A OCULTAÇÃO DA PATERNIDADE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
LARISSA MONTASSIEUR VIEIRA
A OCULTAÇÃO DA PATERNIDADE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Porto Alegre2013
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LARISSA MONTASSIEUR VIEIRA
A OCULTAÇÃO DA PATERNIDADE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentadocomo requisito parcial à obtenção do título deBacharel em Ciências Jurídicas e Socais naFaculdade de Direito da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul
Orientadora: Professora Me. Maria Elisa Gay da Fonseca Allgayer
Porto Alegre2013
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LARISSA MONTASSIEUR VIEIRA
A OCULTAÇÃO DA PATERNIDADE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentadocomo requisito parcial à obtenção do título deBacharel em Ciências Jurídicas e Socais naFaculdade de Direito da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul
Aprovada em ____ de ________________ de 2013.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________Professora Me. Maria Elisa Gay da Fonseca Allgayer
________________________________________Professor(a)
________________________________________Professor(a)
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AGRADECIMENTOS
A concretização deste trabalho se deu através da união de esforços de
várias pessoas, que direta ou indiretamente dedicaram tempo, paciência, amor,
compreendendo os vários momentos que tive que me ausentar para concluir meu
trabalho. É para estas pessoas que faço este agradecimento.
Primeiramente gostaria de agradecer todo o carinho, dedicação, incentivo
e apoio que recebi dos meus queridos e amados sogros Afonso e Elaine, pois sem a
ajuda emocional e material, certamente não teria conseguido concluir o curso.
Agradeço ao meu amado noivo e companheiro Alcyone, que no decorrer
do curso sempre esteve ao meu lado, trazendo um chimarrão para ajudar a me
manter acordada nas noites de estudos, falando sempre palavras de incentivo e
apoio.
Agradeço a minha família, que sempre me deu muito amor e carinho,
sabendo sempre compreender meus momentos de ausência, a fim de que pudesse
realizar meu sonho.
Agradeço a minha orientadora Prof. Maria Elisa Allgayer, pelo apoio,
ensinamentos, paciência e permitir realizar e concretizar este trabalho, respeitando
minhas ideias e pensamentos, sem deixar de enriquecer este trabalho, de forma
brilhante com seus conhecimentos jurídicos.
Agradeço ao meu pai Valmir, que mesmo tendo ficando consternado, num
primeiro momento, com a descoberta de uma filha, após 22 anos, me recebeu de
braços e coração aberto, fazendo me sentir a filha mais amada do mundo.
Aproveito também, para agradecer a minha vó Ivone, que já se encontra
junto a Deus, mas que no pouco tempo que pudemos passar juntas, foi fonte de
inspiração e orgulho e mesmo estando em estado avançado da doença, suas
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palavras sempre foram cheias de amor, carinho e preocupação.
Enfim, e não menos importante, agradeço a Deus, pela vida e por me
proporcionar encontrar minha família paterna, possibilitando que eu seja uma
pessoa mais completa e feliz.
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RESUMO
O presente estudo visa aprofundar a análise quanto a fenomenologia da alienação
parental em um cenário de conflito aparente de direitos fundamentais entre a
privacidade da genitora e o direito de convivência familiar dos filhos, em que
propositalmente é ocultada a informação quanto a filiação para evitar o advento do
vínculo emocional. Para tanto, é realizada uma pesquisa quanto a evolução e
positivação dos direitos fundamentais, sua relação com o direito de família no
cenário brasileiro e o enquadramento com a sistemática da alienação parental. A
necessidade de uma mudança de paradigma no cenário jurídico brasileiro, para que
seja dada a relevância ao tema da alienação parental, provoca nesta monografia
uma relação crítica entre a efetividade da proteção dos direitos da criança e
adolescente e a percepção da conduta dos responsáveis e sua relação com o direito
pátrio.
Palavras-chave: Direito de Família. Direitos fundamentais. Alienação parental.
Filiação. Criança. Adolescente. Conflito aparente de normas.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 7
2 ANÁLISE EVOLUTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................... 92.1 AS BASES PARA SURGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.......... 92.2 PROCESSO DE POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS............112.3 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS..........................................132.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CENÁRIO CONSTITUCIONALBRASILEIRO CONTEMPORÂNEO........................................................................... 16
3 DIREITO DE FAMÍLIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................183.1 A SISTEMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃOFEDERAL DE 1988 E O DIREITO DE FAMÍLIA........................................................ 183.1.1 Existência ou não de hierarquia em sede de direitos fundamentais...... 253.2 O DIREITO À PRIVACIDADE DA MULHER E SEU FUNDAMENTOCONSTITUCIONAL................................................................................................... 263.3 O DIREITO DA CRIANÇA AO RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO E ÀCONVIVÊNCIA FAMILIAR....................................................................................... 29
4 ALIENAÇÃO PARENTAL: UM NOVO PARADIGMA.................................. 394.1 DEFINIÇÃO E ENQUADRAMENTO NO ORDENAMENTO PÁTRIO.......... 394.2 ALIENAÇÃO PARENTAL E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOSALIENADOS.............................................................................................................. 484.3 A OCULTAÇÃO DA PATERNIDADE COMO FORMA DE ALIENAÇÃOPARENTAL................................................................................................................ 514.4 O PROGRAMA PAI PRESENTE: TENTATIVA PRÁTICA DE GARANTIR ODIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.......................................... 53
5 CONCLUSÃO................................................................................................ 56
6 REFERÊNCIAS............................................................................................. 58
ANEXO A - PROVIMENTO Nº 12 DA CORREGERIA GERAL DE JUSTIÇADO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.............................................................. 61
ANEXO B - PROVIMENTO Nº 16 DA CORREGERIA GERAL DE JUSTIÇADO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.............................................................. 67
ANEXO C - PROVIMENTO Nº 19 DA CORREGERIA GERAL DE JUSTIÇADO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.............................................................. 76
ANEXO D - FOLDER DO PROGRAMA “PAI PRESENTE” DO CONSELHONACIONAL DE JUSTIÇA E PODER JUDICIÁRIO.................................................. 80
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1 INTRODUÇÃO
A alienação parental é um tema em evidência atualmente, sendo
percebido com maior frequência em casos de separação e divórcio, quando um dos
pais passa a destruir a imagem do outro, com consequências diretas ao
relacionamento com os filhos, enfraquecimento do vínculo emocional familiar e
danos psicológicos, especialmente às crianças. Identificada pelo psiquiatra
americano Richard A. Gardner, o qual foi o primeiro a conceituar alienação parental
em 1985, o tema foi objeto de estudo de diferentes áreas do conhecimento (Direito,
Psicologia, Medicina, Assistência Social, entre outros).
O presente estudo tem como objetivo analisar o processo de alienação
parental a partir da omissão de informações verdadeiras acerca da filiação, e
analisar a violação dos direitos do alienado ocorridas neste processo. Para tanto,
objetiva-se realizar uma identificação dos direitos fundamentais inerentes ao
alienado e ao alienante, com destaque para o conflito (ainda que aparente) dos
direitos de informação quanto a origem familiar e o direito a privacidade, buscando
compreender a existência, ou não, de hierarquia desses direitos e sua conjugação
no caso em concreto.
Através desta pesquisa se busca aprofundar uma reflexão, visando
possibilitar aos que estudam o tema uma ampliação do paradigma da ocorrência da
alienação parental, identificando a possibilidade de ocorrência fora dos casos
usualmente estudados e debatidos. Com isto, poder-se-á obter maior celeridade na
identificação, tratamento e cessação desta violência, minimizando os prejuízos de
ordem psíquica e emocional para todos os envolvidos, tornando mais efetiva a
atuação jurisdicional.
O estudo irá dividir-se em três capítulos. O Capítulo 1, OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E O DIREITO DE FAMÍLIA, fará uma explanação sobre a origem,
evolução e positivação dos direitos fundamentais, focado especialmente ao direito
de família. Durante esta abordagem explicará a divisão em dimensões, e quais
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direitos abrangem, revelando assim, a importância para o direito constitucional
vigente e repercussão destas garantias para o direito de família.
No Capítulo 2, A SISTEMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF
88 E O DIREITO DE FAMÍLIA, o estudo abordará a existência ou não de hierarquia
entre direitos fundamentais, bem como os princípios fundamentais que integram o
direito de família e sua aplicabilidade.
O capítulo 3, ALIENAÇÃO PARENTAL E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS
DOS ALIENADOS, será feito a conceituação e distinção entre alienação parental e
síndrome da alienação parental, bem como uma análise dos casos em que é
identificada e estudada. Através deste capitulo será avaliado os paradigmas atuais
quanto ao tema, e a analisado o processo de ocultação de informações como
possível forma de alienação parental. Fazer-se à, ainda, uma análise quanto aos
direitos violados nos casos em que ocorrem a alienação parental.
Por meio deste estudo, busca-se alcançar os objetivos propostos,
identificando a ocorrência da alienação parental por um novo viés, transcendo a
problemática dos casos comumente e amplamente estudados e debatidos no âmbito
jurídico contemporâneo.
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2 ANÁLISE EVOLUTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1 AS BASES PARA SURGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os Direitos Fundamentais representam um inesgotável campo do estudo
jurídico, sendo que sua análise aprofundada é tema de diversas obras jurídicas de
profunda relevância. Nesse sentido são as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, ao
afirmar que “a análise da origem, natureza e da evolução dos direitos fundamentais
ao longo dos tempos é, de per si, um tema fascinante e justificaria plenamente a
realização de um curso inteiro e a redação de diversas monografias e teses.”1
A abordagem ora feita quanto aos direitos fundamentais não tem o
objetivo de esgotar o tema, mas sim, transmitir os alicerces necessários para o
desenvolvimento e compreensão do objeto da pesquisa.
Isto porque a história dos direitos fundamentais possui relação genética
com o surgimento do moderno estado constitucional, que tem em seu cerne o
reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana. Conforme Konrad
Hesse, “criar e mantes os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e
dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam.”2
A história dos direitos fundamentais traduz-se, entre outras coisas, como
uma evolução da limitação do poder através das eras. Conforme Bastos “dá-se o
nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou individuais àquelas
prerrogativas que tem o indivíduo em face ao Estado.”3
Em que pese a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os
primeiros direitos fundamentais, não se pode olvidar que o mundo antigo forneceu
1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 43.
2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 165.3 HESSE, Konrad, Grundrechte, in Staatslexikon, v. 2 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. 16. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 560.
10
as bases necessárias, por meio da religião e da filosofia, para as ideias que viriam a
influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e sua concepção de que o ser
humano, pelo simples fato de sua existência, é titular de direitos naturais e
inalienáveis.4 As mais diversas doutrinas do pensamento como as pré-socráticas,
socráticas, platônicas e aristotélicas, os regimes de governo e a política greco-
romana, toda construção do pensamento judaico-cristão, entre tantos outros
aspectos, colocam o ser humano como portador de deveres e direitos, quer sejam
baseados no papel frente a pólis, quer por sua consciência enquanto ser pensante e
crítico, quer por ser um ser político e dotado de liberdades e capacidades ou ainda
como a criação principal do ente divino. “O Cristianismo, com a ideia de que cada
pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus, teve uma contribuição grande”5.
Este reconhecimento perpetrado nas mais diversas esferas, desde a
antiguidade, contém, em si, o vislumbre da necessidade de proteção ao ente
humano pela sua condição única, arquétipo central da ideia catalisadora dos direitos
fundamentais. As doutrinas jusnaturalistas, de modo especial a partir do século XVI,
passaram a ter um grande desenvolvimento, resultando uma importante influência
nos processos revolucionários do século XVIII. Paralelamente, ocorre um processo
de laicização do direito natural, com ápice no Iluminismo, de inspiração
jusracionalista.
Para citar os representantes mais influentes no âmbito do Iluminismo,
tomemos Rosseau (1712-1778) na França, Tomas Paine (1737-1809), na América e
Kant (1724-1804) na Alemanha, que no âmbito de inspiração jusnaturalista,
resultaram na elaboração doutrinária do contratualismo e da teoria dos direitos
naturais do indivíduo. Paine popularizou, em sua obra, a expressão “direitos do
homem” no lugar do termo “direitos naturais”. Todavia, é o pesamento kantiano o
marco conclusivo desta fase histórica dos direitos humanos. Para Kant, todos os
direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que
cabe a todo homem em virtude da sua própria humanidade, encontrando-se limitado
tão somente pela liberdade coexistente dos demais homens, definindo a liberdade
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 45
5 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional.19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 166.
11
jurídica do ser humano, como a faculdade de somente obedecer às leis as quais deu
livre consentimento.6
Desta forma, chega-se ao momento crucial do moderno conceito de
direitos humanos, baseados na estipulação das liberdades públicas. “Para
compreensão do surgimento das liberdades públicas, é necessário fazer especial
referência aduas outras fontes primordiais: O Pensamento Humanista da França do
século XVIII e a Independência Americana.”7
2.2 PROCESSO DE POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em que pese o dissídio doutrinário acerca da paternidade dos direitos
fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Vírginia, de 1776
e a Declaração Francesa, de 1789, são as declarações de direitos ingleses do
Século XVII quem primeiramente marca a transição dos direitos e liberdades legais
ingleses para os direitos fundamentais constitucionais. Todavia, em que pese a
limitação do poder monárquico alcançada, os direitos e liberdades ainda não
vinculavam o Parlamento, carecendo, portanto, da necessária supremacia e
estabilidade.8
O surgimento dos direitos fundamentais tem estrita ligação com a
Declaração de Direitos do Povo da Virgínia. De acordo com Bastos “ainda antes da
Declaração Francesa houve as americanas. Estas ocorreram logo a partir da
Independência das Colônias em 1776. A mais importante delas é a do Estado da
Virgínia”9 . Realizada em Williamsburg em 12 de Junho de 1776, é uma Declaração
de Direitos que surge contextualizada pela luta pela Independência dos Estados
Unidos da América, precedendo a Declaração de Independência dos Estados
Unidos da América.
6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 48
7 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 168.8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 519 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 169.
12
Tendo sido incorporado pelo povo americano, é um marco da transição
dos direitos de liberdade advindo dos ingleses para o que seria chamado de direitos
constitucionais. Há uma mudança, passando os então chamados direitos naturais do
homem a figurar em um âmbito de positivação na forma de direitos fundamentais
constitucionais.
Isto porque, as declarações americanas incorporavam, virtualmente, os
direitos e liberdade já reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século
XVII, com a nota distintiva da supremacia normativa, pela primeira vez os direitos
naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais
constitucionais. “As influências dessas Declarações são, em parte, as mesmas da
própria Declaração Francesa. Autores como Locke, Montesquieu e Rousseau
também as influenciaram acentuadamente, assim como o liberalismo inglês”.10
Igualmente transcendental foi a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 (em francês: Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen),
documento culminante da Revolução Francesa, define os direitos individuais e
coletivos dos homens. Seu teor, fortemente influenciado pela doutrina dos direitos
naturais, declara estes como sendo universais, inalienáveis e sagrados. “Os direitos
fundamentais nasceram como direitos naturais e inalienáveis do homem, sob o
aspecto de expressão de sua condição humana.”11
Conforme Bonavides, a percepção da universalidade inerente aos direitos
do homem manifesta-se pela primeira vez como fruto do racionalismo francês, por
meio da Declaração dos Direitos do Homem de 1789:
A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade eà dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirásem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos comoideal da pessoa humana. A universalidade se manifestou pela vez primeira,qual descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo dacélebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789.12
10 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 169.11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 66.12 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 562.
13
Para Sarlet “tanto a declaração francesa quanto as americanas tinham
como característica comum sua profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao
humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis”.13
2.3 - DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, ao longo
de seu processo de reconhecimento, desde as primeiras Constituições. Face a
mutação histórica experimentada, é doutrinariamente aceita a existência de três
gerações ou dimensões de direitos.14
Ingo Sarlet ressalta a divergência na doutrina nacional e alienígena
quanto ao termo “gerações”, uma vez que os direitos fundamentais possuem um
reconhecimento progressivo, estando em um processo cumulativo de
complementariedade e não de alternância, de tal maneira que o uso da expressão
“gerações” pode induzir, erroneamente, na ideia de substituição gradativa. Indica o
autor como sendo mais adequado o termo “dimensões”, evidenciando
terminologicamente a extensão do conteúdo, independente da digressão temporal,
razão pela qual resta dotado no presente estudo.15
Os direitos fundamentais de primeira dimensão caracterizam-se como
direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma
esfera de autonomia individual frente ao seu poder. Por tal, são apresentados como
direitos de cunho negativo, uma vez que direcionados a uma abstenção estatal, e
não uma conduta positiva. “O paradigma de titular destes é o homem
individualmente considerado”.16
13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 52
14 Não é ignorada, no presente estudo, as discussões doutrinárias acerca da existência de uma quarta, quita e sexta dimensões dos direitos fundamentais. Todavia, faz-se desnecessário o aprofundamento no ponto face a inexistência de pacificação quanto ao tema e a falta de relevo para o pesquisa.
15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 54
16 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
14
São exemplos o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade,
com forte inspiração jusnaturalista. Posteriormente vem a ser complementados por
uma gama de liberdades, como a de expressão coletiva e participação política.
Neste último, entram a liberdade de associação política, direito de votar e ser
votado, demonstrando uma íntima ligação entre os direitos fundamentais e o
processo de democratização.
Os direitos da segunda dimensão são de caráter econômico, social e
cultural. Os efeitos da industrialização, tanto na obtenção de riquezas, como nos
graves problemas gerados, conjuntamente com o advento das teorias socialistas e a
constatação de que a garantia formal das liberdades não lhes assegurava a
efetividade, geraram, no século XIX, movimentos de reivindicação de direitos,
obrigando ao Estado maior participação na realização de justiça social.17
Conforme Mendes “uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no
catálogo dos direitos fundamentais - direitos que não mais correspondem a uma
pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas.”18 A
característica predominante desta dimensão é o caráter positivo dos direitos
abrangidos. O Estado não mais é obrigado a não intervir, mas sim a propiciar os
meios necessários para efetivação das liberdades e garantias. São exemplos disto
os direitos à assistência social, saúde, educação, trabalho, etc.19
De forma gestacional, já haviam sido reconhecidos tais direitos nas
Constituições Francesas de 1793 e 1848, na Constituição Brasileira de 1824 e na
Constituição Alemã de 1849.20
Em que pese o caráter positivo desta dimensão, resultaram também
p. 233.17 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p.56.18 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 233.19 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p.57.20 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 57.
15
garantias negativas, como as chamadas “liberdades sociais” (direito à sindicalização,
Direito à greve, etc). O seu cunho social, porém, não afasta a sua destinação ao
individuo, que era o sujeito destas garantias, sendo os direitos coletivos e/ou difusos
objeto da terceira dimensão dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais de terceira dimensão, “peculiarizam-se pela
titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para proteção não do
homem isoladamente, mas de coletividade, de grupos”21. Conhecidos como direitos
de fraternidade ou de solidariedade, tem como diferencial seu destinatário. Aqui, não
mais o indivíduo é o sujeito, mas sim a proteção de grupos humanos (como a
família, povo, nação). São direitos, portanto, de titularidade coletiva e/ou difusa.22
Pode-se citar o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio
ambiente como exemplares desta dimensão. Desta forma, o destinatário individual é,
muitas vezes, indeterminável, podendo-se, entretanto, identificar a condição de
grupo ou coletividade como carecedores de uma proteção específica.
Como ilustração clássica é o direito de preservação do meio ambiente
que, de antemão, não pode ser individualizado, uma vez que tantos as gerações
presentes, como as futuras, são dependentes de uma condição ambiental adequada
para sustentabilidade da vida humana. Tais direitos possuem uma implicação
universal, exigindo atuação, muitas vezes, em escala global para sua efetivação.
Ainda, pode-se falar do “direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade de meio
ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural.”23
De forma geral, a maior parte dos direitos desta dimensão não
encontraram seu respaldo na esfera constitucional, possuindo, entretanto, crescente
reconhecimento na esfera do direito internacional, culminado na elaboração de
diversos tratados internacionais e outros documentos transnacionais.24
21 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.p. 234.
22 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 58.
23 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.p. 233.
24 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
16
2.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CENÁRIO CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
A Constituição de 1988, ou Constituição Cidadã, traz grandes inovações
em relação ao direito constitucional anteriormente positivado. Pode-se afirmar, de
certo modo, que pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria
foi tratada com a importância devida, havendo inédito reconhecimento aos direitos
fundamentais, dado-lhe o status jurídico que lhe concerne, e que não havia sido feito
da maneira devida ao longo da evolução constitucional.25
Ainda, estas inovações foram alicerçadas em um conceito não estanque
quanto a definição e extensão destes direitos. Conforme Mendes, “é legítimo,
portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da
Carta e de direitos materialmente fundamentados que estão fora da lista”.26
Podem ser atribuídas ao menos três características à Constituição de
1988 como sendo extensivas do título dos direitos fundamentais, a citar, o caráter
analítico, o pluralismo e o cunho pragmático e dirigente.27
Face a sua extensão e grande número de dispositivos legais (246 artigos
e 74 disposições transitórias) a CF se enquadra no rol das Constituições analíticas,
o que se reflete, também, no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
contendo sete artigos, seis parágrafos e cento e nove incisos (não obstante a
existência de demais direitos fundamentais ao logo de todo texto constitucional).
Esta estruturação evidencia a intenção de resguardar o direito constitucional em
relação ao legislador infraconstitucional, limitando e dirigindo os trabalhos deste.
O aspecto pluralista é revelado na consagração de posições e
Livraria do Advogado, 2006. p.. 59.25 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 7526 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 270.27 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p.77
17
reivindicações nem sempre afinados, representativas dos interesses de diversos
segmentos da sociedade que muitas vezes são colidentes, havendo um caráter
compromissário. Isto demonstra a opção do legislador constitucional em adotar não
apenas uma teoria relativamente aos direitos fundamentais, mas estar aberto a
diversos entendimentos de forma a ampliar sua proteção e aplicabilidade.
O cunho dirigente afigura-se nas diversas disposições que exigem a
atuação do legislador infraconstitucional, impondo-lhe, ainda, restrições e
direcionamentos para garantir a efetividade, por meio diversos programas, diretrizes,
imposições legiferantes. No campo dos direitos fundamentais, existe uma limitação
quanto a esta dependência infraconstitucional, uma vez que previsto no Art. 5º, §1º a
aplicabilidade imediata das normas definidoras destes direitos. Entretanto, subsiste
um uma caráter subsidiário em diversos aspectos programáticos, que devem ser
observados.
O dispositivo mencionado é tido por muitos com uma das inovações mais
significativas, definindo que as normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais possuem aplicabilidade imediata. Ainda que este dispositivo não
alcance consenso, resta evidenciado o tratamento jurídico diferenciado e reforçado
dos direitos fundamentais na Carta Magna de 1988.
18
3 - DIREITO DE FAMÍLIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.1 - A SISTEMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 E O DIREITO DE FAMÍLIA
Podemos afirmar que os direitos fundamentais, na sua maioria, estão
amparados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, o qual encontra-se
explicitado no art. 1º da Constituição Federal. Nesse sentido, podemos afirmar que
os direitos fundamentais, constituem uma extensão do princípio da dignidade da
pessoa humana, devendo tais direitos serem interpretados à luz deste princípio.
Os direitos fundamentais foram tratados, pela primeira vez no Brasil, com
a importância que merecem, quando da criação da Constituição Federal de 1988.
Tais direitos estão elencados, na sua maioria, no Título II, art. 5º e seus incisos, que
trata dos direitos e garantias fundamentais, todavia também, podemos encontrar
outros direitos fundamentais, no decorrer da Carta Magna.28
Após a Constituição Federal de 1988, houve a consagração normativa dos
princípios constitucionais e tal fato é considerado como um dos maiores avanços do
direito brasileiro.29 É correto afirmar que os direitos fundamentais, possuem a
faculdade de serem considerados como, além de instrumento de defesa da
liberdade individual, elementos da ordem jurídica, atuando como fundamento
material de todo do ordenamento.
No que tange ao direito de família, encontram-se elencadas na
Constituição Federal duas classes de princípios: os relativos à garantia dos
membros da família quanto à sua liberdade em face das influências externas e os
relativos aos direitos dos membros da família diante do próprio Estado, visando à
efetividade dos direitos que lhe são garantidos constitucionalmente.30
28 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.69.
29 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: saraiva, 2009. p. 34.30 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo,. Editora
19
A análise dos direitos constitucionais pertinentes ao tema é necessária
para a identificação das mudanças do paradigma sobre a matéria. São alguns dos
princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família: o princípio da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III); o princípio da igualdade entre os cônjuges (art. 5º e 226,
§5º); o princípio da paternidade responsável e planejamento familiar (art. 226, §7º); o
princípio e dever da convivência família (art. 227, caput) e o princípio da proteção da
criança e adolescente (art. 227, caput).31
A inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição,
como princípio central do Estado, visa garantir que a interpretação dos demais
princípios tendo por base a centralização personalista. 32 Conforme Mendes “não
resta dúvida de que todos os seres humanos são titulares de direitos
fundamentais”.33
O princípio da igualdade, elevado ao status de direito fundamental,
garantiu a transformação do direito de família, no que tange a equivalência entre
homem e mulher, entre os filhos e entre as entidades familiares, rompendo os
fundamentos jurídicos da família tradicional. Desta forma, o conceito de família,
baseado na afetividade, passa a ser centralizador, ainda que em conflito com os
conceitos estáticos.34 Como ensina Fabíola Santo Albuquerque:
A liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo daautoridade parental ao consagrar laços de solidariedade entre pais e filhos,como como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poderfamiliar voltada ao melhor interesse do filho.35
O princípio da paternidade responsável e planejamento familiar, chama à
responsabilidade do casal, em exercer uma paternidade responsável, observando o
Revista dos Tribunais, 2002. p. 273.31 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de
família, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 66.32 Ibid. p. 67.33 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 271.34 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de
família, São Paulo: Saraiva, 2013. p.68.35 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos, Poder familiar nas famílias recompostas. apud DIAS, Maria Berenice.
Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.63.
20
tamanho de sua prole, a fim de garantir a defesa dos direitos de seus filhos. Trata-se
de um direito/dever, em que, não apenas é garantida a autonomia dos pais, mas
exigida uma postura de proteção, em especial enlevo à prole.36
No tocante ao princípio da convivência familiar, previsto no art. 227 da CF,
entende-se pela relação afetiva estabelecida entre integrantes do grupo familiar.
Uma vez mais, não há apenas a garantia de não intervenção nas relações
familiares, mas há uma garantia aos que estão em formação da presença dos
familiares, necessários ao bom desenvolvimento.37
O princípio da solidariedade familiar, que possui origem nos vínculos
afetivos, possui conteúdo ético, compreendendo a fraternidade e reciprocidade no
cerne da expressão solidariedade. Seu assento constitucional é visto tanto no
preâmbulo da Carta Magna, quando assegura uma sociedade fraterna, como pelo
dever dos pais em prestar assistência aos filhos (art. 229 da CF), dever de amparo
às pessoas idosas (art. 230 da CF), ambos com forte conteúdo solidário.38
Quanto ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente,
presente no art. 227, caput da CF, observa-se a preocupação do legislador em
assegurar os direitos e deveres dos cidadãos incapazes, total ou relativamente a
determinados atos. No direito de família, este princípio ganha uma dimensão
aprofundada, sendo a proteção integral dos menores uma constante busca no
campo. Tal princípio passará a nortear a interpretação dos dispositivos legais tais
como o direito de convivência com os familiares, guarda, visitação, etc, que deverão
resguardar, a princípio, o melhor interesse dos menores, ainda que mitigando a
vontade dos demais familiares. 39
Os princípios constitucionais elencados revelam a importância dada ao
direito de família na esfera constitucional, atuando como base de interpretação,
aplicação e limitação das disposições infraconstitucionais e jurisprudenciais.
36 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de família, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 63.
37 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 52/53.38 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p.66.39 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 53/54.
21
Analisando o art. 5º, parágrafo 1º da CF, podemos identificar a
preocupação do constituinte em garantir a imediata aplicabilidade dos direitos
fundamentais, garantindo uma maior relevância a estes direitos, após longo período
vivido sob a ditadura militar, vinculando de forma imediata as entidades públicas e
privadas.
Apesar de estar positivado no art. 5º, §1º da CF a aplicabilidade imediata
dos direitos e garantias fundamentais, não podemos deixar de observar se isso
ocorre na vida de cada cidadão brasileiro. Para isto, é necessário verificar se a
norma a ser aplicável necessita ou não da intervenção do judiciário para que tenha
sua plena eficácia. Note-se que o fato de um direito fundamental necessitar de uma
intervenção do legislador para ter sua eficácia garantida, não afasta a aplicabilidade
da norma, uma vez que estas muitas vezes reclama uma mediação legislativa.
Nesse sentido, cabe ao Poder Judiciário o poder-dever de aplicar
imediatamente as normas definidoras dos direitos e garantias constitucionais,
cabendo ao cidadão o cumprimento das referidas normas. Porém, para que isso
tenha, na prática, uma efetiva aplicação, faz-se necessário, muitas vezes, que o
judiciário seja “provocado”, que o cidadão busque o cumprimento e garantia do seu
direito violado.
Realizada a divisão e classificação dos direitos fundamentais de acordo
com suas dimensões (conforme item 2.3 do presente estudo), faz-se necessária a
análise quanto a eficácia da efetivação destes. Primeiramente cabe referir que os
direitos fundamentais encontram-se em constante evolução, revelando a
necessidade de implementação de maior esforço por parte dos Estados e dos povos
de forma integrada, para a uma maior efetivação.
O problema da eficácia de uma norma é o problema de saber se essa
norma é ou não seguida pelas pessoas a quem se destina (os chamados
destinatários da norma jurídica) e, caso seja violada, seja feita valer com meios
22
coercitivos pela autoridade que a estabeleceu.40
Ocorre que, mesmo sendo realizado esforços para uma melhor efetivação
dos direitos fundamentais, estes acabam estes constantemente violados, mesmo
estando ao alcance os instrumentos jurídico-processuais e as garantias
constitucionais para garantir a sua eficácia. “O problema da efetividade é, portanto,
algo comum a todos os direitos de todas as dimensões.”41
Analisando o parágrafo 2º, ainda no art. 5º da CF, verifica-se serem
assegurados as garantias e direitos fundamentais expressos na Constituição, bem
como os que vierem decorrentes do regime e/ou princípios adotados por esta.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes:(…)
§2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluemoutros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dostratados internacionais em que à República Federativa do Brasil seja parte.42
Destaca-se aqui, a terminologia utilizada pelo Constituinte ao denominar
direitos fundamentais, uma vez que nas Constituições anteriores utilizava-se a
denominação de “direitos e garantias individuais”, o que demonstra a real
importância dada, não só no nome mas também na posição em que foram inseridos,
qual seja, no início da nossa Carta Magna, tendo assim local de destaque, já que
nas Cartas anteriores encontravam-se positivados no capítulo dos direitos
econômicos e sociais.43
A fim de reafirmar a real importância dada ao direitos fundamentais, houve
a inclusão destes nas “cláusulas pétreas”, em seu art. 60, §4º da CF, impedindo
40 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Tradução Denise Agostinetti. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 39.
41 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2006. p.65.
42 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 19 set. 2013.
43 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2006. p. 33/34.
23
assim, a erosão destes direitos pela ação do Constituinte.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou doSenado Federal;II - do Presidente da República;III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades daFederação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seusmembros.
(…)§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente aabolir:I - a forma federativa de Estado;II - o voto direto, secreto, universal e periódico;III - a separação dos Poderes;IV - os direitos e garantias individuais.44
O disposto no art. 5º, §2ºda CF, deixa aberta a possibilidade de
encontrarmos outros direitos, considerados fundamentais ao cidadão brasileiro, ao
longo do texto constitucional, bem como em tratados internacionais, podendo ser
utilizado como exemplo o art. 227 da CF, o qual trata do dever da família, à
sociedade e do Estado em assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem
aplicabilidade dos direitos fundamentais elencados no art. 5º, com a inclusão do
direito ao lazer, à profissionalização e à convivência familiar.45 Conforme Mendes, “é
legitimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no
catálogo da Carta e de direitos materialmente fundamentados que estão fora da
lista”.46
Salienta-se que o fato dos direitos fundamentais encontrarem-se no início
do texto constitucional, não significa haver uma hierarquia entre estes direitos e os
demais localizados ao longo da Constituição. O fato dos direitos fundamentais
poderem ser encontrados em toda a Carta Magna, demonstra que possuem uma
certa autonomia, capaz de garantir uma relação entre direitos, sem que seja
necessários que estejam juntos no mesmo capítulo. Essa mesma autonomia
proporciona uma relação com os direitos fundamentais que estão fora da
44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 19 set. 2013.
45 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.101.
46 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.p. 270.
24
Constituição (mas não excluídos por esta), sendo que sua posição deve ser
analisada segundo o princípio da unicidade da Constituição Federal.
Desta forma, pode-se afirma que a partir do nascimento com vida da
criança é responsabilidade dos pais de garantia e defesa dos direitos fundamentais
do filho, cabendo-lhes a realização do registro civil de nascimento, momento em que
é escolhido o nome e o sobrenome do filho, conforme determina o art. 16 do Código
Civil - situado no Capítulo II, que versa sobre o Direito de Personalidade - bem
como é feita a identificação dos pais e dos avós maternos e paternos, iniciando, a
partir daí, a personalidade civil da pessoa. O registro civil é o marco legal para a
criança existir civilmente e começar a usufruir de todos os direitos e garantias
fundamentais consagrados na Constituição.
Não se afasta aqui a existência dos direitos fundamentais dos que não
tiverem registro. Quando da existência do ser humano, que se dá no plano de fato,
há a invocação, para si, da titularidade de seus direitos fundamentais. Mas é através
do registro que o Estado toma ciência de seu novo membro, e passa a ter efetiva
responsabilidade de lhe gerar as garantias necessárias.
Observe-se, porém, que o simples ato de efetuar o registro civil de
nascimento, pode dar início a uma sucessão de violações dos direitos e garantias
fundamentais, como por exemplo, nos casos em que a mulher/mãe omite ao
escrivão do cartório o nome do pai biológico de seu filho, atitude tomada, também,
no momento da realização da declaração de nascido vivo, ainda no hospital.
Ressalta-se que, a partir do momento em que a mãe, quando questionada
sobre a identidade do pai de seu filho a omite, estão sendo violados vários direitos,
como por exemplo, o direito do filho de saber a sua filiação, amparado no art. 27 da
Lei 8.069/90, bem como o direito de conviver com a família paterna, assegurado no
art. 227 da Constituição Federal. Da mesma forma, esta sendo violado o direito do
pai de saber da existência do filho, bem como de conviver com ele.
A Constituição é clara quando assegura em seu art. 227 que cabe
25
também à família assegurar a criança, adolescente e jovem, dando absoluta
prioridade, à dignidade, ao respeito, à liberdade, a convivência familiar e demais
direitos. Na situação acima descrita, verifica-se que mesmo que a Constituição e as
demais leis que integram o nosso ordenamento jurídico (como por exemplo o
Estatuto da Criança e do Adolescente) tragam no seu texto a garantia de direitos e
deveres fundamentais de todo cidadão brasileiro, não existem mecanismos legais
práticos que tornem efetiva esta regulação no âmbito familiar, o que torna possível e
comum que estes direitos sejam violados por aqueles que possuem o dever de
assegurar o seu cumprimento.
Assim, no caso de violação dos direitos fundamentais de uma criança, pôr
aquele que deveria assegurar o cumprimento, no caso, a família, caberá ao Estado e
a sociedade empreender esforços para o restabelecimento e segurança destas
garantias.
3.1.1 Existência ou não de hierarquia em sede de direitos fundamentais
Importante frisar que apesar do distinto lugar ocupado pelos direitos
fundamentais na Constituição, não significa haver uma hierarquia com relação as
demais normas constitucionais.
Em que pese a posição privilegiada (inclusive no que concerne à sua forçajurídica) ocupada pelos direitos fundamentais na Constituição, de tal sorteque se sustenta até mesmo a máxima hermenêutica de uma interpretação(das normas constitucionais e infraconstitucionais) em harmonia com osdireitos fundamentais, não há a evidência, como reconhecer uma relaçãopautada pela diferença hierárquica entre estes e as demais normasconstitucionais originárias, já que inviável a existência de normasconstitucionais originárias inconstitucionais.47
Dessa forma, não se pode afirmar que existe uma hierarquia entre os
direitos fundamentais assegurados em nossa Constituição.
47 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 87.
26
No momento em que há conflito de interesses, onde se está discutindo a
aplicabilidade ou não de um direito fundamental em detrimento de outro, deve-se
procurar fazer um análise diante da unidade da Constituição, sempre levando em
consideração a ponderação e a harmonia dos princípios, objeto do conflito.
A posição dos direitos fundamentais – que não podem ser consideradosuma espécie de supercodificação – relativamente ao restante da ordemconstitucional deve, neste contexto, ser analisada à luz do princípio daunidade da Constituição, resolvendo-se aos inevitáveis conflitos por meiodos mecanismos de ponderação e harmonização dos princípios em pauta.48
Nesse sentido, não podemos dizer que este ou aquele direito
constitucional é mais ou menos importante, ou que um se sobrepõe ao outro, o que
se deve buscar é um meio termo, onde será oportunizado a aplicabilidade destes
direitos fundamentais, amplamente garantidos na Constituição, a fim de evitar
possíveis prejuízos aos cidadãos.
Diante da colisão de dois ou mais direitos constitucionais, com o intuito de
resolver a aparente contradição entre leis, deve-se dar atenção ao caso concreto,
pois este, na maioria das vezes indicará a melhor solução.49
3.2 O DIREITO À PRIVACIDADE DA MULHER E SEU FUNDAMENTO
CONSTITUCIONAL
A criação das famílias monoparentais, formadas predominantemente por
mulheres, decorre na sua maioria, da emancipação da mulher alcançada ao longo
dos anos.50 O enlaçamento dos vínculos familiares constituídos por um dos genitores
com seus filhos, no âmbito da especial proteção do Estado, atende a uma realidade
que precisa ser arrostada. “Tais entidades familiares receberam em sede doutrinária
o nome de família monoparental, como forma de ressaltar a presença de somente
48 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., rev. atual. amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 88.
49 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: saraiva, 2009. p. 35.50 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de
família, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 412.
27
um dos pais na titularidade do vínculo familiar.”51 Essa transformação social e
consequente evolução do papel desempenhado pela mulher perante a sociedade
vem culminar no reconhecimento de direitos e na consequente normatização desses
direitos através da criação de leis, tais como: Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher
Casada); Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio); Código Civil de 1916 e de 2002, Lei nº
10.340/06 (Lei Maria da Penha), que ajudaram a impulsionar o desenvolvimento da
mulher.
Tais avanços, propiciaram a criação de famílias com apenas um núcleo,
ou seja, um dos genitores. Ocorre que tal situação, em muitos casos, é provocada
deliberadamente, de forma a afastar um dos pais, inclusive ocultando sua existência,
traduzindo, assim afronta princípios constitucionais como: dignidade da pessoa
humana, paternidade responsável, identidade genética e de personalidade do filho.
O princípio da dignidade da pessoa humana significa, em última análise,
igual dignidade para todas as entidades familiares. Pode ser identificado como
sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado
de sentimentos e emoções.52 O princípio da paternidade responsável, amparado no
art. 226, §7º da CF, está intimamente ligado ao princípio do planejamento familiar,
sendo este de livre decisão do casal, sendo vedado qualquer intervenção das
instituições públicas e privadas. Estes dois princípios andam juntos, uma vez que
através de um bom planejamento familiar, acabamos por garantir uma paternidade
responsável.53 Quanto ao princípio da identidade genética, trata-se do direito de
conhecer a origem genética, a própria ascendência, é um direito fundamental, um
direito de personalidade.54 O direito à identidade genética passou a ser reconhecido
como direito fundamental integrante do direito de personalidade, o que tem levado a
jurisprudência a aceitar, cada vez com mais desenvoltura, a busca da identificação
da paternidade.55 O princípio da personalidade tem por objeto os atributos físicos,
51 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.48.
52 Ibid. p.61-62.53 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 6. p. 24.54 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p.330.55 Ibid. p.351.
28
psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.56 O direito ao
estado de filiação é direito personalíssimo estando diretamente ligado ao direito de
personalidade, estando amparado no ECA.
Em contrapartida, é necessário lembrar que é garantido ao cidadão em
geral, o direito à privacidade, garantindo a inviolabilidade da intimidade e vida
privada da mulher, objeto do estudo.
Conforme prevê o art. 5º, incio X da Constituição Federal: “são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Por tratar-
se de direito fundamental, nenhuma pessoa poderá questionar sua titularidade
independentemente de sua cor, raça, idade, ideologia ou nacionalidade, conforme
caput do art. 5º da Constituição Federal.
Com base nesta garantia constitucional, a mulher no momento em que dá
a luz, pode ou não informar quem é o pai da criança. No caso de querer se calar,
ninguém poderá inquiri-la, sob pena de estar violando seu direito à privacidade.
Como resultado, temos diversas crianças registradas apenas com o nome da mãe,
ficando uma lacuna, quanto a identidade do pai.
Por ser direito à privacidade um preceito fundamental, este não pode ser
violado, todavia, é necessário fazer uma análise de forma mais cuidadosa, uma vez
que nesses casos tal preceito viola outros direitos fundamentais, pertencentes a
outro titular, qual seja, a criança ou adolescente, que tem o direito quanto a
convivência familiar,57 estando este garantido pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, amparado pelo art. 227 da Constituição Federal:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, aoadolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
56 GAGLIANO, Pablo Stolze; PLAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. v. 1 p.135.
57 LÔBO, Luiz Neto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária.Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=126>. Acesso 10 set. 2013.
29
exploração, violência, crueldade e opressão.
Os direitos fundamentais estão sujeitos à dignidade da pessoa humana, o
que os torna isentos de interferência a um dos valores mais fundamentais do
ordenamento jurídico. Todavia, não existe direito absoluto, uma vez que a menor
influência indevida, na vida de qualquer pessoa está amparada pelo ordenamento.
Para solucionar o conflito, deve ser usado o princípio da proporcionalidade, de modo
a resguardar o que é efetivamente protegido pela norma.
Assim, a fim de alcançar a proporcionalidade quanto a aplicação da
norma, deve-se ater a três sub-princípios: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. Nesse sentido, a adequação irá exigir que seja
feita uma relação entre a medida e o fim pretendido; a necessidade irá determinar
que sejam adotados meios menos gravosos; e a proporcionalidade em sentido
estrito, vai consistir em que o ônus tenha menor gravidade em comparação ao
benefício almejado.58
Estes princípios devem ser aplicados a todas as pessoas, independente
destas serem menores ou maiores de idade, pois à todos são garantidos a
titularidade dos direitos fundamentais.
Entre o direito fundamental de uma criança em choque com o direitofundamental de um adulto, deve-se proceder a uma ponderação,observando o interesse da criança, que é elemento norteador de toda equalquer decisão relativa a menores.59
3.3 O DIREITO DA CRIANÇA AO RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO E À
CONVIVÊNCIA FAMILIAR
Com o advento da criação do Estatuto da criança e do Adolescente – Lei
58 CRUZ, Elisa Costa. O direito dos filhos à privacidade e sua oponibilidade à autoridade parental.Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/O%20direito%20dos%20filhos%20%C3%A0%20privacidade %2010_02_2012.pdf>. Acesso 11 set. 2013.
59 DIAS, Maria Berenice; CHAVES, Mariana. A prevalência do direito à identidade. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=511>. Acesso 22 ago. 2013.
30
8.069/90, houve uma grande mudança nas garantias dos direitos das crianças e
adolescentes. Antes da criação do Estatuto, os direitos das crianças e adolescentes
eram assegurados no antigo Código de Menores – Lei 6.697/79, onde haviam
garantias apenas de alguns direitos, de forma um pouco limitada, não tão
abrangente como nos dias de hoje. Os destinatários do Código de Menores foram as
crianças e os jovens considerados em situação irregular, caracterizados como objeto
potencial de intervenção do sistema de justiça, os Juizados de Menores, que não
fazia qualquer distinção entre menor abandonado e delinquente, pois na condição de
menores em situação irregular enquadravam-se tanto os infratores quanto os
menores abandonados.60
O Código de Menores estabeleceu que o menor de quatorze anos estaria
submetido ao regime deste Código, ficando eximido do processo penal e o maior de
quatorze e menor de dezoito anos a processo especial.61 Com a criação do Código,
a criança menor de quatorze anos, não seriam mais julgadas sob as leis do
processo penal, caso praticassem um delito, como ocorria antes da criação do
referido Código.
A criação do Estatuto, trouxe uma ampliação dos direitos, proporcionando
uma maior proteção à criança e adolescente. Somente a partir da Constituição/88 e
do Estatuto da Criança e do Adolescente é que a criança foi vista como pessoa que
também está amparada pelos direitos fundamentais, sendo assim, dotada de direitos
e deveres, devendo ser protegida e amparada tanto pela família, sociedade e
Estado.62
Um desses direitos encontra-se no art. 3º do ECA, no qual trata que toda
a criança goza de todos os direitos fundamentais:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentaisinerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
60 SOARES, Janine Borges. A construção da responsabilidade penal do adolescente no Brasil: uma brevereflexão histórica. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id186.htm >. Acesso 15 out.2013.
61 Ibid. Acesso 15 out. 2013.62 DIAS, Maria Berenice; CHAVES, Mariana. A prevalência do direito à identidade. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=511>. Acesso 22 ago. 2013.
31
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas asoportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
A Constituição Federal, em seu art. 1º traz como um de seus fundamentos
o da dignidade da pessoa humana:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúveldos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em EstadoDemocrático de Direito e tem como fundamentos:
(…)
III – a dignidade da pessoa humana.
Em face à aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana à
filiação, a Constituição Federal gera obrigações à família, como também resguarda
direitos à criança e ao adolescente, sendo um deles o da convivência familiar. Sendo
assim, o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado primado e informa
os demais princípios que devem se conformar a este.63
Além do princípio acima citado, temos o princípio da igualdade, o qual
garante que toda e qualquer pessoa tem direito ao reconhecimento do estado de
filiação, ou seja, o reconhecimento da paternidade, direito garantido no Estatuto da
Criança e do Adolescente.64
Art. 27. O reconhecimento ao estado de filiação é direito personalíssimo,indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ouherdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.
Antes de adentrarmos a análise do direito de filiação, devemos identificar
seu significado, assim: “filiação procede do latim filiatio, que significa procedência,
laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace.”65
Podemos identificar no nosso ordenamento jurídico a existência de três
63 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.); PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). A Ética da ConvivênciaFamiliar: Sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 332 - 333.
64 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.); PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). A Ética da ConvivênciaFamiliar: Sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 333.
65 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 195.
32
tipos de filiação: filiação matrimonial, advinda do casamento entre os genitores;
filiação extramatrimonial, oriunda da relação de pessoas (homem e mulher), sem
que estes tenham contraído matrimônio e a filiação adotiva, que provém da
adoção.66
A filiação extramatrimonial, em muitos casos, resulta na mulher assumir a
maternidade do filho gerado, sem que o pai biológico tome conhecimento de tal fato,
em alguns casos por opção da mulher, uma vez que os genitores não possuem
matrimônio, e alguma das vezes, também não há nenhum vínculo afetivo entre
ambos.67
O resultado dessa atitude, é o nascimento de crianças sem o
conhecimento de seus pais, sendo oferecido a estas, apenas o direito de
reconhecimento de parte de sua filiação, tendo sido retirado o direito de reconhecer
sua identidade genética e sua filiação na sua plenitude. “A filiação é a mais
importante das relações de natureza pessoal que surgem com a formação da
família”.68
Ao longo dos anos, houve grandes mudanças no nosso ordenamento
jurídico, capazes de garantir a defesa do estado de filiação e proporcionar meios de
se buscar a verdade, tanto por parte dos filhos como dos pais, como prevê a Lei nº
8. 560/92.
Com a criação desta lei, a Constituição de 1988 e a reforma do nosso
Código Civil, foram criadas maneiras de haver o reconhecimento dos filhos oriundos
de relações extramatrimoniais, sem que houvesse nenhuma classificação que
pudesse resultar na discriminação destes filhos.
O estabelecimento da filiação apresenta grande relevância na atualidade,devido às consequências jurídicas que acarreta e dos múltiplos direitos edeveres que decorrem do parentesco, principalmente de primeiro grau, além
66 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de família, São Paulo: Saraiva, 2013. p.479.
67 Ibid. p. 494/495.68 FERREIRA, Aline Damasio Damasceno. Bioética e filiação: direito à identidade pessoal, direito a
conhecer a origem biológica. in Direito & Justiça, v. 35, n. 1, p. 28-36, jan./jun. 2009. Disponível em:<http://revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/8209/5896>. Acesso 23 ago. 2013.
33
da necessidade que os seres humanos têm, sobretudo de naturezapsicológica e emocional, de conhecer a identidade de seus pais.69
É notório a preocupação do legislador em procurar facilitar e permitir que
seja efetivado o reconhecimento da filiação, independente do momento que ocorra,
do estado civil dos genitores e/ou da relação de parentesco entre eles existente.70
A necessidade de se buscar o reconhecimento da sua filiação, só é
realmente compreendida, pela criança e ou adolescente que teve seu direito violado.
A ausência de ter reconhecido sua identidade genética, causa um sentimento de
muita dor e sofrimento, e a possibilidade de buscar a verdade é motivo de grande
alegria.
Ter a possibilidade de ver o reconhecimento da sua paternidade, é um
sentimento difícil de explicar; poder ter sua documentação completa, não sendo
mais filho de um traço ou um espaço em branco é algo que enche um coração de
alegria. Ser reconhecido como filho de alguém, conseguir identificar essa pessoa é
ao mesmo tempo poder se auto identificar. “A vontade de conhecer o pai provém do
desejo de ser reconhecido como filho.”71
“Não se pode imputar aos filhos as consequências de atos praticados
pelos genitores” 72. Com este pensamento, não podem os filhos serem privados de
conhecer a identidade de seu pai biológico, sob a justificativa de que seus pais não
se amam, não estão mais juntos ou qualquer outra desculpa.
A criança e adolescente possuem a necessidade de ter conhecimento
sobre a sua identidade parental biológica, a fim de possibilitar um grau de
estabilidade psicológica. A ausência de identidade parental, gera grandes problemas
psicológicos, capazes de prejudicar o desenvolvimento da criança como um todo.
69 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de família, São Paulo: Saraiva, 2013. p.466.
70 Ibid. p.502.71 FERREIRA, Aline Damasio Damasceno. Bioética e filiação: direito à identidade pessoal, direito a
conhecer a origem biológica. in Direito & Justiça, v. 35, n. 1, p. 28-36, jan./jun. 2009. Disponível em:<http://revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/8209/5896>. Acesso 23 ago. 2013.
72 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de família, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 499.
34
Não se pode olvidar que o princípio do melhor interesse da criança
significa que a criança (e neste contexto também o adolescente, conforme a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança) deve ter seus interesses tratados
com prioridade pelo Estado, pela sociedade e pela família. Esta priorização deve se
dar tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que pertinentes,
especialmente nas relações familiares, levando em conta dua condição de pessoa
em desenvolvimento, dotada de dignidade.73
A busca pelo direito de filiação, de ser reconhecido por seu pai biológico
ultrapassa todas as esferas do ser humano, uma vez que visa, entre outras coisas, o
reconhecimento da sua personalidade, pois “ o nome converte o indivíduo em algo
mais do que o seu sinal exterior, eis que, em verdade, identifica o seu caráter, a sua
origem, os ingredientes de sua personalidade.”74
Falando sobre o direito de ter pai, disse Florisa Verucci:
(…) é sempre motivo de grande constrangimento para as pessoas,independentemente de sua classe social, ser filho de pai desconhecido ousaber quem é seu pai mas não entender a razão da rejeição daquele quenega ao filho o reconhecimento da paternidade e de suas obrigações paracom o filho. O nome do pai significa o reconhecimento social de que se estáinserido em uma família. São heranças atávicas muito fortes. Ao dar o nomea um filho, incluído ao adotivo, o patriarca o reconhecia como membro deseu clã e estabelecia vínculos de sangue, de afetos e de direitosespecialmente os direitos sucessórios.75
Quanto ao direito à convivência familiar, este vem sendo considerado
como uma inovação, estando amparado no art. 19 da lei 8.069/90, com respaldo no
art. 227 da Constituição Federal.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, àsaúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àliberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
73 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.53.74 MADALENO, Rolf. O filho do avô. Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/
conteudo.php?id=330>. Acesso 2 out. 2013. 75 VERUCCI, Florisa. O direito de ter pai, In Grandes temas da atualidade, DNA como meio de prova da
filiação, aspectos constitucionais, civis e penais. apud MADALENO, Rolf. O filho do avô. Disponível em:<http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/ conteudo.php?id=330>. Acesso 2 out. 2013.
35
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão.
Ocorre que, apesar de existir tal garantia, esta nem sempre é respeitada,
principalmente quando confrontada com o direito à privacidade da mulher, os quais
se encontram no momento em que a mulher deve informar a paternidade do filho,
quando da realização do registro civil.
Cabe ao Poder Público, bem como toda a sociedade assegurar a
aplicabilidade do direito à convivência familiar, bem como o direito ao
reconhecimento à filiação, conforme disciplina o caput do art. 4º da Lei 8.069/90, a
fim de evitar a violação da norma.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e dopoder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitosreferentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e àconvivência familiar e comunitária.
A criança e/ou adolescente são pessoas incapazes de buscarem, por si
só, seus direitos, mesmo que estes direitos estejam amparados na lei. Cabe a
sociedade em geral e aos poderes públicos, buscar através de entidades,
associações ou campanhas, a garantia da eficácia do direito à convivência familiar
das crianças e adolescentes. Não basta que estas garantias existam, se na
realidade de cada infanto-juvenil este direito não é alcançado.
Antigamente, na vigência do revogado “ Código de Menores”, as crianças
e adolescentes eram considerados objetos de intervenção do Estado e da livre
disposição dos pais. Na atualidade não admite-se que os pais possam praticar atos
de disposição sobre seus filhos, estando estes em seu poder familiar, por estes não
serem mais considerados “propriedade”, pois são reconhecidos como titulares de
direito fundamental à convivência familiar, direito este que, por ser personalíssimo e
inalienável, não pode ser objeto de disposição por parte de seus pais, cabendo a
cada um de nós, impedir seja, por qualquer razão, ameaçado ou violado.76
76 DIGIÁCOMO, Murillo José. Direito à convivência familiar. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id530.htm>. Acesso 3 out. 2013.
36
Sendo este direito indisponível, não pode a mãe ou qualquer outra
pessoa, omitir a informação sobre a paternidade de seu filho. Difícil aceitar que um
direito fundamental (privacidade da mulher) possa se sobrepor a outros dois direitos
fundamentais o da convivência familiar e o de conhecimento de filiação.
Como forma de ver aplicada as disposições da lei 8.069/90, foi criada a lei
8.560/92 (alterado alguns artigos com a criação da lei 12.010/2009), que regula a
investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, onde é
assegurado em seu art. 1º ser irrevogável o direito ao reconhecimento dos filhos fora
do casamento, e as formas em que pode ser feito:
Art. 1° O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogávele será feito: I - no registro de nascimento; II - por escritura pública ou escritoparticular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda queincidentalmente manifestado; IV - por manifestação expressa e diretaperante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único eprincipal do ato que o contém.
Pelo sistema do Código Civil de 1916, os filhos naturais podiam ser
reconhecidos em conjunto ou separadamente pelos pais, conforme dispunha o artigo
355 daquele diploma. 77
Art. 355. do CC de 1916 - O filho ilegítimo pode ser reconhecido pelos pais,conjuntas ou separadamente. 78
Neste momento histórico de nossa sociedade, eram tidos como legítimos
apenas os filhos nascidos no matrimônio, gerando uma pecha social sobre todos
aqueles que eram chamados de ilegítimos. Ainda, o disposto no artigo 358 do CC de
1916 proibia o reconhecimento dos filhos incestuosos ou adulterinos.
Art. 358 do CC de 1916 . Os filhos incestuosos e os adulterinos não podemser reconhecidos. 79
Tal disposição criava um dano e um estigma ao menor antes mesmo do
seu nascimento. Tratava-se de verdadeira punição pela conduta dos pais. Com a
evolução social, e uma busca pelo fim da estigmatização dos filhos, houve uma série
77 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 23678 BRASIL. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l3071.htm>. Acesso 2 out. 2013.79 Id.
37
de alterações legislativas afastando o dispositivo citado (como a Lei nº 7.841/89).
Com o advento do Código Civil de 2002, restou promulgado o artigo 1.607
do atual código civil.
Art. 1607 do CC de 2002 - Art. 1.607. O filho havido fora do casamento podeser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente.80
Este dispositivo traduz toda esta evolução, excluindo as disposições
acerca de filhos ilegítimos, incestuosos ou adulterinos, primando pela proteção da
criança. Atualmente, o reconhecimento pelos pais poderá ser conjunta ou
separadamente, através de processo judicial, por escritura pública ou testamento,
conforme disciplina o art. 1.609 do Código Civil vigente, sendo vedada a indicação
do estado de civil dos pais, a natureza de sua filiação, sua origem em relação aos
irmãos, bem como indícios sobre sua concepção fora do casamento, nos termos dos
artigos 5º, 6º, § 1º da lei 8.560/92.
Art. 5° No registro de nascimento não se fará qualquer referência à naturezada filiação, à sua ordem em relação a outros irmãos do mesmo prenome,exceto gêmeos, ao lugar e cartório do casamento dos pais e ao estado civildestes.
Art. 6° Das certidões de nascimento não constarão indícios de a concepçãohaver sido decorrente de relação extraconjugal.
§ 1° Não deverá constar, em qualquer caso, o estado civil dos pais e anatureza da filiação, bem como o lugar e cartório do casamento, proibidareferência à presente lei.81
Independentemente da forma como foi realizado o reconhecimento da
paternidade, este deverá ser averbado no Registro Civil de Pessoas Naturais, de
acordo com a Lei nº 6.015/73 ( Lei de Registros Públicos), no livro destinado a
declaração de nascimento, para que o nascido exerça plenamente sua cidadania.82
Todo o cidadão brasileiro tem o direito de ter reconhecida sua identidade genética.
Segundo Rolf Madaleno:
80 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm>. Acesso 2 out. 2013.
81 BRASIL. Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8560.htm>. Acesso 2 out. 2013.
82 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.); PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). A Ética da ConvivênciaFamiliar: Sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 343.
38
A origem genética é direito impregnado no sangue que vincula, porparentesco, todas as subsequentes gerações, inexistindo qualquerfundamento jurídico capaz de impedir que o homem investigue a suaverdadeira família a saber que é seu pai.83
O fato da criança/adolescente não saber sua identidade genética, é causa
de muita dor e sofrimento, sem falar no constrangimento sofrido perante a sociedade
quando questionado: quem é seu pai? Além disso, a busca pelo reconhecimento de
filiação ou identidade genética, é inerente ao direito de personalidade.84
É inaceitável a violação do direito ao reconhecimento da filiação, quando
este encontra-se amparado em lei.
É indubitável que é um enorme embaraço e até uma possível sensação deamargura saber que é filho de pai desconhecido ou saber quem é seugenitor mas, não compreender os motivos de sua repulsa, daquele que senega a reconhecer a própria cria e, assim, se desvincula das obrigaçõesresultantes de tal reconhecimento.85
No momento em que a mãe omite a identidade do pai, ao realizar o
registro civil do filho, neste momento está sendo violado não só direitos
constitucionais como também princípios constitucionais, como o da dignidade da
pessoa e de igualdade. “O nome converte o indivíduo em algo mais do que o seu
sinal exterior, eis que, em verdade, identifica o seu caráter, a sua origem, os
ingredientes de sua personalidade”. 86
É direito fundamental do cidadão brasileiro ser identificado por sua família,
ter identificado seus laços e sua origem, fundamentos estes pertencentes a
personalidade de cada indivíduo, os quais estão garantidos no art. 16 do Código
Civil87 e negá-lo é estar violando à mais fundamental das leis.88
83 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 139.84 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.); PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). A Ética da Convivência
Familiar: Sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 327.85 DIAS, Maria Berenice; CHAVES, Mariana. A prevalência do direito à identidade. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=511>. Acesso 22 ago. 2013.86 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 134. 87 Art. 16 do CC de 2002 - Toda a pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome.88 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 135.
39
4 ALIENAÇÃO PARENTAL E UM NOVO PARADIGMA
4.1 DEFINIÇÃO E ENQUADRAMENTO NO ORDENAMENTO PÁTRIO
A alienação parental foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra
americano Richard A Gardner, no ano de 1985, o qual conceituou como sendo:
A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância queaparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia decrianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra umdos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenhanenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor(o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuiçõesda própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou anegligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade dacriança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de AlienaçãoParental para a hostilidade da criança não é aplicável.89
Denomina-se o genitor que pratica a alienação como alienador, e o que
sofre como alienado. A alienação parental é um assunto atual, pois está
constantemente presente nos litígios que envolvem a separação dos pais e a
disputa da guarda dos filhos menores. Em muitos casos, a alienação parental é
identificada nas situações de separação/divórcio dos genitores, onde a
inconformidade com o término do relacionamento faz com que o alienador passe a
praticar atos que desqualifiquem o outro genitor, limitar as visitas, desestimular o
filho a chamar o genitor alienado (pai ou mãe), passando a chamá-lo pelo primeiro
nome.90
A criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se dele, que também
a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos.
Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico,
passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.91
89 GARDNER, Richard. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de síndrome de alienação parental(SAP)? Tradução de Rita Rafaeli. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>. Acesso 09 set. 2013.
90 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de família, São Paulo: Saraiva, 2013. p.634 - 635.
91 DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? Disponível em:
40
Diante da constante identificação destes casos de alienação parental, dos
danos sofridos pelos envolvidos e a fim de buscar garantir a proteção dos direitos da
criança e do adolescente vítima da alienação, foi criada a Lei 12.318/2010, em 26 de
agosto de 2010.
A referida lei tratou de trazer em seu art. 2º o significado da alienação,
facilitando a identificação, por parte dos juristas e especialistas de diversas áreas,
bem como de todo o cidadão, trazendo no seu parágrafo único, situações que
exemplificam a alienação, possibilitando uma maior compreensão.
Art. 2º. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formaçãopsicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dosgenitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob asua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que causeprejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, alémdos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticadosdiretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercícioda paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobrea criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações deendereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste oucontra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ouadolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando adificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, comfamiliares deste ou com avós.92
A maioria dos casos de alienação parental ocorrem no ambiente materno,
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_-_s%EDndrome_da_alienaE7%E3o__parental,_o_que_E9_isso.pdf> Acessado 15 out. 2013.
92 BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm>. Acesso 2 out. 2013.
41
uma vez que em grande parte dos casos é a mãe que detêm a guarda dos filhos.
Todavia, devemos ressaltar que a alienação parental também pode ser causada pelo
pai, avós, tios ou qualquer pessoa que tenha interesse em afastar de forma
injustificada o outro genitor da convivência do filho.93
Como ensina Maria Berenice Dias:
Quando não é elaborado adequadamente o luto conjugal, inicia-se umprocesso de destruição, de desmoralização daquele que é consideradoresponsável pela separação, e nesse sentido os filhos tornam-seinstrumento de vingança, sendo impedidos de conviver pacificamente e deforma saudável com aquele que volitivamente abandonou o lar.94
Com este comportamento, a mãe acaba por convencer o filho de que seu
pai não o ama, que lhe abandonou, tudo com o intuito de desestimular a curiosidade
e a vontade desse filho em buscar conhecer e conviver com seu pai biológico, pois
em alguns casos a alienação inicia-se quando a criança ainda é muito pequena. Tal
atitude, gera grandes prejuízos à criança e ao adolescente, fazendo com que este
seja atormentado pelo sentimento de remorso com relação ao pai, cuja companhia
foi privado de conhecer e conviver.
Tal conduta acaba por prejudicar o convívio dos pais com o filho,
resultando na violação do direito personalíssimo da criança e adolescente,
afrontando principalmente o direito à dignidade da pessoa humana. Ressalta-se
que,“as maiores sequelas desse contexto recaem sobre os filhos, o que leva ao
entendimento de que a alienação parental tem sido identificada como uma forma de
negligência contra a pessoa do filho.” 95
A prática de ato de alienação parental fere o direito fundamental da criançaou do adolescente a uma convivência familiar saudável porque prejudica arealização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar (art. 3ºda Lei nº 12.318/2010), e constituiu, também, uma forma de abuso moralcontra a criança ou o adolescente, bem como descumprimento dos deveresinerentes à autoridade parental ou decorrente de tutela ou guarda”.96
93 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito defamília, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 636.
94 DIAS, Maria Berenice. Alienação parental: um crime sem punição. In DIAS, Maria Berenice (Coord.).Incesto e Alienação Parental, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 15.
95 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito defamília, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 635.
96 MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de
42
A omissão deliberada de informações pessoais relevantes sobre a criança
ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço, são umas
das formas de alienação parental, conforme prevê o parágrafo único, inciso V, do art.
2º da Lei nº 12.318/2010, dessa forma, podemos considerar que o ato de omitir, de
forma deliberada, a gravidez ao futuro pai da criança, também pode ser classificada
como uma forma de alienação parental.
Os pais têm a tendência a esconder de seus filhos coisas que eles têm odireito de saber, coisas que, se reveladas, seriam psicologicamentebenéficas. Geralmente, tais informações são escondidas porque os paisjulgam que sua revelação seria psicologicamente prejudicial para seusfilhos.97
A prática da alienação parental por um dos genitores demonstra o
descumprimento dos deveres inerentes aos pais, conforme disciplina o art. 3º da lei
12.318/2010.
Art. 3º A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental dacriança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica arealização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar,constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimentodos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ouguarda.
Com o passar do tempo a criança e/ou adolescente acaba acreditando em
todas as histórias inventadas pela mãe, passando a odiar uma pessoa, a qual nem
conhece direito. O fato da mãe contar repetidamente a mesma história de abandono
e rejeição do pai com relação a seu filho, faz com que no decorrer dos anos, nem
mesmo ela consiga distinguir a verdade da mentira, tão pouco manter a coerência
dos fatos, uma vez que conforme a criança vai crescendo os fatos vão tomando
maiores proporções e ganhando riquezas de detalhes antes passados
despercebidos, por serem desnecessários diante de sua tenra idade.
A criança/adolescente, de tanto ouvir as histórias contadas pela mãe,
sente-se na obrigação de ficar ao lado desta, pois acredita nos relatos feitos ao
família, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 637.97 GARDNER, Richard A. Casais separados: a relação entre pais e filhos. Martins Fontes: São Paulo, 1980.
p. 16.
43
longo de seu desenvolvimento. Nasce um sentimento de dependência e
cumplicidade, onde a criança/adolescente acredita que se demonstrar interesse em
localizar o pai, em querer conhecer ou até mesmo de questionar os fatos contados
pela mãe, estará “traindo-a”, irá magoá-la, pois estará demonstrando interesse em
alguém que o rejeitou.
Dessa forma, a mãe acaba se tornando o centro do universo do filho, e
aos poucos matando qualquer possibilidade de vontade do filho em querer ver
reconhecida sua identidade genética, afinal, por que ir atrás de uma pessoa que
nem sequer quis conhecer você.
Com o tempo, a criança/adolescente acaba por anular a curiosidade de
saber quem é seu pai, e se convencendo de que, o que basta para a sua alegria é
estar ao lado da mãe, pessoa que sempre lhe amou. Aos poucos a vontade de
conviver com a família paterna, de conviver com este e vai dando espaço a mágoas
mais profundas, a sentimentos de raiva, inclusive com relação a qualquer data
comemorativa que lembre a existência do pai.
A confiança que o filho deposita no genitor cuidador é, na grande maioriadas vezes, incontestável e incomensurável. Por ser este responsável seu “porto seguro” não é crível para o menor que ele seja capaz de mentir ou lhefazer qualquer mal. 98
Com o objetivo de divulgar e estimular a discussão foi criado um
documentário chamado “A MORTE INVENTADA”99, que tem como objetivo propôr
uma discussão entre os envolvidos, profissionais do direito, assistentes sociais e
psicólogos. O documentário traz relatos de pessoas que sofreram por causa da
alienação parental, profissionais da área jurídica e psicólogos, que procuram
esclarecer os danos decorrentes da alienação parental e como ela ocorre. Através
de depoimentos reais, o documentário nos proporciona uma reflexão sobre como
nossas atitudes, muitas vezes impensadas podem causar tanto sofrimento as
pessoas que dissemos amar, que são nossos filhos.
A prática contínua da alienação parental e a contribuição da criança em
98 PSIQUE, Ciência e Vida. Órfãos de pais vivos. São Paulo: Escala, 2010. Ano IV - nº43. pág. 33.99 Site oficial do documentário - http://www.amorteinventada.com.br/portugues.html
44
desqualificar o genitor alienado é chamada de Síndrome da Alienação Parental.100
Segundo Richard Gardner, A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um
distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de
custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra
um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha
nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que
faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria
criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais
verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim
a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é
aplicável.101
Sua identificação ocorre na sua maioria, a partir da análise do
comportamento dos filhos e das atitudes de um dos genitores com o outro. Nos
casos em que ocorre a SAP, a criança começa a querer se afastar do genitor que
não detém a sua guarda, trata-o com frieza e hostilidade, bem como repete
expressões as quais não se enquadram no seu vocabulário habitual. A prática da
SAP ocasiona grandes males, pois gera o enfraquecimento e com o passar do
tempo se não tratada, a quebra definitiva do vínculo entre o genitor que não detém
a guarda e seu filho.
Essa quebra do vínculo entre a criança/adolescente com o outro genitor,
causa danos emocionais, pois esta tem a sensação de ser rejeitada, de não ser
amada, por seu próprio pai. Geralmente essas crianças acabam por se isolar, tendo
um rendimento insatisfatório na escola e tendo dificuldades de relacionamentos no
futuro, por não saber lidar com o sentimento de rejeição.102
A síndrome da alienação parental possuem três níveis: leve, moderado e
severo, sendo os dois últimos os mais fáceis de serem identificados, devido ao
100 GARDNER, Richard. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de síndrome de alienação parental(SAP)? Tradução de Rita Rafaeli. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>. Acesso 09 set. 2013.101 Id.102MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito de
família, São Paulo: Saraiva, 2013. p. 637/638.
45
conjunto de sintomas relacionados:
1. Uma campanha denegritória contra o genitor alienado.2. Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação.3. Falta de ambivalência.4. O fenômeno do “pensador independente”.5. Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental.6. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitoralienado.7. A presença de encenações ‘encomendadas’.8. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitoralienado.103
Deve-se ressaltar que nos casos de síndrome da alienação parental, a
criança dá sua contribuição para denegrir a imagem do genitor alienado, sendo que
na alienação parental esta é apenas “programada” para odiar um de seus genitores
de maneira injustificada.
Conforme demonstrado no decorrer do presente estudo e conforme já
mencionado na doutrina apresentada pode-se denominar a alienação parental como
a “morte inventada”. Dessa forma, se o genitor alienante visa alijar do convívio da
criança o genitor alienado, visando com a prática deste ato, a “morte” deste, de
forma metafórica para que no cotidiano e no pensamento da criança permaneça
apenas o genitor alienante, entende-se que o ato volitivo deste genitor (a) em omitir
propositadamente a origem daquele genitor que pretende alienar, não seria pois, um
ato de alienação parental?
Este ato, estaria sendo uma abreviatura de todas as etapas, das mais
leves as mais pesadas da alienação, ao omitir da criança a existência do seu pai ou
mãe e desta forma já buscar afastá-lo permanentemente do seu convívio.
Dessa forma, devemos estar com a mente e olhos abertos para outros
possíveis casos de alienação parental, que a primeira vista podem passar por
despercebido, como por exemplo, nos casos em que a mãe, esconde a gravidez do
pai da criança, criando essa longe do pai, sob o argumento de que seu pai não quis
conhecê-la e não a ama.
103GARDNER, Richard. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de síndrome de alienação parental(SAP)? Tradução de Rita Rafaeli. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>. Acesso 09 set. 2013.
46
Nesse caso, a mãe também promove uma campanha denegritória contra
o pai da criança, sem que este ao menos saiba da existência deste filho e sem que o
filho saiba da verdadeira história, pelo simples fato da mãe, muitas vezes, ter sofrido
uma desilusão amorosa com o pai da criança. Ademais, esse comportamento, na
maioria dos casos é confirmado pelos demais integrantes da família, a fim de dar
mais credibilidade aos fatos, como por exemplo, avós, tios, primos, padrinhos, etc.
Tal atitude, preenche os sintomas relacionados com a alienação parental, não
podendo ser afirmado que a alienação parental ocorre apenas em casos de
separação e divórcio.
Após ter sido feita a “escolha” de esconder a gravidez, a mãe passa a
manipular os pensamentos e sentimentos da criança, após seu nascimento, bem
como no decorrer de seu desenvolvimento, com o intuito de denegrir a imagem de
“alguém” (seu pai), que a criança nem mesmo teve o direito/oportunidade de
conhecer.
O ato de ouvir sempre que você é uma pessoa muito amada por sua
família e que foi rejeitado por alguém que nem chegou a lhe conhecer, gera uma dor
e um conflito muito grande dentro da criança/adolescente, afinal, como podem tantas
pessoas que me conhecem me amarem e alguém (que é meu pai) me odiar tanto,
sem ao menos me conhecer?! Esses questionamentos, geram um turbilhão de
sentimentos de raiva, mágoa, dor, sofrimento e ao mesmo tempo uma necessidade
de confrontar-se com essa pessoa, a fim de exigir uma explicação, de mostrar o
quanto ela estava errada e como você é diferente.
Esta “simples escolha”, de não revelar a identidade do pai ao seu filho, de
realizar campanha de difamação do outro genitor (mesmo que desconhecido), de
impossibilitar que este exerça sua autoridade parental, bem como conviva com seu
filho, a impossibilidade do convívio familiar com a família paterna, comprovam que
se está diante de uma situação de alienação parental, conforme dispõe o art. 2º,
parágrafo único da lei 12.318/2010.
47
Os elementos que caracterizam a alienação parental são, entre outros, a
campanha de difamação do genitor alienado, as histórias inventadas a fim de
denegrir a família do genitor alienado, a impossibilidade de convívio com a outra
família, facilmente identificados, também, no caso anteriormente exposto, onde a
mãe esconde a gravidez do pai de seu filho. Por esses motivos, podemos dizer que
a alienação não ocorre apenas em decorrência de casos de separação/divórcio,
podendo ser identificadas em outras relações familiares.
Devemos estar atentos aos sinais, saber identificar as características da
alienação, a fim de podermos diagnosticar o mais cedo possível, possibilitando a
cessação e eventual tratamento para as pessoas envolvidas. Com isso, estaremos
contribuindo para a diminuição dos casos e dos malefícios advindos da alienação
parental.
Atualmente se está mais preocupado em identificar a ocorrência de
alienação em processos de separação/divórcio e esquecemos de observar os
relacionamentos familiares como um todo. Se podemos afirmar que a atitude de um
genitor em denegrir a imagem do outro, em privar a convivência com os filhos são
uma das características de alienação parental, por que não podemos dizer que a
atitude da mãe em esconder a identidade do pai de seu filho, privando da sua
convivência, criando-o como se seu genitor tivesse lhe rejeitado é, também, uma
forma de alienação parental.
Será que só pelo simples fato do filho nunca ter tido a oportunidade de
conviver com seu genitor paterno, afastaria de alguma forma a alienação parental
como conhecemos? Obviamente que não, uma vez que ao analisarmos o conceito
trazido no art. 2º e parágrafo único, da lei 12.318/10, podemos constatar que as
formas exemplificativas elencadas no referido artigo se enquadram perfeitamente no
caso aqui estudado.
Nesse sentido, não podemos ficar fiscalizando a ocorrência da alienação
apenas em processo judiciais, devendo ser ampliado os cuidados, bem como o
estudo de casos, uma vez que nos preocupamos em proteger a criança vítima de
48
alienação, envolvida em disputa judicial e esquecemos de cuidar de todas as outras
crianças que também podem estar sendo vítima desta prática, no âmbito familiar,
longe dos tribunais.
Os danos sofridos em decorrência da alienação parental são os mesmos,
tanto para as crianças que tem os pais envolvidos em demandas judiciais, quanto as
outras, que por um motivo ou outro foram afastadas de seus genitores por
problemas de relacionamentos, ressentimentos sem que fosse necessário procurar o
judiciário. Porém, uma coisa elas tem em comum, ambos merecem ter seus direitos
protegidos, devendo ser cobrado tal conduta do genitor que possui a guarda da
criança, dos demais familiares, da sociedade e do Estado.
4.2 ALIENAÇÃO PARENTAL E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS ALIENADOS
É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios
eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores
dominantes.104
Podemos afirmar que o direito de família é composto de diversos
princípios, sendo difícil destacar os mais importantes, sem ficar com a sensação de
que deixou algum de fora.
Todavia, há alguns princípios que são mais fáceis de elencar, pois sem
dúvida seriam escolhidos, podendo variar apenas a sua ordem de importância, tais
como: a dignidade da pessoa humana, a liberdade e igualdade e a proteção integral
a criança e ao adolescente.
Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa
humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa,
104 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 61.
49
ligando todos os institutos à realização de sua personalidade.105
“O princípio da dignidade da pessoa humana significa, em última análise,
igual dignidade para todas as entidades familiares.”106 Dignidade assegurada para as
entidades familiares e para todos os membros da família, sem distinção.
A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme
preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à
liberdade especial atenção. Esses princípios, no âmbito familiar, são consagrados
em sede constitucional.
No âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, também está
assegurada a liberdade, estando assentado no art. 5º da Constituição Federal e no
art. 15º do ECA.
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e àdignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento ecomo sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos naConstituição e nas leis.
Quanto ao princípio da igualdade, este podemos encontrar no art. 5º da
Constituição Federal, bem como no art. 20º do ECA.
Constituição Federal
(…)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termosdesta Constituição;
(…)
Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
105 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 63.
106 Id.
50
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação.
O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a
todos os cidadãos no âmbito social. A ideia central é garantir a igualdade, o que
interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça.107
Diante da inclusão dos princípios acima expostos, viu-se a necessidade
de também garantir a proteção integral das crianças e dos adolescentes, conforme
disciplina o art. 227 da Constituição Federal, incorporando a doutrina da proteção
integral.
“A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como
pessoas em desenvolvimento, os faz destinatários de um tratamento especial.”108
A criança e o adolescente deve sempre ter prioridade, sendo de
responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, garantir que seus direitos
sejam aplicados de maneira a possibilitar um desenvolvimento sadio e pleno, tais
direitos estão assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/1990).
Assim, no momento em que submetemos uma criança/adolescente a uma
situação de alienação parental, estamos violando seus direitos, bem como deixando
de cumprir nossa obrigação/dever de zelar pela sua proteção integral.
O momento em que o constituinte viu a necessidade de assegurar os
direitos acima expostos, foi com o intuito de ao menos tentar assegurar que tai
direitos não seriam violados, evitando assim os prejuízos decorrentes causados às
nossas crianças e adolescentes, chegando na fase adulta com diversos problemas
comportamentais e emocionais, sendo repetido com seus filhos, o que foi vivenciado
na sua infância.
107 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.65.
108 Ibid. p.68.
51
É preciso ainda não se olvidar que as crianças reproduzem as atitudes
que aprendem com os pais, estabelecendo um círculo de violência e a perpetuando,
não somente em sua família, mas na escola, no trabalho, em seu círculo social. 109
Pelo fato das crianças e adolescentes serem pessoas vulneráveis e
estando em pleno desenvolvimento, faz-se necessário que seus direitos sejam
tratados com a máxima prioridade, a fim de evitar que estas passem por algum tipo
de sofrimento, seja ele físico, moral ou psicológico.
4.3 - A OCULTAÇÃO DA PATERNIDADE COMO FORMA DE ALIENAÇÃO
PARENTAL
A alienação parental já restou metaforicamente chamada como a morte
em vida, traduzindo o processo em que um genitor vai minando a imagem do outro,
e com isso “matando” a relação emocional entre pais e filhos. Este caso ocorre
comumente em relações de separação, em que o fim do relacionamento entre os
pais de forma não aceita por um ou ambos, acaba sendo transferido para os filhos.
Todavia, uma vez identificado o fenômeno da alienação parental, e suas
graves e profundas sequelas, especialmente nas idades mais jovens, não se pode
limitar a percepção dos danos aos fatos mais evidentes. De certa forma, fatos tidos
como comuns e aceitos socialmente podem representar alienação parental em um
nível mais profundo, silencioso e grave.
É o caso da ocultação de paternidade. Perpetrada sob a máscara de
direito de privacidade da mãe, a conduta é amplamente tida como um direito
privado. O próprio advento das famílias monoparentais, um avanço em muitos
aspectos doutrinários e jurisprudenciais no direito de família, acabam muitas vezes
por encobrir situações graves de alienação parental.
109 SILVEIRA, Paula Galbiatti. A doutrina da proteção integral e a violação dos direitos das crianças eadolescentes por meio de maus tratos. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/A%20doutrina%2017_11_2011.pdf>. Acesso 2 out. 2013.
52
Isto, porque, a criança que tem oculta sua paternidade sofre um processo
de ocultação e desinformação que não permitem a devida concretização de uma
relação emocional. Ainda que a mãe tente suprir, sozinha, o vão deixado, a
insubstituível presença paterna, e a falta de informações verdadeiras, geram um
sentimento de incerteza, rejeição e abandono que podem ser mais profundos que a
alienação parental comumente vista.
A alienação de um dos pais após o fim de um relacionamento, por mais
que afete e prejudique a relação emocional, não faz com que a pessoa desapareça
da história do alienado. Todavia, a ocultação da paternidade, muitas vezes guardada
em segredo até do genitor, gera uma impossibilidade de conexão entre pai-filho e
mata a história possível.
Nenhuma relação de paternidade é uma certeza de felicidade. Todavia, a
ausência deste relacionamento é uma certeza. Não se pode amar o que não sabe o
que existe ou como existe.
Como visto ao longo da presente pesquisa, o direito de privacidade da
mãe não pode adentrar a esfera do bem estar do menor, existindo mecanismos
legais para tal impedimento. Todavia, a falta de percepção deste fenômeno faz com
que não seja visto como um processo de alienação parental, quando na verdade o
é. Isso se reflete, inclusive, na falta de literatura específica quanto ao tema, como
pode ser constatado ao longo do empreendimento da presente pesquisa.
A simples escolha da mãe de não revelar a identidade do pai ao seu filho,
ainda que sem realizar uma campanha de difamação do outro genitor (mesmo que
desconhecido), impossibilitando que este exerça seus direitos/deveres inerentes a
paternidade, de ter convívio com seu filho, impossibilitando o convívio familiar com a
família paterna, comprovam que se está diante de uma situação de alienação
parental, conforme dispõe o art. 2º, parágrafo único da lei 12.318/2010. Ressalta-se
que tal artigo, conforme citado anteriormente, não traduz um rol estanque de
situações de alienação parental, mas sim exemplificativo, evidenciando a lúcida
53
atitude do legislador em perceber que o processo de alienação parental pode vestir
muitas roupagens, como a ocultação de paternidade.
4.4 - O PROGRAMA PAI PRESENTE: TENTATIVA PRÁTICA DE GARANTIR O
DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR
Com o intuito de tentar amenizar o sofrimento de tantas crianças e
adolescentes do nosso país, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criou o
programa Pai Presente (Provimento de nº 12 e 16), que visa identificar a identidade
do pai de crianças a adolescentes que foram registrados apenas por suas mães,
através de informações dadas por elas, a fim de regularizar seu registro de
nascimento e proporcionar o encontro de pais e filhos. Esse procedimento é
realizado com a ajuda das escolas que devem encaminhar uma lista com o nome
das crianças e adolescentes, bem como de suas mães, as quais serão chamadas a
fim de que, querendo informem o nome do suposto pai de seus filhos. Após, o
suposto pai será localizado, onde perante um juiz de direito, manifestará interesse
em reconhecer ou não a paternidade da criança. Caso haja negativa, por parte do
suposto pai, o juiz deverá encaminhar os documentos ao Ministério Público, o qual
deverá ingressar com ação de investigação de paternidade. O presente provimento
visa dar cumprimento à Lei nº 8.560/1992, a qual regulamenta a investigação de
paternidade e é realizado em segredo de justiça, a fim de preservar a dignidade dos
envolvidos.
Em contato com a ouvidoria do CNJ, foi solicitado informações sobre a
efetividade deste provimento, uma vez que o provimento de nº 12, traz a informação
de que, de acordo com o Censo de 2009, foram identificados 4. 869.363 alunos que
não possuem informações sobre o nome do pai, sendo 3.853.972 menores de 18
anos. Em resposta, foi indicado o seguinte endereço na internet:
http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/pai-presente, a fim de
que pudesse ser obtidas maiores informações sobre o programa.
Consultando o endereço da internet indicado pela ouvidoria do CNJ,
54
podemos conhecer os resultados obtidos em três anos de atividade, onde o
programa pai presente garantiu o reconhecimento espontâneo de paternidade de
22.830 mil crianças e adolescentes. O reconhecimento de paternidade pode ser feito
tanto com crianças menores de idade quanto com pessoas maiores de idade,
podendo ainda ser feito de forma espontânea, sendo também possibilitado a
realização de exame de DNA, para os casos de dúvida quanto a paternidade.110
Ainda com a finalidade de facilitar o reconhecimento de paternidade e
proporcionar que tal procedimento possa ser alcançado por todas as pessoas
independente de sua condição econômica, a Corregedoria Nacional de Justiça,
órgão do Conselho Nacional de Justiça, criou o provimento de nº 19111, o qual
possibilita a averbação do reconhecimento de paternidade de forma gratuita,
bastando a apresentação de declaração de hipossuficiência dos interessados.
Além da criação dos provimentos acima referidos, foi elaborado um folder
explicativo (ANEXO), onde são esclarecidos as formas e procedimentos
disponibilizados aos cidadãos para facilitar o reconhecimento da paternidade de
crianças e adolescentes, bem como de adultos que também não possuem o nome
do pai no seu registro de nascimento.112
O procedimento de reconhecimento de paternidade deve ser solicitado
diretamente no cartório de registro de pessoas naturais, onde deverá ser preenchido
o formulário, devendo após, ser encaminhado para o juiz competente. O
encaminhamento será feito pelo próprio cartório. O procedimento somente poderá
ser negado, nos casos de suspeita de fraude, falsidade ou má-fé, devendo, neste
caso ser submetido a análise do juiz.
A criação do provimento 12 e 16, visa auxiliar na localização do pai de
110 PAI Presente garante mais de 22 mil reconhecimentos espontâneos de paternidade. Agência CNJ deNotícias. Brasília, 9 ago. 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/25842:pai-presente-garante-mais-de-22-mil-reconhecimentos-espontaneos-de-paternidade#ad-image-0>. Acesso 12 out. 2013.
111 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 18 da Corregedoria Geral de Justiça, de 29 de agosto de 2012. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/Provimento%20N%C2%BA19.pdf> Acesso 11 out. 2013.
112 Folder disponibilizado ao público pelo Conselho Nacional de Justiça pelo endereçohttp://www.cnj.jus.br/images/images/folder_pai%20presente_vis_3.pdf
55
crianças e adolescentes, que não registraram seus filhos à época do nascimento, a
fim de que este registro possa ser feito de maneira consensual e no caso de dúvida,
seja dado início ao processo de investigação de paternidade, uma vez que antes da
criação desses provimentos a localização e realização do reconhecimento era muito
difícil, pois a maioria dessas famílias são pessoas de pouca renda, e o
reconhecimento era feito apenas através de ação de investigação de paternidade.
Agora o reconhecimento pode se dar de forma espontânea, podendo ser de forma
gratuita, para os casos de comprovação de hipossuficiência dos envolvidos,
garantindo um maior alcance da população brasileira.
A primeira cidade do Rio Grande do Sul a colocar em prática o programa
Pai Presente, foi a cidade de Vacaria/RS, o lançamento ocorreu na sede da
Defensoria Pública do Município, onde contou com a presença da ADPERGS
(Associação dos Defensores Públicos do Rio Grande do Sul), a Prefeita da Cidade
em exercício Vera Marcelja, representante da Câmara de Vereadores, Membros do
Hospital Nossa Senhora da Oliveira e das Polícias Civil e Rodoviária Federal.113
113 ADPERGS participa de lançamento do programa Pai Presente em Vacaria. Central de notícias daADPERGS. Porto Alegre. 5 mar. 2013. Disponível em: <http://www.adpergs.org.br/todas-as-noticias/item/adpergs-participa-de-lancamento-do-programa-pai-presente-em-vacaria?category_id=3>Acesso 17 out. 2013.
56
5 CONCLUSÃO
O presente estudo alcançou seus objetivos propostos, permitindo
aprofundar o estudo quanto ao fenômeno da Alienação Parental sob uma
perspectiva diferenciada.
Conclui-se ao final da pesquisa que os importantes avanços
caracterizados pela evolução e positivação dos direitos fundamentais estão
atualmente vigentes, ainda que não totalmente eficazes, em nosso sistema jurídico
pátrio, permeando nosso sistema constitucional e criando raízes no direito de
família. Estas garantias não possuem uma hierarquia entre si, devendo ser
verificado no caso em concreto o aparente conflito de normas desta categoria.
O que aprioristicamente se poderia atribuir como um direito fundamental a
privacidade, na verdade não pode sobreviver ao confronto com o melhor interesse
da criança (e do adolescente) restando evidente que o direito ao convívio familiar,
por si, não comporta limitação pela esfera do sigilo pessoal. Sob esta ótica, a
tentativa de impedir a realização do vinculo afetivo entre os pais ou familiares de
determinado ramo, sob a alegação de exercício do sigilo e do resguardo da vida
privada, pode caracterizar forma de alienação parental.
Em que pese o vasto ordenamento jurídico existente, inclusive com
positivação visando o combate a alienação parental, as medidas ainda carecem de
efetividade, especialmente pelo cenário cultural jurídico, que é tímido em questões
tidas como de âmbito privado, em que pese a socialização destes direitos e
responsabilidade, que atribuem a coletividade a guarnição do melhor interesse dos
menores.
Não obstante, resultado melhor nasce da mobilização das instituições
quando visam aplicação das normas conjuntamente com campanhas informativas e
de conscientização, esclarecendo os direitos, deveres e abrangências das leis, ao
mesmo tempo que exige seu cumprimento. Este é o caso do programa Pai Presente,
57
relatado durante o estudo.
Especialmente, conclui-se que, em que pese o conceito de Alienação
Parental gozar de amplo conhecimento no campo do direito de família e nas áreas
de saúde mental como psicologia e a psiquiatria, o reconhecimento destas situações
ainda encontra-se limitado a um paradigma de conflito de casais, geralmente pós
rompimento do relacionamento. O enfoque dado a pesquisa, em que se verifica o
processo de alienação parental pela ocultação de informações relevantes, tanto ao
alienado, como às instituições públicas que deveriam velar pela correção destas
informações passa quase despercebido pela doutrina e jurisprudência pátrias, o que
resulta na quase inexistência de fotos específicas do tema sob este enfoque.
Neste sentido, entende-se como bem-sucedido o estudo, dando
elementos suficientes para entender o processo de alienação parental por meio da
desinformação quanto ao genitor, e seu impacto ao alienado, tanto do âmbito
emocional, como no âmbito jurídico.
No ramo jurídico, em especial no direito de família, não se pode ficar
engessado, devendo sempre haver estudo e abertura para novas experiências. Ao
limitar-se o estudo a apenas um ou dois tipos de situações, deixa-se de enxergar as
relações como um todo, podendo tornar coniventes com possíveis violações de
direitos contra crianças e adolescente aqueles que deveriam evitar tais situações.
Ao não se ampliar o campo de visão, especialmente no tocante ao tratamento e
criação dos infantes, corre-se o risco de serem aceitas certas atitudes e
comportamentos, antes tidas como comuns, mas que na verdade são uma forma
velada de alienação parental, com efeitos profundos e permanentes na vida dos
alienados.
58
REFERÊNCIAS
ADPERGS participa de lançamento do programa Pai Presente em Vacaria. Centralde notícias da ADPERGS. Porto Alegre. 5 mar. 2013. Disponível em:<http://www.adpergs.org.br/todas-as-noticias/item/adpergs-participa-de-lancamento-do-programa-pai-presente-em-vacaria?category_id=3> Acesso 17 out. 2013.
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59
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