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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)
Convênio: UNESP/INCRA/Pronera
Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes
A MIGRAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO:
O CASO DO ASSENTAMENTO CIGRA – LAGOA GRANDE
DO MARANHÃO
JOSÉ JONAS BORGES DA SILVA
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação
em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio
UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de
Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientadora: Profa. Dra. Valéria de Marcos
Monitora: Hellen Carolina Gomes Mesquita da Silva
Presidente Prudente
2011
A MIGRAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO:
O CASO DO ASSENTAMENTO CIGRA – LAGOA GRANDE
DO MARANHÃO
JOSÉ JONAS BORGES DA SILVA
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação
em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio
UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de
Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientadora: Profa. Dra. Valéria de Marcos
Monitora: Hellen Carolina Gomes Mesquita da Silva
Presidente Prudente
2011
José Jonas Borges da Silva
A MIGRAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO:
O CASO DO ASSENTAMENTO CIGRA – LAGOA GRANDE
DO MARANHÃO
Monografia apresentada como pré-requisito para
obtenção do título de Bacharel em Geografia da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora
composta pelos seguintes membros:
Profª Drª Valéria de Marcos
Presidente Prudente, novembro de 2011
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Josiel Alves
Pereira, o Josi (in memoriam). E, de forma
especial às minhas queridas irmãs de
Notre Dame De Numar, Anne Carolina
Wihbey e JoAnne Depweg (Júlia), duas
internacionalistas históricas na luta pela
emancipação dos trabalhadores do mundo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e à Via Campesina,
organizações que representam a utopia dos que lutam pela emancipação da classe
trabalhadora internacional, pelas oportunidades de aprendizagem nas várias dimensões do
saber. E, em especial por vivenciar a vida acadêmica nestes últimos cinco anos. Gostaria de
dizer que neste período, o ato de estudar se tornou possível graças à cumplicidade política
militante entre o sujeito educando e o sujeito político, chamado MST. Estudar geografia foi
um compromisso assumido por mim na condição de militante político e do desafio pessoal de
me qualificar para melhor contribuir com a causa comum daqueles que se colocam para a
transformação política da sociedade em que vivemos.
O agradecimento vai também para a Escola Nacional Florestan Fernandes - ENFF e a
Universidade Estadual Paulista – UNESP, pela metodologia desenvolvida no Curso, a qual
possibilitou à turma Milton Santos, uma educação e formação privilegiada, permitindo a
relação entre a teoria e as realidades vivenciadas por cada educando e educanda.
A todos os “entes”, parentes, amigos e carinhosamente a todos educandos e
educandas da Turma Milton Santos, pela convivência e aprendizado cotidiano. E a todos e
todas que diretamente e indiretamente estiveram envolvidos na construção e consolidação
deste projeto de uma geografia dos movimentos sociais, no intuito de fortalecer a Educação
do e no Campo e consequentemente para a consolidação da Reforma Agrária no Brasil.
Estiveram comigo na pesquisa, equipe valiosa, composta por Edvan, Leomar,
Cristiane, Luciana, Isabel, família Ciano, especialmente Elias, sem terrinha, meu assistente
para assuntos aleatórios da pesquisa.
Sou grato aos secretários e secretárias que ao longo dos cinco anos foram
desenvolvendo as atividades para o bom desempenho do curso e da turma; ao monitores e
monitoras que diretamente contribuíram para a elevação pessoal e coletiva da turma Milton
Santos, em especial minhas monitoras, Yamila Goldfarb e a Hellen Carolina, que estiveram
presentes nos momentos determinantes para mim no curso, a primeira na contribuição do meu
tema e projeto de pesquisa e a segunda na construção do texto monográfico (contribuição
imprescindível)
Uma referência especial ao quarto A, que se tornou um espaço de diálogo, estudo,
amizade e pelas muitas, mas muitas gargalhadas dada pelo quinteto Alcione (Cabôco), Iure
(Galego), Gilberto (Cabrito), Avelino (o Mestre) e Jonas.
Agradeço também a Ivanei Farina Dalla Costa e Delvek Mateus, que contribuíram
solidariamente com a Turma, compondo a coordenação política pedagógica. Sabe-se da
grandeza e sacrifícios exigidos para cumprirem as responsabilidades de CPP e educandos.
Particularmente não posso deixar de agradecer aos coordenadores do Curso, Thomaz
Junior e Bernardo Mançano, pela dedicação e compromisso com o processo de educação
emancipatória deste curso; pelo empenho e disposição em assumirem os riscos políticos e
acadêmicos que implicam um projeto de tal envergadura como este.
De forma muito especial quero agradecer à minha orientadora Profª Drª Valéria de
Marcos, que, sempre gentil e atenciosa, foi comprometida no processo de minha orientação,
mantendo o rigor acadêmico que exige este trabalho.
Agradeço à Zaira, namorada “paciente” com meus “congestionamentos textuais” e
também comprometida com o meu processo de aprendizagem. Companheira de luta e de vida.
E por fim, agradeço ao assentamento Cigra, e particularmente às famílias da
Comunidade Alto Bonito, pela inestimável contribuição e disponibilidade no processo de
pesquisa.
CANÇÃO DA PARTILHA
Reparto contigo este canto
Feito pão na mesa indigente,
Pois, o vazio em tua boca
não é só a fome que sentes.
É o canto que te foi negado,
É a terra cavada no homem.
Por isso reparto, urgente,
Meu canto, que se fez semente:
A terra também sente fome
(César Teixeira)
RESUMO
Este trabalho trata do fenômeno migratório em áreas de reforma agrária no estado do
Maranhão. O trabalho teve como campo empírico a comunidade do Alto Bonito no
assentamento Cigra – Lagoa Grande do Maranhão – MA.
A pesquisa tenta recuperar o processo migratório na formação brasileira, tendo como
referência a migração feita pelos trabalhadores do campo, aqui neste trabalho identificados
como os migrantes da terra.
Outro aspecto desenvolvido na pesquisa é sobre o papel dos movimentos sociais e sua relação
com o fenômeno da migração, especialmente as organizações sociais do campo. Tendo como
referência as lutas camponesas que fizeram parte da formação do campesinato brasileiro, em
destaque as lutas camponesas realizadas a partir da década de 1950.
Por fim, o trabalho tenta fazer uma crítica à questão da reforma agrária partindo da premissa
de que esta política pública tem como um dos objetivos diminuir a migração no campo. Por
isso a pesquisa buscou entender os motivos da migração na reforma agrária, como e por que
os assentados estão saindo de seus locais de origem em busca de trabalho e renda fora do
assentamento. A pesquisa tenta identificar os migrantes da reforma nas várias dimensões da
migração brasileira e internacional.
Palavras chaves: Migração, Reforma Agrária, MST, Assentamentos
ABSTRACT
This work deals with the phenomenon of migration in areas of agrarian reform in the state of
Maranhao. The empirical field work was in the community of Alto Bonito in the settlement
CIGRE – Lagoa Grande do Maranhão - MA. The research attempts to recover the migratory
process in the Brazilian formation, with reference to migration made by field workers in this
work identified asmigrants from the earth. Another aspect is developed in the research on the
role of social movements and their relationship to the phenomenon of migration, especially
rural social organizations. With reference to the peasant struggles were part of the formation
of the Brazilian peasantry, highlighted the peasant struggles made 50. Finally, the paper
attempts to critique the issue of land reform starting from the premise that public policy has as
one of the goals is to reduce the migration field.Why this research is trying to understand the
reasons for migration in the land reform, how and why the settlers are leaving their
homelands in search of workand income out of the settlement. The research attempts
to identify migrants in the various dimensions of the reform of the Brazilian and
international migration.
Keywords: Migration, Agrarian Reform, MST, Settlements
LISTA DE SIGLAS
APP Área de Preservação Permanente
ASSEMA Associação em Áreas de Assentamento do Estado do Maranhão
CEB´s Comunidades Eclesiais de Base
CENTRU Centro de Educação do Trabalhador Rural
COLONE Companhia de Colonização do Nordeste
CPT Comissão Pastoral da Terra
CUT Centra Única dos Trabalhadores
DOU Diário Oficial da União
ENFF Escola Nacional Florestan Fernandes
IBGE
IBRA
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MASTER Movimento dos Agricultores Sem Terra
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MPF Ministério Público Federal
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PA Projeto de Assentamento
PCAT Programa de Colonização do Alto Turi
PC do B Partido Comunista do Brasil
PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista do Brasil
SIPRA Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UDR União Democrática Ruralista
ULTAB União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
UNESP Universidade Estadual Paulista
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Localização do Assentamento Cigra - Maranhão 69
Mapa 2 Destino dos Migrantes do Alto Bonito – Cigra (2010) 83
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Subáreas do Assentamento Cigra – Maranhão (2010) 70
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Programas de Assistência – Comunidade Alto Bonito – Cigra – Maranhão
(Setembro – 2010) 74
Tabela 2 Destino dos Migrantes – Comunidade Alto Bonito – Assentamento Cigra
(2010) 82
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
1. A MIGRAÇÃO NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA
BRASILEIRA 17
2. A QUESTÃO AGRÁRIA E A MIGRAÇÃO NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XX 29
3. A LUTA PELA REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL E A
FORMAÇÃO DO MST 43
3.1 A FORMAÇÃO DO MST NO CONTEXTO DA QUESTÃO AGRÁRIA NO
MARANHÃO 53
3.2 A TERRITORIALIZAÇÃO DO MST: ESTADO DO MARANHÃO 56
4. O ASSENTAMENTO CIGRA NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO
MARANHÃO 59
4.1 A COMUNIDADE ALTO BONITO E A CONSOLIDAÇÃO DO
ASSENTAMENTO CIGRA 70
5. ALTO BONITO: UMA EXPRESSÃO DA MIGRAÇÃO NA REFORMA
AGRÁRIA MARANHENSE 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS 91
11
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objeto de estudo o fenômeno da migração na reforma agrária,
tendo como campo de pesquisa empírica a Comunidade Alto Bonito, a qual compõe o
assentamento CIGRA, localizado na Microrregião Pindaré da região Oeste Maranhense.
Trata-se de um assentamento constituído por cerca de 735 famílias cadastradas e 180 famílias
agregadas1, distribuídas em 12 comunidades do assentamento, compondo a base orgânica do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST.
O assentamento Cigra é resultado da luta dessas famílias camponesas sem terra que,
de uma maneira ou de outra, tinham sido expropriadas das condições de produção. A
migração não se apresenta como fenômeno desconhecido para estas famílias, pois na condição
de expropriadas da terra, condição esta anterior ao assentamento, tiveram na migração a
alternativa de sobrevivência. São famílias que, em geral, migraram de outros estados e de
outros municípios em busca de terra e trabalho. E, no movimento migratório vivenciado, se
mobilizaram em torno da reivindicação da luta pela terra, o que culminou com o processo de
ocupação da então fazenda Cigra, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra – MST. Considerando a extensão geográfica do assentamento, a grande quantidade de
famílias e de comunidades existentes e o distanciamento entre elas, foi necessário a escolha de
uma comunidade para a realização da pesquisa, o que foi feito tendo como critério a maior
incidência de migrantes.
A escolha deste objeto de pesquisa resulta de minhas inquietações a partir de minha
atuação política na região, pois na condição de militante de organização de luta pela terra e
por reforma agrária, este assentamento me chamou a atenção para o contingente de pessoas
que seguiam para outras localidades em busca de trabalho. Outro aspecto importante para a
escolha deste objeto foi que, apesar da vasta produção acadêmica sobre a migração, não
existem muitos trabalhos que problematizem as particularidades deste fenômeno nas áreas de
reforma agrária.
1 De acordo com AZAR (2005, p 17) “A diferença entre famílias cadastradas e agregadas encontra-se no fato de
que as primeiras são reconhecidas legalmente pelo INCRA, recebendo tratamento institucional como famílias
assentadas, no caso, com direitos de acesso aos programas governamentais desenvolvidos pelos governos.
Diferentemente, como o próprio nome denota, agregadas são as famílias que se agregam às primeiras.
Normalmente são filhos ou filas do casal cadastrado que constitui família e não meios de trabalho, parentes
idosos que vivem próximos, ou ainda parentes que moravam em centros urbanos e não conseguiram modos de
sobreviver nas condições impostas pelas relações lá estabelecidas. Estabelecem moradia e vão se integrando na
dinâmica social e produtiva do assentamento”
12
No decorrer da pesquisa percebi que os camponeses migrantes da comunidade do
Alto Bonito seguem caminhos distintos, sendo que uns vão para o corte da cana-de-açúcar e
para a colheita de maçã e soja no Centro Sul; outros para a construção de barragens em
regiões distintas; outros ainda para carvoarias em diversas regiões do Maranhão do Pará; e,
enfim, há ainda aqueles que migram para garimpos Amazônicos nas Guianas, Suriname e
Venezuela.
Minhas inquietações têm como premissa o fato da reforma agrária constituir-se em
política governamental que tem como objetivo garantir o acesso dos trabalhadores à terra e a
um conjunto de políticas públicas que permitam às famílias sua permanência no campo em
condições dignas. Com tal concepção, fez-se fundamental compreender os elementos
determinantes para o fluxo migratório na reforma agrária, ou seja, compreender porque
grupos de camponeses atendidos pelas políticas de reforma agrária precisam sair mundo afora
em busca de trabalho. E, para entender essa problemática, minhas reflexões partem da atual
dinâmica da economia do estado e da realidade específica vividas nos assentamentos de
reforma agrária no Maranhão. Neste sentido, atentei para entender os motivos que levam as
famílias da Cigra à migração, e como isso rebate no seu cotidiano dentro e fora do
assentamento.
A intenção é desvendar que trabalhos estes migrantes realizam? Onde? A que
relações de trabalho se submetem? Como são recrutados? Em suma, minha intenção é
compreender a seguinte questão: se a reforma agrária, enquanto política pública, é
apresentada tanto pelo Estado quanto por muitos estudiosos, como alternativa de permanência
do homem na terra, o que explica o fenômeno da migração no caso dos assentamentos de
reforma agrária no estado do Maranhão?
Considero o tema abordado nesta monografia de grande relevância, uma vez que a
migração é fenômeno que perpassa toda a formação brasileira, particularmente por ser
utilizada como instrumento político pelo Estado e pelo capital para a reprodução e ampliação
de seus lucros.
Os aspectos teóricos utilizados são, na sua grande parte, resultado dos cinco de anos
de estudos no Curso de Geografia Especial, realizado pela Universidade Estadual Paulista –
UNESP (Presidente Prudente). Tal curso compõe o Programa Nacional de Educação em
Áreas de Reforma Agrária – PRONERA, ligado este ao Ministério de Desenvolvimento
Agrário – MDA e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, e é
organizado pela Via Campesina – Brasil e pela Escola Nacional Florestan Fernandes - ENFF
13
A Via Campesina e a ENFF são organizações que fazem parte de um conjunto de
forças sociais e políticas que, nos últimos quinze anos, têm levado o debate da educação do
campo para dentro da sociedade brasileira. Nesse sentido, a realização desta pesquisa tenta dar
sua contribuição a essa causa que é de toda a sociedade brasileira. Além disso, a realização
desse trabalho me possibilitou a articulação entre a teoria e o conhecimento empírico sobre a
questão, resultado este de muitos anos de militância social e política na luta pela terra, cuja
prática política sempre teve como base debates sobre a questão agrária, assim como a
migração. Porém, a pesquisa não intenciona encerrar a questão, não acabando em si, pois
tenho a clareza da amplitude e complexidade do tema. O que fiz foi um esforço no sentido de
adentrar no universo que permeia a questão.
Parto, assim, da demarcação das contradições que originam o processo da conquista
do assentamento Cigra, já que desde o inicio este enfrenta questões estruturais, jurídicas,
político-ideológicas, que caracterizam a trajetória de luta pela terra e pela reforma agrária
desse assentamento. Nesse sentido, abordo a questão da migração relacionada ao debate
geográfico, entendendo que o processo migratório se intensifica nas sociedades
contemporâneas com a consolidação do modo de produção capitalista. A fase capitalista de
intensificação da indústria tem como um dos aspectos de sua caracterização a expropriação
das terras camponesas, obrigando os camponeses a se deslocarem do campo para a cidade, e
com isso compor um imenso contingente de trabalhadores que se viram transformados em
outro segmento de trabalhador: o trabalhador urbano, cujas exigências eram o atendimento da
nova ordem social, que necessitava da força de trabalho livre para o mercado.
Diante deste contexto, se faz importante apontar alguns conceitos e categorias
relacionadas à temática problematizada na pesquisa. Dentre as questões principais a serem
discutidas encontram-se a categoria de espaço, trabalho, o conceito de território, o debate da
migração e reforma agrária. Para tal, trabalhando com os seguintes autores da geografia e de
ciências afins empenhados na compreensão da formação do Brasil, dentre eles Darci Ribeiro,
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano Fernandes, Celso Furtado, Manoel
Correia de Andrade, entre tantos outros autores que me oportunizaram compreender a questão
agrária brasileira e a migração.
O estudo sobre a migração em áreas de reforma agrária no estado do Maranhão vem
somar o conjunto de estudos realizados por minha organização política no sentido de melhor
compreender as transformações que estão ocorrendo no campo, e quais os sujeitos que
compõem este processo, seus interesses e antagonismos, assim como a atuação do Estado
14
como sujeito mediador das relações estabelecidas entre os antagonismos existentes. Me refiro
aqui, à disputa de projetos empreendida pelo agronegócio e pela agricultura familiar
camponesa, por outro.
Para um aproveitamento maior do trabalho de campo que envolvesse todas famílias
da comunidade Alto Bonito, organizei um grupo formado por filhos de assentados, estudantes
dos cursos Pedagogia da Terra, Educação do Campo2 e Geografia, um de cada curso, e ainda
um militante residente no assentamento, uma educadora e um assentado migrante. O objetivo
foi organizar um grupo de pesquisa sobre o assentamento Cigra, tendo como foco a
comunidade Alto Bonito, considerando a existência de um grupo significativo de pessoas que
se encontram fazendo curso de graduação das várias outras comunidades do assentamento.
Primeiramente, reuni-me com o grupo e apresentei a proposta de pesquisa, minhas
motivações e intenções de formar o grupo de pesquisa. No processo de socialização dos
objetivos do meu projeto de pesquisa, ouvi sugestões, tirei dúvidas e discutimos o
questionário, assim como nos preparamos para sua aplicação, pensando neste sentido como o
grupo deveria se apresentar, fazer as abordagens e como aprofundar as questões em casos
específicos. Como o grupo é todo do assentamento e conhece bem a comunidade, seus
problemas e sua história, isso contribuiu muito para a percepção de outros elementos que
foram considerados na organização e aplicação da pesquisa, dando uma qualidade muito
maior para o meu trabalho. Após o “treinamento”, demos início à pesquisa. O questionário foi
aplicado às 57 famílias residentes na comunidade. A facilidade para tal aplicação deveu-se à
disponibilidade e interesse do grupo no trabalho. Após a divisão geográfica, o grupo, dividido
em duplas, visitou todas as famílias para conversar e realizar a aplicação dos questionários no
período de dois dias.
Outro metodologia utilizada foi a realização de leituras referentes à temática.
Realizei levantamento em fontes primárias e secundárias, tendo tido acesso a vários
depoimentos de migrantes e familiares, fotos, vídeos e cartilhas relativas à temática e
disponíveis na comunidade estudada. Além disso, entrevistei vários migrantes de destino e
atividades diferentes, o que poderá ser observado no trabalho. Conversei com profissionais
técnicos que atuam na área, lideranças políticas municipais, dirigentes de base (igreja,
associação, escola), direção estadual do MST, seguindo, para tanto, roteiro previamente
estabelecido. Infelizmente não pude utilizar todo o material como gostaria, ficando o mesmo
como fonte para futuros trabalhos.
2Os cursos Pedagogia da Terra e Educação do Campo são resultado de uma parceria entre o MST, INCRA e
UFMA, através do Pronera.
15
Além disso, fiz observação direta e recuperei informações vivenciadas a partir de
minha militância política de 22 anos de atuação e de quem acompanhou todo o processo de
mobilização, organização, ocupação e conquista do assentamento Cigra. De forma mais
direta, desde 2009, por ocasião da elaboração do projeto de monografia e para a realização da
pesquisa de campo, viajei pelo menos seis vezes para a comunidade com o objetivo de coletar
as informações que se encontram aqui apresentadas.
Em relação às fontes secundárias, como já dito, li trabalhos acadêmicos como
monografias, dissertações e teses referentes ao tema e de matérias publicadas em revistas
especializadas; utilizei trabalhos disponibilizados na rede mundial de computadores; levantei
e analisei dados oficiais do INCRA, porém registro a dificuldade para acessar documentos de
fundamental importância, como o processo de desapropriação da área. No caso, fiz solicitação
junto ao órgão, mas pela deficiência no controle interno do Instituto, o mesmo não conseguiu
localizá-lo, o que exigiu inúmeras visitas minhas ao setor responsável e depois de meses de
insistência, fui informado de que o processo de desapropriação do assentamento Cigra faz
parte de um pacote de mais de trinta processos que simplesmente sumiram do órgão.
Como militante, tive o privilégio de conviver diretamente com os sujeitos que
compõem a pesquisa desde o processo de organização das famílias para a ocupação da
fazenda, o que obviamente me possibilitou facilidades tanto na apreensão das dimensões de
vida das famílias, como no acesso a estas. Porém, tal aproximação com a realidade estudada
exigiu de mim especial atenção às exigências metodológicas da pesquisa, e para isso tive que
ficar atento para não naturalizar fatos, duvidar da aparência apresentada pelos fenômenos,
enfim, não responder “panfletariamente” às questões por mim colocadas. Assim, utilizando
dos conceitos e categorias geográficas, busquei perceber as questões para além da minha
compreensão de militante, o que reconheço como o mais difícil dos exercícios. Mas para
tanto, considero como fundamental a importância do trabalho da orientação acadêmica, papel
cumprido na dinâmica de leituras, na elaboração e aplicação dos questionários e na leitura
atenta e questionadora do material submetido para correção.
Enfim, os resultados da pesquisa encontram-se estão sistematizados em cinco
capítulos, além desta introdução. No primeiro faço uma análise da dimensão da luta pela terra
no Brasil, entendendo-a como intrínseca à questão agrária. Abordo também o fenômeno da
migração no contexto histórico brasileiro, enfatizando-a no processo de ocupação da
Amazônia, e de forma particular na formação sócio-econômica maranhense.
16
No segundo capítulo a reflexão feita aborda a questão agrária e a migração no Brasil
e o processo de fortalecimento da luta pela reforma agrária até chegando até a repressão
militar na década de 1960. No terceiro capítulo trago o contexto político do Brasil no período
denominado de redemocratização e a efervescência de sujeitos políticos para demarcar os
elementos que dão origem à formação do MST no Brasil, especialmente no Maranhão, e suas
estratégias de enfrentamento à questão agrária no estado.
Os dois últimos capítulos dedico ao processo de luta do assentamento Cigra. O
quarto capítulo vai tratar dos mecanismos utilizados para a expropriação dos camponeses que
tinham a posse mas não a propriedade da terra, passando pela fase inicial da luta onde os
camponeses que trabalhavam na terra e tinham que pagar renda, passaram a resistir ao
latifúndio, dando origem ao chamado “Grupo dos 80”, até chegar à consolidação do
acampamento, uma ação conjunta entre posseiros, organizações políticas locais e o MST,
tentando observar o processo de consolidação do assentamento.
No quinto capitulo apresento elementos e informações observadas durante a pesquisa
de campo, trazendo as várias dimensões vividas pelas famílias de migrantes, como a
organização da produção, a reprodução do campesinato, as relações familiares estabelecidas e
as mediações políticas existentes no processo. Para concluir, apresento as considerações
acerca da pesquisa realizada, identificando limites e desafios para o processo de consolidação
da reforma agrária.
17
1. A MIGRAÇÃO NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA
BRASILEIRA
A questão agrária brasileira e o fenômeno da migração nesta segunda década do século
XXI colocam-se como algo desafiador para se compreender as novas relações sociais existentes
no campo. Existe hoje uma complexidade que deve ser desvelada para que sejam compreendidos
os aspectos teóricos e políticos dessa questão, pois o campo possui uma dinâmica própria, seja
ela marcada pelas forças do capital, pelo agronegócio das commodities ou pela dinâmica das
forças sociais representada pela classe dos trabalhadores do campo.
Os movimentos sociais do campo encontram-se na condição de luta e resistência, sem
força política suficiente para realizar ações mais ofensivas, diferentemente de outros períodos
históricos, nos quais a luta política nacional sofreu forte influência da luta pautada pelos
movimentos sociais.
O que se apresenta é uma constante disputa por território entre capital e trabalho, entre
os que resistem para manter-se nos seus territórios e os que querem desterritorializá-los. São
interesses antagônicos entre a classe dos latifundiários capitalistas e da classe explorada no
campo, sendo a terra a centralidade desta disputa.
O que diferencia o momento atual desta disputa é o setor dominante do campo a qual
apresenta-se com características diferentes de outros períodos. Tal setor foi se consolidando
historicamente no campo através de alianças e articulações com vários setores e segmentos da
sociedade. Nesse sentido, o agronegócio, setor econômico hegemônico do campo, encontra-se
profundamente articulado com os setores industrial, financeiro, midiático e inclusive com o
institucional, conforme pode ser observado através da aprovação do Código Florestal, votação
que demonstrou claramente a força deste setor no contexto político do país.
Porém, apesar do atual contexto sócio-político se caracterizar pelo descenso da luta de
massa, surgem novos sujeitos políticos atuando no país, os quais expressam as mais diferentes
categorias do campo e da cidade. No Maranhão, a diversidade dos grupos e movimentos com
atuação política no campo é o reflexo do que acontece no resto do país. Essas representações
podem ser encontradas nas comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, pescadoras,
quebradeiras de coco, de posseiros, de pequenos proprietários, nos assentamentos, nos
18
acampamentos, enfim, nas comunidades tradicionais em geral. Ambas possuem em comum a
busca pela terra e defesa de seus territórios.
No entanto, apesar desta diversidade política e da particularidade do momento da
inserção do Maranhão na dinâmica capitalista, com a implantação de grandes projetos
desenvolvimentistas, os quais têm atingidos diretamente os grupos acima citados, as
organizações e movimentos sociais ligados ao campo, apesar de muitos esforços não têm
conseguido aglutinar força suficiente para realizar ações ofensivas capazes de conter o avanço do
capital. Toda a luta empreendida pelos movimentos e organizações sociais do campo não tem
resultado em ganhos concretos para as famílias destas comunidades.
No Maranhão, a relação estabelecida entre capital e trabalho tem sido mediada pelo
Estado, que tem assumido um papel de estímulo e garantia do avanço do capital, por um lado
através de políticas de infraestrutura e incentivos fiscais e, de outro, agindo de forma incisiva no
sentido de coibir quaisquer ações de reivindicação ou denúncia contra os grupos e corporações
empresariais estabelecidas no estado. Um dos exemplos da investida do capital no contexto
maranhense é a instalação de uma fábrica de celulose no município Imperatriz, onde o governo
do estado tem investido em estrutura e recursos para receber o empreendimento da Suzano
Celulose, além dos investimentos federais via Banco Nacional de Desenvolvimento Social –
BNDS, o mesmo que financia a ampliação do Porto do Itaqui em São Luís, onde serão
construídos mais dois píeres, sendo um deles de exclusividade da Suzano. Esse é um dos vários
exemplos dos novos empreendimentos do capital que começam a se instalar no estado. De
acordo, com os dados do governo do estado, o Maranhão receberá mais de R$ 100 bilhões em
“investimento” nos próximos quatro anos. (PMDB, 2010)
Dentre as conseqüências da essa expansão do capital internacional no estado encontra-
se o agravamento dos conflitos rurais e urbanos, os quais têm contribuído de forma marcante
para a precariedade das condições de vida das famílias pobres do estado. Neste contexto, muitas
famílias, principalmente do campo, têm buscado na migração alternativa para sua reprodução
social. Tais elementos contribuíram para a problematização do fenômeno migratório nesta
unidade federativa, sendo o ponto de partida analítico os “migrantes da terra”3, sobre os quais
3 Estou fazendo uso do termo “migrante da terra”, como resultado das reflexões feitas a partir de leituras de autores
como Fernandes (1999), Martins (1980), Ribeiro (1995), Prado Jr (1998) e Andrade (1998). Apesar dos autores
citados não fazerem qualquer referência ao termo, seus estudos mostram claramente a existência da particularidade
deste tipo de migração, o qual permeia todo o processo histórico da sociedade brasileira.
19
irei tratar no decorrer deste trabalho. No entanto, para a compreensão desta questão é preciso
buscar na formação brasileira elementos que possam contribuir para o entendimento do processo
migratório na questão agrária atual.
A migração no contexto da formação sócio-econômica do Brasil já é visível logo no
inicio, com a chegada dos exploradores europeus, que viajavam pelo mundo em busca de
negócios lucrativos para os impérios centrais daquele período. Isso representou o que pode ser
entendido como a entrada dos colonizadores Ibéricos nas terras do “novo mundo”, marcando
assim, desde o início, o conflito pela terra no país. (MORISSAWA, 2001 p. 57)
Ali iniciava o processo que iria demarcar a formação sócio-econômica brasileira,
caracterizada desde o inicio pelo uso da força e da violência para impor à nova colônia os
interesses e costumes da Coroa, no sentido de uma superposição da cultura européia sob a
cultura existente nas novas terras. Essa nova colônia denominada Brasil constituiu um país que
tem na sua gênese a cultura baseada na expropriação da terra e das riquezas naturais sempre
voltadas aos interesses externos. Para perceber isto, basta analisar como os interesses da Coroa
foram sendo mantidos e como eram garantidos. Primeiro, houve a apropriação do território e, a
partir de então, foi sendo extraída da Colônia toda a matéria-prima possível que fosse do
interesse da Coroa Portuguesa. Some-se a isso o padrão do uso da força de trabalho instituído,
baseado na escravização de povos indígenas e posteriormente de tribos negras advindas da
migração forçada da África. Assim, a migração constituiu-se em um fenômeno social desde o
inicio da colonização, usado como instrumento de dominação de novas terras, garantindo,
também, o uso da força de trabalho nas áreas colonizadas.
Para garantir os interesses do rei, a Coroa dividiu essas terras em quatorze capitanias
hereditárias, entregues aos “nobres amigos”, denominados “donatários” (ALENCAR et al, 25).
Para garantirem a produção das extensas áreas sob seu domínio as subdividiam em sesmarias,
deixando a cargo de sesmeiros a responsabilidade da produção. As capitanias hereditárias eram
O termo é usado para fazer referência às populações de trabalhadores do campo que, historicamente, migram na
condição de vítimas da questão agrária. Neste sentido, como exemplo de “migrantes da terra” podemos pensar as
comunidades originárias que aqui se encontravam quando da chegada dos portugueses, as quais, pressionadas pelo
avanço da colonização, precisaram se deslocar continuamente para o interior do país em busca de novos territórios.
Também os negros africanos viveram a condição de “migrantes da terra”, arrancados de suas terras e transformados
em força de trabalho escrava, longe de seus lugares de origem. (RIBEIRO, 1995) Atualmente, estes migrantes podem ser encontrados em todas as regiões do país, constituindo a classe camponesa
expropriada de suas condições de trabalho e da própria terra pela dinâmica capitalista contemporânea, cujas
expressões podem ser percebidas nas questões apresentadas pelos quilombolas, sem terra, indígenas, seringueiros,
caiçaras, extrativistas.
20
destinadas aos donatários sob a condição de terem que pagar impostos à Coroa pelo uso e
ocupação das terras. (SILVA, 2004, p. 17). Tais donatários mantinham a posse da terra, mas não
detinham sua propriedade, já que as terras se mantinham como monopólio português, o que
durou até 1822. Até essa data, eles passam a ter o direito de explorar a terra, mas também a
responsabilidade sobre o controle político do território, em um sistema que articula economia e
política (ALENTEJANO, 2010)
Além da posse das terras, estes donatários foram os primeiros a iniciar o processo de
produção voltado exclusivamente ao mercado externo, no caso, ao mercado capitalista que
buscava sua consolidação no contexto europeu da época, ao qual se subordinavam os interesses
da Coroa portuguesa (FURTADO, 2001). O sistema produtivo desse período, necessariamente
baseava-se na utilização de grandes extensões de terras, no monocultivo e na utilização da força
de trabalho eminentemente escrava. Tal modelo adotado foi denominado por diversos estudiosos
da formação brasileira de plantation (PRADO JUNIOR, 2001). Para Stédile (2001, p. 21) este
sistema produtivo se caracteriza como a primeira fase econômica produtiva do Brasil,
denominada de agroexportador.
Esse modelo tinha como matriz produtiva o monocultivo, sendo usado para tal a mais
avançada tecnologia existente na época. Outra característica tratava da localização das áreas de
cultivo, pois as plantações deveriam ser desenvolvidas o mais próximas possível dos portos
existentes, já que toda a produção era voltada ao mercado externo. Assim, o Brasil cumpria o seu
papel na Divisão Internacional do Trabalho (MORISSAWA, 2001. p. 59) como produtor de
matéria-prima, sendo a produção realizada para atender, essencialmente, às necessidades da
Coroa portuguesa e do mercado europeu.
Ainda sobre o uso e a ocupação do solo na formação do Brasil, Prado Junior (2001,
p.31-2) diz que:
Se vamos à essência da nossa formação veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde
ouro e diamante; depois algodão, e em seguida, café, para o comércio europeu.
Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do
país e sem atenção a considerações que não fossem a interesse daquele
comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileira.
Esse processo, de acordo com a compreensão dos autores, explica como se constituíram
as bases econômicas e políticas para formação do país, sob o controle dos latifundiários, cujas
21
práticas resultaram na expulsão e dizimação de populações originárias e na implantação da
escravidão negra e sua manutenção por centenas de anos.
Das muitas heranças deixadas pela elite agrária brasileira, o coronel nordestino constitui
uma de suas maiores expressões. Os coronéis eram chefes políticos com grandes poderes
políticos e econômicos municipais ou regionais, com atuação nos diversos setores da sociedade,
podendo agir e decidir desde a definição de políticas públicas às questões relacionadas à terra e
aos conflitos entre as famílias. Desse modo o coronelismo “se caracterizou pelo rígido controle
dos chefes políticos sobre os votos do eleitorado, constituindo os “currais eleitorais” produzindo
o ‘voto de cabresto’” (MARTINS, 1983. p. 46).
Para garantir seu controle sobre a região de sua influência, o coronel se fazia valer dos
serviços de outros sujeitos, dentre os quais o jagunço. De acordo com Martins (1983, p. 48),
“para fazer valer o seu poder regional, os coronéis dispunham de grande número de jagunços,
trabalhadores e agregados de suas fazendas e das fazendas de seus clientes e correligionários”.
Porém, vale destacar que apesar da forte presença e influência no Nordeste, os coronéis não
constituem exclusividade desta região e encontram-se espalhados por todas as regiões do país,
tendo grande domínio político sobre elas.
O mais importante aspecto para estes coronéis que compõem a elite agrária brasileira, é
o controle da terra, o qual acontece, fundamentalmente, com a participação do Estado, a exemplo
da aprovação da Lei de Terras, em 1850. As consequências do histórico processo desta
concentração são os genocídios de povos originários, os conflitos e guerras desencadeadas por
todo interior deste país, entre latifundiários e os que lutavam em defesa de seus territórios;
lutavam por terra e liberdade. Foram homens e mulheres que, ao longo da história, têm sido
vítimas de uma intensa e sangrenta tragédia brasileira. Esse processo pode ser mais bem
compreendido na extensa e rica literatura brasileira que trata do assunto, a exemplo daquela
produzida por Fernandes, quando diz que:
As lutas de resistência aconteceram em todo o Brasil. Muitos foram os
quilombos criados em diferentes porções do território. Desde o Pará até o Rio
Grande do Sul, passando pelo Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso,
São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Foram três séculos de revoltas que
conduziram o enfrentamento contra o insustentável sistema escravocrata.
(FERNANDES, 1999. p.16)
22
Essas lutas, sejam elas dos povos indígenas, dos povos negros, dos camponeses livres,
ou dos abolicionistas, tinham como bandeira denunciar o sistema escravocrata e a opressão aos
homens e à terra. Bandeiras de luta que chegaram ameaçar o status quo daquele período. Um
desses registros, em particular, simboliza bem como foi o processo de luta pela libertação da
terra no Maranhão, a Guerra da Balaiada (SERRA, 2008), ocorrida em meados do século XIX,
tendo início no ano de 1838.
A Balaiada constituiu uma resistência popular composta por camponeses, índios,
negros, artesãos e profissionais liberais, com grande apelo popular daqueles que tiveram a
coragem de enfrentar as oligarquias agrárias e denunciavam as condições de miséria vivida pela
população do estado daquele período. De acordo com Prado Jr (2001. p. 72).
[...] na origem deste levante, vamos encontrar as mesmas causas que indicamos
para as demais insurreições da época: a luta das classes médias, especialmente
urbana, contra a política aristocrática e oligárquica das classes abastadas,
grandes proprietários rurais, senhores de engenho e fazendeiros, que se
implantara no país. (grifo nosso)
O combate se estendeu até 1842, quando sua principal liderança, o Negro Cosme, foi
capturado e assassinado em praça pública pelas forças do Império. Assim, a Balaiada, uma das
maiores expressões de luta popular do Maranhão, inspira até hoje as lutas sociais no estado.
Esse contexto de luta esteve presente em todo século XIX, A título de exemplo
merecem outros destaques, a Guerra dos Cabanos (1835 -1840), onde índios, negros e
camponeses se uniram em plena floresta Amazônica para tomar a cidade de Belém e Manaus,
exigindo terra e liberdade (Ribeiro, 2003). Na Bahia, merece destaque a Sabinada (1837 – 1838),
movimento que se levantou contra a Monarquia. Ainda antes da virada do século, o Brasil
vivencia a Guerra de Canudos (1893- 1897), também na Bahia (MORISSAWA, 2001). Traço
comum de todas estas lutas é que elas colocavam em xeque o decadente Império, fazendo com
que a República Brasileira já nascesse sendo contestada, posto que colocava as forças do Estado
Republicano a serviço dos interesses dos latifundiários contra Canudos, ou seja, contra as
resistências populares e camponesas (CUNHA, 2008). Via de regra, essas lutas, guerras e
revoltas denunciavam as condições de miséria e desmando político existente no país, exigindo
terra e trabalho livre. Essas formas de resistência apontadas acima fizeram parte de uma lista
interminável da nossa história e marcaram a formação de uma classe, o campesinato brasileiro.
A histórica luta dessa classe contra o cativeiro da terra constitui a cultura de resistência
que o povo brasileiro vai consolidando na posse da terra, como umas das poucas formas de
23
garantir o direito a um pedaço de terra para trabalhar, principalmente a partir do século XIX,
quando esses camponeses começam a constituir-se e a se reproduzir como classe, estabelecendo
nova lógica de relação com a terra. Como disse Stédile (2005. p.24-25) isso fez parte do que
poderia ser considerado como uma das vertentes do processo de formação do campesinato
brasileiro.
Nesse período os camponeses iniciam um novo processo de relação com a terra e com a
natureza já que a maioria não possuía propriedade. Eles se tornaram posseiros, ocupando as
terras de forma individual ou comunal (Andrade, 2007. p.77), movidos pela necessidade,
elemento fundamental para enfrentar os conflitos. Como posseiros, os camponeses começam a
ter outra perspectiva política na relação estabelecida com a terra, uma vez que passam a se
dedicar a uma produção agrícola voltada não apenas à sua existência enquanto trabalhador, mas
também à sua existência enquanto ser social e político.
Para Andrade (2007. p.78), os camponeses estabelecem relações diferenciadas com a
terra. No Maranhão alguns se organizam através da unidade da produção familiar, outros se
organizam através do uso coletivo da terra, todos relativamente autônomos em relação ao
latifúndio. Existem também grupos que arrendam a terra, mas não habitam a propriedade do
fazendeiro, enquanto outros vivem na condição de agregados, trabalhando e morando nas terras
do proprietário. Ademais, podem ser lembrados os agroextrativistas e ribeirinhos.
A trajetória destes camponeses é demarcada pela migração, pois sempre precisaram
seguir em busca da terra (ANDRADE, 2007, p.190). Na dinâmica migratória, sempre que iam se
estabilizando na terra, seja como camponeses livres, pequenos proprietários ou mesmo posseiros,
vinha o latifundiário que pressionava para apropriar-se da terra, cujo destino poderia ser a
criação de gado, a fabricação de produtos agrícolas voltados ao mercado externo, ou ainda
mantida como reserva de valor. De forma legal ou não, a terra ia sendo apropriada privadamente
pelos latifundiários, amparados pela Lei nº 601, de 1850, a Lei de Terras, cuja
[...] característica principal [foi], pela primeira vez, implantar no Brasil a
propriedade privada das terras. Ou seja, a lei [proporcionou] fundamentos
jurídicos à transformação da terra – que é um bem da natureza e, portanto, não
tem valor, do ponto de vista da economia política – em mercadoria, em objetivo
de negócio, passando, portanto, a partir de então, a ter preço. A lei normatizou,
então, a propriedade privada da terra. (STÉDILE, 2005. p.22-3)
24
Assim,
[...] ao dizer que as pessoas só podem ter acesso à terra na medida em que têm
recursos para comprá-la, alija os escravos que estão em processo de libertação,
os imigrantes que vão vir para substituir os escravos, os homens livres e pobres.
Mantém-se o monopólio da terra e a concentração após a Lei de Terras e ao
longo de toda a história do século XX. (ALENTEJANO, 2010. p.1)
Com essa medida o Império transformou a terra em mercadoria, tornando-a propriedade
particular reconhecida pelo Estado. Tal lei cumpriu o papel de legalizar a propriedade privada e
teve como principal consequência social a manutenção dos pobres e negros na condição de “sem
terra” (STÉDILE, 2000, p. 178). Um dos motivos para manter estes grupos sociais privados do
acesso à terra era mantê-los sob o domínio político e tê-los como força de trabalho voltado aos
interesses das elites agrárias.
Assim, para evitar o avanço camponês enquanto classe, na segunda metade do século
XIX as elites agrárias criaram grandes mecanismos para conter o avanço das lutas sociais no
campo. O primeiro, já apontado, a Lei de Terras de 1850; o segundo, em 1888, a Abolição dos
Escravos, liberdade esta, tutelada pelo Estado; e por último, já no limiar do século XX, a política
de imigração, principalmente européia, criada pelo Estado brasileiro como forma de substituição
da força de trabalho escrava pela força de trabalho do migrante, baseada no sistema de colonato4.
Pela importância e a força que representou a imigração européia, vale a pena trazermos
alguns elementos apresentados por Prado Junior (2002) que posteriormente vão contribuir para a
compreensão do contexto da época. Dentre os aspectos que chamam atenção, está o fato de que
os imigrantes tinham que assumir tarefas antes executadas pelos escravos. Este fato, relacionado
aos números expressivos de migrantes europeus, contribuíram de forma particular para a
formação do campesinato brasileiro. Sobre a complexa relação estabelecida entre o imigrante
europeu e o escravo, o autor esclarece que:
a escassez de braços e o desequilíbrio demográfico entre as diferentes regiões
do país acrescentavam-se aos problemas que antes já derivavam dele. Aliás, a
transferência de escravo do Norte para o Sul, se prejudicava grandemente
aquele, não resolvia senão muito precariamente as dificuldades do último. Era
preciso uma solução mais ampla e radical. Já no auge da campanha contra o
4 O sistema de colonato estabelecido durante a imigração européia no Brasil, principalmente no Sul e Sudeste, tinha
como base a exploração da força de trabalho imigrante. Pelo acordo estabelecido entre fazendeiro e migrante, este
deveria cuidar da produção da fazenda, já plantados pelos escravos, sendo que em troca receberiam casa para morar,
podendo usar pequena área de terra para produção de subsistência para sua e assim, ter o direito de criar pequenos
animais, o que lhes possibilitaria melhores condições de sobrevivência. (MARTINS, 1984)
25
tráfico, e na previsão do que brevemente ia acontecer, começara-se a apelar para
este recurso. A corrente imigratória se intensifica depois de 1850; e veremos
coexistir, nas lavouras de café, trabalhadores escravos e europeus livres. A
estranha combinação não surtirá efeito e logo se verificará sua
impraticabilidade, terminando num fracasso esta primeira tentativa de preencher
com colonos europeus os vácuos deixados pela carência de escravos. Somente
mais tarde e em outras condições [...] renovar-se-ão as correntes migratórias da
Europa, resolvendo-se então com elas o problema do trabalho na agricultura do
café. Mas ter-se-á confirmado pela experiência a incompatibilidade das duas
formas de trabalho; e este será um dos mais importantes fatores do crescente
descrédito da escravidão. (PRADO JUNIOR, 2002. p. 174-5)
A existência de uma relação direta entre a produção das fazendas do Norte e Nordeste e
a utilização dessa força de trabalho escravo para o Sul destacada pelo autor explicita a relação
política que se estabelecia no sistema escravocrata, criada no Império e que continuaria depois
por algum tempo com a República. A utilização da imigração europeia, primeiramente voltada
aos interesses do mercado de trabalho nas fazendas, fazia pressão sobre o sistema de escravidão,
transformando posteriormente os escravos em “migrantes da terra”, os quais passaram a
constituir força de trabalho direcionada ao capital industrial nascente que, naquele momento,
precisava de mão-de-obra livre, demanda surgida pelos interesses dos industriais urbanos, que
divergiam com os interesses, no primeiro plano, dos grandes proprietários de terra. Como pode
ser observado, a imigração européia teve importância significativa para a formação do Brasil,
principalmente pelos aspectos econômicos, políticos e culturais. Uma das determinações para tal
fenômeno foi o expressivo contingente de pessoas que se aventuram em busca do trabalho.
Na segunda metade do século XIX o Brasil vivia outro movimento migratório
importante, agora direcionado para a Amazônia. Esta região sempre esteve pautada pelo discurso
errôneo que ali se constituía um “vazio demográfico” (SAWYER, 1989). Esse discurso
equivocado foi sendo construído desde o inicio do século XIX, quando o Estado brasileiro,
utilizando-se dessa retórica, decidiu criar uma política de povoamento e exploração de recursos
da Amazônia. Essa política levou para a região milhares de trabalhadores de várias partes do
Brasil. Eram migrantes que tinham como tarefa extrair as riquezas disponíveis na região, as quais
seriam voltadas principalmente aos interesses externos. Para Alcântara:
A exploração de produtos naturais da Amazônia com o objetivo de atender as
necessidades do mercado mundial vem sendo uma prática constante desde as
primeiras investidas dos europeus em busca de suas riquezas. Por isso mesmo, a
região passou por várias fases de ocupação. (ALCÂNTARA, 2007. p.86)
26
Este movimento migratório ganhou impulso quando a região começa a ser projetada no
mercado mundial, através do “Ciclo da Borracha”, especificamente entre os anos 1870 e 1912.
Coincidentemente
As migrações nordestinas para Amazônia sempre estiveram ligadas às questões
de conflitos no campo, coincidindo com os períodos de seca, e os pequenos
agricultores são os que primeiro sentem os efeitos da mesma. Além de serem a
maioria da população rural sertaneja, eles não tinham alternativa a não ser
migrar (NASCIMENTO, 1998. p.1)
Do Nordeste, fugindo da grande seca ocorrida entre 1877 a 1879, e também da cerca
que sempre caracterizou a questão da terra na região, muitos nordestinos, não encontrando
alternativa em sua terra natal, migram para a Amazônia. Tal “escolha” migratória sofreu duas
importantes influências. De um lado, o apoio e incentivo feito pelos governos; e de outro, o
estímulo dos donos de seringais, os quais chegaram a organizar recrutamento de trabalhadores
em outras regiões. Na verdade, a dinâmica migratória nordestina da época revela o mecanismo
utilizado pelo Estado no sentido diminuir as tensões sociais ao mesmo tempo em que garantia os
interesses do desenvolvimento capitalista no país, pois o governo, na época, tanto incentivava
quanto obrigava a migração nordestina. O mesmo ocorreu na seca de 1904, quando
[...] o Brasil estava no auge de dois momentos econômicos: o da borracha na
Amazônia, e do café no Centro-Sul, havendo inclusive incentivos do governo
em forma de passagens gratuitas para que os migrantes pudessem se deslocar
para essas regiões. Mesmo aqueles que não queriam sair do nordeste eram
compelidos, pois o governo utilizava-se da força policial para obrigá-los a
migrar. (MEDEIROS FILHO; SOUZA, 1984, apud NASCIMENTO, 1998. p.3)
Dois dados sobre a migração para a Amazônia neste período chamam a atenção.
Primeiro, que aproximadamente a migração para esta região teria alcançado cerca de meio
milhão; segundo, que o trabalho desses migrantes teria elevado em 40% a produção de borracha
no Brasil. Por outro lado, este deslocamento de milhares de famílias nordestinas para a
Amazônia seria motivo de preocupação para os grandes proprietários de terra do Nordeste, visto
que este movimento migratório ameaçava a oferta de força de trabalho na região
(NASCIMENTO, 1998. p.03 apud SOUZA, 1978).
O fenômeno da migração nordestina provocou na Amazônia um processo de
desterritorialização de comunidades nativas, sendo estabelecida uma disputa pelos territórios
entre os grupos de trabalhadores que chegavam na região, o capital e as comunidades. Apesar
dos conflitos criados pela migração, os migrantes vindos de todas as regiões do país foram
27
responsáveis pela formação do povo amazônico. Através da mistura de suas culturas e valores
com o modo de vida dos indígenas, posseiros, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas e todos
os outros grupos sociais existentes, foi constituída a atual diversidade cultural e política
encontrada na Amazônia.
O Maranhão esteve diretamente envolvido neste processo migratório por vários
motivos: primeiro, representava um espaço de passagem para os migrantes nordestinos;
segundo, parte destes migrantes ao chegarem ao estado e verem as condições e recursos
naturais existentes5 decidiram por ali ficar; terceiro, muitos maranhenses acabaram seguindo o
fluxo migratório nordestino em direção à nova fronteira de expansão, a Amazônia. Foi nessa
passagem de século o Maranhão viveu seu primeiro grande momento de recebimento do fluxo
migratório de nordestinos. Nessa fase inicial a ocupação se deu do Leste rumo ao Centro-
Oeste do estado.
No Maranhão, a expulsão dos camponeses da terra acontecia através de mecanismos
como a grilagem, levado a cabo pelos ex-senhores de escravos, estes identificados agora como
novos proprietários, fazendeiros ou coronéis da terra. Com tal mecanismo foram griladas
terras indígenas e de posseiros, obrigando-os a desencadear novos processos migratórios, pois
só restava aos indígenas e camponeses entrar terra adentro pelo país, buscando se distanciar
da cerca do latifúndio e do cerco do capital, constituindo as chamadas frentes de expansão
(Martins, 1980), tão presentes na formação do campesinato brasileiro6.
Os muitos camponeses que enfrentavam as investidas do latifúndio, foram vitimas de
violência efetivada pelos jagunços a mando dos grileiros. A dinâmica migratória impressa
seguia a ordem então estabelecida pelo capital, no sentido da consolidação da propriedade
privada, ainda que ilegal da terra. A esse respeito, Fernandes diz que:
5 O Maranhão apresentava condições naturais procuradas pelos migrantes nordestes: terra em abundância, rios
perenes, solos úmidos, vasta cobertura vegetal e presença constante de chuvas. 6 A grilagem constituiu-se em prática muito comum no estado do Maranhão, principalmente a partir da segunda
metade do século XX, com o processo de expansão da pecuária, o qual foi acompanhado pela valorização das
terras no estado, processo este que compunha a chamada modernização do campo, ou intensificação do capital
no campo. A grilagem, assim, está diretamente associada ao sistema da concentração fundiária no estado e tem
como método a falsificação de documentos que são reconhecidos pelos Cartórios.
É importante lembrar que o Estado encontra-se diretamente presente diretamente no processo de grilagem de
terras no Maranhão, tanto com o reconhecimento legal das falcatruas, quanto através da garantia da posse da
terra pelo pseudo proprietário, inclusive com uso de forças coercitivas, como o aparato policial do Estado, ou
seja, a grilagem no Maranhão não constitui-sei só com a violência dos pistoleiros contratados pelos grileiros.
(ASSELIN, 1982)
28
Ao mesmo tempo, enquanto os trabalhadores fizeram a luta pela terra, os ex-
senhores de escravos e fazendeiros grilaram a terra. E para realizarem seus
interesses por meio da trama que construiu o domínio das terras, exploraram
os camponeses. Estes trabalharam a terra, produziram novos espaços sociais
e foram expropriados, expulsos, tornando-se sem-terra. Nessa realidade
surgiu o posseiro, aquele que, possuindo a terra, não tinha o seu domínio. A
posse era conseguida pelo trabalho e o domínio pelas armas e poder
econômico. Desse modo, o poder do domínio prevaleceu sobre a posse.
Evidente que esse processo de apropriação das terras gerava conflitos
fundiários, de modo que a resistência e a ocupação eram perenes. Assim,
formaram-se os latifúndios, grilando imensas porções do território brasileiro.
Dessa forma, aconteceu, em grande parte, o processo de territorialização da
propriedade capitalista no Brasil (FERNANDES, 1999. p. 17)
Este processo de mercantilização da terra levou os latifundiários a ficarem “com a maior
fatia das terras ocupadas nesse final de século, ou seja, abocanharam 70 milhões de hectares, ou
40% do crescimento da superfície agrícola” (Oliveira, 2001, p. 83). Os números mostram o
quanto grandes proprietário, (boa parte deles coronéis), expropriaram e acumularam terras no
período. No entanto, tais números se articulam com o aumento dos “desgarrados da terra”, os
quais se viram na condição de sem terra, com poucas possibilidades de sobreviverem no campo,
restando-lhes assim a alternativa de migrarem para as cidades ou adentrarem cada vez mais ao
interior do país, num contínuo movimento de expansão de fronteiras. É sobre essa questão que
tratarei no próximo capítulo.
29
2. A QUESTÃO AGRÁRIA E A MIGRAÇÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO
XX
A virada do século XIX no Brasil não constituiu só uma mudança de tempo, mas,
principalmente, uma mudança de modelo de produção, em que saímos de um sistema
produtivo agroexportador para um ensaio de industrialização da economia brasileira. Para
Konder (2003, p. 33), esta passagem foi gradualmente estabelecendo novas indústrias. Para o
autor, esboçou-se um tímido “surto de industrialização” e somente a partir da década de trinta,
a indústria passa a ser o modelo produtivo hegemônico no país (CHICO et al, 1994 ).
Demarca-se, no entanto, que a industrialização no país é um processo que já vinha sendo
vivenciado desde o período colonial, pois já nesta época, as fazendas de engenho de cana-de-
açúcar contavam com tecnologias avançadas para o período. Ainda no Império, a manufatura
do algodão foi desencadeada com a implantação de indústrias, com destaque para este setor
produtivo no estado do Maranhão7.
Nos primeiros 50 anos do Brasil República, o processo de industrialização foi sendo
consolidado com a construção de um parque industrial no país, o que Konder (2003) definiu
como surto da industrialização. Este fato vai trazer consequências diretas à questão da terra,
posto que no Brasil esse processo da industrialização se efetivou sem que antes tivesse sido
resolvida a questão agrária brasileira, questão esta até agora sem resolução. Ao contrário, ela
vai ser intensificada com o advento da industrialização, pois, a partir deste período, houve
uma valorização da terra, e, por conta disso, vão ocorrer intensos processos de especulação e
de expropriação de terras. Como consequência, o campesinato vai ser expulso da terra,
passando a assumir importante papel na divisão social do trabalho, efetivado sob duas
dimensões: de um lado, responsabilizando-se, na formação e manutenção do operariado
nacional, pela produção de alimentos baratos (garantindo assim, a diminuição dos custos da
reprodução social do trabalhador urbano, processo vigente ainda hoje); de outro, compondo o
conjunto da força de trabalho. Neste contexto, a sociedade brasileira começou a passar por
mudanças políticas, uma vez que o “mundo rural” passou a conviver com o “mundo urbano”,
através de novos valores e de uma reconfiguração de poderes, com a formação da elite
urbano-industrial.
7 A industrialização da cana-de-açúcar e do algodão no Maranhão toma impulso a partir do final do século XIX,
tendo seu auge a partir de 1860. Nesse período se instalaram no estado dezenas de engenhos e fábricas que deram
uma outra dinâmica econômica para o estado (FIEMA, 2008. p. 32).
30
Neste momento histórico acontece a recomposição de forças políticas conservadoras,
ainda que a elite agrária não perca seu poder apesar da formação da elite urbano-industrial,
uma vez que as mudanças ocorridas com o processo de industrialização não alteraram a
estrutura fundiária do país. Ao contrário, a elite agrária manteve a concentração da terra e,
através dela, propiciou a formação do exército industrial de reserva através do processo
migratório dos camponeses. (CHICO et al, 1994.)
Assim, os grupos que estiveram no poder desde a monarquia, mantendo-se no poder
escravocrata durante todo o século XIX, foram os mesmos que exploraram os imigrantes
europeus que se espalhavam por grande parte do país, especialmente no Sul e Sudeste, e os
mesmos que posteriormente expropriaram as terras de tantos camponeses pelo Brasil afora,
aumentando, assim, de forma significativa, o número de migrantes da terra. Foram estes
grupos que agravaram (e continuam agravando) as contradições sociais no campo e na cidade,
fazendo com que a questão agrária constitua uma das expressões das contradições do capital
ainda hoje (MARTINS, 1983, p. 18)
No que se refere à questão agrária, os interesses antagônicos entre as classes que a
compõem fizeram com que a luta pela terra tomasse importantes dimensões na formação e
organização camponesa. Neste sentido são reconhecidas como expressões da luta camponesa
a Guerra do Contestado, ocorrida entre 1912 e 1916, considerada por (MARTINS, 1983, p.
26) como “a maior guerra popular da história contemporânea do Brasil”. A Guerra camponesa
do Contestado envolveu os estados de Santa Catarina e Paraná e foi marcada pela disputa de
terras envolvendo posseiros, o Estado e uma empresa inglesa, responsável pela construção de
uma ferrovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande Sul, expropriando milhares de pequenos
proprietários e posseiros da região, provocando sérios danos aos camponeses dos dois estados
envolvidos na guerra.
Outros momentos importantes da luta camponesa de resistência ao capital foram
marcados pela emergência, de um lado, do banditismo social, do qual o Cangaço no Nordeste
foi o mais significativo exemplo e, de outro, dos movimentos messiânicos, que aglutinavam
camponeses sem terra, liderados por um messias em busca da terra prometida. Assim, de
acordo com Fernandes (1999, p 21-2), a
31
[...] forma de organização desde os movimentos messiânicos até os grupos
de cangaceiros demarcavam os espaços políticos da revolta camponesa.
Eram consequências do cerco à terra e à vida. Embora fossem lutas isoladas,
aconteciam em quase todo o território brasileiro e representaram uma
importante força política que desafiava e contestava incessantemente a
ordem instituída. São partes da marcha camponesa que percorre o espaço da
história do Brasil.
Essa parcela importante do povo brasileiro, que na primeira metade do século XX fez
a história da luta pela terra, principalmente através do enfrentamento aos coronéis e às elites
do país, questionando o avanço do capital no campo, segundo Fernandes (1999), compõe o
processo de formação do que são hoje os sujeitos sociais que fazem a luta pela terra no Brasil,
de forma particular das famílias sem terra. Conforme o autor,
[...] a maioria absoluta dos trabalhadores, ex-escravos e imigrantes
começaram a formação da categoria, que na segunda metade do século XX,
seria conhecida como Sem-Terra. Lutaram pela terra, pelo desentranhamento
da terra, numa luta que vem sendo realizada até hoje. Essas pessoas
formaram o campesinato brasileiro, desenraizadas, obrigadas a migrar
constantemente. Do Sul para o Nordeste e para o Norte. Do Nordeste para o
Sudeste, Sul e Norte. Do Norte para o Sudeste. Do Sudeste para o Nordeste,
esta é uma história de perambulação e de resistência camponesa. A ocupação
pelos camponeses sem-terra era e é a principal forma de ter acesso à terra. A
ocupação tornara-se uma ação histórica da resistência (FERNANDES, 1999.
p. 18)
Como pode ser visto, o fenômeno da ocupação na luta pela posse da terra constitui há
muito tempo como estratégia das lutas camponesas mais utilizadas no Brasil. Em todas as
regiões e tempos históricos os camponeses desbravaram matas e florestas em busca de
consolidar territórios, de tomar posse de novas áreas, e a cada nova ocupação, a esperança de
ali fincar definitivamente sua morada. Porém, a cada nova área “conquistada”, eis que surge a
figura do latifúndio, obrigando-o constantemente a migrar para novas fronteiras, adentrando
sempre e cada vez mais para o interior do país.
Assim, a dinâmica da ocupação de terras, no sentido de sua posse, encontra-se
diretamente relacionada com o processo migratório. Em outras palavras, o latifúndio, com a
expropriação da terra sempre condicionou a reprodução camponesa à migração forçada, e
nesta, à ocupação de terras distantes. Nesta dinâmica, o camponês expulso de sua terra, segue
para outras fronteiras, ocupando a terra com a intenção de obter dela a posse. Porém, seguindo
sua trilha, vai o próprio latifúndio capitalista, que de novo o expulsa, usando estratégias e
mecanismos espúrios, como a grilagem, o que faz com que o camponês deva iniciar outro
ciclo migratório. O movimento feito é uma fuga constante da lógica perversa imprimida pelo
32
capital. Tal processo caracteriza a “longa marcha do campesinato brasileiro” (OLIVEIRA,
2001), levando os migrantes da terra a marcharem permanentemente nos caminhos
indefinidos da luta pela sobrevivência contra o latifúndio.
Fazendo uma analogia entre o campesinato existente em diversos países, Martins
(1983) aponta a contradição existente entre o capital e o campesinato no Brasil. Assim,
diferentemente de outros países, a questão agrária permanece até hoje, não resolvida, e,
portanto, os camponeses foram subjugados pelos ditames do capital, representado pela figura
do latifundiário e articulado com o Estado. Assim, analisando as particularidades do
campesinato brasileiro, o autor considera-o como uma classe. Para ele, o que existe aqui, é
[...] um campesinato que quer entrar na terra, que, ao ser expulso, com
frequência à terra retorna, mesmo que seja terra distante daquela de onde
saiu. O nosso campesinato é constituído com a expansão capitalista, como
produto das contradições dessa expansão. Por isso, todas as ações e lutas
camponesas recebem do capital, de imediato, reações de classe: agressões, e
violências, ou tentativas de aliciamentos, de acomodação, de subordinação.
O direito de propriedade que afinal de contas, o camponês invoca
judicialmente para resistir às tentativas de expropriação é o mesmo direito
que o capitalismo invoca para expropriar o camponês (e não um direito
institucionalmente diferente, como o da propriedade comunal). É das
contradições desse direito, que serve a duas formas de propriedade privada –
a familiar e a capitalista – que nascem as interpretações distintas sobre a
terra camponesa e a terra capitalista, terra de trabalho e terra de negócio.
Essa contradição está no fato de que o mesmo código garante direitos
conflitantes na nossa situação – o do “pequeno” e do “grande”; o do
camponês e o do capitalista.
É um campesinato que tem, na relação com o capital, contradições diferentes
daquelas que tem o operário. O camponês não é uma figura do passado, mas
uma figura do presente da história capitalista do país. Classificar a esperança
da terra livre como um dado do passado é imputar sentidos às lutas
camponesas; é admitir equivocadamente que o passado tem uma existência
em si mesmo. Entretanto, esse “passado” só tem sentido, só pode ser
compreendido, por meio das relações que se tornam sua evocação necessária
– essas relações estão na violência do capital e do Estado. Portanto, esse
“passado” é uma arma de luta do presente. Esse “passado” só tem sentido no
corpo dessa luta, só se resolverá quando se resolverem as contradições do
capital – quando então será possível compreender que o sentido do passado
só se desvenda corretamente “no futuro”, na superação e na solução das
contradições do capital – da exploração de da expropriação (MARTINS,
1983, p. 16 – grifos do autor)
É neste contexto histórico que a grande massa camponesa enfrentou tem resistido a
mais de cinco séculos de latifúndio, cujo sistema sempre teve como alicerce o tripé capital,
proprietários de terras e Estado devido o grau de conservadorismo das relações estabelecidas.
33
Porém, as lutas e enfrentamentos acontecidos neste contexto, em sua maioria, aconteciam
ainda de formas isoladas e desarticuladas.
Entre os segmentos de camponeses que se encontravam nesta condição temos os
posseiros, os sertanejos, colonos, seringueiros, indígenas, que, na maioria das vezes, tiveram
que, sozinhos, fazer a defesa de suas terras, suas posses, seus territórios, da grilagem dos
coronéis, da expropriação estimulada, apoiada e organizada pelo Estado. Tudo isso foi feito
de forma, orquestrada pela ganância do capital para garantir sua reprodução e ampliação no
campo, fazendo com isto a terra cumprir seu papel de mercadoria. No processo histórico
brasileiro a elite agrária vai sofrer intensas críticas, no sentido de que seriam “arcaicas” as
estruturas agrárias que determinavam as relações sociais no campo, permitindo assim, um
avanço no poder político estabelecido pela burguesia urbano-industrial, assumindo esta, parte
do controle do poder.
Na década de 1930, as desigualdades econômicas e sociais que caracterizavam o
desenvolvimento do país fizeram surgir novas forças sociais, propondo e exigindo reformas
para a modernização do país. Dentre tais reformas, a reforma agrária assume pela primeira
vez na história do país, papel de destaque no cenário político nacional. Os tempos eram de
mudanças políticas no processo republicano, e
[...] o Brasil foi tomado pelo movimento militar comandado por Getúlio
Vargas e vivendo, como todo o resto do mundo, os efeitos da crise de 1929,
buscou-se desenvolver um “projeto brasileiro de desenvolvimento
industrial”, produto das novas alianças de classes e frações de classe no seio
do poder no Estado (OLIVEIRA, 1991, p. 14).
O autor demonstra que o período foi marcado por “uma nova república”, onde os
trabalhadores tiveram que lutar sob o bojo da ditadura marcada por um Estado populista. O
Brasil passava pela Era Vargas, representada por um governo que falava para a classe dos
trabalhadores, sinalizando políticas sociais, ao mesmo tempo em que servia aos interesses do
capital industrial. A partir dai há uma consolidação da economia pelas elites industriais na
política brasileira, mas apesar desta consolidação, politicamente este setor manteve como
aliada à burguesia rural, fazendo avançar as forças produtivas do capital no campo. Neste
processo, “a maioria das camadas médias e o proletariado eram os mais prejudicados pelas
frequentes elevações do custo de vida, além de estarem excluídos das decisões políticas”
(ALENCAR et al, 1994, p. 278). Acrescente-se a estes segmentos sociais, os camponeses.
34
Os processos econômicos e políticos que pautaram este período histórico não alteram
em nada as bases das relações sociais existentes no campo, pois a questão agrária se agravou e
intensificou com o pacto populista entre a burguesia agrária e a industrial, ou seja, a
consolidação industrial não contribuiu, apesar das criticas ao setor agrário dominante, para
alterar as estruturas consideradas atrasadas. Muitos eram os motivos para a atenuação dos
conflitos entre os interesses intra-classe burguesa, afinal a emergente burguesia industrial
paulista,
[...] além de composta de empresários ligados ao café, continuava
dependendo em muitos aspectos da agro-exportação. Um deles, a
necessidade de divisas para a importação de equipamentos e matérias-primas
só obtidas com as vendas externas dos produtos primários (ALENCAR et al,
1994. p. 281)
Ainda sobre a estreita relação de interdependência entre o setor agro-exportador e o
setor urbano industrial, os autores acima afirmam que a “complementaridade entre os setores
possibilitava a conciliação política, a ponto de muitos industriais chegarem a admitir na época
que o Brasil tivesse de fato uma vocação essencialmente agrícola” (ALENCAR et al, 1994. p.
281)
Alencar et al (1994) consideram que neste período a exploração capitalista se
efetivava considerando dois aspectos de sua natureza. Por um lado, havia um contexto político
favorável à exploração da força de trabalho brasileira, haja vista a fragilidade da legislação
trabalhista de então, o que deixava o trabalhador desprovido de qualquer proteção contra o
padrão de uso da força de trabalho então instituído. Em termos econômicos, havia a oferta de
uma força de trabalho caracterizada pelo baixo preço, uma vez que o rápido processo de
mecanização da indústria limitada a oferta de assalariamento e de qualificação de seus
empregados, formando assim, um grande contingente de excedente da oferta de força de
trabalho. Na constituição deste excedente da força de trabalho industrial, a migração
camponesa vai cumprir sua sina histórica, posto que quando
[...] a produção capitalista se apodera da agricultura ou nela vai penetrando,
diminui, à medida que se acumula o capital que nela funciona, a procura
absoluta da população trabalhadora rural [...] Parte da população rural
encontra-se na iminência de transferir-se para as fileiras do proletariado
urbano ou da manufatura e na espreita de circunstâncias favoráveis a esta
transferência. (MARX, 2008. p. 746)
35
No caso especifico deste momento da economia brasileira, o avanço do capitalismo
no campo, a exemplo da lavoura cafeeira paulista e suas periódicas crises, expulsava a força
de trabalho camponesa que seguia rumo aos centros urbanos na esperança do assalariado
prometido pelo capital. Porém, vale ressaltar que mesmo com a aliança entre capital,
latifúndio e o Estado, a luta pela terra avançou, fazendo com que os movimentos pela terra
conseguissem pautar o debate da questão agrária na sociedade, ainda que tal debate fosse
conduzido para a apresentação de políticas agrárias, cuja concepção, na maior parte dos casos,
se limitasse a projetos de colonização de fronteiras, utilizando, inclusive para isso, a migração
como um instrumento organizado pelo Estado. Exemplo disso foi o que fez o governo de
Vargas (1930-1945), com a “Marcha para o Oeste”, criada como política oficial de
colonização para ocupação do Centro-Oeste e Amazônia. Com tal política, Vargas estimulou
a ocupação de “vazios demográficos”, movido pelo intuito de distensionar os conflitos de
terra pulverizados pelo país. A política nacional também pretendia, com o processo, a
integração das regiões, potencializando-as economicamente.
De forma especifica, este governo promoveu o segundo movimento migratório para a
Amazônia, articulado com os interesses do capital internacional para a produção de borracha
durante a segunda guerra mundial. Para aumentar a produção desta produção, foi criada a
“batalha da borracha” e,
[...] para a viabilização desses milhares de extratores que seriam convocados
para a “batalha”, foram criados pelos governos brasileiros e estadunidenses,
vários órgãos e instituições que se encarregariam do financiamento,
recrutamento, transporte, alojamento, assistência médica e sanitária e
alimentação para os que lutariam nessa batalha. (NASCIMENTO, 1998. p.
04)
É importante lembrar, no entanto que
[...] a colonização no Brasil tem se constituído, historicamente, na alternativa
escolhida pelas classes dominantes do país para evitar, simultaneamente, a
necessária reforma estrutural do campo e suprimir-se de força de trabalho
para seus projetos na fronteira (OLIVEIRA, 2001. p. 142)
É nesse contexto que a bandeira da reforma agrária é pautada a partir da década de
1930, como sinônimo de colonização, sem alterar, no entanto, a estrutura agrária. Mas, foi a
partir da década de 1940 que organizações políticas, religiosas e de trabalhadores passaram a
pautar efetivamente esse tema, superando os limites do debate pautado anteriormente. Neste
período, a reivindicação da terra passa a ser por políticas públicas, políticas agrícolas,
36
educação e reforma agrária para o campo. Assim, o debate da reforma agrária adentra o
cenário político nacional, sendo incluído na agenda do poder central. A partir desse período a
luta pela terra qualifica o debate, qualificando assim a luta, e assume forma mais articulada,
buscando desenvolver ações menos isoladas e envolvendo vários sujeitos políticos, já que
naquele momento as organizações da sociedade começaram a pautar a questão agrária, seja
nos partidos políticos, seja nas organizações dos trabalhadores.
Este fato representou um avanço na luta política no campo, o que significou algo
positivo nas organizações camponesas que fazem a luta pela terra, a qual foi assumindo outras
dimensões políticas que marcaram a segunda metade do século XX. Dai em diante o país
passou a conhecer outra forma de resistência e luta pela terra, num processo mais articulado,
incluindo de vez no vocabulário da política brasileira a bandeira da reforma agrária. Isso
ocorreu como resultado da organização dos camponeses em vários espaços, seja sindicato,
associação, cooperativa, Igreja ou partidos. Articulados, passaram a enfrentar de frente o
latifúndio. Neste sentido,
Particularmente a partir dos anos 50, camponeses de várias regiões do país
começaram a manifestar uma vontade política própria, rebelando-se de
vários modos contra seus opressores, quebrando velhas cadeias, levando
proprietários de terras aos tribunais para exigir o reparo de uma injustiça ou
o pagamento de uma indenização; organizando-se em ligas e sindicatos;
exigindo do Estado uma política de reforma agrária; resistindo de vários
modos a expulsões e despejos; erguendo barreiras e fechando estradas para
obter melhores preços para seus produtos (MARTINS, 1983. p.10).
A citação acima nos dá a dimensão do que estava acontecendo no campo brasileiro
em meados do século XX, demonstrando a insatisfação dos camponeses com as questões
relacionadas à terra, explicitando o que já foi apresentado anteriormente.
Historicamente o país tem privilegiado os interesses das elites que comandam o país,
especificamente no campo, representadas estas pelos grandes proprietários de terras. Tal
privilegiamento permite a desigualdade entre os grupos sociais do campo, como por exemplo,
através da estrutura fundiária. Em 1945, o desenho fundiário do país mostrava que 1,5% dos
proprietários dos estabelecimentos agrícolas acima de 1.000 hectares detinham 95,5 milhões
de hectares, ou seja 48%, das terras. Isto significa que quase a metade da área encontrava-se
nas mãos de poucos grandes proprietários, enquanto que 86% das terras ficavam com os
pequenos estabelecimentos agrícolas com área menor que 100 hectares, o que representava a
ocupação de apenas 35 milhões de hectares, ou seja, apenas 19% das terras (OLIVEIRA,
37
2001. p.39), demonstrando assim o elevado nível de concentração da terra no Brasil naquele
período.
Essa concentração foi um dos elementos que levou a desencadear de forma intensa a
luta política no campo, a exemplo do que fizeram os camponeses no interior de Pernambuco,
os quais se organizam em “Ligas Camponesas” para denunciar as condições de miséria e
exploração que vivenciavam, condições estas promovidas pelo latifúndio e garantidas pelo
Estado. Na luta, se mobilizavam, dentre outras coisas, contra o pagamento de foro e contra
expulsão de camponeses da terra, assim como exigiam o direito ao trabalho e à terra. De
acordo com Stédile (2002. p. 7), foi
[...] a partir de 1955 que surgiram as mais contundentes organizações
camponesas no Brasil, as Ligas Camponesas. Revitalizando um nome já
conhecido e motivadas pela luta pelo direito à terra, as Ligas mobilizaram,
durante dez anos, milhares de camponeses brasileiros, gerando revoltas e
esperanças. E, sobretudo, proporcionaram dignidade a milhares de cidadãos
que viviam no interior, em especial na região Nordeste do Brasil.
Essa movimentação cresceu e as lutas desses camponeses se espalharam por todo o
Nordeste de forma crescente, chegando mesmo os camponeses a se organizarem em quase
todo o território nacional, através de encontros, congressos e comitês. O movimento “cresceu
tanto ao ponto de adquirir um status de organização nacional, sobretudo depois de haver se
organizado o Comitê Nacional das Ligas Camponesas” (MORAIS, 2002, p. 37). A
importância e influência políticas das Ligas desencadearam a organização de outras “ligas”, as
organizadas a partir de temas específicos, que apoiavam a luta pela reforma agrária feita pelas
Ligas Camponesas, a exemplo das ligas urbanas, feministas, e dos estudantes (MORAIS,
2002). Para expandir sua organização para as outras regiões do país, as Ligas contaram com o
apoio, desde o início, da Igreja Católica e do Partido Comunista do Brasil.
Além das Ligas Camponesas outras organizações merecem destaque para se entender
a efervescência das lutas políticas no campo neste período. A primeira delas, a União dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas – ULTAB, organizada em todas as regiões do país,
mobilizando e organizando os camponeses numa articulação com os operários urbanos, a
exceção do Rio Grande do Sul e Pernambuco. Neste, por ser o “centro nervoso das Ligas”; e
no Rio Grande do Sul, por lá se encontrar organizado outro importante movimento camponês,
o Movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER, cuja organização mais importante
voltava-se à ocupação de terras no estado. A organização gaúcha contou com importante
38
apoio do Partido dos Trabalhadores do Brasil - PTB e de seu mais ilustre filiado, o então
governador da época, Leonel Brizola. Apesar de tais organizações apresentarem-se com o
tema central da luta pela reforma agrária, as mesmas não defendiam estratégias idênticas, pois
enquanto
[...] a ULTAB era uma organização de tipo clássico e constituía uma
experiência que o Partido Comunista já havia posto em prática no período
1945 – 1947, sem maiores resultados, a não ser o de reunir grande número
de filiados e de eleitores. Sua tática residia na acumulação de forças, através
de um trabalho de apoio a reivindicações e a interesses econômicos
trabalhadores agrícolas (assalariados e camponeses). As Ligas, ao contrário,
atuavam no sentido de despertar a consciência política entre os camponeses,
para que no momento histórico pudessem decidir sobre seus destinos.
(MORAIS, 2002.p 39)
As diferenças que demarcam a atuação entre as Ligas e o MASTER ficam por conta
do objetivo central da luta, considerando que “diferentemente dos foreiros de Pernambuco que
resistiam para não serem expulsos da terra, a luta dos integrantes do MASTER era para entrar
na terra”. (MORISSAWA, 2001. p. 94)
Estes foram exemplos que, juntos com outras iniciativas e lutas coletivas de caráter
espontâneo, ajudaram muitos trabalhadores a resistirem e enfrentarem o avanço e os ditames
do capital sobre as terras brasileiras. Tais lutas garantiram que muitos trabalhadores tivessem
acesso à terra, agora levando a bandeira da reforma agrária em todas as regiões do país.
Para Martins (1983. p.9) os camponeses são insubmissos na sua condição de classe, e
para isso vão contra a ordem estabelecida, seja contra esta instituída pelo latifúndio ou pelo
Estado. Assim se deu o processo de territorialização das organizações políticas do campo
contra a consolidação do capital na década de 1950 e nos primeiros anos da década de 1960.
Estas organizações foram importantes na luta pela reforma agrária e na luta contra o Estado
autoritário brasileiro que, há tempos, encontrava-se articulado com os interesses do capital
internacional. Porém, na contramão das organizações da classe trabalhadora, camponeses e
operários foram “calados” pelo golpe militar instituído. Com ele, as bandeiras de liberdade
levantadas pelas organizações do campo e da cidade foram derrotadas, havendo o crescimento
das forças políticas no país das elites brasileiras, responsáveis pela ditadura instaurada no
país, iniciada em 1964, e que durou até 1985.
39
Mas, a luta não foi em vão, pois deste processo de luta dos trabalhadores ficou a
larga experiência que mais tarde serviria como instrumento de luta ideológica. Na verdade, os
lutadores nunca se calaram apesar do arrefecimento da luta. Foram 21 anos que marcaram a
história do Brasil e, no campo e na cidade, as organizações de trabalhadores foram derrotadas
levando a um retrocesso político da luta no país, principalmente a luta pela reforma agrária,
sendo desencadeado pelas forças políticas conservadoras um processo de perseguições,
prisões e torturas às lideranças camponesas por todo o interior do país8.
Um dos importantes casos de perseguição e pressão à luta camponesa no período
ditatorial foi a Guerrilha do Araguaia, acontecida na região conhecida como “Bico do
Papagaio”. Todas as localidades escolhidas pela Guerrilha ficavam próximas ao Rio Araguaia,
área de históricos conflitos pela terra, numa região de divisa entre os estados do Maranhão,
Pará e Goiás, norte do atual estado Tocantins. Lá, grupo de guerrilheiros ligados ao Partido
Comunista do Brasil – PC do B treinava táticas de guerrilha com o “objetivo de estabelecer
relações com os camponeses locais e aos poucos conscientizá-los da necessidade da luta
armada contra os latifundiários e o governo da burguesia” (MORISSAWA, 2001, p. 101).
Como consequência, houve muita perseguição e pressão contra os camponeses que apoiavam
a luta e com as ameaças, prisões, torturas e assassinatos, estes entregaram muitos
guerrilheiros. Tudo isso numa operação que durou de 1972 a 1975, envolvendo 92
guerrilheiros revolucionários e um contingente militar de seis mil soldados, responsabilizados
pelos muitos assassinatos e desaparecimentos na região9. A região vivenciava nesse período a
expansão capitalista na agricultura, financiada inclusive pelo Estado, o que representou a
expansão e consolidação do capital internacional sobre a região amazônica.
A truculência que caracteriza a ditadura militar instaurada no país desencadeou
várias consequências para a nossa sociedade, entre elas podem ser destacadas duas. Primeiro,
a forte repressão às organizações sociais urbanas; e a segunda, a determinação política de
8 Manoel da Conceição é uma das mais importantes lideranças camponesas no Maranhão. Historicamente teve sua
luta marcada pela perseguição, em uma ocasião foi baleado o que levou o levou a amputar uma das pernas; por duas
vezes foi preso, torturado e exilado pela Ditadura Militar. É um dos membros fundadores do PT da CUT e esteve no
processo de formação do MST no Maranhão, no qual contribuiu na região do Pindaré, onde atuava como sindicalista
e de onde iniciou o processo de fundação do Centro de Formação do Trabalhador Rural - CENTRU, onde atua até
hoje. Em 28 de setembro de 2010, na condição de liderança camponesa, recebeu o título de Doutor Honoris Causa,
pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, o primeiro camponês a receber este título naquela instituição. 9 A respeito da Guerrilha do Araguaia, assim como de várias outras lutas ocorridas no período da ditadura militar
brasileira, muitas são as questões não esclarecidas pelo Estado. Neste sentido, não existe nenhuma fonte com
registros concretos, de quantas prisões, assassinatos e desaparecimentos ocorreram na Guerrilha. Segundo Alencar et
al (1996, p. 399 – 400) foram mortos 61 militantes da Guerrilha do Araguaia, sendo que morreram sob torturas nas
prisões e combates mais de 200 pessoas e 151 são contados como desaparecidos.
40
dizimar os movimentos camponeses existentes. Como consequência para o campo, houve a
expulsão de milhares de famílias de suas terras, dando assim, lugar à expansão do capital
neste setor, cujas bases encontram-se na concentração de terras que vinham ensaiando desde a
primeira fase de industrialização brasileira, expandindo para todas as regiões do país,
principalmente para as novas fronteiras agrícolas, como foi caso da região Amazônica.
Consequentemente, houve
[...] uma diminuição da área média ocupada pelos diferentes estratos de área
nos estabelecimentos com menos de 100 ha. Estes tinham, em 1940, uma
área média de 4,4 ha e diminuíram em 1980 para 3,4 ha e 3,3 ha em 1985. O
mesmo ocorreu com os estabelecimentos com área entre 10 e 100 ha, que
apresentavam em 1940, área entre 10 e 100 ha, que apresentavam em 1940
área média de 34 ha, e que diminuíram para 32 ha em 1980 e em 1985
(OLIVEIRA, 2001, p.87)
Ainda como consequência deste processo, tivemos o crescimento do já exacerbado
poder político do latifúndio, tornando ainda mais complexa a questão agrária brasileira. Por
outro lado, foram estabelecidas alianças entre latifundistas, industriais e Estado no sentido de
consolidar o processo de industrialização da agricultura no meio rural, o que se deu através de
um modelo que privilegiou o desenvolvimento de forças produtivas, garantindo maior
acumulação capitalista, agora no campo. Foi isso que, durante a ditadura, os conflitos agrários
se intensificaram em vários níveis e em todas as regiões do país. Vale lembrar que mesmo
com a militarização da questão agrária muitos foram os movimentos de lutas e resistência
contra o novo modelo instituído no referido período.
Segundo Morissawa (2001, p. 100), de 1964 a 1981 o campo foi marcado por
conflitos espalhados por todo o país, numa média de setenta conflitos relacionados à disputa
pela terra envolvendo trabalhadores rurais, levando o homem do campo a migrar para as
cidades como uma das poucas alternativas de vida. Parte desses novos migrantes da terra foi
sendo absorvida como força de trabalho na indústria, principalmente urbana, que naquele
período encontrava-se em plena expansão no país. O Brasil passava, então, por seu segundo
grande surto de industrialização, agora marcado por uma hegemonia constituída,
essencialmente, pela elite urbana industrial do centro sul. Assim, o país passou a vivenciar
uma intensificação do capital na agricultura, com a modernização agrícola, a qual foi
denominada por alguns autores como modernização conservadora e por outros de
modernização dolorosa. O que em síntese os termos significam é que, de fato, houve uma
modernização no campo, através da introdução de novas tecnologias, maquinários, insumos
41
agrícolas, porém, esta “modernização” em nada alterou a estrutura agrária “arcaica” existente
no campo.
Para a implantação desse modelo ditador foram orquestrados mecanismos políticos
que ajudaram o Estado a consolidá-lo no campo, articulados estes, com o capital
internacional. Na época, com a preocupação de impedir as revoluções sociais que aconteciam
em algumas partes do mundo, e em particular na ilha cubana, a articulação entre a burguesa
nacional e aquela internacional, através do Estado ditatorial, vai tomar providências para
impedir que isso ocorresse, criando leis, e iniciando o processo de colonização da Amazônia,
sob a retórica de atender às necessidades do povo sem terra. Assim, através do discurso da
distribuição de “terras em homens” para “homens sem terra”, o Estado criou projetos de
colonização para a região. Em resposta à pressão social pela reforma agrária, foi criada em
1962, a Superintendência Regional de Política Agrária – SUPRA, sendo extinta com a criação
do Estatuto da Terra, em 1964. Como conseqüência foram criados o Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária – IBRA e Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário – INDA, órgãos
responsabilizados pela reforma agrária no país, naquela época. Outra importante estratégia de
controle sobre os persistentes conflitos no campo neste período
[...] foi a criação do Estatuto da Terra pela Lei nº 4504 (de 30 de novembro
de 1964), por meio da qual se visava, prioritariamente, a modernização do
campo mediante o aumento da produção e da produtividade. A partir daí, a
paisagem rural mudou radicalmente. Milhares de máquinas, tratores e
insumos agrícolas substituíram paulatinamente a maneira de produzir até
então existente. A modernização da agricultura significou, basicamente, o
aumento e a consolidação da expansão capitalista, cujo resultado foi a
chamada industrialização do campo, com a presença de grandes empresas
nacionais e internacionais e a concentração acelerada da terra e da renda
(SILVA, 2004, p. 21).
A iniciativa do governo com a criação do IBRA e do Estatuto da Terra surtiu pouco
efeito para os camponeses, já que essa lei não saiu do papel, servindo apenas aos interesses do
Estado e dos latifundiários, entregando mais terras às empresas agroindustriais, resultando em
uma contínua concentração de terras. Tal contexto contribuiu para a desmobilização da luta
pela reforma agrária. A tentativa de desqualificação da luta foi de lhe tirar o caráter nacional e
caracterizá-la como luta isolada, desarticulada, o que não foi possível devido ao apoio político
recebido das organizações populares, da Igreja, partidos e de organizações sindicais. Para
Martins (1983, p. 96).
42
O Estatuto faz, portanto, da reforma agrária brasileira uma reforma tópica,
de emergência, destinada a desmobilizar o campesinato sempre e onde o
problema da terra se tornar tenso, oferecendo riscos políticos. O Estatuto
procura impedir que a questão agrária se transforme numa questão nacional,
política de classe. De fato, nestes anos todos de governo militar, o problema
agrário somente tem se mantido como problema nacional e político graças à
vigilância e à ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura, da Igreja e, mais recentemente, de vários dos diferentes grupos
políticos que recobraram há pouco alguma liberdade de atuação.
Este foi um período, como já vimos, no qual o discurso oficial o da colonização das
novas fronteiras agrícolas, feito através do estímulo à migração de camponeses
particularmente para o Norte do país, substituiu aquele da realização da reforma agrária. A
ênfase dada pelo discurso oficial dos governos militares era a necessidade de integrar o Brasil
para não entregá-lo ao capital internacional. Porém, tal política criou dificuldades para os
migrantes que seguiram rumo à Amazônia, principalmente na adaptação às regiões que
compunham as fronteiras de colonização. Um dos mais graves problemas foi o isolamento
geográfico da região, o qual representava um limite para os migrantes, principalmente no
sentido de que estes se encontravam a milhares de quilômetros distantes do lugar de origem.
Outra dificuldade eram as condições de vida, sendo que muitos migrantes, naquele período,
tiveram que viver em barracos construídos de forma precária, se alimentavam
inadequadamente e facilmente adquiriam doenças (SILVA, 2004).
Como crítica sobre a política integralista, tem destaque o fato dos militares terem
desconsiderado a existência, nessa região, de comunidades indígenas, caboclas, ribeirinhas,
pescadoras e até mesmo de núcleos urbanos. Associado a isto, desconsideram ainda, aspectos
culturais importantes, como a relação existente entre estes grupos e a natureza. Todo este
processo representou umas das faces do “desenvolvimento” da agricultura no campo
brasileiro.
Assim, de acordo com o contexto apresentado, a modernização da agricultura no
Brasil vai se realizar com base no tripé: “militarização da questão agrária, expropriação de
camponeses e aumento da exploração dos trabalhadores, muitos dos quais foram reduzidos à
condição de escravos” (SILVA. 2004, p. 23). No entanto, apesar do caráter autoritário do
regime, o qual imprimiu por muitos anos a repressão e a perseguição política no país, as
forças sociais populares gradualmente foram se reorganizando, iniciando um novo e
importante período de lutas na história brasileira. Neste quadro, destaca-se a retomada, de
forma intensa da luta pela terra e pela reforma agrária, sobre a qual se tratará a seguir.
43
3. A LUTA PELA REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL E A FORMAÇÃO
DO MST
A década de 1970 foi marcada por momentos importantes para a sociedade brasileira,
com o crescimento econômico desencadeado pela política dos governos militares e que ficou
[...] conhecido como “milagre brasileiro” [...] Militares, tecnocratas, firmas
internacionais, burguesia associada – que inclui banqueiros, industriais e
exportadores e uma nova classe média, ascendente – viveram um momento
de euforia, com índices de crescimento do Produto Interno Bruto ficando em
torno de 10% ao ano (ALENCAR et al. 1994. p. 399)
Era um momento em que o país vivia sob uma ditadura política, pessoas eram
perseguidas e o período era marcado por um “silêncio” no meio político e social, já que
muitas organizações foram derrotadas, enquanto outras foram perseguidas, e vigiadas
permanentemente, como por exemplo, os movimentos estudantil, artístico e intelectual. Todos
eram obrigados a aceitar as regras da ditadura, inclusive partidos políticos encontravam-se na
mesma condição. Paralelamente, a aliança das burguesias nacional e internacional
consolidava-se.
Porém, quando a economia começou a dar sinais de descenso depois do “milagre”
acima referido, a política da ditadura começou a perder forças, pois o apoio recebido pelos
militares devia-se a esse desempenho econômico, que ideologicamente levou a opinião
pública a acreditar que o Brasil iria desenvolver-ser economicamente. Apesar das benesses
recebidas pelo setor empresarial, o “ crescimento econômico já não era suficiente para
garantir o fechamento político e muitos empresários criticavam o modelo autoritário”
(ALENCAR et al, 1994, p. 402). Assim, passada a euforia do crescimento dos primeiros anos
de ditadura, começaram a aparecer as contradições desse processo, iniciando-se a crise depois
da “estabilidade” política e econômica. O país voltou a vivenciar momentos difíceis, havendo
o agravamento da situação social, com “a elevação da dívida externa, o crescimento da
inflação, a concentração de renda, o desemprego, a miséria” principalmente no campo
(ALENCAR et al, 1994, p.427).
Foi um período marcado pelo processo de modernização agrícola, que levou a uma
intensificação da concentração da propriedade, associada à implantação do pacote tecnológico da
revolução verde.
44
A revolução verde constituiu-se em um pacote tecnológico associado a essa
modernização, responsável pela alteração radica do uso da terra e do solo em todo o país e do
mundo. Tal medida determinou uma nova configuração nas relações sociais de produção e
consumo, tanto no campo como na cidade.
A chamada Revolução Verde pós-segunda Guerra Mundial prometia comida
farta e sadia na mesa dos habitantes de todo o planeta. A pretexto de
modernização dos campos, a revolução verde impôs os monocultivos em
áreas extensas, expulsando camponeses e suas famílias da terra que
cultivava, trocando homens por máquinas. O uso de sementes geneticamente
modificadas, os conhecidos transgênicos, generalizou-se a pretexto de
multiplicar a produção; o uso dos agroquímicos ou agrotóxicos foi
intensificado a partir da década de 60 com o uso de adubos químicos e
venenos. A química promete saúde, mas oferece risco aos que consomem
alimentos geneticamente transformados e aos trabalhadores que manipulam
os agrotóxicos. Hoje o Brasil possui e opera mais de 400 tipos de
agrotóxicos registrados: inseticidas, fungicidas e herbicidas. A tecnologia
utilizada na revolução verde é proveniente da segunda guerra. (Campanha
permanente contra os agrotóxicos e pela vida. 2011)10
Esse pacote de medidas veio para tornar ainda mais complexa a questão agrária
brasileira, com a produção hegemonicamente voltada aos interesses externos do capital. Hoje
o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Conforme denúncias feitas no
documentário “O veneno está na mesa” atualmente no Brasil cada habitante consome em
média cinco quilogramas de agrotóxicos.
Este pacote tecnológico está diretamente relacionado aos problemas sociais no
campo que se intensificaram com a modernização conservadora da agricultura11
, a qual
promoveu o crescimento econômico da agricultura, aumentando o número de trabalhadores
assalariados na agricultura. Como resultado deste processo houve a reconcentração da terra, já
que a modernização elevou muito os preços da terra. Assim, o resultado foi uma maior
pressão e controle do capital sobre a terra e, com isso, o processo de expropriação e de
10
Trecho extraído do documentário “O veneno está na mesa”. Ano de lançamento: 2011. Direção de Silvio
Tendler. 11
No período conhecido como modernização conservadora, o Estado estimulou projetos agroindustriais,
beneficiando o capital nacional e internacional, levando para o campo máquinas modernas, insumos e força de
trabalho para garantir o desenvolvimento deste setor produtivo. Com este objetivo foram construídas
hidrelétricas para o fornecimento de energia para os projetos do capital e para as cidades que recebiam a pressão
do crescimento descontrolado e, compondo o conjunto de obras de infra-estrutura, também foram construídas
rodovias, ferrovias, aeroportos, portos. Economicamente, tais projetos contaram com incentivos fiscais e isenção
de impostos. No entanto, a produção camponesa manteve-se nas mesmas condições de trabalho, sem incentivos,
sem políticas de produção e sem acesso ao conjunto de benefícios oferecidos pela “modernização” do campo.
45
expulsão das famílias camponesas. Segundo Fernandes (1999, p. 39), neste período 30
milhões de pessoas tiveram de migrar para cidades e outras regiões em busca de alternativas
de trabalho. Como resultado, a concentração da terra pelo latifúndio e por empresas
capitalistas que se instalavam no campo levou à intensificação dos conflitos do campo.
Dessa forma, a insustentabilidade do modelo concentrador e a miséria em
que foram colocadas as famílias camponesas, produziram novos e intensos
conflitos. Em meados da década de setenta, a questão agrária começava a se
tornar um dos principais problemas do governo autoritário. (FERNANDES,
1999, p. 31)
Todas essas transformações trouxeram conseqüências sociais negativas tanto para o
campo quanto para a cidade. Um dos exemplos foram as transformações desencadeadas pela
ocupação do espaço brasileiro com a implementação de grandes projetos, a exemplo da
colonização da Amazônia financiada pelo Estado, para onde migrantes do Nordeste e do
Centro Sul rumaram. Porém, contraditoriamente inicia-se uma sucessão de fatos que
trouxeram à tona as mazelas dos governos ditatoriais, vindo a público o resultado do
descontrole dos militares em relação às constantes perseguições, torturas e assassinatos
comandados e executados por instituições do Estado. Denúncias de violação de direitos
humanos pelo Estado brasileiro foram feitas em cenários internacionais, principalmente por
exilados políticos que se estabeleceram em inúmeros países.
Internamente, a sociedade brasileira começou a questionar as políticas adotadas pelos
militares, e, como resposta à crescente insatisfação, aumentaram as pressões sociais com a
intensificação das lutas e resistências. Foram retomadas greves e, em todo o país, operários
cruzavam os braços. Nos principais centros, também a mobilização estudantil foi retomada,
crescendo a organização do meio acadêmico. O processo de luta pela redemocratização
avançou, fazendo com que o Brasil seguisse rumo à democracia. Foi este processo de
intensificação das lutas que levou ao surgimento de novos sujeitos políticos12
, de novos
instrumentos de lutas, dentre os quais os movimentos de bairros, os grupos de solidariedade e
defesa dos direitos humanos tanto no Brasil quanto no exterior, o movimento contra a
12
Em geral, a luta camponesa no Brasil se desenvolveu em reação à forma truculenta adotada pelo capital para
se expandir no campo. A insubmissão camponesa é a gênese da luta dos sem terra pois, como diz Martins
(1983), é na condição de insubmisso que o camponês busca garantir sua reprodução social. Porém, é importante
destacar que este sujeito social não se coloca na condição de sujeito enraizado e nem de sujeito resignado às
imposições do latifúndio (MARTINS, 1983). Ele é politicamente insubordinável aos ditames do capital no
campo, mesmo no período onde parte das forças populares de esquerda teve que recuar devido à pressão e
perseguição pelos sucessivos governos da ditadura.
46
carestia. Ainda neste contexto, surgiram as novas Pastorais Sociais ligadas à Igreja Católica e
foram criados a Central Única dos Trabalhadores – CUT e o Partido dos Trabalhadores - PT.
No campo, o movimento social camponês entra num novo período da história
brasileira. A luta dos posseiros se rearticula em todo o país, especialmente no Norte e
Nordeste. Tal rearticulação resulta do trabalho feito pelas Comunidades Eclesiais de Base-
CEB´s e pela Comissão Pastoral da Terra – CPT, ambas organizações ligadas à Igreja
Católica. Os posseiros, rearticulados através dessas organizações, encontram outro grupo
social do campo, as famílias que, expulsas do seu território e de suas condições de trabalho,
tornam-se sem terra. Começa neste encontro, uma nova fase da luta pela terra, retomando com
intensidade a bandeira da reforma agrária. Diante de toda essa movimentação a sociedade foi
provocada pelas forças sociais e políticas a se posicionar, fazendo com que tanto no campo
quanto na cidade a luta fosse reinventada, emergindo um novo momento histórico no país.
Assim, a luta pela terra saiu do seu isolamento político, retornando de forma organizada em
acampamentos de trabalhadores sem terra, e se articulando em nível nacional e internacional.
(STÉDILE, 2006) e (FERNANDES, 1999) Essa força política resultou do contexto de
efervescência do movimento social existente na época, em particular no campo, a exemplo da
luta dos assalariados rurais no Nordeste e Centro Sul, dos posseiros, dos seringueiros no
Norte, da luta indígena que aconteciam em todas as regiões, dos migrantes colonizados que
voltavam da Amazônia, e dos que ficavam e faziam frente nas lutas locais.
O país no final da década de 1970 até os primeiros anos da década de 1980 viveu um
turbilhão de mudanças políticas e sociais. Esse foi o momento que a sociedade brasileira
renasceu de um longo período escuro da nossa história. Dessa complexidade política nasceu
um conjunto de forças sociais que deram uma nova qualidade à sociedade brasileira. Dentre
estas forças, os camponeses, cuja luta e organização se fortalece cada vez mais, por ação em
boa parte da Comissão Pastoral da Terra influenciada pela Teologia da Libertação e cujo
resultado será a organização de várias organizações e entidades, dentre as quais, aquela de
maior representatividade a nível nacional foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra – MST. O marco característico de sua luta foi a ocupação do latifúndio e, destas
ocupações aquela da Fazenda Macali13
, situada no município Ronda Alto (RS), realizada em 7
13
Um dos marcos da retomada da luta pela terra no Brasil se deu a partir da ocupação da fazenda Macali e
Brilhante. As famílias que ocuparam essa área eram remanescentes da luta pela terra na fazenda Sarandi,
ocorrida ainda na dedada de 1960. O ano de 1979 será determinante para a conquista dessa área, Nesse período o
Brasil vai conhecer os primeiros acampamentos dos camponeses Sem Terras que em pouco tempo, se espalham
47
de setembro de 1979, é sem dúvida momento importante que influenciará na organização do
MST tal qual o conhecemos hoje, que ocorrerá em meados dos anos 1980.
A ocupação da fazenda Macali marca simbolicamente a articulação das forças que se
articulavam em torno da luta pela terra naquele período. De 1979, ano da primeira ocupação
dos camponeses sem terra dos no Brasil até 1984, ano da fundação do MST, o processo de
organização da luta das famílias sem terra contou com o apoio da CPT, das CEB´s e das
Igrejas progressistas cristãs, as quais contribuíram na formação e organização dos primeiros
acampamentos no Sul do Brasil.
Enquanto aconteciam as ocupações de latifúndios no Centro Sul do país, realizadas
pelas famílias sem terra, no Norte e Nordeste a luta era empreendida pelos posseiros que tanto
resistiam na terra contra o processo de expulsão/expropriação quanto ocupavam latifúndios
improdutivos. Este processo organizativo resultou de longo processo de articulação entre
vários sujeitos sociais, dentre eles, organizações políticas e religiosas, em especial da
Comissão Pastoral da Terra, a qual teve destacado papel na luta pela terra em todas as regiões
do pais, articulando e organizando os trabalhadores pobres do campo no sentido de despertar
para seus direitos no enfrentamento ao latifúndio. Nesta perspectiva, a CPT cumpriu papel
imprescindível para a formação do MST.
Na sua formação, o MST se serviu do trabalho e da experiência histórica acumulada
pelas organizações populares e camponesas, estudando suas estratégias e limites. Assim, para
se entender a origem do MST, é preciso levar em conta o que estava acontecendo no campo e
as várias frentes de lutas camponeses espalhadas por todas as regiões do país, não esquecendo
ainda que estas lutas encontravam-se associadas às políticas de modernização da agricultura,
que chegavam acompanhadas de um aparato tecnológico e político muito grande, seguido por
grandes projetos que prometiam o desenvolvimento das regiões brasileiras, como já apontado
neste trabalho (CARVALHO, 2005). Pode-se dizer então que o MST é considerado como
resultante de um processo histórico da formação do campesinato brasileiro, tendo sido sua
gênese determinada por fatores econômicos e políticos. Fernandes (1999), ao falar da natureza
do Movimento, diz que essa gênese se encontra relacionada ao processo de enfrentamento ao
por todas as regiões, fortalecendo a luta pela terra dos posseiros, dos seringueiros, assalariados rurais, havendo
uma intensa movimentação política dos camponeses pela retomadas das terras e pela conquista da reforma
agrária. O MST tem na sua gênese a diversidade da política e organizativa dos camponeses de todas as regiões
do país.
48
latifúndio, assim como ao capital. Sobre a importância histórica da luta camponesa para o
MST, o autor esclarece que as
[...] lutas camponesas sempre estiveram presentes na história do Brasil. Os
conflitos sociais no campo não se restringem ao nosso tempo. As ocupações
de terras realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -
MST, e por outros movimentos populares, são ações de resistência frente à
intensificação da concentração fundiária e contra a exploração, que marcam
uma luta histórica na busca contínua da conquista da terra de trabalho, a fim
de obter condições dignas de vida e uma sociedade justa (Fernandes, 199,
p.15).
No primeiro momento, o MST iniciou suas ações na região sul do Brasil para, em
seguida, se territorializar na maior parte dos estados brasileiros. Efetivamente, o MST foi
criado em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel (PR), e conforme já foi dito, buscou desde
sua gênese compreender as dificuldades históricas da luta camponesa. Neste sentido, nasceu
se articulando nacionalmente, superando, assim, o limite do isolamento, entendendo a
articulação com outras forças e sujeitos do campo e da cidade, como estratégia fundamental
para o avanço da luta dos trabalhadores do campo. Outra importante estratégia adotada pelo
MST foi a ocupação dos latifúndios, entendida como a materialização da luta pela reforma
agrária. Implementando seu caráter nacional, organizou-se em acampamentos em todos os
estados: pois seja no interior do Maranhão, seja no Rio Grande do Sul ou Pernambuco, as
ações apareciam sintonizadas em estratégias alinhadas, demonstrando claramente a existência
de um inimigo comum e de uma estratégia comum de resistência. Assim, respeitando a
diversidade cultural existente entre as regiões, o MST, enquanto movimento social vem
construindo uma unidade nacional.
Dentre as características apresentadas pelo Movimento destaca-se o caráter da sua
formação sindical, em que aparece representado na luta pela terra que vem no sentido de
resolver os problemas econômicos das família. Para tanto, tem realizado uma luta corporativa
dos camponeses, através da democratização do acesso à terra e ao trabalho. Outro aspecto
apresentado pelo MST é seu caráter popular, por ter claro que sua força política está na força
de organização, na capacidade de mobilização social de sua base por políticas públicas para os
acampamentos e assentamentos, realizada de forma articulada com outros sujeitos sociais e
políticos da sociedade em geral. Por fim, o Movimento apresenta seu caráter político, cuja
principal aspiração encontra-se na transformação social do país. Estes aspectos encontrados
no MST também estão sintetizados em seus objetivos: a terra, a reforma agrária e o
socialismo. (STÉDELI; GORGEN, 1996). Assim, o caráter e os objetivos do MST
49
encontram-se intrinsecamente relacionados com o contexto político da época de seu
surgimento, seja na esfera nacional como internacional, sendo que sua formação se deu em
uma conjuntura política propícia para se avançar na luta política no país, ainda que
internamente as forças conservadoras do latifúndio e do capital fizessem de tudo para que a
luta pela reforma agrária não avançasse.
Esta era uma época da redemocratização do Brasil, período conhecido como Nova
República. O então presidente eleito José Sarney, em resposta às mobilizações populares,
elaborou o I Plano Nacional de Reforma agrária – PRNA que previa o assentamento de um
milhão de famílias. Dando sequencia ao processo de retomada da democracia, em 1988 foram
realizadas eleições para deputados que formariam a Assembléia Constituinte, responsável pela
revisão da Constituição Brasileira. Neste momento havia uma pressão social por direitos e
políticas públicas, em particular, para a realização da reforma agrária. De acordo com Stédile
(2006), “pareciam ser novas possibilidades, em face da pressão popular por um projeto
democratizante, diante do qual a “Nova República” não tinha como recuar”. Porém, forças
contrárias à democratização da terra lutaram para que a pauta da reforma agrária não
avançasse. Entre essas forças destaca-se a União Democrática Ruralista – UDR, que se
articulava publicamente para impedir que a decisão sobre a realização da reforma agrária
como pleiteavam os movimentos sociais fosse implantada na Constituição e para impedir as
ocupações de terra.
Preocupada em se mobilizar para impedir as desapropriações de terras com
fins de reforma agrária, com objetivos ultrapassados e métodos nada
pacíficos, a UDR foi criada em 1985, para lutar com todas as armas, da
intimidação ao poder econômico, não só contra as mudanças políticas e
burocráticas em favor da reforma agrária – que as lideranças ruralistas
consideravam “demagógica, de papel” –, mas também para exigir o que seria
a “verdadeira política agrícola’” (DREIFFUS, 1990, 69), voltada para a
intensificação do capitalismo no campo. (AZAR, 2005, p. 67)
Porém, apesar das ofensivas, perseguições e assassinatos, a luta pela reforma agrária
tomou conta do país e milhares de pessoas ocuparam as ruas nas cidades em defesa dessa
bandeira. No campo, terras foram ocupadas, realizaram-se manifestações e mobilizações
públicas pela reforma agrária, audiências públicas e assembleias para discutir as questões
relacionadas à terra. Tais iniciativas eram feitas por movimentos, sindicatos, federações de
trabalhadores, partidos políticos, enfim, por um conjunto de sujeitos sociais e políticos que
emergiam em todas as regiões do país, sendo que dentre estas forças constituídas encontrava-
se o MST.
50
O ponto de partida para construir o MST em cada estado foi a organização
de uma estrutura básica. Essa estrutura, formada pela coordenação, direção,
secretaria e setores, foi concebida desde as práticas das organizações
camponesas históricas e, principalmente, das experiências vivenciadas,
quando as famílias organizaram comissões e núcleos nos acampamentos e
nos assentamentos. Esses ensaios praticados durante anos de luta tornaram-
se as referências que delinearam as formas de organização das atividades do
Movimento. Desse modo, os sem-terra criaram suas instâncias de
representação que são a direção e a coordenação estaduais, as coordenações
de assentamentos e acampamentos. Evidente que esse processo foi sendo
construído por etapas. O seu começo é a ocupação da terra (FERNANDES,
1999, p.86).
No caso do MST, como já dito, adotou-se a ocupação como principal instrumento de
luta. Estrategicamente, o Movimento, através da ocupação, denunciava a problemática da
terra à sociedade, e cobrava com a organização das famílias sem terra a aplicação do I PNRA.
Neste sentido, os acampamentos de sem terra se faziam às dezenas no interior do Brasil, e o
MST seguia fazendo, na “lei ou na marra”, a luta pela reforma agrária. A palavra de ordem
denotava o fracasso das metas estabelecidas no PNRA do governo Sarney, primeiro governo
civil depois de 21 anos de ditadura.
A ocupação, enquanto estratégia de luta do MST, foi utilizada em todos os governos
que sucederam o governo Sarney, ainda que com intensidades diferentes, variando de acordo
com a conjuntura política de cada período. Além disso, para cada contexto histórico, o
Movimento trazia em suas palavras de ordem o referencial de sua estratégia (FERNANDES;
STÉDILE, 1999). Os lemas usados pelo MST no seu processo de organização social e
política, encontravam-se estreitamente articulados à conjuntura política do país. As palavras
de ordem “Reforma Agrária na lei ou na marra” e “Reforma Agrária para quem nela trabalha”
cumpriam o papel de denunciar a estrutura fundiária concentradora que reinava (e continua
reinando) no país e também a questionar a política de reforma agrária adotada pelos governos
da época.
Já a situação de perseguição política e criminal impetrada pelo governo Fernando
Collor de Melo aos movimentos sociais, em especial ao MST, era denunciada através do lema
“Ocupar, resistir e produzir”, o qual explicitava o sentido da ocupação para além da entrada
na terra, ressaltando também que a luta precisava continuar depois da ocupação, pois muitas
51
eram as dificuldades para a manutenção das famílias na terra Com este lema, o MST indicava
à sociedade a existência de dificuldades e entraves políticos para o sucesso da reforma agrária.
De forma muito contundente, a palavra de ordem “Reforma Agrária: uma luta de
todos”, era um chamado feito à sociedade pelo MST durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso, para o debate sobre a necessidade da realização da reforma agrária não efetivada até
então. As palavras de ordem apontavam para a base social do MST e para a opinião pública os
descasos da política pública de reforma agrária e a necessidade de se continuar ocupando os
latifúndios para a democratização do acesso terra (FERNANDES; STÉDILE, 1999,
OLIVEIRA, 2001). A intenção também era articular campo e cidade, no sentido de fazer a
sociedade em geral compreender que os problemas do campo encontravam-se diretamente
relacionados aos da cidade e que a concentração da terra afetava toda a estrutura social
brasileira.
Na primeira década deste século, com outro contexto sócio-econômico no país,
diante da investida do capital transnacional na disputa pelo controle da produção no campo, a
palavra de ordem “Reforma Agrária: por justiça social e soberania alimentar” denunciava à
sociedade os riscos que a produção de alimentos na lógica mercadológica implicava para a
soberania nacional, e de forma particular as implicações do controle da produção de alimentos
no país por corporações internacionais. Além disso, como já observado neste trabalho, o
contexto representou a disputa de projetos antagônicos, por um lado a agricultura capitalista
baseada numa matriz produtiva de alto nível tecnológico de altíssima produtividade e uso de
grandes extensões de áreas para o monocultivo, numa produção voltada aos interesses do
mercado de commodities, o que tem levado a uma crescente concentração de terras. Por outro
lado a agricultura familiar camponesa que resiste através de sua matriz produtiva, na qual se
destacam o uso do trabalho familiar à produção que associa a produção de alimentos para
auto-consumo com a venda do excedente, deliberadamente produzido ou não para o mercado.
Todas as palavras de ordem usadas pelo MST ao longo de sua existência, como pode
ser observado, refletiam o momento e as mudanças pelas quais passavam a sociedade
brasileira, assim como o processo de crescimento do MST. A mudança dos temas tinha como
respaldo a compreensão de que é preciso entender o momento para se definir a estratégia a
seguir. Porém, independente do período e do contexto político mais geral, a ocupação sempre
se apresentou como principal instrumento na estratégia, pois como a questão da concentração
52
fundiária nunca foi resolvida no país, o MST sempre teve clareza da impossibilidade de
derrotar o latifúndio sem enfrentá-lo diretamente, entendendo que isso só seria possível
através da ocupação de terras, aspecto básico para a compreensão deste Movimento.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, desde sua
gênese, tem sido a principal organização no desenvolvimento dessa forma de
luta. É impossível compreender a sua formação, sem entender a ocupação da
terra.
Nesse sentido, para os sem-terra a ocupação, como espaço de luta e
resistência, representa a fronteira entre o sonho e a realidade, que é
construída no enfrentamento cotidiano com os latifundiários e o Estado.
O sentido da formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
está na sua espacialização e territorialização, porque traz o significado da
resistência por meio da sua recriação. Nessas duas décadas, no
desenvolvimento desses processos, os sem-terra se organizaram em vinte e
duas unidades da federação e construíram uma estrutura organizativa
multidimensionada em suas instâncias representativas e nas formas de
organização das atividades. Dessa forma, ampliaram a luta pela terra em luta
por outros direitos: educação, política agrícola, saúde etc., construindo as
condições para conquistá-los. (FERNANDES; STÉDILE, 1999. p. 08)
Hoje o MST se encontra organizado em 24 das unidades da federação brasileira.
Desde sua gênese se colocou como um movimento de permanente espacialização sobre o
latifúndio, enquanto maior expressão do capital no campo. Para isso, formou e consolidou
uma militância política e, indiscutivelmente, os trabalhos e ações desencadeadas em torno da
bandeira da reforma agrária. Nestes mais de 25 anos de luta pela terra o movimento somou
imensuráveis conquistas, em todas as dimensões da vida humana, seja na área da educação, da
produção, da formação política e da cultura. Em outras palavras, o resultado da luta pela terra
e pela reforma agrária assumida pelo MST tem sido a conquista e construção de territórios,
cuja base se encontra no processo de ocupação da terra e dos espaços de reprodução
camponesa.
Vale destacar, entretanto, que nesta luta o MST tem enfrentado no seu cotidiano não
apenas o latifúndio, através da figura do fazendeiro, mas também um conjunto de forças e
sujeitos sociais e políticos conservadores, aliados e articulados com este segmento do campo.
Articulado com o Estado (cuja gênese encontra-se nas elites agrárias brasileiras), a nova
faceta do latifúndio, o agronegócio, tem intensificado a expropriação da terra. E, em paralelo,
tem desencadeado intensa campanha de negação de direitos à luta pela terra, tendo para isso,
recebido constantes e expressivos auxílios de setores político, jurídicos e sociais importantes
da sociedade.
53
3.1- A FORMAÇÃO DO MST NO CONTEXTO DA QUESTÃO AGRÁRIA NO
MARANHÃO
No Maranhão a questão agrária é um reflexo do contexto nacional, porém apresenta
suas particularidades, especialmente na região do Bico do Papagaio, área conhecida nas
décadas de 1970 e 1980 pelos intensos conflitos de terra e pelos inúmeros assassinatos. Esta
região foi marcada por inúmeros conflitos neste período, chegando a apresentar um dos
maiores, senão o maior, índices de violência no campo contra trabalhadores rurais no Brasil.
De acordo com dados da CPT apresentados por Almeida (1982, p. 04), durante o ano de 1979
[...] até julho de 1981, o dados referentes ao Maranhão assinalam 207
(duzentos e sete) conflitos de terra, envolvendo 67.184 (sessenta e sete mil e
cento e oitenta e quatro) famílias de trabalhadores rurais e 7.706.075 (sete
milhões, setecentos e seis mil e setenta e cinco) hectares de área em disputa.
Neste levantamento, o Maranhão apresenta o maior número de conflitos, ou
seja, 22,5% do total assinalado.
Para não deixar margens de dúvidas, o autor utilizando-se de outra fonte de pesquisa,
afirma que
A mesma posição ocupa o Maranhão no levantamento da ABRA, que cobre
os anos de 1980 e 1981, apresentando 67 (sessenta e sete) conflitos de terras
com um total de 14 (catorze) trabalhadores rurais mortos, 241.000 (duzentas
e quarenta e um mil) famílias sem terra Wagner (1882, p. 4).
Os conflitos na região receberam tratamento especial do Estado através de ações
repressivas como as que caracterizaram a Guerrilha do Araguaia, já tratada neste trabalho. No
entanto, tomaram repercussão nacional e internacional com o assassinato de uma das mais
importantes lideranças atuantes na organização dos camponeses da região, o padre Josimo
Tavares, assassinado em 10 de maio de 1985, na sede da CPT em Imperatriz14
.
Essa situação resultou do contexto político em que vivia o estado desde o momento
que o governo estadual assumiu a articulação imprescindível para a garantia dos interesses
dos latifundiários. Um exemplo foi a Lei nº 2.979, de 17 de julho de 1969, conhecida como
Lei de Terras do Maranhão ou lei Sarney, promulgada pelo então governador do estado, José
Sarney, a qual abriu “as portas do estado para os grandes grileiros, tumultuando o processo de
14 O assassinato do Padre Josimo Tavares aconteceu no dia 10 de maio de 1986. O crime ocorreu na cidade de
Imperatriz no estado do Maranhão. Padre Josimo atuava como coordenador da Comissão Pastoral da Terra –
CPT na região Bico do Papagaio. Essa região é bastante conhecida pelos intensos conflitos pela terra que
marcaram as décadas de 1970 a 1980. Seu trabalho era mais direcionado às famílias camponesas do estado do
Tocantins.
54
regularização fundiária e provocando êxodo rural e violência no campo” (JORNAL VIAS DE
FATO, 2011). Tal Lei corroborou com políticas desenvolvimentistas que estimularam grandes
projetos agropecuários, os quais intensificaram os conflitos no estado, em especial na região
da Amazônia Oriental, região, marcada por uma permanente migração de camponeses que
fugiam da seca e da cerca do latifúndio do Nordeste, muitos do próprio Maranhão,
provenientes de outras regiões onde as disputas pela terra já tinham sido consolidadas pelo
capital latifundista.
Na Amazônia Oriental maranhense, especificamente na região do Alto Turi, o
governo iniciou em 1971 um Programa de Colonização que tinha como meta atender um
milhão de pessoas numa área de 3 milhões de hectares. As famílias beneficiadas com o
programa, eram provenientes tanto do estado quanto do Nordeste em geral. No entanto, “com
apenas dois anos após a sua implantação, o programa foi considerado um fracasso”, e,
“caracterizando o gradual abandono do projeto, a SUDENE tinha assentado até 1972 apenas
844 famílias na área” (JATOBÁ, s/d, p.626).
Com o fracasso deste projeto de colonização, as terras foram sendo ocupadas de
forma a intensificar a concentração de terras na região. Sendo assim, esse período de
colonização oficial estimulou a migração para aquela região, como já foi aqui apontado,
ocasião em que chegaram grandes contingentes de migrantes de vários estados do Nordeste.
Enquanto isso, os setores empresariais agropecuários continuavam especulando com as terras,
contando para isso com o apoio e incentivo do governo federal, o que era feito através da
Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. (FEITOSA, 1998)
Tal processo colocou o Maranhão na rota da fronteira agrícola da Amazônia. Muitas
empresas de capital internacional foram estimuladas pelo Estado a ocuparem “espaços vazios”
na Amazônia, através do discurso do desenvolvimento para a região. Nesta perspectiva o
Maranhão cumpria um papel importante em três frentes: como área de passagem para outros
estados para a migração rumo à Amazônia; como exportador de força de trabalho para a
composição do exército industrial de reserva para a industrialização formada no Centro-Sul
do país; como fornecedor ele também de migrantes para a região Centro-Norte, para as áreas
de fronteira agrícola.
55
Esse processo iniciado no estado na década de 1960, vai impulsionar a valorização
das terras, estimulando a grilagem destas por latifundiários e por empresas agropecuárias,
expulsando os camponeses para a cidade ou fazendo-os adentrar cada vez mais rumo às
“bandeiras verdes”15
do estado, em busca de terras devolutas. Tal fenômeno se intensificou
com a chegada dos grandes projetos trazidos pelo capital para a região. Foram projetos como
o Programa Grande Carajás16
, a construção da hidrelétrica de Tucuruí, o Consórcio Alcoa-
Billington, aqui denominado Consórcio Alumar/Alcoa, a construção dos portos Itaqui e da
Ponta da Madeira. A consolidação desses grandes projetos, que prometiam o desenvolvimento
para o estado, se confirmou como mais um engodo político do Estado e do capital para utilizar
a extensa matéria prima da região, levando toda a riqueza extraída e deixando as mazelas
sociais ao longo dos municípios por onde estes projetos se instalaram (FEITOSA, 1988).
Associado a este complexo industrial, também foram implementados grandes
projetos agropecuários compostos pela produção da soja, do eucalipto, do bambu e da cana-
de-açúcar, assim como a pecuária extensiva e a piscicultura. Todos estes projetos tinham em
comum o fato de constituírem-se em agentes de expulsão das comunidades afetadas,
provocando invariavelmente um conjunto de mazelas no campo, intensificando o processo
migratório já existente. Importante demarcar também os impactos destes projetos em vários
aspectos como no meio ambiente.
Assim, a década de 1980 transformou o Maranhão em território de disputa entre os
queriam permanecer nas terras onde estavam, onde foram criados, e aqueles que queriam
expropriá-los. Tal confronto exigiu a organização dos trabalhadores do campo. E, é neste
contexto político e agrário que o MST do Maranhão 17
se formou, fazendo o enfrentamento
direto ao latifúndio. No ano de 1985, com a realização do primeiro Congresso Nacional do
MST, que foram iniciados os trabalhos pelo MST no estado. Neste congresso estiveram
15
Bandeiras Verdes é a denominação dada pelos camponeses para a floresta amazônica. Muitos camponeses
nordestinos que fugiam da seca e da expropriação do latifúndio, procuravam as “bandeiras verdes”, que seriam
as terras em abundância, sem dono, as terras de todos. De acordo com depoimentos de migrantes nordestinos,
estes seguiam orientações dadas pelo conhecido padre Cícero, que orientava seus devotos a seguir “rumo ao sol
poente”, rumo ao Oeste, pois lá se encontrariam as “bandeiras verdes”. Assim, milhares de nordestinos chegaram
à Pré-Amazônia maranhense a partir das 50 e 60 . Para maiores detalhes, ver o documentário “Bandeiras
Verdes”, do cineasta maranhense Murilo Santos o qual pode ser encontrado como anexo no livro Fronteiras: A
expansão Camponesa na Pré-Amazônia Maranhenses 16
Projeto Grande Carajás, de acordo com Silva (1995, p. 56/) *“abrange uma área de aproximadamente 895.000
km em terras do Maranhão, do Pará e do atual Tocantins. Seus objetivos iniciais estão relacionados diretamente
ao mercado externo e à geração de divisas para o pagamento da dívida externa brasileira, através dos segmentos
minero-metalúrgicos, agropecuária e agroflorestal”.
56
presentes organizações do Maranhão, como o CENTRU18
, através de seu representante, o
líder camponês Manoel da Conceição19
, o qual contribuiu de forma intensa na formação do
MST no estado, compondo o processo organizativo e de mobilização do Movimento, até sua
consolidação no estado.
3.2 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO MST: ESTADO DO MARANHÃO
O MST iniciou seus trabalhos de articulação e de formação no estado ainda em 1985.
Consolidou-se, primeiramente, na região Pindaré, em 1986, com a ocupação da Fazenda
Capoema, cuja área era de 60.000 hectares, esse primeiro acampamento contou com mais de
537 famílias. A importância histórica desta ocupação deveu-se à violência que caracterizava a
região, decorrente dos grandes conflitos pela terra ali existentes. A região se tornou conhecida
pelo intenso processo de grilagem, cuja maior expressão era o “Grilo Pindaré”, no qual foi
identificada extensa e complexa rede de interesses empresarias20
.
Em 1987, foi a vez das famílias sem terra ocuparem a fazenda Terra Bela, no
município Santa Luzia, atual Buriticupu, com 9.374 hectares. Ainda neste ano o MST seguiu
rumo ao Sudoeste do estado, ocupando a conhecida fazenda Criminosa, no município
Imperatriz. Esta fazenda, com 5.000 hectares, de propriedade do grupo Sharp, apresentava
18
CENTRU, Centro de Educação do Trabalhador Rural, uma organização não governamental fundado em 1984
por trabalhadores rurais para trabalhar a sustentabilidade ambiental e humana voltada na perspectiva da
organização da produção camponesa direcionada para a comercialização dos seus produtos. Inicialmente,
dedicou-se ao trabalho de formação sindical na região tocantina e no sul do Estado, com a preocupação de
ajudar, assessorar e apoiar o trabalhador rural, sobretudo, na área da educação. A partir de 1990, aprofunda a
discussão sobre o processo de organização social, associativismo e cooperativismo. 19
Manoel da Conceição é uma das mais importantes lideranças camponesas no Maranhão. Historicamente teve
sua luta marcada pela perseguição, em uma ocasião foi baleado o que levou o levou a amputar uma das pernas;
por duas vezes foi preso, torturado e exilado pela Ditadura Militar. É um dos membros fundadores do PT da
CUT e esteve no processo de formação do MST no Maranhão, no qual contribuiu na região do Pindaré, onde
atuava como sindicalista e de onde iniciou o processo de fundação do Centro de Formação do Trabalhador Rural
- CENTRU, onde atua até hoje. Em 28 de setembro de 2010, na condição de liderança camponesa, recebeu o
título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, o primeiro camponês a
receber este título naquela instituição. 20
De acordo com AZAR (2005, p. 66) “A história da grilagem na região de Pindaré, muito bem detalhada no
livro “Grilagem: corrupção e violência em terras de Carajás”, de Victor Asselin, (Petrópolis: Editora Vozes,
1982), apresenta as diferentes declarações territoriais da Fazenda Pindaré, todas devidamente registradas junto ao
INCRA, o que mostra a complexidade existente nesse grilo. As mais importantes são: 353.320ha; 1.694.000ha;
3.518.320ha; 242.000ha; 125.000ha. Os números servem para dar uma dimensão da extensão territorial e as
inerentes questões daí resultantes.”
57
este curioso nome pelo fato de ai terem ocorrido assassinatos de trabalhadores que resistiram
à prática de “limpeza de área” 21
o que levou vários trabalhadores rurais serem assassinados.
Num segundo momento de territorialização do MST no estado, várias ocupações
foram realizadas na região tocantina, a exemplo da fazenda Gameleira, área de 2.000 hectares
ocupada em 1988. O processo de consolidação do Movimento e sua espacialização no estado
foi se dando também através de apoio a outras áreas de conflitos, em que mesmo sem fazer o
processo de organização da ocupação o Movimento articulava a luta para enfrentar o
latifúndio, seguindo para outras regiões e reterritorializando áreas antes tomadas pelo
latifúndio, as quais passaram a assumir a dimensão de territórios da reforma agrária.
Em 1989 o MST chegou à região de Mearim, onde ocupou com 500 famílias a
fazenda Diamante Negro Jutay, área de 8.400 hectares, localizada no então município de
Vitória do Mearim, hoje município de Igarapé do Meio. A região hoje é um dos principais
territórios da reforma agrária no estado, já que ali se encontra um numero expressivo de
assentamentos de reforma agrária. Os dois munícipios de Vitória do Mearim e Igarapé do
Meio somam um total de 19 assentamentos com 2945 famílias assentadas no total.
A década de 1990 representou para o MST no Maranhão um período de consolidação
enquanto movimento de caráter estadual, já que alcançou outras regiões, como o Oeste do
estado, nos municípios Newton Bello, Pedro do Rosário e Zé Doca, ocupando três fazendas e
conquistando três assentamentos. Além disso, mobiliza também as famílias que, apesar de não
se encontrarem ainda assentadas, vivem em acampamentos já consolidados na região.
Na região Leste do estado o Movimento avançou fazendo luta e resistência, através
de ocupações de fazendas e também organizando povoados existentes em áreas de latifúndio,
quando comunidades centenárias de posseiros que decidiram por romper as amarras da
exploração, característica das relações de vida e de trabalho estabelecidas pelo fazendeiro,
assumindo a luta pela reforma agrária. Como resultado, hoje a região conta com mais de 773
famílias assentadas e 730 famílias acampadas.
21
De acordo com Morissawa (2001, p. 189), a denominação de “limpeza da área” “foi dada pelos próprios sem
terra, devido aos vários assassinatos de posseiros que resistiram” a tal limpeza. A autora, na verdade, faz
referência à prática muito comum no estado de expulsão de comunidades de áreas não regularizadas, no processo
de expansão de fronteira agrícola. O termo, assim, designava a retirada das famílias deixando a área “limpa”,
portanto, livre do empecilho representado pelos camponeses, com o detalhe de que esta limpeza era garantida
pela violência e assassinato aos que a ela resistiam.
58
Por fim, em 1994, o MST chegou à região Médio Mearin, foco da presente pesquisa,
e um dos principais palcos da luta pela terra no estado. Esta região é importante no sentido de
ter se constituído a porta de entrada para as ações empreendidas pela UDR, de perseguição
política, tortura e assassinatos de camponeses no estado. Hoje existem dezenas de
assentamentos na região, duas delas organizadas pelo MST, as quais representam
percentualmente o maior número de famílias assentadas na região, fato que representa uma
conquista muito grande para a luta pela terra no estado, de forma particular como marco da
ação do MST na região.
O MST seguiu na sua espacialização realizando ações e organizando famílias sem
terra em várias regiões do estado, chegando de forma muito particular na região Médio-
Mearim, cujas características do campo são de relações de exploração dos camponeses,
população formada com grande influência migratória, já que a região (compunha o itinerário
da migração nordestina rumo à Amazônia). Palco de muitas lutas e resistências camponesas,
constitui importante território de disputa entre o latifúndio e o campesinato. É neste cenário
que o MST vai conquistar um dos maiores assentamentos do estado, o qual vivencia os
grandes desafios do processo de luta pela reforma agrária e pela reprodução social
camponesa, o assentamento Cigra, sobre o qual discorrei a seguir.
59
4. O ASSENTAMENTO CIGRA NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO
MARANHÃO
A história do Maranhão é marcada por uma constante luta pela terra, com grandes
conflitos entre latifundiários e trabalhadores rurais. Desse processo de luta pela terra e
reforma agrária é possível encontrar registros históricos em todas as regiões do estado. Neste
sentido, muitas são as manifestações de luta e resistência no Maranhão, entre as quais merece
ser destacada a luta pela terra articulada por trabalhadores camponeses sem terra na fazenda
CIGRA (Sabeza)22
, localizada no município de Lagoa Grande do Maranhão.
No Maranhão, estado marcado por distintos episódios de luta camponesa em busca
de terra e de trabalho, a atual luta camponesa demonstra que a questão da reforma agrária no
estado ainda não foi solucionada, fazendo com que os conflitos no campo permaneçam
acirrados e cada vez mais frequente. O fato é que na mesma condição das famílias sem terra
que lutaram pela fazenda CIGRA na década de 1990, milhares de outras participaram e
continuam participando de resistências travadas em todas as regiões maranhenses,
constituindo-se como parte do contingente dos migrantes da terra do Maranhão.
Da luta que caracteriza o estado, destacam-se duas lutas históricas. A primeira do
povo negro, hoje representada nas mais de 600 comunidades quilombolas que resistem até
hoje em todas as regiões do Maranhão. A segunda é a luta indígena que vem resistindo de
todas as formas à invasão de seus territórios, a fim de manter viva a história de seus povos, a
exemplo do que foi citado por Trovão (2008) sobre a luta do povo Piocobgez que habitava no
vale da várzea do rio Grajaú e que se opunha com grande resistência aos grandes criadores de
gado usando inclusive estratégias de destruição de fazendas e povoados contra o avanço da
pecuária. Relacionando a importância da resistência negra e indígena, Trovão (2008, 33) diz:
Tal como o negro, a resistência do índio a tal dominação, foi
primordial para a sobrevivência, embora ainda bastante sacrificada de
algumas, e o que é mais importante é que o espírito de luta dessas
duas minorias étnicas nos dá uma lição da necessidade de conviver
com as diferenças de cada cultura e os diferentes, que, no entanto,
foram importantes na construção do Brasil e particularmente do
Maranhão.
Tão importante quanto a luta negra e indígena foi a luta dos migrantes nordestinos
22
A fazenda Cigra, com uma área de 24.066,6851 ha (AESCA, 2008, p. 62) antes era chamada de Sabeza, em
referência a outra área vizinha do mesmo proprietário e que era dividida apenas pelo rio Grajaú. Hoje o rio
divide o assentamento das outras fazendas e povoados.
60
que, fugindo das cercas e da seca da região, desbravaram as terras maranhenses, enfrentando
logo após a investida dos latifundiários e dos grileiros, retomando uma intensa mobilização
camponesa pela terra no estado. Esse processo, de acordo com Fernandes (1999, 28), se
intensifica a partir de meados da década de 1950, ocasião em que,
[...] na região do Pindaré chegaram famílias expulsas do vale do Mearin, que
foram expulsas do Piauí e que já vinham expulsas do sertão do Ceará. Nessa
mesma época, iniciou o processo de grilagem da região, expulsando
novamente muitas famílias, que partiram para o oeste e sudoeste do
Maranhão, sempre em busca da terra liberta e da conquista da liberdade.
Assim, camponeses migrantes e expulsos chegaram na região que depois se
tornaria conhecida como Bico do Papagaio.
Esses posseiros migrantes, na sua maioria camponeses nordestinos expulsos e
expropriados em sua terra natal, se dirigiram para as várias regiões do estado em busca de
terras. De acordo com Trovão, parte desses migrantes seguiu para a região Oeste do estado,
rumo ao Projeto Alto Turi, região de colonização do governo federal, iniciada na década de
197023
, enquanto outros seguiram para distintos rincões do interior do Maranhão. De acordo
com o autor, “dentre os retirantes que seriam beneficiados [pelo Projeto de Colonização]
estariam os nordestinos, remanescentes migrantes das áreas de seringais e dos castanhais e
que ficaram antes de atingir o destino, e aqueles que de lá tinham regressado” (TROVÃO,
2008, p. 26).
Foi a partir da década de 1960 que os migrantes nordestinos se fixaram na região
central e sudoeste do estado, territorializando-se especialmente na micro região do Pindaré,
meso-região do Oeste da Amazônia. No município de Lago da Pedra, consolidaram frações de
territórios, sendo que em momento posterior perderam suas terras para fazendeiros e grileiros.
Foi este o contexto que deu início à formação do latifúndio Sabeza, com as primeiras compras
de terra datam da década de 1970. Contraditoriamente, foi neste período também que se
formaram a maioria das pequenas propriedades e posses, cujas terras, de modo geral, se
encontravam nas mãos dos camponeses que moravam em povoados. Segundo Silva (2008),
naquele momento existiam apenas algumas fazendas na região, as quais localizavam-se
próximas ao povoado Lagoa Grande, atual município de Lagoa Grande do Maranhão.
23
O Projeto de Colonização do Alto Turi – PCAT teve inicio no ano de 1972 e foi um projeto implantado pela
Companhia de Colonização do Nordeste – COLONE, instituição vinculada à Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste SUDENE, que era responsável no governo federal pela colonização de uma área
de um milhão de hectares na região oeste maranhense, atingindo 11 municípios do estado. O projeto tinha como
propósito beneficiar 50 mil pessoas (TROVÃO, 2008, apud Velho, 1881)
61
O processo de territorialização do latifúndio na região assumiu contornos de
acirramento de conflitos a partir da década de 1980, quando João Carneiro, latifundiário
proprietário de várias fazendas, recebeu recursos subsidiados pelo governo federal através da
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM (SILVA, 2008, p. 51,52). Foi
a partir desse momento que os latifundiários da região passaram a adquirir grandes extensões
de terras, através da compra e também da grilagem. O latifundiário em questão, através da
constituição da Empresa Agropecuária CIGRA, acessou os recursos da SUDAM para se
apropriar de terras. Para tanto, expropriou as terras dos camponeses pela prática da grilagem.
Cabe ressaltar que tal prática apresenta como maior característica a violência com a qual é
realizada.
Além da prática expropriatória da grilagem, este fazendeiro também utilizou o
mecanismo de compra da terra dos camponeses. No caso, para garantir a aquisição de grandes
extensões de terra, oferecia valores acima do valor de mercado, sucumbindo qualquer tipo de
resistência que os camponeses pudessem ter em relação à venda de suas terras.
Estrategicamente, aos camponeses mais resistentes a ordem era persuadi-lo através do uso da
violência. Tais mecanismos de intimidação e pressão sobre as famílias posseiras ameaçadas
frente ao poder político e econômico do fazendeiro garantiram a concentração de cerca de
24.000 (vinte e quatro mil) hectares de terra, constituindo assim um outro latifúndio, a Cigra.
Foi a partir deste contexto agrário e político que em 1993, trabalhadores rurais que
sobreviviam da produção extraída da “roça no toco24
”, sem condições de produzirem,
sentiram a necessidade de se organizarem e luta pela terra. Com tal perspectiva, formaram um
grupo e, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lago da Pedra, propuseram-
se a lutar pela terra, cujo foco se centrava no latifúndio Cigra (Silva, 2008, p.52). Foi assim
que teve início a história da luta pela conquista da CIGRA, cujas primeiras iniciativas
aconteceram em julho de 1992, com a mobilização de um grupo de trabalhadores para entrar
na terra.
Porém, a notícia da mobilização dos trabalhadores chegou ao conhecimento do
fazendeiro, que reagiu, fazendo com que houvesse um recuo estratégico do grupo. Por conta
disso, somente um ano depois, em quatro de agosto de 1993, o grupo se rearticulou com o
24
A roça no toco é uma prática herdada dos povos indígenas e aperfeiçoada pelas famílias camponesas, que
utilizam determinada área para produzir através da prática consorciada de vários tipos de produção. Dentre os
principais consórcios produzidos no estado temos o arroz com milho, a mandioca com o feijão, com a introdução
da abóbora, quiabo e melancia nos consórcios citados.
62
apoio da Delegacia Sindical do então povoado Lagoa Grande, pertencente ao Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Lago da Pedra, resolvendo entrar na terra.
O grupo em questão era formado por apenas 10 trabalhadores rurais que, embora
fossem poucos, estavam decididos a lutar pela terra motivados pela necessidade de ter um
lugar para fazer suas roças. A fazenda Cigra apresentava-se como lugar ideal para esta luta
por caracterizar-se como improdutiva, posto que a única atividade produtiva desenvolvida
pelo proprietário era a pecuária de corte, em uma área reduzida, sendo sua maior parte
constituída por mata virgem e grande quantidade de recursos hídricos
Com as compras das terras dos posseiros pelo latifundiário, as famílias passaram
à condição de sem terras, não tendo mais condições de produzirem livremente, precisando,
para tanto, submeterem-se às exigências do proprietário, que determinava pagamento pelo uso
da terra. Assim, de posseiras estas famílias se tornaram rendeiras e parceiras.
A renda camponesa da terra é caracterizada pelo pagamento pelo direito de uso da
terra. Suas formas de pagamento podem ser em dinheiro, em produtos ou em serviços. O mais
importante desta prática é a relação de exploração estabelecida pelo fazendeiro ao camponês
sem terra. Neste sentido, a realidade vivenciada pelas famílias da região não permitia qualquer
melhoria nas condições de vida, posto que eram submetidas a estas relações de exploração.
Esta situação era e ainda é a realidade de muitos camponeses nos municípios tanto da referida
região, como de todo o estado. Tal situação foi determinante para que as famílias se
organizassem, o que pode ser confirmado pelo relato abaixo, feito por um camponês
assentado pelo Projeto de Assentamento - PA Cigra, entrevistado por Silva (2008, p.54):
Indignados com essa situação de vida, os trabalhadores se deparavam cada
vez mais com a necessidade de um espaço para produzir sua própria
alimentação e sair daquele sofrimento, no qual há tanto tempo viviam. Eu
trabalhava num terreno dum senhor alagoano, lá nos Três Lagos. Eu botava
20 linhas de roça, eu pagava 60 alqueros de arroz, antão isso é uma forma de
exploração, comprava a terra da mão dele através da renda e depois devolvia
pra ela dinovo e agente aindá se sentia humilhado, porque quando a gente
tava colhendo a roça a gente já tava imaginando aonde era que ia colocar a
outra roça, se falasse pra ele, ele não queria dá a terra pra gente trabalhar,
não queria alugar. (entrevistado 3).
Aqui, fica claro que as relações de trabalho estabelecidas entre proprietário e
camponeses era de exploração. Estes trabalhadores eram rendeiros, parceiros, que pagavam
renda de até 35% da sua produção ao fazendeiro.
63
Para Oliveira (1985, p. 81-82)
[...] a renda em produto, uma das formas da renda da terra pré-(não)-
capitalista, origina-se do fato de que o trabalhador cede parte de sua
produção ao proprietário da terra, pelo fato deste (o proprietário) ter cedido o
direito para que ele cultivasse a terra. Como podemos observar, nessa forma
da renda da terra, pré-(não)-capitalista, a coerção (elemento fundamental da
renda em trabalho) é substituído pelo direito, muitas vezes, expresso em
contratos (verbais ou escritos). [...] No caso brasileiro muitas são as
combinações de parceria.
Além disso, segundo os relatos obtidos, uma das condições para que estes
camponeses tivessem acesso à terra para que pudessem cultivar suas roças era a formação de
pastagem, o que implicava que antes de fazerem as roças, os camponeses abriam caminhos
para desbravarem a floresta e, só depois, faziam suas plantações. Percebe-se que o grau de
exploração era muito grande, já que os relatos apontam tipos de pagamento de renda: o
primeiro, após todo o trabalho produtivo concluído, característico do plantio de roça, com os
produtos colhidos e a produção armazenada, os trabalhadores faziam a divisão da produção
com o fazendeiro. O segundo tipo de pagamento de renda se fazia em trabalho, onde
camponeses, antes de sair da área ou mesmo para continuar usando as terras do proprietário
com quem “lidavam”, tinham que deixar a área desmatada plantada com capim, para a
formação de futuros pastos. Segundo o depoimento da assentada dona Maria dos Santos, 55
anos,
quando a fazenda tomou de conta a agente às vezes conseguia um pedaço de
terra para fazer roça mais tia que pagar renda25
e deixá o capim plantado pra
fazenda, às vezes o gado da fazenda entrava na roça e comia tudo antes da
colheita e não adiantava ir lá reclamar por que os homens eram brabo
(entrevista concedida colhida em 10 de dezembro de 2010).
Porém, nem sempre a situação era “tão favorável” aos camponeses. Pois,
[...] às vezes acontecia de todo o trabalho feito ficar perdido, com gado
entrando nas roças antes da colheita da produção, e aí não se podia fazer
nada, já que os homens eram perigosos, aqueles que tinham acesso a um
pedaço de terra para fazer roça eram pessoas escolhidas a dedo pela fazenda,
nem todo agricultor tinha direito a fazer roça, não. (Cícero Pedro do
Nascimento, entrevista colhida em 10 de dezembro de 2010)
O fato dos animais comerem a produção da roça não implicava no “perdão da
dívida” do camponês pela utilização da terra, o que obviamente levava este a situações de
mais dificuldades, pois não dispunham nem de terra, nem de dinheiro e nem de produção para
25
A renda apontada pela depoente trata-se na verdade de parceria, sendo o pagamento comumente realizado em
produto.
64
o pagamento da dívida, o que levava a uma relação de endividamento para com o fazendeiro
e, consequentemente, a novas formas de exploração.
Assim, os camponeses que trabalhavam na terra, cansados da exploração a que eram
submetidos, decidiram lutar e construíram as primeiras casas no “Baixo do Tucum”, uma das
localidades da fazenda, onde iniciaram a feitura das roças, agora sem compromisso com o
fazendeiro. Porém, o número de camponeses era pequeno, o que punha em risco a empreitada,
afinal dez pessoas eram insuficientes para o enfrentamento do latifúndio, particularmente
quando se tratava de um latifundiário violento como o “doutor” João Carneiro, velho
conhecido por suas truculências contra os trabalhadores rurais desde as “bandas” de
Quixeramobim, no Ceará, e também pela forma dura na exploração dos trabalhadores, o que
lhe deu fama na região, como é observado abaixo:
O fazendeiro quando começou a adquirir essa terra, lá pelas eras de mais ou
menos 75, vinha chegando e comprando do jeito dele, quem não quisesse
vender era expulso saia do mesmo jeito, como aconteceu com o Ciço Pedro.
Ele perdeu seu pedaço de terra e só conseguiu de volta quando a terra foi
desapropriada. Hoje ele mora ali pro rumo do Tomé, é assentado. Antes da
fazenda tinha por estas bandas, povoados que se acabaram depois que o
doutor João Carneiro chegou, [...] na Estrela tinha morador, na Cigana tinha
morador, na Jabota, tinha gente espalhado que chegaram aqui vindo do
Ceará, Piauí há mais de 50, 60 anos chegaram pra cá [...] (Antonio Amâncio,
entrevista concedida em 13 de dezembro de 2010)
Tendo conhecimento da força do inimigo e consciente das dificuldades que poderia
enfrentar, o grupo sentiu a necessidade de mobilizar mais trabalhadores para a luta. De
imediato receberam a adesão de mais 17 pessoas, fortalecendo assim a ação inicial do grupo.
O novo grupo formado contava com pessoas de várias outras comunidades da região, todas
com histórias de resistência e luta contra a grilagem de terras. Estas comunidades eram a
Unha de Gato, Baixão dos Caboclos, Centro do Manoel Rufino, Centro Pereira, Baixão do
Eugênio e Granbretânia, todas localizadas no município Lago da Pedra, na área emancipada
deste município, atual município de Lagoa Grande do Maranhão, onde se encontra a fazenda
CIGRA (AESCA 2008. p. 63).
Porém, apesar de contar com a participação de pessoas das comunidades acima
citadas, poucas foram as adesões. O grupo, embora agora composto por 27 trabalhadores,
ainda não mostrava força suficiente para confrontar o latifundiário, o que exigiu a
continuidade do trabalho de mobilização de mais trabalhadores e camponeses para fortalecer a
luta. E assim o fizeram.
Com o apoio da Igreja Católica e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lago da
65
Pedra, mobilizaram pessoas de outros municípios, conseguindo a adesão de camponeses das
comunidades Pau Ferrado, Monte Vídeo e Poços, próximos do então povoado Lagoa Grande.
O resultado dessa mobilização foi que no final de outubro de 1993 o grupo já contava com
cerca de oitenta integrantes, sendo por isso autodenominado de “Grupo dos 80”.
A iniciativa da mobilização surtiu efeito e o grupo sentiu-se fortalecido, mas de
imediato passou a sofrer ameaças do latifundiário através de investidas de seus pistoleiros, o
que se intensificou principalmente depois que decidiram expulsá-los da localidade
denominada Lagoa Nova, onde eles controlavam a cobrança da renda e vigiavam os
camponeses para que não fizessem nada além da roça. Com a expulsão dos pistoleiros dessa
localidade, aumenta-se a tensão entre os posseiros e o fazendeiro.
A partir de então, o local se transformou no principal lugar de disputa entre
fazendeiro e o “Grupo dos 80”, aumentando assim a tensão pela disputa daquele território. Por
isso, o grupo resolveu mudar-se do Baixão do Tuncum para a Lagoa Nova, mudança que
propiciava maior acesso à água, melhores condições de manter a segurança física do grupo e
de garantir, de forma mais tranqüila, a manutenção das roças. Outro fator que definiu a
mudança do Baixão do Tucum para Lagoa Nova, foi a possibilidade de acesso mais rápido ao
povoado Lagoa Grande, o que facilitaria a comunicação e articulação externa. Tal mudança
constituiu um elemento estratégico para expandir o grupo, pois este entendia que a
proximidade física com os camponeses que pagavam renda poderia encorajá-los a aderirem à
luta, já que a presença do grupo estimularia os camponeses a tomarem posição em relação à
luta pela conquista da CIGRA. O resultado dessa estratégia foi que parte destes camponeses
aderiram à luta e juntaram-se ao “Mutirão”26
, enquanto outros decidiram continuar os
trabalhos da mesma forma, ligados diretamente à sede da fazenda, e ainda teve um grupo que
decidiu se retirar da área. (AESCA, 2008).
Esse primeiro momento da luta pela conquista da fazenda representou a consolidação
26
Mutirão foi a denominação dada ao processo de resistência na fazenda CIGRA, iniciada pelos camponeses e
apoiada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lago da Pedra e pela Delegacia Sindical de Lagoa Grande
no período de 1992 até agosto de 1994. Neste período, os camponeses se organizaram para fazer roças dentro da
fazenda e, através de grupos, realizavam as atividades: seguiam juntos para as roças, buscavam água, faziam a
segurança coletiva das áreas trabalhadas, e mesmo quando tinham que ir à cidade, também o faziam sempre em
grupo. A estratégia era a garantia da segurança física de cada um dos camponeses, pois sabiam eles que em
qualquer “encontro” individual com algum dos pistoleiros do fazendeiro, o camponês estaria sempre em risco e
em desvantagem. Outra característica do mutirão era que os camponeses tinham uma área dentro da fazenda
onde fincaram acampamento. Lá, montaram barraca para se alojarem e depositarem seus instrumentos de
trabalho, fazer comida e descansar; além de constituir-se em um espaço eminentemente masculino, pois a
participação direta das mulheres era muito pequena. A partir de setembro de 1994, com a ocupação da fazenda
organizada pelo MST, o termo acampamento vai tomando sentido, considerando que as famílias acampam no
local e as características anteriores vão dando lugar à organicidade própria do MST.
66
do “Grupo dos 80”, fato que acirrou o conflito direto com o fazendeiro, gerando o confronto
entre trabalhadores, pistoleiros e policiais. Tal fato, por duas vezes, resultou em camponeses
feridos, o que provocou mais revolta e maior disposição para a luta pela terra e pela reforma
agrária.
Passada essa primeira fase, o grupo decidiu fortalecer ainda mais a mobilização,
ampliando as articulações, buscando apoio de organizações políticas dos trabalhadores na
região e no estado. Foi com esta perspectiva que buscou o apoio do MST para contribuir com
a organização das famílias e conquistar a cobiçada fazenda. Foi desta forma que o MST
chegou à região e que sua militância passou a organizar a ocupação da fazenda, iniciando o
trabalho de base27
que se concentrou em cinco municípios: Lago da Pedra, Paulo Ramos,
Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Vitorino Freire (PDA 2008), especialmente nas
comunidades rurais desses municípios, contando para isso com o apoio de organizações
sociais como os Sindicatos de Trabalhadores Rurais dos municípios de Paulo Ramos, Vitorino
Freire, Lago da Pedra, Pio XII e comunidades de base da igreja católica e escolas da família
desses municípios. Depois de três meses de articulação e organização nos municípios houve a
consolidação da ocupação da fazenda. A ocupação da fazenda Cigra, politicamente foi muito
importante, pois foi a primeira realizada pelo MST na região.
Às quatro horas da manhã do dia 19 de setembro de 1994 chegou o primeiro grupo
de trabalhadores rurais ao acampamento localizado na área da fazenda Lagoa Nova para se
integrarem ao “Grupo dos 80” e concretizarem a luta pela fazenda CIGRA. O acampamento,
agora organizado pelo MST, contava no final da manhã com mais de 400 famílias e seguia
uma dinâmica organizativa própria do Movimento, com a formação de grupos específicos de
trabalho28
.
O acampamento foi montado na Lagoa Nova, localizado a 19 km da sede da fazenda
27
O trabalho de base se constitui como uma forma de preparar as famílias para a ocupação de terra. É um
processo de formação sobre a situação em que vivem os camponeses sem terra, fazendo a reflexão sobre a
importância e a necessidade de luta pela reforma agrária. É também o primeiro espaço de organização política
antes da chegada à terra. É neste momento que são organizadas as primeiras equipes responsáveis pela
articulação e mobilização de mais famílias sem terra, assim como em que são articulados os sujeitos políticos da
região. 28
O processo de ocupação da terra feita pelo MST tem uma dinâmica própria que vai da organização das
famílias em núcleos de base, passando pela organização da segurança em grupos que se revezam 24 horas por
dia para garantir tranqüilidade do acampamento, até os grupos de trabalhos, equipes para execução das várias
tarefas diárias, como limpeza, negociações, articulações, alimentação, dentre outras. Os setores básicos são:
saúde, formação, educação, juventude e produção. Destes setores e equipes é formada a coordenação do
acampamento, os setores são composto por representantes dos grupos de famílias, podendo variar de acordo o
numero de famílias acampadas, quanto maior o acampamento maior a representação nos setores. Podendo ter
setores, equipes ou grupos de trabalho de dez pessoas ou até de 30. Estas estruturas tem uma agenda de reuniões
e de trabalho permanente.
67
e a 5 km do povoado Lagoa Grande. A consolidação do acampamento com a ocupação da
fazenda Cigra foi o marco definitivo para a desapropriação da área para fins de reforma
agrária, demanda latente entre os camponeses daquele município. Tal processo pode ser
melhor observado através do depoimento cedido a Silva (2008, p. 55), transcrito abaixo
Quando foi começado aqui o Cigra, foi através do MST e Sindicato dos
Trabalhadores Rurais. A militância começou fazendo reuniões nos
povoados, que levou o povo prum local que hoje é chamado Lagoa Nova.
Todos chegaram à noite e pela manhã o MST começou a trabalhar junto com
as famílias, dividindo em grupos para montar o acampamento: uns foram
cavar poço para manutenção de água das famílias; outros foram tirar palhas
para fazer barraco; outros foram cuidar da alimentação e outros para tirar
madeira. Foi montado também grupos para fazer vigília nas entradas do
acampamento, para fazer segurança das famílias que se encontrava dentro
daquele local, que tinha crianças e mulheres.
Com tal organicidade, o acampamento seguiu na luta, fortalecendo o movimento
iniciado pelo “Grupo dos 80” e avançando na correlação de forças, o que levou à
consolidação do acampamento com o tempo. Este fato, porém, não inibiu as constantes
ameaças feitas pelos pistoleiros do fazendeiro. Na verdade, a fazenda já era objeto de
processo de reivindicação feito pelos camponeses antes da ocupação da terra, e devido a isso,
já existia um clima de tensão entre o fazendeiro e os camponeses que já sofriam, há tempo,
ameaças por parte dos pistoleiros contratados pelo fazendeiro. Assim, o clima de tensão se
intensificou com o acampamento organizado pelo MST, e as ameaças feitas pelos pistoleiros
foram sendo concretizadas através do sequestro de alguns trabalhadores que foram levados
para a sede da fazenda onde foram torturados física e psicologicamente, fato que agravou
ainda mais a tensão entre os dois lados.
No mês de novembro daquele ano, dois novos fatos marcaram o acampamento
CIGRA. O primeiro decorreu das péssimas condições em que se encontravam os barracos,
diante da necessidade de reparos, principalmente na cobertura, pois a proximidade das chuvas
gerava uma grande preocupação principalmente com relação às crianças e idosos. Para
resolver tal questão os acampados empreitaram os serviços de caminhoneiros do povoado
Lagoa Grande. Estes, apesar de terem acertado o contrato, estavam temerosos da reação do
fazendeiro e não compareceram a nenhum dos vários encontros marcados. Por conta disso, os
acampados se reuniram, analisaram a situação e entenderam que seria necessária uma ação
mais radical. Assim, seguiram até o povoado e sequestraram os caminhoneiros e seus
respectivos caminhões, a fim de que fosse garantida a realização do serviço anteriormente
combinado: o transporte das palhas para a cobertura dos barracos. O segundo fato foi uma
68
grande caminhada para pressionar a desapropriação da fazenda, envolvendo cerca de 600
pessoas que percorreram mais de 10 km entre o acampamento até a sede do povoado Lagoa
Grande, realizando ali um grande ato político público.
Mesmo com a crescente mobilização e o grande apoio político, a tensão entre as
famílias sem terras e os latifundiários só aumentava. Foi quando, no dia 8 de dezembro do
mesmo ano de 1994, cansadas de esperar uma resposta à questão, as famílias acampadas
resolveram ocupar também a sede da fazenda. O intuito de tal ocupação era o de pressionar o
fazendeiro contra as constantes ameaças e torturas sofridas pelos camponeses. Na manhã
deste dia, enquanto se dirigiam à sede para efetivar sua ocupação, as famílias foram
surpreendidas por pistoleiros que efetuaram um violento ataque contra os manifestantes, o que
resultou no assassinato do camponês Josiel Alves Pereira, o qual já havia sido sequestrado
durante o tiroteio29
. O assassinato de “Josi”, como era carinhosamente chamado pelos
companheiros, causou comoção e revolta entre as famílias, desencadeando grande pressão por
parte das organizações sociais do estado para que ocorresse a prisão dos pistoleiros, os quais
chegaram a ser capturados e levados à delegacia, onde permaneceram presos por apenas uma
semana. Com a prisão dos pistoleiros e a fuga do gerente da fazenda, a sede ficou abandonada
e as famílias decidiram pela ocupação de suas dependências, a fim de evitar o não dos
pistoleiros ao local.
Apesar da prisão dos pistoleiros, passados 16 anos do crime ainda não houve o
julgamento dos assassinos e nem dos mandantes do crime. Social e politicamente, o
assassinato também provocou uma onda de pressão sobre os órgãos estaduais e federais para
acelerar o processo de desapropriação da referida fazenda. Tal pressão tinha como base o
laudo emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que
caracterizava a fazenda como improdutiva, além do próprio decreto de desapropriação, datado
de 1º de dezembro de 1994, sete dias antes do assassinato de Josi. O decreto foi publicado no
Diário Oficial da União – DOU, na data de 02 de dezembro de 1994, enquanto a expedição da
imissão de posse só aconteceu em 27 de janeiro de 1998. (AESCA (2008, p. 24). Passados
dois anos desde a primeira tentativa de negociações, através do INCRA, entre governo
federal, movimentos e organizações sociais e representantes do fazendeiro, em 17 de julho de
1996 foi concretizada a conquista da fazenda CIGRA, com a criação do Projeto de
Assentamento - PA CIGRA, pelo governo federal.
29
Josiel era uma das principais lideranças da luta, e já tinha sofrido ameaças de morte desde os primeiros
conflitos juntos com outras pessoas.
69
MAPA 1 - Localização do Assentamento Cigra – Maranhão (2011)
Vencida a batalha da libertação da terra, os Sem Terra decidiram se organizar para
conquistar outros direitos além da terra. Em julho de 1996 o acampamento foi desfeito e as
famílias se espalharam por toda a área, formando 12 comunidades: Baixão do Tucum (atual
Vila Trocate), Vale do Acidente, Lagoa Nova, Cigana, Zé Gato (atual Vila Kênio), Lagoa da
Estrela, Vila Tomé, Bom Jesus, Alto Bonito, Vila Nova, Cojuba e Joselândia, esta última, em
homenagem a Josiel Alves. De acordo com o PDA (2008, p. 24), ao todo são 725 famílias
sipradas30
e 130 famílias agregadas31
, com uma população estimada em 5.130 pessoas. Ainda
de acordo com a fonte acima, cada família siprada foi beneficiada com um lote de 31,54
hectares.
30
Família siprada é a condição da família assentada que possui cadastro junto ao Sistema de Informações de
Projetos de Reforma Agrária – SIPRA, cujo objetivo é sistematizar, monitorar e gerar informações
socioeconômicas dos assentamentos, como os projetos e recursos aplicados. Tal monitoramento é feito através
de um banco de dados. O SIPRA reconhece oficialmente o cadastrado como beneficiário da reforma agrária.
(AESCA, 2008) 31
Famílias agregadas, nome comumente utilizado pelos assentados, são aquelas famílias que não têm o registro
como beneficiária da reforma agrária junto ao SIPRA. Sua condição é apenas de moradora de “favor”,
dependendo de um amigo ou parente, que lhe dá permissão para utilizar a terra para sua produção e manutenção.
Em geral, são parentes de alguma família assentada, que se encontrava em condições de precariedade,
principalmente nas cidades e que recebem o apoio da família assentada, passando a morar no assentamento, onde
constroem uma “casinha” e passam a compor a dinâmica da comunidade.
70
Figura 1 - Subáreas do Assentamento Cigra – Maranhão (2010)
4.1. A COMUNIDADE ALTO BONITO E A CONSOLIDAÇÃO DO
ASSENTAMENTO CIGRA
Depois da conquista da terra, a luta na Cigra se voltou para a organização do
assentamento. Como já foi dito anteriormente, a área foi subdividida em doze subáreas32
. Em
função do assentamento possuir 24 mil ha, as famílias decidiram formar várias comunidades
no assentamento, de forma a garantir um melhor processo de socialização entre elas. O termo
comunidade possui um valor simbólico maior, dando a idéia de “algo comum”, da troca de
favores, da solidariedade no trabalho, nas atividades festivas. Trata-se de um conceito muito
comum na região, fruto inclusive da influência das Comunidades Eclesias de Base - CEB´s -
até hoje, sendo, porém, um termo usado apenas pelos camponeses e religiosos. Para o INCRA
elas são denominadas de agrovilas.
Das comunidades formadas no PA CIGRA, a comunidade Alto Bonito33
foi uma das
primeiras a serem organizadas. Ela possui 1.844 ha (um mil, oitocentos e quarenta e quatro
32
Subáreas, denominação muito utilizada na região para explicar a divisão do assentamento em áreas menores,
cada subárea corresponde a um número de famílias diretamente beneficiada, conforme pode ser observado na
figura 1. 33
Alto Bonito é o nome escolhido para a comunidade pela existência de um morro com uma bela paisagem, de
uma vegetação alta, onde tinha um babaçual. Pela beleza do morro que chamava muita atenção de todos que
passavam naquela localidade, decidiram por denominá-la Alto Bonito.
71
hectares), os quais encontram-se divididos em 57 (cinquenta e sete) lotes de 35 (trinta e cinco)
ha para cada família, sendo que cinco hectares de cada lote são destinados à Área de
Preservação Permanente - APP, seguindo a legislação ambiental34
.
Todos estes elementos constituem o processo de consolidação do assentamento, que tem
início ainda nos idos anos de 1995 e 1996, quando foram feitas as primeiras roças e
construídos os primeiros barracos, ainda sob a ameaça dos pistoleiros, que mesmo depois do
processo de desapropriação da área, teimavam em circular e ameaçar as famílias, tanto em
suas residências quanto em lugares inusitados, como estradas e roças, conforme pode ser visto
no depoimento abaixo, cedido a Nascimento (2009, p. 13)
Quando chegamos aqui foi muito ruim, nós não tinha paz, os pistoleiros era
passando de vez em quando nós ía trabalhar, era um sufoco toda vez que eles
vinha, nós parava o serviço e só depois que eles passava dava continuidade
no serviço, para poder fazer nossas roças, passamos por muita dificuldade
na busca da realização de nosso sonho. (Sr. Raimundo, transcrito de
NASCIMENTO, 2009)
Como pode ser observado no depoimento acima, a comunidade Alto Bonita recebeu
pressão e ameaças mesmo depois da terra ter sido desapropriada pelo governo. O fazendeiro
não queria entregar a terra para os camponeses, pois este considerava a perda de suas terras
uma derrota política e pública inconcebível para o latifúndio da região. Neste sentido, a
fazenda Cigra constitui-se em mais uma conquista dos trabalhadores sem terra no processo de
territorialização camponesa naquela região, reflexo da luta e da conquista no nível das
organizações políticas dos trabalhadores que só aumentava em todo estado.
Atualmente a comunidade do Alto Bonito dispõe de uma infraestrutura básica,
mesmo que precária, sendo este um dos motivos de saída de muitas famílias para fora do
assentamento. Na comunidade só existe educação até o ensino fundamental, sendo necessário
as pessoas que queiram continuar estudando se deslocar da comunidade até as escolas da
cidade todos os dias, razão pela qual algumas famílias optam em mandar os filhos morarem
na cidade.
A partir de reunião realizada com as lideranças do assentamento acerca da intenção
da pesquisa de entender o fenômeno da migração no assentamento, a avaliação do grupo
indicou a comunidade Alto Bonito como aquela com o maior número de pessoas que
34
A Área de Preservação Permanente - APP está regulamentada na lei federal de número 4.771/65, alterada pela
lei de número 7.803/89. A APP nas áreas de reforma agrária é uma exigência para a criação dos Projetos de
Assentamentos - PA, sendo um espaço reservado para conservação de mata ciliar, florestas, áreas de mangue,
lagos e lagoas entre outros em beneficio do meio ambiente e da comunidade.
72
periodicamente migram para outros estados e países em busca de trabalho e renda, sendo ela a
escolhida para o desenvolvimento de minha pesquisa empírica.
Considerando que o fenômeno da migração tem se apresentado de forma contundente
em assentamentos de reforma agrária, tenho nestes últimos tempos dedicado parte do meu
tempo para entender como isto se apresenta particularmente nesta comunidade, pretendendo
com isso analisar o sentido deste fenômeno para um assentamento que, em tese, dispõe de
apoio de políticas públicas especificas para a permanência dos trabalhadores no campo, além
de ser organizado pelo MST, movimento com reconhecimento público que tem a preocupação
de organizar a vida das famílias nos assentamentos e, de forma especial, com a questão da
produção como estratégia de melhoramento das condições de vida das famílias assentadas.
73
5. ALTO BONITO: UMA EXPRESSÃO DA MIGRAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA
MARANHENSE
Como vimos ao longo desse trabalho, a questão da migração se apresenta como um
fenômeno social, um processo histórico inerente à formação dos homens, que aparece em
todas as sociedades e não se constitui apenas como processo exclusivamente humano, já que o
fenômeno da migração pode ser encontrado em todos os espaços da vida, seja na dinâmica da
sociedade, seja na dinâmica da natureza. Mas, é a particularidade da migração humana o foco
desse estudo, em especial a migração na reforma agrária. É ela que será aqui analisada a partir
da dinâmica migratória na Comunidade Alto Bonito do assentamento Cigra.
Para entender este fenômeno na reforma agrária, parto do trabalho desenvolvido em
campo para realização da presente pesquisa35
, onde busquei fazer um levantamento tendo
como um dos aspectos a caracterização da comunidade, com o objetivo de identificar o nível
de acesso das famílias do Alto Bonito aos programas sociais.
Das 57 famílias assentadas na comunidade Alto Bonito, 44 delas recebem algum tipo
de programa assistencial do governo federal, o que corresponde a 77,20% do total, enquanto
22,80% declararam não receber qualquer tipo destes auxílios. Os programas acessados são o
Programa Bolsa Família, aposentadoria ou o Auxílio-maternidade e Auxílio-doença. A tabela
abaixo mostra a distribuição deste acesso na comunidade. Vale ressaltar que nenhum
programa de assistência social acessado pelas famílias é oferecido pela administração estadual
ou municipal.
35
A pesquisa foi realizada através da utilização e aplicação de questionários e entrevistas, onde obtive
informações importantes que me fizeram entender a problemática da migração no assentamento Cigra, tendo
como campo empírico a comunidade Alto Bonito. Além das entrevistas e questionários, foram feitas reuniões na
comunidade Alto Bonito, assim como conversas e debates com lideranças de outras comunidades do
assentamento.
74
Tabela 1: Programas de Assistência – Comunidade Alto Bonito – Cigra – Maranhão
(setembro 2010)
Programa Acessa % Não
acessa
% Sem
resposta
% TOTAL
Bolsa Família 39 68,40 16 28,10 02 3,50 57
Aposentadoria 08 14 49 86,00 - - 57
Auxílio-
maternidade
02 3,50 55 96,50 - - 57
Auxílio-doença 01 1,75 56 98,25 - - 57
Fonte: Dados levantados na pesquisa de campo (2010)
Observando a tabela acima percebemos que do total de 57 famílias entrevistadas,
68,40% se declararam beneficiárias do Programa Bolsa Família, 28,10% disseram não ter
acesso ao programa, enquanto 3,50% ficaram sem declarar reposta. Apesar do Programa em
questão constituir-se em um programa público federal, é importante observar que sua
implementação em nível local é de responsabilidade da prefeitura municipal, o que implica na
construção de relações políticas complexas entre os poderes locais e as famílias que compõem
o público do programa. Pode-se perceber que o programa Bolsa Família tem possibilitado o
agravamento da fragilidade política das famílias pobres em relação aos poderes locais
constituídos, tanto público quanto privado. Por um lado, famílias precisam se submeter a
relações determinadas por gestores municipais, constituindo sua inserção no Programa, moeda
de troca política. A fragilidade e dependência política das famílias perante esses gestores
possibilitam que estes, muitas vezes, se utilizem do programa para fazer controle social.
Além disso, as famílias também precisam se submeter aos ditames do poder privado,
como por exemplo, o comércio local. São inúmeros os casos denunciados de situações nas
quais comerciantes locais exercem um controle sobre a utilização dos recursos
disponibilizados pelo Programa, chegando a ter casos de apreensão de cartões por
comerciantes como garantia de compra no seu estabelecimento ou como garantia de
pagamentos de dívidas anteriormente constituídas.
No que se refere à população idosa, os números encontrados indicam que 14% das
famílias entrevistadas possuem benefícios da aposentadoria. Considera-se, no entanto, que os
75
idosos36
que compõem as famílias assentadas não se encontram em sua totalidade no
assentamento, pois muitos passam a morar nas cidades devido às dificuldades,
principalmente, de acesso aos serviços de saúde no meio rural, os quais são muito precários.
A pesquisa também mostra que, no momento em que os dados foram coletados,
apenas 3,50% das mulheres entrevistadas acessavam o auxílio-maternidade e apenas 1,75%
das famílias possuíam alguém acessando o auxílio-doença. Não é objetivo desta pesquisa a
análise de tais programas. A intenção é apenas pontuar os tipos de renda acessados pelas
famílias envolvidas, para que tais dados possibilitem a melhor compreensão do fenômeno da
migração no contexto da reforma agrária.
O que é possível ser afirmado é que apesar dos programas elencados constituírem
renda extra para as famílias, eles não têm impendido a migração do assentamento, já que a
renda obtida não resolve os problemas da comunidade e também não tem atendido às
demandas das famílias. Nesse sentido, os jovens são aqueles menos beneficiados e, ao não
verem suas necessidades atendidas pelas políticas públicas, buscam alternativas de geração de
renda, vendo na migração uma saída para a busca de trabalho e renda fora da comunidade,
crendo que esta suprirá as demandas pessoais, próprias da juventude.
O preço a pagar é alto: deixam suas famílias, os amigos, a convivência com a
comunidade, seus valores e cultura, conforme pode ser observado no depoimento abaixo:
A distância da família é que mais se sente falta, dos amigos, da comunidade.
Mas, é preciso ficar para arrumar um dinheiro, mesmo com muita
dificuldade já que aqui, para arrumar uma diária de R$ 20 não tem quem
pague, já que roda pouco dinheiro então tem que sair pra fora. (Aroldo
Fontinele da Silva, 29 anos, depoimento em 09 de setembro de 2010).
Seguindo os dados levantados pelo questionário, encontram-se questões relacionadas
à produção do assentamento, como esta se encontra organizada e qual o destino dos produtos,
ou seja, como ocorre a organização da produção e comercialização da produção na
comunidade Alto Bonito. A partir destes dados, pode ser traçado o perfil das famílias em
relação à produção e à renda geradas na comunidade, no sentido de entender o papel da
produção no processo migratório vivenciado pela comunidade.
No que se refere ao tipo de produção, a comunidade apresenta características e tipos
comuns no estado. Assim como no assentamento em geral, na comunidade Alto Bonito as
36
Como o assentamento apresenta uma precária estrutura física, muitas vezes as famílias decidem pela
permanência do idoso sob os cuidados de quem vive nas cidades.
76
famílias têm como matriz tecnológica da produção agrícola a roça no toco, como a forma
tradicional de tirar o sustento e um pouco de renda. De acordo com o levantamento feito na
pesquisa, as práticas agropecuárias envolvem 100% das famílias. Ainda considerando as
informações obtidas, as atividades são feitas de forma individual, tendo como trabalho
cooperado apenas o trabalho familiar. Em termos de área utilizada para a agricultura, o arroz
ocupa a maior área, sendo cultivado em consórcio principalmente com milho, feijão, quiabo,
abóbora, dentre outras culturas. Além deste tipo de produção, existe uma expressiva produção
de pecuária extensiva, com a criação de gado bovino de corte, prática que envolve pelo menos
90% dos assentados, sendo esta produção considerada uma espécie de poupança, posto que o
gado geralmente é vendido para atender situações especiais e de emergência. O dinheiro
adquirido com a venda do gado é usado para custear tratamentos de saúde, viagens e
pagamentos de dívidas, mas também o gado é criado para garantir compra de utensílios e
mobiliário doméstico, roupas e ainda material de trabalho e melhoria da terra.
A produção agrícola é basicamente para o auto-sustento, sendo comercializados
produtos excedentes. A comercialização deste excedente agrícola, assim como do gado de
corte, geralmente é feita para os atravessadores,
[...] um tipo de comerciante que, geralmente de forma inescrupulosa, se
oportuniza da precariedade social das famílias camponesas, impulsionadas
pelas dificuldades financeiras, e mais especificamente pelas dificuldades de
escoamento e comercialização de suas produções. Estas famílias submetem-
se a vender os seus produtos a qualquer preço e nas condições impostas pela
figura intermediária do atravessador. Sabendo ele (o atravessador) das
dificuldades que enfrentam estas famílias, investe-se de poder e negocia o
preço da mercadoria impondo-lhe o valor que lhe convém,
responsabilizando-se pela distribuição dos produtos no mercado local.
(AZAR, 2007, p 107)
No caso específico do assentamento Cigra, um dos elementos que determinam a
relação assentados e atravessadores é sua localização geográfica e, consequentemente, as
condições de acesso ao mesmo. Como o assentamento localiza-se em região caracterizada
pela falta de infra-estrutura, sem estradas, sem transporte adequado, as famílias não têm
condições efetivas de escoamento de sua produção. Associado a isto, os programas de
comercialização disponibilizados pelo poder público não apresentam condições de
acessibilidade a estes assentados, considerando os critérios que os programas apresentam,
assim também pelos motivos de descaso dos municípios, que não têm valorizado o acesso a
programas do governo federal voltados à agricultura camponesa.
Assim, com as dificuldades de realizar a comercialização de seus produtos diretamente
77
aos consumidores finais, os assentados encontram-se condicionados às relações estabelecidas
pelos atravessadores. São eles que, com seus transportes, chegam até o assentamento e
negociam a compra da produção, normalmente impondo os preços. Considerando ainda as
dificuldades financeiras a que são submetidas as famílias, outro fenômeno de fundamental
importância no processo de comercialização é a “venda na folha”, que é literalmente a compra
da produção em fase anterior à colheita, ou seja, ainda “na folha”.
É fato comum, não só no assentamento Cigra, mas em todo o estado, que famílias
necessitadas de dinheiro sejam “atendidas” por algum comerciante, o qual faz um
adiantamento em dinheiro relativo à compra da futura produção do assentado. Como a
produção ainda não está concretizada, o valor desta fica estabelecido muito abaixo do valor
real do produto, “resolvendo” a situação emergencial das famílias mas, no fundo,
aprofundando suas dificuldades financeiras. O fato se torna mais dramático porque com o
tempo estas famílias não têm nem a produção para seu consumo, nem dinheiro para sua
manutenção, criando com isso um círculo vicioso.
Apesar de não existir efetivamente o trabalho cooperado na prática agropecuária na
perspectiva da agroindústria, existem trabalhos cooperados tanto na produção quanto em
atividades sociais e políticas, as quais são eminentemente coletivas. Assim, são organizadas e
realizadas coletivamente todas as atividades de festividades e comemorações, como a festa do
aniversário do assentamento, das comunidades, o festejo religioso, atividades escolares como
exposições e feiras de ciência. Também tem o cunho coletivo as articulações e mobilizações
políticas, como a luta por políticas públicas.
Casos como a luta pela escola e pelo PRONAF são exemplos que bem demarcam a
participação da comunidade na busca da resolução de seus problemas. No primeiro caso,
conforme Nascimento e Esperdião (2009), a luta pela educação teve início ainda em 1996,
tendo sido imprescindível a participação de todos e de forma coletiva. De acordo com o
estudo feito acerca da conquista da escola pela comunidade, os autores informam que foi
[...] um luta que sem sombra de dúvida contribuiu e contribui para a
realização de grandes sonhos. Se os povos da Agrovila Alto Bonito, não
estivessem organizados juntamente com outras pessoas na busca de mais
uma conquista não teriam conseguido esta vitória, pois conquistas como essa
só se alcançam quando várias pessoas se unem e lutam juntas com a
consciência de que conquistarão o que por direito é do povo, uma educação
do campo voltada para a realidade de vida e que possa contribuir para a
transformação da sociedade. (NASCIMENTO e ESPERDIÃO, 2009, p. 24).
Em termos de trabalho, as famílias realizam várias atividades de forma cooperada,
78
como os mutirões e trocas de dias. No entanto, a cooperação, na perspectiva da organização
produtiva e de comercialização do assentamento, apresenta-se ainda como um grande desafio.
As famílias vêm debatendo sobre o assunto há muito tempo, no sentido de criação de uma
cooperativa de comercialização para viabilizar o escoamento da produção. Tal debate tem se
manifestado através da experiência de comercialização coletiva, com a realização da Feira da
Reforma Agrária. O assentamento Cigra, desde 1999, organiza uma feira com seus produtos
agrícolas, através da venda coletiva. O evento é anual e acontece no município Lago da Pedra,
maior centro comercial da microregião Médio Mearim.
Inicialmente, com caráter de sensibilização social sobre a reforma agrária, a Feira,
depois de 11 anos, apresenta-se ampliada em suas intenções. Se, primeiramente, os assentados
pretendiam apenas mostrar à sociedade a viabilidade da reforma agrária, com o passar dos
anos, ampliaram seus objetivos, tendo a feira tornado-se uma referência não apenas no
aspecto comercial de produtos de reforma agrária, mas no sentido político. Composta não
mais apenas por assentados da Cigra, conta com a participação de organizações sociais
ligadas à luta pela terra e pela reforma agrária de cinco municípios, sendo eles Lagoa Grande,
Lago da Pedra, Paulo Ramos, São Roberto e Esperantinópolis. A Feira hoje constitui uma
articulação do MST, da Associação Estadual de Assentamentos no Estado do Maranhão –
ASSEMA, Casa Familiar Rural, Escola Família, Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Igreja
Católica, assumindo um caráter mobilizador, articulador, de pressão e reivindicação política,
assim como de formação e denúncia.
Como já foi dito, a produção do assentamento é essencialmente para o auto-consumo
familiar e o pouco excedente existente é comercializado, principalmente com os
atravessadores. Em termos da aplicação do dinheiro recebido nesta transação, o que foi
levantado na pesquisa é a destinação deste recurso que, somado às demais rendas monetárias
às quais nos referimos no início deste capítulo destina-se, essencialmente, à aquisição de
produtos para a família, como roupas, sapatos, remédios, alimentos não produzidos na roça;
de produtos e material para a produção e, ainda, para quitação das parcelas do projeto de
produção.
Em relação ao envolvimento da família na produção agropecuária, todas as famílias
entrevistadas responderam que compõem o processo produtivo. De forma geral, a organização
da produção é feita com a divisão de tarefas entre vários membros da família. Alguns cuidam
79
da roça, cuja tarefa é eminentemente de responsabilidade dos homens, assim como o
tratamento dos animais de médio porte (gado, cavalos, burros e jumentos). Na divisão social
do trabalho, as mulheres cuidam dos animais de pequeno porte (galinhas, patos, porcos),
cuidam das hortas, são responsáveis pelo beneficiamento de produtos diversos como
confecção de queijos e doces, assim como realizam trabalhos na roça37
além, obviamente, de
terem o papel estratégico de cuidar dos trabalhos domésticos. Cabe às crianças o papel de
ajudar em todas as atividades, sejam aquelas realizadas na roça, no trato com os animais ou
nos trabalhos domésticos. No entanto, vale ressaltar as particularidades do trabalho infantil
masculino e feminino.
Em situações especificas do papel da mulher no processo produtivo, nas ocasiões em
que o homem “responsável” pela casa migra, cabe à sua esposa assumir o papel de condução
do processo, tomando as decisões inerentes a este. Na ausência do “homem da casa”, ela
assume o comando e responde pelas atividades e resultados obtidos.
Muitas vezes, para garantir a permanência das crianças na escola, e considerando a
diminuição da capacidade produtiva da família provocada pela ausência do migrante, a
mulher precisa contratar força de trabalho externa à unidade familiar, contando para isso com
o dinheiro enviado pelo migrante.
Obviamente que a migração implica em sobrecarga de trabalho e acarreta problemas
para a manutenção da produção, pois quem fica, seja mulher, mãe ou parentes, precisa
garantir tanto a produção quanto a manutenção da casa. Para isto, em geral dependem do
envio de dinheiro pelo migrante.
Quanto à sobrecarga de trabalho, 96,5% das famílias entrevistadas consideram que
há sobrecarga de trabalho, pois, além do trabalho da roça e do trato com os animais, é
ampliada a responsabilidade com a casa e com os filhos, ficando assim bem demarcado o
papel da mulher na formação dos filhos. Conforme os relatos obtidos, a sobrecarga alcança
outros aspectos além da questão produtiva e familiar, pois as atividades socioculturais
também passam a ser de responsabilidade da mulher, como as atividades na Igreja, na escola e
na associação, cabendo à mulher representar o associado que se encontra na condição de
migrante. Por exemplo, dos homens que são associados na associação da comunidade Alto
37
Muitas mulheres trabalham na roça, de forma diversa, algumas apenas contribuem, outras têm roças próprias,
parte das mulheres da comunidade desenvolvem hortas próximo de casa. Não existe pesquisa sistematizadas
sobre isso.
80
Bonito e que migram, cabe às mulheres responder por suas responsabilidades de associado.
Os migrantes, apesar de identificarem esta sobrecarga familiar, se justificam com a
argumentação da necessidade de busca de dinheiro, conforme depoimento abaixo:
Eu vou pra lá, mais não é bom a gente só vai porque aqui não tem como
arrumar dinheiro e ai tu vai quando volta tem um dinheiro no bolso.
(Antonio Fontinele da Silva, 25 anos, depoimento em 12 de dezembro de
2010)
Esta busca por trabalho e melhores condições de vida é bastante significativa no
conjunto das famílias do Alto Bonito, pois destas, 66,60% das famílias entrevistadas afirmam
ter alguém que migra.
Abordadas sobre a necessidade da migração no assentamento, das 57 famílias
pesquisadas no Alto Bonito, 39 responderam sobre a questão, sendo que destas, 74,40%
justificam esta necessidade, enquanto 25,60% não concordam ser a migração necessária.
Quanto às justificativas sobre a necessidade da migração, muitos alegam que o
trabalho agropecuário realizado na comunidade não é suficiente para gerar a renda necessária
para a manutenção da família, pois muitas vezes não é suficiente nem mesmo para o auto-
consumo. Outro fator importante para a justificativa é que a renda adquirida na migração
contribui para uma melhor estruturação do lote de produção, além de possibilitar melhorias
das casas e, no caso das famílias não sipradas, esta renda pode significar a própria construção
da casa.
A migração também é justificada pelo acesso “fácil” ao dinheiro. Além disso, para
muitos, a capacitação profissional adquirida com o trabalho durante a migração lhe possibilita
futuras oportunidades de trabalho e renda.
De forma bastante expressiva foi dado ênfase à necessidade dos jovens migrarem,
estando entre os maiores motivos a necessidade de ajuda financeira que as famílias têm e o
não acesso destes às políticas produtivas de reforma agrária. A dificuldade de acesso a estas
políticas pelos jovens deve-se à sua condição de não assentado.
No que se refere à negação da necessidade do fenômeno migratório, foram utilizados
argumentos como a importância da permanência do migrante junto à família e à comunidade;
a necessidade deste ajudar nas questões familiares como em caso de doença; a importância de
priorizar os estudos e se preparar melhor para o futuro; a não necessidade de ajuda financeira
da família e as condições de precarização do trabalho a que são submetidos os migrantes,
trabalhando muito e ganhando pouco; o alto custo de vida fora do assentamento, que acaba
exigindo grandes esforços do migrante para manter os dois espaços, o dele e o da família que
81
permanece no assentamento; pelos muitos trabalhos e atividades a serem realizadas,
sobrecarregando os que ficam.
Sobre a percepção que estas famílias têm sobre a migração, as respostas são de que
esta é muito ruim, pois são muitas as dificuldades que os migrantes passam na viagem, com
muito sofrimento e muitas despesas; provocam muitas preocupações nos que ficam,
principalmente nos pais e cônjuges; constitui uma atividade de risco, pois nem sempre o
migrante tem a garantia do retorno financeiro, nem mesmo para cobrir as despesas da viagem,
afinal ele vai arriscar-se em busca do trabalho e este é incerto.
A partir das respostas obtidas, é possível compreender que a saída dos migrantes da
reforma agrária compromete a dinâmica social e política do assentamento, gerando um
sentimento de ausência, fazendo com que a comunidade fique na expectativa do retorno do
grupo, o que geralmente acontece no final do ano. Por outro lado, existe a compreensão, por
parte de alguns, de que o processo migratório tem contribuído para o melhoramento do
assentamento, justificando, para isso, o maior acesso a bens de consumo. E, apesar da
diversidade de opiniões, o elemento que congrega as ideias, tanto de quem concorda quanto
dos que não concordam com sua realização é o de que a migração é determinada no Alto
Bonito pela necessidade da manutenção e reprodução familiar.
No que se refere aos destinos da migração, as informações fornecidas chamam a
atenção, considerando-se a diversidade dos destinos, pois na busca interminável de alternativa
de renda, os assentados do Alto Bonito seguem os destinos mais distintos possíveis, conforme
pode ser observado na tabela e no mapa abaixo.
82
Tabela 2: Destino dos Migrantes - Comunidade Alto Bonito - Assentamento Cigra (2010)
LOCAL DESTIN
O
Guiana Francesa 01
Guiana Inglesa 02
Suriname 02
Minas Gerais 03
São Paulo 29
Montevideu – SP 01
Luziania – SP 07
São Paulo – SP 02
Tupã - SP 12
Ribeirão Preto – SP 01
Campinas - SP 02
Paulina - SP 01
Luziania - SP 07
São Paulo – SP 02
Tupã - SP 12
Paulina - SP 01
Ribeirão Preto – SP 01
Campinas - SP 02
Clementina – SP 01
Pará 06
Brasília 02
Goiás 01
Rondônia 01
Mato Grosso do Sul 01
Paraná 01
Marabá – PA 01
Paraupebas - PA 01
Cajuapara – PA 01
Tupiranga – PA 01
Analisando a tabela acima, é explícita a pulverização da migração, onde os migrantes
tomam os rumos mais diferenciados possíveis, viajando para o vizinho estado do Pará,
circulando por boa parte do país e, inclusive, saindo deste. No entanto, fica muito bem
demarcado que o destino principal seguido pelos migrantes do Alto Bonito se concentra na
região Sudeste e, observando mais atentamente, se percebe que este destino é um dos
territórios da cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Conforme pode ser observado no mapa
abaixo.
83
Mapa 2 - Destino dos migrantes do Alto Bonito – Cigra (2010)
Em entrevistas realizadas com migrantes sobre o que determina a escolha do destino
a seguir, as informações obtidas são que para a tomada de tal decisão, os migrantes da
reforma agrária levam em conta aspectos como custos e benefícios. Por exemplo, o destino
que desperta maior interesse junto aos entrevistados migrantes são as regiões de garimpo,
como as Guianas, Suriname e Venezuela, pois existe em seus imaginários a ideia de que o
ganho é mais fácil e maior. Porém, tal viagem implica grandes custos e grandes incertezas,
pois muitas são as variáveis deste tipo de migração. São os riscos da clandestinidade da
prática produtiva e a insegurança dela decorrente. As condições precárias de trabalho, a
distância e a dificuldade de comunicação com a família, a precarização do trabalho e a
precariedade das condições de alojamento, assim como os problemas e conflitos enfrentados
com a dinâmica produtiva interna nos países, a exemplo do conflito entre trabalhadores
brasileiros e trabalhadores surinameses ocorrido em 2010, amplamente difundido pelos meios
de comunicação brasileiros, são exemplos dos riscos aos quais esses migrantes estão expostos.
84
Tal situação é explicitada no depoimento abaixo.
Saí para São Paulo com 21 anos de idade, fiquei por lá nove meses, voltei
três vezes, uma vez como ajudante geral, na segunda fui mesmo como
soldador e na terceira fui pra Campinas trabalhar, dessa vez passei dez meses
lá num trabalhei, fiquei só mesmo tipo umas férias em Campinas, fiquei
usando o dinheiro do seguro, tinha uns amigo que colaborava comigo. Voltei
pra cá pro Alto Bonito e depois viajei para o Suriname dia 1º de agosto de
2009 até de seis de fevereiro de 2010. Fui pra lá porque as pessoas que viam
de lá falava que é fácil de ganhar dinheirinho um pouco mais fácil e mais
rápido também isso me motivou mais um pouco para trabalhar pra ganhar
mais alguma coisa, mas não é fácil, tudo é difícil basta ser você sai de bem
daqui de Belém entrar no avião ai chegar lá ai você passou no aeroporto
você já não entende o que o pessoal está falando ai você já está perdido, para
entender a língua depende dos outros, chega a dar um desespero... Saí de
Belém fui para Paramaribo um lugar do Suriname, que tem uma linguagem
muito enrolada, para me comunicar a gente recorre aos morador de lá mesmo
as vezes num fala muito o português bacana mas arranha um pouco sabe ai,
se você for ouvir bem dar pra você compreender boas partes do que ele fala
nessa hora você fica assim: pô o que eu tô fazendo num lugar desse aqui
perdido aqui sem saber pra onde vou, ai você vai sai lá fora do aeroporto
pega um taxi ai entra num taxi com um papel por escrito mostra pro taxista
ele já sabe qual o hotel que você que ir e ai já leva diretamente naquele
lugar. Chegando lá tem muito brasileiro, lá tem muitas pessoas do Brasil
trabalhando, como cozinheira, faxineira, zeladora, vigia todo tipo de serviço,
lá tem mais brasileiro que se hospeda é muito brasileiro para trabalhar
principalmente por causa do garimpo.
Fui por que lá já tinha parentes, irmão e comigo foi outro cunhado.
Chegando lá no Suriname me comuniquei por rádio para ver como fazer a
viagem até a Guiana. Então ele indicou uma pessoa para pegar nós, saímos
às 4 horas da madrugada rodamos de carro pequeno até meio dia, até chegar
num rio e lá agente pegou a lancha ao meio dia e rodou dentro d`agua até as
2 horas da tarde no ponto combinado para pegar as motos, depois entremos
na mata já tinha moto e motoqueiro esperando nós, sentamos uma pra cada
durante 3 dias direto. Rodava o dia todo, devagar a meia noite parava para
descansar até as 4, 5 horas da manhã e ai só meio dia de novo para lanchar.
Muito difícil só nós quatro naquele fim de mundo, sem estrada só umas
varedas para passa as motos.
No segundo dia só trilhas no meio da mata, a noite desse dia paramos mais
cedo todo mundo cansado muita água, chuva lama, fome. No terceiro dia já
aparece um barraco no meio da mata, já vai aparecendo garimpeiro até
chegar no teu destino, chegamos as 3 horas da tarde no meio do mato.
Chegando lá da uma relaxada, mas ai a gente se pergunta o que eu to
fazendo aqui no meio dessa mata, ai fui comer alguma coisa, descansar para
no outro dia procurar serviço, só fui trabalhar no quarto dia, num barranco
distante do meu cunhado, do meu irmão, tive que ficar só com desconhecido
e aí ficar torcendo para dar tudo certo. (Dorival Severino Sousa, 28 anos,
depoimento colhido em 12 de dezembro de 2010).
Como fica claro com o depoimento, as dificuldades e riscos para este tipo de
migração são muitos. E um aspecto muito importante também identificado durante a pesquisa
é o desconhecimento de algumas famílias quanto ao destino seguido por seu migrante, não
85
sendo muito incomum que a família só tenha notícia do mesmo em episódios de morte ou
doença. Por exemplo, durante a pesquisa de campo, uma família foi informada da morte de
um familiar migrante ocorrida no garimpo. Até então, a família apenas sabia que este se
encontrava em tal atividade, mas desconhecia a localidade. Além disso, nenhuma informação
obteve das circunstâncias de sua morte (ou assassinato, como ocorre em alguns casos).
Diante de tal contexto de insegurança, os migrantes da reforma agrária decidem
rumos mais seguros e menos onerosos, e a região Centro-Sul se apresenta como importante
opção. Nesta região, o estado de São Paulo é o que, nas perspectivas migratórias, apresenta
melhores condições, pois a viagem é muito mais segura e mais barata em relação ao garimpo.
Para seguir até São Paulo um trabalhador gasta cerca de duzentos reais, enquanto para
atravessar a fronteira rumo ao garimpo ele precisa dispor de pelo menos dois mil reais
considerando os gastos de avião, passaporte, hotel, taxi, alimentação e transporte terrestre e
aquático. Assim, para os migrantes informantes, no complexo do agronegócio do interior
paulista, como no corte de cana-de-açúcar, existem algumas vantagens como a segurança do
salário no final do mês, a possibilidade de acesso aos serviços básicos oferecidos pelo Estado,
como saúde, melhores condições de moradia, facilidade de comunicação com a família e, o
considerado por eles mais importante, o recebimento do seguro desemprego. A importância
deste último elemento se encontra no fato de que, no retorno dos migrantes para casa, eles
contam com este benefício de assistência social por alguns meses, ou seja, ao chegarem em
casa dão continuidade aos trabalhos produtivos da família e recebem o seguro, como forma de
renda extra.
As atividades produtivas levantadas em que se envolvem durante o período
migratório mostram a diversidade de ramos em que estes migrantes se envolvem. Foram
identificadas atividades como açougueiro, operário da construção civil, operário fabril,
doméstica, babá, balconista, garçonete, carvoeiros, açougueiro, plantio e colheita de tomate,
batata e cenoura, crediarista, juquireiro38
, garimpeiro, e atividades gerais na produção de
cana-de-açúcar e soja. Uma das curiosidades acerca de tal informação é a capacidade
laborativa do grupo, que vai se adequando às diversas realidades e tipos de trabalho, dentre os
quais se percebe que muitos não são agrícolas. Em outras palavras, enquanto assentados da
reforma agrária, estes migrantes encontram-se submetidos às condições complexas, pois
38
Juquireiro: trabalhador de fazenda na atividade especifica do corte de Juquira, que é uma designação regional
para definir roçado, pastagem, mata que trabalhada.
86
precisam, para garantir a renda buscada, exercer papéis bastante distintos do seu trabalho no
campo, de sua lida nas roças, num contexto completamente diverso do seu.
Outro aspecto abordado no trabalho de campo foi a participação da família no
processo decisório da migração. A partir dos questionários aplicados junto às famílias, das 38
famílias nas quais existem migrantes, 57,90% das famílias não participam da decisão,
afirmando ser esta uma decisão individual do migrante, enquanto 39,50% declaram não tomar
lugar neste tipo de decisão, e 2,60% não informaram.
Na pesquisa foi identificado o distanciamento da família na decisão da migração,
porém as informações dadas acerca da temporalidade da migração mostram que existe um
envolvimento e participação da família durante o processo de migração, pois do universo de
famílias com migrantes, 94,70% delas sabiam afirmar sobre o tempo da migração de seu
migrante, e apenas 5,20% não sabia informar sobre a questão. Estas famílias mostraram que
também acompanham o processo migratório, pois sabem informações sobre a dinâmica e
condições de trabalho e sabem que o trabalho é temporário ou permanente, sendo que deste
número cerca de 86,80% dos migrantes fazem trabalho temporário, enquanto algo em torno de
7,90% realiza trabalhos permanentes e 5,20% não informaram. Tais informações são
confirmadas pelos migrantes envolvidos na pesquisa, para quem a participação da família,
principalmente dos mais velhos, como pai e mãe, “são os conselhos na hora de viajar”.
Considerando os aspectos levantados pelas famílias pesquisadas acerca do trabalho
temporário, podem ser apontadas duas caracterizações deste tipo de trabalho. Sobre os
migrantes que se deslocam para atividades da cana-de-açúcar, do tomate, da cebola, da
construção civil, ou que seguem para a prestação de serviços e que têm contrato assinado, as
famílias sabem que em cerca de oito ou nove meses a maioria retornará para seus afazeres
cotidianos no assentamento. No caso dos outros grupos - aqueles que têm como destino o
garimpo, as atividades carvoeiras, ou que vão trabalhar nas fazendas, apesar de realizarem
trabalhos temporários - as famílias não têm informações sobre o seu período de retorno.
Outro aspecto importante na diferenciação dos grupos de migrantes temporários, é
que o primeiro grupo citado, em geral possui carteira assinada, enquanto o segundo grupo não
conta com qualquer tipo de segurança trabalhista, não podendo dispor, portanto, do tão
cobiçado seguro desemprego. Sob o ponto de vista das relações estabelecidas com as famílias,
este segundo grupo é o que mais desperta preocupações, pois diferentemente do primeiro, não
87
dispõe dos recursos de segurança nem física nem trabalhista, ficando à “mercê da sorte”, em
suas andanças em busca de trabalho, muitas vezes sem contato com seus familiares. As
famílias sabem que o trabalho é temporário, sabem que o trabalho é informal, sem contrato de
trabalho e sem garantias, e não sabem quando o migrante tornará à casa. São os migrantes da
informalidade.
Sobre a formalidade do trabalho, dos 38 migrantes identificados na pesquisa, de
acordo com informações fornecidas pelas famílias, 86,80% trabalham com carteira assinada
enquanto que 7,90% destes não têm esta garantia da legislação trabalhista. Sobre os 5,20%
restantes, as famílias não souberam informar sobre sua condição de trabalho.
Conforme dito anteriormente, o trabalho com carteira assinada possibilita segurança e
“tranquilidade” com relação ao pagamento do benefício seguro desemprego. O que os
migrantes e suas famílias sabem é que ao ser “fichado” em alguma empresa durante um
período, este tempo lhe garantirá uma renda extra durante período de três a seis meses,
dependendo do contrato de trabalho, constituindo-se este elemento fator de estímulo para a
migração temporária. Também foi observado que tal estímulo atinge de forma direta a
juventude, a qual compõe parte expressiva dos migrantes da reforma agrária.
Essa caracterização da “migração segura” com a formalidade trabalhista tem a região
Centro-Sul como referência, pois lá se encontram as grandes corporações da produção do
açúcar e álcool. Os migrantes da reforma agrária, quando decidem migrar, o fazem em busca
de trabalho e renda. Durante a pesquisa sobre a aplicação dos recursos financeiros ganhos, as
respostas obtidas indicam que o dinheiro recebido por conta da migração é usado,
essencialmente, para sua manutenção na localidade para onde migra e para a manutenção da
família no assentamento. Complementando as informações, 81,60% das famílias com
migrantes recebem dinheiro deste, enquanto 13,20% afirmaram não receber recursos, e 5,20%
não informaram.
Os recursos enviados pelos migrantes da reforma agrária do Alto Bonito em geral são
utilizados, prioritariamente, para garantir as despesas da família e para a manutenção do
trabalho agropecuário. Para a família é feita a compra de mantimentos, roupas, calçados,
remédios, móveis e eletrodomésticos, construção e reforma de casa, material escolar e
viagens. A preocupação com a condição do trabalho se reflete na contratação de terceiros para
atividades da roça e do pasto; compra de material para melhoramento da roça, como cercas e
88
insumos, compra de gado, remédios e vacinas para os animais. E, apesar dos migrantes
apontarem os gastos que são realizados com a produção de suas roças, com a contratação de
força de trabalho local, muitos avaliam valer a pena esta relação estabelecida, pois sem o
dinheiro recebido no trabalho externo não seria possível a garantia deste conjunto de coisas
elencadas.
Os migrantes que seguem para o ciclo da cana-de-açúcar apresentam uma
particularidade, pois os serviços de terceiros que contratam são geralmente para a manutenção
da roça, uma vez que as viagens feitas seguem o aspecto da sazonalidade da atividade
agrícola, ou seja, saem depois do plantio e retornam ao assentamento antes da colheita.
No caso dos migrantes jovens, ficou constatado a preocupação com o status social.
Em geral, o dinheiro ganho é muito direcionado para o custeio de suas despesas pessoais,
como roupas, perfumes e sapatos, compra de veiculo automotivo, principalmente
motocicletas. Foram, porém, identificados jovens que aplicam seu dinheiro prioritariamente
na produção agropecuária.
Quanto ao acompanhamento familiar ao migrante, ou seja, se alguém da família
acompanha o migrante ou se ele viaja sozinho, as informações são de que 55,30% dos
migrantes viajam acompanhados por alguém da família, principalmente algum parente, como
irmãos e primos, enquanto que os 44,70% restantes geralmente viajam desacompanhados dos
familiares, seguindo apenas com amigos.
Durante a pesquisa, através das entrevistas e conversas realizadas com os migrantes,
foi possível identificar que geralmente os migrantes seguem caminhos anteriormente traçados
por algum amigo, por um conhecido, por um parente ou mesmo pelo irmão mais velho. Em
outras palavras, os migrantes não saem sozinhos, principalmente na primeira vez, seguindo
sempre com pessoas conhecidas, ainda que não familiares. Da segunda vez em diante, não
necessariamente acompanham alguém, mas ao contrario, passam a ser acompanhados por
alguém. Com a experiência adquirida, muitas vezes, alçam voo sozinhos e buscam outros
destinos, diferentes do primeiro. A viagem feita em grupo assume caráter de segurança para
os migrantes do mesmo local de origem. Juntos, eles garantem, além da segurança, a
solidariedade e ajuda mútua, as quais se expressam de várias maneiras, como a divisão das
despesas e atividades domésticas ; os cuidados em caso de saúde e de acidente; os contatos e
informações para as famílias e comunidade e ainda a manutenção dos aspectos culturais da
89
região de origem, como os hábitos alimentares, as formas de comunicação e linguagem, a
forma de trabalhar. Enfim, é a sobrevivência pensada a partir do grupo como uma forma de
melhor se proteger fora de seus espaços de convivência.
No que se refere à viabilidade da migração, das 38 famílias com migrantes, 55,30%
delas acreditam que apesar de todas as dificuldades e problemas acarretados com a migração,
vale a pena seus familiares seguirem para outros lugares em busca de trabalho. Já 39,50%
analisam não valer a pena os sacrifícios feitos pelos migrantes e 5,30% não opinaram sobre a
questão.
No que se refere às vantagens da migração, as explicações se concentram no fato de
que esta possibilita a “entrada de dinheiro em casa”. A renda extra obtida serve para o
pagamento de dívidas e de melhoramento de condições da própria produção agropecuária,
contribuindo efetivamente para o melhoramento de vida das famílias. Já as explicações sobre
por que não vale a pena a migração, as posições apontam para a falta que os migrantes fazem
para o conjunto da comunidade no que se refere ao convívio social e político. Para as famílias
fica a saudade dos pais, filhos e cônjuges; as preocupações e acumulo de trabalho; a
insegurança quanto ao retorno financeiro e quanto às questões referentes à sua sobrevivência
distante da família. Além disso, o dinheiro ganho no período não é suficiente para garantir a
manutenção da família por muito tempo já que, segundo relato obtido, “três meses depois
acaba o dinheiro e aí, ou volta [à migração] ou vai para a roça”.
Finalizando este momento da análise sobre o processo migratório da comunidade
Alto Bonito, o questionamento feito às famílias foi sobre como evitar a migração. Em
resposta, os entrevistados demonstram clareza quanto ao papel das políticas públicas para a
geração de trabalho, emprego e renda para as áreas de assentamento. Assim, apontam a
necessidade da implementação de uma política agrícola voltada para o assentamento, como
um instrumento para a alteração do atual quadro. Dos elementos indicados pelas famílias para
evitar a migração na reforma agrária, encontram-se sugestões para o Estado, das quais
destacam-se:
- Maior investimento governamental em projetos produtivos, a exemplo da produção
de hortaliças e piscicultura.
- Maior investimento do Estado na área da educação e formação, principalmente da
qualificação profissional da juventude, com a educação de nível médio, no sentido de gerar
emprego e renda para este segmento social.
90
- Desenvolvimento de programas de trabalho e renda no município e, especificamente,
no assentamento.
- Desenvolvimento de agroindústria, utilizando a produção e a força de trabalho
existente na comunidade.
- Inclusão das famílias não sipradas no programa de reforma agrária.
- Acompanhamento e assistência técnica e fornecimento de equipamentos de trabalho
e insumos de produção
- Desenvolvimento de tecnologias apropriadas à região, possibilitando maior
produtividade das atividades agropecuárias.
Os dados apresentados neste capítulo compõem assim, a complexidade do cotidiano
da comunidade Alto Bonito no assentamento Cigra, no contexto de grandes conflitos e
contradições sócio-econômicas do Maranhão, na particularidade da implementação da
reforma agrária no estado. Tais dados nos indicam um conjunto de limites e desafios do
processo de consolidação do assentamento, sobre os quais considerarei a seguir.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho realizou o estudo da migração na reforma agrária, através da
realidade vivenciada pela comunidade Alto Bonito, uma das doze comunidades do
assentamento Cigra, base orgânica do MST e que se encontra localizado no município Lagoa
Grande do Maranhão – MA. O objetivo foi o de compreender os fatores determinantes para o
fenômeno da migração em áreas de reforma agrária.
Entendo que os assentados da reforma agrária de hoje são as famílias que viviam na
condição de sem terra antes de serem asssentadas, sujeitos que eram submetidos a condições
de expropriação e de exploração por parte do latifúndio, mas que através da ocupação, a partir
de um trabalho político organizativo, assumiram a identidade de famílias Sem Terra. São,
pois, pessoas que vivem como sujeitos críticos de sua própria história, que se organizam e se
reproduzem socialmente como camponeses Sem Terra.
É importante ressaltar que questões como a organização produtiva das famílias do
assentamento Cigra, o enfrentamento à questão agrária, a luta por políticas públicas,
constituem elementos que sempre foram mediados pelo Estado, principalmente por três
instituições: o INCRA, o Governo do Maranhão e a Prefeitura Municipal. Estas, enquanto
instituições públicas, representações e instâncias do Estado, sempre estabeleceram relações
complexas com a comunidade em questão, já que desde o momento da ocupação até o acesso
aos programas sociais, a aplicabilidade de qualquer conquista passou – e continua passando -
diretamente por estas instituições públicas, o que interfere nas condições materiais de vida
dessas famílias. Tal fato, porém, não minou a busca pela autonomia e emancipação política
das pessoas e da comunidade.
Foi na busca de entender a complexidade destas questões, tentando relacioná-las com
o tema da migração, que fui percebendo o antagonismo entre o desenvolvimento das forças
produtivas do capital, das instituições públicas envolvidas e das famílias assentadas na Cigra,
em particular na comunidade do Alto Bonito. Por isso tentei refletir o tema a partir das
dimensões abaixo elencadas, as quais se encontram intrinsecamente ligadas aos aspectos
resultantes da pesquisa.
Um aspecto histórico que vale ressaltar é que mesmo sob pressão social, a reforma
agrária realizada ainda não reflete as reais necessidades das famílias camponesas Sem Terra,
uma vez que as políticas de reforma agrária, tal como são pensadas pelo Estado, não
92
consideram a diversidade de elementos que compõem a vida das famílias: sua origem, grupo
social, aspectos étnico-culturais, o envolvimento no processo de realização dos
assentamentos. Tais questões foram identificadas ao longo da pesquisa, pois como exemplo, o
INCRA, na relação que estabelece com o assentamento tem com base o cadastro das famílias
e não as necessidades da comunidade, em especial as crianças, jovens e velhos, ignorando
toda história de vida, a prática social dessas famílias.
Esta desconsideração das particularidades subjetivas muito contribui com o
fenômeno da migração dos assentamentos, digo isso porque identifiquei o processo migratório
das famílias, desde a condição de migrantes da terra, passando para “beneficiários” da
reforma agrária, para depois seguirem o caminho e engrossarem as fileiras da migração da
reforma agrária. Assim, para se entender o fenômeno da migração na reforma agrária é
necessário aprofundar-se nos aspectos históricos da questão agrária e do debate das políticas
de reforma agrárias aplicadas pelo Estado, seus impasses e limites, para que seja possível
compreender os avanços e desafios para conter a migração na reforma agrária, esta entendida
e defendida como instrumento para conter a migração. Caso contrário, poderemos incorrer no
erro da má interpretação dessa questão, fazendo com que ocorram equívocos recorrentes na
nossa história de reforma agrária no Brasil.
Sobre o desenvolvimento dos assentamentos, o que pode ser constatado foi a relação
autoritária que o Estado mantêm com as famílias do Alto Bonito, quando chega com seus
programas prontos, projetos de casa definido, com as empresas de prestação de serviços que
nunca ouvem as famílias, o que afeta diretamente na organização político-social e econômica
da comunidade. Além disso, como as instituições e agentes financeiros que atuam na
comunidade esperam o retorno econômico, pressionam e condicionam as famílias a
programas sociais e econômicos previamente definidos e sempre voltados às regras do
mercado, priorizando a comercialização de mercadorias em detrimento do atendimento das
necessidades da comunidade. O êxito da reforma agrária fica estabelecido pelo grau de
inserção das famílias ao mercado e não pela melhoria de sua qualidade de vida, que não
necessariamente se encontra relacionada diretamente ao padrão de vida econômico.
Contraditoriamente, estes organismos não investem em aspectos fundamentais para a
economia do assentamento, como a comercialização.
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Na inexistência de uma política pública agrária e agrícola voltada às populações
pobres do campo, o Estado as atende através de políticas compensatórias, como os programas
sociais, a exemplo do Bolsa Família, Bolsa Jovem, com projetos pontuais pensados em curto
prazo, a exemplo dos projetos financiados pelo governo federal. Não existe nenhuma linha de
crédito agrícola que garanta eficácia para a reforma agrária, já que o PRONAF - hoje cada vez
mais burocratizado [não consegue garantir a assistência necessária para acompanhar o
desenvolvimento produtivo e econômico do assentamento. O governo estadual, por sua vez,
não contribui efetivamente para o desenvolvimento produtivo agrícola, assim como não
investe na infra-estrutura do assentamento, sendo que as políticas públicas para esta área se
apresentam frágeis, sem continuidade, desarticuladas e fragmentadas. O descaso do Estado
em relação à questão agrária é percebido no processo de desagregação e sucateamento do
principal órgão público, responsável pela reforma agrária, o INCRA.
Em termos de estrutura física, as condições de trabalho são precárias e, mesmo sendo
o órgão com tão grande responsabilidade, tecnicamente sua atuação é reduzida ao processo de
desapropriação de áreas e ao assentamento das famílias, deixando em seguida a maior parte da
aplicação dos recursos para o processo de terceirização das políticas publicas nos
assentamento. Tal fato se apresenta extremamente danoso para o processo de consolidação
dos assentamentos, considerando problemas de gestão como a má aplicabilidade dos recursos
destinados a melhoria da infra-estrutura das comunidades, como pro exemplo a mau
aplicação dos recursos para a habitação das famílias beneficiárias da reforma agrária.
Conforme foi apontado neste trabalho, foram feitas denúncias pelas famílias assentadas junto
aos órgãos competentes sobre empresas atuantes na região.
Assim, pode ser observado que não existe por parte dos poderes públicos uma
formação técnica e política para compreender tal situação como elemento agravante para a
política de reforma agrária. Pude também perceber que há uma dificuldade por parte das
instituições do Estado na compreensão do real significado disto no cotidiano das familiais
camponesas e, mais especificamente, de como a não efetivação da reforma agrária no sentido
amplo, completo, de garantia de acesso à terra, mas também de garantia das condições da
reprodução da vida, contribui para o agravamento da migração nas áreas de reforma agrária.
O que quero alertar é que se não houver uma preocupação mais efetiva por parte do Estado
com o período pós-implantação da política de assentamento das famílias, no sentido de
garantir-lhes qualidade de vida no processo de consolidação do assentamento, as famílias
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continuarão a ver na migração uma alternativa para possibilitar a reprodução de suas
condições de vida.
Do ponto de vista social, este tem sido o maior desafio para as famílias assentadas,
uma vez que buscar alternativas de vida fora do assentamento, como foi visto, tem feito parte
do cotidiano da comunidade Alto Bonito. Os dados deixaram claro a intensidade do fenômeno
da migração, assim como o “desconhecimento” do poder público sobre o assunto, não
havendo, inclusive, nenhum estudo por parte dos órgãos públicos que atentem para essa
questão nos assentamentos. Além disso, a fragilidade das políticas públicas para os
assentamentos, de modo geral, e em particular a ausência destas para a juventude, constituem-
se em elemento determinante que contribui de forma significativa para a migração deste grupo
social, fato que aparece de forma gritante nas observações realizadas em campo, mostrando a
tendência de esvaziamento sazonal da comunidade pesquisada por este grupo social.
O que pude observar nesta questão é que a migração tem influenciado a comunidade
tanto negativamente como positivamente. Os aspectos negativos encontram-se relacionados,
principalmente, aos destinos seguidos pelos migrantes deste assentamento, pois como estes
seguem para todas as regiões do país, inclusive para o exterior e, nestes destinos,
desempenham as mais variadas atividades: sejam trabalhos na soja no Centro Sul, seja
desempenhando tarefas na construção civil em várias regiões, no garimpo no Norte e em
outros países amazônicos, na prestação de serviços nos grandes centros urbanos e, ainda
juquireiros e carvoeiros no Maranhão e Pará. O importante é que todas estas dimensões do
trabalho e a diversidade de regiões geográficas da migração fazem com que os migrantes da
reforma agrária tragam junto consigo valores desconhecidos e muitas vezes não aceitos pela
comunidade que tem na sua origem os valores da roça, a cultura camponesa.
No que se refere aos aspectos positivos está o fato do fenômeno da migração
caracterizar-se, eminentemente, como temporária. Outro ponto que merece ser destacado é o
fato de que esta migração tem contribuído decididamente para a recriação e reprodução
camponesa naquele assentamento, uma vez que a renda adquirida nos trabalhos realizados nos
períodos migratórios, como pude observar, tem contribuído para melhorar as condições de
vida das famílias, garantindo a vida e o trabalho camponês no assentamento, muitas vezes
melhorando as condições da roça, adquirindo instrumentos e meios de trabalho; outras vezes
comprando um pedaço de terra para plantar sua roça.
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Em suma, minhas observações apontam que o fenômeno da migração da reforma
agrária tem se constituído como alternativa à precariedade das políticas de reforma agrária,
garantindo condições de sobrevivência para as famílias do assentamento, ao mesmo em que
constitui forma de resistência do campesinato, conforme elementos e análise feita neste
trabalho.
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