Andréa Gimenez Pós-graduanda em Doenças Pulmonares Intersticiais – UNIFESP - SP.
A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, COMO MEDIDA...
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A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, COMO MEDIDA COERCITIVA, NO
CASO DE ABANDONO AFETIVO PATERNO. THE COMPENSATION FOR MORAL DAMAGE , AS A MEASURE COERCIVE , IN CASE OF
ABANDONMENT PARENTAL AFFECTIVE
Janaina Lopes Antonucci Graduanda do Curso de Direito.
Resumo: O tema a ser exposto refere-se ao Abandono Afetivo Paterno que consiste no ato de
abandonar a prole deixando de prestar assistência psicológica, emocional e moral, que são
fundamentais para o desenvolvimento da criança ou adolescente. Essa situação evidenciada
pela indiferença afetiva trouxe para os tribunais a discussão sobre o dever de indenizar
pecuniariamente pelo ilícito cometido, ou seja, pelo fato do genitor ter sido ausente na
formação dos filhos, caracterizando, portanto, uma conduta dolosa. O presente artigo busca
analisar se o dever de indenizar, quando o abandono afetivo for identificado, pode ser
utilizado de forma coercitiva, objetivando que outros pais não cometam o mesmo ilícito. Para
tanto será exposto os princípios que regem o direito de família, e contemplam crianças e
adolescentes como sujeitos de direito e ainda as consequências da ausência afetiva.
Analisaremos o abandono afetivo e as questões acerca do dano moral, mediante
posicionamento doutrinário e jurisprudencial.
Palavras-chave: Abandono Afetivo, Responsabilidade Civil, Dano Moral, Afetividade.
Abstract: The topic to be exposed refers to abandon Affective Paternal consisting in the act
of abandoning the offspring failing to provide psychological, emotional and moral, which are
fundamental to the development of the child or adolescent. This situation evidenced by
blunting brought to court discussion of the duty to indemnify payment of compensation by the
committed offense, so, because the parent has been absent in the education of children,
featuring thus a willful misconduct. This article seeks to examine whether the duty to
indemnify, when the affective abandonment is identified, it can be used coercion, aiming that
other parents do not commit the same offense. Both will be exposed to the principles
governing family law, and include children and adolescents as subjects of law and also the
consequences of emotional absence. We analyze the emotional abandonment and questions
about the moral damage by doctrinal and jurisprudential position.
Keywords: Affective abandonment, Civil Responsibility, Moral Damage, Affection.
Sumário: Introdução. 1.Princípios Constitucionais aplicados ao direito de família. 1.1
Princípio da dignidade da pessoa humana. 1.2 Princípio da proteção integral. 1.3 Princípio da
solidariedade familiar. 1.4 Princípio da convivência familiar. 1.5 Princípio da paternidade
responsável. 1.6 Princípio da afetividade. 2 O Pode familiar e a Proteção dos filhos. 2.1 Poder
Familiar. 2.2 Da proteção dos filhos. 2.2.1 Guarda. 2.2.2 Direito e dever de visitas. 3.
Abandono Afetivo. 3.1Abandono afetivo paterno. 3.2 Configuração do abandono afetivo. 3.3
Consequências da ausência afetiva que ensejam dano moral. 4. Responsabilidade Civil por
abandono afetivo. 4.1 Reparação Civil por Abandono Afetivo. 4.2 Requisitos da
Responsabilidade Civil no âmbito do abandono afetivo. 4.3 Objetivo da reparação do dano
moral no contexto do abandono afetivo. 5. Análise Jurisprudencial. 6. Projetos de Lei sobre o
tema. Considerações finais. Referencial bibliográfico.
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Introdução
O Abandono Afetivo Paterno consiste no ato de abandonar a prole deixando de prestar
assistência psicológica, emocional e moral. Apesar de todas as mudanças estruturais da
família contemporânea, o papel masculino dentro desta, ainda é muito valorizado e o
abandono afetivo pode trazer várias consequências negativas para a vida da criança ou
adolescente. O impacto de uma ruptura com a figura do pai pode trazer ansiedade e
insegurança e consequentemente dificuldades para a criança ao se relacionar com outras
pessoas.
A partir de uma inovadora decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 2012, a discussão a
cerca do tema se acirrou, trazendo à tona a problemática sobre a utilização do instituto do
dano moral no caso de abandono afetivo paterno. Obviamente não há entendimento pacificado
sobre a matéria, pois são diversas as decisões que continuam sendo proferidas.
Nessa esteira, cumpre nos perguntarmos se a indenização por abandono afetivo paterno
deve ser utilizada como forma de coerção já que se observa que o fato gerador do dano moral
vem a ser a conduta omissiva do genitor para com o infante, violando o direito da
personalidade e o direito à honra.
O ordenamento jurídico brasileiro, em resposta a esse tipo de violação a lei, impõe o dever
de indenizar ao agente causador do dano.
Por isso o estudo do tema tornou-se extremamente importante para a sociedade em geral,
uma vez que dentro desta problemática há o questionamento sobre a liberdade do pai em
oferecer ou não afeto ao filho. Efetivamente as relações familiares pressupõem vínculos
afetivos, porém no campo jurídico essa presunção é relativizada pelo dever de cuidado e de
participação no desenvolvimento da criança, sendo este, portanto, um dever legal.
Neste contexto a indenização por abandono afetivo surge como uma medida preventiva e
pedagógica que fará com que o genitor entenda a importância do convívio com o filho. O
objetivo, portanto, é concentrar esforços de forma a evitar a ocorrência desse dano existencial.
O principal intuito do presente estudo é analisar se a restituição pecuniária pelo abandono
afetivo paterno pode ser utilizada como forma de coerção considerando as peculiaridades
próprias das relações familiares.
No âmbito do método científico, foi escolhido o método de abordagem indutivo em que a
universalização emana de observações de casos da realidade concreta. Quanto ao método de
3
procedimento, o escolhido foi o explicativo que visa justificar a ocorrência do fato, e como
meio de investigação, o método bibliográfico.
1- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO DIREITO DE
FAMÍLIA
1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Esse princípio é basilar na Carta Magna e está expressamente exposto no inciso III, do
Art. 1º da Constituição Federal de 1988, sendo sem dúvida um dos núcleos do atual
ordenamento jurídico.
Ao colocar a dignidade da pessoa humana em um plano superior, a Constituição Federal
indicou que não visa somente o seu respeito, mas também garantir que sejam adotadas
medidas promocionais para que esta dignidade seja efetivamente alcançada.
“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer”
(DIAS, 2010, p. 63). Ainda segundo Dias (2010, p. 63), “o princípio da dignidade humana
não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a
sua ação positiva”.
No que tange à dignidade de crianças e adolescentes, a Constituição Federal de 1988
dispõe:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Da mesma forma, normas infraconstitucionais albergam este princípio a fim de preservar
com absoluta prioridade os direitos dos infantes. Destacam-se a Convenção dos Direitos da
Criança de 1989 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A convenção considera que
para o pleno desenvolvimento da personalidade da criança, esta, além de crescer no seio da
família, deve crescer em um ambiente de felicidade, amor e compreensão. No mesmo sentido
segue o ECA nos seus artigos 3º, 4º, 15 e 18, como forma de resguardar todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana dos menores.
No que se refere ao abandono afetivo, a violação ao principio da dignidade humana é a
tese sustentada por alguns filhos abandonados, que buscam a tutela jurisdicional.
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Madaleno (2006, p. 169), nos ensina:
Nesse sentido entende-se que, o dano à dignidade humana do filho em
estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para
que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes,
mas, principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao
irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do
Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova
configuração familiar.
1.2 Princípio da Proteção Integral
Esse princípio carrega a vontade do legislador em proteger os direitos dos infantes de
forma completa, de sorte que há a determinação expressa constitucional elegendo este como
princípio de primeira linha.
“O princípio do melhor interesse significa que a criança — incluído o adolescente,
segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança — deve ter seus interesses
tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração
quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares,
como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade”(LOBO, 2011, p. 75)
No mesmo contexto, Dias (2010, p.448) afirma:
A Constituição (CF 227) e o ECA acolheram a doutrina da proteção integral.
Modo expresso, crianças e adolescentes foram colocados a salvo de toda
forma de negligência. Transformaram-se em sujeitos de direito e foram
comtemplados com enorme numero de garantias e prerrogativas. Mas
direitos de uns significam obrigações de outros. Por isso a Constituição
enumera quem são os responsáveis a dar efetividade a esse leque de
garantias: a família, a sociedade e o Estado.
Por seu turno, o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece que:
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
As crianças e adolescentes, assegurados pelo Estatuto Da Criança e do Adolescente,
também tem o direito ao respeito, conforme dispõe o art. 17:
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Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a
preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e
crenças, dos espaços e objetos pessoais.
A violação do direito ao respeito demanda à indenização de cunho moral, pois causa
prejuízos de custosa reparação.
Calderón (2013, p. 339), esclarece o tema com foco no abandono afetivo:
É nesse aspecto que adquire relevo a temática do abandono afetivo, pois trata
de questão ínsita à esfera pública, vinculada a ela e sujeita à sua intervenção,
exatamente por envolver os direitos e os deveres perante uma criança ou um
adolescente. Há que se destacar que a possibilidade de uma maior
averiguação estatal dos conflitos de abandono afetivo decorre justamente do
fato de envolver uma criança ou adolescente (restando inviabilizada a sua
discussão nas relações entre adultos). Dito de outro modo, o que legitima a
intervenção na espécie é o fato de tratar de direitos existenciais relativos a
essas pessoas em estado de vulnerabilidade.
Completa Madaleno (2013, p. 100):
Dessa forma seria inconcebível admitir que pudesse qualquer decisão
envolvendo os interesses de crianças e adolescentes fazer tábula rasa do
princípio dos seus melhores interesses, reputando-se inconstitucional a
aplicação circunstancial de qualquer norma ou decisão judicial que
desrespeite os interesses prevalentes da criança e do adolescente
recepcionados pela Carta Federal.
1.3 Princípio da solidariedade familiar
Em se tratando de crianças e adolescentes o artigo 227 da Constituição Federal atribui o
dever de solidariedade primeiramente à família, em seguida à sociedade e logo após, ao
Estado. Da mesma forma o artigo 229 da Carta Magna consagra o princípio da solidariedade
quando impõe aos pais o dever de assistência aos filhos e aos filhos o dever de amparo aos
pais na velhice.
“Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos
vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o
próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a
reciprocidade” (DIAS, 2010, p.66).
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Segundo Madaleno (2013, p. 93), “solidariedade é princípio e oxigênio de todas as
relações familiares afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em
ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se
fizer necessário”.
1.4 Princípio da convivência familiar
Esse princípio deve ser visto como obrigação de conviver diariamente com os filhos,
oferecendo todo afeto necessário ao desenvolvimento saudável da prole, não se descuidando
do dever de sustento material que se dá através dos alimentos.
“O direito à convivência familiar, tutelado pelo princípio e por regras jurídicas
específicas, particularmente no que respeita à criança e ao adolescente, é dirigido à família e a
cada membro dela, além de ao Estado e à sociedade como um todo” (LOBO, 2011, p. 74).
Frisa-se que a convivência familiar é fato social que pode ser claramente comprovado por
inúmeros meios de prova, já que se trata de base essencial da família socioafetiva (LOBO,
2011).
1.5 Princípio da paternidade responsável
O princípio da Paternidade Responsável está tutelado no art. 226, § 7º da Carta Magna, e
está diretamente ligado aos princípios da dignidade da pessoa humana e do planejamento
familiar, conforme dispõe:
Art. 226. [...]
§ 7º. Fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício deste direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
Trata-se de uma decisão a ser tomada pelos pares livremente, porém não podem ferir os
princípios da paternidade responsável e da dignidade da pessoa humana. Visa, dessa forma,
tutelar o desenvolvimento intelectual e físico do infante, chamando atenção para a
responsabilidade dos pais para com os filhos.
Destaca-se a análise de Pereira (2006)
O vínculo da mãe com o filho se inicia com total intimidade e o elo entre pai
e filho é de aceitação, de assunção de uma responsabilidade. O pai recebe e
acolhe o filho como seu. Tal união transcende, então, o laço vital para
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configurar uma aceitação interior do filho. Ao assumir a paternidade, o pai
aceita, sobretudo, a responsabilidade de dirigir e assegurar a vida do filho.
Em outras palavras, a paternidade é uma função exercida e também um
‘serviço’. Por isso não podem ser desprezadas ou ignoradas as situações em
que a função paterna não é atributo exclusivo dos pais biológicos, embora na
maioria das vezes haja coincidência.
A partir deste princípio, não há que se falar em ponderação entre a liberdade do genitor
em exercer ou não seus deveres paternos, pois em caso de eventual conflito, os dispositivos
legais apontam para a prevalência da proteção das necessidades existenciais da criança e do
adolescente (CALDERON, 2013).
Pode-se concluir que o alvo deste princípio é dificultar a formação de núcleos familiares
desestruturados, que não ostentam a capacidade de sustento e manutenção.
1.6 Princípio da afetividade
É imperioso enfatizar que o Princípio da afetividade decorre e edifica a dignidade da
pessoa humana que é um macro princípio.
Embora não expresso no texto constitucional, o afeto vem sendo considerado como
elemento decisivo em vários julgados na área de família.
“O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas
pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência
humana” (MADALENO, 2013, p. 98).
Leciona Lobo (2011, p. 70);
Demarcando seu conceito, é o princípio que fundamenta o direito de família
na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com
primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.
Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e
resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século
XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais.
Preceitua Calderón (2013, p. 240) que:
Os valores acolhidos pelo texto constitucional permitiram perceber a
afetividade implícita em suas disposições, uma vez que muitas delas
visaram, em ultima ratio, tutelar situações subjetivas afetivas tidas como
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merecedoras de reconhecimento e proteção. A partir de 1988, é possível
sustentar o reconhecimento jurídico da afetividade, implicitamente, no tecido
constitucional brasileiro.
Alterações nas regras do Código Civil que tratam da guarda são indicativos da adoção da
afetividade como princípio no direito de família brasileiro, conforme dispõe os arts. 1.583 e
1.584 do Código Civil brasileiro, alterados pela Lei nº 11.698/2008 que inclui o afeto como
critério que deve ser averiguado na definição de quem será o guardião (CALDERON, 2013).
Sobre a diferença entre afetividade e afeto, discorre Lobo (2011, p. 71);
A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como
fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este
faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais
em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou
desafeição entre eles.
A figura do pai contemporâneo consigna um modelo familiar baseado na paternidade
afetiva, sendo ele agora um elemento atuante na formação e educação dos filhos. Atualmente
os pais vêm descobrindo o quanto pode ser gratificante e única a convivência com sua prole,
incluindo-se aí toda forma de amor e atenção como, trocar fraldas, buscá-los na creche ou
escola, esquentar o jantar, ajudar nas lições e colocá-los para dormir. Dessa forma o pai
hodierno tornou-se um grande companheiro na hora das brincadeiras também, percebendo que
esses gestos de carinho transformam-se em grande prazer, trazendo, por sua vez, alento e
confiança aos seus filhos (FRASCARI, 2003).
Madaleno (2013, p.99) citando Groeninga (2006, p. 448) ressalta:
‘O amor é condição para entender o outro e a si, respeitar a dignidade, e
desenvolver uma personalidade saudável’, e certamente nunca será
inteiramente saudável aquele que não pode merecer o afeto de seus pais, ou
de sua família e muito mais grave se não recebeu o afeto de ninguém.
Com efeito, ainda que a afetividade possa variar na sua intensidade, consagrando vínculos
consanguíneos ou somente afetivos, esta deve necessariamente estar presente, pois se trata de
valor supremo nas relações familiares (MADALENO, 2013).
Pondera Diniz (2015, p.40):
Diante das transformações sociais, juristas e juízes passaram a interpretar
extensivamente normas de ordem pública e até mesmo a própria
9
Constituição Federal, dando azo a um fenômeno eficacial no qual há
incidência normativa, geradora de efeitos, privilegiando a pessoa e a
realização, no seio da comunidade familiar, de seus interesses afetivos,
transformando a ordem jurídico-positivo-formal numa ordem jurídica
personalista.
Infere-se, portanto, que o abandono afetivo paterno se tornou um dos pontos relevantes no
atual estudo do direito de família brasileiro, uma vez que este materializa a importância que a
afetividade alcançou. E o reflexo da aceitação jurídica da afetividade é justamente o debate
sobre as consequências de sua ausência nas relações familiares.
Destarte percebe-se, que a afetividade familiar passa pelo cuidado, pelo afeto, e pela
atenção dada pelo pai para o filho, não podendo a inexistência de coabitação, ou a distância
ser utilizada como justificativa para a falta de assistência moral.
2. O PODER FAMILIAR E A PROTEÇÃO DOS FILHOS
2.1 Poder Familiar
Compete aos pais assumirem a proteção da sua prole como dever natural e legal,
objetivando acompanhar e contribuir para a formação da personalidade de seus filhos, bem
como, assegurar seu desenvolvimento físico e intelectual, exercendo a titularidade do poder
familiar de forma conjunta.
A saber, o poder familiar, tem característica de direito protetivo e de ordem pública, uma
vez que impõe aos pais a responsabilidade pela formação integral dos filhos conforme dispõe
o artigo 227 da Constituição Federal (MADALENO, 2013).
Nesse diapasão, Lobo (2011, p. 301) explica: “A convivência dos pais, entre si, não é
requisito para a titularidade do poder familiar, que apenas se suspende ou se perde, por
decisão judicial, nos casos previstos em lei”.
2.2 Da proteção da pessoa dos filhos
O principal interesse dos pais deve ser a proteção dos filhos.
A proteção da pessoa dos filhos contempla o princípio do Melhor interesse da Criança,
que de tão complexo, trata-se de um conceito jurídico indeterminado. Ensina-nos a melhor
doutrina que, considerando a variedade de padrões de comportamento adotados por cada
família, e para permitir que a norma fosse se adequando à mutabilidade das situações da vida,
o legislador deixou de definir o conceito de melhor interesse da criança, para assim seguir a
evolução individual de cada família (Madaleno, 2013).
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2.2.1 Guarda
Historicamente a guarda unilateral foi regra e dada maciçamente às mães, o que dava aos
pais margem para afastarem-se de seus filhos. Fato é que com o advento da Lei 11.698/2008,
que instituiu a guarda compartilhada, passou-se a adotar o modelo de guarda conjunta, que
visa manter os laços que unem os pais à prole e também o direito dos infantes de
relacionarem-se com seus dois pais.
Com efeito, conceitua Lobo (2011, p. 190):
A guarda consiste na atribuição a um dos pais separados ou a ambos dos
encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do filho. Quando é exercida
por um dos pais, diz-se unilateral ou exclusiva; quando por ambos,
compartilhada. Nessas circunstâncias a guarda integra o poder familiar, dele
destacando-se para especificação do exercício.
A opção de guarda compartilhada se mostra como um importante instrumento para a
prevenção do abandono afetivo.
2.2.2 Direito e Dever de Visitas
O direito de visita visa o fortalecimento de vínculos e de afeto e trata-se indubitavelmente
de interesse da criança.
Dispõe o art. 1.589 do Código Civil: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os
filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro
cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
No que se refere à visita, o interesse do filho segundo Lobo (2011, p. 256-257):
[...] é de ordem pública, e deve ser soberanamente apreciado pelo juiz
levando-se em consideração três ordens de fatores: o interesse da criança,
primordialmente; as condições efetivas dos pais, secundariamente, e,
finalmente, o ambiente no qual se encontra inserida a criança. O interesse
maior do filho justifica toda e qualquer modificação ou supressão do direito
sempre que as circunstâncias o exigirem.
Ressalta-se que a doutrina e a jurisprudência entendem ser o direito de visita um dever
passível, inclusive, de execução judicial, com a imposição de multa pecuniária através da
astreintes.
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3. ABANDONO AFETIVO
Entende-se por abandono afetivo a omissão que representa o descumprimento
injustificado do dever de assistência moral e material, educação e guarda por parte de um dos
genitores.
“O “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de
paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito o atraiu para si,
conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas.” (LOBO, 2011,
p. 313).
3.1 Abandono Afetivo Paterno
O abandono afetivo paterno decorre de uma atitude omissiva do pai no que se refere ao
dever de sustento, guarda e educação da sua prole e até mesmo da resistência no
reconhecimento da paternidade.
Entende-se como educação, não só a escolaridade, mas também, todos os outros requisitos
para que o infante se desenvolva, como o lazer, o carinho, amor e a convivência familiar. “A
ausência, o menosprezo, a indiferença, a rejeição do pai ferem a honra, a moral, a imagem e a
psique do filho, privando-o do mínimo necessário para uma vida saudável e harmoniosa.”
(IKEDA, 2009)
Relevante indicativo de que a afetividade do genitor para com sua descendência já vem
sendo tratada como assunto pertinente no direito de família é trecho da obra, Princípio da
Afetividade no Direito de Família, notadamente esclarecedora, de Calderón (2013, p. 213-
214);
No Brasil, quem precursoramente atentou para tal questão foi João Baptista
Vilella que, em estudo publicado em 1979, tratou do tema afetividade a
partir da paternidade, no qual sustentou expressamente que o parentesco não
restava restrito a uma questão meramente biológica, visto que ‘a paternidade
em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural’. Sua tese
partia de uma constatação que poderia ser até conhecida em outras ciências,
mas restava estranha aos juristas até aquele momento: a distinção entre as
figuras de genitor e pai, pois ‘uma coisa, com efeito, é a responsabilidade
pelo ato da coabitação sexual, de que pode resultar a gravidez. Outra, bem
diversa, é a decorrente do estatuto da paternidade’. Essa percepção, que nos
dias de hoje pode parecer singela, foi de grande valia para elucidar as
12
possibilidades jurídicas a partir daquele momento, uma vez que apresentava
um novo caminho diverso do biologismo que imperava altaneiro até então.
Ainda dentro da obra retro citada Calderón (2013, p. 358), cita trecho do voto da Ministra
do STJ, Nancy Andrighi, que trouxe outra distinção de significativa relevância:
Interessante também é a distinção entre cuidado e o amor, que perpassa o
voto e afasta os óbices que muitas vezes eram postos ao reconhecimento da
possibilidade de reparação por abandono afetivo. A repetida frase da
Ministra Nancy Andrighi é esclarecedora: ‘Em suma, amar é faculdade,
cuidar é dever’.
É inegável que o filho tem a necessidade e o direito, e o pai tem o dever de acolher social
e afetivamente seus filhos, de modo que a recusa em colaborar na formação e no
desenvolvimento de seu descendente, ocasiona ilícito civil.
3.2 A Configuração do abandono afetivo
Cumpre ressaltar que a configuração do abandono afetivo exige uma apreciação esmerada
por parte dos operadores de Direito, pois, sem critérios anteriormente convencionados o
resultado dessa nova realidade findaria em abusos nas demandas indenizatórias.
Sabe-se que o vínculo de parentesco dos filhos com os pais constitui-se pela filiação.
Porém não basta a constatação do vínculo de parentesco entre pai e filho para fundamentar o
abandono afetivo. Existe a possibilidade de que após manter relação sexual o casal se separe
(divórcio, dissolução da união estável, término do namoro ou da relação eventual) e no lapso
temporal da gravidez a mãe não procure o futuro pai para lhe comunicar a noticia. Nesse caso,
o laço nunca se efetivou, já que o genitor não teve conhecimento do nascimento do filho.
Mas uma vez informado sobre a existência de dependentes, o pai não pode esquivar-se
nem descumprir os deveres advindos da responsabilidade parental, pois esta conduta sim
configura o abandono afetivo.
Cumpre destacar que o possível choque entre os princípios constitucionais da liberdade e
da solidariedade não respalda o pai abandônico. Ocasional alegação, de ter o genitor liberdade
para exercer ou não seus deveres parentais, não será recepcionada já que certamente os
direitos do menor serão preferencialmente tutelados através dos princípios da paternidade
responsável e da proteção integral da criança. “Ainda que se efetue a análise com base nos
dados da realidade concreta, provavelmente prevalecerá o interesse do menor vulnerável”
(CALDERON, 2013, p.344)
13
3.3 Consequências da ausência afetiva que ensejam dano moral
De fato, o abandono afetivo paterno subsistirá, a depender de fatores como idade,
vulnerabilidade, participação da mãe, ambiente em que se vive, danos de ordem psíquica ou
moral conforme o tamanho da lacuna deixada pela ausência de afeto.
Utilizando-se de estudo interdisciplinar, Bicca (2015, p. 57) discorre:
A criança abandonada pode apresentar deficiência no seu comportamento
social e mental para o resto da vida. A dor da criança que esperava por um
sentimento, ainda que mínimo, de amor ou atenção, pode gerar distúrbios de
comportamento, de relacionamento social, problemas escolares, depressão,
tristeza, baixa autoestima, inclusive problemas de saúde, entre outros
devidamente comprovados por estudos clínicos e psicológicos.
Obviamente as consequências do abandono paterno são diversas e afetam não só a
criança, mas a sociedade como um todo.
Em primeiro lugar, faz-se necessário ponderar sobre a dor da rejeição paterna, que pode
durar anos. Estudos revelam que crianças rejeitadas são mais ansiosas e inseguras, com
tendência a serem agressivas e hostis.
Igualmente, existem pesquisas sobre a relação entre o abandono afetivo e a criminalidade,
o uso de drogas e a violência. Constata-se que a ausência do pai, na maioria dos casos, é um
dos fatores que geram problemas comportamentais, induzindo a criminalidade e ao uso de
drogas.
Em seguida, é importante frisar outra grave consequência do abandono que é o relato de
dor, comparada com a dor de uma agressão física, mas que na verdade é advinda de abuso
emocional. Psiquiatras afirmam que o abuso emocional, como ofensas, humilhações e
hostilidade verbal, é o pior tipo de trauma que uma criança pode passar, pois a dor que tem
origem no coração se estende no tempo.
E finalmente, destaca-se a alteração no desenvolvimento neural da criança em decorrência
de danos celebrais grave, que podem levar a redução da habilidade linguística e mental.
Indubitavelmente a ausência do pai enseja prejuízo ao desenvolvimento de seu filho.
4 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
4.1 Reparação Civil por Abandono Afetivo
A possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo ainda gera muita
discussão, sendo este, um dos temas polêmicos e de difícil consenso no Direito, pois carrega
14
consigo várias implicações subjetivas e objetivas pelo descumprimento do dever de
convivência entre o pai e sua prole.
Tribunais de todo o país vêm decidindo favoravelmente pela possibilidade de
responsabilizar o genitor abandônico, e da mesma forma, grande parte da doutrina se
posiciona positivamente frente ao tema. Como se observa na colocação de Pereira (2006):
Se a convivência, o acompanhamento, enfim, o amor paterno fossem
opcionais, a lei não estabeleceria tais deveres, a serem cumpridos mesmo à
margem do desejo do pai. A resistência ao acolhimento das pretensões
indenizatórias decorrentes da rejeição paterna e do descumprimento do dever
de convivência explica-se, em parte, pelo temor em vir a se instituir uma
‘indústria do dano moral’ e uma monetarização do afeto. Não se trata,
entretanto, de dar preço ao amor, mas de lembrar a esses pais
responsabilidades na formação da personalidade e na garantia da dignidade
dos filhos que geraram.
“Nas situações de abandono afetivo o interesse lesado é claramente extrapatrimonial:
relaciona-se com a dignidade da pessoa humana (envolve a esfera existencial, pessoal da
vitima), podendo gerar tanto efeitos de natureza patrimonial como de natureza não
patrimonial”. (Calderón, 2013, p. 372)
Nessa vereda, Moraes (2003, p.85) explana sobre o princípio da Dignidade Humana, ser
preponderante dentro do sistema jurídico brasileiro:
Havendo conflito entre princípios de igual importância hierárquica, o fiel da
balança, a medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado, já está
determinado, a priori, em favor do princípio, em absoluto da dignidade
humana. Somente os corolários, ou subprincípios em relação ao maior deles,
podem ser relativados, ponderados, estimados. A dignidade, assim como a
justiça, vem à tona no caso concreto, se feita aquela ponderação.
Além da Carta Magna, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente tutelam
irrestritamente, em diversos artigos, os direitos e interesses dos infantes, deixando claro que
reconhecem a vulnerabilidade destes e que visam uma proteção especial no que diz respeito
ao cumprimento do dever de cuidado atribuído aos pais.
Dessa forma a responsabilidade civil surgirá da conduta do pai omissivo consolidada pelo
descumprimento das obrigações advindas do poder familiar, cujos danos derivados dessa
atuação negligente representam uma lesão aos direitos da personalidade do filho.
15
O ilícito acontece quando um indivíduo, por ação ou omissão voluntária, negligência,
imprudência ou imperícia, causa danos a outra pessoa. A obrigação de indenizar pelo dano
causado encontra fulcro no Código Civil de 2002, em seu artigo 927, parágrafo único, que
prevê:
Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem
fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
Sobre o tema, grande parte da Doutrina do Direito Brasileiro, se posiciona de forma a não
restar duvida sobre a possibilidade de reparação dos danos advindos do abandono afetivo,
discorre, por exemplo, Schreiber (2008, p, 174):
O interesse por trás da demanda de abandono afetivo, portanto, não é como
muitas vezes se diz equivocadamente, um interesse construído sobre a
violação de um dever de amar ou de dar afeto, mas um interesse fundado no
dever normativo expresso dos pais educarem e criarem seus filhos. E, nesse
sentido, pode-se concluir pelo seu merecimento de tutela, em abstrato.
Em sua obra Manual do Direito das Famílias, sabiamente Dias (2007, p. 448) se
posiciona:
A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos.
A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade
psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar,
valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano
moral.
Monteiro (2012, p. 428), completa o raciocínio ao fundamentar:
Se os deveres inerentes ao poder familiar são descumpridos com danos aos
filhos, além da suspensão e destituição do poder familiar é perfeitamente
adequada a aplicação dos princípios da Responsabilidade Civil, com a
condenação do genitor na reparação cabível.
Pelo exposto, e considerando o pleno desenvolvimento da criança como requisito mínimo
a ser alcançado, depreende-se que não é a falta de afeto nem o desamor que ensejam a
16
ilicitude capaz de gerar indenização por dano moral, e sim a inquestionável falta de respeito
ao dever de cuidado (Bicca, 2015).
Cumpre ressaltar que as decisões sobre abandono afetivo não visam obrigar o pai a ter
uma convivência afetiva com o seu filho. A indenização tem o intuito de minimizar o trauma
sofrido e o dano à autoestima da criança ou adolescente, de forma a gerar no genitor, que
sempre faltou com os seus deveres de pai perante o seu filho, a consciência que o dever de
cuidado não foi cumprido.
Não obstante ainda há controvérsia sobre o tema, pois alguns fazem uso de frases
midiáticas como “o amor não tem preço” ou “pagar pela falta de amor”, afirmam que é por
demais arbitrário e abusivo que o pai seja penalizado pela falta de amor e por problemas
causados aos filhos por sua conduta. Após constatar a violação de dispositivos expressos na
legislação, nos surpreende que ainda haja qualquer dúvida sobre o dever de reparação. Com
efeito, cumpre esclarecer através da autora Silva (2005):
Não se trata, pois, de ‘dar preço ao amor’ – como defendem os que resistem
ao tema em foco, tampouco de ‘compensar a dor’ propriamente dita. Talvez
o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da
reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e
sinalizando para ele, e outros, que sua conduta deve ser cessada e evitada,
por ser reprovável.
Ademais o que se procura tutelar nesse caso são os deveres inerentes ao poder familiar, e
não sentimentos. Evidente que se existe uma sansão para a conduta ilícita essa deve ser
aplicada, sob o risco de se tornar ineficaz.
Necessário colocar que a compensação financeira por dano extrapatrimonial é inevitável
em nosso ordenamento jurídico, já que é regra prevista legalmente. De fato poderiam outras
formas de reparação evitar esta divergência no que se refere à reparação decorrente das
relações familiares, porém praticamente não foram viabilizadas outras formas de reparação.
Convém salientar, que independentemente do cumprimento da prestação alimentícia,
pode-se configurar o dano moral pela falta de convívio. “Assim, a despeito de restar
configurado prejuízo à esfera patrimonial do menor, pode haver configuração do abandono
moral, em razão do descumprimento por parte do pai do dever de prestar assistência moral ao
filho, prejudicando o desenvolvimento completo e sadio da personalidade do mesmo”
(MACHADO, 2012).
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Em derradeiro, explana Bicca (2015, p.51):
O dano sofrido pelo abandono é quase sempre irreversível e as graves
sequelas que ficam na criança abandonada tendem a lhe acompanhar pelo
resto da vida, sendo assim, o abandono de um filho deve ser considerado
mais que um dano moral simples; pelo contrário, é dano a todo um projeto
de vida, que se esperava fosse ao menos razoável, com a oportunidade de ser
feliz.
Conclui-se, portanto, que o dever de indenizar decorre do descumprimento das obrigações
inerentes ao poder familiar, como a companhia, guarda e direção da educação dos filhos,
sendo a ausência ou recusa paterna em desempenhar essas obrigações ato ilícito.
4.2 Requisitos da Responsabilidade Civil no âmbito do abandono afetivo.
Para boa parte da doutrina, os requisitos subjetivos ensejadores da responsabilidade civil
devem estar presentes de forma muito clara, qual sejam, culpa, nexo causal e dano. Seria
imprescindível a comprovação de que a causa do dano à personalidade do filho tenha sido o
abandono do pai e a falta de convívio familiar.
Sustenta-se que o infante demonstre, minimamente, que houve lesão na esfera
extrapatrimonial, seja uma ofensa à personalidade ou à dignidade, com a comprovação de
patologias, abalos psicológicos e sequelas, demonstrando também que efetivamente não tenha
havido o vínculo paterno, e que a conduta omissiva do pai tenha lhe trazido consequências
objetivas no seu desenvolvimento e formação.
A verificação nesses casos se daria com o exame das circunstâncias do caso concreto,
devendo o magistrado verificar pareceres psicossociais, prova pericial e analisar de forma
interdisciplinar a relação que se estabeleceu ao final.
Porém, a novel doutrina tem acenado para a construção de uma renovada teoria da
responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, uma vez que se procura avançar sobre
as peculiaridades das relações familiares, adotando uma postura que vise tutelar os direitos
dos infantes e, além de repará-los, busque também evitá-los.
A par disso, o atual posicionamento do STJ nos indica que o dano sofrido em decorrência
do abandono afetivo é um dano presumido que sequer necessita de comprovação. É o que
constatamos através do voto da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp
1159242/SP:
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Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é
perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do
recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e
também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento
dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa
eficiente à compensação.
Acerca do dano in re ipsa, Bicca (2015, p. 46) esclarece:
O dano in re ipsa é aquele que, pela própria dimensão do fato, fica
impossível pelo senso comum imaginar que o dano não tenha ocorrido.
Sendo assim, a comprovação dos danos morais decorrentes do
descumprimento dos deveres familiares não é feito da mesma forma que os
danos materiais, pois existe in re ipsa e deriva do próprio fato ofensivo.
Assim, provado o descumprimento, ipso facto, estará demonstrado o dano
por ser presunção natural que decorre inclusive das regras da experiência
comum.
Ainda sobre o dano moral ser reparável e para tanto ser necessária, tão somente, a
comprovação da lesão à esfera pessoal da criança ou adolescente, Lobo (2002), explica sobre
a diferença entre essa lesão ao direito de personalidade e o efeito que esta pode gerar:
De modo mais amplo, os direitos de personalidade oferecem um conjunto de
situações definidas pelo sistema jurídico, inatas à pessoa, cuja lesão faz
incidir diretamente a pretensão aos danos morais, de modo objetivo e
controlável, sem qualquer necessidade de recurso à existência da dor ou do
prejuízo. A responsabilidade opera-se pelo simples fato da violação (damnu
in re ipsa); assim, verificada a lesão a direito da personalidade, surge a
necessidade de reparação do dano moral, não sendo necessária prova do
prejuízo, bastando o nexo de causalidade.
Urge ressaltar que a matéria é obviamente complexa e controvertida, de sorte que haverá,
inevitavelmente, discricionariedade nos casos de abandono afetivo. Muitos são os fatores a
serem considerados, o que nos leva a acreditar que a adoção de critérios rígidos pré-
estabelecidos não seja a melhor solução, já que estes podem trazer mais dificuldades que
avanços, inegável, então, que a indicação de ponderação civil-constitucional devidamente
fundamentada melhor abarcará os interesses envolvidos.
19
4.3 Objetivo da reparação do dano moral no contexto do abandono afetivo
É de suma importância que se entenda que a condenação pelo dano moral por abandono
afetivo, tem o condão não só de reparar o dano sofrido, mas também possui um caráter
dissuasório e preventivo que leva o pai abandônico a refletir sobre a violação do dever de
cuidado.
Reiteradamente foi exposto que a omissão do pai no âmbito da relação paterno-filial traz à
sua prole irrecuperáveis prejuízos de ordem moral e social. A indenização, nestes casos, pode
vir a desempenhar um importante papel pedagógico no âmago dessas relações, e ao considerar
que abandonar ou rejeitar um filho é violar direitos, o acolhimento das pretensões
indenizatórias com certeza terão efeitos inibitórios.
Sobre essa asserção Pereira (2006) destaca:
A preocupação dos magistrados e de outros opositores deveria ser a criação
de mecanismos para reduzir o abandono afetivo, especialmente de filhos
menores. A reparação do dano ganharia, primordialmente, um caráter
punitivo, sancionatório, desestimulando condutas semelhantes e servindo
como alerta.
É claro que a função das decisões positivas a respeito da reparação por dano moral não
tem a pretensão de quantificar o afeto, porém este é o caminho para assegurar direitos como, à
dignidade, a imagem, a honra e outros inerentes a personalidade.
Importante ressaltar que a indenização foi a modalidade escolhida pelo o ordenamento
jurídico brasileiro para coibir e punir atos ilícitos, não cabendo o argumento de que a
indenização não tem como aproximar o pai da sua prole, pois da mesma forma é no caso de
morte decorrente de ato ilícito, a indenização também não vai ressuscitar ninguém, mas esse
será o instituto aplicado.
Em análise última é certo que a intenção da reparação do dano moral no cenário do
abandono afetivo reúne três aspectos distintos. O primeiro aspecto está associado à
compensação do filho abandonado, no sentido de minimizar a dor por ele vivenciada pelo
desdém do genitor. O segundo corresponde à punição do pai que não cumpre com os deveres
oriundos do poder familiar, entre eles o dever de cuidado. O terceiro resulta da função
preventiva da indenização, vez que tem o escopo de desencorajar futuras condutas
irresponsáveis dos genitores.
20
5. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
É imperioso registrar que ainda não existe entendimento pacificado sobre o tema. Diante
das diferentes decisões proferidas, e considerando a complexidade das relações familiares,
provavelmente não se chegue a um lugar comum sobre a questão (CLADERÓN, 2013)
De acordo com Bicca (2015), a primeira decisão favorável sobre a matéria se deu no
Estado do Rio Grande do Sul, na comarca de Capão da Canoa, pelo juiz Mario Romano
Maggioni, que condenou um pai por abandono moral e afetivo da sua filha, a pagar uma
indenização correspondente a duzentos salários mínimos. A decisão transitou em julgado sem
que houvesse interposição de recurso.
Já a primeira condenação em segunda instância, que merece destaque, pois através dela o
tema chegou ao STJ, se deu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferida pelo relator
Desembargador Unias Silva:
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS–RELAÇÃO PATERNO-FILIAL–
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA–PRINCÍPIO DA
AFETIVIDADE
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do
direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser
indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.
A decisão pautou-se no fato de que o genitor deve suprir todas as necessidades de um
filho e teve como principal fundamento o fato de que ser pai não é só dar dinheiro para as
despesas de ordem material de sorte que ele tem o dever de possibilitar o desenvolvimento
humano do filho.
Conforme já citado a decisão chegou ao STJ, em março de 2006, e não foi favorável ao
autor, ainda que defendido com louvor pelo advogado Rodrigo da Cunha Pereira presidente
do IBDFAM, entendeu o relator pela impossibilidade de reparação de danos morais.
A partir daí muitas decisões foram proferidas com base nesse paradigma do STJ, mas
contrariamente a este entendimento, vários juristas e doutrinadores continuaram defendendo a
reparação moral e o dever legal de manter a convivência familiar.
Diante de tamanho desafio que é afastar questões abstratas e estranhas ao Direito, os
tribunais pátrios, atentos às mudanças ocorridas nas relações parentais e nas estruturas
familiares, têm entendido que o cuidado deve se dar objetivamente sendo a inobservância
21
deste o núcleo do fato jurídico capaz de ensejar a reparação por dano moral nos casos de
abandono afetivo.
Com efeito, chegamos a abril de 2012, em um julgamento da Terceira Turma Cível do
STJ, em que brilhantemente a Ministra Nancy Andrighi se posicionou favorável a reparação
por abandono afetivo, destacando o dever de cuidado como valor jurídico a ser tutelado.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.
COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à
responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no
Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento
jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que
manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da
CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida
implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de
omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente
tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de
cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a
possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono
psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno
cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo
mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei,
garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma
adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou,
ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática –
não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é
possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo
Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido.
Analisando toda a decisão, infere-se que esta abarcou o exame de regras e princípios
constitucionais, bem como direitos fundamentais, de personalidade, e também dos institutos
da parte geral de direito civil, direito de família e da responsabilidade civil. O pai abandônico
foi condenado a pagar a importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) porque embora
prestasse assistência material não realizou qualquer contato afetivo com a filha, que por ser
fruto de relação extramatrimonial recebia tratamento diferente ao dispensado à filha oriunda
de outro relacionamento.
22
Felizmente essa mudança de posicionamento do STJ, demonstra que estamos em um
momento de transição, em que o direito de família e a responsabilidade civil estão passando
por releituras e em fase de aceitação, sendo esta postura adotada, vista, desde logo, como
positiva.
Ainda assim, há uma parte da doutrina que não aceita a fundamentação dessas decisões,
pois consideram uma invasão do poder estatal, visto o caráter privado em que se estabelecem
as relações parentais, mas por outro lado existe dispositivo legal que expressamente privilegia
o melhor interesse da criança ou adolescente, de forma que o poder público deve intervir nas
situações de vulnerabilidade.
Com vistas a esse tipo de argumento Madaleno (2013) tece as seguintes considerações:
E, embora possa ser até dito que não há como o judiciário obrigar a amar,
também deve ser considerado que o judiciário não pode se omitir de tentar,
buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que
grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas
configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável
dever que tem os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CF, art 227).
Coadunando com a ideia acima, Bicca (2015) destacou um dos votos da então
desembargadora Maria Berenice Dias:
A falta de uma resposta do Poder Judiciário chancela a postura do pai.
Estamos sendo coautores do crime de abandono. Estamos rasgando o Código
Civil que impõe ao pai o dever não só de sustento, mas também de guarda,
de convívio. Além disso, há flagrante afronta a norma constitucional que
impõe tratamento igualitário entre os filhos. Este é um dos casos mais
chocantes que já vi de confessada omissão da responsabilidade e de
abandono afetivo, e a justiça não pode se omitir.
Diante de tais argumentos, conclui-se que a questão do abandono afetivo é inerente à
esfera pública, merece ser tutelado pelo poder judiciário justamente pelo fato de envolver os
direitos de crianças e adolescentes, estando o tema expressamente vinculado ao Estado e
sujeito a sua intervenção.
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6. PROJETOS DE LEI SOBRE O TEMA
Atualmente tramitam no Congresso Nacional, o PSL nº 470/2013, de autoria da Senadora
Lídice da Mata e Souza (PSB/BA), que institui o Estatuto das Famílias, com ponderações
mais avançadas sobre o Direito de Família, e mais dois projetos de Lei que tratam
especificamente sobre o tema do abandono afetivo, o PL nº4.294/2008, de autoria do
Deputado Federal Carlos Bezerra (PMDB/MT); o PLS nº 700/2007, de autoria do Senador
Marcelo Crivella (PRB/RJ).
No caso do Estatuto a justificação da Senadora sobre o abandono afetivo coaduna com
boa parte da doutrina e jurisprudência acerca do tema:
A absoluta prioridade ao convívio familiar assegurada à crianças e
adolescentes dispõe de respaldo constitucional, consubstanciada no princípio
da paternidade responsável (CF, artigo 227). Ainda que o amor não tenha
preço, é indispensável assegurar o direito a exigir alguma espécie de
reparação quando ocorre abandono afetivo. Cabe ser penalizada a
negligência parental, cuja indenização pode ter natureza patrimonial ou
extrapatrimonial. Para o Direito, o afeto não se traduz apenas como um
sentimento, mas principalmente como dever de cuidado, atenção, educação,
entre outros.
De modo que o Estatuto apresentará novos conceitos e definições, incorporando dois
importantes artigos sobre o abandono afetivo:
Art. 108. Considera-se conduta ilícita o abandono afetivo, assim entendido a
ação ou a omissão que ofenda direito fundamental da criança ou adolescente.
Art. 109. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos estabelecidos em lei
especial de proteção à criança e ao adolescente, prestar-lhes assistência
afetiva, que permita o acompanhamento da formação da pessoa em
desenvolvimento.
Parágrafo único. Compreende-se por assistência afetiva:
I – orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,
educacionais e culturais;
II – solidariedade e apoio nos momentos de necessidade ou dificuldade;
III – cuidado, responsabilização e envolvimento com o filho.
Sobre o PL nº4.294/2008, este está sendo atualmente apreciado, cabe explicitar que ele
também trata do abandono afetivo inverso, que decorre da omissão dos filhos em relação aos
pais idosos, porém iremos nos ater ao artigo que versa sobre o abandono de filho menor. A
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proposta sugere alteração no Código Civil (2002), o artigo 1.632 da lei 10.406 passaria a
vigorar acrescido do parágrafo único:
Art. 1632 (...)
Parágrafo Único. O abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de
indenização por dano moral.
O PL nº 700/2007 caracteriza o abandono moral como ilícito civil e penal e sugere a
alteração do art, 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que receberá a seguinte redação:
Art. 5º (...)
Parágrafo Único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos,
sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda
direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo
os casos de abandono moral.
A fundamentação dos argumentos na justificação coloca a salvo os direitos constitucionais
dos menores:
A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode prevenir e
solucionar os casos intoleráveis de negligência para com os filhos. Eis a
finalidade desta proposta, e fundamenta-se na Constituição Federal, que, no
seu art. 227, estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente
com a sociedade e a família, o de assegurar à crianças e adolescentes - além
do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer - o direito à
dignidade e ao respeito.
Em decisão terminativa, no dia 09/09/2015, o PL nº 700/2007 que tipifica o abandono
afetivo como ato ilícito, foi aprovado no Senado.
Sem dúvida existe uma preocupação por parte do legislador em modernizar o
entendimento sobre os direitos e garantias fundamentais no Direito de Família, principalmente
no que tange aos direitos das crianças e adolescentes, com o intuito de sinalizar que a conduta
do pai irresponsável deve cessar sob pena de severa condenação.
Considerações Finais
No presente estudo a expressão “abandono afetivo paterno” foi utilizada tendo em vista
que, na maioria dos casos, os genitores masculinos figuram como agentes do abandono.
Restando-nos parabenizar aqueles que desempenham suas obrigações a contento.
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Conclui-se que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro previsão legal expressa no
sentido de impor aos pais o dever de prestar afeto aos filhos, de sorte que, tal dever decorre da
análise conjunta de vários dispositivos de lei e dos princípios que regem a família hodierna.
Como vimos, a Constituição Federal reconhece a criança e o adolescente como titulares de
direitos fundamentais, e o que é direito dos filhos em contrapartida é dever dos pais, de forma
que cabe aos genitores a responsabilidade de educar, ajudar na formação da personalidade,
alimentar, orientar ética e moralmente, respeitar e amar. E embora o Estado, representado pelo
poder judiciário, não possa obrigar um pai a amar o filho, sabemos que ele possui meios de
responsabilizar os pais pelo descumprimento de deveres jurídicos inerentes do poder familiar.
A partir das observações feitas acerca do abandono afetivo paterno, concluímos que a
omissão e a privação de afeto obstam a estruturação psicológica saudável de uma criança ao
longo do seu desenvolvimento. Cabe ressaltar que a afetividade sob a ótica jurídica não é
baseada no sentimento de amor, sendo a afetividade um dever imposto aos pais através do
dever de cuidado, que abarca todo um suporte moral que deve ser dispensado pelo pai à sua
prole.
Aqui citamos novamente uma frase do brilhante voto da Ministra Nancy Andrighi do STJ:
“Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”.
Pelo exposto inferimos que o cuidado pode ser verificado através de dispositivos legais o
que importa em uma discussão técnica, diferenciando-se do amor, pois esse é sentimento
imensurável. Resta destacar que a afetividade está presente no regramento jurídico de forma
que sua análise não pode ficar alheia por ser um importante aspecto das relações familiares.
Depois de cuidadoso exame do ordenamento e dos princípios que regem a matéria, bem
como examinados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais existentes, entende-se
ser juridicamente possível, responsabilizar civilmente o pai pelo abandono afetivo dos filhos
menores.
Não há dúvidas sobre a forma usual de indenização por dano moral em nosso sistema, de
forma que o dano por abandono afetivo deve ser compensado, já que a omissão do pai
influencia diretamente na construção da identidade pessoal dos filhos, e o descumprimento
dos deveres que compõem o poder familiar, constitui ato ilícito.
Por isso as condenações por abandono afetivo devem ser severas, para que a punição a
pais omissos não se limite a perda do poder familiar, pois isso representaria um “prêmio” aos
pais que já desprezam seus filhos. A imposição da indenização desestimularia outros pais que
26
não cuidam de seus filhos, atingindo assim uma função dissuasória e pedagógica. Com
especial destaque à função pedagógica, por esta representar uma advertência aos demais para
que não pratiquem ato ilícito semelhante.
Em análise aos precedentes jurisprudenciais, nota-se que a possibilidade de reparação
moral por conta do abandono afetivo ainda é tema cujo entendimento não foi sedimentado
pelos Tribunais pátrios, embora haja grande inclinação positiva de juristas e doutrinadores ao
tema da afetividade enquanto princípio basilar das relações familiares.
Em derradeiro e ainda em tempo, incluímos uma definição de pai apresentada por Rubem
Alves (2002, p. 37), que julgamos sintetizar o estudo apresentado, de sorte que, fique clara
qual a expectativa que o filho e a sociedade têm em relação à disposição afetiva do pai:
Pai é alguém que, por causa do filho, tem sua vida inteira mudada de forma
inexorável. Isso não é verdadeiro do pai biológico. É fácil demais ser pai
biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um pai biológico se faz num
momento. Mas há um pai que é um ser da eternidade: aquele cujo coração
caminha por caminhos fora do seu corpo. Pulsa, secretamente, no corpo do
seu filho (muito embora o filho não saiba disso).
Referências Bibliográficas
ALVES, Rubem. Um mundo num grão de areia: o ser humano e seu universo. Campinas:
Verus, 2002.
BICCA, Charles. Abandono afetivo: o dever de cuidado e a responsabilidade civil por
abandono dos filhos/ Charles Bicca, - Brasília, DF: OWL, 2015.
BRASIL. Código Civil. Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva
com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. – 20. Ed.
atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora
Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha.
– 20. Ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
BRASIL. Decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os
Direitos da Criança. Diário Oficial, Brasília, DF, 22 nov. 1990.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de
autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e
Fabiana Dias da Rocha. – 20. Ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
27
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial 1159.242/SP. 3ª Turma.
Civil e Processual Civil. Família. Abandono Afetivo. Compensação por Dano Moral.
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