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A INFÂNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR DA PROVÍNCIA DE ALAGOAS:
UMA ANÁLISE SOCIAL DO PERFIL DOS ALUNOS DE PRIMEIRAS LETRAS
NAS ALAGOAS OITOCENTISTA – 1835 A 1850
Andreza Mayara Lins de Oliveira1
Mestranda em História Social – UFAL
Desde meados da década de 1970, pesquisas e estudos relacionados à infância e à
educação vem aumentando gradativamente na Academia. No Brasil, observa-se um
aumento nos estudos voltados para a infância e temáticas que abordem este conteúdo, tais
como Élia Barbosa Andrade, José Gonçalves Gondra, Alessandra Schueler. A partir da
Independência, em 1822, veem-se alguns debates sobre a criação de um sistema
educacional voltado para os cidadãos brasileiros, assim como mostra nas pesquisas de
Sebastião Rodrigues Gonçalves e Maria Luiza Marcílio. O presente trabalho busca
mapear alguns aspectos do processo educacional brasileiro, a partir dos educandos
matriculados nas Aulas de Primeiras Letras das Província de Alagoas, no período
compreendido entre 1835 a 1850. A metodologia utilizada será transformar em texto
corrido os dados colhidos no fundo de educação do Arquivo Público de Alagoas - APA.
Como trata-se de uma pesquisa em andamento, levaremos os resultados parciais obtidos,
como a quantidade de alunos, professores e Cadeiras de Primeiras Letras que a província
de Alagoas possuía no período estudado, que vai de 1835 a 1850. Além de otimizar um
estudo historiográfico baseado em fontes primárias, disponíveis no APA.
PALAVRAS-CHAVE: ALAGOAS, INFÂNCIA, IMPÉRIO.
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo inserir Alagoas nos debates sobre o
sistema educacional brasileiro no período imperial, que vai de 1835 a 1850 e verificar por
meio das fontes documentais, que se tratam dos mapas escolares, provas de concursos
públicos para professores, relatórios da Inspeção Geral de Ensino, as atas da Câmara da
Província de Alagoas2 e relatórios dos presidentes de Província. Tendo como pretensão a
contribuição para a historiografia local e regional, já que a temática é estudada apenas no
curso de pedagogia e na pós-graduação do mesmo curso.
Debates relacionados à infância vêm ganhando notoriedade na Academia desde a
publicação da obra “História Social da Criança e da Família”, de Philippe Ariès, em 1960.
1 Aluna da Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal de Alagoas. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas. 2 Esta documentação encontra-se no Arquivo Público de Alagoas.
Traçado em linhas tênues, o autor mostra como o conceito de infância passa a ser adotado
a partir dos séculos finais da Idade Média e início da Idade Moderna.
Até meados do século XIII, não havia distinção entre as fases evolutivas do ser
humano, principalmente ideias que remetem à infância. A criança não era vista como um
sujeito social e/ou histórico. Assim que abandonavam as fraldas, as crianças eram
“vestidas como outros homens e mulheres de sua condição social” (ARIÈS, 1978, p. 38).
Foi, somente no século XVII que a ciência passou a ver e a conceber a infância como
parte importante da evolução do homem.
Movimentos como o Renascimento e o Humanismo foram de fundamental
importância para a concepção de infância adotada na Idade Moderna. O primeiro
movimento que atingiu a sociedade, dando novas ideias e conceitos para a arte, ciências
e educação foi o Renascimento. Que teve como princípio o progresso para a filosofia e
ciência, passa a ter como essência principal o indivíduo, baseando-se no método adotado
pelos gregos como o da experimentação e observação dos eventos proporcionados pela
natureza.
Foi através de um estudo icnográfico, que Ariès percebeu a mudança no
sentimento da sociedade sobre a criança. Entre os séculos XII e XV, há mudanças bruscas
na sociedade e, essas mudanças, acarretam grandes transformações dentro do seio
familiar. Porém, é só a partir do século XVI, que a criança passa a ser reconhecida como
indivíduo e cria-se sentimentos voltados para elas,
“O primeiro sentimento da infância é caracterizado pela “paparicação”,
surgindo no meio familiar, na companhia de criancinhas pequenas. O
segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior, à família, dos
eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, preocupados
com a disciplina e a racionalidade dos costumes”. (ARIÈS, 1978, p. 40)
Até então, a criança era vista como um mini adulto, aprendendo com os mais
velhos como se devia portar e comportar. Há casos em que a adolescência é confundida
com a infância, pois as duas palavras tinham sentidos ambíguos. A partir do século XIV
as mudanças sobre percepção da infância passam a ser cada vez mais presentes nos
retratos de família. Tendo assim, a idade dos brinquedos, da escola – para os meninos e
para as meninas, a de fiar -, do amor, da guerra e da cavalaria. Ariès indaga que, “as idades
da vida não correspondiam apenas a etapas biológicas, mas a funções sociais; sabemos
que havia homens da lei muito jovens, mas, consoante a imagem popular, o estudo era
uma ocupação de pessoas com a idade mais avançada.
Durante o período de ascensão da burguesia, a palavra “infância” passa a
ter um sentido moderno. Quando a criança já não era mais tão dependente dos adultos, já
estavam aptas a seguir a educação formal. Era costume as famílias enviarem seus filhos
para casas de parentes ou amigos, para que estes transmitissem-lhe seus conhecimentos e
experiências. Assim como seus valores, religião e costumes também eram passados. Era
através da aprendizagem que essas crianças percebiam o mundo e a sociedade na qual
estava inserida.
No que se refere ao contexto da educação infanto-juvenil no Brasil Colonial, esse
papel está diretamente ligado à Compainha de Jesus3. Fundada em 1534 Por Inácio
Loyola, no período da Contrarreforma4, foi reconhecido por meio da Bula Papal em 1540.
Espalhou-se rapidamente por Portugal, Espanha e França adquirindo uma certa influência
no meio social da época. No ano de 1549, os primeiros padres jesuítas chegavam à
Colônia juntamente com o primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Sousa.
O grupo formado pela Compainha de Jesus tinha como representantes quatro
padres jesuítas. Sua missão fora “[...] conferida pelo rei de converter os gentios [...]”
(SAVIANNI, 2008, p. 25), ainda [...] “porque a principal coisa que me moveu a mandar
povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse a nossa santa fé
católica possam ser doutrinadas e ensinados nas coisas de nossa santa fé” (Idem, p. 25).
3 Após a sua fundação, a Compainha de Jesus passa a ensinar os jovens dentro de regras estritas e a afirmar
o papel dos sacerdotes entre os fiéis. Em curto período de tempo, os jesuítas já haviam se disseminado pela
Europa. 4 A Contrarreforma foi um movimento de reação à Reforma protestante na Europa do século XVI, quando
passou a surgir novas formas de doutrinas cristãs. A Contrarreforma foi liderada pela Igreja Católica após
perder o poder religioso e político de reinos, a exemplo da Alemanha e Inglaterra. No intuito de frear dos
reformadores, a igreja passou a persegui-los sobretudo em territórios onde a Igreja estava presente, como é
o caso dos territórios da França, Espanha e Portugal.Tendo como uma das medidas a Criação da Compainha
de Jesus, que tinha como objetivo o aprimoramento da formação do clero e a ampliação do número de fiéis.
Assim, os jesuítas, de início, criaram algumas escolas e no século XVII passam a instituir
colégios nas mais variadas regiões da Colônia.
1.1.O ensino jesuítico no Brasil
A partir da chegada da Compainha de Jesus no Brasil, têm-se o início da educação
formal na Colônia, sendo o público alvo destes padres os povos que habitavam naquele
território. É através da catequese que esses índios eram educados seguindo um caráter
pedagógico, “(...) uma vez que os jesuítas consideravam que a primeira alternativa de
conversão era o convencimento que implicava práticas pedagógicas institucionais (as
escolas) e não institucionais” (Idem, p. 31). Assim, para a prática de ensino para esses
povos, considerados com uma cultura primitiva para os portugueses, passa a ser voltada
para o ensino das Leis Sagradas, convertendo-os ao cristianismo como forma de salvar as
almas dos indivíduos que habitavam no Brasil.
Manuel de Nóbrega foi um padre jesuíta que instaurou o primeiro plano de instrução
brasileiro, baseado no Regimento de D. João III, onde continha as diretrizes educacionais
que deveriam ser implantadas e seguidas na Colônia, que se consistia em ensinar o
português para os índios, ensinar a fé cristão para esses índios e instaurar escolas de ler e
escrever nas capitanias. O principal alvo dos jesuítas eram as crianças. Seus objetivos em
atingir os gentios se consistia em catequiza-los para que no futuro, não deixassem de
seguir a fé cristã. Desenvolveram técnicas de ensino através do canto e da música para
cristianizar esses pequenos seres. As ideias propagadas para o ensino e as práticas
adotadas pelos jesuítas na Colônia Portuguesa tinham base na maneira como os mesmos
lecionavam na Europa:
“(...) as ideias pedagógicas dos jesuítas no período colonial foram
consideradas não como meras derivações da concepção religiosa
católica de mundo, sociedade e educação, mas na forma como se
articularam as práticas educativas dos jesuítas nas condições de um
Brasil que se incorporava ao império português. (...) os jesuítas
tiveram que ajustar seus ideais educacionais, modificando-as
segundo as exigências dessas condições”. (Idem, p. 07)
Porém, as práticas educacionais que os jesuítas estavam acostumados a adotar no
território Europeu, sofreram mudanças ao se depararem com comunidades que viviam de
maneira oposta aos europeus, com práticas e costumes distintos, inclusive no que se diz
a respeito das práticas religiosas. Segundo a historiadora Mary del Priore, os povos
indígenas deveriam “ser ordenados e adestrados para receber a semeadura da palavra de
Deus” (1992, p. 10). O intuito da Compainha de Jesus não passa ser apenas educativo,
mas toma-se o desígnio de “salvar as almas desse povo”, que até então, viviam sem leis,
sem a religião cristã e em pecado.
O modelo de ensino adotado pelos jesuítas tinha o caráter lusitano, onde expressava
os valores e discursos portugueses e foram aplicados no Brasil. A ação pedagógica desses
padres variava de acordo com a localidade em que estavam inseridos, assim como as
abordagens, que poderiam ser com a utilização de pregações, ensino de orações, cantos,
ofícios, alfabetização e o ensino formal de latim (VEIGA, 2007, p. 21). Assim, os jesuítas
passaram a criar seminários e colégios5 no vasto território brasileiro, muitas vezes
entrando em conflito com portugueses que ali viviam, no intuito de “preservar e cuidar”
dos gentios. Esse cuidado era advindo da catequeze, que tinha um caráter pedagógico,
visto que para o entendimento dos jesuítas, a conversão se daria primeiro pelo
convencimento e não pela imposição. Infelizmente, não foi o que ocorreu na maior parte
da conversão indígena.
A primeira fase da educação jesuítica foi marcada pelo plano de
instrução elaborado por Nóbrega. O plano iniciava-se com o
aprendizado do português (para os indígenas); prosseguia com a
doutrina cristã, a escola de ler e escrever e, opcionalmente, canto
orfeônico e música; culminava, de um lado com o aprendizado
profissional e agrícola e, de outro lado, com a gramática latina para
aqueles que se destinavam à realização de estudos superiores na
Europa (Universidade de Coimbra). [...] contudo sua aplicação foi
precária, tendo cedo encontrado oposição no interior da própria
Ordem jesuítica, sendo finalmente suplantado pelo geral de estudos
organizado pela Compainha de Jesus e consubstanciado no Ratio
Studiorum. (SAVIANNI, 2008, p. 48)
Segundo o historiador Roger Chartier, os clérigos e eclesiásticos monopolizavam
a “produção ou monopolização do conhecimento” (2009, p. 127), tanto na Europa quanto
nas terras Além-Mar. Enquanto a Europa vivia o período da Reforma e da
Contrarreforma, na América o que se tinha eram “soldados” de Cristo, onde, muitas vezes,
5 Foram fundados colégios na Bahia, São Vicente e Espírito Santo.
esses padres jesuítas utilizavam as “armas do espírito” para converter os índios à fé
católica, tornando-se um dos fatores mais eficazes da Contrarreforma Católica.
Portanto, podemos concluir que o projeto de catequização indígena foi
desenvolvido conforme a aceitação dos índios. Algumas vezes, desertavam as aldeias,
noutras, eram atacados. Os colégios e as casas de ensino passaram a ser comandados
como um comércio, onde era necessário ter um poder aquisitivo para mantê-los, para isto,
os padres jesuítas mantinham fazendas e possuíam escravos – já que a aceitavam no
contexto da colônia. Segundo Savianni, os padres “[...] irão ter seu próprio teórico e
assumir a tarefa de aconselhar os senhores exortando-os a agirem como cristãos [...]”
(2008, p. 67).
1.2 Das Reformas Pombalinas ao Ensino de Primeiras Letras na Província de
Alagoas
Sabe-se que os jesuítas foram os maiores responsáveis pelas conversões e
catequeze dos povos indígenas. Neste meio tempo – entre chegada dos primeiros padres
e sua expulsão em 1759, foi construído um enorme patrimônio em bens materiais. Esses,
possuíam fazendas, engenhos e escravos e administravam esses locais com bastante
precisão, principalmente por ser um meio de sobrevivência.
Por meio de um alvará6 datado de 28 de junho de 1759, “(...) determinou-se o
fechamento dos colégios jesuítas introduzindo-se as aulas régias a serem mantidas pela
Coroa”7. Esta medida foi determinada pelo Marquês de Pombal no intuito de substituir
do absolutismo pelo liberalismo, devido as influencias ideológicas, principalmente vindas
do Iluminismo, em laicizar o ensino português, que até então, era praticamente
comandado pela Igreja. Também, acredito eu, que um dos principais fatores para a
formação deste alvará seja passar o controle da educação para o Estado, no intuito de
controlar, também, o meio acadêmico (SAVIANNI, 2008, p. 82).
Neste alvará, pode-se perceber a preocupação com o ensino dos estudos menores
– o que corresponde ao ensino primário e secundário. Para o ensino primário, foram
criadas as “Aulas Régias de Primeiras Letras”, compondo o elemento inicial dos estudos
menores que até então não haviam muitos locais para o estudo na Colônia. Somente no
ano de 1772, é que a instrução primária passará a ser regulada na segunda fase da reforma.
Para o D. José I, o método de ensino utilizado pelos jesuítas é,
“(...) taxado de “escuro e fastidioso”; pois, após ‘oito, nove e
mais anos’ perdidos nas ‘miudezas da Gramática’ e ‘destituídos
das verdadeiras noções das línguas latina e grega’, não era
possível falar e escrever nessas línguas ‘com a mesma facilidade
e pureza que se tem feito familiares a todas as outras nações da
Europa que aboliram aquele pernicioso método’”. (Idem, p. 83)
Assim, o presente alvará exclui todas as classes e escolas dirigidas pela
Compainha de Jesus, tanto em Portugal quanto no Brasil e nas demais colônias
portuguesas, havendo uma reforma no ensino português. Neste Alvará há disposições ao
diretor de estudos, aos professores de gramática latina – inclusive a abertura de uma classe
gratuita desta disciplina e ampliação das já existentes, aos professores de grego e retórica,
complementando o alvará com “instruções para os professores de Gramática Latina,
Grega, Hebraica e Retórica”. Este novo método de ensino e divisão das disciplinas deveria
ser prático e simples, podendo possibilitar ao aluno uma maneira rápida de se aprender o
conteúdo e a um método dinâmico do professor lecionar. Para isso, o uso de algumas
obras foi proibido e adotaram-se novos compêndios, “como o Novo Método da gramática
latina reduzido a compêndio, do padre oratoriano Antônio Pereira, e a Arte da Gramática
latina, no professor português Antônio Félix Mendes” (VEIGA, 2007, p. 135). Os
professores que não adotassem as direções do alvará, seriam suspensos e poderiam chegar
a perder o cargo.
No Brasil, houve um concurso para professores régios no dia 20 de maro de 1760
e no mesmo ano, há concursos no Rio de Janeiro. Segundo a pesquisadora Tereza
Cardoso, no ano de 1765 nenhum professor havia sido nomeado (CARDOSO, 1999, p.
78). Em 1768 há a criação da Real Mesa Censória8, tendo como diretor-geral Dom Tomas
de Almeida. A reforma dos estudos menores fracassou por diversos motivos, entre eles a
8 Criada em 05 de abril de 1768, tinha o objetivo de transferir para a responsabilidade do Estado Português
as obras que o Reino pretendesse fazer. Até então, estava na incumbência do Tribunal do Santo Ofício, do
Ordinário e do Desembargo esta tarefa. Seu primeiro presidente chamava-se D. João Cosme da Cunha – na
época, arcebispo da cidade de Évora. No ano de 1787, foi reformada por D. Maria I, e passou a chamar-se
“Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros”, tendo seu funcionamento até 1794.
falta de aulas de retórica, o número de professores era insuficiente para abarcar a
quantidade de aulas que deveriam ser dadas em Portugal, falta de material escolar –
inclusive de livros didáticos, atraso dos honorários ou a falta de pagamento dos mesmos,
entre outros. No ano de 1771, a Diretoria-Geral dos Estudos foi extinta.
No ano de 1772, há o início da segunda fase da reforma pombalina e sua
principal preocupação era os estudos denominados “maiores”9. Em 06 de novembro de
1772 há um perâmbulo da Lei, onde o Rei estende os benefícios da educação para “o
maior número de povos e de habitantes deles que a possibilidade pudesse permitir”. Para
isto acontecer, o rei manda convocar e a realizar seleções para a contratação de mestres,
que se passarem, tem como obrigação enviar uma lista contendo “a relação10 dos
discípulos dando conta de seu aproveitamento nos estudos para que a Mesa Censória
possa emitir certidões”. Para as escolas de Primeiras Letras, os alunos não aprenderiam
somente a ler, escrever e contar, mas também teriam aulas de ortografia portuguesa,
aritmética – as quatro operações, regras de civilidade e catecismo. Para o ensino feminino,
seria empregada a disciplina de prendas domésticas.
Após a morte de D. José I, no ano de 1777, sua filha, Dona Maria I assume o trono
português e em uma de suas ordens – apoiadas pelos opositores do ministro, manda
demitir o Marquês de Pombal do cargo de ministro, além de revogar algumas das medidas
adotadas por ele, como a criação das Compainhas de Comércio. No entanto, a política de
centralização do poder de arrecadação de impostos continuou em vigor. Durante o período
em que reinou Portugal e suas colônias, criou-se um afastamento entre Portugal e os
países europeus. Porém, as reformas no campo educacional ocorreram tranquilamente,
inclusive com as implantações das aulas régias e a expansão das aulas de Primeiras Letras.
Após a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, algumas medidas voltadas
para a educação foram tomadas, porém, é a partir da Independência que o ensino público
brasileiro passa a tomar proporções maiores. Por meio da Carta Magna de 1824, item 32
artigo 179, a educação primária tornou-se gratuita a todos os cidadãos brasileiros11, sendo
9 Atualmente os Estudos Maiores equivalem ao nível superior. 10 Esta relação é, mais tarde, conhecida como Mapas Escolares e atualmente, diário escolar. 11 Vale frisar que o escravo não tinha esse direito garantido, e quem eram esses cidadãos? Segundo a
Constituição de 1824, sem eu artigo 6º, foi determinado o seguinte: “[...] eles nascidos no Brasil, quer sejam
três anos mais tarde, complementados pelo Decreto-Lei de 15/10/1827, o qual estabeleceu
que devesse ser oferecido o ensino de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares
mais populosos do país. Até o ano de 1834, a instrução pública ainda sofria influenciada
Reforma Pombalina.
“No conjunto das variáveis políticas que integravam a complexa
estrutura de manutenção do império brasileiro, foi central o
problema da “associação política de todos os cidadãos”. Daí a
elaboração da proposta de educação estatal. Em que pese ao
enunciado que igualava a todos na condição genérica de “cidadãos”,
havia uma clara distinção entre as elites político-econômicas e as
classes populares. Uma das únicas propostas para o restante da
população brasileira era a educação, instrumento de elaboração de
uma identidade que integrasse a todos num ideário comum de
pertencimento nacional”. (VEIGA, 2007, p. 147)
Partindo para os questionamentos relacionados à educação na Província, é neste
período conturbado que existe passos lentos, o ensino público em Alagoas. Não encontrei
no Arquivo Público do Estado de Alagoas, mapas escolares que antecedessem ao ano de
1834, porém, pude constatar que no ano de 1830 - um ano antes da abdicação de D. Pedro
I, já haviam alunos matriculados nas aulas de primeiras letras de Penedo, em 1831 na
Cidade das Alagoas12, Porto da Folha13, São Bráz14, Vila do Poxim15 e em 1832 em
Maceió16. Estas informações estão presentes nos Mapas Escolares, na parte de
“Entradas”, neste item, encontra-se o ano que o aluno passou a frequentar as aulas. Alguns
mapas escolares são mais específicos e colocam as datas completas – com dia, mês e ano.
ingênuos ou libertos; os filhos de pais brasileiros e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos no estrangeiro,
mas com domicílio fixo no Brasil; os filhos de pai brasileiro, nascidos em outro país e sem domicílio no
Brasil; todos os nascidos em Portugal e em seus domínios, moradores do Brasil na época da Independencia
e com interesse em permanecer no país; e os estrangeiros naturalizados”. VEIGA, Cynthia Greive. História
da Educação. São Paulo: Editora Ática, 2007. P. 148. 12 Mapa Escolar da Cadeira de Primeiras Letras Feminina da Cidade das Alagoas, que tinha como professora
Maria de Jesus. O presente mapa escolar encontra-se em péssimo estado de conservação e incompleto. Cx.
03. 13 Mapa Escolar da Cadeira de Primeiras Letras Masculina da Vila de Porto da Folha, que tinha como
professor José Demétrio Tavares. Cx. 07. 14 Mapa Escolar da Cadeira de Primeiras Letras Masculina da Povoação de São Bráz, que tinha como
professor Manoel Gratuliano da Costa. Cx. 03 15 Mapa Escolar da Cadeira de Primeiras Letras Masculina da Vila do Poxim. Devido ao estado de
conservação crítico, não pude identificar o nome do professor. Cx. 07 16 16 Mapa Escolar da Cadeira de Primeiras Letras Feminina de Maceió. O presente mapa encontra-se
incompleto, não pude identificar o nome da professora. Cx. 07
No discurso do presidente da Província de Alagoas Machado de Oliveira, em
1835, há poucos recursos para a manutenção das mesmas. Assim como o insucesso do
método Lancaster em várias cadeiras de primeiras letras17, passando a adotar o método
individual. Fica a cargo das Câmaras Municipais a inspeção e a fiscalização do ensino
público, criando comissões anuais e o cargo de Inspetor Escolar18, que na época, não era
um cargo remunerado. Inclusive, há o pedido para se criar escolas de primeiras letras em
alguns municípios19. A todo momento, há na construção do discurso deste presidente o
contexto social no qual Alagoas estava inserida e a falta de recursos financeiros para a
implantação das escolas e o cuidado com a “mocidade20” da região. A partir da década de
1840, a instrução pública passa a ser um dos instrumentos de manutenção da
hierarquização social, já que, para dar continuidade ao ensino superior o aluno necessitara
de auxílio financeiro e essa não era a realidade da maior parte da população alagoana.
Em 1842 havia em Alagoas 41 cadeiras de primeiras letras21 para o sexo
masculino, totalizando 1405 alunos, sendo que duas aulas estavam sem professor por
“falta de quem as deseje”. Ainda informa na presente carta, que a aula da capital está sem
professor já a algum tempo e que infelizmente não pôde encontrar alguém apto para
assumir tal cargo. Inclusive, pretende “(...) elevar o ordenado a seiscentos mil réis, além
de casa e utensílios” (MARCÍLIO, 2016, P. 17). Já para as cadeiras de primeiras letras do
sexo feminino, há quinze cadeiras, das quais “estão providas vitaliciamente seis,
interinamente três e vagas seis22”, totalizando duzentos e cinquenta e seis alunas. Já para
17 A fala do Presidente Machado de Oliveira é a seguinte: “(...) o Ensino mútuo pode ser procrastinado para
um melhor futuro, e neste caso, senhores, é indispensável que apliqueis todos os meios possíveis para dar
incremento ao Método individual.” Fala do presidente de Província, em 1835. Disponível em:
http://www.luiznogueira.com.br/fallas%20provinciaes/1835Machado%20dOliveira%20marco.pdf 18 No relatório da terceira sessão ordinária da Assembleia Legislativa da província de Alagoas, de 1837, o
presidente Rodrigo de Sousa da Silva Pontes, comenta que a Lei Provincial de 09 de março de 1836 foi
posta em execução. Nomeou professores de primeiras letras, assim como alguns nomes – estes não foram
citados no documento, e inspetores escolares – segundo a determinação do art. 12 e 13. 19 Na carta, não há especificações para quais municípios seriam criados as cadeiras de primeiras letras. 20 Na fala do presidente Manoel Felizardo de Souza e Mello, em 04 de fevereiro de 1842, o mesmo indaga
sobre a “missão de estabelecer nos corações de nossa juventude princípios sãos de moral e religião”.
Relatório do Presidente de Província de Alagoas, 1842, p. 16. 21 Dados extraídos do relatório do Presidente de Província, 1844, p. 15. Disponível em:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/7/000015.html
o ensino particular, há doze aulas para os meninos e sete para as meninas, dando um total
de trezentos e vinte oito alunos que frequentam as aulas.
No ano de 1854, a Província de Alagoas possuía setenta e duas23 aulas de primeiras
letras espalhadas por seu território. Sendo quarenta e seis destinadas ao sexo masculino,
vinte e quatro para o sexo feminino e duas estavam suspensas, pois havia falta de
professores para assumi-las, possuindo mais de dois mil alunos frequentes. A escola com
menor quantidade de alunos do sexo masculino estava situada na Comarca de Porto
Calvo, na povoação de Gamela, com 07 alunos e tinha como professor Manoel Jorge de
Medeiros e a com maior número de alunos matriculados, pertencia a Cidade das Alagoas,
contendo 137, tendo como professor, José Francisco. Já para o ensino feminino, a aula
com menor número de alunos também estava situada na Comarca de Porto Calvo,
possuindo apenas 13 alunas e tinha como professora Carolina Perpetua Costa Bandeira;
a aula que possuía mais alunas frequentes estava situada na cidade de Maceió e possuía
132, tendo como professora Maria Carolina da Conceição Soares.
A partir destes dados, pude chegar à conclusão que o ensino primário
alagoano sofreu diversas mudanças aos longos dos vinte anos estudados. Porém, o que se
pode notar ao analisar as cartas dos presidentes de Província e relatórios dos Inspetores
Gerais é a falta de estrutura física das escolas, juntamente com o despreparo dos
professores de primeiras letras, muitas vezes ocasionados pela ausência de escolas
normais dentro da Província alagoana, que eram locais para a formação dos professores.
Este cenário não acontecia somente na Província alagoana, mas também em Sergipe e
Pernambuco24 o discurso é o mesmo. Também é possível perceber que as escolas que
estavam localizadas longe dos polos comerciais, também sofriam com a falta de
professores e de alunos. A ausência de um método unificado de ensino também afetava
bastante o trabalho dos professores. A maioria dos professores utilizavam o método
individual de ensino em suas aulas e isto foi sinalizado em alguns relatórios dos
presidentes de província. No que se refere aos mestres de primeiras letras, estes, deveriam
23 Dados retirados do relatório de Presidente de Província, 1855 24 Também analisei os relatórios dos presidentes de Província dessas duas localidades e, infelizmente, o
cenário de descaso era o mesmo.
assumir as aulas através de um concurso público. Geralmente, esses professores
advinham de camadas sociais baixas e não eram bem instruídos no método Lancaster, era
utilizado o método individual, inclusive, não havia uma homogeneidade em relação as
práticas escolares no império.
O cenário mudou, o regime político também, porém, algumas práticas continuam
sendo as mesmas e os discursos que eram ditos nos anos do século XIX continuam sendo
perpetuados em 2018, porém, com uma nova roupagem e com novos personagens.
Finalizo este capítulo com o pensamento da historiadora Maria Luiza Marcílio: “Em
educação, governos e imperador criticavam as precárias condições, mas queriam que
estas melhorassem sem custo algum para as finanças públicas” (2016, p. 70).
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