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A GESTÃO NOS TRIBUNAIS Um olhar sobre a experiência das comarcas piloto Boaventura de Sousa Santos Director Científico Conceição Gomes (coord.) Élida Santos Marina Henriques Diana Fernandes Tiago Ribeiro Março 2010

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A GESTÃO NOS TRIBUNAIS Um olhar sobre a experiência das comarcas piloto

Boaventura de Sousa Santos

Director Científico

Conceição Gomes (coord.)

Élida Santos

Marina Henriques

Diana Fernandes

Tiago Ribeiro

Março 2010

Relatório em realização do contrato de prestação de serviços celebrado entre o

Centro de Estudos Sociais/Observatório Permanente da Justiça Portuguesa e a

Direcção-Geral de Administração da Justiça.

Boaventura de Sousa Santos

Director Científico

Conceição Gomes (coord.)

Élida Santos

Marina Henriques

Diana Fernandes

Tiago Ribeiro

Consultores

Daniel Costa – Administrador Judiciário da Comarca Grande Lisboa-Noroeste

José Morais – Especialista em controlo de gestão e engenharia de qualidade

José Mouraz Lopes – Juiz Desembargador

Luís Azevedo Mendes – Juiz Desembargador

Margarida Mano – Professora da FEUC

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

MARÇO 2010

ÍNDICE

1 Introdução geral ....................................................................................................... 16

Nota metodológica .................................................................................................. 24

2 Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas ..................... 30

Introdução ............................................................................................................... 30

2.1 As abordagens clássicas................................................................................... 31

2.2 O modelo burocrático e a modernidade organizacional ..................................... 33

2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de novos

paradigmas ............................................................................................................. 37

2.3.1 Da escola das relações humanas às abordagens manageriais .................. 37

2.4 As teorias manageriais ...................................................................................... 39

2.5 O conceito de governação e as novas abordagens organizacionais ................. 42

2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve abordagem ....................... 49

3 Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias:

da qualidade à excelência .......................................................................................... 56

3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de algumas componentes ...... 60

3.2 Da qualidade à excelência dos tribunais ........................................................... 67

4 A nova secretaria judicial em Espanha .................................................................... 74

4.1 Breve contextualização da reforma ................................................................... 76

4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais características ........................ 79

4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial ........................................................... 80

4.3 Recursos humanos ........................................................................................... 86

4.3.1 Os funcionários judiciais ............................................................................. 90

4.4 Alguns problemas ............................................................................................. 92

5 A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais

................................................................................................................................... 96

5.1 A preparação da reforma .................................................................................. 98

5.2 A governação dos tribunais: entre a centralização e a proximidade ................ 103

5.3 As potencialidades da nova lei de organização e gestão dos tribunais: gestão

integrada e de proximidade ................................................................................... 119

5.4 O novo modelo de gestão e os desafios da diversidade organizacional .......... 124

5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação de competências entre as

diversas entidades ................................................................................................ 137

5.5.1. Gestão de recursos humanos.................................................................. 138

5.5.2 Gestão financeira ..................................................................................... 151

5.5.3 Gestão do património e das infra-estruturas ............................................. 156

5.5.4 Gestão da informação .............................................................................. 160

6 Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho ..................... 168

6.1 O impacto do modelo de gestão da nova LOFTJ nas rotinas e métodos de

trabalho dos tribunais ............................................................................................ 169

6.2 Instrumentos de gestão ................................................................................... 176

6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de funcionamento do sistema .............. 178

7 Conclusões e Recomendações ............................................................................. 194

7.1 Conclusões ..................................................................................................... 194

7.2 Recomendações principais ............................................................................. 215

Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e da organização judiciária . 217

Recomendações que visam criar capacitação gestionária ao nível do tribunal de

comarca ................................................................................................................ 222

Recomendações no âmbito da gestão de recursos humanos ............................... 225

Recomendações no âmbito da informatização ...................................................... 229

Recomendações no âmbito da organização interna e dos métodos de trabalho ... 232

8 Referências bibliográficas ...................................................................................... 240

Anexo

Seminário “Para um novo judiciário: transformações na organização interna e nos

métodos de trabalho dos tribunais” ........................................................................... 249

LISTA DE ACRÓNIMOS

AIJA – Australian Institute of Judicial

Administration

APM – Associação Profissional da

Magistratura

CEPEJ – Comissão Europeia para a

Eficiência da Justiça

CES – Centro de Estudos Sociais

CFFJ – Centro de Formação dos

Funcionários de Justiça

CGPJ – Conselho Geral do Poder Judicial

COJ – Conselho dos Oficiais de Justiça

CQI – Continuous Quality Improvement

CSM – Conselho Superior de Magistratura

DGAJ – Direcção-Geral de Administração

da Justiça

EADJ – Escrivão Adjunto

EAUX – Escrivão Auxiliar

ED – Escrivão de Direito

EFQM – European Foundation for Quality

Management

ENCJ – European Network of Councils for

the Judiciary

EQA – European Quality Award

ICCE – International Consortium for Court

Excellence

IFCE – International Framework for Court

Excellence

IGFIJ – Instituto de Gestão Financeira e de

Infra-estruturas da Justiça

ITIJ – Instituto das Tecnologias de

Informação na Justiça

JUSE – Japanese Union of Scientists and

Engineers

LOFTJ – Lei de Organização e

Funcionamento dos Tribunais Judiciais

LOPJ – Lei Orgânica do Poder Judicial

MBNQA – Malcolm Baldrige Award

MP – Ministério Público

NCSC – National Center for State Courts

OPJ – Observatório Permanente da Justiça

Portuguesa

SATURN – Study and Analysis of Judicial

Time Research Network

SCE – Serviço Comum de Execuções

SCG – Serviço Comum Geral

SCOP – Serviço Comum de Ordenação do

Processo

SCP – Serviço Comum Processual

SQSP – Sistema de Qualidade em Serviços

Públicos

TCPS – Trial Court Performance Standards

TQM – Total Quality Management

UA – Unidade Administrativa

UPAD – Unidade Processual de Apoio

Directo

UPSJ – União Progressista de Secretários

Judiciais

AGRADECIMENTOS

O presente estudo, realizado pelo Observatório Permanente da Justiça

Portuguesa do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, foi

solicitado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça e tem como objecto

central a análise do impacto do modelo de gestão introduzido com a nova

reforma do mapa e da organização judiciária na organização e funcionamento

interno dos tribunais.

Com a entrada em vigor daquela reforma, em Abril de 2009, Portugal, à

semelhança de outros países, assume que as medidas gestionárias

desempenham um papel central na política pública de justiça no sentido da

consolidação de um sistema judiciário com mais qualidade e mais eficiência.

Esta é, contudo, uma perspectiva recente da política de justiça, a desenvolver-

se num contexto em que a reflexão, entre nós, é, ainda, escassa, pouco

aprofundada e restrita.

A análise que se apresenta neste relatório é uma análise precursora –

necessariamente limitada, porque circunscrita ao modelo de gestão – e

contribui para a produção de conhecimento sobre esta matéria tendo em vista,

sobretudo, a necessária reflexão e avaliação que o período experimental da lei

exige antes do seu alargamento a outras comarcas. A via experimental, que a

reforma do mapa e da organização judiciária seguiu, só fará verdadeiramente

sentido se incorporar um exigente programa de monitorização e de avaliação

em todas as suas vertentes. Se assim não for, não é possível consolidar boas

práticas, aperfeiçoar ou alterar efeitos perversos e dificilmente serão

alcançados ganhos que contribuam para uma verdadeira alteração estrutural

do sistema judicial para a qual a reforma do mapa judiciário poderia

decisivamente contribuir.

Como escrevemos em estudo anterior (OPJ, 2006), não seria expectável

que a reforma do mapa e da organização judiciária resolvesse, só por si, todos

os bloqueios e problemas com que se confronta o sistema judiciário. Mas, se

integrada numa agenda estratégica mais vasta de reforma, não só poderia

contribuir, de forma decisiva, para a sua solução, como poderia ser mesmo a

alavanca desse processo. A avaliação do período experimental da reforma é,

por isso, crucial para uma melhor definição dos pontos dessa agenda

estratégica.

A complexidade da matéria abordada neste relatório convoca, para além

de um aprofundado conhecimento da prática, uma abordagem multidisciplinar.

Daí que, para a produção analítica deste estudo foi fundamental a prestimosa

colaboração, não só dos consultores, mas também dos diferentes actores do

sistema judicial. Sem essa cooperação alargada não seria possível levar a

cabo esta reflexão e análise. Queremos, assim, acentuar, numa nota geral, o

quanto estamos a todos profundamente gratos. A riqueza dos contributos exige

que, pública e individualmente, se dê conta deles.

Um primeiro agradecimento é devido à Direcção-Geral da Administração

da Justiça pela confiança depositada no Observatório Permanente da Justiça

Portuguesa e nesta equipa de investigadores para a realização de um estudo

desta natureza.

Aos senhores magistrados e funcionários que manifestaram a sua

disponibilidade para participarem no painel de discussão, para serem

entrevistados e para nos auxiliarem na observação que levámos a cabo nos

juízos queremos deixar uma especial palavra de agradecimento.

Deixamos aqui o nosso reconhecido agradecimento, pela disponibilidade

para participarem no painel de discussão, aos senhores juízes presidente das

comarcas piloto: Dra. Ana Azeredo Coelho, Dra. Maria João Santos e Dr. Paulo

Brandão, bem como às senhoras procuradoras coordenadoras das comarcas

Grande Lisboa-Noroeste e Baixo Vouga, Dra. Paula Figueiredo e Dra. Maria

José Bandeira.

Agradecemos, também, aos senhores administradores judiciários das

comarcas piloto, Daniel Costa, Júlio Almeida e Vítor Mendes.

Aos senhores magistrados judiciais e do Ministério Público e

funcionários judiciais, que connosco colaboraram nas entrevistas, e que de

seguida se identificam, deixamos também o nosso reconhecido agradecimento.

São eles:

Magistrados judiciais: Fernando de Jesus Monteiro; Isabel Palma

Calado, Joaquim Manuel da Silva, Mafalda Faria Pestana e Teresa Carla Faria

de Brito.

Magistrados do Ministério Público: Antónia Soares, Carlos Azevedo,

Henrique Novo e Judite Resende.

Secretárias de justiça: Fátima Pequito, Filomena Constantino e Manuela

Jerónimo.

Escrivães de direito: António Tavares, Elisabete Direito, Fátima Varela,

Lucília Matos e Maria João Gonçalves.

Escrivães adjuntos: Adélia Macela, Celeste Nunes, Elisabete Fortes,

Joaquim Salvador, José Rigal, Luciana Peixoto, Pedro Batista, Rosa Gomes e

Vítor Costa.

Escrivães auxiliares: Cristina Godinho, Elisabete Martins, Helena

Mendes, Isabel Rodrigues, João Gomes, João Lopes, José Dinis, Madalena

Pereira, Miguel Candeias, Patrícia Machado, Paula Parente, Paulo Santos,

Paulo Teixeira e Telmo Figueiredo.

Ao Doutor Ignacio Colomer e ao Doutor Luís Martín Contreras, que com

grande entusiasmo aceitaram o nosso convite, queremos agradecer os

contributos que trouxeram para esta discussão, não só no seminário realizado

no âmbito deste estudo1, mas também na reunião científica que se lhe seguiu.

Queremos, ainda, realçar o seu esforço em darem um testemunho objectivo e

alargado dos diferentes aspectos da reforma da nova secretaria judicial em

Espanha. Aquela reunião científica beneficiou, ainda, da participação dos

nossos consultores, bem como do Dr. Nuno Coelho e da Doutora Teresa Carla

Oliveira, a quem deixamos aqui o nosso reconhecimento.

Apresentamos em anexo a transcrição do seminário Para um novo

Judiciário: Transformações na Organização Interna e nos Métodos de Trabalho

dos Tribunais. Consideramos que importantes aspectos da reforma foram aí

discutidos e tal deveu-se, sobretudo, à qualidade da reflexão trazida pelos seus

oradores. Queremos, por isso, salientar a intervenção do senhor Secretário de

Estado da Justiça, Dr. João Correia, dos senhores juízes presidentes das três

comarcas piloto, do Engenheiro José Morais, da Doutora Margarida Mano, do

Doutor Ignacio Colomer e do Doutor Luís Martín Contreras.

Para além da intervenção dos oradores, deve ser destacada a

participação da audiência (cerca de 70 pessoas) constituída, sobretudo, por

operadores judiciários, mas também por outras profissões relacionadas directa

ou indirectamente com o sistema de justiça, o que enriqueceu decisivamente o

debate. A sua disponibilidade para, numa sexta-feira à tarde por largas horas,

participarem numa reflexão sobre esta temática merece ser relevada.

A intervenção dos nossos consultores, em vários momentos ao longo

1 O Seminário “Para um novo judiciário: transformações na organização interna e nos métodos

de trabalho dos tribunais” foi realizado em 8 de Janeiro de 2010 no Centro de Estudos Sociais, e contou com a participação do Sr. Secretário de Estado da Justiça, Dr. João Correia; Doutor Ignacio Colomer (professor de Direito Processual na Universidade Pablo de Olavide de Sevilha) e Doutor Luis Martín Contreras (Secretário Gestor da Audiência Nacional), ambos dando conta da experiência da nova secretaria judicial em Espanha; bem como da Sra. Juíza Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste, Dra. Ana Azeredo Coelho; da Sra. Juíza Presidente da Comarca Alentejo Litoral, Dra. Maria João Santos; do Sr. Juiz Presidente da Comarca Baixo Vouga, Dr. Paulo Brandão; da Doutora Margarida Mano e do Engenheiro José Morais, especialistas nas questões relativas à gestão e à qualidade nas organizações.

deste trabalho, foi essencial. Queremos, por isso, deixar aqui um

agradecimento muito especial aos consultores deste estudo: Daniel Costa,

José Morais, José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes e Margarida Mano. Ao

Sr. Daniel Costa queremos, ainda, agradecer o seu inexcedível apoio no

trabalho de campo e a fundamental ajuda na interpretação de alguns dados

empíricos. Ao Dr. Luís Azevedo Mendes, queremos agradecer a sua

colaboração na revisão dos organogramas que integram este relatório. À

Doutora Margarida Mano, um agradecimento singular é também devido pela

sua colaboração com um texto que integra o ponto 2.6 deste relatório.

Além da equipa de investigação, este trabalho contou, em vários

momentos, com o apoio dos Drs. Alexandra Silva, Carla Soares, Catarina

Trincão, Fátima Antunes, Fátima de Sousa, Marta Cancela, José Borges Reis e

Paula Fernando.

INTRODUÇÃO GERAL

1

16 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

1 INTRODUÇÃO GERAL

O contexto social do exercício das funções dos tribunais sofreu

profundas alterações ao longo das últimas décadas, designadamente, no

Estado, na sociedade e na economia, alterando significativamente o volume e o

perfil da procura judiciária, com consequências nas condições da relação dos

cidadãos com o sistema de justiça. A perda de centralidade do Estado como

garante de direitos fundamentais e de direitos sociais constitucionalmente

consagrados – o que tem levado o judiciário a expandir-se para áreas que

tradicionalmente se situavam na esfera dos poderes executivo e legislativo –, a

crise de legitimação dos poderes executivo e legislativo, a alta exposição

pública e a mediatização da justiça e de muitos dos seus agentes são factores

que colocam novos e exigentes desafios ao poder judicial para os quais, não só

não estava preparado, como tem mostrado especiais dificuldades em se

preparar.

Essa preparação não depende exclusivamente do próprio judiciário,

como, aliás, se verá ao longo deste relatório. No nosso sistema de governação

da justiça, os recursos financeiros, materiais e, nalguns casos, humanos, que

suportam a acção do sistema judicial globalmente considerado dependem, na

sua maioria, do poder executivo. Também da acção do poder político depende

a verificação de outras condições com impacto decisivo na qualidade e

eficiência do desempenho dos tribunais, como, por exemplo, perícias,

Introdução geral 17

reinserção social ou segurança social. Destaca-se, ainda, o recrutamento e a

formação dos agentes judiciais.

Vários estudos do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa2

mostram como o desempenho do sistema judicial, no que se refere à qualidade

e à eficácia depende, em muitos casos, de igual qualidade e eficácia de

resposta de outros serviços do Estado. As limitações relativas à capacidade

dos tribunais, isto é, os recursos de que dispõem para levar a cabo eficazmente

a política judiciária, num contexto de maior exposição e vulnerabilidade à

pressão social coloca-os num dilema que deveria levar o sistema judicial, se

não quer continuar a perder legitimidade social, a uma profunda reflexão sobre

o seu papel sociopolítico.

Ainda que os tribunais judiciais não sejam a única via para a efectivação

de direitos, nas sociedades modernas são instrumentos centrais da qualidade

da democracia, dado o papel que desempenham na garantia de direitos

sociais, no combate à corrupção ou na resolução de conflitos dos cidadãos e

das empresas. O impacto social destes conflitos evidencia a função simbólica

exercida pelos tribunais face à garantia da cidadania e à transparência do

sistema político. As reformas da justiça, quer na sua concepção, quer na sua

execução, devem considerar essa essencialidade do papel dos tribunais na

configuração do sistema político.

As reformas da justiça, inicialmente centradas em soluções de carácter

processual – visando, sobretudo, a simplificação das leis processuais – e no

apetrechamento dos tribunais com mais recursos humanos e mais infra-

estruturas, mostraram a sua insuficiência em responder satisfatoriamente à

procura judicial e às expectativas dos cidadãos sobre a justiça, levando os

governos a apostar, por um lado, em soluções de desprofissionalização e

desjudicialização dos meios de resolução dos conflitos. Por outro lado, passou

a investir-se numa vertente de reforma tecnocrática da justiça, o que inclui o

2 Por exemplo, no âmbito da justiça penal, ver OPJ (2009).

18 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

aprofundamento da reflexão em torno das questões da qualidade, da eficiência

e da eficácia dos sistemas de justiça, colocando na agenda política as reformas

da organização e gestão dos tribunais judiciais.

No contexto europeu, as reformas que visam o reforço da capacidade de

organização3 e gestão da justiça tornaram-se apostas centrais das agendas de

reforma em muitos países e integram recomendações do Conselho da Europa,

designadamente, no âmbito dos métodos de trabalho, da gestão de recursos e

da melhor articulação dos tribunais com os serviços complementares da justiça.

Apesar do relativo consenso, entre nós, quanto à essencialidade destas

reformas, reconhecendo-se que o défice de organização, gestão e

planeamento do sistema judicial é responsável por grande parte da ineficiência

e ineficácia do seu desempenho funcional, a reflexão sobre esta matéria é

reduzida4. A tal facto não é alheia a reconhecida carência de formação e de

profissionalização no âmbito das áreas de administração e gestão de tribunais,

o que introduz na governação do sistema judicial um factor permanente de

limitação e incapacidade, dificultando, não só a eficácia das reformas, mas,

também, suscitando lógicas de actuação pouco informadas e consolidadas e,

por vezes, adversas aos seus objectivos.

O Observatório Permanente da Justiça tem procurado promover e trazer

para a agenda sociopolítica os temas da organização e gestão dos tribunais,

quer através da produção destes estudos, quer de outras acções de natureza

formativa, quer, ainda, através da participação de seus membros em estudos

comparados de âmbito europeu e de actividades em rede sobre esta matéria.

O objectivo é contribuir para a densificação do conhecimento sobre estes

temas através de uma análise teórico-analítica em torno dos paradigmas da

eficiência, qualidade e excelência dos tribunais, destacando a centralidade das

3 Sobre as reformas do mapa e da organização judiciária na experiência comparada, ver OPJ

(2006). Sobre os modelos de gestão dos tribunais, Ver estudo OPJ (2001, 2006 e 2008).

4 A este propósito, cf., entre outros, Coelho (2008).

Introdução geral 19

medidas gestionárias.

Em 2001, o OPJ levou a cabo o estudo A administração e gestão da

justiça: análise comparada das tendências de reforma, cujo objecto de

investigação se centrou nos modelos comparados de gestão dos tribunais na

Europa, bem como o conjunto alargado de soluções em curso para responder

às novas exigências de organização, funcionamento, qualidade e eficiência da

justiça nos diferentes sistemas judiciais.

Em 2006, o relatório do OPJ Como gerir os tribunais? Análise

comparada de modelos de organização e gestão da justiça testou a hipótese

da proliferação de reformas no âmbito da administração e gestão da justiça em

diferentes países, estudada a partir das experiências reformistas levadas a

cabo na Europa e nos Estados Unidos da América. Neste estudo, visou-se,

principalmente, identificar projectos em curso com o objectivo de atacar as

irracionalidades burocráticas como bloqueios ao aumento da eficácia, da

eficiência e da qualidade do sistema de justiça. Neste sentido, foram estudadas

seis experiências: Espanha, Bélgica, Holanda, Noruega, Irlanda e Estados

Unidos da América (Estado do Michingan).

Ainda em 2006, no relatório A geografia da justiça, a importância do

tema da gestão e administração da justiça foi igualmente sublinhada. Neste

estudo, chamamos a atenção para o facto do sucesso da reorganização

judiciária não poder ser alcançado sem a realização de reformas conexas, para

além de reformas processuais, entre elas, os mecanismos de gestão e

administração, a formação dos magistrados e funcionários judiciais e o uso de

novas tecnologias de comunicação e informação.

Em 2008, o relatório Para um novo judiciário: qualidade e eficiência na

gestão dos processos cíveis abordava as questões da organização e gestão

dos tribunais, destacando a heterogeneidade e a inexistência de critérios

objectivos na definição das rotinas e métodos de trabalho, de gestão dos

espaços, infra-estruturas, recursos humanos e materiais. Outros dois aspectos

mereceram especial reflexão no âmbito deste estudo: o impacto da reforma de

20 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

desmaterialização dos processos na tramitação dos processos e nos fluxos de

informação e o papel do juiz na gestão processual (gestão do caso concreto).

A importância desta temática justificou a realização do curso de

formação Organização e Gestão dos Tribunais, em 2008, enquadrado no

Programa de Formação Avançada Justiça XXI5. De entre os temas do curso,

salientam-se matérias relacionadas com as exigências de cariz organizativo e

de gestão que se colocam ao sistema judicial e sobre os modelos mais

actualizados de gestão e administração pública aplicados ao domínio judiciário.

O curso, para além da necessária orientação multidisciplinar, incluiu uma

dimensão comparativa, motivando a discussão sobre os modelos de

administração e gestão aplicados em outros sistemas, dotando os formandos

de instrumentos teóricos e práticos necessários à concretização dos objectivos

da reforma organizativa, administrativa e de gestão dos tribunais. Este curso de

formação avançada foi iniciado com a Conferência Internacional Estado,

sociedade e justiça no Século XXI: democracia, qualidade e eficiência nos

tribunais judiciais6.

Mais recentemente, no âmbito do projecto de investigação cujos

resultados se apresentam neste relatório, o OPJ organizou o Seminário Para

um novo judiciário: transformações na organização interna e nos métodos de

trabalho dos tribunais, onde se debateu, de modo comparativo, a nova

secretaria judicial em Espanha e os desafios e as potencialidades que a

reforma em curso coloca à organização interna e ao funcionamento dos

tribunais em Portugal7.

Ao dirigir-se ao impacto das transformações trazidas pela Lei de

5 No âmbito de um protocolo celebrado entre a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o

Centro de Estudos Judiciários e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

6 Tendo contado com os seguintes oradores: Álvaro Laborinho Lúcio, Juiz Conselheiro do

Supremo Tribunal de Justiça jubilado; Brian J. Ostrom, National Center for State Courts - Williamsburg (Virgínia, E.U.A.); Jacques Commaille, Ecole Normale Supérieure de Cachan e director da revista Droit et Société.

7 Cf. nota 1.

Introdução geral 21

Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28

de Agosto), este estudo não tem qualquer pretensão de realizar uma avaliação

global do período experimental. O relatório que agora se apresenta centra-se

apenas na análise do novo modelo de gestão dos tribunais, limitando-se aos

serviços judiciais, o que exclui os serviços específicos do Ministério Público.

Como já referimos no âmbito de outros trabalhos do Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa, consideramos que as reformas

estruturantes da justiça devem ser precedidas de estudos assentes numa

análise rigorosa da realidade. Este esforço analítico, concretizado através da

produção de diagnósticos sociológicos, permite informar o debate político e

profissional, orientando as soluções em discussão, a sua execução prática, e

actuando posteriormente no acompanhamento do processo de implementação

da reforma.

Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes

permite, desde logo, que a política a desenvolver incorpore uma perspectiva

global do sistema de justiça de forma a evitar incongruências na reforma. A

experiência comparada mostra que os processos de reformas estruturais do

sistema de justiça que seguem aquela metodologia têm tido um grau de

sucesso muito mais consolidado.

Dadas as suas virtualidades no que respeita à identificação atempada

dos bloqueios à aplicação da lei e de possíveis efeitos perversos, temos

defendido a importância da introdução de um experimentalismo na área da

justiça. Esta estratégia permite associar àquele diagnóstico uma verificação

empírica da aplicação da lei, assumindo um carácter preventivo face a

problemas que poderão surgir aquando da sua aplicação generalizada.

Essa é claramente uma mais-valia da reforma em curso do mapa e da

organização judiciária, devendo, por isso, sublinhar-se sua importância. Esta

mais-valia só será plenamente eficaz se a experimentação for devidamente

monitorizada e avaliada em todas as suas vertentes. E a avaliação global tem

que pressupor a definição de um conjunto de critérios prévios. A existência de

22 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

critérios de referência relativamente aos quais se produz a avaliação tem um

impacto significativo no apuramento da eficácia da reforma, de forma a

contrapor as opiniões de alguns protagonistas – importantes mas

necessariamente parcelares e subjectivas – com dados empíricos

consolidados.

O êxito do projecto experimental não é um fim em si mesmo, a sua

grande vantagem reside antes no potencial de identificação das virtualidades e

obstáculos do processo que pretende encetar. No caso da reforma do mapa e

organização judiciária, por se tratar de um projecto-piloto, é fundamental que se

prevejam e testem as diferentes possibilidades para que o alargamento seja,

efectivamente, um alargamento consistente. Daí que o experimentalismo, por

um lado, e a produção de um diagnóstico sociológico, por outro lado, devem

assumir um carácter de complementaridade entre si na opção pela introdução

de projectos-piloto nas reformas jurídicas.

O novo modelo de gestão é uma realidade muito recente entre nós, visto

que para além dos estudos já produzidos pelo OPJ, o acervo de informação

disponível é muito escasso. Por isso, este estudo, ao contribuir para a

produção de conhecimento neste domínio, constitui uma reflexão pioneira.

O presente trabalho beneficia, em primeiro lugar, do acervo de

informação produzido, sobretudo ao longo da última década, pelo Observatório

da Justiça. De acordo com a recapitulação das principais conclusões do

trabalho empírico, bem como com as orientações e recomendações

acumuladas nos diferentes estudos do OPJ, formularam-se novas questões

que permitem uma análise da evolução do modelo de organização e gestão

dos tribunais à luz das alterações legislativas recentes.

Dadas as inovações trazidas pela reforma no que se refere à criação ou

à reconfiguração de competências de gestão local, o curto período de vigência

da reforma e a escassez de estudos empíricos sobre esta temática, a

investigação produzida assumiu um papel exploratório. O trabalho de campo foi

direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e desafios desta gestão

Introdução geral 23

local, tanto na articulação com as entidades que têm responsabilidades de

centralização administrativa, como na direcção e supervisão das actividades no

interior do tribunal, isto é, o conjunto de tarefas a serem desempenhadas de

forma articulada pelas diferentes unidades orgânicas.

Assim, o relatório estrutura-se em torno de sete pontos. Após o ponto

inicial, constituído pela introdução e a justificação metodológica da investigação

realizada, o ponto 2 trata dos processos de mudança em curso na

administração das organizações públicas, tendo em atenção não só as

transformações ocorridas na organização e gestão das organizações, mas

também dando conta do contributo das abordagens clássicas das

organizações, até chegar a conceitos organizacionais mais recentes como a

governação.

O ponto 3 aponta os novos caminhos da reforma da justiça e destaca a

centralidade das medidas gestionárias, privilegiando os conceitos de qualidade

e excelência dos tribunais. Os conceitos de qualidade e excelência dos

tribunais têm enquadramentos diferentes. Os modelos de excelência são

instrumentos de referência ao modelo de gestão do tribunal por serem

conceptualmente integradores de vários critérios, potenciando a coexistência

matricial de diferentes tutelas e podendo ser utilizados em estádios muito

diferentes das organizações e dos sistemas.

O ponto 4 apresenta a reforma da secretaria judicial em Espanha. A

secretaria judicial em Espanha caracterizava-se, no início da década 90, por

uma ausência de critérios organizativos, funcionando de forma atomizada e

auto-suficiente. Partindo da constatação de que o modelo de organização e

funcionamento interno dos tribunais não era, pela sua ineficiência, adequado

ao actual contexto social e processual, esta reforma introduziu mudanças

profundas no paradigma estrutural e funcional das secretarias judiciais. A

escolha do caso da experiência espanhola deve-se, sobretudo, à proximidade

entre os problemas e as ineficiências estruturais do desempenho do sistema de

justiça espanhol e a situação que ocorre em Portugal.

24 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Os pontos 5 e 6 apresentam os resultados obtidos através da realização

do trabalho de campo, de acordo com uma dupla perspectiva analítica. Em

primeiro lugar, de acordo com um eixo de análise de ordem macro,

apresentam-se as dinâmicas de governação local/central dos tribunais e, em

segundo lugar, recorre-se a uma análise micro dos desafios que se colocam à

gestão local, designadamente a sua organização interna e os métodos de

trabalho.

Assim, no ponto 5 damos conta das dinâmicas de governação dos

tribunais destacando as potencialidades da nova lei de organização e gestão

dos tribunais em termos de gestão integrada e de proximidade e os desafios

colocados pela diversidade organizacional ao novo modelo de gestão e as

dinâmicas de governação no âmbito da articulação entre as diversas entidades

com competências de organização, direcção e supervisão dos tribunais.

O ponto 6 resulta de uma estratégia de investigação que permitiu

recolher informação de acordo com uma perspectiva analítica bottom up, dando

particular ênfase ao impacto das alterações introduzidas pelo novo modelo de

gestão dos tribunais nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais, de

acordo com a investigação empírica levada a cabo, sobretudo, nas secções de

processos.

Finalmente, no ponto 7 apresentam-se as principais conclusões e

recomendações que resultam da investigação realizada.

Nota metodológica

Para a realização do trabalho de campo, revelou-se adequada a

adopção de uma estratégia de investigação que permitisse recolher informação

de acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top

down, analisou-se a concretização do modelo de gestão entre as diferentes

figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Por outro lado, de

acordo com a perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto

Introdução geral 25

destas alterações nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais. Neste

caso, foi dada especial atenção ao funcionamento da secção de processos,

tendo em conta a relevância desta unidade orgânica no quotidiano da

tramitação processual.

Na selecção dos tribunais onde decorreu a observação sistemática, para

garantir maior diversidade da amostra, considerou-se pertinente a

representatividade das comarcas piloto (Baixo Vouga, Alentejo Litoral e Grande

Lisboa-Nordeste), tendo sido seleccionadas duas comarcas através do método

de selecção aleatória. De acordo com estes critérios, foram seleccionadas as

comarcas de Baixo Vouga e Lisboa-Noroeste (designadamente, os juízos de

família e menores e os juízos cíveis).

Nestes tribunais aplicou-se um plano de pesquisa com recurso a duas

técnicas metodológicas complementares: a realização de entrevistas semi-

estruturadas aos profissionais de justiça envolvidos e a observação

sistemática.

O modelo de entrevista aplicado foi o da entrevista semi-estruturada,

cujas potencialidades consistem fundamentalmente na possibilidade de uma

determinada flexibilidade na condução da entrevista e na exploração dos temas

por parte do entrevistado. Assim, o recurso à metodologia da entrevista semi-

estruturada junto do juiz presidente, magistrado do Ministério Público

coordenador, administrador, secretários, magistrados judiciais, procuradores e

escrivães procurou obter testemunhos de combinação entre as suas vivências

quotidianas e as perspectivas que propõem, tendo em vista o desenvolvimento

de condições de visibilidade sociológica sobre a nova organização judiciária.

As entrevistas possibilitaram apurar as percepções e opiniões dos

operadores face às dinâmicas e práticas procedimentais das respectivas

unidades orgânicas, referindo questões como a definição de métodos de

trabalho, a divisão de tarefas, o impacto específico das recentes alterações na

optimização das suas rotinas de trabalho, bem como as vantagens e

dificuldades que associam à entrada em funcionamento da nova lei. A natureza

26 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

complementar face à observação sistemática aconselhou a sua realização no

espaço de trabalho dos operadores entrevistados e durante o seu horário de

trabalho.

A observação sistemática centrou-se no objectivo da compreensão das

principais alterações introduzidas após a entrada em vigor da nova lei, em 14

de Abril de 2009, e do funcionamento interno e quotidiano do tribunal. Para

além disso, a observação foi multifocada, de modo a incluir os diferentes

factores que concorrem para um trabalho de valor acrescentado mais eficiente

e promotor da qualidade da justiça. Assim, a observação incorporou, para além

das práticas e métodos de trabalho, as condições físicas e materiais das

unidades orgânicas, bem como outros elementos integrantes da gestão de

recursos humanos.

Procedeu-se, ainda, à realização de um painel que contou com a

presença e participação dos juízes presidentes e dos procuradores do MP

coordenadores de todas as comarcas piloto, bem como de académicos

especialistas em gestão e qualidade, colocando-os em confronto orientado face

às problemáticas levantadas no âmbito da investigação em curso.

Promoveu-se, também, uma reunião científica (seminário já referido) que

contou com a presença de operadores judiciais de Portugal e de Espanha,

tendo em vista o confronto e a discussão da experiência comparada no que se

refere concretamente à nova secretaria judicial em Espanha.

A análise documental foi fundamental, quer para a análise do sistema de

governação dos tribunais explicitado nos organogramas, quer da experiência

espanhola.

O reduzido tempo de vigência do período experimental da nova lei de

organização e funcionamento dos tribunais não permitiu a averiguação

quantitativa, nem mesmo através de dados provisórios, do impacto das

alterações de gestão na produtividade dos funcionários e no tempo dos

processos. Por esta razão, privilegiou-se a análise qualitativa através da

recolha das percepções dos agentes envolvidos no processo bem como a

Introdução geral 27

observação empírica das práticas e rotinas das unidades orgânicas.

Após a análise de conteúdo das entrevistas, da observação sistemática

efectuada, do painel de discussão realizado e dos resultados da reunião

científica, apresentam-se neste relatório os resultados obtidos organizados de

acordo com as categorias analíticas resultantes daquele exercício.

DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO

DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS

2

30 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

2 DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS

Introdução

Os modelos de administração e gestão das organizações públicas têm

vindo a ser submetidos a um contínuo processo de reflexão académica e

política. Com contornos e intensidades diferentes, este é um processo

generalizado a diferentes países com contextos políticos, sociais e económicos

muito diferenciados, ganhando particular visibilidade e aceleração nas últimas

décadas no quadro do que se designa como a crise burocrática do Estado8.

Trata-se de um desafio às principais características e dinâmicas prevalecentes

nas organizações públicas suscitando, em regra, o consenso de amplos

sectores da sociedade, que dependem dos seus resultados, da sua eficácia e

da qualidade do seu desempenho, na busca de mudanças que as tornem cada

vez mais eficientes e mais próximas dos cidadãos. Mas este processo é

igualmente marcado, não só por perspectivas diferenciadas relativamente ao

sentido e aos instrumentos dessa mudança, como também por resistências de

actores directamente envolvidos nas organizações.

8 Sobre o conceito e seus desenvolvimentos, Cf. Santos, 2002.

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 31

A complexidade social e as crises que atravessam o Estado trouxeram

para o centro do debate a questão da eficiência e da qualidade do desempenho

funcional das organizações públicas. Apesar de esta questão ter assumido, ao

longo da última década, novos contornos e uma nova dinâmica, não é nova a

preocupação das ciências sociais em desenvolver um quadro analítico que

permita pensar a administração e gestão das organizações em cenários

caracterizados por acréscimos de complexidade institucional e social, com o

objectivo de as tornar mais eficientes. Mais recentemente, os vectores da

qualidade e excelência começam a destacar-se neste debate.

Vejamos, de forma breve, como este quadro se tem vindo a desenvolver

a partir das abordagens clássicas das organizações. Esta reflexão permite-nos

enquadrar teoricamente a reforma das organizações do judiciário no contexto

mais vasto das dinâmicas de mudança das organizações públicas.

2.1 As abordagens clássicas

Frederick Taylor é um dos principais precursores das abordagens

clássicas, desenvolvendo o que veio a ficar conhecido como a organização

científica do trabalho e abrindo o campo para um novo corpus teórico, que

autonomizou as organizações industriais enquanto objecto de estudo. Taylor

defendia uma perspectiva virtuosa do ciclo económico da produtividade,

evidenciando o seu contributo para o crescimento da riqueza global, que

garantia uma melhoria dos resultados empresariais e, em consequência, das

capacidades de investimento, gerando assim mais emprego, bem como dos

níveis salariais. A baixa produtividade, que considerava decorrer em grande

parte de uma supervisão empírica e discricionária, fez Taylor introduzir a noção

de recompensa salarial, enquanto mecanismo de encorajamento à

produtividade, mecanismo que ainda hoje é problematizado pelo seu impacto

sócio-profissional e pela relação, mais ou menos enviesada, com os conceitos

de mérito, competição e desempenho.

Na sua abordagem salienta, ainda, o desconhecimento, por parte dos

32 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

quadros administrativos, da rotina e dos métodos de trabalho e de gestão

(tempos, gestos, movimentos, pausas) que deveriam enquadrar a execução da

multiplicidade de tarefas próprias do trabalho industrial. Considerava que esse

desconhecimento era gerador, para além de tensões e conflitos funcionalmente

evitáveis, de uma lógica de descoordenação impeditiva do incremento de

técnicas racionais e científicas susceptíveis de evoluir no sentido da

especialização e da estandardização. O planeamento, a preparação e a

supervisão constituíam, assim, linhas essenciais às novas dinâmicas

organizacionais, cuja articulação deveriam assegurar o máximo de eficiência

com o mínimo de contingência, imprevisibilidade e desperdício.

O investimento reflexivo que este novo modelo comportava traduzia-se

na observação sistemática de comportamentos, movimentos e operações, bem

como na optimização da interacção organizacional entre os recursos humanos

e os recursos materiais e tecnológicos. Contudo, a constelação de práticas,

discursos e representações associados aos modelos tradicionais de

organização do trabalho – que considerava caracterizados por empirismo,

negligência, desperdício e irracionalidade – resistiam e contrastavam com os

novos métodos científicos da organização do trabalho, que mobilizavam um

conjunto amplo de tecnologias organizacionais (como a cronometragem) e de

métodos de organização da divisão do trabalho (padronização). Também as

doenças, os acidentes e a fadiga física deveriam ser contabilizados, dado o seu

impacto negativo na produtividade. Não será por acaso que é precisamente

neste contexto que a problemática da reparação dos acidentes de trabalho

começa a dar os primeiros passos: mais do que a perspectiva da justiça para

com o sinistrado, o objectivo era minorar, quer os custos adicionais com a

sinistralidade, quer os custos sociais da desestabilização conflitual dos

trabalhadores como reacção aos riscos a que se encontravam expostos e às

fracas garantias de protecção que lhes eram oferecidas.

Em suma, de acordo com Taylor, é possível resumir em quatro princípios

básicos a organização científica do trabalho: planeamento, preparação,

controlo e separação entre a concepção e a execução do trabalho. Tais

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 33

princípios deveriam estar na base da organização do trabalho, pois só assim

seria possível a eliminação do desperdício, a eficiência máxima e o aumento da

produtividade. Defendia, igualmente, um sistema regulado de recompensas

salariais, formação e especialização, mas também de penalização dos desvios

laborais ou funcionais, da generalização regulamentadora a todos os processos

organizacionais e, acima de tudo, da colocação do homem certo no lugar certo.

Na mesma linha do pensamento taylorista, a perspectiva avançada por

Henri Fayol (1925) ganhou, igualmente, grande influência no estudo da

estruturação das organizações modernas. Para além do enfoque na formação

e qualificação científica do corpo de gestores das empresas e das instituições,

a sua arrumação estrutural e funcional seria o factor decisivo para o

cumprimento eficiente dos respectivos objectivos gerais. Nesse sentido, propõe

uma reconfiguração organizacional baseada em seis unidades estruturais, com

funções muito específicas vocacionadas sobretudo para organizações de

natureza empresarial: técnica, comercial, financeira, securitária, contabilística e

administrativa9. Como princípios gerais, salienta a indivisibilidade da relação

autoridade-responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do

sistema hierárquico (quem obedece a quem), a centralização dos processos

enquanto factor de ordem interna e a equidade nas decisões de forma a evitar

sentimentos de injustiça perturbadores do funcionamento da organização.

2.2 O modelo burocrático e a modernidade organizacional

O fenómeno burocrático, verdadeiramente revolucionário no domínio das

tecnologias de poder e da administração das organizações, foi primeiramente

identificado e caracterizado por Max Weber no quadro da evolução e

9 A unidade administrativa era considerada a função mais importante no funcionamento global

da empresa, na medida em que, almejando a harmonização de todos os actos organizacionais, concentraria competências de planeamento, organização, comando, coordenação e controlo dos múltiplos processos organizacionais.

34 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

racionalização histórica do capitalismo e da afirmação do Estado Liberal.

Ideologicamente, contesta a centralidade da conflitualidade de classe

desenvolvida pela tradição do pensamento marxista sobre a génese da

modernidade capitalista, recolocando a problemática no quadro de valores

emergentes nas sociedades ocidentais e conferindo particular atenção à

natureza da acção social que se lhe encontra associada.

Esta abordagem encontra no movimento de racionalização das

instituições – e do Estado em particular – os fundamentos basilares da nova

ordem social e económica, nascida a partir do século XIX, distinguindo e

analisando os vários tipos de acção predominantes no comportamento social

moderno. Os diferentes tipos de acção encontram-se indexados a modelos

gerais de autoridade e dominação que estariam subjacentes, não apenas ao

aparelho do Estado, mas também a outras instituições, organizações ou corpos

sociais modernos. A problemática da legitimidade – por oposição ao poder10

discricionário, coercivo e infundado – no exercício de poder organizacional

conduz o pensamento weberiano à criação de uma tipologia tripartida de

autoridade, em que a autoridade legal-racional representa, por excelência, a

modernidade burocrática11.

A importância conferida à legalidade faz com que a normatividade da lei

ou da regra seja a fonte de legitimidade no interior das organizações e o seu

principal factor de mobilização ou desmobilização organizacional. A

formalização dos procedimentos (cultura formalista) constitui a referência para

a validade da acção organizacional, pelo que a burocracia se converte no único

dispositivo de codificação e descodificação da linguagem organizacional, tal

10 Do ponto de vista weberiano, a noção de poder não deverá ser confundida com a noção de

autoridade. Se a primeira remete para a capacidade impositiva de uma vontade sobre outrem, a segunda requer que “quem domina tenha a noção, e acredite, que tem o direito de exercer o poder sobre os seus subordinados. Em contrapartida, quem é dominado e simultaneamente subordinado considera um dever e uma obrigação obedecer às ordens que provêm dos seus superiores” (Ferreira et al., 1996: 20).

11 São sociologicamente diferenciadas a autoridade tradicional, a autoridade carismática e a

autoridade racional/legal/burocrática.

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 35

como no único meio de exercer e obedecer à autoridade e à hierarquia da

organização. Por comparação com os modelos de autoridade tradicional e

carismática, este modelo demonstrava ganhos exponenciais de produtividade,

eficiência e funcionalidade, revelando-se intimamente articulado com as lógicas

instrumentais do sistema capitalista em progressiva expansão, comportando,

nesse sentido, uma transformação organizacional indispensável à própria

sustentabilidade das dinâmicas económicas, sociais e institucionais de um

período muito concreto da modernidade: o capitalismo organizado (Santos,

1999).

Protagonizando um reformismo institucional sem precedentes, este

modelo de autoridade organizacional burocrática desfrutou de amplos níveis de

disseminação nas administrações públicas ocidentais, inspirando igualmente

muitas das transformações empresariais operadas ao longo do século XX e

influenciando as próprias organizações do terceiro sector (economia social).

Apresentamos, em seguida, de forma breve, as principais características deste

modelo organizacional, apresentadas por Max Weber na sua obra de referência

Economia e Sociedade (1922).

A racionalidade jurídica era trazida para o interior das organizações

através de regras formais e regulamentos escritos, instrumentos de aplicação,

específica e concreta, de leis gerais e abstractas. As organizações eram,

assim, desdobradas em serviços definidos, com o máximo de rigor técnico e

procedimental, encorajando-se o cumprimento escrupuloso das respectivas

tarefas, por parte dos seus funcionários, e evitando-se margens de liberdade

que introduzissem incerteza, imprevisibilidade e arbitrariedade no contexto

organizacional.

O sistema burocrático estruturava-se, ainda, de acordo com o princípio

de organização hierárquica e vertical da autoridade, de forma a assegurar a

ordem interna e a garantir que a subordinação não suscitasse ambiguidade

prática e regulamentar. A noção de competência técnica ganhou relevância na

selecção e avaliação dos funcionários, pelo que a sua admissão, transferência

ou promoção se encontrava estritamente vinculada a critérios de mérito

36 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

objectivos e formais aferidos através de um conjunto de instrumentos

avaliativos e comprovativos como diplomas, exames e concursos.

Defendia-se a prevalência das relações de tipo formal, procurando

extinguir ou limitar a informalidade e despersonalizar as práticas e as

dinâmicas organizacionais, corporizando a emergência de uma cultura

documental e procedimental, tanto ao nível dos processos decisórios como dos

padrões de comunicação e interacção desenvolvidos nas organizações. O

profissionalismo e a impessoalidade cumpriam, do ponto de vista weberiano,

uma função essencial à modernização e racionalização das organizações,

visando ultrapassar os efeitos negativos do nepotismo e da discricionariedade

que, na sua perspectiva, dominavam nas organizações pré-burocráticas. É,

assim, possível afirmar que a aliança entre a equidade e a tecnicidade é

estruturante das organizações burocráticas, revelando uma forte desconfiança

administrativa face à espontaneidade do comportamento social (daí o controlo,

a formalização e a imparcialidade relacional).

Os mecanismos promocionais passaram a depender de uma fórmula

que articula o desempenho técnico competente com a experiência acumulada

na função. A remuneração regular dos funcionários – acompanhando as

grandes transformações salariais nas sociedades contemporâneas – constituía

ainda uma característica importante da administração burocrática,

nomeadamente a ideia da segurança e estabilidade remuneratória, ancorada

numa visão contínua da carreira e de emprego fixo.

Em jeito de conclusão, é possível dizer-se que, entre outras

características particulares do modelo burocrático proposto por Max Weber, a

precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação estrita e a redução de custos

constituem alguns dos aspectos introduzidos por este movimento

racionalizador da vida e do desempenho organizacional. Ainda que este

modelo tenha entrado em crise, convém sublinhar o facto de ter sido a partir do

conceito de burocracia que foi possível pensar reformas mais amplas e

arrojadas no domínio da administração pública e das organizações privadas,

materializando aquilo que poderemos designar de modernidade organizacional.

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 37

2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de novos paradigmas

2.3.1 Da escola das relações humanas às abordagens manageriais

Um dos primeiros e mais significativos movimentos de reacção às

abordagens clássicas das organizações foi protagonizado, entre outros, por

teóricos como Elton Mayo, Kurt Lewin e John Dewey, precursores da Escola

das Relações Humanas. Este movimento, inspirado na filosofia pragmática e

em ideais humanistas, centrou as suas preocupações na crítica ao

mecanicismo, à instrumentalidade e ao formalismo propostos pelas abordagens

clássicas, explorando a ideia de que os níveis de integração social e

organizacional são tão ou mais importantes para o desempenho global das

organizações que a lógica científica e burocrática de divisão e organização do

trabalho.

Assim, mais do que as competências técnicas estritas, a capacidade

social dos trabalhadores, as dinâmicas de grupo, as interacções e

sociabilidades informais e o grau de motivação e satisfação dos trabalhadores

constituíam os eixos mais importantes, a partir dos quais seria possível dotar

as organizações de maior eficiência e eficácia.

Esta abordagem considerava, ainda, que a especialização excessiva do

trabalho constituía uma fragmentação da actividade organizacional que poderia

vir a ter um impacto negativo no desempenho global. Em termos gerais, se as

teorias clássicas pensavam as organizações como máquinas, enfatizando as

tarefas e a tecnologia e inspirando-se em sistemas de engenharia, a teoria das

relações humanas focava-se sobretudo no ambiente organizacional12, nas suas

estruturas grupais e na dimensão humana subjacente às relações de trabalho.

12 Para uma recensão da história e da problemática do clima organizacional, cf. Chambel e

Curral (2008).

38 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

A importância atribuída às equipas de trabalho legitimava agora um sistema de

delegação de autoridade que beneficiava da autonomia confiada aos

trabalhadores. Em suma, o respeito pelas regras e regulamentos cedia lugar à

ênfase nas relações humanas e na dinâmica grupal e interpessoal.

Esta teoria veio dar visibilidade e preponderância à motivação, à

liderança e à comunicação organizacionais, enquanto factores decisivos a uma

gestão flexível e eficiente do trabalho, gerando novas abordagens teóricas e

conceptuais de grande importância. Contudo, a sua oposição às abordagens

clássicas, descartando muito do seu contributo racionalizador, a sua concepção

das relações de trabalho como se a autodisciplina fosse apanágio natural dos

grupos sociais e ainda o enfoque excessivo na informalidade organizacional,

evidenciavam, para muitos autores, as suas limitações.

Nas críticas ao modelo burocrático destaca-se Robert Merton (1949),

chamando a atenção para as disfunções burocráticas, o impacto da prescrição

estrita de tarefas sobre a motivação dos empregados, a resistência às

mudanças e desvirtuamento de objectivos provocado pela obediência acrítica

às normas (apud Secchi, 2009: 353) constituem efeitos negativos da

administração burocrática das organizações, a par do enfoque na antiguidade

como critério promocional, desencorajando uma salutar competição interna e

convidando à inércia organizacional. É, aliás, nesse sentido que se questiona a

eficiência da burocracia quando as organizações gozam de uma situação de

monopólio na prestação de serviços públicos, que as imuniza a estímulos

concorrenciais a partir do exterior.

A abertura à sociedade será, como veremos adiante, um ponto de

partida para repensar as lógicas organizacionais na perspectiva da qualidade

dos seus outputs e da satisfação dos seus beneficiários, utentes ou clientes. A

partir de meados do século XX, intensificam-se as críticas ao modelo

burocrático, ainda que com proveniências e direcções distintas e, por vezes,

contraditórias, entrando-se no que se designa de era pós-burocrática.

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 39

2.4 As teorias manageriais

No essencial, esta nova era, genericamente adjectivada como

managerial, caracteriza-se por um conjunto de orientações comuns no domínio

organizacional que, de acordo com Lane (1995), representa uma gradual

substituição de um Estado Administrativo, ideologicamente conotada com o

modelo burocrático13, como resposta à ineficácia deste. Essas novas

orientações apontam para a profissionalização da gestão; a empresarialização;

a redução dos níveis hierárquicos e, consequente, achatamento dos designs

piramidais das organizações; a descentralização e fragmentação em unidades

administrativas; a competição intra e interorganizacional; a focalização nos

resultados; a prestação de contas (accountability); e a marketização.

Hood (1995) sintetiza as principais características da administração

pública managerial, concedendo destaque à desagregação dos serviços

públicos em unidades especializadas, à competição entre organizações

públicas e entre serviços públicos e privados, ao recurso a práticas de gestão

típicas da administração privada, ao empreendedorismo organizacional, à

autonomia decisória, à avaliação do desempenho e à centralização nos

outputs. A capacidade de resposta, a flexibilidade e elasticidade são conceitos

chave associados a este novo modelo de gestão.

A emergência e hegemonia destas novas teorias, no quadro das

reformas desencadeadas na administração pública a partir dos anos 80 –

comummente designadas como New Public Management –, têm sido

percepcionadas com relativa ambivalência: por um lado, procura-se superar as

limitações e os constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de

organização, caracterizados pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à

13 O que significa que a emergência deste novo paradigma ocorre não apenas com base num

consenso tecnocrático sobre as organizações mas, igualmente, num consenso ideológico sobre o papel do Estado nas sociedades contemporâneas, sobre as relações de poder nas organizações públicas e sobre a preponderância do sector privado na provisão de bens e serviços.

40 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

sociedade e ineficiência administrativa; por outro, como corporizante de uma

transformação política mais ampla, assente num novo consenso ideológico de

natureza neoliberal: o Estado e a administração pública são sinónimos de

desperdício irreformável, abrindo campo a um novo receituário político baseado

na privatização do máximo de subsectores públicos alienáveis para o mercado

e na adopção de modelos de gestão equiparados ao sector privado, no caso da

sua manutenção na esfera pública.

Assim, ganha corpo a ideia segundo a qual, à semelhança das

organizações privadas que se considera funcionarem de forma mais eficiente

por serem orientadas pelo lucro e pela oferta dos seus bens e serviços estar

relacionada à procura dos mesmos, o Estado também dever organizar-se com

base numa filosofia similar (Ng, 2007: 11). Adverte-se, porém, que, embora os

referenciais da gestão empresarial possam ser úteis à reforma da gestão

pública, não devem ser transplantados para as organizações públicas sem que

se tenha na devida conta a sua missão primordial, os seus objectivos e os seus

principais fundamentos políticos. Desde logo, o conceito de cidadania deverá

prevalecer face ao estatuto de consumidor14.

A aferição dos padrões de desempenho, a qualidade e a eficácia das

organizações públicas recentram-se na satisfação dos cidadãos utentes dos

serviços aumentando a confiança social nas organizações e, em consequência,

conferindo-lhes maior legitimidade. Como melhor se verá adiante, no quadro

dos modelos de excelência, o critério sociedade ou o retorno social assumem-

se como um importante dispositivo e sendo precisamente aquele que, a par

dos ganhos de eficiência e da qualidade nos resultados, permite uma

ampliação da noção de prestação de contas, para além dos mecanismos de

14 Para Madureira e Rodrigues, “a escola managerial não só não resolveu os problemas

públicos de forma taxativa, como incorreu em incoerências diversas, proclamando não raras vezes a descentralização, a delegação de competências e a desregulação como medidas fundamentais para a mudança de paradigma na reforma administrativa, mas mantendo o poder hierárquico altamente centralizado na prática. Este foi o terreno propício para que, independentemente de todas as discussões conceptuais acerca do mesmo, o conceito de governance tivesse ganho peso” (2006: 158).

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 41

responsabilização, transparência e controlo. Neste contexto, a prestação de

contas das organizações públicas exerce uma função equivalente à

concorrência nas organizações privadas e lucrativas. Considera-se, ainda, que

o envolvimento regrado e operacionalizado dos cidadãos na vida das

organizações – que poderá reportar-se tanto à definição dos padrões de

atendimento e acessibilidade, como a outros procedimentos organizacionais

socialmente relevantes e escrutináveis –, para além de constituir um factor

facilitador da gestão da complexidade, obriga à transparência dos resultados

como complemento do controlo político normal e da legitimidade democrática

(Langbroek, 2005: 50).

42 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

2.5 O conceito de governação e as novas abordagens organizacionais

Nos anos mais recentes, novas perspectivas teóricas têm vindo a ser

desenvolvidas à volta dos conceitos de governação e de excelência,

protagonizando uma transformação importante nos estudos organizacionais

contemporâneos e comportando, não apenas uma nova linguagem

caracterizadora das dinâmicas e dos processos organizacionais, como um

novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias. Para alguns15, a

governação organizacional deveria cumprir, sobretudo, uma função

catalizadora que, ao invés de concentrar para si o comando, a gestão e a

implementação de medidas, deveria dar prioridade à harmonização da acção

desenvolvida por diferentes actores organizacionais. A descentralização

deliberativa e funcional permite um melhor aproveitamento dos conhecimentos,

das capacidades e das competências existentes na organização, estimulando a

inovação prática e reflectindo-se na motivação dos funcionários.

O conceito de governação organizacional, importado de outros campos

disciplinares, ganhou forte expressão ideológica e académica com o fenómeno

da globalização16. Em traços largos, remete para o afastamento do Estado,

enquanto entidade autónoma e isolada na sua função provisional e regulatória

e, portanto, para a transição para um modelo colaborativo e articulado entre

diferentes actores estatais e não estatais17 na produção de políticas públicas. A

penetração daquele conceito na esfera e na linguagem organizacional pública

está fortemente relacionada, tanto com o aumento da complexidade e dos

15 Na linha do famoso best-seller de Peters e Waterman, In Search of Excellence (1982),

Osborne e Gaebler (1992) dedicaram-se ao estudo do governo empreendedor enquanto modelo pragmático de gestão pública, explorando um conjunto amplo de dimensões gerenciais decisivas à transformação de uma organização pública burocrática numa organização pública racional, eficaz, competitiva e flexível.

16 Para uma genealogia crítica do conceito, cf. Santos (2003).

17 Sobre o papel do Estado como Novíssimo Movimento Social, protagonista da coordenação

dos diferentes actores provisionais e regulatórios, cf. Santos (2002).

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 43

fluxos de informação a que as organizações se encontram expostas, como com

a necessidade de um maior e mais eficaz controlo dos processos e dos

resultados reivindicados pelos diferentes stakeholders. Nesse sentido,

administrar o sector público passa por uma gestão de redes complexas,

compostas por actores diversos (com aprendizagens, expectativas e

comportamentos diferenciados), por grupos de pressão, grupos políticos,

instituições sociais e empresas privadas. Existindo conflito de interesses entre

estes actores, a gestão pública deve ser capaz de os gerir, não devendo impor

unilateralmente a sua vontade (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). Todo este

processo envolve uma transformação profunda nos cenários organizacionais,

sendo que a antecipação, a adaptação e a capacidade de influência sobre as

mudanças em curso são factores determinantes para a sustentabilidade deste

novo paradigma administrativo das organizações.

No quadro deste novo conceito, a gestão por objectivos, focalizada nos

outputs e no impacto social da actividade organizacional, a par da satisfação

dos cidadãos utentes, assume um papel central. O planeamento estratégico

das organizações deve, ainda, incentivar uma cultura preventiva e pró-activa

face aos problemas menos rotinizados, contrariando as lógicas reactivas típicas

do comportamento burocrático perante a contingência e a incerteza.

A sua aplicação às organizações públicas não pode, contudo, perder de

vista que elas são portadoras de uma racionalidade distinta e que, por vezes,

algumas das referidas características são ofensivas dos princípios e garantias

de que as organizações públicas, e os tribunais em particular, são portadores.

Pelo que as noções mais normativas e hegemónicas de informalidade,

simplificação e celeridade de procedimentos não poderão aplicar-se acrítica e

irresponsavelmente em instituições públicas, em particular judiciárias, nas

quais os elementos procedimentais e burocráticos também constituem

modernas garantias dos cidadãos.

Este novo conceito abre, igualmente, espaço à problematização dos

fenómenos inter-organizacionais e à cultura de interface e de articulação que,

nalguns países e sectores se tem vindo a consolidar; enquanto noutros, pelo

44 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

contrário, tem revelado dificuldades de sedimentação nas organizações

públicas. Esta é, aliás, uma componente, como temos vindo a demonstrar em

vários trabalhos do OPJ, que revela muitas debilidades no sector da justiça

entre nós. O sistema não consegue responder eficientemente à progressiva

intensidade e complexidade da relação entre as estruturas judiciais e as

múltiplas instituições conexas. Esta circunstância obriga a que se faça uma

análise crítica e exaustiva das redes organizacionais e do grau de preparação

das organizações para as mudanças necessárias à afirmação de uma lógica de

projecto e de parceria que efective a qualidade nos resultados finais, nos

serviços prestados aos cidadãos e, em última instância, na garantia dos seus

direitos legalmente consagradas. Isto significa que, embora constituam temas

aparentemente distantes, as dinâmicas organizacionais possuem uma relação

íntima e decisiva com aquilo que de mais essencial pode existir numa noção

realista e sociologicamente construída de Estado de direito democrático.

As novas abordagens organizacionais salientam, igualmente, outras

vertentes. Preparar, qualificar e operacionalizar as organizações públicas para

as mudanças, requeridas tanto por novos como por velhos desafios (de ordem

cívica, jurídica e social), significa, entre outras coisas, conferir uma especial

atenção ao papel das lideranças na condução e no acompanhamento desse

processo, partindo da relação estreita entre cultura, estratégia e liderança.

Neste sentido, Schein (1993) propõe uma distinção que se revela, neste

contexto, particularmente útil, entre liderança transaccional e liderança

transformacional, de forma a caracterizar técnicas, comportamentos e atitudes

liderantes adequados a carências e etapas organizacionais, a partir da tensão

entre estabilidade e mudança.

Se a primeira (transaccional) se reporta à capacidade de assegurar a

rotinização dos processos, baseando-se numa relação líder/subordinados na

motivação destes últimos para o cumprimento dos objectivos pré-definidos e na

clarificação de papéis associados às tarefas, a segunda (transformacional) visa

influenciar o curso de recomposições e alterações mais amplas na

organização, procurando mobilizar e capacitar os seus membros para a

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 45

mudança organizacional. Capacidade na gestão dos riscos, das oportunidades

e das expectativas são traços liderantes fundamentais para o sucesso da

transformação e adaptação das organizações a novas orientações funcionais e

administrativas. É, aliás, por essa via que, na esteira de Hood e Lodge (2004),

é possível afirmar que a administração pública moderna se passou a

apresentar essencialmente como um mediador de actores, factores e

circunstâncias variáveis: a reforma administrativa poderá ser encarada como

um projecto integrado, complexo e diversificado onde é realmente necessária

uma gestão atenta e conciliadora dos diversos actores, dos seus

comportamentos e das suas expectativas, de forma a que se possam servir

todas sem arbítrios (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). A liderança deve

flexibilizar-se e ajustar-se em função dos cenários e dos contextos específicos

que caracterizam as organizações, ultrapassando a rigidez categorial das

concepções que prevaleceram, sobretudo, até à década de 60.

Neste processo, a aprendizagem organizacional assume um papel

crucial. A incorporação de conhecimento (tanto no domínio técnico,

especializado, como no campo dos saberes relacionais, interpessoais e

informais, imprescindíveis ao desenvolvimento de uma nova cultura

profissional) e a potenciação da alteração comportamental constituem os

termos mais estruturantes dessa aprendizagem que pode definir os termos da

relação entre estabilidade e mudança18.

Na perspectiva de Fiol e Lyles (1985), os ambientes demasiado estáveis

não convidam à alteração das práticas nem suscitam novas oportunidades.

Mas, o seu contrário também não reunirá as características mais propícias à

aprendizagem, nomeadamente, à rentabilização organizacional do processo

18 A relação entre mudança e aprendizagem não é, contudo, linear. De acordo com Hedberg

(1981), o conceito de mudança reporta-se ao ajustamento defensivo a um estímulo, de proveniência interna ou externa à organização, ao passo que o conceito de aprendizagem envolve a compreensão dos nexos e das razões associadas à mudança operada no sistema de práticas e no ambiente organizacional, contribuindo para a produção, assumpção e disseminação de novos saberes úteis à dinâmica funcional, cultural e comunicacional das organizações.

46 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

aquisitivo, na medida em que as situações de extrema instabilidade implicam,

geralmente, uma elevada sobrecarga para os comportamentos quotidianos,

impondo respostas adaptativas imediatas sem que seja garantido espaço para

o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, o que exige mudanças graduais

(Parente, 2006: 90).

Do ponto de vista das condições para a execução da mudança, o

envolvimento dos intervenientes será tanto mais importante quanto mais a

orientação gestionária adoptar uma estratégia antropocêntrica, por oposição a

uma estratégia tecnocêntrica. Se esta última é dirigida às dimensões

estritamente operacionais, a primeira assenta numa tónica gerencial centrada

no potencial e no capital humano19 das organizações, procurando enriquecer

os conteúdos desenvolvidos na actividade organizacional. Daí que as

condições de aprendizagem que a figura seguinte ilustra devam ser tidas em

conta pelas lideranças (Parente, 2006).

19 A noção de capital humano tem sido objecto de uma discussão sociológica própria. Sendo

vasta a literatura que se tem dedicado à sua conceptualização e operacionalização, tem vindo a sofrer diferentes reconstruções e ampliações desde a sua proposta inicial nos anos 60 (Becker, 1994), ultrapassando o seu significado e a sua aplicação original. Para novos desenvolvimentos, cf. Oliveira e Holland (2007).

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 47

Figura 1. Condições organizacionais de aprendizagem

Fonte: Parente, 2006: 100

Uma dimensão sociológica fundamental dos processos de mudança nas

organizações consiste na forma como se estruturam as múltiplas frentes de

resistência à introdução de novos métodos de trabalho e, em geral, à

transformação racionalizadora da vida organizacional. As condições de

aprendizagem organizacional são, como vimos, factores importantes, no

sentido de ganhar ou cativar os seus membros e destinatários para as reformas

a desenvolver. Mas, como salientam Madureira e Rodrigues (2006), a questão

interpretativa apresenta excepcional relevância, na medida em que a forma

como são percepcionados e experimentados os termos da mudança (direcção,

justificação, condução e implicações directas e indirectas) nas organizações

constitui um elemento determinante do seu sucesso ou do seu fracasso.

De acordo com Kanter, Stein e Jick (1992), são várias as circunstâncias

e os conteúdos da mudança susceptíveis de gerar reacções adversas por parte

dos colaboradores. Desde logo, o impacto da mudança nas condições laborais

48 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

e nos vínculos contratuais constitui um elemento objectivo com efeitos no clima

organizacional. No caso específico da administração pública portuguesa, este

problema pode ganhar contornos mais agudos pelo facto do sector beneficiar

de um enquadramento mais protector/garantístico no domínio da legislação

laboral. Neste aspecto, os estatutos sócio-profissionais do sector da justiça

obrigam a especiais cuidados no impacto das políticas organizacionais para

este sector.

A perda de privilégios ou de controlo organizacional, a par da perda da

hegemonia das competências (por via, por exemplo, da introdução de

tecnologias que os colaboradores não dominam), constituem áreas de

mudança fortemente carregadas de potencial de resistência, pelo que a aposta

em novas competências comportamentais para os funcionários [pode] ser

importante para a restituição de confiança e de auto-estima dos mesmos, que

não devem sentir-se excluídos [...]. Se existir uma exclusão generalizada dos

funcionários num processo de mudança, este pode tornar-se contra-producente

e mesmo perigoso para a sobrevivência das organizações públicas (Madureira

e Rodrigues, 2006: 163). Conquistar os agentes, tornando-os parte activa do

processo de mudança é, por isso, fundamental nos processos de reforma.

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 49

2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve abordagem20

Os múltiplos significados e o carácter corrente da palavra qualidade – de

origem latina qualitas, que significa qualidade, maneira de ser, propriedade das

coisas [o que determina o que a coisa é (Aristóteles)] – quando utilizada em

contextos variados, não deixa de ter alguma analogia com as perspectivas

diferenciadas que o termo pode revelar num contexto de gestão.

A evolução do conceito de qualidade, revisto largamente na literatura,

pode ser hoje de forma consensual tipificado em cinco fases:

Inspecção: focalizada no produto, onde o conceito de qualidade surge

ligado à medição, comparação, verificação das actividades que determinam

a classificação do produto (década de 20);

Controlo da qualidade: focalizado no processo produtivo, onde o conceito

de qualidade surge ligado ao controlo estatístico e monitorização do

processo (décadas de 30 a 50);

Garantia de qualidade: focalizado em outros processos da organização,

para além do processo produtivo, onde a qualidade surge associada ao

planeamento, aos projectos, etc. (década de 60);

Gestão da qualidade: focalizada no cliente, nas suas necessidades e nível

de satisfação, onde o conceito de qualidade é integrado na gestão global

da organização. O planeamento, controlo e a melhoria estão em conjunto

presentes (década de 70 e 80);

Qualidade na excelência: focalizada numa cultura da organização que

assegura a satisfação dos clientes (a partir da década de 90).

Ao longo do último século, o quadro conceptual da qualidade foi

crescendo de abrangência e de complexidade, embora tenha sido

fundamentalmente a partir da década de setenta que o debate teórico se

20 O texto constante deste ponto, ligeiramente revisto, é da autoria da consultora deste projecto

Margarida Mano.

50 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

desenvolveu significativamente21. Neste percurso, o conceito de excelência

enquadra-se numa fase de maturidade do processo, numa óptica de qualidade

total (Total Quality Management) ou, conforme usualmente referenciado nas

áreas da educação e da saúde nos Estados Unidos da América (EUA), de

melhoria de qualidade contínua (Continuous Quality Improvement).

Aos modelos de excelência, ou de qualidade total, subjaz uma filosofia

de gestão que centra a organização naquele que é a razão de ser última da

sua actividade (o cliente/o utente/o cidadão) e numa dinâmica de melhoria

contínua. Neste contexto, pressupõe-se uma abordagem sistémica22 com

princípios de gestão aplicados em todos os níveis, todos os estádios e todos os

departamentos da organização, tendo sido criados a nível internacional vários

programas de incentivos à utilização destes modelos, designados de prémios

de excelência, de que se destacam: Deming Prize fundado no Japão, pelo

Japanese Union of Scientists and Engineers, em 1951; Malcolm Baldrige

Award, nos EUA, cujo primeiro prémio foi distribuído em 1988; e European

Quality Award na Europa, primeiro prémio atribuído pela European Foundation

for Quality Management em 1992.

O modelo baseado na filosofia da gestão pela qualidade total de

referência na Europa é o modelo da EFQM. Trata-se de uma ferramenta que

pretende possibilitar melhores práticas de gestão e dessa forma melhorar o

desempenho das organizações, podendo ser utilizado para verificação do

estado da organização (auto-avaliação), como ferramenta de planeamento ou

enquanto ferramenta de gestão da mudança.

21 Juran (1974), Crosby (1979), Ishikaw (1982), Deming (1986), Feigenbaum (1987), Kanji

(1998), Dahlgaard et al (1998)] e Oakland (2000), entre outros.

22 TQM is a structured attempt to re-focus the organization‟s behaviour, planning and working

practices towards a culture which is employee driven, problem solving, customer oriented, and open and fear-free. “Furthermore, the organization‟s devolution of decision making, removal of functional barriers, eradication of sources of errors, team working and fact-based decision making”, Ghobadian et al. (1998:10).

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 51

A premissa de base em que assenta o modelo, ilustrada na figura

seguinte, é a de um processo dinâmico em que resultados excelentes relativos

aos clientes, pessoas e sociedade são alcançados através de liderança na

condução da estratégia, que é transferida através das pessoas, das parcerias,

dos recursos e dos processos, dos produtos e dos serviços.

Figura 2. Modelo de Excelência da EFQM

Enablers Results

Learning, Creativity and Innovation

Leadership People

Strategy

Partnerships & Resources

Processes, Products & Services

People Results

Customer Results

Society Results

Key Results

Fonte: www.efqm.org

O modelo de excelência da EFQM, inicialmente vocacionado para

grandes empresas do sector privado, tem vindo a ser revisto no sentido da sua

generalização a todas as organizações, independentemente da dimensão e

sector de actividade. Desta tendência é exemplo a evolução recente para a

versão de 201023, que reforça a integração entre os nove critérios

23 EFQM (2009).

52 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

apresentados na figura e os conceitos fundamentais da excelência24

(reformulados com uma designação mais dinâmica): a) alcançar resultados

equilibrados; b) acrescentar valor para o cliente; c) liderar com visão, inspiração

e integridade; d) gerir por processos; e) alcançar o sucesso através das

pessoas; f) alimentar a criatividade e a inovação; g) construir parcerias; e h)

assumir a responsabilidade por um futuro sustentável.

Figura 3. Modelo de Excelência da EFQM

Taking Responsability

for a Sustainable Future

Building

Partnerships

Nurturing Creativity

& Innovation

Succeeding through People

Achieving Balanced Results

Adding Value for

Customers

Leading with Vision,

Inspiration & Integrity

Managing by Processes

Fonte: wwww.efqm.org

A qualidade no serviço público teve um desenvolvimento tardio,

sobretudo a partir da década de oitenta, quando a comparação entre padrões

24 Reforça-se também a integração com a lógica do RADAR que mantém os quatro elementos

(Resultados; Abordagem; Desdobramento e Avaliação e Refinamento) embora sofra alterações ao nível dos atributos, nomeadamente dos Resultados.

Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 53

públicos e privados, a par com a estratégia de supervisão estatal condicionada

pela escassez de recursos, determinaram a orientação de vários olhares

críticos para os serviços públicos.

Em Portugal é definido em 1999 um referencial público inspirado em

princípios de qualidade total: o Sistema de Qualidade em Serviços Públicos (DL

n.º 166-A/99, de 13 de Maio). O diploma considera que a qualidade em

serviços públicos é uma filosofia de gestão que permite alcançar uma maior

eficácia e eficiência dos serviços, a desburocratização e simplificação de

processos e procedimentos e a satisfação das necessidades explícitas e

implícitas dos cidadãos. Este diploma potenciava um modelo que, volvidos

onze anos, se quedou pelo estabelecimento de princípios enquadradores, não

sendo utilizado, conforme previsto no seu Capítulo III, enquanto referencial de

um sistema de certificação de órgãos e serviços.

OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA

E A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS: DA QUALIDADE À EXCELÊNCIA

3

56 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

3 OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA E A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS: DA QUALIDADE À EXCELÊNCIA

As organizações do judiciário não escapam àquele novo contexto e

novas dinâmicas da administração pública, embora este seja um dos sectores

do Estado ao qual as reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Tal

como em outras organizações do Estado e da sociedade, os modelos

burocráticos de administração das organizações têm vindo a ser submetidos a

um processo de reflexão e reavaliação política e académica. Até à década de

90 do século passado, a resposta do sistema à sua crise centrou-se,

sobretudo, em reformas de natureza processual e no crescimento de recursos

humanos e materiais. Mudanças no Estado e na sociedade mudaram o

contexto social da justiça, cujos sinais mais visíveis são o aumento exponencial

do volume e da complexidade da litigação, obrigando à procura de novos

caminhos para a reforma do sistema e à conclusão pela necessidade de outro

tipo de reformas estruturais.

Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha

com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa também ele a ser

objecto de análise e recomendações que pretendem explorar uma nova

dimensão gestionária, considerando-se que o défice de organização, gestão e

planeamento das organizações do judiciário em geral, eram responsáveis por

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 57

grande parte da ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional. Os

tribunais eram e ainda continuam a ser, generalizadamente, apontados como

uma das organizações mais burocráticas do Estado, sendo a burocracia da sua

organização e funcionamento um entrave à eficácia, eficiência e qualidade do

seu desempenho. Defende-se, por isso, a introdução de medidas que visem a

alteração de métodos de trabalho, uma melhor e mais eficaz gestão de

recursos (humanos, materiais e dos processos) e uma melhor articulação dos

tribunais com os serviços complementares da justiça. As reformas que visam o

reforço da capacidade de organização e gestão do sistema de justiça tornaram-

se, assim, apostas centrais das agendas de reforma em muitos países. Nos

últimos anos, como melhor se verá adiante, o debate evoluiu para a reflexão

sobre como implementar no judiciário os novos conceitos de qualidade total e

ou de excelência.

O Conselho da Europa, especialmente através da Comissão Europeia

para a Eficiência da Justiça, deu um especial impulso a este movimento. Em

2001 (Recomendações (2) e (3)) chamou a atenção para a importância das

novas tecnologias, enquanto instrumento auxiliar da administração e gestão da

justiça, apelando ao seu uso mais intensivo em contexto judiciário, de modo a

permitir, entre outros, a padronização e automatização de procedimentos

repetitivos a melhoria das comunicações, quer internamente, quer das

diferentes organizações com o exterior. A informatização passou, ainda, a ser

vista como um instrumento essencial para a obtenção de indicadores

estatísticos que permitam melhor definir medidas gestionárias e obter

indicadores de avaliação. Mais recentemente, com o conceito de e-governance

(Recomendação (15) de 2004), a vertente transparência e comunicação com

os cidadãos emerge com uma das componentes do sector da justiça a

dinamizar.

No que se refere aos estudos desenvolvidos no âmbito da CEPEJ25,

25 Para mais desenvolvimentos, cf. OPJ (2008).

58 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

destaca-se a publicação, em 2006, de um compêndio de boas práticas de

gestão do tempo dos processos judiciais. Trata-se de um documento que reúne

algumas boas práticas desenvolvidas em tribunais e recomendadas pelo

Conselho da Europa, bem como decisões, neste âmbito, do Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos26. Naquele documento, as questões da administração e

gestão, designadamente sobre o papel a desempenhar pelos agentes judiciais,

e o uso das novas tecnologias de informação e de comunicação assumem

especial relevância. Defende-se a adopção, pelos Estados, de princípios

orientadores, para todo o sistema judicial, embora se considere que deverão

ser, caso a caso, os próprios tribunais a desenvolverem as suas estratégias de

gestão atendendo às respectivas especificidades, às dinâmicas contextuais e,

ainda, aos usos e costumes do foro.

Defende-se, naquele relatório da CEPEJ, a adopção de políticas e boas

práticas de gestão processual, apontando-se a necessidade de adaptação da

tramitação processual à complexidade dos casos considerando, entre outros, o

valor da acção, o número de interessados ou as questões jurídicas que o caso

concreto suscita. Avança-se, ainda, com a recomendação de várias outras

medidas, tendo em vista, por exemplo, a redução dos adiamentos de

audiências, a realização de uma conferência prévia entre as partes com vista à

calendarização dos actos processuais, evitando, assim, o desperdício de tempo

e de recursos27 e a adopção de formatos concisos e padronizados nas

decisões judiciais28, de modo a que os juízes se foquem nas questões

jurisdicionais.

26 As questões são agrupadas em cinco linhas temáticas: estabelecimento de calendarizações

realistas e mesuráveis para a realização dos actos processuais; assegurar o cumprimento dos prazos fixados; monitorização e disseminação de dados; desenvolvimento de medidas referentes à avaliação e de resposta ao volume processual; promoção de políticas e práticas de gestão processual.

27 Além daquelas vantagens são ainda apontadas outras como, por exemplo, o aumento de

acordos extrajudiciais.

28 Pretende-se fazer diminuir o peso argumentativo da decisão que, em parte, podia ser feito

por remissão.

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 59

Destaca-se, ainda, a preocupação com a criação de medidas que

permitam um rápido ajustamento do sistema judicial à variação do volume da

procura. A CEPEJ alerta para a importância das variações no volume

processual e na carga de trabalho. Os tribunais devem, por isso, ter em linha

de conta os fluxos da procura e a flexibilização da capacidade de resposta na

definição estratégica de medidas de gestão e na monitorização do seu

desempenho29. A adequada monitorização do volume processual e da carga de

trabalho pressupõe a definição prévia da capacidade de trabalho dos recursos

humanos do tribunal e uma distribuição adequada dos recursos materiais30.

Neste contexto é, por isso, dada especial ênfase à flexibilidade enquanto factor

fundamental das respostas a desenvolver. A importância deste factor prende-

se, essencialmente, com a emergência de alterações significativas, não

previstas ou imprevisíveis, que exigem o recurso a medidas correctivas31.

Mais recentemente, e com vista a ultrapassar dificuldades na obtenção

de dados quantitativos comparativos relativamente à duração dos processos,

foi criado, no âmbito da CEPEJ, um centro denominado SATURN32, que tem

como objectivo a identificação de categorias e definições comuns. O objectivo é

que estas categorias e definições venham a ser utilizadas em todos os

Estados-membros aquando da recolha de dados relativamente à duração dos

processos. Também em 2007, a CEPEJ lançou o desafio aos Estados-

membros de promoverem estudos em torno de temas como o acesso à justiça,

a duração dos processos, a monitorização e avaliação dos tribunais, o uso às

tecnologias de informação e comunicação nos tribunais e a administração e

29 Para tal é necessário um acompanhamento sistemático da evolução dos dados que

permitem traçar os fluxos quer através da recolha de dados por meio automatizados, quer através de sistemas mais simples e tradicionais.

30 Para mais desenvolvimentos no que respeita ao caso português, ver o estudo do OPJ

(2002).

31 Recomenda-se, por exemplo, o recurso à criação de task-forces de juízes, uma maior

flexibilidade das normas processuais de distribuição dos processos ou o alargamento das competências dos funcionários judiciais.

32 Cf. CEPEJ (2007).

60 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

gestão dos tribunais.

3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de algumas componentes

No último relatório da CEPEJ, publicado em 2008, assume-se uma

evolução em relação ao desafio da qualidade no judiciário. As orientações da

CEPEJ que, até então, se centravam, sobretudo, na defesa de modelos de

gestão para melhorar a eficiência do sistema de justiça, passam a dar relevo e

especial atenção aos aspectos relacionados com a qualidade. Neste contexto,

foi criado um grupo de trabalho (CEPEF-GT-QUAL), responsável pela recolha

de informação, pela avaliação das iniciativas e pelo desenvolvimento de

ferramentas que permitam promover a qualidade do judiciário nos diferentes

Estados-membros.

Como já se referiu, no contexto europeu, só no final da década de 90 do

século passado é que se começa a juntar à preocupação com a eficiência o

conceito de qualidade33, iniciando-se então o debate acerca do

desenvolvimento e consolidação da administração da justiça orientada para a

eficiência e qualidade, isto é, para garantir, partindo de valores comuns, que

determinados padrões e níveis de qualidade possam ser desenvolvidos,

implementados e garantidos pelas organizações do judiciário e pelos seus

membros.

Para alguns autores, como P. Langbroek (2005), o funcionamento

adequado de uma gestão orientada para a qualidade, principalmente em

organizações com as características dos tribunais, depende muito da forma

como se alcança um acordo na definição de padrões de qualidade,

considerando os princípios comummente aceites nas organizações judiciárias

33 Para mais desenvolvimentos sobre a questão da qualidade no judiciário, cf. Rivero-Cabouat

(2005).

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 61

europeias, como a independência e imparcialidade judicial. Outros princípios ou

linhas orientadoras, como a duração adequada dos processos, a eficiência, a

certeza e segurança jurídica, o acesso à justiça, a eficácia de desempenho e a

prestação de contas, são essenciais nesse consenso. Nem sempre é fácil

compatibilizar todos aqueles princípios com determinadas vertentes e

características das organizações judiciárias, designadamente, o seu desenho

institucional de governação e funcionamento organizacional ou a tensão entre

os domínios de acção política e judiciária. Defende-se, por isso, que um dos

principais vectores a considerar num modelo de justiça orientado para a

qualidade é o seu desenho institucional de governação e a relação que, através

dele, se estabelece entre os vários poderes do Estado e, em particular, entre o

poder judicial e o poder executivo.

M. Fabri (2005) sintetiza em quatro grupos as medidas ou políticas que

têm vindo a ser estabelecidas em diferentes países, tendo em vista melhorar a

qualidade da justiça. São elas: políticas de governação direccionadas para a

mudança das instituições que governam o judiciário; políticas estruturais

relacionadas com a alteração do número ou das funções das organizações do

sistema; políticas processuais que visam alterarem as regras tradicionais de

responder a problemas do judiciário; e políticas de gestão direccionadas para a

qualidade e eficiência de resposta ao volume e natureza da litigação, para a

avaliação do desempenho funcional e para o investimento em tecnologias.

Nesta nova orientação para a qualidade, assume especial relevância a

reflexão sobre os mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas.

São vertentes em debate em diferentes países, reconhecendo-se a sua

complexidade, desde logo, porque não podem colocar em causa os princípios

da independência e da autonomia do poder judicial. Malleson34 é um dos

autores que mais se tem destacado na reflexão acerca desta temática. Começa

por distinguir duas formas de prestação de contas: a prestação de contas

34 Cf. Malleson (1990).

62 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

política e a prestação de contas limitada. A primeira, que pode incluir medidas

como a demissão, a responsabilidade civil ou criminal, não será aplicável ao

poder judicial em respeito pelo princípio da independência judicial. O segundo

tipo centra-se na transparência procedimental e na mudança da relação,

considerando o novo contexto social, com os diferentes intervenientes

processuais e com a sociedade em geral, este sim aplicável às instituições do

judiciário35.

A adopção de uma perspectiva gestionária, orientada para a eficiência e

qualidade, impõe que se tenha em consideração aspectos relacionados com a

organização e funcionamento interno dos tribunais, incluindo os métodos de

trabalho36. Para H. Fix-Fierro (2003), intervir na organização e funcionamento

interno, adoptando objectivos e orientações comuns e claros é, numa

perspectiva gestionária, essencial. Aquelas orientações devem, por um lado,

constituir um pressuposto de avaliação do desempenho funcional e, por outro

lado, criar um ambiente de envolvimento para que todos os intervenientes

sintam que trabalham para um fim comum. Neste contexto, o desenvolvimento

de medidas que assegurem uma adequada divisão do trabalho e de funções

dentro da organização tribunal permite garantir, quer um nível mais elevado de

eficiência, quer a criação de condições de trabalho mais favoráveis, reduzindo

custos de coordenação e aumentando a capacidade de motivação ou de

reacção a situações de crise.

Santos Pastor (2003) alerta para a importância das orientações e

princípios comuns mas, também, para a necessidade das políticas de recursos

humanos assegurarem a flexibilidade dos conteúdos funcionais de modo a

permitirem uma maior mobilidade. Reflecte, ainda, acerca da importância da

definição dos pressupostos e critérios de progressão na carreira profissional,

que devem incluir critérios vinculados ao desempenho; do adequado

35 Cf. Ng (2007).

36 Esta é uma questão que se discute há longos anos nos países da Common Law. Nos países

de tradição jurídica continental apenas recentemente começou a ser alvo de reflexão.

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 63

planeamento que impeça a permanente rotatividade dos funcionários; da

garantia de formação; e, ainda, da adequada divisão de trabalho que permita

atribuir tarefas mais qualificadas a pessoal mais qualificado.

A importância da intervenção a este nível, leva autores como Gar Yein

Ng (2007) a concluir que, para a implementação de mecanismos de qualidade

nos tribunais, é necessário reformular a organização interna e funcionamento

dos tribunais de forma a eliminar, ou pelo menos a esbater, o seu carácter

atomístico.

Numa perspectiva gestionária, orientada, para a eficiência e qualidade

dos tribunais mostra-se, ainda, fundamental definir medidas susceptíveis de

actuar sobre os mecanismos de distribuição dos processos, quer entre

diferentes tribunais (organização judiciária), quer dentro de cada tribunal pelos

diferentes magistrados judiciais. Como já referimos em anterior estudo37, estas

medidas confrontam-se com dois princípios inerentes ao poder judicial: o

princípio da inamovibilidade e o princípio do juiz natural. A flexibilização na

distribuição de processos (movimentando os processos ou o juiz), quer por

razões de volume processual, quer por razões de natureza do conflito é uma

questão complexa. Enfatizando o princípio da inamovibilidade ou, para alguns,

uma interpretação restrita daquele princípio, são vários os sistemas judiciais,

incluindo o nosso, que não permitem a movimentação, fora de concurso próprio

ou de regras de afectação de um juiz, por razões conjunturais de volume ou de

natureza da litigação, quer de um tribunal para o outro, quer mesmo entre

secções do mesmo tribunal. Há, contudo, países em que sendo os juízes

colocados num espaço territorial mais alargado (por exemplo, na comarca em

vez de em determinado juízo) é possível uma maior flexibilidade na colocação

dos recursos humanos, desde que com respeito por critérios pré-definidos38.

O papel do presidente do tribunal na gestão dos recursos humanos,

37 Cf. OPJ (2008).

38 Para mais desenvolvimentos sobre esta temática, cf. OPJ (2006).

64 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

incluindo os magistrados, e na distribuição dos processos é diferente nos vários

sistemas judiciais, suscitando, assim, diferentes interpretações daqueles

princípios39. Os sistemas judiciais em que o presidente do tribunal desempenha

um papel mais activo, quer no que respeita à distribuição processual, quer à

gestão dos recursos humanos são, em regra, dotados de maior flexibilidade.

É certo que as regras de distribuição processual têm, genericamente, um

duplo objectivo: garantir a imparcialidade do tribunal e assegurar uma

distribuição tendencialmente igualitária de carga processual. Mas, para os

defensores de uma maior flexibilidade, o respeito pelo princípio da

independência é assegurado através de regras gerais e abstractas que

previamente definem os critérios da distribuição. Daí que, para alguns

autores40, a rigidez das regras relativas à distribuição processual dificulta a

distribuição de determinados processos mais complexos que deveriam poder

ser tramitados por juízes tecnicamente mais preparados para o tipo de questão

que aí se discute41.

No contexto europeu, encontramos diferenças significativas em sistemas

de justiça como os da Alemanha e de Itália, por um lado, e os sistemas de

justiça da Dinamarca, Inglaterra e País de Gales, por outro. Essas diferenças

acentuam-se, essencialmente, no que respeita ao nível de formalismo da

distribuição de processos. Existe, contudo, um terceiro grupo de países,

sobretudo a França e a Holanda, situados a meio termo entre aqueles dois

outros grupos que têm vindo a desenvolver regras internas que permitem uma

maior flexibilidade da distribuição de processos (OPJ, 2008).

A análise da experiência comparada mostra que as preocupações de

39 Em França, por exemplo, compete ao presidente do tribunal distribuir os juízes do tribunal

pelas várias secções. Na Noruega, por sua vez, é o presidente do tribunal que decide a distribuição dos processos pelos vários juízes.

40 Cf. Langbroek e Fabri (2007).

41 Por oposição, na Dinamarca, em Inglaterra e no País de Gales, a troca informal de

processos entre juízes é relativamente frequente.

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 65

gestão processual surgiram associadas aos países de tradição da common

law, caracterizados por um processo de tipo adversarial, mas com um forte

poder de conformação do juiz e onde, por regra, este é assessorado por um

conjunto de funcionários com competências específicas, não só no que

respeita à administração do tribunal, mas também em matéria de direito. Por

contraposição, no sistema continental de tradição histórica francesa e de cariz

burocrático, a introdução de métodos de gestão processual tem-se vindo a

revelar muito mais resistente.

Aliás, a perspectiva gestionária surge, sobretudo, como uma

necessidade de resposta ao crescimento da litigação, tendo por base a

concepção segundo a qual a eficiência resulta menos das mudanças das

regras processuais do que da adequada monitorização do desempenho

funcional dos tribunais e intervenientes no processo, tendo em conta o caso

concreto42. Neste contexto, discute-se a adopção de medidas gestionárias com

reflexos no caso concreto, como sejam a selecção adequada da

calendarização das diligências; o encorajamento da solução do conflito por

acordo; a estabilização da instância, decidindo-se, o mais cedo possível, todas

as questões formais; a adopção de critérios que possibilitem a definição de

uma estimativa de duração provável dos processos de acordo com a natureza

do litígio; a adopção de medidas que permitam prevenir a duplicação de prova

e a obtenção da mesma a custos mais reduzidos; que garantam uma produção

de prova reduzida ao essencial; o recurso a funcionários judiciais com

competência e formação especializada para o tratamento de determinadas

matérias e ou litígios; a utilização eficiente das novas tecnologias de

comunicação; e, ainda, sempre que possível, a utilização de formas

processuais mais céleres.

Como acima se referiu, as orientações de políticas gestionárias estão

42 Assim sendo, uma das consequências desta nova concepção foi a mutação do tradicional

papel do juiz, enquanto terceiro imparcial e distante, num interveniente activo na gestão do processo, cf. Fix-Fierro (2003).

66 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

intimamente ligadas ao desenvolvimento das novas tecnologias de informação

e de comunicação, consideradas uma das componentes fundamentais de uma

orientação estratégica para a qualidade e eficácia dos sistemas judiciais.

Contudo, e como também já se deixou dito, a disponibilização de tecnologias

de informação no sistema judiciário não constitui, por si, garantia de uma

utilização optimizada das mesmas, acontecendo, com frequência, o seu uso

ficar bastante aquém das suas potencialidades.

A diversidade europeia no que toca ao grau de implementação e à

eficácia e finalidades das tecnologias de informação nos diversos sistemas

judiciais é significativa. Neste sentido, M. Fabri e F. Contini (2001) concluem

que, ao nível europeu e de um modo geral, a introdução das tecnologias de

informação nos sistemas judiciários é conduzida tendo em vista a resolução de

problemas específicos, e não a sua eficaz integração no sistema judicial e

(mesmo na organização onde vão ser utilizadas) não prevendo nem uma visão

integrada dos sistemas de informação, nem uma eficaz articulação entre as

diferentes instituições do judiciário, como, por exemplo, entre os tribunais, as

prisões ou as polícias. Chamam, igualmente, atenção para a circunstância de

não existir troca de conhecimentos entre os diferentes Estados-membros sobre

as aplicações utilizadas e testadas. Entendem também que não são

desenvolvidos, em regra, programas de formação adequados para todos os

intervenientes do sistema judicial, desde juízes a funcionários, passando pelos

advogados, que permitam uma eficaz utilização das tecnologias de informação

e o reconhecimento do seu potencial para o desempenho funcional43. Tal

formação ajudaria a ultrapassar resistências às reformas, embora para os

autores a eliminação das resistências só seja possível através de mudanças

significativas na cultura jurídica44.

43 Cf. Oskamp, Lodder e Apisola (2004).

44 Muitos autores têm apontado, no que se refere ao estudo do êxito das reformas, a

importância da cultura jurídica. Não obstante a influência de outros factores, ressalta-se, em especial, o papel da cultura jurídica interna, isto é, os obstáculos que podem ser interpostos ao sucesso das reformas por parte de quem integra o sistema judicial (juízes, profissões jurídicas,

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 67

3.2 Da qualidade à excelência dos tribunais 45

A discussão em torno da evolução de um modelo sistémico de gestão,

baseado em princípios de qualidade, para um outro baseado em princípios de

excelência nos tribunais começa hodiernamente a ganhar relevo. O

desenvolvimento deste modelo pressupõe uma prévia definição conceptual do

modelo, com a assunção partilhada dos valores fundamentais a ter em conta

pelos tribunais no desenvolvimento da sua missão, bem como uma clara

definição das funções e responsabilidades dos agentes. Os valores nucleares

do exercício da função judicial estão expressos nos enquadramentos

legislativos respectivos e assentam em princípios, de um modo geral,

consensualmente aceites. Apesar deste consenso, a sua explicitação não é

neutra nem indiferente46.

A definição da matriz de funções e responsabilidades, necessária em

qualquer situação, assume no caso particular da justiça importância redobrada

considerando que na gestão dos tribunais e dos seus recursos humanos, co-

existem duas funções distintas – a função jurisdicional e a função

administrativa – que podem ter tutelas distintas e, na maioria dos países,

efectivamente têm-na. A primeira é independente e essencial naquela que é a

missão dos tribunais. A segunda é uma função de suporte à sua actividade,

inerente ao funcionamento de qualquer entidade pública ou privada, tendo o

seu funcionamento um impacto crucial na eficiência e na qualidade da primeira.

Os modelos de excelência podem revelar-se, neste contexto, adequados

governo e funcionários judiciais) (OPJ, 2008).

45 O texto que integra este ponto beneficiou de anteriores trabalhos do OPJ e corresponde, na

sua essência, aos contributos da consultora deste projecto Margarida Mano.

46 Os valores internacionalmente assumidos no âmbito do IFCE (International Framework for

Court Excellence) são: a igualdade (perante a lei); equidade; imparcialidade; independência na tomada de decisão; competência; honestidade; transparência; acessibilidade; actualidade; segurança.

68 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

enquanto instrumentos de referência ao modelo de gestão do tribunal. Se, por

um lado, são conceptualmente integradores de vários critérios, suportados em

diferentes dimensões organizativas, o que potencia a coexistência matricial de

diferentes tutelas (desde que obrigatoriamente harmonizadas nas dimensões

da liderança, da política e da estratégia) têm, por outro, a virtude de poderem

ser utilizados em estádios muito diferentes das organizações e dos sistemas

(estáticas, como pode ser a auto-avaliação, de planeamento ou de dinâmica de

mudança).

A experimentação de modelos de gestão na justiça, inspirados na TQM,

tem já uma experiência de décadas. Nos EUA a discussão da aplicação dos

princípios e metodologias da TQM aos tribunais remonta aos anos oitenta, com

a criação de um modelo de referência da qualidade através do Trial Court

Performance Standards em 1987, acompanhando o Malcolm Baldrige National

Quality Award47 iniciado na mesma altura48. Na década de noventa, era

possível encontrar, embora em número limitado, experiências de aplicação

destes modelos de gestão em diferentes Estados, em diferentes tipos de

tribunais (municipais, estaduais; de família, criminais, etc.) e numa ampla

abrangência de processos ou áreas. Aikman (1994: 23-25) apresenta, numa

obra que pretendia ser, na altura, um manual para decisores políticos

judiciários e administradores, experiências de aplicação da TQM em áreas que

vão desde a documentação e arquivo, à gestão de júris, organização de

espaços, avaliação da gestão, formação de juízes e staff, etc. As preocupações

dos estudos e relatórios de então parecem estar centradas na importância da

experimentação de práticas, eventualmente avulsas, que conduzam a

melhorias efectivas do serviço prestado nos tribunais49.

47 Cf. www.baldrige.nist.gov.

48 Sobre esta matéria, cf. OPJ (2001) e OPJ (2008)

49 Perhaps the center piece of the Judicial Branch TQM effort will be the utilization of Quality

Improvement Teams assigned to specific designated projects or organizational units and supported with the necessary training and resources over a period of time. A Plan for the Use of Total Quality Management in the Maine Judicial Branch, September 1, 1992, page 12.

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 69

Hoje, a abordagem que se encontra nas experiências de aplicação de

modelos de gestão da TQM nos tribunais dos EUA é claramente distinta: trata-

se de uma abordagem sistémica, focalizada na qualidade do serviço prestado

pelos tribunais50. A análise de procedimentos surge apenas de modo

instrumental, englobando não apenas os tradicionais fluxos organizacionais,

mas competências técnicas e comportamentais, formação, trabalho em equipa,

etc.

Como já referimos, na Europa, as primeiras experiências no sentido de

reflectir sobre um sistema integrado de qualidade nos tribunais datam do final

da década de noventa, sendo destacado por Albers (2009: 6-9) o caso

holandês e o caso finlandês. Uma abordagem mais concertada entre membros

da União Europeia, ou estruturas europeias, começa a ganhar visibilidade nos

últimos anos, embora apenas a um nível de discussão conceptual, com vários

estudos e relatórios da iniciativa do Parlamento Europeu; da CEPEJ51 e da

European Network of Councils for the Judiciary52, entre outros.

Mais, recentemente, esta abordagem ganhou um novo fôlego com o

International Consortium for Court Excellence53 que, a partir de 2007,

desenvolveu um enquadramento para a excelência dos tribunais (International

Framework for Court Excellence), instrumento que consideram poder ser usado

50 A título de exemplo, vejam-se as recomendações propostas por Patterson (2009: 58-64), na

sequência do estudo efectuado neste âmbito nos Tribunais da Georgia: “(…) this report recommends the following actions to address existing service quality gaps as perceived by Georgia trial court managers: (1) To promote the use of service quality evaluations and other data-driven approaches to measuring and enhancing customer service; (2) To develop resources regarding no/low cost approaches to reward and recognize court employees; (3) To work in consultation with the various judges‟ councils, clerk‟s associations, and local court personnel to develop a broad array of plain language court brochures, materials and website content; (4) To develop and facilitate customer service training modules; (5) To should work with the various court groups to develop court-specific guidebooks for assisting pro se litigants”.

51 CEPEJ (2007); CEPEJ (2008).

52 ENCJ (2008).

53 Os signatários do Consórcio são: The Australian Institute of Judicial Administration (AIJA);

The Federal Judicial Center; The National Center for State Courts (NCSC); The Subordinate Courts of Singapore com a associação da European Comission for the Efficiency of Justice (CEPEJ); Spring Singapore and The World Bank.

70 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

em todas as regiões do mundo para avaliar o nível de qualidade dos tribunais,

identificar áreas de melhoria e promover a excelência dos tribunais. O modelo

assenta em sete áreas de excelência, integradas com os valores nucleares de

um tribunal, que acompanham de perto os nove critérios da EFQM, conforme

se pode compreender a partir da figura seguinte.

Figura 4. EFQM e IFCE

Critérios do Modelo de Excelência da EFQM

Sete Áreas de Excelência nos Tribunais do IFCM

MEIOS

1.Liderança 1.Gestão e liderança dos tribunais LÍDER

2.Estratégia 2.Políticas dos tribunais

SISTEMAS E CAPACITAÇÃO

3.Pessoas 3.Recursos humanos, materiais e financeiros

4.Parcerias e Recursos

5. Processos, Produtos e Serviços

4. Processos nos tribunais

RESULTADOS

6.Resultados Clientes

5.Necessidade e satisfação

RESULTADOS 6. Serviços disponíveis e acessíveis nos tribunais

7.Resultados Sociedade

8.Resultados Chave 7. Confiança social

Do ponto de vista instrumental, o IFCE criou uma proposta de

questionário de auto-avaliação da excelência dos tribunais e tem promovido o

benchmarking com base na análise de estudos de caso à luz do modelo.

Em Portugal, a utilização do termo qualidade no âmbito da justiça,

apesar das reformas mais recentes do judiciário e do forte contexto de

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 71

mudança a que vem estando sujeita o sistema judicial54, parece ainda distante

do enquadramento conceptual da excelência. O contexto de mudança,

incentivado pela reforma do mapa e da organização judiciária, contribuiu para a

promoção de modelos alternativos ao modelo formal, como é o caso dos

centros de arbitragem, da mediação e da atribuição de competências outrora

exclusivas do juiz, a conservadores e a solicitadores, como também uma

reflexão mais alargada sobre a organização do sistema de justiça. Contudo,

como resulta das conclusões do estudo do OPJ Para um novo judiciário:

qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis (2008), as reformas do

judiciário nesta matéria são, não só em Portugal, mas também na Europa,

reformas centradas na discussão do modelo organizacional mais do que no

modelo de gestão. A discussão continua a situar-se na resposta ao volume

processual (número de processos entrados, pendentes, findos, etc.), o que

revela que as preocupações da qualidade se centram fundamentalmente na

melhoria da eficiência e, portanto, numa das fases iniciais do seu percurso: o

controlo da qualidade.

Contudo, nos estudos mais recentes, em particular relativamente à

discussão do novo mapa judiciário em Portugal, as oportunidades de melhoria

são claras ao nível das sete áreas de excelência do IFCE:

Gestão dos tribunais e liderança – (…) um dos grandes problemas com que

se confrontam os tribunais portugueses decorre de deficiências

organizativas e de gestão (OPJ, 2008: 43). A experiência das novas

comarcas, com a figura do juiz presidente, tem evidenciado a necessidade

de reforçar as suas competências, de forma a permitir uma liderança mais

eficaz.

Política da justiça – (…) é consensual que a definição de um novo

paradigma de política pública da justiça deve estar no lastro da

reorganização territorial do sistema de justiça (OPJ, 2008: 26).

Recursos humanos, materiais e serviços – a pouca flexibilidade da

legislação no que respeita aos recursos humanos, a gestão matricial e a

dupla tutela de muitos dos recursos, além de alguma indefinição e

54 Cf. OPJ (2008).

72 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

desadequação relativamente ao binómio centralizar/desconcentrar exige

definição de princípios coerentes e integrados no sentido de uma gestão

adequada dos recursos e seus resultados. A criação de um novo modelo de

recrutamento, formação, colocação e progressão na carreira dos

magistrados e dos funcionários judiciais é uma proposta (OPJ, 2008: 49)

que se insere nesta área de excelência.

Procedimentos – (…) nos últimos anos (…) não assistimos a melhorias de

eficiência, eficácia e qualidade significativas e houve mesmo alguma

degradação no domínio da duração processual (OPJ, 2008: 42). Neste

contexto, uma das propostas do OPJ (2008: 51) é a informatização plena e

eficaz do sistema de justiça, o seu funcionamento em rede e a criação de

novos paradigmas processuais.

Necessidades e satisfação dos clientes – não existem no sistema práticas

regulares de auscultação das necessidades e do grau de satisfação dos

clientes.

Serviços acessíveis e financeiramente praticáveis – existem áreas que, até

agora, revelam graves constrangimentos de acessibilidade, de que são

exemplos paradigmáticos os conflitos de família e menores (OPJ, 2008:

49). Deste modo, a endogeneização de uma justiça itinerante e a criação de

uma rede de serviços de justiça multifacetada representam algumas das

propostas inovadoras em cima da mesa.

Confiança social – finalmente, a actual crise da justiça, que o cidadão

absorve diariamente no discurso público, é reveladora do desfasamento

existente ao nível desta área de excelência.

De acordo com o debate em curso e olhando para o futuro, há dinâmicas

de mudança para sistemas de gestão e avaliação substancialmente diferentes

daqueles que têm sido correntemente usados. Existe uma percepção

generalizada, por parte dos diferentes agentes presentes neste debate, de uma

necessidade de mudança em que a excelência pode ser um padrão de

referência instrumental na gestão.

A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA

4

74 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

4 A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA

A pertinência de conhecer e trazer para o debate interno os principais

vectores em que assenta a reforma da secretaria judicial em Espanha, para

além da proximidade cultural, consubstanciada na similitude da matriz jurídica,

justifica-se pelo facto da reforma da secretaria judicial em Espanha partir de

uma constatação sobre problemas e ineficiências estruturais idênticas às

identificadas entre nós.

O legislador reformista considerava que as secretarias judiciais

funcionavam de forma atomizada e auto-suficiente, como compartimentos

estanques, onde se realizavam múltiplas e diversas funções. Partindo da

consideração de que o modelo de organização e funcionamento interno dos

tribunais não era, pela sua ineficiência, adequado ao actual contexto social e

processual, a reforma avançou para mudanças profundas no paradigma

estrutural e funcional das secretarias judiciais.

Com o objectivo de conferir mais qualidade e eficiência ao sistema de

justiça, a intervenção no âmbito da secretaria judicial traduziu-se numa reforma

verdadeiramente pluriforme. A sua concretização convoca a intervenção em

outras áreas do sistema de justiça, como seja no âmbito processual (de modo a

transferir para o secretário judicial a competência pela prática de alguns actos),

na remodelação das infraestruturas de modo a adaptar os espaços, na criação

de novas unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de

A nova secretaria judicial em Espanha 75

meios telemáticos.

No que respeita a esta última vertente, o programa de reforma incluiu a

implementação de vários programas informáticos55 no sentido de avançar para

uma justiça sem papel em todo o território nacional56. Neste âmbito, é de

referir, a título exemplificativo, várias medidas inovadoras. Por um lado, a

criação de um sistema de agendamento electrónico de diligências, gerido por

um serviço centralizado (agenda programada), o qual vai marcando as

diligências de cada processo de acordo com o seu iter processual e as

prioridades estabelecidas na lei57. Por outro, encontra-se em curso um

projecto-piloto de implementação do processo digital na Audiência Nacional.

Também as penhoras e as vendas judiciais passarão a ser realizadas por via

electrónica (sob a direcção do secretário judicial).

55 Os principais sistemas informáticos utilizados são os seguintes: a) MIG – Módulo de

Intercâmbio Genérico (1. comunicação por via telemática entre as unidades orgânicas de uma mesma secretaria judicial e entre secretarias judiciais diferentes; 2. assinatura digital das decisões judiciais); b) Lextnet (envio para os tribunais de peças processuais e documentos por meios telemáticos); e c) Minerva NOJ (1. assinatura electrónica; 2. módulo de relacionamento entre diferentes unidades da secretaria; 3. modificação de esquemas de tramitação processual; 4. modificação dos modelos anexos aos esquemas de tramitação processual). Foram, ainda, desenvolvidas medidas para a implementação destes programas em todo o território nacional, como o “Esquema Judicial de Interoperabilidade e Segurança” e o “Esquema Judicial de Interoperabilidade de Sistemas”, criados com o propósito de permitir a conexão entre os diferentes sistemas informáticos das comunidades autónomas. Foram igualmente celebrados, para o efeito, variados convénios de colaboração entre o Ministério da Justiça, entidades congéneres de várias comunidades autónomas, o CGPJ e a Fiscalía General. De entre esses convénios, destacam-se os relativos à cessão de uso do Lexnet e à interoperabilidade de sistemas informáticos e segurança (Alías Garoz e Casado Navarro, 2009: 32-33).

56 Um dos objectivos do sistema de informatização é ultrapassar a descoordenação criada pelo

desenvolvimento de diferentes programas em várias comunidades autónomas, muitos deles incompatíveis entre si, de modo a que seja possível o trabalho em rede, independentemente da comunidade autónoma em que estejam localizados. A informação estatística e o arquivo já estão centralizados. As decisões judiciais são enviadas, por todos os órgãos judiciais, ao CGPJ, e a recolha estatística estão sedeadas num centro de documentação ligado ao CGPJ.

57 São também consideradas as necessidades e disponibilidades logísticas e de recursos

humanos, bem como o tempo necessário para a citação/notificação de todos os intervenientes. A responsabilidade central por todos os agendamentos cabe ao secretário judicial.

76 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

4.1 Breve contextualização da reforma

O Livro Branco da Justiça, elaborado pelo Conselho Geral do Poder

Judicial, em 1997, ao caracterizar e avaliar o sistema judicial, constitui um

marco no processo de reforma da administração da justiça58. No que toca à

organização interna dos tribunais, em especial da secretaria judicial, salientava-

se a heterogeneidade organizativa e a compartimentação do seu

funcionamento. Chamava-se a atenção para o facto de, na prática diária, se

misturarem actividades de carácter administrativo e actividades de carácter

jurisdicional, sem que existisse um modelo comum de trabalho ou incentivos ao

trabalho diferenciado e especializado. Era, ainda, entre outros, salientado como

ponto negativo o facto de nas secretarias se cruzarem funcionários,

profissionais liberais e público em geral, o que provocava contínuas

interrupções no trabalho dos primeiros.

Em face deste diagnóstico, o Livro Branco da Justiça avançava com

algumas linhas de orientação relativamente às secretarias judiciais, avançando

já para a densificação dos serviços comuns, para uma diferente interacção

entre o juiz e a secretaria e para a possibilidade de transferência de algumas

funções da exclusiva competência do juiz para o secretário judicial.

A proposta de criação de serviços comuns foi considerada como um

elemento-chave na reforma das secretarias judiciais no sentido da sua maior

eficiência. Através da criação daqueles serviços, procurava-se evitar a

repetição de tarefas, uniformizando-as, libertando as diferentes secções de

praticar actos e tarefas semelhantes e criando uma estrutura especializada no

atendimento ao público.

Uma outra proposta veio, igualmente, abrir caminho à actual reforma.

Propunha-se que o perfil profissional do secretário judicial avançasse para a

58 Neste ponto, seguimos de perto o relatório do OPJ A Administração e Gestão da Justiça –

Análise comparada das tendências de reforma. Cf. OPJ (2001).

A nova secretaria judicial em Espanha 77

especialização de funções, o que incluía, para além de conhecimentos jurídicos

avançados, conhecimentos de gestão, de forma a permitir o exercício de

tarefas de apoio técnico, informação, assessoria e gestão de recursos

humanos e materiais. O Livro Branco enfatizava, ainda, a necessidade de

definição de programas de formação permanente dirigidos a todos os agentes

judiciais.

Com este pano de fundo, a Proposta de Modernização da Administração

da Justiça, de 1991, após fazer o elenco dos problemas identificados no

funcionamento e organização da secretaria judicial, apontava para um modelo

que distinguia as três actividades principais da administração da justiça: a

actividade jurisdicional, a actividade processual e a actividade estritamente

administrativa. O modelo apontava para a agregação de tarefas homogéneas

com a criação de unidades especializadas.

Esta nova perspectiva organizacional veio a ter acolhimento na Lei

Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu o novo modelo de

secretaria judicial, vindo dar forma a alguns objectivos do Pacto de Estado para

a Justiça59. Como principais alterações com impacto no funcionamento dos

tribunais, destacam-se: (1) a libertação do juiz de actos não jurisdicionais

(liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste modo dedicar a

totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente jurisdicional);

(2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial (secretário judicial,

considerado um especialista com alto nível de competência e elevados

conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se refere ao

funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a agregação de

tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da tramitação processual

propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a especialização dos

funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a nova configuração

dos espaços físicos (remodelação das infra-estruturas).

59 Especificamente, no que diz respeito às diferentes fases do processo de implementação da

nova secretaria judicial, cf. OPJ (2008).

78 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Apesar da discussão sobre esta matéria em Espanha ter mais de uma

década e acolhimento de há alguns anos na legislação, a sua implementação

tem revelado dificuldades, num ambiente de dissensos e com um atraso

significativo relativamente ao calendário previsto. Após uma quebra acentuada

no ritmo da implementação do novo modelo de secretaria judicial, verificada

nos três últimos anos, assiste-se actualmente a um novo empenho, por parte

do Ministério da Justiça, na sua efectivação em todo o território nacional, em

conexão com um novo plano de modernização: o Plano Estratégico de

Modernização da Justiça 2009-2012. Este Plano veio, efectivamente, dar um

novo impulso à reforma que prevê, não só um enfoque redobrado no projecto

da nova secretaria judicial, mas também obviar vários dos problemas que se

foram tornando visíveis ao longo do seu processo de implementação (Alías

Garoz e Casado Navarro, 2009: 31-33).

O Plano assenta, especificamente, em quatro pontos estratégicos: (1)

obtenção de um serviço público de qualidade na justiça, o que passa,

primordialmente, pela implementação definitiva do novo modelo de secretaria

judicial e pela reforma do mapa judiciário; (2) incorporação de novas

tecnologias para a efectiva informatização dos serviços (devendo estes

trabalhar em rede, independentemente da comunidade autónoma em que

estejam localizados); (3) alterações aos estatutos de todos os funcionários ao

serviço da administração da justiça; (4) criação de um registo civil único para

todo o território nacional.60

60 Para responder a estes objectivos, o orçamento de Estado para o ano de 2010 prevê o

investimento de 1.804,82 milhões de euros, dirigidos especificamente a: (1) modernização tecnológica e aos registos civis; (2) implementação da nova secretaria judicial; (3) novo mapa judiciário; (4) organismos como o CEJ; (5) outras actividades relacionadas com violência de género e com as fiscalías.

A nova secretaria judicial em Espanha 79

4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais características

Vejamos, mais em detalhe, os traços fundamentais deste novo modelo

de secretaria judicial, que o legislador espanhol define como a organização de

carácter instrumental que serve de suporte e apoio à actividade jurisdicional de

juízes, juízes leigos e tribunais, configurando-se, assim, como o meio que deve

proporcionar à actividade jurisdicional a infraestrutura técnica e humana que

esta requer61.

São objectivos centrais deste novo modelo, o reforço da independência

do poder jurisdicional, a racionalização da utilização dos meios ao dispor do

sistema judicial e o aprofundamento da qualidade dos serviços prestados aos

cidadãos em consonância com a Carta dos Direitos dos Cidadãos face à

Justiça. A actual Lei Orgânica do Poder Judicial estabelece expressamente que

a secretaria judicial deve funcionar de acordo com critérios de agilidade,

eficácia, eficiência, racionalização do trabalho, responsabilidade pela gestão,

coordenação e cooperação entre os vários serviços.

Para tal, como se verá de seguida, pretende-se acabar com a

atomização dos serviços, concentrando recursos em serviços comuns

especializados, criando-se equipas ou unidades especializadas dedicadas a

tarefas específicas, de forma a evitar dispersões ou repetições inúteis de

tarefas idênticas em diferentes serviços. Pretende-se, ainda, separar, por

unidades e categorias de funcionários distintos, actividades de tramitação mais

complexas de actividades mais repetitivas (como recepção de documentos,

citações e notificações, etc.) e de actividades de suporte. O novo modelo vem,

ainda, reconfigurar o papel dos secretários judiciais, prevendo que estes

assumam o duplo papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.

61 Cf. Exposição de Motivos da Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu a

nova secretaria judicial.

80 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial

O novo desenho da secretaria judicial incorpora uma estrutura básica,

mas suficientemente flexível, permitindo a sua aplicação e adaptação a órgãos

de âmbito nacional, autonómico, provincial, distrital ou municipal. A lei prevê

que a sua dimensão e organização concretas sejam determinadas em função

do volume e da natureza do trabalho a desenvolver, para permitir qualquer

forma de organização necessária num determinado momento, até porque se

considera que a reforma nunca poderá estar terminada em menos de sete ou

oito anos, pelo que um tal suporte normativo era fundamental para a

concretização dos objectivos propostos (Dorado Picón, 2003: 5368).

Mostramos, de seguida, como se estrutura a nova secretaria judicial. O

seu elemento organizativo básico é a Unidade, que pode ser de dois tipos:

Unidade Processual de Apoio Directo e de Serviços Comuns Processuais.

Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas. A figura 5 mostra a

estrutura orgânica da secretaria judicial.

A nova secretaria judicial em Espanha 81

Figura 5 – Estrutura Orgânica da Secretaria Judicial

Fonte: Ministério da Justiça Espanhol

As Unidades da secretaria judicial: UPAD e SCP

Nesta reorganização estabelece-se uma diferença clara entre o apoio

directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de

apoio directo, e a tramitação processual, função, sobretudo, a cargo dos

serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação

processual de um ou mais juízes, juízos, secções ou tribunais.

Entre nós, as tarefas de tramitação processual e de apoio à função

jurisdicional são asseguradas pela mesma unidade: a secção de processos.

Uma diferença fundamental é o facto de, em Espanha, se ter logrado conseguir

uma distinção entre actividade exclusivamente jurisdicional (atribuída aos

juízes) e actividade processual ou de ordenação do processo (que

relativamente a certos actos pode ser da responsabilidade dos secretários).

Algum paralelismo nesta solução organizacional, para Portugal, pode ser

encontrado na proposta, nunca concretizada, de criação do gabinete do juiz.

82 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Unidades Processuais de Apoio Directo

As UPAD constituem, conjuntamente com o juiz titular, o órgão judicial.

Ocupam-se do apoio directo aos juízes no exercício das suas funções

jurisdicionais, pelo que existem tantas unidades deste tipo quantos os juízes,

juízos ou secções, dependendo da carga de trabalho.

Estas unidades são competentes para a realização de todos os actos

que requerem, por lei, a intervenção do juiz. A sua dotação, definida em

diploma próprio, é condicionada pelo volume e tipo de trabalho adstrito ao juiz.

Apesar de a lei determinar uma dotação-base62 prevê-se flexibilidade de modo

a que a sua composição seja adaptável ao volume de trabalho.

As UPAD são dirigidas por um secretário judicial, podendo o mesmo

secretário exercer funções em mais de uma destas unidades, e são compostas

pelo número de funcionários necessário ao apoio ao respectivo juiz. A redução

das funções jurisdicionais, com a transferência de competências para os

secretários, determinará que, de acordo com Picón (2003: 5370), cada UPAD

não possua, em regra, mais do que três a quatro funcionários, que pertencem a

dois corpos profissionais: funcionários gestores e funcionários tramitadores.63

Aos primeiros são cometidas, entre outras, as seguintes funções: (1) gerir a

tramitação processual própria da UPAD, que não é atribuída ao SCOP (serviço

comum de ordenação do processo); (2) elaborar notas de referência, resumos

dos autos, etc., como principais colaboradores do juiz; (3) elaborar e assinar,

com capacidade de certificação, documentos comprovativos da comparência

das partes e demais intervenientes processuais perante a UPAD; (4) expedir

62 A dotação-base das UPAD é actualmente determinada pela Ordem JUS/3244/2005, de 18 de

Outubro, do Ministério da Justiça. Contudo, esta Ordem, embora ainda em vigor, encontra-se já desactualizada, porque desadequada às profundas alterações em sede processual decorrentes da Lei Orgânica 13/2009 e da sua lei complementar 1/2009, pelas quais muitas das competências até agora privativas do juiz são transferidas para o secretário judicial. Aguarda-se, portanto, a promulgação de um novo diploma que revogue este.

63 De acordo com a Ordem JUS/3244/2005, a dotação de pessoal para as UPAD variam

segundo o tipo de tribunal a que estejam adstritas. Por exemplo, num tribunal de competência exclusivamente cívil de primeira instância, prevê-se um secretário judicial por cada duas UPAD, um funcionário gestor e um funcionário tramitador por cada uma UPAD.

A nova secretaria judicial em Espanha 83

cópias simples de documentos solicitados pelas partes processuais e por

interessados legítimos. Aos segundos cabe: (1) receber, registar e classificar

toda a correspondência recebida na UPAD; (2) realizar os actos de tramitação

que não sejam atribuídos ao SCOP; (3) redigir e emitir notificações e citações;

(4) introduzir no sistema informático os despachos e as decisões do juiz.

Serviços Comuns Processuais

Os SCP são unidades da secretaria judicial que, não estando afectas ou

integradas num órgão judicial concreto, assumem funções centralizadas de

gestão e apoio à tramitação processual. Ao transferir para serviços comuns um

conjunto de funções, até então adstritas a um órgão judicial concreto, o

legislador pretendeu, por esta via, diminuir custos, especializar os serviços

comuns e evitar colapsos na tramitação processual. Os SCP podem apoiar um

ou mais órgãos judiciais de uma determinada área territorial,

independentemente da ordem jurisdicional a que pertençam e da extensão da

sua jurisdição. Podemos, assim, ver nestes SCP como que macro-secretarias a

exercer funções para diferentes órgãos judiciais (Martín Morato, 2005).

Diferentemente das UPAD, cujas funções aí desenvolvidas têm como fim

o suporte directo à função jurisdicional, os SCP são dirigidos por um secretário

judicial, ao qual são atribuídas competências próprias, dele dependendo

funcionalmente os demais secretários aí a exercer funções, bem como os

restantes funcionários judiciais. O secretário no topo da hierarquia assume,

assim, uma dupla função, como técnico processual especializado, com

competências próprias e exclusivas, e como gestor da unidade. De acordo com

Dorado Picón (2003: 5371-5372), esta disposição veio criar um aceso debate

durante o processo de elaboração da lei, dado que estava em causa a

possibilidade de tramitar o processo na esfera de unidades (os SCP) nas quais

não intervêm juízes e cuja direcção cabe ao secretário judicial. Discordando

daqueles que se opunham a esta opção do legislador, Picón veio reiterar que a

actuação dos SCP é instrumental face à actividade jurisdicional, pelo que, na

prática, tais actos servem para, no âmbito de determinado processo, dar

84 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

cumprimento a ordens do juiz.

São funções essenciais dos SCP: (1) registo e distribuição de

documentos; (2) actos de comunicação (notificações, citações, editais, etc.); (3)

apoio ao juiz; (4) execução de decisões judiciais; (5) actos de jurisdição

voluntária.

Os SCP podem estruturar-se em secções que, por sua vez, se podem

dividir em subunidades. A criação destas subunidades, sempre precedida de

parecer favorável do CGPJ, tem, em regra, como objectivo a realização de

determinadas tarefas específicas (estatística judicial, execução de sentenças).

Na primeira fase de implantação da nova secretaria judicial foram criadas as

seguintes subunidades no âmbito dos SCP: (1) serviço comum geral (SCG); (2)

serviço comum de ordenação do processo (SCOP); e (3) serviço comum de

execuções (SCE).

A nova secretaria judicial em Espanha 85

Serviço Comum Geral

Tal como outros serviços, o SCG pode organizar-se em secções e/ou

equipas de acordo com as necessidades do trabalho a desenvolver. Atendendo

às funções que leva a cabo, o desenho institucional prevê que dentro do SCG

exista uma secção incumbida da prática de actos de comunicação em geral,

como, por exemplo, notificações às partes, peritos e testemunhas; uma secção

para a realização de actos de execução, nomeadamente, embargos, editais,

apreensões, remoções e depósitos; e uma secção de depósito e arquivo.

Serviço Comum de Ordenação do Processo

A este serviço é cometida competência para a prática de actos de

processo para os quais não seja necessário a intervenção directa de um

magistrado. Considerando as funções que lhe poderão ser distribuídas, um

SCOP poderá possuir uma ou mais das seguintes secções: (1) tramitação

cível; (2) tramitação contencioso-administrativa; (3) tramitação social; (4)

tramitação penal; (5) agendamento de diligências; (6) apoio às partes,

profissionais forenses e demais intervenientes.

Serviço Comum de Execuções

O SCE pode ser integrado pelas seguintes secções: (1) execução cível;

(2) execução contenciosa-administrativa; (3) execução social; (4) execução

penal; (5) contabilidade e caixa judicial; (6) apoio ao cidadão, às partes e

demais intervenientes e a profissionais forenses.

Unidades Administrativas

Embora não estando integradas nas secretarias judiciais, as Unidades

Administrativas assumem, no âmbito da organização da administração de

justiça, funções de coordenação e gestão dos recursos humanos da secretaria

judicial, bem como dos meios informáticos, novas tecnologias e restantes

meios materiais. Diferentemente do estabelecido para a secretaria judicial, a

criação, organização e desenho das UA (bem como a sua subdivisão em

Fonte: Ministério da

Justiça Espanhol /

OPJ

86 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

unidades de apoio a uma ou várias secretarias judiciais) são deixados ao

critério da administração da comunidade autónoma onde esteja implantado o

respectivo tribunal.

Estas unidades englobam tarefas no âmbito: (1) recursos humanos; (2)

abastecimento e património; (3) informática e reprografia; (4) manutenção e

obras; (5) assistência jurídica gratuita; (6) assistência a peritos e intérpretes; (7)

gabinetes de assistência a vítimas; (8) atendimento ao cidadão; (9) prevenção

de acidentes laborais; (10) assistência ao juiz decano e ao presidente da

audiência provincial.

São referidos os seguintes tipos de UA: (1) unidade de gestão da

secretaria; (2) unidade de orientação jurídica; (3) unidade de gestão das salas

de audiência; (4) unidade de meios audiovisuais; (5) unidade de apoio às

vítimas de crimes violentos e de crimes sexuais.

4.3 Recursos humanos

O novo modelo de secretaria judicial, para além de trazer profundas

alterações na sua estrutura organizacional, também implicou a redefinição de

competências e funções profissionais. Como já se referiu, os secretários

judiciais assumem, neste modelo, uma forte centralidade funcional, constituindo

para alguns autores o elemento-chave desta reforma. Constituem um corpo

próprio, conferindo-lhes a lei carácter de autoridade64. Dependendo

directamente do ministro da justiça estão hierarquizados de acordo com a

seguinte estrutura: secretário-geral da administração da justiça65, secretários

64 São definidos por lei como “funcionários públicos que constituem um corpo superior jurídico,

único de carácter nacional, ao serviço da administração da justiça, dependendo do Ministério da Justiça, e que exercem as suas funções com carácter de autoridade” (cf. artigo 440.º, da LOPJ).

65 A nova figura do secretário-geral da administração da justiça encontra-se na dependência

hierárquica directa do ministro da justiça. Trata-se de um novo órgão inserido na estrutura do Ministério da Justiça, no qual se centralizam todas as competências sobre todos os secretários

Equipa 2

Equipa de

Funcionários de

Apoio

Fonte: Ministério da

Justiça Espanhol /

OPJ

A nova secretaria judicial em Espanha 87

gestores de tribunal superior66; secretário coordenador provincial67 e

secretários judiciais68. Têm competência para dirigirem tecnicamente os

recursos humanos das secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e

instruções necessárias ao seu desempenho funcional.

Também como já referimos, a Lei de 13/2009, de 3 de Novembro, veio

transferir para este corpo profissional um conjunto de funções até então da

judiciais e, em última análise, sobre a organização dos serviços da justiça. Mais concretamente, esta figura possui competências centralizadas de direcção e coordenação de todos os secretários judiciais que exercem funções no território nacional. Note-se, contudo, que embora expressamente previsto na LOPJ, até à data ainda não foi nomeado o secretário-geral da administração da justiça.

66 Existe um secretário gestor no Supremo Tribunal e na Audiência Nacional, bem como em

cada Tribunal Superior de Justiça das Comunidades Autónomas e nas cidades de Ceuta e Melilla. Como superior hierárquico deste corpo profissional, este assume a direcção de todos os secretários judiciais que exerçam funções em todas as secretarias judiciais do respectivo tribunal superior, bem como nas cidades de Ceuta e Melilla. De entre as suas funções, destacam-se as disciplinares, de inspecção, de estatística, de direcção e organização dos secretários judiciais, velando pela sua independência no exercício das funções que lhes são adstritas, as de propor a nomeação e desoneração de secretários judiciais e de concessão de autorizações e licenças a secretários judiciais, entre outras.

67 Em cada província existe um secretário coordenador. Se se tratar de uma comunidade

autónoma uniprovincial, as funções de secretário coordenador serão assumidas pelo respectivo secretário gestor de tribunal superior, excepto se tal não for possível por razões de serviço. Este encontra-se na dependência directa do secretário gestor, exercendo, entre outras, as funções de dar instruções directas aos funcionários; controlar a correcta execução de circulares e instruções do secretário gestor; colaborar com a administração autonómica em questões relativas a meios humanos e materiais, coordenar o funcionamento dos SCP; propor ao ministério da justiça comissões de serviço; diligenciar para a substituição dos secretários judiciais; dar conta ao secretário gestor dos temas relevantes para o serviço; bem como de outras funções que sejam determinadas por regulamentação avulsa.

68 As suas competências incluem: o exercício da fé pública judicial; a organização, gestão,

inspecção e direcção do pessoal em aspectos técnico-processuais, assegurando a coordenação com os órgãos de gestão do poder judicial e com as comunidades autónomas com competência na administração da justiça; dirigir, no aspecto técnico-processual, o pessoal integrante da secretaria judicial; a responsabilidade central por todos os agendamentos de diligências; garantir que a distribuição de assuntos se realiza em conformidade com as regras aprovadas, sendo responsáveis pelo bom funcionamento do registo e recepção de documentos, expedindo as certificações solicitadas pelas partes e demais interessados legítimos; facultar às partes e a todos aqueles que manifestem interesse legítimo a informação sobre o andamento do processo; promover a boa utilização dos meios técnicos, audiovisuais e informáticos de documentação de que a unidade onde exerce funções disponha; competências de ìndole “jurisdicional em sede de processo civil declarativo; competências de índole “jurisdicional em sede de processo civil executivo; competências concorrentes com o juiz de paz em sede de conciliação; e responsável pelo depósito de bens e objectos, pelo arquivo judicial de gestão e pela estatística judicial dos seus serviços.

88 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

estrita competência do juiz. O objectivo central é o de libertar o juiz de funções

de natureza mais burocrática, permitindo maior disponibilidade para o exercício

da função jurisdicional. Por exemplo, no âmbito do processo declarativo, foram

alargadas as competências do secretário judicial, não apenas para dar início ao

processo judicial, admitindo a petição inicial, mas também, nalguns casos, para

lhe pôr termo69. Em sede de processo executivo os secretários judiciais

adquiriram competências alargadas para a tramitação processual: competência

para autorizar todos actos executórios necessários, como arrolamentos,

arrestos, penhoras e vendas judiciais, assim como competência decisória no

caso de acumulação de execuções (apensação de acções).

Nas secretarias judiciais, seguindo a estrutura de configuração piramidal,

os secretários judiciais encontram-se organizados de acordo com a relação de

postos de trabalho de cada um dos serviços em que estes prestam funções,

sendo escalonados em três categorias diferentes. Note-se que, no caso de se

tratar de SCP de maiores dimensões, nos quais existam vários secretários

judiciais, estes também serão escalonados de acordo com a respectiva relação

de postos de trabalho.

Até à reforma de 2003, a responsabilidade disciplinar pelos actos dos

secretários judiciais no exercício das suas funções encontrava-se nas mãos de

outros corpos profissionais, em particular dos juízes, através do Conselho

Geral do Poder Judicial. Em consonância com o novo desenho institucional, a

competência para o exercício da acção disciplinar relativamente aos

secretários passou, em última instância, para o Ministério da Justiça, através

do secretário-geral da administração da justiça, tendo sido delegada nos

secretários gestores e aos secretários coordenadores provinciais dentro do

respectivo âmbito territorial. A imposição das sanções mais gravosas

69 São os casos de declaração do termo antecipado do processo por desistência do autor, por

resolução por acordo do litígio, caducidade da instância por inactividade das partes, e ainda em casos de conciliação. Outra alteração legislativa recente passa pela atribuição de competências ao secretário judicial, concorrentes com o juiz de paz, em sede de conciliação, sendo tais acordos dotados de idêntica força executiva.

A nova secretaria judicial em Espanha 89

(suspensão do exercício de funções, transferência forçada e afastamento) é da

competência do órgão ministerial.

90 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

4.3.1 Os funcionários judiciais

O corpo de funcionários, que desempenham funções de tramitação

processual, é composto pelos chamados funcionários gestores, que vieram

substituir o anterior corpo de oficiais de justiça. Para aceder a esta categoria

profissional é, actualmente, necessária a titularidade de uma licenciatura

(anteriormente bastava o bacharelato), aproximando-se, assim, estes

funcionários de categorias profissionais de maior relevo na administração

pública. A lei confere-lhes as seguintes competências: (1) colaborar na

actividade processual de nível superior e realizar as tarefas processuais que

lhes são próprias; (2) gerir a tramitação dos processos, devendo dar conta ao

secretário judicial dos casos que exijam uma interpretação da lei processual

mais complexa; (3) executar, assinar e certificar documentos comprovativos da

comparência das partes em actos realizados no órgão jurisdicional; (4) elaborar

notas explicativas, de referência ou sumarizadoras sobre elementos do

processo, dando delas conhecimento aos superiores; (5) realizar tarefas de

registo, recepção e distribuição de documentos; (6) expedir cópias simples de

documentos constantes de autos não secretos ou reservados, com

conhecimento do secretário judicial; (7) ocupar os postos das UPAD e SCP que

correspondam à sua categoria profissional, actuando de acordo com o

estabelecido nos protocolos de serviço respectivos; (8) colaborar com os

órgãos competentes em matéria de gestão administrativa, desempenhando

funções relativas à gestão de recursos humanos e materiais da unidade da

secretaria judicial em que exerçam funções, sempre que tal esteja

expressamente no protocolo de serviço respectivos; (9) exercer funções em

secretarias de julgados de paz ou agrupamentos destas, sempre que a carga

de trabalho justifique a sua presença, bem como em unidades administrativas,

nas mesmas condições e possuindo preparação para tanto; (10) podem, ainda,

ser nomeados secretários substitutos.

O antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos actuais

funcionários tramitadores. Para aceder a esta categoria profissional é

necessária a titularidade de bacharelato ou curso equivalente (anteriormente,

A nova secretaria judicial em Espanha 91

bastava o ensino secundário). A lei confere-lhes competência para: (1) realizar

todos actos de apoio à tramitação processual; (2) proceder à tramitação geral

dos processos, implicando a execução de actas, diligências e notificações, bem

como de cópias e a sua junção ao processo; (3) proceder ao registo e

classificação da correspondência; realizar e autos e expedientes, sob

supervisão do superior hierárquico; (4) realizar as tarefas auxiliares

necessárias para proceder aos actos de comunicação; (5) realizar outras

tarefas que sejam inerentes ao posto de trabalho que ocupem e estejam

previstas no protocolo do respectivo serviço ou requeridas pelos superiores

hierárquicos, inclusivamente em unidades administrativas, conquanto se

insiram no âmbito das suas funções como tramitadores.

Além daqueles corpos profissionais, existe, ainda, o corpo de auxiliares

que vieram substituir o antigo corpo de agentes judiciais. A exigência

académica para o ingresso nesta categoria profissional é ao nível do 12.º ano

ou diploma equivalente. Têm competência para a realização de todas as

tarefas que apoiem a actividade dos órgãos judiciais. De entre estas, a lei

precisa as seguintes: (1) executar todos os actos de comunicação que

consistam em notificações, citações, agendamentos e requerimentos; (2)

proceder à execução de embargos e actos similares, como agentes de

autoridade; (3) actuar como polícia judicial, nas vestes de agente de autoridade

na investigação de crimes e na identificação de criminosos, sem prejuízo das

competências dos membros das forças de segurança e órgãos de polícia

criminal; (4) arquivar autos e expedientes, sob a supervisão do secretário

judicial; (5) velar pelas condições de utilização das salas onde se realizem

audiências de julgamento e outras diligências e manter a ordem nas mesmas;

(6) verificar que os meios técnicos e tecnológicos necessários para a realização

dos actos processuais se encontram em boas condições de utilização e, em

caso de necessidade, requerer a presença do pessoal técnico necessário,

dando de tal conhecimento ao secretário judicial; (7) realizar outras tarefas que

sejam inerentes ao posto de trabalho e ocupem e estejam previstas no

protocolo do respectivo serviço ou sejam requeridas pelos superiores

hierárquicos.

92 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

4.4 Alguns problemas

Não obstante o optimismo de muitos autores/operadores, como Dorado

Picón (2003: 5379), a reforma da secretaria judicial ou, quando muito, algumas

das suas vertentes, não é consensual, quer como política em si, quer no que

respeita à eficiência da sua execução. Vejamos, de forma breve, algumas das

questões que se têm levantado.

Em primeiro lugar, os sucessivos atrasos e uma certa falta de

coordenação na execução de algumas das mais importantes vertentes da

reforma mais ampla (como sejam a reforma das leis processuais, a formação

dos operadores para a utilização dos sistemas informáticos e a construção de

novas instalações) está, na perspectiva de vários operadores, a comprometer

uma efectiva e atempada entrada em vigor do novo modelo de secretaria

judicial e, em sentido mais amplo, do novo modelo de administração da justiça.

A falta de recursos financeiros para a administração da justiça (a nível nacional,

autonómico e/ou local) é apontada como um dos mais sérios condicionadores.

Em segundo lugar, a transferência de competências, em sede da

administração da justiça, para algumas comunidades autónomas, em datas e

em grau variado, tem como consequência actuações parcelares,

descoordenadas e até mesmo antagónicas em diferentes circunscrições

territoriais, o que torna uma reforma que se pretende homogeneizadora e

agregadora difícil de executar em simultaneidade. Daí que vários autores

tenham salientado a urgência de levar a acabo a reorganização do(s)

território(s) da justiça, reforma incluída no Plano Estratégico de Modernização

da Justiça 2009-2012. Esta circunstância leva a que a implementação da

reforma da nova secretaria judicial, bem como a modernização/adaptação dos

espaços esteja a ocorrer a velocidades muito distintas, podendo encontrar-se

em território espanhol diferentes modelos de secretaria judiciais.

Também o processo de informatização, a implementar de forma

descentralizada pelas comunidades autónomas com competência em sede de

A nova secretaria judicial em Espanha 93

administração da justiça (note-se que o País Basco foi a comunidade

precursora da desmaterialização, no início dos anos 90, exportando

posteriormente a sua tecnologia para a administração central), está longe da

uniformização e compatibilização necessárias entre programas informáticos

distintos. A implementação do programa que prevê estabelecer a conexão e

coordenação entre os diferentes sistemas informáticos, a realizar pelo

Conselho Geral do Poder Judicial, ainda não foi levada a cabo.

Em quarto lugar, o processo de redimensionamento dos recursos

humanos, que a nova secretaria judicial veio exigir, está também muito

atrasado. Acresce que, se é certo que no processo de reestruturação dos

serviços, o legislador definiu com rigor as alterações necessárias, não o fez

considerando os processos pendentes, o que veio criar dificuldades nesta

matéria.

Ainda no contexto dos recursos humanos, é salientada a falta de

definição prévia de linhas orientadoras e de protocolos de actuação dos

funcionários judiciais, nos quais se concretizassem e delimitassem as

competências e tarefas específicas das diferentes categorias de funcionários

em cada um dos serviços. Contudo, é de sublinhar que este problema tem sido

minimizado pela acção de associações profissionais, como a União

Progressista de Secretários Judiciais, as quais têm desempenhado um papel

relevante de interface de experiências entre secretarias judiciais de diferentes

tribunais e de diferentes comunidades autónomas.

Um sexto problema decorre da alteração, pela reforma da nova

secretaria judicial, do padrão de relacionamento funcional entre juízes,

secretários judiciais e restantes funcionários judiciais. À cabeça, como principal

factor de tensão, está a nova distribuição de competências entre juízes e

secretários judiciais. O caso Mari Luz fez emergir muita dessa tensão, neste

caso, protagonizada publicamente pelas posições da Associação Profissional

da Magistratura e da UPSJ. Estando em causa eventuais responsabilidades

disciplinares por falhas na execução da sentença do arguido (o qual foi mantido

algum tempo, sem qualquer razão que o justificasse, em liberdade após ter

94 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

sido proferida a decisão condenatória final), discutiu-se se a responsabilidade

pela falha pertenceria (ou deveria pertencer) ao juiz ou à secretaria judicial,

maxime, ao secretário judicial como director da secretaria e titular de funções

alargadas em sede de execução penal. Decidindo em sede do processo

disciplinar instaurado contra o juiz, a Comissão Disciplinar do CGPJ entendeu

que a total responsabilidade pelas falhas na execução das sentenças era do

secretário judicial e dos demais funcionários do SCP em causa, e não do juiz,

entendendo que, na reforma da LOPJ, aquelas competências passaram para o

secretário judicial. Contra a posição do CGPJ, a UPSJ considerava que, no

caso, se tratava de competências reservadas ao juiz. As diferentes posições

mostram as dificuldades de compreensão e de execução dos novos papéis.

A reforma criou um outro foco de tensão entre juízes e secretários

judiciais ao conferir a estes últimos o agendamento das diligências. Para

muitos juízes, os secretários, não só carecem de preparação/ experiência para

levar a cabo esta tarefa, como ela cerceia a actividade jurisdicional do juiz, em

especial, quando estejam em causa processos urgentes.

Por último, o facto de a nomeação de secretários judiciais para certos

cargos de especial responsabilidade ou conhecimentos técnicos ser de

nomeação livre, sem prévio concurso público, é visto como um aspecto

negativo da reforma e da reestruturação deste corpo profissional.

A REFORMA DO MAPA E DA

ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS

À GESTÃO DOS TRIBUNAIS

5

96 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

5 A REFORMA DO MAPA E DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS À GESTÃO DOS TRIBUNAIS

Como já referimos na introdução geral, o trabalho que se apresenta

neste relatório não tem qualquer pretensão de fazer a monitorização e

avaliação da reforma experimental das novas comarcas piloto. Contudo, ao

contribuir para a produção de conhecimento acerca do modelo de gestão

introduzido com a nova organização judiciária – dimensão fulcral desta reforma

– este trabalho apresenta uma análise pioneira.

O novo modelo de gestão é uma realidade muito recente em que, para

além dos estudos já produzidos pelo OPJ, o acervo de informação disponível é

escasso. Acresce que o reduzido tempo de vigência do período experimental

da reforma não permite uma averiguação cabal de todas as suas implicações.

Impossibilita, por exemplo, uma avaliação quantitativa, mesmo através de

dados provisórios, do impacto das alterações gestionárias na produtividade dos

agentes judiciais e no tempo dos processos, até porque, dado o carácter

original da reforma, se tornam difíceis as comparações de desempenho com o

modelo anterior. Alguns impactos, designadamente de duração dos processos,

podem ser induzidos pelas alterações no âmbito da organização judiciária.

Assim, privilegiou-se a análise qualitativa através da recolha das

percepções dos agentes envolvidos no processo, bem como da observação

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 97

empírica das práticas e rotinas das unidades orgânicas.

Partindo das virtualidades do novo modelo de gestão dos tribunais, cuja

concretização máxima se sente ao nível local, o trabalho de campo foi

direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e os desafios deste

processo de localização da gestão, analisando tanto a articulação entre as

entidades que têm responsabilidades na administração e gestão dos recursos,

como na direcção e supervisão das actividades no interior do tribunal, com

ênfase no conjunto das tarefas a serem desempenhadas, de forma articulada,

pelos agentes judiciais das diferentes unidades orgânicas.

Atendendo aos objectivos deste estudo, revelou-se adequada a adopção

de uma estratégia de investigação que permitisse recolher informação de

acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top

down, observou-se a concretização do modelo de gestão entre as diferentes

figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. De acordo com a

perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto destas alterações

nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais. Neste caso, foi dada

especial atenção ao funcionamento da secção de processos, dada a relevância

desta unidade orgânica no quotidiano da tramitação processual.

Os resultados do trabalho de campo são tratados nesta secção do

relatório em duas vertentes: em primeiro lugar, de acordo com um eixo de

análise de ordem macro, apresentam-se as dinâmicas de governação

central/local dos tribunais; e, em segundo lugar, recorre-se a uma análise micro

dos desafios que se colocam à gestão local, designadamente, no âmbito da

organização interna e dos métodos de trabalho.

Como acima salientámos, o sucesso das reformas depende, em grande

medida, da sua preparação. O trabalho de campo fez emergir, no que respeita

à vertente gestionária da reforma, algumas fragilidades de que damos conta a

seguir.

98 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

5.1 A preparação da reforma

Uma questão prévia com impacto decisivo no sucesso da reforma e das

inovações introduzidas pelo novo modelo de gestão está relacionada com a

preparação da sua execução. Este é um vector fulcral para o sucesso das

reformas estruturais de qualquer sector. O carácter inovador do modelo e das

medidas propostas exigia uma discussão especificamente a ele dirigida. Se é

certo que a gestão dos tribunais, em especial a gestão local, teve algum

destaque no debate público da discussão da reforma do mapa e organização

judiciária, esta discussão não foi acompanhada de estudos e de um debate

específico que contribuísse, com linhas orientadoras, para a concretização da

reforma70.

O trabalho de campo levado a cabo para a execução deste estudo

mostrou que o projecto experimental da nova organização judiciária não

contou, pelo menos no que diz respeito ao modelo de gestão, com o cuidado e

o apoio necessário para uma transição bem sucedida, que é exigido numa

reforma estrutural desta natureza. Daí que as dificuldades deste ensaio

experimental devam ser devidamente consideradas no processo de

alargamento a outras comarcas.

Em primeiro lugar, como adiante melhor se verá, alguns dos problemas

verificados no plano da execução desta componente gestionária da reforma

decorrem da insuficiência ou dificuldade de precisão conceptual do texto da

própria lei. Destaca-se a heterogeneidade interpretativa relativamente às

competências funcionais das figuras de gestão ao nível local (juiz presidente,

70 Da parte do OPJ (2008), salientámos a importância de se ter em atenção um conjunto de

factores fundamentais para o sucesso de reforma nesta vertente, mostrando algumas características e debilidades que deveriam merecer particular atenção. Ao longo desta secção voltaremos a esse trabalho, mas salientamos, desde já, a reflexão sobre o modelo técnico-burocrático de tramitação processual e sobre as ineficiências do sistema de informatização, incluindo a ausência de formação consistente.

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 99

administrador judiciário, magistrado do MP coordenador) quando confrontadas

com outras competências, igualmente previstas na lei, no âmbito da actuação

dos secretários judiciais e de entidades centrais da administração da justiça.

Em segundo lugar, esta vertente da reforma exigia e exige a definição de

um planeamento estratégico e a criação de um conjunto de instrumentos de

suporte que potenciem uma adequada e eficiente gestão da mudança. Estão

neste âmbito, por exemplo, a definição de um conjunto de acções de gestão

prática da mudança que previssem e envolvessem, designadamente, os

principais canais de comunicação e de informação no interior e exterior do

sistema, bem como as pessoas mais directamente afectadas pelo processo de

mudança.

Uma circunstância verdadeiramente demonstrativa da forma algo

errática da entrada em vigor da reforma é o facto das figuras chave deste novo

modelo, os juízes presidentes, apenas terem sido nomeados e assumido

funções depois de já estarem constituídas as equipas de trabalho, isto é, os

funcionários já tinham sido distribuídos pelo secretário e pelas diferentes

secções. Todas as medidas posteriores relativamente a esta matéria, da

iniciativa dos juízes presidentes, foram apenas pontuais e correctivas. Também

no que se refere à proposta do orçamento o juiz presidente não teve qualquer

possibilidade de intervir, dado que já se encontrava concluída.

Ainda no âmbito do planeamento e da transição para a mudança,

chama-se à atenção (devendo prevenir-se situações futuras) para um outro

problema relativo às obras e às tarefas logísticas que tal transição exigia. Deve

ter-se em conta que uma das componentes importantes da gestão da mudança

é a prevenção das resistências, que serão sempre mais atenuadas quanto

mais claro e participado for o processo de transição.

São vários os relatos que mostram algumas deficiências de planeamento

e as dificuldades decorrentes da execução simultânea de obras, de mudança

de processos (a nova reorganização judiciária, alterando a competência

territorial, implicou a redistribuição entre tribunais de largos milhares de

100 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

processos), de funcionários e de juízes e da marcação e desmarcação de

diligências. São, sobretudo, ressaltadas as deficiências de planeamento na

transferência de processos, quer em suporte físico, quer telemático, o que

levou a erros, ao cancelamento de diligências em cima da hora, a dificuldades

de dar informação ao público e advogados, designadamente, sobre a

localização do processo. E, no que respeita ao arquivo de processos – questão

importante dado que muitos processos poderão continuar a serem necessários

durante vários anos – há, em alguns juízos, ainda alguns problemas que

exigem uma solução que deve ser globalmente definida ao nível da nova

comarca.

(…) No dia 14 nós recebemos perto de 2000 processos. E no dia 1 caìram aqui os advogados e telefonemas, havia advogados a querer saber do julgamento, havia processos marcados de outros tribunais. Gerou-se a confusão total. Se nas próximas vezes fizerem assim, é a confusão total. Diariamente, nós tínhamos uma agenda de 3 a 4 julgamentos por juiz de manhã e 3 a 4 julgamentos por juiz à tarde. (Ent. 21F)

Quiseram implantar a NUT e ao mesmo tempo fazer obras. As NUT, como estão a ser implantadas, dão sempre muita confusão. Isto porque quem decide não tem a mínima noção do trabalho que dá. Em vez de implantarem as NUT por fases, por exemplo, primeiro o tribunal do comércio nas várias NUT, depois os juízos de execução nas várias NUT onde são colocadas pessoas logo de raiz sem prejudicar as secções. (Ent. 20F).

Em terceiro lugar, a falta de suporte organizacional às inovações

gestionárias revela-se em algumas deficiências, destacando-se a falta de

previsão de um gabinete de apoio ao juiz presidente. A lei veio conferir

importantes competências em matéria gestionária ao juiz presidente e, a um

nível menor, ao administrador do tribunal. Ora, dificilmente as poderão exercer

cabalmente sem suporte organizacional. É certo que, na prática, os actuais

juízes presidentes tentaram minimizar esse efeito criando um apoio de

secretariado mínimo, mas a solução é pontual, ad hoc, e não resolve

adequadamente aquela ausência.

Em quarto lugar, com a publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de

Fevereiro, o Governo pretendia dar um passo decisivo na informatização do

sistema de justiça, cujo objectivo final é a tramitação telemática dos processos.

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 101

Acontece que alguns dos problemas já identificados em anteriores estudos,

incluindo o estudo do OPJ (2008)71, que mostravam ineficiências e

insuficiências várias do sistema de informatização, não só não foram corrigidos

antes da entrada em funcionamento das novas comarcas piloto, como ainda se

mantêm. Por ora, saliente-se que, no que diz respeito à vertente gestionária,

mostra-se importante assegurar, de forma expedita, o acesso a indicadores por

parte das entidades coordenadoras, de forma a permitir uma gestão efectiva

dos recursos e dos processos.

Não está previsto que alguém trabalhe directamente comigo, assim como não está previsto que eu tenha uma aplicação informática com a qual possa trabalhar. Relativamente à gestão interna dos tribunais, penso que precisávamos de ter outros instrumentos, designadamente, no âmbito da informática, que permitam um conhecimento, em tempo real, obtido de forma rápida, da situação do tribunal, quer no que respeita ao movimento processual, incluindo o volume e a natureza da litigação, quer à situação dos recursos. (Ent. 3J)

Em quinto lugar, emerge um problema que poderíamos caracterizar

como endémico ao sistema de justiça, transversal a vários sectores, ao qual

urge dar solução: a formação. A formação é fundamental, não só para o

exercício das funções específicas, mas também como instrumento de

sistematização e de uniformização de princípios e linhas orientadoras. A

questão da formação coloca-se em vários domínios com reflexo na gestão e

nos métodos de trabalho. Será reduzido o impacto positivo resultante da

introdução de inovações se os agentes que as deverão executar, em especial

aqueles que desempenham um papel central de coordenação ou de direcção,

não forem devidamente preparados para tal.

Salienta-se, desde logo, a falta de formação adequada para o

desempenho das novas funções de gestão e coordenação previstas na lei, até

porque o seu pioneirismo determina novas práticas e rotinas que tenderão a

influenciar, por largo tempo, novos padrões de desempenho. Esta situação

assume contornos especiais no caso da figura do juiz presidente, dada a

71 Ver, em especial, o ponto 6, relativo à prática dos actos na tramitação processual.

102 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

amplitude das competências e funções que a lei lhe atribui, e do administrador

do tribunal, mas também no que se refere às demais funções de coordenação.

Aliás, é a própria lei a prever uma formação prévia ao início das competências

de gestão.

A formação é, ainda, fundamental ao nível da chefia da secção, isto é,

das funções desempenhadas pelo escrivão de direito72. A eficácia das políticas

gestionárias da justiça, ao nível local, depende muito da capacidade de

coordenação e dinamização do escrivão da secção de processos.

A carência de formação em geral, com reflexos na eficiência das

actividades desenvolvidas no tribunal é, ainda, particularmente sentida no

domínio da utilização das novas aplicações e ferramentas informáticas, em

particular, aquando da sua introdução em simultâneo com alterações legais

com reflexos nos programas informáticos. Um exemplo recente consiste na

alteração do Código de Custas Judiciais cuja mudança do sistema informático

trouxe graves problemas de adaptação para os funcionários, acabando por se

traduzir em atrasos na conta do processo.

72 Em OPJ (2008) uma das principais conclusões e recomendações ia no sentido do

investimento na formação dos cargos de chefia dos tribunais.

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 103

5.2 A governação dos tribunais: entre a centralização e a proximidade

Pretendemos aqui reflectir sobre a dinâmica de governação dos

tribunais, concretizando-se em três níveis de abordagem: (1) as

potencialidades da reforma em curso em termos de gestão integrada e de

proximidade; (2) os desafios colocados pela diversidade organizacional ao

novo modelo de gestão e as dinâmicas de governação, ao nível central e local;

(3) a articulação entre as diversas entidades com competência de organização,

direcção e supervisão dos tribunais.

Ao analisarmos a experiência comparada, podemos encontrar modelos

de administração e gestão dos tribunais muito diferenciados, dependendo,

designadamente, do nível de concentração/desconcentração da administração

da justiça, da distribuição de competências, nesta matéria, entre poder judicial

e poder executivo, mas também da interpretação culturalmente dominante do

princípio da independência do poder judicial e do juiz natural. Facilmente se

compreende que num sistema em que prevaleça uma concepção mais restrita,

em especial daquele último princípio, que não permita, por exemplo, a

imposição de medidas de gestão processual ou a impossibilidade de

mobilidade dos juízes dentro de uma comarca mais alargada, a sua

governação terá características diferentes de um sistema em que tal

concepção esteja mais próxima e mais circunscrita ao exercício estrito da

função jurisdicional73.

A governação dos sistemas de justiça em muitos países tem sido

tributária de um modelo organizativo designado, por alguns autores, de

bonapartiano (Andres Ibañez, 2003). Este modelo, desenvolvido dentro de uma

matriz política liberal de neutralização do poder judicial, resulta numa

administração e gestão que integra o governo da justiça a partir de um

73 Sobre os modelos de administração e gestão dos tribunais, cf. OPJ (2008).

104 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Ministério no âmbito do poder executivo. Na sua concepção pura, aquele

modelo levanta questões relevantes quanto à independência e autonomia do

poder judicial, designadamente, quanto à possibilidade de cooptação política

dos tribunais e quanto à interferência hierárquica do executivo no judicial.

Em vários países, em especial da Europa Ocidental, como é o caso de

Portugal, a superação deste modelo foi idealizada com a criação de conselhos

judiciários, cujo objectivo era enfraquecer o tradicional papel de proeminência

do poder executivo na governação dos tribunais (Guarnieri, 2001).

A composição destes conselhos é variada, dividindo-se entre uma

composição mais endógena (exclusivamente magistrados) ou mais exógena ao

sistema judicial (juristas, cidadãos, entre outros), com sistemas de nomeação e

eleição igualmente diferentes. Os conselhos são geralmente responsáveis pela

admissão, colocação, transferência, promoção e disciplina dos magistrados,

além de exercerem competências administrativas (organização do próprio

conselho e da carreira da magistratura), competências paranormativas

(propostas de projectos e alterações de leis que regem a função judiciária) e

competências jurisdicionais (decisões disciplinares). Diga-se que o

recrutamento, selecção e formação dos magistrados é uma das matérias em

que é possível identificar soluções muito diferenciadas.

A criação dos conselhos veio permitir a transferência de competências

no âmbito da governação do judiciário, até então na alçada do poder executivo,

para estruturas próprias do poder judicial. O aprofundamento desta nova

dinâmica de governação tem sido fomentado, não só pelos problemas de

ineficiência do sistema, mas também como resposta à tensão entre os poder

judicial e político. É interessante verificar que, entre nós, face a alguns

problemas que a execução prática da reforma da organização judiciária está a

enfrentar, a solução defendida por alguns vai no sentido de um maior

alargamento das competências dos conselhos.

Em Portugal, a governação dos tribunais está configurada, a nível

central, num modelo de competências bicéfalo, repartido entre o Ministério da

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 105

Justiça e os conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público. Por

um lado, a previsão na estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de

administração indirecta responsáveis pela centralização da gestão financeira,

do património, das tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ)

articula-se com órgãos de administração directa que centralizam competências

de planeamento e gestão estratégica da política de justiça (DGAJ e DGPJ). Por

outro, a gestão das carreiras, controlo e disciplina dos magistrados, é exercida

pelos conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.

O organograma 1 ilustra a governação dos tribunais em Portugal nível

central.

Organograma 1 – A governação dos tribunais ao nível central

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 109

A transferência para os conselhos de importantes competências

gestionárias veio densificar os princípios da independência e autonomia do

poder judicial, mantendo, contudo, a característica de centralização do modelo

de governação. Fora das comarcas piloto, a transposição de competências de

organização e gestão para o nível dos tribunais é pouco relevante, não

colocando em causa o modelo de centralização. O que significa que todas as

reformas até à entrada em vigor da nova Lei de Organização e Funcionamento

dos Tribunais Judiciais não potenciaram uma gestão local, integrada e de

proximidade. A mudança dá-se com a reforma experimental e diplomas

subsequentes ao prever competências de representação, direcção, gestão

processual e administrativas para o juiz presidente do tribunal de comarca

(competências em toda a comarca), favorecendo igualmente outra figura de

gestão local com competências próprias e um importante papel de coadjuvação

das competências do juiz presidente – o administrador judiciário74.

Para além das competências atribuídas ao juiz presidente e ao

administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no

âmbito da gestão local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções

consultivas e de acompanhamento das actividades administrativas, de

organização e funcionamento do tribunal. O conselho é constituído por um

conselho geral e uma comissão permanente, com uma composição mista dos

seus elementos que integra, de forma alargada, actores do sistema judicial

(presidente do tribunal, magistrado do MP coordenador, administrador

judiciário, representante dos funcionários de justiça, da Ordem dos Advogados

e representante da Câmara dos Solicitadores) e, de fora do sistema judiciário,

representantes dos municípios integrados na comarca e dos utentes dos

serviços de justiça)75.

74 No âmbito dos serviços do MP, a lei ainda cria a figura do Magistrado do MP coordenador.

Neste relatório, como já se deixou dito na nota metodológica, dada a ênfase do trabalho de campo no funcionamento dos serviços judiciais, os resultados apresentados referem-se sobretudo àqueles serviços.

75 Cabe ao conselho geral dar parecer sobre: a) Os planos anuais e plurianuais de actividades

110 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

O organograma 2 ilustra a nova divisão de competências central-local

possibilitada pela nova Lei de Organização Judiciária, destacando as

competências ao nível da comarca.

e relatórios de actividades; b) Os regulamentos internos do tribunal de comarca e dos respectivos juízos; c) Evolução da resposta do tribunal às solicitações e expectativas da comunidade; d) Existência e manutenção de condições de acessibilidade e qualidade dos espaços e serviços do tribunal; e) Utilização, manutenção e conservação dos equipamentos afectos aos respectivos serviços; f) Outras questões que lhe sejam submetidas pelo presidente do tribunal.

Organograma 2 – A governação dos tribunais ao nível da comarca

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 113

A nova Lei de Organização Judiciária, ao reconfigurar o perfil funcional

do presidente do tribunal e ao criar uma nova figura (administrador judiciário76),

constrói o que se poderá designar de estrutura nuclear de gestão local do

tribunal. Outro elemento chave na estrutura de gestão do tribunal é o

Magistrado do MP Coordenador que assume na comarca competências

anteriormente concentradas na procuradoria-geral distrital. 77

Numa dada vertente, o juiz presidente passa a assumir competências de

representação e direcção do tribunal78. Numa outra dimensão, mais densa do

76 A Lei n.º 3/1999, de 13 de Janeiro, previa a figura do administrador do tribunal nos tribunais

cuja dimensão justificasse. As competências do administrador circunscreviam-se à preparação e elaboração do projecto de orçamento, aquisição de bens e serviços, conservação e segurança das instalações, entre outras (artigo 76.º). Muito embora tivesse sido prevista na lei, esta figura nunca foi colocada em prática.

77 De acordo com a lei, cabe ao magistrado do MP coordenador dirigir e coordenar a actividade

do MP na comarca, exercendo as seguintes competências: a) Acompanhar o movimento processual dos serviços, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando a procuradoria-geral distrital; b) Acompanhar o desenvolvimento dos objectivos fixados para os serviços do Ministério Público por parte dos procuradores e dos funcionários; c) Proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei; d) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos procuradores e funcionários; e) Adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; f) Ser ouvido pelo Conselho Superior do Ministério Público, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias ou sindicâncias à comarca; g) Elaborar os mapas e turnos de férias dos procuradores e autorizar e aprovar os mapas de férias dos funcionários; h) Exercer a acção disciplinar sobre os funcionários em funções nos serviços do Ministério Público, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, instaurar processo disciplinar, se a infracção ocorrer no respectivo tribunal; i) Definir métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior do Ministério Público; j) Determinar a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais; l) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos.

78 De entre as competências de representação e direcção, destacam-se: a) Representar e

dirigir o tribunal; b) Acompanhar a realização dos objectivos fixados para os serviços do tribunal por parte dos funcionários; c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos juízes e funcionários; d) Adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; e) Ser ouvido pelo Conselho Superior da Magistratura, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias relativamente aos juízos da comarca; f) Ser ouvido pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias quanto aos oficiais de justiça da comarca ou de sindicâncias relativamente às

114 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

ponto de vista da administração e gestão, agrega àquelas competências

responsabilidades ao nível da gestão dos funcionários judiciais e exerce

competências importantes de gestão processual, fixação de objectivos,

acompanhamento de resultados e planeamento de necessidades e actividades,

planeamento de recursos humanos e organização interna, que passam a exigir

um constante interface e articulação com os órgãos de governação central:

Ministério da Justiça e conselhos superiores79.

No que diz respeito às competências administrativas, o juiz presidente

passa a concentrar a preparação e elaboração do projecto de orçamento,

anteriormente atribuídas ao secretário de justiça, bem como a agregação de

competências ao nível dos planos anuais e plurianuais e relatórios de

actividades, regulamentos internos, alterações orçamentais, entre outros80. A

lei confere-lhe, assim, competências próprias susceptíveis criar uma outra

dinâmica de gestão ao nível local.

secretarias da comarca; g) Elaborar, para apresentação ao Conselho Superior da Magistratura, um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta, dando conhecimento do mesmo à Procuradoria-Geral da República e à Direcção-Geral da Administração da Justiça.

79 O presidente do tribunal possui, ainda, as seguintes competências de gestão processual: a)

Implementar métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior da Magistratura, designadamente na fixação dos indicadores do volume processual adequado; b) Acompanhar e avaliar a actividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos; c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e propondo as medidas que se justifiquem; d) Promover a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais; e) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a especialização de secções nos juízos; f) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafectação dos juízes no âmbito da comarca, tendo em vista uma distribuição racional e eficiente do serviço; g) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos; h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso ao quadro complementar de juízes.

80 O presidente do tribunal possui também as seguintes competências administrativas: a)

Elaborar o projecto de orçamento, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador, que fará sugestões sempre que entender necessário; b) Elaborar os planos anuais e plurianuais de actividades e relatórios de actividades; c) Elaborar os regulamentos internos do tribunal de comarca e dos respectivos juízos; d) Propor as alterações orçamentais consideradas adequadas; e) Participar na concepção e execução das medidas de organização e modernização dos tribunais; f) Planear as necessidades de recursos humanos.

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 115

O perfil funcional do administrador judiciário concentra-se na gestão dos

espaços, segurança, condições de acessibilidade das instalações,

manutenção, conservação e racionalização da utilização dos equipamentos, o

que leva a que seja por muitos percepcionado como um perfil exíguo,

defendendo-se a densificação das suas competências próprias. Extravasando

a previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade de

coadjuvação pelo administrador do exercício das competências do

presidente81.

Sob a orientação do presidente do tribunal, nos casos em que existam

juízos com mais de três juízes, um magistrado coordenador pode exercer

competências de direcção e gestão processual específicas (acompanhar a

realização dos objectivos fixados; implementar métodos de trabalho e

objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica; e acompanhar o

movimento processual do tribunal identificando os processos pendentes.

O organograma 3 condensa as principais alterações trazidas pela lei no

âmbito da gestão dos tribunais ao nível local, salientando-se a densificação dos

instrumentos de gestão ao nível local.

81 O administrador do tribunal, em articulação com o presidente do tribunal e o magistrado do

MP coordenador, tem as seguintes competências relativas aos espaços: a) Gerir a utilização dos espaços do tribunal, designadamente dos espaços de utilização comum, incluindo as salas de audiência; b) Assegurar a existência de condições de acessibilidade aos serviços do tribunal e a manutenção da qualidade e segurança dos espaços existentes; c) Regular a utilização de parques ou lugares privativos de estacionamento de veículos; d) Providenciar, em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela correcta utilização, manutenção e conservação dos equipamentos afectos aos respectivos serviços; e) Providenciar, em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela conservação das instalações, dos bens e equipamentos comuns, bem como tomar ou propor medidas para a sua racional utilização.

Organograma 3 – A nova lei de organização judiciária e as mudanças nas competências de gestão dos tribunais

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 119

5.3 As potencialidades da nova lei de organização e gestão dos tribunais: gestão integrada e de proximidade

O desenho estratégico da reforma do mapa judiciário em curso assenta

em três vectores principais: (1) uma nova matriz territorial, mais alargada; (2)

uma acentuada especialização das jurisdições; (3) e um novo modelo de

gestão dos tribunais82. No que se refere a este último, as mudanças trazidas

pela lei relativamente à administração local da justiça constituem uma grande

inovação, concentrando-se neste vector um dos principais desafios à

implementação da reforma. Como temos vindo a referir, no âmbito da direcção

e representação dos tribunais e da gestão processual, a reforma introduziu

uma mais-valia no sentido de criar perfis profissionais com competências

próprias e uma actuação local baseada no conhecimento das necessidades e

do funcionamento quotidiano do serviço.

Como foi reconhecido por vários dos entrevistados, a introdução de

vectores de proximidade no modelo de gestão incorpora, como vantagem

fulcral, a possibilidade de flexibilização. Dito de outro modo, é possível, em

diferentes aspectos, a tomada de decisão local, de forma rápida e mais

eficiente, no que se refere ao funcionamento dos serviços, tendo em atenção

as suas carências e dificuldades. No novo quadro normativo, esta flexibilidade

estende-se desde a distribuição dos funcionários (à excepção dos escrivães de

direito83) até à proposição de mudanças organizacionais e às rotinas de

trabalho (implementação de métodos de trabalho, reafectação de funcionários,

criação de secções especializadas), passando pelo planeamento das

82 O OPJ, na proposta de reforma do mapa judiciário, apresentada no Relatório “A Geografia da

Justiça - Para um novo mapa Judiciário” (2006) enfatizava esta vertente. Cf., ainda, entre outros http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-tribunais/injuncoes-teste/reforma-do-mapa/downloadFile/attachedFile_1_f0/Mais_Informacao_-_Mapa_Judiciario.pdf?nocache=1206543542.6

83 De acordo com o art.º 34, do DL n.º 28/2008, os escrivães de direito são titulares da secção

ou do serviço para o qual foram nomeados, os restantes funcionários de justiça são distribuídos, conforme os casos, pelo presidente do tribunal ou pelo magistrado do MP coordenador, ouvidos os funcionários interessados.

120 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

actividades, das necessidades de recursos humanos e elaboração da proposta

de orçamento.

Noutra vertente, a criação de um órgão com poderes consultivos e de

acompanhamento (conselho de comarca) beneficia o modelo de gestão por

permitir uma participação alargada dos actores do sistema e da sociedade civil,

o que pode trazer, não só benefícios de natureza gestionária, mas também

aprofundar a proximidade e legitimidade social dos tribunais.

(…) tem sido muito interessante verificar, na prática, o modo de funcionamento destas duas estruturas [conselho geral e conselho de comarca]. (...) Na gestão de um tribunal, quer os magistrados, quer os funcionários, quer outros operadores judiciários representados no conselho geral, precisamos de ter, cada vez mais, uma visão global do funcionamento do tribunal e das respectivas unidades orgânicas (...). Por outro lado, permite também uma certa abertura ao exterior. O tribunal deixa, tendencialmente, de ser uma entidade fechada, uma entidade vista como um lugar onde só se vai de vez em quando e de preferência que não se vá, para ser uma estrutura minimamente organizada e uma estrutura que, tendencialmente, poderá até estar aberta a novas iniciativas. (Ent. S7)

As vantagens acima descritas, resultantes da interpretação das

potencialidades admitidas pela nova legislação, têm um carácter experimental,

cuja concretização eficaz depende de se proceder a alguns ajustamentos

importantes. O seu carácter experimental, a falta de preparação da reforma, a

ausência de discussão e de directrizes de execução, são factores que, entre

outros, leva a que aquelas potencialidades estejam a ser desenvolvidas de

forma distinta em cada uma das comarcas piloto de acordo com a experiência,

o nível de iniciativa, o conhecimento da realidade do tribunal por parte dos

juízes presidentes.

Apesar das lacunas de preparação e acompanhamento da reforma, o

trabalho de campo realizado permitiu identificar algumas dinâmicas locais

consentâneas com os objectivos da reforma. Foi possível identificar

experiências positivas de optimização do funcionamento dos serviços, numa

postura activa de supervisão e controlo das actividades por parte do juiz

presidente, com coadjuvação do administrador judiciário. Desde logo, o

estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, realização de

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 121

reuniões de planeamento das actividades com as chefias das secções e com

os magistrados coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros métodos

de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-

se, ainda, um acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de

material, requisição de objectos e critérios de ocupação das salas de

audiências por parte dos juízos.

(…) Verifica-se, com esta nova gestão, muita diferença. Agora, o juiz presidente define objectivos, o que não se fazia antes. Nos primeiros tempos houve muitas reuniões para definir objectivos e toda a gente se empenhou em tentar cumprir esses objectivos. E não foi só a nível de funcionários, foi também a nìvel de magistrados (…). (Ent. 16F)

O maior ou menor êxito da aplicação das potencialidades da lei

dependerá, também, da concretização de alguns factores objectivos, como a

formação adequada dos administradores judiciários, dos juízes presidentes e

de outras figuras com poderes de direcção em áreas relacionadas com a

gestão judiciária; a existência de um gabinete de apoio administrativo e de

gestão altamente qualificado associado à presidência do tribunal; e a

possibilidade de acesso a dados sobre as actividades e o funcionamento dos

serviços que permitam aferir, não só as características da procura e os

resultados quantitativos da produtividade dos funcionários, mas, também,

compreender as cadeias de decisão e processos de trabalho adoptados em

cada uma das unidades orgânicas. Esta última componente assume particular

relevância se se tiver em atenção que a realidade de funcionamento dos

tribunais é de diversidade organizacional e de métodos de trabalho em

diferentes níveis: entre tribunais, entre secretarias dos juízos e entre secções.

A diversidade organizacional e de desempenho funcional existente

entre/nos tribunais e a articulação de competências entre as diferentes figuras

com poderes de organização, direcção e supervisão são duas condições com

impacto estruturante na realização das potencialidades gestionárias da nova

LOFTJ.

As novas competências do juiz presidente e do administrador judiciário,

com a criação de uma estrutura de gestão local tem a vantagem de permitir

122 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

uma maior desconcentração dos poderes de organização, supervisão e

direcção das actividades dos tribunais, dando-se, assim, passos decisivos na

direcção de uma gestão integrada e de maior proximidade. Contudo, a

concretização deste vector revela uma complexa rede de divisão de

competências entre os órgãos centrais executivos (DGAJ, IGFIJ, ITIJ), os

órgãos de gestão das profissões judiciais (CSM, CSMP, COJ) e os poderes

locais de gestão do tribunal de comarca (juiz presidente, magistrado do MP

coordenador, administrador judiciário, magistrados e procuradores

coordenadores), que para o seu funcionamento eficiente exige uma forte

articulação.

Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de

competências centrais e locais de modo a permitir uma gestão integrada que

tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:

A articulação das competências de gestão, avaliação e disciplina dos

funcionários judiciais da DGAJ e do COJ, com os poderes atribuídos ao juiz

presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,

implementação de métodos de trabalho e fixação de objectivos para as

unidades orgânicas, planeamento das necessidades de recursos humanos,

reafectação dos funcionários dentro da comarca;

A articulação das competências de gestão dos juízes e acompanhamento da

actividade dos tribunais e sua organização exercidas pelo Conselho

Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do

Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais

(criação de secções especializadas), reafectação de juízes e necessidades

de resposta adicional no quadro de juízes;

A articulação das competências de gestão financeira, do património, das

instalações e dos equipamentos dos tribunais partilhadas entre o ITIJ, o

IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de

alterações orçamentais exercidas pelo juiz presidente e as competências do

administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e

segurança das instalações do tribunal.

O êxito deste modelo de gestão depende, assim, da realização plena e

eficiente do princípio de cooperação (Decreto-lei n.º 28/2009), não só entre o

presidente do tribunal de comarca, o magistrado do MP coordenador, os

magistrados coordenadores e o administrador do tribunal, entre estes e os

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 123

outros membros do conselho de comarca, mas, também, entre esta estrutura

local de gestão do tribunal com os órgãos centrais de administração da justiça

(DGAJ, CSM, CSMP, COJ, CEJ, CFFJ, ITIJ, IGFIJ).

A necessidade de articulação entre as diferentes figuras com poderes

directivos na administração dos tribunais exigirá um aprofundamento da sua

concretização na definição dos perfis profissionais com poderes de gestão

local, esclarecendo as suas tarefas e responsabilidades e aprofundando as

interfaces e canais de comunicação com os organismos centrais.

A articulação de tudo isto é um pouco complicada. São atribuídas competências próprias ao presidente, ao administrador, que não se percebe, depois, se são com a orientação do presidente. O administrador tem um papel de coadjuvação do presidente e, depois, outras competências devem ser delegadas pela DGAJ e pelo IGFIJ. O que não vejo como é que pode haver integração, uma gestão integrada neste caso. Parece-me que é uma gestão que acaba por ser bicéfala. Relativamente às competências da DGAJ houve delegação, o IGFIJ penso que não delegou. Como é que é? Mas, é sob orientação do Presidente, não é sob orientação do Presidente? (Ent. 3J).

O modelo parecia avançar no sentido do administrador ser, no tribunal, alguém que poderia actuar com competências delegadas do juiz presidente, da Direcção-Geral da Administração da Justiça ou do Instituto de Gestão Financeira. O juiz presidente delegou competências, a Direcção-Geral delegou competências, o Instituto de Gestão Financeira nunca o fez. E não o fez porque, talvez não tenha lido a lei, ou se a leu nunca quis passar nenhuma das competências para o tribunal. A questão é a de saber o que é que os serviços centrais, face a esta nova lei, querem efectivamente passar para a responsabilidade do administrador. O administrador actua no tribunal sob a direcção e a dependência funcional do juiz presidente. E o juiz presidente há coisas de que fica dependente, se o administrador puder ou não puder executá-las. A pergunta fundamental é o que os serviços centrais querem descentralizar? (Ent. P11)

No ponto 4.5 desenvolveu-se, em detalhe, importantes vertentes de

articulação de competências em diferentes âmbitos: gestão de recursos

humanos, gestão de recursos financeiros, gestão do património e das infra-

estruturas e gestão da informação.

Seguidamente, analisa-se o modo como as desigualdades dos

diferentes tribunais a nível organizacional condicionam as respostas do modelo

de gestão, em especial na racionalização e operacionalização da unidade

administrativa do tribunal de comarca.

124 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

5.4 O novo modelo de gestão e os desafios da diversidade organizacional

As mudanças trazidas pela nova lei no que respeita à nova matriz

territorial e à especialização das jurisdições não constituem o objecto central

deste estudo. São, contudo, dimensões que podem assumir relevância

analítica enquanto variáveis com impacto significativo no novo modelo de

gestão e, nessa medida, não podem deixar de ser tidas em conta.

O Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, que regula a organização

das comarcas piloto, determinou os diferentes juízos em que se desdobra cada

um dos novos tribunais de comarca (o tribunal de comarca abrange toda a

extensão territorial da comarca) e definiu as conversões dos anteriores

tribunais de comarca e dos tribunais de competência especializada nos

diferentes juízos.

Por sua vez, a Portaria n.º 170/2009, de 17 de Fevereiro, determinou a

conversão das secretarias dos anteriores tribunais de comarca e de

competência especializada nas secretarias dos actuais juízos e definiu os

quadros de pessoal e a organização dos serviços judiciais (secção de

processos), tendo como unidade de referência a secretaria.

Da análise destes dois diplomas, no que se refere à organização e

gestão dos tribunais, resulta que, para este efeito, à anterior unidade tribunal

passou a corresponder a actual unidade secretaria, o que tem consequências,

como melhor se verá, em vários domínios, desde os recursos humanos à

informatização e tramitação telemática dos fluxos, levando a que, na prática,

pouco se tenha alterado ao criarem-se novas unidades orgânicas e novas

perspectivas gestionárias, mas mantendo-se o modelo de organização interna

e de colocação de juízes e funcionários das comarcas anteriores.

Esta dinâmica acaba por se traduzir, de comarca para comarca, em

diferentes estruturas locais, quer considerando a organização dos serviços

judiciais, quer a unidade administrativa de referência, com assinalável

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 125

heterogeneidade para a actuação do juiz presidente e das outras figuras

directivas do tribunal. As comarcas piloto são ilustrativas desta situação, pois

variam de um modelo com alto grau de dispersão daquelas unidades

administrativas (Comarca Baixo Vouga), ainda que territorialmente próximas,

para um modelo altamente concentrado de organização dos serviços (Comarca

Grande Lisboa-Noroeste), conforme ilustrado nos organogramas 4, 5 e 684.

84 Os organogramas foram realizados tendo por base a previsão dos quadros de pessoal das

comarcas piloto na Portaria n.º 170/2009, bem como no quadro de juízes previstos no Decreto-Lei n.º 25/2009. Por esta razão, não estão representadas as colocações adicionais de recursos humanos não previstas no quadro, tal como a criação de secções para além das estabelecidas na portaria, como é o caso da criação de equipas de recuperação de pendências.

Organograma 4 – Comarca Alentejo Litoral (orgânica e distribuição dos serviços judiciais)

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Juízo de Instância

Criminal

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Juízo de Instância

Criminal

J1 J1 J1 J1

ED ED

Juízo de Grande

Instância Cível

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

J1 J2 J1

ED ED ED ED

* sedeado em Santiago do Cacém

Secção Central

Secção de processos Secção de processos

J1 J2

Juízo de Instância

Criminal

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE GRÂNDOLA

J1

Secção de processos

Secção Central

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ALCÁCER

DO SAL

Secção Central

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SANTIAGO DO CACÉM (sede)

Secção de processos

Secção Central

J1

Secretário de Justiça

Secção de processos

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ODEMIRA

JUIZ PRESIDENTE*

ADMINISTRADOR JUDICIAL*

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SINES

Secretário de Justiça

Juízo Misto do Trabalho e de Família e

Menores

Secção de processos

Juízo de Competência Genérica

Secretário de Justiça

Secção Central

Secretário de Justiça

2 EADJ 3 EAUX 2 EADJ 3 EAUX

3 EADJ 3 EAUX

7 EADJ 8 EAUX

2 EADJ 3 EAUX2 T.

Informática4 Assist.Técnico

3 Assist.Operacional

Fonte: OPJ

Organograma 5 - Comarca Grande Lisboa-Noroeste (orgânica e distribuição dos serviços judiciais)

ED ED ED ED ED ED ED

ED ED ED ED ED

ED ED ED ED ED ED ED

ED ED ED ED ED ED

* sedeado em Sintra

Secção de processos Secção de processos Secção de processos

J1 J2 J3 J1 J2 J3 J4 J5 J1 J2

Juízo de Média Instância Criminal

Secção de processos Secção de processos

J1 J1 J2 J3 J4 J5 J6

Juízo de Grande Instância Cível Juízo de Média Instância Cível

Secção de processos Secção de processos

Juízo do Trabalho

Secção de processos

J1 J2

Secção de processos

Juízo de Grande Instância Criminal

Secção de processos Secção de processos

J1 J2 J1

Juízo de Família e Menores

J1 J2 J3 J4

Juízo de Pequena

Instância Cível

Juízo de Pequena

Instância Criminal

Secção de processos

Juízo de Execução

Secção de processos

Juízo de Comércio

Juízo de Pequena

Instância Criminal

J1

Secção de processos

Secção Central

Secretário de Justiça

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

J1

Secção de processos

Juízo de Família e Menores

J1 J2

Secretário de Justiça

Secção de processos

Juízo de Média

Instância Cível

Juízo de Pequena

Instância Criminal

Juízo de Instrução

Criminal

Secção de processos

J1 J1

Secção de processos Secção de processos Secção de processos

J1

Secção de processos Secção de processos

Secç

ão C

en

tral

Secç

ão d

e S

erv

iço

Ext

ern

oSecção de processos

J1 J2 J3 J4

Secção de processos

ED

Secção de processos

JUIZ PRESIDENTE*

Secç

ão C

en

tral

ED

SECRETARIA GERAL DOS JUÍZOS DE SINTRA (sede) SECRETARIA DOS JUÍZOS DE MAFRA

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE AMADORA

ADMINISTRADOR JUDICIAL*

Secretário de Justiça

Juízo de Instrução

Criminal

J1

MC

MC MC

MC

5 EADJ 7 EAUX

10 EADJ 15 EAUX54 EADJ 66 EAUX

2 T.Informática

2 Assist.Técnico

1 Assist.Operacional

1 Assist. Técnico

2 T.Informática

6 Assist.Técnico

6 Assist.Operacional

Fonte: OPJ

Organograma 6 - Comarca Baixo Vouga (orgânica e distribuição dos serviços judiciais)

ED ED ED ED ED ED ED ED ED ED

ED ED

ED

ED ED ED ED ED ED

ED

ED

ED ED ED

ED

* sedeado em Aveiro

SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO

AVEIRO (sede)

Juízo de Família e

Menores

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Secção Central Secção Central

Secç

ão d

e S

erv

iço

Ext

ern

o

ED

J1 J2 J3

Secção de processos

J1 J2

Secção de processos

Secção de processos

Secção Central

Secção Central

Juízo de Instrução

Criminal

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Secç

ão C

en

tral

JUIZ PRESIDENTE*

ADMINISTRADOR JUDICIAL*

Secç

ão C

en

tral

Secção Central Secção Central

J1 J2 J3

Secção de processos

Secretário de Justiça

Juízo do Trabalho

J1 J2

Secretário de Justiça

Secção de processos Secção de processos

Secção de processos

Juízo de Instância

Criminal

SECRETARIA DOS JUÍZOS

Juízo de Média

Instância Criminal

Juízo de Grande

Instância CívelJuízo de Comércio

J1

Secção de processos

J1 J2

Secção de processos Secção de processos Secção de processos

Secretário de Justiça

Juízo de Pequena

Instância Criminal

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ÍLHAVO

Secretário de Justiça

SECRETARIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA E

MENORES

J1

Secretário de Justiça

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OLIVEIRA DO BAIRRO

Juízo de Família e

Menores

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

J1 J1J1 J1

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ESTARREJA

Secretário de Justiça

Juízo de Instância

Criminal

Secção de processos Secção de processos

Juízo de Família e

Menores

J1

Secção de processos

J1

Juízo de Média

Instância Criminal

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OVAR

Secretário de Justiça

Juízo de Execução

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Juízo de Instância

Criminal

Secção de processos Secção de processos

J1

Secção de processos Secção de processos

J1 J1

Secção de processos

J1 J1 J2 J1 J2

J1

Secç

ão C

en

tral

J1

SECRETARIA DO JUÍZO DE ALBERGARIA-A-VELHA

Secretário de Justiça

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Juízo de Instância

Criminal

J1

SECRETARIA DO JUÍZO DE SEVER DO VOUGA

Secretário de Justiça

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

J1

Secç

ão C

en

tral

Secção Central

Secç

ão C

en

tral

ED

Secção de processos Secção de processos

ED

ÁGUEDA

SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO

Secretário de Justiça

Juízo do Trabalho

J1

Secção de processos

SECRETARIA DOS JUÍZOS

Secretário de Justiça

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Juízo de Instância

CriminalSECRETARIA DOS JUÍZOS DE ANADIA

Secretário de Justiça

Secção de processos

Secção de processos

ED

Juízo de Execução

J1 J1 J2 J1

Secção de processos

Juízo de Média

Instância Criminal

J1 J1

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

Juízo de Grande

Instância Cível

Juízo de Instância

Criminal

J1 J2 J3 J1 J2 J3 J1

Secç

ão C

en

tral

Secção de processos

ED

Juízo de Instrução

Criminal

Secção de processos Secção de processos Secção de processos

SECRETARIA DO JUÍZO DE VAGOS

Secretário de Justiça

Juízo de Média e

Pequena Instância

Cível

13 EADJ

19EAUX

5 EADJ

7 EAUX

4 EADJ

4 EAUX

2 EADJ

3 EAUX

4 EADJ

5 EAUX

7 EADJ

12EAUX

7 EADJ

10EAUX

5 EADJ

9 EAUX

7 EADJ

8 EAUX

9 EADJ

13EAUX

8 EADJ

10EAUX

1 EADJ

2 EAUX

3 EADJ

3 EAUX

2 Assist.Técnico

3 Assist.Operacional1 Assist.

Técnico

2 Assist.Operacional

2 T.Informática

5 Assist.Técnico

8 Assist.Operacional

1 Assist.Técnico

1 Assist.Operacional

1 Assist.Operacional

1 Assist.Técnico

2 Assist.Operacional

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 133

O privilégio da dimensão local no que diz respeito à estrutura de

organização e gestão é, conforme ficou dito, uma potencialidade da nova lei, na

medida em que introduz critérios de flexibilização e de proximidade na

administração do tribunal. Importa, pois, reflectir acerca do nível de localização

dos poderes directivos e de organização versus a necessidade de garantir

alguma centralização e unidade administrativa no novo tribunal de comarca que

assegure a operacionalidade efectiva dos novos princípios e regras

gestionários.

Este aspecto adquire contornos especiais nas comarcas experimentais,

uma vez que, como resulta da lei e se verifica nos organogramas

apresentados, a criação das novas unidades orgânicas (juízos, secretarias)

teve por base as estruturas físicas pré-existentes (anteriores tribunais de

comarca ou anteriores tribunais especializados) e a distribuição territorial do

modelo antigo, o que implicou a criação de um tribunal de comarca multipartido

(secretarias de juízos, juízos, secções). Mesmo no caso da Comarca Grande

Lisboa-Noroeste, este princípio de correspondência das anteriores estruturas

às novas estruturas não se afastou muito, dado que, aí já existia um certo grau

de concentração com a anterior secretaria-geral do Tribunal de Comarca e do

Tribunal de Família e Menores de Sintra85. Onde havia dispersão, manteve-se.

A questão que se coloca é, pois, a de saber quais deverão ser as

unidades administrativas e organizacionais do tribunal de comarca: se o próprio

tribunal de comarca, as secções de processos ou as secretarias dos diferentes

juízos. A decisão sobre esta matéria que, como se disse, continuou a seguir o

modelo atomizado anterior, tem, como melhor se verá, uma influência

determinante na colocação e gestão dos recursos humanos (magistrados e

funcionários), na elaboração e execução do orçamento, no planeamento e

gestão dos recursos materiais, no próprio modelo de informatização e,

consequentemente, na execução das funções de direcção e coordenação

85 Foram agregadas as secretarias das Varas de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra

e a secretaria do Tribunal de Trabalho de Sintra, secretarias a funcionarem no mesmo edifício.

134 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

exercidas no tribunal de comarca, nomeadamente a interface entre o juiz

presidente, administrador e secretário de justiça.

Antigamente falava-se em tribunais, agora fala-se em juízos dentro do mesmo tribunal. Coloco a questão, deve ser o tribunal enquanto unidade detentora de um conjunto de juízos a ter o número de contribuinte ou deve ser cada uma das secretarias dentro do tribunal a ter o seu número de contribuinte? (Ent. P11)

Um outro problema que eu sinalizo na organização da comarca, tendo em atenção o novo mapa judiciário, é que o mapa judiciário engloba um determinado número de unidades orgânicas, mas essas unidades orgânicas, estão organizadas sob o modelo das comarcas anteriores. Ou seja, os juízes estão colocados naqueles juízos, os funcionários estão colocados naquelas secretarias e não consigo fazer uma gestão, tanto de magistrados como funcionários, a não ser que tenha a anuência dessas pessoas. (Ent. S8)

A atomização do modelo entra em tensão com os objectivos de direcção

e coordenação a uma escala maior (ao nível da comarca) centralizados no juiz

presidente e no administrador, impedindo o seu cabal exercício. Note-se que a

única comarca onde este efeito escala se poderá fazer sentir é na Comarca

Grande Lisboa-Noroeste, mas apenas para os juízos de Sintra, porque, como

acima se explicou, estando sedeados todos os juízos no mesmo edifício, na

conversão das secretarias, apenas foi criada uma secretaria.

Para melhor se compreender esta questão, vejamos, desde já, algumas

consequências na gestão de recursos humanos relativamente aos funcionários,

onde o problema está a assumir maior acuidade. Ao assumir-se que o

provimento de funcionários judiciais tem como unidade as secções de processo

(para os escrivães de direito) e a secretaria dos juízos para os restantes

funcionários, tal condiciona fortemente as competências do juiz presidente na

gestão dos recursos, uma vez que o exercício desta competência é nula no

caso dos escrivães de direito e tem como limite a secretaria dos juízos.

A questão central é, pois, a de saber se para este efeito a unidade não

deve ser o tribunal de comarca. Além deste enquadramento organizacional, a

flexibilidade na gestão de recursos está igualmente condicionada pelas

dificuldades relativas à mobilidade geográfica dos funcionários de justiça

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 135

resultante da interpretação sistemática do quadro normativo da nova LOFTJ

com o Estatuto dos Funcionários de Justiça, a questão será tratada em detalhe

mais adiante.

Uma outra questão relacionada com esta prende-se com a manutenção

do anterior modelo de fixação dos quadros de pessoal, agora com referência à

secretaria. Para os agentes judiciais entrevistados, há a percepção de alguma

irracionalidade na definição desses quadros de funcionários, constituída, por

um lado, pela insuficiência do quadro de funcionários em alguns juízos e, por

outro, por uma má distribuição dos funcionários entre juízos. Defendem, por

isso, uma intervenção mais racionalizadora na definição dos quadros de

pessoal das comarcas, tendo em conta as suas necessidades e as

especificidades da procura. É claro que esta questão coloca-se de modo

diferente num modelo que não esteja assente em quadros de pessoal tão

atomizado.

A percepção de irracionalidade de colocação e distribuição dos

funcionários estende-se aos assessores técnicos e, em especial, no que se

refere aos técnicos de informática.

Outra questão conexa com esta é a do quadro dos funcionários (...) tem a ver com o dimensionamento do quadro, ou seja, de saber, em primeiro lugar, se os quadros legais de funcionários para cada uma das NUT, das comarcas piloto, se elas estão ou não correctamente dimensionadas. (Ent. P9)

Se, em alguns casos, triplicaram os processos e o quadro de pessoal é o mesmo, alguma coisa não pode funcionar. Se noutros casos, saíram de lá os processos e continuam com o mesmo número de pessoas (...) Como é que uma pessoa no tribunal X, por exemplo, pode ter mil processos a cargo e uma pessoa no tribunal Y tem cem? A pessoa não pode produzir o mesmo, ganha o mesmo mas a responsabilidade que tem é completamente diferente, isso tem que se traduzir no serviço. Eu acho que a Direcção-Geral devia racionalizar melhor os meios, torná-los mais uniformes, coisa que não são actualmente. (Ent. 17F)

No tribunal devia estar sempre um funcionário de informática. Devia estar permanentemente cá. (Ent. 21F)

Esta questão, embora com diferentes contornos, também diz respeito à

136 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

colocação dos juízes, isto é, à definição da unidade de colocação: os juízos do

tribunal de comarca ou um determinado juízo. Facilmente se compreende que

a flexibilidade gestionária é diferente se, por exemplo, os juízes forem

colocados nos juízos de família do tribunal de comarca ou em determinado

juízo de família. A definição sobre o lugar de provimento do juiz pode contribuir

para uma gestão mais flexível ou mais rígida, de acordo com as necessidades

do serviço.

No actual enquadramento legal, tendo em atenção as competências

previstas, no que se refere à gestão de juízes, o juiz presidente pode propor ao

CSM a acumulação, reafectação e o recurso ao quadro complementar de

juízes, medidas que, na prática, têm funcionado, mas que poderão ter outro

viés se pensarmos no alargamento da reforma a todo o país. Esta questão tem,

contudo, uma perspectiva doutrinária de interpretação constitucional dos

princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, que está longe de ser

consensual. Qualquer intervenção legal neste âmbito tem que ser precedida de

uma ampla discussão sobre os limites daqueles princípios.

A questão tem, como acima já se referiu, repercussões na gestão de

outras vertentes, designadamente, de natureza financeira. Relativamente a

esta última, a opção pelo tribunal de comarca ou pela secretaria dos juízos,

como unidade administrativa, coloca em confronto, designadamente, as actuais

competências de elaboração do orçamento dos secretários de justiça e do

presidente do tribunal. Conforme se detalha mais adiante, esta questão

também se estende à centralização do controlo da execução orçamental e

demais aspectos financeiros e ao planeamento das necessidades do tribunal

como um todo.

O orçamento também não é o orçamento do tribunal, é o orçamento de cada uma das secretarias e aqui pode-se questionar qual a utilidade do administrador. Cada um dos secretários manteve o seu orçamento. (Ent. P11)

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 137

5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação de competências entre as diversas entidades

Se a partilha de competências de organização e gestão dos tribunais

entre o poder executivo e o poder judicial ganhou uma nova configuração com

a introdução do um novo modelo de gestão preconizado pela reforma, o que se

definiu como potencialidades da lei, nomeadamente a adopção de critérios de

proximidade e flexibilidade na gestão local dos tribunais, depende, em muito,

da integração e da articulação entre os diferentes órgãos com poderes

directivos na administração dos tribunais. Como se salientou anteriormente,

este modelo exige a realização plena e eficiente do princípio de cooperação

entre as figuras da estrutura local de gestão e entre estas e os órgãos centrais.

Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de gestão, uma

articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está

comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,

que vão desde a clarificação do sentido e alcance das competências previstas

em lei até à necessidade de aprofundamento dos canais de comunicação e

interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de um plano de

implementação das competências locais de gestão com orientações concretas

das tarefas e responsabilidades a serem exercidas pelas chefias e pelas

figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade

administrativa de referência do tribunal de comarca.

Desenvolve-se, de seguida, uma análise mais detalhada das dinâmicas

de competências de administração e gestão dos tribunais em quatro áreas:

gestão de recursos humanos, gestão de recursos financeiros, gestão do

património e das infra-estruturas e gestão da informação.

138 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

5.5.1. Gestão de recursos humanos

A) Juízes

O protagonista da gestão da carreira judicial é o Conselho Superior da

Magistratura em articulação, no que se refere ao recrutamento e formação dos

juízes, com o Centro de Estudos Judiciários. Como já referimos, a lei de

organização judiciária insere neste domínio a possibilidade de promoção pelo

juiz presidente junto ao CSM de medidas de acumulação, reafectação,

requisição de juízes do quadro complementar ou criação de secções

especializadas.

O organograma 7 ilustra a divisão de competências na gestão de juízes.

Organograma 7 – Divisão de competências na gestão dos juízes

Realização dos concursos de acesso

e cursos e estágios de formação

inicial

Organização de cursos na área da

gestão para juiz presidente,

administrador judiciário, procurador

do MP coordenador e magistrados

coordenadores (em colaboração

com outras entidades)

Nomeação, colocação e definição

dos critérios de permuta entre juízes

Dar posse aos juízes de direito

colocados na comarca

Dar posse aos juízes do STJ e

presidentes das relaçõesDar posse aos juízes das relações

Nomear um juiz substituto, em caso

de impedimento do substituto legal

Planear a necessidade de recursos

humanos

Popor ao CSM a reafectação de

juízes

Decidir sobre a reafectação de juízes

Propor ao CSM que um juiz exerça

funções em mais de um juízo da

mesma comarca

Decidir sobre a acumulação de juízes

Criar, na sede de cada distrito, uma

bolsa de juízes para destacamento

em tribunais de comarca

Efectuar a gestão das bolsas e

regular o seu destacamento

Requisitar a disponibilidade de juízes

da bolsa em caso de necessidade do

serviço

Destacar os juízes auxiliares que se

mostrem necessários , inclusive por

urgente conveniência do serviço

Definir e aprovar o modelo de mapa

de férias

Aprovação do mapa de férias

Aprovar os mapas de turnos de

férias e turnos aos sábados e

feriados, ouvidos os magistrados

Designar o número de magistrados

necessários para assegurar o serviço

de turno e aprovar a lista de

magistrados designados

Realização de movimento judicial

ordinário no mês de Julho e

extraordinários quando exijam

razões de disciplina ou de

necessidade de preenchimento de

vagas

Organização e execução do

concurso de acesso ao provimento

de vagas de juízes da Relação e

juízes do STJ

Autorização para os magistrados

residirem em local diferente da sede

do juízo

Conceder dispensas de serviço para

participação em congressos,

simpósios, cursos, seminários

Autorização para o exercício de

funções docentes e de investigação

Deliberação de redução na

distribuição de serviço para

magistrados judiciais que executam

funções no órgão executivo de

associação sindical

Autorização para comissões de

serviço

Elaborar o plano anual de

inspecções, ordenar inspecções,

sindicâncias e inquéritos aos

serviços judiciais (a realizar-se pelos

serviços de inspecção)

Instauração do procedimento

disciplinar

Classificação dos magistrados com

apoio dos serviços de inspecção

Propor ao CSM a especialização de

secções nos juízos

Decidir sobre a criação de secções

especializadas

Recebimento dos requerimentos

para aposentação voluntária

Determinar a imediata suspensão do

exercício de funções em caso de

incapacidade

Processar as remunerações dos

magistrados que exercem funções nos

tribunais sem autonomia assegurando o

pagamento aos magistrados dos encargos

relativos a acumulação de funções, subsídio

de compensação (renda de casa), colectivos

(ajudas de custo, transportes e

deslocações), subsídio de fixação (Açores e

Madeira) e regime de substituição

(licenciados em direito, em substituição de

magistrados do Ministério Público)

O orçamento do Conselho Superior

da Magistratura destina -se a

suportar as despesas com com os

magistrados judiciais afectos aos

tribunais judiciais de 1.ª instância e

com os magistrados judiciais afectos

como auxiliares aos tribunais da

Relação

Organização dos mapas anuais de férias e envio ao CSM acompanhados de parecer

Elaboração de acções de formação contínua

DGAJ CEJ CSM Juiz Presidente Presidente do STJPresidente do

Tribunal da Relação

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Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 141

O organograma mostra um modelo altamente centralizado de gestão das

carreiras judiciais com concentração pelo CSM de competências nas

componentes colocação e reafectação, férias, movimento judicial, avaliação,

acção disciplinar, aposentação, formação e remuneração, estas últimas em

articulação com o CEJ e a DGAJ86.

A intervenção local é feita com autonomia no que se refere à posse dos

juízes e tem um carácter propositivo no que toca a medidas de reafectação,

acumulação, requisição de juízes do quadro complementar e mudanças na

organização interna, mas cabendo sempre a decisão final ao CSM.

A concentração de competências no CSM, no que respeita às actuais

comarcas experimentais, não parece ter-se traduzido, de acordo com o que foi

observado no trabalho de campo, em grandes problemas de articulação entre

aquele órgão e o juiz presidente, embora, como já foi salientado, a situação

pode não ser a mesma num cenário mais alargado ou com outras

protagonistas.

O que foi salientado é o condicionamento deste mecanismo, mas por

outra via. A maior utilização dos mecanismos de gestão local de juízes, por

parte do juiz presidente, está condicionada pela carência de funcionários e pela

necessidade de aprofundar as competências no âmbito da gestão local do

pessoal oficial de justiça.

(…) O juiz presidente solicita ao Conselho Superior de Magistratura que coloque juízes da bolsa em acumulação, dos quais para fazer julgamentos precisam de escrivães auxiliares e, simultaneamente, a DGAJ requisita escrivães auxiliares para outro serviço. (…) Há aqui uma, necessária, articulação que tem que ser trabalhada um pouco mais (Ent. 3J).

86 A Lei n.º 36/2007, de 14 de Agosto, garante ao CSM orçamento para suportar as despesas

não só com os seus membros, mas também com o quadro de magistrados e funcionários afectos aos tribunais judiciais de primeira instância, com os magistrados judiciais afectos como auxiliares aos tribunais da Relação e demais despesas correntes e de capital necessárias ao exercício das suas competências. Apesar desta previsão de autonomia financeira, na prática, por questões logísticas, a DGAJ continua a processar as remunerações dos magistrados que exercem funções nos tribunais sem autonomia administrativa.

142 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Para a eficiência do serviço, ressalta-se a importância de fazer

corresponder os recursos humanos de juízes e funcionários. Um passo

decisivo nesta matéria, defendido por muitos dos entrevistados, é a realização

simultânea dos movimentos judiciais e movimentos de funcionários, bem como

a criação de um quadro complementar de funcionários a que o juiz presidente

possa recorrer nos casos de licenças, baixas médicas, etc.

Na gestão local, a experimentação de novas formas de organização está

sujeita aos limites fixados pela lei para o exercício destas competências pelo

juiz presidente. Uma das vias passa pela possibilidade do juiz presidente

propor a criação de secções especializadas87. Deixa, contudo, dúvidas

interpretativas se a lei permite a possibilidade de se criar uma secção

especializada para tramitar matéria comum de diferentes juízos, ou apenas

poderão ser criadas para com o objectivo de permitir a afectação de um

conjunto de processos integrados (de determinada matéria) no âmbito de

competência normal de um determinado juízo.

b) Funcionários

O grande espectro de competências no que diz respeito à gestão dos

funcionários está concentrado na DGAJ em articulação com órgãos que a

integram (COJ e CFFJ). Como se tem vindo a referir, no esquema actual de

distribuição de competências, é, contudo, possível vislumbrar um papel

relevante a ser exercido pelo juiz presidente com a coadjuvação do

87 De acordo com o artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro: nos juízos de

competência especializada ou de competência genérica que possuam mais de um juiz e secção e quando o volume e a complexidade processual o aconselhem, podem ser criadas secções especializadas, nos termos do disposto no artigo 80.º da LOFTJ. A criação de secções especializadas é feita por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do respectivo presidente do tribunal de comarca. A especialização da secção é feita através da afectação de um conjunto de processos integrados no âmbito de competência normal do juízo em causa, por matéria, a uma secção pré -existente no respectivo juízo. Na deliberação que procede à criação da secção especializada são indicadas as regras de distribuição, nos termos a definir pelo Conselho Superior da Magistratura. A definição das regras de distribuição previstas no número anterior deve ser previamente articuladas com a Direcção-Geral da Administração da Justiça para efeitos de adaptação do respectivo sistema informático.

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 143

administrador judiciário, conforme o organograma 8.

Organograma 8 – Divisão de competências na gestão dos funcionários judiciais

Formação técnica e tecnológica do

curso profissionalizante para o

exercício das funções de oficiais de

justiça

Procedimento de admissão para

ingresso dos funcionários de justiça

Abertura do curso de habilitação

para oficiais de justiça

Acções de formação dos candidatos a

oficial de justiça admitidos ao curso de

habilitação

Procedimento de admissão para

acesso dos funcionários de justiça

Nomeação dos funcionários de

justiça

Aperfeiçoamento da formação dos

funcionários de justiça

Formação para a prova de acesso nas

carreiras de oficial de justiça

Procedimento de admissão para

acesso dos funcionários de justiça a

outras categorias

Nomeação do administrador

judiciário e poder para fazer cessar

suas funções

Posse dos funcionários de justiçaCoadjuvação das competências do

presidente

Planear a necessidade de recursos

humanos

Reafectação dos funcionários dentro

da comarca

Transferência, transição entre

categorias e permuta dos oficiais de

justiça

Comunicação da existência de vagas

que ocorram nos quadros da

secretaria e não sejam do

conhecimento da DGAJ

Realização dos movimentos

ordinários ou extraordinários dos

oficiais de justiça para

preenchimento de lugares vagos ou

a vagar

Concepção de dispensa de serviço

até ao limite de 6 dias por ano para

os funcionários de justiça

Autorizar pedidos apresentados

pelos funcionários de dispensa de

serviço para acompanhamento de

filhos menores de 12 anos

Aprovação do modelo de mapa de

férias

Organização do mapa de férias

anual dos funcionários

Autorização do gozo de férias e

aprovação dos respectivos mapas

Coadjuvação das competências do

presidente

Autorização para a residência do

funcionário fora da comarca onde se

encontra o tribunal

Aprovar os mapas de turnos de

férias e turnos aos sábados e

feriados, ouvidos os funcionários

Parecer sobre o número de

funcionários a designar para a

prestação de serviço de turno

Definir o número de funcinário a

designar para a prestação de serviço

de turno

Designar os oficiais de justiça para

prestação de serviço de turno,

ouvidos os funcionários

Comunicar à DGAJ, até ao dia 5 de

cada mês, faltas dadas ao serviço no

mês anterior pelos funcionários de

justiça

Elaborar o plano anual de

inspecções, ordenar inspecções,

sindicâncias e inquéritos aos

serviços judiciais (a realizar-se pelos

serviços de inspecção)

Classificar os oficiais de justiça Parecer para a classificação dos

oficiais de justiça

Coadjuvação das competências do

presidente

Homologação da classificação dos

oficiais de justiça

Organização das listas de

antiguidade

Competência para instaurar

procedimento disciplinar

Coadjuvação das competências do

presidente

Poderes de avocação e revogação

dos poderes de avaliação, disciplina

e apreciação do mérito profissional

exercido pelo COJ

Exercer a acção disciplinar

Exercer a acção disciplinar

relativamente à pena de gravidade

inferior à multa

Acompanhar a realização dos

objectivos fixados para os serviços

do tribunal por parte dos

funcionários

Promover a realização de reuniões

de planeamento e de avaliação dos

resultados do tribunal, com a

participação dos juízes e

funcionários

Acompanhar e avaliar a actividade

do tribunal, nomeadamente

a qualidade do serviço de justiça

prestado

aos cidadãos

Coadjuvação das competências do

presidente

Processar as remunerações dos

funcionários de justiça

Coadjuvação das competências do

presidente

Instauração de procedimento disciplinar

COJCentro de Fomação

dos Funcionários de Justiça

DGAJ Juiz presidenteSecretário de

justiça

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CSM

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 147

Tal como está evidenciado no organograma, verifica-se uma destacada

centralização de competências na DGAJ, COJ e CFFJ no que se refere à

formação, admissão, nomeação, realização dos movimentos judiciais,

avaliação e acção disciplinar. Contudo, o conjunto de competências assumido

pelo juiz presidente relativamente à reafectação e distribuição dos funcionários

de justiça (à excepção dos escrivães de direito), planeamento dos recursos

humanos, planeamento dos serviços do tribunal, fixação de objectivos e

avaliação da qualidade do serviço prestado, mostra a necessidade de uma

maior integração entre a gestão local e a gestão central no que respeita aos

funcionários judiciais.

O trabalho empírico permitiu identificar vários momentos em que a

concentração de competências na administração central, agravada pela falta

de previsão de interfaces eficientes, bloqueiam a gestão a ser implementada

por parte do juiz presidente.

Na verdade, e apesar de terem sido conferidas competências ao juiz

presidente para o planeamento dos recursos humanos, essas competências

não se traduzem na autonomia de definição dos mapas de pessoal ou das

necessidades de recursos humanos da comarca. Ao juiz presidente cabe a

distribuição dos funcionários de justiça, dentro dos limites da unidade orgânica

de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça,

e respeitando o provimento dos cargos de escrivães de direito nas respectivas

secções dos juízos.

Um exemplo concreto dos apertados limites e dificuldades do exercício

de tais funções concretiza-se no facto do juiz presidente não ter autonomia

para realizar sequer a permuta/transferência de escrivães de direito, dentro da

comarca, sem intervenção da DGAJ, ainda que obtenha a concordância

daqueles. Qualquer movimento desta categoria de funcionários exige sempre a

intervenção da DGAJ e só pode ocorrer dentro dos apertados limites da lei88.

88 De acordo com o artigo 15.º, do Estatuto dos Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de

148 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

(…) a colocação dos escrivães nos juìzos, não podendo serem movimentados segundo eventuais apetências ou dificuldades, também não me parece bem. O magistrado do MP coordenador, por exemplo, pode movimentar os magistrados, mas não pode movimentar os técnicos de justiça principal. (Ent. 3J)

Considerando, como já foi explicado, que os funcionários judiciais foram

providos não para o tribunal de comarca, globalmente considerado, mas para

as distintas secretarias dos juízos, coloca-se, à partida, um limite à

possibilidade de distribuição dos funcionários e à sua mobilidade para uma

secretaria distinta da secretaria onde foi originalmente colocado. Isto porque o

artigo 58º do Estatuto dos Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de

Agosto), assentado no conceito de tribunal de comarca da lei anterior,

determina que os funcionários de justiça só podem ser transferidos para fora da

comarca do lugar de origem a seu pedido, por motivo disciplinar, por extinção

do lugar ou por colocação em situação de disponibilidade. Com a interpretação

no sentido de que a conversão desta realidade se deu, com a nova lei, para as

secretarias judiciais, o exercício da competência de distribuição dos escrivães

adjuntos e auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está

significativamente delimitado pela não definição legal daquele tribunal enquanto

unidade administrativa.

O tribunal x tem duzentos processos, ou duzentos e poucos processos e sete funcionários no quadro, e, ao lado, outro tribunal de execução, que é um juízo voluptuosíssimo em termos de interesse e de relevância social e tem vinte mil processos e tem os mesmos sete funcionários. Estão quatro funcionários praticamente de férias e não consigo tirar ninguém. (Ent. P6)

A questão da mobilidade geográfica dos funcionários é uma questão

sobre a qual é necessário reflectir e que exige alguma intervenção. Contudo,

Agosto), os oficiais de justiça podem permutar para lugares da mesma categoria ou de categoria para a qual possam transitar, desde que se encontrem a mais de três anos do limite mínimo de idade para aposentação. Esta faculdade só pode ser de novo utilizada decorridos, pelo menos, dois anos sobre a data de aceitação do lugar. A transferência pode ser requerida pelos oficiais de justiça, decorridos dois anos sobre o início das funções, posse ou aceitação do lugar (artigo 13.º).

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 149

dever-se-á ter em conta alguns contornos especiais, sobretudo quando

confrontada com direitos adquiridos e expectativas legítimas dos funcionários

que aquando do ingresso na carreira não era exigível a previsão de mudanças

estruturais na organização judiciária e nas regras de deslocação de pessoal

que os obrigassem a percorrer grandes distâncias, daí que uma solução

avançada seja a flexibilização das regras de mobilidade dos funcionários

respeitando limites que lhes garantam alguns direitos89.

Também as competências previstas para o juiz presidente no âmbito da

fixação de objectivos e da avaliação do desempenho funcional do tribunal e da

qualidade do serviço prestado aos cidadãos estão sujeitas a uma certa

limitação, uma vez que não são acompanhadas de competências efectivas no

que respeita à avaliação e à acção disciplinar sobre os funcionários da justiça.

Como demonstra o organograma, as competências de acção disciplinar e de

avaliação do juiz presidente são apenas complementares relativamente à

actuação do COJ90 (elaboração de parecer para classificação dos oficiais de

justiça, exercício de acção disciplinar relativamente à pena de gravidade

inferior a multa).

Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de um

89 No que diz respeito à mobilidade geográfica, o artigo 315.º, do Código do Trabalho, prevê o

seguinte: 1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador; 2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço; 3 - Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores; 4 - No caso previsto no n.º 2, o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º; 5 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência. No âmbito da mobilidade geográfica do trabalhador, a existência ou não de “prejuìzo sério” pela sua transferência (temporária ou definitiva) já se encontrava presente na LCT e, actualmente, no artigo 315.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Contudo, tal conceito não é definido pelo legislador, embora seja clarificado no Acórdão do STJ, de 23.11.1994 (amplamente seguido pela jurisprudência laboral), no qual este tribunal entendeu não ser prejuízo sério, a deslocação do trabalhador implicar para o mesmo um acréscimo de duas horas de viagem por dia.

90 Vale a pena destacar que a competência de acção disciplinar do COJ não é exclusiva, de

acordo com acórdão do Tribunal Constitucional.

150 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

modelo que reforce a estrutura de gestão local do tribunal de comarca com a

especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas

responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação dos

resultados e fixação de objectivos do tribunal.

Tanto em termos de avaliação como em termos de mobilidade dos

funcionários, uma crítica recorrente à nova LOFTJ relaciona-se com o facto de

esta não ter sido acompanhada por uma reforma do Estatuto dos Oficiais de

Justiça.

Discutir, neste momento, o Estatuto dos Funcionários de Justiça é a última parte que a reforma deixou incompleta e é absolutamente fundamental. (Ent. P8)

Outra questão que se coloca no âmbito da gestão de recursos humanos

diz respeito ao vínculo funcional dos restantes funcionários, não integrados nas

carreiras judiciais, em especial dos técnicos de informática, dada a sua

centralidade no actual quadro informatizado de exercício de tarefas nos

tribunais. O técnico de informática a actuar na comarca está na dependência

funcional e hierárquica da DGAJ, o que pode trazer dificuldades em termos de

planeamento e definição de prioridades do trabalho a ser desenvolvido por

aquele técnico nas diferentes secretarias, bem como a sua requisição em

casos urgentes. Daí que alguns dos entrevistados tenham defendido a

necessidade de vinculação funcional dos técnicos de informática ao tribunal de

comarca, dependentes, hierárquica e funcionalmente, do juiz presidente.

Há x funcionários que estão cá em permanência, mas esses funcionários não dependem em nada da orgânica da comarca, ou seja, da respectiva hierarquia, eles não podem receber ordens quanto às suas tarefas, independentemente do que nós aqui achamos que é essencial fazer. Se, por exemplo, nós tivermos os funcionários e todos os juízes sem acesso ao sistema e a precisarem da configuração dos seus computadores e, se alguém, a nível central, resolvesse dizer, que eles iam para outro sítio fazer outra coisa, nós ficávamos aqui descalços sem se poder trabalhar. (Ent. 3J)

Em concreto, por exemplo, quanto aos técnicos de informática, (...) o juiz presidente não tem qualquer poder funcional sobre estes funcionários. O poder funcional relativamente mantém-se na DGAJ. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que com as aplicações informáticas que existem no tribunal, com a sua complexidade, quer a nível das secções de processos, quer a nível dos magistrados judiciais e do MP, com sistemas de gravação áudio e quem sabe um dia, vídeo, das audiências de julgamento,

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 151

tudo isto implica um trabalho de manutenção e de permanência nos vários tribunais, que é incompatível com o que se está a verificar na prática. Eu posso telefonar ao Sr. Informático e dizer “é necessária qualquer coisa ao nìvel da aplicação informática. Com muita urgência vá hoje ou amanhã”. E o Sr. pode-me dizer ”sim, eu vou ou eu não vou”. Pode acontecer dizer “eu não vou”, e eu nada posso fazer. Este é um cenário possível. (Ent. P9)

5.5.2 Gestão financeira

O IGFIJ exerce um papel destacado de gestão financeira dos órgãos e

serviços do sistema de justiça. Especificamente no que diz respeito aos

tribunais judiciais, esta responsabilidade é assumida em coordenação com a

DGAJ que, ao nível dos tribunais, conta com a coadjuvação do juiz presidente,

administrador judiciário e secretário de justiça, no que diz respeito ao projecto

de orçamento e sua execução. O Organograma 9 mostra a divisão de

competências no âmbito da gestão financeira.

Organograma 9 – Divisão de competências na gestão financeira

Controlar os recebimentos relativos a

receitas das diversas fontes de

financiamento

Arrecadar e administrar as receitas relativas

a custas dos processos judiciais e efectuar os

pagamentos inerentes a estas que lhe

estejam atribuídos

Preparar os planos de tesouraria e

informação sobre as posições e movimentos

de tesouraria, identificando e programando

excedentes de tesouraria

Assegurar a gestão das contas bancárias

Assegurar a constituição, reconstituição e

liquidação dos fundos de maneio autorizados

Assegurar a rentabilização de excedentes de

tesouraria, nomeadamente mediante recurso

a instrumentos financeiros disponíveis no

mercado

Assegurar o controlo financeiro da utilização

das verbas afectas aos serviços e organismos

do Ministério da Justiça

Estudar e propor formas de financiamento

adequadas às necessidades de

funcionamento e desenvolvimento do

sistema de justiça

Elaborar estudos sobre a sustentabilidade

financeira do sistema de justiça

Definir os princípios de aplicação geral a que

devem obedecer os registos contabilísticos e

aplicá-los

Coordenar a elaboração dos planos de

investimento dos serviços e organismos do

Ministério da Justiça

Coordenar, dar parecer e

acompanhar a elaboração de

projectos de investimento,

em matéria de informática e

comunicações, dos órgaos,

serviços e organismos do

Ministério da Justiça

Coordenar a elaboração dos projectos de

orçamento, formular propostas para as

dotações globais a atribuir

Coordenar a elaboração e proceder à

avaliação da gestão orçamental, financeira e

contabilística dos tribunais sem autonomia

administrativa

Elaborar o projecto de orçamento,

ouvido o magistrado do Ministério

Público coordenador

Coadjuvação das competências do

presidente

Elaborar e gerir o orçamento de

delegação da secretaria

Propor as alterações orçamentais

que julgar adequadas

Coadjuvação das competências do

presidente

Requisitar e transferir os fundos

provenientes da dotação do Orçamento de

Estado afecta aos serviços e organismos do

Ministério da Justiça

Acompanhar a execução orçamental

relativamente ao funcionamento dos

serviços e organismos do Ministério da

Justiça

Coordenar a execução da gestão orçamental,

financeira e contabilística dos tribunais sem

autonomia administrativa

Acompanhar a execução orçamental

relativamente aos programas de

investimento dos serviços e organismos do

Ministério da Justiça

Controlar a execução de

projectos de investimento,

em matéria de informática e

comunicações, dos órgaos,

serviços e organismos do

Ministério da Justiça

A competência para adjudicar e

autorizar a realização de despesas

com aquisição de bens e serviços,

incluindo as despesas com

instalações afectas aos serviços dos

respectivos tribunais, até ao

montante máximo de € 24.939,89

Possibilidade de subdelegação da

competência do administrador até

ao montante máximo de € 4987

A competência para autorizar a

realização das despesas emergentes

da renovação ou revisão de preços

(cumpridos os respectivos termos

contratuais) de contratos de

prestação de serviços de limpeza até

ao montante máximo de €

99.759,57

Possibilidade de subdelegação da

competência do administrador até

ao montante máximo de €49 879,79

A competência para adjudicar e

autorizar a realização de despesas

com aquisição de bens e serviços, ao

abrigo de contratos públicos de

aprovisionamento celebrados pela

Agência Nacional de Compras

Públicas ou no âmbito de

procedimentos conduzidos pela

Unidade de Comprasdo Ministério

da Justiça, até ao montante máximo

de € 49.879,79

Possibilidade de subdelegação da

competência do administrador

A competência para celebrar

contratos «emprego inserção» e

«emprego inserção+» ou no âmbito

de programas ocupacionais e ou de

tempos livres, ao abrigo da Portaria

n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, do

Ministro do Trabalho e da

Solidariedade Social, das Portarias

n.º 119/2007, e n.º 82/2003, da

Secretaria Regional dos Recursos

Humanos da RAM e do Decreto

Regulamentar Regional n.º 9/2008/A

Possibilidade de subdelegação da

competência do administrador no

domínio dos projectos de

tratamento e salvaguarda do

património arquivístico dos tribunais

Realização de despesas que extravasam o

âmbito da competência de execução

orçamental delegada nos secretários de

justiça, incluindo: Mobiliário; Estantes;

sistemas AVAC (ar condicionado); Centrais

telefónicas, suas ampliações e faxes

Realização de despesas que extravasam o

âmbito da competência de execução

orçamental delegada nos secretários de

justiça, incluindo: Equipamento informático;

Aparelhos áudio e de videoconferência;

Fotocopiadoras; Cofres e armários de

segurança; Equipamento médico-legal;

Sistemas integrados de segurança passiva;

Selos brancos; Serviços de segurança

Definir normas e

procedimentos relativos à

aquisição de equipamento

informático

Celebração de contratos de prestação de

serviços de limpeza, sempre que excedam a

mera contratação de particulares; Celebração

de contratos de pessoal, salvo os contratos

no âmbito de programas ocupacionais e ou

de tempos livres no domínio dos projectos

de tratamento e salvaguarda do património

arquivístico dos tribunais

Celebração, em geral, de contratos de

prestação de serviços com particulares de

duração superior a três semanas

Celebração de contratos de prestação de

serviços de manutenção dos edifícios, de

centrais telefónicas, de assistência técnica de

sistemas integrados de segurança passiva, de

elevadores, de fotocopiadoras, de

equipamentos informáticos, de faxes e de

aparelhos áudio e de videoconferência

Organizar e lançar os procedimentos de

contratação pública para execução dos

projectos de concepção, construção,

adaptação, ampliação, remodelação,

conservação de imóveis afectos aos serviços

da justiça, assegurando a sua gestão e

fiscalização

Proceder a aquisições, arrendamentos e

alienação dos bens imóveis

Prestar apoio na preparação dos

instrumentos e procedimentos de

contratação externa de serviços na

área do património imobiliário e acompanhar

a execução dos contratos

Processar as remunerações dos funcionários

de justiça

O orçamento do Conselho Superior da

Magistratura destina -se a suportar as

despesas com com os magistrados

judiciais afectos aos tribunais judiciais

de 1.ª instância e com os magistrados

judiciais afectos como auxiliares aos

tribunais da Relação

Processar as remunerações dos magistrados

que exercem funções nos tribunais sem

autonomia assegurando o pagamento aos

magistrados dos encargos relativos a

acumulação de funções, subsídio de

compensação (renda de casa), colectivos

(ajudas de custo, transportes e deslocações),

subsídio de fixação (Açores e Madeira) e

regime de substituição (licenciados em

direito, em substituição de magistrados do

Ministério Público)

IGFIJ DGAJ ITIJ Juiz presidenteSecretário de

justiçaAdministrador

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CSM

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 155

O trabalho de campo identifica uma certa sobreposição de competências

entre DGAJ, juiz presidente, administrador e secretário de justiça. Esta tensão

relaciona-se, uma vez mais, com a indefinição da unidade administrativa do

tribunal.

Neste ponto, o principal problema é a articulação entre a competência

administrativa do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto

do orçamento e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa

competência nos administradores judiciais e a articulação das tarefas relativas

ao orçamento entre o administrador judiciário e os secretários de justiça.

Mantém-se a lógica de as secretarias dos juízos funcionarem como

unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz respeito ao

orçamento. Neste caso, as actividades relativas ao orçamento ficam

localizadas na figura do secretário de justiça, isto é, o secretário mantém,

apesar do novo quadro legal, a competência de gerir e elaborar o orçamento de

delegação da secretaria.

(…) comecei a questionar qual a utilidade do administrador quando ele não gere o orçamento do tribunal mas, cada um dos secretários manteve o seu orçamento. E estava longe de imaginar que o orçamento pode ser entendido não como orçamento do tribunal, mas da Direcção-Geral e, sendo da Direcção-Geral há uma dotação afecta ao tribunal, dotação essa em que o relacionamento é entre a Direcção-Geral e cada um dos secretários, ficando o juiz presidente e o administrador à margem disto tudo. (Ent. P11)

Esta realidade dificulta a gestão centralizada do orçamento por parte do

presidente e do administrador do tribunal. A falta de uma visão global do

orçamento do tribunal de comarca impede ainda a projecção da execução

orçamental e o controlo centralizado dos gastos.

Como os srs. secretários de justiça de cada secretaria de juízo detêm competências delegadas de elaboração e execução do orçamento das secretaria, nós elaboramos o projecto, quer seja um projecto único, quer seja um projecto de cada uma das secretarias, a questão é com que meios podemos controlar a execução desse orçamento, ainda que a competência esteja delegada nos Srs. administradores. Como é que controlamos a execução desse orçamento? Que contas é que prestamos para o seu apuramento? Mais que não seja podiam dizer “não tem que prestar contas nenhumas”. No projecto de orçamento, como é que eu vou justificar porque aumento as verbas, porque é que diminuo as verbas? (Ent. P9)

156 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Quanto ao orçamento, a questão é tão simples como esta: deve ou não em cada secretaria haver um secretário a fazer o mesmo trabalho, ou se este serviço deve estar centralizado na presidência. (…) em vez de ter secretários a fazer as compras, deveria haver um funcionário que não precisa de ter nenhuma qualificação, precisa apenas de ter a indicação das necessidades e fazer um registo delas. (Ent. P11)

Outro problema é a falta de autonomia do tribunal de comarca na gestão

do saldo do orçamento das diferentes secretarias.

Numa situação de unidade administrativa tendo como referência da unidade o tribunal, tem-se um único orçamento e cada um dos secretários poderia fazer o registo das suas despesas. Dentro das secretarias caberia ao juiz presidente, em função das necessidades, afectar ou transferir verbas para outra secretaria, sem necessidade de intervenção da Direcção-Geral. Hoje, pode haver excesso numa secretaria e défice noutra, e não há competência de quem dirige o tribunal para fazer esta transição sem a intervenção dos serviços centrais. É o secretário que se dirige à Direcção-Geral a pedir, e a Direcção-Geral vai buscá-lo onde quer e se quiser. Apesar de esta competência ter sido atribuída ao juiz presidente, subdelegada no administrador, continua a haver o relacionamento entre a Direcção-Geral e cada um dos secretários sem que o juiz presidente e o administrador possa impedir seja o que for. E esta foi a lógica seguida relativamente a todo o resto, ou seja, o pessoal manteve-se na mesma. Se o pessoal fosse colocado no tribunal, e olhando para a norma que está na lei orgânica dava a entender que assim seria, era suposto que os funcionários passassem a concorrer para o tribunal de comarca. (Ent.P11)

5.5.3 Gestão do património e das infra-estruturas

As competências centrais de gestão das infra-estruturas, património e

equipamentos informáticos concentradas no IGFIJ, DGAJ e ITIJ concretizam-se

em competências complementares de manutenção, conservação,

racionalização atribuídas ao administrador do tribunal e ao secretário de justiça.

No organograma 10 encontra-se representada a divisão de

competências no que respeita à gestão do património e às infra-estruturas.

Organograma 10 – Divisão das competências na gestão do património e das infra-estruturas

Providenciar, em colaboração com

os serviços competentes do

Ministério da Justiça, a correcta

utilização, manutenção e

conservação das instalações e dos

bens

Providenciar pela conservação das

instalações do tribunal

Administrar e estabelecer critérios

de gestão do património

Assegurara a gestão dos meios

afectos à execução da política

informática da área da justiça

Gerir a utilização dos espaços do

tribunal, designadamente os

espaços de utilização comum

incluindo as salas de audiência

Definir tipologias de instalações e

dos equipamentos a utilizar

Definir normas e procedimentos

relativos à utilização de

equipamento informático

Providenciar, em colaboração com

os serviços competentes do

Ministério da Justiça a correcta

utilização, manutenção e

conservação dos equipamentos

Providenciar pela conservação dos

equipamentos do tribunal

Elaborar normas relativas à gestão e

utilização dos espaços e segurança

de instalações

Assegurar a existência de condições

de acessibilidade aos serviços do

tribunal e manutenção da qualidade

e segurança dos espaços existentes

Planear a necessidade no domínio

das instalações dos serviços da

justiça

Programar as necessidades

de instalações dos tribunais

Elaborar propostas com vista a

racionalizar, projectar e modernizar

as instalações dos serviços da

justiça e propor soluções de

investimento adequadas

Participar na concepção e execução

das medidas de organização e

modernização dos tribunais

Coadjuvação das competências do

presidente

Realizar ou promover os estudos e

projectos de concepção e

construção de imóveis destinados à

instalação de tribunais

Realizar os projectos de obras de

adaptação, ampliação, remodelação

e conservação de imóveis, afectos

aos serviços da justiça

Acompanhar a elaboração de

projectos desenvolvidos por

entidades externas e empreitadas

necessárias, apreciando-os e

determinando as necessárias

adaptações

Proceder à atribuição de instalações

aos diversos órgãos, serviços e

organismos do Ministério da Justiça

Assegurar a inventariação dos bens

imóveis a manter actualizado o

respectivo cadastro, organizando

um sistema de monitorização e um

arquivo de exploração e

manutenção das intervenções

imobiliárias

Elaborar normas relativas a

materiais e técnicas de construção,

caracterização de terrenos e

edifícios

Promover avaliações do património

imobiliário

Gerir, em articulação com o

competente organismo do Estado, a

frota automóvel dos serviços e

organismos do Ministério da Justiça

sem autonomia financeira

Regular a utilização de parques ou

lugares privativos de

estacionamento de veículos

Planear a execução de obras de construção, remodelação ou

conservação dos tribunais

Assegurar a manutenção dos equipamentos dos tribunais

IGFIJ DGAJ ITIJ Administrador

Inst

alaç

ões

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qu

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Juiz presidenteSecretário de

justiça

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 159

A gestão do património mostra uma forte centralização no IGFIJ no que

se refere a projectos de construção, adaptação, ampliação, remodelação e

conservação de imóveis e gestão do património imobiliário.

No que respeita aos tribunais, a competência de manutenção das infra-

estruturas e de planeamento das necessidades de recursos materiais e de

instalações é feita em articulação com a DGAJ, enquanto em articulação com o

ITIJ se opera a gestão dos meios afectos à política informática e gestão do

equipamento informático.

Ao nível local, as competências do administrador do tribunal e secretário

de justiça são complementares, cingindo-se, sobretudo, à conservação,

manutenção, segurança e racionalização da utilização dos espaços e

equipamentos. O juiz presidente tem, ainda, a prerrogativa de participar na

concepção e execução das medidas de organização e modernização dos

tribunais.

Neste âmbito, o que está em causa é a articulação entre as decisões

locais relativas às necessidades de equipamentos e de instalações e as

decisões centrais de planeamento das necessidades e gestão das infra-

estruturas dos serviços da justiça como um todo. Se é certo que a estrutura

local de gestão, centrada na figura do juiz presidente, tem competências gerais

relativamente ao planeamento das actividades do tribunal e às necessidades

de orçamento, o alcance destas iniciativas pode ser limitado pela reserva de

competências da DGAJ relativamente à aquisição de equipamentos e outros

bens.

Há equipamentos que são adquiridos pelos serviços centrais, como é o caso das impressoras, que não estão no orçamento dos tribunais. A questão é, se devem ser os serviços centrais a tomar a decisão da instalação ou se deve ser localmente. E, por isso, é que se deve conjugar o plano de actividades/orçamento do tribunal com o plano dos serviços centrais. A Direcção-Geral tem que fazer anualmente o seu plano, e tem recursos, portanto há que ter uma previsão do número de impressoras que vai adquirir de acordo com as necessidades previstas pelo tribunal. (P11)

O facto de se manterem na DGAJ competências privativas para a

aquisição de determinados bens (mobiliário, centrais telefónicas, equipamentos

160 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

informáticos, etc.) coloca em causa a autonomia do juiz presidente para decidir

sobre o melhor critério para a definição de aquisição de equipamentos de

acordo com o plano de actividades.

Acresce que o facto de a unidade administrativa de referência para a

aquisição e afectação dos bens continuar a ser a secretaria dos juízos pode

condicionar fortemente a decisão quanto a uma distribuição

(colocação/deslocação) com critérios locais de racionalização e eficiência,

utilização e melhor aproveitamento dos equipamentos, considerando todas as

unidades que compõem o tribunal de comarca.

O digitalizador que está na secretaria dos juìzos X…, está porque o sr. procurador e eu nos pusemos de acordo, porque eu não tinha competência para o mandar lá pôr. Mandei porque havia três em outra secretaria dos juízos (Ent.P7).

O trabalho de campo evidenciou ainda que os procedimentos de

manutenção dos equipamentos variam de comarca para comarca. Foi, ainda,

apontada a necessidade de uniformização para todos os tribunais das

tipologias de instalações, equipamentos a utilizar e layout das unidades

orgânicas.

A aquisição de equipamento informático está definido que é a nível central. A uniformização a nível nacional é importante. É bom que o equipamento seja todo igual a nível nacional até porque há transferências de pessoas, e era bom que houvesse uma normalização dos instrumentos que se utilizam. Agora, a colocação dentro do tribunal de comarca (…) (Ent. P17).

Uma vez que algumas pessoas da Direcção-Geral têm a responsabilidade na disposição dos equipamentos deveria ter-se atenção a essa parte, uniformizar, também, o layout das secretarias judiciais. (Ent. 19F)

5.5.4 Gestão da informação

Para além da actuação destacada da DGAJ na concepção e execução

dos programas informáticos, que estão na base do movimento de

desmaterialização dos processos nos tribunais, o órgão central que protagoniza

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 161

a gestão dos sistemas de informação é o ITIJ.

O organograma 11 ilustra a divisão de competências relativamente à

gestão da informação.

Organograma 11 – Divisão de competências na gestão da informação

Assegurar a permanente e completa

adequação dos sistemas de

informação às necessidades de

gestão e operacionalidade dos

órgãos, serviços e organismos

integrados na área da justiça, em

articulação com estes

Gerir a rede de comunicações da

justiça, garantindo a sua segurança

e operacionalidade e promovendo a

unificação de métodos e processos

Promover a elaboração e

articulação do plano estratégico dos

sistemas de informação na área da

justiça, tendo em atenção a

evolução tecnológica e as

necessidades globais de formação

Construir e manter bases de dados

de informação na área da justiça

designadamente as de acesso geral

Desenvolvimento e instalação das

aplicações informáticas relativas a

tramitação processual (H@bilus),

custas judiciais, sistema nacional de

injunções, disponibilização de

peças processuais (Citius), suporte

à gestão dos tribunais

Gestão dos dados referentes aos

processos nos tribunais judiciais, às

medidas de coacção privativas da liberdade

e à detenção, à conexão processual no

processo penal relativamente a processos

que se encontrem simultaneamente na

fase de instrução ou julgamento, às ordens

de detenção

Gestão dos dados referentes aos

processos nos tribunais administrativos e

fiscais

Gestão dos dados referentes aos inquéritos em

processo penal, aos demais processos,

procedimentos e expedientes da competência do

MP, à suspensão provisória do processo penal e

ao arquivamento em caso de dispensa de pena, à

conexão processual no processo penal nos

processos que se encontrem simultaneamente na

fase de inquérito, e às ordens de detenção

quando o mandado não emanar do juiz

Gestão de dados referentes

aos processos nos julgados

de paz

Gestão de dados

referentes aos processos

nos sistemas públicos de

mediação

Assegurar o exercício coordenado das

competências dos responsáveis pela

gestão dos dados

Promover e acompanhar as auditorias de

segurança ao sistema

Definir orientações e recomendações em

matéria de requisitos de segurança do

sistema, tendo designadamente em conta

as prioridades em matéria de

desenvolvimento aplicacional, as

possibilidades de implementação técnica e

os meios financeiros disponíveis

Criar e manter um registo actualizado dos

técnicos que executam as operações

materiais de tratamento e administração

dos dados

Comunicar imediatamente às entidades

competentes para a instauração do

competente processo penal ou disciplinar,

a violação das regras de tratamento de

dados do sistema judicial

Organizar os mapas estatísticos

sempre que o quadro de pessoal da

secretaria não preveja lugar de

escrivão de direito afecto à secção

central

Organizar os mapas estatísticos

Assegurar a recolha, utilização, tratamento

e análise da informação estatística da

justiça e promover a difusão dos

respectivos resultados, no quadro do

sistema estatístico nacional

Desenvolver, em articulação com a

Direcção de Serviços de Estatísticas da

Justiça e Informática, um sistema de

indicadores de actividade e de

desempenho para apoio à definição, ao

acompanhamento e à avaliação

das políticas e planos estratégicos da área

da justiça

Desenvolver, em articulação com a

Direcção de Serviços de Estatísticas da

Justiça e Informática, modelos modelos de

previsão e outras metodologias adequadas

à elaboração

de cenários que permitam a definição de

políticas e planos estratégicos na área da

justiça

Acesso a dados informatizados

do sistema judicial, incluindo

elementos relativos à duração

dos processos e à produtividade

Adoptar ou propor às

entidadades competentes

medidas de desburocratização,

simplificação de procedimentos e

utilização das tecnologias de

informação

Recolha, tratamento e difusão dos elementos de informação, nomeadamente de

natureza estatística, relativos aos tribunais

Desenvolvimento das aplicações informáticas necessárias à tramitação

dos processos e à gestão do sistema jurisdicional, incluindo a necessária

análise, implementação e suporte

ITIJ DGAJ DGPJ Juiz presidenteEscrivão de direito

Secção centralSecretário de

justiça

Sist

emas

de in

form

ação

Elem

ento

sest

atís

ticos

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das

tecn

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de in

form

ação

CSM CSTAF PGR CAJP GRALCCGDSJ

Fonte: OPJ

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 165

Como demonstra o organograma, ao nível local, a intervenção do juiz

presidente está prevista, enquanto prerrogativa de acesso a elementos que

permitam o exercício da sua competência de acompanhamento do

desempenho funcional do tribunal, o que inclui, por exemplo, dados relativos à

duração de processos e à produtividade das unidades orgânicas.

Tendo em vista o alcance das competências do juiz presidente ao nível

da gestão dos recursos e da gestão processual, bem como o papel que

desempenha na avaliação da qualidade dos serviços prestados, coloca-se a

questão de saber se não deve ser clarificado esse acesso no sentido de

garantir, não só o efectivo acesso a indicadores que permitam uma visão global

da produtividade dos diferentes juízos, mas, ainda, a sua ampliação permitindo

que o juiz presidente aceda às informações constantes dos processos. Aliás, a

evolução para a densificação do papel do juiz presidente na avaliação dos

funcionários não poderá fazer-se sem esse alargamento.

Admitindo que a desmaterialização vai continuar, o juiz presidente não pode deixar de ter acesso a todos os processos. Porque é lá que ele vê o que é que os funcionários fazem. (Ent. P17)

Dado o papel de coadjuvação das competências do juiz presidente

exercido pelo administrador judiciário, indaga-se, ainda, a importância de se

definirem prerrogativas de acesso, por parte desta figura, a elementos

estatísticos que apoiem as tarefas de gestão do tribunal que exerce.

Ainda com os mesmos objectivos, uma outra lacuna/necessidade

identificada prende-se com a transposição, para o nível local, da gestão dos

utilizadores do sistema de informação no tribunal, permitindo, por exemplo, a

criação/alteração de perfis para os diferentes utilizadores, de forma a garantir

uma gestão mais expedita da utilização do sistema, de acordo com as

características e necessidades do tribunal.

Relativamente à definição dos acessos, eu acho que têm que ser definidos ao nível da NUT por uma razão muito simples. Se a gestão do pessoal é da competência do juiz presidente, o pessoal que tem competência para fazer os acessos ou para aceder ao sistema tem que estar na dependência funcional do juiz presidente. Isto, não tem nada de técnico. Deve ser definida, não sei se o administrador se o secretário, a pessoa que

166 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

deve ter a possibilidade de, logo que a afectação das pessoas é feita, de determinar quem é que acede à informação. Muitas das questões que têm sido levantadas em termos de segurança têm muito a ver com isto. Pergunto, se os funcionários que têm, por competência, fazer os acessos dos magistrados e dos funcionários não deveriam estar na dependência do tribunal, eu diria que ficando na dependência funcional do juiz presidente estaria tudo resolvido. (Ent. P17)

Se a divisão de competências no que diz respeito à gestão da

informação não indicia conflitos de sobreposição, evidencia, contudo, a

importância de se promover uma melhor definição e integração entre as

necessidades dos tribunais, nomeadamente formação e acesso a elementos de

informação úteis para a gestão do tribunal, e as decisões estratégicas dos

órgãos centrais de planeamento das actividades formativas e adequação dos

sistemas.

DESAFIOS À GESTÃO LOCAL:

ORGANIZAÇÃO INTERNA E MÉTODOS DE

TRABALHO

6

168 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

6 DESAFIOS À GESTÃO LOCAL: ORGANIZAÇÃO INTERNA E MÉTODOS DE TRABALHO

O presente ponto resulta, conforme referido anteriormente, de uma

estratégia de investigação que permitiu recolher informação de acordo com

uma perspectiva analítica bottom up, dando particular ênfase ao impacto das

alterações introduzidas pelo novo modelo de gestão dos tribunais nas rotinas e

tarefas dos diferentes agentes judiciais, sobretudo, nas secções de processos.

Interessou-nos, em especial, verificar se, e de que modo, as virtualidades do

novo modelo de gestão a nível local se traduziram em mudanças significativas

nas rotinas e métodos de trabalho adoptados nos tribunais.

A nossa hipótese de trabalho é a seguinte: é expectável que a previsão

de uma estrutura de gestão própria do tribunal de comarca com competências

específicas no que diz respeito à gestão processual e dos métodos de trabalho

se concretize em mudanças internas nas rotinas consolidadas e no

desempenho funcional das tarefas pelas unidades orgânicas do tribunal.

Interessa-nos, assim, analisar a um nível micro (secção de processos) de que

modo a reforma trouxe novas dinâmicas internas de desempenho funcional e

quais as potencialidades e os desafios que se colocam à gestão local no que

se refere à organização e aos métodos de trabalho.

Como já referimos, o reduzido tempo de vigência do período

experimental da nova lei de organização e funcionamento dos tribunais não

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 169

permite, para já, que se avance na análise de impactos na produtividade das

secções e no tempo dos processos.

6.1 O impacto do modelo de gestão da nova LOFTJ nas rotinas e métodos de trabalho dos tribunais

A nova lei atribui importantes competências de gestão processual e de

acompanhamento do desempenho funcional ao juiz presidente. Trata-se de

competências concentradas ao nível local, anteriormente dispersas entre o

magistrado titular do processo, o escrivão de direito e o secretário de justiça.

Com a nova lei assumem, ainda, competências nesta matéria o magistrado

coordenador. O seu bom exercício depende de uma articulação eficiente entre

o juiz presidente, o magistrado coordenador, o secretário de justiça, o escrivão

de direito e magistrado titular do processo.

O organograma 12 mostra a dinâmica de competências, considerando

as várias figuras locais de gestão.

Organograma 12 – Divisão de competências na implementação dos métodos de trabalho

Acompanhar a realização dos

objectivos fixados para os serviços

do tribunal por parte dos

funcionários

Coadjuvação das competências do

presidente

Promover a realização de reuniões

de planeamento e de avaliação dos

resultados do tribunal, com a

participação dos juízes e

funcionários

Adoptar ou propor às entidades

competentes medidas,

nomeadamente, de

desburocratização, simplificação de

procedimentos, utilização das

tecnologias de informação e

transparência do sistema de justiça

Implementar métodos de trabalho e

objectivos mensuráveis para cada

unidade orgânica, sem prejuízo das

competências e atribuições nessa

matéria por parte do Conselho

Superior da Magistratura,

designadamente na fixação dos

indicadores do volume processual

adequado

Coadjuvação das competências do

presidente

Promover a aplicação de medidas

de simplificação e agilização

processuais

Desempenhar as funções de

escrivão de direito sempre que o

quadro de pessoal da secretaria não

preveja o lugar

Orientar, coordenar, supervisionar e

executar as actividades

desenvolvidas na secção

Titular da actividade jurisdicional

do processo

Juiz presidente Escrivão de direitoSecretário de

justiça

Fixa

ção

de

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Magistradocoordenador

Juiz

Fonte: OPJ

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 173

Concentramo-nos aqui nos possíveis impactos do novo enquadramento

legal, nos métodos de trabalho das secções de processo, compreendidos

enquanto competências de gestão processual. A gestão processual é, assim,

entendida em sentido amplo, isto é, incluindo todas as rotinas e métodos de

trabalho desenvolvidos tendo em vista a tramitação do processo.

Por um lado, o legislador fez uma opção acertada em concentrar as

atribuições de gestão processual e de métodos de trabalho a nível do tribunal

de comarca na articulação entre o juiz presidente/magistrados coordenadores e

juízes titulares, em coordenação com as secções. Por outro lado, deve

considerar-se que a concretização de objectivos de eficiência e racionalização

dos métodos de trabalho na gestão processual talvez seja um dos mais difíceis

desafios a enfrentar.

Uma parte significativa da gestão da tramitação processual está

dependente da organização das leis processuais. Neste sentido, enquanto no

caso de alguns processos (como, por exemplo, os processos de insolvência)

estão previstos um encadeamento de actos e prazos que podem facilitar a

previsão do seu fim e, consequentemente, a sua gestão, em muitas outras

situações, as leis processuais dificultam essa possibilidade e uma diversidade

de circunstâncias podem desencadear diferentes prazos e dificultar uma gestão

processual uniforme dos processos adstritos a uma secção91.

Dada a imprevisibilidade do curso da tramitação processual em cada

caso, alguns autores têm defendido a necessidade de adopção de uma visão

gestionária do processo, o que implica menos o recurso a mudanças nas leis

processuais e mais a utilização de uma adequada monitorização do

desempenho funcional dos tribunais e intervenientes do processo (Fix-Fierro,

2003 e OPJ, 2008). Neste, contexto o papel do juiz sofre uma significativa

alteração passando de um terceiro imparcial e distante a um interveniente

activo na resolução do litígio. São medidas que podem integrar a gestão do

91 Cf., em anexo, Ent. S6.

174 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

caso concreto: selecção adequada da calendarização e do sistema de

marcação de diligências, adopção de medidas que encorajem a resolução do

litígio por acordo, introdução de recursos informáticos adequados, recurso a

funcionários com formação especializada para o tratamento de certas

questões, utilização de mecanismos processuais como audiências preliminares

e formas sumárias do processo92.

As competências de gestão processual previstas na lei encerram uma

grande potencialidade, permitindo às figuras de gestão ao nível local, por um

lado, questionar a adequação e a pertinência da organização da secção e dos

métodos de trabalho adoptados e, por outro, propor alternativas de

reorganização e fixar objectivos e metas a cumprir. Como se viu no ponto 4

este foi um caminho que em Espanha começou a ser percorrido, sem certezas

quanto à sua eficácia futura, mas com a certeza de que o desajustamento do

modelo em vigor obrigava ao processo de mudança.

O carácter experimental da reforma pode potenciar as competências de

gestão processual, permitindo propor e testar alternativas à adequação da

organização da secção e dos métodos de trabalho. A previsão da intervenção

do juiz presidente do tribunal de comarca garante uma visão global crítica e

permite ensaiar novas formas de articulação e agregação entre as diferentes

unidades orgânicas. Esta entidade coordenadora garante, ainda, a

possibilidade de realização de reuniões de planeamento e de avaliação da

actividade envolvendo um número alargado dos agentes judiciais, o que

potencia a criação de uma cultura organizacional de mudança.

Naturalmente que a experimentação de novos métodos de trabalho e

novas formas de organização, dinamizadas pelo juiz presidente, está sujeita

aos limites fixados por lei. Por exemplo, no actual enquadramento normativo,

as propostas de alteração do juiz presidente, neste âmbito, têm que atender à

estrutura organizacional já prevista, com limitadas possibilidades de

92 Sobre este tema, cf. OPJ (2002, 2008).

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 175

alteração93. O actual quadro jurídico não permite, por exemplo, a criação de

novas secções de processo, excepto secções especializadas, ou a fusão de

secções de processo do mesmo juízo. No que se refere às secções

especializadas, como ficou dito, mantêm-se dúvidas interpretativas sobre a

possibilidade de criação de secções especializadas para tramitar matéria

comum de diferentes juízos94.

A organização das secções parece-me muito rígida. Havia coisas que gostaríamos de fazer e que não conseguimos. Por exemplo, ao nível da especialização. (…) Em termos legais tenho x secções de processo. Não posso sair dali. Tenho de organizar x secções, em vez de organizar um juízo.

Eu tenho uma grande dúvida sobre se se pode criar uma secção especializada de várias secções diversas ou só se pode criar uma secção especializada dentro de uma outra secção. (Ent. P7)

Dada a heterogeneidade social, administrativa e territorial das comarcas,

que determina, desde logo, um volume e natureza diferenciada da procura

judicial, as directrizes estratégicas da organização interna, a optimização dos

métodos de trabalho e a racionalização das tarefas não devem corresponder a

uma resposta única que possa ser uniformemente aplicada a todas as secções.

O que deve é existir reflexão e experimentação suficientemente consolidada

93A Portaria n.º 170/2009 estabelece as unidades orgânicas e quadro de pessoal das comarcas

piloto, cf. organogramas 4, 5 e 6. O Decreto-Lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro, prevê a orgânica possível das secretarias dos juízos dos tribunais de comarca: a) serviços judiciais, compostos, consoante a natureza e volume do serviço, por uma secção central e uma ou mais secções de processos ou por uma única secção central e de processos; b) serviços do Ministério Público, compostos, consoante a natureza e volume do serviço por uma secção central e secções de processos, por uma única secção central e de processos ou por unidades de apoio; c) secções destinadas a assegurar a tramitação do processo comum de execução; d) uma secção de expediente geral; e) uma secção de informações e arquivo; f) uma secção de serviço externo. Onde a natureza e volume do serviço o justifiquem, podem ser criadas: a) secretarias-gerais ou secções centrais comuns, destinadas à centralização administrativa, abrangendo um ou mais juízos ou um ou mais serviços do Ministério Público; b) secretarias de serviço externo. Ainda estão previstas a criação de equipas de recuperação de pendência (Decreto-Lei n.º 25/2009, artigo 53.º)

94 É de se referir que o artigo 23.º, 2 do Decreto-Lei n.º 28/2009, admite ainda a criação de

secretarias-gerais ou secções centrais comuns (destinadas à centralização administrativa), secretarias de serviço externo, onde a natureza e o volume do serviço justifiquem.

176 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

que permita definir regras e princípios orientadores sólidos. A adopção de

novos métodos de trabalho deve, asssim, ser feita de acordo com um modelo

flexível que tenha em conta variáveis e condicionantes contextuais, como, por

exemplo, a procura judiciária, a dimensão, a centralização ou descentralização

dos juízos do tribunal, etc.

Eu acho que o modelo tem que ser construído de uma forma flexível. Não tem que haver uma única solução, mas tem que haver várias soluções

Onde haja grande concentração de juízes, magistrados e funcionários, as estruturas de apoio a secretarias provavelmente podem funcionar de outra maneira do que em unidades mais pequenas, desconcentradas.

É possível colocar as estruturas de apoio de outra maneira e fazer como nos tribunais administrativos. Os processos entram todos para a secção e são distribuídos por juiz 1, juiz 2, juiz 3, respondendo todos os funcionários perante todos os juízes, apenas perante um processo, aquele processo concreto. Um funcionário trabalha com vários juízes. Todos nós nos lembramos quando havia juízes auxiliares no mesmo juízo e os funcionários trabalhavam com vários juízes, mas o modelo foi construído para uma secção trabalhar apenas com um juiz. (Ent. P8)

6.2 Instrumentos de gestão

Se a nova lei de organização judiciária trouxe vantagens relativamente à

proposição de alternativas de gestão e definição de novos métodos de

trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o trabalho dos

funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução de tarefas de

forma a aferir a adequação dos métodos de trabalho e os seus efeitos em

termos de racionalização e produtividade globalmente considerada e a falta de

reflexão e de princípios orientadores nesta matéria torna o seu alcance prático

muito limitado e as experiências ad hoc com efeito sistémico muito reduzido.

Acresce que o seu sucesso e consolidação, enquanto soluções de

eficiência e qualidade na prestação dos serviços de justiça, são condicionados

pela falta de preparação para as mudanças e pela falta de formação adequada

(por exemplo, a não capacitação das novas figuras directivas em matérias

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 177

relativas à gestão das organizações, bem como a inadequação entre as

propostas de inovação e a estrutura tradicional de funcionamento do sistema

(rotinas de trabalho consolidadas, formas de organização das secções, etc.) 95.

Muito embora a lei preveja a disponibilização de dados informatizados

do sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal, por parte

do juiz presidente, ela não é suficiente no que respeita aos indicadores de

gestão no sentido de possibilitar uma gestão eficaz.

Ter instrumentos do ponto de vista da informática, ter critérios objectivos e genéricos relativamente à adequação processual, à adequação dos funcionários, considerando os actos a praticar, tudo isso era preciso, para se poder gerir isto minimamente.

Não há uma solução para que os presidentes das NUT desempenhem cabalmente as funções que estão na lei. Como é que eles podem controlar o andamento informático dos processos? Como é que o presidente da NUT pode detectar processos que estejam parados? Não têm esse programa informático.

Eu penso que a própria aplicação informática, por exemplo, não nos permite saber quais são os processos que estão atrasados. Não há essa informação. O Habilus não dá os processos pendentes há mais de oito meses. (Ent. P6)

Eu diria que nós estamos a fazer tudo de forma arcaica mas, de facto, isto traduz-se já nalguma alteração. Fizemos o levantamento do estado de cada uma das Secções, pediu-se a cada um dos escrivães para ver exaustivamente cada um dos processos, fazer um relatório e, com base na situação em que cada uma das secções se encontrava, em reuniões de avaliação, o juiz presidente, juízes e secções, definiu-se o que era prioritário em termos de recuperação do que lá estava. Digo que isto é feito de forma arcaica porque o programa informático que nós temos não faz nenhuma gestão da informação, e hoje é fundamental também que o faça porque, senão, corremos o risco de andar sempre a recolher informação do escrivão que a pode dar boa ou má, e tudo aquilo que está a fazer em termos da definição dos objectivos pode ser errado se a informação não estiver correcta. (Ent. P11)

De acordo com o que se observou na pesquisa de terreno, as novas

figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções baseadas em

95 A este propósito, o único estudo referido com indicadores sobre a produtividade de uma

secção e o número de funcionários necessário é a tabela de pontuação processual do COJ.

178 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

critérios casuísticos e na experiência pessoal, orientam-se de acordo com o

que definem como sendo o seu bom senso e o dos funcionários.

Eu tenho x funcionários para colocar em y secções, não há nada objectivo que me diga, olhe naquele sítio tem que pôr dois adjuntos e um auxiliar e naquele outro é preciso pôr menos adjuntos e mais auxiliares. Como é que isto é feito? Absolutamente empiricamente, pelo facto de eu como juiz ter uma noção de qual é o trabalho de uma secção criminal, de uma secção cível ou de trabalho ou de comércio. Aconselhei-me com os funcionários e com os secretários e estabelecemos um quadro empírico. Sendo certo que no caso também beneficio de conhecer muito bem os funcionários da comarca, porque estou cá há muito tempo, mas esta metodologia não é objectiva. Deveria haver maneira de aferir objectivamente quais são os actos processuais a praticar numa determinada secção e o que é que isso implica em termos dos funcionários que lá devem ser colocados. Eu penso que é um estudo que seria fundamental fazer. (Ent. 3J)

6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de funcionamento do sistema

A investigação que temos vindo a desenvolver nesta área, não só no

âmbito do presente trabalho, mas também em trabalhos anteriores96, permite

afirmar que a organização e gestão dos tribunais têm-se caracterizado por uma

grande heterogeneidade na definição das rotinas e métodos de trabalho, na

gestão dos espaços, das infra-estruturas e dos recursos humanos.

No que se refere à organização interna, a principal característica, que

consideramos condicionante, centra-se na atomização do modelo que implica,

muitas vezes, a multiplicação de secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-

se em duplicação de tarefas e numa organização interna do desempenho

funcional pouco racionalizada e eficiente. Por exemplo, o atendimento ao

público, o serviço externo das secções ou de tarefas mais especializadas ou

que digam respeito a tipo de litígios mais complexos, numa melhor organização

e mais eficiente dos serviços, pode implicar a concentração em determinadas

pessoas e não a sua dispersão repetitiva pelos diferentes agentes. Como

temos vindo a demonstrar, as inovações da reforma tiveram um reduzido

96 Cf. OPJ (2002, 2006 e 2008).

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 179

impacto na alteração deste estado de coisas.

A análise da gestão dos espaços e das infra-estruturas realça a

existência de diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de

aproveitamento do espaço físico (OPJ, 2008). Relativamente à gestão dos

espaços físicos, salienta-se a precariedade e a inadequação de algumas

instalações (por exemplo, o caso do Tribunal de Família e Menores de Aveiro),

o que dificulta o exercício das tarefas por parte dos agentes judiciais e salienta

o desrespeito no tratamento dos cidadãos pelo sistema de justiça. Merece

especial referência este ponto, pois que, a adesão à reforma por parte dos

seus destinatários principais, legitimando-a, exige por parte destes a percepção

da mudança qualitativa, quer na relação entre os tribunais e os cidadãos, quer

na eficiência e eficácia de tratamento dos processos.

A matéria de gestão dos espaços físicos97 emergiu igualmente do nosso

trabalho, destacando-se a falta de coordenação de agendamentos de actos

jurisdicionais (gestão da agenda dos juízes) que impliquem a audição de

intervenientes processuais, em especial a marcação das audiências de

julgamento e a melhor utilização das respectivas salas, sendo assinalado,

recorrentemente, como um bloqueio com considerável impacto na rotina de

trabalho de juízos e funcionários, e na garantia de um atendimento eficiente ao

público.

O que eu acho, e é um mal que já vem de há muito tempo, é que devia haver uma coordenação, que teria que passar pela coordenação das agendas entre os magistrados judiciais e as secretarias, o que raramente acontece. Isto é, os magistrados têm a sua agenda. O Conselho Superior da Magistratura deveria orientar os magistrados no sentido dessa coordenação. Numa secretaria como a nossa, que tem dois magistrados, trabalha como se houvesse duas secções. O que faz com que, pelo menos dois funcionários, os auxiliares, estejam quase permanentemente em diligências e há determinadas tarefas, há serviço a acumular-se. (Ent. 19F)

97 A este propósito, refira-se o exemplo citado num relatório intercalar de uma comarca piloto

que optamos por não identificar aqui: “O Juìzo do Trabalho de (…) está instalado num andar de um prédio (…) absolutamente incapaz de preencher os requisitos mìnimos de condições de trabalho, quer para os magistrados, quer para os funcionários e utentes (…)”.

180 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Relativamente à gestão dos equipamentos, salienta-se o problema,

acima já referido, no que se refere à unidade de referência a que estão afectos,

o que dificulta uma distribuição mais racional e adequada às necessidades

pelas diferentes unidades do tribunal de comarca. Esta circunstância agrava-se

com faltas, inadequação e falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes,

digitalizadores, e sistema de vídeo-conferência, recorrentemente destacadas

pelos agentes judiciais, com consequências muito negativas no desempenho

de tarefas quotidianas. Estas deficiências são, ainda, apontadas como

bloqueios com impacto considerável no processo de informatização e na

adaptação dos funcionários ao processo de automatização do trabalho.

O processo de informatização é, ainda, associado a alguma

irracionalidade decorrente da falta de comunicação entre os sistemas

informáticos. A adopção parcial, sem perspectiva sistémica e integrada, da

informatização trouxe, nalguns casos, dificuldades onde deveria ter significado

simplificação. A principal crítica centra-se, por um lado, no facto da introdução

de programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo

de acelerar os actos processuais, vir em diferentes momentos atender a

necessidades distintas e nem sempre atender à necessária interligação entre

si. Por outro, a não integração da comunicação electrónica entre as diferentes

entidades do sistema de justiça é apontada como exemplo de irracionalidade

na utilização das novas tecnologias.

(…) há determinadas tarefas que, não são notificações, são ofícios que remetemos ao órgãos de policia criminal para tentarmos localizar uma determinada pessoa, ou uma pessoa que seja o legal representante de uma pessoa colectiva, para tentarmos saber da situação económica, bens susceptíveis de penhora para poder o Ministério Público ressarcir de custas que não foram pagas. Tem que se fazer um ofício em suporte de papel, é ridículo, uma vez que estamos dentro de organismos que pertencem ao Estado, devia haver um meio electrónico de comunicação. Porque razão não há uma ligação do sistema ao e-mail geral do tribunal, ao e-mail da secretaria, e utilizarmos esse meio para, em vez de enviarmos um ofício à PSP de Aveiro, enviarmos um e-mail com o juízo identificado, com o número do processo e o que era solicitado. Seria menos um papel que enviávamos com o meio electrónico de oficiar às secretarias dos órgãos de polícia criminal, às conservatórias, a qualquer entidade estatal. (Ent. 19F)

A adopção das inovações tecnológicas é discutida de acordo com cinco

principais vertentes de mudança: (1) a necessária adaptação dos espaços

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 181

físicos; (2) a capacidade dos recursos materiais para suportarem as exigências

da desmaterialização; (3) a eventual adaptação do quadro funcional à nova

realidade; (4) a formação e acompanhamento necessários para potenciar as

inovações e enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e

requalificação dos funcionários, no sentido de adquirirem competências

necessárias à utilização das novas ferramentas.

O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à

garantia da integralidade do processo electrónico, em especial pelas

dificuldades de digitalização dos requerimentos e petições ingressadas em

suporte de papel, são igualmente indicados como factores de irracionalização e

duplicação do trabalho. A não ser que a opção do juiz seja mandar imprimir

tudo o que diz respeito ao processo (o que é frequente) nenhum processo dos

dois suportes tem a informação na sua totalidade, o que obriga à consulta dos

dois sempre que se quer alguma informação.

Há ainda um problema que decorre de nós estarmos a trabalhar em dois registos: um registo antigo em papel, e um registo novo que é electrónico. (Ent. 18F)

A gestão de recursos humanos e a definição dos métodos de trabalho

está sustentada numa grande diversidade de procedimentos entre os diferentes

juízos e entre as secções de um mesmo juízo98. Uma vez que os conteúdos

funcionais de cada categoria profissional estão fixados por lei, as diferenças

registadas nos métodos de trabalho adoptados relacionam-se com as

disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de

distribuição de tarefas assumidas pelas chefias (escrivães de direito), tendo em

vista o que consideram o melhor aproveitamento dos recursos e, ainda,

nalguns casos, com as indicações transmitidas pelo juiz titular da secção.

A distribuição de tarefas nas secções observa, em regra, as disposições

do Estatuto dos Oficiais de Justiça. O organograma 13 ilustra a dinâmica de

98 Cf. OPJ (2002 e 2008)

182 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

articulação entre as unidades orgânicas do tribunal e os conteúdos funcionais

definidos para as diferentes categorias de pessoal oficial de justiça.

Organograma 13 – Dinâmica de distribuição dos conteúdos funcionais no tribunal (serviços judiciais)

Fonte: OPJ

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 185

As mudanças no âmbito da gestão trazidas pela nova lei da organização

judiciária não tiveram um impacto directo na organização interna dos tribunais.

Muito embora tenham sido identificados processos experimentais de introdução

de mudanças a nível da distribuição de tarefas e de processos, essas

experiências são, como já referimos, pontuais e casuísticas. De facto, os

resultados comparativos da observação levada a cabo no âmbito deste estudo

e de trabalhos anteriores, antes da entrada em vigor da reforma, resulta que as

rotinas e métodos de trabalho das secções permanecem inalterados.

Ao nível organizacional, um dos problemas fundamentais consiste na

manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação entre as

secções, mantendo-se a divisão entre secção central, secção de processos e

secção de serviço externo, bem como o papel decisivo do escrivão na definição

das tarefas a serem realizadas pelos escrivães adjuntos e auxiliares. As

principais consequências desse modelo são, por um lado, a duplicação de

trabalho. Veja-se, por exemplo, que os fluxos de atendimento de advogados e

cidadãos dirigem-se, tanto à secção de processo, como à secção central. Por

outro lado, como a decisão de organização do trabalho cabe, em última

instância, ao critério pessoal dos escrivães de direito, sem que assente em

orientações e princípios gerais previamente definidos, é comum verificar-se

grande heterogeneidade de procedimentos e falta de racionalização no

trabalho realizado.

Não sei se as secções de processos têm que estar todas a atender o público. Se não podem estar organizadas de uma outra maneira de especialização por funções, em vez de estarem organizadas daquela maneira em que toda a gente faz tudo. Em muitos casos em que temos tentado intervir, em conjunto com os juízes da comarca, para alterar os métodos de trabalho tem sido muito complicado, porque há o escrivão, o adjunto A tem os pares e o adjunto B tem os ímpares. O B tem uma constipação, os ímpares ficam atrasados. Tudo isto são funcionamentos que têm de ser alterados. Talvez a própria estrutura e a própria maneira de pensar nas secções tem que ser diferente.

Por exemplo, x secções de um juízo de família. Essas secções estão por exemplo a atender público, que é um peso significativo no trabalho que têm, será que não podia haver uma guarda avançada que estava a atender público e deixar o resto todo sossegado. Será que não deviam estar atribuídos os processos de promoções e protecção a um determinado grupo de funcionários, os tutelares educativos, os cíveis

186 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

de família a outro grupo de funcionários, em vez de estarem todas as quatro secções a trabalhar com todas as formas processuais. Tudo isto devia ser repensado. (Ent. P7)

O organograma 14 ilustra as possibilidades de distribuição de tarefas

numa secção de processos.

Organograma 14 – Distribuição de tarefas na secção de processos

Abertura de processos,

citações, junção de

papéis aos processos,

notificações, conlusões

ao juiz, ofícios, etc.

Tramitação processual: abertura de

processos, ofícios, notificação

judicial avulsa, notificações, etc.

Escolha aleatória

Tramitação em série

de actos

semelhantes

Processos urgentes Processos não urgentes

Distribuição aleatória

por nº de processo

Atendimento ao público

Orientação, coordenação

e supervisão das

actividades desenvolvidas

na secção

Distribuição de tarefas

(petições iniciais e papéis

avulsos entrados na

secção)

Levar e trazer processos

do gabinete do juiz

Alternância por semana

Distribuição por tipo de

acção

Alternância entre

escrivães adjuntos e

auxiliares

Por proximidade face ao

balcão

Apoio aos magistrados:

actas de audiência, apoio

à sala, notificações, etc.

Procura dos processos

correspondentes aos

papéis avulsos entrados

Encaminhamento da

correspondência à secção

central

Distribuído pelo escrivão

de direito

Apoio aos processos

distribuídos ao excrivão

adjunto

Alternância por número

de processo

Tramitação processual

correspondente

Alternância entre os

auxiliares

Método de trabalho

Atendimento ao público

Alternância entre

escrivães adjuntos e

auxiliares

Alternância por juizPor proximidade face ao

balcão

Serviço externo

Por processo

distribuído ao auxiliar

ES

CR

IVÃ

O D

E D

IRE

ITO

ES

CR

IVÃ

O A

DJU

NT

OE

SC

RIV

ÃO

AU

XIL

IAR

Fonte: OPJ

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 189

Relativamente aos métodos de trabalho, os escrivães de direito, além

das funções de direcção da secção, podem assumir responsabilidades pela

execução de actividades mais complexas, nomeadamente, mapas de partilha e

elaboração das contas judiciais dos processos. Na distribuição de processos

entre os escrivães adjuntos, o escrivão de direito pode adoptar, tanto por um

critério aleatório, baseado, por exemplo, no número final do processo (mais

frequente), como um critério de especialização, por exemplo, por tipo de acção.

Nos métodos de trabalho adoptados pelos escrivães adjuntos, verifica-se

igualmente diversidade no desempenho das funções. Esta diversidade pode

ser orientada de acordo com o que é exigido na secção pelo escrivão de direito

e/ou de acordo com o funcionamento do gabinete do juiz.

Assim, por exemplo, no trabalho dos adjuntos, a decisão de cumprir ou

não primeiramente os despachos pode estar relacionada com a rotina de

trabalho do juiz. Nos casos em que o juiz já tem muitos processos conclusos ou

uma agenda definida para receber as conclusões, o adjunto pode organizar o

seu trabalho intercalando os papéis que vão para conclusão com as outras

tarefas que tem na secção. A capacidade de resposta do juiz pode, pois,

assumir um papel determinante em termos de motivação e produtividade dos

funcionários.

Contudo, deve salientar-se que a autonomia da secção de processos

destaca o papel directivo do escrivão. A importância do papel desempenhado

pelo escrivão é autónoma e não supletiva da ausência ou distanciamento do

juiz.

Em regra, as rotinas de trabalho dos escrivães adjuntos baseiam-se em

diferentes ordens de prioridade: processos marcados, diligências, providências

cautelares e outras situações urgentes; seguidos de processos não urgentes.

Os métodos de trabalho também podem variar de acordo com as

preferências de cada funcionário. Exemplificativamente, pode-se iniciar o

trabalho pelos actos mais simples, deixando os processos mais complexos

para um momento posterior. Podem ser assinaladas ainda duas rotinas de

190 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

trabalho diferentes entre os escrivães adjuntas: (1) realizar os actos

processuais aleatoriamente de acordo com a ordem em que os processos lhe

são postos na secretaria; e (2) separar os processos por categorias e realizar

os actos processuais iguais em série.

Em regra, os escrivães auxiliares responsabilizam-se pelo

acompanhamento do juiz em diligências e estão encarregues do intercâmbio

entre a secção central e a secção de processos, procurando e dando

tratamento aos processos relativos aos papéis vindos diariamente daquela

secção. Os critérios adoptados pelo escrivão de direito para distribuir tarefas

entre os escrivães auxiliares também podem variar. Por exemplo, no

acompanhamento de diligências pode-se estabelecer um revezamento

semanal entre os auxiliares ou distribuir os auxiliares pelo número de juízes

que a secção apoia.

O atendimento ao público em diferentes secções pode ser uma tarefa

afectada aos escrivães auxiliares ou dividida equitativamente entres estes e os

escrivães adjuntos.

Em traços gerais, as principais conclusões que o trabalho empírico

realizado evidenciou e que se relacionam com as alterações recentemente

introduzidas no que diz respeito à organização e gestão dos tribunais são as

seguintes:

(1) Se organização do trabalho varia de acordo com a secção, o juiz, o perfil e

a experiência de cada funcionário, consequentemente, a produtividade dos

funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso

pessoal;

(2) Uma vez que a formação para o desempenho das funções é isolada e

aleatória, os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a

assimilar os vícios de rotina daqueles com quem trabalham;

(3) A ausência de um programa de preparação, formação e acompanhamento

das reformas tem consequências nos frutos que podem ser extraídos delas,

variando de funcionário para funcionário, daí que a maior ou menor adaptação

Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 191

e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação

pessoal de cada funcionário.

As principais consequências destes problemas consistem, em primeiro

lugar, no facto de as boas práticas de uma secção não serem generalizadas.

Em segundo lugar, a introdução de mudanças pode ser obstaculizada pela

resistência dos funcionários. Neste contexto, a responsabilidade pelo

aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças é

difusa e depende do esforço e do interesse de cada um. Finalmente, as

opiniões sobre os actos praticados inutilmente, os desperdícios, as

irracionalidades organizativas, etc. são esparsas, não havendo uma reflexão

geral e coordenada sobre o que fazer para melhor racionalizar os métodos de

trabalho, os actos e a tramitação processual.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

7

194 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

7.1 Conclusões

1. A compreensão da reforma das organizações do judiciário no contexto

das dinâmicas de mudança das organizações públicas beneficiou, neste

estudo, de um quadro analítico - desenvolvido pelas ciências sociais que

permite pensar a administração e gestão das organizações em cenários

caracterizados por acréscimos de complexidade institucional e social, com o

objectivo de as tornar mais eficientes, designadamente a partir da reflexão em

torno das abordagens clássicas das organizações.

2. No âmbito das abordagens clássicas, Frederick Taylor conceptualizou

a organização científica do trabalho assentando em quatro princípios básicos:

planeamento, preparação, controlo e separação entre a concepção e a

execução do trabalho. A organização do trabalho, tendo por base aqueles

princípios, assentava na eliminação do desperdício, na eficiência máxima e no

aumento da produtividade.

A perspectiva avançada por Henri Fayol (1925), na linha do pensamento

taylorista, destacou-se no estudo da estruturação das organizações modernas

Conclusões e Recomendações 195

salientando, designadamente, o enfoque na formação e qualificação científica

do corpo de gestores das empresas e das instituições, a sua arrumação

estrutural e funcional tendo em vista o cumprimento eficiente dos respectivos

objectivos gerais, propondo a indivisibilidade da relação autoridade-

responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do sistema

hierárquico, a centralização dos processos enquanto factor de ordem interna e

a equidade nas decisões, de forma a evitar sentimentos de injustiça

perturbadores do funcionamento da organização.

3. Relativamente ao modelo burocrático e à modernidade organizacional,

a caracterização do fenómeno burocrático proposta por Max Weber encontrou

no movimento de racionalização das instituições os fundamentos da nova

ordem social e económica surgida no século XIX. No exercício do poder

organizacional, a problemática da legitimidade no pensamento weberiano

assentava numa tipologia tripartida de autoridade, em que a autoridade legal-

racional representa a modernidade burocrática.

No modelo burocrático proposto por Max Weber, destacam-se,

sobretudo, aspectos como a precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação

estrita e a redução de custos, que constituem alguns dos aspectos introduzidos

por este movimento racionalizador da vida e do desempenho organizacional. A

importância deste modelo baseia-se no conceito de burocracia e no seu

contributo para se pensarem reformas mais amplas no domínio da

administração pública e das organizações privadas, materializando a

designada modernidade organizacional.

4. A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de

novos paradigmas foi impulsionada pela escola das relações humanas e as

suas críticas ao mecanicismo, à instrumentalidade e ao formalismo das

abordagens clássicas, sobrepondo a importância dos níveis de integração

social e organizacional à lógica científica e burocrática de divisão e

196 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

organização do trabalho, no que diz respeito ao desempenho global das

organizações.

5. No quadro das reformas desencadeadas na administração pública a

partir dos anos 80 do século XX, as teorias manageriais têm sido escrutinadas

numa dupla perspectiva: procurando superar as limitações e os

constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de organização,

caracterizados pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à sociedade e

ineficiência administrativa; e evidenciando uma transformação política mais

ampla, assente num novo consenso ideológico de natureza neoliberal – o

Estado e a administração pública são sinónimos de desperdício, abrindo campo

à acção política no sentido da privatização do máximo de subsectores públicos

alienáveis para o mercado e na adopção de modelos de gestão equiparados ao

sector privado.

6. O conceito de governação assume, no âmbito das novas abordagens

organizacionais, um novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias,

dando conta do aumento da complexidade e dos fluxos de informação a que as

organizações se encontram expostas e da necessidade de um maior e mais

eficaz controlo dos processos e dos resultados reivindicados pelos diferentes

stakeholders. Este conceito pressupõe uma transformação profunda nos

cenários organizacionais, sendo a antecipação, a adaptação e a capacidade de

influência sobre as mudanças em curso factores determinantes para a

sustentabilidade deste novo paradigma administrativo das organizações.

7. O quadro conceptual da qualidade densificou-se, através do conceito

de excelência, numa óptica de qualidade total, também designada de melhoria

de qualidade contínua (continuous quality improvement). Aos modelos de

excelência (ou de qualidade total) subjaz uma filosofia de gestão que centra a

Conclusões e Recomendações 197

organização no utente/cidadão e numa dinâmica de melhoria contínua,

pressupondo uma abordagem sistémica com princípio de gestão aplicado em

todos os níveis organizacionais. Na Europa, o modelo baseado na filosofia da

gestão pela qualidade total de referência é o modelo da EFQM, tendo em vista

melhores práticas de gestão e melhor desempenho das organizações, podendo

ser utilizado para verificação do estado da organização como ferramenta de

planeamento ou de gestão da mudança.

8. Na sequência das reformas desencadeadas na administração pública,

as organizações do judiciário foram um dos sectores do Estado ao qual as

reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Como é sabido, os modelos

burocráticos de administração dos tribunais têm vindo a ser submetidos a um

processo de reflexão e reavaliação política e académica. Numa primeira fase, a

resposta do sistema à sua “crise” centrou-se em reformas de natureza

processual e no crescimento de recursos humanos e materiais; posteriormente,

procurou dar resposta ao aumento exponencial do volume e da complexidade

da litigação e, mais recentemente, face à necessidade de outro tipo de

reformas estruturais, optou-se pela procura de novos caminhos para a reforma

do sistema.

9. Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha

com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa, também ele, a ser

objecto de análise e recomendações que pretendem explorar uma nova

dimensão gestionária, designadamente através da introdução de medidas que

visam a alteração de métodos de trabalho, uma melhor e mais eficaz gestão de

recursos e uma melhor articulação dos tribunais com os serviços

complementares da justiça.

10. No âmbito da justiça em Portugal, apesar das reformas mais

198 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

recentes do judiciário e do forte contexto de mudança a que vem estando

sujeito o sistema judicial, a qualidade parece ainda distante do enquadramento

conceptual da excelência. Contudo, como tem vindo a ser mencionado nos

estudos do OPJ, as reformas do judiciário nesta matéria estão, não só em

Portugal mas também na Europa reformas centradas na discussão do modelo

organizacional mais do que no modelo de gestão. A discussão continua a

situar-se na resposta ao volume processual, revelando que as preocupações

da qualidade se centram fundamentalmente na melhoria da eficiência e,

portanto, numa das fases iniciais do seu percurso: o controlo da qualidade.

11. A escolha do estudo de caso da experiência espanhola deveu-se,

sobretudo, à proximidade entre os problemas e as ineficiências estruturais do

desempenho do sistema de justiça espanhol e a situação que ocorre em

Portugal. A reforma da secretaria judicial em Espanha foi impulsionada pela

necessidade de dar resposta a problemas e ineficiências estruturais do

funcionamento dos tribunais, muitos dos quais idênticos aos enfrentados por

nós. Nesse sentido, o funcionamento das secretarias judiciais era caracterizado

por um desempenho atomizado e auto-suficiente, destacando-se a

sobreposição de tarefas administrativas e jurisdicionais na mesma unidade

orgânica, bem como a inexistência de modelos comuns de trabalho e de

desencorajamento ao trabalho diferenciado e especializado.

O movimento de reforma judicial neste âmbito tem apresentado um

carácter pluriforme, isto é, convoca alterações não só no âmbito processual

mas também na remodelação das infra-estruturas, na criação de novas

unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de meios

telemáticos.

12. O novo modelo de secretaria judicial em Espanha foi introduzido com

a Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro. Nos últimos três anos, o ritmo da

implementação do novo modelo de secretaria judicial decresceu. Actualmente,

Conclusões e Recomendações 199

assiste-se a um novo empenho, por parte do Ministério da Justiça, na

efectivação do novo modelo de secretaria através do “Plano Estratégico de

Modernização da Justiça 2009-2012”.

Das inovações introduzidas, destacam-se: (1) a “libertação” do juiz de

actos não jurisdicionais (liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste

modo dedicar a totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente

jurisdicional); (2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial

(secretário judicial, considerado um especialista com alto nível de competência

e elevados conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se

refere ao funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a

agregação de tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da

tramitação processual propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a

especialização dos funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a

nova configuração dos espaços físicos (remodelação das infra-estruturas).

13. De acordo com o novo modelo de secretaria, à atomização dos

serviços responde-se com a concentração de recursos em serviços comuns

especializados. Às dispersões ou repetições inúteis de tarefas idênticas em

diferentes serviços, procurou-se reagir, separando, por unidades e categorias

de funcionários distintos, actividades de tramitação mais complexas de

actividades mais repetitivas (como recepção de documentos, citações e

notificações, etc.) e de actividades de suporte.

O desenho organizacional da nova secretaria tem por base uma Unidade

que pode ser de dois tipos: Unidade Processual de Apoio Directo e Serviços

Comuns Processuais. Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas.

Com esta reorganização estabelece-se uma diferença clara entre o apoio

directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de

apoio directo, e a tramitação processual, função sobretudo a cargo dos

serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação

processual de um ou mais juízes, juízos, secções ou tribunais.

200 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

14. Duas ideias essenciais abriram caminho para actual reforma

orgânica da secretaria judicial: (1) a criação de serviços comuns, considerada

um elemento-chave da reforma dada a sua potencialidade na uniformização do

trabalho, libertação das diferentes secções da prática de actos e tarefas

semelhantes e criação de uma estrutura especializada no atendimento ao

público; e (2) a reconfiguração do perfil profissional do secretário judicial,

avançando para a especialização de funções, de forma a assumir um duplo

papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.

15. O novo modelo de secretaria judicial não se limitou a trazer

profundas alterações na estrutura organizacional, implicou também a

redefinição de competências e funções profissionais. Os secretários judiciais

assumem uma forte centralidade funcional, constituindo um corpo próprio e

conferindo-lhes a lei carácter de autoridade. Para além das competências

processuais, também dirigem tecnicamente os recursos humanos das

secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e instruções

necessárias ao seu desempenho funcional. Enquanto o corpo de funcionários,

que desempenham funções de tramitação processual, é composto pelos

chamados funcionários gestores, que vieram substituir o anterior corpo de

oficiais de justiça; o antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos

actuais funcionários tramitadores.

16. Contudo, alguns problemas têm sido identificados no curso da

concretização da reforma da secretaria judicial: sucessivos atrasos e alguma

falta de coordenação na execução de algumas vertentes da reforma (leis

processuais, formação dos operadores para a utilização dos sistemas

informáticos e construção de novas instalações); falta de recursos financeiros

para a administração da justiça (a nível nacional, autonómico e/ou local);

actuações parcelares, descoordenadas e até mesmo antagónicas em

Conclusões e Recomendações 201

diferentes circunscrições territoriais resultantes da transferência de

competências para algumas comunidades autónomas; atraso no processo de

redimensionamento dos recursos humanos para atender especialmente os

processos pendentes; alteração do padrão de relacionamento funcional entre

juízes, secretários judiciais e restantes funcionários judiciais; tensão entre

juízes e secretários judiciais no que refere ao agendamento de diligências,

entre outros.

17. O trabalho que se apresenta neste relatório centra-se, como já

referimos, na análise da dimensão gestionária da reforma da organização

judiciária. O reduzido tempo de vigência do período experimental da reforma,

associado ao frugal acervo de informação disponível relativamente à

problemática em estudo, não permitiram uma averiguação plena de todas as

suas implicações, tendo dificultado, por exemplo, uma avaliação quantitativa do

impacto das alterações gestionárias na produtividade dos agentes judiciais e no

tempo dos processos. Privilegiou, por isso, a análise qualitativa assente nas

percepções dos agentes envolvidos no processo e a observação das práticas

das unidades orgânicas.

Adoptou-se uma estratégia de investigação assente numa dupla

perspectiva analítica. Em primeiro lugar, de acordo com uma perspectiva top

down, observou-se a concretização do modelo de gestão entre as diferentes

figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Em segundo lugar,

em conformidade com a perspectiva bottom up, analisámos o impacto destas

alterações nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais, dando

especial atenção ao funcionamento da secção de processos.

18. No que diz respeito ao modelo de gestão, o projecto experimental da

nova organização judiciária não contou, de acordo com os resultados obtidos

através da realização do trabalho de campo, com a previsão que se exigia para

uma transição bem sucedida de uma reforma estrutural. Assim, salienta-se a

202 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

importância de se considerarem as dificuldades deste ensaio experimental

antes do alargamento a outras comarcas. Por outro lado, exige-se a definição

de um planeamento estratégico e a criação de um conjunto de instrumentos de

suporte que potenciem uma eficiente gestão da mudança, por exemplo, a

definição de um conjunto de acções de gestão prática da mudança que

envolvam os principais canais de comunicação e de informação no interior e

exterior do sistema, bem como as pessoas mais directamente afectadas pelo

processo de mudança.

A este propósito, regista-se como aspecto negativo, por um lado, o facto

dos juízes presidentes apenas terem sido nomeados e assumido funções

depois de já estarem constituídas as equipas de trabalho. Por outro lado, o

deficiente planeamento na transferência de processos (tanto em suporte físico

como telemático), levou à ocorrência de erros, ao cancelamento de diligências

em cima da hora, a dificuldades de dar informação ao público e advogados,

etc.

De referir, ainda, o bloqueio que consiste na falta de suporte

organizacional às inovações gestionárias, destacando-se a falta de previsão de

um gabinete de apoio ao juiz presidente. Destaca-se, em especial, o problema

que poderíamos caracterizar como endémico ao sistema de justiça ao qual

urge dar solução – a falta de formação adequada para o desempenho das

novas funções de gestão e coordenação previstas na lei.

19. Em Portugal, a governação dos tribunais está configurada, a nível

central, num modelo de competências bicéfalo. Por um lado, a previsão na

estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de administração

indirecta responsáveis pela centralização da gestão financeira, do património,

das tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ) articula-se com

órgãos de administração directa que centralizam competências de

planeamento, gestão estratégica da política de justiça e administração da

carreira dos funcionários de justiça (DGAJ e DGPJ). Por outro lado, a gestão

Conclusões e Recomendações 203

das carreiras, controlo e disciplina dos magistrados é exercida pelos conselhos

superiores da magistratura e do Ministério Público.

A nova lei de organização e gestão dos tribunais trouxe algumas

mudanças no que diz respeito à administração local da justiça, ao prever

competências de representação, direcção, gestão processual e administrativas

ao juiz presidente do tribunal, fomentando igualmente outra figura de gestão

local com competências próprias e um importante papel de coadjuvação das

competências do juiz presidente – o administrador judiciário.

O juiz presidente passou a assumir competências de representação e

direcção do tribunal, agregando responsabilidades ao nível da gestão dos

funcionários judiciais e exercendo competências de gestão processual, fixação

de objectivos, acompanhamento de resultados e planeamento das

necessidades e actividades do tribunal, planeamento de recursos humanos e

de organização interna. No âmbito administrativo, congrega competências de

elaboração do projecto de orçamento, dos planos anuais e plurianuais, dos

relatórios de actividades e dos regulamentos internos, entre outros.

O perfil funcional do administrador do tribunal concentra-se na gestão

dos espaços, segurança, condições de acessibilidade das instalações,

manutenção, conservação e racionalização da utilização dos equipamentos.

Para além da previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade

de coadjuvação pelo administrador das competências do presidente do tribunal.

Para além das competências atribuídas ao juiz presidente e ao

administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no

âmbito da gestão local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções

consultivas e de acompanhamento das actividades administrativas, de

organização e funcionamento do tribunal.

20. A reforma introduziu mais-valia no sentido de criar perfis

profissionais com competências próprias e actuação local baseada no

204 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

conhecimento das necessidades e do funcionamento quotidiano do serviço.

Esta nova dinâmica possibilita uma tomada de decisão local, rápida e eficiente,

atendendo às suas carências e às dificuldades quotidianas. No novo quadro

normativo, esta flexibilidade estende-se desde a distribuição dos funcionários

(à excepção dos escrivães de direito), à proposição de mudanças

organizacionais e às rotinas de trabalho (implementação de métodos de

trabalho, reafectação de funcionários, proposta de criação de secções

especializadas), passando pelo planeamento das actividades, das

necessidades de recursos humanos e elaboração da proposta de orçamento.

A criação de um órgão com poderes consultivos e de acompanhamento

(conselho de comarca), por sua vez, beneficia o modelo de gestão por permitir

uma participação alargada dos actores do sistema e da sociedade civil.

O carácter experimental da reforma, a falta de preparação, a ausência

de discussão e de directrizes de execução, são factores que influenciam o

ritmo de incrementação das potencialidades de gestão trazidas pela lei. Daí

que o modelo de gestão tenha sido experimentado de forma distinta em cada

uma das comarcas piloto de acordo com a experiência, o nível de iniciativa e o

conhecimento da realidade do tribunal por parte dos juízes presidentes.

O trabalho de campo realizado permitiu identificar algumas dinâmicas

locais consentâneas com os objectivos da reforma, por exemplo, o

estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, a realização de

reuniões de planeamento das actividades com as chefias das secções e com

os magistrados coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros métodos

de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-

se, ainda, um acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de

material, à requisição de objectos e aos critérios de ocupação das salas de

audiências por parte dos juízos.

21. À anterior “unidade tribunal” passou a corresponder a actual

“unidade secretaria”. Criaram-se novas unidades orgânicas e novas

Conclusões e Recomendações 205

perspectivas gestionárias, mas manteve-se o modelo de organização interna e

de colocação de juízes e funcionários das comarcas anteriores.

Importa, pois, saber quais deverão ser as unidades administrativas e

organizacionais do tribunal de comarca: o próprio tribunal de comarca, as

secções de processos ou as secretarias dos diferentes juízos. A decisão sobre

esta matéria tem uma influência determinante na colocação e gestão dos

recursos humanos, na elaboração e execução do orçamento, no planeamento

e gestão dos recursos materiais, no modelo de informatização e na execução

das funções de direcção e coordenação exercidas no tribunal de comarca,

nomeadamente a interface entre o juiz presidente, o administrador e o

secretário de justiça.

A este propósito, ao assumir-se que o provimento de funcionários

judiciais tem como unidade as secções de processo para os escrivães de

direito e a secretaria dos juízos para os restantes funcionários, condicionam-se

as competências do juiz presidente na gestão dos recursos, uma vez que o

exercício desta competência é nula no caso dos escrivães de direito e tem

como limite a secretaria dos juízos. Por outro lado, esta questão também diz

respeito à definição da unidade de colocação dos juízes, isto é, os juízos do

tribunal de comarca ou um determinado juízo.

Finalmente, assinalam-se as repercussões na gestão das vertentes de

natureza financeira. Neste caso, a opção pelo tribunal de comarca ou pela

secretaria dos juízos, como unidade administrativa, coloca em confronto as

actuais competências de elaboração e execução do orçamento dos secretários

de justiça e do presidente do tribunal.

22. O actual modelo de gestão exige a realização plena e eficiente do

princípio de cooperação entre as figuras da estrutura local de gestão e entre

estas e os órgãos centrais. Neste sentido, a concretização das potencialidades

da lei depende, em muito, da integração e da articulação entre os diferentes

órgãos com poderes directivos na administração dos tribunais.

206 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de

competências centrais e locais de modo a permitir uma gestão integrada que

tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:

(a) A articulação das competências de gestão, avaliação e disciplina dos

funcionários judiciais da DGAJ e do COJ com os poderes atribuídos ao juiz

presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,

implementação de métodos de trabalho e fixação de objectivos para as

unidades orgânicas, planeamento das necessidades de recursos humanos,

reafectação dos funcionários dentro da comarca;

(b) A articulação das competências de gestão dos juízes e

acompanhamento da actividade dos tribunais e sua organização exercidas pelo

Conselho Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do

Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais

(criação de secções especializadas), reafectação de juízes e necessidades de

resposta adicional no quadro de juízes;

(c) A articulação das competências de gestão financeira, do património,

das instalações e dos equipamentos dos tribunais partilhadas entre o ITIJ, o

IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de

alterações orçamentais exercidas pelo juiz presidente e as competências do

administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e

segurança das instalações do tribunal.

Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de gestão, uma

articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está

comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,

que vão desde a clarificação do sentido e alcance das competências previstas

em lei até à necessidade de aprofundamento dos canais de comunicação e

interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de um plano de

implementação das competências locais de gestão com orientações concretas

das tarefas e responsabilidades a serem exercidas pelas chefias e pelas

figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade

Conclusões e Recomendações 207

administrativa de referência do tribunal de comarca.

23. No que refere à gestão dos juízes, as possibilidades de participação

local através de propostas do juiz presidente ao CSM no que toca a medidas

de reafectação, acumulação, requisição de juízes do quadro complementar e

mudanças na organização interna não parece ter-se traduzido, de acordo com

o que foi observado no trabalho de campo, em grandes problemas de

articulação.

24. No que toca à gestão dos funcionários, o trabalho empírico permitiu

identificar vários momentos em que a concentração de competências na

administração central, agravada pela falta de previsão de interfaces eficientes,

bloqueiam a gestão a ser implementada por parte do juiz presidente.

Apesar de terem sido conferidas competências próprias ao juiz

presidente para o planeamento dos recursos humanos, essas competências

não se traduzem na autonomia de definição dos mapas de pessoal ou das

necessidades de recursos humanos da comarca. Ao juiz presidente cabe a

distribuição dos funcionários de justiça dentro dos limites da unidade orgânica

de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça

e respeitando o provimento dos cargos de escrivães de direito nas respectivas

secções dos juízos

O exercício da competência de distribuição dos escrivães adjuntos e

auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está

significativamente delimitado pela não definição do tribunal de comarca

enquanto unidade administrativa. A questão da mobilidade geográfica dos

funcionários é uma questão sobre a qual é necessário reflectir e que exige

alguma intervenção. Contudo, dever-se-ão ter em conta alguns contornos

especiais, sobretudo quando confrontada com direitos adquiridos e

expectativas legítimas dos funcionários.

208 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Outra limitação relaciona-se com o facto das competências previstas

para o juiz presidente no âmbito da fixação de objectivos, da avaliação do

desempenho funcional do tribunal e da qualidade do serviço prestado aos

cidadãos não serem acompanhadas de competências efectivas no que respeita

à avaliação e à acção disciplinar sobre os funcionários da justiça.

Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de um modelo

que reforce a estrutura de gestão local do tribunal de comarca com a

especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas

responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação dos

resultados e fixação de objectivos do tribunal.

Questiona, ainda, o vínculo funcional dos restantes funcionários, não

integrados nas carreiras judiciais, em especial dos técnicos de informática e a

sua dependência funcional e hierárquica face à administração central.

25. As questões relativas à elaboração e execução orçamental, por sua

vez, referem-se especialmente à articulação entre a competência administrativa

do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto do orçamento

e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa competência nos

administradores judiciais e a articulação das tarefas relativas ao orçamento

entre o administrador judiciário e os secretários de justiça. Neste âmbito, o

principal problema resulta do facto de as secretarias dos juízos estarem a

funcionar como unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz

respeito ao orçamento, mantendo o secretário a competência de gerir e

elaborar o orçamento da secretaria. Esta realidade dificulta a gestão

centralizada do orçamento por parte do presidente e do administrador do

tribunal. A falta de uma visão global do orçamento do tribunal de comarca

impede ainda a projecção da execução orçamental e o controlo centralizado

dos gastos.

26. Os problemas relativos à gestão do património e das infra-estruturas,

Conclusões e Recomendações 209

o alcance das competências gerais relativamente ao planeamento das

actividades do tribunal e às necessidades de orçamento podem ser limitados

pela reserva de competências da DGAJ relativamente à aquisição de

equipamentos e outros bens. Neste âmbito, o que está em causa é a

articulação entre as decisões locais relativas às necessidades de

equipamentos e de instalações e as decisões centrais de planeamento das

necessidades e gestão das infra-estruturas dos serviços da justiça como um

todo.

27. A gestão da informação, por sua vez, aponta para a necessidade de

se promover uma melhor definição e integração entre as necessidades dos

tribunais, nomeadamente formação e acesso a elementos de informação úteis

para a gestão do tribunal, e as decisões estratégicas dos órgãos centrais de

planeamento das actividades formativas e adequação dos sistemas.

28. No que respeita à gestão processual, entendida em sentido amplo,

isto é, incluindo as rotinas e os métodos de trabalho associados à tramitação

do processo, o legislador concentrou as atribuições de gestão processual e de

métodos de trabalho a nível do tribunal de comarca na articulação entre o juiz

presidente/magistrados coordenadores e juízes titulares, em coordenação com

as secções. Destaca-se o desafio que consiste na concretização dos objectivos

de eficiência e racionalização dos métodos de trabalho na gestão processual.

Entre as medidas que podem integrar a gestão do caso concreto,

destacam-se: a selecção adequada da calendarização e do sistema de

marcação de diligências, a adopção de medidas que encorajem a resolução do

litígio por acordo, a introdução de recursos informáticos adequados, o recurso a

funcionários com formação especializada, a utilização de mecanismos

processuais como audiências preliminares e formas sumárias do processo.

A potencialidade da previsão de competências de gestão processual

210 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

consiste, sobretudo, em permitir às figuras de gestão ao nível local, em

primeiro lugar, questionar a adequação e a pertinência da organização da

secção e dos métodos de trabalho adoptados e, em segundo lugar, propor

alternativas de reorganização e fixar objectivos e metas a cumprir.

A previsão da intervenção do juiz presidente do tribunal de comarca

garante uma visão global e, simultaneamente, permite ensaiar novas formas de

articulação e agregação entre as diferentes unidades orgânicas, possibilitando

a realização de reuniões de planeamento e de avaliação da actividade e

potenciando a criação de uma cultura organizacional de mudança.

Um aspecto a destacar no decurso da nossa investigação consiste na

heterogeneidade social, administrativa e territorial das comarcas, o que

determina o volume e natureza da procura judicial, as directrizes estratégicas

da organização interna e a optimização dos métodos de trabalho. Isto é, a

racionalização das tarefas não deve corresponder a uma resposta única que

possa ser uniformemente aplicada a todas as secções, mas sim privilegiar a

reflexão e experimentação que permita definir regras e princípios orientadores

sólidos, de acordo com um modelo flexível que tenha em conta variáveis e

condicionantes contextuais como a procura judiciária, a centralização ou

descentralização dos juízos do tribunal, etc.

29. Por contraponto às vantagens da nova lei de organização judiciária

relativamente à proposição de alternativas de gestão e definição de novos

métodos de trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o

trabalho dos funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução

de tarefas, perceber a adequação dos métodos de trabalho e os seus efeitos

em termos de racionalização e produtividade. A falta de reflexão e de princípios

orientadores nesta matéria torna o alcance prático desta reforma muito

limitado.

As novas figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções

baseadas em critérios casuísticos e na experiência pessoal, orientam-se de

Conclusões e Recomendações 211

acordo com o que definem como sendo o seu bom senso e o dos funcionários.

Apesar de estar prevista a disponibilização de dados informatizados do

sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal por parte do

juiz presidente, esta não é suficiente no que respeita aos indicadores de

gestão.

30. No que se refere à organização interna, a principal limitação centra-

se na atomização do modelo, o que implica, muitas vezes, a multiplicação de

secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-se na duplicação de tarefas e

numa organização interna do desempenho funcional pouco racionalizada e

eficiente.

Na observação do espaço físico salienta-se: (1) a existência de

diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de aproveitamento

do espaço físico; (2) a precariedade e a inadequação de algumas instalações;

e (3) a falta de coordenação de agendamentos de actos jurisdicionais que

impliquem a audição de intervenientes processuais (gestão da agenda dos

juízes).

A gestão dos equipamentos, por sua vez, indicia faltas, inadequação e

falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes, digitalizadores e sistema de

vídeo-conferência. Salientam-se ainda as dificuldades na racionalização da

distribuição dos equipamentos pelas diferentes unidades do tribunal de

comarca, de acordo com as suas necessidades, em especial a falta de

autonomia do juiz presidente na colocação/deslocação dos equipamentos.

31. A adopção das inovações tecnológicas é discutida de acordo com

cinco principais vertentes de mudança: (1) a adaptação dos espaços físicos; (2)

a capacidade dos recursos materiais para suportarem as exigências da

desmaterialização; (3) a adaptação do quadro funcional à nova realidade; (4) a

formação e acompanhamento necessários para potenciar as inovações e

212 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e requalificação dos

funcionários, no sentido de adquirirem competências necessárias à utilização

das novas ferramentas. Outra crítica refere-se ao facto da introdução de

programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo de

acelerar os actos processuais, vir atender a necessidades distintas em

diferentes momentos e nem sempre atender à necessária interligação entre si.

O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à garantia

da integralidade do processo electrónico (o que leva à existência, em regra, de

dois processos electrónicos: um em suporte de papel e outro em suporte

informático) em especial pelas dificuldades de digitalização dos requerimentos

e peças processuais ingressadas em suporte de papel, são igualmente

indicados como factores de irracionalização e duplicação do trabalho.

32. As mudanças trazidas pela nova lei da organização judiciária não

tiveram, na maioria das situações observadas, um impacto directo na

organização interna dos tribunais, permanecendo as rotinas e métodos de

trabalho das secções inalterados.

A gestão de recursos humanos e a definição dos métodos de trabalho

estão sustentadas numa grande diversidade de procedimentos entre os

diferentes juízos e entre as secções de um mesmo juízo. Estando os conteúdos

funcionais de cada categoria profissional fixados por lei, as diferenças

registadas nos métodos de trabalho adoptados relacionam-se com as

disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de

distribuição de tarefas assumidas pelas chefias (escrivães de direito), tendo em

vista o que consideram ser o melhor aproveitamento dos recursos e, nalguns

casos, relacionam-se ainda com as indicações transmitidas pelo juiz titular da

secção.

A manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação

entre as secções concretiza-se na manutenção da divisão entre secção central,

secção de processos e secção de serviço externo, bem como o papel decisivo

Conclusões e Recomendações 213

do escrivão na definição das tarefas a serem realizadas pelos escrivães

adjuntos e auxiliares. As principais consequências deste modelo são a

possibilidade de duplicação de trabalho e o facto da decisão de organização do

trabalho caber, em última instância, ao critério pessoal dos escrivães de direito,

sem que assente em orientações e princípios gerais previamente definidos,

verificando-se grande heterogeneidade de procedimentos e falta de

racionalização no trabalho realizado.

33. Em síntese, as principais conclusões que o trabalho empírico

realizado evidenciou no que diz respeito à organização e gestão dos tribunais

são as seguintes: (1) a organização do trabalho varia de acordo com a secção,

o juiz, o perfil e a experiência de cada funcionário, ficando a produtividade dos

funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso

pessoal; (2) a formação para o desempenho das funções é isolada e aleatória e

os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a assimilar os

vícios de rotina daqueles com quem trabalham; (3) a ausência de um programa

de preparação, formação e acompanhamento das reformas tem consequências

no usufruto que pode ser extraído delas, daí que a maior ou menor adaptação

e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação

pessoal de cada funcionário.

Para concluir, deve ainda mencionar-se o facto das boas práticas de

determinadas secções não serem generalizadas, ou seja, a responsabilidade

pelo aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças

é difusa e depende do esforço e do interesse de cada um. Deve, por isso,

procurar-se a introdução de mecanismos que permitam a generalização e

adaptação local das boas práticas alcançadas.

7.2 Recomendações principais

Como já referimos, nas sociedades modernas, onde o direito e a justiça

são instrumentos centrais da qualidade da democracia, os tribunais judiciais

desempenham um papel fundamental, seja na efectivação de direitos sociais,

no combate à corrupção ou na resolução de conflitos dos cidadãos e das

empresas. A resolução de muitos desses conflitos, ainda que inter-individuais,

tem uma enorme relevância para os próprios, mas também para a qualidade da

cidadania. Por exemplo, a forma como o país trata grupos de cidadãos

socialmente mais vulneráveis (onde se incluem as crianças, a grande maioria

dos sinistrados laborais, as mulheres, os imigrantes) depende muito da acção

dos tribunais. O poder judicial é um poder fundamental do Estado. E é nessa

condição que as reformas a ele dirigidas, quer na sua concepção, quer na sua

execução, devem ser encaradas pelos intervenientes dos diferentes poderes.

O campo das reformas estruturais pode ser um campo de confronto, de

tensões entre os poderes judicial e político, de lutas corporativas, mas pode,

também, ser um campo de oportunidades, de rupturas, de novos desafios, de

olhar para o futuro. A reforma do mapa e da organização judiciária em curso

tem essa dimensão, ao estruturar-se em torno dos objectivos de modernização

do sistema judicial através de criação de novos modelos de divisão territorial,

de organização judiciária e de gestão dos tribunais.

Tal reforma, pela sua abrangência, pelos desafios que incorpora e pelos

recursos que mobiliza, deve ser encarada como eixo estruturante do sistema

de justiça. Aliás, essa é a perspectiva subjacente à proposta de reforma do

mapa judiciário que apresentámos em 2006, ao considerarmos que a reforma,

se devidamente articulada com uma agenda estratégica mais vasta, poderia

funcionar como alavanca de uma verdadeira viragem do desempenho funcional

da justiça portuguesa no caminho da qualidade e da excelência.

Como se demonstrou ao longo deste relatório, a dimensão gestionária é

uma dimensão central desta reforma que se materializa, sobretudo, na

216 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

densificação de competências desta natureza ao nível do tribunal de comarca,

concentrando um dos principais desafios à reforma. É sobre esta dimensão que

se centram a análise e as recomendações que integram este relatório.

Esta reforma incorpora, ainda, uma vertente pouco comum entre nós: a

experimentação. Ao optar pela implementação da reforma em apenas três

comarcas piloto, o legislador assume a sua dimensão complexa e estruturante.

Mas a experimentação não é um fim em si mesmo. Ela tem uma função

instrumental no sentido de identificar tanto virtualidades como problemas. Daí

que o potencial só seja efectivamente conseguido se a reforma for sujeita a um

processo de monitorização e avaliação em todas as sua vertentes, o que aliás

estava previsto. Não deve, por isso, avançar-se no alargamento a outras

comarcas sem que tal ocorra. Essa é a nossa primeira recomendação. A

repetição de erros, de desperdícios, de resistências, pode comprometer

irremediavelmente este processo de mudança da justiça portuguesa. Os

órgãos e os agentes do Estado e da sociedade, empenhados nesta reforma,

devem assumir que o quadro de crise social e de escassez de recursos não

permite desperdícios de experiências e de oportunidades.

O alargamento do período experimental pode ainda ser aproveitado, no

que respeita à componente gestionária, para testar algumas possibilidades que

a avaliação e as recomendações possam sugerir. Apesar deste alargamento

impedir o cumprimento da calendarização prevista na reforma, deve

estabelecer-se uma agenda alternativa rigorosa que permita definir objectivos e

metas.

Na sequência dos princípios e linhas orientadoras que as várias teorias

gestionárias enfatizam e à luz da investigação realizada, apresentamos de

seguida as recomendações principais.

Conclusões e Recomendações 217

Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e da organização judiciária

Avaliação global da reforma do mapa e da organização judiciária

Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes e na

verificação empírica da aplicação da lei, através de um competente

programa de monitorização e de avaliação, é fundamental para o sucesso

da reforma. Essa monitorização deve ser interna e externa.

A nossa recomendação é no sentido do não alargamento a outras

comarcas piloto sem prévia avaliação da reforma.

Definição de um programa de avaliação

A avaliação exigente deve sustentar-se em metodologias adequadas, bem

como partir da definição prévia de objectivos, critérios e indicadores, que

devem constar de um programa de monitorização que permita avaliar e

medir o impacto da reforma.

Tal programa deve dar especial atenção às dificuldades de

interpretação de determinados conceitos da lei, designadamente,

em matéria de competências funcionais (divisão de competências

entre entidades centrais e locais e dentro destas) de forma a

concretizar os perfis profissionais dos diferentes intervenientes,

especificando as tarefas e responsabilidades de modo a evitar

sobreposição de competências e dificuldades de criação de

interfaces.

218 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Preparação eficiente do alargamento da reforma

A preparação da reforma não se relaciona apenas com o necessário

esforço analítico de interpretação da realidade sobre a qual se quer intervir

de modo a produzir conhecimento sólido que possa informar o debate e

orientar as soluções em discussão. A sua execução prática deve também

prever um plano de actividades para a sua implementação que garanta o

suporte estrutural necessário, que permita uma execução faseada e que

potencie a participação social e profissional alargada.

O alargamento futuro a outras comarcas piloto deve ser precedido

de um plano estratégico e da criação de um conjunto de

instrumentos de suporte que potenciem uma adequada e eficiente

gestão prática da mudança. Este plano deve prever os principais

canais de comunicação e de informação e envolver, o mais

possível, as pessoas mais directamente afectadas pelo processo

de mudança.

Levantamento sistematizado, programação e calendarização de todas

as necessidades, quer no âmbito de infra-estruturas, quer de

equipamentos que o alargamento a mais comarcas exige

O nosso estudo permitiu identificar vários aspectos em que essa

programação não ocorreu. As reformas estruturantes que impliquem

rupturas com rotinas tendem a sofrer uma maior resistência. Essa

resistência será tanto maior quanto mais perturbador for o processo de

mudança em si mesmo.

Sistematização e acompanhamento da experimentação gestionária

O período experimental da reforma propicia e deve ser aproveitado para

ensaiar, no respeito pelos princípios e normas legais, novas formas de

Conclusões e Recomendações 219

organização interna e novos métodos de trabalho. A reforma tem potencial

e introduz muitas inovações que devem ser testadas. Mas essa

experimentação deve ser enquadrada por linhas orientadoras, objectivos e

metas previamente definidos e deve ser acompanhada de forma a poder

controlar as diferentes variáveis. Não pode ser casuística, baseada em

constatações empíricas, na experiência pessoal ou no bom senso. Só uma

experiência racionalizada e devidamente controlada pode ser melhor

aproveitada enquanto processo de boas práticas e susceptível de produzir

um efeito sistémico.

Recomenda-se, assim, que sejam definidas áreas de

experimentação – a nossa proposta é que se situem no âmbito da

organização interna e dos métodos de trabalho das secções de

processo – e se crie, em conjunto com os principais

intervenientes, um programa informado de experimentação nas

três comarcas piloto.

Definição de regras e princípios gerais para a instalação dos juízos

O trabalho de campo evidenciou a instalação de juízos em locais

manifestamente inadequados, considerando quer o volume de trabalho,

quer o número de cidadãos que diariamente aí se dirigem. Por exemplo, há

instalações que podem comportar um juízo de execução, com uma

intervenção de público mais reduzida, mas não um juízo de família e

menores ou um juízo de trabalho. No contexto da reforma experimental,

esta vertente pode atenuar ou acentuar a força simbólica da mudança.

Articulação com outras reformas

A natureza estruturante da reforma do mapa e da organização judiciária

leva-nos, ainda, a recomendar que o desenvolvimento de outras reformas

conexas, com sejam reformas de natureza processual, de criação de meios

220 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

alternativos de resolução de conflitos ou de colocação e progressão nas

carreiras judiciais, deva ter um lastro na avaliação e monitorização desta

reforma, de modo a que se possa melhor prever os impactos respectivos

no desempenho funcional dos tribunais. Por exemplo, se a opção for no

sentido do reforço da oralidade do processo civil, a organização das

secções de processos exigirão, em várias vertentes, um outro tipo de

dimensionamento. Daí que essa avaliação global se revele fundamental.

Recomenda-se, assim, que se crie uma plataforma de articulação

entre a monitorização da reforma do mapa e da organização

judiciária e os eventuais processos de reforma em matérias

conexas.

Definição de canais e regras de interface entre as diferentes entidades

com competência de administração e gestão dos tribunais

A governação dos tribunais, a nível central, está configurada num modelo

de competências bicéfalo, repartido entre vários organismos do Ministério

da Justiça e os conselhos e, a nível local, entre várias figuras no contexto

do tribunal de comarca. Ainda que algumas dessas competências venham

a ser concentradas no juiz presidente ou no administrador do tribunal,

como se propõe, a lei prevê, em diversos momentos, a combinação e

articulação de competências centrais e locais. A gestão integrada que

tenha como referência o tribunal de comarca depende muito da capacidade

de articulação entre as diversas entidades, isto é, da realização plena do

princípio da cooperação previsto na lei. O trabalho de campo permitiu

verificar que há dificuldades de articulação várias. Se, a nível local, está

previsto um conselho de comarca e um papel de coordenação por parte do

juiz presidente, a nível central, a dispersão de competências exige a

criação de uma estrutura que possa sintetizar uma maior articulação.

Conclusões e Recomendações 221

Propõe-se que se evolua no sentido de um modelo que preveja a

criação de um Conselho de Coordenação e de Planeamento de

Políticas de Administração e Gestão dos Tribunais nas várias

vertentes com a participação dos Conselhos Superiores, dos

juízes presidentes dos tribunais de comarca e do Ministério da

Justiça. A um tal conselho seria conferido um papel primordial na

execução de políticas e concertação de acções.

222 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Recomendações que visam criar capacitação gestionária ao nível do tribunal de comarca

Criação de um gabinete de apoio ao juiz presidente e ao administrador

do tribunal

A lei veio conferir importantes competências em matéria gestionária a estas

duas figuras, cujo exercício precisa de um suporte organizacional. A

densificação dessas competências, designadamente em matéria

orçamental e de gestão de recursos, exige que esse gabinete seja

dotado de recursos humanos e materiais em número e perfis

funcionais adequados.

O tribunal de comarca como unidade administrativa de referência a

nível local

A reforma dá continuidade à característica atomística da organização

interna dos tribunais, ao manter as actuais secretarias dos juízos como

unidades administrativas de referência, e não o tribunal de comarca em si

mesmo. Como mostramos no relatório, esta característica tem

consequências no âmbito dos recursos humanos, materiais, financeiros

(por exemplo, as secretarias deixam de serem titulares de contas

bancárias) e mesmo no domínio da informatização (uma vez que, apesar

de ter um servidor a nível da comarca, trata cada secretaria como se

fossem tribunais autónomos, o que leva a que diariamente haja problemas

vários na transmissão de dados) e não é compatível com os objectivos da

reforma do mapa judiciário ao condicionar o efeito de uma escala maior

que a reforma introduziu.

Recomendamos, por isso, que seja alterada esta organização

administrativa. Admite-se que essa alteração seja complexa e exija

um esforço acrescido, dada a ruptura que irá provocar com

Conclusões e Recomendações 223

conceitos e práticas de há várias décadas. Contudo,

constrangimentos vários mostram que não é possível aprofundar

os objectivos de governação integrada e de proximidade que a

reforma incorpora sem essa alteração.

A gestão dos recursos (com excepção dos magistrados) deve ser feita

ao nível do tribunal de comarca

Nesta articulação, cabe ao juiz presidente o planeamento das

necessidades. A decisão, ponderando a elasticidade dos recursos e as

necessidades das diferentes comarcas, é central. Ao nível local a decisão é

desconcentrada, sendo a gestão dos recursos (colocação, deslocação,

permuta, etc.) da exclusiva competência do juiz presidente. A supervisão,

com a obrigação de apresentação de relatórios periódicos, é reservada às

autoridades centrais ou ao Conselho de Coordenação e de Planeamento

de Políticas de Administração e Gestão dos Tribunais acima proposto.

Relativamente aos magistrados devem ser criados canais de comunicação

próprios que estreitem a articulação com o tribunal de comarca.

Atribuição de orçamento único ao tribunal

A proposta de orçamento, bem como a sua gestão e execução, devem

ter como referência o tribunal de comarca globalmente considerado, e

não cada uma das secretarias. Deve ser atribuído um orçamento único

ao tribunal. O juiz presidente, com a coadjuvação do administrador, tem

competência para a distribuição do orçamento pelas secretarias. A decisão

sobre as transferências entre rubricas ou entre secretarias deve ser

competência própria do juiz presidente, coadjuvado pelo administrador.

Este modelo deve evoluir para a centralidade administrativa das tarefas

relativas ao orçamento. Esta evolução exige a criação de uma estrutura de

apoio, não só através de recursos humanos especializados, mas também

224 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

de uma aplicação informática adequada ao controlo da execução

orçamental global.

Formação na área da gestão

A criação e densificação de competências ao nível do tribunal de comarca

exige uma atenção especial ao perfil, formação e capacitação dos vários

intervenientes com funções de direcção e coordenação. A lei prevê uma tal

formação e as futuras colocações dela devem beneficiar sempre. Esta

necessidade assume contornos especiais nos casos do juiz presidente,

dada a amplitude das suas competências, e do administrador do tribunal,

mas não só, sendo igualmente aplicável às demais funções de

coordenação. É, assim, fundamental que essa formação inclua os

escrivães de direito, considerando o papel que desempenham na chefia da

secção de processos.

Transitoriamente, deve ser definido e executado um programa de

formação específica obrigatória, envolvendo todas as matérias de

gestão (processual, de recursos humanos e materiais, financeira,

entre outras) para as pessoas que estão actualmente no exercício

de tais funções.

Conclusões e Recomendações 225

Recomendações no âmbito da gestão de recursos humanos

Os movimentos, quer para magistrados, quer para funcionários

judiciais, devem ser anuais e devem ocorrer em simultâneo

A prática, no caso dos funcionários, de mais que um concurso anual e o

facto de não ocorrerem em simultâneo com a movimentação de

magistrados tem consequências negativas na eficiência dos serviços.

Quadro e mapa de pessoal

Considerando o modelo actual de distribuição dos recursos humanos com

referência ao quadro de juízes dos juízos e ao quadro de pessoal das

secretarias, uma primeira medida é a avaliação da sua adequação tendo

em conta critérios objectivos, designadamente, os processos entrados e

pendentes dos diferentes juízos e os índices de produtividade.

A gestão dos recursos humanos pode admitir dois cenários: a) a criação de

quadros máximos e mínimos de juízes e de funcionários; b) a criação de

um mapa de funcionários para o tribunal de comarca. Note-se que a

questão dos juízes tem outros contornos, que serão abaixo desenvolvidos.

a) Funcionários Judiciais

Definição de orientações e critérios objectivos que permitam prever

as necessidades de recursos humanos nos diferentes juízos do

tribunal de comarca

Esta questão é complexa e implica o aprofundar da reflexão sobre volumes

de trabalho e conteúdos funcionais. Não obstante, é uma reflexão

fundamental. Os instrumentos que existem dizem respeito a uma realidade

226 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

organizacional que a reforma alterou profundamente. Essas linhas de

orientação são essenciais para que o juiz presidente, em conjunto com as

entidades com competências de gestão de recursos a nível central

(Conselhos e DGAJ), possa prever, não só os recursos humanos

necessários para toda a comarca, mas também para cada um dos juízos.

Deve apostar-se na produção de estudos objectivos. Contudo, a

complexidade dessa temática exige um estudo de acompanhamento que

se prolongue no tempo, admitindo-se que, num período de transição, se

façam as aproximações possíveis.

Propõe-se a criação de um grupo de trabalho que faça uma

actualização dos trabalhos produzidos sobre esta matéria

considerando as novas comarcas de modo a produzir indicadores

de referência, tendo por base o volume e a natureza da litigância,

carga horária, número e categoria dos recursos humanos.

Colocação dos funcionários judiciais no tribunal de comarca

Mostramos no relatório que existem vários constrangimentos à mobilidade

dos funcionários judiciais entre as secretarias dos juízos do tribunal. Esses

constrangimentos decorrem, no essencial, do Estatuto dos Funcionários de

Justiça, e pelo facto de se interpretar como unidade de referência de

colocação a secretaria dos juízos e não o tribunal de comarca. Uma gestão

eficiente dos recursos exige uma deslocação ágil, de acordo com critérios

de racionalidade e de necessidades de serviço. A intervenção sobre esta

matéria exige, contudo, que se encontre um adequado equilíbrio entre as

necessidades de racionalização dos recursos humanos disponíveis, direitos

adquiridos e expectativas legítimas dos funcionários aquando do ingresso

na carreira.

Conclusões e Recomendações 227

Propõe-se a alteração do Estatuto dos Funcionários de Justiça no

sentido de permitir a mobilidade geográfica de todos os

funcionários judiciais, alicerçada em critérios de necessidade de

serviço devidamente fundamentados, independentemente da sua

categoria funcional. No respeito pelo limite dos critérios de

mobilidade que se venham a definir, a unidade de referência de

colocação dos funcionários judiciais deve ser o tribunal de

comarca. As actuais regras de mobilidade estabelecidas pela lei e

jurisprudência laboral consagram direitos que não podem ser

derrogados.

Densificação das competências do juiz presidente no que respeita à

avaliação de desempenho dos funcionários judiciais

Recomendamos que se analise a possibilidade de a avaliação de todos os

funcionários passar a estar sujeita ao SIADAP. Independentemente da

evolução para um tal sistema, a afectação e a avaliação dos funcionários

devem convergir no sentido de se situarem ao nível do tribunal de comarca,

tendo como superior hierárquico o juiz presidente. No COJ seriam mantidas

as actuais competências, quanto aos funcionários judiciais, em matéria

disciplinar.

Recrutamento e colocação de outro pessoal para o exercício de

funções de natureza administrativa ou de suporte à actividade

jurisdicional a nível do tribunal de comarca

O vínculo funcional com estes quadros deve situar-se ao nível do tribunal

de comarca. O recrutamento e gestão destes recursos, em todas as suas

vertentes, deve situar-se exclusivamente ao nível do tribunal de comarca e

deve constituir competência própria do juiz presidente.

228 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

b) Juízes

Distribuição de processos

Deve abrir-se um debate informado que possa definir linhas de orientação

para o estabelecimento de regras que permitam uma maior racionalidade,

eficiência e qualidade na distribuição do trabalho dos juízes e que evitem o

recurso ao mecanismo de acumulação e permitam regras de distribuição

de processos diferenciadas e sem colocar em causa o princípio do juiz

natural. A solução pode levar à criação de critérios diferenciados para as

várias comarcas. O trabalho de campo permitiu identificar, entre os agentes

judiciais, dissensos vários quanto a possíveis soluções, que passam por

diferentes interpretações sobre os limites decorrentes do princípio do juiz

natural. A importância e complexidade da matéria exige que se inicie esse

debate.

Conclusões e Recomendações 229

Recomendações no âmbito da informatização

Diagnóstico dos níveis de segurança do sistema

A questão da segurança foi enfatizada por vários agentes entrevistados. De

modo a garantir a credibilidade do sistema e a não colocar em causa o

processo de informatização deve ser feita uma avaliação à sua

segurança tendo como referência normas aplicáveis à segurança

informática (por exemplo, ISO 27001:2005 Information Security

Management, ISO 20000:2005 IT Service Management e BS 2599:2006

Business Continuity Management).

Gap Analysis

Deve ser promovida uma análise de diagnóstico dos actuais sistemas, de

modo a identificar problemas e necessidades de expansão para comportar

mudanças na organização interna, nos métodos de trabalho ou na gestão

processual. Esta avaliação deve ser precedida da identificação de todos

utilizadores, das suas necessidades e da definição dos diferentes

perfis e níveis de acesso. A realização deste diagnóstico deve envolver

o mais possível os diferentes tipos de utilizadores.

A competência para a definição do perfil dos utilizadores e dos

níveis de acesso deve ser mantida ao nível do tribunal de comarca

concentrada no juiz presidente.

Avaliação das necessidades para o exercício de funções de gestão do

juiz presidente e do administrador

A nossa proposta é que a regra seja de pleno acesso, por parte do juiz

presidente, a toda a informação gerada nos juízos, com ressalva de

230 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

situações excepcionais, como as abrangidas pelo segredo de justiça. Deve

ser levada a cabo uma avaliação que permita definir diferentes níveis

de acesso, bem como a criação de programas específicos que

atendam às necessidades do juiz presidente e do administrador no

exercício das tarefas de gestão do tribunal.

Serviços de apoio técnico e informático

Os tribunais de comarca devem ser dotados de um serviço de apoio

técnico e informático adequado que permita, com proximidade, rapidez

e eficiência, resolver os problemas que surgem nos respectivos

serviços. O caminho da utilização crescente das novas tecnologias e da

desmaterialização dos processos em que se apostou exige essa

disponibilidade. A actual situação cria ineficiências graves no exercício das

funções, que devem rapidamente ser acauteladas.

O caminho da desmaterialização dos processos

A situação que hoje se vive, não só nas novas comarcas piloto, mas em

todos os tribunais do país é geradora de perda de eficiência e de qualidade,

de desperdícios e de insegurança. A este propósito destaca-se o facto de

existirem, em regra, dois processos a correr em paralelo, que se

complementam: um a tramitar em suporte de papel e outro a tramitar em

suporte electrónico. A gravidade desta situação exige que se defina e

execute, de imediato, um programa de acção, em especial, no âmbito

das novas comarcas piloto. Pela dinâmica que se pretende criar, devem

merecer prioridade. A não resolução atempada deste problema, além dos

efeitos acima referidos, poderá gerar um rápido retrocesso no caminho da

desmaterialização. Assim:

Conclusões e Recomendações 231

a) Devem-se definir regras que obriguem, de facto, à

desmaterialização de todos os documentos que ainda chegam ao

tribunal em suporte de papel;

b) Deve-se dotar todos os juízos de equipamentos adequados (em

número e em eficiência) que permitam suportar essa

desmaterialização;

c) Deve-se definir e executar, no âmbito de cada comarca piloto, um

adequado programa de formação que abranja todos os utilizadores,

de modo a criar competências na utilização das ferramentas

promovendo a sua utilização (por exemplo, há escrivães que não

utilizam, por dificuldade de conhecimento técnico, a ferramenta que

permite controlar os prazos dos processos);

d) Os serviços do Estado, em especial aqueles que com regularidade

se articulam com os tribunais, devem fazê-lo através de meios

telemáticos. À semelhança do que já ocorre com DGRS, devem ser

criados protocolos de articulação com os vários serviços,

designadamente, órgãos de polícia, serviços da segurança social,

serviços de perícia.

232 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Recomendações no âmbito da organização interna e dos métodos de trabalho

Como referimos no ponto 6, a heterogeneidade social, administrativa e

territorial das comarcas, influenciada por diferente volume e natureza da

procura judicial, determina que as propostas de optimização da organização

interna e dos métodos de trabalho não possam corresponder a uma solução

única a aplicar uniformemente a todas as secções. Neste campo deve existir,

sobretudo, reflexão e experimentação suficientemente consolidada que permita

produzir regras e princípios orientadores sólidos.

Daí que a primeira recomendação vá no sentido de reforçar a

utilização do período experimental para ensaiar propostas de mudança na

organização interna e nos métodos de trabalho, devidamente orientadas, de

forma identificar boas práticas que sirvam de referência para o alargamento da

reforma.

A segunda recomendação é que uma tal experimentação deve, por

um lado, ser sustentada a partir de certas variáveis (instalação dos juízos,

dispersão territorial, volume e natureza da procura, recursos humanos) e, por

outro, ser fundada nos estudos existentes e conhecimento empírico do

funcionamento quotidiano dos serviços, da divisão de tarefas e dos processos

de trabalho. O trabalho de campo produzido permite-nos avançar com algumas

propostas.

Secções de Serviço Comum

Os juízos devem organizar-se em secções de processos e, sempre

que tal se justifique, em secções de serviço comum. No actual quadro da

organização judiciária e da desmaterialização dos processos, a secretaria

perde utilidade como intermediária do fluxo entre a secção de processos e o

exterior ou outros serviços. Explicámos como a reforma do mapa e da

Conclusões e Recomendações 233

organização judiciária, apesar de elevar a escala, manteve esta situação,

fazendo corresponder, na prática, as anteriores secretarias dos tribunais às

actuais secretarias dos juízos. Esta situação é geradora de elevados

desperdícios, em especial, nos juízos que têm apenas uma ou duas secções.

Não defendemos a adopção do modelo espanhol que apresentamos neste

relatório, mas a experiência espanhola tem algumas virtualidades, em especial

a que se refere à criação de serviços comuns, que podem ser experimentadas

no nosso contexto.

O serviço comum deve ser criado onde a escala o justifique

(podendo agregar tarefas de juízos situados no mesmo edifício ou em

edifícios próximos) e deve englobar todas as tarefas susceptíveis de

serem agregadas não colocando em causa o controlo total do processo

por parte do juiz e da secção do processo onde está a tramitar. Este

serviço deve ser dirigido por um secretário ou escrivão de direito e tem

que ser dotado dos recursos humanos necessários. Propõe-se como

possíveis tarefas a agregar em serviços comuns as seguintes:

Criação de um serviço comum de atendimento e informação

Baseado num sistema informático aperfeiçoado que permita deslocar um

funcionário ou um grupo de funcionários para um front office,

concentrado no atendimento ao público mas garantindo também o

cumprimento de outras tarefas da secção a que está afectado. Assim,

elimina-se o atendimento telefónico nas secções de processos e as

interrupções causadas pelo atendimento ao público. Esta proposta exige

a redefinição e ampliação dos critérios de acesso às informações

constantes do processo electrónico. Só se deve evoluir para a criação de

serviços de informação fora da secção de processos quando os

processos estiverem totalmente informatizados. Uma condição primeira

para o funcionamento destes serviços é que os utentes não vejam

aumentadas as dificuldades de acesso à informação constante do

234 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

processo. Reside aí a importância de estes serviços serem dotados de

pessoal altamente qualificado.

Enquanto tal não for possível a prestação de atendimento ao

público, presencial ou por telefone, deve ser racionalizada na

secção ou no juízo, com mais de uma secção, com a criação de

um front office.

Criação de um serviço comum de estatísticas

Este serviço pode estar vinculado ao gabinete da presidência do tribunal

e será responsável pelo tratamento das estatísticas produzidas em todos

os juízos do tribunal de comarca com o objectivo principal de produzir

indicadores, que sirvam, designadamente, como instrumentos de

planeamento, gestão e avaliação de desempenho. Pode, ainda,

colaborar na avaliação dos sistemas informáticos.

Criação de um serviço comum para as execuções, que tramitam em

tribunais especializados, ou para a elaboração da conta dos

processos

Tratando-se de tarefas repetitivas que podem ser agregadas, a criação

de um serviço comum traria ganhos de eficiência, quer para a execução

dessas tarefas, quer para a libertação da secção de processos dessas

funções.

Criação de um gabinete do cidadão

O gabinete teria funções de esclarecimento e aproximação do cidadão

ao sistema judicial, com especial mais-valia nos processos-crime e nos

juízos de família, por exigirem maior atenção do tribunal face ao cidadão.

Também poderia ser responsável, em colaboração com a Ordem dos

Conclusões e Recomendações 235

Advogados, por prestar serviços de informação e consulta jurídica no

âmbito do apoio judiciário.

Criação de serviços comuns de registo e digitalização da

correspondência

Este serviço contribuiria para a concretização da informatização do

processo, apoiando um conjunto de juízos de acordo com o volume de

entrada de documentos. Esta medida poderá a obrigar a alterações nos

fluxos electrónicos do processo de modo a que informação possa ser

transferida directamente para o histórico e os detalhes do processo.

Secção única de processos

Esta possibilidade teria como resultado o estabelecimento de uma

gestão de equipas orientada para a execução de tarefas pré determinadas,

permitindo uma maior racionalização da distribuição e controlo do desempenho

funcional. A criação deste tipo de secção implica reflectir sobre a criação de

unidades de apoio directo aos magistrados e a sua relação com a secção

única, a necessidade de reestruturação da carreira dos funcionários judiciais

introduzindo diferentes níveis de especialização e de responsabilidade, e o

perfil e a formação do escrivão como verdadeiro gestor da secção. A

densificação do papel do escrivão deve, ainda, evoluir para o alargamento de

competências processuais não jurisdicionais.

Divisão de tarefas e métodos de trabalho.

A observação do trabalho de campo permitiu identificar os

seguintes três modelos ideais de divisão de tarefas nas secções de

236 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

processo (sendo possível que em todos eles se distribuam tarefas

específicas por determinados funcionários):

Modelo A. Distribuição aleatória de processos (em regra por número).

Trata-se de um modelo com baixo nível de especialização, mas que

permite um conhecimento generalista de todos os actos do processo por

parte de todos os funcionários, bem como um conhecimento

aprofundado do processo pelo funcionário responsável.

Modelo B. Distribuição por tipo de acção. Este modelo também permite

um conhecimento aprofundado do processo, garantindo ainda a

especialização dos funcionários em determinadas matérias. A sua

desvantagem reside na baixa mobilidade funcional, dado o grau de

especialização que incorpora.

Modelo C. Distribuição por tarefas. É um modelo que também potencia

maior especialização, mas admite baixa mobilidade funcional e não

permite o conhecimento do processo na íntegra por parte de um

funcionário.

Nos juízos observados, não foi possível identificar um modelo que

indiciasse maior ou menor eficiência na execução das tarefas e na tramitação

dos processos. A variável de influência, que nos pareceu mais constante,

relaciona-se com o perfil do escrivão de direito. O que reforça o nosso

argumento da inexistência de uma solução geral de eficiência nos métodos de

trabalho que possa ser adoptada de forma homogénea. A melhor adequação

deve ser encontrada ao nível do juízo, tendo em conta determinadas

características, por exemplo, a massificação ou a complexidade das acções

prevalecentes, mas também o perfil dos funcionários, entre outras variáveis.

Para tal, o escrivão que chefia a secção desempenha um papel fundamental.

Conclusões e Recomendações 237

Esta constatação não significa, muito pelo contrário, que não se deva

desenvolver processos de experimentação que incentivem boas práticas, o

que, por sua vez, contribui para a criação de linhas orientadoras.

A nossa proposta é que haja uma aposta forte, nas três comarcas

piloto, na experimentação devidamente informada e monitorizada.

Esta experimentação deve ser associada a um forte investimento na

formação dos lugares de chefia e na produção de indicadores e de

conhecimento associados ao processo de monitorização.

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8

240 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

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244 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

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ANEXO

9

SEMINÁRIO “PARA UM NOVO JUDICIÁRIO:

TRANSFORMAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO INTERNA E

NOS MÉTODOS DE TRABALHO DOS TRIBUNAIS”99

CES, 8 de Janeiro de 2010

PROGRAMA

14h | Sessão de abertura

Boaventura de Sousa Santos, Director do Centro de Estudos Sociais e do Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa

João Correia, Secretário de Estado da Justiça

14h15 | A nova oficina judicial em Espanha

Ignacio Colomer, Professor de direito processual (Universidade Pablo Olavide - Sevilha)

Luis Martín Contreras, Secretario de Gobierno de la Audiencia Nacional

Organização interna e funcionamento dos tribunais em Portugal

Conceição Gomes, Directora Executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa

16h30 | Comentários

Ana Azeredo Coelho, Juíza Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste

José Morais, Especialista em Controlo de Gestão e Engenharia de Qualidade

Maria João Santos, Juíza Presidente da Comarca Alentejo Litoral

Margarida Mano, Professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Paulo Brandão, Juiz Presidente da Comarca Baixo Vouga

99 Dado o carácter público da sessão e a importância dos temas em discussão, optámos por

incluir neste anexo a transcrição do seminário. Contudo, como não foi possível obter, em tempo, resposta de todos os intervenientes, optámos pelo seu anonimato, identificando-os com um código atribuído aleatoriamente.

250 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Sessão de abertura

S1

Muito boa tarde a todos. Passaria a palavra

(…) dando logo de seguida início aos

nossos trabalhos.

S2

Boa tarde senhor Secretário de Estado,

senhor Presidente do Supremo Tribunal

Administrativo, senhores Presidentes dos

Tribunais da Relação, Senhores

procuradores-gerais adjuntos, senhores

magistrados, senhores funcionários

judiciais, minhas senhoras e meus

senhores. É um prazer imenso estar aqui

nesta sessão e dar-vos as boas vindas. É

digno de registo que, mais uma vez,

estamos num evento desta natureza,

organizado por aquele que, dentro do

Centro de Estudos Sociais é seguramente

um dos seus núcleos mais dinâmicos e

inovadores - o Observatório Permanente da

Justiça Portuguesa (OPJ) - pela

capacidade de abertura que tem em

trabalhar com os diferentes ramos e

sectores da justiça, indo ao seu encontro e

trazê-los aqui para debater questões que

são de relevante interesse para o país.

É com um enorme gosto que estamos aqui

e cabe-me, por isso, registar a satisfação

que é para nós a vossa presença,

sobretudo por conseguir a atenção de um

tão variado número de interesses que aqui

estão representados. Por outro lado,

gostaria de sublinhar o trabalho do OPJ,

que é também o reflexo do nosso trabalho

e da nossa disponibilidade em trabalhar

com as diferentes profissões na área da

justiça, em relação às quais estamos muito

interessados e muito abertos, sobretudo no

que toca ao seu desenvolvimento.

Portanto, estou seguro que este Seminário

contribuirá para desenvolver uma reflexão

em que todos nós temos interesse, em

partilhar experiências de forma a sairmos

daqui com bases para trabalhos futuros.

Nestas breves palavras introdutórias são

estes os votos que gostaria de desejar,

estando certo que este Seminário vai ser

produtivo para todos

S3

Muito obrigado pelo convite. Serei breve.

Aos membros da mesa, os meus

cumprimentos. senhores magistrados –

está aqui a representação de mais alto

nível do Supremo Tribunal Administrativo,

está o senhor presidente da Relação de

Coimbra, está o senhor procurador-geral

distrital, estão colegas meus, estão

funcionários, dirigentes sindicais e

representantes da Ordem dos Advogados.

Isto é uma sessão de trabalho, e como tal

penso que convém que estes discursos

protocolares tenham o mínimo de duração

possível. De qualquer forma, gostaria de

salientar que, como sessão de trabalho,

para nós é absolutamente essencial que

estas sessões sejam muito profícuas.

Ainda há pouco eu comentava que estou

com muita avidez, não em termos

pessoais, mas em termos funcionais, sobre

o resultado destas avaliações.

Nós estamos todos nessa orientação, e eu

sei que o Observatório também o está,

numa perspectiva de avaliação, e tudo o

que se vai fazer, há-de ser ponderado, em

primeira mão, por via das avaliações que

estão a ser feitas; e em segunda mão,

Anexo 251

partilhando responsabilidades com todos

os intervenientes processuais e todos os

responsáveis pela justiça. Isto é, para nós,

(…), terminou a época, ou ela não

começará – talvez seja melhor assim dizer

– em que, numa perspectiva iluminista

cada um de nós pensa pela sua própria

cabeça. Penso que a partilha de

responsabilidades entre magistrados,

advogados e funcionários deve ser

assumida com vista a resolver os

problemas dos cidadãos e das empresas. E

é nessa perspectiva que é essencial para

nós que estas reflexões se façam e que

tenham bons resultados. E posso-vos

garantir que elas serão tomadas em muito

boa consideração pelo Ministério da Justiça

(…) com todo o respeito pela actividade de

cada um dos sectores, pelos titulares dos

órgãos de soberania que são os juízes,

pelo Ministério Público, cuja autonomia tem

que ser reforçada através da

responsabilidade pelas suas próprias

funções e, acima de tudo, por uma

advocacia viva, actuante e com respeito

por todos, bem como por funcionários

responsabilizados, mas também altamente

mobilizados para a sua própria função.

Aliás, tivemos há dias uma reunião com o

Sindicato dos Funcionários Judiciais, em

que foi extremamente agradável verificar

como eles são extremamente exigentes

consigo próprios e com a sua própria

função.

Como tal, penso que estamos no bom

caminho, estamos no caminho da

avaliação, das ponderações e das reformas

feitas a dois tempos. A um tempo, através

das medidas que se comummente

tomaram e identificaram como medidas

cirúrgicas, mas depois as medidas de

ponderação há-de ser feitas a seu tempo –

essas têm a ver com uma estratégia da

justiça para os próximos cinco, dez, quinze

anos e não devem ser feitas de forma

irreflectida.

Quem já conhece bem a justiça como eu, já

sabe quais são os seus vícios e as suas

bondades, quais são as suas debilidades e

as suas forças, as suas fraquezas e as

suas potencialidades e sabe bem que

temos bons profissionais, mas também

sabe que a organização não permite que a

sua bondade e eficácia se repercuta

também na imagem da justiça.

Nessa medida, é esse o esforço que

estamos a fazer, ou o fazemos de forma

partilhada ou então não vale a pena pensar

que, repito, de forma iluminista, nós

alcancemos algum resultado.

Volto a agradecer a presença de todos vós

aqui, e garanto-vos que ficamos

avidamente à espera de uma boa

ponderação desta avaliação que está a ser

feita por nós e pelos nossos colegas

espanhóis que parece estarem um pouco

mais adiantados nesta ponderação das

secretarias judiciais e, portanto, estamos

com muita vontade de aprender com a

vossa experiência e conhecer os vossos

resultados, porque de facto poderemos

também colher alguns frutos da experiência

espanhola.

Muito obrigado a todos.

252 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

I A nova secretaria judicial em Espanha

S4

Boa tarde a todos. Antes de mais, gostaria

de vos pedir desculpa por não falar em

português. Gostaria muito de o fazer, mas

tal não me é possível. Todavia, espero em

breve poder conseguir ter mais contactos

com Portugal e suas instituições jurídicas

para poder avançar no conhecimento da

vossa língua.

Em segundo lugar, quero agradecer à

Universidade de Coimbra, ao Centro de

Estudos Sociais e ao Observatório

Permanente da Justiça, especialmente a

S1, pelo convite para participar neste

evento/ encontro, podendo assim partilhar

algumas reflexões a respeito do processo

de implementação da nova secretaria

judicial em Espanha.

Para distribuir a temática, S5 vai ocupar-se

de questões mais orgânicas, isto é, de

como se está a desenhar a nova secretaria

judicial do ponto de vista orgânico. Quanto

a mim, irei partilhar alguns dos problemas

com os quais nos temos vindo a deparar ao

longo do processo de implementação da

nova secretaria judicial. Por essa razão,

falarei eu em primeiro lugar.

Advirto para o facto de padecer de um

certo vício de formação, dado que sou

professor de direito processual. O que

significa que, apesar de convosco partilhar

a experiência que adquiri no ministério da

justiça, como assessor do senhor

secretário de estado no início do processo

de reforma em 2003 (tal como S5),

provavelmente nestas questões acabarei

por dar mais importância aos problemas

que se colocam do ponto de vista da

tramitação processual.

Isto porque em Espanha os problemas

surgiram porque tivemos que associar as

reformas orgânicas às reformas

processuais, das leis processuais.

Tínhamos leis processuais que não

permitiam a implementação de uma

secretaria judicial para o século XXI,

possibilitando assim uma tramitação

processual célere.

E a primeira questão é a questão da

oralidade. Até à reforma da lei processual

civil, do ano 2000, o processo civil era

totalmente escrito. O que não se

coadunava bem com um desenho de

secretaria como o que vos iremos mostrar,

no qual se distribuem as tarefas de forma

mais eficiente.

O mesmo ocorria com a lei processual

administrativa, que se modificou no ano de

1998. Já a lei processual laboral foi a

primeira a ser alterada nesse sentido. A lei

processual que resta reformar, da qual

existem já dois projectos de lei, é a lei

processual penal. É a que levanta maiores

dificuldades de momento, dado que se

pretende reformar profundamente a fase de

investigação, para instaurar um sistema de

investigação por parte do Ministério

Público, e não por parte de um juiz de

instrução, como actualmente.

Neste contexto de reformas processuais,

tiveram de ser feitas uma série de

modificações no ordenamento jurídico para

implementar a nova secretaria judicial. E

uma das questões fundamentais tem,

efectivamente, sido a relação entre os

magistrados e os secretários judiciais. Os

secretários judiciais são licenciados em

Direito que são os encarregados, no

desenho clássico da secretaria judicial, de

todo o controlo e gestão da secretaria

Anexo 253

judicial. Teoricamente, eram os directores

da secretaria, os encarregados de conferir

fé pública a actuação judicial. Não

obstante, não possuíam nenhum tipo de

competências resolutórias, não podendo

resolver nenhuma questão que pudesse

afectar a tramitação do processo,

limitavam-se simplesmente a prestar

contas ao juiz, para que esse pudesse

tomar a decisão correspondente.

No ano de 2003, foi aprovada a reforma da

Lei Orgânica do Poder Judicial, pela qual

se introduziram muitas e profundas

alterações. Nomeadamente, alterações no

sentido de atribuir mais competências aos

secretários. Por exemplo, numa matéria

que até então era da exclusividade dos

magistrados: a execução das sentenças

cíveis. O que, claro, obrigou a modificar as

normas processuais, para permitir que o

secretário pudesse desempenhar essa

função.

Não houve mais alterações legislativas até

ao passado dia 4 de Novembro, data em

que se aprovou uma lei de reforma de

todas as leis processuais, permitindo assim

a implementação da nova secretaria

judicial. Essa lei veio, basicamente,

estabelecer quais são as competências que

passam a ser atribuídas ao secretário para

facilitar a tramitação processual. No

entanto, esta lei está a gerar um aceso

debate em Espanha, especialmente entre

juízes e os defensores da reforma da

secretaria judicial. Isto porque há muitos

juízes que defendem que o facto de lhes

serem retiradas certas competências vem

afectar o próprio exercício das suas

funções, funções essas que não podem, a

seu ver, ser concedidas a nenhum outro

órgão ou funcionário da administração da

justiça que não o juiz.

Por exemplo, a respeito da admissão da

petição inicial surgiram enormes

problemas. Aqueles que estão contra a

reforma entendem que tal acto tem

natureza jurisdicional: só quando a petição

inicial é admitida pelo juiz tem início o

processo, e se o juiz não admite a petição

inicial, o processo não nasce. Esta será,

efectivamente, a verdade até à entrada em

vigor da reforma. Inclusivamente, foi

também dito que esta transmissão de

competências afectava o direito à tutela

jurisdicional, constitucionalmente

consagrado no art. 24.º, da Constituição

Espanhola. Pois que, se é um secretário

judicial quem decide se uma acção tem

início ou não, um caso em que este não

admita uma petição inicial, haverá

denegação do direito a uma tutela

jurisdicional efectiva.

Em suma e em conclusão, este debate

prolongou-se por todo o processo

legislativo. Notem que o projecto não foi

aprovado durante a legislatura anterior,

nomeadamente, pelo conselho de

ministros, em 2004, por não haver

consenso a este respeito. O projecto de lei

esteve quase 5 anos no parlamento e foi

sendo corrigido para aproximar as partes

em dissenso.

Acabou por ser aprovado um sistema

misto, distinguindo-se o que é actividade

exclusivamente jurisdicional dos juízes e o

que é actividade de gestão processual, que

pode ser da competência dos secretários

judiciais. Assim, a nova lei estabelece que

actos cabem a um e a outro.

Por exemplo, em relação a uma das

questões complicadas, o da admissão da

petição inicial, entendeu-se que o

secretário é competente para a admitir,

mas já não para recusar a sua entrada. No

caso de o secretário entender não a

admitir, digamos, por falta de algum

requisito, terá de ser o juiz a decidir se esta

é efectivamente admitida ou não.

Esta questão, que poderá parecer

meramente académica, tal como vos

exemplificará S5, gera resultados

assombrosos em termos de economia de

tempo e de dinheiro.

254 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

A diferença de custos entre a decisão por

parte de um secretário judicial e por parte

de um juiz é assombrosa, da ordem dos

50%. Claro que se trata de decisões que

não são decisões de fundo, têm um

carácter jurisdicional mais reduzido.

Este que vos acabei de relatar foi uma dos

principais problemas com que nos

deparámos. A lei que foi aprovada em

Novembro tem um período de vacatio legis

até Maio, e estão a ser estudadas todas as

implicações para que a transição seja o

menos traumática possível, porque

seguramente que a sua aplicação levantará

muitos problemas.

Em segundo lugar, o secretário judicial era

uma figura que estava subaproveitada, pelo

que lhe foram atribuídas uma série de

competências adicionais, que até agora

pertenciam ao juiz. Uma dessas

competências, por exemplo, era a

marcação das audiências. Até agora, a

marcação era feita pelo juiz, o qual

organizava a sua própria agenda, muitas

vezes em função da sua disponibilidade.

Este foi o motivo por detrás da única greve

de juízes que já teve lugar em Espanha.

Estes não estavam de acordo em que

fosse um secretário judicial a gerir a

agenda. Vemos assim como uma questão

que poderia parecer um problema de

implementação do novo modelo de

secretaria judicial, afinal, do ponto de vista

social, surge como um problema de status

de uma profissão.

Para que vejam outro exemplo muito

similar, o Ministério Público (ficalía), em

Espanha, só existe nas capitais das

províncias, mas existem tribunais de

instrução em pequenas vilas. Pelo que se

decidiu tentar colocar Ministério Público

nesses tribunais, por meio de

destacamentos instalados em cada duas

ou três vilas. Ora, não foi possível criar

nenhum destacamento, pois não houve

fiscales a deslocar-se para esses locais.

Assim, quando se realiza um julgamento na

capital de província, o Ministério Público

está presente. No entanto, se a diligência

tem lugar no tribunal de instrução de uma

vila, poderá acontecer que não esteja

presente. Este é um mero exemplo para

vos demonstrar como, muitas vezes, na

justiça as questões são questões de status

dos corpos profissionais.

Outro dos aspectos relativos à

implementação da nova secretaria judicial

diz respeito à inovação tecnológica ao

serviço da administração da justiça. A

respeito da qual, aliás, Portugal e Espanha

se encontram mais ou menos a par.

Há pouco, alguém comentava que os

colegas espanhóis não necessitavam de

relatar parte da sua experiência.

Efectivamente, porque a nossa experiência

neste campo é muito similar à vossa, no

sentido de que a introdução dos

mecanismos de justiça electrónica, como

notificações electrónicas e afins é muito

recente. A sua implementação foi aprovada

há dois anos e meio, três anos e meio. Mas

como hoje nos indicará S5, apenas nos

territórios da competência exclusiva do

Ministério da Justiça. Isto porque um dos

grandes problemas que existe em Espanha

diz respeito à existência de comunidades

autónomas com competências próprias em

sede de administração da justiça.

Para que tenham ideia, em Espanha não

existe coordenação na distribuição de

competências em sede de administração

da justiça, o que por vezes causa situações

de verdadeira ingovernabilidade. De um

lado, temos os juízes, que evidentemente

estão submetidos ao poder judicial. Até

aqui não há nenhum problema. Mas, no

outro lado, temos os secretários judiciais,

que dependem do Ministério da Justiça, em

todo o território espanhol, incluindo

comunidades autónomas. E, por fim, temos

os funcionários judiciais, que dependem

das próprias comunidades autónomas.

Por exemplo, o País Basco tem o seu

Anexo 255

próprio sistema informático de tramitação

processual. Esse sistema não é compatível

com o sistema informático do Ministério da

Justiça, nem com o da Andaluzia, de

Sevilha, da Catalunha ou de Barcelona. A

consequência está em que, sempre que se

quer pedir o envio de dados de um

processo, por exemplo, a correr termos

num tribunal de Bilbao para um tribunal de

Madrid, tal não é possível. Tudo isto são

problemas com os quais nos deparamos ao

procurar aplicar um sistema informático à

administração da justiça, o que pareceria

lógico e normal em pleno século XXI.

Temos uma lei, que criou um sistema

chamado LEXNET, para todas as

notificações de actos processuais, mas que

funciona apenas nos territórios da

competência do Ministério da Justiça,

porque depois temos as comunidades

autónomas, nas quais é necessário haver

lugar a investimentos adicionais para obviar

os problemas informáticos e implementar

sistemas que permita suportar a aplicação

informática do Ministério da Justiça.

A acrescer a estes problemas informáticos,

há outra questão que também gostaria que

fosse ressaltada, de forma a podermos

fazer uma análise realista da

implementação da nova secretaria judicial.

È uma questão de ordem económica, ou

seja, relativa ao financiamento.

O governo de Espanha abriu uma porta

clara à modernização da secretaria judicial,

à substituição do modelo por um muito

mais eficiente. No entanto, depois não

existem fundos suficientes disponíveis para

levar a cabo a reforma. Não diria que são

inexistentes, mas quase. Ou seja,

pretende-se realizar uma mudança radical,

mas sem existirem os fundos necessários á

efectivação da mesma.

Chegamos assim à conclusão de que ainda

há um longo caminho a percorrer para

podermos ter uma secretaria judicial digna

do século XXI em Espanha. E o percurso

deve começar imediatamente. A vacatio

legis das leis reformistas que aprovámos

termina em Maio. Nessa altura, já

deveríamos ser capazes de implementar o

modelo que em seguida vos daremos a

conhecer.

Acrescendo a todos os problemas que vos

expus, temos o facto de que o sistema

judicial, incluindo o próprio Ministério, é, por

tradição, muito reticente perante a

mudança. O que vem, realmente, colocar

muitos problemas na implementação de

reformas.

Uma vez mais, para que tenham uma ideia

mais clara, apresento-vos um exemplo. Em

2004, foram criados os tribunais de

violência contra a mulher, competentes

para lidar com todas as questões

relacionadas com a violência sobre

mulheres. Estes tribunais, que existem em

Madrid e nas grandes capitais de província,

têm competência exclusiva em tais

matérias. Ora, sabendo-se que muitos

actos de violência sobre mulheres têm

lugar durante a noite e aos fins-de-semana,

numa cidade como Madrid, a partir das 16h

de sexta-feira e durante todo o fim-de-

semana, não há ninguém no tribunal de

violência contra a mulher, porque não há

dinheiro para pagar a guardas,

funcionários, juízes e secretários. A

consequência é que a polícia, nesses

casos, recorre ao tribunal de instrução

criminal de turno, que decreta as medidas

que tomar por convenientes, com validade

até segunda-feira de manhã, altura em que

a competência transita para o tribunal de

violência contra a mulher.

No entanto, termino dizendo que sim, o

contexto é problemático, mas sem

pessimismos excessivos, porque a pouco e

pouco as coisas vão mudando e acabamos

por avançar. Muito Obrigado.

S5

Em primeiro lugar, quero agradecer ao

256 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Observatório Permanente da Justiça

Portuguesa, à Universidade de Coimbra e

ao Centro de Estudos Sociais, em

particular, à Dra. Conceição Gomes e à sua

equipa, por nos ter oferecido a

oportunidade de compartilhar os nossos

saberes e experiências.

Foi-me proposto falar sobre o plano de

implementação da nova secretaria judicial

em Espanha. Neste século de siglas – e

espero que me entendam – verão que não

há mais do que siglas. Mas não se

preocupem que vou explicar o conteúdo ou

o significado de todas as siglas.

Esta seria a representação gráfica do ponto

de chegada. Em Espanha este seria o

ponto de chegada de acordo com a nova

secretaria judicial. Eu continuo a pensar

que este é um ponto intermédio e não um

ponto de chegada, porque – e é unânime

(…)– há uma grande desordem na

organização judiciária espanhola: de algum

modo, temos uma organização herdada da

unificação dos foros, levada a cabo no

século XVIII e, de alguma maneira,

continuamos a manter aquela estrutura,

que agora pretendemos dinamizar.

Possivelmente, pensaram em mim para vos

falar deste novo projecto,

fundamentalmente porque estou a

participar nele desde 1986, no contexto da

publicação da nova lei orgânica do poder

judicial do período democrático.

Começámos os trabalhos precisamente

atribuindo uma nova denominação – de

secretaria judicial para oficina judicial (em

castelhano) –, passando, assim, de uma

secretaria à frente da qual estaria uma

pessoa – o secretário – que seria o titular e

que se encarregaria, inclusivamente, dos

pagamentos aos funcionários que

prestavam serviço naquele espaço, para

um espaço que responde às necessidades

do direito processual.

Pois bem, o ponto de partida é o que temos

em curso: uma organização de espaços

estanques, independentes, aquilo que, nas

reminiscências históricas em Espanha

podíamos chamar de reinos de tarifas,

onde se concentram um grande número de

órgãos jurisdicionais, cada um funcionando

à sua maneira, utilizando metodologias

diferentes e obtendo resultados obviamente

também distintos.

De maneira que, numa concentração de

órgãos jurisdicionais, como por exemplo

em Madrid, num edifício, onde podem

concentrar-se cerca de 80 a 90 órgãos

jurisdicionais, de uma mesma ordem

jurisdicional, podemos deparar-nos com

secções que têm resultados razoavelmente

bons, com prazos razoáveis. Por exemplo,

num processo denominado de reclamação

de quantidade, se correr termos num

determinado órgão jurisdional, em 1.ª

instância, termina num prazo não superior

a 150-200 dias; e, se correr termos num

outro órgão jurisdicional a funcionar no

mesmo edifício, pode arrastar-se no tempo

por 2 ou 3 anos. Aparentemente, nesta

organização, isso não teria muita

justificação, mas só aparentemente. Na

prática, esta situação verifica-se

frequentemente.

Mas gostaria de vos mostrar um pouco da

evolução desde 1966, data a partir da qual

se começou a analisar esta situação. Este

diapositivo mostra quanto gastam os

nossos países vizinhos e quanto nós

gostamos. Verão, por um lado, a

percentagem do PIB, e na continuação da

coluna seguinte, o gasto público, em

percentagem, e na terceira o gasto por

habitante. Nos nossos casos concretos,

tanto Espanha como Portugal, encontramo-

nos abaixo da média mas não muito

afastados.

Qual é a ratio de número de juízes por

cada 100 mil habitantes? À cabeça temos a

Alemanha com 28 juízes por cada 100 mil

habitantes. Em Espanha e França, são

casos que, na ratio, poderiam estar abaixo

da média, existe uma relação dentro do

Anexo 257

que poderia ser um quadro razoável para

ter uma justiça seguramente melhor.

As estatísticas levadas a cabo pelo

Conselho Geral do Poder Judicial denotam

uma insatisfação crescente, ao ponto de

chegar a uma situação de cepticismo

perante a administração. Não existe

qualquer tipo de controlo parlamentar. O

qual parece razoável, enquanto exercício

do poder jurisdicional. Ou seja, existe um

sistema que permite gerir e controlar os

recursos. Por outro lado, também seria

razoável que, no âmbito daquilo que é a

administração do poder judicial, existisse

um controlo parlamentar. Mas não existe.

Neste momento, e apesar dos vários

intentos para conseguir algum tipo de

controlo, o certo é que até agora isso

sempre se revelou impossível. O mais que

se conseguiu foi, através da lei de orgânica

do poder judicial, o preceito de que o

presidente do Conselho Geral do Poder

Judicial possa apresentar-se à Comissão

Mista Congresso-Senado para apresentar o

relatório de actividades do ano anterior.

O segundo ponto a ter em conta é o

seguinte: os cidadãos sentem-se afastados

da administração da justiça. Não participam

em nada daquilo que é a tomada de

decisões, no âmbito do governo da justiça.

Estão totalmente afastados. Isso provoca

uma insatisfação, de maneira que a

administração da justiça, em geral, se situa

nos últimos lugares na opinião dos

cidadãos. Os cidadãos continuam a

considerar que a classe judicial se mantém

num pedestal, ou seja, que se mantém no

pedestal organizativo em que foi colocada

na época pré-constitucional, pré-

democrática.

A estes dados sociológicos, acrescentamos

os custos. Que diferença há nos custos?

Temos aqui exemplificados os dados desde

1999 até 2008. Por exemplo, em 2008 as

decisões que puseram fim a processos

judiciais em Espanha, custaram 8.649.663

€. Deste valor, 1.529.476 € correspondem

a sentenças, ou seja, decisões típicas e

que se manterão na competência exclusiva

dos magistrados. Pelo contrário, mais do

dobro daquelas decisões correspondem a

outro tipo de resoluções que também põe

fim ao procedimento, mas que deixarão de

estar nas mãos dos juízes. Portanto,

passarão a ser ditadas, na sua maioria, por

secretários judiciais.

Qual é o custo de umas e outras?

Enquanto as sentenças supõem um custo

de 2.112 € por cada, o custo de uma

resolução que ponha fim a um processo

não ditada por juiz desceria

consideravelmente, para 371 €. A diferença

é notável. Estes são dados que vou

aportando e pretendo deixá-los expostos

para que para que no debate os possamos

discutir e concretizar um pouco mais.

Relativamente à organização do poder

judicial na Constituição Espanhola de 1978,

o que encontramos? Encontramos o

seguinte, um sistema duplo. Em primeiro

lugar, no artigo 117.º, n.º 1, a Constituição

estabelece que a administração da justiça é

exercida pelos juízes. Ou seja, quem a

administra? Os juízes. Mas continuando

nesse mesmo artigo 117.º, mas no n.º 3, no

momento de se definir o que é o poder

jurisdicional, já se amplia o espectro. Não

apenas quem a administra mas sobre

quem se exerce. O artigo 117.º, n.º 3,

estabelece que esta função jurisdicional –

julgar e executar as decisões judiciais – já

não corresponde aos juízes de per si, antes

corresponde, de forma exclusiva, não a

uma corporação, mas sim aos órgãos

jurisdicionais. Aliás, de um ponto de vista

processual, penso que é unânime o

reconhecimento de que o poder judicial

ostenta, participa, necessita de um poder

específico, próprio, que é a documentação

e afé pública judicial. Que não pertence aos

juízes, mas sim aos secretários judiciais.

Daqui se conclui que os detractores desta

reforma provavelmente ignoram este n.º 3,

do art. 117.º, da Constituição.

258 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Neste contexto de evolução legislativa, a

primeira Lei Orgânica do Conselho Geral

do Poder Judicial optou por um modelo

generalista. De modo que o Conselho

Geral do Poder Judicial, dentro da linha

que se estabelece no art. 122.º, da

Constituição, constitui-se como um órgão

de governo do poder judicial. De forma

generalista, assume competências sobre

todo o pessoal da administração da justiça:

juízes, secretários judiciais e funcionários

judiciais.

Pelo contrário, a Lei Orgânica do Poder

Judicial de 1965 optou por um modelo

corporativo. De maneira que o Conselho

Geral do Poder Judicial se desprende das

competências do secretário e restantes

funcionários. Que passam a estar sob a

alçada do Ministério da Justiça e,

posteriormente, das Comunidades

Autónomas.

Quanto à organização administrativa em

Espanha, ela resulta da confluência de três

administrações, todas elas importantes.

Isto é, não podemos pensar, em algum

momento, que a administração geral do

Estado está acima da administração das

Comunidades Autónomas, mas apenas que

são administrações que confluem e cuja

diferença reside nas competências que

assumem. De maneira que, a

administração do Estado tem competências

legislativas, mas as Comunidades

Autónomas também as têm, embora

ditando leis de âmbito diferente. Esta é a

situação administrativa em Espanha: três

administrações diferentes que confluem

com um equivalente na organização da

administração da justiça. Assim, em

equivalência à administração geral do

Estado estariam os órgãos centrais:

Tribunal Supremo e Audiência Nacional.

Em equivalência às Comunidades

Autónomas, estariam: os Tribunais

Superiores de Justiça. Em equivalência aos

órgãos da administração local, províncias e

municípios, estariam: as Audiências

Provinciais e os tribunais de primeira

instância.

No que toca aos antecedentes do novo

modelo, encontramos o primeiro na Lei

Orgânica do Poder Judicial de 1965. Pela

primeira vez alterou-se num normativo a

terminologia, em espanhol, de secretaria,

para oficina (em castelhano). Isto causou,

sobretudo inicialmente, no âmbito

processual, e dentro das universidades, um

certo alarme inicial, pois pensou-se na

possibilidade de se voltar a uma

napoleonização do Estado, em que o poder

executivo absorve poderes próprios do

poder judicial. Esta terminologia não é

minha, mas do Professor Juan Montero

Aroca, que alerta para essa possibilidade.

Pois bem, foram feitos os primeiros estudos

a partir de 1965. Em concreto, em 1966, já

se falava de novas denominações. Não se

falava então de serviços comuns, mas de

micro ou macro secretarias. Outro lado a

ter em conta é a reunião do Conselho de

Ministros de Justiça, do Conselho da

Europa, de 12 de Dezembro de 1986, em

que se recomendou a todos os Estados-

membros a descodificação de tudo aquilo

que pudesse ter algum tipo de referência

administrativa.

Em Espanha, concretamente em 1969, no

seio da Comissão Geral de Codificação

criou-se um grupo específico para o estudo

e análise desta nova organização. Tive o

prazer de participar neste grupo de trabalho

durante mais de um ano.

Por último, outro ponto a ter em conta,

ainda do ponto de vista terminológico, é a

sentença n.º 56.969. do Tribunal

Constitucional Espanhol, que estabeleceu e

introduziu um termo novo: administração da

administração da justiça. De forma que,

segundo esta terminologia, tudo aquilo que

não cabe no núcleo duro e específico do

que é a justiça, pode ser excluído.

Quais são os preferentes imediatos no que

toca à implementação deste modelo em

Espanha? Em primeiro lugar, a reunião das

Anexo 259

três administrações confluentes na

administração da justiça, a Reunião das

Canárias do ano 2001. E falo em

administrações no plural, porque me refiro

à administração judicial, ao Ministério da

Justiça e às oito comunidades autónomas

que então teriam competências em matéria

de justiça.

Pouco depois desta reunião das Canárias,

produziu-se o Pacto do Estado para a

Justiça, no mesmo ano de 2001, subscrito

pelos dois principais grupos parlamentares

e donde se destacava, fundamentalmente,

uma declaração de intenções que nunca foi

concretamente plasmada no Orçamento de

Estado, mas que indicava uma previsão de

200 mil milhões de pesetas, num período

de execução de 5 anos. Sublinho que tal

montante nunca teve reflexos o Orçamento

de Estado, o que foi uma das causas pelas

quais um dos partidos políticos (o que está

actualmente no governo, aliás) decidiu

romper com aquele pacto.

O terceiro dos antecedentes imediatos

desta Lei Orgânica, a que S4 já havia

aludido, é a Lei Orgânica de 2003, que

modifica a Lei Orgânica do Poder Judicial

de 1985. Veio criar um marco estatutário

novo, adequado à implementação do novo

modelo de secretaria judicial. Pela primeira

vez se define, aliás, o conceito de

secretaria judicial, que se estabelece num

sistema unitário, senão a possibilidade de

criar diferentes modelos, prevendo-se

também, pela primeira vez, a participação

das Comunidades Autónomas.

Com estes dados que temos, que

necessidades teríamos quanto aos

aspectos orgânicos? Evidentemente, passa

a configurar-se uma nova carreira de

secretário judicial, mantendo as mesmas

estruturas mas criando um sistema

piramidal similar ao do Ministério Público, o

qual era desconhecido, até agora, na

administração da justiça. Este sistema

piramidal conflui no Ministério da Justiça,

que continua a manter a independência

orgânica dos secretários judiciais em todo o

território nacional.

Nessa organização piramidal, temos, num

lugar intermédio, os secretários

coordenadores provinciais, que estão à

frente da organização a nível provincial, e

por último os secretários judiciais.

Em termos de espaços, em primeiro lugar,

a reforma de 2003 estabelece uma

estrutura básica de organização da nova

secretaria judicial, em que ao mesmo

tempo inclui um desenho flexível, mas

homogéneo – o que, como veremos, é

bastante contraditório.

Qual é a conclusão a que chegamos? Nas

cores que mostrámos a princípio, tínhamos

círculos azuis com a sigla UPAD – Unidade

Processual de Apoio Directo. Este espaço

é herdeiro directo dos juízos tradicionais, é

o espaço natural dos juízes. Onde

exercerão eles a sua função jurisdicional.

Com um número muito reduzido de

funcionários, e com um secretário que

exercerá a fé pública judicial, de forma

partilhada com outras Unidades

Processuais de Apoio Directo. Quem está

encarregado da criação, estabelecimento e

integração das Unidades Processuais de

Apoio Directo? É uma competência

exclusiva do Ministério da Justiça. É o

Ministério quem estabelece quantos

secretários haverá, quantas unidades

processuais servirão um secretário, e o

número certo de funcionários adstitos a

esse serviço.

Na segunda parte temos os SCOP

Corresponde à zona central o organograma

que vos apresento. É um serviço que

presta serviços a uma ou várias Unidades

Processuais de Apoio Directo. É o espaço

natural do secretário judicial, onde dão

entrada as petições iniciais, onde serão

tramitadas as acções e de onde estas

sairão, uma vez finalizadas, para as

Unidades Processuais de Apoio Directo,

para que o juiz decida.

260 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

A alocação de recursos humanos aos

Serviços Comuns de Ordenação do

Processo cabe às Comunidades

Autónomas, ou ao Ministério da Justiça,

caso aquelas tenham transferido para ele

as competências, o que acontece

actualmente em onze das dezassete

Comunidades Autónomas com

competência na área. Ao Ministério da

Justiça corresponde não só a criação dos

Serviços Comuns de Ordenação do

Processo, como a definição dos serviços

que estes prestam, para os quais não há

um catálogo fechado. À frente dos SCOP

está sempre um secretário judicial, e por

sua vez pode ter subunidades, que podem

ser encabeçadas por outros secretários

judiciais que respodem perante aquele.

Neste caso concreto, há uma vinculação ao

Conselho Geral do Poder Judicial e a

criação de um deste espaços, quando

sejam de tramitação, requer sempre o

parecer prévio favorável do Conselho

Geral do Poder Judicial. Portanto, neste

caso concreto estabelece-se uma função

homogeneizadora para o Conselho Geral

do Poder Judicial. O que de modo algum

quer dizer homologadora, ou seja, o

Conselho Geral do Poder Judicial não é

apenas um filtro que dá uma autorização

tabelar para que certo desenho de um

serviço comum tenha validade. Pelo

contrário, o Conselho Geral do Poder

Judicial deverá fazê-lo tendo em conta não

apenas a função jurisdicional mas também

a função administrativa das Comunidades

Autónomas ou do Ministério da Justiça.

Por último, o terceiro espaço que se define

é o das Unidades Administrativas. As

Unidades Administrativas não são definidos

como órgãos específicos da administração

da justiça, tendo apenas uma função de

apoio material às unidades anteriormente

referidas. É uma definição algo

contraditória, porque se por um lado a lei

diz que não se incorporam no poder

judicial, estão integradas na orgânica

judicial, gerem recursos humanos e

materiais. Serão sempre compostas por

pessoal ao serviço da administração da

justiça ou por pessoal da administração

civil do Estado. Notem que, em Espanha,

existe uma diferenciação entre pessoal da

administração pública em geral e da

administração da justiça, inclusivamente

com uma diferenciação clara sobre uma

reserva de lei ordinária, para os primeiros,

e uma reserva de lei orgânica, para os

segundos.

O resultado deste cenário são três espaços

diferentes, mas com uma estreita

conjugação entre si, de tal modo que, dado

que não se trata de um espaço ou definição

unitários.

Neste momento, o modelo do Ministério da

Justiça é o único em marcha. Algumas

Comunidades Autónomas lançaram

estudos, mas não têm um modelo

específico. Enquanto as Comunidades

Autónomas governadas pelo PSOE gostam

mais dos SCOP, as do PP preferem manter

as pequenas unidades, com serviços

comuns não para funções de tramitação,

mas apenas para funções repetitivas, como

notificações ou citações.

Eis o que temos em Espanha. Face à

vontade, referida (…), de ouvir o que se

poderia aprender connosco, creio

francamente que há pouco a aprender.

Estamos a estudar, tal como vós, a

possibilidade de rentabilizar recursos.

Com que problemas nos deparamos para

colocar as coisas em marcha? Apesar de a

vacatio legis das leis processuais

refromistas estar já a correr, neste

momento, em Espanha só o Ministério da

Justiça começou a cumprir os seus

deveres. Arrancou com nove experiências

piloto, em Melilla, em sete capitais

espanholas e na Audiência Nacional, esta

última provavelmente pela transcendência

da sua projecção interna e externa. Eu,

francamente, neste caso sinto-me

verdadeiramente honrado de poder

Anexo 261

comandar esta nova experiência dentro da

Audiência Nacional.

Com que problemas nos deparamos

então? Em primeiro lugar, problemas de

organização. É necessário um novo mapa

judiciário. É evidente que o mapa que era

ideal em 1969, para um sistema

organizativo diferente, é agora insuficiente.

Além de que distribui recursos de forma

difícil de justificar, respondendo mais a

critérios políticos que de necessidade.

Em segundo lugar, aponto a necessidade

de ordenar e unificar os sistemas

processuais. Não faz sentido que não

tenhamos encontrado uma uniformização,

do ponto de vista orgânico, para os

Tribunais Superiores de Justiça das

Comunidades Autónomas, apesar de o

artigo 52.º, da Constituição Espanhola, os

estabelecer como órgão máximo da

organização judiciária nos territórios das

Comunidades Autónomas. Não obstante,

uns Tribunais Superiores de Justiça

assumem este papel preponderante e

outros não. Em certas ordens jurisdicionais

têm competências para tanto, noutras não.

Ponto assente é que as Audiências

Provinciais precisam de uma unificação.

Quanto ao terceiro problema: as novas

tecnologias. (…) sistema LEXNET, sistema

de notificação e comunicações judiciais

através da internet. Este sistema está a ser

usado há cerca de ano e meio única e

exclusivamente no território do Ministério

da Justiça. O que não faz muito sentido.

Por exemplo, na cidade de Madrid, os

órgãos centrais (Supremo Tribunal e

Audiência Nacional) usam as novas

tecnologias com resultados muito

satisfatórios, mas o Tribunal Superior de

Justiça da Comunidade Autónoma de

Madrid, cujos recursos dependem da

administração da justiça do governo

autonómico de Madrid, não utiliza ainda

estes mecanismos.

Um problema importante que podemos

ainda apontar ao sistema LEXNET

(provavelmente devido à desconfiança

inicial que o legislador teve neste sistema,

mas que imagino que com o passar do

tempo, face aos resultados satisfatórios,

deverá ter solução) é que as notificações

aos advogados ficam ainda nas mãos dos

procuradores de notificações. É uma

contradição, pelo menos do ponto de vista

processual, que apesar do envio de

notificações por meios electrónicos, estas

seguem igualmente por correio normal,

para os serviços dos procuradores de

notificações. Esta duplicação não faz para

mim qualquer sentido.

Em segundo lugar, em relação ao sistema

de apresentação de peças processuais,

julgo que temos de aprender mais de vós, e

reciprocamente. Na recepção de

documentos escritos, vivemos um enorme

contra-senso onde o advogado elabora a

peça processual, envia-a por internet para

o procurador de notificações, que a

imprime para a apresentar formalmente no

órgão jurisdicional em causa. E nós, no

caso concreto da Audiência Nacional,

temos de digitalizá-la novamente para

poder transmiti-la. Não faz qualquer sentido

e representa um gasto económico

desnecessário.

Em terceiro lugar, a desmaterialização do

processo. Estamos convencidos que será

um passo importantíssimo, mas só o

começámos agora, e apenas na Audiência

Nacional. Cremos contar com ele em Abril.

É ainda necessário, a par destas

modificações, um novo sistema de registo.

Quanto a problemas relativos a meios

materiais, creio que necessitamos de uma

relação de postos de trabalho pensando

nas novas tecnologias. Há postos de

trabalho obsoletos e outros a criar. É

necessária uma modificação do sistema de

colocações. Provavelmente há que o

ampliar, pelo menos até ao nível da

localidade, e assim garantir que um

funcionário tenha uma reserva de

262 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

colocação dentro da mesma localidade,

mas não necessariamente dentro do

mesmo órgão jurisdicional. Outra questão

ainda é a necessidade de uma regulação

diferente para o pessoal não funcionário,

que neste momento se estima que seja

20% do pessoal que presta serviços na

administração da justiça.

O quarto problema diz respeito aos

espaços físicos. Na sua maioria não são

adequados. Os antigos edifícios de

tribunais estão obsoletos, não só pelos

recursos materiais, mas pelos próprios

espaços. Os espaços amplos necessários

ao funcionamento de serviços comuns não

existem, neste momento, nos edifícios. É,

portanto, necessário um novo desenho dos

edifícios. Os agentes implicados são o

Conselho Geral do Poder Judicial, através

de decreto de homogeneização; o

Ministério da Justiça, que ainda mantém as

competências definidas em seis

Comunidades Autónomas, mas sobretudo

porque mantém as competências sobre os

que dirigem a reforma; e, está claro, as

Comunidades Autónomas, pois são elas

que terão de aproximar os serviços da

administração da justiça aos seus

cidadãos.

Aponto desde já algumas soluções

possíveis. Em primeiro lugar, actuação do

Conselho Geral do Poder Judicial, através

de um tal decreto de homogeneização,

para que as Comunidades Autónomas

saibam a quem devem atender na hora de

criar um serviço comum. Da parte do

Ministério da Justiça, é necessário

estabelecer um sistema, uma dotação

genérica para todas as Unidades

Processuais de Apoio Directo, porque é a

sua competência. Até agora têm sido

previstas dotações desadequadas para a

realidade actual, a partir do momento em

que se incorporam novos meios, através

das reformas processuais.

Portanto, aponto para novas condições nos

postos de trabalho, novos edifícios, novas

dotações. E isso já se fez, na verdade:

600.000.000 € previstos para três anos.

A terceira solução, a levar a cabo por parte

das Comunidades Autónomas, passa por

definir o modelo entre um modelo de

primazia dos serviços comuns ou de

primazia das Unidades Processuais de

Apoio Directo, o que tem repercussões na

composição e dotação dos edifícios.

Edifícios esses que são uma das carências

do marco estatutário estabelecido na lei de

2003. Tudo tem que ver com o que se

defende, isto é, se se defende a

concentração ou não. O sistema inglês, por

exemplo, optou pela desconcentração, eu

pessoalmente inclino-me mais para a

concentração, em que as Unidades

Processuais de Apoio Directo estejam

próximas dos Serviços Comuns de

Ordenação do Processo.

Em relação à segurança, é fundamental

que num edifício judicial existam e se

respeitem normas de segurança –

permitam-me neste caso ser levado pelo

factor profissional da minha pertença à

Audiência Nacional.

Uma nova organização também é

fundamental. Creio que, se a nova

organização assenta sobre os secretários

judiciais e o cume desta nova organização

dos secretários judiciais é o Secretário-

Geral da Administração da Justiça, no

decreto de organização do próprio

Ministério da Justiça deveria criar-se e

estabelecer-se essa figura.

Para concluir, e perdoem-me ter-me

estendido um pouco, para mim este

projecto é emocionante. Insisto novamente:

creio que este projecto, mais que para um

futuro imediato, é para o longo prazo, e

deverá culminar numa nova reforma

organizativa que estabeleça ordem na

organização judicial espanhola.

Neste momento, como já referi, estão em

marcha nove experiências piloto, se bem

que estamos como que a trabalhar iludidos,

Anexo 263

pois não existem dados concretos.

Por último, estaremos perante uma

administrativização ou, segundo as

palavras do professor Professor Juan

Montero Aroca, perante uma

napoleanização da administração da

justiça? Creio que não. Estamos, creio,

perante um projecto que, além de ser

muitíssimo estimulante, pretende oferecer

um serviço rápido e ágil aos cidadãos,

onde se possa conjugar, no maior respeito

aos termos da Constituição, a função

jurisdicional com aqueles aspectos de

natureza mais administrativa. E, nessa

conjugação entre todos, conseguir um

melhor serviço público.

Sem mais, muito obrigado e espero que

tenha sido capaz de vos transmitir o que

queria.

II Organização interna e funcionamento dos tribunais em Portugal

OPJ

Vou procurar ser muito breve e vou apenas

introduzir alguns aspectos que podem

ajudar ao debate. Como vimos pelas

intervenções dos nossos colegas

espanhóis, há muitos problemas comuns e

muitas dificuldades que também

identificámos entre nós, bem como

algumas soluções que já preconizámos.

Por outro lado, é também importante

salientar que a ideia muito generalizada de

que entre nós está tudo mal e nos outros

países está tudo a correr bem, é uma ideia

errada. Aliás, até é com gosto que vemos

que, em alguns aspectos, até estamos

mais avançados.

Há a reter também a ideia de que um

sistema de justiça não se reforma de um

dia para o outro. Tudo isto implica

mudanças que têm de ser feitas em

pequenos passos, mas com um sentido

orientador, isto é, procurando saber onde

queremos chegar e o que é que temos de ir

fazendo para lá chegar.

Queria também chamar a atenção para o

facto de estar entre nós um colega que há

tempos, num encontro, referiu que

questões da gestão, de organização de

métodos de trabalho, etc. não eram

discutidas entre nós há quatro ou cinco

anos. E estamos a discuti-las agora!

Também os nossos países vizinhos não as

discutiam muito. De facto, estes conceitos

relacionados com as políticas gestionárias,

com novos métodos de trabalho, com o

modelo da qualidade total, da qualidade da

justiça, da governance, da gestão

integrada, dos tribunais de excelência, são

conceitos muito novos e que fomos

importar a outros sectores, nomeadamente

a algumas organizações privadas que

agora estão a confluir no sector da justiça.

É claro que isto é perturbante para todos

nós porque não fomos formados com estes

conceitos. Portanto, é preciso ter a noção

que é necessário formar as pessoas que

estão no sistema. Tudo isto mudou muito

rapidamente.

De facto, há motivos de várias ordens,

designadamente a massificação do

sistema, da procura, que levaram a que

264 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

hoje estejamos confrontados com novas

solicitações e exigências rumo a um novo

tipo de reformas.

Entre nós, a reforma do mapa judiciário

veio colocar esta temática de uma maneira

mais assertiva no debate e na ordem do

dia.

Aqueles que conhecem a reforma sabem

que ela traz conceitos e novas

potencialidades no que diz respeito à

gestão. Por exemplo, com a introdução

destas novas figuras do juiz presidente, do

administrador judicial, dos magistrados

coordenadores, foram criados, a nível

intermédio da comarca, um conjunto de

instrumentos gestionários que não

existiam.

Agora, o problema que se coloca é como

densificar esses conceitos e interpretá-los.

De facto, há muitas novidades legais, como

por exemplo competências para a

elaboração do orçamento, para a

elaboração de regulamentos internos,

propostas de flexibilização no que respeita

à acumulação dos magistrados,

possibilidades de colocação de

funcionários dentro da comarca; ao nível de

gestão processual, por exemplo,

implementar métodos e objectivos,

designadamente na fixação dos

indicadores de volume processual,

acompanhar e avaliar a actividade do

tribunal e o volume processual do mesmo,

promover a aplicação de medidas de

simplificação e agilização processual,

possibilidade de criação de secções

especializadas, etc.

Enfim, há aqui todo um conjunto de

possibilidades que esta nova reforma do

mapa judiciário coloca, em termos de

desafio, e a questão é como densificá-las e

como concretizá-las.

Ao mesmo tempo que nós introduzimos

estas novas possibilidades gestionárias de

nível intermédio, continuamos a ter um

conjunto de competências a nível mais

macro. A questão é como compatibilizar

estas competências com a Direcção-Geral

da Administração da Justiça, órgão máximo

que continua a ter competências ao nível

dos funcionários, ou com o Conselho

Superior da Magistratura, que continua a

ter, e tem de ter, um conjunto de

competências relativamente à gestão dos

magistrados em razão do princípio basilar

da independência do juiz? Mais, como

compatibilizar estas competências com

outros institutos como o Instituto das

Tecnologias de Informação na Justiça, o

Conselho Superior da Magistratura do

Ministério Público? Depois, ainda ao nível

da comarca, entre os secretários que se

mantiveram e o administrador judicial. Há

aqui uma difusão de competências e uma

necessidade de se definir e avaliar que

competências devem estar acometidas a

uns e a outros, numa perspectiva de

eficácia.

Mas, obviamente que tudo isto está

também relacionado com estatutos dos

funcionários. Já foi referido numa sessão

de trabalho, a propósito deste tema, que só

se pode gerir aquilo sobre o qual se tem

competência para gerir. A questão que se

impõe é como é que se consegue a

flexibilização de recursos humanos quando

há regras estatutárias e, provavelmente

também, direitos adquiridos. Não se pode,

por exemplo, mudar um escrivão de um

lugar para outro, discricionariamente.

Portanto, como é que se pode falar de

gestão de recursos humanos e novos

métodos de trabalho, definição de perfil

etc., se não os podemos mover daqui para

ali?

Depois temos o problema da aplicação

prática das reformas e da sua

interpretação, em que se reforma uma

parte e se esquecem outros normativos

que existem. Em Portugal, aliás, é muito

comum esta forma de legislar: sem prejuízo

das competências gerais, sejam elas quais

forem. Ou seja, é frequente que haja em

Anexo 265

outros diplomas, normas que nos

esqueçamos de alterar e que impedem que

determinada norma funcione.

No que diz respeito à mobilidade dos

funcionários judiciais (…) ressalta-se

dificuldades de movimentar funcionários

num espaço geográfico relativamente curto,

entre secretarias dos juízos.

Uma outra questão é, como é que se

compatibiliza esta colocação no quadro,

estes micros, no contexto da Administração

Pública em que há uma tendência

reformista de abandono de quadros e

criação de mapas de pessoal.

Penso que é importante discutirmos aqui a

questão dos limites da mobilidade

geográfica, mas também, da mobilidade

funcional. Porque, por um lado, como é que

se compatibilizam os conteúdos funcionais

que estão definidos para o exercício de

determinadas funções na tramitação dos

processos com uma tendência para a

especialização dentro de determinadas

temáticas, e, por outro, com a ideia de que

temos juízos em que é sobretudo a

massificação da conflitualidade que ali está

presente, ao passo que noutros é a

complexidade da litigação que está

presente? Como é que encontramos

sistemas com princípios orientadores,

protocolos de funcionamento, mas que,

depois, permitam esta flexibilidade?

Por outro lado, como é que conseguimos

determinar numa secção de processos,

conceitos de que hoje se fala muito, como

front office ou back office, quando temos,

ainda entre nós, uma tendência

excessivamente atomística, com secções

em que todos fazem o mesmo, e em que

os funcionários estão sistematicamente a

ser interrompidos por atendimento ao

público ou pelo telefone? Ou como é que

se define se se deve dar mais importância

à recuperação de processos pendentes ou

antes manter os processos mais recentes

em dia?

No fundo, como é que se resolvem estas

questões de maneira a atender de uma

forma diferenciada neste princípio e

orientação de qualidade, porque a justiça é

um serviço público, essencial numa

sociedade democrática. A justiça está ao

serviço do cidadão. É um chavão, é certo,

mas temos de dizê-lo. Tem de haver

prioridades na justiça. Não me parece que

se possa achar que um problema de uma

criança ou de uma pessoa que necessita

de uma pensão de alimentos e uma

questão de divisão de um terreno é a

mesma coisa e entre no mesmo número.

Há quem entenda que é a mesma coisa.

Todos têm a sua importância, claro, mas há

aqui uma prioridade em determinado tipo

de conflitos, pelo que, penso que temos

que encontrar formas internas de tornar o

sistema mais eficaz.

É também importante dizer que muito do

que acontece no sistema da justiça em

termos de ineficiência ou morosidade não

tem a ver só com o que acontece

internamente. Hoje, as instituições

conexas, que trabalham com a justiça são

muitas e variadas. Há muitas questões que

dependem muito do trabalho do Instituto

Nacional de Medicina Legal, da Segurança

Social, das Finanças, e compete ao Estado

e ao poder político ter uma visão conjunta e

sistémica. Tem de se saber articular, no

sentido de encontrar formas de agilização.

Mas também não nos esqueçamos que

isso tem a ver com a cultura de todos nós.

De facto, continua muito presente no nosso

sistema interno e na forma como se articula

com as outras instituições, a ideia do ofício,

do despacho, etc.

É a nossa forma de trabalhar, mas que

urge alterar, porque nos perdemos no

ofício, no prazo para isto e para aquilo, e

esquecemo-nos, muitas vezes, ou

relegamos para segundo plano, o que é

verdadeiramente importante: a resolução

do conflito. O que precisamos, de facto, é

criar uma cultura de gestão do processo,

porque quando o problema social que os

266 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

cidadãos pedem ao tribunal para resolver

entra no sistema, tem de haver uma

previsibilidade da sua resolução.

É evidente que não é fácil fazê-lo,

atendendo à carga burocrática e ao

problema da articulação com as outras

instituições, porque mais do que um

problema da justiça, este é um problema de

funcionamento da sociedade.

Eu penso que depende muito, também, de

uma outra dinâmica que o poder político

possa aqui implementar, mas sobretudo

dos protagonistas da justiça e da forma

como encaram as situações.

Tudo isto para concluir que há uma

necessidade de repensarmos e

reformularmos esta forma de organização

interna dos tribunais, que tem de definir

princípios orientadores, metas e objectivos

com flexibilidade para diferenciar o que é

diferente, com novas formas de

funcionamento, com mais qualidade e

eficiência para dar aos cidadãos e às

empresas uma resposta mais rápida. Mas

estas são apenas umas notas e penso que

de seguida, no debate, vamos discutir

todas estas questões.

Comentários

OPJ

Iniciaríamos os nossos trabalhos com este

nosso painel de comentadores e depois,

abriremos o debate a todos. Por consenso

da mesa, penso que vamos começar

primeiro pelo lado jurídico, isto é, pelo lado

do sistema e depois, ouviremos as visões

externas do sistema.

S6

Muito boa tarde. Neste contexto de

comentário que nos coube, pensámos que

seria útil fazer uma referência à experiência

em curso e a que estamos a proceder.

Refiro-me a esta experiência piloto

portuguesa que se iniciou em 14 de Abril

de 2009.

Esta experiência que está em curso em

três comarcas piloto assenta em três

vectores, que são, uma nova matriz

territorial, um novo modelo de gestão e

uma acentuada especialização das

jurisdições.

Quanto à matriz territorial e como é uma

opção política, parece-me que

relativamente a cada umas das comarcas

há características muito particulares e

talvez não seja a questão central deste

debate.

Quanto à especialização das jurisdições,

hoje em dia parece não oferecer dúvidas

quanto ao seu benefício para os cidadãos

que se dirigem aos serviços da justiça.

O novo modelo de gestão que foi instituído

constitui talvez a maior novidade e o maior

desafio desta reforma. Este modelo, penso

que se poderá definir por três ideias-chave:

por um lado a desconcentração, por outro,

uma gestão integrada e de proximidade e,

embora ainda tímida, uma abertura à

participação de todos os actores judiciários

e não apenas dos tradicionais operadores

dos tribunais: os juízes, os magistrados do

Ministério Público e os funcionários

judiciais.

Anexo 267

A concretização destes vectores encontra a

sua expressão nos órgãos de gestão que

estão instituídos na relação entre eles e na

relação deles com os poderes e os órgãos

centrais.

São órgãos de gestão: o juiz presidente e

os juízes coordenadores; o administrador

judiciário; o conselho de comarca, aqui sim

a intervenção dos actores judiciários

estranhos àquilo que normalmente se

designa como o tribunal e que aqui é talvez

uma novidade e uma garantia de qualidade

do nosso sistema – ver-se-á depois as

dificuldades que isso ainda traz – e quanto

aos serviços do Ministério Público, no

respeito pela sua autonomia, a

coordenação pelo magistrado da respectiva

magistratura.

No nosso sistema, a administração da

justiça envolve, por um lado, o executivo

que define a política de justiça; por outro

lado, o órgão de gestão da magistratura

judicial: o Conselho Superior da

Magistratura.

A opção da lei orgânica, naquele contexto

dos órgãos de gestão que referi, optou por

atribuir ao juiz presidente ao nível da

comarca – e aqui se encontra a

desconcentração e também a gestão

integrada e de proximidade – a

coordenação de diversos aspectos de

competências que são, por um lado, do

Conselho Superior da Magistratura, por

outro do executivo antes da reforma, e

competências que existem, tanto ao nível

decisório, do próprio juiz presidente, como

ao nível da instituição de uma obrigação de

promoção junto desses órgãos, daquilo que

é relevante e que é importante para a

comarca concreta e que é gerida. São

disso exemplo as competências atribuídas

ao juiz presidente quanto à colocação de

funcionários judiciais no âmbito dos juízos,

com extinção da noção de quadro, por

exemplo, relativamente aos escrivães

adjuntos e aos escrivães auxiliares, e não

quanto aos escrivães de direito.

Penso que esta é uma das grandes

potencialidades de gestão de recursos

humanos e de desconcentração dessa

gestão.

Ao nível do juiz presidente, como se

recordarão, eram definidos os quadros das

secretarias, o número de escrivães

adjuntos, o número de escrivães auxiliares

que deveriam ser atribuídos a cada juízo.

Actualmente é definido o número destas

categorias que cabe a uma determinada

comarca ou aos juízos territoriais dessa

comarca, e a gestão é feita pelo juiz

presidente na consideração das concretas

circunstâncias do serviço e, eventualmente,

da alteração delas.

Em situações, como por exemplo nos

juízos de (…), que são juìzos com uma

enorme dimensão, e portanto têm um

número muito grande de funcionários

atribuídos sem quadro, penso que 140, se

não estou em erro, permite, de facto, uma

flexibilização da gestão. Permite, por outro

lado, compreensão das dificuldades e das

necessidades de cada um dos juízos em

termos de lhes afectar, no momento, mais

ou menos escrivães adjuntos, mais ou

menos escrivães auxiliares e de ir

alterando isto ao longo do tempo, o que me

parece ser uma das grandes virtualidades

desta reforma.

Por outro lado, a competência do juiz

presidente para propor, por exemplo, a

especialização das secções de processos,

penso que responde também a algumas

das dificuldades que nos foram

transmitidas relativamente ao sistema

espanhol, de gestão das secretarias.

As secretarias puderam passar a ser

geridas em termos de competências

materiais e de especialização dessas

competências materiais, em termos de

afectação, por exemplo, de um grupo de

funcionários a um determinado grupo de

tarefas ou a uma determinada matéria

processual.

268 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Assim, daquilo que sei, embora ainda não

haja nenhuma experiência a esse nível nas

três comarcas piloto, há circunstâncias que

me parece, por exemplo, relativamente aos

juìzos de (…) que aconselham que seja

pensada essa solução.

Esta especialização das secções permite

uma especialização funcional ao encontro

daquilo que há pouco nos foi referido, que

nos faz escapar àquele modelo que, a meu

ver, bloqueia muitas vezes as nossas

secretarias, que é termos os processos

distribuídos por números e por funcionários

que fazem todos eles tudo e, faltando o

funcionário, um determinado tipo de

processos pára durante uma semana, um

mês…

Esta reforma, pela proximidade da gestão

do juiz presidente e pela possibilidade

desta especialização e desta diversificação

dos conteúdos funcionais, parece-me ter

funcionalidades muito relevantes.

De notar que esta decisão é atribuída,

embora se inclua naquela obrigação de

promoção do juiz presidente ao Conselho

Superior da Magistratura que deverá

articular depois com os órgãos do

executivo necessários à efectivação da

especialização das secções.

Por outro lado, a possibilidade de o juiz

presidente propor a reafectação de juízes,

a acumulação de funções, a colocação de

juízes do quadro complementar permite

uma maior maleabilidade e uma

proximidade decorrente do conhecimento

concreto e real das situações que

possibilita uma intervenção atempada, que

embora já existisse no regime anterior. De

facto, estes institutos existiam, mas de uma

tal maneira centralizada e lidando com

situações atomistas em que um juízo de

uma secretaria não tinha uma coordenação

que permitisse ver o conjunto, não tinha

talvez as possibilidades que, actualmente,

e em concreto, por exemplo, tem numa das

comarcas piloto – e sei porque temos

institucionalizado um conselho dos juízes

presidentes que nas outras comarcas

também tem tido bons resultados.

Por outro lado, ao nível da gestão

processual entendida como a gestão

macro, ou seja a gestão do conjunto, da

organização da tramitação de um conjunto

de processos pendente num tribunal,

também as funções que são atribuídas ao

juiz presidente em conjunto com os juízes

coordenadores e também com os juízes

titulares permitem, por um lado, obter uma

uniformidade de critérios e obviar em

situações como aquela que nos foi descrita

há pouco por uma das pessoas que

interveio descrevendo o modelo espanhol,

que é de encontrarmos juízos vizinhos em

que as opções são diversas, sendo que os

cidadãos se defrontam com essa

diversidade sem haver uma explicação

para isso.

Situa-se, também, a gestão processual a

este nível que parece ser o local correcto,

que é no âmbito do judicial e não no âmbito

do executivo, sendo certo que há a tal

articulação entre o juiz presidente e os

juízes coordenadores e os juízes titulares,

aos quais continua a caber, mediante a

dependência funcional das secretarias, a

gestão processual ao nível micro, ou seja

ao nível da gestão do processo em si e da

sua tramitação.

Esta gestão processual, isto é, como se

dizia há pouco, a questão de quando um

processo entra dever ser possível

determinar quando é que ele acaba e gerir

os passos da sua tramitação, é talvez o

ponto mais fraco e que resulta já não da

organização judiciária mas da organização

das leis de processo.

Nós temos situações, por exemplo, nos

processos de insolvência actuais, em que a

própria lei de organização do processo faz

com que o seu início e a prática do primeiro

acto pelo juiz desencadeie, por exemplo,

um conjunto de prazos que permite fazer

Anexo 269

esta previsão e esta gestão do próprio

processo. Não temos isso ao nível do

processo civil. Quando um processo civil

entra num tribunal, por muito que o juiz

queira fazer uma gestão dele, a tramitação

processual encarrega-se de o dissuadir

dessa intenção porque os diversos

operadores, como têm prazos que

começam a correr em circunstâncias

diversas que dependem da prática de actos

diversos tornam isso muito complicado.

Por exemplo, na comarca (…), porque há

esta possibilidade ao nível dos processos

de insolvência, está a ser feito um estudo

do que é a tramitação razoável destes

processos que permitam uma gestão ao

nível micro. Esse estudo está a ser feito em

ordem a podermos dali tirar algumas

conclusões relativamente a processos que,

por exemplo, excedam esse prazo de

tramitação e quais são os

estrangulamentos de que eles resultam.

O ponto de encontro, parece-me ser a

figura do juiz presidente, para além da

actividade de gestão processual, deve-se

ter em conta a figura do administrador

judiciário que tem competências delegadas

do juiz presidente, mas que tem também

um conjunto de competências delegadas

dos órgãos centrais da administração (do

Instituto de Gestão Financeira e de Infra-

Estruturas da Justiça e da Direcção-Geral

da Administração da Justiça). E parece-me

que o sistema tem a possibilidade de não

criar assim uma bicefalia, mas, antes pelo

contrário, integrar na comarca e nesta

desconcentração da comarca, este

conjunto de competências, uma vez que o

administrador judiciário coadjuva o juiz

presidente e, parece-nos, exercerá tais

funções em coordenação com o plano

administrativo do juiz presidente, pese

embora, e como é óbvio, o respeito pela

direcção das entidades delegadas.

Este ponto de encontro de coordenação e

de confluência de interventores na figura do

juiz presidente permite uma

desconcentração da intervenção central ao

nível da comarca sem a afastar, e que,

obviamente, tem de existir ao nível

nacional, mas, também, uma proximidade

de gestão dos problemas concretos e a

integração e coordenação das várias áreas

de intervenção.

O que eu referi inicialmente quanto à

possibilidade de colocação de funcionários

judiciais, por exemplo de promoção do que

é necessário ao nível dos juízes, permite

adequar, por exemplo, uma situação de

colocação do juiz auxiliar pelo Conselho

Superior da Magistratura com a colocação

de funcionários acrescidos para suportarem

a actividade do juiz auxiliar. Contrariamente

ao que muitas vezes encontrávamos nos

tribunais, que era o Conselho intervir

colocando juízes, mas como entretanto não

eram colocados funcionários, o

engarrafamento movia-se do gabinete do

juiz para a secção e os cidadãos

continuavam a ter os seus processos

parados.

A nomeação do juiz presidente pelo

Conselho Superior da Magistratura, que foi

consagrada na lei orgânica, sendo este o

órgão garante da independência dos juízes,

também atribui ao sistema um factor de

qualidade que, situando-se a um nível

diverso da eficácia, tem assim imensa

relevância. Garante, também, no sistema, o

direito a um juiz, e o direito ao juiz

entendido nos termos em que o Conselho

da Europa e o Tribunal Europeu dos

Direitos do Homem os vêm referindo, ou

seja, direito a um juiz independente,

imparcial, cremos terá que ser também um

juiz director efectivo da marcha do

processo.

Na situação portuguesa, o carácter

adjectivo das leis processuais parece

indicar que não há uma possibilidade de

dissociação da actividade processual da

actividade jurisdicional. Esta actividade

processual não é uma actividade

administrativa.

270 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Isto para em linhas muito breves vos dizer

o que são as grandes potencialidades do

sistema que está instituído, sendo certo

que isto não quer dizer que tudo sejam

rosas no âmbito da experiência que

estamos a viver. Há muitos espinhos, mas

são sobretudo virtualidades que penso que

é responsabilidade nossa desenvolvê-las e

que tem possibilidades de intervenção

concreta.

Temos levado a cabo reuniões de

avaliação, de planeamento, em que há uma

intervenção efectiva na gestão das

secretarias e, no fundo, da definição de

quais são os parâmetros que o trabalho

das secretarias deve seguir.

Na minha comarca tem havido o

envolvimento de todos os juízes, e estou-

me a referir ao âmbito judicial. Outras

pessoas com mais experiência que eu

poderão referi-lo, no âmbito do Ministério

Público. Parece-me que são virtualidades

importantes da reforma.

Há pontos que são de dificuldade. A mera

descrição que fiz, fá-los suscitar. Há várias

competências envolvidas na coordenação

de todas, são passos de um caminho que

estamos a percorrer sem estar ainda

delineado. Há uma nova mentalidade que

precisa de crescer e de ser desenvolvida,

que ainda é muito embrionária, e a

coordenação dos inventores envolvidos

nem sempre resulta óbvia.

Por outro lado, e apenas em apontamento,

o conselho de comarca. Este órgão é um

órgão que tem apenas funções consultivas,

mas a sua intervenção na experiência que

temos é de um entusiasmo grande das

pessoas relativamente ao conselho de

comarca. Devo dizer que, inicialmente,

quando foram cooptados os membros

relativos aos utentes dos serviços de

justiça, tive algum receio de qual fosse a

receptividade, mas, de imediato, as

pessoas manifestaram o seu agrado e o

seu interesse e têm sido assíduas e

interventoras nas reuniões do conselho de

comarca.

As funções consultivas que têm e a

dificuldade, ainda, de capacidade efectiva

de participação, pela percepção do que é o

tribunal, são dificuldades. Mas penso que é

um caminho adequado e seguro, trazer ao

tribunal as pessoas que, sendo verdadeiros

destinatários do serviço que prestamos, às

vezes poderão ter pouca voz.

Por exemplo, relativamente a este

entusiasmo dos membros cooptados,

também correspondeu na eleição que se

fez para a designação do membro que

representa os funcionários judiciais. A

participação que foi feita por voto secreto e

universal dos funcionários destacados na

comarca foi surpreendentemente elevada e

muito satisfatória, sob esse ponto de vista.

Quanto aos serviços do Ministério Público,

não os referi porque há outros participantes

que o poderão referir melhor do que eu.

Penso que a consagração de uma

coordenação autónoma corresponde ao

estatuto de autonomia que tem que ser

garantido. A coordenação informal que a

presidência e a coordenação do Ministério

Público podem ir mantendo - e que

mantém, efectivamente - é uma mais-valia,

sem dúvida, para os serviços da comarca.

Há muitas situações que são de

colaboração entre os serviços e, assim,

podem ser optimizadas, nomeadamente,

dividindo o trabalho que tem que ser feito

ao nível que estamos a ensaiar, do arquivo

de objectos, do registo dos processos.

Por outro lado, a instituição formal da

comissão permanente que é constituída

pelo juiz presidente, pelo magistrado do

Ministério Público, pelo coordenador e

também pelo representante da Ordem dos

Advogados, tem permitido um melhor

diálogo que é profícuo e é também um

daqueles órgãos, que estando ainda muito

em estado embrionário será muito

relevante de envolver e de desenvolver ao

Anexo 271

nível da sua participação na vida da

comarca.

Muito Obrigado.

S7

Face à exposição anterior, apenas queria

acrescentar o seguinte: é uma questão

recorrente que colegas e outros operadores

judiciários que não integram nenhuma das

comarcas piloto me colocam sub-questões

ligadas a essa questão principal e que é a

seguinte: Isso corre bem? Isso funciona?

Isso não causa uma grande confusão? Não

se trata de uma estrutura demasiado

pesada? Essa organização nova e esse

novo modelo de gestão não causa

confusão entre os colegas juízes, entre

procuradores, funcionários? Não seria

melhor termos outra solução?

Aquilo que eu posso dizer da experiência

que tem sido vivida desde o dia 14 de Abril

do ano passado é que, efectivamente,

funciona. Claro que, conforme foi referido,

nem tudo são rosas, existem obviamente

espinhos, mas as potencialidades deste

novo modelo de gestão, colocadas na

balança, acabam por resultar, digamos,

mais positivas do que propriamente naquilo

que aparentemente se afigura ou se podia

afigurar como negativas. E aquilo que tem

sido bastante positivo, na minha

perspectiva, tem sido o envolvimento dos

vários intervenientes, sobretudo dos

magistrados judiciais, do Ministério Público

e dos funcionários judiciais, trabalhando,

agora sim, verdadeiramente como equipa.

Isto parece, no fundo, uma visão idílica,

mas nesta situação não é. É uma visão

real. O que nós estávamos habituados – e

voltamos à questão das mentalidades – era

o juiz, o magistrado do Ministério Público, a

secção de processos.

Hoje nós estamos num modelo em que,

mais do que isso, temos unidades

orgânicas pertencentes a um único tribunal

e em que é curioso verificar, mesmo do

ponto de vista dos magistrados judiciais, os

colegas já não trabalham só com eles

próprios, dentro do seu próprio gabinete,

com os seus próprios processos. Há um

entrosamento de cada unidade orgânica e

inclusivamente propostas de solução de

determinadas situações.

Eu vou dar um exemplo muito simples: se

eu numa unidade orgânica detecto que

existe uma situação que é deficitária em

termos de serviço, quer porque a

pendência do processo é elevada, quer

porque o método que está a ser aplicado

pode não ser o mais correcto a médio

prazo, eu tenho imediatamente um colega

que me propõe e sugere uma reafectação -

“colega eu estou disponìvel para ser

reafectado àquele serviço, para fazer

saneadores, fazer sentenças”.

Ora, isto é um exemplo de uma situação

que hoje, neste novo modelo de gestão é

possível - pegar nas peças de um puzzle

mais completo e organizá-las, de acordo

com aquilo que são as necessidades

concretas.

Esse é um exemplo relativamente a

magistrados judiciais, outros existem

relativamente ao quadro de recursos

humanos dos funcionários, ainda que este

é um dos aspectos em que poderemos

caminhar num sentido mais profundo.

Portanto, a movimentação de funcionários

judiciais, no âmbito territorial de uma

comarca, seria extremamente positiva se

pudesse ser mais alargada do que hoje

está prevista na lei. Poderia, efectivamente,

trazer resultados positivos para as

necessidades do serviço que se verificam.

Para concluir, gostaria de acrescentar que

quanto aos órgãos que hoje integram este

novo modelo de gestão, concretamente o

conselho de comarca, que é composto,

quer pelo conselho geral, quer pela

comissão permanente, também tem sido

272 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

muito interessante verificar, na prática, o

modo de funcionamento destas duas

estruturas. O que, aparentemente, poderá

parecer pesado e que me perguntam: “mas

isso não é uma perda de tempo?”,

respondo que não é uma perda de tempo

porque na gestão de um tribunal, e quer

nós magistrados, quer funcionários, quer

outros operadores judiciários,

representados, obviamente, no conselho

geral, precisamos de ter, cada vez mais,

uma visão global do funcionamento do

tribunal e das respectivas unidades

orgânicas. E tem sido justamente essa a

finalidade que se tem procurado prosseguir

no funcionamento deste órgão. Há

questões, que, de facto, não estávamos

habituados a considerar, como

magistrados, em termos de gestão de

tribunais.

O facto de tornarmos a gestão

multidisciplinar enriquece a gestão e

permite uma certa abertura ao exterior. O

tribunal, deixa tendencialmente de ser uma

entidade fechada, uma entidade vista como

qualquer coisa onde apenas se vai de vez

em quando ou, de preferência, onde não se

vai, para ser efectivamente uma estrutura

que é tida como minimamente organizada,

e que, tendencialmente, poderá até estar

aberta a novas iniciativas.

Desse ponto de vista, aquilo que está

previsto em termos de elaboração de plano

de actividades, que aliás é uma das

competências que hoje estão atribuídas ao

juízes presidentes e que gerou alguma

discussão e debate de ideias entre nós, é a

pergunta: o que seria esse plano de

actividades? Porque, no fundo, os tribunais

não tinham planos de actividades. E pensar

que se a competência de um tribunal é, no

fundo, exercer a actividade jurisdicional,

então o que é que sobra para esse plano

de actividades?

Foi interessante elaborar esse plano de

actividades, e sobretudo, penso que vai ser

interessante colocá-lo na prática e ver

como isso resulta. E ver, efectivamente,

que é possível elaborar um plano de

actividades, e que afinal um tribunal pode

ter várias actividades para além da

actividade jurisdicional.

Muito caminho há ainda para percorrer, não

temos dúvidas. Muita coisa há por

desenvolver e também por aperfeiçoar, na

certeza, porém, daquilo que temos

discutido, de que efectivamente este

modelo tem várias potencialidades e várias

virtudes.

S8

Na sequência da exposição anterior, queria

apenas dar conhecimento de alguns

problemas, da percepção daquilo que é

específico da comarca onde trabalho.

Também penso que este novo modelo de

mapa judiciário tem virtualidades e tem

potencialidades, mas de facto o que é

importante saber no final é se essas

potencialidades se vão transformar em

acto. Se são estes os resultados que se

esperam, se depois de todo este volume de

recursos económicos, de recursos

judiciários, de funcionários, de magistrados,

se isto corresponde no final a um maior

número de processos decididos, a um

maior número de resoluções dadas às

questões que as pessoas colocam perante

a justiça. E essa é a questão nuclear, essa

é que vai seguir o julgamento no final deste

novo mapa judiciário.

Tenho procurado indagar, junto das mais

diversas entidades e organismos ,sobre

eventual informação que exista acerca

desta questão, mas não tenho tido

nenhuma informação. Tenho aquelas

informações que vou obtendo por mim

próprio na gestão do tribunal no dia-a-dia, e

devo dizer que na actividade da

administração da comarca há elementos

que nos faltam sobre os seus resultados.

Por exemplo, acho que como presidente da

Anexo 273

comarca deveria ter - tal como um

magistrado quando se senta ao

computador e tem acesso ao Citius - forma

de poder saber quais são os processos que

estão atrasados, que é uma das funções do

juiz presidente, isto é, poder saber quais os

processos que estão atrasados há mais de

três e há mais de seis meses, sinalizá-los,

identificá-los, e indagar dessa situação.

Nós não podemos, a não ser que haja uma

indicação de algum interessado, se esse

processo está ou não atrasado há seis

meses, e qual é o seu estado. Portanto,

nós só agimos por reacção. As pessoas

reagem e nós, então, vamos à procura

deste processo e indagar o que é que se

passa. Esse é um problema, uma limitação

grande na actividade do presidente da

comarca, que não tem como saber aquilo

que, de facto, se passa em concreto na sua

comarca.

Um outro problema que eu sinalizo na

organização da comarca, tendo em

atenção o novo mapa judiciário, é que este

mapa engloba um determinado número de

unidades orgânicas, mas essas unidades

estão organizadas sob o modelo das

comarcas anteriores. Ou seja, os juízes

estão colocados naqueles juízos, os

funcionários estão colocados naquelas

secretarias e não consigo fazer uma

gestão, tanto de magistrados como de

funcionários, a não ser que tenha a

anuência dessas pessoas.

Dos magistrados, tenho obtido sempre a

melhor colaboração, pronta e excelente, e

sobeja. Mas, em relação aos funcionários,

num ponto em concreto, em que eu

necessitaria absolutamente dessa

colaboração não a obtive e não tenho como

a ultrapassar. E só me cabe respeitar a lei

e os estatutos, e as limitações legais que

daí decorrem. Portanto, não há como

resolver essas situações a bem de uma

justiça pronta e célere, que é

absolutamente essencial para que as

coisas corram a contento.

Há aqui dois magistrados coordenadores

de uma comarca piloto que poderão dar-

vos uma indicação sobre os seus juízos,

porque os seus dois juízos de execução,

juntamente com o de comércio, são três

pontos absolutamente essenciais para o

sucesso do mapa judiciário e é aí que se

joga o interesse, não diria das pessoas de

maneira geral - porque também há os

tribunais cíveis, os juízos cíveis, e os

tribunais de família e menores que também

são relevantes, do ponto de vista pessoal -

mas das empresas e da satisfação de

interesses absolutamente relevantes, de

que muitas vezes decorre uma má imagem

da justiça, porque é aí que as pessoas

sentem no seu bolso (se as suas empresas

andam, se são liquidadas em benefício dos

trabalhadores, se os credores tem obtido o

ressarcimento dos seus créditos). E é aí,

nesses três pontos essenciais da comarca,

que se joga grande parte do sucesso do

mapa judiciário.

Essa solução, e esse problema que vem a

seguir são, de facto, problemas de

somenos resolução, que é a falta de

funcionários.

Quanto ao mapa judiciário, há a maneira

como a presidência se relaciona com

outras entidades, houve um grande

benefício. Benefícios quer com as próprias

autarquias, quer quando se dirige à

comarca. Na verdade, há um ganho tanto

para o serviço como para esses

organismos quando se querem relacionar

com a comarca e obter eventuais pedidos,

relativamente mesmo à própria cedência de

instalações, por exemplo para organização

de eventos. Há, pois, uma maior agilidade

e celeridade nesse aspecto.

Na minha comarca, por outro lado, há um

problema que não temos, que foi o facto de

não termos herdado uma grande

pendência. Contamos também com um

corpo de funcionários empenhados e

mobilizados, mas que é insuficiente e a

solicitar algum reforço em algumas áreas, e

274 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

que tem sobrevivido à custa de um grande

esforço de profissionais que se empenham

profundamente nisso, em particular, dos

juízes e escrivães.

Além disso, não tenho mais nenhuma

queixa em relação à administração da

comarca, a não ser o pedido já formulado

ao senhor Director-Geral da Administração

da Justiça que aqui, uma vez mais reitero,

quanto à satisfação de um conjunto de

funcionários, penso que cerca de 10

funcionários.

Muito obrigado a todos.

S9

Boa tarde a todos. O contributo que

eventualmente vos possa dar tem a ver

com as experiências de modernização e de

reestruturação de organismos da

Administração Pública central, regional e

local. E penso que algumas questões que

aí se colocaram, ir-se-ão também colocar

neste processo de transformação, e

portanto, penso que elas poderão ser úteis.

Tenho muitas questões. Vamos começar

pelas mais importantes e depois veremos

se temos tempo para abordar as outras.

Começaria por uma que já foi aflorada e

que me parece determinante, que é a

gestão por processos, ou a optimização de

processos, ou a reengenharia de

processos.

O que está em causa é determinar em

cada momento, agora e no futuro, quais

são as actividades relevantes para que os

processos possam ser eficazes. Onde

estão os estrangulamentos que

eventualmente estejam a comprometer os

prazos previstos? Como é que podemos

intervir, optimizando sobre esses

processos? Quais são as actividades que

efectivamente acrescentam valor e aquelas

que não acrescentam nenhum valor, que

são redundantes e podemos eliminar sem

prejuízo nenhum para o processo e para

uma boa decisão? Quais são os custos

associados a todo este trabalho? Qual é o

valor que acrescentamos, de facto, ao

transformar estes processos? Portanto,

esta é parte da tramitação do processo e

que, de facto, alguém tem de pensar e tem

de verificar como é que pode ser

melhorado.

Uma questão que se colocará,

seguramente, nestas experiências piloto é

se eventuais soluções optimizadas podem

ser constituídas como boas práticas que,

eventualmente, possam ser adoptadas por

outras comarcas. Ou se essas boas

práticas podem ser transformadas, de

alguma forma, em orientações, em

regulamentos ou manuais que possam ser

utilizados por outras comarcas e por outros

tribunais.

A segunda componente da gestão por

processos são as tecnologias de

informação, sendo que as tecnologias de

informação por si só não resolvem nenhum

problema. Elas resolvem ou ajudam a

resolver os problemas se se traduzirem em

melhores práticas. Não posso informatizar

o caos. Se eu estiver a informatizar

milhentos processos mal definidos, com

certeza que aquela solução não resolve

nenhum problema.

Por outro lado, mesmo boas soluções, bem

concebidas, muitas vezes são mal

utilizadas. E estamos fartos de verificar

aplicações boas a serem muito mal

utilizadas nas organizações públicas e

privadas também, por várias razões, a

primeira das quais é a formação. As

pessoas não têm, normalmente, boa

formação, nem a formação em tempo

suficiente, nem a formação prática para

que possam dominar a aplicação. E se não

dominarem a aplicação, qualquer um de

nós se desenrasca, só que os dados

depois faltam, estão ausentes, e não

conseguimos depois que ela funcione

Anexo 275

adequadamente. Portanto, temos que ter

boas soluções informáticas, bem

conhecidas, bem dominadas e bem

utilizadas. E isto é passível de verificação.

A terceira componente da questão da

gestão por processos e que condiciona as

duas primeiras é a lei, porque eu posso ter

o processo, a tentativa de o optimizar,

posso ter uma boa solução informática,

mas a lei processual impede muitas vezes

de conseguir melhores resultados. Isto é

particularmente visível nas autarquias, em

particular no domínio do urbanismo, em

que de facto, há prazos extensos, e mesmo

que todos cumpram estritamente os prazos

que estão previstos, não é possível reduzir

o prazo porque a tramitação está feita de

tal modo que não é viável, mesmo pela

melhor solução informática que tenham.

Portanto, a primeira questão, e penso que

estes projectos-piloto podem dar um

excelente contributo e reflectir sobre isto, é

como é que a gestão por processos pode

ser optimizada, como podemos seleccionar

as melhores soluções, e como é que as

podemos disseminar para outros

contextos?

Colocava já a segunda questão, que é uma

questão, do meu ponto de vista, que pode

determinar o sucesso ou insucesso deste

tipo de abordagens e que não tem nada a

ver com questões jurídicas, e que tem a ver

simplesmente com a gestão da mudança.

Ou seja, estamos a fazer transformações,

orgânicas, processuais, de estrutura e

estamos a lidar com pessoas. E todos

resistimos à mudança, todos! Uns

confessam mais do que outros, é certo,

mas todos resistimos à mudança, pelo que

temos que contar que há, inevitavelmente,

por parte dos actores envolvidos,

fenómenos de resistência à mudança, e

que esses fenómenos de resistência que

se manifestam podem comprometer boas

soluções.

Portanto, a implementação destes

projectos-piloto, do meu ponto de vista,

fazia todo o sentido, que fossem

acompanhados de acções de gestão da

mudança, questões de comunicação, de

envolvimento das pessoas, de informação,

que possam, de facto, levar as pessoas a

sentirem que são parte do processo e que

não são, de alguma forma, ameaçadas

pelas transformações que estão a decorrer.

Na legislação verifiquei que há formação

prevista para os juízes presidentes, para os

administradores, mas há outro tipo de

formação que fazia todo o sentido que

fosse feita nestas experiências piloto – e

não me refiro a formação técnica, refiro-me

à formação comportamental, formação

sobre trabalho em equipa ou outro, que

ajuda e, há pouco foi óptimo ouvir dizer que

funciona, que há possibilidade de comparar

entre unidades, o desempenho. Portanto,

estas acções de gestão de mudança, creio

que facilitam bastante esse espírito de

equipa e esse contributo para que os

processos tenham sucesso.

A terceira questão é uma questão um

pouco mais delicada, mas eu não resisto a

colocá-la e penso que o posso fazer. Trata-

se da questão da avaliação. A avaliação é

fundamental e temos de estar preparados,

também, para lidar com esta questão e isso

significa várias coisas. Significa, em

primeiro lugar, escolher indicadores de

medida úteis. Nós não precisamos de

muitos indicadores de medida, mas

precisamos de alguns, que nos permitam

perceber se estamos a ter sucesso ou não

estamos a ter sucesso.

Em segundo lugar, devemos ter padrões de

referência. Eu percebo que, de repente,

não se consigam gerar padrões de

referência, temos que ter experiência,

demora algum tempo. Mas, com a

utilização destes indicadores, ao longo do

tempo criamos condições para ter padrões

de referência. E isso é muito importante,

quando temos de tomar decisões sobre

pessoas, sobre tempos, sobre capacidades

276 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

ou sobre instalações.

Estas duas questões dos indicadores e dos

padrões de referência, penso que fazia

todo o sentido trabalhá-las. E daí, a

produção de estatísticas que nos permitam

perceber em que medida é que estamos a

atingir os objectivos de que partimos para

este projecto, nomeadamente de custos,

que é uma abordagem, que há pouco,

quando foi apresentada a experiência de

Espanha, me pareceu particularmente

interessante pelo facto de que tudo isto

custa dinheiro, que é um bem cada vez

mais escasso, pelo que também devemos

medir o impacto que este tipo de soluções

tem mais tarde.

Depois a avaliação pode ser interna ou

externa, ou talvez deva ser as duas coisas.

E em relação a isso, penso que há formas

hoje mais do que estudadas, aplicadas na

administração pública, de fazer estas

abordagens. Ora, os tribunais não serão,

seguramente, diferentes dos outros

organismos públicos.

A última questão é a questão da

comparação. Ou seja, se vamos medir e

comparar com padrões de referência, em

que medida é que podemos utilizar – e vou

utilizar agora dois chavões – ou o

benchmarking ou o e-learning para

podermos perceber se estamos no bom

caminho e em que medida podemos

introduzir melhorias necessárias e avaliar

os resultados depois de introduzidas essas

medidas.

S10

De acordo com o que ouvimos hoje à tarde

e em relação àquilo que tenho tido

oportunidade de acompanhar recentemente

na área da justiça, mas já há algum tempo,

em termos de outros sectores da

Administração Pública, só vou referir três

ou quatro questões.

A primeira tem a ver com o contexto em

que estamos, que é claramente um

contexto da nova gestão pública e que

apareceu já há algumas décadas, mas

muito ligado à questão da gestão por

objectivos, da accountability, que de

alguma forma esteve ligada a mudanças

muito importantes na Administração

Pública.

A accountability surge não só numa

perspectiva de prestação de contas

financeira, mas basicamente de prestação

de contas à sociedade. É preciso prestar

contas e isto leva-nos a um outro conceito

que é o conceito do que é o retorno social.

Qual é o retorno que a sociedade tem com

os serviços públicos, e aqui é obvio que

temos serviços públicos como é o caso da

educação, da saúde, onde existe

concorrência, e que portanto, de alguma

forma, pode ser escolhido. Temos outros,

como a justiça, onde não existe

concorrência, e portanto, onde o serviço

público é muito importante. Mas eu não vou

falar sobre isso, porque sou a pessoa que

menos sabe sobre isso aqui.

O que eu quero dizer é que a nova gestão

pública assenta na perspectiva do cidadão

no centro, como já foi aqui muitas vezes

referido, e o cidadão que entra num duplo

papel. O papel de utilizador do serviço

público e que tem expectativas em relação

a ele, mas, também, alguém também que

paga esse serviço público. Portanto, um

contribuinte que vai financiar o serviço

público.

As expectativas levam-nos, de alguma

forma, a ouvir muito do que foi dito hoje, e

do que tem vindo a ser dito, e a encontrar

duas preocupações, por vezes, diferentes,

mas que, no fundo, têm que ser conciliadas

e eu penso que a grande dificuldade em

termos de estratégia e a longo prazo é

exactamente esta questão do equilíbrio

entre o custo da justiça e o modelo de

gestão. Naturalmente que eu estou a falar,

em termos de modelo de gestão, de qual é

Anexo 277

o modelo de gestão que menos custa e

melhor permite servir a sociedade.

Eu diria que os modelos de excelência têm

vindo a ser muito utilizados pelos

organismos públicos em várias áreas,

algumas já com algumas décadas de

experiência, mesmo na Europa,

nomeadamente na educação, e, neste

momento, nas Câmaras com grande

dinamismo.

Mas, eu diria que é sobretudo um modelo

que interessa em termos do modelo.

Primeiro, é um modelo com muitos

critérios, ou seja, não interessam apenas

os ganhos de eficiência, não interessa

apenas medir ou avaliar quais são os

resultados, mas interessa avaliar um

conjunto de critérios em simultâneo.

Um dos critérios que no caso da justiça tem

que ter um peso diferente é o critério

sociedade. Como é que a sociedade avalia

a gestão da justiça? Mas, efectivamente,

muitos critérios (…).

Eu penso que o modelo de excelência,

para além desta questão da existência de

muitos critérios (meios, pessoas,

estratégia, liderança, resultados a vários

níveis e indicadores-chave), tem uma outra

questão muito importante e que deve

preocupar mais, que é a questão da

melhoria contínua.

A melhoria contínua, ou seja, colocar um

modelo de gestão no terreno, que obtenha

a curto prazo, resultados relevantes, não

será difícil. Nós hoje ouvimos aqui, e para

mim com muito agrado, que o modelo

português é um modelo que vale a pena,

embora comparativamente com o modelo

espanhol é um modelo distinto do ponto de

vista daquilo que é o papel da liderança, o

que significa que não há um modelo, há

vários modelos. Os pontos de partida são

diferentes e as estruturas também e,

portanto, penso que ninguém quer

encontrar o modelo.

Mas, a questão não está só em conseguir

ou não encontrar reduções nos tempos do

processo, nos custos, em melhorar um

serviço no imediato, mas está antes em

termos estratégicos assegurar que o

modelo de gestão vai continuar e permitir

que a melhoria se faça. Pontualmente,

ouvimos alguns comentários que nos dão

esta ideia, todos os que tiveram

responsabilidades de gestão de equipas

sabem que os voluntarismos são

fundamentais, não vivemos sem eles, mas

em termos sistemáticos, não levam a uma

melhoria sustentada.

Portanto, eu penso que é este tipo de

preocupações que se exige ao modelo de

gestão e sobretudo a quem, no fundo, está

nesta experiência piloto.

Isto leva-me a mais dois pontos. Estando

de fora deste processo e das suas

discussões, assisto àquilo que várias

pessoas antes de mim referiram que é um

processo de mudança e um processo que

requer uma nova estratégia. Há, de facto,

necessidade de encontrar uma estratégia

ponderada, estrutural, que exige alteração

de cultura e meios de tecnologia e

humanos em termos, nomeadamente, da

qualificação como foi aqui referido.

Existem também competências, que eu

prezo muito, e tem sido uma experiência

fantástica estar a participar nestas

discussões, até porque tenho aprendido

muitíssimo, mas eu penso que

percebemos, ou pelo menos a minha

perspectiva é de que os magistrados aqui

presentes são pessoas, que para além de

juízes, têm características gestionárias. A

forma como falam, é também de pessoas

que têm uma sensibilidade muito especial

para a missão que assumiram e

certamente por isso terão sido escolhidos.

E certamente muitos outros que não o

foram terão as mesmas características.

Mas, isto não é automático e portanto,

aquilo que me parece é que no modelo

278 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

escolhido de concentração, que aparenta

ser um modelo com as virtualidades aqui

descritas, a questão das competências é

também muito importante não só ao nível

de topo, mas também a outros níveis,

porque por exemplo, gerir orçamentos não

é um dom, nem é sequer algo que não

tenha que ser aprendido ou pelo menos

reflectir-se sobre o que isso significa.

Portanto, assistimos, nesta perspectiva, a

um processo de mudança que exige muito

e de muita gente a vários níveis, e exige

que não se confunda aquilo que é uma

melhoria incremental, que é reduzir o

tempo de um processo e aquilo que é uma

melhoria estrutural, que é melhorar o

serviço público para a sociedade. E aí

entramos numa área delicadíssima e onde

o envolvimento dos que estão no sistema é

fundamental, do ponto de vista da reflexão

e da discussão.

Eu penso que, pelo que percebi do caso

espanhol, essa reflexão foi feita ao

decidirem o que é essencial e o que não é

essencial. E nós achámos, e penso que os

testemunhos que aqui foram dados foram

nesse sentido, que a perspectiva é outra. É

muito importante, de facto, o modelo de

concentração, mas então em que é que o

responsável deve efectivamente focar a

sua atenção? Em analisar estatísticas para

ver que os processos estão atrasados, ou

em perceber como é que vai gerir as

pessoas que tem de deslocar e que não

tem. Ou seja, é preciso subir o patamar e

tentar perceber qual é verdadeiramente o

papel, neste caso, do responsável desta

unidade orgânica, que tem tantas

responsabilidades em simultâneo. Isso é

um desafio muito importante.

Na minha perspectiva, penso que isto tudo

toca num aspecto muito importante, que

tem a ver com a definição de funções,

responsabilidades e competências.

De fora, olhando para a legislação

espanhola e para a nossa, com o meu

olhar preocupado pelas questões da

gestão, aquilo que eu vejo é que no caso

espanhol, muito provavelmente fruto do

percurso que tiveram de vários anos de

reflexão, as competências estão muito mais

claramente definidas.

No caso português, parece-me que há, do

ponto de vista da gestão, alguma ausência,

pois, na prática, das duas uma, ou cada um

sabe tão bem o seu papel que as coisas

funcionarão perfeitamente, ou então vão

criar situações, pelo menos na minha

perspectiva, de alguma dificuldade.

Posso concluir de tudo o que aqui foi dito,

que muito caminho foi feito, e que há muito

optimismo e dedicação, o que eu acho

fundamental nestes processos para que as

coisas avancem positivamente. Acho que

não se mostrou tanto foi a seguinte

preocupação: passada a fase dos

processos e do modelo de gestão no

imediato, quais são os patamares de

qualidade que se pretendem do serviço

público que são os tribunais? É uma

questão muito difícil, mas é fundamental

em termos de modelos de excelência

porque é essa que garante a melhoria

contínua e a sua sustentabilidade.

Depois, há a questão da gestão dos

recursos. Ora, não se pode gerir o que não

se detém. E isto parece-me que, de

experiências que testemunhei em outras

situações, há responsabilidades que estão

acometidas aos juízes sobre meios que

não detêm e que não dependem de si. E

isto tem a ver com aquela confusão entre

funções, responsabilidades e

competências.

Mas, voltando à questão final, e eu

identifico-me muito com aquele diálogo

utilizado muitas vezes quando se fala de

missão, no conto Alice no País das

Maravilhas, em que a certa altura há uma

encruzilhada, há várias hipóteses e ela

pergunta: “Que caminho é que devo

tomar?”. E, naturalmente, que lhe

Anexo 279

perguntam: “Então mas para onde é que

queres ir? É que se não sabes para onde ir,

qualquer caminho serve”. E com isto eu

diria que me parece que o que

verdadeiramente importa, para além dos

indicadores quantitativos, embora

fundamentais, até para ir motivando quem

está no terreno e quer ver melhorias, é

perceber os indicadores qualitativos

estruturais que têm a ver com a tal

estratégia que terá de ser definida. Esta é a

minha leitura.

Debate

S11

Eu sou juiz na grande instância cível da

comarca (…) e penso que este optimismo

que se denotou das palavras dos senhores

juízes resulta de um certo ambiente, é

preciso mudar alguma coisa e é preciso dar

uma nova face. Eu acho que todos os

colegas que vieram comigo e todos os

intervenientes da justiça estão a precisar

disto, porque tanto ouvimos que as coisas

estavam mal, estavam desorganizadas...

Temos agora este começo, esta nova

unidade orgânica com possibilidade de

avançarmos e eu penso que há muita

gente motivada. E não é por falta de

vontade de muitos magistrados e

funcionários que as coisas não podem

andar. Temos também a sorte de ter um

juiz presidente com uma grande

capacidade de gestão, de tolerância e de

diálogo, que motiva as pessoas numa

posição de “vamos todos trabalhar“ e não

encolher os ombros. E é muito importante,

de facto, a pessoa que está à frente de

determinados cargos. (…) uma última

questão (…) que me parece fundamental

porque não se pode falar de uma

organização e de gestão sem falar de

avaliação, e sem falar de competências e

de responsabilização. Tenho pena que isso

tenha ficado um pouco para trás nesta

nova orgânica judiciária porque isso é

fundamental, não só para os cidadãos mas

para todos nós que trabalhamos na área da

justiça. Penso que há muitos anos que se

anda a falar de ponto de contingentação

processual ou nos tais indicadores, mas

penso que isso é fundamental para nos

motivar também para trabalhar, porque as

condições que temos para trabalhar

também são o que nos motiva ou nos

desmotiva. Parece-me que a parte da

contingentação processual é muito

importante quer ao nível da gestão, quer ao

nível da responsabilização, da eficácia, da

qualidade e penso que isso é um passo

que tem tardado um pouco a ser dado e

que eu gostaria, de facto, de ver um pouco

adiantado.

S12

Eu sou procuradora-geral adjunta

coordenadora da comarca (…) e gostava

de dar aqui o meu testemunho desta

experiência e da anterior. Sendo que sou

originária de uma magistratura do

Ministério Público muito mais habituada a

hierarquia, a uma rotina de especialização

e de coordenação – evidentemente que

dessa experiência já havia meio caminho

andado - tenho sido confrontada com a

experiência de ver os juízes a avançarem

nisso e relativamente a nós, Ministério

Público, é que não quer dizer que as coisas

estejam a correr mal, antes pelo contrário,

mas vejo com alguma apreensão – (…) –

não tenho sentido da parte da hierarquia

superior – e não sei se os meus colegas

sentem o mesmo – alguma compreensão

para o benefício que aquela estrutura,

apesar de nós, Ministério Público, já

funcionarmos de uma forma organizada.

280 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Está a correr bem, é interessantíssimo, e é

aliciante. Há apenas aqui algum peso e

algum interesse que possa resolver isto. É

que para além dos problemas estruturais

como sabem, a magistratura do Ministério

Público tem uma falta de recursos

humanos que não tem comparação com a

que tem actualmente a magistratura

judicial. Não há magistrados do Ministério

Público. Não há! A questão é que a

comarca estará hoje com as coisas um

pouco mal distribuídas, mas a nota que eu

dou, e é contra isso que tenho lutado e

continuarei a lutar, é de algum desinteresse

da estrutura superior do Ministério Público,

relativamente a uma experiência que

também para o Ministério Público será

muitíssimo importante.

Apesar disto, não posso deixar de estar de

acordo (…), que é uma experiência, na

minha opinião, muito positiva e enfim, com

os ajustes que ela ainda levar, é uma

experiência positiva.

S13

Sim. Eu queria, de facto, apenas registar

com agrado, as intervenções relativamente

ao funcionamento destas novas unidades.

De facto, das informações que temos tido,

as comarcas, têm funcionado e têm tido

indicadores de funcionamento que são

bastante positivos.

Naturalmente, também corroboro o que foi

dito sobre a qualidade dos juízes

presidentes que foram escolhidos, mas

certamente também dos administradores,

cuja acção não tem sido despicienda nesse

contributo.

Quanto ao modelo espanhol, eu

sinceramente fiquei um pouco surpreendido

porque estava à espera – mas isso por

ignorância minha, confesso – de vir

verificar resultados da aplicação do modelo

espanhol. Não sabia que ainda não tinha

entrado em funcionamento, portanto

ficamos apenas com a expectativa. Só

depois de aplicada é que viremos a saber

se será bom ou se será mau. Certamente

que, e faço esse apelo (…), que daqui a um

ano possamos ter cá os senhores Drs. de

Espanha para nos fazerem uma avaliação

da aplicação desse modelo, porque há ali

alguns aspectos, nomeadamente as

competências relativamente ao secretários,

em que fiquei com alguma expectativa.

Gostaria de deixar aqui duas questões,

(…): quando falou da dificuldade de gestão

dos funcionários, falou-se muito da questão

da gestão e da mobilidade, ouvi falar que

tinha tido alguma dificuldade na gestão de

funcionários. Mas depois, no fim, ouvi-o

pedir mais funcionários. Eu também tenho

pedido. O senhor Dr. fez muito bem. Agora,

a minha dúvida é se o problema é dos

funcionários não estarem bem distribuídos

mas serem suficientes os que lá tem, ou se

é necessário é reforçar com mais

funcionários.

Quanto à questão da mobilidade, eu

defendo - e não temos levantado

nenhumas questões - a mobilidade dentro

de uma área razoável, dentro de uma área

territorial ou só dentro do edifício do

tribunal mas dentro de uma área razoável.

Agora, dentro da própria comarca não

podemos deixar de registar alguma

dificuldade. Estou a lembrar-me de uma

comarca do Alentejo, por exemplo, como é

que é possível esta semana ou para a

próxima, mandar um ou dois funcionários

que estão no tribunal de Odemira, e que

eventualmente, não farão lá tanta falta,

como fazem em Alcácer do Sal.

S7

Mas já agora, permita-me só dizer que, por

vezes, são os próprios funcionários que

querem ser movimentados.

Anexo 281

S13

Pois, mas, naturalmente, quando a vontade

é deles nem se põe a questão! Agora, por

imposição, porque por um instrumento de

gestão tem de ir agora um funcionário ou

dois de Ourique trabalhar para Alcácer do

Sal... Isto, enfim, tem a ver com a vida das

pessoas. Não digo que não seja

necessário, mas é preciso encontrarmos

aqui uma solução razoável.

Última questão, e que gostaria de referir

(…) dois aspectos que eu considero

fundamentais também, que é a questão da

qualificação e das competências,

nomeadamente ao nível das capacidades,

e também a formação, naturalmente. Mas a

formação não só nos aspectos técnicos,

que é fundamental e temos sentido essa

falta, mas também (…), na questão da

formação comportamental, para a tal

imagem de credibilidade. Não só a

resposta dos tribunais é importante, a

melhoria da qualidade e a melhoria da

resposta judicial, mas também a qualidade

e credibilidade é fundamental, e nesse

aspecto, a formação nas áreas

comportamentais é também importante.

S8

Eu gostaria de responder à sua pergunta. E

em relação à intervenção inicial sobre a

implementação do mapa judicial, aqueles

maus pressentimentos que existiam,

gostaria de ouvir a sua opinião sobre se os

mesmos se vieram depois a confirmar ou

não. E as dúvidas, confirmaram-nas ou

infirmaram-nas?

Em relação à questão do número de

funcionários da comarca, se o senhor me

questionar que neste momento o número

de funcionários é suficiente, eu digo que

sim, falando em número. Mas, o senhor

sabe que nem todos os funcionários

respondem da mesma maneira. Há

secções onde estão os sete funcionários,

mas se nós analisarmos bem só três ou

quatro é que trabalham, dois não trabalham

como deviam, um está de baixa e o outro

está a faltar para ir a uma consulta no

centro de saúde. Não está toda a gente ao

mesmo tempo. Pelo que o número de

funcionários seria suficiente se todos

trabalhassem nas mesmas condições.

Por exemplo, eu tenho o tribunal de (…) e

ao lado está o tribunal de execução (…),

que dista das duas unidades orgânicas

cerca de 10km. O problema é que os

funcionários que estão a mais em (…) são

todos de (…). E eu compreendo muito bem

que ao fim do dia queiram ir todos de

regresso à sua cidade e lhes fica muito

mais económico. Mas (…) não fica muito

mais distante (…) que envolva grande

sacrifício para eles. Ora neste caso

concreto, eu estou a falar de duas unidades

orgânicas, como disse, que distam cerca

de 8 a 10km e em que os funcionários

recusam-se a ir para outro tribunal. E eu

tenho de respeitar.

Temos aqui (…), juiz do juízo de execução,

que teve de pedir “Pelo amor de Deus” e

nem assim eles aceitaram.

OPJ

Mas então o seu problema é de falta de

funcionários ou é de critérios de avaliação?

Porque se lá estão sete funcionários mas

só quatro trabalham, onde estão os outros?

Vamos substituí-los por outros quatro, e

então o que fazemos a esses?

S8

Eu considero que tem de haver mais

critério no recrutamento, na formação, mais

exigência na permanência, etc. Agora em

termos de número, eu diria que sim, que

são perfeitamente adequados, não houve

nenhuma discrepância, nenhuma má

282 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

surpresa quanto ao número. O problema é

que há necessidade de os poder mobilizar,

porque estão a mais num sítio. Deveria

haver um mecanismo ao nível da comarca

com que se pudesse compensar os

funcionários desse esforço e dessas

despesas.

Mas, mesmo em termos de orçamento,

eles estão fixados a cada uma das

unidades orgânicas. O administrador

judicial não consegue transportar uma

verba de uma unidade orgânica para a

outra. Nós não temos essa possibilidade,

apesar de estarmos a tentar sensibilizar o

Ministério da Justiça nesse sentido. Ou

seja, a gestão e a administração debatem-

se com estes constrangimentos na prática.

S7

Eu quero fazer uma precisão relativamente

à afirmação que fiz no que toca à

mobilização dos funcionários judiciais (…).

A questão é só esta e é simples: existe

hoje, legalmente, uma discrepância entre

aquilo que é possível fazer relativamente a

magistrados judiciais e aquilo que é

possível fazer ao nível da gestão de

recursos de funcionários. Ou seja, hoje o

juiz presidente tem como competência

poder propor ao Conselho Superior da

Magistratura a reafectação de juízes a

outra ou outras unidades orgânicas e tem

também a possibilidade de uma outra figura

que é a da acumulação de serviço. A

reafectação não depende da aceitação do

próprio, já a acumulação de serviço sim.

Isto é, o juiz presidente pode considerar

que o magistrado, não obstante o muito

trabalho que já tem, pode, com sacrifício

pessoal, acumular funções noutra unidade

orgânica. A reafectação é outra coisa.

Parte de uma avaliação que é dizer o

seguinte: este magistrado tem um serviço

que fica um pouco aquém das suas

capacidades normais, digamos assim, e

existe outra unidade orgânica em que

essas capacidades podem ser

aproveitadas em termos profícuos, sem

prejuízo da unidade orgânica de que esse

juiz é titular.

Há, ainda, uma terceira possibilidade que é

a de propor ao Conselho Superior da

Magistratura a colocação de juízes da

bolsa na área da comarca.

Ora, em termos de funcionários judiciais

nós não os podemos movimentar sem

mais, na área da comarca. E o que eu

queria precisar é isto - eu não disse que

defendia uma movimentação acrítica e sem

regras. O que eu penso que poderá ser

proveitoso é estabelecer, pelo menos, um

regime idêntico àquele que hoje está

previsto em termos de afectação de juízes.

S15

Eu sou advogado, e ao longo da minha

experiência profissional trabalhei longos

anos no sector financeiro privado. Não

concordo com essa visão aligeirada que diz

que o sector privado funciona muito bem e

que a resposta do sector público é uma

desgraça. Porque julgo que, aliás, na

Administração Pública há muitos exemplos

de eficiência dos serviços.

Estou-me a lembrar, por exemplo, da Caixa

Nacional de Pensões, que todos os meses

coloca cá fora pensões para mais de um

milhão de pessoas. E com certeza que há

muitos outros bons exemplos de

funcionamento.

O que por vezes me inquieta é perceber

que nestes serviços que têm que gerir

processos com qualidade, não haja nem

nunca tenha havido profissionais, técnicos

de organização e método. Porque mesmo

para um juiz, não é indiferente saber como

é que começam a trabalhar os processos

que lhe chegam diariamente da secretaria.

Trabalha-os como? Faz alguma

Anexo 283

separação? Trabalha-os tal como eles

chegam? As respostas, os tempos, não vão

ser indiferentes.

Na verdade, há uma série de operadores

do sistema de justiça que sobre essas

matérias não têm, praticamente, nenhum

conhecimento. Pelo que eu acho que as

avaliações são necessárias mas não gosto,

pela experiência que tenho, de ouvir falar

muito em avaliações e não ouvir falar, por

exemplo, de preocupações como dar a

todos, incluindo aos juízes, aos

funcionários e também aos procuradores

do Ministério Público, alguns

conhecimentos para melhorar as sua

próprias formas de trabalhar e intervir nos

processos. Portanto, julgo que deve haver

mais atenção a estes procedimentos, ao

saber e às competências de técnicos que

não são, propriamente, oriundos do meio

judicial, mas que julgo terem um papel

muito importante para ajudar na eficiência

do sistema.

S5

Eu gostaria de responder ao que foi dito

nas últimas intervenções, sobretudo, à

penúltima. Eu gostaria de vos informar,

dentro de um ano, do resultado do novo

modelo, porque é claro, também para nós

em Espanha, que o modelo actual não

funciona. Também é certo, desde que

iniciámos os estudos em Espanha sobre a

situação e a possibilidade de incorporar o

novo modelo, que estamos em frente de

um mecanismo, de uma maquinaria muito

lenta. Aparentemente, parece disparatado

pensar que levámos tantos anos debatendo

que o modelo não funciona e que há novas

ideias que confluem e que as autoridades

nos reclamam.

Hoje fala-se de novas técnicas de gestão,

responsabilidade e controlo, e isto ao

princípio pareceu-nos um pouco afastado

do mundo da justiça. Éramos, pelo menos

no que se refere a Espanha, um mundo à

parte, em que os cidadãos se aproximavam

da justiça com um temor quase reverencial.

Para quê solucionarmos um conflito que já

era endémico?

Ora, é óbvio que a sociedade nos reclama

algo diferente. Algo mais próximo, em que

se possa participar e aplicar estas

equações normais – como referiu o último

interveniente – próprias de uma empresa

privada, guardando as distâncias e

respeitando as diferenças, como é

evidente, porque estamos a falar de um

serviço público, a quem se reclamam

resultados. Estamos perante um poder do

Estado que tem de prestar esse serviço

público, resolvendo os conflitos, de uma

forma próxima. Algo a quem se podem

pedir responsabilidades e

fundamentalmente resultados.

Eu volto a dizer: provavelmente não

funcionará o modelo que estamos a

instaurar porque cometemos um erro

enorme de cair num movimento pendular –

ir de um modelo que não nos serviu para

outro completamente ao contrário. Mas só

dentro de um ano ou mais, quando terminar

o ciclo de 5 anos, por exemplo, é que

poderemos verificar onde é que colocamos

o fio da balança, onde está o equilíbrio,

porque, seguramente, no equilíbrio, estará

a solução.

S16

Eu sou secretário de justiça. Tinha algumas

questões que gostaria que fossem postas à

consideração. A primeira diz respeito (…) à

análise estatística. Salvo o devido respeito,

e posso não ter interpretado bem a sua

intervenção, o CITIUS para os magistrados

e o HABILUS para os funcionários - e vejo

isso no tribunal – tem uma área de

informação onde se vê, claramente, o

tempo dos atrasos dos processos, os

processos não movimentados, bem como

há um mapa global em que se vêem

processos a arrastar-se há dez anos.

284 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

OPJ

A questão é saber se esta aplicação está

disponível para os senhores juízes

presidentes.

S8

Nós não temos essa aplicação e também

há constrangimentos legais (…).

S6

O que eu ia dizer não era tão só isso, mas

sobretudo que, exactamente, aquilo que se

vê não é o que está atrasado mas sim o

que não foi movimentado, que são duas

coisas diferentes. Porque o processo pode

não ser movimentado há três meses e não

estar atrasado, se o prazo para o

movimentar for superior a três meses. E,

justamente, nós temo-nos debatido com

esta dificuldade (…) porque, por exemplo, a

comarca (…) é uma comarca com

pendências acumuladas gravíssimas.

Aliás, embora a nova reforma preveja a

colocação de meios humanos para

recuperar essas pendências, eles não

foram colocados, e por isso, a experiência

piloto está-se a fazer com a tentativa de os

recuperar.

Temos esse problema que apenas está a

ser ultrapassado agora com a

implementação de um sistema no juízo de

execução – que aproveito para referir que

tem 50.000 processos e um escrivão –

devendo ser o maior juízo do país e onde

era absolutamente impossível, até aqui,

saber o que aí se passava. Portanto, houve

necessidade de estabelecer um critério de

codificação com o senhor administrador

judiciário que tem estado a desenvolver

com aquela escrivã, de forma que têm

estado a introduzir códigos nos processos

que nos permitam saber, esses sim, que

processos estão atrasados e para quê.

OPJ

Esse instrumento está a desenvolvê-lo na

sua comarca, mas pode não estar a ser

desenvolvido em outros locais onde deveria

ser.

S6

Mas o que eu quero dizer é que aquilo que

(…) refere como sendo uma deficiência do

sistema informático é exactamente assim e

que apenas com recurso a esta tentativa de

uma boa prática é que nós estamos a

conseguir dar a volta.

S8

Ainda há poucos dias tive uma situação

concreta, em que o funcionário estava a

tirar o prazo de Setembro. E como nesta

situação sou eu que tenho de perguntar

porque não tenho acesso a esses

elementos. Tenho de me basear sempre

nos elementos que me são dados, a não

ser que depois vá agir por reacção.

S17

O que eu queria dizer é exactamente sobre

esta matéria. As aplicações não são

acessíveis por todas as pessoas que

intervém no sistema. Ou seja, eu

intervenho no sistema mas não tenho

acesso a todas essas informações. O

senhor secretário terá essa informação,

mas o presidente do tribunal não tem.

Parece um contra-senso. Mas é preciso ter

noção que o acesso privilegiado que alguns

Anexo 285

intervenientes têm não é extensível a

todos, nomeadamente, aos presidentes.

OPJ

Mas é natural que tenhamos níveis de

acesso diferenciados. Mas o que é preciso

é definir, em protocolo, quem é que deve

aceder e parece-me que o juiz presidente

deve ter acesso a todos os instrumentos.

S16

Houve aqui, aliás, uma questão (…) os

tribunais muitas vezes não estão

dependentes deles próprios. Estão

dependentes do Instituto de Medicina

Legal, das empresas de telecomunicações,

mas também de uma entidade em relação

à qual sou bastante crítico, no que toca às

execuções.

Como se sabe, 50% ou 70% dos processos

pendentes nos tribunais são acções

executivas. E o que é estranho é que se

ouve na comunicação social, os jornalistas

e até muitas vezes gestores e economistas,

colocarem os tribunais nas ruas da

amargura, esquecendo-se que, neste caso,

as execuções estão no sector privado.

Desde 15 de Setembro de 2003 que as

acções executivas estão no sector privado.

E isto é que ninguém vê! Todos falam dos

tribunais mas, de facto, isto devia ser

ponderado e analisado.

Há cerca de um mês estive a preparar o

relatório anual a enviar para o Conselho

Superior da Magistratura e verifico que há

situações gravíssimas dos solicitadores de

execução porque, por exemplo, não fazem

as comunicações como estão previstas na

lei. Há uma série de situações em relação

às quais considero que, se houvesse rigor,

qualidade e eficiência, possivelmente os

tribunais teriam uma diminuição de 1/3 ou

mais dos processos.

S1

Muito bem, mas nós vimos que, nesta

reforma, estamos a falar de pendências em

outros tribunais que não só nos tribunais de

execução. De facto, a reforma do mapa

judiciário, veio permitir fazer esta

separação e muito bem, como os senhores

Drs. salientaram. Mas estamos a falar de

pendências dos tribunais civis e de outras

jurisdições, que não são, propriamente, só

as questões das acções executivas.

S18

Eu não estou ligado directamente à justiça,

sou sociólogo de profissão mas interesso-

me por estas questões e tenho

responsabilidades sindicais.

A questão que eu queria colocar é se este

novo mapa judiciário, a territorialização da

justiça, digamos assim, vai promover um

maior acesso à justiça pelos que menos

podem ou se, por outro lado, vai potenciar

ainda mais o acesso à justiça dos que mais

têm.

Eu sou de uma região onde o desemprego

afecta milhares de pessoas e onde as

insolvências são mais do que muitas. Há

uma conflitualidade social cada vez maior,

pelo que se impõe saber se este modelo,

que agora emerge, é um modelo que vai ter

em atenção esta dualidade social e se vai

potenciar que a justiça sirva estes cidadão

desamparados ou se, de facto, vai

potenciar os que mais acesso têm a ela, as

grandes empresas e interesses

económicos.

A outra reflexão tem a ver com a

especialização. Acho muito bem a

especialização. Porque tendo um grupo x

de funcionários, se um deles adoecer ou

tiver que faltar, pode ser facilmente

substituído.

286 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

Outra questão que queria levantar é da

avaliação. Nós estamos num processo de

avaliação da função pública, e o que se

coloca aqui é saber quando é que são

avaliados os avaliadores. Se os critérios

que são aplicados para a avaliação são, de

facto, idóneos ou são outros critérios que

não tem nada a ver com a performance dos

trabalhadores.

S19

Sou procuradora-geral coordenadora do

Ministério Público numa comarca piloto. Na

minha comarca, os problemas que se

colocam são, de certa forma, transversais

às três comarcas piloto. Como foi dito há

pouco, não se gere o que não se tem.

Faltam magistrados.

Desde que estou na minha comarca, ainda

não consegui ter o quadro completo de

magistrados. Quando consegui completá-

lo, começou a faltar uma magistrada – e

não está em causa o direito de os

magistrados faltarem, nomeadamente,

quando as magistradas estão em licença

de maternidade. É um direito que lhes

assiste e que não pode, de maneira

nenhuma ser posto em causa, mas

considero que o sistema tem de ter formas

de responder quando há estas faltas e

estas ausências ao serviço.

Assim como também não consegui ter um

quadro completo de funcionários, que têm

todo o direito de estar doentes. Mas o certo

é que o sistema não me responde e não

me permite ter alguém que os possa

substituir.

Quando chegarmos a Abril de 2010,

provavelmente aquele resultado que se

pretendia na minha comarca e, talvez nas

outras, que era a diminuição das

pendências e maior qualidade do serviço a

outros níveis, não vai ser atingido porque

não temos tido a nível de recursos

humanos aquilo que era desejável e

expectável e que a lei permite e prevê que

tenhamos.

Em termos de delimitação territorial, o que

foi gizado, provavelmente, não teve em

conta as pessoas, pois talvez se tenha

atendido muito apenas às pendências, a

dados estatísticos. Mas, há questões

específicas na minha comarca,

nomeadamente, a nível da especialização

dos juízos de família e menores que estão

distantes relativamente ao município de

(…), que para recorrer a este tribunal, têm

de ir a (…) e para chegar até lá, passam

por (…), onde sempre trataram de tudo.

Tendo em conta que não há transportes

públicos que respondam, tudo isto torna-se

difícil.

Quanto à gestão, eu penso que nós

magistrados, e falo por mim, temos uma

preparação técnico-jurídica, mas é

fundamental termos uma preparação

técnica a nível da gestão dos recursos.

Sinto que, na realidade, isso é fundamental

para quem lidera e gere uma equipa de

funcionários. E é certo que a lei exige que o

magistrado coordenador tenha essa

formação, mas porque estamos no período

experimental não pôde ser cumprida.

Eu sinto na prática, no meu dia-a-dia, que

se torna muito difícil gerir aquilo que à

partida me parece ingovernável, mas

provavelmente, olharia essas situações

com outros olhos se à partida tivesse outro

tipo de conhecimentos que não me advém

apenas da experiência.

Depois há questões de orçamento. Eu

considero que a presidência devia ter um

orçamento, mas não o tem. Tem de ir

buscar um pouco a cada unidade orgânica,

para daí poder gerir o tribunal. Ao mesmo

tempo, também não temos funcionários. Os

funcionários que eu tenho são funcionários

que tive de ir buscar à secção central e que

ficou sem eles.

Os quadros do MP não estão também, de

acordo com os quadros dos juízes.

Anexo 287

Há, portanto, aqui uma série de questões

que ainda têm de ser pensadas.

OPJ

Antes de passar a palavra, gostava de

introduzir uma questão. Várias pessoas

aqui referiram a necessidade de mais

quadros de pessoal. Provavelmente terão

razão, mas surge aqui uma outra questão:

quais são os parâmetros para sabermos se

faltam ou não funcionários, sem termos

aqui uma redefinição de tarefas? Quais são

as tarefas mais importantes e mais

frequentes dentro da tramitação processual

de uma jurisdição de família, criminal,

numa pequena instância, numa grande

instância etc.? Estamos a falar de que

quadros, de que referências?

S20

Sou juiz coordenador numa grande

instância criminal de uma comarca piloto.

Quero, em primeiro lugar, enaltecer esta

iniciativa. Foi das poucas que foram feitas,

no país, desde Abril em relação a este

novo mapa. Depois gostaria de salientar

duas questões que já foram aqui referidas.

A primeira é da formação. Eu sou juiz

coordenador, mas ninguém me deu

formação, a não ser jurídica, para além da

minha experiência pessoal. Ora, a

formação é muito importante. E, quando se

fala destas comarcas piloto, elas carecem,

desde logo, deste handicap. Ou seja, a lei

prevê formação, mas ela não foi dada e

ninguém fala disso.

Por outro lado, também temos a questão

do gabinete de apoio ao juiz. Já existem

umas portarias e uns ensaios sobre isso,

mas não temos nenhum gabinete de apoio

ao juiz. O juiz continua a digitalizar as

peças processuais, a despachar o

processo, a exercer funções de

investigação que poderiam ser delegadas

num funcionário, numa figura próxima do

secretário que lida com o processo, como

em Espanha, e que aqui em Portugal

poderia ser um funcionário que colabora

com o juiz, numa assessoria que está

prevista na lei, talvez de forma limitada,

mas que se poderia pensar em termos

mais amplos no futuro.

Finalmente, um critério objectivo. Quando

estas três comarcas piloto foram

instaladas, em Abril, eu tentei perceber

porquê este quadro e confesso que não

percebi. Porque existem estatísticas da

justiça, mas tenho grande dificuldade em

as perceber. E, portanto, quando se vai

fazer uma monitorização desta reforma e

pensar num modelo de gestão, procurando

o que é melhor para a justiça,

necessariamente tem de se partir de

parâmetros e estatísticas que existam e

que se conheçam.

Eu, por exemplo, não existindo essas

estatísticas ou não me sendo cognoscíveis,

tentei fazer a ratio entre juiz e população,

mas cheguei a conclusões que fazem crer

que a reforma não tem muita consistência.

Estou agora para ver o que vai acontecer

na monitorização, se não se definirem os

parâmetros.

S6

Gostaria de responder à questão de como

é que nós sabemos se precisamos de

funcionários. De facto, não há indicadores

e era urgente que houvesse. Isso é

absolutamente relevante. Sei onde faltam

funcionários e é na comarca de (…) e

passo a explicar porquê. Os funcionários

que lá estão foram pensados e são,

eventualmente, adequados a uma comarca

com um funcionamento normal. Mas nós

herdámos pendências anormais, e por isso

mesmo, as leis que instalaram as comarcas

previram a colocação de funcionários e

juízes para recuperar essas pendências.

Portanto, nessa comarca, pese embora não

288 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

haver esses indicadores, não há dúvida

nenhuma que os funcionários não são

suficientes para aquilo que temos de fazer.

S9

Eu gostaria só de fazer um comentário

sobre a mobilidade e a flexibilidade e,

depois, fazer-vos uma pergunta.

A mobilidade e a flexibilidade têm que ser

abordadas com clareza e respeito pelas

pessoas. E as questões das deslocações

longas, entre outros aspectos, têm que ser

ponderadas. Mas depois, há um conjunto

de outros aspectos, às vezes

completamente disparatados e que limitam

imenso o trabalho e a eficácia das

organizações. Dou-vos alguns exemplos. A

Universidade de Coimbra, na

reestruturação de 2003, tinha onze quadros

de pessoal. Ao passarmos para um único

facilitou muito mais a mobilidade, que em

termos geográficos, não coloca problemas

na cidade de Coimbra.

Um outro exemplo é a região autónoma

dos Açores. Eles têm quadros de ilha.

Dentro da mesma ilha, os funcionários

podem movimentar-se, mesmo entre

serviços diferentes, desde que dentro da

mesma função, o que faz todo o sentido.

A pergunta que gostava de vos fazer é: das

unidades orgânicas que dirigem, quem é

que conhece o seu índice de absentismo?

E se estão satisfeitos com o índice de

absentismo. Porque este é um dado

fundamental para poder gerir a

organização. Isto porque ainda há pouco

tempo estive a trabalhar com uma unidade

que tem sido referência na modernização

administrativa, com cerca de 100 pessoas,

todas jovens, licenciadas, e estimou-se um

nível de absentismo de 4%. Isto é, a

direcção estava à espera de ter

normalmente, noventa e seis pessoas.

Quando se começaram a fazer os primeiros

cálculos, de facto, tinham, na realidade,

oitenta e oito, o que lhes colocava

problemas porque era um horário contínuo

e tinha de encontrar maneira de resolver o

problema. As razões são as melhores: as

pessoas eram novas, casaram-se e tiveram

filhos. No entanto, em vez das noventa e

seis, têm oitenta e oito pessoas e têm

umas condições diferentes de gestão.

Portanto, são estes elementos e

indicadores que são fundamentais para

poder gerir.

S21

Sou procurador da República no DIAP da

comarca de (…). Eu gostei particularmente

da intervenção (…) que focou pontos que

achei da maior pertinência, embora alguns,

nomeadamente a melhoria contínua do

processo seja para nós uma utopia. Pode

ser que exista, mas não está na prática. E

uma das razões porque não existe é a falta

de preparação dos líderes desta operação.

Não recebemos nenhum curso de gestão.

Achei ainda mais interessante a questão da

avaliação, que me fez lembrar a avaliação

dos professores. Porque, como sabem,

olhando para a lei, estamos a três meses

do fim do primeiro relatório de avaliação.

Sendo certo que, tanto quanto percebi, é

importante ter os indicadores de avaliação

e que os operadores que estão no terreno,

nesse processo de mudança, conheçam

esses índices. Ora, se estamos a três

meses e ninguém conhece esses índices,

dá a ideia que estaremos talvez no período

experimental do período experimental.

E, provavelmente, até seria melhor que

assim fosse, para partirmos para uma nova

fase mais organizada. Até porque a forma

como se fez a implementação desta

reforma nestas comarcas foi pouco

preparada, o que causou aos

intervenientes envolvidos uma perturbação

processual que durou meses, por exemplo

Anexo 289

com a transferência electrónica e física dos

processos, a distribuição, a colocação das

pessoas, etc, a que se seguiram férias

judiciais.

Portanto, não seria de todo descabido

saber quem vai fazer essa avaliação e

quais vão ser os critérios. Suponho, à falta

de outro critério, que vão buscar as

estatísticas do Ministério da Justiça e que,

de alguma forma, partam daí.

A ideia da qualidade da mudança, essa

então, está muito para além da prática. A

ideia que eu tenho é que está toda a gente,

ainda, a partir. Ainda não há uma forma

assente de funcionar convenientemente.

Outra questão que também achei

essencial, é o destaque dado ao apoio

informático, que também está, de alguma

forma, desorganizado e desigual. Só a

título de exemplo, a cobertura de banda

larga na Comarca Grande Lisboa-Noroeste

é de 100 megas e na Comarca Baixo

Vouga é de 10 megas. E ninguém percebe

porquê.

Finalmente, o tipo de acções de todos os

operadores e, essencialmente, por um lado

os quadros de gestão da comarca e, por

outro, os operadores de massa que são

funcionários, se não existir, não vai ter

grande êxito. Principalmente na questão da

qualidade do serviço.

Quanto aos poderes do juiz presidente são,

de facto, menos e são poucos. Não é por

acaso que são vagos, como já foi aqui

referido, são mesmo poucos. O juiz

presidente não tem os poderes de gestão,

até, orçamental e devia tê-los, bem como

não tem poderes de gestão processual que

podia ter e não tem informações que na

altura foram discutidas. Houve, aliás,

grande oposição dos membros dos

operadores judiciários, para que o juiz

presidente tivesse mais poderes. Talvez no

futuro devesse ter mais poderes, mas, de

facto, neste momento, tem poucos porque

isso foi pensado.

S10

O que me parece é que, de facto, num

modelo deste género, como foi escolhido,

diferente do espanhol, teria que ter mais

poderes, senão não faz muito sentido a

opção. Há aqui uma inconsistência, pelo

menos, em termos de gestão.

S17

Eu estava a pensar em prescindir da

intervenção, mas como veio a propósito a

questão da competência dos juízes-

presidentes, gostaria de colocar a seguinte

questão: acham ou não que deveriam ter

competência para solucionar todos os

conflitos de competência que surgissem

entre os juízes das vossas comarcas?

Eu não questiono isto de forma inócua. De

facto, qualquer reorganização judiciária

implica conflitos de competência e,

nomeadamente, na área do Baixo Vouga

são quatro ou cinco centenas. São

processos que ficam completamente,

bloqueados, durante meses, e o juiz

presidente ou o Conselho Superior da

Magistratura poderia, eventualmente, tomar

uma atitude imediata. E aquilo que se está

a passar é que como o conflito é suscitado,

processo a processo, são inúmeros os

recursos que vêm aos tribunais da

Relação, quando poderia com uma simples

medida de atribuição dessa competência

aos juízes presidentes solucionar-se as

questões, reservando para o tribunal da

Relação qualquer conflito entre juízes de

comarcas diferentes.

S22

Eu sou do México e estou a fazer

investigação sobretudo nos tribunais de

província. Estou a investigar antropologia

290 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

jurídica nos tribunais. Com base na minha

investigação e nas impressões que recolhi

aqui, surgiu-me uma questão e não quero

deixar passar a oportunidade de a colocar.

Estou a estudar dois tribunais em concreto,

que são bastante informais onde não é

obrigatória a intervenção do advogado.

Ora, estamos perante um paradoxo. Estes

tribunais foram criados com a reforma

judicial, a qual definiu, também, que todos

os critérios de avaliação – pelo menos no

México – são números. E são esses

números que vão classificar como bom ou

mau determinado tribunal. Mas,

curiosamente, em geral as populações, que

acorrem a estes tribunais opinam muito

bem sobre eles, porque aí os funcionários

dispensam-lhe uma atenção que nenhum

outro lhes dá. E eu perguntava-me se este

método de avaliação tão numérico, tão

quantitativo e tão invisível é correcto e se

não há outra forma de avaliação?

OPJ

Trata-se da questão dos critérios de

avaliação, quer interna, quer externa e que

deve atender, também, a padrões de

qualidade.

S23

A reflexão que gostaria de fazer convosco

é qual é que é o significado desta

flexibilidade funcional, espacial, numérica e

financeira, porque foi com agrado que ouvi

dizer que em algumas situações,

nomeadamente na universidade de

Coimbra, não se coloca tanto o problema

da mobilidade espacial, como ocorre

nestes contextos da justiça de que estamos

a falar. Mas, depois, qual é a outra

resistência que devemos ter? Não há

problema na flexibilidade espacial, mas

temos problemas na flexibilidade funcional

e a resistência que se coloca.

No fundo, quais são os dados e os

mecanismos que temos, em termos de

mobilidade funcional e o que é que isso

depois traduz no envolvimento total de

passar de um absentismo para um

presentismo, se não temos eficiência

organizacional?

OPJ

Muito obrigada. Eu daria agora um minuto

a cada um dos intervenientes.

S4

Achei todas as intervenções muito

interessantes. Gostaria, para terminar de

voltar a uma questão que não sei se ficou

clara na nossa intervenção. O modelo

espanhol está a ser implementado agora,

mas tratando-se de um modelo

revolucionário, haverá certamente muitas

dificuldades práticas. Quero salientar que o

processo vai deixar de ser “propriedade

exclusiva” dos do juiz.

Hoje, temos um processo que entra no

tribunal e o juiz diz: “vou tramitá-lo

conforme a lei”, mas marcando o prazo,

marcando o tempo, marcando tudo. No

futuro, é o secretário que vai seguir as

minhas instruções nesse sentido para o

fazer. Aquele personalismo é fundamental

para a eficiência do resultado.

Há juízes que proferem cem sentenças,

outras trezentas e outros até que proferem

quinhentas. Mas, se um se atrasa, todos os

outros se atrasam. Ora, tudo isto vai mudar

e mudará porque a partir de agora, o

serviço comum é que se vai encarregar da

tramitação e simplesmente se dirá ao juiz,

por exemplo, ” produção da prova, na data

x”, conforme a sua agenda.

Há uma perda do conceito de domínio do

processo e esta mudança é uma novidade

Anexo 291

muito grande, mas que poderá ter

problemas de implantação. No fundo

subjaz o problema da articulação entre o

secretário e o juiz, sendo a este apenas

reservada a sua função primeira que é

julgar, resolver o conflito.

S5

Eu centraria a minha exposição em três

conceitos principais: mobilidade, formação

e aumento dos quadros de pessoal.

É algo que para mim não é uma novidade,

pois é algo que já se havia discutido antes

e em torno de outros problemas no meu

país. Creio que é algo até de repetitivo e

que acontece em todas as organizações

sociais e em todos os países.

Se servir de algo, a minha experiência de

mais de vinte anos dentro do organograma

judicial espanhol, posso falar-vos em três

pontos essenciais.

O primeiro é aumento dos recursos

humanos, isto é, dos quadros de pessoal.

Posso dizer-vos que não há uma proporção

directa entre o aumento de pessoal e o

aumento de decisões, de resoluções de

conflitos, portanto, não pensem que o

aumento de pessoal pode ser a resolução

de todas as questões.

O segundo é a formação, essa sim, deverá

ser para todos. Digo e repito, para todos os

estratos. É fundamental termos uma

formação adequada.

O terceiro é a mobilidade. É um eterno

conflito e é o eterno problema. Posso dizer-

vos que o novo modelo que estamos a

projectar em Espanha consagra em parte a

mobilidade. Como foi dito aqui esta tarde,

mobilidade não só dentro do tribunal, mas

dentro da própria área geográfica. No

entanto, vai ser difícil de a manter. Temos

informação de que os sindicatos, pelo

menos a sua maioria, estão a assumir que

é muito provável que se tenha que ceder

na questão da mobilidade, afim de não se

pôr um fim ao novo modelo que se

pretende implantar. Se bem que a

mobilidade, no caso concreto das divisões

administrativas de que vos falava, no pior

dos casos, seria reduzida a uma

mobilidade territorial circunscrita ao âmbito

de cada comunidade autónoma. Embora,

inicialmente, a ideia fosse de que ela se

circunscrevesse apenas a uma mesma

localidade.

S9

Queria debruçar-me sobre quatro pontos

muito rápidos.

O primeiro é para voltar a agradecer o

convite para este evento, que foi de

extremo interesse para mim.

O segundo para dizer que o diálogo foi

excepcional. São 19h horas e a casa está

cheia, o que é um excelente indicador.

Um terceiro ponto, para dizer que o

sucesso destas experiências, portuguesa

ou espanhola, depende claramente de uma

intervenção coordenada sobre os vários

domínios do conhecimento, sejam aspectos

judiciários, aspectos de gestão, de recursos

humanos, métodos, etc. Os processos têm

de se conjugar para se encontrar o

sucesso.

E o quarto ponto é que adoraria debater a

questão do absentismo, das presenças e

da motivação e da produtividade. Tenho

muitos dados nesse domínio. Só que

precisávamos de mais uma tarde,

seguramente. Seria um tema muito

interessante, mas infelizmente não o

podemos fazer.

S10

Eu gostava de aproveitar para abordar

292 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

duas notas sobre duas questões ou ideias

que surgiram. Uma nota sobre aquela

questão suscitada pelo colega de seminário

relativamente à questão do serviço público

vs serviço privado, e o que lhes

corresponde. Eu penso que hoje já não se

acredita muito nisso. Eu trabalhei dez anos

ou doze com responsabilidades na banca

privada e com responsabilidades de gestão

e comerciais – naturalmente na gestão

pública temos muito mais restrições – mas

as duas grandes variáveis em ambas são

gerir as pessoas e as questões

organizacionais. E para tal, como foi

referido, há métodos e técnicas que

facilitam o trabalho do gestor em que,

naturalmente, um gabinete de apoio, fará

todo o sentido. Por isso, essa diferença

entre serviço privado ou público penso que

já não fará tanto sentido. O que é essencial

é não perder de vista a essência do

serviço, os valores e os princípios que

devem estar subjacentes na avaliação da

qualidade de um serviço público que serão,

obviamente, diferentes do serviço privado.

E aí eu penso que a excelência é,

naturalmente, uma utopia. Aliás, a palavra

excelência é um conceito que é usado no

âmbito da qualidade total mas também é

usada no quotidiano, o que leva a que haja

muitas ideias sobre o que é a excelência,

mas nesta perspectiva - e Aristóteles dizia

que a excelência é um hábito - e a

mudança espanhola é de facto

revolucionária, ouvir falar de serviços

partilhados nos tribunais é algo

absolutamente novo.

Na medida em que é essa a grande

questão hoje das multinacionais, por

exemplo, que andam a deslocalizar para a

Índia e para a Europa os serviços

partilhados em função dos custos de mão-

de-obra, ou seja, a importância do centro

de serviços partilhados numa perspectiva

da gestão privada em termos de eficácia e

de ganhos, neste caso, exclusivamente

financeiros.

Portanto, estamos aqui a falar de modelos

com conceitos que estão na crista na onda,

naquilo que são alguns dos paradigmas da

gestão privada.

Agora, a questão da excelência, refiro-a

porque, do muito que foi dito, pela ausência

de estatísticas, indicadores e parâmetros

de avaliação, do meu ponto de vista julgo

que os parâmetros de excelência ajudam

porque evitam a execução de avaliações

precipitadas com base em indicadores

pouco cuidados. Ou seja, nós não devemos

ter apenas em conta a rapidez, há o risco

de comparar de forma igual coisas

desiguais, há realidades ocultas e que não

aprecem nos números e por isso, digamos

que a excelência, enquanto princípio para

nos obrigar a ver muitos dos resultados e

até mais do que eles, penso é e um

princípio fundamental. E digo só o seguinte,

do que conheço, existem muitos exemplos

já, em Portugal, de serviços públicos com

prémios internacionais em termos de

modelos de excelência, e muitas vezes até

independentemente da dimensão, com

alguma complexidade.

Pelo que deve ser algo orientador e

embora seja uma utopia, é uma utopia que

deve estar presente para que as coisas

tenham um carácter de sustentabilidade a

médio e longo prazo.

Eu só queria agradecer, também, porque

me foi muito grato estar aqui a participar

neste seminário.

S6

Queria focar duas notas. (…). Nós,

pessoas a quem a gestão aconteceu,

precisamos muito de formação nestas

áreas. Um outro ponto, tem que ver com a

questão da comparação que foi agora

retomada há pouco (…), que diz respeito

ao modelo espanhol e ao modelo

português e à definição de competências.

Como tentei referir quando abordei o

Anexo 293

conjunto de competências do juiz

presidente, sejam elas diminutas ou não, o

que é facto é que nele se conjugam, de

maneira que exige uma coordenação

diplomática muito grande, determinadas

áreas de intervenção no tribunal e, portanto

(…) a definição de competências é

essencial, não está feita e há que a fazer.

Mas há outro aspecto que parece

absolutamente fundamental, que é o modo

como se definem as competências, que

não é indiferente. A questão de dissociação

entre a actividade jurisdicional e a

actividade processual não é indiferente.

Administrar a justiça, na nossa tradição

portuguesa, implica administrar o processo

e a nossa lei orgânica permite isto e este

elemento é fundamental, sendo que me

parece que é dentro dele que podemos

definir melhor as competências que estão

em jogo num tribunal e não dissociando-as

e reservando para o juiz a nobre função de

julgar que, no fundo, é apenas reduzida a

um acto num processo e não à gestão dos

processos.

S7

Em primeiro lugar agradeço também o

convite para participar neste seminário

Mesmo que não fizesse parte dele,

participaria numa outra perspectiva, e

sempre com muito agrado.

Por outro lado, quero agradecer (…)

porque, de facto, as suas palavras para nós

são quase como um encaixe da teoria na

nossa prática do dia-a-dia, e é quase como

conseguir pensar isso de uma outra forma.

Queria também referir mais algumas

coisas. Aquilo de que estivemos aqui a

falar, relativamente aos traços gerais deste

novo modelo de gestão, é uma situação.

Outra situação são as condições do

exercício deste modelo, ou seja como é

que o modelo se executa, que meios temos

para pôr em prática este modelo, haver que

gerir e os meio para gerir – isto é outra

situação.

Uma coisa é dizer: este modelo adequa-se

ou não aos objectivos traçados e que

queremos traçar? Outra coisa é questionar:

temos as condições para pôr em prática

este modelo? Temos que gerir. E como

gerir? Assim, são duas questões distintas,

embora se complementem.

É evidente que se tivermos essas

condições em parâmetros de normalidade

e se tivermos essas condições acima dos

parâmetros de normalidade, melhores

condições, maiores potencialidades temos

para bem os servir. Portanto, esse é um

apelo que deixo, porque se discutimos o

modelo de gestão, também temos de

discutir, inerentemente, as condições em

que é exercido.

Relativamente à qualidade por contraponto

à quantidade, eu pessoalmente penso que

ambas estão necessariamente associadas

e qualquer avaliação que eu tenha de

fazer, tenho de ter em conta esses dois

vectores.

Na justiça, temos em conta isso mesmo,

com a preocupação, no nosso trabalho, de

atender à produtividade mas também à

qualidade do que fazemos e ser auto-

críticos sobre o que fazemos.

Volto a dizer, uma das grandes

virtualidades deste novo modelo é

possibilitar um espírito dentro de uma

equipa – ele pode funcionar bem e pode

funcionar mal, como é óbvio, porque como

já se disse, nem tudo são rosas – mas

potencia justamente o dizer-se que o

modelo de gestão não está pensado só

porque existe um juiz presidente, um

administrador, juízes coordenadores ou um

procurador coordenador, uma vez que

todos os intervenientes que fazem parte da

área territorial do tribunal de comarca farão

parte deste modelo de gestão.

Ora, eu não consigo fazer a gestão

294 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

processual se não tiver a colaboração de

todo e qualquer colega, como não consigo

fazer a gestão do que é a planificação de

uma unidade orgânica de secretaria se não

tiver a colaboração dos funcionários, do

administrador, do procurador coordenador,

etc.

Portanto, a grande virtualidade é

justamente criar este espírito de equipa e

que toda a gente participe neste modelo.

Quando falamos aqui das competências do

juiz presidente, ele será talvez o topo da

pirâmide desta estrutura intermédia mas o

importante, na realidade, é a articulação

disto tudo, para entroncar na questão da

qualidade que é justamente isso,

esperamos qualidade quando motivamos

os outros para determinados objectivos que

não são apenas quantitativos mas também

qualitativos.

Dada a possibilidade, volto a repetir, a

flexibilidade é essencial, pois por maior que

seja a área geográfica há sempre solução.

Mais, no dia-a-dia constatamos que as

pessoas estão cada vez mais abertas para

a flexibilidade. Não todas e podemos ser

todos muito críticos quanto a ela. Mas, a

questão é: existe ou não? Porque se não

existe, mais uma vez não temos um meio

de gestão.

Relativamente à questão colocada da

possibilidade de o juiz presidente ter

competência para decidir conflitos de

competência no âmbito territorial da

comarca, é uma questão mais complexa.

Não sei se seria bem encarado o facto de,

no fundo, estarmos inter pares a decidir

essa situação e a situação não ser

submetida, como é hoje, a apreciação

superior.

S17

Bom, mas não é inter pares porque os

senhores são juízes presidentes, há um

ónus adicional no exercício dessa função.

S7

Com inter pares quero dizer, por exemplo,

(…), somos juízes de círculo, e (…) juiz

desembargador. Ora, estamos habituados

a subir, a submeter a apreciação superior.

S17

Sim, mas o facto de estarmos habituados a

esse tipo de gestão processual, e se

estamos a evoluir num modelo de gestão

diferente, não poderíamos superar e

ultrapassar, passar para outro patamar?

S7

A minha resposta é a seguinte:

poderíamos, eventualmente, poderíamos.

Simplesmente a questão que se coloca em

retorno é se será que tal será bem aceite?

S17

Na minha perspectiva, se é bem aceite ou

não, é questão que se deve colocar. O que

se deve colocar é em termos de eficiência

do serviço para evitar que o cidadão, como

hoje, fique seis, sete, oito, nove ou dez

meses à espera da solução do caso,

enquanto que teria ali um expediente

eficiente e rápido de solucionar.

S6

Gostaria de responder à pergunta. Penso

que será relativamente indiferente que

tenha essa competência ou não. O que me

aprece mais grave é que haja vinte

processos com a mesma situação e em

todos eles tenha de seguir uma

determinada tramitação. Porque seja no

Anexo 295

tribunal da Relação ou ao nível do juiz

presidente o problema é o mesmo.

Tivemos uma situação na comarca (…), de

quinze processos que tinham uma situação

que eu entendi ser de competência e que a

colega entendeu que seria eu a decidir por

ser de distribuição. Veio o primeiro

processo e, resolvida essa questão, não foi

suscitada a questão nos restantes

processos, porque entendeu que a questão

ficava resolvida com aquele primeiro. Ou

seja, a eficiência talvez resulte de nós

termos outros mecanismos que não nos

façam andar a repetir as mesmas

situações, com actos inúteis, em vários

processos em que já se sabe que vão ser

decididos exactamente da mesma forma.

Não me choca que se decidam os conflitos

de competência ao nível do juiz presidente.

Se calhar os próprios conflitos é que

deveriam ser mais fáceis de resolver.

S8

Vou gastar apenas um minuto para

agradecer o convite, a amabilidade de ter

cá estado. Cumprimento todos os

presentes, os membros da mesa, e a todos

desejo as maiores felicidades e que o ano

corra tão bem como começou, esperando

que tenha começado bem. Agradeço

também ao senhor sociólogo que está lá ao

fundo e responder-lhe-ei quanto à questão

das faltas dos funcionários. Eu tenho muito

respeito por quem está doente, não ponho

em causa isso, respeito uma sociedade de

bem-estar e que as pessoas doentes

tenham o melhor tratamento possível e

estejam ausentes o tempo necessário para

reparar a saúde. Apenas me referi a essas

faltas como maneira de me justificar

quando peço funcionários, porque numa

situação em que os recursos são escassos,

tenho de justificar que essas pessoas

faltando não estão ao serviço, e este tem

de ser cumprido, tenho de as substituir

para assegurar o serviço prestado ao

cidadão.

Também não ponho em causa que o

avaliador seja avaliado. Passei a vida toda

a ser avaliado e continuo a sê-lo, pela

sociedade, pelos senhores advogados,

pelo sistema.

(…), acho sem dúvida um passo

importantíssimo na decisão dos conflitos de

jurisdição. Tenho, concretamente, um caso

na comarca, em que escusava de estar a

prender os tribunais da Relação e o próprio

Supremo Tribunal Administrativo com

centenas de processos. O juiz presidente

poderia intervir, sim, e os processos

acabariam ali mesmo e em tempo útil, o

mesmo prosseguiria a bem das pessoas e

da justiça. Mais uma vez agradeço.

OPJ

Obrigada senhor Dr. Antes de passar a

palavra (…), aproveito para agradecer

muito a todos que aqui intervieram, aos

membros da mesa, a todos que intervieram

e colocaram questões. O sucesso deste

seminário deve-se a vós.

S3

Serei muito breve. Esta foi seguramente a

primeira reunião de avaliação das três

comarcas piloto. (…).

Nós sabemos que temos uma organização

judiciária com 200 anos mas sabemos

também que esta organização judiciária

pode durar outros 200 anos e, portanto,

não é fácil e também não foi completa hoje

– e não me levem a mal – a avaliação feita.

A primeira avaliação que tem de ser feita é

saber se aquilo que foi projectado e o que

foi realizado coincide. Saber se o Estado

tem ou não meios para concretizar tudo o

mais, rapidamente e de uma só vez. Saber

296 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS

PILOTO

se temos também os mecanismos

processuais adequados para poder pôr

tudo de pé de uma só vez e saber se a

eficácia da justiça resulta desta

organização judiciária.

Há coisas que não foram ditas - e vão ter

de ser - onde de facto o poder político vai

ter de avaliar. E esta indagação não é junto

dos magistrados, nós não avaliamos

magistrados nem funcionários. Isto é,

avaliamos sim aquilo que estava projectado

e aquilo que foi realizado. E essa avaliação

vai ter de ser feita.

É um bom caminho, o das grandes

comarcas, mas para ser trilhado com

consequência, eficácia e meios humanos e

materiais é preciso saber se o que foi

idealmente gizado em termos ideais

coincide ou não com o que está a ser

concretizado na prática.

Ora, eu não vi aqui nenhuma intervenção

nem nenhuma alusão à advocacia, nem

dos cidadãos sobre o modo como sentem

esta reforma e isso tem de ser feito

também. Isto é, temos aqui problemas dos

magistrados, da formação, da organização,

de método, de financiamento, mas também

teremos o da advocacia e dos cidadãos

que recorrem aos tribunais. Por isso, essa

ponte que é feita entre os cidadãos e o

Estado, que é feita pela advocacia, tem de

ser aqui também devidamente assegurada

e não foi. Logo, vamos ter de o fazer.

Portanto eu vou pedir a todos os senhores

magistrados que façam esta avaliação

muito rigorosa, porque de facto, o

Ministério da Justiça vai-lhes solicitar

veementemente que essa avaliação se

faça nestes termos, porque estamos aqui

para optimizar o serviço da justiça, dar-lhe

consequência, e para lhe dar eficácia e

dignidade. Isto porque, de facto, ainda há

dias recebemos uma organização

empresarial no Ministério que nos trouxe

uma avaliação de todo o mundo da justiça

em que nós, homens e mulheres da justiça,

estávamos abaixo dos políticos. Ora, é

dramático ouvir isto, ouvir que nós, as

pessoas do judiciário, estamos abaixo dos

agentes políticos em termos de

representação social, isto tem de ser

ultrapassado rapidamente.

A função que tenho no Ministério da Justiça

é fazer este apelo a todos, seja qual for o

papel que desempenhem dentro do

tribunal, que é fazer-nos chegar respostas

sobre o modo de resolver estes problemas.

Este novo mapa judiciário e estas três

comarcas piloto são, de facto, matriciais

para nós, para o nosso país nas próximas

décadas ou até, quem sabe, para a

próxima centúria, pelo que é necessário

muita cautela porque se este modelo

soçobrar será um desastre! Este modelo

não pode soçobrar, mas para o

encaminharmos para o sucesso, como

disse, temos de ter muita cautela e

precisão relativamente a pessoas,

métodos, critérios ou recursos humanos e

financeiros.

Agradeço a todos, sinceramente, porque fui

alertado para realidades que desconhecia,

e a Dra Conceição Gomes sabe porque

discutimos muito e conhece as reticências

que tinha em relação a este concreto

mapa. O modelo já está fixado, pelo que

agora há que dar o salto qualitativo e para

tanto o apelo é para que se faça a

avaliação ao que foi feito e que foi

projectado e como é que vamos concretizar

o futuro desta organização judiciária.

Muito obrigado a todos. Peço desculpa pelo

que disse, mas tinha que o dizer, tinha de

ser sincero com esta audiência tão delicada

e responsável e com a qual muito aprendi.

OPJ

Muito obrigada a todos.