A multifacetada mulher sertaneja
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A multifacetada mulher sertaneja
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Ano 8 • nº 1549
Junho/2014
Ibaretama
“A vida só é possível reinventada.”
(Cecília Meireles)
Ser multifacetado é reconhecer-se como um
ser múltiplo e dinâmico, em constante evolução e
movimento. Ter várias faces, nesse caso, não é
fingir ser outro, mas reinventar-se a cada dia, é
sentir-se, como diz o poeta Alberto Caeiro,
nascido a cada momento para a eterna novidade
que é o mundo e sentir-se capaz de ser o que
quiser.
Mulheres possuem o dom de serem
múltiplas, realizam várias atividades ao mesmo tempo e conseguem arrumar tempo para tudo.
Algumas pessoas teimam em dizer que mulheres são frágeis, mas isso é conversa para boi
dormir. Basta passar o dia observando a vida de uma delas e será fácil desconstruir essa ideia. No
Semiárido brasileiro, milhares de mulheres diariamente mostram que “sexo frágil” não existe, o
que existe e ainda perdura são o machismo e o preconceito. Gilvânia Freitas é uma delas. Desde
pequena, Gil, como é conhecida pelos mais íntimos, ralou na vida para ajudar na criação dos
irmãos. Com a sabedoria do pai, aprendeu que amigos devem estar em primeiro lugar e que a
amizade é mais importante do que o dinheiro.
Nascida em Ibaretama, no Sertão Central do Ceará e filha de agricultores, Gilvânia já chorou
de sede por não ter um reservatório de água em casa. Com o seu envolvimento com a paróquia
de Ibaretama e por seu trabalho como catequista, ficou sabendo do Programa Um Milhão de
Cisternas – P1MC e ficou sem acreditar que
aconteceria de verdade. Mas, quando menos
percebeu, estava trabalhando como voluntária na
construção das primeiras cisternas. "Eu digo e torno
a afirmar, as pessoas têm que deixar de ver o salário,
tem que ver o que faz, o bem que tá fazendo. Eu fazia
voluntariamente, eu e as meninas, e nunca nos faltou
nada. A gente fazia cadastro, botava placa, tirava
foto", relembra Gilvânia.
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará
Realização Apoio
E com o trabalho voluntário de sete anos, Gil
ajudou a construir as primeiras cisternas do Centro de
Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador –
CETRA e viu os primeiros sorrisos e a gratidão de
milhares de famílias, que receberam mais que um bem,
ganharam vida.
Quando entrou na Comissão Municipal de
Ibaretama, o Padre da paróquia exigiu que Gilvânia
fizesse o curso de pedreiros para ficar por dentro do
processo e para ter o direito de reclamar caso encontrasse algo errado. Depois desse
empurrãozinho Gil não parou mais, tempos depois participou de um curso de cisterna-enxurrada
e sempre busca se aprofundar no que faz. "Eu acho que o conhecimento é fundamental na vida da
pessoa, não tem sabedoria melhor do que você ter conhecimento, não tem dinheiro no bolso que
pague. Você tendo conhecimento, você tem tudo", afirma Gilvânia. Em 2013, a sertaneja
arretada se tornou instrutora de GAPA - Gestão de Água para Produção de Alimentos do Instituto
Antonio Conselheiro - IAC e sempre acrescentava algo a mais nos seus cursos, nunca deixava de
levar um texto para reflexão e tocava bastava no desperdício de água e no uso de agrotóxicos.
Com o seu jeito carismático e sua força de trabalho, Gilvânia conquista amigos por onde passa, e
em um de seus cursos, teve um dos momentos mais bonitos da sua vida. "Um dos momentos
mais especiais que eu tive, foi na comunidade Bom Jardim, os meninos leram um texto, me
botaram no meio de uma roda e me deram um banho com rosas. Eu nunca vou esquecer disso,
com pétalas de rosas", relembra emocionada.
Atualmente, Gilvânia é animadora de campo da mesma instituição em que dava GAPA e
considera o seu trabalho uma verdadeira missão. “Eu amo o que eu faço, Deus me deu o melhor
trabalho. (...) Eu tenho um título que ninguém toma meu, quando a gente chega nas comunidades
o povo me chama logo de mulher da cisterna”, conta sorrindo.
Para a animadora de campo, a parte mais gratificante do seu trabalho é ouvir da família que
a cisterna já está pegando água e que a produção está indo em vento em popa graças à agua
armazenada e acredita que o animador (a) de campo é
fundamental para a família não desistir da empreitada e na
construção de cidadania. “O processo não deve terminar na
construção da cisterna, é preciso de assistência, o ser humano
precisa de incentivo”, defende Gil.
O grande sonho de Gil é ajudar as famílias que não possuem
uma cisterna a terem acesso à tecnologia e garantir água de
qualidade para todos. Para essa mulher cheia de sonhos e garra,
a ASA é um espaço onde o agricultor e agricultora podem se
expressar e um canal de luta e mudança e deixa o seu recado:
“Temos que lutar ainda mais para que a vida das famílias possam
melhorar".