE, G. Decoración y sicología. Barcelona: Editorial
Científico-Médica, 1970.
GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de idéias
replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
GRASSET, Eugène. Méthode de composition ornamentale. Paris: Librairie
Centrale dês Beaux-Arts, 1905.
GOLEMAN, Daniel. A mente meditativa: as diferentes experiências
meditativas no oriente e no ocidente (3ª ed.). São Paulo: Editora Ática, 1997.
(1ª ed. Em ingles: 1988)
________________. “Special abilities of the sexes: do they begin in the brain?”
in Psychology Today, novembro, 1978.
______________. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine
209
o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
GOMBRICH, Ernst Hans. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da
representação pictórica (4ª ed.). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
____________________ El sentido de orden: estudio sobre la psicología de
las artes decorativas. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S. A. 1980.
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual d forma (2ª
ed.). São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
GOMES, Luiz Vidal N. Criatividade projeto desenho produto. Santa Maria:
Scheds, 2001.
GULLAR, Ferreira. Argumentação contra a morte da arte (7ª ed.). Rio de
Janeiro: Revan, 1999.
HARRISON, Charles. Modernismo. São Paulo: Cosac Naify Edições, 2001.
HEARTNEY, Eleanor. Pós-modernismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio
de Janeiro: Imago Ed., 1991.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação (2ª ed.) São Paulo: Cultrix, 1995.
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo; A lógica do capitalismo tardio. São
Paulo: Ática, 1997.
JENCKS, Charles. Symbolic objects. The post-modern object. In: Art & Design.
London: Academy Group, 1987, p. 63-7.
JENSEN, Robert; CONWAY, Patrícia. Ornamentalism: the new decorativeness
in architecture & design. New York: Clarkson N. Potter, Inc./Publishers, 1982.
JONES, Owen. The grammar of ornament. Slovaquia: L’Aventurine, 2006.
(original 1856).
210
JUNG, Carl Gustav. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis, Vozes, 1987.
_______________. O homem e seus símbolos (ed. especial brasileira). Rio
de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996.
KNELLER, George F. Arte e ciência da criatividade. (2ª ed.) São
Paulo: IBRASA, 1971.
KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna; Novas
teorias sobre o Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro, Zahar, 1997.
LAROUSSE, Cultural. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo:
Nova Cultural, 1998.
LAWSON Bryan. How designers think. London: The Architectural Presse,
1986.
LÖBACH, Bernd. Design industrial: Bases para a configuração dos produtos
industriais. São Paulo: Edigard Blücher, 2001.
LOOS, Adolf. Ornamento y Delito y otros escritos. Barcelona: Gustavo Gili,
1972. (original ca. 1910)
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna (2ª ed.) Lisboa:
Gradativa, 1989.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. (3ª ed.) São
Paulo: Martins Fontes, 2006. (original: 1945)
MEYER, F. S. Manual de Ornamentación; ordenado sistemáticamente para
uso de dibujantes, arquitectos, escuelas de artes y ofícios y para los amantes
del arte (11ª ed., versão alemã). Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1989.
(original, 1964).
MUNARI, Bruno. Fantasia: invenção, criatividade e imaginação na
comunicação visual. (2ª ed.) Lisboa: Editorial Presença, 1987.
MUKAROVSKY, Jan. Escritos sobre Estética e Semiótica da Arte. Lisboa:
211
Estampa, 1993.
NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. (3ª ed.). Rio de
Janeiro: 2AB, 2000.
NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo:
Annablume, 1995.
NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte (5ª ed., 7ª impressão). São
Paulo: Editora Ática, 2009. (1ª publicação: Coleção Buriti, 1966).
OSBORN, Alex. Applied Imagination. New York, Scribner's Sons, 1964.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação.
Petrópolis: Vozes, 1994.
PAIM, Gilberto. A beleza sob suspeita: o ornamento em Ruskin, Lloyd Wright,
Loos, Lê Corbusier e outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
PANTALEÃO, Lucas. F.; PINHEIRO, Olympio. J. A Intuição e o Acaso no
Processo Criativo: Questões de Metodologia para a Inovação em Design In: 5º
Congresso Internacional de Pesquisa em Design, 2009, Bauru. Anais do 5º Congresso Internacional de Pesquisa em Design - CIPED, 2009. p.435 –
442
_________________________________________. Análise da Função
Estética / Poética na Linguagem do Design Contemporâneo In: 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2008, São Paulo.
Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design,
2008. p.3621 – 3625
________________________________________. Estética e historicidade:
uma visão da arte e do design a partir do ornamento. In: Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes / Portugal, v.4, janeiro 2009.
Disponível em: http://convergencias.esart.ipcb.pt/artigo/59 Acesso em
03/03/2010.
212
________________________________________. Criatividade e Inovação:
Intuição e Acaso em Arte e Design In: 18º Encontro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas, 2009, Salvador. Anais 2009 ANPAP - Transversalidades nas Artes Visuais, 2009. p.2524 – 2538. Disponível em:
http://www.anpap.org.br/2009/pdf/chtca/olympio_jose_pinheiro-2.pdf Acesso
em 03/03/2010.
________________________________________. Estética e Ornamento:
uma Antropologia do Design no Contexto Histórico da Arte In: DESIGN, ARTE E TECNOLOGIA. (1ª ed.). São Paulo: Ed. Rosari, Universidade
Anhembi Morumbi, PUC-Rio, UNESP-Bauru, 2009, v.5, p. 1-13.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética (3ª ed.). São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
PAZ, Octavio. O uso e a contemplação. In: V. V. A. A. História geral da arte:
artes decorativas I. Madri: Ediciones del Prado, 1996.
PERLS, Fritz. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia (2ª
ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
PEVSNER, Nikolaus. Origens da arquitetura moderna e do design (3ª ed.).
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
PIGNATARI, Décio. Informação, linguagem, comunicação. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2002. (1ª ed: 1968).
PINHEIRO, Olympio. A aura e seus avatares: do azulejo-colonial à tecno-
imagem. In: V. V. A. A. Pesquisa em Artes Plásticas. Porto Alegre: Ed.
UFRGS/ANPAP, 1993.
_________________. A Contemplação de Janus Bifrons: arte e tecnologia na
contemporaneidade. In: Simpósio Interfaces das Representações Urbanas em Tempos de Globalização, 2005, Bauru (SESC SP). Anais eletrônicos.
<http://www.sescsp.org.br/sesc/conferencias_new/subindex.cfm?Referencia=3
258&ParamEnd=5>. Acesso: 1 abril 2008.
_________________. Azulejo luso-brasileiro: uma leitura plural. In: V.V.A.A.
213
Barroco Memória Viva, Arte Sacra Colonial. São Paulo, EDUNESP, 2001.
_________________. Imagem, miragem, imagem de síntese. In Revista da UFP. Porto: Edições da Universidade Fernando Pessoa, n.2, p. 161-180,
mai.1998.
________________. A Imagem Infográfica; Arte, Design, Semiótica, Ciência
Cognitiva. In: Anais do 17º Encontro Nacional da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais: Florianópolis: UDESC, 2008.
PLOTINO, El alma, la belleza y la contemplación, seleccion de las Eneadas.
Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1950.
POMBO, Fátima.: TSCHIMMEL, Katja. O Sapiens e o Demens no pensamento
do design: a percepção como centro. In: Revista Design em Foco, v. II n.2,
jul/Dez 2005. Salvador EDUNEB, 2005, p. 63-76.
RIEGL, Aloïs. Problemas de estilo: fundamentos para una historia de la
ornamentación. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1980. (1ª ed., Berlim, 1893).
SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Píncipe. E-book disponível em:
http://www.4shared.com/file/19260300/c8062dca/O_Pequeno_Principe__Ilustra
do__-_Antoine_De_Saint-Exupery.html - acesso em 15/07/2010.
SAMPSON, R. V. in: Dicionário de Ciências Sociais (2ª ed.). Rio de Janeiro:
Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1987.
SANTA CATARINA, Maida. Mandala: o uso na arte terapia. Rio de Janeiro:
Wak Ed., 2009
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. –
(coleção primeiros passos; 103).
SPELZ, Alexander. The styles of ornament. New York: Dover Publications,
1959.
214
215
STEVENS, John O. Tornar-se presente: experimentos de crescimento em
gestalt-terapia (7ª ed.). São Paulo: Summus, 1988.
TOLLE, Eckhart. O poder do agora: um guia para a iluminação espiritual. Rio
de Janeiro: Sextante, 2002.
WALLACE, B. Alan. A revolução da atenção: revelando o poder da mente
focada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
YONGEY MINGYUR, Rinponche. A Alegria de Viver: descobrindo o segredo
da felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
WEIL, Pierre. Antologia do êxtase. São Paulo: Palas Athenas, 1992. (livro
esgotado - publicação integral disponível em:
http://www.pierreweil.pro.br/Livros/Portugues/on%20line/Antologia%20do%20e
xtase.pdf Acesso em 08 março de 2010.
__________. Holística: uma nova visão e abordagem do real. São Paulo:
Palas Athenas, 1990. (livro esgotado - publicação integral disponível em:
http://www.pierreweil.pro.br/Livros/Portugues/on%20line/Holistica%20-
%20Uma%20Nova%20Visao%20e%20Abordagem%20do%20Real.pdf Acesso
em 08 março de 2010.
WILBER, Ken (organizador). O paradigma holográfico e outros paradoxos,
explorando o flanco dianteiro da ciência (12ª ed.). São Paulo: Cultrix, 2007. (1ª
publicação 1978).
WILLIAMS, Raymond (1969) apud, PINHEIRO, Olympio. A aura e seus
avatares: do azulejo-colonial à tecno-imagem. In: V. V. A. A. Pesquisa em Artes Plásticas. Porto Alegre: Ed. UFRGS/ANPAP, 1993.1993.
ZAMBONI, Silvio. A Pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. (3ª
ed.) Campinas: Autores Associados, 2006.