A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, COMO MEDIDA...

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A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, COMO MEDIDA COERCITIVA, NO CASO DE ABANDONO AFETIVO PATERNO. THE COMPENSATION FOR MORAL DAMAGE , AS A MEASURE COERCIVE , IN CASE OF ABANDONMENT PARENTAL AFFECTIVE Janaina Lopes Antonucci Graduanda do Curso de Direito. Resumo: O tema a ser exposto refere-se ao Abandono Afetivo Paterno que consiste no ato de abandonar a prole deixando de prestar assistência psicológica, emocional e moral, que são fundamentais para o desenvolvimento da criança ou adolescente. Essa situação evidenciada pela indiferença afetiva trouxe para os tribunais a discussão sobre o dever de indenizar pecuniariamente pelo ilícito cometido, ou seja, pelo fato do genitor ter sido ausente na formação dos filhos, caracterizando, portanto, uma conduta dolosa. O presente artigo busca analisar se o dever de indenizar, quando o abandono afetivo for identificado, pode ser utilizado de forma coercitiva, objetivando que outros pais não cometam o mesmo ilícito. Para tanto será exposto os princípios que regem o direito de família, e contemplam crianças e adolescentes como sujeitos de direito e ainda as consequências da ausência afetiva. Analisaremos o abandono afetivo e as questões acerca do dano moral, mediante posicionamento doutrinário e jurisprudencial. Palavras-chave: Abandono Afetivo, Responsabilidade Civil, Dano Moral, Afetividade. Abstract: The topic to be exposed refers to abandon Affective Paternal consisting in the act of abandoning the offspring failing to provide psychological, emotional and moral, which are fundamental to the development of the child or adolescent. This situation evidenced by blunting brought to court discussion of the duty to indemnify payment of compensation by the committed offense, so, because the parent has been absent in the education of children, featuring thus a willful misconduct. This article seeks to examine whether the duty to indemnify, when the affective abandonment is identified, it can be used coercion, aiming that other parents do not commit the same offense. Both will be exposed to the principles governing family law, and include children and adolescents as subjects of law and also the consequences of emotional absence. We analyze the emotional abandonment and questions about the moral damage by doctrinal and jurisprudential position. Keywords: Affective abandonment, Civil Responsibility, Moral Damage, Affection. Sumário: Introdução. 1.Princípios Constitucionais aplicados ao direito de família. 1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana. 1.2 Princípio da proteção integral. 1.3 Princípio da solidariedade familiar. 1.4 Princípio da convivência familiar. 1.5 Princípio da paternidade responsável. 1.6 Princípio da afetividade. 2 O Pode familiar e a Proteção dos filhos. 2.1 Poder Familiar. 2.2 Da proteção dos filhos. 2.2.1 Guarda. 2.2.2 Direito e dever de visitas. 3. Abandono Afetivo. 3.1Abandono afetivo paterno. 3.2 Configuração do abandono afetivo. 3.3 Consequências da ausência afetiva que ensejam dano moral. 4. Responsabilidade Civil por abandono afetivo. 4.1 Reparação Civil por Abandono Afetivo. 4.2 Requisitos da Responsabilidade Civil no âmbito do abandono afetivo. 4.3 Objetivo da reparação do dano moral no contexto do abandono afetivo. 5. Análise Jurisprudencial. 6. Projetos de Lei sobre o tema. Considerações finais. Referencial bibliográfico.

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A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, COMO MEDIDA COERCITIVA, NO

CASO DE ABANDONO AFETIVO PATERNO. THE COMPENSATION FOR MORAL DAMAGE , AS A MEASURE COERCIVE , IN CASE OF

ABANDONMENT PARENTAL AFFECTIVE

Janaina Lopes Antonucci Graduanda do Curso de Direito.

Resumo: O tema a ser exposto refere-se ao Abandono Afetivo Paterno que consiste no ato de

abandonar a prole deixando de prestar assistência psicológica, emocional e moral, que são

fundamentais para o desenvolvimento da criança ou adolescente. Essa situação evidenciada

pela indiferença afetiva trouxe para os tribunais a discussão sobre o dever de indenizar

pecuniariamente pelo ilícito cometido, ou seja, pelo fato do genitor ter sido ausente na

formação dos filhos, caracterizando, portanto, uma conduta dolosa. O presente artigo busca

analisar se o dever de indenizar, quando o abandono afetivo for identificado, pode ser

utilizado de forma coercitiva, objetivando que outros pais não cometam o mesmo ilícito. Para

tanto será exposto os princípios que regem o direito de família, e contemplam crianças e

adolescentes como sujeitos de direito e ainda as consequências da ausência afetiva.

Analisaremos o abandono afetivo e as questões acerca do dano moral, mediante

posicionamento doutrinário e jurisprudencial.

Palavras-chave: Abandono Afetivo, Responsabilidade Civil, Dano Moral, Afetividade.

Abstract: The topic to be exposed refers to abandon Affective Paternal consisting in the act

of abandoning the offspring failing to provide psychological, emotional and moral, which are

fundamental to the development of the child or adolescent. This situation evidenced by

blunting brought to court discussion of the duty to indemnify payment of compensation by the

committed offense, so, because the parent has been absent in the education of children,

featuring thus a willful misconduct. This article seeks to examine whether the duty to

indemnify, when the affective abandonment is identified, it can be used coercion, aiming that

other parents do not commit the same offense. Both will be exposed to the principles

governing family law, and include children and adolescents as subjects of law and also the

consequences of emotional absence. We analyze the emotional abandonment and questions

about the moral damage by doctrinal and jurisprudential position.

Keywords: Affective abandonment, Civil Responsibility, Moral Damage, Affection.

Sumário: Introdução. 1.Princípios Constitucionais aplicados ao direito de família. 1.1

Princípio da dignidade da pessoa humana. 1.2 Princípio da proteção integral. 1.3 Princípio da

solidariedade familiar. 1.4 Princípio da convivência familiar. 1.5 Princípio da paternidade

responsável. 1.6 Princípio da afetividade. 2 O Pode familiar e a Proteção dos filhos. 2.1 Poder

Familiar. 2.2 Da proteção dos filhos. 2.2.1 Guarda. 2.2.2 Direito e dever de visitas. 3.

Abandono Afetivo. 3.1Abandono afetivo paterno. 3.2 Configuração do abandono afetivo. 3.3

Consequências da ausência afetiva que ensejam dano moral. 4. Responsabilidade Civil por

abandono afetivo. 4.1 Reparação Civil por Abandono Afetivo. 4.2 Requisitos da

Responsabilidade Civil no âmbito do abandono afetivo. 4.3 Objetivo da reparação do dano

moral no contexto do abandono afetivo. 5. Análise Jurisprudencial. 6. Projetos de Lei sobre o

tema. Considerações finais. Referencial bibliográfico.

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Introdução

O Abandono Afetivo Paterno consiste no ato de abandonar a prole deixando de prestar

assistência psicológica, emocional e moral. Apesar de todas as mudanças estruturais da

família contemporânea, o papel masculino dentro desta, ainda é muito valorizado e o

abandono afetivo pode trazer várias consequências negativas para a vida da criança ou

adolescente. O impacto de uma ruptura com a figura do pai pode trazer ansiedade e

insegurança e consequentemente dificuldades para a criança ao se relacionar com outras

pessoas.

A partir de uma inovadora decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 2012, a discussão a

cerca do tema se acirrou, trazendo à tona a problemática sobre a utilização do instituto do

dano moral no caso de abandono afetivo paterno. Obviamente não há entendimento pacificado

sobre a matéria, pois são diversas as decisões que continuam sendo proferidas.

Nessa esteira, cumpre nos perguntarmos se a indenização por abandono afetivo paterno

deve ser utilizada como forma de coerção já que se observa que o fato gerador do dano moral

vem a ser a conduta omissiva do genitor para com o infante, violando o direito da

personalidade e o direito à honra.

O ordenamento jurídico brasileiro, em resposta a esse tipo de violação a lei, impõe o dever

de indenizar ao agente causador do dano.

Por isso o estudo do tema tornou-se extremamente importante para a sociedade em geral,

uma vez que dentro desta problemática há o questionamento sobre a liberdade do pai em

oferecer ou não afeto ao filho. Efetivamente as relações familiares pressupõem vínculos

afetivos, porém no campo jurídico essa presunção é relativizada pelo dever de cuidado e de

participação no desenvolvimento da criança, sendo este, portanto, um dever legal.

Neste contexto a indenização por abandono afetivo surge como uma medida preventiva e

pedagógica que fará com que o genitor entenda a importância do convívio com o filho. O

objetivo, portanto, é concentrar esforços de forma a evitar a ocorrência desse dano existencial.

O principal intuito do presente estudo é analisar se a restituição pecuniária pelo abandono

afetivo paterno pode ser utilizada como forma de coerção considerando as peculiaridades

próprias das relações familiares.

No âmbito do método científico, foi escolhido o método de abordagem indutivo em que a

universalização emana de observações de casos da realidade concreta. Quanto ao método de

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procedimento, o escolhido foi o explicativo que visa justificar a ocorrência do fato, e como

meio de investigação, o método bibliográfico.

1- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO DIREITO DE

FAMÍLIA

1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Esse princípio é basilar na Carta Magna e está expressamente exposto no inciso III, do

Art. 1º da Constituição Federal de 1988, sendo sem dúvida um dos núcleos do atual

ordenamento jurídico.

Ao colocar a dignidade da pessoa humana em um plano superior, a Constituição Federal

indicou que não visa somente o seu respeito, mas também garantir que sejam adotadas

medidas promocionais para que esta dignidade seja efetivamente alcançada.

“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer”

(DIAS, 2010, p. 63). Ainda segundo Dias (2010, p. 63), “o princípio da dignidade humana

não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a

sua ação positiva”.

No que tange à dignidade de crianças e adolescentes, a Constituição Federal de 1988

dispõe:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,

ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

Da mesma forma, normas infraconstitucionais albergam este princípio a fim de preservar

com absoluta prioridade os direitos dos infantes. Destacam-se a Convenção dos Direitos da

Criança de 1989 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A convenção considera que

para o pleno desenvolvimento da personalidade da criança, esta, além de crescer no seio da

família, deve crescer em um ambiente de felicidade, amor e compreensão. No mesmo sentido

segue o ECA nos seus artigos 3º, 4º, 15 e 18, como forma de resguardar todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana dos menores.

No que se refere ao abandono afetivo, a violação ao principio da dignidade humana é a

tese sustentada por alguns filhos abandonados, que buscam a tutela jurisdicional.

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Madaleno (2006, p. 169), nos ensina:

Nesse sentido entende-se que, o dano à dignidade humana do filho em

estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para

que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes,

mas, principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao

irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do

Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova

configuração familiar.

1.2 Princípio da Proteção Integral

Esse princípio carrega a vontade do legislador em proteger os direitos dos infantes de

forma completa, de sorte que há a determinação expressa constitucional elegendo este como

princípio de primeira linha.

“O princípio do melhor interesse significa que a criança — incluído o adolescente,

segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança — deve ter seus interesses

tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração

quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares,

como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade”(LOBO, 2011, p. 75)

No mesmo contexto, Dias (2010, p.448) afirma:

A Constituição (CF 227) e o ECA acolheram a doutrina da proteção integral.

Modo expresso, crianças e adolescentes foram colocados a salvo de toda

forma de negligência. Transformaram-se em sujeitos de direito e foram

comtemplados com enorme numero de garantias e prerrogativas. Mas

direitos de uns significam obrigações de outros. Por isso a Constituição

enumera quem são os responsáveis a dar efetividade a esse leque de

garantias: a família, a sociedade e o Estado.

Por seu turno, o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece que:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata

esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as

oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,

mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

As crianças e adolescentes, assegurados pelo Estatuto Da Criança e do Adolescente,

também tem o direito ao respeito, conforme dispõe o art. 17:

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Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade

física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a

preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e

crenças, dos espaços e objetos pessoais.

A violação do direito ao respeito demanda à indenização de cunho moral, pois causa

prejuízos de custosa reparação.

Calderón (2013, p. 339), esclarece o tema com foco no abandono afetivo:

É nesse aspecto que adquire relevo a temática do abandono afetivo, pois trata

de questão ínsita à esfera pública, vinculada a ela e sujeita à sua intervenção,

exatamente por envolver os direitos e os deveres perante uma criança ou um

adolescente. Há que se destacar que a possibilidade de uma maior

averiguação estatal dos conflitos de abandono afetivo decorre justamente do

fato de envolver uma criança ou adolescente (restando inviabilizada a sua

discussão nas relações entre adultos). Dito de outro modo, o que legitima a

intervenção na espécie é o fato de tratar de direitos existenciais relativos a

essas pessoas em estado de vulnerabilidade.

Completa Madaleno (2013, p. 100):

Dessa forma seria inconcebível admitir que pudesse qualquer decisão

envolvendo os interesses de crianças e adolescentes fazer tábula rasa do

princípio dos seus melhores interesses, reputando-se inconstitucional a

aplicação circunstancial de qualquer norma ou decisão judicial que

desrespeite os interesses prevalentes da criança e do adolescente

recepcionados pela Carta Federal.

1.3 Princípio da solidariedade familiar

Em se tratando de crianças e adolescentes o artigo 227 da Constituição Federal atribui o

dever de solidariedade primeiramente à família, em seguida à sociedade e logo após, ao

Estado. Da mesma forma o artigo 229 da Carta Magna consagra o princípio da solidariedade

quando impõe aos pais o dever de assistência aos filhos e aos filhos o dever de amparo aos

pais na velhice.

“Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos

vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o

próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a

reciprocidade” (DIAS, 2010, p.66).

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Segundo Madaleno (2013, p. 93), “solidariedade é princípio e oxigênio de todas as

relações familiares afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em

ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se

fizer necessário”.

1.4 Princípio da convivência familiar

Esse princípio deve ser visto como obrigação de conviver diariamente com os filhos,

oferecendo todo afeto necessário ao desenvolvimento saudável da prole, não se descuidando

do dever de sustento material que se dá através dos alimentos.

“O direito à convivência familiar, tutelado pelo princípio e por regras jurídicas

específicas, particularmente no que respeita à criança e ao adolescente, é dirigido à família e a

cada membro dela, além de ao Estado e à sociedade como um todo” (LOBO, 2011, p. 74).

Frisa-se que a convivência familiar é fato social que pode ser claramente comprovado por

inúmeros meios de prova, já que se trata de base essencial da família socioafetiva (LOBO,

2011).

1.5 Princípio da paternidade responsável

O princípio da Paternidade Responsável está tutelado no art. 226, § 7º da Carta Magna, e

está diretamente ligado aos princípios da dignidade da pessoa humana e do planejamento

familiar, conforme dispõe:

Art. 226. [...]

§ 7º. Fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o

exercício deste direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de

instituições oficiais ou privadas.

Trata-se de uma decisão a ser tomada pelos pares livremente, porém não podem ferir os

princípios da paternidade responsável e da dignidade da pessoa humana. Visa, dessa forma,

tutelar o desenvolvimento intelectual e físico do infante, chamando atenção para a

responsabilidade dos pais para com os filhos.

Destaca-se a análise de Pereira (2006)

O vínculo da mãe com o filho se inicia com total intimidade e o elo entre pai

e filho é de aceitação, de assunção de uma responsabilidade. O pai recebe e

acolhe o filho como seu. Tal união transcende, então, o laço vital para

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configurar uma aceitação interior do filho. Ao assumir a paternidade, o pai

aceita, sobretudo, a responsabilidade de dirigir e assegurar a vida do filho.

Em outras palavras, a paternidade é uma função exercida e também um

‘serviço’. Por isso não podem ser desprezadas ou ignoradas as situações em

que a função paterna não é atributo exclusivo dos pais biológicos, embora na

maioria das vezes haja coincidência.

A partir deste princípio, não há que se falar em ponderação entre a liberdade do genitor

em exercer ou não seus deveres paternos, pois em caso de eventual conflito, os dispositivos

legais apontam para a prevalência da proteção das necessidades existenciais da criança e do

adolescente (CALDERON, 2013).

Pode-se concluir que o alvo deste princípio é dificultar a formação de núcleos familiares

desestruturados, que não ostentam a capacidade de sustento e manutenção.

1.6 Princípio da afetividade

É imperioso enfatizar que o Princípio da afetividade decorre e edifica a dignidade da

pessoa humana que é um macro princípio.

Embora não expresso no texto constitucional, o afeto vem sendo considerado como

elemento decisivo em vários julgados na área de família.

“O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas

pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência

humana” (MADALENO, 2013, p. 98).

Leciona Lobo (2011, p. 70);

Demarcando seu conceito, é o princípio que fundamenta o direito de família

na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com

primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.

Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e

resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século

XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais.

Preceitua Calderón (2013, p. 240) que:

Os valores acolhidos pelo texto constitucional permitiram perceber a

afetividade implícita em suas disposições, uma vez que muitas delas

visaram, em ultima ratio, tutelar situações subjetivas afetivas tidas como

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merecedoras de reconhecimento e proteção. A partir de 1988, é possível

sustentar o reconhecimento jurídico da afetividade, implicitamente, no tecido

constitucional brasileiro.

Alterações nas regras do Código Civil que tratam da guarda são indicativos da adoção da

afetividade como princípio no direito de família brasileiro, conforme dispõe os arts. 1.583 e

1.584 do Código Civil brasileiro, alterados pela Lei nº 11.698/2008 que inclui o afeto como

critério que deve ser averiguado na definição de quem será o guardião (CALDERON, 2013).

Sobre a diferença entre afetividade e afeto, discorre Lobo (2011, p. 71);

A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como

fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este

faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais

em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou

desafeição entre eles.

A figura do pai contemporâneo consigna um modelo familiar baseado na paternidade

afetiva, sendo ele agora um elemento atuante na formação e educação dos filhos. Atualmente

os pais vêm descobrindo o quanto pode ser gratificante e única a convivência com sua prole,

incluindo-se aí toda forma de amor e atenção como, trocar fraldas, buscá-los na creche ou

escola, esquentar o jantar, ajudar nas lições e colocá-los para dormir. Dessa forma o pai

hodierno tornou-se um grande companheiro na hora das brincadeiras também, percebendo que

esses gestos de carinho transformam-se em grande prazer, trazendo, por sua vez, alento e

confiança aos seus filhos (FRASCARI, 2003).

Madaleno (2013, p.99) citando Groeninga (2006, p. 448) ressalta:

‘O amor é condição para entender o outro e a si, respeitar a dignidade, e

desenvolver uma personalidade saudável’, e certamente nunca será

inteiramente saudável aquele que não pode merecer o afeto de seus pais, ou

de sua família e muito mais grave se não recebeu o afeto de ninguém.

Com efeito, ainda que a afetividade possa variar na sua intensidade, consagrando vínculos

consanguíneos ou somente afetivos, esta deve necessariamente estar presente, pois se trata de

valor supremo nas relações familiares (MADALENO, 2013).

Pondera Diniz (2015, p.40):

Diante das transformações sociais, juristas e juízes passaram a interpretar

extensivamente normas de ordem pública e até mesmo a própria

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Constituição Federal, dando azo a um fenômeno eficacial no qual há

incidência normativa, geradora de efeitos, privilegiando a pessoa e a

realização, no seio da comunidade familiar, de seus interesses afetivos,

transformando a ordem jurídico-positivo-formal numa ordem jurídica

personalista.

Infere-se, portanto, que o abandono afetivo paterno se tornou um dos pontos relevantes no

atual estudo do direito de família brasileiro, uma vez que este materializa a importância que a

afetividade alcançou. E o reflexo da aceitação jurídica da afetividade é justamente o debate

sobre as consequências de sua ausência nas relações familiares.

Destarte percebe-se, que a afetividade familiar passa pelo cuidado, pelo afeto, e pela

atenção dada pelo pai para o filho, não podendo a inexistência de coabitação, ou a distância

ser utilizada como justificativa para a falta de assistência moral.

2. O PODER FAMILIAR E A PROTEÇÃO DOS FILHOS

2.1 Poder Familiar

Compete aos pais assumirem a proteção da sua prole como dever natural e legal,

objetivando acompanhar e contribuir para a formação da personalidade de seus filhos, bem

como, assegurar seu desenvolvimento físico e intelectual, exercendo a titularidade do poder

familiar de forma conjunta.

A saber, o poder familiar, tem característica de direito protetivo e de ordem pública, uma

vez que impõe aos pais a responsabilidade pela formação integral dos filhos conforme dispõe

o artigo 227 da Constituição Federal (MADALENO, 2013).

Nesse diapasão, Lobo (2011, p. 301) explica: “A convivência dos pais, entre si, não é

requisito para a titularidade do poder familiar, que apenas se suspende ou se perde, por

decisão judicial, nos casos previstos em lei”.

2.2 Da proteção da pessoa dos filhos

O principal interesse dos pais deve ser a proteção dos filhos.

A proteção da pessoa dos filhos contempla o princípio do Melhor interesse da Criança,

que de tão complexo, trata-se de um conceito jurídico indeterminado. Ensina-nos a melhor

doutrina que, considerando a variedade de padrões de comportamento adotados por cada

família, e para permitir que a norma fosse se adequando à mutabilidade das situações da vida,

o legislador deixou de definir o conceito de melhor interesse da criança, para assim seguir a

evolução individual de cada família (Madaleno, 2013).

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2.2.1 Guarda

Historicamente a guarda unilateral foi regra e dada maciçamente às mães, o que dava aos

pais margem para afastarem-se de seus filhos. Fato é que com o advento da Lei 11.698/2008,

que instituiu a guarda compartilhada, passou-se a adotar o modelo de guarda conjunta, que

visa manter os laços que unem os pais à prole e também o direito dos infantes de

relacionarem-se com seus dois pais.

Com efeito, conceitua Lobo (2011, p. 190):

A guarda consiste na atribuição a um dos pais separados ou a ambos dos

encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do filho. Quando é exercida

por um dos pais, diz-se unilateral ou exclusiva; quando por ambos,

compartilhada. Nessas circunstâncias a guarda integra o poder familiar, dele

destacando-se para especificação do exercício.

A opção de guarda compartilhada se mostra como um importante instrumento para a

prevenção do abandono afetivo.

2.2.2 Direito e Dever de Visitas

O direito de visita visa o fortalecimento de vínculos e de afeto e trata-se indubitavelmente

de interesse da criança.

Dispõe o art. 1.589 do Código Civil: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os

filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro

cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

No que se refere à visita, o interesse do filho segundo Lobo (2011, p. 256-257):

[...] é de ordem pública, e deve ser soberanamente apreciado pelo juiz

levando-se em consideração três ordens de fatores: o interesse da criança,

primordialmente; as condições efetivas dos pais, secundariamente, e,

finalmente, o ambiente no qual se encontra inserida a criança. O interesse

maior do filho justifica toda e qualquer modificação ou supressão do direito

sempre que as circunstâncias o exigirem.

Ressalta-se que a doutrina e a jurisprudência entendem ser o direito de visita um dever

passível, inclusive, de execução judicial, com a imposição de multa pecuniária através da

astreintes.

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3. ABANDONO AFETIVO

Entende-se por abandono afetivo a omissão que representa o descumprimento

injustificado do dever de assistência moral e material, educação e guarda por parte de um dos

genitores.

“O “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de

paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito o atraiu para si,

conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas.” (LOBO, 2011,

p. 313).

3.1 Abandono Afetivo Paterno

O abandono afetivo paterno decorre de uma atitude omissiva do pai no que se refere ao

dever de sustento, guarda e educação da sua prole e até mesmo da resistência no

reconhecimento da paternidade.

Entende-se como educação, não só a escolaridade, mas também, todos os outros requisitos

para que o infante se desenvolva, como o lazer, o carinho, amor e a convivência familiar. “A

ausência, o menosprezo, a indiferença, a rejeição do pai ferem a honra, a moral, a imagem e a

psique do filho, privando-o do mínimo necessário para uma vida saudável e harmoniosa.”

(IKEDA, 2009)

Relevante indicativo de que a afetividade do genitor para com sua descendência já vem

sendo tratada como assunto pertinente no direito de família é trecho da obra, Princípio da

Afetividade no Direito de Família, notadamente esclarecedora, de Calderón (2013, p. 213-

214);

No Brasil, quem precursoramente atentou para tal questão foi João Baptista

Vilella que, em estudo publicado em 1979, tratou do tema afetividade a

partir da paternidade, no qual sustentou expressamente que o parentesco não

restava restrito a uma questão meramente biológica, visto que ‘a paternidade

em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural’. Sua tese

partia de uma constatação que poderia ser até conhecida em outras ciências,

mas restava estranha aos juristas até aquele momento: a distinção entre as

figuras de genitor e pai, pois ‘uma coisa, com efeito, é a responsabilidade

pelo ato da coabitação sexual, de que pode resultar a gravidez. Outra, bem

diversa, é a decorrente do estatuto da paternidade’. Essa percepção, que nos

dias de hoje pode parecer singela, foi de grande valia para elucidar as

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possibilidades jurídicas a partir daquele momento, uma vez que apresentava

um novo caminho diverso do biologismo que imperava altaneiro até então.

Ainda dentro da obra retro citada Calderón (2013, p. 358), cita trecho do voto da Ministra

do STJ, Nancy Andrighi, que trouxe outra distinção de significativa relevância:

Interessante também é a distinção entre cuidado e o amor, que perpassa o

voto e afasta os óbices que muitas vezes eram postos ao reconhecimento da

possibilidade de reparação por abandono afetivo. A repetida frase da

Ministra Nancy Andrighi é esclarecedora: ‘Em suma, amar é faculdade,

cuidar é dever’.

É inegável que o filho tem a necessidade e o direito, e o pai tem o dever de acolher social

e afetivamente seus filhos, de modo que a recusa em colaborar na formação e no

desenvolvimento de seu descendente, ocasiona ilícito civil.

3.2 A Configuração do abandono afetivo

Cumpre ressaltar que a configuração do abandono afetivo exige uma apreciação esmerada

por parte dos operadores de Direito, pois, sem critérios anteriormente convencionados o

resultado dessa nova realidade findaria em abusos nas demandas indenizatórias.

Sabe-se que o vínculo de parentesco dos filhos com os pais constitui-se pela filiação.

Porém não basta a constatação do vínculo de parentesco entre pai e filho para fundamentar o

abandono afetivo. Existe a possibilidade de que após manter relação sexual o casal se separe

(divórcio, dissolução da união estável, término do namoro ou da relação eventual) e no lapso

temporal da gravidez a mãe não procure o futuro pai para lhe comunicar a noticia. Nesse caso,

o laço nunca se efetivou, já que o genitor não teve conhecimento do nascimento do filho.

Mas uma vez informado sobre a existência de dependentes, o pai não pode esquivar-se

nem descumprir os deveres advindos da responsabilidade parental, pois esta conduta sim

configura o abandono afetivo.

Cumpre destacar que o possível choque entre os princípios constitucionais da liberdade e

da solidariedade não respalda o pai abandônico. Ocasional alegação, de ter o genitor liberdade

para exercer ou não seus deveres parentais, não será recepcionada já que certamente os

direitos do menor serão preferencialmente tutelados através dos princípios da paternidade

responsável e da proteção integral da criança. “Ainda que se efetue a análise com base nos

dados da realidade concreta, provavelmente prevalecerá o interesse do menor vulnerável”

(CALDERON, 2013, p.344)

13

3.3 Consequências da ausência afetiva que ensejam dano moral

De fato, o abandono afetivo paterno subsistirá, a depender de fatores como idade,

vulnerabilidade, participação da mãe, ambiente em que se vive, danos de ordem psíquica ou

moral conforme o tamanho da lacuna deixada pela ausência de afeto.

Utilizando-se de estudo interdisciplinar, Bicca (2015, p. 57) discorre:

A criança abandonada pode apresentar deficiência no seu comportamento

social e mental para o resto da vida. A dor da criança que esperava por um

sentimento, ainda que mínimo, de amor ou atenção, pode gerar distúrbios de

comportamento, de relacionamento social, problemas escolares, depressão,

tristeza, baixa autoestima, inclusive problemas de saúde, entre outros

devidamente comprovados por estudos clínicos e psicológicos.

Obviamente as consequências do abandono paterno são diversas e afetam não só a

criança, mas a sociedade como um todo.

Em primeiro lugar, faz-se necessário ponderar sobre a dor da rejeição paterna, que pode

durar anos. Estudos revelam que crianças rejeitadas são mais ansiosas e inseguras, com

tendência a serem agressivas e hostis.

Igualmente, existem pesquisas sobre a relação entre o abandono afetivo e a criminalidade,

o uso de drogas e a violência. Constata-se que a ausência do pai, na maioria dos casos, é um

dos fatores que geram problemas comportamentais, induzindo a criminalidade e ao uso de

drogas.

Em seguida, é importante frisar outra grave consequência do abandono que é o relato de

dor, comparada com a dor de uma agressão física, mas que na verdade é advinda de abuso

emocional. Psiquiatras afirmam que o abuso emocional, como ofensas, humilhações e

hostilidade verbal, é o pior tipo de trauma que uma criança pode passar, pois a dor que tem

origem no coração se estende no tempo.

E finalmente, destaca-se a alteração no desenvolvimento neural da criança em decorrência

de danos celebrais grave, que podem levar a redução da habilidade linguística e mental.

Indubitavelmente a ausência do pai enseja prejuízo ao desenvolvimento de seu filho.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO

4.1 Reparação Civil por Abandono Afetivo

A possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo ainda gera muita

discussão, sendo este, um dos temas polêmicos e de difícil consenso no Direito, pois carrega

14

consigo várias implicações subjetivas e objetivas pelo descumprimento do dever de

convivência entre o pai e sua prole.

Tribunais de todo o país vêm decidindo favoravelmente pela possibilidade de

responsabilizar o genitor abandônico, e da mesma forma, grande parte da doutrina se

posiciona positivamente frente ao tema. Como se observa na colocação de Pereira (2006):

Se a convivência, o acompanhamento, enfim, o amor paterno fossem

opcionais, a lei não estabeleceria tais deveres, a serem cumpridos mesmo à

margem do desejo do pai. A resistência ao acolhimento das pretensões

indenizatórias decorrentes da rejeição paterna e do descumprimento do dever

de convivência explica-se, em parte, pelo temor em vir a se instituir uma

‘indústria do dano moral’ e uma monetarização do afeto. Não se trata,

entretanto, de dar preço ao amor, mas de lembrar a esses pais

responsabilidades na formação da personalidade e na garantia da dignidade

dos filhos que geraram.

“Nas situações de abandono afetivo o interesse lesado é claramente extrapatrimonial:

relaciona-se com a dignidade da pessoa humana (envolve a esfera existencial, pessoal da

vitima), podendo gerar tanto efeitos de natureza patrimonial como de natureza não

patrimonial”. (Calderón, 2013, p. 372)

Nessa vereda, Moraes (2003, p.85) explana sobre o princípio da Dignidade Humana, ser

preponderante dentro do sistema jurídico brasileiro:

Havendo conflito entre princípios de igual importância hierárquica, o fiel da

balança, a medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado, já está

determinado, a priori, em favor do princípio, em absoluto da dignidade

humana. Somente os corolários, ou subprincípios em relação ao maior deles,

podem ser relativados, ponderados, estimados. A dignidade, assim como a

justiça, vem à tona no caso concreto, se feita aquela ponderação.

Além da Carta Magna, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente tutelam

irrestritamente, em diversos artigos, os direitos e interesses dos infantes, deixando claro que

reconhecem a vulnerabilidade destes e que visam uma proteção especial no que diz respeito

ao cumprimento do dever de cuidado atribuído aos pais.

Dessa forma a responsabilidade civil surgirá da conduta do pai omissivo consolidada pelo

descumprimento das obrigações advindas do poder familiar, cujos danos derivados dessa

atuação negligente representam uma lesão aos direitos da personalidade do filho.

15

O ilícito acontece quando um indivíduo, por ação ou omissão voluntária, negligência,

imprudência ou imperícia, causa danos a outra pessoa. A obrigação de indenizar pelo dano

causado encontra fulcro no Código Civil de 2002, em seu artigo 927, parágrafo único, que

prevê:

Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem

fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de

culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem.

Sobre o tema, grande parte da Doutrina do Direito Brasileiro, se posiciona de forma a não

restar duvida sobre a possibilidade de reparação dos danos advindos do abandono afetivo,

discorre, por exemplo, Schreiber (2008, p, 174):

O interesse por trás da demanda de abandono afetivo, portanto, não é como

muitas vezes se diz equivocadamente, um interesse construído sobre a

violação de um dever de amar ou de dar afeto, mas um interesse fundado no

dever normativo expresso dos pais educarem e criarem seus filhos. E, nesse

sentido, pode-se concluir pelo seu merecimento de tutela, em abstrato.

Em sua obra Manual do Direito das Famílias, sabiamente Dias (2007, p. 448) se

posiciona:

A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos.

A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade

psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar,

valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano

moral.

Monteiro (2012, p. 428), completa o raciocínio ao fundamentar:

Se os deveres inerentes ao poder familiar são descumpridos com danos aos

filhos, além da suspensão e destituição do poder familiar é perfeitamente

adequada a aplicação dos princípios da Responsabilidade Civil, com a

condenação do genitor na reparação cabível.

Pelo exposto, e considerando o pleno desenvolvimento da criança como requisito mínimo

a ser alcançado, depreende-se que não é a falta de afeto nem o desamor que ensejam a

16

ilicitude capaz de gerar indenização por dano moral, e sim a inquestionável falta de respeito

ao dever de cuidado (Bicca, 2015).

Cumpre ressaltar que as decisões sobre abandono afetivo não visam obrigar o pai a ter

uma convivência afetiva com o seu filho. A indenização tem o intuito de minimizar o trauma

sofrido e o dano à autoestima da criança ou adolescente, de forma a gerar no genitor, que

sempre faltou com os seus deveres de pai perante o seu filho, a consciência que o dever de

cuidado não foi cumprido.

Não obstante ainda há controvérsia sobre o tema, pois alguns fazem uso de frases

midiáticas como “o amor não tem preço” ou “pagar pela falta de amor”, afirmam que é por

demais arbitrário e abusivo que o pai seja penalizado pela falta de amor e por problemas

causados aos filhos por sua conduta. Após constatar a violação de dispositivos expressos na

legislação, nos surpreende que ainda haja qualquer dúvida sobre o dever de reparação. Com

efeito, cumpre esclarecer através da autora Silva (2005):

Não se trata, pois, de ‘dar preço ao amor’ – como defendem os que resistem

ao tema em foco, tampouco de ‘compensar a dor’ propriamente dita. Talvez

o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da

reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e

sinalizando para ele, e outros, que sua conduta deve ser cessada e evitada,

por ser reprovável.

Ademais o que se procura tutelar nesse caso são os deveres inerentes ao poder familiar, e

não sentimentos. Evidente que se existe uma sansão para a conduta ilícita essa deve ser

aplicada, sob o risco de se tornar ineficaz.

Necessário colocar que a compensação financeira por dano extrapatrimonial é inevitável

em nosso ordenamento jurídico, já que é regra prevista legalmente. De fato poderiam outras

formas de reparação evitar esta divergência no que se refere à reparação decorrente das

relações familiares, porém praticamente não foram viabilizadas outras formas de reparação.

Convém salientar, que independentemente do cumprimento da prestação alimentícia,

pode-se configurar o dano moral pela falta de convívio. “Assim, a despeito de restar

configurado prejuízo à esfera patrimonial do menor, pode haver configuração do abandono

moral, em razão do descumprimento por parte do pai do dever de prestar assistência moral ao

filho, prejudicando o desenvolvimento completo e sadio da personalidade do mesmo”

(MACHADO, 2012).

17

Em derradeiro, explana Bicca (2015, p.51):

O dano sofrido pelo abandono é quase sempre irreversível e as graves

sequelas que ficam na criança abandonada tendem a lhe acompanhar pelo

resto da vida, sendo assim, o abandono de um filho deve ser considerado

mais que um dano moral simples; pelo contrário, é dano a todo um projeto

de vida, que se esperava fosse ao menos razoável, com a oportunidade de ser

feliz.

Conclui-se, portanto, que o dever de indenizar decorre do descumprimento das obrigações

inerentes ao poder familiar, como a companhia, guarda e direção da educação dos filhos,

sendo a ausência ou recusa paterna em desempenhar essas obrigações ato ilícito.

4.2 Requisitos da Responsabilidade Civil no âmbito do abandono afetivo.

Para boa parte da doutrina, os requisitos subjetivos ensejadores da responsabilidade civil

devem estar presentes de forma muito clara, qual sejam, culpa, nexo causal e dano. Seria

imprescindível a comprovação de que a causa do dano à personalidade do filho tenha sido o

abandono do pai e a falta de convívio familiar.

Sustenta-se que o infante demonstre, minimamente, que houve lesão na esfera

extrapatrimonial, seja uma ofensa à personalidade ou à dignidade, com a comprovação de

patologias, abalos psicológicos e sequelas, demonstrando também que efetivamente não tenha

havido o vínculo paterno, e que a conduta omissiva do pai tenha lhe trazido consequências

objetivas no seu desenvolvimento e formação.

A verificação nesses casos se daria com o exame das circunstâncias do caso concreto,

devendo o magistrado verificar pareceres psicossociais, prova pericial e analisar de forma

interdisciplinar a relação que se estabeleceu ao final.

Porém, a novel doutrina tem acenado para a construção de uma renovada teoria da

responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo, uma vez que se procura avançar sobre

as peculiaridades das relações familiares, adotando uma postura que vise tutelar os direitos

dos infantes e, além de repará-los, busque também evitá-los.

A par disso, o atual posicionamento do STJ nos indica que o dano sofrido em decorrência

do abandono afetivo é um dano presumido que sequer necessita de comprovação. É o que

constatamos através do voto da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp

1159242/SP:

18

Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é

perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do

recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e

também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento

dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa

eficiente à compensação.

Acerca do dano in re ipsa, Bicca (2015, p. 46) esclarece:

O dano in re ipsa é aquele que, pela própria dimensão do fato, fica

impossível pelo senso comum imaginar que o dano não tenha ocorrido.

Sendo assim, a comprovação dos danos morais decorrentes do

descumprimento dos deveres familiares não é feito da mesma forma que os

danos materiais, pois existe in re ipsa e deriva do próprio fato ofensivo.

Assim, provado o descumprimento, ipso facto, estará demonstrado o dano

por ser presunção natural que decorre inclusive das regras da experiência

comum.

Ainda sobre o dano moral ser reparável e para tanto ser necessária, tão somente, a

comprovação da lesão à esfera pessoal da criança ou adolescente, Lobo (2002), explica sobre

a diferença entre essa lesão ao direito de personalidade e o efeito que esta pode gerar:

De modo mais amplo, os direitos de personalidade oferecem um conjunto de

situações definidas pelo sistema jurídico, inatas à pessoa, cuja lesão faz

incidir diretamente a pretensão aos danos morais, de modo objetivo e

controlável, sem qualquer necessidade de recurso à existência da dor ou do

prejuízo. A responsabilidade opera-se pelo simples fato da violação (damnu

in re ipsa); assim, verificada a lesão a direito da personalidade, surge a

necessidade de reparação do dano moral, não sendo necessária prova do

prejuízo, bastando o nexo de causalidade.

Urge ressaltar que a matéria é obviamente complexa e controvertida, de sorte que haverá,

inevitavelmente, discricionariedade nos casos de abandono afetivo. Muitos são os fatores a

serem considerados, o que nos leva a acreditar que a adoção de critérios rígidos pré-

estabelecidos não seja a melhor solução, já que estes podem trazer mais dificuldades que

avanços, inegável, então, que a indicação de ponderação civil-constitucional devidamente

fundamentada melhor abarcará os interesses envolvidos.

19

4.3 Objetivo da reparação do dano moral no contexto do abandono afetivo

É de suma importância que se entenda que a condenação pelo dano moral por abandono

afetivo, tem o condão não só de reparar o dano sofrido, mas também possui um caráter

dissuasório e preventivo que leva o pai abandônico a refletir sobre a violação do dever de

cuidado.

Reiteradamente foi exposto que a omissão do pai no âmbito da relação paterno-filial traz à

sua prole irrecuperáveis prejuízos de ordem moral e social. A indenização, nestes casos, pode

vir a desempenhar um importante papel pedagógico no âmago dessas relações, e ao considerar

que abandonar ou rejeitar um filho é violar direitos, o acolhimento das pretensões

indenizatórias com certeza terão efeitos inibitórios.

Sobre essa asserção Pereira (2006) destaca:

A preocupação dos magistrados e de outros opositores deveria ser a criação

de mecanismos para reduzir o abandono afetivo, especialmente de filhos

menores. A reparação do dano ganharia, primordialmente, um caráter

punitivo, sancionatório, desestimulando condutas semelhantes e servindo

como alerta.

É claro que a função das decisões positivas a respeito da reparação por dano moral não

tem a pretensão de quantificar o afeto, porém este é o caminho para assegurar direitos como, à

dignidade, a imagem, a honra e outros inerentes a personalidade.

Importante ressaltar que a indenização foi a modalidade escolhida pelo o ordenamento

jurídico brasileiro para coibir e punir atos ilícitos, não cabendo o argumento de que a

indenização não tem como aproximar o pai da sua prole, pois da mesma forma é no caso de

morte decorrente de ato ilícito, a indenização também não vai ressuscitar ninguém, mas esse

será o instituto aplicado.

Em análise última é certo que a intenção da reparação do dano moral no cenário do

abandono afetivo reúne três aspectos distintos. O primeiro aspecto está associado à

compensação do filho abandonado, no sentido de minimizar a dor por ele vivenciada pelo

desdém do genitor. O segundo corresponde à punição do pai que não cumpre com os deveres

oriundos do poder familiar, entre eles o dever de cuidado. O terceiro resulta da função

preventiva da indenização, vez que tem o escopo de desencorajar futuras condutas

irresponsáveis dos genitores.

20

5. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

É imperioso registrar que ainda não existe entendimento pacificado sobre o tema. Diante

das diferentes decisões proferidas, e considerando a complexidade das relações familiares,

provavelmente não se chegue a um lugar comum sobre a questão (CLADERÓN, 2013)

De acordo com Bicca (2015), a primeira decisão favorável sobre a matéria se deu no

Estado do Rio Grande do Sul, na comarca de Capão da Canoa, pelo juiz Mario Romano

Maggioni, que condenou um pai por abandono moral e afetivo da sua filha, a pagar uma

indenização correspondente a duzentos salários mínimos. A decisão transitou em julgado sem

que houvesse interposição de recurso.

Já a primeira condenação em segunda instância, que merece destaque, pois através dela o

tema chegou ao STJ, se deu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferida pelo relator

Desembargador Unias Silva:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS–RELAÇÃO PATERNO-FILIAL–

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA–PRINCÍPIO DA

AFETIVIDADE

A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do

direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser

indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.

A decisão pautou-se no fato de que o genitor deve suprir todas as necessidades de um

filho e teve como principal fundamento o fato de que ser pai não é só dar dinheiro para as

despesas de ordem material de sorte que ele tem o dever de possibilitar o desenvolvimento

humano do filho.

Conforme já citado a decisão chegou ao STJ, em março de 2006, e não foi favorável ao

autor, ainda que defendido com louvor pelo advogado Rodrigo da Cunha Pereira presidente

do IBDFAM, entendeu o relator pela impossibilidade de reparação de danos morais.

A partir daí muitas decisões foram proferidas com base nesse paradigma do STJ, mas

contrariamente a este entendimento, vários juristas e doutrinadores continuaram defendendo a

reparação moral e o dever legal de manter a convivência familiar.

Diante de tamanho desafio que é afastar questões abstratas e estranhas ao Direito, os

tribunais pátrios, atentos às mudanças ocorridas nas relações parentais e nas estruturas

familiares, têm entendido que o cuidado deve se dar objetivamente sendo a inobservância

21

deste o núcleo do fato jurídico capaz de ensejar a reparação por dano moral nos casos de

abandono afetivo.

Com efeito, chegamos a abril de 2012, em um julgamento da Terceira Turma Cível do

STJ, em que brilhantemente a Ministra Nancy Andrighi se posicionou favorável a reparação

por abandono afetivo, destacando o dever de cuidado como valor jurídico a ser tutelado.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.

COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à

responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no

Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento

jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que

manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da

CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida

implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de

omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente

tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de

cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a

possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono

psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno

cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo

mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei,

garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma

adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou,

ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática –

não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é

possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo

Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido.

Analisando toda a decisão, infere-se que esta abarcou o exame de regras e princípios

constitucionais, bem como direitos fundamentais, de personalidade, e também dos institutos

da parte geral de direito civil, direito de família e da responsabilidade civil. O pai abandônico

foi condenado a pagar a importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) porque embora

prestasse assistência material não realizou qualquer contato afetivo com a filha, que por ser

fruto de relação extramatrimonial recebia tratamento diferente ao dispensado à filha oriunda

de outro relacionamento.

22

Felizmente essa mudança de posicionamento do STJ, demonstra que estamos em um

momento de transição, em que o direito de família e a responsabilidade civil estão passando

por releituras e em fase de aceitação, sendo esta postura adotada, vista, desde logo, como

positiva.

Ainda assim, há uma parte da doutrina que não aceita a fundamentação dessas decisões,

pois consideram uma invasão do poder estatal, visto o caráter privado em que se estabelecem

as relações parentais, mas por outro lado existe dispositivo legal que expressamente privilegia

o melhor interesse da criança ou adolescente, de forma que o poder público deve intervir nas

situações de vulnerabilidade.

Com vistas a esse tipo de argumento Madaleno (2013) tece as seguintes considerações:

E, embora possa ser até dito que não há como o judiciário obrigar a amar,

também deve ser considerado que o judiciário não pode se omitir de tentar,

buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que

grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas

configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável

dever que tem os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão (CF, art 227).

Coadunando com a ideia acima, Bicca (2015) destacou um dos votos da então

desembargadora Maria Berenice Dias:

A falta de uma resposta do Poder Judiciário chancela a postura do pai.

Estamos sendo coautores do crime de abandono. Estamos rasgando o Código

Civil que impõe ao pai o dever não só de sustento, mas também de guarda,

de convívio. Além disso, há flagrante afronta a norma constitucional que

impõe tratamento igualitário entre os filhos. Este é um dos casos mais

chocantes que já vi de confessada omissão da responsabilidade e de

abandono afetivo, e a justiça não pode se omitir.

Diante de tais argumentos, conclui-se que a questão do abandono afetivo é inerente à

esfera pública, merece ser tutelado pelo poder judiciário justamente pelo fato de envolver os

direitos de crianças e adolescentes, estando o tema expressamente vinculado ao Estado e

sujeito a sua intervenção.

23

6. PROJETOS DE LEI SOBRE O TEMA

Atualmente tramitam no Congresso Nacional, o PSL nº 470/2013, de autoria da Senadora

Lídice da Mata e Souza (PSB/BA), que institui o Estatuto das Famílias, com ponderações

mais avançadas sobre o Direito de Família, e mais dois projetos de Lei que tratam

especificamente sobre o tema do abandono afetivo, o PL nº4.294/2008, de autoria do

Deputado Federal Carlos Bezerra (PMDB/MT); o PLS nº 700/2007, de autoria do Senador

Marcelo Crivella (PRB/RJ).

No caso do Estatuto a justificação da Senadora sobre o abandono afetivo coaduna com

boa parte da doutrina e jurisprudência acerca do tema:

A absoluta prioridade ao convívio familiar assegurada à crianças e

adolescentes dispõe de respaldo constitucional, consubstanciada no princípio

da paternidade responsável (CF, artigo 227). Ainda que o amor não tenha

preço, é indispensável assegurar o direito a exigir alguma espécie de

reparação quando ocorre abandono afetivo. Cabe ser penalizada a

negligência parental, cuja indenização pode ter natureza patrimonial ou

extrapatrimonial. Para o Direito, o afeto não se traduz apenas como um

sentimento, mas principalmente como dever de cuidado, atenção, educação,

entre outros.

De modo que o Estatuto apresentará novos conceitos e definições, incorporando dois

importantes artigos sobre o abandono afetivo:

Art. 108. Considera-se conduta ilícita o abandono afetivo, assim entendido a

ação ou a omissão que ofenda direito fundamental da criança ou adolescente.

Art. 109. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos estabelecidos em lei

especial de proteção à criança e ao adolescente, prestar-lhes assistência

afetiva, que permita o acompanhamento da formação da pessoa em

desenvolvimento.

Parágrafo único. Compreende-se por assistência afetiva:

I – orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,

educacionais e culturais;

II – solidariedade e apoio nos momentos de necessidade ou dificuldade;

III – cuidado, responsabilização e envolvimento com o filho.

Sobre o PL nº4.294/2008, este está sendo atualmente apreciado, cabe explicitar que ele

também trata do abandono afetivo inverso, que decorre da omissão dos filhos em relação aos

pais idosos, porém iremos nos ater ao artigo que versa sobre o abandono de filho menor. A

24

proposta sugere alteração no Código Civil (2002), o artigo 1.632 da lei 10.406 passaria a

vigorar acrescido do parágrafo único:

Art. 1632 (...)

Parágrafo Único. O abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de

indenização por dano moral.

O PL nº 700/2007 caracteriza o abandono moral como ilícito civil e penal e sugere a

alteração do art, 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que receberá a seguinte redação:

Art. 5º (...)

Parágrafo Único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos,

sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda

direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo

os casos de abandono moral.

A fundamentação dos argumentos na justificação coloca a salvo os direitos constitucionais

dos menores:

A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode prevenir e

solucionar os casos intoleráveis de negligência para com os filhos. Eis a

finalidade desta proposta, e fundamenta-se na Constituição Federal, que, no

seu art. 227, estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente

com a sociedade e a família, o de assegurar à crianças e adolescentes - além

do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer - o direito à

dignidade e ao respeito.

Em decisão terminativa, no dia 09/09/2015, o PL nº 700/2007 que tipifica o abandono

afetivo como ato ilícito, foi aprovado no Senado.

Sem dúvida existe uma preocupação por parte do legislador em modernizar o

entendimento sobre os direitos e garantias fundamentais no Direito de Família, principalmente

no que tange aos direitos das crianças e adolescentes, com o intuito de sinalizar que a conduta

do pai irresponsável deve cessar sob pena de severa condenação.

Considerações Finais

No presente estudo a expressão “abandono afetivo paterno” foi utilizada tendo em vista

que, na maioria dos casos, os genitores masculinos figuram como agentes do abandono.

Restando-nos parabenizar aqueles que desempenham suas obrigações a contento.

25

Conclui-se que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro previsão legal expressa no

sentido de impor aos pais o dever de prestar afeto aos filhos, de sorte que, tal dever decorre da

análise conjunta de vários dispositivos de lei e dos princípios que regem a família hodierna.

Como vimos, a Constituição Federal reconhece a criança e o adolescente como titulares de

direitos fundamentais, e o que é direito dos filhos em contrapartida é dever dos pais, de forma

que cabe aos genitores a responsabilidade de educar, ajudar na formação da personalidade,

alimentar, orientar ética e moralmente, respeitar e amar. E embora o Estado, representado pelo

poder judiciário, não possa obrigar um pai a amar o filho, sabemos que ele possui meios de

responsabilizar os pais pelo descumprimento de deveres jurídicos inerentes do poder familiar.

A partir das observações feitas acerca do abandono afetivo paterno, concluímos que a

omissão e a privação de afeto obstam a estruturação psicológica saudável de uma criança ao

longo do seu desenvolvimento. Cabe ressaltar que a afetividade sob a ótica jurídica não é

baseada no sentimento de amor, sendo a afetividade um dever imposto aos pais através do

dever de cuidado, que abarca todo um suporte moral que deve ser dispensado pelo pai à sua

prole.

Aqui citamos novamente uma frase do brilhante voto da Ministra Nancy Andrighi do STJ:

“Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”.

Pelo exposto inferimos que o cuidado pode ser verificado através de dispositivos legais o

que importa em uma discussão técnica, diferenciando-se do amor, pois esse é sentimento

imensurável. Resta destacar que a afetividade está presente no regramento jurídico de forma

que sua análise não pode ficar alheia por ser um importante aspecto das relações familiares.

Depois de cuidadoso exame do ordenamento e dos princípios que regem a matéria, bem

como examinados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais existentes, entende-se

ser juridicamente possível, responsabilizar civilmente o pai pelo abandono afetivo dos filhos

menores.

Não há dúvidas sobre a forma usual de indenização por dano moral em nosso sistema, de

forma que o dano por abandono afetivo deve ser compensado, já que a omissão do pai

influencia diretamente na construção da identidade pessoal dos filhos, e o descumprimento

dos deveres que compõem o poder familiar, constitui ato ilícito.

Por isso as condenações por abandono afetivo devem ser severas, para que a punição a

pais omissos não se limite a perda do poder familiar, pois isso representaria um “prêmio” aos

pais que já desprezam seus filhos. A imposição da indenização desestimularia outros pais que

26

não cuidam de seus filhos, atingindo assim uma função dissuasória e pedagógica. Com

especial destaque à função pedagógica, por esta representar uma advertência aos demais para

que não pratiquem ato ilícito semelhante.

Em análise aos precedentes jurisprudenciais, nota-se que a possibilidade de reparação

moral por conta do abandono afetivo ainda é tema cujo entendimento não foi sedimentado

pelos Tribunais pátrios, embora haja grande inclinação positiva de juristas e doutrinadores ao

tema da afetividade enquanto princípio basilar das relações familiares.

Em derradeiro e ainda em tempo, incluímos uma definição de pai apresentada por Rubem

Alves (2002, p. 37), que julgamos sintetizar o estudo apresentado, de sorte que, fique clara

qual a expectativa que o filho e a sociedade têm em relação à disposição afetiva do pai:

Pai é alguém que, por causa do filho, tem sua vida inteira mudada de forma

inexorável. Isso não é verdadeiro do pai biológico. É fácil demais ser pai

biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um pai biológico se faz num

momento. Mas há um pai que é um ser da eternidade: aquele cujo coração

caminha por caminhos fora do seu corpo. Pulsa, secretamente, no corpo do

seu filho (muito embora o filho não saiba disso).

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