A Judicialização da Saúde - ufjf.br§ão-da-Saúde.pdf · econômicas que visem à redução do...
Transcript of A Judicialização da Saúde - ufjf.br§ão-da-Saúde.pdf · econômicas que visem à redução do...
A Judicialização da Saúde
Eduany W. S. Callegaro
Residente de Gestão Hospitalar – Economia
Segundo o artigo 196 da Constituição Federal de 1988:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A Judicialização da Saúde
O que é?
Fornecimento de medicamentos, internações, cirurgias e demais tratamentos de saúde pelos entes públicos em virtude de decisões judiciais.
Acarreta sérios problemas de gestão e em última instância, ingerência do Judiciário nas ações do Executivo.
Materialização do direito constitucional,
representando um avanço efetivo da cidadania
O surgimento:
• No Brasil, o marco da Judicialização na área da saúde ocorreu no início da década de 1990, quando começaram a ser pleiteados judicialmente medicamentos antirretrovirais para HIV/AIDS.
• A partir de então, esse caminho tem sido utilizado como alternativa do cidadão para recebimento de tratamentos de saúde, mesmo antes da tentativa pela via administrativa.
O crescimento do número de demandas levou a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais a criar, em novembro de 2006, uma Coordenadoria Especializada em Direito Sanitário. Desde a criação do setor especializado em 2006 até o final do ano de 2012, foi verificado um aumento de 463% no número de ações.
1464
6784
0
2000
4000
6000
8000
2007 2012
Ações no ano
Fonte: MEDRATO, 2013
Aspectos Principais da Judicialização
Provoca iniquidades com o acesso à justiça:
• Evita a negligência do Estado (+)
• Compromete a política social já existente (-) - Gastos fora do orçamento
• Aumenta distorções sociais (-) - Privilegia uma pequena parcela da população que possui informações e acesso ao Judiciário em detrimento dos que não possuem.
Análise das decisões judiciais na cidade de São Paulo
47% 53%
Ações Judiciais - Prescrições por emissão
MédicosPrivados
MédicosSUS
• A maioria das ações foi impetrada por advogados privados.
75%
25%
Locais de moradia dos pacientes
Bairros dealta renda
Outros
Fonte: VICTORA, 2011
Aspectos Principais da Judicialização
Decorre de deficiências do SUS e do próprio Judiciário;
• Provoca um excesso de demandas no Poder Judiciário - Envolvendo inúmeros servidores do Estado, tanto do próprio Judiciário, quanto da Secretaria de Estado de Saúde e da Advocacia-Geral do Estado.
• Deficiências e insuficiências do sistema de saúde e do sistema judiciário brasileiro para responder de forma satisfatória às novas e crescentes demandas de saúde.
Aspectos Principais da Judicialização
Pode ser estimulada pelo marketing da indústria farmacêutica;
• O marketing comercial e/ou lobby exercido pela indústria e comércio farmacêutico, junto a segmentos sociais (pesquisadores, pacientes, médicos) e governamentais, para incorporação de seus produtos, poderia estar exercendo papel importante no sentido de estimular a demanda judicial para incorporação de novos medicamentos;
5 de Maio Dia Nacional do Uso Racional de
Medicamentos
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o uso racional de medicamentos se dá quando pacientes recebem remédios apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade.
Criado para alertar a população sobre os riscos à saúde causados pela automedicação, também ressalta a importância que deve ser dada à dosagem prescrita ao paciente pelo profissional de saúde.
Aspectos Principais Grande influência econômica nos Estados exercida pela
indústria farmacêutica.
• Forte dependência dos estados nacionais das indústrias farmacêuticas
- No desenvolvimento das pesquisas clínicas
- E em relação ao custo da incorporação das novas tecnologias nos sistemas de saúde.
Desafios para a gestão da assistência Farmacêutica
Exigência de um tipo de atuação do gestor administrativa e judicialmente diferenciada no sentido de:
- Responder às ordens judiciais;
- Evitar o crescimento de novas demandas;
- Preservar os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde.
Entretanto, deve haver um limite, principalmente tendo em vista que o mercado farmacêutico hoje conta com mais de quinze mil especialidades e só aumenta a cada ano.
Principais causas de produto de saúde não serem disponibilizado pelo SUS:
• Custo elevado.
• Ausência de comprovação científica de sua segurança e eficácia
• Falta de autorização da Anvisa para a comercialização do mesmo no país.
Desafios para a gestão da assistência Farmacêutica
• Aspecto positivo da Judicialização tem sido a contribuição para um aprimoramento da política já existente.
- Em Minas Gerais, por exemplo, alguns medicamentos
passaram a ser disponibilizados administrativamente, após a constatação do grande número de ações judiciais que o pleiteavam, enquanto novos arranjos administrativos são realizados.
A responsabilidade solidária entre União, Estado e Municípios
• Tornou-se praticamente unânime entre os magistrados
que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos seria solidária entre os entes públicos.
• As partes dificilmente incluem apenas um ente no polo passivo das demandas e as decisões, em sua maioria, determinam o cumprimento por todos.
• O prazo fixado para o cumprimento é geralmente exíguo, sob pena de multa diária.
Os processos terminam por acarretar:
• Superposição de esforços e de defesas
• Os entes acabam providenciando individualmente o cumprimento da decisão.
• Há um desperdício considerável de dinheiro público, pois além de os medicamentos possuírem prazo de validade muitas vezes reduzido, há casos em que a raridade da doença implica na falta de demanda posterior pela medicação.
= O Estado passa a responder aos anseios de uns em detrimento da coletividade.
A responsabilidade solidária entre União Estado e Municípios
• Quanto mais réus em um processo, mais complexo e demorado ele se torna;
- Efetivamente quem acaba por cumprir a decisão são os entes que detém os recursos materiais necessários ao cumprimento do direito demandado.
• Alguns juízes condenam todos os entes a fornecer tudo. Outros excluem o Município ou o Estado, não há padrão na decisão.
Responsabilidade de cada ente:
• Municípios: provimento dos serviços de atenção básica;
• Estados: pelos de média complexidade (exames mais complexos, pequenas cirurgias etc.);
• Governo federal: alta complexidade, repassando recursos para os estados assumirem esse papel dentro do sistema.
EX.: Município de São Paulo
• Os juízes tendem a desconsiderar o impacto orçamentário de suas decisões no orçamento dos municípios;
• Levantamentos estatísticos apontam para uma taxa de sucesso do pleiteante contra o sistema público de saúde por volta de 85% no Judiciário paulista.
• Importante ressaltar que São Paulo, por ser o mais rico município da federação, talvez tenha melhores condições de absorver o impacto orçamentário gerado pelas decisões judiciais.
6%
94%
Gastos com saúde São Paulo em 2011
Gasto comJudicializaçãomedicamentos
Outros gastos
10%
90%
Gastos com saúde São Paulo em 2011
Gasto comJudicialização
Outros gastos
Fonte: WANG et al., 2012
• Segundo o ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo, já houve casos em que, para o cumprimento de apenas uma decisão judicial, o orçamento municipal em saúde foi comprometido em 20% dos recursos previstos.
20%
80%
Gastos com saúde São Paulo
Gasto com umcaso deJudicialização
Outros gastos
Fonte: WANG et al., 2012
EX.: Município de São Paulo
Como São Paulo reduziu o impacto?
• Realização de licitações por SRP para a compra daqueles medicamentos mais demandados judicialmente.
Custos
> competitividade
Preços 25% mais baratos
Resolução n. 4 de 2006 da CEMED Fonte: WANG et al., 2012
Impacto no Orçamento público e Financeiro das políticas públicas
• Impacto no orçamento público: impacto provocado nos cofres
públicos consequente da decisão tomada;
• Impacto social por afetar toda a coletividade devido ao desvio de verbas e recursos públicos e também impacta os princípios das políticas públicas por ser um conjunto de ações voltadas a todos os cidadãos;
• Tendência de o estado ter maiores gastos com o fornecimento de medicamentos em decorrência de sentenças judiciais a situações individuais em comparação com o fornecimento de remédios distribuídos para a coletividade.
Quando o direito de um indivíduo é mais importante que o de outro ou até
mesmo do que o da coletividade?
• Em programas de atendimentos integral em que quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos, frequentemente o Governo retira o fármaco do programa, que gera: – Compromete a eficiência administrativa no
atendimento ao cidadão; – Dificulta o planejamento administrativo para a
demanda.
.
Minas Gerais 2011 Custo do processo
O custo médio estimado por processo é de R$9500,00
• (Condenação mínima em honorários advocatícios)+(perícia)+(multa cominatória – média de atraso de 15 dias e o valor padrão de multa diária fixado judicialmente)
• Exclui-se do cálculo a remuneração dos servidores, transporte , despesas administrativas como fotocópias, além da condenação principal (medicamentos, tratamentos e internações).
Fonte: MEDRATO, 2013
Minas Gerais 2011 Custo do processo
Atentando para o percentual de sucumbência do Estado em tais ações, que em regra corresponde a 85% do total de ações ajuizadas, a projeção de gastos em um ano com processos
judiciais chega a R$38.760.000,00.
85%
15%
Ações ajuizadas no Estado
Com sucesso
Sem sucesso
Fonte: MEDRATO, 2013
Minas Gerais 2011 Custo do processo
Muitas vezes, segundo informações junto a servidores da Procuradoria de Obrigações da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, todo esse valor é gasto para uma ação em que o pedido é um
medicamento cujo custo não passa de R$30,00.
R$ 9.500,00 Valor médio só pela aprovação da ação
Muitas vezes os medicamentos apresentam um custo de até R$30,00
Fonte: MEDRATO, 2013
Visão do profissional de Saúde
• A partir de pesquisas realizadas com profissionais de saúde tem –se que:
• Apesar do mandato judicial proporcionar início à assistência ao paciente que mediante as dificuldade para ter suas necessidades atendidas recorreram ao judiciário, destacam a injustiça que emerge desta ação do judiciário, uma vez que pessoas deixam de ser atendidas em função da prioridade obrigatória de atendimento dos pacientes via mandado judicial.
Fonte: RAMOS, 2014
Alguns dados:
• O gasto do Ministério da Saúde com medicamentos cuja provisão foi determinada por ordem judicial subiu 5.000%.
• Os dado apontam então: 1. existem cada vez mais ações contra o sistema público de saúde
pedindo tratamentos médicos; 2. O impacto do Judiciário no orçamento público de saúde está longe de
ser insignificante.
Fonte: WANG et al., 2012
4,4
135,5
0
50
100
150
2005 2010
Gastos com medicamentos por determinação judicial
Gastos commedicamentos emmilhões
Conclusão
• Necessidade de avanço nos campos de divulgação dos critérios das escolhas, tanto do Legislativo quanto do Executivo.
- Para isso, é fundamental que se amplie a participação dos cidadãos.
• A saúde é um direito garantido constitucionalmente, mas o caminho para sua efetividade não pode ser definido pela via judicial.
- Aprimorar a distribuição de medicamentos pela via administrativa.
• Necessidade de atualização das listas de medicamentos do SUS com maior frequência;
• É fundamental que o Poder Judiciário possua um necessário apoio técnico que lhe permita analisar cada caso;
• Cada ente precisa passar a ser responsabilizado conforme a política padronizada do SUS.
• Enfim, combater os excessos da Judicialização da saúde e aprimorar a qualidade das políticas e dos gastos públicos devem ser prioridades de todos os governos.
Referências
• MEDRADO, Raquel Guedes et al. SOS SUS: Muita Justiça, Pouca Gestão? Estudo sobre a Judicialização da Saúde. Enanpad: XXVII Econtro do ANPAD, Rio de Janeiro, p.1-16, 2013. Disponível em:< http://docplayer.com.br/12019009-Sos-sus-muita-justica-pouca-gestao-estudo-sobre-a-judicializacao-da-saude.html >.Acesso em 05 out. 2016.
• RAMOS, R. S.; GOMES, A. M. T. A judicialização da saúde pública no Brasil: um estudo de representações sociais. Cuidarte, Udes, v. 5, n. 2, p.827-826, 2014. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v5i2.124>. Acesso em: 07 out. 2016.
Referências
• VICTORA, C. G. et al. Condições de saúde e inovações nas políticas de saúde no Brasil: o caminho a percorrer. The Lancet, Brasil, n. 6, p.90-100, 2011. Disponível em: <http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-574.pdf>. Acesso em: 03 out. 2016.
• WANG, D. W. L. et al. Impactos da judicialização da saúde no orçamento público: o caso do município de São Paulo. ABrES: Associação Brasileira de economia da saúde, Brasília, p.1-14, 2012. Disponível em: <http://abresbrasil.org.br/trabalhos/impactos-da-judicializacao-da-saude-no-orcamento-publico-o-caso-do-municipio-de-sao-paulo>. Acesso em: 07 out. 2016.