A MULHER EXECUTIVA E SUAS RELAÇOES DETRABALHO...RAE AMULHER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO...

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ARTIGO A MULHER EXECUTIVA ,..., E SUAS RELAÇOES DE TRABALHO • Maria lrene Stocco Betiol • Maria José Tonelli Professoras de Psicologia do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV. * RESUMO: Este artigo analisa o desempenho da mu- lher executiva, assalariada, no trabalho.O estudo contesta algumas idéias sobre a atuação feminina, como, por exem- plo, a de que a mulher corre menos riscos do que o homem nos negócios. Aponta para o fato de que o "sucesso" não é uma demanda social para a mulher, assim como ele o é pa- ra o homem. Buscam-se, também, as razões da discrimi- nação da mão-de-obra feminina de alto nível, por parte das modernas organizações. Levanta a questão do desem- penho da mulher no atendimento da dupla demanda, isto é, administração do lar versus administração de negócios. * PALAVRAS-CHAVE: Desempenho de papéis da mu- lher executiva, discriminação da mulher nas organizações, imagem e sucesso profissional da administradora. * ABSTRACT: This paper analyses the performance of the executive, waged, woman in organizations. This stu- dy objects some ideas about female performance in orga- nizations, for exemple, they take less risks than men in business. It points out to the fact that "success" is not a social demand for women as it is for men. It searches the reason of discrimination from modem organizations against woman's working in high leveis. Analyses the way to face the double requirement in wo- man's life, that is, management at home and in the organi- zation. * KEY WORDS: The role-playing of the executive wo- man, discrimination against women in organizations, Revista de Administração de Empresas São Paulo, 31 (4): 17-33 Out./Dez. 1991 17 A mulher executiva e suas relações de trabalho

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ARTIGO

A MULHER EXECUTIVA,...,

E SUAS RELAÇOESDE TRABALHO

• Maria lrene Stocco Betiol• Maria José TonelliProfessoras de Psicologia do Departamento deFundamentos Sociais e Jurídicos da Administraçãoda EAESP/FGV.

* RESUMO: Este artigo analisa o desempenho da mu-lher executiva, assalariada, no trabalho.O estudo contestaalgumas idéias sobre a atuação feminina, como, por exem-plo, a de que a mulher corre menos riscos do que o homemnos negócios. Aponta para o fato de que o "sucesso" não éuma demanda social para a mulher, assim como ele o é pa-ra o homem. Buscam-se, também, as razões da discrimi-nação da mão-de-obra feminina de alto nível, por partedas modernas organizações. Levanta a questão do desem-penho da mulher no atendimento da dupla demanda, istoé, administração do lar versus administração de negócios.

* PALAVRAS-CHAVE: Desempenho de papéis da mu-lher executiva, discriminação da mulher nas organizações,imagem e sucesso profissional da administradora.

* ABSTRACT: This paper analyses the performance ofthe executive, waged, woman in organizations. This stu-dy objects some ideas about female performance in orga-nizations, for exemple, they take less risks than men inbusiness. It points out to the fact that "success" is not asocial demand for women as it is for men.

It searches the reason of discrimination from modemorganizations against woman's working in high leveis.Analyses the way to face the double requirement in wo-man's life, that is, management at home and in the organi-zation.

* KEY WORDS: The role-playing of the executive wo-man, discrimination against women in organizations,

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 31 (4): 17-33 Out./Dez. 1991 17A mulher executiva e suas relações de trabalho

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A MUIHER EXECUTWA E SUAS RELAÇÕES DE TRABAUiO RAE

1. FUNDAÇÃO CARLOSCHAGAS. Mulher Brasileira -Bibliografia Anotada 2. SãoPaulo, Brasiliense, 1981.

2. BRUSCHINI, M.C. Aranha."Mulher e Trabalho: umaavalia~ão da década da rnu-Iher 1975·1985)". Revistada undação Seade/SãoPaulo em Perspectiva, 2(1),jan/abr 1986.

3. BARROSO, Carmen Lúciade Melo & MELLO, GuiomarNamo de. "O acesso da mu-lher ao ensino superior bra-sileiro". Cadernos de PesoqUisa, (15):56-7, dez. 1975.

4. O GVPEC é um programada Escola de Administraçãode Empresas de São Paulo,da Fundação Getúlio Vargas(EAESP/FGV), composto deum conjunto de cursos pla-nejados para adaptação eaperfeiçoamento de executi-vos, conduzido pelo corpodocente da EAESP, que visaa ampliar o conhecimentodos processos administrati·vos e estim ular a produçãode novas idéias, para protís-sionais de diversas áreas.

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INTRODUÇÃO

Ocotidiano do trabalho em uma escola deadministração de empresas mostrou, aolado da literatura sobre mulher, mudan-

ças ocorridas no desempenho do papel damulher no mundo do trabalho.

Existe há muito tempo uma preocupaçãocom o trabalho extra-domiciliar da mulher,em especial da trabalhadora de baixa renda.Esta faixa tem sido "privilegiada" pelas pes-quisas, abrangendo temáticas variadas: vivên-cias, conflitos, discriminação etc.

A leitura da Bibliografia Anotada 2, MulherBrasileira', da Fundação Carlos Chagas, refor-çou o desejo de pesquisar especificamente o de-sempenho da mulher em postos de comando.

Bruschiní' comenta que existem condiçõesfacilitadoras para o desempenho profissionaldas mulheres das camadas média e superiorda população. Uma delas é a presença de in-fra-estrutura doméstica, suporte para que amulher possa exercer, com custos pessoaismenores, atividades no domínio público. Ou-tra condição se traduz pelo nível cultural. fa-tor que parece permitir disputas em condi-ções de igualdade, no mercado de trabalho.

Segundo referências do Serviço de Estatís-tica de Educação e Cultura do MEC, na déca-da de 70, houve uma duplicação percentualdas mulheres matriculadas no ensino supe-rior, na área de ciências econômicas e admi-nistração de empresas.'

Na Escola de Administração de Empresasde São Paulo (EAESP/FGV), verifica-se umabusca crescente pelos cursos de graduação emadministração, conforme demonstração na ta-bela 1.

Para os programas de Educação conti-nuada para Executivos-Cvf'Ec", da mesmainstituição, dentre a variedade de cursos ofe-recidos, foram destacados dois de seus pro-gramas: CIA (Curso Intensivo de Administra-ção) e RH (Curso de Administração de Recur-sos Humanos para Executivos), para exempli-ficar o aumento do número de mulheres.

Desses dois programas, levando-se emconsideração apenas o primeiro semestre leti-vo dos anos compreendidos entre 1985e 1989,

Tabela 1: Alunos matriculados na EAESP

obteve-se o total de 430 homens inscritos con-tra o total de 96mulheres.

A distribuição, em porcentagem, dessesnúmeros está ilustrada na tabela 2.

O fato de que tem havido um aumento sig-nificativo do número de mulheres nesses pro-gramas é indicativo de que as mulheres estãoassumindo postos de comando e de que asempresas estão investindo nas mesmas, jáque, em geral, são as empresas que pagam es-ses cursos para seus funcionários.

Parece, não obstante, que as mulheres aindaestão em desvantagem no que se refere a essetipo de investimento para formação. Para o to-tal de 430 homens inscritos nos cursos e perío-dos supra citados, 76,2% foram financiadospor suas respectivas empresas, contra o totalde 96mulheres inscritas e 62,5%financiadas.

Esse dado pode ser interpretado de duasmaneiras: de um lado, as empresas investemmenos em mulheres e mais em homens; deoutro, se as mulheres não recebem apoio insti-tucional, elas buscam superar estas lacunasinvestindo elas mesmas em sua formação pro-fissional.

A amostra foi selecionada entre os alunosdos dois programas já citados (CIA e RH),além do curso de Marketing para Executivos,todos eles cursando o primeiro semestre leti-vo de 1989.Esses cursos foram escolhidos pa-ra coleta de dados por serem representativospara o campo da administração.

Após manuseio das fichas de inscrição de to-dos os alunos daquele semestre, optou-se pelaescolha daqueles que pareceram mais adequa-dos para a amostra em função da posição queocupavam nas respectivas empresas, relaçõesde proximidade com a direção e/ou faixa sala-rial, quando havia este dado. Outro dado im-portante foi o estado civil; optou-se por ho-mens e mulheres, solteiros e casados, com ida-des variando de 25 a 36 anos. A razão da inclu-são de homens na amostra deveu-se ao fato deconstar da temática a avaliação que o executivofaz do elemento feminino que ocupa a mesmaposição que ele. Quanto à existência ou não defilhos, apesar de ser um dado significativo parao nosso trabalho, não foi possível uma seleçãoprévia, pois este dado não constava da ficha de

SEXO 1955/59 196{)/6~ 1970179 1980/89 TOTALF 001 0104 0811 1023 1939

M 212 1329 3242 2809 7592

TOTAL 213 1433 4053 3832 9531

A mulher executiva e suas relações de trabalho

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RAE A MULHER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Tabela 2: Distribuição anual de mulheres e homens inscritos no GVPEC (em%)

SEXO 1ºsem.1985 1ºSem.1986 1ºsem.1987 1ºsem.1988 1ºsem.1989

F 6,86 12,05 17,05 24,00 31,03

M 93,14 87,95 82,95 76,00 68,97

inscrição;ocasionalmente, verificou-seque umhomem entrevistado tinha um filho e nenhumadas mulheres entrevistadas tinha filhos.

Do questionário sernidiretivo norteadordas entrevistas, num total de 137questões, foidado destaque nas análises àquelas questõesque, próxima ou remotamente, tentavam res-ponder às indagações que surgiram no "pa-norama teórico".

Essas entrevistas foram gravadas com aaquiescência dos entrevistados e realizadasnas dependências da própria instituição(EAESP/FGV).

Durante o processo de análise de onze en-trevistas em profundidade (cada entrevistagravada teve, em média, duas horas de dura-ção), percebeu-se que a amostra tinha três ca-tegorias de profissionais: assalariados, herdei-ros e empreendedores. Estas informações nãoconstavam das fichas de inscrição mas consti-tuem-se importantes diferenciadores para afocalização de questões e ideologia na avalia-ção de pares ou subordinados. Optou-se pelaapresentação, neste artigo, das respostas dosentrevistados assalariados, em número de seis.

Apesar de o questionário ser unificado,percebeu-se, ao longo das análises, que cadaentrevista estava marcada por um "tom", res-saltando as peculiaridades dos entrevistados,que variaram dos mais entusiastas aos maisdepressivos.

Este trabalho é a resultante da interpretaçãodo conteúdo das entrevistas; como pesquisaexploratória, trabalhou-se com as percepçõesdos entrevistados. O pressuposto é o de queestas formas de perceber a organização são fa-tores determinantes das relações que os sujei-tos estabelecemcom as organizações.

Este estudo é uma tentativa de problemati-zar a inserção da mulher nas organizações elevantar questões pertinentes à atuação damesma em postos de comando de nível mé-dio, independentemente de suas origens só-cio-econômicas; verificar a repercussão dotrabalho da mulher e a possibilidade de vi-vência do feminino nas organizações sob aótica de homens e mulheres em postos de co-mando; analisar questões apontadas na bi-bliografia, tais como: medo do sucesso e to-mada de riscos e sua consonância com dadosda realidade pesquisada.

PANORAMA TEÓRICO DE ESTUDOSCONCERNENTES AO TEMA

A atividade feminina na força de trabalhobrasileira vem crescendo segundo os dadosdos censos demográficos de 1970 e 1980.Bruschini apresenta alguns motivos para ex-plicar esse aumento:

"... a aceleração do processo de desenvolvimentoeconômico expande o mercado de trabalho em geral,provocando também maior demanda por mão-de-obra feminina. De outra parte, a mudança nos va-lores relativos ao trabalho feminino e à difusão denovos padrões de comportamento facilita a ofertade trabalhadoras. A queda na fecundidade da brasi-leira e a ampliação de seus nioeis de escolaridadeatuam também na determinação deste movimento.Mas, o ingresso das mulheres no mercado de traba-lho também é explicado pela queda do nioei de ren-da real de grande parte da população brasileira naúltima década:"

Existe, ainda segundo Bruschini, citandodados da Fundação I.B.G.E.,correlação entreanos de estudo da mulher trabalhadora e ní-vel de inserção no mercado de trabalho. Noestado de São Paulo, por exemplo, os índicessão os seguintes: para nove anos ou mais deestudo, a inserção é de 60,3%e para mulheressem instrução ou com menos de um ano deinstrução, 23,8%.6

As mulheres que têm maior nível de esco-laridade poderiam, segundo a autora, estarapresentando essa correlação porque, primei-ro, a maior escolaridade implica em maiorespossibilidades de participação pela própriaconfiguração do mercado; segundo, porquemaior escolaridade está associada com menornúmero de filhos e maiores possibilidades deinfra-estrutura de apoio; finalmente, terceiro,porque maior escolaridade traz possibilida-des de trabalhos mais gratificante. Apesardessa abertura de mercado para mulherescom maior escolaridade, a autora conclui quese verifica a continuidade da discriminação,porque raramente as mulheres chegam a pos-tos de comando.

Analisando as condições de trabalho damulher universitária, Blaydiz que:

"As universitárias atuam principalmente nossetores administrativos ou em serviços de assistên-cia e saúde. Não são aproveitadas nos setores de

5. BRUSCHINI, M. C. Op.cit., p.43.

6. Idem, ibidem, tabela 5,p.44.

19A mulher executiva e suas relações de trabalho

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A MULHER EXECUTWA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO RAE

7. BLAV, Eva. "Trabalho In-dustrial X Trabalho Domésti-co - A ideologia do trabalhofeminino". Cadernos dePesquisa, (15), dez. 1975,p.9.

8. Idem, ibidem, p.13.

9. BRUSCHINI, M.C. Aranha."Mulher e trabalho: enge-nheiras, enfermeiras e pro-fessoras". Cadernos de Pes-quisa, (27), dez. 1978, p.10.

10. Idem, ibidem, p.17.

11. Ver: DEJOURS, Chris-tophe. A loucura do traba-lho. Estudo de Psicopatolo-gia do Trabalho. 2ª ed. SãoPaulo, Cortez Editora, 1987;e PITIA, Ana Maria Fernan-des. Hospital, dor e mortecomo ofício. São Paulo, Hu-citec, 1990.

12. BARROSO, Carmem Lú-cia de Melo & MELLO, Guio-mar Namo de. Op. cit.

13. BARDWICK, Judith &DOUVAN, Elisabeth. "Ambi-valence: socialization of hu-man". In: GORNIK, Vivian &MORAN, Barbara K. (orçs.)Human in sexist, New Vork,Signet, 1971, pp.147-59.

14. BARROSO, Carmem Lú-cia de Melo & MELLO, Guio-mar Namo de. Op. cit.; eBRUSCHINI, M.C.A. "Mulhere Trabalho: engenheiras, en-fermeiras e professoras" .Op.cit.

15. HORNER, Matina. SexDifterences in achievementmotivation and performancein competitive and non-competitive situations. Uni-versity Microfilms, Michi-gan, 1968.

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produção, mesmo quando muito bem preparadaspara isso" ...

" ...assim, a mulher universitária que trabalhana indústria ... não ocupa cargo de direção ou ge-rência"?

Segundo a autora, o papel da mulher, naépoca de sua pesquisa (1975),era questionadopela sociedade, sendo que estudo e trabalhorepresentavam formas inovadoras em relaçãoao "verdadeiro" papel da mulher, ou seja, ode esposa, mãe e dona-de-casa.

A autora constata que as entrevistadasmostravam atitudes mais favoráveis ao inícioda atividade profissional da mulher do que oshomens entrevistados. O casamento, porém, ea presença de filhos, sobretudo quando meno-res, eram fatores que impulsionavam a mu-lher a aceitar o afastamento e mesmo o aban-dono do trabalho extra-domiciliar.

Segundo a autora, "a trabalhadora não conse-gue libertar-se do modelo ideal de mulher domésti-ca, ideologicamente valorizada, e propor como al-ternativa novos comportamentos sociais ligados aotrabalho,"

Os dados apresentados na introdução des-te trabalho mostram uma evolução dessascondições.

A pesquisa de Bruschini parte da hipóteseque mulheres com distintas formações uni-versitárias teriam diferentes concepções sobreo trabalho e o papel que este assume em suavida.

A suposição era de que as mulheres quehaviam seguido carreiras consideradas pró-prias para o sexo masculino teriam um com-portamento fora dos padrões convencionais,vencendo preconceitos e sanções sociais. Aoestudar uma população constituída por enge-nheiras, enfermeiras e professoras, a pesquisainforma que estes grupos profissionais são di-ferentes e têm atitudes e comportamentos di-ferentes. Ao contrário do que se poderia su-por, é no grupo de engenheiras que se encon-tra o maior contingente de mulheres casadase com filhos.

A autora conclui que:"Parece que o fato de se dedicar a uma profissão

masculina não relegou estas mulheres a uma posi-ção de não realização de seus papéis femininos deesposa e mãe, pelo menos em comparação com asoutras profissionais."9

Por outro lado, na enfermagem, profissãotipicamente feminina, encontra-se a maiorporcentagem de mulheres solteiras e sem fi-lhos. Segundo a pesquisa, tanto engenheirasquanto enfermeiras se interessam pela carrei-ra e este entusiasmo das engenheiras pelaprofissão mostra "... que o afastamento da mu-lher de uma carreira tipicamente masculina, como

é o caso da Engenharia, sob a alegação de que elateria maior dificuldade em constituir famt1ia e emse dedicar a ela, não passa de um mito?"

A partir de pesquisas mais recentes sobrecusto psíquico do trabalho", podemos levan-tar a hipótese que a profissão de enfermagemexaure a profissional, não lhe restando ener-gia para investir em vida doméstica e filhos,cuja demanda emocional é igualmente fortepara a mulher.

A autora sugere que expectativas familia-res podem ter influenciado a escolha de car-reira e que, portanto, seria desejável um apro-fundamento sobre este tema.

Barroso e Mello" desenvolveram amplapesquisa sobre o "acesso da mulher ao ensino su-perior brasileiro", onde apontam, com profun-didade, questões da mulher no ensino superi-or e seu desempenho nos exames vestibula-res. Não obstante o desempenho feminino serpositivo e crescente durante o período escolar,se comparado ao desempenho masculino, nomomento da realização de concursos e exa-mes de ingresso, as mulheres têm desempe-nho desfavorável.

As autoras sugerem que as mulheres en-frentam uma situação de ambivalência frenteà realização profissional, ou seja, elas se con-frontam com o medo do sucesso. Parece quesucesso profissional pressupõe uma incompa-tibilidade com relacionamento afetivo e ma-ternidade. Citando Bardwick, as autoras con-cordam com sua afirmação de que "0 conflitofeminino entre ser competente e ser amada está portrás da ambivalência em relação ao trabalho fora dolar."13

Prosseguindo, dizem que os estereótiposacerca da competência e das inclinações damulher parecem ter papel importante tantona avaliação que ela faz de si mesma, comonas avaliações de outros.

As pesquisas de Barroso e Mello e Bruschi-ni" trazem dados que, aparentemente, nãosão convergentes. De um lado, Bruschiniaponta como um mito a incompatibilidadeentre papel matemo na família e o exercícioprofissional da mulher. Por outro, Barroso eMello, citando diversos autores, apontam oconflito existente entre ser uma profissionalcompetente e estabelecer relações afetivas es-táveis e maternidade. Essa aparente divergên-cia parece-nos ser devida à diversidade decontexto sócio-econômico-cultural das duaspesquisas.

Horner", em seus estudos com mulheresuniversitárias americanas, chega aos seguin-tes resultados: mais de 65% de mulheres uni-versitárias entrevistadas associam a realiza-ção da mulher, em atividades socialmente

A mulher executiva e suas relações de trabalho

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RAE A MULHER EXECUTNA E SUAS RELAÇÓES DE TRABALHO

consideradas masculinas, com ansiedade, cul-pa e conseqüências negativas do sucesso (per-da da feminilidade, rejeição social).

Comparativamente, homens universitáriosderam menos de 10%de respostas negativas àrealização profissional masculina. Essa pes-quisa deu origem à expressão "medo do su-cesso", cunhada por Horner. Como conse-qüência, o desempenho feminino em situa-ções competitivas parece ser pior do que emsituações não-competitivas.

Monahan, Kuhn e Shaver" fazem uma ré-plica ao trabalho de Horner ao sentirem difi-culdade de concluir se os resultados obtidospor Horner são devidos à dinâmica intrapsí-quica dos sujeitos ou a estereótipos culturais.

Ampliando os estudos, os autores concor-dam com um dos resultados de Horner, que osucesso da mulher em campos tradicional-mente masculinos envolve considerável nega-tividade e conflito. Por outro lado, parece queambos os sexos não vêem impedimentos parao sucesso masculino.

Como nessa réplica as respostas negativassão dadas por ambos os sexos em relação aosucesso feminino, isto reforça a idéia de umavariável cultural na determinação das avalia-ções.

Os autores, citando estudos recentes deKatz (Universidade de Stanford, sem data),indicam que o sucesso das mulheres, na visãodas próprias mulheres, em campos tradicio-nalmente femininos é bem visto.

Concordando com a psicanálise, Hornerafirma que as crenças são adquiridas na in-fância e resistentes à mudança. Monaham,Kuhn e Shaver, todavia, indicam que as res-postas negativas das mulheres diminuíramcom o aumento da idade, o que permite supormudança de atitude. Os autores colocam,também, a defasagem do tempo entre as duaspesquisas como um fator a ser considerado;houve neste período, 1970/74, uma crescenteatenção ao movimento feminista, reforçando,talvez, a idéia de que o medo do sucesso écultural.

Tecendo considerações sobre a psicanálisee o feminismo, Ferreira retoma os trabalhosde Freud e cita várias passagens em que ele,Freud, diz se sentir com dificuldade de saberqual o desejo da mulher. Em uma das citaçõesextraídas de Ernest [ones e colocada pelo au-tor, Freud diz:

"A grande pergunta nunca respondida, e que eupróprio nunca fui capaz de responder, apesar demeus trinta anos de pesquisa da alma feminina, é:O que a mulher quer?':"

Ferreira prossegue com a seguinte questão:"Será legítimo atribuir a Freud a intuição de

que, pelo discurso da razão 'masculina', o homemcontinuará desconhecendo a mutheri""

Segundo Ferreira, fica claro que a Psicaná-lise abriu caminhos sobre a questão da mu-lher, sobretudo quando destaca o problemada sexualidade reprimida e censurada ao lon-go dos anos, porém não elucida a conflitivamãe-mulher.

O autor prossegue:"A ordem social, política e religiosa opta pela

mãe e, a todo custo, a preserva, na escola, em casa,na cidade e na pátria. Essa produção é uma produ-ção masculina, cujo resultado é muito mãe e poucomulher. "19

Madel Luz20 discorre sobre a existência deuma crise nas representações sociais sobremasculino e feminino; enquanto participantede alguns debates sobre a questão feminina,constata a existência de certa ansiedade, co-mum a homens e mulheres. Essa ansiedadediz respeito à perda de pontos de referênciatradicionais sobre o que é ser homem ou sermulher hoje. Os pontos de referência tradicio-nais se perderam sem que novos pactos nasrelações homem-mulher tenham ocorrido.

A hierarquização de papéis estruturadadurante o século XIXentre homem e mulherencaminhou-se para uma divisão política en-tre domínio público e domínio privado.

"... com a atribuição ao homem do controle 'pú-blico' (participação nas decisões da sociedade polí-tica, na gestão da cultura e do trabalho), e, à mu-lher, do controle do 'privado' (gestão do lar, mani-pulação do corpo e da mente da prole através daeducação, manipulação do afeto do marido)"."

A autora prossegue dizendo que, em todoesse processo de construção social, com essadivisão de papéis, surgiu um conjunto de re-presentações sociais sobre masculino e femi-nino e lhe foi atribuído o caráter de "estruturanatural" .22

As contestações que se sucedem a esse mo-delo e as resistências à mudança vêm gerandoum clima passional e uma certa perplexidade,principalmente do público masculino, gerandouma crise nas representações, com a incapaci-dade de se criarem novas formas de relação.

As mulheres têm sido, através dos movi-mentos que têm criado, "0 elemento detonadorda crise ... uma vez que sobre elas é que recai o ônusmaior do pacto anterior","

Prossegue a autora:"a entrada das mulheres na produção, sobretudo

a partir da Segunda Guerra Mundial (das mulhe-res de estratos médios urbanos, diga-se de passa-gem, uma vez que as mulheres operárias aí estãodesde o século XIX, mesmo no Brasil), é um condi-cionamento apreciável, na medida em que cria o fe-nômeno da dupla jornada de trabalho da mulher,

16. MONAHAN, L.; KUHN,D. & SHAVER, P. "Intrapsy-chie versus cultural explana-tions of the 'fear of succes'motive". Journal of Peson-ality and social Psychology,29(1),1974.

17. FERREIRA, João Batista."Freud e o Feminismo: con-siderações". In: DA POIAN,C. (org.) Homem - mulher-abordagens sociais e psica-nalíticas. Rio de Janeiro, Liv.Taurus Ed., 1987, p.52.

18. Idem, ibidem, idem.

19. Idem, ibidem, p.58.

20. LUZ, Madel T. "Identida-de masculina-feminino nasociedade urbana brasileiraatual: crise nas representa-ções". In: DA POIAN, C.(org.). Op. cit.

21. Idem, ibidem, p.72.

22. Idem, ibidem, p.73.

23. Idem ibidem, p.79.

21A mulher executiva e suas relações de trabalho

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A MULHER EXECUYWA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO RAE

24. Idem, ibidem, idem.

25. Idem, ibidem, p.84.

26. Idem, ibidem, pp.85-6.

27. SULEROT, Evelyne. His-foria y SOCiolo~ia dei Traba-jo femenino. 2- ed. Barcelo-na, Ed. Península, 1988.

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elemento potencialmente implosivo das relações docaeai:"?

Além desse condicionamento forte, o aces-so ao direito de cidadania (voto, educação, di-reito de associação), os meios de comunica-ção, a contracepção etc. influenciam sobrema-neira esse movimento em busca de auto-afir-mação. Há uma exigência crescente do parti-lhamento do ônus da família, da presença afe-tiva do parceiro. Ao lado das antigas repre-sentações patriarcais existe agora a expectati-va de novos comportamentos femininos. Sur-ge a necessidade de melhor desempenho nassociedades industriais e aumenta a competi-ção que leva a mulher a se sentir "sobrecarre-gada de papéis", sem nenhuma compensação,ao nível pessoal, afetivo."

Se existem alguns homens de vanguardaque compartilham mais o ônus do lar e dos fi-lhos e aplaudem o sucesso das mulheres, exis-te também a permanência de antigas repre-sentações do masculino e feminino para mui-tas mulheres.

A mudança nas representações está amea-çada, segundo a autora, pela educação dadaaos filhos dentro do lar, reproduzindo os pa-péis do antigo pacto.

"Meninas estudam balé; meninos, judô. Meni-nos são agressivos, meninas meigas e delicadas.Meninas ajudam nas tarefas da casa, meninos jo-gam bola" ... "A superação do impasse atual nãopassa por modelos teóricos, mas pelas práticas no-vas que tanto homens como mulheres ousem en-frentar."26

E. Sulerot" desenvolve amplo estudo sobreo trabalho feminino. Destaca-se desta leiturauma descrição que a autora faz do significadodo trabalho para mulheres casadas de dife-rentes estratos sociais.

Assim, para as mulheres de baixa renda(operárias, camponesas) em que o trabalho éuma necessidade, instala-se um conflito entrea atividade a ser desempenhada para a sobre-vivência e a imagem estereotipada da mulherque existe nos meios de comunicação: mulheré dona-de-casa. A autora discorre sobre al-guns sentimentos característicos desse grupo:frustração e exclusão social pela comparaçãodessa mulher com a de outras classes sociais edentro do seu próprio grupo, em relação aoshomens, no pagamento por tarefas e pela acu-mulação das tarefas domésticas. Além disso,aparece o sentimento de culpabilidade comrelação ao lar, por estarem privando-o de suapresença e funções. Outro sentimento caracte-rístico, segundo E. Sulerot, é o de resignação:aceitação da monotonia das tarefas nas fábri-cas, como' única forma de trabalho que nãoacrescenta novas preocupações. Por outro la-

do, para essas mulheres, há a sustentação dosgrupos de pares: elas apreciam a camarada-gem, o riso e a descontração com outras com-panheiras; há também intensa dedicação aotrabalho, numa corrida contra si mesma.

O segundo grupo, a classe média, tem umavisão diferente de suas funções. A primeiracaracterística é que falam espontaneamenteque o dinheiro de seu trabalho não é impres-cindível. O destino do dinheiro é dado a bensde consumo, melhor futuro para a família.Portanto, o fruto do trabalho extra-domiciliarnão se destina à sobrevivência, mas ao incre-mento do bem-estar. Essas mulheres apresen-tam, segundo a autora, pouca ambição: estãosatisfeitas com o mero fato de trabalhar. Elassão mais racionais em atividades caseiras, "seviram bem", em que pesem os horários difi-cultosos; são excelentes mães de família, tra-balham pelos filhos.

A autora aponta ainda nesse grupo umadivisão, pois as mulheres cujas mães não tra-balhavam têm a idéia de que farão por seusfilhos ainda mais do que as mães fizeram porelas. Outra característica é a atitude ante a do-ença: parece que as mulheres desse grupo fi-cam menos doentes que as mulheres que fi-cam em casa.

O terceiro grupo visto pela autora é o demulheres que exercem profissões que lhesagradam, ou seja, parecem se enquadrar em"através do meu trabalho, me realizo". Suas tare-fas não têm fundamento econômico, é umgrupo minoritário, com ambição e interesseextremados pelo que fazem. Parece que nãose identificam com a imagem de mulher di-fundida na cultura de massa. Parecem terapoio dos maridos, preocupação com os fi-lhos, mas não se imaginam sem trabalhar.

A autora traz ainda idéias sobre as condi-ções do trabalho feminino e a vida privada:há maior hostilidade nas relações entre mu-lheres e homens da classe operária, porque oshomens já são tão explorados fora de casa quenão querem perder o único lugar em que sãoos primeiros; além disso, a idéia de trabalharfora vem acompanhada do temor de que ha-verá maior liberdade sexual, ficando as mu-lheres exageradamente independentes. Naclasse média, a oposição entre os cônjugesaparece maior quando estes são entrevistadosem separado. Além disso, a autora apontaque o significado do trabalho é diferente parahomens e mulheres: para o homem, o traba-lho é o inverso de liberdade, como então pen-sar que alguém que não precisa, queira traba-lhar? Assim, o problema que as mulheres en-frentam ao trabalhar tem origem fora de seulocal de trabalho.

A mulher executiva e suas relações de trabalho

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RAE A MUlHER EXECUTNA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Outra autora, Tânia Salem", analisa as rela-ções entre pais e filhos adultos, nos extratoseconômicos médios superiores. Ela procuracompreender como estão se processando osnovos papéis sexuais no domínio privado eno domínio público, isto é, quais papéis sofre-ram, verdadeiramente, modificações e quaispapéis permaneceram cristalizados.

A autora mostra uma clara distinção dosignificado do trabalho para homens e mulhe-res. Para os homens, o trabalho é autocentra-do, isto é, o homem define-o a partir de moti-vações pessoais. Para a mulher, a figura de"outros" é central na sua escolha, ou seja, ma-rido e filhos são parte essencial de sua pró-pria identidade.

Para os homens da geração mais velha estu-dados, o trabalho era o centro da vida e sua au-sência tinha como significadoa própria morte.

Para as mulheres da geração mais velha, otrabalho fora do lar significava "uma tentativade responder à crise de depressão, associada à faltade atividade, 'vazio' ...", aliadas à "perda de [un-ção no lar ocasionada, basicamente, pelo crescimen-to dos filhos".29 Em todos os depoimentos femi-ninos desse grupo, as figuras dos filhos e! oumaridos estavam intrinsicamente vinculadasà definição do significado atribuído às ativi-dades extra-domésticas. E também semprehouve uma associação entre atuação no âmbi-to extra-doméstico com a esfera doméstica:ideologia de abnegação e despojamento emprol dos outros. Outro aspecto valorizado porestas mulheres no trabalho extra-domésticofoi o contato com os outros, o meio de fazerambiente social e novas amizades. Mais ain-da, a autora percebeu um sentimento de ilegi-timidade na participação da mulher no mer-cado de trabalho: ou se trata de uma extensãode seu papel na família ou ela se percebe"brincando de trabalhar". Na discussão sobrefilhos e o domínio público, a autora perce-beu que a motivação para a escolha de carrei-ra para alguns entrevistados se revestiu depouca firmeza e amadurecimento e, para ou-tros, a escolha parecia ser condizente com aspróprias inclinações: o estudo é visto comouma preparação para o ingresso no mercadode trabalho. Para os pais, os estudos dos fi-lhos são vistos como "iniciadores de uma novatradição 'cultural' na [amüia:">

A autora diz ainda:"Em suma, utilizando a perspectiva proposta

por Bourdieu, a situação financeira dos pais, aliadaà instrução superior dos filhos, significa a duplica-ção, na ordem simbólica, do êxito econômico que osprimeiros consolidaram no decorrer de suas vidas.O fruto desta união implica, como mostra o autor,num reforço do próprio poder?"

Assim, para essa nova geração, o "prazer"está incluído na escolha profissional: hoje, ojovem opta por uma profissão que mais seidentifica com ele.

Para as filhas, entretanto, as motivaçõesnão são intrínsecas, elas ainda têm determi-nantes externos. A autora observa ainda quenessa geração as mulheres não suportam en-frentar a concorrência e não são preparadaspara disputa ou fracasso.

A formação universitária para a nova gera-ção feminina tem mais uma função social doque de preparação pessoal com vistas à ativi-dade profissional futura. A autora concluique, neste contexto econômico, "as qualidadesde 'moça prendada' dos extratos médios e superio-res se deslocam das prendas domésticas para asprendas intelectuais ou culturais, e o diploma uni-versitário se converte em um mecanismo que confe-re prestígio social a seus pais e maridos,"?

A autora diz que "instala-se uma experiênciade conflito, mais do que uma alteração efetiva naforma de conceber o papel tradicionalmente confi-nado à mulher (. ..) As moças estão submetidas auma socialização que está revestida de um cunhomais ambioalente/:"

Assim, para as mulheres da geração maisvelha, o trabalho é uma forma de se doar,uma extensão de seu papel na família; e paraas filhas, o trabalho é uma tentativa de rom-per com os pais, num esforço de reavaliar seupapel na família, ou seja, um conflito que seestabelece entre ser uma pessoa destinada aresponder às demandas de "outros" e de ou-tro lado buscar uma identidade e um perfilmais próprios.

Castro", ao tentar traçar "0 perfil da mulherempresária chilena", tem um objetivo claro:determinar as características que regem ocomportamento profissional da mulher em-presária. A hipótese, ponto de partida da in-vestigação, é de que não existem condições demercado que favoreçam as mulheres empresá-rias, por isso seu desempenho está dado porcondições situacionais e de personalidade. Pa-ra a realização do estudo, a autora selecionoua nível de mercado as seguintes variáveis:acesso ao capital, discriminação sexual no pla-no de trabalho, aspectos legais e preferênciapara desenvolver determinados setores econô-micos. As variáveis situacionais foram: heran-ça, estado civil, condições econômicas, educa-ção e relações públicas. Com relação às condi-ções econômicas, a autora apresenta uma dife-renciação importante: para as classes baixas, otrabalho tem o sentido imediato de garantir asobrevivência. Para as classes média e alta, otrabalho tem o caráter de desafio. Quanto àvariável personalidade, a autora levantou al-

28. SALEM, Tânia. O velho eo novo: um estudo de pa-péls e conflitos familiares.Petrópolis, Vozes, 1980.

29. Idem, ibidem, pp.61-2.

3D. Idem, ibidem, pp.77 e79.

31. Idem, ibidem, p.82.

32. Idem, ibidem, p.114.

33. Idem, ibidem, p.115.

34. CASTRO, Tercila More-no. "Perfil de La Muyer Em-presaria Chilena". Economiay Administración, (34), jun.1988.

23A mulher executiva e suas relações de trabalho

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A MULHER EXECUTWA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO RAE

35. OLIVEIRA, Rosiska. "Aspedras no bolso do feminis-mo". Novos Estudos CE-BRAP, São Paulo, vol. 2, 3,nov.1983.

36. Idem, ibidem, p.36.

37. Todas as falas que apa-recem entre aspas, a partirdaqui, são textuais dos en-trevistados.

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guns traços qualitativos: propensão frente aorisco, espírito empreendedor, criatividade, es-pírito independente, liderança, personalidademetódica, confiança e segurança em si mesma,ambição, intuitividade versus racionalidade,perseverança e competitividade.

As conclusões que a autora retratou foramas seguintes: não há, no Chile, discriminaçãono plano legal e houve uma evolução na por-centagem da força de trabalho feminino. Háuma tendência de se incrementar esta relaçãocom uma concentração maior de mulheres naárea do comércio. Dentre as variáveis situa-cionais, a autora conclui que o estado civil, naamostra estudada, não é um fator determi-nante da atuação profissional, sendo que o ní-vel educacional é uma condição necessáriamas não suficiente para o desempenho. Comrelação às variáveis de personalidade, a auto-ra demonstrou que uma característica espe-cial da mulher empresária é sua posição fren-te ao risco: elas preferem crescimento lento ase lançar em atividades de risco. Assim a cria-tividade demonstrada também é baixa, impli-cando em não correr risco. Elas também nãoparticipam de negócios que exijam alta inova-ção. No que concerne ao item espírito inde-pendente, obteve-se que a mulher tem um es-tilo mais centralizado, custa a delegar e quan-do o faz, controla rigidamente. São líderesformais e respeitadas pelos empregados. So-bre o item intuitividade versus racionalidade,a autora mostrou que as mulheres tendem aseguir processos racionais, por aversão ao pe-rigo, seguindo estudos e orientações. São per-severantes e firmes. De acordo com a autora,as mulheres nos negócios tentam vencer porsuas próprias condições ao invés de atacar ocompetidor.

Oliveira", ao discutir o futuro do movi-mento feminista, diz que as mulheres, quan-do deram o grito de "igualdade, não sabiam atéque ponto estavam engatilhando uma armadilhapara si próprias". Segundo a autora, a psicolo-gia americana define o adulto com atributosdo mundo masculino: autonomia, agressivi-dade, racionalidade. A mulher normal é defi-nida com atributos do mundo infantil: depen-dência, emotividade e inconstância. A autoracoloca que a mulher atual enfrenta um para-doxo: ou é mulher ou é adulta.

Em nome do "moderno" (industrialização,urbanização) e da igualdade, a mulher mu-dou: é metalúrgica, advogada e executiva,mas como mudar realmente, se o outro nãomudou? Mudar o exercício do papel femininoimplica em mudar o papel masculino, mas is-so não parece ter acontecido. Sendo assim, aautora conclui que realmente a mulher não

mudou e tem que enfrentar uma "...mensagemdupla e contraditória: para ser respeitada, seja uni-versal (pense, aja e trabalhe como homem); mas,para ser amada, continue sendo mulher. Seja ho-mem e seja mulher". 36

CONSIDERAÇOES GERAIS SOBRE ASENTREVISTAS37

1. Significado do trabalho, origem social esuporte familiar

Na comparação entre as análises das entre-vistas, a primeira diferença que aparece deforma nítida é a do significado do trabalho.

Para os entrevistados, homens e mulheresde origem sócio-econômica mais baixa, o sen-tido é "sobrevivência". Para as mulheres denível sócio-econômico mais alto, o significadoé "independência e auto-realização". Para oshomens desse mesmo extrato social, é "manu-tenção do poder conquistado". Nesta amos-tra, as motivações para o trabalho ainda estãovinculadas às origens sócio-econômicas, nãoobstante os postos de maior status social ocu-pados atualmente.

Homens e mulheres do extrato sócio-eco-nômico alto se reconhecem como pares e comos mesmos desejos e aspirações, identificandoigualmente a "sobrevivência" como fator quemobiliza a ação dos extratos mais baixos. Pro-vavelmente essa percepção se deva à posturaque os executivos de origem mais modestatêm diante de seus pares de origem econômi-ca mais alta.

A imagem que um entrevistado tem da mu-lher executiva de nível econômico alto é que ela"está numa fase de crescimento, está se desenvolven-do ainda (,...) ela não trabalha por sobrevivência, maspara chegar num nível mais elevado". Portanto,mesmo respeitando a competência e reconhe-cendo a mulher de mesmo nível econômico co-mo tendo direito às mesmas motivações para otrabalho, fica claro para o homem que a mulherainda tem que fazer um esforço, pois o seu lu-gar na organização não está garantido.

As mulheres percebem o trabalho do ho-mem como um papel prescrito: "para o homemé uma obrigação social da qual não há possibilidadede opção; tem aquele ranço machista, já nasce como objetivo de trabalhar; é o homem da casa, tem quese sustentar e dar continuidade à famt1ia. Já nasceintrínseco nele, independe da [amüia e da classe so-cial".

O suporte econômico da família de origempermite às mulheres expressarem com clarezao desejo de sucesso sócio-profissional. Essedesejo não aparece para as entrevistadas dosníveis sócio-econômicos médio-baixos. Se ocoletivo familiar é carente, o espaço do desejo

A mulher executiva e suas relações de trabalho

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RAE A MUlliER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABAlliO

de cada um fica mais restrito. Nesta condição,quando há o espaço de exteriorização do de-sejo, prepondera o desejo masculino. Já a mu-lher de nível médio-alto pode lutar pela auto-realização, pois há a possibilidade de aceita-ção por parte do homem. Há um compartilha-mento desse desejo, há um estímulo para arealização feminina e o homem cede nas exi-gências domésticas. O homem deixa de serum dominador para ser um "incentivador"do sucesso feminino. Nota-se uma mudançade expectativa do homem sobre o comporta-mento da mulher enquanto esposa. Na pes-quisa de Salem", para as camadas sócio-eco-nômicas média-altas, havia uma exigência dediploma universitário como um predicado damulher esposa, mas não havia a expectativade desempenho profissional ou mesmo de su-cesso. Parece haver hoje um incentivo do ma-rido para o sucesso da mulher, se ela exterio-rizar o desejo; não há, porém, forte exigênciasocial para o sucesso.

Nota-se que o incentivo do marido para osucesso profissional permanece o mesmo. Seantes o diploma universitário por si só já erasatisfatório como "predicado" da esposa, hojeo "sucesso profissional" parece ser o predica-do desejável. O apoio à carreira da esposa,onde o homem cede nas exigências domésti-cas, pode ser uma troca vantajosa e mesmojusta, na medida em que o sucesso profissio-nal feminino repercutirá positivamente noprestígio social do marido, mesmo que a au-sência da mulher gere alguns transtornos nocoletivo doméstico.

A maioria das entrevistadas relataram quesuas mães não estavam satisfeitas com seuspapéis de donas-de-casa e estimularam forte-mente a mudança de papel para as filhas. Assonhadoras do passado mobilizaram as ino-vadoras da atual geração de executivas. Se-gundo uma entrevistada "o sentido de libertaçãofeminina foi pego pela minha mãe, que instituiu talprojeto como um bebê seu (...) tudo o que sou hojedevo à minha mãe".

Os estilos de família de origem dos entrevis-tados são bem diferenciados, gerando uma ava-liação do significado e da inserção no mercadode trabalho de forma também diferenciada.

O relacionamento homem-mulher, de for-ma complementar e construtiva, pode estarpresente no histórico familiar das pessoas desucesso. O suporte de positividade pode virde ambos os pais ou de um deles.

No caso de uma das entrevistadas, sua mãesempre "exigiu" igualdade de tratamento pa-ra ela e para o irmão; de uma certa forma en-frentou o marido, que era mais tradicional naforma de criar filhos. Apesar da diferença no

trato de filhos homens e mulheres por partedo pai dessa entrevistada, a mesma reconheceque ambos são muito positivos, protetores eflexíveis, para mudarem de opinião naquiloque for o melhor para os filhos.

Uma família de origem, cuja dinâmica en-tre pai e mãe é conflitiva, parece ter predis-posto um entrevistado a uma forma mais de-pressiva de enfrentamento do trabalho. Ummodelo mais harmônico e ameno sem gran-des exigências parece ter gerado em outro en-trevistado uma acomodação e pouca disponi-bilidade de luta. Por outro lado, um modelomais ambicioso e exigente, mas com equilí-brio, parece ter impulsionado para o sucesso ea mudança. Uma família mais tradicional, nãosó abriu portas como enfatizou a necessidadeda manutenção do poder. Uma família maisrígida, de pouca expressão de afeto, parece tergerado em nosso entrevistado um fechamentopara relações de trabalho.

A intenção não é generalizar essas conside-rações para o universo dos executivos, masnão é possível deixar de assinalar a relaçãopercebida entre as configurações das famíliasde origem e as posturas atuais dos entrevista-dos enquanto executivos.

2. Imagem e discriminação da mulher execu-tiva no trabalho

Há uma geração de mulheres na sociedadebrasileira que ainda luta pelo reconhecimen-to. Na administração de negócios, as mulhe-res que se sobressaem ainda são objeto de no-tícias, de pesquisas, citações em revistas e jor-nais, o que prova que isto é incomum e chamaa atenção da sociedade.

Numa rápida apreciação de reportagens derevistas e jornais destacaram-se duas caracte-rísticas:

a) muitas dessas mulheres atuam em áreasque dizem respeito ao universo feminino, taiscomo: moda, roupas infantis, cosméticos, ali-mentação etc.;

b) são empreendedoras, isto é, donas deseus negócios e não têm, portanto, que en-frentar a competição direta com o homem pordeterminados postos nas organizações.

Para as mulheres que entram nas organiza-ções, o caminho não está aberto; o investi-mento psíquico que elas têm que fazer pareceser maior do que o investimento das empre-endedoras e maior do que o da maioria doshomens buscando o mesmo cargo.

Riscos e errosA imagem que alguns entrevistados do se- 38.SALEM, Tânia. Op.cit.

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A MULHER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO RAE

39. CASTRO, T. M. Op. cit.Vale ressaltar que o trabalhodesse autor focaliza mulhe-res chilenas, empresárias enão assalariadas, o que tal-vez explique a diferença deatitude frente ao risco.

40. Parece-nos que estaavaliação dos entrevistadosde que o uso da sexualidadenas organizações é prerro-gativa das camadas de me-nor poder de influência, éuma defesa pstcolóçica quetransparece como estereóti-po social. Sievers faz men-ção de um mecanismo pro-[etivo inconsciente, utilizadopelos executivos dentro dasorganizações, que consisteem atribuir os aspectos ina-dequados das condutas hu-manas aos escalões inferio-res da hierarquia, resguar-dando, para os escalões su-periores, os aspectos positi-vos, idealizados. SIEVERS,Burkard. "Além do sucedâ-neo da motivação". Revistade Administração de Empre-sas, São Paulo, 30(1),jan./mar.1990.

41. De acordo com Ker-nberg, "(. ..) um pouco deerotização dos relaciona-mentos de trabalho podeser um incremento para ogrupo de trabalho (...) masquando as pressões regres-sivas levam à transposiçãodas fronteiras sexuais estasconduzem a uma liberaçãodos componentes agressi-vos (...) com o rompimentogeral das relações interpes-soais no sistema." KER-NBERG, Otto. Mundo Inte-rior e Realidade Exterior.Rio de Janeiro, Imago,1989, p.223.

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xo masculino têm da mulher executiva é queesta não tem tantas possibilidades de erroquanto o homem, isto é, se ela errar, além doerro "ainda é mulher e o tombo é maior". Dessaforma, a mulher teria que se assegurar desuas idéias e projetos para correr menos riscosdo que o homem.

Um entrevistado avalia a ação administrati-va da mulher como mais cautelosa dizendoque "ela ainda não pode errar C.') seria mais des-gastante para ela se errasse C.') o poder ainda é umacaracterística masculina e a mulher, para ser umbom profissional, tem que ser um homem". Porém,todos os entrevistados do sexo masculino, aoserem indagados sobre os riscos que correm,afirmaram que eles próprios não correm riscosna organização; portanto, a imagem que oshomens têm da mulher como alguém excessi-vamente cautelosa, é um estereótipo.

Não correr riscos nas organizações parecetratar-se de uma demanda organizacionalmais do que um traço de personalidade femi-nina ou masculina, contrariamente aos dadosobtidos pela pesquisa de Castro." Nestaamostra pode-se dizer que está descartada aidéia que os homens são mais ousados que asmulheres em suas decisões administrativas.Nas organizações, os riscos são previamentecalculados.

Sexualidade e sensibilidade femininasOs entrevistados, homens e mulheres, ne-

garam a existência do uso da sexualidade, pe-la mulher, para a ascensão profissional. Ad-mitem que nos níveis mais baixos até possahaver o uso da sexualidade."

O não uso da sexualidade não significa au-sência de uma certa erotização nas relações,entre os integrantes das organizações."

Apesar de nas entrevistas os homens teremverbalizado que as mulheres executivas nãofazem uso da sexualidade nas relações de tra-balho, algumas mulheres entrevistadas afir-maram: "o homem tem medo que a mulher puxe otapete (...) o homem tem medo de perder seu espaçopara a mulher".

A interpretação da expressão "puxar o ta-pete" é a de que pode se tratar de ação foradas regras explícitas e negociadas do jogo derelações organizacionais. Se homens e mulhe-res têm recursos técnico-intelectuais em con-dições de igualdade para a competição dentroda organização, o que os homens podem te-mer? Qual é o elemento diferenciador na rela-ção com a organização? A hipótese é a de queo elemento diferenciador é a sexualidade e otemor do uso indevido da mesma. Este temortalvez explique o surgimento de brincadeirasjocosas com tom sexual, por parte dos ho-mens, como forma de defesa, principalmentequando estes perdem, na competição, parauma mulher. Esta defesa apresenta duas ver-tentes: ou a mulher conquistou os postos maisaltos porque usou sua sexualidade, ou ela éum homem.

A fala do entrevistado ilustra esta idéia:"não há diferenças entre homens e mulheres execu-tivos C.') a mulher para ser um bom profissionaltem que ser um homem". Em outro momento, elediz: na mulher leva vantagens por ser mulher".

Essa perplexidade do entrevistado diante dealguém que é diferente e que faz sucesso gera

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RAE A MULHER EXECUTWA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

um discurso incongruente; aponta para a difi-culdade de enfrentamento deste outro, do fe-minino, competindo como par na organização.

A mulher pode fazer uso da emoção e dasensibilidade femininas, mas não da sexuali-dade. Segundo um entrevistado, a presença damulher no ambiente de trabalho "é salutar (...)a sociedade tem mulheres em todos os espaços socia-is e o ambiente de trabalho fica mais equilibrado seas mulheres estiverem aí presentes". Compara aorganização que só tem homens à "caserna".

A mulher na organização é importante,porque suaviza as relações, mas isto não querdizer que o homem não fique impactadoquando a mulher está disputando o podercom ele, e neste caso, talvez sem mesmo sedar conta, ele "prefira" que a mulher atue co-mo "homem".

Todos os entrevistados, homens e mulhe-res, são unânimes em afirmar que a mulherconsegue conciliar razão e emoção e que temflexibilidade para lidar com pessoas e confli-tos na organização. "O homem é mais rígido, amulher é mais flexível". "O executivo de sucesso éaquele que tem chance, vontade e conhecimento, éaquele que gosta do que está fazendo e tem eficáciano que faz. A mulher tem mais sensibilidade do queo homem e isso pode gerar mais sucesso."

Se bem que os entrevistados não deixemclaro, parece que a palavra sucesso se refere àhabilidade nas relações interpessoais. Nãoobstante ser permitido à mulher o uso da"sensibilidade" e "emoção", estas têm limitesdentro da organização. Segundo uma entre-vistada "a mulher faz uso de uma forma mais de-licada no trato interpessoal (...) esta forma de ser épositiva, pois facilita a obtenção do que se desejados outros, inibe uma negativa". A mulher temconsciência que faz uso deste traço, que é cul-tural, e o faz porque ele lhe traz vantagens.

A mulher não se coloca mais como vítimachorosa nas relações de trabalho, ainda que opoder não seja equitativo. Não é uma conces-são do poder masculino que elas desejam,mas o reconhecimento da competência e apossibilidade de competir como igual. Segun-do palavras de uma entrevistada "devemos fa-zer maior investimento do que os homens no traba-lho, para superarmos preconceitos que ainda exis-tem". Apesar de não usar a palavra preconcei-to em relação ao trabalho da mulher, um en-trevistado admite que as mulheres precisamfazer um investimento maior: "a mulher preci-sa fazer mais esforço do que o homem para mostrarcompetência e ser reconhecida". Este mesmo en-trevistado diz: "quando investe no trabalho, amulher faz tão bem ou melhor do que o homem",referindo-se ao trabalho e à competência damulher executiva. Esse entrevistado afirma

que aceita a mulher como igual mas se refereaos entraves que a organização em que traba-lha ,coloca para a mulher. .

E interessante notar que todos os homensentrevistados deixaram claro que eles não dis-criminam, mas que a organização o faz. Essasrespostas dos entrevistados podem ser defe-sas psicológicas; talvez eles temessem seremavaliados como preconceituosos.

A idealização das habilidades da figura fe-minina, isto é, o uso da sensibilidade e daemoção sem perder a razão, discurso de umdos entrevistados, pode estar relacionada coma dificuldade que ele está passando no mo-mento, em lidar com conflitos na organização.

Apesar de idealizar o papel da mulher exe-cutiva e aceitar sua competência profissional,acha "que a nossa sociedade ainda espera da mu-lher o cumprimento de um papel social de mãe, ma-triarca na [amüia". Segundo ele: "talvez não valhaa pena muito investimento profissional da mulher(...) socialmente falando ela perde enquanto mulher,na faml1ia, pois não pode estar em dois lugares aomesmo tempo". Nota-se, novamente neste dis-curso, uma forma de esvaziar o próprio pre-conceito, através da projeção de seus senti-mentos no coletivo.

Investimento, dupla demanda e sucesso notrabalho feminino

O desejo da mulher de igualdade de com-petição sofre sérias restrições: a questão damobilidade geográfica e a dupla demanda, is-to é, da família e da organização. A mobilida-de da mulher, tanto solteira quanto casada, seconstitui num problema para as organizações.Viagens, compromissos fora da cidade e forado horário de trabalho, principalmente se elafor casada e com filhos, é um forte fator impe-ditivo para a ascensão profissional. Acresce-seque a mulher, habitualmente, não desloca omarido e os filhos em função da demanda daempresa.

Na questão investimento no trabalho, ho-mens e mulheres entrevistados concordaramque ele é diferenciado segundo sexo e estadocivil. Na fala de uma das entrevistadas, "o in-vestimento no trabalho é mais intenso para o ho-mem. A mulher se restringe quando tem marido,casa e filhos. O homem leva vantagem no investi-mento que faz porque é mais livre para isso, até pa-ra se aprimorar, embora ambos tenham necessidadede aprimoramento."

Vários entrevistados citaram a obrigatorie-dade de investir e fazer sucesso para o homemem contraposição à não obrigatoriedade de fa-zer sucesso por parte da mulher. Nas palavrasde uma entrevistada: "o fracasso abate mais oshomens. A mulher tem força, mais garra. Quando as

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A MUlliER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABAlliO RAE

42. MONAHAN, L.; KUHN,D. & SHAVER, P. Op. cit.

43. OLIVEIRA, Rosiska. Op.cit.

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coisas não vão bem, a fragilidade do homem se exter-na de imediato". Essa entrevistada parece valori-zar a garra e a força femininas em detrimentodestas mesmas qualidades nos homens, pornão considerar as pressões sociais a que os ho-mens estão sujeitos para fazerem sucesso e, deoutro lado, a pequena exigência de investi-mento e sucesso profissional para as mulheres.

Para um entrevistado, a mulher quandofaz investimento é exceção: "a mulher, se estáfazendo sucesso, é um lucro, é um fenômeno". Naavaliação masculina, o fracasso feminino tempeso menor, porque a mulher não tem obriga-ção de chegar lá em cima.

Quanto ao sucesso e fracasso profissionais,uma entrevistada diz que internamente é im-portante para ambos os sexos: "o fracasso dóida mesma maneira (...) mas, se a mulher falhar, so-cialmente as pessoas não encaram tão mal e para ohomem é terrível."

Quanto ao medo do sucesso, gerador daperda da feminilidade, como afirmam Mona-han, Kuhn e Shaver", referindo-se ao contextoamericano, o resultado das análises desta pes-quisa indica que o fracasso da mulher não estáligado ao medo do sucesso mas ao temor dedeixar de cumprir um papel ainda fortementeprescrito de mãe e esposa, na cultura brasilei-ra. Há, inclusive, respaldo social para o fracas-so da mulher na organização e a volta ao lar.

Contradições enfrentadas pelas mulheres nasorganizações

Uma das entrevistadas percebe dois modosde avaliação do trabalho pelos homens da or-ganização em que está inserida. Um grupo,aqueles cujas esposas também trabalham fora,avalia de forma mais profissional o trabalho damulher; outro grupo, cujas esposas não traba-lham, tem ainda uma visão mais antiga sobre amulher: "dondoca que quer ter o seu dinheiro parao supérfluo, para matar o tempo e quando tiver umfilho certamente parará de trabalhar". Estes ho-mens talvez não percebam a necessidade derealização profissional e pessoal das própriasesposas e generalizem esta avaliação precon-ceituosa para os pares da organização. Eles nãoconseguem enxergar o desejo da mulher.

A avaliação do desempenho profissionaldas mulheres por esses homens, independeda questão da competência feminina, mas es-tá relacionada à sua vivência familiar.

Para um jovem entrevistado, "enquanto nãohouver um rearranjo cultural compartilhado porhomens e mulheres, a mulher no trabalho conti-nuará a ter a dificuldade de compatibilizar os di-versos papéis: mãe, mulher e executiva".

Parece não ter havido ainda tempo hábilpara a executiva provar que pode conciliar

trabalho e maternidade. As empresas acabampor preferir o certo por aquilo que, em suaótica, seria duvidoso.

Ao mesmo tempo que há valorização dojeito feminino de lidar com conflitos, porexemplo, há dúvidas na empresa em colocarmulheres em posições estratégicas. Nota-seque há um clima até certo ponto contraditó-rio, de abertura e desconfiança em relação àpossibilidade de investimento efetivo da mu-lher no trabalho.

As incoerências percebidas ao longo dosdiscursos devem-se ao fato da sociedade vi-ver um momento de transição e esta não sefaz sem conflitos, choques e perplexidades.

Para a ascensão profissional da mulher,portanto, parecem existir ainda dois tipos depreconceitos: um, mais tradicional, que dizrespeito às diferenças sexuais, pelo qual a em-presa ainda vê a mulher como inferior e desi-gual, para assumir postos de comando; o ou-tro, de empresas mais modernas, em que adiscriminação é funcional, implicando emdesconfiança da disponibilidade do investi-mento da mulher no trabalho. Parece que asempresas mais modernas já superaram a dis-criminação relativa às diferenças de compe-tência entre os sexos.

A ambigüidade deste momento de transi-ção é tão forte que, mulheres jovens em pos-tos de comando ainda reproduzem estereóti-pos sociais. Uma entrevistada disse: "não tra-balho com mulheres, elas são fofoqueiras e infan-tis". Apesar de repetir o estereótipo, se colocafora dele: "eu visto gravata no trabalho". Ela seiguala aos homens e se considera diferentedas mulheres da organização em que traba-lha. Faz uma ruptura entre o masculino e o fe-minino, entre o adulto e o infantil dentro de simesma: "no trabalho sou homem, em casa soumulher, criança". No trabalho "visto gravata",em casa "sou bela adormecida".

A fala dessa entrevistada explicita o queOliveira? já havia apontado: a mulher temque enfrentar mensagens contraditórias paraser respeitada; deve ser adulta, isto é, pensare agir como homem no trabalho, emotiva edependente, portanto infantil, em casa.

Provavelmente, o custo psíquico é acen-tuado para essas mulheres que enfrentam ascontradições da organização e as conflitivaspessoais; porém, é inegável o enriquecimentopessoal obtido com a vivência dessas experi-ências.

3. Relações do indivíduo com a organização

A administração do afetoA partir das falas dos entrevistados, notou-

A mulher executiva e suas relações de trabalho

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RAE A MULHER EXECUTNA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

se que as organizações na qual eles estavaminseridos eram por eles percebidas como pos-suindo nuances no tratamento dado a seusfuncionários. Uma delas, com um ambiente deobjetividade, frieza, competitividade e distan-ciamento afetivo, mas que impulsionava o de-senvolvimento dos indivíduos na carreira e re-conhecia seus méritos; outra, igualmente fria,competitiva, com distanciamento afetivo, bu-rocrática, sem planos de carreira e que geravainsegurança em seus membros e, outra, ainda,de suporte emocional positivo para o bem es-tar de seus membros, mas não necessariamen-te de reconhecimento do valor do indivíduo ede suas reivindicações profissionais. Esta últi-ma, sem grandes desafios, mais satisfatóriapara os relacionamentos interpessoais, porémcom menores possibilidades de crescimentoem relação às empresas hipermodernas, noentanto assépticas quanto à afetividade."

O que é reafirmado por todos os entrevista-dos que trabalham nas empresas hipermoder-nas e burocráticas é que a perda do controleemocional pode implicar em "fim de carreira".Nas organizações do tipo familiar, releva-se aperda do controle emocional ou, em certos ca-sos, chega-se até a apoiá-lo. Uma das entrevis-tadas admite ser possível conjugar o mundoprivado e o mundo profissional. Diz que éaceitável comentários sobre a vida privada naorganização e se diz "muito maternal" comseus subordinados. Acha que essa característi-ca não atrapalha: "é possível resolver problemaspessoais dentro da organização". Ao longo da en-trevista, coloca em pé de igualdade os aspec-tos afetivos, emocional, social e profissional,não só para mulheres como também para oshomens. Recebe respostas afetivas de reconhe-cimento, tanto por parte de seus subordinadoscomo por parte de seus superiores.

A entrevistada exterioriza o lado afetivo-emocional, mas esse tipo de organização nãolhe dá espaço para crescimento e disputa porpostos mais elevados. A inexistência dos mes-mos impede uma disputa, uma ação concretade luta pelo crescimento dentro da organiza-ção. Ela diz: "como eu tenho muito respaldo, muitasegurança, então eu nunca tive medo de perder omeu lugar C.') isso fez com que eu me acomodasse".

Essa mistura de papéis, profissional e afeti-vo-emocional, é que parece dificultar uma de-finição profissional mais clara. Esse estilo pa-ternalista parece gerar um tom queixoso naentrevistada, de dependência, de desejo queoutros resolvam seus problemas profissionais.

Essa forma de relacionamento no trabalhocontrasta com a forma de outros entrevista-dos que pertenciam a organizações hipermo-dernas e que investiam prioritariamente nas

carreiras. Eles verbalizaram que a organiza-ção não admitia a dimensão afetiva-emocio-nal. O lado afetivo-emocional parece dificul-tar o investimento demandado pela organiza-ção. O isolacionismo é uma política organiza-cional de controle dos indivíduos. A fala deum entrevistado evidencia este problema:"Amigos no trabalho não existem, existe compa-nheirismo (...) O profissionalismo impede a amiza-de dentro do trabalho. Não se pode misturar rela-ções pessoais com profissionais. Fazer esta separa-ção entre o pessoal e o profissional é a forma maisfácil de se enfrentar a organização."

Encobrir o lado emocional é uma demandada organização aceita pelos executivos, ho-mens e mulheres, que devem estar inteiros naorganização, priorizando o lado profissionalde suas vidas. Uma fala feminina deixa claraesta visão: "a mulher executiva de sucesso precisacindir, separar o pessoal do profissional em todos ossentidos da vida; precisa determinar o que ela quere batalhar tanto quanto o homem."

Nessas empresas, o clima é identificado co-mo hostil e competitivo; não há espaço paraamizade. Progredir é aceitar as regras do jogoempresarial.

A manutenção do controle emocional éuma exigência institucional forte, sentida pelaentrevistada que acrescenta ser "o fim de car-reira daqueles que não se controlam." Ela diz quese controla, aceita essa exigência "ainda quepor dentro fique doente", quando recebe umanegativa institucional.

Um jovem entrevistado que trabalha numaempresa multinacional de origem européia dizque, apesar do descontrole emocional aindaser mal visto na empresa, há uma tentativa demudança da cultura e o descontrole passa a servisto como uma possibilidade de aprendiza-gem e um conhecimento para o acerto. "A per-da do controle emocional é vista como um erro, masque tem a possibilidade de propiciar um aprendiza-do." Este não é o clima dominante na empresa,mas é uma "tendência", diz o entrevistado.

Se a empresa está tentando suportar o ladoemocional dos indivíduos sem que isso signi-fique "fim de carreira", isto parece ser umavanço da organização hipermoderna; ao re-conhecer que os executivos são seres huma-nos, pode propiciar maior flexibilidade nasorganizações."

Sobre o tema administração de conflitos, ahipótese é de que, como os executivos têmque conter a própria conflitiva, aparece, en-tão, uma fantasia reasseguradora: se eu possocontê-los, eu posso administrar a conflitivaalheia. "Quem não sabe controlar a si próprio e àssuas próprias emoções, teria dificuldade em contro-lar alguma coisa mais", diz um entrevistado.

44. Os entrevistados, ao sereferirem às suas empresas,utilizaram as expressões:"multinacional moderna","multinacional burocrática"e "pequena empresa brasi-leira administrada nos mol-des de um grupo familiar,pelos sócios-proprietários".As expressões: hipermoder-na, burocrática e tipo fami-liar, respectivamente, serãoutilizadas para simplificaçãoda linguagem. Apesar deque cada uma dessas deno-minações implica em carac-terísticas muito específicas,este estudo não analisou di-retamente os estilos de em-presas, mas se restringiu àspercepções dos entrevista-dos.

45. Convém ressaltar que asdiferentes formas de atua-ção administrativa citadaspara os modelos descritosde organização ("multina-cional européia", "pequenaempresa brasileira") podemestar também ligadas às di-ferenças de origem culturalde cada uma delas, comobem descrevem AMADO, G.;FAUCHEUX, C. & LAURENT,A. "Changement Organisati-onnel et réalités culturelles -Contrastes franco-améri-cains". In: CHANLAT, Jean(coorc.) L'individu dans!'orgamsation: les dimen-sions oubliées. Canadá, LesPresses de l'Université Lavaie Editions ESKA, 1990.

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A MUUlER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABAUlO RAE

46. Segundo Bleichmar, "Aalegria que experimenta osujeito consigo mesmoquando se reconhece efici-ente no exercício de umaatividade narcisada volta-sesobre os objetos que delafazem parte: é o amor pelamatemática da criança quese considera dotada de ha-bilidade para o cálculo, doterapeuta pela terapia,quando essa outorga-lhe otrono desejado, do músicopor seu instrumento na me-dida em que esse permite-lhe reafirmar seus dotes.Acaba-se por amar aquiloque faz a gente sentir-seamado (...) Ante a ausênciados objetos de atividadenarcisista produz-se umprofundo desequilíbrio nosujeito, que pode conduzir àdepressão, à irritação oumanifestar-se fenomenica-mente como tédio ( ..) o queé vivido na consciência co-mo um juízo sobre os obje-tos - isso eu gosto, aquilome entedia -, na realidadesão referências racionaliza-doras em relação à coloca-da em jogo ou à ausênciada atividade narcisista (...) oque começa sendo uma de-pressão narcisista, ou seja,um transtorno da satisfaçãocom o ego, como represen-tação unificada do sujeito,rapidamente transforma-seem desinteressepelos obje-tos." Ver: BLEICHMAR, Hu-go. O narcisismo: estudosobre a enunciaçãoe a gra-mática inconsciente. PortoAlegre, Artes Médicas,1985, pp.30-3.

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A contenção da própria conflitiva tem umcusto e pode se exteriorizar pela via somática.Todos os entrevistados se referem a dois ór-gãos de choque do executivo: o estômago e ocoração, que seriam os amortecedores da ne-gação dos conflitos, além de suporte da cargapsíquica e do stress decorrentes.

A administração de conflito parece ser di-ferenciada nas organizações tipo familiar enas grandes organizações. As primeiras per-mitem a expressão das emoções e dão suporteaos conflitos pessoais e interpessoais. Quemadministra nestas circunstâncias também sesente suportado e não isolado, ao contráriodas grandes empresas.

Um dos entrevistados apresenta muitas di-ficuldades na sua relação com o trabalho, queé vivido como uma obrigação pesada e nãocomo algo natural. Esse entrevistado já estána empresa há dez anos, tendo ingressado ne-la como estagiário. Ele diz: "A cultura organi-zacional vai invadindo o indivíduo". Ele se res-sente de um clima rígido e autoritário. Umlongo tempo de serviço numa empresa rígidaparece enrijecer o indivíduo. Num clima orga-nizacional autoritário, como o observado nes-ta entrevista, os sujeitos acabam por perder osparâmetros de suas possibilidades de ascen-são, de satisfação de desejos, de expectativasfuturas, de plano de carreira, planos que aprópria empresa não divulga. Isto implica noembotamento da percepção que este indiví-duo possa ter de seus desejos e dos desejos deseus subordinados. Do mesmo jeito que nãovê reconhecidas suas necessidades profissio-nais, que leva a um desgaste, também não écapaz de avaliar as carências do pessoal desua equipe, homens ou mulheres.

Ao enunciar o auto-controle como uma dascaracterísticas do executivo, dá a impressãomais de estar reprimido, o que dificulta suatomada de consciência das dificuldades. Istoo impede de uma ação mais produtiva, bemcomo a possibilidade de compreender o pró-prio desejo e o desejo dos outros, quer no tra-balho, quer fora dele. Perguntado sobre pla-nos de carreira que a organização tem paraele, responde: "Tai uma coisa que eu gostaria desaber." Detecta alguns indícios de que há dese-jo da empresa no seu progresso, mas não temcerteza: "Suponho que haja interesse, pois a em-presa me pagou o curso na ev, mas ela oscilaquanto à política administrativa, ao sabor das mu-danças de superintendências."

Esse clima organizacional é tão pesado queo impossibilita de exteriorizar qualquer dese-jo, de fazer o que gosta e o força a um ato demuito esforço, de desgaste na hora de se le-vantar e ir trabalhar. O desejo, "o que se gosta

de fazer fica para a aposentadoria, na velhice".Nesse clima autoritário, os projetos femini-

nos também são diferenciados e pouco aceitos.Este é um modelo do passado que não dá es-paço para mudanças. Os indivíduos inseridosnesta cultura podem assimilar essas idéias.

Por outro lado, se a estrutura psíquica dosindivíduos que se colocam dentro dessas em-presas é portadora de um certo temor de mu-dança, isto gera uma complementariedade depapéis, isto é, o autoritarismo da organizaçãoe a submissão do indivíduo se completam. Amudança é vista por um entrevistado comocatastrófica: "você muda, a empresa fale e você vaipreso". De um lado, isto impede a saída dos in-divíduos em busca de alternativas, de outro, aprópria organização permanece imutável.

Investimentos psíquicosA aparência física e a forma de se trajar são

indicadores para a organização do grau dedisposição e energia do indivíduo, no que re-sulta na valorização destes fatores pela mes-ma. Esses indicadores dizem respeito aos in-vestimentos narcisistas sobre os objetos, queos indivíduos fazem: quanto maior o investi-mento, mais chances de progresso na organi-zação. Uma entrevistada diz que para a mu-lher, a aparência é mais significativa ainda, éfundamental. A aparência é o primeiro im-pacto que mobiliza uma relação, porém deveter conteúdo para que a relação positiva, prin-cipalmente a organizacional, se sustente. Oinvestimento não pode ser só físico para amulher nem só intelectual para o homem; estáhavendo uma aproximação entre os dois se-xos, no sentido de ambos estarem sendo ava-liados nos dois âmbitos.

Para o trabalho, além da produtividade ecompetência é necessário um adequado in-vestimento narcisista em si próprio." Os indi-víduos positivamente energizados são valori-zados pela organização porque promovemum ambiente positivo e favorável ao grupo.

Entre os entrevistados, destacaram-se doisgrupos, ambos compostos por homens e mu-lheres de posição hierárquica semelhantes,mas que se diferenciavam no comportamento.O primeiro grupo era composto de indivíduospositivamente energizados e que se avaliarampositivamente e também à organização a quepertenciam, havendo, ao que parece, uma reci-procidade de aceitação pela organização. O se-gundo grupo se avaliava com menor positivi-dade, apresentava uma fala mais depressiva etambém não avaliava positivamente a organi-zação, sentindo-se rejeitado por ela.

Duas hipóteses estão presentes para se en-tender esses processos: a primeira é que o pri-

A mulher executiva e suas relações de trabalho

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RAE A MULHER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

meiro grupo de indivíduos poderia estar avali-ando corretamente os projetos que a organiza-ção possuía para eles.Neste caso, a reação posi-tiva dos entrevistados era uma resposta à posi-tividade da organização; no caso dos que seavaliavam negativamente, estariam responden-do a uma falta de projetos da empresa paraeles. A segunda hipótese relaciona-se com ca-racterísticas de personalidade de cada entrevis-tado. Neste caso, poderia estar havendo proje-ção na organização, da positividade ou negati-vidade, conforme desejos e estados de ânimo.Os homens e as mulheres do grupo mais ener-gizado, tiveram com os entrevistadores umcontato mais estimulante. Parece que essas pes-soas tinham prazer em relatar as atividades desucesso que estavam desenvolvendo.

Parece que um investimento narcisista nosobjetos leva a uma energização das relações edos atos, a tal ponto que há o reconhecimentoda organização. Sem dúvida, um indivíduoenergizado leva à frente projetos com o conse-qüente reinvestimento da organização sobreeles.

Os indicadores externos dessa positividadeaparecem na forma de se vestir e na forma dese relacionar.O desleixo no vestir pode indicarum descuido consigo mesmo que não é ade-quado nem para o sujeito nem para a organiza-ção. O desleixo externo pode ter uma corres-pondência com uma desorganização interna,uma falta de confiança e auto-estima. A orga-

.~nização, por sua vez, parece responder numamesma linha de descrédito para esse sujeito.

Além da formação profissional, da compe-tência intelectual, da capacidade de trabalho,homens e mulheres têm que investir igual-mente na aparência pessoal. Não se trata debeleza física,mas é uma questão de charme.

Uma das entrevistadas diz: "Parece coinci-dência, mas aqueles que tentam melhorar a aparên-cia, se vestir melhor, investem um pouquinho maisnisto, são aqueles que realmente conseguem mais."

A palavra investimento usada pela entre-vistada reflete o que se deseja apontar: o inves-timento é narcisista, para si e para a relação.

A simples presença com assiduidade e ocumprimento das tarefas atribuídas, sem umforte envolvimento energético não é suficientepara o progresso e o reconhecimento do exe-cutivo nas organizações.

Por vezes, essa imposição de trajar-se ade-quadamente acaba por se tornar apenas maisuma obrigação ligada à aparência, sem a cor-respondente dimensão interna de auto-estima.Isto faz com que alguns executivos confun-dam a possibilidade de sucesso profissionalcom a aparência externa; um entrevistado temum estereótipo do que é ser um executivo: "éoboa pinta, é um modo de se vestir que o distingue deoutros profissionais ..." Para esse entrevistado,outras atividades profissionais dentro da mes-ma organização não requerem "griffe" ao sevestir, não obstante terem conteúdo a oferecer.

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A MUlliER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABAlliO RAE

Polfticas organizacionaisNa relação do indivíduo com a organiza-

ção existe um "não dito", que é normatizadordas condutas dos indivíduos, do modo de sevestir, da)inguagem, do relacionamento inter-pessoal. E um não dito de origem dificilmenteidentificável, que sanciona regras que sãoobedecidas. Todos os entrevistados se referema esse fato. Um deles diz: "Não sei quem iriafalar se alguém viesse vestido de uma forma muitoinusitada." Os homens devem vestir terno egravata, as mulheres saias ou vestidos e nãocalças compridas. A exigência é de elegânciadiscreta.

Outro tema abordado pelos entrevistadoscom unanimidade diz respeito à idade. Ela évista como um empecilho para se alcançarpostos de prestígio na organização. Com 45anos já se é considerado velho. Nenhum dosentrevistados está situado nem mesmo próxi-mo dessa idade considerada limite para a as-censão profissional. Trata-se de um temor deser desprezado pela organização, pois muitosexecutivos, independentemente de sexo, ocu-pando postos de prestígio, já ultrapassaramessa idade.

As questões acima levantadas, tais como os"não ditos", a impossibilidade de exteriorizarsentimentos, o não esclarecimento do planode carreira ou sua não existência, parecem le-var a um esgotamento, a uma amargura. Tal-vez por isso, todos os entrevistados coloquemcomo data limite para o desenvolvimentodentro da empresa os 45 anos. Essa contínuasituação sem saída gera uma carga psíquicaelevada, que esgota. Todos dizem que aos 45anos esperam ter diminuído este ritmo.

Essa sensação do indivíduo que já está hámuito tempo na empresa e que vislumbranão suportar mais o ritmo a que está subme-tido é o que pode favorecer a aceitação dacultura organizacional, de extrema cobrança,competitiva, para os jovens de 25 anos que avêem como positiva, geradora de progressoe a desilusão com que os entrevistados de 35anos ou mais se referem à empresa e à pers-pectiva de carreira. Percebe-se que para essesentrevistados, a instituição aparece não maiscomo uma mola propulsora, mas como cargapsíquica, depois de tantos anos de investi-mento.

O papel das políticas organizacionais éfundamental para o esclarecimento dos pla-nos de carreira e redução da ansiedade. Oexecutivo provavelmente não se sentirá ex-cluído nem desmobilizado tão precocementese houver clareza quanto à possibilidade de

47. SULEROT, Evelyne. Op. progresso, ainda que tenha que suportar umacit. certa carga psíquica.

32

REFLEXOES FINAIS

As transformações nas variáveis econômi-cas solicitaram o ingresso da mulher no mun-do público, mantendo, no entanto, sua res-ponsabilidade no âmbito doméstico. O ingres-so no mundo público foi sancionado, prefe-rencialmente, para atividades cujas caracterís-ticas exigiam atributos e habilidades social-mente consideradas como femininas. Essesancionamento tem nuances que dependemdos diferentes extratos sociais, conforme estu-do desenvolvido por Sulerot." As mulheresdo nível econômico baixo e médio entram nomercado de trabalho por necessidade econô-mica tanto pessoal quanto familiar. Pareceque essa passagem do mundo privado ao pú-blico ocorre mais facilmente quando ambosnão se conflitam frontalmente. As mulheresde nível econômico privilegiado podem optarpelo trabalho. Essas mulheres estão buscandoreconhecimento de competência e desejandocompetição entre iguais.

O sucesso das mulheres nas organizaçõesimplica no redimensionamento do desempe-nho dos papéis tipicamente femininos, semculpa. Acresce-se que para quem faz sucesso,a carga psíquica do investimento não é tãocustosa, portanto ajuda a suportar a pressãoda dupla demanda.

O sucesso da mulher depende, também, dacultura organizacional; empresas mais flexí-veis facilitam o acesso da mulher. Os impedi-mentos que ainda são fortes, quanto à aceita-ção da mulher na organização, estão relacio-nados com as dificuldades da mobilidadegeográfica e confiabilidade dos investimen-tos, ligados à dupla demanda.

O sucesso, porém, não é uma exigência so-cial para a mulher. O retorno ao âmbito do-méstico tem respaldo social, existindo a aco-lhida ao papel de origem, mãe e esposa. Talnão se verifica na esfera masculina. Os ho-mens são impelidos à conquista, mesmo queisto não corresponda a um desejo profundode ir à luta. Talvez o social veja, até com certoalívio, o retorno da mulher ao lar. O que gera-ria estranheza seria a troca de papéis: o ho-mem fracassando no mundo público e assu-mindo o privado. A sociedade dá suporte aofracasso feminino: ela pode voltar ao lar e sersó mãe.

Os entrevistados deixaram transparecer al-guns desejos de homens e mulheres. A mu-lher desejando um mundo estimulante, cheiode contatos e dinâmico do trabalho fora do lare menosprezando o que considera a mesmiceda rotina doméstica - o sentimento de soli-dão e isolamento do lar. O homem, por sua

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RAE A MULHER EXECUTIVA E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

vez, invejando a poslçao da mulher no lar,tranqüila e segura, enquanto ele tem uma lutaárdua no trabalho externo.

Mesmo, por vezes, apoiando a busca detrabalhos externos e sucesso da própria espo-sa, ainda assim alguns têm dificuldade emcompreender as motivações profundas dessabusca. Fica nebuloso o motivo do abandonoda segurança e tranqüilidade que ele desejapara si próprio, quando se encontra estressa-do pela competição organizacional.

Os homens sofrem pressão para o ingressono mundo público, forte e clara; as mulheresdos extratos médios e superiores sofrem pres-são velada para o ingresso, com respaldo parao abandono. Isto não significa, porém, ausên-cia de sofrimento para as mulheres que fra-cassam e abandonam o trabalho; intimamentegera uma ferida narcisista.

As mulheres que hoje fazem sucesso foramaquelas que mostraram não só competência,mas foram avaliadas como confiáveis, pois in-vestiram na organização, tiveram persistêncianum período de possível conflitiva entre asduas demandas e se encontram num períodode estabilidade familiar, com decréscimo daexigência de uma das partes: a família. O cres-cente número de mulheres de meia idade fa-zendo sucesso nas organizações parece ser ex-plicado em função do tempo que todo esse in-vestimento requereu.

Com relação ao medo do sucesso que amulher teria, associado ao medo de perder afeminilidade, hipótese levantada por Mona-han, Kuhn e Shaver ", nesta amostra tal não severificou. A mulher sofre pressão social paracumprir um papel, mas não tem medo de per-der a feminilidade.

Talvez ela tenha medo de, com o sucesso,perder o ambiente afetivo e positivo, anterior-mente conquistado. Se o marido faz sucessoele pode apoiar o sucesso da mulher e destaforma estará resguardado o espaço afetivo. Seo marido não faz sucesso, ele pode não supor-tar o desenvolvimento da mulher e, neste ca-so, seria uma aventura mais arriscada para amulher que quisesse se lançar no mundo pú-blico. Provavelmente seja esta a razão dos in-vestimentos diferenciados entre solteiras e ca-sadas e que configura a característica afetivada dupla demanda.

Quando a mulher investe no mundo públi-co, obtendo alguma projeção e independênciaeconômica, é possível que o homem não su-porte tal situação e isso pode levar ao rompi-mento dos vínculos do casal.

A mulher, ingressando nas organizações,deverá reavaliar os investimentos que faz nospapéis femininos e isto exige uma capacidade

de superação de papéis prescritos, sem medoou culpa. O papel idealizado de docilidade fe-minina parece não ter espaço nas organiza-ções, pelo menos para a atuação da mulher empostos de comando. As mulheres desta amos-tra afirmaram atuar segundo padrões masculi-nos de conduta. Para a ascensão profissionalfeminina pode ter mais peso a personalidade,o investimento e o tipo de organização, do queo fator sexo. Isto sugere que o ingresso da mu-lher no mercado de trabalho não alterou signi-ficativamente as relações organizacionais, pelomenos até o presente momento.

No que se refere aos temas tomada de ris-cos e uso da sexualidade, as falas dos entre-vistados permitiram concluir que são estereó-tipos. Homens e mulheres correm riscosiguais dentro das organizações e ambos reco-nhecem que as mulheres que fazem sucesso, ofazem pela competência e investimentos enão pelo uso da sexualidade. Não obstanteatuarem segundo padrões masculinos, as en-trevistadas afirmaram sentir discriminação;contrapondo-se à percepção feminina, os ho-mens disseram que eles próprios não discri-minam, só a organização o faz.

Apesar do reconhecimento da competênciafeminina, de seus investimentos e de suaatuação segundo padrões masculinos, elascontinuam sendo mulheres, portanto diferen-tes, e isto assusta os homens. Talvez isto ex-plique a persistência da discriminação.

Porém, para as novíssimas gerações que in-gressam no mercado de trabalho, o nascimen-to do desejo de uma outra qualidade de vidatem recebido maior importância, numa tenta-tiva de conciliar o mundo público e o priva-do, mais do que buscar sucesso e poder nopúblico.

O objetivo não é só acumular fortunas, masusufruir daquilo que se está obtendo. Busca-se a possibilidade de uma vida privada praze-rosa, mesmo com prejuízo de parte do podere do prestígio. Vemos esse modo de inserçãono mundo como uma dimensão positiva donarcisismo: o prazer não adiado, mas bem ca-nalizado. Isto não significa que essa geraçãonão esteja investindo no trabalho; há umconstante investimento, porém aliado a umdesejo de usufruir do mesmo.

Essa possibilidade é restrita a uma camadaespecial da população, que tem respaldo eco-nômico e que pode fazer essa opção.

A geração mais velha parece indicar a estamais nova que não é só investimento econô-mico que se deve fazer, mas múltiplos investi-mentos: afetivo, interpessoal, com preocupa-ções ecológicas e sociais, que aumentem aqualidade de vida. O

48. MONAHAN, L.; KUHN,D. & SHAVER, P. Op. cit.

33A mulher executiva e suas relações de trabalho