A literatura através do cinema

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INTRODUÇÃO A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação apresenta a história da literatura através do cinema. O livro, que poderia ter sido intitulado Clássicos da literatura no cinema, oferece um relato historiado de momentos importantes na história do romance não só em termos literários, como também refratados através do prisma da adaptação. Obviamente seria uma tarefa "quixotesca" cobrir toda a história do romance desde Cervantes, por isso abordo apenas "momentos" e tendências cruciais. Os romances analisados são, em sua maioria, "romances-chave" enquanto "clássicos" que geraram uma vasta estirpe de "descendentes" literários e fílmicos. Por exemplo, tanto Dom Quixote quanto Robinson Crusoé dão início a linhagens opostas no romance, e ambos foram reescritos e filmados inúmeras vezes. Dom Quixote é o texto-fonte para a tradição paródica, intertextual e "mágica" de romances como Tom Jones e Tristram Shandy, que ostentam seus próprios artifícios e técnicas. Por sua vez, Robinson Crusoé, de Defoe, é um texto-fonte seminal para a tradição do romance mimético supostamente baseado na "vida real" e escrito de tal forma a gerar uma forte impressão de realidade factual. Madame Bovary, de Flaubert, entretanto, contrapõe ambas as tradições realista e reflexiva/cervantina. Essa obra de Flaubert foi igualmente influente tanto em termos temáticos - monotonia campestre, desejo sexual, desilusão - quanto das técnicas empregadas - o discurso indireto livre, o uso do pretérito imperfeito, o emprego do pastiche. Notas do subterrâneo, semelhantemente, desencadeou uma série de romances que empregam narradores problemáticos e autodesmistificadores, começando com A náusea, de Sartre, O homem invisível, de Ellison, Lolita, de Nabokov, e A hora da estrela, de Lispector. Cada capítulo de A literatura através do cinema retrata uma tendência literária - a paródia de Cervantes, o realismo de Defoe (e as tentativas de "contra-

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INTRODUÇÃO

A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação apresenta a história da literatura através do cinema. O livro, que poderia ter sido intitulado Clássicos da literatura no cinema, oferece um relato historiado de momentos importantes na história do romance não só em termos literários, como também refratados através do prisma da adaptação. Obviamente seria uma tarefa "quixotesca" cobrir toda a história do romance desde Cervantes, por isso abordo apenas "momentos" e tendências cruciais. Os romances analisados são, em sua maioria, "romances-chave" enquanto "clássicos" que geraram uma vasta estirpe de "descendentes" literários e fílmicos. Por exemplo, tanto Dom Quixote quanto Robinson Crusoé dão início a linhagens opostas no romance, e ambos foram reescritos e filmados inúmeras vezes. Dom Quixote é o texto-fonte para a tradição paródica, intertextual e "mágica" de romances como Tom Jones e Tristram Shandy, que ostentam seus próprios artifícios e técnicas. Por sua vez, Robinson Crusoé, de Defoe, é um texto-fonte seminal para a tradição do romance mimético supostamente baseado na "vida real" e escrito de tal forma a gerar uma forte impressão de realidade factual.

Madame Bovary, de Flaubert, entretanto, contrapõe ambas as tradições realista e reflexiva/cervantina. Essa obra de Flaubert foi igualmente influente tanto em termos temáticos - monotonia campestre, desejo sexual, desilusão - quanto das técnicas empregadas - o discurso indireto livre, o uso do pretérito imperfeito, o emprego do pastiche. Notas do subterrâneo, semelhantemente, desencadeou uma série de romances que empregam narradores problemáticos e autodesmistificadores, começando com A náusea, de Sartre, O homem invisível, de Ellison, Lolita, de Nabokov, e A hora da estrela, de Lispector.

Cada capítulo de A literatura através do cinema retrata uma tendência literária - a paródia de Cervantes, o realismo de Defoe (e as tentativas de "contra-escrever" tal estilo), a reflexividade de Fielding, o perspectivismo flaubertiano, a polifonia de Dostoievsky, a experimentação nouvelle vague, o "realismo mágico" de Márquez - antes de explorar suas ramificações cinemáticas. Ao final de cada capítulo, sugiro a

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relevância desses romances para a vida e cultura contemporâneas. O capítulo sobre Dom Quixote termina com observações sobre os aspectos cervantinos do pós- modernismo; aquele sobre Robinson Crusoé, com comentários sobre Náufrago e sobre Survivor, um reality game show. O capítulo sobre Madame Bovary leva-nos ao filme A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen. O capítulo sobre Notas do subterrâneo revela um parentesco subterrâneo entre os narradores atormentados de Dostoievsky e os stand-up comedians1 dos dias de hoje. Ao discutir a mídia contemporânea e refletir a respeito da realidade atual dos romances (e dos filmes), espero ter em meu público- alvo não apenas estudiosos de literatura e cinema, como também estudantes saturados pela mídia mas não necessariamente versados no cânone literário.

A tensão entre a magia e o realismo, a reflexividade e o ilusionismo, tem alimentado a arte. Qualquer representação artística pode se fazer passar por "realista" ou abertamente admitir sua condição de representação. O realismo ilusionista apresenta seus personagens como pessoas reais, sua sequência de palavras como fato substanciado. Textos reflexivos ou mágicos, por outro lado, chamam a atenção para sua própria artificialidade como construtos textuais seja pela hiperbolização mágica de improbabilidades, seja através do esvaziamento reflexivo, minimalista do realismo. Nesse sentido, Dom Quixote orquestra tanto magia quanto realismo antecipando, assim, o "realismo mágico". De fato, para René Girard, "todas as idéias do romance ocidental estão presentes, embrionariamente, em Dom Quixoté'.2

Como retornamos com frequência a Dom Quixote como matriz seminal para a reflexividade mágica, o presente livro poderia ter sido chamado "uma meditação sobre Quixoté', parafraseando Ortega y Gasset, ou melhor, uma meditação tanto sobre o "quixotesco" quanto sobre o "cervantino". Muitos dos romances centrais à tradição européia - O vermelho e o negro, de Stendhal, Ilusões perdidas, de Balzac, Madame Bovary, de Flaubert, Em busca do tempo perdido, de Proust - empreendem a trajetória cervantina do desencantamento em que as ilusões promovidas pela leitura adolescente são sistematicamente desfeitas pela experiência do mundo real. Mas este tipo de quixotismo está tão disponível para o cinema quanto para a literatura. Assim como a obra Os sofrimentos do jovem Werther inspirou uma onda de suicídios em toda a Europa, diversos filmes também já induziram a comportamento imitativo. Na verdade, inúmeros filmes, como, por exemplo, Sonhos de um sedutor e Cães de aluguel, exploram o tema cervantino de

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personagens/ espectadores que procuram emular seus heróis do cinema.

ALÉM DA "FIDELIDADE"

Embora A literatura através do cinema seja organizado dia- cronicamente, seguindo a cronologia dos textos literários e não aquela dos textos cinematográficos, certos temas sincrônicos surgirão relativamente a todos os textos discutidos. Ainda que este não seja o lugar para uma teoria sistemática — algo que tentei fazer em meu ensaio "A teoria e prática da adaptação", no volume Literature andfilm —, posso brevemente delinear meu entendimento de algumas das categorias cruciais operantes ao longo do texto.

O "argumento" geral de A literatura através do cinema entrelaça uma série de fios: a crítica do discurso da "fidelidade", a natureza multicultural da intertextualidade artística, a natureza problemática do ilusionismo, a riqueza de alternativas "mágicas" e reflexivas ao realismo convencional e a importância crucial tanto da especificidade do meio de comunicação - o filme enquanto tal - quanto dos elementos migratórios, de entrecruzamento, compartilhados pelo cinema e outros tipos de mídia.

A linguagem tradicional da crítica à adaptação fílmica de romances, como já argumentei anteriormente,3 muitas vezes tem sido extremamente discriminatória, disseminando a idéia de que o cinema vem prestando um desserviço à literatura. Termos como "infidelidade", "traição", "deformação", "violação", "vulgarização", "adulteração" e "profanação" proliferam e veiculam sua própria carga de opróbrio. Apesar da variedade de acusações, sua motriz parece ser sempre a mesma - o livro era melhor.

A noção de "fidelidade" contém, não se pode negar, uma parcela de verdade. Quando dizemos que uma adaptação foi "infiel" ao original, a própria violência do termo expressa a grande decepção que sentimos quando uma adaptação fílmica não consegue captar aquilo que entendemos ser a narrativa, temática, e características estéticas fundamentais encontradas em sua fonte literária. A noção de fidelidade ganha força persuasiva a partir de nosso entendimento de que: (a) algumas adaptações de fato não conseguem captar o que mais apreciamos nos romances- fonte; (b) algumas adaptações são realmente melhores_do que outras; (c) algumas adaptações perdem pelo menos algumas das características manifestas em suas fontes. Mas a mediocridade de algumas adaptações e a parcial persuasão

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da "fidelidade" não deveriam levar-nos a endossar a fidelidade como um princípio metodológico. Na realidade, podemos questionar até mesmo se a fidelidade estrita é possível. Uma adaptação é automaticamente diferente e original devido à mudança do meio de comunicação. A passagem de um meio unicamente verbal como o romance para um meio multifacetado como o filme, que pode jogar não somente com palavras (escritas e faladas), mas ainda com música, efeitos sonoros e imagens fotográficas animadas, explica a pouca probabilidade de uma fidelidade literal, que eu sugeriria qualificar até mesmo de indesejável.

A literatura através do cinema simplesmente admite, ao invés de articular, os vários desenvolvimentos teóricos que foram abalando as premissas fundadoras sobre as quais a doutrina da fidelidade historicamente se baseou. Os desenvolvimentos estruturalistas e pós-estruturalistas lançam dúvidas sobre idéias de pureza, essência e origem, provocando um impacto indireto sobre a discussão acerca da adaptação. A teoria da intertextualidade de Kristeva, com raízes no "dialogismo" de Bakhtin, enfatizou a interminável permutação de traços textuais, e não a "fidelidade" de um texto posterior em relação a um anterior, o que facilitou uma abordagem menos discriminatória. Enquanto isso, o conceito bakhtiniano proto-pós-estruturalista do autor como harmonizador de discursos preexistentes, paralelamente à degradação foucaultiana do autor em favor de um "anonimato difuso do discurso", abriu o caminho para uma abordagem à arte "discursiva" e não-originária. A atitude bakhtiniana diante do autor literário enquanto situado num "território interindividual" sugere uma atitude de reavaliação no que se refere à "originalidade" artística. A expressão artística é sempre o que Bakhtin chama de uma "construção híbrida", que mistura a palavra de uma pessoa com a de outra. As palavras de Bakhtin a respeito da literatura como uma "construção híbrida" aplicam-se ainda mais obviamente a um meio que envolve a colaboração, como o filme. A originalidade total, consequentemente, não é possível nem mesmo desejável. E se na literatura a "originalidade" já não é tão valorizada, a "ofensa" de se "trair" um original, por exemplo, através de uma adaptação "infiel", é um pecado ainda menor.

Se "fidelidade" é um tropo inadequado, quais os tropos seriam mais adequados? A teoria da adaptação dispõe de um rico universo de termos e tropos - tradução, realização, leitura, crítica, dialogização, canibalização, transmutação, transfiguração, encarnação, transmogrificação, transcodificação, desempenho, significação, reescrita,

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detournement - que trazem à luz uma diferente dimensão de adaptação. O tropo da adaptação como uma "leitura" do romance-fonte, inevitavelmente parcial, pessoal, conjuntural, por exemplo, sugere que, da mesma forma que qualquer texto literário pode gerar uma infinidade de leituras, assim também qualquer romance pode gerar uma série de adaptações. Dessa forma, uma adaptação não é tanto a ressuscitação de uma palavra original, mas uma volta num processo dialógico em andamento. O dialogismo intertextual, portanto, auxilia-nos a transcender as aporias da "fidelidade".

Gérard Genette, em Palimpsestos (1982),4 partindo do "dialogismo" de Bakhtin e da "intertextualidade" de Kristeva, propõe o termo "transtextualidade", mais abrangente, para referir-se a "tudo aquilo que coloca um texto, manifesta ou secretamente, em relação com outros textos," postulando, por fim, cinco categorias. A quinta delas, a "hipertextualidade", parece ser particularmente produtiva no que tange à adaptação. O termo se refere à relação entre um determinado texto, que Genette denomina "hipertexto", e um outro anterior, o "hipotexto", que o primeiro transforma, modifica, elabora ou amplia. Na literatura, os hipotextos da Eneida incluem a Odisseia e a Ilíada, enquanto os hipotextos de Ulisses, de Joyce, incluem a Odisséia e Hamlet. Adaptações fílmicas, neste sentido, são hipertextos nascidos de hipotextos preexistentes, transformados por operações de seleção, ampliação, concretização e realização. As diversas adaptações fílmicas de Ligações perigosas (Vadim, Frears, Forman), por exemplo, constituem leituras hiper- textuais variadas, desencadeadas pelo mesmo hipotexto. De fato, as várias adaptações anteriores juntas podem formar um hipotexto maior, cumulativo, disponível ao cineasta que ocupa um lugar relativamente "tardio" nessa sequência.

Ao adotarmos uma abordagem ampla, intertextual, em vez de uma postura restrita, discriminatória, não abandonamos com isso as noções de julgamento e avaliação. Mas a nossa discussão será menos moralista, menos comprometida com hierarquias não aceitas. Ainda podemos falar de adaptações bem-sucedidas ou não, mas agora orientados não por noções rudimentares de "fidelidade", e sim pela atenção dada a respostas dialógicas específicas, a "leituras", "críticas", "interpretações" e "reescritas" de romances-fonte, em análises que invariavelmente levam em consideração as inevitáveis lacunas e transformações na passagem para mídias e materiais de expressão muito diferentes. Adaptações fílmicas caem no contínuo redemoinho de transformações e

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referências intertextuais, de textos que geram outros textos num interminável processo de reciclagem, transformação e transmutação, sem um ponto de origem visível. Portanto, ao invés de adotar uma abordagem avaliativa, irei focalizar as reviravoltas do dialogismo intertextual.

A QUESTÃO DO GÉNERO

A teoria da adaptação inevitavelmente herda questões anteriores relativas a intertextualidade e género. Etimologicamente proveniente de genus, do latim, que significa "tipo", a crítica de "género" começou, pelo menos no "Ocidente",5 como a classificação dos diversos tipos de textos literários e a evolução das

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formas literárias. Aristóteles, por exemplo, fazia distinção entre o meio de representação, os objetos representados e o modo de apresentação, o que resultou na conhecida tríade do épico, do dramático e do lírico. O mundo do cinema herdou esse hábito antigo de classificar as obras de arte em "tipos", alguns extraídos da literatura (comédia, tragédia, melodrama), enquanto outros são mais especificamente visuais e cinemáticos: "visões", "realidades", tableaux, "diários de viagem", "desenhos animados". Adaptações fílmicas de romances invariavelmente sobrepõem um conjunto de convenções de género: uma extraída do intertexto genérico do próprio romance-fonte e a outra composta pelos géneros empregados pela mídia tradutória do filme. A arte da adaptação fílmica consiste, em parte, na escolha de quais convenções de género são transponíveis para o novo meio, e quais precisam ser descartadas, suplementadas, transcodificadas ou substituídas. O romance A

história de Tom Jones, um enjeitado, como veremos (capítulo 3), serve-se da poesia épica, do romance cervantino, do pastoril etc., ao passo que a adaptação fílmica de Tony Richardson emprega não apenas aqueles géneros literários, mas também os géneros especificamente cinematográficos, tais como o filme burlesco da era do cinema mudo e o cinema verité.

O género fílmico, como o género literário antes dele, é permeável a tensões históricas e sociais. Como argumenta Erich Auerbach em Mimesis, a literatura ocidental, durante todo o seu percurso, trabalhou no sentido de pôr fim à elitista "separação de estilos" inerente ao modelo trágico grego, com suas hierarquias distintas: a tragédia superior à comédia; a nobreza, ao demos,6 Um realismo enraizado no éthos do judaísmo igualitário foi, lentamente, demo-cratizando a literatura. A noção judaica de "todas as almas iguais perante Deus" foi, gradualmente, harmonizando a dignidade de um estilo nobre com as classes "inferiores" de pessoas. Os géneros vêm acompanhados, nesse sentido, de conotações de classe e avaliações sociais. Na literatura, o romance, com raízes no mundo do senso comum da facticidade burguesa, desafia o romance de cavalaria,

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frequentemente associado a noções aristocráticas de cor- tesania e de cavalaria. A arte revitaliza-se recorrendo a estratégias de formas e géneros anteriormente marginalizadas, canonizando o que outrora fora desprezado.

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Ao longo deste livro, nos dedicamos a esses tópicos interligados de hierarquias sociais e estéticas, de estratificações de género e da sociedade. Será que um dado romance ou sua adaptação conduz a sociedade a uma condição mais igualitária ao criticar desigualdades sociais baseadas em eixos de estratificação, tais como raça, género, classe e sexualidade, ou ele simplesmente absorve (ou mesmo glorifica) essas iniquidades e hierarquias como se fossem naturais e predestinadas por Deus? Qual o grupo social representado num romance/filme? Quem são os sujeitos e quem são os objetos de representação? Que grupo desfruta de privilégios sociais ou estéticos? Em que língua e estilo a representação está enquadrada, e quais são as conotações sociais desses estilos e línguas?

Em termos históricos e de género, tanto o romance quanto o filme têm consistentemente canibalizado géneros e mídias antecedentes. O romance começou orquestrando uma diversidade polifônica de materiais - ficções de cortesania, literatura de viagem, alegoria religiosa, obras de pilhéria - transformados numa nova forma narrativa, reiteradamente defraudando ou anexando artes vizinhas, criando novos híbridos como romances poéticos, romances dramáticos, romances epistolares, e assim por diante. O cinema foi trazendo esta canibalização ao seu paroxismo. Como linguagem rica e sensorialmente composta, o cinema, enquanto meio de comunicação, está aberto a todos os tipos de simbolismo e energias literárias e imagísticas, a todas as representações coletivas, correntes ideológicas, tendências estéticas e ao infinito jogo de influências no cinema, nas outras artes e na cultura de modo geral. Além disso, a intertextualidade do cinema tem várias trilhas. A trilha da imagem "herda" a história da pintura e as artes visuais, ao passo que a trilha do som "herda" toda a história da música, do diálogo e a experimentação sonora. A adaptação, neste sentido, consiste na ampliação do texto-fonte através desses múltiplos intertextos.

REALISMO LITERÁRIO E MAGIA

Um outro argumento na discussão geral de A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação tem a ver com a eterna questão do "realismo" artístico. Termo elástico e extraordinariamente contestado, "realismo" vem carregado de incrustações milenares de debates filosóficos e literários precedentes. Basicamente arraigado no conceito clássico grego de mímesis (imitação), o conceito de realismo somente ganha significância programática no século

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dezenove, quando passa a denotar um movimento nas artes figurativa e narrativa dedicado à observação e representação precisa do mundo contemporâneo. Um neologismo cunhado pelos críticos de arte franceses, o realismo era originalmente associado a uma atitude opositora em relação aos modelos romântico e neoclássico na ficção e na pintura. Os romances realistas de escritores como Balzac, Stendhal, Flaubert, George Eliot e Eça de Queiroz inseriram personagens intensamente individualizados e seriamente concebidos em típicas situações sociais contemporâneas. Subjacente ao impulso realista, havia uma teleologia implícita de democratização social favorecendo a emergência artística de "grupos humanos socialmente inferiores e mais extensivos à posição de tema na representação problemática- existencial".7 Críticos literários faziam distinção entre esse realismo profundo, democratizante e um "naturalismo" raso, reducionista e obsessivamente verídico - realizado mais notoriamente nos romances de Emile Zola - cujas representações humanas tinham como modelo as ciências biológicas.

Cada um dos textos discutidos neste livro pode ser analisado em termos de seus coeficientes variantes de magia, reflexividade e realismo: o paródico antiilusionismo de Dom Quixote, a abordagem documentário-realista de Robinson Crusoé, o realismo perspectivista de Madame Bovary, o realismo subjetivo de Hiroshima, meu amor, o modernismo reflexivo de O desprezo, o "realismo mágico" de Erendira e Barroco. Ao longo do livro, voltarei às tensões produtivas entre a tradição reflexiva, paródica, retomando Dom Quixote, por um lado, e a tradição "realista", revisitando Robinson Crusoé, por outro. Ao mesmo tempo, ainda estaremos sendo provincianos e eurocêntricos ao postularmos somente duas tradições básicas. Críticos como Arthur Heiserman (The novel before the novel) e Margaret Anne Doody (The true story of the novel) argumentam que o romance não começou no Renascimento, mas "tem uma história contínua de cerca de dois mil anos".8

Alguns críticos rejeitam a tradição, mencionada anteriormente, que demoniza o romance de cavalaria, muitas vezes codificado como feminino, arcaico, supersticioso e suspeitamente "mágico", enquanto definem o romance como a quintessência da modernidade européia. Críticos anglocêntricos dão excessiva ênfase aos liames do romance com o protestantismo e o capitalismo. Assim, críticos como Ian Watt privilegiam o século dezoito, mais precisamente o auge da força do romance inglês, elidindo outras tradições nacionais e outras possíveis

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narrativizações.9 Uma grande variedade de críticos compartilha uma abordagem teleológica, quase hegeliana, que sublinha a preponderância "progressista" dos vestígios do passado. Dentro dessa narrativa de extermínio, formas "arcaicas" e "medievais" como a épica e o romance de cavalaria inevitavelmente cedem espaço a formas modernas como o romance, do mesmo modo que a aristocracia palaciana cede espaço à classe média, e a mágica "oriental" dá lugar à ciência "ocidental". Apesar desse cosmopolitismo pan-europeu, mesmo uma figura como Auerbach ainda vê a literatura "ocidental" caminhando, inexoravelmente, para um único télos do realismo. A visão teleológica geral dispensa antigos romances como O asno de ouro por não serem realmente romances, mesmo sendo "prosa de ficção de certa extensão".10

A crítica eurocêntrica canónica tende a traçar a história da arte, como faz a história de modo geral, "do norte ao noroeste", numa trajetória que vai da Bíblia e da Odisséia ao realismo literário e ao modernismo artístico. Mas podemos ver esses textos de fundação, a Bíblia e a Odisséia, como "ocidentais"? A Bíblia tem raízes na África, Palestina, Mesopotâmia e no Mediterrâneo, e a cultura grega clássica sofreu forte impacto das culturas semítica, egípcia e etíope.

Se definirmos o romance simplesmente como "prosa de ficção de certa extensão", então o género vai muito mais longe, até mesmo antes de Dom Quixote, chegando aos grandes romancistas da Antiguidade como os egípcios, árabes, persas, indianos e sírios. Enquanto a narrativa difusionista eurocêntrica enreda a história do romance marcando seu nascimento na Europa, espalhando- se depois para a África e a Ásia, seria, pois, igualmente lógico considerar que o romance tenha surgido fora da Europa, chegando depois até lá. Conforme aponta Margaret Doody, o romance foi o produto do "contato entre o Sul da Europa, o Oeste da Ásia, e o Norte da África".11 O romance tem, portanto, raízes na história da bacia mediterrânea multirracial e multilingue. O cânone, segundo Harold Bloom, não é exclusivamente "ocidental". Fragmentos de papiro de romances sugeriram que a prática da leitura de romances era comum entre os egípcios no século dois d.C. E não é por acidente que o título Aethiopika, de Heliodorus, o romance grego mais longo dentre os que sobreviveram, significa "História da Etiópia" (ênfase minha). Um escritor renascentista italiano como Boccaccio achava normal recorrer ao repertório oriental das Fábulas de Bidpai e Sindbad, o filósofo. (Até Disney retoma Aladim e as Mil e uma noites.) Escritores como Cervantes e Fielding

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conheciam e foram influenciados por tais textos. Como assinala Doody, "Quem quer que tenha lido Pamela ou Tom Jones esteve em contato com Heliodorus, Longo, Amadis, Petrônio", e nós também nos aproximamos deles quando "lemos autores dos séculos dezenove e vinte [tais como Salman Rushdie] que por sua vez leram outros autores que leram essas obras".12

Há "mais no céu e na terra", portanto, do que se imagina dentro dos cânones provincianos do verismo ocidental. A valorização do realismo é frequentemente associada à idéia de que a magia e o fantástico foram desbancados pela Razão do Iluminismo. Uma visão linear, "progressista" de tais questões considera que a humanidade tenha "ultrapassado" essas formas arcaicas e irracionais; o mundo move-se para frente, inexoravelmente, em um curso global e unidirecional. A magia e o romance desvalorizam-se como vestígios anacrónicos ou velhos modos de consciência a serem "superados" por formas mais evoluídas e racionais da Modernidade Iluminista. A fantasia e a magia, nessa perspectiva, são vestígios de um passado que é melhor esquecer. Mas essas formas arcaicas nunca são completamente enterradas. Pelo contrário, seus espectros assombram, ou melhor, animam toda a história da ficção moderna, na forma do maravilhoso e do romance presente em Dom Quixote, nos anseios românticos de Emma Bovary, na amarga rejeição da ciência e do iluminismo do Homem do Subterrâneo ou ainda na afirmação do arcaico e do fantástico pelo Realismo Mágico como aspectos do "surreal quotidiano" da América Latina contemporânea.

Também o modernismo artístico foi tradicionalmente definido em contraposição ao realismo como norma dominante de representação. Porém, fora dos limites ocidentais, o realismo raramente dominou; a reflexividade modernista como reação ao realismo, portanto, dificilmente conseguiria exercer o mesmo poder de escândalo e provocação. O modernismo, neste sentido, pode ser visto de certa forma como uma rebelião provinciana e local. Em imensas regiões do mundo, e por longos períodos de história da arte, houve pouca adesão ou mesmo interesse pelo realismo. Na índia, uma tradição narrativa de dois mil anos retorna à épica e ao drama clássicos do sânscrito, que relatam os mitos da cultura hindu através de uma estética menos baseada em personagens coerentes e num enredo linear do que em sutis modulações de sentimento e disposição de ânimo (rasa).

O realismo como norma pode ser visto como provinciano até mesmo na Europa. Em Rabelais e seu mundo, Bakhtin

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fala do "carnavalesco" como uma tradição contra-hegemônica cuja história vai dos festivais gregos dionisíacos e da saturnália romana ao realismo grotesco do "carnavalesco" medieval, passando por Shakespeare e Cervantes, chegando finalmente a Jarry e ao Surrealismo.13

Conforme a teorização de Bakhtin, o carnaval abraça uma estética anticlássica que rejeita a unidade e a harmonia formal para favorecer o assimétrico, o heterogéneo, o oximoro, o miscigenado.

MAGIA E REALISMO NO CINEMA

Quanto ao cinema, a questão do "realismo" sempre esteve presente ora considerada como ideal, ora como um objeto de opróbrio. Os próprios nomes de movimentos fílmicos dão o tom das mudanças sobre o tema do realismo: o "surrealismo" de Bunuel e Dali, o "realismo poético" de Carné/Prevert, o "neo-realismo" de Rossellini e de Sica, o "realismo subjetivo" de Antonioni, o "sur-realismo" (realismo do sul) de Gláuber Rocha, o "realismo burguês" denunciado pelos críticos do Cahiers du Cinéma em sua fase marxista-leninista. Várias grandes tendências coexistem dentro do espectro de definições do realismo cinematográfico. As definições mais ortodoxas de realismo reivindicam verossimi- lhança, a suposta adequação de uma ficção à bruta facticidade do mundo. Essas definições muitas vezes estão associadas, por exemplo, na obra de Bazin e Kracauer, à natureza supostamente "objetiva" do aparato cinematográfico, com sua ligação indexa- dora, fotoquímica com os objetos pró-fílmicos reais. Outras definições enfatizam as aspirações diferenciadoras do movimento fílmico com vistas a moldar uma representação relativamente mais verdadeira, vista como um corretivo para a falsidade de estilos cinematográficos anteriores ou protocolos de representação. Esse corretivo pode ser estilístico — como o ataque da nouvelle vague francesa à artificialidade da "tradição de qualidade" - ou social - o neo-realismo italiano visando mostrar à Itália pós-guerra sua verdadeira face - ou ambos - o Cinema Novo brasileiro re-volucionando tanto a temática social quanto os procedimentos cinematográficos do cinema nacional do passado.

Outras definições ainda enfatizam a convencionalidade do realismo levando em consideração a sua ligação com um grau de conformidade do texto com modelos culturais amplamente disseminados de "histórias críveis" e "personagens coerentes". Neste sentido, a plausibilidade e a

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verossimilhança são talhadas por códigos de género. De um pai durão e conservador que, em um musical, resiste ao ingresso de sua filha no show-business, pode-se esperar "realisticamente" que ele aplauda sua apoteose no palco na cena final do filme. Definições de realismo cinematográfico feitas a partir de uma inclinação psicanalítica, por sua vez, movem a crença do espectador, um realismo de resposta subjetiva, menos arraigado na precisão mimética do que na convicção do público. Uma definição puramente formalista de "realismo" enfatiza a natureza convencional de todas as construções ficcionais, vendo o realismo apenas como uma constelação de dispositivos estilísticos, um conjunto de convenções que, num dado momento na história de uma arte, consiga, através da técnica ilusionista afinada, cristalizar um forte sentimento de autenticidade. Para Gilles Deleuze, finalmente, o realismo não mais se refere a uma adequação mimética, analógica, entre o signo e o referente, mas sim à sensação de tempo, à intuição de duração vivenciada, os deslocamentos móveis da durée bergsoniana. O realismo, importante acrescentar, é culturalmente relativo; para Salman Rushdie, os musicais de Bollywood (Bombaim) fazem os musicais hollywoodianos parecerem documentos neo-realistas de última categoria.14 O realismo fílmico é também condicionado historicamente. Gerações de cinéfilos achavam os filmes em preto-e-branco mais "realistas", embora a própria "realidade" seja em cores. O ponto-chave nessa discussão é que o realismo é, em si, um discurso, uma fabricação astuta que cria e remodela o que diz.

Uma questão importante para todas as adaptações é a relação do filme com o modernismo, e como ela difere da ligação com a literatura. Esta questão tem a ver com o espaço-temporalidade específico do filme e, em especial, com a "continuidade" como núcleo do estilo dominante. Hollywood e seus correlatos em todo o mundo inventaram uma forma de contar histórias por meio de uma organização de tempo e espaço especificamente cinematográfica. O modelo dominante criou o que veio a ser a pedra de toque estética do cinema hegemónico: a reconstituição de um mundo ficcional caracterizado pela coerência interna e pela aparência de continuidade. Esta última foi alcançada por meio de normas de apresentação de novas cenas (uma progressão coreografada de establishing shot a médium shota close shot);15 recursos convencionais para aludir à passagem do tempo (dissolves, iris effects);16 técnicas convencionais para tornar imperceptível a transição de uma tomada a outra (a regra dos 30 graus, corte em movimento, combinações de posição e movimento, inseris e "cortes" para

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encobrir descontinuidades); e dispositivos para sugerir subjetividade (edição de ponto de vista, planos de reação, eyeline matches17). A estética hollywoodiana convencional promoveu o ideal não somente de enredos lineares, coerentes de causa-efeito, que giram em torno de "conflitos maiores", mas também de personagens motivados e críveis. Um decoro espaço- temporal específico empregou toda essa panóplia de dispositivos para transmitir a sensação de uma continuidade livre de junções. Naturalmente os processos de produção cinematográfica são altamente descontínuos; uma única cena retratando uns poucos minutos consecutivos na história resulta muitas vezes da filmagem durante vários dias ou até meses. Todavia, a estética normativa exige que os filmes façam de tudo para "encobrir" tais interrupções em nome da "continuidade" e do fluxo narrativo.

Uma outra palavra-chave nessas discussões é "reflexividade". Etimologicamente oriundo da palavra latina reflexio/reflectere (voltar-se para), o termo foi inicialmente tomado emprestado da filosofia e da psicologia, em que ele se referia à capacidade da mente de ser tanto sujeito e objeto de si mesma dentro do processo cognitivo. Com esta acepção, encontramos a noção de reflexividade em alguns dos ditos mais famosos da filosofia, como, por exemplo, o dito filosófico e gramaticalmente reflexivo de Sócrates "Conheça-te a ti mesmo" e o de Descartes, cogito ergo sum, em que a observação cética da consciência, em que ela observa a si mesma no processo de se conscientizar, torna- se fundamental para a epistemologia. Assim também Kant, que defendia a idéia do julgamento filosófico reflexivo, enquanto alguns teóricos sociais clamavam pela "sociologia reflexiva". De fato, a reflexividade artística se manifesta de várias formas: autoconsciência metodológica, reflexão metateórica, o mise-en-abyme de reflexões ad infinitum, a quebra de estruturas, a relativização da perspectiva cultural. Recentemente, os críticos chamaram a atenção para certas armadilhas na teoria da reflexividade. A teoria fílmica da década de 1970 costumava ver a reflexividade como uma panacéia política, enquanto deixava de notar o potencial progressista do realismo. Algumas vezes, a reflexividade se torma uma espécie de narcisismo ou uma demonstração de virtudes autoconfessadas: "Eu sou reflexivo, mas você não é!", uma ambiguidade satiricamente antecipada, como veremos, por Dostoievsky em Notas do subterrâneo.

No campo das artes, a reflexividade no sentido psicológico/ filosófico se aplica também à capacidade de auto-reflexão de qualquer meio, língua ou texto. No sentido mais amplo, a reflexividade artística refere-se ao processo

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pelo qual textos, literários ou fílmicos, são o proscénio de sua própria produção (por exemplo, As ilusões perdidas, de Balzac, ou A noite americana, de Truffaut), de sua autoria (Em busca do tempo perdido, de Proust, 8 V2, de Fellini), de seus procedimentos textuais (os romances modernistas de John Fowles, os filmes de Michael Snow), de suas influências intertextuais (Cervantes ou Mel Brooks), ou de sua recepção {Madame Bovary, A rosa púrpura do Cairo). Ao chamar a atenção para a mediação artística, os textos reflexivos subvertem o pressuposto de que a arte pode ser um meio transparente de comunicação, uma janela para o mundo, um espelho passeando por uma estrada.

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Como já argumentei anteriormente, a reflexividade não está limitada ao que, muitas vezes, é equivocadamente rotulado de tradição "ocidental".18 A reflexividade existe sempre que seres humanos usuários de línguas "falam sobre a fala". Para Henry Louis Gates, em O macaco significante, a figura do trickster iorubá Exu- Elegbara é um emblema da "significação da arte afro-diaspórica" que empreende a desconstrução.19 A reflexividade não está limitada a tradições eruditas, literárias ou académicas; ela pode ser encontrada em canções populares, no vídeo rap, na comédia stand- up e em comerciais televisivos. Tampouco podemos considerar que a reflexividade e o realismo sejam, necessariamente, termos antitéticos. Como veremos, um filme como O desprezo, de Godard, é ao mesmo tempo reflexivo e realista, uma vez que ele ilustra as realidades sociais vividas no dia-a-dia na mesma medida em que lembra aos leitores/espectadores que a mímesis do filme se trata de um construto. O realismo e a reflexividade não são polaridades estritamente opostas, mas tendências que se interpenetram ou pólos capazes de coexistir dentro do mesmo texto.

O cinema tem sido associado, desde o começo, com o realismo e com o mágico e o onírico. Em sua invocação por um "cinema xamânico", o cineasta/teórico Raul Ruiz remonta as origens do cinema a uma série de eventos "mágicos":

A mão de um homem das cavernas apertada contra uma superfície ligeiramente colorida... simuladores (demónios semi- transparentes do ar, descritos por Hermes Trimegistus); sombras pré e pós-platônicas; o Golem... o Fantascope de Robertson; as borboletas mágicas de Coney Island. Todos compõem uma pre-figuração do cinema.20

Assim como a tradição do romance bifurca nas tradições do paródico Dom Quixote e do mimético Robinson Crusoé, também o cinema, à época de seu nascimento, divide-se no realismo das "visões" e das "realidades" de Lumière, de um lado, e nos esboços mágicos de Meliès, de outro. No entanto, Godard, meio século depois, reverteu a dicotomia ao sugerir que Lumière filmava como um pintor impressionista, enquanto Meliès documentava o futuro ao enviar seus personagens à lua.21

Meliès descobriu que a edição possibilitava substituições e transformações mágicas, deixando assim uma rica herança que permitiu ao cinema modificar as coordenadas de tempo e de espaço. Orson Welles é, portanto, o herdeiro de Meliès quando se auto-retrata na figura do mágico em Verdades e

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mentiras. O cinema conjuga o realista e o fantástico. Ele emprega o realismo daquilo que os teóricos chamam de "monstração" - objetiva e sem "intervenção humana", como Bazin notoriamente afirmava - e "a mágica" da montagem e da superposição, permitindo ao filme desempenhar transformações temporais e sobreposições espaciais impossíveis. O cinema pode ainda veicular a mágica persuasiva dos sonhos. De Munsterberg a Metz, os teóricos de cinema notaram não somente a capacidade do filme de representar sonhos, mas também suas analogias com o sonho em termos de seus procedimentos operacionais, suas fusões e deslocamentos metonímicos e metafóricos. Filmes, em suma, são potencialmente "mágico-realistas"; eles podem tornar os sonhos realistas e a realidade onírica, conferindo à fantasia aquilo que Shakespeare denominou "uma morada local e um nome".

Como tecnologia da representação, o cinema está equipado de modo ideal para multiplicar magicamente tempos e espaços; tem a capacidade de entremear temporalidades e espacialidades bastante diversas; um filme de ficção, por exemplo, é produzido numa gama de tempos e lugares, e representa uma outra constelação (diegética) de tempos e espaços, sendo ainda recebido em outro tempo e espaço (na sala de cinema, em casa, na sala de aula). A conjunção textual de som e imagem em um filme significa não apenas que cada trilha apresenta dois tipos de tempo, mas também que essas duas formas de tempo mutuamente fazem inflexões uma sobre a outra numa forma de síncrese. Tomadas atemporais estáticas podem ser inscritas com temporalidade através da música, por exemplo.22 O leque de técnicas cinematográficas multiplica ainda mais esses já diversos tempos e espaços. A sobreposição redobra o tempo e o espaço, como fazem também a montagem e a utilização de molduras múltiplas dentro de uma imagem. Aqueles que afirmam que ao filme inerentemente falta a "flexibilidade" do romance esquecem-se destas versáteis possibilidades.

Os primórdios do cinema coincidiram com o auge do projeto verístico conforme sua expressão no romance realista, na peça naturalista (em que produtores teatrais como Antoine utilizavam carne verdadeira em cenas de açougue) e em exposições obsessivamente miméticas. O modernismo artístico que floresceu nas primeiras décadas do século vinte e que foi institucionalizado como "alto modernismo" após a Segunda Guerra Mundial promoveu uma arte anti-realista, não-representativa, caracterizada pela abstraçào, fragmentação e agressão. Embora o incremento tecnológico do cinema faça-o parecer superficialmente

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moderno, sua estética dominante herdou as aspirações miméticas do realismo literário do século dezenove. Formas dominantes do cinema eram, assim, "modernas" em sua atualização tecnológica e industrial, mas não modernistas em sua orientação estética. Não é de se admirar que os maiores desapontamentos, por parte dos leitores letrados, tenham a ver com adaptações de romances modernistas como os de Joyce, Woolf e Proust, exatamente porque nesses casos a lacuna estética entre fonte e adaptação parece ser estarrecedora, menos por causa das falhas inerentes ao cinema do que devido à opção pela estética pré-modernista.

Ainda assim essa narrativa também pode, por vezes, encerrar um conto de fadas modernista de progresso, o enredamento meliorista por meio do qual o realismo leva à reflexividade como o télos último da arte. Além disso, a dicotomia entre o cinema realista e o romance modernista pode ser facilmente exagerada. Muitos realismos são modernistas. Seria Hitchcock ainda pré- modernista quando trabalha com Salvador Dali na sequência do sonho em Quando fala o coração*. E, da mesma maneira, ao fazer filmes dentro da indústria mexicana, Bunuel permanece o vanguardista de Um cão andaluz e A idade do ourói2i O cinema foi muitas vezes modernista (e pós-modernista); o problema é que seu modernismo não costumava tomar a forma de adaptações. Grande parte da obra de Alain Resnais pode ser vista como um prolongamento cinemático da obra romanesca de Proust; no entanto, Resnais nunca adaptou Em busca do tempo perdido. Gláuber Rocha encarnou o "realismo mágico" latino-americano em Terra em transe, mas ele nunca adaptou Márquez ou Carpentier. Limitar a discussão a adaptações existentes, neste sentido, resulta num senso falsamente diminuído do potencial modernista do cinema. Minha própria pressuposição, diferentemente, é que as variadas capacidades cronotópicas do cinema capacitam-no a transpor e a enriquecer, em absoluto, qualquer estética, realista ou anti-realista, ilusionista ou auto-reflexiva.DIALOGISMO MULTICULTURAL

A natureza palimpséstica multifacetada da arte, afirmo ao longo deste texto, opera dentro e através das culturas. Outro tema intermitente será o diálogo multicultural entre a Europa e seus outros, um diálogo que não é recente. Apesar da narrativa eurocêntrica construir um muro artificial que separa a cultura européia das demais, na verdade a própria Europa é uma síntese de várias culturas, ocidentais e não ocidentais. O "ocidente", portanto, é em si uma herança coletiva, um mélange onívoro de culturas; ele não absorveu simplesmente

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influências não européias, como afirma Jan Pietersie, "ele se constituiu delas".24 À luz dessas diferenças constitutivas e mutuamente imbricadas, A literatura através do cinema adota uma abordagem policêntrica, multiperspectivista ao filme e à literatura. O crítico espanhol Ortega y Gasset antecipou esta idéia em 1924 em Las Atlantidas, que previa o futuro descentramento da Europa e a expansão de horizontes:

Nos últimos vinte anos, os horizontes da história foram excepcionalmente expandidos - tanto que o velho pupilo da Europa, acostumado à circunferência de seu horizonte tradicional, da qual ela era o centro, não consegue agora encaixar em uma só perspectiva os enormes territórios repentinamente acrescentados. Se até o presente a "história universal" sofreu da concentração excessiva sobre um único ponto gravitacional, na direção do qual todos os processos da existência humana convergiram — o ponto de vista europeu - pelo menos por uma geração será elaborada uma história universal policêntrica; a totalidade do horizonte será obtida através de uma simples justaposição de horizontes parciais, com raios heterogéneos, que, amealhados, proporcionarão um panorama de destinos humanos semelhante a uma pintura cubista.25

Ainda que eu não veja esta abertura de horizontes como um desenvolvimento recente (ela pode ser rastreada até a Renascença, ou mesmo antes dela), endosso a noção de Ortega de uma história literária policêntrica. Minha abordagem no presente livro será multicultural e antieurocêntrica, nem tanto em termos do corpus - a maioria dos textos tratados é de clássicos europeus ou "eurotrópicos" - porém mais em termos de ver os próprios textos como multiculturais, seja através de presenças manifestas ou através de ausências estruturadoras.

A teoria da adaptação é o que a translinguística bakhtiniana chamaria de "enunciado historicamente situado". E, da mesma forma que não se pode separar a história da teoria da adaptação da história das artes e do discurso artístico, tampouco pode-se separá-la da história tout court, definida por Jameson como "aquilo que dói", mas também como aquilo que inspira. Numa perspectiva mais ampla, a história da literatura, como a do filme, precisa ser vista à luz dos eventos históricos de larga escala como o colonialismo, o processo pelo qual os poderes europeus alcançaram posições de hegemonia económica, militar, política e cultural em muitos lugares da Ásia, África e das Américas. Anexar

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territórios adjacentes a nações ocorria com frequência, mas o que havia de novo no colonialismo europeu era o seu alcance planetário, sua filiação ao poder global institucionalizado, e seu modo imperativo, sua tentativa de submeter o mundo a um único regime "universal" de verdade e poder. Esse processo teve seu apogeu no começo do século vinte, quando a superfície terrestre sob controle do poderio europeu cresceu de 67% Cem 1884) para 84.4% (em 1914), situação que somente começou a ser revertida com a desintegração dos impérios coloniais europeus após a Segunda Guerra Mundial.26 A tradição literária explorada aqui vai de Dom Quixote, escrito por volta de um século depois que conquistadores como Colombo e Cortez invadiram as Américas, até o realismo mágico de Erendira e Barroco, escritos séculos mais tarde, mas ainda carregando as cicatrizes da conquista e da escravidão nas Américas. Toda a tradição é inevitavelmente marcada pelo colonialismo e pelo imperialismo. Neste sentido, o livro é consoante com o apelo de Edward Said em Cultura e imperialismo por uma "abordagem contrapontística que enfatize a sobreposição e o entrelaçamento das histórias da Europa e seus 'outros'".27

Os vários impérios europeus encarnavam a si mesmos e projetavam seu poder através de textos, que incluíam não apenas tratados políticos, diários, decretos, registros administrativos e cartas, mas também romances e, mais tarde, filmes. De modo geral, os romances europeus simplesmente tomavam por certo o domínio e o poder do império. Obras como MansfieldPark (1814), de Jane Austen, giram em torno de questões de propriedade, tanto no sentido de comportamento adequado quanto de posse, estando a propriedade arraigada nas colónias. A fazenda Mansfield Park, assim, é mantida pelos canaviais de Sir Thomas Bertram em Antígua, onde praticou-se a escravidão até a década de 1830. A recente adaptação de Mansfield Park, ao chamar a atenção para a dependência de Sir Thomas do escravagismo, revê o romance a partir do olhar anticolonialista de Fanon, Said, e outros.28 Em Vanity fair, de Thackeray, o império é retratado como fonte de lucro, ao passo que em Mrs. Dalloway (1925), de Virginia Woolf, o império é descrito empunhando seu "cassetete" para dominar "o pensamento e a religião, a bebida, o vestuário, os hábitos, e também o casamento". Críticos pós-coloniais e multiculturais começaram a "dessegregar" e a "transnacionalizar" a crítica, explorando a maneira com que o personagem Huck Finn foi moldado a partir de um protótipo negro, por exemplo, ou o modo com que Pequod, de Melville, em Moby Dick, constitui um microcosmo multicultural, ou

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ainda como a história de Benito Cereno sobre um motim de escravos reflete sobre a política racial na América do século dezenove. Apesar desses elementos multiculturais sempre terem existido, o advento da crítica pós-colonial os imbuiu de significância interpretativa renovada.

Se os primórdios do romance europeu (Robinson Crusoé) coincidiram com o momento inicial da conquista colonial e da escravidão transatlântica, a origem do cinema coincidiu com o paroxismo imperial da dominação européia. Os países que mais produziram filmes durante a era do cinema mudo - Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha - também, "por acaso", figuraram entre os países líderes do imperialismo, cujo declarado interesse era enaltecer o empreendimento colonial. O cinema combinou narrativa e espetáculo para contar a história do colonialismo a partir da perspectiva do colonizador. De todas as celebradas "coincidências" - dos primórdios do cinema com a psicanálise, o surgimento do nacionalismo, a emergência do consumismo - é a coincidência com o imperialismo a que tem sido menos estudada. Este livro, espero, indiretamente se refere a essa lacuna.QUESTÕES DE MÉTODO

Já que é impossível dizer tudo sobre os filmes e os romances examinados neste livro, especialmente em se tratando de uma obra que espera cobrir séculos de desenvolvimento literário e cinematográfico em diversos países (Espanha, Inglaterra, França, Rússia, Estados Unidos, Brasil, Cuba, Argentina, índia, Portugal), necessariamente deve haver um princípio de seleção e enquadramento. Um princípio de seleção tem a ver com a minha própria área de competência. Formado em literatura comparada, respeitei o princípio de lidar somente com textos escritos em línguas que eu posso ler no original, isto é, inglês, francês, português e espanhol (o russo das Notas do subterrâneo é a exceção).

Mas, em outro sentido, o princípio de pertinência que escolhi é amplamente estético. Preocupo-me, principalmente, com os desafios estilísticos e narrativos que uma série de romances oferece ao adaptador fílmico. Portanto, ofereço exegeses detalhadas de trechos específicos nos romances ou de seqúências particulares nas adaptações fílmicas, usando análises comparativas detalhadas como meio de antecipar os diferentes modos de representação. Enfatizo, em geral, o estilo, voz e técnicas narrativas. Quando discuto Dom Quixote, não falo da representação que o romance faz da história da Espanha, mas sim das estratégias narrativas e textuais de Cervantes: contos

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intercalados, a inserção de crítica literária, digressão sistemática, e assim por diante. Ao mesmo tempo, tal priorização do estético não significa que a análise irá omititir o cunho social, político ou histórico. As questões estéticas, para mim, estão intrinsecamente associadas às questões sociais que têm a ver com a estratificação social e a distribuição do poder. Uma abordagem formalista, que em Cultura e imperialismo Edward Said compara ao ato de "descrever uma estrada sem situá-la na paisagem,"29 será obviamente inadequada. O que me interessa é a historicidade das próprias formas, a maneira pela qual as escolhas estilísticas em termos de género, voz e ponto de vista ressoam o que a translingúística chama de "avaliações sociais", o modo como as violações das normas estéticas repercutem o enfraquecimento de normas sociais.

Dado o preâmbulo metodológico, resta esquematizar o movimento geral de A literatura através do cinema. Seguindo essa introdução conceituai, o capítulo 1, "Um prelúdio cervantino: de Dom Quixote ao pós-modernismo", coloca os temas do realismo e da magia ao discutir o romance Dom Quixote juntamente com suas adaptações fílmicas, notadamente as de Orson Welles e Gregory Kozintsev, antes de passar aos aspectos cervantinos de pós-modernismo.

O capítulo 2, "Clássicos coloniais e pós-coloniais: de Robinson Crusoé a Survivot", focaliza o realismo documental, "somente os fatos", de Defoe em seu romance seminal /Is aventuras de Robinson Crusoé, após delinear a importância crucial do romance de Defoe, exploro somente algumas das muitas adaptações baseadas em Crusoé, enfocando em especial Robinson Crusoé, de Bunuel, ManFriday, dejack Gold, e Crusoé, de Caleb Deschamel. Um leitmotiv seria aqui a tendência anticolonialista de "contra- escrever" na literatura.

O capítulo 3, "O romance autoconsciente: de Henry Fielding a David Eggers", retorna à tradição cervantina do romance autoconsciente. Ao passo que Robinson Crusoé suprime suas próprias fontes intertextuais em nome da verossimilhança, os romances "autoconscientes" escritos "à maneira" de Cervantes chamam a atenção para a sua própria intertextualidade. Aqui, destacarei dois romances de Henry Fielding (Inocente sedutor e As aventuras de Tom Jones) e um de Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás Cubas). Concluirei o capítulo fazendo menção aos aspectos reflexivos do romance contemporâneo (Uma comovente obra de espantoso talento, de Dave Eggers) à comunicação de massa contemporânea.

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O capítulo 4, "O romance protocinematográfico: metamorfoses de Madame Bovary', leva-nos ao romance realista clássico do século dezenove, que forneceu incontáveis histórias para adaptação e ainda auxiliou na formação do paradigma da estética dominante dentro do cinema. Aqui, focalizarei Madame Bovary, de Flaubert, que contrapõe e sintetiza as duas tradições exploradas nos capítulos anteriores, a saber, o documentário-mimético (Defoe) e o reflexivo-paródico (Cervantes). Após demonstrar os aspectos "protoimpressionistas" e "protocinematográficos" do romance de Flaubert, porei em foco suas variadas adaptações, notadamente naquelas dirigidas por Jean Renoir (1934), Vincente Minnelli (1949), Claude Chabrol (1991), Ketan Mehta (1992) e

39Manoel de Oliveira (1997). Fecharei o capítulo com uma discussão sobre alguns dos trabalhos "flaubertianos" de Woody Allen.

O capítulo 5, "O homem do subterrâneo e narradores neuróticos: de Dostoievsky a Nabokov", negocia a transição do romance mimético do século dezenove para as narrativas modernistas, particularmente aquelas que empregam narradores em primeira pessoa pouco confiáveis. Após uma discussão da importância da escrita "polifônica" de Dostoievsky e uma análise de Notas do subterrâneo e duas de suas adaptações, focalizo uma série de transposições de romances modernistas para o cinema, todos influenciados por Dostoievsky, contendo narradores neuróticos, duvidosos, autodepreciativos: a adaptação feita por Tomas Gutierrez Alea de Memórias do subdesenvolvimento, de Edmundo Desnoes; dois filmes (de Stanley Kubrik e Adrian Lynne) baseados em Lolita, de Nabokov; e A hora da estrela, de Suzana Amaral, a partir do romance homónimo de Clarice Lispector.

O capítulo 6 aborda o "Modernismo, adaptação e a nouvelle vague francesa". Após algumas observações iniciais sobre a prática da adaptação pela nouvelle vague e acerca de discussões teóricas a respeito do mesmo assunto nas páginas do Cahiers, me atenho ao romance/filme experimental na França, em especial ao cine- roman, dedicando maior atenção a Hiroshima, meu amor e Ano passado em Marienbad. Os cine-romans forjam uma modalidade completamente nova da relação filme/romance, em que a noção de "adaptação" se torna ainda mais problemática do que o normal, em que romancista e cineasta trabalham em igualdade e até mesmo em simbiose, na

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medida em que respeitam a especificidade de cada meio. É dentro desse enfoque que oferecerei uma análise aprofundada do filme de Godard baseado no romance O desprezo, de Alberto Moravia, antes de concluir com alguns comentários sobre os aspectos cervantinos e "quixotescos" da nouvelle vague francesa em geral.

O capítulo final fecha o círculo de discussões sobre realismo e magia ao focalizar o boom e o "realismo mágico" latino- americanos. Enquanto Godard, em O desprezo, problematiza o realismo ao trazer para primeiro plano, reflexivamente, a mecânica formal do ilusionismo e ao "esvaziar" a narrativa, a abordagem "realista mágica" interroga o realismo ao caminhar na direção oposta, ao tecer uma profusão delirante de contos improváveis. Se uma forma de reflexividade é "infra-realista", a outra abordagem poderia ser chamada de "supra-realista". Após esquematizar o contexto histórico do realismo mágico, ofereço uma análise aprofundada do precursor relativamente desconhecido do "realismo mágico": Macunaíma (1928), o brilhante romance modernista de Mário de Andrade - para mim, a "mãe" ignorada de todos os romances do realismo mágico - e de sua "tradução" cinematográfica igualmente notável, feita por Joaquim Pedro de Andrade em 1968. Finalmente, discuto as adaptações fílmicas baseadas na obra de Gabriel Garcia Márquez (í/m senhor muito velho com umas asas enormes, Erendira) e de Alejo Carpentier {Barroco).

De maneira geral, A literatura através do cinema oferece uma história da tradição do romance por meio de suas re-visões fílmicas, enfatizando as complexas mudanças energéticas e sinergéticas envolvidas na migração trans-mídia. Ao invés de seguir um só modelo, minha abordagem analítica será flexível, "adaptada" às qualidades específicas de cada filme e romance. Empregando simultaneamente a teoria literária, teoria midiática e estudos (multi)culturais, adotarei múltiplas estruturas - uma espécie de cubismo metodológico -, a fim de esclarecer as relações entre o romance e o filme de uma maneira que é, espero, rica, complexa e multidimensional.

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