A Nova Literatura Produzida Em Mato Grosso - Eduardo Ferreir

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1 overpo nto A nova literatura produzida em Mato Grosso - (I) Eduardo ferreira · Cuiabá (MT) · 9/10/2006 17:28 · 116 votos · 10 comentários "O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." (Fragmento do poema "Mãos Dadas" de Carlos Drummond de Andrade) Segundo o escritor mato-grossense Ricardo Guilherme Dicke, é na literatura que reside "o esplendor da linguagem. Um povo sem literatura é um povo sem alma, sem história, sem memória." Apesar de estar há décadas escrevendo e conquistando prêmios nacionais, Dicke, que ultrapassou a marca dos 70 anos de vida, ainda permanece como novidade, pois sua obra é inacessível ao grande público. Mesmo o leitor mais culto não consegue ter acesso a seus vários romances publicados, pois sempre foram editados com tiragem reduzida e nunca foram alvo de uma distribuição mais planejada. Na opinião de muitos ele é um escritor para poucos, é pouco atrativo para um mercado que privilegia obras fáceis, de rápida degustação, como um fast-food, tipo os indefectíveis livros de auto-ajuda que se espalham pelas prateleiras das livrarias. O mercado vive das ondas passageiras da moda, dos best- sellers descartáveis, como seringas a aplicar doses de mediocridade no leitor que segue a cartilha do sucesso, mediado pelas listas dos mais vendidos. Mas quero colocar aqui uma questão que venho matutando: o que é novo em literatura? O que é novidade? O escritor jovem ou as letras de um velho escritor que permanecem inéditas? Ora, a novidade pode estar em ambos os casos, em algum deles ou em nenhum. Certas escritas são

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A nova literatura produzida em Mato Grosso - (I)Eduardo ferreira Cuiab (MT) 9/10/2006 17:28 116 votos 10 comentrios "O tempo a minha matria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." (Fragmento do poema "Mos Dadas" de Carlos Drummond de Andrade)

Segundo o escritor mato-grossense Ricardo Guilherme Dicke, na literatura que reside "o esplendor da linguagem. Um povo sem literatura um povo sem alma, sem histria, sem memria."

Apesar de estar h dcadas escrevendo e conquistando prmios nacionais, Dicke, que ultrapassou a marca dos 70 anos de vida, ainda permanece como novidade, pois sua obra inacessvel ao grande pblico. Mesmo o leitor mais culto no consegue ter acesso a seus vrios romances publicados, pois sempre foram editados com tiragem reduzida e nunca foram alvo de uma distribuio mais planejada. Na opinio de muitos ele um escritor para poucos, pouco atrativo para um mercado que privilegia obras fceis, de rpida degustao, como um fast-food, tipo os indefectveis livros de auto-ajuda que se espalham pelas prateleiras das livrarias. O mercado vive das ondas passageiras da moda, dos best-sellers descartveis, como seringas a aplicar doses de mediocridade no leitor que segue a cartilha do sucesso, mediado pelas listas dos mais vendidos.

Mas quero colocar aqui uma questo que venho matutando: o que novo em literatura? O que novidade? O escritor jovem ou as letras de um velho escritor que permanecem inditas? Ora, a novidade pode estar em ambos os casos, em algum deles ou em nenhum. Certas escritas so extemporneas como toda obra de arte que tem o poder de atravessar o tempo e passar a ser referncia fundamental para a histria humana.

Para um momento como esse que vivemos, de extrema saturao da informao, de permanente criao de novos meios de difuso, do fenmeno internet, com os blogs se multiplicando como praga e possibilitando publicar todo tipo de produo, escrita, falada, cantada, fotografada ou filmada, enfim, fica extremamente difcil definir uma tendncia dominante como se sucedia at recentemente na histria das artes. Os movimentos artsticos eram manifestamente sucessores de movimentos imediatamente anteriores, se tornavam escola, um substitua o outro, rompia com os preceitos que vigoravam. Novo o qu, se a maioria daquilo que se apresenta como nova literatura no se qualifica para continuar sendo lida depois de seu tempo? Rimbaud, por exemplo, ser to velho que os jovens no precisem conhecer sua obra mnima? Claro que, quem trabalha com criao tem mais que procurar conhecer seus semelhantes, suas referncias, seus interlocutores, seus pares, nessa sandice que escrever.

A maioria dos escritores no permanecem, no resistem ao tempo, isso bvio. Difcil acreditar que s por ser jovem algum seja capaz de ocupar o lugar de determinados escritores que renem muito mais condies de vencer o espao-tempo e continuar sua trajetria na histria humana. muito comum que determinados movimentos de jovens escritores surjam com a impetuosidade tpica de quem quer desbancar os escritores "mais velhos" em nome da renovao. Mas isso complicado

Existe uma idia que perpassa vrias cabeas pensantes em Mato Grosso de que vem acontecendo um boom literrio jamais visto por aqui. Muito dessa impresso vem pela quantidade de pessoas que esto escrevendo, pela ampliao das facilidades para se publicar, pelos vrios movimentos que vm se aglutinando em ncleos onde escritores, professores universitrios, editores e livreiros debatem questes como circulao, incentivo leitura, o papel das novas editoras, enfim, pessoas que esto agindo para fomentar a cadeia produtiva e estimular o mercado desse segmento.

Mato Grosso tem uma tradio literria de peso que avanou para alm fronteiras com os escritores e poetas: Ricardo Guilherme Dicke, Wlademir Dias Pino, Silva Freire e Manuel de Barros, que tambm mato-grossense, se destacaram numa linha de ruptura, de experimentao, de um dilogo com as vanguardas literrias. Outros bons escritores e poetas, que dialogaram com a tradio, como os poetas Joo Antonio Neto e Ronaldo de Castro, ambos de uma gerao sonetista com pinceladas de modernismo. Tivemos um poeta-acadmico (Academia Brasileira de Letras) que foi o Dom Aquino Corra; a estranha modernidade de Jos de Mesquita do comeo do sculo passado e que s agora comea a chamar a ateno de alguns estudiosos.

A literatura de vanguarda do Wladipino, por exemplo - ele nasceu no Rio de Janeiro mas adotou Cuiab como sua cidade - no passou em branco diante dos crculos literrios mais importantes do pas, tanto que se envolveu numa rusga com os concretistas de So Paulo, Augusto e Haroldo de Campos, Dcio Pignatari & cia, atravs de manifestos pblicos em que se contrapunham frontalmente em embates cientfico-estticos, cada um querendo afirmar seu modus operandi; o instinto barroco-surrealista do genial Ricardo G. Dicke que faturou diversos prmios nacionais e ainda hoje demonstra um vigor extraordinrio com sua obra que vem despertando cada vez maior interesse das pessoas.

As novas geraes se sucederam e hoje vem surgindo uma novssima que aparece com um discurso renovador mas que no oferece ainda um painel to claro de suas produes, ainda no d para definir uma revoluo na escrita, no h novidade no sentido de uma literatura que estremea o cho desse imenso Mato e se afirme a despeito de tudo que ainda vem se firmando.

O recm formado Coletivo Arcada Dentria rene parte desses jovens escritores que se lanam com manifesto e tudo mais, adeptos de novas ferramentas, tipo internet, cooperativismo e receitas mercadolgicas, que so importantes, mas no refletem uma mudana radical na escrita, no modo de narrar, de compor um poema,ou isso perdeu o sentido? Vi no Zine n 1, impresso, reflexos do velho surrealismo, flertes com a literatura ps-guerra do sculo passado, dos beatniks, do existencialismo, enfim, referncias diversas que apontam para uma escrita bastante pertinente com esses tempos cibernticos onde nada permanece, onde tudo passa velozmente. Hoje voc compe um poema e j o publica, ou melhor, posta, e essa produo multifacetada se nutre de elementos tpicos da contemporaneidade, incorporando a internet e outras influncias da cultura de massa. Mas isso no basta para se afirmar como novidade.

Existe uma produo literria em Mato Grosso que vem se delineando desde a dcada de oitenta e que s agora est se consolidando: Lucinda Persona, por exemplo, vem sendo reconhecida como uma das mais importantes poetas da cena contempornea do Brasil; Yvens Scaff vem conquistando espaos h muito tempo com uma produo que mantm uma regularidade em publicaes, com poemas, contos e textos voltados para o segmento infanto-juvenil; Gabriel de Matos outro que vem escrevendo, publicando e conseguindo distribuir seus livros com uma boa constncia, at mesmo nas escolas, via programa nacional de incentivo leitura; Wander Antunes est conquistando importantes mercados internacionais, sendo premiado como um dos melhores roteiristas publicados em solos europeus. Tem outros nomes surgindo, tem mais gente boa por aqui. O poeta Antonio Sodr, do ncleo literrio do bando Caximir, que desde a dcada de 80 vem consolidando sua carreira; nos crculos da UFMT, agora surgem novssimos e bons poetas como o Odair de Moraes, Gluber e outros.

Juliano Moreno, poeta, contista, produtor cultural, editor da revista Fagulha, exps com muita sinceridade: "O que tem de prevalecer o desejo de fazer. Se o princpio o mercado para fazer literatura, tem que analisar o perfil do brasileiro que no foi educado para ler como fonte de conhecimento e prazer. O processo muito dinmico. Aqueles que colocarem a literatura acima do conceito de fama, sucesso, egocentrismo que iro permanecer e sero avaliados no futuro. O que mais importa essa vontade de comunicar, o desejo de escrever que deve mover. Expor ali a sua viso de mundo, suas inquietaes. Acho que a gurizada no deve se preocupar muito com politicagens. Literatura exige um exerccio permanente de escrita e um mergulho na gente mesmo pra produzir e tem que ser radical."

O velho poeta Drummond, to (e)terno. De novo o poema "Mos Dadas": "No serei o poeta de um mundo caduco.Tambm no cantarei o mundo futuro.Estou preso vida e olho meus companheiros."

Sei l! O mundo to grande! O (n)ovo estar sempre por nascer. Novidade o sol nascer todo dia e a gente poder sentir que hoje tudo diferente de ontem.