A NOVA CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COMO...
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CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
A NOVA CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COMO SUJEITO DE
DIREITOS: DEPOIMENTO ESPECIAL EM PROCESSOS JUDICIAIS NO TJ/RJ
Valéria Corrêa Tricano
1
RESUMO: Este artigo versa sobre a implantação e o funcionamento do Núcleo de
Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, projeto instituído em 2012
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para garantir a efetividade dos direitos e
da proteção de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas em processos judiciais,
conforme estabelece o ordenamento jurídico brasileiro. Ao longo do desenvolvimento do
tema, a autora acende reflexões sobre as transformações no paradigma de infância ao longo da
história e sua influência no Direito. São apresentados os documentos internacionais que
marcaram a história do reconhecimento e da ampliação dos direitos da criança e do
adolescente e os avanços da legislação brasileira nesse sentido. Há ainda uma análise do papel
da Constituição Federal de 1988 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) – nesse processo de garantia de direitos do público infanto-juvenil. Essas
transformações sociais e jurídicas nos remetem ao Depoimento Especial, um modelo de
escuta judicial diferenciada para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
A pesquisa foi desenvolvida com base no método indutivo, realizando um estudo
exploratório, descritivo e explicativo do tema, priorizando a abordagem qualitativa, por meio
de pesquisa bibliográfica, documental e de campo.
Palavras chave: Criança. Adolescente. Depoimento Especial. NUDECA.
ABSTRACT: This article talks about NUDECA (Child and Adolescents Special Center)
based on testimonies. NUDECA is a project founded in 2012 by Court of Law of Rio de
Janeiro in order to ensure the effectiviness of the Protective rights of Child and Adolescents,
victims or eye-witnesses in law suits under the Brazilian Legal Order's determinations.
Throughout the topic's development the author proposes reflections about transformations in
the paradigma of Infancy through its history and influence to the Law
environment. Presenting the international documents which set not only the history of
recognition and the expansion of the rights of Child and Adolescents, but also the advances of
Brazilian legislation about this topic. There is still an analysis of the role of 1988 Federal
Constitution, the Child and Adolescent Statute and ECA (law 8069/90) in this process focusing on gensuring the rights of the Youth public. These social and legal transformations
remit us to Special Testimony, a model of judicial wire differentiated to children and
adolescents (victims or eye-witnesses of violence). This research was developed based on an
inductive method, making an exploratory, descriptive and clarified study about the topic and
prioritizing the qualitative approach by bibliographic, documental and field research.
Keywords: Child. Adolescents. Special Testimony. NUDECA. 1 Comissária de Justiça da Infância, da Juventude e do Idoso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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Sumário: 1 Introdução. 2 Concepções de infância da antiguidade à atualidade. 3 Aspectos normativos do direito da criança e do adolescente. 4 O depoimento especial e a escuta de
crianças vítimas de crimes sexuais no Poder Judiciário. 5 O Núcleo de Depoimento Especial
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 6 Considerações finais. Referências
bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro implantou, em 2012, o Núcleo de
Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes - NUDECA, com o intuito de fazer uma
escuta diferenciada de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência. Uma das
questões que impulsionaram a elaboração deste trabalho é o fato de que a temática ainda não
foi largamente enfrentada.
O objetivo desse trabalho é analisar as circunstâncias que levaram à implantação do
depoimento especial, e conhecer a estrutura e o funcionamento do projeto no Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro. Para tal, é necessário compreender a evolução histórica da
concepção de infância ao longo do tempo, bem como as mudanças no ordenamento jurídico
com o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito.
Inicialmente, o artigo aborda o conceito de criança e adolescente, analisando o
processo histórico da construção da concepção moderna de infância. Posteriormente, analisa
os aspectos históricos e normativos do Direito da Criança e do Adolescente, chegando ao
papel desempenhado pelo Poder Judiciário no Sistema de Garantias e Direitos que visa
assegurar a efetivação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal. Por
fim, considera a implantação do Depoimento Especial pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro através dos Atos Executivos n° 4297/12 e 4298/12, instituindo o Núcleo de
Depoimento da Criança e do Adolescente – NUDECA, analisando sua estrutura e
funcionamento.
A pesquisa foi desenvolvida com base no método indutivo. O estudo realizado é
exploratório, descritivo e explicativo, na medida em que proporciona maior familiaridade com
o depoimento especial, descrevendo suas características e analisando os fatores que levaram à
adoção de tal prática pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. A abordagem do
tema é qualitativa e desenvolvida com base em pesquisa bibliográfica e documental, além de
algumas considerações fundadas na observação realizada pela autora, tendo em vista
desempenhar a função de entrevistadora no NUDECA.
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2 CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA DA ANTIGUIDADE À ATUALIDADE
Nas últimas décadas configurou-se um discurso no sentido de assegurar os direitos
fundamentais relacionados às crianças e adolescentes, impulsionando uma série de
implicações para sociedade contemporânea, mas esta concepção moderna de infância foi
sendo historicamente construída ao longo dos anos. Discorrendo sobre o tema, Andréa
Rodrigues Amin assevera que durante muito tempo “os filhos não eram sujeitos de direitos,
mas sim objeto de relações jurídicas sobre os quais o pai exercia direito de proprietário”2,
sendo conferido a este último o poder absoluto sobre sua prole.
A publicação do livro de Phillipe Ariés, intitulado “A História Social da Criança e da
Família”, na França em 1960 e nos Estados Unidos em 1962, marcou o início do processo de
construção da concepção de infância. A referida obra foi traduzida para a língua portuguesa e
nos permite entender melhor o processo de reconhecimento da infância. Segundo o autor, na
sociedade medieval não havia “sentimento de infância”3, ou seja, não eram consideradas as
peculiaridades da criança em relação aos adultos, e assim que o infante tinha condições de
viver sem depender fisicamente de sua mãe, se afastava da família e era incorporado ao
mundo dos adultos, partilhando seus trabalhos, festas e jogos. Ariés enfatiza ainda que tal
comportamento não significava negligência, abandono ou desprezo por parte dos adultos em
relação aos infantes.
Assim sendo, a transmissão de valores e de conhecimentos se dava a partir dessa
convivência da criança com os adultos. Tal cenário sofre uma mudança considerável a partir
do século XVII, ocasião em que a tarefa de educar foi atribuída à escola e a criança deixou de
ser misturada com os adultos, passando então, a adquirir conhecimento naquela instituição4.
Mary Del Priore, em seus estudos sobre a infância no Brasil, sustenta que o processo
de construção da concepção de infância e adolescência ocorreu de forma diferenciada na
Europa e no Brasil, em consequência de fatores sociais, culturais e econômicos, destacando
que diferente da Europa, no Brasil, a implantação do sistema de escolarização e da
industrialização foi tardio, impedindo a adaptação dos indivíduos a este cenário. Quanto à
escolarização, ela afirma que, desde a colonização até metade do século XVIII, as escolas
eram privilégio para poucas crianças. No século XIX, as crianças oriundas de famílias pobres
2 AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade.
(Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 3 ARIÉS, Philipe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos
Editora S. A., 1981. p. 156. 4 Ibid, p. 10-11.
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eram preparadas para o trabalho, essa atividade tinha prioridade em prejuízo da formação
escolar5.
Discorrendo ainda sobre a situação da população infantil na sociedade escravista no
Brasil, a autora sustenta que as crianças eram inseridas no trabalho infantil cedo, por volta dos
quatro anos de idade, e poucas sobreviviam até os dez anos. Além disso era comum a
separação dolorosa de pais e filhos. Mas, com base nos relatos de viajantes estrangeiros, ela
conclui que a realidade do Brasil colonial não impedia que o afeto dos pais para com seus
filhos permeasse as relações parentais. Segundo Mary Del Priore, a exploração da mão de
obra infantil nas fazendas continuou mesmo após a abolição da escravidão, enquanto nos
centros urbanos ocorreu a proliferação de cortiços e favelas (séc. XIX e XX). Esses fatores
também colocavam as crianças em situações de risco. Este cenário levou a sociedade a refletir
sobre sua relação de responsabilidade para com a população infanto-juvenil, originando uma
nova consciência sobre a infância6.
Em nosso tempo, as gerações vivem divididas em espaços exclusivos, sendo
facilmente perceptível a separação da existência do homem em faixas etárias expressas
através do desempenho de papéis sociais: crianças, adolescentes, adultos jovens e adultos
velhos. Benedito Rodrigues dos Santos reconheceu que as crianças possuem um mundo
distinto do mundo dos adultos, com instituições, bens e serviços voltados para elas nas
diversas áreas e que tal mudança se deu a partir de um modo diferente de se estruturar e de dar
significação às passagens da vida7. Ele observa que, enquanto nas sociedades medievais a
infância era vista como uma etapa natural de progressão que levava a criança a se tornar
adulto, atualmente, a infância e a adolescência são encaradas como fases de formação e
preparação para fase adulta, sendo a infância vinculada ao tempo de estudar, enquanto a
adolescência é o período de transição da infância para a fase adulta. Nesta fase, o ser humano
não é mais criança, no entanto, ainda não se transformou em adulto.
Passamos a analisar como essas transformações no paradigma de infância influenciou
o ordenamento jurídico.
5 PRIORE, Mary Del (Org.). História das Crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 10.
6 Ibid, p. 11-14.
7 SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Por uma escuta da criança e do adolescente social e culturalmente
contextualizada: concepções de infância e de adolescência, universalidade de direitos e respeito às diversidades.
In: SANTOS, Benedito. Rodrigues dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência
sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e
adolescentes. Brasília: Editora da Universidade Católica de Brasília, 2014.
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3 ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A violação dos direitos de crianças e adolescentes ficou evidenciada ao longo da
história da humanidade. Foi somente no final do século XIX que o tema passou a ser alvo de
especial atenção. Embora a mudança no paradigma de infância tenha ocorrido de forma
mundial, a dinâmica da consolidação das normas de garantia dos direitos da criança e do
adolescente em cada país está diretamente ligada a aspectos econômicos e culturais.
Discorrendo sobre a necessidade de atenção aos direitos da criança e do adolescente,
Luciano Alves Rossato relata um caso emblemático ocorrido nos Estados Unidos em 1874,
que deu origem à Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Crianças de Nova York e
ficou conhecido como o caso Mary Ellen. Uma assistente social, Etta Wheeler, teve
conhecimento de que uma menina de nove anos de idade chamada Mary Ellen era vítima de
maus tratos infrafamiliares. Comovida pela situação em que a criança se encontrava, a
assistente social buscou ajudá-la. O caso chegou até a Suprema Corte. Por falta de uma
legislação que garantisse os direitos da criança e do adolescente, foi invocada a condição da
criança como parte do reino animal e se utilizou a previsão legal que protegia os animais
conforme defendido pela Sociedade de Prevenção à Crueldade aos Animais de Nova York8.
Conforme fartamente abordado na literatura, o século XIX e o início do século XX
foram marcados pela Revolução Industrial, que mudou o desenho da economia mundial, e por
duas Guerras Mundiais. Esses eventos tiveram resultados danosos que atingiram diretamente
a população infantojuvenil. As indústrias, por exemplo, não se furtavam a utilizar a mão de
obra infantil em terríveis condições de trabalho, além disso, as duas grandes Guerras
Mundiais levaram ao abandono de muitas crianças em razão da morte de seus pais.
Segundo Rossato, diante das circunstâncias apresentadas à época, documentos
internacionais foram criados e aprovados com o intuito de garantir os direitos de todos os
seres humanos, sem, no entanto, deixar de mencionar em seus artigos o direito das crianças9.
Entre estes documentos podemos citar: Convenções da OIT (1919); Declaração Universal dos
Direitos do Homem (1948); Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (1966); e Convenções Europeia, Americana e Africana de Direitos Humanos. Ainda
segundo o autor, diante do contexto apresentado, a comunidade internacional reconheceu que
as crianças necessitam de atenção especial que as defenda dos danos causados por situações
de risco e, consequentemente, passou a adotar documentos voltados para a proteção da
8 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do
adolescente: Lei n. 8.069/90 comentado artigo por artigo. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2016. 9 Ibid, p. 41-49.
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infância, reconhecendo sua vulnerabilidade e declarando-a detentora de direitos como pessoa
em desenvolvimento.
Outros documentos internacionais foram criados para tutelar os direitos de crianças e
adolescentes, e marcaram a história do reconhecimento e da ampliação desses direitos. Estes
documentos foram relacionados por Andréa Rodrigues Amin, entre os quais destacamos a
Declaração dos Direitos da Criança de Genebra (1924), a Declaração dos Direitos da Criança
(1959), as Regras Mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e
Juventude – Regras de Beijing ou Regras de Pequim (1985) e a Convenção dos Direitos da
Criança (1989)10
.
No Brasil, nos anos posteriores à sua Independência, a legislação do país já sinalizava
uma preocupação com a população infantojuvenil. Tal preocupação era limitada aos casos de
crianças órfãs e enjeitadas, com medidas de caráter essencialmente assistencialista. Na
segunda metade do século XIX, a legislação demonstra a preocupação do Imperador D. Pedro
II com a formação educacional das crianças, como, por exemplo, nos Decretos N. 630, de 17
de setembro de 1851 e N. 1331-A, de 17 de fevereiro de 185411
.
Descrevendo o cenário brasileiro durante os séculos XIX e XX, Irene Rizzini relata,
que houve um aumento da população do Rio de Janeiro e São Paulo causado, principalmente,
pelo fim da escravidão. Grande parte da população vivia em condições de pobreza e a
quantidade de crianças e adolescentes abandonados ou delinquentes cresceu, trazendo
preocupação para a sociedade como um todo. A população infantojuvenil passou a ser
considerada como uma categoria jurídica dos menores de idade, e alvo da intervenção
formadora e reformadora do Estado e outros setores da sociedade, como as instituições
filantrópicas e religiosas. Segundo a autora, o enlace das iniciativas educacionais com os
objetivos de assistência e controle social, representou um perigo para aquela população
infantojuvenil, pois nesse tipo de educação, o indivíduo vive em reclusão “na sua modalidade
mais perversa e autoritária”, na qual “o indivíduo é gerido no tempo e no espaço pelas normas
institucionais, sob relações de poder totalmente desiguais”12
.
Nessa perspectiva, em 1926, surgiu o primeiro Código de Menores do Brasil (Decreto
n°5.083), que cuidava dos infantes expostos e menores abandonados. Em 1927 essa norma foi
ampliada e ficou conhecida como Código Mello Mattos (Decreto n° 17.943-A). Referindo-se
10
AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade.
(Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 11
RIZZINI, Irene. A criança e a Lei no Brasil: revisitando a história (1822-2000). 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
Universitária Santa Úrsula, 2002. 12
RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A Institucionalização de Crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do
presente. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2004.
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a este código, Irene Rizzini nos diz que, embora seu texto se diferenciasse das normas
existentes por ser mais extenso, seu conteúdo era essencialmente o mesmo, acrescentando que
“O que o impulsionava era “resolver” o problema dos menores, prevendo todos os possíveis
detalhes e exercendo todos os possíveis controles sobre os menores (...)”.13
Em 1979 foi promulgado um novo Código de Menores14
, que, segundo a doutrina em
geral, era direcionado aos menores (art. 1°) em situação irregular (art. 2°), condição
relacionada ao estado de abandono ou delinquência. A segregação parecia a melhor solução e
o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal instrumento de
assistência à infância no país. Dessa forma, a legislação brasileira consolidou a Doutrina da
Situação Irregular e centralizou as decisões na figura do juiz da infância.
Em perfeita sintonia com as normas internacionais que estabeleciam um novo
paradigma da infância e ampliavam os direitos de crianças e adolescentes, o Brasil promulga,
em 1988, a sua Constituição Federal, que representa um marco na história do direito e da
justiça no país, priorizando a dignidade da pessoa humana e conferindo à população
infantojuvenil o status de sujeitos de direito e a titularidade de direitos fundamentais. Em seu
artigo 227 estabeleceu a proteção integral e a prioridade absoluta em favor da criança e ao
adolescente.
Andréa Rodrigues Amin ressalta que o princípio da prioridade absoluta, estabelecido,
no artigo acima estabelece a primazia em favor de crianças e adolescentes na concretização
dos direitos fundamentais ali enumerados, levando em conta a condição de pessoa em
desenvolvimento, condição que deixa essa população mais vulnerável do que os adultos15
. A
prioridade é garantida em todas as esferas de interesse e deve ser assegurada por todos:
família, comunidade, sociedade em geral e poder público, realizando a proteção integral e,
consequentemente, mantendo a criança e o adolescente a salvo de todas as formas que possam
afastá-los do desenvolvimento sadio.
A norma constitucional, prevista no artigo em destaque, “não é meramente
programática, tendo se tornado obrigatória desde a promulgação da Constituição”16
,
assegurando à criança e ao adolescente, atenção especial. Dessa forma, toda legislação
posterior à Constituição de 1988 observou os princípios estabelecidos por ela.
13
RIZZINI, Irene. A criança e a Lei no Brasil: revisitando a história (1822-2000). 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
Universitária Santa Úrsula, 2002. 14
Conforme estabelecido pela Lei 6.697 de 10 de outubro de 1979. 15
Cf. AMIN, Andréa Rodrigues, op. cit., p. 63-64. 16 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org.); FERRAZ, Anna Candida da Cunha (Coord.). Constituição
Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. São Paulo: Manole, 2013.
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Em 13 de julho de 1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente17
,
que ficou conhecido popularmente como ECA. O documento se alinhou à referida
Constituição, superando a cultura do revogado Código de Menores. Ele reproduziu, no artigo
3°, o princípio da proteção integral e, no artigo 4°, o dever de assegurar à criança e ao
adolescente a observância de seus direitos fundamentais, pondo-lhes a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com prioridade
absoluta, que é imposto à família, à sociedade e ao Estado pela Constituição Federal.
Segundo Andréa Rodrigues Amin, o Estatuto instituiu uma nova ordem jurídica e
social em relação à população infantojuvenil e, consequentemente, uma nova política de
atendimento. A referida lei assegura efetividade à doutrina da proteção integral,
implementando e regulamentando um complexo sistema denominado Sistema de Garantia de
Direitos - SGD18
. O novo sistema é voltado para todas as crianças e adolescentes,
indiscriminadamente, que venham a ser lesados em seus direitos fundamentais de pessoa em
desenvolvimento.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, em 19
de abril de 2006, expediu a Resolução 113, dispondo sobre os parâmetros para
institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente19
. No artigo 1°, define a constituição do SGD como a articulação e integração
das instâncias públicas governamentais (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) e da
sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento de mecanismos
de promoção, defesa e controle para efetivação dos direitos humanos da criança e do
adolescente. No artigo 5°, estabelece três eixos estratégicos de ação como parâmetro para
órgãos públicos e organizações da sociedade civil exerçam suas funções: Defesa dos Direitos
Humanos, Promoção dos Direitos Humanos, e Controle da Efetivação dos Direitos Humanos.
Na análise proposta daremos ênfase à atuação dos Tribunais de Justiça como órgão
judicial situado no eixo Defesa do Sistema de Garantias de Direito e sua atuação em
demandas que envolvam crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
17
Refere-se à Lei 8.069 de 13/07/1990. 18
Cf. AMIN, Andréa Rodrigues, op. cit., p. 52-53. 19
CONANDA. Resolução n° 113, de 19 de abril de 2006. Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização
e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.direitosdacrianca.gov.br/conanda/resolucoes/113-resolucao-113-de-19-de-abril-de-2006/view>.
Acesso em: 31 mar. 2017.
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4 O DEPOIMENTO ESPECIAL E A ESCUTA DE CRIANÇAS VÍTIMAS DE
CRIMES SEXUAIS NO PODER JUDICIÁRIO
Na sociedade brasileira, não raro, nos deparamos com crianças e adolescentes vítimas
de várias formas de violência, entre as quais destacaremos a violência sexual. Conforme
salientado por Marleci V. Hoffmeister, “a violência sexual perpetrada contra crianças e
adolescentes é uma das formas mais perversas de exclusão, haja vista, estarem estes privados
de segurança, respeito, liberdade, esperança. Privados de sua condição de sujeitos de
direitos”20
. A autora esclarece ainda que a dificuldade em combater essa violação de direitos
ocorre em consequência da falta de informações sobre o delito somada à dificuldade de
identificação para viabilizar a denúncia, pois tal crime ocorre na maioria das vezes dentro da
própria casa da vítima, na condição de clandestinidade.
Por outro lado, temos positivado o princípio da proteção integral, que prevê a efetiva
garantia de direitos de crianças e adolescentes, assegurando a estes todos os direitos humanos
reconhecidos aos adultos, e mais, considerando sua condição de pessoa em desenvolvimento e
a imposição da proteção integral como forma de asseverar um desenvolvimento sadio.
Nesse viés, as crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual estão cada vez mais
sendo reconhecidas como vítimas, conforme elucida Eduardo Rezende Melo. Esse
reconhecimento, ainda segundo o autor, determina o direito de que haja uma resposta penal ao
ofensor, dando emergência ao modelo judicial de intervenção que tem sua origem na
Constituição Federal e nas declarações de direitos humanos, com foco na proteção do
indivíduo em relação aos abusos e ao poder arbitrário21
.
Luciana Potter chama a atenção para a questão da vitimização sofrida por crianças e
adolescentes em caso de violência sexual. Na sua abordagem a autora distingue a vitimização
primária da secundária, denominando como vitimização primária o processo de violência
contra a criança ou adolescente, e vitimização secundária a violência que ocorre em resultado
do processo penal instaurado, no qual o sistema de justiça viola outros direitos. Ainda
20
HOFFMEISTER, Marleci V. De seres inferiores a sujeitos de direito: a voz e a vez da criança/adolescente no
contexto forense. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de
Crianças e Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2016. 21
MELO, Eduardo Rezende. Crianças e Adolescentes vítimas de abuso sexual: a emergência de sua
subjetividade jurídica no embate entre modelos jurídicos de intervenção e seus direitos. Uma análise crítica sob o
crivo histórico comparativo à luz do debate em torno do depoimento especial. In: SANTOS, Benedito Rodrigues
dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e
metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes. Brasília: Editora da
Universidade Católica de Brasília, 2014.
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segundo a autora, a vitimização secundária ocorre quando é realizada uma abordagem
equivocada por parte dos operadores de direito, a partir de meios probatórios inquisitoriais
inerentes à estrutura processual penal, para comprovar o fato criminoso com o intuito de obter
a verdade, destacando que, na apuração de casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes, o mais importante não é o resultado final, o mais importante é o processo em si,
pois “é durante o processo judicial que pode e deve se dar o „encontro ético‟, a compreensão
da vítima como sujeito de direitos e não como um objeto processual visto como meio de
prova a se atingir um fim, a condenação do acusado”22
.
A escuta judicial de crianças e adolescentes vítimas de violência por meio do
Depoimento Especial surge no Brasil acompanhada de obstáculos, entre eles, a resistência de
algumas entidades ao novo procedimento adotado pelos Tribunais. Embora não haja dúvida
de que a criança passou da condição de objeto para a condição de sujeito de direito,
divergências surgem sobre se ela deve ou não ser ouvida em processos judiciais, se outros
profissionais que não operadores do direito podem contribuir para a realização do ato de
forma adequada e segura para criança. Alguns segmentos, como por exemplo os Conselhos
Federais de Serviço Social e Psicologia, defendem que as vítimas sejam ouvidas por meio de
serviços técnicos que julgam mais adequado, como por exemplo, psicólogos ou psiquiatras, e
que em seguida tais profissionais traduzam ao sistema de justiça o que efetivamente teria
ocorrido. A resistência dos referidos Conselhos foi manifestada através da Resolução n° 554,
de 15 de setembro de 2009 (Conselho Federal de Serviço Social), e Resolução n° 10 de 29 de
junho de 2010 (Conselho Federal de Psicologia), que proibiu os profissionais de psicologia e
assistência social que atuassem no depoimento especial, com ameaça de punição para aqueles
que não aderissem às regras impostas23
.
A temática desse impasse entre os Tribunais de Justiça e os Conselhos acima
mencionados não será enfrentada nesse artigo, mas cabe ressaltar que a Resolução n°
554/2009 e a Resolução 10/2010 foram suspensas permanentemente em todo o território
nacional na decisão prolatada nos autos da Ação Civil Pública n° 0004766-50.2012.058100,
ajuizada pelo Ministério Público Federal no Estado do Ceará. No Estado do Rio de Janeiro, a
Resolução 10/2010 foi objeto da Ação Civil Pública n°0008692-96.2012.4.02.510, ajuizada
22
POTTER, Luciane. Violência, Vitimização e Políticas de Redução de Danos. In: POTTER, Luciane (Org.).
Depoimento sem Dano: uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 17- 27. 23
CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem Dano/Depoimento Especial – treze anos de uma prática
judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de Crianças e
Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2016.
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pelo Ministério Público Federal e pela 1ª Promotoria da Infância e Juventude da Capital do
Rio de Janeiro, em face do Conselho Federal de Psicologia e Conselho Regional de Psicologia
do Rio de Janeiro, tendo sido determinado pelo Juiz, em sede de antecipação de tutela, a
suspensão da sua aplicação e dos seus efeitos em todo território nacional, bem como a
abstenção por parte dos réus de aplicar quaisquer penalidades aos Psicólogos que atuem, no
exercício profissional, em colaboração com o Ministério Público ou como auxiliar do Poder
Judiciário, intermediando a inquirição de crianças e adolescentes.
Em relação ao tema, o Desembargador José Antônio Daltoé Cezar afirma que esse
proceder, que aparentemente é protetor, “incorre em erro ao negar, à criança o direito de se
manifestar em juízo, em suas próprias palavras”24
, conforme disposto no artigo 12 da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto n°
99.710 de 1990, e o artigo 100, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ainda segundo o autor, essa medida transmite à criança falta de interesse em conhecer sua
experiência.
Diante dessas circunstâncias, alguns Tribunais do sistema de Justiça começam a
buscar novas práticas, nos remetendo ao Depoimento Especial.
A primeira experiência de escuta especial de criança no Brasil se deu no ano de 2003
em Porto Alegre, pela audiência do Projeto Depoimento sem Dano, introduzido naquele
Tribunal pelo Desembargador José Antônio Daltoé Cezar, que à época, era Juiz da comarca
de Santa Maria. Ele relata que sua busca por um novo modelo de audiência teve início
quando, ao ingressar na magistratura, teve que ouvir uma menina de sete anos de idade que
supostamente era abusada sexualmente por seu padrasto. Durante aquele depoimento, pouca
ou nenhuma informação foi obtida, pois a criança “balbuciava alguns sons que não eram
passíveis de serem entendidos”25
. Ainda segundo o Desembargador Daltoé, restou-lhe como
recordação daquele momento o desconforto, demonstrado pela criança naquele ambiente, e
após uma sucessão de experiências como esta, iniciou sua busca por alternativas de escuta
judicial, nas quais os depoimentos fossem colhidos de forma mais acolhedora e o resultado
24
CEZAR, José Antônio Daltoé. Atenção à criança e ao adolescente no judiciário: práticas tradicionais em
cotejo com práticas não revitimizante (depoimento especial). In: SANTOS, Benedito. Rodrigues dos et al
(Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos:
Guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e adolescentes. Brasília: Editora da Universidade
Católica de Brasília, 2014. p. 260. 25
CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem Dano/Depoimento Especial – treze anos de uma prática
judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de Crianças e
Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2016.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
fosse mais satisfatório para o sistema de justiça.
O novo modelo que foi adotado por aquele Tribunal contava com a utilização de
videoconferência e teve como base, fontes acadêmicas já existentes, com o intuito de mudar a
forma tradicional de inquirição, incluindo-se nela o rapport, o relato livre, evitando a
possibilidade de perguntas diretas e valorizando, além da palavra, todas as formas de
expressão utilizadas pela criança para se comunicar, como por exemplo os gestos, os sinais e
o olhar. Era o início de uma mudança de paradigma no Brasil em relação ao depoimento de
crianças e adolescentes, vítimas e testemunhas. Em 2007, no dia 18 de maio, data simbólica
para o enfrentamento e o combate à violência sexual praticada contra crianças e adolescentes,
o Projeto Depoimento sem Dano estava sendo apresentado em Brasília por seu idealizador,
Juiz José Daltóe, quando ganhou uma parceira da ONG Childhood Brasil26 para participar do
seu desenvolvimento. Várias ações se seguiram nesse sentido, entre elas destacamos a
elaboração de um cronograma de viagens para o exterior a fim de que se conhecesse in loco as
práticas existentes em outros países e a vinda para o Brasil de profissionais com
reconhecimento internacional nessa matéria que apresentaram as experiências de seus países e
contribuíram para a capacitação de técnicos judiciários que trabalham no depoimento judicial
de crianças vítimas de violência e a publicação, em 2014, do livro Escuta de Crianças e
Adolescentes em Situação de Violência Sexual: Aspectos Teórico e Metodológicos27
.
O interesse do Poder Judiciário brasileiro na utilização de técnicas voltadas para o
depoimento de crianças vítimas ou testemunhas de violência ficou evidente com a aprovação,
pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ –, da Recomendação 33/201028
, determinando que
que todos os Tribunais de Justiça do país adotem serviços especializados para realização dessa
escuta judicial, por meio de uma metodologia cientificamente testada, objetivando preservar a
criança e o adolescente vítima ou testemunha da violência, minimizando sua revitimização e
contribuindo para fidedignidade do depoimento prestado. A Recomendação ressalta cuidados
a serem observados para realização do procedimento29
.
26
Instituição ligada à World Childhood Foundation, organização internacional criada em 1999 pela Rainha
Sílvia da Suécia para proteger a Infância. 27
Cf. CEZAR, José Antônio Daltoé, op. cit., p. 24-26. 28
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 33, de 23 de novembro de 2010. Recomenda aos
Tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência nos processos judiciais. Depoimento Especial. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?
documento=1194>. Acesso em: 13 abr. 2017. 29
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ Serviço: como funciona a sala de depoimento especial para
crianças? Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80702-cnj-servico-como-funciona-a-sala-de-depoimento-especial-para-
criancas>. Acesso em: 18 maio 2017.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
Um artigo, escrito em agosto de 2016 pela Associação dos advogados de São Paulo,
sobre as salas de depoimento especial, apresenta um levantamento realizado pelo Conselho
Nacional de Justiça mostrando que 23 Tribunais de Justiça brasileiros já haviam, naquela data,
instalado espaços adaptados para escuta de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas
de violência, contando com 124 salas de depoimento especial. Esse total indicava um aumento
de 285% desde 2011, quando um levantamento da ONG Childhood Brasil identificou 40
unidades em 16 estados, até a data da publicação do artigo. O escrito também cita o gerente da
ONG Childhood, Itamar Gonçalves, que, manifestando-se sobre a relação entre o número de
salas de depoimento especial implantadas e a Recomendação n° 33, do CNJ, disse: “O
número cresceu exponencialmente no ano seguinte à recomendação. Isso demonstra o quanto
o CNJ foi significativo. Até 2010, só tínhamos notícia de três salas”30
.
O investimento que vem sendo feito no país em torno do reconhecimento do
depoimento especial, como forma de garantir o direito de manifestação de crianças e
adolescentes em juízo sobre todas as questões referentes à sua vida, considerando as
peculiaridades de sua condição de sujeito em desenvolvimento, foi consagrado no dia 04 de
abril de 2017 com a sanção pelo Presidente da República do Brasil do Projeto de Lei da
Câmara PLC 21/2017, que passou então a vigorar como Lei Federal n° Lei 13.431 de 4 de
abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes
vítimas e testemunhas de violência e consolida o depoimento especial como o meio a ser
utilizado na oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante
autoridade judiciária (art. 4°).
O artigo “Direitos das crianças e adolescentes são ampliados com nova Lei Federal”31
versa sobre a Lei 13.431/2017, e destaca que ela determina a escuta protegida, garantindo
maior proteção para crianças e adolescentes, ao estipular que o seu depoimento seja realizado
em um ambiente acolhedor e que seja gravado, evitando o processo de revitimização. A Lei,
diz o artigo, estabelece dois tipos de procedimentos: a escuta especializada, “quando ocorre
nos serviços de saúde e assistência social onde a criança será atendida”, e o depoimento
especial, “quando a criança então fala o que aconteceu, mas num ambiente acolhedor, por
profissional capacitado no protocolo de entrevista”. Fica então, através desta Lei, legitimada a
30
ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. CNJ - Salas especiais para ouvir crianças e
adolescentes chegam a 23 tribunais. São Paulo, 2016. Disponível em:
<https://aasp.jusbrasil.com.br/noticias/368108847/cnj-salas-especiais-para-ouvir-criancas-e-adolescentes-
chegam-a-23-tribunais>. Acesso em: 13 abr. 2017. 31
CHILDHOOD BRASIL. Direitos das crianças e adolescentes são ampliados com nova Lei Federal.
Disponível em: <http://www.childhood.org.br/direitos-das-criancas-e-adolescentes- sao-ampliados-com-nova-
lei-federal>. Acesso em: 13 abr. 2017.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
prática de depoimento especial que já vem sendo utilizada por diversos Tribunais no Brasil,
trazendo ainda algumas inovações, como por exemplo, a possibilidade de que a escuta seja
realizada em sede de produção antecipada de prova judicial em determinados casos, e que em
regra não haja a tomada de novo depoimento (art. 11).
O Depoimento Especial é regido por diferentes protocolos, os quais já foram testados e
aprovados em diversos países, com pesquisa científica que garante a realização da entrevista
de maneira tranquila com a obtenção de dados sobre o evento que está sendo investigado com
informações de qualidade, informações com mais detalhes e fidedignidade. Segundo Vanea
Maria Visnievisky, entre os protocolos mais utilizados destacam-se a entrevista cognitiva, o
Protocolo de Entrevista Investigativa Estruturada do National Institute of Child Health and
Human Development (protocolo NICHD), o protocolo de Entrevista Forense da organização
não governamental Americana Corner House (protocolo RATAC) e protocolo forense do
National Children’s Advocacy Center (Entrevista Forense Estendida NCAC)32
. Vanea
Vnieviski explica ainda que os protocolos podem se diferenciar em alguns momentos na fase
de transição, da apresentação para iniciar na recuperação da memória, mas possuem pontos
em comum, como por exemplo, o rapport (estabelece empatia com o entrevistado), a narrativa
(baseada na evocação da memória), o fechamento da entrevista (momento importante para
que o entrevistado saia de maneira mais confortável do procedimento depois de ter falado
sobre um acontecimento que lhe foi tão dolorido), a utilização de perguntas abertas em
detrimento de perguntas fechadas ou múltiplas para evitar sugestionabilidade (informação
verbal).
Alguns cuidados devem ser observados para a realização da audiência especial para
oitiva da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência. Vanea Visnieviski
salienta a importância de se ter cuidado com o mandado de intimação, a intervenção do oficial
de justiça como representante do Poder Judiciário, a utilização de materiais, como cartilhas ou
folders com uma linguagem simples dirigida à criança ou ao adulto responsável com
orientações sobre o depoimento especial, a recepção da criança ou adolescente e de seu
responsável, a preparação para o depoimento e a coleta do depoimento33
. Em relação aos
profissionais que atuam no depoimento especial, a autora enfatiza a necessidade de possuírem
32
Tema abordado em aula ministrada por Vanea M. Visnieviski no Curso Depoimento Especial e a Escuta de
Crianças no Sistema de Justiça, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, de 25 de abril a 03 de junho de
2016, na modalidade EAD. 33
VISNIEVISKI, Vanea Maria. A preparação da criança e do adolescente para a entrevista na fase de instrução
processual. In: SANTOS, Benedito Rodrigues dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação
de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de
crianças e adolescentes. Brasília: Editora da Universidade Católica de Brasília, 2014.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
capacitação técnica e competências pessoais, relacionando competências técnicas com: a)
formação acadêmica em áreas que possibilitem conhecimento, por exemplo, acerca do
desenvolvimento geral de crianças e adolescentes e de dinâmica das situações de violência, b)
estar preparado para o trabalho interdisciplinar, c) treinamento específico para conduzir a
entrevista. Competências pessoais, ainda segundo a autora, compreendem capacidade de se
relacionar, se comunicar e apoiar a vítima ou testemunha bem como seu responsável. É
necessário que o profissional mantenha estabilidade emocional e que seja capaz de abordar,
ouvir e intervir em situações com histórias muito difíceis de sofrimento.
Como vimos neste capítulo, o primeiro Tribunal de Justiça no Brasil a instalar uma
sala para escuta especial de crianças e adolescentes vítimas de violência foi o Tribunal do Rio
Grande do Sul, em 2003. A partir de então, outros Tribunais implantaram o Depoimento
Especial em suas unidades judiciais, entre eles o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
5 O NÚCLEO DE DEPOIMENTO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Em 2015, conforme mostrado na estatistica oficial do Departamento de Informações
Gerenciais (DEIGE), o Judiciário fluminense recebeu 2.829 processos de crimes sexuais
contra crianças e adolescentes. Desse total, 588 foram distribuídos na Comarca da Capital.
Em 17 de outubro de 2012, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro instituiu
o Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, através do Ato
Normativo 4297/201234
.
Conforme estabelecido no documento acima, o NUDECA tem por finalidade: auxiliar
os juízes da comarca da Capital em competência de família e infância e juventude, em
processos em que haja suspeita de violência contra criança e adolescente ou ainda alienação
parental; assessorar juízes da comarca da Capital, com competência criminal na colheita de
provas testemunhais em ações penais em que crianças e adolescentes sejam vítimas ou
testemunhas de violência; estabelecer com o Ministério Público, a Defensoria Pública, a
Polícia Civil, o Conselho Tutelar, as Secretarias de Saúde, e outros órgãos governamentais e
não governamentais, um fluxo coordenado de ações que evite a revitimização de crianças e
adolescentes. O Ato Normativo define ainda que o NUDECA esteja vinculado à Divisão de
34
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo n° 4.297, de 17 out. 2012.
Institui o Núcleo de depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, no âmbito do Poder
Judiciário, e dá outras providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 19 de out. 2012.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
Apoio Técnico Interdisciplinar da Corregedoria Geral de Justiça – DIATI35
–, que neste caso
possui a atribuição de analisar se os casos apresentados pelos Juízes solicitantes do
Depoimento Especial estão de acordo com a normativa, organizar as pautas de audiência das
salas de depoimento especial, comunicando aos Juízos solicitantes as datas designadas, dar
ciência aos profissionais que procederão à escuta informando a data, horário e a sala onde a
audiência será realizada, elaborar a minuta da revisão do protocolo, dirimir questões de cunho
administrativo e assegurar o encaminhamento do entrevistado e seus familiares aos programas
de apoio e proteção da rede municipal e estadual.
O sistema de depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de
violência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi regulamentado pelo Ato Normativo
Conjunto n° 09/2012, o qual estabelece suas rotinas administrativas e técnicas e designando o
Juiz Auxiliar da Corregedoria responsável pela Divisão de Apoio Técnico Interdisciplinar –
DIATI – para decidir os casos omissos na normatização36
.
Os procedimentos pelos quais o Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e
Adolescentes “viabiliza o preparo e a execução do depoimento especial, assessora os Juízes
na oitiva de crianças e adolescentes e apoia os profissionais da equipe técnica interdisciplinar
na atuação como entrevistadores do Depoimento Especial”37 são estabelecidos pela Rotina
Administrativa (RAD) da Diretoria Geral de Administração do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, a qual se aplica não somente ao NUDECA. Ela também fornece
orientações para servidores das demais unidades organizacionais que tem interfaces com este
processo de trabalho.
O item 5 da Rotina Administrativa acima é denominado “Responsabilidades Gerais”, e
estabelece as funções que compõem o NUDECA, discriminando a responsabilidade de cada
uma delas. São as seguintes funções:
Diretor de Divisão de Apoio Técnico Interdisciplinar da Diretoria Geral de
Administração, responsável pelo planejamento, supervisão e orientação dos
procedimentos do NUDECA.
35
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo Conjunto n° 49, de 24 set.
2013. Resolvem alterar os Artigos 2°, 3° e 4° do Ato Executivo n° 4297/2012. Diário da Justiça Eletrônico do
Estado do Rio de Janeiro, 26 de set. 2013. 36
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Normativo Conjunto n° 09, de 27 nov.
2012. Regulamenta o sistema de depoimento especial de crianças e adolescentes, a ser realizado em ambiente
separado da sala de audiências, com participação de profissional especializado para atuar nessa prática, e dá
outras providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 28 de nov. 2012. 37
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RAD-DGADM-046. Preparar e Apoiar o
Depoimento Especial de 10 nov. 2014. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/2080900/RAD-
DGADM-046-REV-0.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
Chefe do Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes, responsável: a)
pela análise das solicitações agendamento de Depoimento Especial com emissão de
parecer quanto à pertinência da realização; b) pela coordenação e apoio das atividades
necessárias à execução dos processos de trabalho do Núcleo de Depoimento Especial;
c) pelo levantamento e exame dos dados estatísticos e colaboração na proposição de
diretrizes de trabalho; d) pelo exame e avaliação da medição dos resultados dos
indicadores operacionais estabelecidos; e) pelo encaminhamento semestral à Direção
da Divisão da síntese dos dados estatísticos; f) pela elaboração de propostas de
formação continuada dos profissionais que atuem como entrevistadores junto ao
NUDECA, conforme as demandas e as diretrizes éticas e técnicas definidas; g) pela
busca junto à administração superior, à ESAJ (Escola de Administração Judiciária) e
outros agentes de capacitação dos meios para a execução da proposta de formação
continuada; h) pela manutenção dos arquivos do NUDECA.
Equipe de Apoio Administrativo é responsável: a) pelo apoio as atividades necessárias
ao agendamento e preparo dos depoimentos especiais; b) pela solicitação de material
de consumo específico, tais como DVD graváveis, capas de DVD, pilhas e baterias; c)
pela solicitação de reposição de lanche a ser fornecido, quando necessário, às crianças
e adolescentes atendidos; d) pelo cumprimento dos procedimentos de agendamento do
depoimento especial; e) por zelar para que as respostas do NUDECA sejam eficazes e
tempestivas; f) pelo apoio às atividades necessárias à realização do processo de
trabalho dos entrevistadores; e)pela manutenção dos arquivos físicos, eletrônicos e de
mídias eletrônicas do NUDECA (cópias dos DVD de gravação dos depoimentos
especiais); f)pelos equipamentos e instalações das salas de Depoimento Especial.
Entrevistador, é responsável: a) pela arrumação das salas, verificação da existência de
materiais a serem eventualmente utilizados e de que os equipamentos estão
funcionando; b) pela execução dos procedimentos de oitiva de crianças e adolescentes
no formato de Depoimento Especial, conforme diretrizes e etapas previstas nos Atos
Normativos Conjuntos nº 09/12 e 21/13; c) pela análise das demandas e problemáticas
apresentadas durante a realização do depoimento especial, comunicando a Chefia do
NUDECA; d) por sua participação do Grupo de Estudos do NUDECA, na revisão e
aperfeiçoamento do processo de trabalho.
As salas de escuta do NUDECA possuem a seguinte infraestrutura: um circuito interno
de TV (transmite o depoimento para sala de audiências), microfones, pontos de som ou
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
telefones (fazem a interação com a sala de audiências), boa luminosidade e isolamento
acústico para obter boa qualidade nas gravações. Possui duas cadeiras tipo ferradura, que além
de auxiliar na contenção da criança, cria uma atmosfera mais aconchegante. As cadeiras são
dispostas em posição diagonal (posição de relógio tipo “dez para as duas”) permitindo um
contato frequente de olhar do entrevistador com a criança, mas evitando uma postura frente a
frente que pode causar uma intimidação e dificuldade para falar. É importante também dispor
água e lenço e um banheiro de fácil acesso. Não possui muitos brinquedos disponíveis, estes
ficam na sala onde é realizada a fase do depoimento chamada Recepção.
Com isso, passamos a descrever o funcionamento do NUDECA, conforme
estabelecido nos artigos do Ato Normativo Conjunto n° 09/2012, destacando alguns
procedimentos que são pormenorizados nos itens da RAD-DGADM-046.
A solicitação para utilização da sala de depoimento especial deve ser encaminhada ao
NUDECA, por malote digital, com antecedência mínima de dez dias. Na solicitação deve
constar telefone da serventia ou do gabinete para contato do NUDECA a fim de definir a data
da audiência, além de estar acompanhada de cópias digitalizadas da petição inicial) ou
denúncia, queixa, requerimento de produção antecipada de provas) e, quando presente nos
autos, registro de ocorrência, laudo do IML e estudos técnicos. A equipe técnica desse setor
emitirá um parecer38 a respeito da pertinência da oitiva da criança no formato do Depoimento
Especial levando em conta a idade da vítima, decurso do tempo entre a data do fato e a data
da audiência, eventuais oitivas anteriores sobre o mesmo fato, indícios ou notícias de
alienação parental. É realizada uma verificação no banco de dados do NUDECA sobre oitivas
anteriores no mesmo formato (Artigo 1°, caput e §§ 1° e 2°). Sobre a solicitação de
agendamento e elaboração de parecer, a RAD-DGADM-046, nos itens 7.1 e 7.2, determina
ainda que os documentos enviados pela vara solicitante sejam salvos no NUDECA, em pasta
virtual individual da criança ou adolescente e que o parecer deve ser elaborado tomando como
referência o Ato Executivo n° 4.297/12 e os Atos Normativos Conjuntos n° 09/12 e 21/13.
Cabe ressaltar que o Depoimento Especial não substitui as avaliações psicológicas e
sociais, sendo possível ouvir a criança e o adolescente no NUDECA e o núcleo familiar em
sede de avaliações requeridas pelo Juízo ao longo do processo judicial. Em alguns processos,
a avaliação se faz necessária, como por exemplo, quando há alienação parental. Nesses casos
a avaliação é importante, não somente para diagnosticar a alienação, mas para fornecer
38
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Normativo Conjunto n° 21, de 24 set.
2013. Resolvem alterar o Artigo 1° e seus parágrafos 4° e 6°; os parágrafos. 1° e 2° do artigo 2°; e os parágrafos
2°, 3° e 10° do artigo 3°; e 8° do Ato Normativo Conjunto 09/2012. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do
Rio de Janeiro, 25 de set. 2013.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
subsídios ao magistrado visando a aplicação de medidas protetivas legais39
.
Em relação à solicitação, o item 7.3 da RAD-DGADM-046 salienta ainda que, caso
seja considerado pertinente tal ato, a Coordenação envia um e-mail ao Juiz solicitante com
cópia para a respectiva Vara, com a confirmação do agendamento. No entanto, se a realização
da audiência no formato depoimento especial for contraindicada, a Coordenação do
NUDECA encaminha um parecer à Vara solicitante com as devidas justificativas. Se o Juiz
aceitar o parecer contraindicando o ato, anota-se a desistência. Na hipótese de o Juiz
solicitante não aceitar o parecer, e a equipe do NUDECA “avalie como absolutamente
prejudicial à criança ou adolescente a participação no depoimento”, o fato é submetido ao Juiz
Auxiliar da Corregedoria que é responsável pela DIATI. Nesse caso, há duas possibilidades: o
Juiz Auxiliar da Corregedoria pode reiterar o parecer do NUDECA, informando à Vara
solicitante e arquivando o processo, ou o Juiz Auxiliar da Corregedoria determina a realização
do depoimento especial e é dado prosseguimento nos procedimentos de agendamento, sendo
esclarecido à Vara sobre a ênfase a ser dada pelo entrevistador na etapa denominada
Recepção.
Quanto ao agendamento, o item 8 da RAD-DGADM-046 esclarece que ele está
condicionado à disponibilidade da sala para o dia e o horário solicitado bem como à
disponibilidade dos profissionais que atuarão na entrevista40
. Assim, o NUDECA faz essa
verificação e solicita por e-mail ao Departamento de Apoio aos Núcleos Regionais da
Corregedoria Geral de Justiça a publicação em Diário Oficial dos profissionais designados
para a atuação, com cópia para o Juiz Auxiliar da Corregedoria, informando ainda à serventia
e ao serventuário designado para o cumprimento do expediente sobre a data e o local,
enviando a este último os documentos recebidos pela Vara solicitante e cópia do parecer sobre
a pertinência da oitiva. Na fase de agendamento o NUDECA solicita ao Departamento de
Segurança Eletrônica e Comunicações da Diretoria Geral de Segurança Institucional
(DGSEI/DETEL), através de e-mail, a disponibilização de técnico de Áudio e Vídeo para
testagem e manuseio dos equipamentos eletrônico durante o depoimento especial. Por fim,
confirma, também via e-mail, junto ao Juiz e ao Cartório da Vara solicitante o agendamento
39 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Poder familiar e Guarda Compartilhada: novos
paradigmas do Direito e da Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 40
O entrevistador do NUDECA é um serventuário lotado em determinada Vara, na equipe técnica, que
desempenha as funções inerentes à sua lotação e, voluntariamente, atua no NUDECA. Dessa forma sua
disponibilidade está sujeita às funções de sua lotação. Em dezembro de 2016, a Corregedoria Geral de Justiça
expediu o AVISO CGJ Nº 1709 / 2016, convocando Analista Judiciário com especialidade (Assistente Social,
Psicólogo ou Comissário de Justiça, da Infância, da Juventude e do Idoso) para prestação de auxílio ao Núcleo
de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, sem prejuízo de suas funções.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
do depoimento especial.
A criança ou adolescente é intimada através de seu responsável legal, por meio de
mandado de intimação, no qual deve constar que ambos devem comparecer para o ato uma
hora antes da audiência. Tal instrumento deve estar acompanhado de cartilha explicativa da
sala de depoimento especial, fornecida pelo NUDECA às Centrais de Mandado (Artigo 1°, §
5°). Conforme definido no item 3 da RAD-DGADM-046, a cartilha é uma publicação
destinada à criança e ao adolescente e informa sobre a dinâmica do depoimento especial.
Sobre a técnica utilizada e profissionais que conduzem o depoimento especial, os
parágrafos 1° e 2° do artigo 2° estabelecem que a oitiva da vítima ou testemunha é realizada
com uso da técnica de entrevista cognitiva, realizada por integrantes da equipe
interdisciplinar, integrantes do quadro de serventuários do Poder Judiciário que se
disponibilizam voluntariamente para atuação no NUDECA, capacitados na técnica de
entrevista forense e nominados Entrevistador I e Entrevistador II. O primeiro, Entrevistador I,
recepciona a criança ou adolescente com seus acompanhantes, avalia as condições da criança
ou adolescente para participação no depoimento, e esclarece as dúvidas sobre o protocolo do
depoimento especial aos presentes na sala de audiências, permanecendo no local até a etapa
denominada “Fechamento”. O Entrevistador II é o responsável pelo desenvolvimento da
entrevista cognitiva na sala de depoimento especial, local em que faz contato com o
entrevistado imediatamente antes do início da audiência. Acerca dos profissionais acima
descritos, o item 3 da RAD-DGADM relaciona os Analistas Judiciários nas especialidades
Psicólogo, Assistente Social e Comissário de Justiça, da Infância, da Juventude e do Idoso
como Entrevistadores do NUDECA. Esses profissionais necessariamente cursam a
capacitação específica em técnica de entrevista cognitiva/investigativa e participam
efetivamente do Grupo de Estudos do Depoimento Especial da Divisão de Apoio Técnico
Interdisciplinar - DIATI/CGJ. Segundo o Provimento 20/201441
, o servidor que exerce a
função de entrevistador cumprirá expediente até três dias ao mês junto ao NUDECA, sendo
necessário que O NUDECA envie com antecedência, por e-mail, à serventia e ao serventuário
designado, a data para o cumprimento do expediente supracitado. O comprovante de
comparecimento será expedido pelo NUDECA e deverá ser exibido no órgão de lotação do
Servidor Entrevistador.
As Etapas do Depoimento Especial estão elencadas ao longo de todo artigo 3° do Ato
41
CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA. Provimento n° 20, de 31 mar. 2014. Define o Servidor
Entrevistador e dispensa das suas atividades para cumprir expediente junto ao NUDECA três vezes ao mês.
Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 14 de abril 2014.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
Normativo Conjunto n° 09/2012, quais sejam Planejamento, Preparação, Recepção, Rapport
ou Acolhimento Inicial, Apresentação do Protocolo, Recriação do Contexto, Questionamento,
Esclarecimento Final, Fechamento, Finalização.
Na etapa do Planejamento “os entrevistadores têm acesso aos autos a fim de obter as
informações prévias necessárias à coleta do depoimento” (Art. 3°, § 1°).
Na “Preparação”, os entrevistadores observam a arrumação das salas de escuta e de
audiência, se certificando da existência de materiais a serem eventualmente utilizados e do
funcionamento dos equipamentos. (Art. 3°, § 2°). Nessa etapa, eles se certificam também de
terem recebido o Termo de Consentimento de utilização do depoimento especial em
capacitações que deve ser apresentado à criança ou adolescente e seu responsável, o recibo da
cópia do DVD referente ao depoimento especial a ser assinado pelo serventuário da Vara que
o receba e as etiquetas das duas cópias do DVD em que fica gravado o depoimento especial.
Conforme descrito no item 9 da RAD-DGADM-046, estes três itens devem ser preparados e
impressos pela Equipe de apoio Administrativo do NUDECA.
A “Recepção” é realizada pelo entrevistador I e ocorre uma hora antes da audiência. É
o momento em que a criança ou adolescente e seu acompanhante são orientados sobre a
dinâmica do depoimento especial, abordando os direitos do entrevistado (ser ouvido, ser
ouvido em sala especial, ser esclarecido sobre os desdobramentos de seu relato, conhecer as
etapas deste procedimento, conhecer as pessoas que presenciarão a escuta). Nesta etapa ainda
é realizada a apresentação dos espaços e equipamentos que são utilizados, é prestada
informação sobre o sigilo das informações colhidas, o tempo de duração da escuta, e a não
permanência do responsável da criança ou adolescente na sala de escuta (exceto em hipóteses
excepcionais autorizadas pelo Juiz). Caso o entrevistador identifique alguma situação
especial, deve comunicar ao Juiz (Art.3°, §3°).
Com base em nossa experiência profissional, sempre que atuamos como
entrevistadores do NUDECA, observamos que a Recepção é um momento muito significativo
para a criança e o adolescente bem como para sua família. Ao chegarem ao setor demostram
ansiedade em relação à sua presença no Fórum e dúvidas em relação ao depoimento, mesmo
tendo recebido em casa a cartilha. A maioria quer saber de imediato se vai encontrar o
acusado naquele local. No início a conversa fica limitada aos esclarecimentos necessários,
mas em pouco tempo é comum que as crianças demonstrem estarem mais confortáveis,
direcionando seu interesse para outros assuntos neutros, como por exemplo, a decoração da
sala, o material de desenho e os livros e revistas que ficam à sua disposição na sala. Não raro,
eles se voluntariam a fazer um desenho para que seja fixado no painel que mantemos no local.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
Caso a audiência atrase, é disponibilizado um lanche para criança e seu acompanhante, assim
como água, caso sintam sede.
O “Acolhimento Inicial” ou “Rapport” é o primeiro contato do entrevistador II com a
criança ou adolescente realizado na sala de escuta. Nessa etapa os equipamentos de áudio e
vídeo estão desligados. O entrevistador utiliza perguntas abertas e não ligadas ao objeto da
entrevista com o intuito de conhecer a linguagem e a capacidade narrativa da criança ou
adolescente. Dessa forma, cria uma atmosfera satisfatória e engaja o depoente para o início do
depoimento. Concomitante a esta fase, ocorre a “Apresentação do Protocolo”, etapa em que o
Entrevistador I dirige-se à sala de audiências e esclarece os presentes sobre o protocolo
utilizado para colheita do depoimento, permanecendo naquele local até a etapa do
Fechamento (Art. 3°, §§4° e 5°).
Na prática, observamos que, algumas vezes, no início do Rapport, quando a criança
sai da sala de recepção e vai para sala de escuta, sua expressão facial demonstra uma certa
ansiedade. À medida em que iniciamos a conversa abordando um assunto neutro e do
interesse do depoente, a tensão diminui novamente e em pouco tempo a tensão inicial
diminui.
A etapa seguinte chama-se “Recriação do Contexto” e é o início propriamente dito do
depoimento, com os equipamentos de áudio e vídeo ligados. O Entrevistador II, com base nas
informações colhidas no Planejamento, procede à escuta, utilizando a técnica de entrevista
cognitiva, a qual consiste no relato livre do fato, sem interrupções. Dessa forma, além de se
respeitar a condição especial de sujeito em desenvolvimento do depoente, a este é permitido
exercer um papel ativo na entrevista. Cabe ressaltar que, em casos de crianças em idade pré-
escolar ou com limitação cognitiva, o entrevistador pode utilizar perguntas com múltiplas
opções (Art. 3°, § 6°).
Ao final da narrativa livre da criança, tem início o “Questionamento”. Caso
necessário, o Entrevistador II solicita informações adicionais sobre o relato a fim de retomar
aspectos que necessitam ser esclarecidos ou detalhados. O profissional não pode perder de
vista o respeito ao entrevistado, diante da situação peculiar em que se encontra. São utilizadas
ainda perguntas abertas ou de múltiplas opções (Art. 3°, § 7°).
Em seguida, o Entrevistador II sinaliza para sala de audiências, utilizando o telefone
ou posicionando o ponto eletrônico auricular, o início da etapa seguinte, o “Esclarecimento
Final”. Nessa fase, os presentes na sala de audiências formulam perguntas que são
transmitidas pelo Juiz ao Entrevistador II, através de ponto eletrônico auricular ou telefone. O
Entrevistador II adequa as perguntas à capacidade de entendimento da criança/adolescente,
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
evitando constrangimento ou sofrimento (Art. 3°, § 8°).
A etapa seguinte é o “Fechamento”, quando o Entrevistador II encerra o depoimento
formal, direcionando a entrevista para assuntos neutros, assim como acontece no Rapport.
Nesse momento o equipamento de áudio e vídeo é desligado (Art. 3°, § 9°).
Na “Finalização”, o depoente e seu responsável são atendidos por um dos
entrevistadores ou pelos dois juntos. Nessa etapa, deve ser expressado à criança ou
adolescente compreensão pelo esforço durante o relato. Deve também ser verificado, junto ao
responsável, como a família vem administrando os conflitos decorrentes do fato noticiado.
Caso seja preciso, os profissionais efetuam encaminhamentos para órgãos governamentais e
não governamentais que se façam necessários, consoante o princípio da proteção integral. Ao
final do atendimento, os entrevistadores alimentam a planilha estatística elaborada pelo
NUDECA com os dados do depoimento (Art. 3°, § 10).
No desempenho da função de entrevistadores, durante a Finalização, é comum
recebermos elogios de crianças e adolescentes sobre a decoração da sala onde são recebidos,
sobre o material disponibilizado e as atividades realizadas enquanto aguardam o início do
depoimento. Todos com quem conversamos, que já haviam participado de uma audiência
tradicional, dizem que a experiência no NUDECA foi melhor, que se sentiram mais à vontade
para falar sobre a violência sofrida e o fato de não haver risco de encontrar com o acusado
lhes dá tranquilidade. Os acompanhantes dessas crianças e adolescentes, na maioria das vezes,
aproveitam o momento da Finalização para agradecer a atenção que receberam.
Os depoimentos colhidos na sala de depoimento especial são gravados em dois DVDs,
os quais entregues aos entrevistadores pelo Técnico de Áudio e Vídeo na própria audiência.
Nos itens 9.7 a 9.9 da RAD-DGADM-046 está estabelecido que os entrevistadores têm a
responsabilidade de anotar na mídia, dados de identificação do depoimento realizado, fixar a
etiqueta de identificação na Capa do DVD e realizar a entrega de uma cópia ao serventuário
da Vara, mediante assinatura do recibo. O DVD somente sai da Serventia por determinação de
Instância Superior, dando-se ciência ao Juiz. Advogados, Defensores Públicos e Promotores
de Justiça podem assistir o DVD na sala de audiência do Juízo, sendo necessário requerimento
com antecedência mínima que permita a disponibilização do equipamento (Art.6°).
O depoimento colhido na sala de depoimento especial servirá como prova emprestada,
mediante fornecimento de cópia do DVD pelo Juízo que participou da produção de prova,
com intuito de evitar a revitimização da criança ou adolescente. O Juízo que requisitou a
prova deve manter todas as cautelas estabelecidas para preservar a integridade do depoente
(Art. 7°).
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
Ao final de todo procedimento, em atenção aos itens 9.10 a 9.12 da RAD-DGADM-
046, os entrevistadores entregam na sala administrativa do NUDECA o Termo de
Consentimento, a cópia do DVD, o recibo assinado pela Vara e a Ficha Individual de
depoimento realizado para arquivamento e preenchimento da planilha de registro e
sistematização dos depoimentos especiais.
A primeira sala de depoimento especial implantada pelo Poder Judiciário do Estado do
Rio de Janeiro – PJERJ – foi inaugurada em outubro de 201242 e está localizada no Fórum
Central da Capital. No dia 08 de novembro do mesmo ano outra sala foi inaugurada43
, pelo
Poder Judiciário do Rio de Janeiro, no Fórum Regional de Madureira. A terceira a ser
implantada foi no Fórum de Teresópolis em 07 de dezembro de 201644
. Esta nova sala de
Depoimento Especial é a primeira a ser instalada no interior e atenderá demandas de todas as
comarcas do 3º Núcleo Regional (3° NUR), que incluem as Varas de Petrópolis, Fórum
Regional de Itaipava, Paraíba do Sul, São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis, Três Rios e
Sapucaia.
Em notícia publicada pela Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, a Coordenadora do NUDECA apresentou os dados estatísticos em relação aos
atendimentos realizados naquele setor, contabilizando 232 depoimentos especiais realizados
no ano de 2015, e 132 realizados no primeiro semestre de 2016, destacando que “as
estatísticas de processos que envolvem abuso sexual, estupro de vulnerável e alienação
parental é muito maior que isso. Esses dados citados são referentes ao formato de Depoimento
Especial”45
, indicando a vital importância deste método de depoimento.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste trabalho, demonstramos que ao longo da história, o paradigma da
42
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça inaugura sala de
Depoimento Especial para crianças e adolescentes. Disponível em:
<http://www.tjrj.jus.br/web/informativo/informativos-pjerj/-/informativos/visualizar/38703>. Acesso em: 01
maio 2017. 43
Idem. Sala de Depoimento Especial de crianças e adolescentes é inaugurada no Fórum de Madureira.
Disponível em:
<http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/104907?p_p_state=maximized>. Acesso em: 01
maio 2017. 44
Idem. Fórum de Teresópolis ganha sala para Depoimento Especial. Disponível em:
<http://www.tjrj.jus.br/ca/web/guest/home/-/noticias/visualizar/41025?p_p_state=maximized>. Acesso em: 01
maio 2017. 45
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Corregedora fala sobre Depoimento
Especial em evento promovido pela Emerj. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/ca_ES/web/guest/home/-
/noticias/visualizar/40507?p_p_state=maximized>. Acesso em: 05 maio 2017.
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
infância sofreu mudanças bastante significativas. Na antiguidade, os filhos eram considerados
propriedade de seus pais, sendo conferido a estes poder absoluto sobre sua prole. Não eram
consideradas as peculiaridades da criança em relação ao adulto. Esse cenário começou a se
modificar quando a atribuição de educar os infantes passou a ser responsabilidade da escola.
No entanto, questões sociais impediam que todas as crianças tivessem a oportunidade de
ingressar e permanecer naquela instituição, como por exemplo, as crianças oriundas de
famílias pobres, na vida das quais o trabalho tinha prioridade em prejuízo de sua formação
escolar.
Entre os séculos XIX e XX dois eventos influenciaram a economia mundial com
efeitos desastrosos para a população infanto-juvenil, A Revolução Industrial e a Primeira
Guerra Mundial. No primeiro evento, as indústrias utilizavam a mão de obra infantil em
terríveis condições de trabalho. No segundo, muitas crianças ficaram abandonadas em razão
da morte de seus pais.
Aumentava cada vez mais a violação dos direitos de crianças e adolescentes no
mundo, levando a sociedade internacional a reconhecer que essa população necessitava de
atenção especial que as defendesse dos danos causados por situações de risco. Nessas
circunstâncias, vários documentos internacionais reconhecem e ampliam os direitos das
crianças e adolescentes. Nessa mesma sintonia, o Brasil inicia uma mudança de
posicionamento em relação ao direito da criança e do adolescente com a promulgação do
Código de Menores (1926), Código Mello Mattos (1927), Código de Menores (1979).
O grande marco no ordenamento jurídico brasileiro na garantia e ampliação de direitos
da população infantojuvenil é, sem dúvida alguma, a Constituição Federal de 1988, que
prioriza a dignidade da pessoa humana e confere à crianças e adolescentes o status de sujeitos
de direito, estabelecendo a Doutrina da Proteção Integral e a Prioridade Absoluta em favor de
crianças e adolescentes na concretização de direitos fundamentais. Estas garantias
constitucionais foram efetivadas através do Estatuto da Criança e Adolescente, promulgado
em 1990.
A nova condição da criança e do adolescente no Brasil resultou em vários direitos
antes ignorados, entre eles o direito de manifestação de crianças e adolescentes em juízo sobre
todas as questões referentes à sua vida, sem desconsiderar sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. Esse desafio levou os Tribunais de Justiça brasileiros a buscar uma forma
de escuta judicial em forma de entrevista, tendo por base protocolos testados cientificamente e
aprovados, realizadas por profissionais qualificados, em ambiente acolhedor, oferecendo
segurança, privacidade e conforto ao entrevistado, conforme Recomendação n° 33/2010 do
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.
CNJ. Esta recomendação se transformou em determinação por força da Lei n° 13.431/2017.
Nesse contexto, através do Ato Normativo n° 4.297/2012, o Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro implantou o Núcleo de Depoimento Especial pelo Poder Judiciário
do Estado do Rio de Janeiro, para atuar na escuta judicial de crianças e adolescentes vítimas
ou testemunhas de violência como forma de minimizar a revitimização da criança e contribuir
para que o depoimento seja o mais fidedigno possível.
Este trabalho, longe de esgotar o assunto, procura demonstrar a essencialidade do
Depoimento Especial e sua conformidade com o regramento constitucional e legal no que
tange à proteção da criança e do adolescente.
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outras providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 28 de nov.
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seus parágrafos 4° e 6°; os parágrafos. 1° e 2° do artigo 2°; e os parágrafos 2°, 3° e 10° do
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guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e adolescentes. Brasília: Editora
da Universidade Católica de Brasília, 2014.