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A GESTÃO NOS TRIBUNAIS Um olhar sobre a experiência das comarcas piloto
Boaventura de Sousa Santos
Director Científico
Conceição Gomes (coord.)
Élida Santos
Marina Henriques
Diana Fernandes
Tiago Ribeiro
Março 2010
Relatório em realização do contrato de prestação de serviços celebrado entre o
Centro de Estudos Sociais/Observatório Permanente da Justiça Portuguesa e a
Direcção-Geral de Administração da Justiça.
Boaventura de Sousa Santos
Director Científico
Conceição Gomes (coord.)
Élida Santos
Marina Henriques
Diana Fernandes
Tiago Ribeiro
Consultores
Daniel Costa – Administrador Judiciário da Comarca Grande Lisboa-Noroeste
José Morais – Especialista em controlo de gestão e engenharia de qualidade
José Mouraz Lopes – Juiz Desembargador
Luís Azevedo Mendes – Juiz Desembargador
Margarida Mano – Professora da FEUC
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
MARÇO 2010
ÍNDICE
1 Introdução geral ....................................................................................................... 16
Nota metodológica .................................................................................................. 24
2 Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas ..................... 30
Introdução ............................................................................................................... 30
2.1 As abordagens clássicas................................................................................... 31
2.2 O modelo burocrático e a modernidade organizacional ..................................... 33
2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de novos
paradigmas ............................................................................................................. 37
2.3.1 Da escola das relações humanas às abordagens manageriais .................. 37
2.4 As teorias manageriais ...................................................................................... 39
2.5 O conceito de governação e as novas abordagens organizacionais ................. 42
2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve abordagem ....................... 49
3 Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias:
da qualidade à excelência .......................................................................................... 56
3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de algumas componentes ...... 60
3.2 Da qualidade à excelência dos tribunais ........................................................... 67
4 A nova secretaria judicial em Espanha .................................................................... 74
4.1 Breve contextualização da reforma ................................................................... 76
4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais características ........................ 79
4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial ........................................................... 80
4.3 Recursos humanos ........................................................................................... 86
4.3.1 Os funcionários judiciais ............................................................................. 90
4.4 Alguns problemas ............................................................................................. 92
5 A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais
................................................................................................................................... 96
5.1 A preparação da reforma .................................................................................. 98
5.2 A governação dos tribunais: entre a centralização e a proximidade ................ 103
5.3 As potencialidades da nova lei de organização e gestão dos tribunais: gestão
integrada e de proximidade ................................................................................... 119
5.4 O novo modelo de gestão e os desafios da diversidade organizacional .......... 124
5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação de competências entre as
diversas entidades ................................................................................................ 137
5.5.1. Gestão de recursos humanos.................................................................. 138
5.5.2 Gestão financeira ..................................................................................... 151
5.5.3 Gestão do património e das infra-estruturas ............................................. 156
5.5.4 Gestão da informação .............................................................................. 160
6 Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho ..................... 168
6.1 O impacto do modelo de gestão da nova LOFTJ nas rotinas e métodos de
trabalho dos tribunais ............................................................................................ 169
6.2 Instrumentos de gestão ................................................................................... 176
6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de funcionamento do sistema .............. 178
7 Conclusões e Recomendações ............................................................................. 194
7.1 Conclusões ..................................................................................................... 194
7.2 Recomendações principais ............................................................................. 215
Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e da organização judiciária . 217
Recomendações que visam criar capacitação gestionária ao nível do tribunal de
comarca ................................................................................................................ 222
Recomendações no âmbito da gestão de recursos humanos ............................... 225
Recomendações no âmbito da informatização ...................................................... 229
Recomendações no âmbito da organização interna e dos métodos de trabalho ... 232
8 Referências bibliográficas ...................................................................................... 240
Anexo
Seminário “Para um novo judiciário: transformações na organização interna e nos
métodos de trabalho dos tribunais” ........................................................................... 249
LISTA DE ACRÓNIMOS
AIJA – Australian Institute of Judicial
Administration
APM – Associação Profissional da
Magistratura
CEPEJ – Comissão Europeia para a
Eficiência da Justiça
CES – Centro de Estudos Sociais
CFFJ – Centro de Formação dos
Funcionários de Justiça
CGPJ – Conselho Geral do Poder Judicial
COJ – Conselho dos Oficiais de Justiça
CQI – Continuous Quality Improvement
CSM – Conselho Superior de Magistratura
DGAJ – Direcção-Geral de Administração
da Justiça
EADJ – Escrivão Adjunto
EAUX – Escrivão Auxiliar
ED – Escrivão de Direito
EFQM – European Foundation for Quality
Management
ENCJ – European Network of Councils for
the Judiciary
EQA – European Quality Award
ICCE – International Consortium for Court
Excellence
IFCE – International Framework for Court
Excellence
IGFIJ – Instituto de Gestão Financeira e de
Infra-estruturas da Justiça
ITIJ – Instituto das Tecnologias de
Informação na Justiça
JUSE – Japanese Union of Scientists and
Engineers
LOFTJ – Lei de Organização e
Funcionamento dos Tribunais Judiciais
LOPJ – Lei Orgânica do Poder Judicial
MBNQA – Malcolm Baldrige Award
MP – Ministério Público
NCSC – National Center for State Courts
OPJ – Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa
SATURN – Study and Analysis of Judicial
Time Research Network
SCE – Serviço Comum de Execuções
SCG – Serviço Comum Geral
SCOP – Serviço Comum de Ordenação do
Processo
SCP – Serviço Comum Processual
SQSP – Sistema de Qualidade em Serviços
Públicos
TCPS – Trial Court Performance Standards
TQM – Total Quality Management
UA – Unidade Administrativa
UPAD – Unidade Processual de Apoio
Directo
UPSJ – União Progressista de Secretários
Judiciais
AGRADECIMENTOS
O presente estudo, realizado pelo Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, foi
solicitado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça e tem como objecto
central a análise do impacto do modelo de gestão introduzido com a nova
reforma do mapa e da organização judiciária na organização e funcionamento
interno dos tribunais.
Com a entrada em vigor daquela reforma, em Abril de 2009, Portugal, à
semelhança de outros países, assume que as medidas gestionárias
desempenham um papel central na política pública de justiça no sentido da
consolidação de um sistema judiciário com mais qualidade e mais eficiência.
Esta é, contudo, uma perspectiva recente da política de justiça, a desenvolver-
se num contexto em que a reflexão, entre nós, é, ainda, escassa, pouco
aprofundada e restrita.
A análise que se apresenta neste relatório é uma análise precursora –
necessariamente limitada, porque circunscrita ao modelo de gestão – e
contribui para a produção de conhecimento sobre esta matéria tendo em vista,
sobretudo, a necessária reflexão e avaliação que o período experimental da lei
exige antes do seu alargamento a outras comarcas. A via experimental, que a
reforma do mapa e da organização judiciária seguiu, só fará verdadeiramente
sentido se incorporar um exigente programa de monitorização e de avaliação
em todas as suas vertentes. Se assim não for, não é possível consolidar boas
práticas, aperfeiçoar ou alterar efeitos perversos e dificilmente serão
alcançados ganhos que contribuam para uma verdadeira alteração estrutural
do sistema judicial para a qual a reforma do mapa judiciário poderia
decisivamente contribuir.
Como escrevemos em estudo anterior (OPJ, 2006), não seria expectável
que a reforma do mapa e da organização judiciária resolvesse, só por si, todos
os bloqueios e problemas com que se confronta o sistema judiciário. Mas, se
integrada numa agenda estratégica mais vasta de reforma, não só poderia
contribuir, de forma decisiva, para a sua solução, como poderia ser mesmo a
alavanca desse processo. A avaliação do período experimental da reforma é,
por isso, crucial para uma melhor definição dos pontos dessa agenda
estratégica.
A complexidade da matéria abordada neste relatório convoca, para além
de um aprofundado conhecimento da prática, uma abordagem multidisciplinar.
Daí que, para a produção analítica deste estudo foi fundamental a prestimosa
colaboração, não só dos consultores, mas também dos diferentes actores do
sistema judicial. Sem essa cooperação alargada não seria possível levar a
cabo esta reflexão e análise. Queremos, assim, acentuar, numa nota geral, o
quanto estamos a todos profundamente gratos. A riqueza dos contributos exige
que, pública e individualmente, se dê conta deles.
Um primeiro agradecimento é devido à Direcção-Geral da Administração
da Justiça pela confiança depositada no Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa e nesta equipa de investigadores para a realização de um estudo
desta natureza.
Aos senhores magistrados e funcionários que manifestaram a sua
disponibilidade para participarem no painel de discussão, para serem
entrevistados e para nos auxiliarem na observação que levámos a cabo nos
juízos queremos deixar uma especial palavra de agradecimento.
Deixamos aqui o nosso reconhecido agradecimento, pela disponibilidade
para participarem no painel de discussão, aos senhores juízes presidente das
comarcas piloto: Dra. Ana Azeredo Coelho, Dra. Maria João Santos e Dr. Paulo
Brandão, bem como às senhoras procuradoras coordenadoras das comarcas
Grande Lisboa-Noroeste e Baixo Vouga, Dra. Paula Figueiredo e Dra. Maria
José Bandeira.
Agradecemos, também, aos senhores administradores judiciários das
comarcas piloto, Daniel Costa, Júlio Almeida e Vítor Mendes.
Aos senhores magistrados judiciais e do Ministério Público e
funcionários judiciais, que connosco colaboraram nas entrevistas, e que de
seguida se identificam, deixamos também o nosso reconhecido agradecimento.
São eles:
Magistrados judiciais: Fernando de Jesus Monteiro; Isabel Palma
Calado, Joaquim Manuel da Silva, Mafalda Faria Pestana e Teresa Carla Faria
de Brito.
Magistrados do Ministério Público: Antónia Soares, Carlos Azevedo,
Henrique Novo e Judite Resende.
Secretárias de justiça: Fátima Pequito, Filomena Constantino e Manuela
Jerónimo.
Escrivães de direito: António Tavares, Elisabete Direito, Fátima Varela,
Lucília Matos e Maria João Gonçalves.
Escrivães adjuntos: Adélia Macela, Celeste Nunes, Elisabete Fortes,
Joaquim Salvador, José Rigal, Luciana Peixoto, Pedro Batista, Rosa Gomes e
Vítor Costa.
Escrivães auxiliares: Cristina Godinho, Elisabete Martins, Helena
Mendes, Isabel Rodrigues, João Gomes, João Lopes, José Dinis, Madalena
Pereira, Miguel Candeias, Patrícia Machado, Paula Parente, Paulo Santos,
Paulo Teixeira e Telmo Figueiredo.
Ao Doutor Ignacio Colomer e ao Doutor Luís Martín Contreras, que com
grande entusiasmo aceitaram o nosso convite, queremos agradecer os
contributos que trouxeram para esta discussão, não só no seminário realizado
no âmbito deste estudo1, mas também na reunião científica que se lhe seguiu.
Queremos, ainda, realçar o seu esforço em darem um testemunho objectivo e
alargado dos diferentes aspectos da reforma da nova secretaria judicial em
Espanha. Aquela reunião científica beneficiou, ainda, da participação dos
nossos consultores, bem como do Dr. Nuno Coelho e da Doutora Teresa Carla
Oliveira, a quem deixamos aqui o nosso reconhecimento.
Apresentamos em anexo a transcrição do seminário Para um novo
Judiciário: Transformações na Organização Interna e nos Métodos de Trabalho
dos Tribunais. Consideramos que importantes aspectos da reforma foram aí
discutidos e tal deveu-se, sobretudo, à qualidade da reflexão trazida pelos seus
oradores. Queremos, por isso, salientar a intervenção do senhor Secretário de
Estado da Justiça, Dr. João Correia, dos senhores juízes presidentes das três
comarcas piloto, do Engenheiro José Morais, da Doutora Margarida Mano, do
Doutor Ignacio Colomer e do Doutor Luís Martín Contreras.
Para além da intervenção dos oradores, deve ser destacada a
participação da audiência (cerca de 70 pessoas) constituída, sobretudo, por
operadores judiciários, mas também por outras profissões relacionadas directa
ou indirectamente com o sistema de justiça, o que enriqueceu decisivamente o
debate. A sua disponibilidade para, numa sexta-feira à tarde por largas horas,
participarem numa reflexão sobre esta temática merece ser relevada.
A intervenção dos nossos consultores, em vários momentos ao longo
1 O Seminário “Para um novo judiciário: transformações na organização interna e nos métodos
de trabalho dos tribunais” foi realizado em 8 de Janeiro de 2010 no Centro de Estudos Sociais, e contou com a participação do Sr. Secretário de Estado da Justiça, Dr. João Correia; Doutor Ignacio Colomer (professor de Direito Processual na Universidade Pablo de Olavide de Sevilha) e Doutor Luis Martín Contreras (Secretário Gestor da Audiência Nacional), ambos dando conta da experiência da nova secretaria judicial em Espanha; bem como da Sra. Juíza Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste, Dra. Ana Azeredo Coelho; da Sra. Juíza Presidente da Comarca Alentejo Litoral, Dra. Maria João Santos; do Sr. Juiz Presidente da Comarca Baixo Vouga, Dr. Paulo Brandão; da Doutora Margarida Mano e do Engenheiro José Morais, especialistas nas questões relativas à gestão e à qualidade nas organizações.
deste trabalho, foi essencial. Queremos, por isso, deixar aqui um
agradecimento muito especial aos consultores deste estudo: Daniel Costa,
José Morais, José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes e Margarida Mano. Ao
Sr. Daniel Costa queremos, ainda, agradecer o seu inexcedível apoio no
trabalho de campo e a fundamental ajuda na interpretação de alguns dados
empíricos. Ao Dr. Luís Azevedo Mendes, queremos agradecer a sua
colaboração na revisão dos organogramas que integram este relatório. À
Doutora Margarida Mano, um agradecimento singular é também devido pela
sua colaboração com um texto que integra o ponto 2.6 deste relatório.
Além da equipa de investigação, este trabalho contou, em vários
momentos, com o apoio dos Drs. Alexandra Silva, Carla Soares, Catarina
Trincão, Fátima Antunes, Fátima de Sousa, Marta Cancela, José Borges Reis e
Paula Fernando.
16 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
1 INTRODUÇÃO GERAL
O contexto social do exercício das funções dos tribunais sofreu
profundas alterações ao longo das últimas décadas, designadamente, no
Estado, na sociedade e na economia, alterando significativamente o volume e o
perfil da procura judiciária, com consequências nas condições da relação dos
cidadãos com o sistema de justiça. A perda de centralidade do Estado como
garante de direitos fundamentais e de direitos sociais constitucionalmente
consagrados – o que tem levado o judiciário a expandir-se para áreas que
tradicionalmente se situavam na esfera dos poderes executivo e legislativo –, a
crise de legitimação dos poderes executivo e legislativo, a alta exposição
pública e a mediatização da justiça e de muitos dos seus agentes são factores
que colocam novos e exigentes desafios ao poder judicial para os quais, não só
não estava preparado, como tem mostrado especiais dificuldades em se
preparar.
Essa preparação não depende exclusivamente do próprio judiciário,
como, aliás, se verá ao longo deste relatório. No nosso sistema de governação
da justiça, os recursos financeiros, materiais e, nalguns casos, humanos, que
suportam a acção do sistema judicial globalmente considerado dependem, na
sua maioria, do poder executivo. Também da acção do poder político depende
a verificação de outras condições com impacto decisivo na qualidade e
eficiência do desempenho dos tribunais, como, por exemplo, perícias,
Introdução geral 17
reinserção social ou segurança social. Destaca-se, ainda, o recrutamento e a
formação dos agentes judiciais.
Vários estudos do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa2
mostram como o desempenho do sistema judicial, no que se refere à qualidade
e à eficácia depende, em muitos casos, de igual qualidade e eficácia de
resposta de outros serviços do Estado. As limitações relativas à capacidade
dos tribunais, isto é, os recursos de que dispõem para levar a cabo eficazmente
a política judiciária, num contexto de maior exposição e vulnerabilidade à
pressão social coloca-os num dilema que deveria levar o sistema judicial, se
não quer continuar a perder legitimidade social, a uma profunda reflexão sobre
o seu papel sociopolítico.
Ainda que os tribunais judiciais não sejam a única via para a efectivação
de direitos, nas sociedades modernas são instrumentos centrais da qualidade
da democracia, dado o papel que desempenham na garantia de direitos
sociais, no combate à corrupção ou na resolução de conflitos dos cidadãos e
das empresas. O impacto social destes conflitos evidencia a função simbólica
exercida pelos tribunais face à garantia da cidadania e à transparência do
sistema político. As reformas da justiça, quer na sua concepção, quer na sua
execução, devem considerar essa essencialidade do papel dos tribunais na
configuração do sistema político.
As reformas da justiça, inicialmente centradas em soluções de carácter
processual – visando, sobretudo, a simplificação das leis processuais – e no
apetrechamento dos tribunais com mais recursos humanos e mais infra-
estruturas, mostraram a sua insuficiência em responder satisfatoriamente à
procura judicial e às expectativas dos cidadãos sobre a justiça, levando os
governos a apostar, por um lado, em soluções de desprofissionalização e
desjudicialização dos meios de resolução dos conflitos. Por outro lado, passou
a investir-se numa vertente de reforma tecnocrática da justiça, o que inclui o
2 Por exemplo, no âmbito da justiça penal, ver OPJ (2009).
18 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
aprofundamento da reflexão em torno das questões da qualidade, da eficiência
e da eficácia dos sistemas de justiça, colocando na agenda política as reformas
da organização e gestão dos tribunais judiciais.
No contexto europeu, as reformas que visam o reforço da capacidade de
organização3 e gestão da justiça tornaram-se apostas centrais das agendas de
reforma em muitos países e integram recomendações do Conselho da Europa,
designadamente, no âmbito dos métodos de trabalho, da gestão de recursos e
da melhor articulação dos tribunais com os serviços complementares da justiça.
Apesar do relativo consenso, entre nós, quanto à essencialidade destas
reformas, reconhecendo-se que o défice de organização, gestão e
planeamento do sistema judicial é responsável por grande parte da ineficiência
e ineficácia do seu desempenho funcional, a reflexão sobre esta matéria é
reduzida4. A tal facto não é alheia a reconhecida carência de formação e de
profissionalização no âmbito das áreas de administração e gestão de tribunais,
o que introduz na governação do sistema judicial um factor permanente de
limitação e incapacidade, dificultando, não só a eficácia das reformas, mas,
também, suscitando lógicas de actuação pouco informadas e consolidadas e,
por vezes, adversas aos seus objectivos.
O Observatório Permanente da Justiça tem procurado promover e trazer
para a agenda sociopolítica os temas da organização e gestão dos tribunais,
quer através da produção destes estudos, quer de outras acções de natureza
formativa, quer, ainda, através da participação de seus membros em estudos
comparados de âmbito europeu e de actividades em rede sobre esta matéria.
O objectivo é contribuir para a densificação do conhecimento sobre estes
temas através de uma análise teórico-analítica em torno dos paradigmas da
eficiência, qualidade e excelência dos tribunais, destacando a centralidade das
3 Sobre as reformas do mapa e da organização judiciária na experiência comparada, ver OPJ
(2006). Sobre os modelos de gestão dos tribunais, Ver estudo OPJ (2001, 2006 e 2008).
4 A este propósito, cf., entre outros, Coelho (2008).
Introdução geral 19
medidas gestionárias.
Em 2001, o OPJ levou a cabo o estudo A administração e gestão da
justiça: análise comparada das tendências de reforma, cujo objecto de
investigação se centrou nos modelos comparados de gestão dos tribunais na
Europa, bem como o conjunto alargado de soluções em curso para responder
às novas exigências de organização, funcionamento, qualidade e eficiência da
justiça nos diferentes sistemas judiciais.
Em 2006, o relatório do OPJ Como gerir os tribunais? Análise
comparada de modelos de organização e gestão da justiça testou a hipótese
da proliferação de reformas no âmbito da administração e gestão da justiça em
diferentes países, estudada a partir das experiências reformistas levadas a
cabo na Europa e nos Estados Unidos da América. Neste estudo, visou-se,
principalmente, identificar projectos em curso com o objectivo de atacar as
irracionalidades burocráticas como bloqueios ao aumento da eficácia, da
eficiência e da qualidade do sistema de justiça. Neste sentido, foram estudadas
seis experiências: Espanha, Bélgica, Holanda, Noruega, Irlanda e Estados
Unidos da América (Estado do Michingan).
Ainda em 2006, no relatório A geografia da justiça, a importância do
tema da gestão e administração da justiça foi igualmente sublinhada. Neste
estudo, chamamos a atenção para o facto do sucesso da reorganização
judiciária não poder ser alcançado sem a realização de reformas conexas, para
além de reformas processuais, entre elas, os mecanismos de gestão e
administração, a formação dos magistrados e funcionários judiciais e o uso de
novas tecnologias de comunicação e informação.
Em 2008, o relatório Para um novo judiciário: qualidade e eficiência na
gestão dos processos cíveis abordava as questões da organização e gestão
dos tribunais, destacando a heterogeneidade e a inexistência de critérios
objectivos na definição das rotinas e métodos de trabalho, de gestão dos
espaços, infra-estruturas, recursos humanos e materiais. Outros dois aspectos
mereceram especial reflexão no âmbito deste estudo: o impacto da reforma de
20 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
desmaterialização dos processos na tramitação dos processos e nos fluxos de
informação e o papel do juiz na gestão processual (gestão do caso concreto).
A importância desta temática justificou a realização do curso de
formação Organização e Gestão dos Tribunais, em 2008, enquadrado no
Programa de Formação Avançada Justiça XXI5. De entre os temas do curso,
salientam-se matérias relacionadas com as exigências de cariz organizativo e
de gestão que se colocam ao sistema judicial e sobre os modelos mais
actualizados de gestão e administração pública aplicados ao domínio judiciário.
O curso, para além da necessária orientação multidisciplinar, incluiu uma
dimensão comparativa, motivando a discussão sobre os modelos de
administração e gestão aplicados em outros sistemas, dotando os formandos
de instrumentos teóricos e práticos necessários à concretização dos objectivos
da reforma organizativa, administrativa e de gestão dos tribunais. Este curso de
formação avançada foi iniciado com a Conferência Internacional Estado,
sociedade e justiça no Século XXI: democracia, qualidade e eficiência nos
tribunais judiciais6.
Mais recentemente, no âmbito do projecto de investigação cujos
resultados se apresentam neste relatório, o OPJ organizou o Seminário Para
um novo judiciário: transformações na organização interna e nos métodos de
trabalho dos tribunais, onde se debateu, de modo comparativo, a nova
secretaria judicial em Espanha e os desafios e as potencialidades que a
reforma em curso coloca à organização interna e ao funcionamento dos
tribunais em Portugal7.
Ao dirigir-se ao impacto das transformações trazidas pela Lei de
5 No âmbito de um protocolo celebrado entre a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o
Centro de Estudos Judiciários e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
6 Tendo contado com os seguintes oradores: Álvaro Laborinho Lúcio, Juiz Conselheiro do
Supremo Tribunal de Justiça jubilado; Brian J. Ostrom, National Center for State Courts - Williamsburg (Virgínia, E.U.A.); Jacques Commaille, Ecole Normale Supérieure de Cachan e director da revista Droit et Société.
7 Cf. nota 1.
Introdução geral 21
Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28
de Agosto), este estudo não tem qualquer pretensão de realizar uma avaliação
global do período experimental. O relatório que agora se apresenta centra-se
apenas na análise do novo modelo de gestão dos tribunais, limitando-se aos
serviços judiciais, o que exclui os serviços específicos do Ministério Público.
Como já referimos no âmbito de outros trabalhos do Observatório
Permanente da Justiça Portuguesa, consideramos que as reformas
estruturantes da justiça devem ser precedidas de estudos assentes numa
análise rigorosa da realidade. Este esforço analítico, concretizado através da
produção de diagnósticos sociológicos, permite informar o debate político e
profissional, orientando as soluções em discussão, a sua execução prática, e
actuando posteriormente no acompanhamento do processo de implementação
da reforma.
Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes
permite, desde logo, que a política a desenvolver incorpore uma perspectiva
global do sistema de justiça de forma a evitar incongruências na reforma. A
experiência comparada mostra que os processos de reformas estruturais do
sistema de justiça que seguem aquela metodologia têm tido um grau de
sucesso muito mais consolidado.
Dadas as suas virtualidades no que respeita à identificação atempada
dos bloqueios à aplicação da lei e de possíveis efeitos perversos, temos
defendido a importância da introdução de um experimentalismo na área da
justiça. Esta estratégia permite associar àquele diagnóstico uma verificação
empírica da aplicação da lei, assumindo um carácter preventivo face a
problemas que poderão surgir aquando da sua aplicação generalizada.
Essa é claramente uma mais-valia da reforma em curso do mapa e da
organização judiciária, devendo, por isso, sublinhar-se sua importância. Esta
mais-valia só será plenamente eficaz se a experimentação for devidamente
monitorizada e avaliada em todas as suas vertentes. E a avaliação global tem
que pressupor a definição de um conjunto de critérios prévios. A existência de
22 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
critérios de referência relativamente aos quais se produz a avaliação tem um
impacto significativo no apuramento da eficácia da reforma, de forma a
contrapor as opiniões de alguns protagonistas – importantes mas
necessariamente parcelares e subjectivas – com dados empíricos
consolidados.
O êxito do projecto experimental não é um fim em si mesmo, a sua
grande vantagem reside antes no potencial de identificação das virtualidades e
obstáculos do processo que pretende encetar. No caso da reforma do mapa e
organização judiciária, por se tratar de um projecto-piloto, é fundamental que se
prevejam e testem as diferentes possibilidades para que o alargamento seja,
efectivamente, um alargamento consistente. Daí que o experimentalismo, por
um lado, e a produção de um diagnóstico sociológico, por outro lado, devem
assumir um carácter de complementaridade entre si na opção pela introdução
de projectos-piloto nas reformas jurídicas.
O novo modelo de gestão é uma realidade muito recente entre nós, visto
que para além dos estudos já produzidos pelo OPJ, o acervo de informação
disponível é muito escasso. Por isso, este estudo, ao contribuir para a
produção de conhecimento neste domínio, constitui uma reflexão pioneira.
O presente trabalho beneficia, em primeiro lugar, do acervo de
informação produzido, sobretudo ao longo da última década, pelo Observatório
da Justiça. De acordo com a recapitulação das principais conclusões do
trabalho empírico, bem como com as orientações e recomendações
acumuladas nos diferentes estudos do OPJ, formularam-se novas questões
que permitem uma análise da evolução do modelo de organização e gestão
dos tribunais à luz das alterações legislativas recentes.
Dadas as inovações trazidas pela reforma no que se refere à criação ou
à reconfiguração de competências de gestão local, o curto período de vigência
da reforma e a escassez de estudos empíricos sobre esta temática, a
investigação produzida assumiu um papel exploratório. O trabalho de campo foi
direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e desafios desta gestão
Introdução geral 23
local, tanto na articulação com as entidades que têm responsabilidades de
centralização administrativa, como na direcção e supervisão das actividades no
interior do tribunal, isto é, o conjunto de tarefas a serem desempenhadas de
forma articulada pelas diferentes unidades orgânicas.
Assim, o relatório estrutura-se em torno de sete pontos. Após o ponto
inicial, constituído pela introdução e a justificação metodológica da investigação
realizada, o ponto 2 trata dos processos de mudança em curso na
administração das organizações públicas, tendo em atenção não só as
transformações ocorridas na organização e gestão das organizações, mas
também dando conta do contributo das abordagens clássicas das
organizações, até chegar a conceitos organizacionais mais recentes como a
governação.
O ponto 3 aponta os novos caminhos da reforma da justiça e destaca a
centralidade das medidas gestionárias, privilegiando os conceitos de qualidade
e excelência dos tribunais. Os conceitos de qualidade e excelência dos
tribunais têm enquadramentos diferentes. Os modelos de excelência são
instrumentos de referência ao modelo de gestão do tribunal por serem
conceptualmente integradores de vários critérios, potenciando a coexistência
matricial de diferentes tutelas e podendo ser utilizados em estádios muito
diferentes das organizações e dos sistemas.
O ponto 4 apresenta a reforma da secretaria judicial em Espanha. A
secretaria judicial em Espanha caracterizava-se, no início da década 90, por
uma ausência de critérios organizativos, funcionando de forma atomizada e
auto-suficiente. Partindo da constatação de que o modelo de organização e
funcionamento interno dos tribunais não era, pela sua ineficiência, adequado
ao actual contexto social e processual, esta reforma introduziu mudanças
profundas no paradigma estrutural e funcional das secretarias judiciais. A
escolha do caso da experiência espanhola deve-se, sobretudo, à proximidade
entre os problemas e as ineficiências estruturais do desempenho do sistema de
justiça espanhol e a situação que ocorre em Portugal.
24 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Os pontos 5 e 6 apresentam os resultados obtidos através da realização
do trabalho de campo, de acordo com uma dupla perspectiva analítica. Em
primeiro lugar, de acordo com um eixo de análise de ordem macro,
apresentam-se as dinâmicas de governação local/central dos tribunais e, em
segundo lugar, recorre-se a uma análise micro dos desafios que se colocam à
gestão local, designadamente a sua organização interna e os métodos de
trabalho.
Assim, no ponto 5 damos conta das dinâmicas de governação dos
tribunais destacando as potencialidades da nova lei de organização e gestão
dos tribunais em termos de gestão integrada e de proximidade e os desafios
colocados pela diversidade organizacional ao novo modelo de gestão e as
dinâmicas de governação no âmbito da articulação entre as diversas entidades
com competências de organização, direcção e supervisão dos tribunais.
O ponto 6 resulta de uma estratégia de investigação que permitiu
recolher informação de acordo com uma perspectiva analítica bottom up, dando
particular ênfase ao impacto das alterações introduzidas pelo novo modelo de
gestão dos tribunais nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais, de
acordo com a investigação empírica levada a cabo, sobretudo, nas secções de
processos.
Finalmente, no ponto 7 apresentam-se as principais conclusões e
recomendações que resultam da investigação realizada.
Nota metodológica
Para a realização do trabalho de campo, revelou-se adequada a
adopção de uma estratégia de investigação que permitisse recolher informação
de acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top
down, analisou-se a concretização do modelo de gestão entre as diferentes
figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Por outro lado, de
acordo com a perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto
Introdução geral 25
destas alterações nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais. Neste
caso, foi dada especial atenção ao funcionamento da secção de processos,
tendo em conta a relevância desta unidade orgânica no quotidiano da
tramitação processual.
Na selecção dos tribunais onde decorreu a observação sistemática, para
garantir maior diversidade da amostra, considerou-se pertinente a
representatividade das comarcas piloto (Baixo Vouga, Alentejo Litoral e Grande
Lisboa-Nordeste), tendo sido seleccionadas duas comarcas através do método
de selecção aleatória. De acordo com estes critérios, foram seleccionadas as
comarcas de Baixo Vouga e Lisboa-Noroeste (designadamente, os juízos de
família e menores e os juízos cíveis).
Nestes tribunais aplicou-se um plano de pesquisa com recurso a duas
técnicas metodológicas complementares: a realização de entrevistas semi-
estruturadas aos profissionais de justiça envolvidos e a observação
sistemática.
O modelo de entrevista aplicado foi o da entrevista semi-estruturada,
cujas potencialidades consistem fundamentalmente na possibilidade de uma
determinada flexibilidade na condução da entrevista e na exploração dos temas
por parte do entrevistado. Assim, o recurso à metodologia da entrevista semi-
estruturada junto do juiz presidente, magistrado do Ministério Público
coordenador, administrador, secretários, magistrados judiciais, procuradores e
escrivães procurou obter testemunhos de combinação entre as suas vivências
quotidianas e as perspectivas que propõem, tendo em vista o desenvolvimento
de condições de visibilidade sociológica sobre a nova organização judiciária.
As entrevistas possibilitaram apurar as percepções e opiniões dos
operadores face às dinâmicas e práticas procedimentais das respectivas
unidades orgânicas, referindo questões como a definição de métodos de
trabalho, a divisão de tarefas, o impacto específico das recentes alterações na
optimização das suas rotinas de trabalho, bem como as vantagens e
dificuldades que associam à entrada em funcionamento da nova lei. A natureza
26 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
complementar face à observação sistemática aconselhou a sua realização no
espaço de trabalho dos operadores entrevistados e durante o seu horário de
trabalho.
A observação sistemática centrou-se no objectivo da compreensão das
principais alterações introduzidas após a entrada em vigor da nova lei, em 14
de Abril de 2009, e do funcionamento interno e quotidiano do tribunal. Para
além disso, a observação foi multifocada, de modo a incluir os diferentes
factores que concorrem para um trabalho de valor acrescentado mais eficiente
e promotor da qualidade da justiça. Assim, a observação incorporou, para além
das práticas e métodos de trabalho, as condições físicas e materiais das
unidades orgânicas, bem como outros elementos integrantes da gestão de
recursos humanos.
Procedeu-se, ainda, à realização de um painel que contou com a
presença e participação dos juízes presidentes e dos procuradores do MP
coordenadores de todas as comarcas piloto, bem como de académicos
especialistas em gestão e qualidade, colocando-os em confronto orientado face
às problemáticas levantadas no âmbito da investigação em curso.
Promoveu-se, também, uma reunião científica (seminário já referido) que
contou com a presença de operadores judiciais de Portugal e de Espanha,
tendo em vista o confronto e a discussão da experiência comparada no que se
refere concretamente à nova secretaria judicial em Espanha.
A análise documental foi fundamental, quer para a análise do sistema de
governação dos tribunais explicitado nos organogramas, quer da experiência
espanhola.
O reduzido tempo de vigência do período experimental da nova lei de
organização e funcionamento dos tribunais não permitiu a averiguação
quantitativa, nem mesmo através de dados provisórios, do impacto das
alterações de gestão na produtividade dos funcionários e no tempo dos
processos. Por esta razão, privilegiou-se a análise qualitativa através da
recolha das percepções dos agentes envolvidos no processo bem como a
Introdução geral 27
observação empírica das práticas e rotinas das unidades orgânicas.
Após a análise de conteúdo das entrevistas, da observação sistemática
efectuada, do painel de discussão realizado e dos resultados da reunião
científica, apresentam-se neste relatório os resultados obtidos organizados de
acordo com as categorias analíticas resultantes daquele exercício.
30 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
2 DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS
Introdução
Os modelos de administração e gestão das organizações públicas têm
vindo a ser submetidos a um contínuo processo de reflexão académica e
política. Com contornos e intensidades diferentes, este é um processo
generalizado a diferentes países com contextos políticos, sociais e económicos
muito diferenciados, ganhando particular visibilidade e aceleração nas últimas
décadas no quadro do que se designa como a crise burocrática do Estado8.
Trata-se de um desafio às principais características e dinâmicas prevalecentes
nas organizações públicas suscitando, em regra, o consenso de amplos
sectores da sociedade, que dependem dos seus resultados, da sua eficácia e
da qualidade do seu desempenho, na busca de mudanças que as tornem cada
vez mais eficientes e mais próximas dos cidadãos. Mas este processo é
igualmente marcado, não só por perspectivas diferenciadas relativamente ao
sentido e aos instrumentos dessa mudança, como também por resistências de
actores directamente envolvidos nas organizações.
8 Sobre o conceito e seus desenvolvimentos, Cf. Santos, 2002.
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 31
A complexidade social e as crises que atravessam o Estado trouxeram
para o centro do debate a questão da eficiência e da qualidade do desempenho
funcional das organizações públicas. Apesar de esta questão ter assumido, ao
longo da última década, novos contornos e uma nova dinâmica, não é nova a
preocupação das ciências sociais em desenvolver um quadro analítico que
permita pensar a administração e gestão das organizações em cenários
caracterizados por acréscimos de complexidade institucional e social, com o
objectivo de as tornar mais eficientes. Mais recentemente, os vectores da
qualidade e excelência começam a destacar-se neste debate.
Vejamos, de forma breve, como este quadro se tem vindo a desenvolver
a partir das abordagens clássicas das organizações. Esta reflexão permite-nos
enquadrar teoricamente a reforma das organizações do judiciário no contexto
mais vasto das dinâmicas de mudança das organizações públicas.
2.1 As abordagens clássicas
Frederick Taylor é um dos principais precursores das abordagens
clássicas, desenvolvendo o que veio a ficar conhecido como a organização
científica do trabalho e abrindo o campo para um novo corpus teórico, que
autonomizou as organizações industriais enquanto objecto de estudo. Taylor
defendia uma perspectiva virtuosa do ciclo económico da produtividade,
evidenciando o seu contributo para o crescimento da riqueza global, que
garantia uma melhoria dos resultados empresariais e, em consequência, das
capacidades de investimento, gerando assim mais emprego, bem como dos
níveis salariais. A baixa produtividade, que considerava decorrer em grande
parte de uma supervisão empírica e discricionária, fez Taylor introduzir a noção
de recompensa salarial, enquanto mecanismo de encorajamento à
produtividade, mecanismo que ainda hoje é problematizado pelo seu impacto
sócio-profissional e pela relação, mais ou menos enviesada, com os conceitos
de mérito, competição e desempenho.
Na sua abordagem salienta, ainda, o desconhecimento, por parte dos
32 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
quadros administrativos, da rotina e dos métodos de trabalho e de gestão
(tempos, gestos, movimentos, pausas) que deveriam enquadrar a execução da
multiplicidade de tarefas próprias do trabalho industrial. Considerava que esse
desconhecimento era gerador, para além de tensões e conflitos funcionalmente
evitáveis, de uma lógica de descoordenação impeditiva do incremento de
técnicas racionais e científicas susceptíveis de evoluir no sentido da
especialização e da estandardização. O planeamento, a preparação e a
supervisão constituíam, assim, linhas essenciais às novas dinâmicas
organizacionais, cuja articulação deveriam assegurar o máximo de eficiência
com o mínimo de contingência, imprevisibilidade e desperdício.
O investimento reflexivo que este novo modelo comportava traduzia-se
na observação sistemática de comportamentos, movimentos e operações, bem
como na optimização da interacção organizacional entre os recursos humanos
e os recursos materiais e tecnológicos. Contudo, a constelação de práticas,
discursos e representações associados aos modelos tradicionais de
organização do trabalho – que considerava caracterizados por empirismo,
negligência, desperdício e irracionalidade – resistiam e contrastavam com os
novos métodos científicos da organização do trabalho, que mobilizavam um
conjunto amplo de tecnologias organizacionais (como a cronometragem) e de
métodos de organização da divisão do trabalho (padronização). Também as
doenças, os acidentes e a fadiga física deveriam ser contabilizados, dado o seu
impacto negativo na produtividade. Não será por acaso que é precisamente
neste contexto que a problemática da reparação dos acidentes de trabalho
começa a dar os primeiros passos: mais do que a perspectiva da justiça para
com o sinistrado, o objectivo era minorar, quer os custos adicionais com a
sinistralidade, quer os custos sociais da desestabilização conflitual dos
trabalhadores como reacção aos riscos a que se encontravam expostos e às
fracas garantias de protecção que lhes eram oferecidas.
Em suma, de acordo com Taylor, é possível resumir em quatro princípios
básicos a organização científica do trabalho: planeamento, preparação,
controlo e separação entre a concepção e a execução do trabalho. Tais
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 33
princípios deveriam estar na base da organização do trabalho, pois só assim
seria possível a eliminação do desperdício, a eficiência máxima e o aumento da
produtividade. Defendia, igualmente, um sistema regulado de recompensas
salariais, formação e especialização, mas também de penalização dos desvios
laborais ou funcionais, da generalização regulamentadora a todos os processos
organizacionais e, acima de tudo, da colocação do homem certo no lugar certo.
Na mesma linha do pensamento taylorista, a perspectiva avançada por
Henri Fayol (1925) ganhou, igualmente, grande influência no estudo da
estruturação das organizações modernas. Para além do enfoque na formação
e qualificação científica do corpo de gestores das empresas e das instituições,
a sua arrumação estrutural e funcional seria o factor decisivo para o
cumprimento eficiente dos respectivos objectivos gerais. Nesse sentido, propõe
uma reconfiguração organizacional baseada em seis unidades estruturais, com
funções muito específicas vocacionadas sobretudo para organizações de
natureza empresarial: técnica, comercial, financeira, securitária, contabilística e
administrativa9. Como princípios gerais, salienta a indivisibilidade da relação
autoridade-responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do
sistema hierárquico (quem obedece a quem), a centralização dos processos
enquanto factor de ordem interna e a equidade nas decisões de forma a evitar
sentimentos de injustiça perturbadores do funcionamento da organização.
2.2 O modelo burocrático e a modernidade organizacional
O fenómeno burocrático, verdadeiramente revolucionário no domínio das
tecnologias de poder e da administração das organizações, foi primeiramente
identificado e caracterizado por Max Weber no quadro da evolução e
9 A unidade administrativa era considerada a função mais importante no funcionamento global
da empresa, na medida em que, almejando a harmonização de todos os actos organizacionais, concentraria competências de planeamento, organização, comando, coordenação e controlo dos múltiplos processos organizacionais.
34 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
racionalização histórica do capitalismo e da afirmação do Estado Liberal.
Ideologicamente, contesta a centralidade da conflitualidade de classe
desenvolvida pela tradição do pensamento marxista sobre a génese da
modernidade capitalista, recolocando a problemática no quadro de valores
emergentes nas sociedades ocidentais e conferindo particular atenção à
natureza da acção social que se lhe encontra associada.
Esta abordagem encontra no movimento de racionalização das
instituições – e do Estado em particular – os fundamentos basilares da nova
ordem social e económica, nascida a partir do século XIX, distinguindo e
analisando os vários tipos de acção predominantes no comportamento social
moderno. Os diferentes tipos de acção encontram-se indexados a modelos
gerais de autoridade e dominação que estariam subjacentes, não apenas ao
aparelho do Estado, mas também a outras instituições, organizações ou corpos
sociais modernos. A problemática da legitimidade – por oposição ao poder10
discricionário, coercivo e infundado – no exercício de poder organizacional
conduz o pensamento weberiano à criação de uma tipologia tripartida de
autoridade, em que a autoridade legal-racional representa, por excelência, a
modernidade burocrática11.
A importância conferida à legalidade faz com que a normatividade da lei
ou da regra seja a fonte de legitimidade no interior das organizações e o seu
principal factor de mobilização ou desmobilização organizacional. A
formalização dos procedimentos (cultura formalista) constitui a referência para
a validade da acção organizacional, pelo que a burocracia se converte no único
dispositivo de codificação e descodificação da linguagem organizacional, tal
10 Do ponto de vista weberiano, a noção de poder não deverá ser confundida com a noção de
autoridade. Se a primeira remete para a capacidade impositiva de uma vontade sobre outrem, a segunda requer que “quem domina tenha a noção, e acredite, que tem o direito de exercer o poder sobre os seus subordinados. Em contrapartida, quem é dominado e simultaneamente subordinado considera um dever e uma obrigação obedecer às ordens que provêm dos seus superiores” (Ferreira et al., 1996: 20).
11 São sociologicamente diferenciadas a autoridade tradicional, a autoridade carismática e a
autoridade racional/legal/burocrática.
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 35
como no único meio de exercer e obedecer à autoridade e à hierarquia da
organização. Por comparação com os modelos de autoridade tradicional e
carismática, este modelo demonstrava ganhos exponenciais de produtividade,
eficiência e funcionalidade, revelando-se intimamente articulado com as lógicas
instrumentais do sistema capitalista em progressiva expansão, comportando,
nesse sentido, uma transformação organizacional indispensável à própria
sustentabilidade das dinâmicas económicas, sociais e institucionais de um
período muito concreto da modernidade: o capitalismo organizado (Santos,
1999).
Protagonizando um reformismo institucional sem precedentes, este
modelo de autoridade organizacional burocrática desfrutou de amplos níveis de
disseminação nas administrações públicas ocidentais, inspirando igualmente
muitas das transformações empresariais operadas ao longo do século XX e
influenciando as próprias organizações do terceiro sector (economia social).
Apresentamos, em seguida, de forma breve, as principais características deste
modelo organizacional, apresentadas por Max Weber na sua obra de referência
Economia e Sociedade (1922).
A racionalidade jurídica era trazida para o interior das organizações
através de regras formais e regulamentos escritos, instrumentos de aplicação,
específica e concreta, de leis gerais e abstractas. As organizações eram,
assim, desdobradas em serviços definidos, com o máximo de rigor técnico e
procedimental, encorajando-se o cumprimento escrupuloso das respectivas
tarefas, por parte dos seus funcionários, e evitando-se margens de liberdade
que introduzissem incerteza, imprevisibilidade e arbitrariedade no contexto
organizacional.
O sistema burocrático estruturava-se, ainda, de acordo com o princípio
de organização hierárquica e vertical da autoridade, de forma a assegurar a
ordem interna e a garantir que a subordinação não suscitasse ambiguidade
prática e regulamentar. A noção de competência técnica ganhou relevância na
selecção e avaliação dos funcionários, pelo que a sua admissão, transferência
ou promoção se encontrava estritamente vinculada a critérios de mérito
36 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
objectivos e formais aferidos através de um conjunto de instrumentos
avaliativos e comprovativos como diplomas, exames e concursos.
Defendia-se a prevalência das relações de tipo formal, procurando
extinguir ou limitar a informalidade e despersonalizar as práticas e as
dinâmicas organizacionais, corporizando a emergência de uma cultura
documental e procedimental, tanto ao nível dos processos decisórios como dos
padrões de comunicação e interacção desenvolvidos nas organizações. O
profissionalismo e a impessoalidade cumpriam, do ponto de vista weberiano,
uma função essencial à modernização e racionalização das organizações,
visando ultrapassar os efeitos negativos do nepotismo e da discricionariedade
que, na sua perspectiva, dominavam nas organizações pré-burocráticas. É,
assim, possível afirmar que a aliança entre a equidade e a tecnicidade é
estruturante das organizações burocráticas, revelando uma forte desconfiança
administrativa face à espontaneidade do comportamento social (daí o controlo,
a formalização e a imparcialidade relacional).
Os mecanismos promocionais passaram a depender de uma fórmula
que articula o desempenho técnico competente com a experiência acumulada
na função. A remuneração regular dos funcionários – acompanhando as
grandes transformações salariais nas sociedades contemporâneas – constituía
ainda uma característica importante da administração burocrática,
nomeadamente a ideia da segurança e estabilidade remuneratória, ancorada
numa visão contínua da carreira e de emprego fixo.
Em jeito de conclusão, é possível dizer-se que, entre outras
características particulares do modelo burocrático proposto por Max Weber, a
precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação estrita e a redução de custos
constituem alguns dos aspectos introduzidos por este movimento
racionalizador da vida e do desempenho organizacional. Ainda que este
modelo tenha entrado em crise, convém sublinhar o facto de ter sido a partir do
conceito de burocracia que foi possível pensar reformas mais amplas e
arrojadas no domínio da administração pública e das organizações privadas,
materializando aquilo que poderemos designar de modernidade organizacional.
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 37
2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de novos paradigmas
2.3.1 Da escola das relações humanas às abordagens manageriais
Um dos primeiros e mais significativos movimentos de reacção às
abordagens clássicas das organizações foi protagonizado, entre outros, por
teóricos como Elton Mayo, Kurt Lewin e John Dewey, precursores da Escola
das Relações Humanas. Este movimento, inspirado na filosofia pragmática e
em ideais humanistas, centrou as suas preocupações na crítica ao
mecanicismo, à instrumentalidade e ao formalismo propostos pelas abordagens
clássicas, explorando a ideia de que os níveis de integração social e
organizacional são tão ou mais importantes para o desempenho global das
organizações que a lógica científica e burocrática de divisão e organização do
trabalho.
Assim, mais do que as competências técnicas estritas, a capacidade
social dos trabalhadores, as dinâmicas de grupo, as interacções e
sociabilidades informais e o grau de motivação e satisfação dos trabalhadores
constituíam os eixos mais importantes, a partir dos quais seria possível dotar
as organizações de maior eficiência e eficácia.
Esta abordagem considerava, ainda, que a especialização excessiva do
trabalho constituía uma fragmentação da actividade organizacional que poderia
vir a ter um impacto negativo no desempenho global. Em termos gerais, se as
teorias clássicas pensavam as organizações como máquinas, enfatizando as
tarefas e a tecnologia e inspirando-se em sistemas de engenharia, a teoria das
relações humanas focava-se sobretudo no ambiente organizacional12, nas suas
estruturas grupais e na dimensão humana subjacente às relações de trabalho.
12 Para uma recensão da história e da problemática do clima organizacional, cf. Chambel e
Curral (2008).
38 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
A importância atribuída às equipas de trabalho legitimava agora um sistema de
delegação de autoridade que beneficiava da autonomia confiada aos
trabalhadores. Em suma, o respeito pelas regras e regulamentos cedia lugar à
ênfase nas relações humanas e na dinâmica grupal e interpessoal.
Esta teoria veio dar visibilidade e preponderância à motivação, à
liderança e à comunicação organizacionais, enquanto factores decisivos a uma
gestão flexível e eficiente do trabalho, gerando novas abordagens teóricas e
conceptuais de grande importância. Contudo, a sua oposição às abordagens
clássicas, descartando muito do seu contributo racionalizador, a sua concepção
das relações de trabalho como se a autodisciplina fosse apanágio natural dos
grupos sociais e ainda o enfoque excessivo na informalidade organizacional,
evidenciavam, para muitos autores, as suas limitações.
Nas críticas ao modelo burocrático destaca-se Robert Merton (1949),
chamando a atenção para as disfunções burocráticas, o impacto da prescrição
estrita de tarefas sobre a motivação dos empregados, a resistência às
mudanças e desvirtuamento de objectivos provocado pela obediência acrítica
às normas (apud Secchi, 2009: 353) constituem efeitos negativos da
administração burocrática das organizações, a par do enfoque na antiguidade
como critério promocional, desencorajando uma salutar competição interna e
convidando à inércia organizacional. É, aliás, nesse sentido que se questiona a
eficiência da burocracia quando as organizações gozam de uma situação de
monopólio na prestação de serviços públicos, que as imuniza a estímulos
concorrenciais a partir do exterior.
A abertura à sociedade será, como veremos adiante, um ponto de
partida para repensar as lógicas organizacionais na perspectiva da qualidade
dos seus outputs e da satisfação dos seus beneficiários, utentes ou clientes. A
partir de meados do século XX, intensificam-se as críticas ao modelo
burocrático, ainda que com proveniências e direcções distintas e, por vezes,
contraditórias, entrando-se no que se designa de era pós-burocrática.
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 39
2.4 As teorias manageriais
No essencial, esta nova era, genericamente adjectivada como
managerial, caracteriza-se por um conjunto de orientações comuns no domínio
organizacional que, de acordo com Lane (1995), representa uma gradual
substituição de um Estado Administrativo, ideologicamente conotada com o
modelo burocrático13, como resposta à ineficácia deste. Essas novas
orientações apontam para a profissionalização da gestão; a empresarialização;
a redução dos níveis hierárquicos e, consequente, achatamento dos designs
piramidais das organizações; a descentralização e fragmentação em unidades
administrativas; a competição intra e interorganizacional; a focalização nos
resultados; a prestação de contas (accountability); e a marketização.
Hood (1995) sintetiza as principais características da administração
pública managerial, concedendo destaque à desagregação dos serviços
públicos em unidades especializadas, à competição entre organizações
públicas e entre serviços públicos e privados, ao recurso a práticas de gestão
típicas da administração privada, ao empreendedorismo organizacional, à
autonomia decisória, à avaliação do desempenho e à centralização nos
outputs. A capacidade de resposta, a flexibilidade e elasticidade são conceitos
chave associados a este novo modelo de gestão.
A emergência e hegemonia destas novas teorias, no quadro das
reformas desencadeadas na administração pública a partir dos anos 80 –
comummente designadas como New Public Management –, têm sido
percepcionadas com relativa ambivalência: por um lado, procura-se superar as
limitações e os constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de
organização, caracterizados pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à
13 O que significa que a emergência deste novo paradigma ocorre não apenas com base num
consenso tecnocrático sobre as organizações mas, igualmente, num consenso ideológico sobre o papel do Estado nas sociedades contemporâneas, sobre as relações de poder nas organizações públicas e sobre a preponderância do sector privado na provisão de bens e serviços.
40 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
sociedade e ineficiência administrativa; por outro, como corporizante de uma
transformação política mais ampla, assente num novo consenso ideológico de
natureza neoliberal: o Estado e a administração pública são sinónimos de
desperdício irreformável, abrindo campo a um novo receituário político baseado
na privatização do máximo de subsectores públicos alienáveis para o mercado
e na adopção de modelos de gestão equiparados ao sector privado, no caso da
sua manutenção na esfera pública.
Assim, ganha corpo a ideia segundo a qual, à semelhança das
organizações privadas que se considera funcionarem de forma mais eficiente
por serem orientadas pelo lucro e pela oferta dos seus bens e serviços estar
relacionada à procura dos mesmos, o Estado também dever organizar-se com
base numa filosofia similar (Ng, 2007: 11). Adverte-se, porém, que, embora os
referenciais da gestão empresarial possam ser úteis à reforma da gestão
pública, não devem ser transplantados para as organizações públicas sem que
se tenha na devida conta a sua missão primordial, os seus objectivos e os seus
principais fundamentos políticos. Desde logo, o conceito de cidadania deverá
prevalecer face ao estatuto de consumidor14.
A aferição dos padrões de desempenho, a qualidade e a eficácia das
organizações públicas recentram-se na satisfação dos cidadãos utentes dos
serviços aumentando a confiança social nas organizações e, em consequência,
conferindo-lhes maior legitimidade. Como melhor se verá adiante, no quadro
dos modelos de excelência, o critério sociedade ou o retorno social assumem-
se como um importante dispositivo e sendo precisamente aquele que, a par
dos ganhos de eficiência e da qualidade nos resultados, permite uma
ampliação da noção de prestação de contas, para além dos mecanismos de
14 Para Madureira e Rodrigues, “a escola managerial não só não resolveu os problemas
públicos de forma taxativa, como incorreu em incoerências diversas, proclamando não raras vezes a descentralização, a delegação de competências e a desregulação como medidas fundamentais para a mudança de paradigma na reforma administrativa, mas mantendo o poder hierárquico altamente centralizado na prática. Este foi o terreno propício para que, independentemente de todas as discussões conceptuais acerca do mesmo, o conceito de governance tivesse ganho peso” (2006: 158).
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 41
responsabilização, transparência e controlo. Neste contexto, a prestação de
contas das organizações públicas exerce uma função equivalente à
concorrência nas organizações privadas e lucrativas. Considera-se, ainda, que
o envolvimento regrado e operacionalizado dos cidadãos na vida das
organizações – que poderá reportar-se tanto à definição dos padrões de
atendimento e acessibilidade, como a outros procedimentos organizacionais
socialmente relevantes e escrutináveis –, para além de constituir um factor
facilitador da gestão da complexidade, obriga à transparência dos resultados
como complemento do controlo político normal e da legitimidade democrática
(Langbroek, 2005: 50).
42 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
2.5 O conceito de governação e as novas abordagens organizacionais
Nos anos mais recentes, novas perspectivas teóricas têm vindo a ser
desenvolvidas à volta dos conceitos de governação e de excelência,
protagonizando uma transformação importante nos estudos organizacionais
contemporâneos e comportando, não apenas uma nova linguagem
caracterizadora das dinâmicas e dos processos organizacionais, como um
novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias. Para alguns15, a
governação organizacional deveria cumprir, sobretudo, uma função
catalizadora que, ao invés de concentrar para si o comando, a gestão e a
implementação de medidas, deveria dar prioridade à harmonização da acção
desenvolvida por diferentes actores organizacionais. A descentralização
deliberativa e funcional permite um melhor aproveitamento dos conhecimentos,
das capacidades e das competências existentes na organização, estimulando a
inovação prática e reflectindo-se na motivação dos funcionários.
O conceito de governação organizacional, importado de outros campos
disciplinares, ganhou forte expressão ideológica e académica com o fenómeno
da globalização16. Em traços largos, remete para o afastamento do Estado,
enquanto entidade autónoma e isolada na sua função provisional e regulatória
e, portanto, para a transição para um modelo colaborativo e articulado entre
diferentes actores estatais e não estatais17 na produção de políticas públicas. A
penetração daquele conceito na esfera e na linguagem organizacional pública
está fortemente relacionada, tanto com o aumento da complexidade e dos
15 Na linha do famoso best-seller de Peters e Waterman, In Search of Excellence (1982),
Osborne e Gaebler (1992) dedicaram-se ao estudo do governo empreendedor enquanto modelo pragmático de gestão pública, explorando um conjunto amplo de dimensões gerenciais decisivas à transformação de uma organização pública burocrática numa organização pública racional, eficaz, competitiva e flexível.
16 Para uma genealogia crítica do conceito, cf. Santos (2003).
17 Sobre o papel do Estado como Novíssimo Movimento Social, protagonista da coordenação
dos diferentes actores provisionais e regulatórios, cf. Santos (2002).
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 43
fluxos de informação a que as organizações se encontram expostas, como com
a necessidade de um maior e mais eficaz controlo dos processos e dos
resultados reivindicados pelos diferentes stakeholders. Nesse sentido,
administrar o sector público passa por uma gestão de redes complexas,
compostas por actores diversos (com aprendizagens, expectativas e
comportamentos diferenciados), por grupos de pressão, grupos políticos,
instituições sociais e empresas privadas. Existindo conflito de interesses entre
estes actores, a gestão pública deve ser capaz de os gerir, não devendo impor
unilateralmente a sua vontade (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). Todo este
processo envolve uma transformação profunda nos cenários organizacionais,
sendo que a antecipação, a adaptação e a capacidade de influência sobre as
mudanças em curso são factores determinantes para a sustentabilidade deste
novo paradigma administrativo das organizações.
No quadro deste novo conceito, a gestão por objectivos, focalizada nos
outputs e no impacto social da actividade organizacional, a par da satisfação
dos cidadãos utentes, assume um papel central. O planeamento estratégico
das organizações deve, ainda, incentivar uma cultura preventiva e pró-activa
face aos problemas menos rotinizados, contrariando as lógicas reactivas típicas
do comportamento burocrático perante a contingência e a incerteza.
A sua aplicação às organizações públicas não pode, contudo, perder de
vista que elas são portadoras de uma racionalidade distinta e que, por vezes,
algumas das referidas características são ofensivas dos princípios e garantias
de que as organizações públicas, e os tribunais em particular, são portadores.
Pelo que as noções mais normativas e hegemónicas de informalidade,
simplificação e celeridade de procedimentos não poderão aplicar-se acrítica e
irresponsavelmente em instituições públicas, em particular judiciárias, nas
quais os elementos procedimentais e burocráticos também constituem
modernas garantias dos cidadãos.
Este novo conceito abre, igualmente, espaço à problematização dos
fenómenos inter-organizacionais e à cultura de interface e de articulação que,
nalguns países e sectores se tem vindo a consolidar; enquanto noutros, pelo
44 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
contrário, tem revelado dificuldades de sedimentação nas organizações
públicas. Esta é, aliás, uma componente, como temos vindo a demonstrar em
vários trabalhos do OPJ, que revela muitas debilidades no sector da justiça
entre nós. O sistema não consegue responder eficientemente à progressiva
intensidade e complexidade da relação entre as estruturas judiciais e as
múltiplas instituições conexas. Esta circunstância obriga a que se faça uma
análise crítica e exaustiva das redes organizacionais e do grau de preparação
das organizações para as mudanças necessárias à afirmação de uma lógica de
projecto e de parceria que efective a qualidade nos resultados finais, nos
serviços prestados aos cidadãos e, em última instância, na garantia dos seus
direitos legalmente consagradas. Isto significa que, embora constituam temas
aparentemente distantes, as dinâmicas organizacionais possuem uma relação
íntima e decisiva com aquilo que de mais essencial pode existir numa noção
realista e sociologicamente construída de Estado de direito democrático.
As novas abordagens organizacionais salientam, igualmente, outras
vertentes. Preparar, qualificar e operacionalizar as organizações públicas para
as mudanças, requeridas tanto por novos como por velhos desafios (de ordem
cívica, jurídica e social), significa, entre outras coisas, conferir uma especial
atenção ao papel das lideranças na condução e no acompanhamento desse
processo, partindo da relação estreita entre cultura, estratégia e liderança.
Neste sentido, Schein (1993) propõe uma distinção que se revela, neste
contexto, particularmente útil, entre liderança transaccional e liderança
transformacional, de forma a caracterizar técnicas, comportamentos e atitudes
liderantes adequados a carências e etapas organizacionais, a partir da tensão
entre estabilidade e mudança.
Se a primeira (transaccional) se reporta à capacidade de assegurar a
rotinização dos processos, baseando-se numa relação líder/subordinados na
motivação destes últimos para o cumprimento dos objectivos pré-definidos e na
clarificação de papéis associados às tarefas, a segunda (transformacional) visa
influenciar o curso de recomposições e alterações mais amplas na
organização, procurando mobilizar e capacitar os seus membros para a
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 45
mudança organizacional. Capacidade na gestão dos riscos, das oportunidades
e das expectativas são traços liderantes fundamentais para o sucesso da
transformação e adaptação das organizações a novas orientações funcionais e
administrativas. É, aliás, por essa via que, na esteira de Hood e Lodge (2004),
é possível afirmar que a administração pública moderna se passou a
apresentar essencialmente como um mediador de actores, factores e
circunstâncias variáveis: a reforma administrativa poderá ser encarada como
um projecto integrado, complexo e diversificado onde é realmente necessária
uma gestão atenta e conciliadora dos diversos actores, dos seus
comportamentos e das suas expectativas, de forma a que se possam servir
todas sem arbítrios (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). A liderança deve
flexibilizar-se e ajustar-se em função dos cenários e dos contextos específicos
que caracterizam as organizações, ultrapassando a rigidez categorial das
concepções que prevaleceram, sobretudo, até à década de 60.
Neste processo, a aprendizagem organizacional assume um papel
crucial. A incorporação de conhecimento (tanto no domínio técnico,
especializado, como no campo dos saberes relacionais, interpessoais e
informais, imprescindíveis ao desenvolvimento de uma nova cultura
profissional) e a potenciação da alteração comportamental constituem os
termos mais estruturantes dessa aprendizagem que pode definir os termos da
relação entre estabilidade e mudança18.
Na perspectiva de Fiol e Lyles (1985), os ambientes demasiado estáveis
não convidam à alteração das práticas nem suscitam novas oportunidades.
Mas, o seu contrário também não reunirá as características mais propícias à
aprendizagem, nomeadamente, à rentabilização organizacional do processo
18 A relação entre mudança e aprendizagem não é, contudo, linear. De acordo com Hedberg
(1981), o conceito de mudança reporta-se ao ajustamento defensivo a um estímulo, de proveniência interna ou externa à organização, ao passo que o conceito de aprendizagem envolve a compreensão dos nexos e das razões associadas à mudança operada no sistema de práticas e no ambiente organizacional, contribuindo para a produção, assumpção e disseminação de novos saberes úteis à dinâmica funcional, cultural e comunicacional das organizações.
46 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
aquisitivo, na medida em que as situações de extrema instabilidade implicam,
geralmente, uma elevada sobrecarga para os comportamentos quotidianos,
impondo respostas adaptativas imediatas sem que seja garantido espaço para
o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, o que exige mudanças graduais
(Parente, 2006: 90).
Do ponto de vista das condições para a execução da mudança, o
envolvimento dos intervenientes será tanto mais importante quanto mais a
orientação gestionária adoptar uma estratégia antropocêntrica, por oposição a
uma estratégia tecnocêntrica. Se esta última é dirigida às dimensões
estritamente operacionais, a primeira assenta numa tónica gerencial centrada
no potencial e no capital humano19 das organizações, procurando enriquecer
os conteúdos desenvolvidos na actividade organizacional. Daí que as
condições de aprendizagem que a figura seguinte ilustra devam ser tidas em
conta pelas lideranças (Parente, 2006).
19 A noção de capital humano tem sido objecto de uma discussão sociológica própria. Sendo
vasta a literatura que se tem dedicado à sua conceptualização e operacionalização, tem vindo a sofrer diferentes reconstruções e ampliações desde a sua proposta inicial nos anos 60 (Becker, 1994), ultrapassando o seu significado e a sua aplicação original. Para novos desenvolvimentos, cf. Oliveira e Holland (2007).
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 47
Figura 1. Condições organizacionais de aprendizagem
Fonte: Parente, 2006: 100
Uma dimensão sociológica fundamental dos processos de mudança nas
organizações consiste na forma como se estruturam as múltiplas frentes de
resistência à introdução de novos métodos de trabalho e, em geral, à
transformação racionalizadora da vida organizacional. As condições de
aprendizagem organizacional são, como vimos, factores importantes, no
sentido de ganhar ou cativar os seus membros e destinatários para as reformas
a desenvolver. Mas, como salientam Madureira e Rodrigues (2006), a questão
interpretativa apresenta excepcional relevância, na medida em que a forma
como são percepcionados e experimentados os termos da mudança (direcção,
justificação, condução e implicações directas e indirectas) nas organizações
constitui um elemento determinante do seu sucesso ou do seu fracasso.
De acordo com Kanter, Stein e Jick (1992), são várias as circunstâncias
e os conteúdos da mudança susceptíveis de gerar reacções adversas por parte
dos colaboradores. Desde logo, o impacto da mudança nas condições laborais
48 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
e nos vínculos contratuais constitui um elemento objectivo com efeitos no clima
organizacional. No caso específico da administração pública portuguesa, este
problema pode ganhar contornos mais agudos pelo facto do sector beneficiar
de um enquadramento mais protector/garantístico no domínio da legislação
laboral. Neste aspecto, os estatutos sócio-profissionais do sector da justiça
obrigam a especiais cuidados no impacto das políticas organizacionais para
este sector.
A perda de privilégios ou de controlo organizacional, a par da perda da
hegemonia das competências (por via, por exemplo, da introdução de
tecnologias que os colaboradores não dominam), constituem áreas de
mudança fortemente carregadas de potencial de resistência, pelo que a aposta
em novas competências comportamentais para os funcionários [pode] ser
importante para a restituição de confiança e de auto-estima dos mesmos, que
não devem sentir-se excluídos [...]. Se existir uma exclusão generalizada dos
funcionários num processo de mudança, este pode tornar-se contra-producente
e mesmo perigoso para a sobrevivência das organizações públicas (Madureira
e Rodrigues, 2006: 163). Conquistar os agentes, tornando-os parte activa do
processo de mudança é, por isso, fundamental nos processos de reforma.
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 49
2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve abordagem20
Os múltiplos significados e o carácter corrente da palavra qualidade – de
origem latina qualitas, que significa qualidade, maneira de ser, propriedade das
coisas [o que determina o que a coisa é (Aristóteles)] – quando utilizada em
contextos variados, não deixa de ter alguma analogia com as perspectivas
diferenciadas que o termo pode revelar num contexto de gestão.
A evolução do conceito de qualidade, revisto largamente na literatura,
pode ser hoje de forma consensual tipificado em cinco fases:
Inspecção: focalizada no produto, onde o conceito de qualidade surge
ligado à medição, comparação, verificação das actividades que determinam
a classificação do produto (década de 20);
Controlo da qualidade: focalizado no processo produtivo, onde o conceito
de qualidade surge ligado ao controlo estatístico e monitorização do
processo (décadas de 30 a 50);
Garantia de qualidade: focalizado em outros processos da organização,
para além do processo produtivo, onde a qualidade surge associada ao
planeamento, aos projectos, etc. (década de 60);
Gestão da qualidade: focalizada no cliente, nas suas necessidades e nível
de satisfação, onde o conceito de qualidade é integrado na gestão global
da organização. O planeamento, controlo e a melhoria estão em conjunto
presentes (década de 70 e 80);
Qualidade na excelência: focalizada numa cultura da organização que
assegura a satisfação dos clientes (a partir da década de 90).
Ao longo do último século, o quadro conceptual da qualidade foi
crescendo de abrangência e de complexidade, embora tenha sido
fundamentalmente a partir da década de setenta que o debate teórico se
20 O texto constante deste ponto, ligeiramente revisto, é da autoria da consultora deste projecto
Margarida Mano.
50 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
desenvolveu significativamente21. Neste percurso, o conceito de excelência
enquadra-se numa fase de maturidade do processo, numa óptica de qualidade
total (Total Quality Management) ou, conforme usualmente referenciado nas
áreas da educação e da saúde nos Estados Unidos da América (EUA), de
melhoria de qualidade contínua (Continuous Quality Improvement).
Aos modelos de excelência, ou de qualidade total, subjaz uma filosofia
de gestão que centra a organização naquele que é a razão de ser última da
sua actividade (o cliente/o utente/o cidadão) e numa dinâmica de melhoria
contínua. Neste contexto, pressupõe-se uma abordagem sistémica22 com
princípios de gestão aplicados em todos os níveis, todos os estádios e todos os
departamentos da organização, tendo sido criados a nível internacional vários
programas de incentivos à utilização destes modelos, designados de prémios
de excelência, de que se destacam: Deming Prize fundado no Japão, pelo
Japanese Union of Scientists and Engineers, em 1951; Malcolm Baldrige
Award, nos EUA, cujo primeiro prémio foi distribuído em 1988; e European
Quality Award na Europa, primeiro prémio atribuído pela European Foundation
for Quality Management em 1992.
O modelo baseado na filosofia da gestão pela qualidade total de
referência na Europa é o modelo da EFQM. Trata-se de uma ferramenta que
pretende possibilitar melhores práticas de gestão e dessa forma melhorar o
desempenho das organizações, podendo ser utilizado para verificação do
estado da organização (auto-avaliação), como ferramenta de planeamento ou
enquanto ferramenta de gestão da mudança.
21 Juran (1974), Crosby (1979), Ishikaw (1982), Deming (1986), Feigenbaum (1987), Kanji
(1998), Dahlgaard et al (1998)] e Oakland (2000), entre outros.
22 TQM is a structured attempt to re-focus the organization‟s behaviour, planning and working
practices towards a culture which is employee driven, problem solving, customer oriented, and open and fear-free. “Furthermore, the organization‟s devolution of decision making, removal of functional barriers, eradication of sources of errors, team working and fact-based decision making”, Ghobadian et al. (1998:10).
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 51
A premissa de base em que assenta o modelo, ilustrada na figura
seguinte, é a de um processo dinâmico em que resultados excelentes relativos
aos clientes, pessoas e sociedade são alcançados através de liderança na
condução da estratégia, que é transferida através das pessoas, das parcerias,
dos recursos e dos processos, dos produtos e dos serviços.
Figura 2. Modelo de Excelência da EFQM
Enablers Results
Learning, Creativity and Innovation
Leadership People
Strategy
Partnerships & Resources
Processes, Products & Services
People Results
Customer Results
Society Results
Key Results
Fonte: www.efqm.org
O modelo de excelência da EFQM, inicialmente vocacionado para
grandes empresas do sector privado, tem vindo a ser revisto no sentido da sua
generalização a todas as organizações, independentemente da dimensão e
sector de actividade. Desta tendência é exemplo a evolução recente para a
versão de 201023, que reforça a integração entre os nove critérios
23 EFQM (2009).
52 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
apresentados na figura e os conceitos fundamentais da excelência24
(reformulados com uma designação mais dinâmica): a) alcançar resultados
equilibrados; b) acrescentar valor para o cliente; c) liderar com visão, inspiração
e integridade; d) gerir por processos; e) alcançar o sucesso através das
pessoas; f) alimentar a criatividade e a inovação; g) construir parcerias; e h)
assumir a responsabilidade por um futuro sustentável.
Figura 3. Modelo de Excelência da EFQM
Taking Responsability
for a Sustainable Future
Building
Partnerships
Nurturing Creativity
& Innovation
Succeeding through People
Achieving Balanced Results
Adding Value for
Customers
Leading with Vision,
Inspiration & Integrity
Managing by Processes
Fonte: wwww.efqm.org
A qualidade no serviço público teve um desenvolvimento tardio,
sobretudo a partir da década de oitenta, quando a comparação entre padrões
24 Reforça-se também a integração com a lógica do RADAR que mantém os quatro elementos
(Resultados; Abordagem; Desdobramento e Avaliação e Refinamento) embora sofra alterações ao nível dos atributos, nomeadamente dos Resultados.
Dinâmicas de mudança na administração das organizações públicas 53
públicos e privados, a par com a estratégia de supervisão estatal condicionada
pela escassez de recursos, determinaram a orientação de vários olhares
críticos para os serviços públicos.
Em Portugal é definido em 1999 um referencial público inspirado em
princípios de qualidade total: o Sistema de Qualidade em Serviços Públicos (DL
n.º 166-A/99, de 13 de Maio). O diploma considera que a qualidade em
serviços públicos é uma filosofia de gestão que permite alcançar uma maior
eficácia e eficiência dos serviços, a desburocratização e simplificação de
processos e procedimentos e a satisfação das necessidades explícitas e
implícitas dos cidadãos. Este diploma potenciava um modelo que, volvidos
onze anos, se quedou pelo estabelecimento de princípios enquadradores, não
sendo utilizado, conforme previsto no seu Capítulo III, enquanto referencial de
um sistema de certificação de órgãos e serviços.
OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA
E A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS: DA QUALIDADE À EXCELÊNCIA
3
56 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
3 OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA E A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS: DA QUALIDADE À EXCELÊNCIA
As organizações do judiciário não escapam àquele novo contexto e
novas dinâmicas da administração pública, embora este seja um dos sectores
do Estado ao qual as reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Tal
como em outras organizações do Estado e da sociedade, os modelos
burocráticos de administração das organizações têm vindo a ser submetidos a
um processo de reflexão e reavaliação política e académica. Até à década de
90 do século passado, a resposta do sistema à sua crise centrou-se,
sobretudo, em reformas de natureza processual e no crescimento de recursos
humanos e materiais. Mudanças no Estado e na sociedade mudaram o
contexto social da justiça, cujos sinais mais visíveis são o aumento exponencial
do volume e da complexidade da litigação, obrigando à procura de novos
caminhos para a reforma do sistema e à conclusão pela necessidade de outro
tipo de reformas estruturais.
Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha
com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa também ele a ser
objecto de análise e recomendações que pretendem explorar uma nova
dimensão gestionária, considerando-se que o défice de organização, gestão e
planeamento das organizações do judiciário em geral, eram responsáveis por
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 57
grande parte da ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional. Os
tribunais eram e ainda continuam a ser, generalizadamente, apontados como
uma das organizações mais burocráticas do Estado, sendo a burocracia da sua
organização e funcionamento um entrave à eficácia, eficiência e qualidade do
seu desempenho. Defende-se, por isso, a introdução de medidas que visem a
alteração de métodos de trabalho, uma melhor e mais eficaz gestão de
recursos (humanos, materiais e dos processos) e uma melhor articulação dos
tribunais com os serviços complementares da justiça. As reformas que visam o
reforço da capacidade de organização e gestão do sistema de justiça tornaram-
se, assim, apostas centrais das agendas de reforma em muitos países. Nos
últimos anos, como melhor se verá adiante, o debate evoluiu para a reflexão
sobre como implementar no judiciário os novos conceitos de qualidade total e
ou de excelência.
O Conselho da Europa, especialmente através da Comissão Europeia
para a Eficiência da Justiça, deu um especial impulso a este movimento. Em
2001 (Recomendações (2) e (3)) chamou a atenção para a importância das
novas tecnologias, enquanto instrumento auxiliar da administração e gestão da
justiça, apelando ao seu uso mais intensivo em contexto judiciário, de modo a
permitir, entre outros, a padronização e automatização de procedimentos
repetitivos a melhoria das comunicações, quer internamente, quer das
diferentes organizações com o exterior. A informatização passou, ainda, a ser
vista como um instrumento essencial para a obtenção de indicadores
estatísticos que permitam melhor definir medidas gestionárias e obter
indicadores de avaliação. Mais recentemente, com o conceito de e-governance
(Recomendação (15) de 2004), a vertente transparência e comunicação com
os cidadãos emerge com uma das componentes do sector da justiça a
dinamizar.
No que se refere aos estudos desenvolvidos no âmbito da CEPEJ25,
25 Para mais desenvolvimentos, cf. OPJ (2008).
58 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
destaca-se a publicação, em 2006, de um compêndio de boas práticas de
gestão do tempo dos processos judiciais. Trata-se de um documento que reúne
algumas boas práticas desenvolvidas em tribunais e recomendadas pelo
Conselho da Europa, bem como decisões, neste âmbito, do Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos26. Naquele documento, as questões da administração e
gestão, designadamente sobre o papel a desempenhar pelos agentes judiciais,
e o uso das novas tecnologias de informação e de comunicação assumem
especial relevância. Defende-se a adopção, pelos Estados, de princípios
orientadores, para todo o sistema judicial, embora se considere que deverão
ser, caso a caso, os próprios tribunais a desenvolverem as suas estratégias de
gestão atendendo às respectivas especificidades, às dinâmicas contextuais e,
ainda, aos usos e costumes do foro.
Defende-se, naquele relatório da CEPEJ, a adopção de políticas e boas
práticas de gestão processual, apontando-se a necessidade de adaptação da
tramitação processual à complexidade dos casos considerando, entre outros, o
valor da acção, o número de interessados ou as questões jurídicas que o caso
concreto suscita. Avança-se, ainda, com a recomendação de várias outras
medidas, tendo em vista, por exemplo, a redução dos adiamentos de
audiências, a realização de uma conferência prévia entre as partes com vista à
calendarização dos actos processuais, evitando, assim, o desperdício de tempo
e de recursos27 e a adopção de formatos concisos e padronizados nas
decisões judiciais28, de modo a que os juízes se foquem nas questões
jurisdicionais.
26 As questões são agrupadas em cinco linhas temáticas: estabelecimento de calendarizações
realistas e mesuráveis para a realização dos actos processuais; assegurar o cumprimento dos prazos fixados; monitorização e disseminação de dados; desenvolvimento de medidas referentes à avaliação e de resposta ao volume processual; promoção de políticas e práticas de gestão processual.
27 Além daquelas vantagens são ainda apontadas outras como, por exemplo, o aumento de
acordos extrajudiciais.
28 Pretende-se fazer diminuir o peso argumentativo da decisão que, em parte, podia ser feito
por remissão.
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 59
Destaca-se, ainda, a preocupação com a criação de medidas que
permitam um rápido ajustamento do sistema judicial à variação do volume da
procura. A CEPEJ alerta para a importância das variações no volume
processual e na carga de trabalho. Os tribunais devem, por isso, ter em linha
de conta os fluxos da procura e a flexibilização da capacidade de resposta na
definição estratégica de medidas de gestão e na monitorização do seu
desempenho29. A adequada monitorização do volume processual e da carga de
trabalho pressupõe a definição prévia da capacidade de trabalho dos recursos
humanos do tribunal e uma distribuição adequada dos recursos materiais30.
Neste contexto é, por isso, dada especial ênfase à flexibilidade enquanto factor
fundamental das respostas a desenvolver. A importância deste factor prende-
se, essencialmente, com a emergência de alterações significativas, não
previstas ou imprevisíveis, que exigem o recurso a medidas correctivas31.
Mais recentemente, e com vista a ultrapassar dificuldades na obtenção
de dados quantitativos comparativos relativamente à duração dos processos,
foi criado, no âmbito da CEPEJ, um centro denominado SATURN32, que tem
como objectivo a identificação de categorias e definições comuns. O objectivo é
que estas categorias e definições venham a ser utilizadas em todos os
Estados-membros aquando da recolha de dados relativamente à duração dos
processos. Também em 2007, a CEPEJ lançou o desafio aos Estados-
membros de promoverem estudos em torno de temas como o acesso à justiça,
a duração dos processos, a monitorização e avaliação dos tribunais, o uso às
tecnologias de informação e comunicação nos tribunais e a administração e
29 Para tal é necessário um acompanhamento sistemático da evolução dos dados que
permitem traçar os fluxos quer através da recolha de dados por meio automatizados, quer através de sistemas mais simples e tradicionais.
30 Para mais desenvolvimentos no que respeita ao caso português, ver o estudo do OPJ
(2002).
31 Recomenda-se, por exemplo, o recurso à criação de task-forces de juízes, uma maior
flexibilidade das normas processuais de distribuição dos processos ou o alargamento das competências dos funcionários judiciais.
32 Cf. CEPEJ (2007).
60 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
gestão dos tribunais.
3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de algumas componentes
No último relatório da CEPEJ, publicado em 2008, assume-se uma
evolução em relação ao desafio da qualidade no judiciário. As orientações da
CEPEJ que, até então, se centravam, sobretudo, na defesa de modelos de
gestão para melhorar a eficiência do sistema de justiça, passam a dar relevo e
especial atenção aos aspectos relacionados com a qualidade. Neste contexto,
foi criado um grupo de trabalho (CEPEF-GT-QUAL), responsável pela recolha
de informação, pela avaliação das iniciativas e pelo desenvolvimento de
ferramentas que permitam promover a qualidade do judiciário nos diferentes
Estados-membros.
Como já se referiu, no contexto europeu, só no final da década de 90 do
século passado é que se começa a juntar à preocupação com a eficiência o
conceito de qualidade33, iniciando-se então o debate acerca do
desenvolvimento e consolidação da administração da justiça orientada para a
eficiência e qualidade, isto é, para garantir, partindo de valores comuns, que
determinados padrões e níveis de qualidade possam ser desenvolvidos,
implementados e garantidos pelas organizações do judiciário e pelos seus
membros.
Para alguns autores, como P. Langbroek (2005), o funcionamento
adequado de uma gestão orientada para a qualidade, principalmente em
organizações com as características dos tribunais, depende muito da forma
como se alcança um acordo na definição de padrões de qualidade,
considerando os princípios comummente aceites nas organizações judiciárias
33 Para mais desenvolvimentos sobre a questão da qualidade no judiciário, cf. Rivero-Cabouat
(2005).
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 61
europeias, como a independência e imparcialidade judicial. Outros princípios ou
linhas orientadoras, como a duração adequada dos processos, a eficiência, a
certeza e segurança jurídica, o acesso à justiça, a eficácia de desempenho e a
prestação de contas, são essenciais nesse consenso. Nem sempre é fácil
compatibilizar todos aqueles princípios com determinadas vertentes e
características das organizações judiciárias, designadamente, o seu desenho
institucional de governação e funcionamento organizacional ou a tensão entre
os domínios de acção política e judiciária. Defende-se, por isso, que um dos
principais vectores a considerar num modelo de justiça orientado para a
qualidade é o seu desenho institucional de governação e a relação que, através
dele, se estabelece entre os vários poderes do Estado e, em particular, entre o
poder judicial e o poder executivo.
M. Fabri (2005) sintetiza em quatro grupos as medidas ou políticas que
têm vindo a ser estabelecidas em diferentes países, tendo em vista melhorar a
qualidade da justiça. São elas: políticas de governação direccionadas para a
mudança das instituições que governam o judiciário; políticas estruturais
relacionadas com a alteração do número ou das funções das organizações do
sistema; políticas processuais que visam alterarem as regras tradicionais de
responder a problemas do judiciário; e políticas de gestão direccionadas para a
qualidade e eficiência de resposta ao volume e natureza da litigação, para a
avaliação do desempenho funcional e para o investimento em tecnologias.
Nesta nova orientação para a qualidade, assume especial relevância a
reflexão sobre os mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas.
São vertentes em debate em diferentes países, reconhecendo-se a sua
complexidade, desde logo, porque não podem colocar em causa os princípios
da independência e da autonomia do poder judicial. Malleson34 é um dos
autores que mais se tem destacado na reflexão acerca desta temática. Começa
por distinguir duas formas de prestação de contas: a prestação de contas
34 Cf. Malleson (1990).
62 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
política e a prestação de contas limitada. A primeira, que pode incluir medidas
como a demissão, a responsabilidade civil ou criminal, não será aplicável ao
poder judicial em respeito pelo princípio da independência judicial. O segundo
tipo centra-se na transparência procedimental e na mudança da relação,
considerando o novo contexto social, com os diferentes intervenientes
processuais e com a sociedade em geral, este sim aplicável às instituições do
judiciário35.
A adopção de uma perspectiva gestionária, orientada para a eficiência e
qualidade, impõe que se tenha em consideração aspectos relacionados com a
organização e funcionamento interno dos tribunais, incluindo os métodos de
trabalho36. Para H. Fix-Fierro (2003), intervir na organização e funcionamento
interno, adoptando objectivos e orientações comuns e claros é, numa
perspectiva gestionária, essencial. Aquelas orientações devem, por um lado,
constituir um pressuposto de avaliação do desempenho funcional e, por outro
lado, criar um ambiente de envolvimento para que todos os intervenientes
sintam que trabalham para um fim comum. Neste contexto, o desenvolvimento
de medidas que assegurem uma adequada divisão do trabalho e de funções
dentro da organização tribunal permite garantir, quer um nível mais elevado de
eficiência, quer a criação de condições de trabalho mais favoráveis, reduzindo
custos de coordenação e aumentando a capacidade de motivação ou de
reacção a situações de crise.
Santos Pastor (2003) alerta para a importância das orientações e
princípios comuns mas, também, para a necessidade das políticas de recursos
humanos assegurarem a flexibilidade dos conteúdos funcionais de modo a
permitirem uma maior mobilidade. Reflecte, ainda, acerca da importância da
definição dos pressupostos e critérios de progressão na carreira profissional,
que devem incluir critérios vinculados ao desempenho; do adequado
35 Cf. Ng (2007).
36 Esta é uma questão que se discute há longos anos nos países da Common Law. Nos países
de tradição jurídica continental apenas recentemente começou a ser alvo de reflexão.
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 63
planeamento que impeça a permanente rotatividade dos funcionários; da
garantia de formação; e, ainda, da adequada divisão de trabalho que permita
atribuir tarefas mais qualificadas a pessoal mais qualificado.
A importância da intervenção a este nível, leva autores como Gar Yein
Ng (2007) a concluir que, para a implementação de mecanismos de qualidade
nos tribunais, é necessário reformular a organização interna e funcionamento
dos tribunais de forma a eliminar, ou pelo menos a esbater, o seu carácter
atomístico.
Numa perspectiva gestionária, orientada, para a eficiência e qualidade
dos tribunais mostra-se, ainda, fundamental definir medidas susceptíveis de
actuar sobre os mecanismos de distribuição dos processos, quer entre
diferentes tribunais (organização judiciária), quer dentro de cada tribunal pelos
diferentes magistrados judiciais. Como já referimos em anterior estudo37, estas
medidas confrontam-se com dois princípios inerentes ao poder judicial: o
princípio da inamovibilidade e o princípio do juiz natural. A flexibilização na
distribuição de processos (movimentando os processos ou o juiz), quer por
razões de volume processual, quer por razões de natureza do conflito é uma
questão complexa. Enfatizando o princípio da inamovibilidade ou, para alguns,
uma interpretação restrita daquele princípio, são vários os sistemas judiciais,
incluindo o nosso, que não permitem a movimentação, fora de concurso próprio
ou de regras de afectação de um juiz, por razões conjunturais de volume ou de
natureza da litigação, quer de um tribunal para o outro, quer mesmo entre
secções do mesmo tribunal. Há, contudo, países em que sendo os juízes
colocados num espaço territorial mais alargado (por exemplo, na comarca em
vez de em determinado juízo) é possível uma maior flexibilidade na colocação
dos recursos humanos, desde que com respeito por critérios pré-definidos38.
O papel do presidente do tribunal na gestão dos recursos humanos,
37 Cf. OPJ (2008).
38 Para mais desenvolvimentos sobre esta temática, cf. OPJ (2006).
64 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
incluindo os magistrados, e na distribuição dos processos é diferente nos vários
sistemas judiciais, suscitando, assim, diferentes interpretações daqueles
princípios39. Os sistemas judiciais em que o presidente do tribunal desempenha
um papel mais activo, quer no que respeita à distribuição processual, quer à
gestão dos recursos humanos são, em regra, dotados de maior flexibilidade.
É certo que as regras de distribuição processual têm, genericamente, um
duplo objectivo: garantir a imparcialidade do tribunal e assegurar uma
distribuição tendencialmente igualitária de carga processual. Mas, para os
defensores de uma maior flexibilidade, o respeito pelo princípio da
independência é assegurado através de regras gerais e abstractas que
previamente definem os critérios da distribuição. Daí que, para alguns
autores40, a rigidez das regras relativas à distribuição processual dificulta a
distribuição de determinados processos mais complexos que deveriam poder
ser tramitados por juízes tecnicamente mais preparados para o tipo de questão
que aí se discute41.
No contexto europeu, encontramos diferenças significativas em sistemas
de justiça como os da Alemanha e de Itália, por um lado, e os sistemas de
justiça da Dinamarca, Inglaterra e País de Gales, por outro. Essas diferenças
acentuam-se, essencialmente, no que respeita ao nível de formalismo da
distribuição de processos. Existe, contudo, um terceiro grupo de países,
sobretudo a França e a Holanda, situados a meio termo entre aqueles dois
outros grupos que têm vindo a desenvolver regras internas que permitem uma
maior flexibilidade da distribuição de processos (OPJ, 2008).
A análise da experiência comparada mostra que as preocupações de
39 Em França, por exemplo, compete ao presidente do tribunal distribuir os juízes do tribunal
pelas várias secções. Na Noruega, por sua vez, é o presidente do tribunal que decide a distribuição dos processos pelos vários juízes.
40 Cf. Langbroek e Fabri (2007).
41 Por oposição, na Dinamarca, em Inglaterra e no País de Gales, a troca informal de
processos entre juízes é relativamente frequente.
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 65
gestão processual surgiram associadas aos países de tradição da common
law, caracterizados por um processo de tipo adversarial, mas com um forte
poder de conformação do juiz e onde, por regra, este é assessorado por um
conjunto de funcionários com competências específicas, não só no que
respeita à administração do tribunal, mas também em matéria de direito. Por
contraposição, no sistema continental de tradição histórica francesa e de cariz
burocrático, a introdução de métodos de gestão processual tem-se vindo a
revelar muito mais resistente.
Aliás, a perspectiva gestionária surge, sobretudo, como uma
necessidade de resposta ao crescimento da litigação, tendo por base a
concepção segundo a qual a eficiência resulta menos das mudanças das
regras processuais do que da adequada monitorização do desempenho
funcional dos tribunais e intervenientes no processo, tendo em conta o caso
concreto42. Neste contexto, discute-se a adopção de medidas gestionárias com
reflexos no caso concreto, como sejam a selecção adequada da
calendarização das diligências; o encorajamento da solução do conflito por
acordo; a estabilização da instância, decidindo-se, o mais cedo possível, todas
as questões formais; a adopção de critérios que possibilitem a definição de
uma estimativa de duração provável dos processos de acordo com a natureza
do litígio; a adopção de medidas que permitam prevenir a duplicação de prova
e a obtenção da mesma a custos mais reduzidos; que garantam uma produção
de prova reduzida ao essencial; o recurso a funcionários judiciais com
competência e formação especializada para o tratamento de determinadas
matérias e ou litígios; a utilização eficiente das novas tecnologias de
comunicação; e, ainda, sempre que possível, a utilização de formas
processuais mais céleres.
Como acima se referiu, as orientações de políticas gestionárias estão
42 Assim sendo, uma das consequências desta nova concepção foi a mutação do tradicional
papel do juiz, enquanto terceiro imparcial e distante, num interveniente activo na gestão do processo, cf. Fix-Fierro (2003).
66 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
intimamente ligadas ao desenvolvimento das novas tecnologias de informação
e de comunicação, consideradas uma das componentes fundamentais de uma
orientação estratégica para a qualidade e eficácia dos sistemas judiciais.
Contudo, e como também já se deixou dito, a disponibilização de tecnologias
de informação no sistema judiciário não constitui, por si, garantia de uma
utilização optimizada das mesmas, acontecendo, com frequência, o seu uso
ficar bastante aquém das suas potencialidades.
A diversidade europeia no que toca ao grau de implementação e à
eficácia e finalidades das tecnologias de informação nos diversos sistemas
judiciais é significativa. Neste sentido, M. Fabri e F. Contini (2001) concluem
que, ao nível europeu e de um modo geral, a introdução das tecnologias de
informação nos sistemas judiciários é conduzida tendo em vista a resolução de
problemas específicos, e não a sua eficaz integração no sistema judicial e
(mesmo na organização onde vão ser utilizadas) não prevendo nem uma visão
integrada dos sistemas de informação, nem uma eficaz articulação entre as
diferentes instituições do judiciário, como, por exemplo, entre os tribunais, as
prisões ou as polícias. Chamam, igualmente, atenção para a circunstância de
não existir troca de conhecimentos entre os diferentes Estados-membros sobre
as aplicações utilizadas e testadas. Entendem também que não são
desenvolvidos, em regra, programas de formação adequados para todos os
intervenientes do sistema judicial, desde juízes a funcionários, passando pelos
advogados, que permitam uma eficaz utilização das tecnologias de informação
e o reconhecimento do seu potencial para o desempenho funcional43. Tal
formação ajudaria a ultrapassar resistências às reformas, embora para os
autores a eliminação das resistências só seja possível através de mudanças
significativas na cultura jurídica44.
43 Cf. Oskamp, Lodder e Apisola (2004).
44 Muitos autores têm apontado, no que se refere ao estudo do êxito das reformas, a
importância da cultura jurídica. Não obstante a influência de outros factores, ressalta-se, em especial, o papel da cultura jurídica interna, isto é, os obstáculos que podem ser interpostos ao sucesso das reformas por parte de quem integra o sistema judicial (juízes, profissões jurídicas,
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 67
3.2 Da qualidade à excelência dos tribunais 45
A discussão em torno da evolução de um modelo sistémico de gestão,
baseado em princípios de qualidade, para um outro baseado em princípios de
excelência nos tribunais começa hodiernamente a ganhar relevo. O
desenvolvimento deste modelo pressupõe uma prévia definição conceptual do
modelo, com a assunção partilhada dos valores fundamentais a ter em conta
pelos tribunais no desenvolvimento da sua missão, bem como uma clara
definição das funções e responsabilidades dos agentes. Os valores nucleares
do exercício da função judicial estão expressos nos enquadramentos
legislativos respectivos e assentam em princípios, de um modo geral,
consensualmente aceites. Apesar deste consenso, a sua explicitação não é
neutra nem indiferente46.
A definição da matriz de funções e responsabilidades, necessária em
qualquer situação, assume no caso particular da justiça importância redobrada
considerando que na gestão dos tribunais e dos seus recursos humanos, co-
existem duas funções distintas – a função jurisdicional e a função
administrativa – que podem ter tutelas distintas e, na maioria dos países,
efectivamente têm-na. A primeira é independente e essencial naquela que é a
missão dos tribunais. A segunda é uma função de suporte à sua actividade,
inerente ao funcionamento de qualquer entidade pública ou privada, tendo o
seu funcionamento um impacto crucial na eficiência e na qualidade da primeira.
Os modelos de excelência podem revelar-se, neste contexto, adequados
governo e funcionários judiciais) (OPJ, 2008).
45 O texto que integra este ponto beneficiou de anteriores trabalhos do OPJ e corresponde, na
sua essência, aos contributos da consultora deste projecto Margarida Mano.
46 Os valores internacionalmente assumidos no âmbito do IFCE (International Framework for
Court Excellence) são: a igualdade (perante a lei); equidade; imparcialidade; independência na tomada de decisão; competência; honestidade; transparência; acessibilidade; actualidade; segurança.
68 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
enquanto instrumentos de referência ao modelo de gestão do tribunal. Se, por
um lado, são conceptualmente integradores de vários critérios, suportados em
diferentes dimensões organizativas, o que potencia a coexistência matricial de
diferentes tutelas (desde que obrigatoriamente harmonizadas nas dimensões
da liderança, da política e da estratégia) têm, por outro, a virtude de poderem
ser utilizados em estádios muito diferentes das organizações e dos sistemas
(estáticas, como pode ser a auto-avaliação, de planeamento ou de dinâmica de
mudança).
A experimentação de modelos de gestão na justiça, inspirados na TQM,
tem já uma experiência de décadas. Nos EUA a discussão da aplicação dos
princípios e metodologias da TQM aos tribunais remonta aos anos oitenta, com
a criação de um modelo de referência da qualidade através do Trial Court
Performance Standards em 1987, acompanhando o Malcolm Baldrige National
Quality Award47 iniciado na mesma altura48. Na década de noventa, era
possível encontrar, embora em número limitado, experiências de aplicação
destes modelos de gestão em diferentes Estados, em diferentes tipos de
tribunais (municipais, estaduais; de família, criminais, etc.) e numa ampla
abrangência de processos ou áreas. Aikman (1994: 23-25) apresenta, numa
obra que pretendia ser, na altura, um manual para decisores políticos
judiciários e administradores, experiências de aplicação da TQM em áreas que
vão desde a documentação e arquivo, à gestão de júris, organização de
espaços, avaliação da gestão, formação de juízes e staff, etc. As preocupações
dos estudos e relatórios de então parecem estar centradas na importância da
experimentação de práticas, eventualmente avulsas, que conduzam a
melhorias efectivas do serviço prestado nos tribunais49.
47 Cf. www.baldrige.nist.gov.
48 Sobre esta matéria, cf. OPJ (2001) e OPJ (2008)
49 Perhaps the center piece of the Judicial Branch TQM effort will be the utilization of Quality
Improvement Teams assigned to specific designated projects or organizational units and supported with the necessary training and resources over a period of time. A Plan for the Use of Total Quality Management in the Maine Judicial Branch, September 1, 1992, page 12.
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 69
Hoje, a abordagem que se encontra nas experiências de aplicação de
modelos de gestão da TQM nos tribunais dos EUA é claramente distinta: trata-
se de uma abordagem sistémica, focalizada na qualidade do serviço prestado
pelos tribunais50. A análise de procedimentos surge apenas de modo
instrumental, englobando não apenas os tradicionais fluxos organizacionais,
mas competências técnicas e comportamentais, formação, trabalho em equipa,
etc.
Como já referimos, na Europa, as primeiras experiências no sentido de
reflectir sobre um sistema integrado de qualidade nos tribunais datam do final
da década de noventa, sendo destacado por Albers (2009: 6-9) o caso
holandês e o caso finlandês. Uma abordagem mais concertada entre membros
da União Europeia, ou estruturas europeias, começa a ganhar visibilidade nos
últimos anos, embora apenas a um nível de discussão conceptual, com vários
estudos e relatórios da iniciativa do Parlamento Europeu; da CEPEJ51 e da
European Network of Councils for the Judiciary52, entre outros.
Mais, recentemente, esta abordagem ganhou um novo fôlego com o
International Consortium for Court Excellence53 que, a partir de 2007,
desenvolveu um enquadramento para a excelência dos tribunais (International
Framework for Court Excellence), instrumento que consideram poder ser usado
50 A título de exemplo, vejam-se as recomendações propostas por Patterson (2009: 58-64), na
sequência do estudo efectuado neste âmbito nos Tribunais da Georgia: “(…) this report recommends the following actions to address existing service quality gaps as perceived by Georgia trial court managers: (1) To promote the use of service quality evaluations and other data-driven approaches to measuring and enhancing customer service; (2) To develop resources regarding no/low cost approaches to reward and recognize court employees; (3) To work in consultation with the various judges‟ councils, clerk‟s associations, and local court personnel to develop a broad array of plain language court brochures, materials and website content; (4) To develop and facilitate customer service training modules; (5) To should work with the various court groups to develop court-specific guidebooks for assisting pro se litigants”.
51 CEPEJ (2007); CEPEJ (2008).
52 ENCJ (2008).
53 Os signatários do Consórcio são: The Australian Institute of Judicial Administration (AIJA);
The Federal Judicial Center; The National Center for State Courts (NCSC); The Subordinate Courts of Singapore com a associação da European Comission for the Efficiency of Justice (CEPEJ); Spring Singapore and The World Bank.
70 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
em todas as regiões do mundo para avaliar o nível de qualidade dos tribunais,
identificar áreas de melhoria e promover a excelência dos tribunais. O modelo
assenta em sete áreas de excelência, integradas com os valores nucleares de
um tribunal, que acompanham de perto os nove critérios da EFQM, conforme
se pode compreender a partir da figura seguinte.
Figura 4. EFQM e IFCE
Critérios do Modelo de Excelência da EFQM
Sete Áreas de Excelência nos Tribunais do IFCM
MEIOS
1.Liderança 1.Gestão e liderança dos tribunais LÍDER
2.Estratégia 2.Políticas dos tribunais
SISTEMAS E CAPACITAÇÃO
3.Pessoas 3.Recursos humanos, materiais e financeiros
4.Parcerias e Recursos
5. Processos, Produtos e Serviços
4. Processos nos tribunais
RESULTADOS
6.Resultados Clientes
5.Necessidade e satisfação
RESULTADOS 6. Serviços disponíveis e acessíveis nos tribunais
7.Resultados Sociedade
8.Resultados Chave 7. Confiança social
Do ponto de vista instrumental, o IFCE criou uma proposta de
questionário de auto-avaliação da excelência dos tribunais e tem promovido o
benchmarking com base na análise de estudos de caso à luz do modelo.
Em Portugal, a utilização do termo qualidade no âmbito da justiça,
apesar das reformas mais recentes do judiciário e do forte contexto de
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade das medidas gestionárias 71
mudança a que vem estando sujeita o sistema judicial54, parece ainda distante
do enquadramento conceptual da excelência. O contexto de mudança,
incentivado pela reforma do mapa e da organização judiciária, contribuiu para a
promoção de modelos alternativos ao modelo formal, como é o caso dos
centros de arbitragem, da mediação e da atribuição de competências outrora
exclusivas do juiz, a conservadores e a solicitadores, como também uma
reflexão mais alargada sobre a organização do sistema de justiça. Contudo,
como resulta das conclusões do estudo do OPJ Para um novo judiciário:
qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis (2008), as reformas do
judiciário nesta matéria são, não só em Portugal, mas também na Europa,
reformas centradas na discussão do modelo organizacional mais do que no
modelo de gestão. A discussão continua a situar-se na resposta ao volume
processual (número de processos entrados, pendentes, findos, etc.), o que
revela que as preocupações da qualidade se centram fundamentalmente na
melhoria da eficiência e, portanto, numa das fases iniciais do seu percurso: o
controlo da qualidade.
Contudo, nos estudos mais recentes, em particular relativamente à
discussão do novo mapa judiciário em Portugal, as oportunidades de melhoria
são claras ao nível das sete áreas de excelência do IFCE:
Gestão dos tribunais e liderança – (…) um dos grandes problemas com que
se confrontam os tribunais portugueses decorre de deficiências
organizativas e de gestão (OPJ, 2008: 43). A experiência das novas
comarcas, com a figura do juiz presidente, tem evidenciado a necessidade
de reforçar as suas competências, de forma a permitir uma liderança mais
eficaz.
Política da justiça – (…) é consensual que a definição de um novo
paradigma de política pública da justiça deve estar no lastro da
reorganização territorial do sistema de justiça (OPJ, 2008: 26).
Recursos humanos, materiais e serviços – a pouca flexibilidade da
legislação no que respeita aos recursos humanos, a gestão matricial e a
dupla tutela de muitos dos recursos, além de alguma indefinição e
54 Cf. OPJ (2008).
72 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
desadequação relativamente ao binómio centralizar/desconcentrar exige
definição de princípios coerentes e integrados no sentido de uma gestão
adequada dos recursos e seus resultados. A criação de um novo modelo de
recrutamento, formação, colocação e progressão na carreira dos
magistrados e dos funcionários judiciais é uma proposta (OPJ, 2008: 49)
que se insere nesta área de excelência.
Procedimentos – (…) nos últimos anos (…) não assistimos a melhorias de
eficiência, eficácia e qualidade significativas e houve mesmo alguma
degradação no domínio da duração processual (OPJ, 2008: 42). Neste
contexto, uma das propostas do OPJ (2008: 51) é a informatização plena e
eficaz do sistema de justiça, o seu funcionamento em rede e a criação de
novos paradigmas processuais.
Necessidades e satisfação dos clientes – não existem no sistema práticas
regulares de auscultação das necessidades e do grau de satisfação dos
clientes.
Serviços acessíveis e financeiramente praticáveis – existem áreas que, até
agora, revelam graves constrangimentos de acessibilidade, de que são
exemplos paradigmáticos os conflitos de família e menores (OPJ, 2008:
49). Deste modo, a endogeneização de uma justiça itinerante e a criação de
uma rede de serviços de justiça multifacetada representam algumas das
propostas inovadoras em cima da mesa.
Confiança social – finalmente, a actual crise da justiça, que o cidadão
absorve diariamente no discurso público, é reveladora do desfasamento
existente ao nível desta área de excelência.
De acordo com o debate em curso e olhando para o futuro, há dinâmicas
de mudança para sistemas de gestão e avaliação substancialmente diferentes
daqueles que têm sido correntemente usados. Existe uma percepção
generalizada, por parte dos diferentes agentes presentes neste debate, de uma
necessidade de mudança em que a excelência pode ser um padrão de
referência instrumental na gestão.
74 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
4 A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA
A pertinência de conhecer e trazer para o debate interno os principais
vectores em que assenta a reforma da secretaria judicial em Espanha, para
além da proximidade cultural, consubstanciada na similitude da matriz jurídica,
justifica-se pelo facto da reforma da secretaria judicial em Espanha partir de
uma constatação sobre problemas e ineficiências estruturais idênticas às
identificadas entre nós.
O legislador reformista considerava que as secretarias judiciais
funcionavam de forma atomizada e auto-suficiente, como compartimentos
estanques, onde se realizavam múltiplas e diversas funções. Partindo da
consideração de que o modelo de organização e funcionamento interno dos
tribunais não era, pela sua ineficiência, adequado ao actual contexto social e
processual, a reforma avançou para mudanças profundas no paradigma
estrutural e funcional das secretarias judiciais.
Com o objectivo de conferir mais qualidade e eficiência ao sistema de
justiça, a intervenção no âmbito da secretaria judicial traduziu-se numa reforma
verdadeiramente pluriforme. A sua concretização convoca a intervenção em
outras áreas do sistema de justiça, como seja no âmbito processual (de modo a
transferir para o secretário judicial a competência pela prática de alguns actos),
na remodelação das infraestruturas de modo a adaptar os espaços, na criação
de novas unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de
A nova secretaria judicial em Espanha 75
meios telemáticos.
No que respeita a esta última vertente, o programa de reforma incluiu a
implementação de vários programas informáticos55 no sentido de avançar para
uma justiça sem papel em todo o território nacional56. Neste âmbito, é de
referir, a título exemplificativo, várias medidas inovadoras. Por um lado, a
criação de um sistema de agendamento electrónico de diligências, gerido por
um serviço centralizado (agenda programada), o qual vai marcando as
diligências de cada processo de acordo com o seu iter processual e as
prioridades estabelecidas na lei57. Por outro, encontra-se em curso um
projecto-piloto de implementação do processo digital na Audiência Nacional.
Também as penhoras e as vendas judiciais passarão a ser realizadas por via
electrónica (sob a direcção do secretário judicial).
55 Os principais sistemas informáticos utilizados são os seguintes: a) MIG – Módulo de
Intercâmbio Genérico (1. comunicação por via telemática entre as unidades orgânicas de uma mesma secretaria judicial e entre secretarias judiciais diferentes; 2. assinatura digital das decisões judiciais); b) Lextnet (envio para os tribunais de peças processuais e documentos por meios telemáticos); e c) Minerva NOJ (1. assinatura electrónica; 2. módulo de relacionamento entre diferentes unidades da secretaria; 3. modificação de esquemas de tramitação processual; 4. modificação dos modelos anexos aos esquemas de tramitação processual). Foram, ainda, desenvolvidas medidas para a implementação destes programas em todo o território nacional, como o “Esquema Judicial de Interoperabilidade e Segurança” e o “Esquema Judicial de Interoperabilidade de Sistemas”, criados com o propósito de permitir a conexão entre os diferentes sistemas informáticos das comunidades autónomas. Foram igualmente celebrados, para o efeito, variados convénios de colaboração entre o Ministério da Justiça, entidades congéneres de várias comunidades autónomas, o CGPJ e a Fiscalía General. De entre esses convénios, destacam-se os relativos à cessão de uso do Lexnet e à interoperabilidade de sistemas informáticos e segurança (Alías Garoz e Casado Navarro, 2009: 32-33).
56 Um dos objectivos do sistema de informatização é ultrapassar a descoordenação criada pelo
desenvolvimento de diferentes programas em várias comunidades autónomas, muitos deles incompatíveis entre si, de modo a que seja possível o trabalho em rede, independentemente da comunidade autónoma em que estejam localizados. A informação estatística e o arquivo já estão centralizados. As decisões judiciais são enviadas, por todos os órgãos judiciais, ao CGPJ, e a recolha estatística estão sedeadas num centro de documentação ligado ao CGPJ.
57 São também consideradas as necessidades e disponibilidades logísticas e de recursos
humanos, bem como o tempo necessário para a citação/notificação de todos os intervenientes. A responsabilidade central por todos os agendamentos cabe ao secretário judicial.
76 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
4.1 Breve contextualização da reforma
O Livro Branco da Justiça, elaborado pelo Conselho Geral do Poder
Judicial, em 1997, ao caracterizar e avaliar o sistema judicial, constitui um
marco no processo de reforma da administração da justiça58. No que toca à
organização interna dos tribunais, em especial da secretaria judicial, salientava-
se a heterogeneidade organizativa e a compartimentação do seu
funcionamento. Chamava-se a atenção para o facto de, na prática diária, se
misturarem actividades de carácter administrativo e actividades de carácter
jurisdicional, sem que existisse um modelo comum de trabalho ou incentivos ao
trabalho diferenciado e especializado. Era, ainda, entre outros, salientado como
ponto negativo o facto de nas secretarias se cruzarem funcionários,
profissionais liberais e público em geral, o que provocava contínuas
interrupções no trabalho dos primeiros.
Em face deste diagnóstico, o Livro Branco da Justiça avançava com
algumas linhas de orientação relativamente às secretarias judiciais, avançando
já para a densificação dos serviços comuns, para uma diferente interacção
entre o juiz e a secretaria e para a possibilidade de transferência de algumas
funções da exclusiva competência do juiz para o secretário judicial.
A proposta de criação de serviços comuns foi considerada como um
elemento-chave na reforma das secretarias judiciais no sentido da sua maior
eficiência. Através da criação daqueles serviços, procurava-se evitar a
repetição de tarefas, uniformizando-as, libertando as diferentes secções de
praticar actos e tarefas semelhantes e criando uma estrutura especializada no
atendimento ao público.
Uma outra proposta veio, igualmente, abrir caminho à actual reforma.
Propunha-se que o perfil profissional do secretário judicial avançasse para a
58 Neste ponto, seguimos de perto o relatório do OPJ A Administração e Gestão da Justiça –
Análise comparada das tendências de reforma. Cf. OPJ (2001).
A nova secretaria judicial em Espanha 77
especialização de funções, o que incluía, para além de conhecimentos jurídicos
avançados, conhecimentos de gestão, de forma a permitir o exercício de
tarefas de apoio técnico, informação, assessoria e gestão de recursos
humanos e materiais. O Livro Branco enfatizava, ainda, a necessidade de
definição de programas de formação permanente dirigidos a todos os agentes
judiciais.
Com este pano de fundo, a Proposta de Modernização da Administração
da Justiça, de 1991, após fazer o elenco dos problemas identificados no
funcionamento e organização da secretaria judicial, apontava para um modelo
que distinguia as três actividades principais da administração da justiça: a
actividade jurisdicional, a actividade processual e a actividade estritamente
administrativa. O modelo apontava para a agregação de tarefas homogéneas
com a criação de unidades especializadas.
Esta nova perspectiva organizacional veio a ter acolhimento na Lei
Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu o novo modelo de
secretaria judicial, vindo dar forma a alguns objectivos do Pacto de Estado para
a Justiça59. Como principais alterações com impacto no funcionamento dos
tribunais, destacam-se: (1) a libertação do juiz de actos não jurisdicionais
(liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste modo dedicar a
totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente jurisdicional);
(2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial (secretário judicial,
considerado um especialista com alto nível de competência e elevados
conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se refere ao
funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a agregação de
tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da tramitação processual
propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a especialização dos
funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a nova configuração
dos espaços físicos (remodelação das infra-estruturas).
59 Especificamente, no que diz respeito às diferentes fases do processo de implementação da
nova secretaria judicial, cf. OPJ (2008).
78 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Apesar da discussão sobre esta matéria em Espanha ter mais de uma
década e acolhimento de há alguns anos na legislação, a sua implementação
tem revelado dificuldades, num ambiente de dissensos e com um atraso
significativo relativamente ao calendário previsto. Após uma quebra acentuada
no ritmo da implementação do novo modelo de secretaria judicial, verificada
nos três últimos anos, assiste-se actualmente a um novo empenho, por parte
do Ministério da Justiça, na sua efectivação em todo o território nacional, em
conexão com um novo plano de modernização: o Plano Estratégico de
Modernização da Justiça 2009-2012. Este Plano veio, efectivamente, dar um
novo impulso à reforma que prevê, não só um enfoque redobrado no projecto
da nova secretaria judicial, mas também obviar vários dos problemas que se
foram tornando visíveis ao longo do seu processo de implementação (Alías
Garoz e Casado Navarro, 2009: 31-33).
O Plano assenta, especificamente, em quatro pontos estratégicos: (1)
obtenção de um serviço público de qualidade na justiça, o que passa,
primordialmente, pela implementação definitiva do novo modelo de secretaria
judicial e pela reforma do mapa judiciário; (2) incorporação de novas
tecnologias para a efectiva informatização dos serviços (devendo estes
trabalhar em rede, independentemente da comunidade autónoma em que
estejam localizados); (3) alterações aos estatutos de todos os funcionários ao
serviço da administração da justiça; (4) criação de um registo civil único para
todo o território nacional.60
60 Para responder a estes objectivos, o orçamento de Estado para o ano de 2010 prevê o
investimento de 1.804,82 milhões de euros, dirigidos especificamente a: (1) modernização tecnológica e aos registos civis; (2) implementação da nova secretaria judicial; (3) novo mapa judiciário; (4) organismos como o CEJ; (5) outras actividades relacionadas com violência de género e com as fiscalías.
A nova secretaria judicial em Espanha 79
4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais características
Vejamos, mais em detalhe, os traços fundamentais deste novo modelo
de secretaria judicial, que o legislador espanhol define como a organização de
carácter instrumental que serve de suporte e apoio à actividade jurisdicional de
juízes, juízes leigos e tribunais, configurando-se, assim, como o meio que deve
proporcionar à actividade jurisdicional a infraestrutura técnica e humana que
esta requer61.
São objectivos centrais deste novo modelo, o reforço da independência
do poder jurisdicional, a racionalização da utilização dos meios ao dispor do
sistema judicial e o aprofundamento da qualidade dos serviços prestados aos
cidadãos em consonância com a Carta dos Direitos dos Cidadãos face à
Justiça. A actual Lei Orgânica do Poder Judicial estabelece expressamente que
a secretaria judicial deve funcionar de acordo com critérios de agilidade,
eficácia, eficiência, racionalização do trabalho, responsabilidade pela gestão,
coordenação e cooperação entre os vários serviços.
Para tal, como se verá de seguida, pretende-se acabar com a
atomização dos serviços, concentrando recursos em serviços comuns
especializados, criando-se equipas ou unidades especializadas dedicadas a
tarefas específicas, de forma a evitar dispersões ou repetições inúteis de
tarefas idênticas em diferentes serviços. Pretende-se, ainda, separar, por
unidades e categorias de funcionários distintos, actividades de tramitação mais
complexas de actividades mais repetitivas (como recepção de documentos,
citações e notificações, etc.) e de actividades de suporte. O novo modelo vem,
ainda, reconfigurar o papel dos secretários judiciais, prevendo que estes
assumam o duplo papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.
61 Cf. Exposição de Motivos da Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu a
nova secretaria judicial.
80 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial
O novo desenho da secretaria judicial incorpora uma estrutura básica,
mas suficientemente flexível, permitindo a sua aplicação e adaptação a órgãos
de âmbito nacional, autonómico, provincial, distrital ou municipal. A lei prevê
que a sua dimensão e organização concretas sejam determinadas em função
do volume e da natureza do trabalho a desenvolver, para permitir qualquer
forma de organização necessária num determinado momento, até porque se
considera que a reforma nunca poderá estar terminada em menos de sete ou
oito anos, pelo que um tal suporte normativo era fundamental para a
concretização dos objectivos propostos (Dorado Picón, 2003: 5368).
Mostramos, de seguida, como se estrutura a nova secretaria judicial. O
seu elemento organizativo básico é a Unidade, que pode ser de dois tipos:
Unidade Processual de Apoio Directo e de Serviços Comuns Processuais.
Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas. A figura 5 mostra a
estrutura orgânica da secretaria judicial.
A nova secretaria judicial em Espanha 81
Figura 5 – Estrutura Orgânica da Secretaria Judicial
Fonte: Ministério da Justiça Espanhol
As Unidades da secretaria judicial: UPAD e SCP
Nesta reorganização estabelece-se uma diferença clara entre o apoio
directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de
apoio directo, e a tramitação processual, função, sobretudo, a cargo dos
serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação
processual de um ou mais juízes, juízos, secções ou tribunais.
Entre nós, as tarefas de tramitação processual e de apoio à função
jurisdicional são asseguradas pela mesma unidade: a secção de processos.
Uma diferença fundamental é o facto de, em Espanha, se ter logrado conseguir
uma distinção entre actividade exclusivamente jurisdicional (atribuída aos
juízes) e actividade processual ou de ordenação do processo (que
relativamente a certos actos pode ser da responsabilidade dos secretários).
Algum paralelismo nesta solução organizacional, para Portugal, pode ser
encontrado na proposta, nunca concretizada, de criação do gabinete do juiz.
82 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Unidades Processuais de Apoio Directo
As UPAD constituem, conjuntamente com o juiz titular, o órgão judicial.
Ocupam-se do apoio directo aos juízes no exercício das suas funções
jurisdicionais, pelo que existem tantas unidades deste tipo quantos os juízes,
juízos ou secções, dependendo da carga de trabalho.
Estas unidades são competentes para a realização de todos os actos
que requerem, por lei, a intervenção do juiz. A sua dotação, definida em
diploma próprio, é condicionada pelo volume e tipo de trabalho adstrito ao juiz.
Apesar de a lei determinar uma dotação-base62 prevê-se flexibilidade de modo
a que a sua composição seja adaptável ao volume de trabalho.
As UPAD são dirigidas por um secretário judicial, podendo o mesmo
secretário exercer funções em mais de uma destas unidades, e são compostas
pelo número de funcionários necessário ao apoio ao respectivo juiz. A redução
das funções jurisdicionais, com a transferência de competências para os
secretários, determinará que, de acordo com Picón (2003: 5370), cada UPAD
não possua, em regra, mais do que três a quatro funcionários, que pertencem a
dois corpos profissionais: funcionários gestores e funcionários tramitadores.63
Aos primeiros são cometidas, entre outras, as seguintes funções: (1) gerir a
tramitação processual própria da UPAD, que não é atribuída ao SCOP (serviço
comum de ordenação do processo); (2) elaborar notas de referência, resumos
dos autos, etc., como principais colaboradores do juiz; (3) elaborar e assinar,
com capacidade de certificação, documentos comprovativos da comparência
das partes e demais intervenientes processuais perante a UPAD; (4) expedir
62 A dotação-base das UPAD é actualmente determinada pela Ordem JUS/3244/2005, de 18 de
Outubro, do Ministério da Justiça. Contudo, esta Ordem, embora ainda em vigor, encontra-se já desactualizada, porque desadequada às profundas alterações em sede processual decorrentes da Lei Orgânica 13/2009 e da sua lei complementar 1/2009, pelas quais muitas das competências até agora privativas do juiz são transferidas para o secretário judicial. Aguarda-se, portanto, a promulgação de um novo diploma que revogue este.
63 De acordo com a Ordem JUS/3244/2005, a dotação de pessoal para as UPAD variam
segundo o tipo de tribunal a que estejam adstritas. Por exemplo, num tribunal de competência exclusivamente cívil de primeira instância, prevê-se um secretário judicial por cada duas UPAD, um funcionário gestor e um funcionário tramitador por cada uma UPAD.
A nova secretaria judicial em Espanha 83
cópias simples de documentos solicitados pelas partes processuais e por
interessados legítimos. Aos segundos cabe: (1) receber, registar e classificar
toda a correspondência recebida na UPAD; (2) realizar os actos de tramitação
que não sejam atribuídos ao SCOP; (3) redigir e emitir notificações e citações;
(4) introduzir no sistema informático os despachos e as decisões do juiz.
Serviços Comuns Processuais
Os SCP são unidades da secretaria judicial que, não estando afectas ou
integradas num órgão judicial concreto, assumem funções centralizadas de
gestão e apoio à tramitação processual. Ao transferir para serviços comuns um
conjunto de funções, até então adstritas a um órgão judicial concreto, o
legislador pretendeu, por esta via, diminuir custos, especializar os serviços
comuns e evitar colapsos na tramitação processual. Os SCP podem apoiar um
ou mais órgãos judiciais de uma determinada área territorial,
independentemente da ordem jurisdicional a que pertençam e da extensão da
sua jurisdição. Podemos, assim, ver nestes SCP como que macro-secretarias a
exercer funções para diferentes órgãos judiciais (Martín Morato, 2005).
Diferentemente das UPAD, cujas funções aí desenvolvidas têm como fim
o suporte directo à função jurisdicional, os SCP são dirigidos por um secretário
judicial, ao qual são atribuídas competências próprias, dele dependendo
funcionalmente os demais secretários aí a exercer funções, bem como os
restantes funcionários judiciais. O secretário no topo da hierarquia assume,
assim, uma dupla função, como técnico processual especializado, com
competências próprias e exclusivas, e como gestor da unidade. De acordo com
Dorado Picón (2003: 5371-5372), esta disposição veio criar um aceso debate
durante o processo de elaboração da lei, dado que estava em causa a
possibilidade de tramitar o processo na esfera de unidades (os SCP) nas quais
não intervêm juízes e cuja direcção cabe ao secretário judicial. Discordando
daqueles que se opunham a esta opção do legislador, Picón veio reiterar que a
actuação dos SCP é instrumental face à actividade jurisdicional, pelo que, na
prática, tais actos servem para, no âmbito de determinado processo, dar
84 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
cumprimento a ordens do juiz.
São funções essenciais dos SCP: (1) registo e distribuição de
documentos; (2) actos de comunicação (notificações, citações, editais, etc.); (3)
apoio ao juiz; (4) execução de decisões judiciais; (5) actos de jurisdição
voluntária.
Os SCP podem estruturar-se em secções que, por sua vez, se podem
dividir em subunidades. A criação destas subunidades, sempre precedida de
parecer favorável do CGPJ, tem, em regra, como objectivo a realização de
determinadas tarefas específicas (estatística judicial, execução de sentenças).
Na primeira fase de implantação da nova secretaria judicial foram criadas as
seguintes subunidades no âmbito dos SCP: (1) serviço comum geral (SCG); (2)
serviço comum de ordenação do processo (SCOP); e (3) serviço comum de
execuções (SCE).
A nova secretaria judicial em Espanha 85
Serviço Comum Geral
Tal como outros serviços, o SCG pode organizar-se em secções e/ou
equipas de acordo com as necessidades do trabalho a desenvolver. Atendendo
às funções que leva a cabo, o desenho institucional prevê que dentro do SCG
exista uma secção incumbida da prática de actos de comunicação em geral,
como, por exemplo, notificações às partes, peritos e testemunhas; uma secção
para a realização de actos de execução, nomeadamente, embargos, editais,
apreensões, remoções e depósitos; e uma secção de depósito e arquivo.
Serviço Comum de Ordenação do Processo
A este serviço é cometida competência para a prática de actos de
processo para os quais não seja necessário a intervenção directa de um
magistrado. Considerando as funções que lhe poderão ser distribuídas, um
SCOP poderá possuir uma ou mais das seguintes secções: (1) tramitação
cível; (2) tramitação contencioso-administrativa; (3) tramitação social; (4)
tramitação penal; (5) agendamento de diligências; (6) apoio às partes,
profissionais forenses e demais intervenientes.
Serviço Comum de Execuções
O SCE pode ser integrado pelas seguintes secções: (1) execução cível;
(2) execução contenciosa-administrativa; (3) execução social; (4) execução
penal; (5) contabilidade e caixa judicial; (6) apoio ao cidadão, às partes e
demais intervenientes e a profissionais forenses.
Unidades Administrativas
Embora não estando integradas nas secretarias judiciais, as Unidades
Administrativas assumem, no âmbito da organização da administração de
justiça, funções de coordenação e gestão dos recursos humanos da secretaria
judicial, bem como dos meios informáticos, novas tecnologias e restantes
meios materiais. Diferentemente do estabelecido para a secretaria judicial, a
criação, organização e desenho das UA (bem como a sua subdivisão em
Fonte: Ministério da
Justiça Espanhol /
OPJ
86 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
unidades de apoio a uma ou várias secretarias judiciais) são deixados ao
critério da administração da comunidade autónoma onde esteja implantado o
respectivo tribunal.
Estas unidades englobam tarefas no âmbito: (1) recursos humanos; (2)
abastecimento e património; (3) informática e reprografia; (4) manutenção e
obras; (5) assistência jurídica gratuita; (6) assistência a peritos e intérpretes; (7)
gabinetes de assistência a vítimas; (8) atendimento ao cidadão; (9) prevenção
de acidentes laborais; (10) assistência ao juiz decano e ao presidente da
audiência provincial.
São referidos os seguintes tipos de UA: (1) unidade de gestão da
secretaria; (2) unidade de orientação jurídica; (3) unidade de gestão das salas
de audiência; (4) unidade de meios audiovisuais; (5) unidade de apoio às
vítimas de crimes violentos e de crimes sexuais.
4.3 Recursos humanos
O novo modelo de secretaria judicial, para além de trazer profundas
alterações na sua estrutura organizacional, também implicou a redefinição de
competências e funções profissionais. Como já se referiu, os secretários
judiciais assumem, neste modelo, uma forte centralidade funcional, constituindo
para alguns autores o elemento-chave desta reforma. Constituem um corpo
próprio, conferindo-lhes a lei carácter de autoridade64. Dependendo
directamente do ministro da justiça estão hierarquizados de acordo com a
seguinte estrutura: secretário-geral da administração da justiça65, secretários
64 São definidos por lei como “funcionários públicos que constituem um corpo superior jurídico,
único de carácter nacional, ao serviço da administração da justiça, dependendo do Ministério da Justiça, e que exercem as suas funções com carácter de autoridade” (cf. artigo 440.º, da LOPJ).
65 A nova figura do secretário-geral da administração da justiça encontra-se na dependência
hierárquica directa do ministro da justiça. Trata-se de um novo órgão inserido na estrutura do Ministério da Justiça, no qual se centralizam todas as competências sobre todos os secretários
Equipa 2
Equipa de
Funcionários de
Apoio
Fonte: Ministério da
Justiça Espanhol /
OPJ
A nova secretaria judicial em Espanha 87
gestores de tribunal superior66; secretário coordenador provincial67 e
secretários judiciais68. Têm competência para dirigirem tecnicamente os
recursos humanos das secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e
instruções necessárias ao seu desempenho funcional.
Também como já referimos, a Lei de 13/2009, de 3 de Novembro, veio
transferir para este corpo profissional um conjunto de funções até então da
judiciais e, em última análise, sobre a organização dos serviços da justiça. Mais concretamente, esta figura possui competências centralizadas de direcção e coordenação de todos os secretários judiciais que exercem funções no território nacional. Note-se, contudo, que embora expressamente previsto na LOPJ, até à data ainda não foi nomeado o secretário-geral da administração da justiça.
66 Existe um secretário gestor no Supremo Tribunal e na Audiência Nacional, bem como em
cada Tribunal Superior de Justiça das Comunidades Autónomas e nas cidades de Ceuta e Melilla. Como superior hierárquico deste corpo profissional, este assume a direcção de todos os secretários judiciais que exerçam funções em todas as secretarias judiciais do respectivo tribunal superior, bem como nas cidades de Ceuta e Melilla. De entre as suas funções, destacam-se as disciplinares, de inspecção, de estatística, de direcção e organização dos secretários judiciais, velando pela sua independência no exercício das funções que lhes são adstritas, as de propor a nomeação e desoneração de secretários judiciais e de concessão de autorizações e licenças a secretários judiciais, entre outras.
67 Em cada província existe um secretário coordenador. Se se tratar de uma comunidade
autónoma uniprovincial, as funções de secretário coordenador serão assumidas pelo respectivo secretário gestor de tribunal superior, excepto se tal não for possível por razões de serviço. Este encontra-se na dependência directa do secretário gestor, exercendo, entre outras, as funções de dar instruções directas aos funcionários; controlar a correcta execução de circulares e instruções do secretário gestor; colaborar com a administração autonómica em questões relativas a meios humanos e materiais, coordenar o funcionamento dos SCP; propor ao ministério da justiça comissões de serviço; diligenciar para a substituição dos secretários judiciais; dar conta ao secretário gestor dos temas relevantes para o serviço; bem como de outras funções que sejam determinadas por regulamentação avulsa.
68 As suas competências incluem: o exercício da fé pública judicial; a organização, gestão,
inspecção e direcção do pessoal em aspectos técnico-processuais, assegurando a coordenação com os órgãos de gestão do poder judicial e com as comunidades autónomas com competência na administração da justiça; dirigir, no aspecto técnico-processual, o pessoal integrante da secretaria judicial; a responsabilidade central por todos os agendamentos de diligências; garantir que a distribuição de assuntos se realiza em conformidade com as regras aprovadas, sendo responsáveis pelo bom funcionamento do registo e recepção de documentos, expedindo as certificações solicitadas pelas partes e demais interessados legítimos; facultar às partes e a todos aqueles que manifestem interesse legítimo a informação sobre o andamento do processo; promover a boa utilização dos meios técnicos, audiovisuais e informáticos de documentação de que a unidade onde exerce funções disponha; competências de ìndole “jurisdicional em sede de processo civil declarativo; competências de índole “jurisdicional em sede de processo civil executivo; competências concorrentes com o juiz de paz em sede de conciliação; e responsável pelo depósito de bens e objectos, pelo arquivo judicial de gestão e pela estatística judicial dos seus serviços.
88 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
estrita competência do juiz. O objectivo central é o de libertar o juiz de funções
de natureza mais burocrática, permitindo maior disponibilidade para o exercício
da função jurisdicional. Por exemplo, no âmbito do processo declarativo, foram
alargadas as competências do secretário judicial, não apenas para dar início ao
processo judicial, admitindo a petição inicial, mas também, nalguns casos, para
lhe pôr termo69. Em sede de processo executivo os secretários judiciais
adquiriram competências alargadas para a tramitação processual: competência
para autorizar todos actos executórios necessários, como arrolamentos,
arrestos, penhoras e vendas judiciais, assim como competência decisória no
caso de acumulação de execuções (apensação de acções).
Nas secretarias judiciais, seguindo a estrutura de configuração piramidal,
os secretários judiciais encontram-se organizados de acordo com a relação de
postos de trabalho de cada um dos serviços em que estes prestam funções,
sendo escalonados em três categorias diferentes. Note-se que, no caso de se
tratar de SCP de maiores dimensões, nos quais existam vários secretários
judiciais, estes também serão escalonados de acordo com a respectiva relação
de postos de trabalho.
Até à reforma de 2003, a responsabilidade disciplinar pelos actos dos
secretários judiciais no exercício das suas funções encontrava-se nas mãos de
outros corpos profissionais, em particular dos juízes, através do Conselho
Geral do Poder Judicial. Em consonância com o novo desenho institucional, a
competência para o exercício da acção disciplinar relativamente aos
secretários passou, em última instância, para o Ministério da Justiça, através
do secretário-geral da administração da justiça, tendo sido delegada nos
secretários gestores e aos secretários coordenadores provinciais dentro do
respectivo âmbito territorial. A imposição das sanções mais gravosas
69 São os casos de declaração do termo antecipado do processo por desistência do autor, por
resolução por acordo do litígio, caducidade da instância por inactividade das partes, e ainda em casos de conciliação. Outra alteração legislativa recente passa pela atribuição de competências ao secretário judicial, concorrentes com o juiz de paz, em sede de conciliação, sendo tais acordos dotados de idêntica força executiva.
A nova secretaria judicial em Espanha 89
(suspensão do exercício de funções, transferência forçada e afastamento) é da
competência do órgão ministerial.
90 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
4.3.1 Os funcionários judiciais
O corpo de funcionários, que desempenham funções de tramitação
processual, é composto pelos chamados funcionários gestores, que vieram
substituir o anterior corpo de oficiais de justiça. Para aceder a esta categoria
profissional é, actualmente, necessária a titularidade de uma licenciatura
(anteriormente bastava o bacharelato), aproximando-se, assim, estes
funcionários de categorias profissionais de maior relevo na administração
pública. A lei confere-lhes as seguintes competências: (1) colaborar na
actividade processual de nível superior e realizar as tarefas processuais que
lhes são próprias; (2) gerir a tramitação dos processos, devendo dar conta ao
secretário judicial dos casos que exijam uma interpretação da lei processual
mais complexa; (3) executar, assinar e certificar documentos comprovativos da
comparência das partes em actos realizados no órgão jurisdicional; (4) elaborar
notas explicativas, de referência ou sumarizadoras sobre elementos do
processo, dando delas conhecimento aos superiores; (5) realizar tarefas de
registo, recepção e distribuição de documentos; (6) expedir cópias simples de
documentos constantes de autos não secretos ou reservados, com
conhecimento do secretário judicial; (7) ocupar os postos das UPAD e SCP que
correspondam à sua categoria profissional, actuando de acordo com o
estabelecido nos protocolos de serviço respectivos; (8) colaborar com os
órgãos competentes em matéria de gestão administrativa, desempenhando
funções relativas à gestão de recursos humanos e materiais da unidade da
secretaria judicial em que exerçam funções, sempre que tal esteja
expressamente no protocolo de serviço respectivos; (9) exercer funções em
secretarias de julgados de paz ou agrupamentos destas, sempre que a carga
de trabalho justifique a sua presença, bem como em unidades administrativas,
nas mesmas condições e possuindo preparação para tanto; (10) podem, ainda,
ser nomeados secretários substitutos.
O antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos actuais
funcionários tramitadores. Para aceder a esta categoria profissional é
necessária a titularidade de bacharelato ou curso equivalente (anteriormente,
A nova secretaria judicial em Espanha 91
bastava o ensino secundário). A lei confere-lhes competência para: (1) realizar
todos actos de apoio à tramitação processual; (2) proceder à tramitação geral
dos processos, implicando a execução de actas, diligências e notificações, bem
como de cópias e a sua junção ao processo; (3) proceder ao registo e
classificação da correspondência; realizar e autos e expedientes, sob
supervisão do superior hierárquico; (4) realizar as tarefas auxiliares
necessárias para proceder aos actos de comunicação; (5) realizar outras
tarefas que sejam inerentes ao posto de trabalho que ocupem e estejam
previstas no protocolo do respectivo serviço ou requeridas pelos superiores
hierárquicos, inclusivamente em unidades administrativas, conquanto se
insiram no âmbito das suas funções como tramitadores.
Além daqueles corpos profissionais, existe, ainda, o corpo de auxiliares
que vieram substituir o antigo corpo de agentes judiciais. A exigência
académica para o ingresso nesta categoria profissional é ao nível do 12.º ano
ou diploma equivalente. Têm competência para a realização de todas as
tarefas que apoiem a actividade dos órgãos judiciais. De entre estas, a lei
precisa as seguintes: (1) executar todos os actos de comunicação que
consistam em notificações, citações, agendamentos e requerimentos; (2)
proceder à execução de embargos e actos similares, como agentes de
autoridade; (3) actuar como polícia judicial, nas vestes de agente de autoridade
na investigação de crimes e na identificação de criminosos, sem prejuízo das
competências dos membros das forças de segurança e órgãos de polícia
criminal; (4) arquivar autos e expedientes, sob a supervisão do secretário
judicial; (5) velar pelas condições de utilização das salas onde se realizem
audiências de julgamento e outras diligências e manter a ordem nas mesmas;
(6) verificar que os meios técnicos e tecnológicos necessários para a realização
dos actos processuais se encontram em boas condições de utilização e, em
caso de necessidade, requerer a presença do pessoal técnico necessário,
dando de tal conhecimento ao secretário judicial; (7) realizar outras tarefas que
sejam inerentes ao posto de trabalho e ocupem e estejam previstas no
protocolo do respectivo serviço ou sejam requeridas pelos superiores
hierárquicos.
92 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
4.4 Alguns problemas
Não obstante o optimismo de muitos autores/operadores, como Dorado
Picón (2003: 5379), a reforma da secretaria judicial ou, quando muito, algumas
das suas vertentes, não é consensual, quer como política em si, quer no que
respeita à eficiência da sua execução. Vejamos, de forma breve, algumas das
questões que se têm levantado.
Em primeiro lugar, os sucessivos atrasos e uma certa falta de
coordenação na execução de algumas das mais importantes vertentes da
reforma mais ampla (como sejam a reforma das leis processuais, a formação
dos operadores para a utilização dos sistemas informáticos e a construção de
novas instalações) está, na perspectiva de vários operadores, a comprometer
uma efectiva e atempada entrada em vigor do novo modelo de secretaria
judicial e, em sentido mais amplo, do novo modelo de administração da justiça.
A falta de recursos financeiros para a administração da justiça (a nível nacional,
autonómico e/ou local) é apontada como um dos mais sérios condicionadores.
Em segundo lugar, a transferência de competências, em sede da
administração da justiça, para algumas comunidades autónomas, em datas e
em grau variado, tem como consequência actuações parcelares,
descoordenadas e até mesmo antagónicas em diferentes circunscrições
territoriais, o que torna uma reforma que se pretende homogeneizadora e
agregadora difícil de executar em simultaneidade. Daí que vários autores
tenham salientado a urgência de levar a acabo a reorganização do(s)
território(s) da justiça, reforma incluída no Plano Estratégico de Modernização
da Justiça 2009-2012. Esta circunstância leva a que a implementação da
reforma da nova secretaria judicial, bem como a modernização/adaptação dos
espaços esteja a ocorrer a velocidades muito distintas, podendo encontrar-se
em território espanhol diferentes modelos de secretaria judiciais.
Também o processo de informatização, a implementar de forma
descentralizada pelas comunidades autónomas com competência em sede de
A nova secretaria judicial em Espanha 93
administração da justiça (note-se que o País Basco foi a comunidade
precursora da desmaterialização, no início dos anos 90, exportando
posteriormente a sua tecnologia para a administração central), está longe da
uniformização e compatibilização necessárias entre programas informáticos
distintos. A implementação do programa que prevê estabelecer a conexão e
coordenação entre os diferentes sistemas informáticos, a realizar pelo
Conselho Geral do Poder Judicial, ainda não foi levada a cabo.
Em quarto lugar, o processo de redimensionamento dos recursos
humanos, que a nova secretaria judicial veio exigir, está também muito
atrasado. Acresce que, se é certo que no processo de reestruturação dos
serviços, o legislador definiu com rigor as alterações necessárias, não o fez
considerando os processos pendentes, o que veio criar dificuldades nesta
matéria.
Ainda no contexto dos recursos humanos, é salientada a falta de
definição prévia de linhas orientadoras e de protocolos de actuação dos
funcionários judiciais, nos quais se concretizassem e delimitassem as
competências e tarefas específicas das diferentes categorias de funcionários
em cada um dos serviços. Contudo, é de sublinhar que este problema tem sido
minimizado pela acção de associações profissionais, como a União
Progressista de Secretários Judiciais, as quais têm desempenhado um papel
relevante de interface de experiências entre secretarias judiciais de diferentes
tribunais e de diferentes comunidades autónomas.
Um sexto problema decorre da alteração, pela reforma da nova
secretaria judicial, do padrão de relacionamento funcional entre juízes,
secretários judiciais e restantes funcionários judiciais. À cabeça, como principal
factor de tensão, está a nova distribuição de competências entre juízes e
secretários judiciais. O caso Mari Luz fez emergir muita dessa tensão, neste
caso, protagonizada publicamente pelas posições da Associação Profissional
da Magistratura e da UPSJ. Estando em causa eventuais responsabilidades
disciplinares por falhas na execução da sentença do arguido (o qual foi mantido
algum tempo, sem qualquer razão que o justificasse, em liberdade após ter
94 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
sido proferida a decisão condenatória final), discutiu-se se a responsabilidade
pela falha pertenceria (ou deveria pertencer) ao juiz ou à secretaria judicial,
maxime, ao secretário judicial como director da secretaria e titular de funções
alargadas em sede de execução penal. Decidindo em sede do processo
disciplinar instaurado contra o juiz, a Comissão Disciplinar do CGPJ entendeu
que a total responsabilidade pelas falhas na execução das sentenças era do
secretário judicial e dos demais funcionários do SCP em causa, e não do juiz,
entendendo que, na reforma da LOPJ, aquelas competências passaram para o
secretário judicial. Contra a posição do CGPJ, a UPSJ considerava que, no
caso, se tratava de competências reservadas ao juiz. As diferentes posições
mostram as dificuldades de compreensão e de execução dos novos papéis.
A reforma criou um outro foco de tensão entre juízes e secretários
judiciais ao conferir a estes últimos o agendamento das diligências. Para
muitos juízes, os secretários, não só carecem de preparação/ experiência para
levar a cabo esta tarefa, como ela cerceia a actividade jurisdicional do juiz, em
especial, quando estejam em causa processos urgentes.
Por último, o facto de a nomeação de secretários judiciais para certos
cargos de especial responsabilidade ou conhecimentos técnicos ser de
nomeação livre, sem prévio concurso público, é visto como um aspecto
negativo da reforma e da reestruturação deste corpo profissional.
96 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
5 A REFORMA DO MAPA E DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS À GESTÃO DOS TRIBUNAIS
Como já referimos na introdução geral, o trabalho que se apresenta
neste relatório não tem qualquer pretensão de fazer a monitorização e
avaliação da reforma experimental das novas comarcas piloto. Contudo, ao
contribuir para a produção de conhecimento acerca do modelo de gestão
introduzido com a nova organização judiciária – dimensão fulcral desta reforma
– este trabalho apresenta uma análise pioneira.
O novo modelo de gestão é uma realidade muito recente em que, para
além dos estudos já produzidos pelo OPJ, o acervo de informação disponível é
escasso. Acresce que o reduzido tempo de vigência do período experimental
da reforma não permite uma averiguação cabal de todas as suas implicações.
Impossibilita, por exemplo, uma avaliação quantitativa, mesmo através de
dados provisórios, do impacto das alterações gestionárias na produtividade dos
agentes judiciais e no tempo dos processos, até porque, dado o carácter
original da reforma, se tornam difíceis as comparações de desempenho com o
modelo anterior. Alguns impactos, designadamente de duração dos processos,
podem ser induzidos pelas alterações no âmbito da organização judiciária.
Assim, privilegiou-se a análise qualitativa através da recolha das
percepções dos agentes envolvidos no processo, bem como da observação
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 97
empírica das práticas e rotinas das unidades orgânicas.
Partindo das virtualidades do novo modelo de gestão dos tribunais, cuja
concretização máxima se sente ao nível local, o trabalho de campo foi
direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e os desafios deste
processo de localização da gestão, analisando tanto a articulação entre as
entidades que têm responsabilidades na administração e gestão dos recursos,
como na direcção e supervisão das actividades no interior do tribunal, com
ênfase no conjunto das tarefas a serem desempenhadas, de forma articulada,
pelos agentes judiciais das diferentes unidades orgânicas.
Atendendo aos objectivos deste estudo, revelou-se adequada a adopção
de uma estratégia de investigação que permitisse recolher informação de
acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top
down, observou-se a concretização do modelo de gestão entre as diferentes
figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. De acordo com a
perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto destas alterações
nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais. Neste caso, foi dada
especial atenção ao funcionamento da secção de processos, dada a relevância
desta unidade orgânica no quotidiano da tramitação processual.
Os resultados do trabalho de campo são tratados nesta secção do
relatório em duas vertentes: em primeiro lugar, de acordo com um eixo de
análise de ordem macro, apresentam-se as dinâmicas de governação
central/local dos tribunais; e, em segundo lugar, recorre-se a uma análise micro
dos desafios que se colocam à gestão local, designadamente, no âmbito da
organização interna e dos métodos de trabalho.
Como acima salientámos, o sucesso das reformas depende, em grande
medida, da sua preparação. O trabalho de campo fez emergir, no que respeita
à vertente gestionária da reforma, algumas fragilidades de que damos conta a
seguir.
98 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
5.1 A preparação da reforma
Uma questão prévia com impacto decisivo no sucesso da reforma e das
inovações introduzidas pelo novo modelo de gestão está relacionada com a
preparação da sua execução. Este é um vector fulcral para o sucesso das
reformas estruturais de qualquer sector. O carácter inovador do modelo e das
medidas propostas exigia uma discussão especificamente a ele dirigida. Se é
certo que a gestão dos tribunais, em especial a gestão local, teve algum
destaque no debate público da discussão da reforma do mapa e organização
judiciária, esta discussão não foi acompanhada de estudos e de um debate
específico que contribuísse, com linhas orientadoras, para a concretização da
reforma70.
O trabalho de campo levado a cabo para a execução deste estudo
mostrou que o projecto experimental da nova organização judiciária não
contou, pelo menos no que diz respeito ao modelo de gestão, com o cuidado e
o apoio necessário para uma transição bem sucedida, que é exigido numa
reforma estrutural desta natureza. Daí que as dificuldades deste ensaio
experimental devam ser devidamente consideradas no processo de
alargamento a outras comarcas.
Em primeiro lugar, como adiante melhor se verá, alguns dos problemas
verificados no plano da execução desta componente gestionária da reforma
decorrem da insuficiência ou dificuldade de precisão conceptual do texto da
própria lei. Destaca-se a heterogeneidade interpretativa relativamente às
competências funcionais das figuras de gestão ao nível local (juiz presidente,
70 Da parte do OPJ (2008), salientámos a importância de se ter em atenção um conjunto de
factores fundamentais para o sucesso de reforma nesta vertente, mostrando algumas características e debilidades que deveriam merecer particular atenção. Ao longo desta secção voltaremos a esse trabalho, mas salientamos, desde já, a reflexão sobre o modelo técnico-burocrático de tramitação processual e sobre as ineficiências do sistema de informatização, incluindo a ausência de formação consistente.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 99
administrador judiciário, magistrado do MP coordenador) quando confrontadas
com outras competências, igualmente previstas na lei, no âmbito da actuação
dos secretários judiciais e de entidades centrais da administração da justiça.
Em segundo lugar, esta vertente da reforma exigia e exige a definição de
um planeamento estratégico e a criação de um conjunto de instrumentos de
suporte que potenciem uma adequada e eficiente gestão da mudança. Estão
neste âmbito, por exemplo, a definição de um conjunto de acções de gestão
prática da mudança que previssem e envolvessem, designadamente, os
principais canais de comunicação e de informação no interior e exterior do
sistema, bem como as pessoas mais directamente afectadas pelo processo de
mudança.
Uma circunstância verdadeiramente demonstrativa da forma algo
errática da entrada em vigor da reforma é o facto das figuras chave deste novo
modelo, os juízes presidentes, apenas terem sido nomeados e assumido
funções depois de já estarem constituídas as equipas de trabalho, isto é, os
funcionários já tinham sido distribuídos pelo secretário e pelas diferentes
secções. Todas as medidas posteriores relativamente a esta matéria, da
iniciativa dos juízes presidentes, foram apenas pontuais e correctivas. Também
no que se refere à proposta do orçamento o juiz presidente não teve qualquer
possibilidade de intervir, dado que já se encontrava concluída.
Ainda no âmbito do planeamento e da transição para a mudança,
chama-se à atenção (devendo prevenir-se situações futuras) para um outro
problema relativo às obras e às tarefas logísticas que tal transição exigia. Deve
ter-se em conta que uma das componentes importantes da gestão da mudança
é a prevenção das resistências, que serão sempre mais atenuadas quanto
mais claro e participado for o processo de transição.
São vários os relatos que mostram algumas deficiências de planeamento
e as dificuldades decorrentes da execução simultânea de obras, de mudança
de processos (a nova reorganização judiciária, alterando a competência
territorial, implicou a redistribuição entre tribunais de largos milhares de
100 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
processos), de funcionários e de juízes e da marcação e desmarcação de
diligências. São, sobretudo, ressaltadas as deficiências de planeamento na
transferência de processos, quer em suporte físico, quer telemático, o que
levou a erros, ao cancelamento de diligências em cima da hora, a dificuldades
de dar informação ao público e advogados, designadamente, sobre a
localização do processo. E, no que respeita ao arquivo de processos – questão
importante dado que muitos processos poderão continuar a serem necessários
durante vários anos – há, em alguns juízos, ainda alguns problemas que
exigem uma solução que deve ser globalmente definida ao nível da nova
comarca.
(…) No dia 14 nós recebemos perto de 2000 processos. E no dia 1 caìram aqui os advogados e telefonemas, havia advogados a querer saber do julgamento, havia processos marcados de outros tribunais. Gerou-se a confusão total. Se nas próximas vezes fizerem assim, é a confusão total. Diariamente, nós tínhamos uma agenda de 3 a 4 julgamentos por juiz de manhã e 3 a 4 julgamentos por juiz à tarde. (Ent. 21F)
Quiseram implantar a NUT e ao mesmo tempo fazer obras. As NUT, como estão a ser implantadas, dão sempre muita confusão. Isto porque quem decide não tem a mínima noção do trabalho que dá. Em vez de implantarem as NUT por fases, por exemplo, primeiro o tribunal do comércio nas várias NUT, depois os juízos de execução nas várias NUT onde são colocadas pessoas logo de raiz sem prejudicar as secções. (Ent. 20F).
Em terceiro lugar, a falta de suporte organizacional às inovações
gestionárias revela-se em algumas deficiências, destacando-se a falta de
previsão de um gabinete de apoio ao juiz presidente. A lei veio conferir
importantes competências em matéria gestionária ao juiz presidente e, a um
nível menor, ao administrador do tribunal. Ora, dificilmente as poderão exercer
cabalmente sem suporte organizacional. É certo que, na prática, os actuais
juízes presidentes tentaram minimizar esse efeito criando um apoio de
secretariado mínimo, mas a solução é pontual, ad hoc, e não resolve
adequadamente aquela ausência.
Em quarto lugar, com a publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de
Fevereiro, o Governo pretendia dar um passo decisivo na informatização do
sistema de justiça, cujo objectivo final é a tramitação telemática dos processos.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 101
Acontece que alguns dos problemas já identificados em anteriores estudos,
incluindo o estudo do OPJ (2008)71, que mostravam ineficiências e
insuficiências várias do sistema de informatização, não só não foram corrigidos
antes da entrada em funcionamento das novas comarcas piloto, como ainda se
mantêm. Por ora, saliente-se que, no que diz respeito à vertente gestionária,
mostra-se importante assegurar, de forma expedita, o acesso a indicadores por
parte das entidades coordenadoras, de forma a permitir uma gestão efectiva
dos recursos e dos processos.
Não está previsto que alguém trabalhe directamente comigo, assim como não está previsto que eu tenha uma aplicação informática com a qual possa trabalhar. Relativamente à gestão interna dos tribunais, penso que precisávamos de ter outros instrumentos, designadamente, no âmbito da informática, que permitam um conhecimento, em tempo real, obtido de forma rápida, da situação do tribunal, quer no que respeita ao movimento processual, incluindo o volume e a natureza da litigação, quer à situação dos recursos. (Ent. 3J)
Em quinto lugar, emerge um problema que poderíamos caracterizar
como endémico ao sistema de justiça, transversal a vários sectores, ao qual
urge dar solução: a formação. A formação é fundamental, não só para o
exercício das funções específicas, mas também como instrumento de
sistematização e de uniformização de princípios e linhas orientadoras. A
questão da formação coloca-se em vários domínios com reflexo na gestão e
nos métodos de trabalho. Será reduzido o impacto positivo resultante da
introdução de inovações se os agentes que as deverão executar, em especial
aqueles que desempenham um papel central de coordenação ou de direcção,
não forem devidamente preparados para tal.
Salienta-se, desde logo, a falta de formação adequada para o
desempenho das novas funções de gestão e coordenação previstas na lei, até
porque o seu pioneirismo determina novas práticas e rotinas que tenderão a
influenciar, por largo tempo, novos padrões de desempenho. Esta situação
assume contornos especiais no caso da figura do juiz presidente, dada a
71 Ver, em especial, o ponto 6, relativo à prática dos actos na tramitação processual.
102 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
amplitude das competências e funções que a lei lhe atribui, e do administrador
do tribunal, mas também no que se refere às demais funções de coordenação.
Aliás, é a própria lei a prever uma formação prévia ao início das competências
de gestão.
A formação é, ainda, fundamental ao nível da chefia da secção, isto é,
das funções desempenhadas pelo escrivão de direito72. A eficácia das políticas
gestionárias da justiça, ao nível local, depende muito da capacidade de
coordenação e dinamização do escrivão da secção de processos.
A carência de formação em geral, com reflexos na eficiência das
actividades desenvolvidas no tribunal é, ainda, particularmente sentida no
domínio da utilização das novas aplicações e ferramentas informáticas, em
particular, aquando da sua introdução em simultâneo com alterações legais
com reflexos nos programas informáticos. Um exemplo recente consiste na
alteração do Código de Custas Judiciais cuja mudança do sistema informático
trouxe graves problemas de adaptação para os funcionários, acabando por se
traduzir em atrasos na conta do processo.
72 Em OPJ (2008) uma das principais conclusões e recomendações ia no sentido do
investimento na formação dos cargos de chefia dos tribunais.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 103
5.2 A governação dos tribunais: entre a centralização e a proximidade
Pretendemos aqui reflectir sobre a dinâmica de governação dos
tribunais, concretizando-se em três níveis de abordagem: (1) as
potencialidades da reforma em curso em termos de gestão integrada e de
proximidade; (2) os desafios colocados pela diversidade organizacional ao
novo modelo de gestão e as dinâmicas de governação, ao nível central e local;
(3) a articulação entre as diversas entidades com competência de organização,
direcção e supervisão dos tribunais.
Ao analisarmos a experiência comparada, podemos encontrar modelos
de administração e gestão dos tribunais muito diferenciados, dependendo,
designadamente, do nível de concentração/desconcentração da administração
da justiça, da distribuição de competências, nesta matéria, entre poder judicial
e poder executivo, mas também da interpretação culturalmente dominante do
princípio da independência do poder judicial e do juiz natural. Facilmente se
compreende que num sistema em que prevaleça uma concepção mais restrita,
em especial daquele último princípio, que não permita, por exemplo, a
imposição de medidas de gestão processual ou a impossibilidade de
mobilidade dos juízes dentro de uma comarca mais alargada, a sua
governação terá características diferentes de um sistema em que tal
concepção esteja mais próxima e mais circunscrita ao exercício estrito da
função jurisdicional73.
A governação dos sistemas de justiça em muitos países tem sido
tributária de um modelo organizativo designado, por alguns autores, de
bonapartiano (Andres Ibañez, 2003). Este modelo, desenvolvido dentro de uma
matriz política liberal de neutralização do poder judicial, resulta numa
administração e gestão que integra o governo da justiça a partir de um
73 Sobre os modelos de administração e gestão dos tribunais, cf. OPJ (2008).
104 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Ministério no âmbito do poder executivo. Na sua concepção pura, aquele
modelo levanta questões relevantes quanto à independência e autonomia do
poder judicial, designadamente, quanto à possibilidade de cooptação política
dos tribunais e quanto à interferência hierárquica do executivo no judicial.
Em vários países, em especial da Europa Ocidental, como é o caso de
Portugal, a superação deste modelo foi idealizada com a criação de conselhos
judiciários, cujo objectivo era enfraquecer o tradicional papel de proeminência
do poder executivo na governação dos tribunais (Guarnieri, 2001).
A composição destes conselhos é variada, dividindo-se entre uma
composição mais endógena (exclusivamente magistrados) ou mais exógena ao
sistema judicial (juristas, cidadãos, entre outros), com sistemas de nomeação e
eleição igualmente diferentes. Os conselhos são geralmente responsáveis pela
admissão, colocação, transferência, promoção e disciplina dos magistrados,
além de exercerem competências administrativas (organização do próprio
conselho e da carreira da magistratura), competências paranormativas
(propostas de projectos e alterações de leis que regem a função judiciária) e
competências jurisdicionais (decisões disciplinares). Diga-se que o
recrutamento, selecção e formação dos magistrados é uma das matérias em
que é possível identificar soluções muito diferenciadas.
A criação dos conselhos veio permitir a transferência de competências
no âmbito da governação do judiciário, até então na alçada do poder executivo,
para estruturas próprias do poder judicial. O aprofundamento desta nova
dinâmica de governação tem sido fomentado, não só pelos problemas de
ineficiência do sistema, mas também como resposta à tensão entre os poder
judicial e político. É interessante verificar que, entre nós, face a alguns
problemas que a execução prática da reforma da organização judiciária está a
enfrentar, a solução defendida por alguns vai no sentido de um maior
alargamento das competências dos conselhos.
Em Portugal, a governação dos tribunais está configurada, a nível
central, num modelo de competências bicéfalo, repartido entre o Ministério da
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 105
Justiça e os conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público. Por
um lado, a previsão na estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de
administração indirecta responsáveis pela centralização da gestão financeira,
do património, das tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ)
articula-se com órgãos de administração directa que centralizam competências
de planeamento e gestão estratégica da política de justiça (DGAJ e DGPJ). Por
outro, a gestão das carreiras, controlo e disciplina dos magistrados, é exercida
pelos conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.
O organograma 1 ilustra a governação dos tribunais em Portugal nível
central.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 109
A transferência para os conselhos de importantes competências
gestionárias veio densificar os princípios da independência e autonomia do
poder judicial, mantendo, contudo, a característica de centralização do modelo
de governação. Fora das comarcas piloto, a transposição de competências de
organização e gestão para o nível dos tribunais é pouco relevante, não
colocando em causa o modelo de centralização. O que significa que todas as
reformas até à entrada em vigor da nova Lei de Organização e Funcionamento
dos Tribunais Judiciais não potenciaram uma gestão local, integrada e de
proximidade. A mudança dá-se com a reforma experimental e diplomas
subsequentes ao prever competências de representação, direcção, gestão
processual e administrativas para o juiz presidente do tribunal de comarca
(competências em toda a comarca), favorecendo igualmente outra figura de
gestão local com competências próprias e um importante papel de coadjuvação
das competências do juiz presidente – o administrador judiciário74.
Para além das competências atribuídas ao juiz presidente e ao
administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no
âmbito da gestão local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções
consultivas e de acompanhamento das actividades administrativas, de
organização e funcionamento do tribunal. O conselho é constituído por um
conselho geral e uma comissão permanente, com uma composição mista dos
seus elementos que integra, de forma alargada, actores do sistema judicial
(presidente do tribunal, magistrado do MP coordenador, administrador
judiciário, representante dos funcionários de justiça, da Ordem dos Advogados
e representante da Câmara dos Solicitadores) e, de fora do sistema judiciário,
representantes dos municípios integrados na comarca e dos utentes dos
serviços de justiça)75.
74 No âmbito dos serviços do MP, a lei ainda cria a figura do Magistrado do MP coordenador.
Neste relatório, como já se deixou dito na nota metodológica, dada a ênfase do trabalho de campo no funcionamento dos serviços judiciais, os resultados apresentados referem-se sobretudo àqueles serviços.
75 Cabe ao conselho geral dar parecer sobre: a) Os planos anuais e plurianuais de actividades
110 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
O organograma 2 ilustra a nova divisão de competências central-local
possibilitada pela nova Lei de Organização Judiciária, destacando as
competências ao nível da comarca.
e relatórios de actividades; b) Os regulamentos internos do tribunal de comarca e dos respectivos juízos; c) Evolução da resposta do tribunal às solicitações e expectativas da comunidade; d) Existência e manutenção de condições de acessibilidade e qualidade dos espaços e serviços do tribunal; e) Utilização, manutenção e conservação dos equipamentos afectos aos respectivos serviços; f) Outras questões que lhe sejam submetidas pelo presidente do tribunal.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 113
A nova Lei de Organização Judiciária, ao reconfigurar o perfil funcional
do presidente do tribunal e ao criar uma nova figura (administrador judiciário76),
constrói o que se poderá designar de estrutura nuclear de gestão local do
tribunal. Outro elemento chave na estrutura de gestão do tribunal é o
Magistrado do MP Coordenador que assume na comarca competências
anteriormente concentradas na procuradoria-geral distrital. 77
Numa dada vertente, o juiz presidente passa a assumir competências de
representação e direcção do tribunal78. Numa outra dimensão, mais densa do
76 A Lei n.º 3/1999, de 13 de Janeiro, previa a figura do administrador do tribunal nos tribunais
cuja dimensão justificasse. As competências do administrador circunscreviam-se à preparação e elaboração do projecto de orçamento, aquisição de bens e serviços, conservação e segurança das instalações, entre outras (artigo 76.º). Muito embora tivesse sido prevista na lei, esta figura nunca foi colocada em prática.
77 De acordo com a lei, cabe ao magistrado do MP coordenador dirigir e coordenar a actividade
do MP na comarca, exercendo as seguintes competências: a) Acompanhar o movimento processual dos serviços, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando a procuradoria-geral distrital; b) Acompanhar o desenvolvimento dos objectivos fixados para os serviços do Ministério Público por parte dos procuradores e dos funcionários; c) Proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei; d) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos procuradores e funcionários; e) Adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; f) Ser ouvido pelo Conselho Superior do Ministério Público, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias ou sindicâncias à comarca; g) Elaborar os mapas e turnos de férias dos procuradores e autorizar e aprovar os mapas de férias dos funcionários; h) Exercer a acção disciplinar sobre os funcionários em funções nos serviços do Ministério Público, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, instaurar processo disciplinar, se a infracção ocorrer no respectivo tribunal; i) Definir métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior do Ministério Público; j) Determinar a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais; l) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos.
78 De entre as competências de representação e direcção, destacam-se: a) Representar e
dirigir o tribunal; b) Acompanhar a realização dos objectivos fixados para os serviços do tribunal por parte dos funcionários; c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos juízes e funcionários; d) Adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; e) Ser ouvido pelo Conselho Superior da Magistratura, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias relativamente aos juízos da comarca; f) Ser ouvido pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias quanto aos oficiais de justiça da comarca ou de sindicâncias relativamente às
114 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
ponto de vista da administração e gestão, agrega àquelas competências
responsabilidades ao nível da gestão dos funcionários judiciais e exerce
competências importantes de gestão processual, fixação de objectivos,
acompanhamento de resultados e planeamento de necessidades e actividades,
planeamento de recursos humanos e organização interna, que passam a exigir
um constante interface e articulação com os órgãos de governação central:
Ministério da Justiça e conselhos superiores79.
No que diz respeito às competências administrativas, o juiz presidente
passa a concentrar a preparação e elaboração do projecto de orçamento,
anteriormente atribuídas ao secretário de justiça, bem como a agregação de
competências ao nível dos planos anuais e plurianuais e relatórios de
actividades, regulamentos internos, alterações orçamentais, entre outros80. A
lei confere-lhe, assim, competências próprias susceptíveis criar uma outra
dinâmica de gestão ao nível local.
secretarias da comarca; g) Elaborar, para apresentação ao Conselho Superior da Magistratura, um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta, dando conhecimento do mesmo à Procuradoria-Geral da República e à Direcção-Geral da Administração da Justiça.
79 O presidente do tribunal possui, ainda, as seguintes competências de gestão processual: a)
Implementar métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior da Magistratura, designadamente na fixação dos indicadores do volume processual adequado; b) Acompanhar e avaliar a actividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos; c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e propondo as medidas que se justifiquem; d) Promover a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais; e) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a especialização de secções nos juízos; f) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafectação dos juízes no âmbito da comarca, tendo em vista uma distribuição racional e eficiente do serviço; g) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos; h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso ao quadro complementar de juízes.
80 O presidente do tribunal possui também as seguintes competências administrativas: a)
Elaborar o projecto de orçamento, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador, que fará sugestões sempre que entender necessário; b) Elaborar os planos anuais e plurianuais de actividades e relatórios de actividades; c) Elaborar os regulamentos internos do tribunal de comarca e dos respectivos juízos; d) Propor as alterações orçamentais consideradas adequadas; e) Participar na concepção e execução das medidas de organização e modernização dos tribunais; f) Planear as necessidades de recursos humanos.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 115
O perfil funcional do administrador judiciário concentra-se na gestão dos
espaços, segurança, condições de acessibilidade das instalações,
manutenção, conservação e racionalização da utilização dos equipamentos, o
que leva a que seja por muitos percepcionado como um perfil exíguo,
defendendo-se a densificação das suas competências próprias. Extravasando
a previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade de
coadjuvação pelo administrador do exercício das competências do
presidente81.
Sob a orientação do presidente do tribunal, nos casos em que existam
juízos com mais de três juízes, um magistrado coordenador pode exercer
competências de direcção e gestão processual específicas (acompanhar a
realização dos objectivos fixados; implementar métodos de trabalho e
objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica; e acompanhar o
movimento processual do tribunal identificando os processos pendentes.
O organograma 3 condensa as principais alterações trazidas pela lei no
âmbito da gestão dos tribunais ao nível local, salientando-se a densificação dos
instrumentos de gestão ao nível local.
81 O administrador do tribunal, em articulação com o presidente do tribunal e o magistrado do
MP coordenador, tem as seguintes competências relativas aos espaços: a) Gerir a utilização dos espaços do tribunal, designadamente dos espaços de utilização comum, incluindo as salas de audiência; b) Assegurar a existência de condições de acessibilidade aos serviços do tribunal e a manutenção da qualidade e segurança dos espaços existentes; c) Regular a utilização de parques ou lugares privativos de estacionamento de veículos; d) Providenciar, em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela correcta utilização, manutenção e conservação dos equipamentos afectos aos respectivos serviços; e) Providenciar, em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela conservação das instalações, dos bens e equipamentos comuns, bem como tomar ou propor medidas para a sua racional utilização.
Organograma 3 – A nova lei de organização judiciária e as mudanças nas competências de gestão dos tribunais
Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 119
5.3 As potencialidades da nova lei de organização e gestão dos tribunais: gestão integrada e de proximidade
O desenho estratégico da reforma do mapa judiciário em curso assenta
em três vectores principais: (1) uma nova matriz territorial, mais alargada; (2)
uma acentuada especialização das jurisdições; (3) e um novo modelo de
gestão dos tribunais82. No que se refere a este último, as mudanças trazidas
pela lei relativamente à administração local da justiça constituem uma grande
inovação, concentrando-se neste vector um dos principais desafios à
implementação da reforma. Como temos vindo a referir, no âmbito da direcção
e representação dos tribunais e da gestão processual, a reforma introduziu
uma mais-valia no sentido de criar perfis profissionais com competências
próprias e uma actuação local baseada no conhecimento das necessidades e
do funcionamento quotidiano do serviço.
Como foi reconhecido por vários dos entrevistados, a introdução de
vectores de proximidade no modelo de gestão incorpora, como vantagem
fulcral, a possibilidade de flexibilização. Dito de outro modo, é possível, em
diferentes aspectos, a tomada de decisão local, de forma rápida e mais
eficiente, no que se refere ao funcionamento dos serviços, tendo em atenção
as suas carências e dificuldades. No novo quadro normativo, esta flexibilidade
estende-se desde a distribuição dos funcionários (à excepção dos escrivães de
direito83) até à proposição de mudanças organizacionais e às rotinas de
trabalho (implementação de métodos de trabalho, reafectação de funcionários,
criação de secções especializadas), passando pelo planeamento das
82 O OPJ, na proposta de reforma do mapa judiciário, apresentada no Relatório “A Geografia da
Justiça - Para um novo mapa Judiciário” (2006) enfatizava esta vertente. Cf., ainda, entre outros http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-tribunais/injuncoes-teste/reforma-do-mapa/downloadFile/attachedFile_1_f0/Mais_Informacao_-_Mapa_Judiciario.pdf?nocache=1206543542.6
83 De acordo com o art.º 34, do DL n.º 28/2008, os escrivães de direito são titulares da secção
ou do serviço para o qual foram nomeados, os restantes funcionários de justiça são distribuídos, conforme os casos, pelo presidente do tribunal ou pelo magistrado do MP coordenador, ouvidos os funcionários interessados.
120 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
actividades, das necessidades de recursos humanos e elaboração da proposta
de orçamento.
Noutra vertente, a criação de um órgão com poderes consultivos e de
acompanhamento (conselho de comarca) beneficia o modelo de gestão por
permitir uma participação alargada dos actores do sistema e da sociedade civil,
o que pode trazer, não só benefícios de natureza gestionária, mas também
aprofundar a proximidade e legitimidade social dos tribunais.
(…) tem sido muito interessante verificar, na prática, o modo de funcionamento destas duas estruturas [conselho geral e conselho de comarca]. (...) Na gestão de um tribunal, quer os magistrados, quer os funcionários, quer outros operadores judiciários representados no conselho geral, precisamos de ter, cada vez mais, uma visão global do funcionamento do tribunal e das respectivas unidades orgânicas (...). Por outro lado, permite também uma certa abertura ao exterior. O tribunal deixa, tendencialmente, de ser uma entidade fechada, uma entidade vista como um lugar onde só se vai de vez em quando e de preferência que não se vá, para ser uma estrutura minimamente organizada e uma estrutura que, tendencialmente, poderá até estar aberta a novas iniciativas. (Ent. S7)
As vantagens acima descritas, resultantes da interpretação das
potencialidades admitidas pela nova legislação, têm um carácter experimental,
cuja concretização eficaz depende de se proceder a alguns ajustamentos
importantes. O seu carácter experimental, a falta de preparação da reforma, a
ausência de discussão e de directrizes de execução, são factores que, entre
outros, leva a que aquelas potencialidades estejam a ser desenvolvidas de
forma distinta em cada uma das comarcas piloto de acordo com a experiência,
o nível de iniciativa, o conhecimento da realidade do tribunal por parte dos
juízes presidentes.
Apesar das lacunas de preparação e acompanhamento da reforma, o
trabalho de campo realizado permitiu identificar algumas dinâmicas locais
consentâneas com os objectivos da reforma. Foi possível identificar
experiências positivas de optimização do funcionamento dos serviços, numa
postura activa de supervisão e controlo das actividades por parte do juiz
presidente, com coadjuvação do administrador judiciário. Desde logo, o
estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, realização de
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 121
reuniões de planeamento das actividades com as chefias das secções e com
os magistrados coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros métodos
de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-
se, ainda, um acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de
material, requisição de objectos e critérios de ocupação das salas de
audiências por parte dos juízos.
(…) Verifica-se, com esta nova gestão, muita diferença. Agora, o juiz presidente define objectivos, o que não se fazia antes. Nos primeiros tempos houve muitas reuniões para definir objectivos e toda a gente se empenhou em tentar cumprir esses objectivos. E não foi só a nível de funcionários, foi também a nìvel de magistrados (…). (Ent. 16F)
O maior ou menor êxito da aplicação das potencialidades da lei
dependerá, também, da concretização de alguns factores objectivos, como a
formação adequada dos administradores judiciários, dos juízes presidentes e
de outras figuras com poderes de direcção em áreas relacionadas com a
gestão judiciária; a existência de um gabinete de apoio administrativo e de
gestão altamente qualificado associado à presidência do tribunal; e a
possibilidade de acesso a dados sobre as actividades e o funcionamento dos
serviços que permitam aferir, não só as características da procura e os
resultados quantitativos da produtividade dos funcionários, mas, também,
compreender as cadeias de decisão e processos de trabalho adoptados em
cada uma das unidades orgânicas. Esta última componente assume particular
relevância se se tiver em atenção que a realidade de funcionamento dos
tribunais é de diversidade organizacional e de métodos de trabalho em
diferentes níveis: entre tribunais, entre secretarias dos juízos e entre secções.
A diversidade organizacional e de desempenho funcional existente
entre/nos tribunais e a articulação de competências entre as diferentes figuras
com poderes de organização, direcção e supervisão são duas condições com
impacto estruturante na realização das potencialidades gestionárias da nova
LOFTJ.
As novas competências do juiz presidente e do administrador judiciário,
com a criação de uma estrutura de gestão local tem a vantagem de permitir
122 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
uma maior desconcentração dos poderes de organização, supervisão e
direcção das actividades dos tribunais, dando-se, assim, passos decisivos na
direcção de uma gestão integrada e de maior proximidade. Contudo, a
concretização deste vector revela uma complexa rede de divisão de
competências entre os órgãos centrais executivos (DGAJ, IGFIJ, ITIJ), os
órgãos de gestão das profissões judiciais (CSM, CSMP, COJ) e os poderes
locais de gestão do tribunal de comarca (juiz presidente, magistrado do MP
coordenador, administrador judiciário, magistrados e procuradores
coordenadores), que para o seu funcionamento eficiente exige uma forte
articulação.
Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de
competências centrais e locais de modo a permitir uma gestão integrada que
tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:
A articulação das competências de gestão, avaliação e disciplina dos
funcionários judiciais da DGAJ e do COJ, com os poderes atribuídos ao juiz
presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,
implementação de métodos de trabalho e fixação de objectivos para as
unidades orgânicas, planeamento das necessidades de recursos humanos,
reafectação dos funcionários dentro da comarca;
A articulação das competências de gestão dos juízes e acompanhamento da
actividade dos tribunais e sua organização exercidas pelo Conselho
Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do
Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais
(criação de secções especializadas), reafectação de juízes e necessidades
de resposta adicional no quadro de juízes;
A articulação das competências de gestão financeira, do património, das
instalações e dos equipamentos dos tribunais partilhadas entre o ITIJ, o
IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de
alterações orçamentais exercidas pelo juiz presidente e as competências do
administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e
segurança das instalações do tribunal.
O êxito deste modelo de gestão depende, assim, da realização plena e
eficiente do princípio de cooperação (Decreto-lei n.º 28/2009), não só entre o
presidente do tribunal de comarca, o magistrado do MP coordenador, os
magistrados coordenadores e o administrador do tribunal, entre estes e os
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 123
outros membros do conselho de comarca, mas, também, entre esta estrutura
local de gestão do tribunal com os órgãos centrais de administração da justiça
(DGAJ, CSM, CSMP, COJ, CEJ, CFFJ, ITIJ, IGFIJ).
A necessidade de articulação entre as diferentes figuras com poderes
directivos na administração dos tribunais exigirá um aprofundamento da sua
concretização na definição dos perfis profissionais com poderes de gestão
local, esclarecendo as suas tarefas e responsabilidades e aprofundando as
interfaces e canais de comunicação com os organismos centrais.
A articulação de tudo isto é um pouco complicada. São atribuídas competências próprias ao presidente, ao administrador, que não se percebe, depois, se são com a orientação do presidente. O administrador tem um papel de coadjuvação do presidente e, depois, outras competências devem ser delegadas pela DGAJ e pelo IGFIJ. O que não vejo como é que pode haver integração, uma gestão integrada neste caso. Parece-me que é uma gestão que acaba por ser bicéfala. Relativamente às competências da DGAJ houve delegação, o IGFIJ penso que não delegou. Como é que é? Mas, é sob orientação do Presidente, não é sob orientação do Presidente? (Ent. 3J).
O modelo parecia avançar no sentido do administrador ser, no tribunal, alguém que poderia actuar com competências delegadas do juiz presidente, da Direcção-Geral da Administração da Justiça ou do Instituto de Gestão Financeira. O juiz presidente delegou competências, a Direcção-Geral delegou competências, o Instituto de Gestão Financeira nunca o fez. E não o fez porque, talvez não tenha lido a lei, ou se a leu nunca quis passar nenhuma das competências para o tribunal. A questão é a de saber o que é que os serviços centrais, face a esta nova lei, querem efectivamente passar para a responsabilidade do administrador. O administrador actua no tribunal sob a direcção e a dependência funcional do juiz presidente. E o juiz presidente há coisas de que fica dependente, se o administrador puder ou não puder executá-las. A pergunta fundamental é o que os serviços centrais querem descentralizar? (Ent. P11)
No ponto 4.5 desenvolveu-se, em detalhe, importantes vertentes de
articulação de competências em diferentes âmbitos: gestão de recursos
humanos, gestão de recursos financeiros, gestão do património e das infra-
estruturas e gestão da informação.
Seguidamente, analisa-se o modo como as desigualdades dos
diferentes tribunais a nível organizacional condicionam as respostas do modelo
de gestão, em especial na racionalização e operacionalização da unidade
administrativa do tribunal de comarca.
124 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
5.4 O novo modelo de gestão e os desafios da diversidade organizacional
As mudanças trazidas pela nova lei no que respeita à nova matriz
territorial e à especialização das jurisdições não constituem o objecto central
deste estudo. São, contudo, dimensões que podem assumir relevância
analítica enquanto variáveis com impacto significativo no novo modelo de
gestão e, nessa medida, não podem deixar de ser tidas em conta.
O Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, que regula a organização
das comarcas piloto, determinou os diferentes juízos em que se desdobra cada
um dos novos tribunais de comarca (o tribunal de comarca abrange toda a
extensão territorial da comarca) e definiu as conversões dos anteriores
tribunais de comarca e dos tribunais de competência especializada nos
diferentes juízos.
Por sua vez, a Portaria n.º 170/2009, de 17 de Fevereiro, determinou a
conversão das secretarias dos anteriores tribunais de comarca e de
competência especializada nas secretarias dos actuais juízos e definiu os
quadros de pessoal e a organização dos serviços judiciais (secção de
processos), tendo como unidade de referência a secretaria.
Da análise destes dois diplomas, no que se refere à organização e
gestão dos tribunais, resulta que, para este efeito, à anterior unidade tribunal
passou a corresponder a actual unidade secretaria, o que tem consequências,
como melhor se verá, em vários domínios, desde os recursos humanos à
informatização e tramitação telemática dos fluxos, levando a que, na prática,
pouco se tenha alterado ao criarem-se novas unidades orgânicas e novas
perspectivas gestionárias, mas mantendo-se o modelo de organização interna
e de colocação de juízes e funcionários das comarcas anteriores.
Esta dinâmica acaba por se traduzir, de comarca para comarca, em
diferentes estruturas locais, quer considerando a organização dos serviços
judiciais, quer a unidade administrativa de referência, com assinalável
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 125
heterogeneidade para a actuação do juiz presidente e das outras figuras
directivas do tribunal. As comarcas piloto são ilustrativas desta situação, pois
variam de um modelo com alto grau de dispersão daquelas unidades
administrativas (Comarca Baixo Vouga), ainda que territorialmente próximas,
para um modelo altamente concentrado de organização dos serviços (Comarca
Grande Lisboa-Noroeste), conforme ilustrado nos organogramas 4, 5 e 684.
84 Os organogramas foram realizados tendo por base a previsão dos quadros de pessoal das
comarcas piloto na Portaria n.º 170/2009, bem como no quadro de juízes previstos no Decreto-Lei n.º 25/2009. Por esta razão, não estão representadas as colocações adicionais de recursos humanos não previstas no quadro, tal como a criação de secções para além das estabelecidas na portaria, como é o caso da criação de equipas de recuperação de pendências.
Organograma 4 – Comarca Alentejo Litoral (orgânica e distribuição dos serviços judiciais)
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Juízo de Instância
Criminal
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Juízo de Instância
Criminal
J1 J1 J1 J1
ED ED
Juízo de Grande
Instância Cível
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
J1 J2 J1
ED ED ED ED
* sedeado em Santiago do Cacém
Secção Central
Secção de processos Secção de processos
J1 J2
Juízo de Instância
Criminal
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE GRÂNDOLA
J1
Secção de processos
Secção Central
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ALCÁCER
DO SAL
Secção Central
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SANTIAGO DO CACÉM (sede)
Secção de processos
Secção Central
J1
Secretário de Justiça
Secção de processos
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ODEMIRA
JUIZ PRESIDENTE*
ADMINISTRADOR JUDICIAL*
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SINES
Secretário de Justiça
Juízo Misto do Trabalho e de Família e
Menores
Secção de processos
Juízo de Competência Genérica
Secretário de Justiça
Secção Central
Secretário de Justiça
2 EADJ 3 EAUX 2 EADJ 3 EAUX
3 EADJ 3 EAUX
7 EADJ 8 EAUX
2 EADJ 3 EAUX2 T.
Informática4 Assist.Técnico
3 Assist.Operacional
Fonte: OPJ
Organograma 5 - Comarca Grande Lisboa-Noroeste (orgânica e distribuição dos serviços judiciais)
ED ED ED ED ED ED ED
ED ED ED ED ED
ED ED ED ED ED ED ED
ED ED ED ED ED ED
* sedeado em Sintra
Secção de processos Secção de processos Secção de processos
J1 J2 J3 J1 J2 J3 J4 J5 J1 J2
Juízo de Média Instância Criminal
Secção de processos Secção de processos
J1 J1 J2 J3 J4 J5 J6
Juízo de Grande Instância Cível Juízo de Média Instância Cível
Secção de processos Secção de processos
Juízo do Trabalho
Secção de processos
J1 J2
Secção de processos
Juízo de Grande Instância Criminal
Secção de processos Secção de processos
J1 J2 J1
Juízo de Família e Menores
J1 J2 J3 J4
Juízo de Pequena
Instância Cível
Juízo de Pequena
Instância Criminal
Secção de processos
Juízo de Execução
Secção de processos
Juízo de Comércio
Juízo de Pequena
Instância Criminal
J1
Secção de processos
Secção Central
Secretário de Justiça
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
J1
Secção de processos
Juízo de Família e Menores
J1 J2
Secretário de Justiça
Secção de processos
Juízo de Média
Instância Cível
Juízo de Pequena
Instância Criminal
Juízo de Instrução
Criminal
Secção de processos
J1 J1
Secção de processos Secção de processos Secção de processos
J1
Secção de processos Secção de processos
Secç
ão C
en
tral
Secç
ão d
e S
erv
iço
Ext
ern
oSecção de processos
J1 J2 J3 J4
Secção de processos
ED
Secção de processos
JUIZ PRESIDENTE*
Secç
ão C
en
tral
ED
SECRETARIA GERAL DOS JUÍZOS DE SINTRA (sede) SECRETARIA DOS JUÍZOS DE MAFRA
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE AMADORA
ADMINISTRADOR JUDICIAL*
Secretário de Justiça
Juízo de Instrução
Criminal
J1
MC
MC MC
MC
5 EADJ 7 EAUX
10 EADJ 15 EAUX54 EADJ 66 EAUX
2 T.Informática
2 Assist.Técnico
1 Assist.Operacional
1 Assist. Técnico
2 T.Informática
6 Assist.Técnico
6 Assist.Operacional
Fonte: OPJ
Organograma 6 - Comarca Baixo Vouga (orgânica e distribuição dos serviços judiciais)
ED ED ED ED ED ED ED ED ED ED
ED ED
ED
ED ED ED ED ED ED
ED
ED
ED ED ED
ED
* sedeado em Aveiro
SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO
AVEIRO (sede)
Juízo de Família e
Menores
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Secção Central Secção Central
Secç
ão d
e S
erv
iço
Ext
ern
o
ED
J1 J2 J3
Secção de processos
J1 J2
Secção de processos
Secção de processos
Secção Central
Secção Central
Juízo de Instrução
Criminal
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Secç
ão C
en
tral
JUIZ PRESIDENTE*
ADMINISTRADOR JUDICIAL*
Secç
ão C
en
tral
Secção Central Secção Central
J1 J2 J3
Secção de processos
Secretário de Justiça
Juízo do Trabalho
J1 J2
Secretário de Justiça
Secção de processos Secção de processos
Secção de processos
Juízo de Instância
Criminal
SECRETARIA DOS JUÍZOS
Juízo de Média
Instância Criminal
Juízo de Grande
Instância CívelJuízo de Comércio
J1
Secção de processos
J1 J2
Secção de processos Secção de processos Secção de processos
Secretário de Justiça
Juízo de Pequena
Instância Criminal
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ÍLHAVO
Secretário de Justiça
SECRETARIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA E
MENORES
J1
Secretário de Justiça
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Juízo de Família e
Menores
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
J1 J1J1 J1
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ESTARREJA
Secretário de Justiça
Juízo de Instância
Criminal
Secção de processos Secção de processos
Juízo de Família e
Menores
J1
Secção de processos
J1
Juízo de Média
Instância Criminal
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OVAR
Secretário de Justiça
Juízo de Execução
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Juízo de Instância
Criminal
Secção de processos Secção de processos
J1
Secção de processos Secção de processos
J1 J1
Secção de processos
J1 J1 J2 J1 J2
J1
Secç
ão C
en
tral
J1
SECRETARIA DO JUÍZO DE ALBERGARIA-A-VELHA
Secretário de Justiça
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Juízo de Instância
Criminal
J1
SECRETARIA DO JUÍZO DE SEVER DO VOUGA
Secretário de Justiça
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
J1
Secç
ão C
en
tral
Secção Central
Secç
ão C
en
tral
ED
Secção de processos Secção de processos
ED
ÁGUEDA
SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO
Secretário de Justiça
Juízo do Trabalho
J1
Secção de processos
SECRETARIA DOS JUÍZOS
Secretário de Justiça
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Juízo de Instância
CriminalSECRETARIA DOS JUÍZOS DE ANADIA
Secretário de Justiça
Secção de processos
Secção de processos
ED
Juízo de Execução
J1 J1 J2 J1
Secção de processos
Juízo de Média
Instância Criminal
J1 J1
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
Juízo de Grande
Instância Cível
Juízo de Instância
Criminal
J1 J2 J3 J1 J2 J3 J1
Secç
ão C
en
tral
Secção de processos
ED
Juízo de Instrução
Criminal
Secção de processos Secção de processos Secção de processos
SECRETARIA DO JUÍZO DE VAGOS
Secretário de Justiça
Juízo de Média e
Pequena Instância
Cível
13 EADJ
19EAUX
5 EADJ
7 EAUX
4 EADJ
4 EAUX
2 EADJ
3 EAUX
4 EADJ
5 EAUX
7 EADJ
12EAUX
7 EADJ
10EAUX
5 EADJ
9 EAUX
7 EADJ
8 EAUX
9 EADJ
13EAUX
8 EADJ
10EAUX
1 EADJ
2 EAUX
3 EADJ
3 EAUX
2 Assist.Técnico
3 Assist.Operacional1 Assist.
Técnico
2 Assist.Operacional
2 T.Informática
5 Assist.Técnico
8 Assist.Operacional
1 Assist.Técnico
1 Assist.Operacional
1 Assist.Operacional
1 Assist.Técnico
2 Assist.Operacional
Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 133
O privilégio da dimensão local no que diz respeito à estrutura de
organização e gestão é, conforme ficou dito, uma potencialidade da nova lei, na
medida em que introduz critérios de flexibilização e de proximidade na
administração do tribunal. Importa, pois, reflectir acerca do nível de localização
dos poderes directivos e de organização versus a necessidade de garantir
alguma centralização e unidade administrativa no novo tribunal de comarca que
assegure a operacionalidade efectiva dos novos princípios e regras
gestionários.
Este aspecto adquire contornos especiais nas comarcas experimentais,
uma vez que, como resulta da lei e se verifica nos organogramas
apresentados, a criação das novas unidades orgânicas (juízos, secretarias)
teve por base as estruturas físicas pré-existentes (anteriores tribunais de
comarca ou anteriores tribunais especializados) e a distribuição territorial do
modelo antigo, o que implicou a criação de um tribunal de comarca multipartido
(secretarias de juízos, juízos, secções). Mesmo no caso da Comarca Grande
Lisboa-Noroeste, este princípio de correspondência das anteriores estruturas
às novas estruturas não se afastou muito, dado que, aí já existia um certo grau
de concentração com a anterior secretaria-geral do Tribunal de Comarca e do
Tribunal de Família e Menores de Sintra85. Onde havia dispersão, manteve-se.
A questão que se coloca é, pois, a de saber quais deverão ser as
unidades administrativas e organizacionais do tribunal de comarca: se o próprio
tribunal de comarca, as secções de processos ou as secretarias dos diferentes
juízos. A decisão sobre esta matéria que, como se disse, continuou a seguir o
modelo atomizado anterior, tem, como melhor se verá, uma influência
determinante na colocação e gestão dos recursos humanos (magistrados e
funcionários), na elaboração e execução do orçamento, no planeamento e
gestão dos recursos materiais, no próprio modelo de informatização e,
consequentemente, na execução das funções de direcção e coordenação
85 Foram agregadas as secretarias das Varas de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra
e a secretaria do Tribunal de Trabalho de Sintra, secretarias a funcionarem no mesmo edifício.
134 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
exercidas no tribunal de comarca, nomeadamente a interface entre o juiz
presidente, administrador e secretário de justiça.
Antigamente falava-se em tribunais, agora fala-se em juízos dentro do mesmo tribunal. Coloco a questão, deve ser o tribunal enquanto unidade detentora de um conjunto de juízos a ter o número de contribuinte ou deve ser cada uma das secretarias dentro do tribunal a ter o seu número de contribuinte? (Ent. P11)
Um outro problema que eu sinalizo na organização da comarca, tendo em atenção o novo mapa judiciário, é que o mapa judiciário engloba um determinado número de unidades orgânicas, mas essas unidades orgânicas, estão organizadas sob o modelo das comarcas anteriores. Ou seja, os juízes estão colocados naqueles juízos, os funcionários estão colocados naquelas secretarias e não consigo fazer uma gestão, tanto de magistrados como funcionários, a não ser que tenha a anuência dessas pessoas. (Ent. S8)
A atomização do modelo entra em tensão com os objectivos de direcção
e coordenação a uma escala maior (ao nível da comarca) centralizados no juiz
presidente e no administrador, impedindo o seu cabal exercício. Note-se que a
única comarca onde este efeito escala se poderá fazer sentir é na Comarca
Grande Lisboa-Noroeste, mas apenas para os juízos de Sintra, porque, como
acima se explicou, estando sedeados todos os juízos no mesmo edifício, na
conversão das secretarias, apenas foi criada uma secretaria.
Para melhor se compreender esta questão, vejamos, desde já, algumas
consequências na gestão de recursos humanos relativamente aos funcionários,
onde o problema está a assumir maior acuidade. Ao assumir-se que o
provimento de funcionários judiciais tem como unidade as secções de processo
(para os escrivães de direito) e a secretaria dos juízos para os restantes
funcionários, tal condiciona fortemente as competências do juiz presidente na
gestão dos recursos, uma vez que o exercício desta competência é nula no
caso dos escrivães de direito e tem como limite a secretaria dos juízos.
A questão central é, pois, a de saber se para este efeito a unidade não
deve ser o tribunal de comarca. Além deste enquadramento organizacional, a
flexibilidade na gestão de recursos está igualmente condicionada pelas
dificuldades relativas à mobilidade geográfica dos funcionários de justiça
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 135
resultante da interpretação sistemática do quadro normativo da nova LOFTJ
com o Estatuto dos Funcionários de Justiça, a questão será tratada em detalhe
mais adiante.
Uma outra questão relacionada com esta prende-se com a manutenção
do anterior modelo de fixação dos quadros de pessoal, agora com referência à
secretaria. Para os agentes judiciais entrevistados, há a percepção de alguma
irracionalidade na definição desses quadros de funcionários, constituída, por
um lado, pela insuficiência do quadro de funcionários em alguns juízos e, por
outro, por uma má distribuição dos funcionários entre juízos. Defendem, por
isso, uma intervenção mais racionalizadora na definição dos quadros de
pessoal das comarcas, tendo em conta as suas necessidades e as
especificidades da procura. É claro que esta questão coloca-se de modo
diferente num modelo que não esteja assente em quadros de pessoal tão
atomizado.
A percepção de irracionalidade de colocação e distribuição dos
funcionários estende-se aos assessores técnicos e, em especial, no que se
refere aos técnicos de informática.
Outra questão conexa com esta é a do quadro dos funcionários (...) tem a ver com o dimensionamento do quadro, ou seja, de saber, em primeiro lugar, se os quadros legais de funcionários para cada uma das NUT, das comarcas piloto, se elas estão ou não correctamente dimensionadas. (Ent. P9)
Se, em alguns casos, triplicaram os processos e o quadro de pessoal é o mesmo, alguma coisa não pode funcionar. Se noutros casos, saíram de lá os processos e continuam com o mesmo número de pessoas (...) Como é que uma pessoa no tribunal X, por exemplo, pode ter mil processos a cargo e uma pessoa no tribunal Y tem cem? A pessoa não pode produzir o mesmo, ganha o mesmo mas a responsabilidade que tem é completamente diferente, isso tem que se traduzir no serviço. Eu acho que a Direcção-Geral devia racionalizar melhor os meios, torná-los mais uniformes, coisa que não são actualmente. (Ent. 17F)
No tribunal devia estar sempre um funcionário de informática. Devia estar permanentemente cá. (Ent. 21F)
Esta questão, embora com diferentes contornos, também diz respeito à
136 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
colocação dos juízes, isto é, à definição da unidade de colocação: os juízos do
tribunal de comarca ou um determinado juízo. Facilmente se compreende que
a flexibilidade gestionária é diferente se, por exemplo, os juízes forem
colocados nos juízos de família do tribunal de comarca ou em determinado
juízo de família. A definição sobre o lugar de provimento do juiz pode contribuir
para uma gestão mais flexível ou mais rígida, de acordo com as necessidades
do serviço.
No actual enquadramento legal, tendo em atenção as competências
previstas, no que se refere à gestão de juízes, o juiz presidente pode propor ao
CSM a acumulação, reafectação e o recurso ao quadro complementar de
juízes, medidas que, na prática, têm funcionado, mas que poderão ter outro
viés se pensarmos no alargamento da reforma a todo o país. Esta questão tem,
contudo, uma perspectiva doutrinária de interpretação constitucional dos
princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, que está longe de ser
consensual. Qualquer intervenção legal neste âmbito tem que ser precedida de
uma ampla discussão sobre os limites daqueles princípios.
A questão tem, como acima já se referiu, repercussões na gestão de
outras vertentes, designadamente, de natureza financeira. Relativamente a
esta última, a opção pelo tribunal de comarca ou pela secretaria dos juízos,
como unidade administrativa, coloca em confronto, designadamente, as actuais
competências de elaboração do orçamento dos secretários de justiça e do
presidente do tribunal. Conforme se detalha mais adiante, esta questão
também se estende à centralização do controlo da execução orçamental e
demais aspectos financeiros e ao planeamento das necessidades do tribunal
como um todo.
O orçamento também não é o orçamento do tribunal, é o orçamento de cada uma das secretarias e aqui pode-se questionar qual a utilidade do administrador. Cada um dos secretários manteve o seu orçamento. (Ent. P11)
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 137
5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação de competências entre as diversas entidades
Se a partilha de competências de organização e gestão dos tribunais
entre o poder executivo e o poder judicial ganhou uma nova configuração com
a introdução do um novo modelo de gestão preconizado pela reforma, o que se
definiu como potencialidades da lei, nomeadamente a adopção de critérios de
proximidade e flexibilidade na gestão local dos tribunais, depende, em muito,
da integração e da articulação entre os diferentes órgãos com poderes
directivos na administração dos tribunais. Como se salientou anteriormente,
este modelo exige a realização plena e eficiente do princípio de cooperação
entre as figuras da estrutura local de gestão e entre estas e os órgãos centrais.
Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de gestão, uma
articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está
comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,
que vão desde a clarificação do sentido e alcance das competências previstas
em lei até à necessidade de aprofundamento dos canais de comunicação e
interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de um plano de
implementação das competências locais de gestão com orientações concretas
das tarefas e responsabilidades a serem exercidas pelas chefias e pelas
figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade
administrativa de referência do tribunal de comarca.
Desenvolve-se, de seguida, uma análise mais detalhada das dinâmicas
de competências de administração e gestão dos tribunais em quatro áreas:
gestão de recursos humanos, gestão de recursos financeiros, gestão do
património e das infra-estruturas e gestão da informação.
138 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
5.5.1. Gestão de recursos humanos
A) Juízes
O protagonista da gestão da carreira judicial é o Conselho Superior da
Magistratura em articulação, no que se refere ao recrutamento e formação dos
juízes, com o Centro de Estudos Judiciários. Como já referimos, a lei de
organização judiciária insere neste domínio a possibilidade de promoção pelo
juiz presidente junto ao CSM de medidas de acumulação, reafectação,
requisição de juízes do quadro complementar ou criação de secções
especializadas.
O organograma 7 ilustra a divisão de competências na gestão de juízes.
Organograma 7 – Divisão de competências na gestão dos juízes
Realização dos concursos de acesso
e cursos e estágios de formação
inicial
Organização de cursos na área da
gestão para juiz presidente,
administrador judiciário, procurador
do MP coordenador e magistrados
coordenadores (em colaboração
com outras entidades)
Nomeação, colocação e definição
dos critérios de permuta entre juízes
Dar posse aos juízes de direito
colocados na comarca
Dar posse aos juízes do STJ e
presidentes das relaçõesDar posse aos juízes das relações
Nomear um juiz substituto, em caso
de impedimento do substituto legal
Planear a necessidade de recursos
humanos
Popor ao CSM a reafectação de
juízes
Decidir sobre a reafectação de juízes
Propor ao CSM que um juiz exerça
funções em mais de um juízo da
mesma comarca
Decidir sobre a acumulação de juízes
Criar, na sede de cada distrito, uma
bolsa de juízes para destacamento
em tribunais de comarca
Efectuar a gestão das bolsas e
regular o seu destacamento
Requisitar a disponibilidade de juízes
da bolsa em caso de necessidade do
serviço
Destacar os juízes auxiliares que se
mostrem necessários , inclusive por
urgente conveniência do serviço
Definir e aprovar o modelo de mapa
de férias
Aprovação do mapa de férias
Aprovar os mapas de turnos de
férias e turnos aos sábados e
feriados, ouvidos os magistrados
Designar o número de magistrados
necessários para assegurar o serviço
de turno e aprovar a lista de
magistrados designados
Realização de movimento judicial
ordinário no mês de Julho e
extraordinários quando exijam
razões de disciplina ou de
necessidade de preenchimento de
vagas
Organização e execução do
concurso de acesso ao provimento
de vagas de juízes da Relação e
juízes do STJ
Autorização para os magistrados
residirem em local diferente da sede
do juízo
Conceder dispensas de serviço para
participação em congressos,
simpósios, cursos, seminários
Autorização para o exercício de
funções docentes e de investigação
Deliberação de redução na
distribuição de serviço para
magistrados judiciais que executam
funções no órgão executivo de
associação sindical
Autorização para comissões de
serviço
Elaborar o plano anual de
inspecções, ordenar inspecções,
sindicâncias e inquéritos aos
serviços judiciais (a realizar-se pelos
serviços de inspecção)
Instauração do procedimento
disciplinar
Classificação dos magistrados com
apoio dos serviços de inspecção
Propor ao CSM a especialização de
secções nos juízos
Decidir sobre a criação de secções
especializadas
Recebimento dos requerimentos
para aposentação voluntária
Determinar a imediata suspensão do
exercício de funções em caso de
incapacidade
Processar as remunerações dos
magistrados que exercem funções nos
tribunais sem autonomia assegurando o
pagamento aos magistrados dos encargos
relativos a acumulação de funções, subsídio
de compensação (renda de casa), colectivos
(ajudas de custo, transportes e
deslocações), subsídio de fixação (Açores e
Madeira) e regime de substituição
(licenciados em direito, em substituição de
magistrados do Ministério Público)
O orçamento do Conselho Superior
da Magistratura destina -se a
suportar as despesas com com os
magistrados judiciais afectos aos
tribunais judiciais de 1.ª instância e
com os magistrados judiciais afectos
como auxiliares aos tribunais da
Relação
Organização dos mapas anuais de férias e envio ao CSM acompanhados de parecer
Elaboração de acções de formação contínua
DGAJ CEJ CSM Juiz Presidente Presidente do STJPresidente do
Tribunal da Relação
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Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 141
O organograma mostra um modelo altamente centralizado de gestão das
carreiras judiciais com concentração pelo CSM de competências nas
componentes colocação e reafectação, férias, movimento judicial, avaliação,
acção disciplinar, aposentação, formação e remuneração, estas últimas em
articulação com o CEJ e a DGAJ86.
A intervenção local é feita com autonomia no que se refere à posse dos
juízes e tem um carácter propositivo no que toca a medidas de reafectação,
acumulação, requisição de juízes do quadro complementar e mudanças na
organização interna, mas cabendo sempre a decisão final ao CSM.
A concentração de competências no CSM, no que respeita às actuais
comarcas experimentais, não parece ter-se traduzido, de acordo com o que foi
observado no trabalho de campo, em grandes problemas de articulação entre
aquele órgão e o juiz presidente, embora, como já foi salientado, a situação
pode não ser a mesma num cenário mais alargado ou com outras
protagonistas.
O que foi salientado é o condicionamento deste mecanismo, mas por
outra via. A maior utilização dos mecanismos de gestão local de juízes, por
parte do juiz presidente, está condicionada pela carência de funcionários e pela
necessidade de aprofundar as competências no âmbito da gestão local do
pessoal oficial de justiça.
(…) O juiz presidente solicita ao Conselho Superior de Magistratura que coloque juízes da bolsa em acumulação, dos quais para fazer julgamentos precisam de escrivães auxiliares e, simultaneamente, a DGAJ requisita escrivães auxiliares para outro serviço. (…) Há aqui uma, necessária, articulação que tem que ser trabalhada um pouco mais (Ent. 3J).
86 A Lei n.º 36/2007, de 14 de Agosto, garante ao CSM orçamento para suportar as despesas
não só com os seus membros, mas também com o quadro de magistrados e funcionários afectos aos tribunais judiciais de primeira instância, com os magistrados judiciais afectos como auxiliares aos tribunais da Relação e demais despesas correntes e de capital necessárias ao exercício das suas competências. Apesar desta previsão de autonomia financeira, na prática, por questões logísticas, a DGAJ continua a processar as remunerações dos magistrados que exercem funções nos tribunais sem autonomia administrativa.
142 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Para a eficiência do serviço, ressalta-se a importância de fazer
corresponder os recursos humanos de juízes e funcionários. Um passo
decisivo nesta matéria, defendido por muitos dos entrevistados, é a realização
simultânea dos movimentos judiciais e movimentos de funcionários, bem como
a criação de um quadro complementar de funcionários a que o juiz presidente
possa recorrer nos casos de licenças, baixas médicas, etc.
Na gestão local, a experimentação de novas formas de organização está
sujeita aos limites fixados pela lei para o exercício destas competências pelo
juiz presidente. Uma das vias passa pela possibilidade do juiz presidente
propor a criação de secções especializadas87. Deixa, contudo, dúvidas
interpretativas se a lei permite a possibilidade de se criar uma secção
especializada para tramitar matéria comum de diferentes juízos, ou apenas
poderão ser criadas para com o objectivo de permitir a afectação de um
conjunto de processos integrados (de determinada matéria) no âmbito de
competência normal de um determinado juízo.
b) Funcionários
O grande espectro de competências no que diz respeito à gestão dos
funcionários está concentrado na DGAJ em articulação com órgãos que a
integram (COJ e CFFJ). Como se tem vindo a referir, no esquema actual de
distribuição de competências, é, contudo, possível vislumbrar um papel
relevante a ser exercido pelo juiz presidente com a coadjuvação do
87 De acordo com o artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro: nos juízos de
competência especializada ou de competência genérica que possuam mais de um juiz e secção e quando o volume e a complexidade processual o aconselhem, podem ser criadas secções especializadas, nos termos do disposto no artigo 80.º da LOFTJ. A criação de secções especializadas é feita por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do respectivo presidente do tribunal de comarca. A especialização da secção é feita através da afectação de um conjunto de processos integrados no âmbito de competência normal do juízo em causa, por matéria, a uma secção pré -existente no respectivo juízo. Na deliberação que procede à criação da secção especializada são indicadas as regras de distribuição, nos termos a definir pelo Conselho Superior da Magistratura. A definição das regras de distribuição previstas no número anterior deve ser previamente articuladas com a Direcção-Geral da Administração da Justiça para efeitos de adaptação do respectivo sistema informático.
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 143
administrador judiciário, conforme o organograma 8.
Organograma 8 – Divisão de competências na gestão dos funcionários judiciais
Formação técnica e tecnológica do
curso profissionalizante para o
exercício das funções de oficiais de
justiça
Procedimento de admissão para
ingresso dos funcionários de justiça
Abertura do curso de habilitação
para oficiais de justiça
Acções de formação dos candidatos a
oficial de justiça admitidos ao curso de
habilitação
Procedimento de admissão para
acesso dos funcionários de justiça
Nomeação dos funcionários de
justiça
Aperfeiçoamento da formação dos
funcionários de justiça
Formação para a prova de acesso nas
carreiras de oficial de justiça
Procedimento de admissão para
acesso dos funcionários de justiça a
outras categorias
Nomeação do administrador
judiciário e poder para fazer cessar
suas funções
Posse dos funcionários de justiçaCoadjuvação das competências do
presidente
Planear a necessidade de recursos
humanos
Reafectação dos funcionários dentro
da comarca
Transferência, transição entre
categorias e permuta dos oficiais de
justiça
Comunicação da existência de vagas
que ocorram nos quadros da
secretaria e não sejam do
conhecimento da DGAJ
Realização dos movimentos
ordinários ou extraordinários dos
oficiais de justiça para
preenchimento de lugares vagos ou
a vagar
Concepção de dispensa de serviço
até ao limite de 6 dias por ano para
os funcionários de justiça
Autorizar pedidos apresentados
pelos funcionários de dispensa de
serviço para acompanhamento de
filhos menores de 12 anos
Aprovação do modelo de mapa de
férias
Organização do mapa de férias
anual dos funcionários
Autorização do gozo de férias e
aprovação dos respectivos mapas
Coadjuvação das competências do
presidente
Autorização para a residência do
funcionário fora da comarca onde se
encontra o tribunal
Aprovar os mapas de turnos de
férias e turnos aos sábados e
feriados, ouvidos os funcionários
Parecer sobre o número de
funcionários a designar para a
prestação de serviço de turno
Definir o número de funcinário a
designar para a prestação de serviço
de turno
Designar os oficiais de justiça para
prestação de serviço de turno,
ouvidos os funcionários
Comunicar à DGAJ, até ao dia 5 de
cada mês, faltas dadas ao serviço no
mês anterior pelos funcionários de
justiça
Elaborar o plano anual de
inspecções, ordenar inspecções,
sindicâncias e inquéritos aos
serviços judiciais (a realizar-se pelos
serviços de inspecção)
Classificar os oficiais de justiça Parecer para a classificação dos
oficiais de justiça
Coadjuvação das competências do
presidente
Homologação da classificação dos
oficiais de justiça
Organização das listas de
antiguidade
Competência para instaurar
procedimento disciplinar
Coadjuvação das competências do
presidente
Poderes de avocação e revogação
dos poderes de avaliação, disciplina
e apreciação do mérito profissional
exercido pelo COJ
Exercer a acção disciplinar
Exercer a acção disciplinar
relativamente à pena de gravidade
inferior à multa
Acompanhar a realização dos
objectivos fixados para os serviços
do tribunal por parte dos
funcionários
Promover a realização de reuniões
de planeamento e de avaliação dos
resultados do tribunal, com a
participação dos juízes e
funcionários
Acompanhar e avaliar a actividade
do tribunal, nomeadamente
a qualidade do serviço de justiça
prestado
aos cidadãos
Coadjuvação das competências do
presidente
Processar as remunerações dos
funcionários de justiça
Coadjuvação das competências do
presidente
Instauração de procedimento disciplinar
COJCentro de Fomação
dos Funcionários de Justiça
DGAJ Juiz presidenteSecretário de
justiça
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CSM
Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 147
Tal como está evidenciado no organograma, verifica-se uma destacada
centralização de competências na DGAJ, COJ e CFFJ no que se refere à
formação, admissão, nomeação, realização dos movimentos judiciais,
avaliação e acção disciplinar. Contudo, o conjunto de competências assumido
pelo juiz presidente relativamente à reafectação e distribuição dos funcionários
de justiça (à excepção dos escrivães de direito), planeamento dos recursos
humanos, planeamento dos serviços do tribunal, fixação de objectivos e
avaliação da qualidade do serviço prestado, mostra a necessidade de uma
maior integração entre a gestão local e a gestão central no que respeita aos
funcionários judiciais.
O trabalho empírico permitiu identificar vários momentos em que a
concentração de competências na administração central, agravada pela falta
de previsão de interfaces eficientes, bloqueiam a gestão a ser implementada
por parte do juiz presidente.
Na verdade, e apesar de terem sido conferidas competências ao juiz
presidente para o planeamento dos recursos humanos, essas competências
não se traduzem na autonomia de definição dos mapas de pessoal ou das
necessidades de recursos humanos da comarca. Ao juiz presidente cabe a
distribuição dos funcionários de justiça, dentro dos limites da unidade orgânica
de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça,
e respeitando o provimento dos cargos de escrivães de direito nas respectivas
secções dos juízos.
Um exemplo concreto dos apertados limites e dificuldades do exercício
de tais funções concretiza-se no facto do juiz presidente não ter autonomia
para realizar sequer a permuta/transferência de escrivães de direito, dentro da
comarca, sem intervenção da DGAJ, ainda que obtenha a concordância
daqueles. Qualquer movimento desta categoria de funcionários exige sempre a
intervenção da DGAJ e só pode ocorrer dentro dos apertados limites da lei88.
88 De acordo com o artigo 15.º, do Estatuto dos Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de
148 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
(…) a colocação dos escrivães nos juìzos, não podendo serem movimentados segundo eventuais apetências ou dificuldades, também não me parece bem. O magistrado do MP coordenador, por exemplo, pode movimentar os magistrados, mas não pode movimentar os técnicos de justiça principal. (Ent. 3J)
Considerando, como já foi explicado, que os funcionários judiciais foram
providos não para o tribunal de comarca, globalmente considerado, mas para
as distintas secretarias dos juízos, coloca-se, à partida, um limite à
possibilidade de distribuição dos funcionários e à sua mobilidade para uma
secretaria distinta da secretaria onde foi originalmente colocado. Isto porque o
artigo 58º do Estatuto dos Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de
Agosto), assentado no conceito de tribunal de comarca da lei anterior,
determina que os funcionários de justiça só podem ser transferidos para fora da
comarca do lugar de origem a seu pedido, por motivo disciplinar, por extinção
do lugar ou por colocação em situação de disponibilidade. Com a interpretação
no sentido de que a conversão desta realidade se deu, com a nova lei, para as
secretarias judiciais, o exercício da competência de distribuição dos escrivães
adjuntos e auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está
significativamente delimitado pela não definição legal daquele tribunal enquanto
unidade administrativa.
O tribunal x tem duzentos processos, ou duzentos e poucos processos e sete funcionários no quadro, e, ao lado, outro tribunal de execução, que é um juízo voluptuosíssimo em termos de interesse e de relevância social e tem vinte mil processos e tem os mesmos sete funcionários. Estão quatro funcionários praticamente de férias e não consigo tirar ninguém. (Ent. P6)
A questão da mobilidade geográfica dos funcionários é uma questão
sobre a qual é necessário reflectir e que exige alguma intervenção. Contudo,
Agosto), os oficiais de justiça podem permutar para lugares da mesma categoria ou de categoria para a qual possam transitar, desde que se encontrem a mais de três anos do limite mínimo de idade para aposentação. Esta faculdade só pode ser de novo utilizada decorridos, pelo menos, dois anos sobre a data de aceitação do lugar. A transferência pode ser requerida pelos oficiais de justiça, decorridos dois anos sobre o início das funções, posse ou aceitação do lugar (artigo 13.º).
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 149
dever-se-á ter em conta alguns contornos especiais, sobretudo quando
confrontada com direitos adquiridos e expectativas legítimas dos funcionários
que aquando do ingresso na carreira não era exigível a previsão de mudanças
estruturais na organização judiciária e nas regras de deslocação de pessoal
que os obrigassem a percorrer grandes distâncias, daí que uma solução
avançada seja a flexibilização das regras de mobilidade dos funcionários
respeitando limites que lhes garantam alguns direitos89.
Também as competências previstas para o juiz presidente no âmbito da
fixação de objectivos e da avaliação do desempenho funcional do tribunal e da
qualidade do serviço prestado aos cidadãos estão sujeitas a uma certa
limitação, uma vez que não são acompanhadas de competências efectivas no
que respeita à avaliação e à acção disciplinar sobre os funcionários da justiça.
Como demonstra o organograma, as competências de acção disciplinar e de
avaliação do juiz presidente são apenas complementares relativamente à
actuação do COJ90 (elaboração de parecer para classificação dos oficiais de
justiça, exercício de acção disciplinar relativamente à pena de gravidade
inferior a multa).
Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de um
89 No que diz respeito à mobilidade geográfica, o artigo 315.º, do Código do Trabalho, prevê o
seguinte: 1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador; 2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço; 3 - Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores; 4 - No caso previsto no n.º 2, o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º; 5 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência. No âmbito da mobilidade geográfica do trabalhador, a existência ou não de “prejuìzo sério” pela sua transferência (temporária ou definitiva) já se encontrava presente na LCT e, actualmente, no artigo 315.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Contudo, tal conceito não é definido pelo legislador, embora seja clarificado no Acórdão do STJ, de 23.11.1994 (amplamente seguido pela jurisprudência laboral), no qual este tribunal entendeu não ser prejuízo sério, a deslocação do trabalhador implicar para o mesmo um acréscimo de duas horas de viagem por dia.
90 Vale a pena destacar que a competência de acção disciplinar do COJ não é exclusiva, de
acordo com acórdão do Tribunal Constitucional.
150 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
modelo que reforce a estrutura de gestão local do tribunal de comarca com a
especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas
responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação dos
resultados e fixação de objectivos do tribunal.
Tanto em termos de avaliação como em termos de mobilidade dos
funcionários, uma crítica recorrente à nova LOFTJ relaciona-se com o facto de
esta não ter sido acompanhada por uma reforma do Estatuto dos Oficiais de
Justiça.
Discutir, neste momento, o Estatuto dos Funcionários de Justiça é a última parte que a reforma deixou incompleta e é absolutamente fundamental. (Ent. P8)
Outra questão que se coloca no âmbito da gestão de recursos humanos
diz respeito ao vínculo funcional dos restantes funcionários, não integrados nas
carreiras judiciais, em especial dos técnicos de informática, dada a sua
centralidade no actual quadro informatizado de exercício de tarefas nos
tribunais. O técnico de informática a actuar na comarca está na dependência
funcional e hierárquica da DGAJ, o que pode trazer dificuldades em termos de
planeamento e definição de prioridades do trabalho a ser desenvolvido por
aquele técnico nas diferentes secretarias, bem como a sua requisição em
casos urgentes. Daí que alguns dos entrevistados tenham defendido a
necessidade de vinculação funcional dos técnicos de informática ao tribunal de
comarca, dependentes, hierárquica e funcionalmente, do juiz presidente.
Há x funcionários que estão cá em permanência, mas esses funcionários não dependem em nada da orgânica da comarca, ou seja, da respectiva hierarquia, eles não podem receber ordens quanto às suas tarefas, independentemente do que nós aqui achamos que é essencial fazer. Se, por exemplo, nós tivermos os funcionários e todos os juízes sem acesso ao sistema e a precisarem da configuração dos seus computadores e, se alguém, a nível central, resolvesse dizer, que eles iam para outro sítio fazer outra coisa, nós ficávamos aqui descalços sem se poder trabalhar. (Ent. 3J)
Em concreto, por exemplo, quanto aos técnicos de informática, (...) o juiz presidente não tem qualquer poder funcional sobre estes funcionários. O poder funcional relativamente mantém-se na DGAJ. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que com as aplicações informáticas que existem no tribunal, com a sua complexidade, quer a nível das secções de processos, quer a nível dos magistrados judiciais e do MP, com sistemas de gravação áudio e quem sabe um dia, vídeo, das audiências de julgamento,
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 151
tudo isto implica um trabalho de manutenção e de permanência nos vários tribunais, que é incompatível com o que se está a verificar na prática. Eu posso telefonar ao Sr. Informático e dizer “é necessária qualquer coisa ao nìvel da aplicação informática. Com muita urgência vá hoje ou amanhã”. E o Sr. pode-me dizer ”sim, eu vou ou eu não vou”. Pode acontecer dizer “eu não vou”, e eu nada posso fazer. Este é um cenário possível. (Ent. P9)
5.5.2 Gestão financeira
O IGFIJ exerce um papel destacado de gestão financeira dos órgãos e
serviços do sistema de justiça. Especificamente no que diz respeito aos
tribunais judiciais, esta responsabilidade é assumida em coordenação com a
DGAJ que, ao nível dos tribunais, conta com a coadjuvação do juiz presidente,
administrador judiciário e secretário de justiça, no que diz respeito ao projecto
de orçamento e sua execução. O Organograma 9 mostra a divisão de
competências no âmbito da gestão financeira.
Organograma 9 – Divisão de competências na gestão financeira
Controlar os recebimentos relativos a
receitas das diversas fontes de
financiamento
Arrecadar e administrar as receitas relativas
a custas dos processos judiciais e efectuar os
pagamentos inerentes a estas que lhe
estejam atribuídos
Preparar os planos de tesouraria e
informação sobre as posições e movimentos
de tesouraria, identificando e programando
excedentes de tesouraria
Assegurar a gestão das contas bancárias
Assegurar a constituição, reconstituição e
liquidação dos fundos de maneio autorizados
Assegurar a rentabilização de excedentes de
tesouraria, nomeadamente mediante recurso
a instrumentos financeiros disponíveis no
mercado
Assegurar o controlo financeiro da utilização
das verbas afectas aos serviços e organismos
do Ministério da Justiça
Estudar e propor formas de financiamento
adequadas às necessidades de
funcionamento e desenvolvimento do
sistema de justiça
Elaborar estudos sobre a sustentabilidade
financeira do sistema de justiça
Definir os princípios de aplicação geral a que
devem obedecer os registos contabilísticos e
aplicá-los
Coordenar a elaboração dos planos de
investimento dos serviços e organismos do
Ministério da Justiça
Coordenar, dar parecer e
acompanhar a elaboração de
projectos de investimento,
em matéria de informática e
comunicações, dos órgaos,
serviços e organismos do
Ministério da Justiça
Coordenar a elaboração dos projectos de
orçamento, formular propostas para as
dotações globais a atribuir
Coordenar a elaboração e proceder à
avaliação da gestão orçamental, financeira e
contabilística dos tribunais sem autonomia
administrativa
Elaborar o projecto de orçamento,
ouvido o magistrado do Ministério
Público coordenador
Coadjuvação das competências do
presidente
Elaborar e gerir o orçamento de
delegação da secretaria
Propor as alterações orçamentais
que julgar adequadas
Coadjuvação das competências do
presidente
Requisitar e transferir os fundos
provenientes da dotação do Orçamento de
Estado afecta aos serviços e organismos do
Ministério da Justiça
Acompanhar a execução orçamental
relativamente ao funcionamento dos
serviços e organismos do Ministério da
Justiça
Coordenar a execução da gestão orçamental,
financeira e contabilística dos tribunais sem
autonomia administrativa
Acompanhar a execução orçamental
relativamente aos programas de
investimento dos serviços e organismos do
Ministério da Justiça
Controlar a execução de
projectos de investimento,
em matéria de informática e
comunicações, dos órgaos,
serviços e organismos do
Ministério da Justiça
A competência para adjudicar e
autorizar a realização de despesas
com aquisição de bens e serviços,
incluindo as despesas com
instalações afectas aos serviços dos
respectivos tribunais, até ao
montante máximo de € 24.939,89
Possibilidade de subdelegação da
competência do administrador até
ao montante máximo de € 4987
A competência para autorizar a
realização das despesas emergentes
da renovação ou revisão de preços
(cumpridos os respectivos termos
contratuais) de contratos de
prestação de serviços de limpeza até
ao montante máximo de €
99.759,57
Possibilidade de subdelegação da
competência do administrador até
ao montante máximo de €49 879,79
A competência para adjudicar e
autorizar a realização de despesas
com aquisição de bens e serviços, ao
abrigo de contratos públicos de
aprovisionamento celebrados pela
Agência Nacional de Compras
Públicas ou no âmbito de
procedimentos conduzidos pela
Unidade de Comprasdo Ministério
da Justiça, até ao montante máximo
de € 49.879,79
Possibilidade de subdelegação da
competência do administrador
A competência para celebrar
contratos «emprego inserção» e
«emprego inserção+» ou no âmbito
de programas ocupacionais e ou de
tempos livres, ao abrigo da Portaria
n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, do
Ministro do Trabalho e da
Solidariedade Social, das Portarias
n.º 119/2007, e n.º 82/2003, da
Secretaria Regional dos Recursos
Humanos da RAM e do Decreto
Regulamentar Regional n.º 9/2008/A
Possibilidade de subdelegação da
competência do administrador no
domínio dos projectos de
tratamento e salvaguarda do
património arquivístico dos tribunais
Realização de despesas que extravasam o
âmbito da competência de execução
orçamental delegada nos secretários de
justiça, incluindo: Mobiliário; Estantes;
sistemas AVAC (ar condicionado); Centrais
telefónicas, suas ampliações e faxes
Realização de despesas que extravasam o
âmbito da competência de execução
orçamental delegada nos secretários de
justiça, incluindo: Equipamento informático;
Aparelhos áudio e de videoconferência;
Fotocopiadoras; Cofres e armários de
segurança; Equipamento médico-legal;
Sistemas integrados de segurança passiva;
Selos brancos; Serviços de segurança
Definir normas e
procedimentos relativos à
aquisição de equipamento
informático
Celebração de contratos de prestação de
serviços de limpeza, sempre que excedam a
mera contratação de particulares; Celebração
de contratos de pessoal, salvo os contratos
no âmbito de programas ocupacionais e ou
de tempos livres no domínio dos projectos
de tratamento e salvaguarda do património
arquivístico dos tribunais
Celebração, em geral, de contratos de
prestação de serviços com particulares de
duração superior a três semanas
Celebração de contratos de prestação de
serviços de manutenção dos edifícios, de
centrais telefónicas, de assistência técnica de
sistemas integrados de segurança passiva, de
elevadores, de fotocopiadoras, de
equipamentos informáticos, de faxes e de
aparelhos áudio e de videoconferência
Organizar e lançar os procedimentos de
contratação pública para execução dos
projectos de concepção, construção,
adaptação, ampliação, remodelação,
conservação de imóveis afectos aos serviços
da justiça, assegurando a sua gestão e
fiscalização
Proceder a aquisições, arrendamentos e
alienação dos bens imóveis
Prestar apoio na preparação dos
instrumentos e procedimentos de
contratação externa de serviços na
área do património imobiliário e acompanhar
a execução dos contratos
Processar as remunerações dos funcionários
de justiça
O orçamento do Conselho Superior da
Magistratura destina -se a suportar as
despesas com com os magistrados
judiciais afectos aos tribunais judiciais
de 1.ª instância e com os magistrados
judiciais afectos como auxiliares aos
tribunais da Relação
Processar as remunerações dos magistrados
que exercem funções nos tribunais sem
autonomia assegurando o pagamento aos
magistrados dos encargos relativos a
acumulação de funções, subsídio de
compensação (renda de casa), colectivos
(ajudas de custo, transportes e deslocações),
subsídio de fixação (Açores e Madeira) e
regime de substituição (licenciados em
direito, em substituição de magistrados do
Ministério Público)
IGFIJ DGAJ ITIJ Juiz presidenteSecretário de
justiçaAdministrador
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Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 155
O trabalho de campo identifica uma certa sobreposição de competências
entre DGAJ, juiz presidente, administrador e secretário de justiça. Esta tensão
relaciona-se, uma vez mais, com a indefinição da unidade administrativa do
tribunal.
Neste ponto, o principal problema é a articulação entre a competência
administrativa do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto
do orçamento e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa
competência nos administradores judiciais e a articulação das tarefas relativas
ao orçamento entre o administrador judiciário e os secretários de justiça.
Mantém-se a lógica de as secretarias dos juízos funcionarem como
unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz respeito ao
orçamento. Neste caso, as actividades relativas ao orçamento ficam
localizadas na figura do secretário de justiça, isto é, o secretário mantém,
apesar do novo quadro legal, a competência de gerir e elaborar o orçamento de
delegação da secretaria.
(…) comecei a questionar qual a utilidade do administrador quando ele não gere o orçamento do tribunal mas, cada um dos secretários manteve o seu orçamento. E estava longe de imaginar que o orçamento pode ser entendido não como orçamento do tribunal, mas da Direcção-Geral e, sendo da Direcção-Geral há uma dotação afecta ao tribunal, dotação essa em que o relacionamento é entre a Direcção-Geral e cada um dos secretários, ficando o juiz presidente e o administrador à margem disto tudo. (Ent. P11)
Esta realidade dificulta a gestão centralizada do orçamento por parte do
presidente e do administrador do tribunal. A falta de uma visão global do
orçamento do tribunal de comarca impede ainda a projecção da execução
orçamental e o controlo centralizado dos gastos.
Como os srs. secretários de justiça de cada secretaria de juízo detêm competências delegadas de elaboração e execução do orçamento das secretaria, nós elaboramos o projecto, quer seja um projecto único, quer seja um projecto de cada uma das secretarias, a questão é com que meios podemos controlar a execução desse orçamento, ainda que a competência esteja delegada nos Srs. administradores. Como é que controlamos a execução desse orçamento? Que contas é que prestamos para o seu apuramento? Mais que não seja podiam dizer “não tem que prestar contas nenhumas”. No projecto de orçamento, como é que eu vou justificar porque aumento as verbas, porque é que diminuo as verbas? (Ent. P9)
156 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Quanto ao orçamento, a questão é tão simples como esta: deve ou não em cada secretaria haver um secretário a fazer o mesmo trabalho, ou se este serviço deve estar centralizado na presidência. (…) em vez de ter secretários a fazer as compras, deveria haver um funcionário que não precisa de ter nenhuma qualificação, precisa apenas de ter a indicação das necessidades e fazer um registo delas. (Ent. P11)
Outro problema é a falta de autonomia do tribunal de comarca na gestão
do saldo do orçamento das diferentes secretarias.
Numa situação de unidade administrativa tendo como referência da unidade o tribunal, tem-se um único orçamento e cada um dos secretários poderia fazer o registo das suas despesas. Dentro das secretarias caberia ao juiz presidente, em função das necessidades, afectar ou transferir verbas para outra secretaria, sem necessidade de intervenção da Direcção-Geral. Hoje, pode haver excesso numa secretaria e défice noutra, e não há competência de quem dirige o tribunal para fazer esta transição sem a intervenção dos serviços centrais. É o secretário que se dirige à Direcção-Geral a pedir, e a Direcção-Geral vai buscá-lo onde quer e se quiser. Apesar de esta competência ter sido atribuída ao juiz presidente, subdelegada no administrador, continua a haver o relacionamento entre a Direcção-Geral e cada um dos secretários sem que o juiz presidente e o administrador possa impedir seja o que for. E esta foi a lógica seguida relativamente a todo o resto, ou seja, o pessoal manteve-se na mesma. Se o pessoal fosse colocado no tribunal, e olhando para a norma que está na lei orgânica dava a entender que assim seria, era suposto que os funcionários passassem a concorrer para o tribunal de comarca. (Ent.P11)
5.5.3 Gestão do património e das infra-estruturas
As competências centrais de gestão das infra-estruturas, património e
equipamentos informáticos concentradas no IGFIJ, DGAJ e ITIJ concretizam-se
em competências complementares de manutenção, conservação,
racionalização atribuídas ao administrador do tribunal e ao secretário de justiça.
No organograma 10 encontra-se representada a divisão de
competências no que respeita à gestão do património e às infra-estruturas.
Organograma 10 – Divisão das competências na gestão do património e das infra-estruturas
Providenciar, em colaboração com
os serviços competentes do
Ministério da Justiça, a correcta
utilização, manutenção e
conservação das instalações e dos
bens
Providenciar pela conservação das
instalações do tribunal
Administrar e estabelecer critérios
de gestão do património
Assegurara a gestão dos meios
afectos à execução da política
informática da área da justiça
Gerir a utilização dos espaços do
tribunal, designadamente os
espaços de utilização comum
incluindo as salas de audiência
Definir tipologias de instalações e
dos equipamentos a utilizar
Definir normas e procedimentos
relativos à utilização de
equipamento informático
Providenciar, em colaboração com
os serviços competentes do
Ministério da Justiça a correcta
utilização, manutenção e
conservação dos equipamentos
Providenciar pela conservação dos
equipamentos do tribunal
Elaborar normas relativas à gestão e
utilização dos espaços e segurança
de instalações
Assegurar a existência de condições
de acessibilidade aos serviços do
tribunal e manutenção da qualidade
e segurança dos espaços existentes
Planear a necessidade no domínio
das instalações dos serviços da
justiça
Programar as necessidades
de instalações dos tribunais
Elaborar propostas com vista a
racionalizar, projectar e modernizar
as instalações dos serviços da
justiça e propor soluções de
investimento adequadas
Participar na concepção e execução
das medidas de organização e
modernização dos tribunais
Coadjuvação das competências do
presidente
Realizar ou promover os estudos e
projectos de concepção e
construção de imóveis destinados à
instalação de tribunais
Realizar os projectos de obras de
adaptação, ampliação, remodelação
e conservação de imóveis, afectos
aos serviços da justiça
Acompanhar a elaboração de
projectos desenvolvidos por
entidades externas e empreitadas
necessárias, apreciando-os e
determinando as necessárias
adaptações
Proceder à atribuição de instalações
aos diversos órgãos, serviços e
organismos do Ministério da Justiça
Assegurar a inventariação dos bens
imóveis a manter actualizado o
respectivo cadastro, organizando
um sistema de monitorização e um
arquivo de exploração e
manutenção das intervenções
imobiliárias
Elaborar normas relativas a
materiais e técnicas de construção,
caracterização de terrenos e
edifícios
Promover avaliações do património
imobiliário
Gerir, em articulação com o
competente organismo do Estado, a
frota automóvel dos serviços e
organismos do Ministério da Justiça
sem autonomia financeira
Regular a utilização de parques ou
lugares privativos de
estacionamento de veículos
Planear a execução de obras de construção, remodelação ou
conservação dos tribunais
Assegurar a manutenção dos equipamentos dos tribunais
IGFIJ DGAJ ITIJ Administrador
Inst
alaç
ões
e e
qu
ipam
ento
sP
roje
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uto
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vel
e e
stac
ion
ame
nto
Juiz presidenteSecretário de
justiça
Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 159
A gestão do património mostra uma forte centralização no IGFIJ no que
se refere a projectos de construção, adaptação, ampliação, remodelação e
conservação de imóveis e gestão do património imobiliário.
No que respeita aos tribunais, a competência de manutenção das infra-
estruturas e de planeamento das necessidades de recursos materiais e de
instalações é feita em articulação com a DGAJ, enquanto em articulação com o
ITIJ se opera a gestão dos meios afectos à política informática e gestão do
equipamento informático.
Ao nível local, as competências do administrador do tribunal e secretário
de justiça são complementares, cingindo-se, sobretudo, à conservação,
manutenção, segurança e racionalização da utilização dos espaços e
equipamentos. O juiz presidente tem, ainda, a prerrogativa de participar na
concepção e execução das medidas de organização e modernização dos
tribunais.
Neste âmbito, o que está em causa é a articulação entre as decisões
locais relativas às necessidades de equipamentos e de instalações e as
decisões centrais de planeamento das necessidades e gestão das infra-
estruturas dos serviços da justiça como um todo. Se é certo que a estrutura
local de gestão, centrada na figura do juiz presidente, tem competências gerais
relativamente ao planeamento das actividades do tribunal e às necessidades
de orçamento, o alcance destas iniciativas pode ser limitado pela reserva de
competências da DGAJ relativamente à aquisição de equipamentos e outros
bens.
Há equipamentos que são adquiridos pelos serviços centrais, como é o caso das impressoras, que não estão no orçamento dos tribunais. A questão é, se devem ser os serviços centrais a tomar a decisão da instalação ou se deve ser localmente. E, por isso, é que se deve conjugar o plano de actividades/orçamento do tribunal com o plano dos serviços centrais. A Direcção-Geral tem que fazer anualmente o seu plano, e tem recursos, portanto há que ter uma previsão do número de impressoras que vai adquirir de acordo com as necessidades previstas pelo tribunal. (P11)
O facto de se manterem na DGAJ competências privativas para a
aquisição de determinados bens (mobiliário, centrais telefónicas, equipamentos
160 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
informáticos, etc.) coloca em causa a autonomia do juiz presidente para decidir
sobre o melhor critério para a definição de aquisição de equipamentos de
acordo com o plano de actividades.
Acresce que o facto de a unidade administrativa de referência para a
aquisição e afectação dos bens continuar a ser a secretaria dos juízos pode
condicionar fortemente a decisão quanto a uma distribuição
(colocação/deslocação) com critérios locais de racionalização e eficiência,
utilização e melhor aproveitamento dos equipamentos, considerando todas as
unidades que compõem o tribunal de comarca.
O digitalizador que está na secretaria dos juìzos X…, está porque o sr. procurador e eu nos pusemos de acordo, porque eu não tinha competência para o mandar lá pôr. Mandei porque havia três em outra secretaria dos juízos (Ent.P7).
O trabalho de campo evidenciou ainda que os procedimentos de
manutenção dos equipamentos variam de comarca para comarca. Foi, ainda,
apontada a necessidade de uniformização para todos os tribunais das
tipologias de instalações, equipamentos a utilizar e layout das unidades
orgânicas.
A aquisição de equipamento informático está definido que é a nível central. A uniformização a nível nacional é importante. É bom que o equipamento seja todo igual a nível nacional até porque há transferências de pessoas, e era bom que houvesse uma normalização dos instrumentos que se utilizam. Agora, a colocação dentro do tribunal de comarca (…) (Ent. P17).
Uma vez que algumas pessoas da Direcção-Geral têm a responsabilidade na disposição dos equipamentos deveria ter-se atenção a essa parte, uniformizar, também, o layout das secretarias judiciais. (Ent. 19F)
5.5.4 Gestão da informação
Para além da actuação destacada da DGAJ na concepção e execução
dos programas informáticos, que estão na base do movimento de
desmaterialização dos processos nos tribunais, o órgão central que protagoniza
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 161
a gestão dos sistemas de informação é o ITIJ.
O organograma 11 ilustra a divisão de competências relativamente à
gestão da informação.
Organograma 11 – Divisão de competências na gestão da informação
Assegurar a permanente e completa
adequação dos sistemas de
informação às necessidades de
gestão e operacionalidade dos
órgãos, serviços e organismos
integrados na área da justiça, em
articulação com estes
Gerir a rede de comunicações da
justiça, garantindo a sua segurança
e operacionalidade e promovendo a
unificação de métodos e processos
Promover a elaboração e
articulação do plano estratégico dos
sistemas de informação na área da
justiça, tendo em atenção a
evolução tecnológica e as
necessidades globais de formação
Construir e manter bases de dados
de informação na área da justiça
designadamente as de acesso geral
Desenvolvimento e instalação das
aplicações informáticas relativas a
tramitação processual (H@bilus),
custas judiciais, sistema nacional de
injunções, disponibilização de
peças processuais (Citius), suporte
à gestão dos tribunais
Gestão dos dados referentes aos
processos nos tribunais judiciais, às
medidas de coacção privativas da liberdade
e à detenção, à conexão processual no
processo penal relativamente a processos
que se encontrem simultaneamente na
fase de instrução ou julgamento, às ordens
de detenção
Gestão dos dados referentes aos
processos nos tribunais administrativos e
fiscais
Gestão dos dados referentes aos inquéritos em
processo penal, aos demais processos,
procedimentos e expedientes da competência do
MP, à suspensão provisória do processo penal e
ao arquivamento em caso de dispensa de pena, à
conexão processual no processo penal nos
processos que se encontrem simultaneamente na
fase de inquérito, e às ordens de detenção
quando o mandado não emanar do juiz
Gestão de dados referentes
aos processos nos julgados
de paz
Gestão de dados
referentes aos processos
nos sistemas públicos de
mediação
Assegurar o exercício coordenado das
competências dos responsáveis pela
gestão dos dados
Promover e acompanhar as auditorias de
segurança ao sistema
Definir orientações e recomendações em
matéria de requisitos de segurança do
sistema, tendo designadamente em conta
as prioridades em matéria de
desenvolvimento aplicacional, as
possibilidades de implementação técnica e
os meios financeiros disponíveis
Criar e manter um registo actualizado dos
técnicos que executam as operações
materiais de tratamento e administração
dos dados
Comunicar imediatamente às entidades
competentes para a instauração do
competente processo penal ou disciplinar,
a violação das regras de tratamento de
dados do sistema judicial
Organizar os mapas estatísticos
sempre que o quadro de pessoal da
secretaria não preveja lugar de
escrivão de direito afecto à secção
central
Organizar os mapas estatísticos
Assegurar a recolha, utilização, tratamento
e análise da informação estatística da
justiça e promover a difusão dos
respectivos resultados, no quadro do
sistema estatístico nacional
Desenvolver, em articulação com a
Direcção de Serviços de Estatísticas da
Justiça e Informática, um sistema de
indicadores de actividade e de
desempenho para apoio à definição, ao
acompanhamento e à avaliação
das políticas e planos estratégicos da área
da justiça
Desenvolver, em articulação com a
Direcção de Serviços de Estatísticas da
Justiça e Informática, modelos modelos de
previsão e outras metodologias adequadas
à elaboração
de cenários que permitam a definição de
políticas e planos estratégicos na área da
justiça
Acesso a dados informatizados
do sistema judicial, incluindo
elementos relativos à duração
dos processos e à produtividade
Adoptar ou propor às
entidadades competentes
medidas de desburocratização,
simplificação de procedimentos e
utilização das tecnologias de
informação
Recolha, tratamento e difusão dos elementos de informação, nomeadamente de
natureza estatística, relativos aos tribunais
Desenvolvimento das aplicações informáticas necessárias à tramitação
dos processos e à gestão do sistema jurisdicional, incluindo a necessária
análise, implementação e suporte
ITIJ DGAJ DGPJ Juiz presidenteEscrivão de direito
Secção centralSecretário de
justiça
Sist
emas
de in
form
ação
Elem
ento
sest
atís
ticos
e u
tiliz
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das
tecn
olog
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de in
form
ação
CSM CSTAF PGR CAJP GRALCCGDSJ
Fonte: OPJ
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à gestão dos tribunais 165
Como demonstra o organograma, ao nível local, a intervenção do juiz
presidente está prevista, enquanto prerrogativa de acesso a elementos que
permitam o exercício da sua competência de acompanhamento do
desempenho funcional do tribunal, o que inclui, por exemplo, dados relativos à
duração de processos e à produtividade das unidades orgânicas.
Tendo em vista o alcance das competências do juiz presidente ao nível
da gestão dos recursos e da gestão processual, bem como o papel que
desempenha na avaliação da qualidade dos serviços prestados, coloca-se a
questão de saber se não deve ser clarificado esse acesso no sentido de
garantir, não só o efectivo acesso a indicadores que permitam uma visão global
da produtividade dos diferentes juízos, mas, ainda, a sua ampliação permitindo
que o juiz presidente aceda às informações constantes dos processos. Aliás, a
evolução para a densificação do papel do juiz presidente na avaliação dos
funcionários não poderá fazer-se sem esse alargamento.
Admitindo que a desmaterialização vai continuar, o juiz presidente não pode deixar de ter acesso a todos os processos. Porque é lá que ele vê o que é que os funcionários fazem. (Ent. P17)
Dado o papel de coadjuvação das competências do juiz presidente
exercido pelo administrador judiciário, indaga-se, ainda, a importância de se
definirem prerrogativas de acesso, por parte desta figura, a elementos
estatísticos que apoiem as tarefas de gestão do tribunal que exerce.
Ainda com os mesmos objectivos, uma outra lacuna/necessidade
identificada prende-se com a transposição, para o nível local, da gestão dos
utilizadores do sistema de informação no tribunal, permitindo, por exemplo, a
criação/alteração de perfis para os diferentes utilizadores, de forma a garantir
uma gestão mais expedita da utilização do sistema, de acordo com as
características e necessidades do tribunal.
Relativamente à definição dos acessos, eu acho que têm que ser definidos ao nível da NUT por uma razão muito simples. Se a gestão do pessoal é da competência do juiz presidente, o pessoal que tem competência para fazer os acessos ou para aceder ao sistema tem que estar na dependência funcional do juiz presidente. Isto, não tem nada de técnico. Deve ser definida, não sei se o administrador se o secretário, a pessoa que
166 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
deve ter a possibilidade de, logo que a afectação das pessoas é feita, de determinar quem é que acede à informação. Muitas das questões que têm sido levantadas em termos de segurança têm muito a ver com isto. Pergunto, se os funcionários que têm, por competência, fazer os acessos dos magistrados e dos funcionários não deveriam estar na dependência do tribunal, eu diria que ficando na dependência funcional do juiz presidente estaria tudo resolvido. (Ent. P17)
Se a divisão de competências no que diz respeito à gestão da
informação não indicia conflitos de sobreposição, evidencia, contudo, a
importância de se promover uma melhor definição e integração entre as
necessidades dos tribunais, nomeadamente formação e acesso a elementos de
informação úteis para a gestão do tribunal, e as decisões estratégicas dos
órgãos centrais de planeamento das actividades formativas e adequação dos
sistemas.
168 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
6 DESAFIOS À GESTÃO LOCAL: ORGANIZAÇÃO INTERNA E MÉTODOS DE TRABALHO
O presente ponto resulta, conforme referido anteriormente, de uma
estratégia de investigação que permitiu recolher informação de acordo com
uma perspectiva analítica bottom up, dando particular ênfase ao impacto das
alterações introduzidas pelo novo modelo de gestão dos tribunais nas rotinas e
tarefas dos diferentes agentes judiciais, sobretudo, nas secções de processos.
Interessou-nos, em especial, verificar se, e de que modo, as virtualidades do
novo modelo de gestão a nível local se traduziram em mudanças significativas
nas rotinas e métodos de trabalho adoptados nos tribunais.
A nossa hipótese de trabalho é a seguinte: é expectável que a previsão
de uma estrutura de gestão própria do tribunal de comarca com competências
específicas no que diz respeito à gestão processual e dos métodos de trabalho
se concretize em mudanças internas nas rotinas consolidadas e no
desempenho funcional das tarefas pelas unidades orgânicas do tribunal.
Interessa-nos, assim, analisar a um nível micro (secção de processos) de que
modo a reforma trouxe novas dinâmicas internas de desempenho funcional e
quais as potencialidades e os desafios que se colocam à gestão local no que
se refere à organização e aos métodos de trabalho.
Como já referimos, o reduzido tempo de vigência do período
experimental da nova lei de organização e funcionamento dos tribunais não
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 169
permite, para já, que se avance na análise de impactos na produtividade das
secções e no tempo dos processos.
6.1 O impacto do modelo de gestão da nova LOFTJ nas rotinas e métodos de trabalho dos tribunais
A nova lei atribui importantes competências de gestão processual e de
acompanhamento do desempenho funcional ao juiz presidente. Trata-se de
competências concentradas ao nível local, anteriormente dispersas entre o
magistrado titular do processo, o escrivão de direito e o secretário de justiça.
Com a nova lei assumem, ainda, competências nesta matéria o magistrado
coordenador. O seu bom exercício depende de uma articulação eficiente entre
o juiz presidente, o magistrado coordenador, o secretário de justiça, o escrivão
de direito e magistrado titular do processo.
O organograma 12 mostra a dinâmica de competências, considerando
as várias figuras locais de gestão.
Organograma 12 – Divisão de competências na implementação dos métodos de trabalho
Acompanhar a realização dos
objectivos fixados para os serviços
do tribunal por parte dos
funcionários
Coadjuvação das competências do
presidente
Promover a realização de reuniões
de planeamento e de avaliação dos
resultados do tribunal, com a
participação dos juízes e
funcionários
Adoptar ou propor às entidades
competentes medidas,
nomeadamente, de
desburocratização, simplificação de
procedimentos, utilização das
tecnologias de informação e
transparência do sistema de justiça
Implementar métodos de trabalho e
objectivos mensuráveis para cada
unidade orgânica, sem prejuízo das
competências e atribuições nessa
matéria por parte do Conselho
Superior da Magistratura,
designadamente na fixação dos
indicadores do volume processual
adequado
Coadjuvação das competências do
presidente
Promover a aplicação de medidas
de simplificação e agilização
processuais
Desempenhar as funções de
escrivão de direito sempre que o
quadro de pessoal da secretaria não
preveja o lugar
Orientar, coordenar, supervisionar e
executar as actividades
desenvolvidas na secção
Titular da actividade jurisdicional
do processo
Juiz presidente Escrivão de direitoSecretário de
justiça
Fixa
ção
de
ob
ject
ivo
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ord
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açã
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su
pe
rvis
ão
Magistradocoordenador
Juiz
Fonte: OPJ
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 173
Concentramo-nos aqui nos possíveis impactos do novo enquadramento
legal, nos métodos de trabalho das secções de processo, compreendidos
enquanto competências de gestão processual. A gestão processual é, assim,
entendida em sentido amplo, isto é, incluindo todas as rotinas e métodos de
trabalho desenvolvidos tendo em vista a tramitação do processo.
Por um lado, o legislador fez uma opção acertada em concentrar as
atribuições de gestão processual e de métodos de trabalho a nível do tribunal
de comarca na articulação entre o juiz presidente/magistrados coordenadores e
juízes titulares, em coordenação com as secções. Por outro lado, deve
considerar-se que a concretização de objectivos de eficiência e racionalização
dos métodos de trabalho na gestão processual talvez seja um dos mais difíceis
desafios a enfrentar.
Uma parte significativa da gestão da tramitação processual está
dependente da organização das leis processuais. Neste sentido, enquanto no
caso de alguns processos (como, por exemplo, os processos de insolvência)
estão previstos um encadeamento de actos e prazos que podem facilitar a
previsão do seu fim e, consequentemente, a sua gestão, em muitas outras
situações, as leis processuais dificultam essa possibilidade e uma diversidade
de circunstâncias podem desencadear diferentes prazos e dificultar uma gestão
processual uniforme dos processos adstritos a uma secção91.
Dada a imprevisibilidade do curso da tramitação processual em cada
caso, alguns autores têm defendido a necessidade de adopção de uma visão
gestionária do processo, o que implica menos o recurso a mudanças nas leis
processuais e mais a utilização de uma adequada monitorização do
desempenho funcional dos tribunais e intervenientes do processo (Fix-Fierro,
2003 e OPJ, 2008). Neste, contexto o papel do juiz sofre uma significativa
alteração passando de um terceiro imparcial e distante a um interveniente
activo na resolução do litígio. São medidas que podem integrar a gestão do
91 Cf., em anexo, Ent. S6.
174 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
caso concreto: selecção adequada da calendarização e do sistema de
marcação de diligências, adopção de medidas que encorajem a resolução do
litígio por acordo, introdução de recursos informáticos adequados, recurso a
funcionários com formação especializada para o tratamento de certas
questões, utilização de mecanismos processuais como audiências preliminares
e formas sumárias do processo92.
As competências de gestão processual previstas na lei encerram uma
grande potencialidade, permitindo às figuras de gestão ao nível local, por um
lado, questionar a adequação e a pertinência da organização da secção e dos
métodos de trabalho adoptados e, por outro, propor alternativas de
reorganização e fixar objectivos e metas a cumprir. Como se viu no ponto 4
este foi um caminho que em Espanha começou a ser percorrido, sem certezas
quanto à sua eficácia futura, mas com a certeza de que o desajustamento do
modelo em vigor obrigava ao processo de mudança.
O carácter experimental da reforma pode potenciar as competências de
gestão processual, permitindo propor e testar alternativas à adequação da
organização da secção e dos métodos de trabalho. A previsão da intervenção
do juiz presidente do tribunal de comarca garante uma visão global crítica e
permite ensaiar novas formas de articulação e agregação entre as diferentes
unidades orgânicas. Esta entidade coordenadora garante, ainda, a
possibilidade de realização de reuniões de planeamento e de avaliação da
actividade envolvendo um número alargado dos agentes judiciais, o que
potencia a criação de uma cultura organizacional de mudança.
Naturalmente que a experimentação de novos métodos de trabalho e
novas formas de organização, dinamizadas pelo juiz presidente, está sujeita
aos limites fixados por lei. Por exemplo, no actual enquadramento normativo,
as propostas de alteração do juiz presidente, neste âmbito, têm que atender à
estrutura organizacional já prevista, com limitadas possibilidades de
92 Sobre este tema, cf. OPJ (2002, 2008).
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 175
alteração93. O actual quadro jurídico não permite, por exemplo, a criação de
novas secções de processo, excepto secções especializadas, ou a fusão de
secções de processo do mesmo juízo. No que se refere às secções
especializadas, como ficou dito, mantêm-se dúvidas interpretativas sobre a
possibilidade de criação de secções especializadas para tramitar matéria
comum de diferentes juízos94.
A organização das secções parece-me muito rígida. Havia coisas que gostaríamos de fazer e que não conseguimos. Por exemplo, ao nível da especialização. (…) Em termos legais tenho x secções de processo. Não posso sair dali. Tenho de organizar x secções, em vez de organizar um juízo.
Eu tenho uma grande dúvida sobre se se pode criar uma secção especializada de várias secções diversas ou só se pode criar uma secção especializada dentro de uma outra secção. (Ent. P7)
Dada a heterogeneidade social, administrativa e territorial das comarcas,
que determina, desde logo, um volume e natureza diferenciada da procura
judicial, as directrizes estratégicas da organização interna, a optimização dos
métodos de trabalho e a racionalização das tarefas não devem corresponder a
uma resposta única que possa ser uniformemente aplicada a todas as secções.
O que deve é existir reflexão e experimentação suficientemente consolidada
93A Portaria n.º 170/2009 estabelece as unidades orgânicas e quadro de pessoal das comarcas
piloto, cf. organogramas 4, 5 e 6. O Decreto-Lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro, prevê a orgânica possível das secretarias dos juízos dos tribunais de comarca: a) serviços judiciais, compostos, consoante a natureza e volume do serviço, por uma secção central e uma ou mais secções de processos ou por uma única secção central e de processos; b) serviços do Ministério Público, compostos, consoante a natureza e volume do serviço por uma secção central e secções de processos, por uma única secção central e de processos ou por unidades de apoio; c) secções destinadas a assegurar a tramitação do processo comum de execução; d) uma secção de expediente geral; e) uma secção de informações e arquivo; f) uma secção de serviço externo. Onde a natureza e volume do serviço o justifiquem, podem ser criadas: a) secretarias-gerais ou secções centrais comuns, destinadas à centralização administrativa, abrangendo um ou mais juízos ou um ou mais serviços do Ministério Público; b) secretarias de serviço externo. Ainda estão previstas a criação de equipas de recuperação de pendência (Decreto-Lei n.º 25/2009, artigo 53.º)
94 É de se referir que o artigo 23.º, 2 do Decreto-Lei n.º 28/2009, admite ainda a criação de
secretarias-gerais ou secções centrais comuns (destinadas à centralização administrativa), secretarias de serviço externo, onde a natureza e o volume do serviço justifiquem.
176 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
que permita definir regras e princípios orientadores sólidos. A adopção de
novos métodos de trabalho deve, asssim, ser feita de acordo com um modelo
flexível que tenha em conta variáveis e condicionantes contextuais, como, por
exemplo, a procura judiciária, a dimensão, a centralização ou descentralização
dos juízos do tribunal, etc.
Eu acho que o modelo tem que ser construído de uma forma flexível. Não tem que haver uma única solução, mas tem que haver várias soluções
Onde haja grande concentração de juízes, magistrados e funcionários, as estruturas de apoio a secretarias provavelmente podem funcionar de outra maneira do que em unidades mais pequenas, desconcentradas.
É possível colocar as estruturas de apoio de outra maneira e fazer como nos tribunais administrativos. Os processos entram todos para a secção e são distribuídos por juiz 1, juiz 2, juiz 3, respondendo todos os funcionários perante todos os juízes, apenas perante um processo, aquele processo concreto. Um funcionário trabalha com vários juízes. Todos nós nos lembramos quando havia juízes auxiliares no mesmo juízo e os funcionários trabalhavam com vários juízes, mas o modelo foi construído para uma secção trabalhar apenas com um juiz. (Ent. P8)
6.2 Instrumentos de gestão
Se a nova lei de organização judiciária trouxe vantagens relativamente à
proposição de alternativas de gestão e definição de novos métodos de
trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o trabalho dos
funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução de tarefas de
forma a aferir a adequação dos métodos de trabalho e os seus efeitos em
termos de racionalização e produtividade globalmente considerada e a falta de
reflexão e de princípios orientadores nesta matéria torna o seu alcance prático
muito limitado e as experiências ad hoc com efeito sistémico muito reduzido.
Acresce que o seu sucesso e consolidação, enquanto soluções de
eficiência e qualidade na prestação dos serviços de justiça, são condicionados
pela falta de preparação para as mudanças e pela falta de formação adequada
(por exemplo, a não capacitação das novas figuras directivas em matérias
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 177
relativas à gestão das organizações, bem como a inadequação entre as
propostas de inovação e a estrutura tradicional de funcionamento do sistema
(rotinas de trabalho consolidadas, formas de organização das secções, etc.) 95.
Muito embora a lei preveja a disponibilização de dados informatizados
do sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal, por parte
do juiz presidente, ela não é suficiente no que respeita aos indicadores de
gestão no sentido de possibilitar uma gestão eficaz.
Ter instrumentos do ponto de vista da informática, ter critérios objectivos e genéricos relativamente à adequação processual, à adequação dos funcionários, considerando os actos a praticar, tudo isso era preciso, para se poder gerir isto minimamente.
Não há uma solução para que os presidentes das NUT desempenhem cabalmente as funções que estão na lei. Como é que eles podem controlar o andamento informático dos processos? Como é que o presidente da NUT pode detectar processos que estejam parados? Não têm esse programa informático.
Eu penso que a própria aplicação informática, por exemplo, não nos permite saber quais são os processos que estão atrasados. Não há essa informação. O Habilus não dá os processos pendentes há mais de oito meses. (Ent. P6)
Eu diria que nós estamos a fazer tudo de forma arcaica mas, de facto, isto traduz-se já nalguma alteração. Fizemos o levantamento do estado de cada uma das Secções, pediu-se a cada um dos escrivães para ver exaustivamente cada um dos processos, fazer um relatório e, com base na situação em que cada uma das secções se encontrava, em reuniões de avaliação, o juiz presidente, juízes e secções, definiu-se o que era prioritário em termos de recuperação do que lá estava. Digo que isto é feito de forma arcaica porque o programa informático que nós temos não faz nenhuma gestão da informação, e hoje é fundamental também que o faça porque, senão, corremos o risco de andar sempre a recolher informação do escrivão que a pode dar boa ou má, e tudo aquilo que está a fazer em termos da definição dos objectivos pode ser errado se a informação não estiver correcta. (Ent. P11)
De acordo com o que se observou na pesquisa de terreno, as novas
figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções baseadas em
95 A este propósito, o único estudo referido com indicadores sobre a produtividade de uma
secção e o número de funcionários necessário é a tabela de pontuação processual do COJ.
178 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
critérios casuísticos e na experiência pessoal, orientam-se de acordo com o
que definem como sendo o seu bom senso e o dos funcionários.
Eu tenho x funcionários para colocar em y secções, não há nada objectivo que me diga, olhe naquele sítio tem que pôr dois adjuntos e um auxiliar e naquele outro é preciso pôr menos adjuntos e mais auxiliares. Como é que isto é feito? Absolutamente empiricamente, pelo facto de eu como juiz ter uma noção de qual é o trabalho de uma secção criminal, de uma secção cível ou de trabalho ou de comércio. Aconselhei-me com os funcionários e com os secretários e estabelecemos um quadro empírico. Sendo certo que no caso também beneficio de conhecer muito bem os funcionários da comarca, porque estou cá há muito tempo, mas esta metodologia não é objectiva. Deveria haver maneira de aferir objectivamente quais são os actos processuais a praticar numa determinada secção e o que é que isso implica em termos dos funcionários que lá devem ser colocados. Eu penso que é um estudo que seria fundamental fazer. (Ent. 3J)
6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de funcionamento do sistema
A investigação que temos vindo a desenvolver nesta área, não só no
âmbito do presente trabalho, mas também em trabalhos anteriores96, permite
afirmar que a organização e gestão dos tribunais têm-se caracterizado por uma
grande heterogeneidade na definição das rotinas e métodos de trabalho, na
gestão dos espaços, das infra-estruturas e dos recursos humanos.
No que se refere à organização interna, a principal característica, que
consideramos condicionante, centra-se na atomização do modelo que implica,
muitas vezes, a multiplicação de secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-
se em duplicação de tarefas e numa organização interna do desempenho
funcional pouco racionalizada e eficiente. Por exemplo, o atendimento ao
público, o serviço externo das secções ou de tarefas mais especializadas ou
que digam respeito a tipo de litígios mais complexos, numa melhor organização
e mais eficiente dos serviços, pode implicar a concentração em determinadas
pessoas e não a sua dispersão repetitiva pelos diferentes agentes. Como
temos vindo a demonstrar, as inovações da reforma tiveram um reduzido
96 Cf. OPJ (2002, 2006 e 2008).
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 179
impacto na alteração deste estado de coisas.
A análise da gestão dos espaços e das infra-estruturas realça a
existência de diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de
aproveitamento do espaço físico (OPJ, 2008). Relativamente à gestão dos
espaços físicos, salienta-se a precariedade e a inadequação de algumas
instalações (por exemplo, o caso do Tribunal de Família e Menores de Aveiro),
o que dificulta o exercício das tarefas por parte dos agentes judiciais e salienta
o desrespeito no tratamento dos cidadãos pelo sistema de justiça. Merece
especial referência este ponto, pois que, a adesão à reforma por parte dos
seus destinatários principais, legitimando-a, exige por parte destes a percepção
da mudança qualitativa, quer na relação entre os tribunais e os cidadãos, quer
na eficiência e eficácia de tratamento dos processos.
A matéria de gestão dos espaços físicos97 emergiu igualmente do nosso
trabalho, destacando-se a falta de coordenação de agendamentos de actos
jurisdicionais (gestão da agenda dos juízes) que impliquem a audição de
intervenientes processuais, em especial a marcação das audiências de
julgamento e a melhor utilização das respectivas salas, sendo assinalado,
recorrentemente, como um bloqueio com considerável impacto na rotina de
trabalho de juízos e funcionários, e na garantia de um atendimento eficiente ao
público.
O que eu acho, e é um mal que já vem de há muito tempo, é que devia haver uma coordenação, que teria que passar pela coordenação das agendas entre os magistrados judiciais e as secretarias, o que raramente acontece. Isto é, os magistrados têm a sua agenda. O Conselho Superior da Magistratura deveria orientar os magistrados no sentido dessa coordenação. Numa secretaria como a nossa, que tem dois magistrados, trabalha como se houvesse duas secções. O que faz com que, pelo menos dois funcionários, os auxiliares, estejam quase permanentemente em diligências e há determinadas tarefas, há serviço a acumular-se. (Ent. 19F)
97 A este propósito, refira-se o exemplo citado num relatório intercalar de uma comarca piloto
que optamos por não identificar aqui: “O Juìzo do Trabalho de (…) está instalado num andar de um prédio (…) absolutamente incapaz de preencher os requisitos mìnimos de condições de trabalho, quer para os magistrados, quer para os funcionários e utentes (…)”.
180 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Relativamente à gestão dos equipamentos, salienta-se o problema,
acima já referido, no que se refere à unidade de referência a que estão afectos,
o que dificulta uma distribuição mais racional e adequada às necessidades
pelas diferentes unidades do tribunal de comarca. Esta circunstância agrava-se
com faltas, inadequação e falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes,
digitalizadores, e sistema de vídeo-conferência, recorrentemente destacadas
pelos agentes judiciais, com consequências muito negativas no desempenho
de tarefas quotidianas. Estas deficiências são, ainda, apontadas como
bloqueios com impacto considerável no processo de informatização e na
adaptação dos funcionários ao processo de automatização do trabalho.
O processo de informatização é, ainda, associado a alguma
irracionalidade decorrente da falta de comunicação entre os sistemas
informáticos. A adopção parcial, sem perspectiva sistémica e integrada, da
informatização trouxe, nalguns casos, dificuldades onde deveria ter significado
simplificação. A principal crítica centra-se, por um lado, no facto da introdução
de programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo
de acelerar os actos processuais, vir em diferentes momentos atender a
necessidades distintas e nem sempre atender à necessária interligação entre
si. Por outro, a não integração da comunicação electrónica entre as diferentes
entidades do sistema de justiça é apontada como exemplo de irracionalidade
na utilização das novas tecnologias.
(…) há determinadas tarefas que, não são notificações, são ofícios que remetemos ao órgãos de policia criminal para tentarmos localizar uma determinada pessoa, ou uma pessoa que seja o legal representante de uma pessoa colectiva, para tentarmos saber da situação económica, bens susceptíveis de penhora para poder o Ministério Público ressarcir de custas que não foram pagas. Tem que se fazer um ofício em suporte de papel, é ridículo, uma vez que estamos dentro de organismos que pertencem ao Estado, devia haver um meio electrónico de comunicação. Porque razão não há uma ligação do sistema ao e-mail geral do tribunal, ao e-mail da secretaria, e utilizarmos esse meio para, em vez de enviarmos um ofício à PSP de Aveiro, enviarmos um e-mail com o juízo identificado, com o número do processo e o que era solicitado. Seria menos um papel que enviávamos com o meio electrónico de oficiar às secretarias dos órgãos de polícia criminal, às conservatórias, a qualquer entidade estatal. (Ent. 19F)
A adopção das inovações tecnológicas é discutida de acordo com cinco
principais vertentes de mudança: (1) a necessária adaptação dos espaços
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 181
físicos; (2) a capacidade dos recursos materiais para suportarem as exigências
da desmaterialização; (3) a eventual adaptação do quadro funcional à nova
realidade; (4) a formação e acompanhamento necessários para potenciar as
inovações e enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e
requalificação dos funcionários, no sentido de adquirirem competências
necessárias à utilização das novas ferramentas.
O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à
garantia da integralidade do processo electrónico, em especial pelas
dificuldades de digitalização dos requerimentos e petições ingressadas em
suporte de papel, são igualmente indicados como factores de irracionalização e
duplicação do trabalho. A não ser que a opção do juiz seja mandar imprimir
tudo o que diz respeito ao processo (o que é frequente) nenhum processo dos
dois suportes tem a informação na sua totalidade, o que obriga à consulta dos
dois sempre que se quer alguma informação.
Há ainda um problema que decorre de nós estarmos a trabalhar em dois registos: um registo antigo em papel, e um registo novo que é electrónico. (Ent. 18F)
A gestão de recursos humanos e a definição dos métodos de trabalho
está sustentada numa grande diversidade de procedimentos entre os diferentes
juízos e entre as secções de um mesmo juízo98. Uma vez que os conteúdos
funcionais de cada categoria profissional estão fixados por lei, as diferenças
registadas nos métodos de trabalho adoptados relacionam-se com as
disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de
distribuição de tarefas assumidas pelas chefias (escrivães de direito), tendo em
vista o que consideram o melhor aproveitamento dos recursos e, ainda,
nalguns casos, com as indicações transmitidas pelo juiz titular da secção.
A distribuição de tarefas nas secções observa, em regra, as disposições
do Estatuto dos Oficiais de Justiça. O organograma 13 ilustra a dinâmica de
98 Cf. OPJ (2002 e 2008)
182 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
articulação entre as unidades orgânicas do tribunal e os conteúdos funcionais
definidos para as diferentes categorias de pessoal oficial de justiça.
Organograma 13 – Dinâmica de distribuição dos conteúdos funcionais no tribunal (serviços judiciais)
Fonte: OPJ
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 185
As mudanças no âmbito da gestão trazidas pela nova lei da organização
judiciária não tiveram um impacto directo na organização interna dos tribunais.
Muito embora tenham sido identificados processos experimentais de introdução
de mudanças a nível da distribuição de tarefas e de processos, essas
experiências são, como já referimos, pontuais e casuísticas. De facto, os
resultados comparativos da observação levada a cabo no âmbito deste estudo
e de trabalhos anteriores, antes da entrada em vigor da reforma, resulta que as
rotinas e métodos de trabalho das secções permanecem inalterados.
Ao nível organizacional, um dos problemas fundamentais consiste na
manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação entre as
secções, mantendo-se a divisão entre secção central, secção de processos e
secção de serviço externo, bem como o papel decisivo do escrivão na definição
das tarefas a serem realizadas pelos escrivães adjuntos e auxiliares. As
principais consequências desse modelo são, por um lado, a duplicação de
trabalho. Veja-se, por exemplo, que os fluxos de atendimento de advogados e
cidadãos dirigem-se, tanto à secção de processo, como à secção central. Por
outro lado, como a decisão de organização do trabalho cabe, em última
instância, ao critério pessoal dos escrivães de direito, sem que assente em
orientações e princípios gerais previamente definidos, é comum verificar-se
grande heterogeneidade de procedimentos e falta de racionalização no
trabalho realizado.
Não sei se as secções de processos têm que estar todas a atender o público. Se não podem estar organizadas de uma outra maneira de especialização por funções, em vez de estarem organizadas daquela maneira em que toda a gente faz tudo. Em muitos casos em que temos tentado intervir, em conjunto com os juízes da comarca, para alterar os métodos de trabalho tem sido muito complicado, porque há o escrivão, o adjunto A tem os pares e o adjunto B tem os ímpares. O B tem uma constipação, os ímpares ficam atrasados. Tudo isto são funcionamentos que têm de ser alterados. Talvez a própria estrutura e a própria maneira de pensar nas secções tem que ser diferente.
Por exemplo, x secções de um juízo de família. Essas secções estão por exemplo a atender público, que é um peso significativo no trabalho que têm, será que não podia haver uma guarda avançada que estava a atender público e deixar o resto todo sossegado. Será que não deviam estar atribuídos os processos de promoções e protecção a um determinado grupo de funcionários, os tutelares educativos, os cíveis
186 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
de família a outro grupo de funcionários, em vez de estarem todas as quatro secções a trabalhar com todas as formas processuais. Tudo isto devia ser repensado. (Ent. P7)
O organograma 14 ilustra as possibilidades de distribuição de tarefas
numa secção de processos.
Organograma 14 – Distribuição de tarefas na secção de processos
Abertura de processos,
citações, junção de
papéis aos processos,
notificações, conlusões
ao juiz, ofícios, etc.
Tramitação processual: abertura de
processos, ofícios, notificação
judicial avulsa, notificações, etc.
Escolha aleatória
Tramitação em série
de actos
semelhantes
Processos urgentes Processos não urgentes
Distribuição aleatória
por nº de processo
Atendimento ao público
Orientação, coordenação
e supervisão das
actividades desenvolvidas
na secção
Distribuição de tarefas
(petições iniciais e papéis
avulsos entrados na
secção)
Levar e trazer processos
do gabinete do juiz
Alternância por semana
Distribuição por tipo de
acção
Alternância entre
escrivães adjuntos e
auxiliares
Por proximidade face ao
balcão
Apoio aos magistrados:
actas de audiência, apoio
à sala, notificações, etc.
Procura dos processos
correspondentes aos
papéis avulsos entrados
Encaminhamento da
correspondência à secção
central
Distribuído pelo escrivão
de direito
Apoio aos processos
distribuídos ao excrivão
adjunto
Alternância por número
de processo
Tramitação processual
correspondente
Alternância entre os
auxiliares
Método de trabalho
Atendimento ao público
Alternância entre
escrivães adjuntos e
auxiliares
Alternância por juizPor proximidade face ao
balcão
Serviço externo
Por processo
distribuído ao auxiliar
ES
CR
IVÃ
O D
E D
IRE
ITO
ES
CR
IVÃ
O A
DJU
NT
OE
SC
RIV
ÃO
AU
XIL
IAR
Fonte: OPJ
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 189
Relativamente aos métodos de trabalho, os escrivães de direito, além
das funções de direcção da secção, podem assumir responsabilidades pela
execução de actividades mais complexas, nomeadamente, mapas de partilha e
elaboração das contas judiciais dos processos. Na distribuição de processos
entre os escrivães adjuntos, o escrivão de direito pode adoptar, tanto por um
critério aleatório, baseado, por exemplo, no número final do processo (mais
frequente), como um critério de especialização, por exemplo, por tipo de acção.
Nos métodos de trabalho adoptados pelos escrivães adjuntos, verifica-se
igualmente diversidade no desempenho das funções. Esta diversidade pode
ser orientada de acordo com o que é exigido na secção pelo escrivão de direito
e/ou de acordo com o funcionamento do gabinete do juiz.
Assim, por exemplo, no trabalho dos adjuntos, a decisão de cumprir ou
não primeiramente os despachos pode estar relacionada com a rotina de
trabalho do juiz. Nos casos em que o juiz já tem muitos processos conclusos ou
uma agenda definida para receber as conclusões, o adjunto pode organizar o
seu trabalho intercalando os papéis que vão para conclusão com as outras
tarefas que tem na secção. A capacidade de resposta do juiz pode, pois,
assumir um papel determinante em termos de motivação e produtividade dos
funcionários.
Contudo, deve salientar-se que a autonomia da secção de processos
destaca o papel directivo do escrivão. A importância do papel desempenhado
pelo escrivão é autónoma e não supletiva da ausência ou distanciamento do
juiz.
Em regra, as rotinas de trabalho dos escrivães adjuntos baseiam-se em
diferentes ordens de prioridade: processos marcados, diligências, providências
cautelares e outras situações urgentes; seguidos de processos não urgentes.
Os métodos de trabalho também podem variar de acordo com as
preferências de cada funcionário. Exemplificativamente, pode-se iniciar o
trabalho pelos actos mais simples, deixando os processos mais complexos
para um momento posterior. Podem ser assinaladas ainda duas rotinas de
190 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
trabalho diferentes entre os escrivães adjuntas: (1) realizar os actos
processuais aleatoriamente de acordo com a ordem em que os processos lhe
são postos na secretaria; e (2) separar os processos por categorias e realizar
os actos processuais iguais em série.
Em regra, os escrivães auxiliares responsabilizam-se pelo
acompanhamento do juiz em diligências e estão encarregues do intercâmbio
entre a secção central e a secção de processos, procurando e dando
tratamento aos processos relativos aos papéis vindos diariamente daquela
secção. Os critérios adoptados pelo escrivão de direito para distribuir tarefas
entre os escrivães auxiliares também podem variar. Por exemplo, no
acompanhamento de diligências pode-se estabelecer um revezamento
semanal entre os auxiliares ou distribuir os auxiliares pelo número de juízes
que a secção apoia.
O atendimento ao público em diferentes secções pode ser uma tarefa
afectada aos escrivães auxiliares ou dividida equitativamente entres estes e os
escrivães adjuntos.
Em traços gerais, as principais conclusões que o trabalho empírico
realizado evidenciou e que se relacionam com as alterações recentemente
introduzidas no que diz respeito à organização e gestão dos tribunais são as
seguintes:
(1) Se organização do trabalho varia de acordo com a secção, o juiz, o perfil e
a experiência de cada funcionário, consequentemente, a produtividade dos
funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso
pessoal;
(2) Uma vez que a formação para o desempenho das funções é isolada e
aleatória, os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a
assimilar os vícios de rotina daqueles com quem trabalham;
(3) A ausência de um programa de preparação, formação e acompanhamento
das reformas tem consequências nos frutos que podem ser extraídos delas,
variando de funcionário para funcionário, daí que a maior ou menor adaptação
Desafios à gestão local: organização interna e métodos de trabalho 191
e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação
pessoal de cada funcionário.
As principais consequências destes problemas consistem, em primeiro
lugar, no facto de as boas práticas de uma secção não serem generalizadas.
Em segundo lugar, a introdução de mudanças pode ser obstaculizada pela
resistência dos funcionários. Neste contexto, a responsabilidade pelo
aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças é
difusa e depende do esforço e do interesse de cada um. Finalmente, as
opiniões sobre os actos praticados inutilmente, os desperdícios, as
irracionalidades organizativas, etc. são esparsas, não havendo uma reflexão
geral e coordenada sobre o que fazer para melhor racionalizar os métodos de
trabalho, os actos e a tramitação processual.
194 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
7.1 Conclusões
1. A compreensão da reforma das organizações do judiciário no contexto
das dinâmicas de mudança das organizações públicas beneficiou, neste
estudo, de um quadro analítico - desenvolvido pelas ciências sociais que
permite pensar a administração e gestão das organizações em cenários
caracterizados por acréscimos de complexidade institucional e social, com o
objectivo de as tornar mais eficientes, designadamente a partir da reflexão em
torno das abordagens clássicas das organizações.
2. No âmbito das abordagens clássicas, Frederick Taylor conceptualizou
a organização científica do trabalho assentando em quatro princípios básicos:
planeamento, preparação, controlo e separação entre a concepção e a
execução do trabalho. A organização do trabalho, tendo por base aqueles
princípios, assentava na eliminação do desperdício, na eficiência máxima e no
aumento da produtividade.
A perspectiva avançada por Henri Fayol (1925), na linha do pensamento
taylorista, destacou-se no estudo da estruturação das organizações modernas
Conclusões e Recomendações 195
salientando, designadamente, o enfoque na formação e qualificação científica
do corpo de gestores das empresas e das instituições, a sua arrumação
estrutural e funcional tendo em vista o cumprimento eficiente dos respectivos
objectivos gerais, propondo a indivisibilidade da relação autoridade-
responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do sistema
hierárquico, a centralização dos processos enquanto factor de ordem interna e
a equidade nas decisões, de forma a evitar sentimentos de injustiça
perturbadores do funcionamento da organização.
3. Relativamente ao modelo burocrático e à modernidade organizacional,
a caracterização do fenómeno burocrático proposta por Max Weber encontrou
no movimento de racionalização das instituições os fundamentos da nova
ordem social e económica surgida no século XIX. No exercício do poder
organizacional, a problemática da legitimidade no pensamento weberiano
assentava numa tipologia tripartida de autoridade, em que a autoridade legal-
racional representa a modernidade burocrática.
No modelo burocrático proposto por Max Weber, destacam-se,
sobretudo, aspectos como a precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação
estrita e a redução de custos, que constituem alguns dos aspectos introduzidos
por este movimento racionalizador da vida e do desempenho organizacional. A
importância deste modelo baseia-se no conceito de burocracia e no seu
contributo para se pensarem reformas mais amplas no domínio da
administração pública e das organizações privadas, materializando a
designada modernidade organizacional.
4. A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de
novos paradigmas foi impulsionada pela escola das relações humanas e as
suas críticas ao mecanicismo, à instrumentalidade e ao formalismo das
abordagens clássicas, sobrepondo a importância dos níveis de integração
social e organizacional à lógica científica e burocrática de divisão e
196 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
organização do trabalho, no que diz respeito ao desempenho global das
organizações.
5. No quadro das reformas desencadeadas na administração pública a
partir dos anos 80 do século XX, as teorias manageriais têm sido escrutinadas
numa dupla perspectiva: procurando superar as limitações e os
constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de organização,
caracterizados pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à sociedade e
ineficiência administrativa; e evidenciando uma transformação política mais
ampla, assente num novo consenso ideológico de natureza neoliberal – o
Estado e a administração pública são sinónimos de desperdício, abrindo campo
à acção política no sentido da privatização do máximo de subsectores públicos
alienáveis para o mercado e na adopção de modelos de gestão equiparados ao
sector privado.
6. O conceito de governação assume, no âmbito das novas abordagens
organizacionais, um novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias,
dando conta do aumento da complexidade e dos fluxos de informação a que as
organizações se encontram expostas e da necessidade de um maior e mais
eficaz controlo dos processos e dos resultados reivindicados pelos diferentes
stakeholders. Este conceito pressupõe uma transformação profunda nos
cenários organizacionais, sendo a antecipação, a adaptação e a capacidade de
influência sobre as mudanças em curso factores determinantes para a
sustentabilidade deste novo paradigma administrativo das organizações.
7. O quadro conceptual da qualidade densificou-se, através do conceito
de excelência, numa óptica de qualidade total, também designada de melhoria
de qualidade contínua (continuous quality improvement). Aos modelos de
excelência (ou de qualidade total) subjaz uma filosofia de gestão que centra a
Conclusões e Recomendações 197
organização no utente/cidadão e numa dinâmica de melhoria contínua,
pressupondo uma abordagem sistémica com princípio de gestão aplicado em
todos os níveis organizacionais. Na Europa, o modelo baseado na filosofia da
gestão pela qualidade total de referência é o modelo da EFQM, tendo em vista
melhores práticas de gestão e melhor desempenho das organizações, podendo
ser utilizado para verificação do estado da organização como ferramenta de
planeamento ou de gestão da mudança.
8. Na sequência das reformas desencadeadas na administração pública,
as organizações do judiciário foram um dos sectores do Estado ao qual as
reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Como é sabido, os modelos
burocráticos de administração dos tribunais têm vindo a ser submetidos a um
processo de reflexão e reavaliação política e académica. Numa primeira fase, a
resposta do sistema à sua “crise” centrou-se em reformas de natureza
processual e no crescimento de recursos humanos e materiais; posteriormente,
procurou dar resposta ao aumento exponencial do volume e da complexidade
da litigação e, mais recentemente, face à necessidade de outro tipo de
reformas estruturais, optou-se pela procura de novos caminhos para a reforma
do sistema.
9. Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha
com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa, também ele, a ser
objecto de análise e recomendações que pretendem explorar uma nova
dimensão gestionária, designadamente através da introdução de medidas que
visam a alteração de métodos de trabalho, uma melhor e mais eficaz gestão de
recursos e uma melhor articulação dos tribunais com os serviços
complementares da justiça.
10. No âmbito da justiça em Portugal, apesar das reformas mais
198 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
recentes do judiciário e do forte contexto de mudança a que vem estando
sujeito o sistema judicial, a qualidade parece ainda distante do enquadramento
conceptual da excelência. Contudo, como tem vindo a ser mencionado nos
estudos do OPJ, as reformas do judiciário nesta matéria estão, não só em
Portugal mas também na Europa reformas centradas na discussão do modelo
organizacional mais do que no modelo de gestão. A discussão continua a
situar-se na resposta ao volume processual, revelando que as preocupações
da qualidade se centram fundamentalmente na melhoria da eficiência e,
portanto, numa das fases iniciais do seu percurso: o controlo da qualidade.
11. A escolha do estudo de caso da experiência espanhola deveu-se,
sobretudo, à proximidade entre os problemas e as ineficiências estruturais do
desempenho do sistema de justiça espanhol e a situação que ocorre em
Portugal. A reforma da secretaria judicial em Espanha foi impulsionada pela
necessidade de dar resposta a problemas e ineficiências estruturais do
funcionamento dos tribunais, muitos dos quais idênticos aos enfrentados por
nós. Nesse sentido, o funcionamento das secretarias judiciais era caracterizado
por um desempenho atomizado e auto-suficiente, destacando-se a
sobreposição de tarefas administrativas e jurisdicionais na mesma unidade
orgânica, bem como a inexistência de modelos comuns de trabalho e de
desencorajamento ao trabalho diferenciado e especializado.
O movimento de reforma judicial neste âmbito tem apresentado um
carácter pluriforme, isto é, convoca alterações não só no âmbito processual
mas também na remodelação das infra-estruturas, na criação de novas
unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de meios
telemáticos.
12. O novo modelo de secretaria judicial em Espanha foi introduzido com
a Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro. Nos últimos três anos, o ritmo da
implementação do novo modelo de secretaria judicial decresceu. Actualmente,
Conclusões e Recomendações 199
assiste-se a um novo empenho, por parte do Ministério da Justiça, na
efectivação do novo modelo de secretaria através do “Plano Estratégico de
Modernização da Justiça 2009-2012”.
Das inovações introduzidas, destacam-se: (1) a “libertação” do juiz de
actos não jurisdicionais (liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste
modo dedicar a totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente
jurisdicional); (2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial
(secretário judicial, considerado um especialista com alto nível de competência
e elevados conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se
refere ao funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a
agregação de tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da
tramitação processual propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a
especialização dos funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a
nova configuração dos espaços físicos (remodelação das infra-estruturas).
13. De acordo com o novo modelo de secretaria, à atomização dos
serviços responde-se com a concentração de recursos em serviços comuns
especializados. Às dispersões ou repetições inúteis de tarefas idênticas em
diferentes serviços, procurou-se reagir, separando, por unidades e categorias
de funcionários distintos, actividades de tramitação mais complexas de
actividades mais repetitivas (como recepção de documentos, citações e
notificações, etc.) e de actividades de suporte.
O desenho organizacional da nova secretaria tem por base uma Unidade
que pode ser de dois tipos: Unidade Processual de Apoio Directo e Serviços
Comuns Processuais. Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas.
Com esta reorganização estabelece-se uma diferença clara entre o apoio
directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de
apoio directo, e a tramitação processual, função sobretudo a cargo dos
serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação
processual de um ou mais juízes, juízos, secções ou tribunais.
200 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
14. Duas ideias essenciais abriram caminho para actual reforma
orgânica da secretaria judicial: (1) a criação de serviços comuns, considerada
um elemento-chave da reforma dada a sua potencialidade na uniformização do
trabalho, libertação das diferentes secções da prática de actos e tarefas
semelhantes e criação de uma estrutura especializada no atendimento ao
público; e (2) a reconfiguração do perfil profissional do secretário judicial,
avançando para a especialização de funções, de forma a assumir um duplo
papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.
15. O novo modelo de secretaria judicial não se limitou a trazer
profundas alterações na estrutura organizacional, implicou também a
redefinição de competências e funções profissionais. Os secretários judiciais
assumem uma forte centralidade funcional, constituindo um corpo próprio e
conferindo-lhes a lei carácter de autoridade. Para além das competências
processuais, também dirigem tecnicamente os recursos humanos das
secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e instruções
necessárias ao seu desempenho funcional. Enquanto o corpo de funcionários,
que desempenham funções de tramitação processual, é composto pelos
chamados funcionários gestores, que vieram substituir o anterior corpo de
oficiais de justiça; o antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos
actuais funcionários tramitadores.
16. Contudo, alguns problemas têm sido identificados no curso da
concretização da reforma da secretaria judicial: sucessivos atrasos e alguma
falta de coordenação na execução de algumas vertentes da reforma (leis
processuais, formação dos operadores para a utilização dos sistemas
informáticos e construção de novas instalações); falta de recursos financeiros
para a administração da justiça (a nível nacional, autonómico e/ou local);
actuações parcelares, descoordenadas e até mesmo antagónicas em
Conclusões e Recomendações 201
diferentes circunscrições territoriais resultantes da transferência de
competências para algumas comunidades autónomas; atraso no processo de
redimensionamento dos recursos humanos para atender especialmente os
processos pendentes; alteração do padrão de relacionamento funcional entre
juízes, secretários judiciais e restantes funcionários judiciais; tensão entre
juízes e secretários judiciais no que refere ao agendamento de diligências,
entre outros.
17. O trabalho que se apresenta neste relatório centra-se, como já
referimos, na análise da dimensão gestionária da reforma da organização
judiciária. O reduzido tempo de vigência do período experimental da reforma,
associado ao frugal acervo de informação disponível relativamente à
problemática em estudo, não permitiram uma averiguação plena de todas as
suas implicações, tendo dificultado, por exemplo, uma avaliação quantitativa do
impacto das alterações gestionárias na produtividade dos agentes judiciais e no
tempo dos processos. Privilegiou, por isso, a análise qualitativa assente nas
percepções dos agentes envolvidos no processo e a observação das práticas
das unidades orgânicas.
Adoptou-se uma estratégia de investigação assente numa dupla
perspectiva analítica. Em primeiro lugar, de acordo com uma perspectiva top
down, observou-se a concretização do modelo de gestão entre as diferentes
figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Em segundo lugar,
em conformidade com a perspectiva bottom up, analisámos o impacto destas
alterações nas rotinas e tarefas dos diferentes agentes judiciais, dando
especial atenção ao funcionamento da secção de processos.
18. No que diz respeito ao modelo de gestão, o projecto experimental da
nova organização judiciária não contou, de acordo com os resultados obtidos
através da realização do trabalho de campo, com a previsão que se exigia para
uma transição bem sucedida de uma reforma estrutural. Assim, salienta-se a
202 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
importância de se considerarem as dificuldades deste ensaio experimental
antes do alargamento a outras comarcas. Por outro lado, exige-se a definição
de um planeamento estratégico e a criação de um conjunto de instrumentos de
suporte que potenciem uma eficiente gestão da mudança, por exemplo, a
definição de um conjunto de acções de gestão prática da mudança que
envolvam os principais canais de comunicação e de informação no interior e
exterior do sistema, bem como as pessoas mais directamente afectadas pelo
processo de mudança.
A este propósito, regista-se como aspecto negativo, por um lado, o facto
dos juízes presidentes apenas terem sido nomeados e assumido funções
depois de já estarem constituídas as equipas de trabalho. Por outro lado, o
deficiente planeamento na transferência de processos (tanto em suporte físico
como telemático), levou à ocorrência de erros, ao cancelamento de diligências
em cima da hora, a dificuldades de dar informação ao público e advogados,
etc.
De referir, ainda, o bloqueio que consiste na falta de suporte
organizacional às inovações gestionárias, destacando-se a falta de previsão de
um gabinete de apoio ao juiz presidente. Destaca-se, em especial, o problema
que poderíamos caracterizar como endémico ao sistema de justiça ao qual
urge dar solução – a falta de formação adequada para o desempenho das
novas funções de gestão e coordenação previstas na lei.
19. Em Portugal, a governação dos tribunais está configurada, a nível
central, num modelo de competências bicéfalo. Por um lado, a previsão na
estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de administração
indirecta responsáveis pela centralização da gestão financeira, do património,
das tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ) articula-se com
órgãos de administração directa que centralizam competências de
planeamento, gestão estratégica da política de justiça e administração da
carreira dos funcionários de justiça (DGAJ e DGPJ). Por outro lado, a gestão
Conclusões e Recomendações 203
das carreiras, controlo e disciplina dos magistrados é exercida pelos conselhos
superiores da magistratura e do Ministério Público.
A nova lei de organização e gestão dos tribunais trouxe algumas
mudanças no que diz respeito à administração local da justiça, ao prever
competências de representação, direcção, gestão processual e administrativas
ao juiz presidente do tribunal, fomentando igualmente outra figura de gestão
local com competências próprias e um importante papel de coadjuvação das
competências do juiz presidente – o administrador judiciário.
O juiz presidente passou a assumir competências de representação e
direcção do tribunal, agregando responsabilidades ao nível da gestão dos
funcionários judiciais e exercendo competências de gestão processual, fixação
de objectivos, acompanhamento de resultados e planeamento das
necessidades e actividades do tribunal, planeamento de recursos humanos e
de organização interna. No âmbito administrativo, congrega competências de
elaboração do projecto de orçamento, dos planos anuais e plurianuais, dos
relatórios de actividades e dos regulamentos internos, entre outros.
O perfil funcional do administrador do tribunal concentra-se na gestão
dos espaços, segurança, condições de acessibilidade das instalações,
manutenção, conservação e racionalização da utilização dos equipamentos.
Para além da previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade
de coadjuvação pelo administrador das competências do presidente do tribunal.
Para além das competências atribuídas ao juiz presidente e ao
administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no
âmbito da gestão local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções
consultivas e de acompanhamento das actividades administrativas, de
organização e funcionamento do tribunal.
20. A reforma introduziu mais-valia no sentido de criar perfis
profissionais com competências próprias e actuação local baseada no
204 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
conhecimento das necessidades e do funcionamento quotidiano do serviço.
Esta nova dinâmica possibilita uma tomada de decisão local, rápida e eficiente,
atendendo às suas carências e às dificuldades quotidianas. No novo quadro
normativo, esta flexibilidade estende-se desde a distribuição dos funcionários
(à excepção dos escrivães de direito), à proposição de mudanças
organizacionais e às rotinas de trabalho (implementação de métodos de
trabalho, reafectação de funcionários, proposta de criação de secções
especializadas), passando pelo planeamento das actividades, das
necessidades de recursos humanos e elaboração da proposta de orçamento.
A criação de um órgão com poderes consultivos e de acompanhamento
(conselho de comarca), por sua vez, beneficia o modelo de gestão por permitir
uma participação alargada dos actores do sistema e da sociedade civil.
O carácter experimental da reforma, a falta de preparação, a ausência
de discussão e de directrizes de execução, são factores que influenciam o
ritmo de incrementação das potencialidades de gestão trazidas pela lei. Daí
que o modelo de gestão tenha sido experimentado de forma distinta em cada
uma das comarcas piloto de acordo com a experiência, o nível de iniciativa e o
conhecimento da realidade do tribunal por parte dos juízes presidentes.
O trabalho de campo realizado permitiu identificar algumas dinâmicas
locais consentâneas com os objectivos da reforma, por exemplo, o
estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, a realização de
reuniões de planeamento das actividades com as chefias das secções e com
os magistrados coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros métodos
de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-
se, ainda, um acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de
material, à requisição de objectos e aos critérios de ocupação das salas de
audiências por parte dos juízos.
21. À anterior “unidade tribunal” passou a corresponder a actual
“unidade secretaria”. Criaram-se novas unidades orgânicas e novas
Conclusões e Recomendações 205
perspectivas gestionárias, mas manteve-se o modelo de organização interna e
de colocação de juízes e funcionários das comarcas anteriores.
Importa, pois, saber quais deverão ser as unidades administrativas e
organizacionais do tribunal de comarca: o próprio tribunal de comarca, as
secções de processos ou as secretarias dos diferentes juízos. A decisão sobre
esta matéria tem uma influência determinante na colocação e gestão dos
recursos humanos, na elaboração e execução do orçamento, no planeamento
e gestão dos recursos materiais, no modelo de informatização e na execução
das funções de direcção e coordenação exercidas no tribunal de comarca,
nomeadamente a interface entre o juiz presidente, o administrador e o
secretário de justiça.
A este propósito, ao assumir-se que o provimento de funcionários
judiciais tem como unidade as secções de processo para os escrivães de
direito e a secretaria dos juízos para os restantes funcionários, condicionam-se
as competências do juiz presidente na gestão dos recursos, uma vez que o
exercício desta competência é nula no caso dos escrivães de direito e tem
como limite a secretaria dos juízos. Por outro lado, esta questão também diz
respeito à definição da unidade de colocação dos juízes, isto é, os juízos do
tribunal de comarca ou um determinado juízo.
Finalmente, assinalam-se as repercussões na gestão das vertentes de
natureza financeira. Neste caso, a opção pelo tribunal de comarca ou pela
secretaria dos juízos, como unidade administrativa, coloca em confronto as
actuais competências de elaboração e execução do orçamento dos secretários
de justiça e do presidente do tribunal.
22. O actual modelo de gestão exige a realização plena e eficiente do
princípio de cooperação entre as figuras da estrutura local de gestão e entre
estas e os órgãos centrais. Neste sentido, a concretização das potencialidades
da lei depende, em muito, da integração e da articulação entre os diferentes
órgãos com poderes directivos na administração dos tribunais.
206 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de
competências centrais e locais de modo a permitir uma gestão integrada que
tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:
(a) A articulação das competências de gestão, avaliação e disciplina dos
funcionários judiciais da DGAJ e do COJ com os poderes atribuídos ao juiz
presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,
implementação de métodos de trabalho e fixação de objectivos para as
unidades orgânicas, planeamento das necessidades de recursos humanos,
reafectação dos funcionários dentro da comarca;
(b) A articulação das competências de gestão dos juízes e
acompanhamento da actividade dos tribunais e sua organização exercidas pelo
Conselho Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do
Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais
(criação de secções especializadas), reafectação de juízes e necessidades de
resposta adicional no quadro de juízes;
(c) A articulação das competências de gestão financeira, do património,
das instalações e dos equipamentos dos tribunais partilhadas entre o ITIJ, o
IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de
alterações orçamentais exercidas pelo juiz presidente e as competências do
administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e
segurança das instalações do tribunal.
Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de gestão, uma
articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está
comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,
que vão desde a clarificação do sentido e alcance das competências previstas
em lei até à necessidade de aprofundamento dos canais de comunicação e
interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de um plano de
implementação das competências locais de gestão com orientações concretas
das tarefas e responsabilidades a serem exercidas pelas chefias e pelas
figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade
Conclusões e Recomendações 207
administrativa de referência do tribunal de comarca.
23. No que refere à gestão dos juízes, as possibilidades de participação
local através de propostas do juiz presidente ao CSM no que toca a medidas
de reafectação, acumulação, requisição de juízes do quadro complementar e
mudanças na organização interna não parece ter-se traduzido, de acordo com
o que foi observado no trabalho de campo, em grandes problemas de
articulação.
24. No que toca à gestão dos funcionários, o trabalho empírico permitiu
identificar vários momentos em que a concentração de competências na
administração central, agravada pela falta de previsão de interfaces eficientes,
bloqueiam a gestão a ser implementada por parte do juiz presidente.
Apesar de terem sido conferidas competências próprias ao juiz
presidente para o planeamento dos recursos humanos, essas competências
não se traduzem na autonomia de definição dos mapas de pessoal ou das
necessidades de recursos humanos da comarca. Ao juiz presidente cabe a
distribuição dos funcionários de justiça dentro dos limites da unidade orgânica
de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça
e respeitando o provimento dos cargos de escrivães de direito nas respectivas
secções dos juízos
O exercício da competência de distribuição dos escrivães adjuntos e
auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está
significativamente delimitado pela não definição do tribunal de comarca
enquanto unidade administrativa. A questão da mobilidade geográfica dos
funcionários é uma questão sobre a qual é necessário reflectir e que exige
alguma intervenção. Contudo, dever-se-ão ter em conta alguns contornos
especiais, sobretudo quando confrontada com direitos adquiridos e
expectativas legítimas dos funcionários.
208 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Outra limitação relaciona-se com o facto das competências previstas
para o juiz presidente no âmbito da fixação de objectivos, da avaliação do
desempenho funcional do tribunal e da qualidade do serviço prestado aos
cidadãos não serem acompanhadas de competências efectivas no que respeita
à avaliação e à acção disciplinar sobre os funcionários da justiça.
Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de um modelo
que reforce a estrutura de gestão local do tribunal de comarca com a
especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas
responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação dos
resultados e fixação de objectivos do tribunal.
Questiona, ainda, o vínculo funcional dos restantes funcionários, não
integrados nas carreiras judiciais, em especial dos técnicos de informática e a
sua dependência funcional e hierárquica face à administração central.
25. As questões relativas à elaboração e execução orçamental, por sua
vez, referem-se especialmente à articulação entre a competência administrativa
do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto do orçamento
e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa competência nos
administradores judiciais e a articulação das tarefas relativas ao orçamento
entre o administrador judiciário e os secretários de justiça. Neste âmbito, o
principal problema resulta do facto de as secretarias dos juízos estarem a
funcionar como unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz
respeito ao orçamento, mantendo o secretário a competência de gerir e
elaborar o orçamento da secretaria. Esta realidade dificulta a gestão
centralizada do orçamento por parte do presidente e do administrador do
tribunal. A falta de uma visão global do orçamento do tribunal de comarca
impede ainda a projecção da execução orçamental e o controlo centralizado
dos gastos.
26. Os problemas relativos à gestão do património e das infra-estruturas,
Conclusões e Recomendações 209
o alcance das competências gerais relativamente ao planeamento das
actividades do tribunal e às necessidades de orçamento podem ser limitados
pela reserva de competências da DGAJ relativamente à aquisição de
equipamentos e outros bens. Neste âmbito, o que está em causa é a
articulação entre as decisões locais relativas às necessidades de
equipamentos e de instalações e as decisões centrais de planeamento das
necessidades e gestão das infra-estruturas dos serviços da justiça como um
todo.
27. A gestão da informação, por sua vez, aponta para a necessidade de
se promover uma melhor definição e integração entre as necessidades dos
tribunais, nomeadamente formação e acesso a elementos de informação úteis
para a gestão do tribunal, e as decisões estratégicas dos órgãos centrais de
planeamento das actividades formativas e adequação dos sistemas.
28. No que respeita à gestão processual, entendida em sentido amplo,
isto é, incluindo as rotinas e os métodos de trabalho associados à tramitação
do processo, o legislador concentrou as atribuições de gestão processual e de
métodos de trabalho a nível do tribunal de comarca na articulação entre o juiz
presidente/magistrados coordenadores e juízes titulares, em coordenação com
as secções. Destaca-se o desafio que consiste na concretização dos objectivos
de eficiência e racionalização dos métodos de trabalho na gestão processual.
Entre as medidas que podem integrar a gestão do caso concreto,
destacam-se: a selecção adequada da calendarização e do sistema de
marcação de diligências, a adopção de medidas que encorajem a resolução do
litígio por acordo, a introdução de recursos informáticos adequados, o recurso a
funcionários com formação especializada, a utilização de mecanismos
processuais como audiências preliminares e formas sumárias do processo.
A potencialidade da previsão de competências de gestão processual
210 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
consiste, sobretudo, em permitir às figuras de gestão ao nível local, em
primeiro lugar, questionar a adequação e a pertinência da organização da
secção e dos métodos de trabalho adoptados e, em segundo lugar, propor
alternativas de reorganização e fixar objectivos e metas a cumprir.
A previsão da intervenção do juiz presidente do tribunal de comarca
garante uma visão global e, simultaneamente, permite ensaiar novas formas de
articulação e agregação entre as diferentes unidades orgânicas, possibilitando
a realização de reuniões de planeamento e de avaliação da actividade e
potenciando a criação de uma cultura organizacional de mudança.
Um aspecto a destacar no decurso da nossa investigação consiste na
heterogeneidade social, administrativa e territorial das comarcas, o que
determina o volume e natureza da procura judicial, as directrizes estratégicas
da organização interna e a optimização dos métodos de trabalho. Isto é, a
racionalização das tarefas não deve corresponder a uma resposta única que
possa ser uniformemente aplicada a todas as secções, mas sim privilegiar a
reflexão e experimentação que permita definir regras e princípios orientadores
sólidos, de acordo com um modelo flexível que tenha em conta variáveis e
condicionantes contextuais como a procura judiciária, a centralização ou
descentralização dos juízos do tribunal, etc.
29. Por contraponto às vantagens da nova lei de organização judiciária
relativamente à proposição de alternativas de gestão e definição de novos
métodos de trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o
trabalho dos funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução
de tarefas, perceber a adequação dos métodos de trabalho e os seus efeitos
em termos de racionalização e produtividade. A falta de reflexão e de princípios
orientadores nesta matéria torna o alcance prático desta reforma muito
limitado.
As novas figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções
baseadas em critérios casuísticos e na experiência pessoal, orientam-se de
Conclusões e Recomendações 211
acordo com o que definem como sendo o seu bom senso e o dos funcionários.
Apesar de estar prevista a disponibilização de dados informatizados do
sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal por parte do
juiz presidente, esta não é suficiente no que respeita aos indicadores de
gestão.
30. No que se refere à organização interna, a principal limitação centra-
se na atomização do modelo, o que implica, muitas vezes, a multiplicação de
secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-se na duplicação de tarefas e
numa organização interna do desempenho funcional pouco racionalizada e
eficiente.
Na observação do espaço físico salienta-se: (1) a existência de
diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de aproveitamento
do espaço físico; (2) a precariedade e a inadequação de algumas instalações;
e (3) a falta de coordenação de agendamentos de actos jurisdicionais que
impliquem a audição de intervenientes processuais (gestão da agenda dos
juízes).
A gestão dos equipamentos, por sua vez, indicia faltas, inadequação e
falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes, digitalizadores e sistema de
vídeo-conferência. Salientam-se ainda as dificuldades na racionalização da
distribuição dos equipamentos pelas diferentes unidades do tribunal de
comarca, de acordo com as suas necessidades, em especial a falta de
autonomia do juiz presidente na colocação/deslocação dos equipamentos.
31. A adopção das inovações tecnológicas é discutida de acordo com
cinco principais vertentes de mudança: (1) a adaptação dos espaços físicos; (2)
a capacidade dos recursos materiais para suportarem as exigências da
desmaterialização; (3) a adaptação do quadro funcional à nova realidade; (4) a
formação e acompanhamento necessários para potenciar as inovações e
212 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e requalificação dos
funcionários, no sentido de adquirirem competências necessárias à utilização
das novas ferramentas. Outra crítica refere-se ao facto da introdução de
programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo de
acelerar os actos processuais, vir atender a necessidades distintas em
diferentes momentos e nem sempre atender à necessária interligação entre si.
O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à garantia
da integralidade do processo electrónico (o que leva à existência, em regra, de
dois processos electrónicos: um em suporte de papel e outro em suporte
informático) em especial pelas dificuldades de digitalização dos requerimentos
e peças processuais ingressadas em suporte de papel, são igualmente
indicados como factores de irracionalização e duplicação do trabalho.
32. As mudanças trazidas pela nova lei da organização judiciária não
tiveram, na maioria das situações observadas, um impacto directo na
organização interna dos tribunais, permanecendo as rotinas e métodos de
trabalho das secções inalterados.
A gestão de recursos humanos e a definição dos métodos de trabalho
estão sustentadas numa grande diversidade de procedimentos entre os
diferentes juízos e entre as secções de um mesmo juízo. Estando os conteúdos
funcionais de cada categoria profissional fixados por lei, as diferenças
registadas nos métodos de trabalho adoptados relacionam-se com as
disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de
distribuição de tarefas assumidas pelas chefias (escrivães de direito), tendo em
vista o que consideram ser o melhor aproveitamento dos recursos e, nalguns
casos, relacionam-se ainda com as indicações transmitidas pelo juiz titular da
secção.
A manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação
entre as secções concretiza-se na manutenção da divisão entre secção central,
secção de processos e secção de serviço externo, bem como o papel decisivo
Conclusões e Recomendações 213
do escrivão na definição das tarefas a serem realizadas pelos escrivães
adjuntos e auxiliares. As principais consequências deste modelo são a
possibilidade de duplicação de trabalho e o facto da decisão de organização do
trabalho caber, em última instância, ao critério pessoal dos escrivães de direito,
sem que assente em orientações e princípios gerais previamente definidos,
verificando-se grande heterogeneidade de procedimentos e falta de
racionalização no trabalho realizado.
33. Em síntese, as principais conclusões que o trabalho empírico
realizado evidenciou no que diz respeito à organização e gestão dos tribunais
são as seguintes: (1) a organização do trabalho varia de acordo com a secção,
o juiz, o perfil e a experiência de cada funcionário, ficando a produtividade dos
funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso
pessoal; (2) a formação para o desempenho das funções é isolada e aleatória e
os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a assimilar os
vícios de rotina daqueles com quem trabalham; (3) a ausência de um programa
de preparação, formação e acompanhamento das reformas tem consequências
no usufruto que pode ser extraído delas, daí que a maior ou menor adaptação
e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação
pessoal de cada funcionário.
Para concluir, deve ainda mencionar-se o facto das boas práticas de
determinadas secções não serem generalizadas, ou seja, a responsabilidade
pelo aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças
é difusa e depende do esforço e do interesse de cada um. Deve, por isso,
procurar-se a introdução de mecanismos que permitam a generalização e
adaptação local das boas práticas alcançadas.
7.2 Recomendações principais
Como já referimos, nas sociedades modernas, onde o direito e a justiça
são instrumentos centrais da qualidade da democracia, os tribunais judiciais
desempenham um papel fundamental, seja na efectivação de direitos sociais,
no combate à corrupção ou na resolução de conflitos dos cidadãos e das
empresas. A resolução de muitos desses conflitos, ainda que inter-individuais,
tem uma enorme relevância para os próprios, mas também para a qualidade da
cidadania. Por exemplo, a forma como o país trata grupos de cidadãos
socialmente mais vulneráveis (onde se incluem as crianças, a grande maioria
dos sinistrados laborais, as mulheres, os imigrantes) depende muito da acção
dos tribunais. O poder judicial é um poder fundamental do Estado. E é nessa
condição que as reformas a ele dirigidas, quer na sua concepção, quer na sua
execução, devem ser encaradas pelos intervenientes dos diferentes poderes.
O campo das reformas estruturais pode ser um campo de confronto, de
tensões entre os poderes judicial e político, de lutas corporativas, mas pode,
também, ser um campo de oportunidades, de rupturas, de novos desafios, de
olhar para o futuro. A reforma do mapa e da organização judiciária em curso
tem essa dimensão, ao estruturar-se em torno dos objectivos de modernização
do sistema judicial através de criação de novos modelos de divisão territorial,
de organização judiciária e de gestão dos tribunais.
Tal reforma, pela sua abrangência, pelos desafios que incorpora e pelos
recursos que mobiliza, deve ser encarada como eixo estruturante do sistema
de justiça. Aliás, essa é a perspectiva subjacente à proposta de reforma do
mapa judiciário que apresentámos em 2006, ao considerarmos que a reforma,
se devidamente articulada com uma agenda estratégica mais vasta, poderia
funcionar como alavanca de uma verdadeira viragem do desempenho funcional
da justiça portuguesa no caminho da qualidade e da excelência.
Como se demonstrou ao longo deste relatório, a dimensão gestionária é
uma dimensão central desta reforma que se materializa, sobretudo, na
216 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
densificação de competências desta natureza ao nível do tribunal de comarca,
concentrando um dos principais desafios à reforma. É sobre esta dimensão que
se centram a análise e as recomendações que integram este relatório.
Esta reforma incorpora, ainda, uma vertente pouco comum entre nós: a
experimentação. Ao optar pela implementação da reforma em apenas três
comarcas piloto, o legislador assume a sua dimensão complexa e estruturante.
Mas a experimentação não é um fim em si mesmo. Ela tem uma função
instrumental no sentido de identificar tanto virtualidades como problemas. Daí
que o potencial só seja efectivamente conseguido se a reforma for sujeita a um
processo de monitorização e avaliação em todas as sua vertentes, o que aliás
estava previsto. Não deve, por isso, avançar-se no alargamento a outras
comarcas sem que tal ocorra. Essa é a nossa primeira recomendação. A
repetição de erros, de desperdícios, de resistências, pode comprometer
irremediavelmente este processo de mudança da justiça portuguesa. Os
órgãos e os agentes do Estado e da sociedade, empenhados nesta reforma,
devem assumir que o quadro de crise social e de escassez de recursos não
permite desperdícios de experiências e de oportunidades.
O alargamento do período experimental pode ainda ser aproveitado, no
que respeita à componente gestionária, para testar algumas possibilidades que
a avaliação e as recomendações possam sugerir. Apesar deste alargamento
impedir o cumprimento da calendarização prevista na reforma, deve
estabelecer-se uma agenda alternativa rigorosa que permita definir objectivos e
metas.
Na sequência dos princípios e linhas orientadoras que as várias teorias
gestionárias enfatizam e à luz da investigação realizada, apresentamos de
seguida as recomendações principais.
Conclusões e Recomendações 217
Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e da organização judiciária
Avaliação global da reforma do mapa e da organização judiciária
Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes e na
verificação empírica da aplicação da lei, através de um competente
programa de monitorização e de avaliação, é fundamental para o sucesso
da reforma. Essa monitorização deve ser interna e externa.
A nossa recomendação é no sentido do não alargamento a outras
comarcas piloto sem prévia avaliação da reforma.
Definição de um programa de avaliação
A avaliação exigente deve sustentar-se em metodologias adequadas, bem
como partir da definição prévia de objectivos, critérios e indicadores, que
devem constar de um programa de monitorização que permita avaliar e
medir o impacto da reforma.
Tal programa deve dar especial atenção às dificuldades de
interpretação de determinados conceitos da lei, designadamente,
em matéria de competências funcionais (divisão de competências
entre entidades centrais e locais e dentro destas) de forma a
concretizar os perfis profissionais dos diferentes intervenientes,
especificando as tarefas e responsabilidades de modo a evitar
sobreposição de competências e dificuldades de criação de
interfaces.
218 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Preparação eficiente do alargamento da reforma
A preparação da reforma não se relaciona apenas com o necessário
esforço analítico de interpretação da realidade sobre a qual se quer intervir
de modo a produzir conhecimento sólido que possa informar o debate e
orientar as soluções em discussão. A sua execução prática deve também
prever um plano de actividades para a sua implementação que garanta o
suporte estrutural necessário, que permita uma execução faseada e que
potencie a participação social e profissional alargada.
O alargamento futuro a outras comarcas piloto deve ser precedido
de um plano estratégico e da criação de um conjunto de
instrumentos de suporte que potenciem uma adequada e eficiente
gestão prática da mudança. Este plano deve prever os principais
canais de comunicação e de informação e envolver, o mais
possível, as pessoas mais directamente afectadas pelo processo
de mudança.
Levantamento sistematizado, programação e calendarização de todas
as necessidades, quer no âmbito de infra-estruturas, quer de
equipamentos que o alargamento a mais comarcas exige
O nosso estudo permitiu identificar vários aspectos em que essa
programação não ocorreu. As reformas estruturantes que impliquem
rupturas com rotinas tendem a sofrer uma maior resistência. Essa
resistência será tanto maior quanto mais perturbador for o processo de
mudança em si mesmo.
Sistematização e acompanhamento da experimentação gestionária
O período experimental da reforma propicia e deve ser aproveitado para
ensaiar, no respeito pelos princípios e normas legais, novas formas de
Conclusões e Recomendações 219
organização interna e novos métodos de trabalho. A reforma tem potencial
e introduz muitas inovações que devem ser testadas. Mas essa
experimentação deve ser enquadrada por linhas orientadoras, objectivos e
metas previamente definidos e deve ser acompanhada de forma a poder
controlar as diferentes variáveis. Não pode ser casuística, baseada em
constatações empíricas, na experiência pessoal ou no bom senso. Só uma
experiência racionalizada e devidamente controlada pode ser melhor
aproveitada enquanto processo de boas práticas e susceptível de produzir
um efeito sistémico.
Recomenda-se, assim, que sejam definidas áreas de
experimentação – a nossa proposta é que se situem no âmbito da
organização interna e dos métodos de trabalho das secções de
processo – e se crie, em conjunto com os principais
intervenientes, um programa informado de experimentação nas
três comarcas piloto.
Definição de regras e princípios gerais para a instalação dos juízos
O trabalho de campo evidenciou a instalação de juízos em locais
manifestamente inadequados, considerando quer o volume de trabalho,
quer o número de cidadãos que diariamente aí se dirigem. Por exemplo, há
instalações que podem comportar um juízo de execução, com uma
intervenção de público mais reduzida, mas não um juízo de família e
menores ou um juízo de trabalho. No contexto da reforma experimental,
esta vertente pode atenuar ou acentuar a força simbólica da mudança.
Articulação com outras reformas
A natureza estruturante da reforma do mapa e da organização judiciária
leva-nos, ainda, a recomendar que o desenvolvimento de outras reformas
conexas, com sejam reformas de natureza processual, de criação de meios
220 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
alternativos de resolução de conflitos ou de colocação e progressão nas
carreiras judiciais, deva ter um lastro na avaliação e monitorização desta
reforma, de modo a que se possa melhor prever os impactos respectivos
no desempenho funcional dos tribunais. Por exemplo, se a opção for no
sentido do reforço da oralidade do processo civil, a organização das
secções de processos exigirão, em várias vertentes, um outro tipo de
dimensionamento. Daí que essa avaliação global se revele fundamental.
Recomenda-se, assim, que se crie uma plataforma de articulação
entre a monitorização da reforma do mapa e da organização
judiciária e os eventuais processos de reforma em matérias
conexas.
Definição de canais e regras de interface entre as diferentes entidades
com competência de administração e gestão dos tribunais
A governação dos tribunais, a nível central, está configurada num modelo
de competências bicéfalo, repartido entre vários organismos do Ministério
da Justiça e os conselhos e, a nível local, entre várias figuras no contexto
do tribunal de comarca. Ainda que algumas dessas competências venham
a ser concentradas no juiz presidente ou no administrador do tribunal,
como se propõe, a lei prevê, em diversos momentos, a combinação e
articulação de competências centrais e locais. A gestão integrada que
tenha como referência o tribunal de comarca depende muito da capacidade
de articulação entre as diversas entidades, isto é, da realização plena do
princípio da cooperação previsto na lei. O trabalho de campo permitiu
verificar que há dificuldades de articulação várias. Se, a nível local, está
previsto um conselho de comarca e um papel de coordenação por parte do
juiz presidente, a nível central, a dispersão de competências exige a
criação de uma estrutura que possa sintetizar uma maior articulação.
Conclusões e Recomendações 221
Propõe-se que se evolua no sentido de um modelo que preveja a
criação de um Conselho de Coordenação e de Planeamento de
Políticas de Administração e Gestão dos Tribunais nas várias
vertentes com a participação dos Conselhos Superiores, dos
juízes presidentes dos tribunais de comarca e do Ministério da
Justiça. A um tal conselho seria conferido um papel primordial na
execução de políticas e concertação de acções.
222 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Recomendações que visam criar capacitação gestionária ao nível do tribunal de comarca
Criação de um gabinete de apoio ao juiz presidente e ao administrador
do tribunal
A lei veio conferir importantes competências em matéria gestionária a estas
duas figuras, cujo exercício precisa de um suporte organizacional. A
densificação dessas competências, designadamente em matéria
orçamental e de gestão de recursos, exige que esse gabinete seja
dotado de recursos humanos e materiais em número e perfis
funcionais adequados.
O tribunal de comarca como unidade administrativa de referência a
nível local
A reforma dá continuidade à característica atomística da organização
interna dos tribunais, ao manter as actuais secretarias dos juízos como
unidades administrativas de referência, e não o tribunal de comarca em si
mesmo. Como mostramos no relatório, esta característica tem
consequências no âmbito dos recursos humanos, materiais, financeiros
(por exemplo, as secretarias deixam de serem titulares de contas
bancárias) e mesmo no domínio da informatização (uma vez que, apesar
de ter um servidor a nível da comarca, trata cada secretaria como se
fossem tribunais autónomos, o que leva a que diariamente haja problemas
vários na transmissão de dados) e não é compatível com os objectivos da
reforma do mapa judiciário ao condicionar o efeito de uma escala maior
que a reforma introduziu.
Recomendamos, por isso, que seja alterada esta organização
administrativa. Admite-se que essa alteração seja complexa e exija
um esforço acrescido, dada a ruptura que irá provocar com
Conclusões e Recomendações 223
conceitos e práticas de há várias décadas. Contudo,
constrangimentos vários mostram que não é possível aprofundar
os objectivos de governação integrada e de proximidade que a
reforma incorpora sem essa alteração.
A gestão dos recursos (com excepção dos magistrados) deve ser feita
ao nível do tribunal de comarca
Nesta articulação, cabe ao juiz presidente o planeamento das
necessidades. A decisão, ponderando a elasticidade dos recursos e as
necessidades das diferentes comarcas, é central. Ao nível local a decisão é
desconcentrada, sendo a gestão dos recursos (colocação, deslocação,
permuta, etc.) da exclusiva competência do juiz presidente. A supervisão,
com a obrigação de apresentação de relatórios periódicos, é reservada às
autoridades centrais ou ao Conselho de Coordenação e de Planeamento
de Políticas de Administração e Gestão dos Tribunais acima proposto.
Relativamente aos magistrados devem ser criados canais de comunicação
próprios que estreitem a articulação com o tribunal de comarca.
Atribuição de orçamento único ao tribunal
A proposta de orçamento, bem como a sua gestão e execução, devem
ter como referência o tribunal de comarca globalmente considerado, e
não cada uma das secretarias. Deve ser atribuído um orçamento único
ao tribunal. O juiz presidente, com a coadjuvação do administrador, tem
competência para a distribuição do orçamento pelas secretarias. A decisão
sobre as transferências entre rubricas ou entre secretarias deve ser
competência própria do juiz presidente, coadjuvado pelo administrador.
Este modelo deve evoluir para a centralidade administrativa das tarefas
relativas ao orçamento. Esta evolução exige a criação de uma estrutura de
apoio, não só através de recursos humanos especializados, mas também
224 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
de uma aplicação informática adequada ao controlo da execução
orçamental global.
Formação na área da gestão
A criação e densificação de competências ao nível do tribunal de comarca
exige uma atenção especial ao perfil, formação e capacitação dos vários
intervenientes com funções de direcção e coordenação. A lei prevê uma tal
formação e as futuras colocações dela devem beneficiar sempre. Esta
necessidade assume contornos especiais nos casos do juiz presidente,
dada a amplitude das suas competências, e do administrador do tribunal,
mas não só, sendo igualmente aplicável às demais funções de
coordenação. É, assim, fundamental que essa formação inclua os
escrivães de direito, considerando o papel que desempenham na chefia da
secção de processos.
Transitoriamente, deve ser definido e executado um programa de
formação específica obrigatória, envolvendo todas as matérias de
gestão (processual, de recursos humanos e materiais, financeira,
entre outras) para as pessoas que estão actualmente no exercício
de tais funções.
Conclusões e Recomendações 225
Recomendações no âmbito da gestão de recursos humanos
Os movimentos, quer para magistrados, quer para funcionários
judiciais, devem ser anuais e devem ocorrer em simultâneo
A prática, no caso dos funcionários, de mais que um concurso anual e o
facto de não ocorrerem em simultâneo com a movimentação de
magistrados tem consequências negativas na eficiência dos serviços.
Quadro e mapa de pessoal
Considerando o modelo actual de distribuição dos recursos humanos com
referência ao quadro de juízes dos juízos e ao quadro de pessoal das
secretarias, uma primeira medida é a avaliação da sua adequação tendo
em conta critérios objectivos, designadamente, os processos entrados e
pendentes dos diferentes juízos e os índices de produtividade.
A gestão dos recursos humanos pode admitir dois cenários: a) a criação de
quadros máximos e mínimos de juízes e de funcionários; b) a criação de
um mapa de funcionários para o tribunal de comarca. Note-se que a
questão dos juízes tem outros contornos, que serão abaixo desenvolvidos.
a) Funcionários Judiciais
Definição de orientações e critérios objectivos que permitam prever
as necessidades de recursos humanos nos diferentes juízos do
tribunal de comarca
Esta questão é complexa e implica o aprofundar da reflexão sobre volumes
de trabalho e conteúdos funcionais. Não obstante, é uma reflexão
fundamental. Os instrumentos que existem dizem respeito a uma realidade
226 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
organizacional que a reforma alterou profundamente. Essas linhas de
orientação são essenciais para que o juiz presidente, em conjunto com as
entidades com competências de gestão de recursos a nível central
(Conselhos e DGAJ), possa prever, não só os recursos humanos
necessários para toda a comarca, mas também para cada um dos juízos.
Deve apostar-se na produção de estudos objectivos. Contudo, a
complexidade dessa temática exige um estudo de acompanhamento que
se prolongue no tempo, admitindo-se que, num período de transição, se
façam as aproximações possíveis.
Propõe-se a criação de um grupo de trabalho que faça uma
actualização dos trabalhos produzidos sobre esta matéria
considerando as novas comarcas de modo a produzir indicadores
de referência, tendo por base o volume e a natureza da litigância,
carga horária, número e categoria dos recursos humanos.
Colocação dos funcionários judiciais no tribunal de comarca
Mostramos no relatório que existem vários constrangimentos à mobilidade
dos funcionários judiciais entre as secretarias dos juízos do tribunal. Esses
constrangimentos decorrem, no essencial, do Estatuto dos Funcionários de
Justiça, e pelo facto de se interpretar como unidade de referência de
colocação a secretaria dos juízos e não o tribunal de comarca. Uma gestão
eficiente dos recursos exige uma deslocação ágil, de acordo com critérios
de racionalidade e de necessidades de serviço. A intervenção sobre esta
matéria exige, contudo, que se encontre um adequado equilíbrio entre as
necessidades de racionalização dos recursos humanos disponíveis, direitos
adquiridos e expectativas legítimas dos funcionários aquando do ingresso
na carreira.
Conclusões e Recomendações 227
Propõe-se a alteração do Estatuto dos Funcionários de Justiça no
sentido de permitir a mobilidade geográfica de todos os
funcionários judiciais, alicerçada em critérios de necessidade de
serviço devidamente fundamentados, independentemente da sua
categoria funcional. No respeito pelo limite dos critérios de
mobilidade que se venham a definir, a unidade de referência de
colocação dos funcionários judiciais deve ser o tribunal de
comarca. As actuais regras de mobilidade estabelecidas pela lei e
jurisprudência laboral consagram direitos que não podem ser
derrogados.
Densificação das competências do juiz presidente no que respeita à
avaliação de desempenho dos funcionários judiciais
Recomendamos que se analise a possibilidade de a avaliação de todos os
funcionários passar a estar sujeita ao SIADAP. Independentemente da
evolução para um tal sistema, a afectação e a avaliação dos funcionários
devem convergir no sentido de se situarem ao nível do tribunal de comarca,
tendo como superior hierárquico o juiz presidente. No COJ seriam mantidas
as actuais competências, quanto aos funcionários judiciais, em matéria
disciplinar.
Recrutamento e colocação de outro pessoal para o exercício de
funções de natureza administrativa ou de suporte à actividade
jurisdicional a nível do tribunal de comarca
O vínculo funcional com estes quadros deve situar-se ao nível do tribunal
de comarca. O recrutamento e gestão destes recursos, em todas as suas
vertentes, deve situar-se exclusivamente ao nível do tribunal de comarca e
deve constituir competência própria do juiz presidente.
228 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
b) Juízes
Distribuição de processos
Deve abrir-se um debate informado que possa definir linhas de orientação
para o estabelecimento de regras que permitam uma maior racionalidade,
eficiência e qualidade na distribuição do trabalho dos juízes e que evitem o
recurso ao mecanismo de acumulação e permitam regras de distribuição
de processos diferenciadas e sem colocar em causa o princípio do juiz
natural. A solução pode levar à criação de critérios diferenciados para as
várias comarcas. O trabalho de campo permitiu identificar, entre os agentes
judiciais, dissensos vários quanto a possíveis soluções, que passam por
diferentes interpretações sobre os limites decorrentes do princípio do juiz
natural. A importância e complexidade da matéria exige que se inicie esse
debate.
Conclusões e Recomendações 229
Recomendações no âmbito da informatização
Diagnóstico dos níveis de segurança do sistema
A questão da segurança foi enfatizada por vários agentes entrevistados. De
modo a garantir a credibilidade do sistema e a não colocar em causa o
processo de informatização deve ser feita uma avaliação à sua
segurança tendo como referência normas aplicáveis à segurança
informática (por exemplo, ISO 27001:2005 Information Security
Management, ISO 20000:2005 IT Service Management e BS 2599:2006
Business Continuity Management).
Gap Analysis
Deve ser promovida uma análise de diagnóstico dos actuais sistemas, de
modo a identificar problemas e necessidades de expansão para comportar
mudanças na organização interna, nos métodos de trabalho ou na gestão
processual. Esta avaliação deve ser precedida da identificação de todos
utilizadores, das suas necessidades e da definição dos diferentes
perfis e níveis de acesso. A realização deste diagnóstico deve envolver
o mais possível os diferentes tipos de utilizadores.
A competência para a definição do perfil dos utilizadores e dos
níveis de acesso deve ser mantida ao nível do tribunal de comarca
concentrada no juiz presidente.
Avaliação das necessidades para o exercício de funções de gestão do
juiz presidente e do administrador
A nossa proposta é que a regra seja de pleno acesso, por parte do juiz
presidente, a toda a informação gerada nos juízos, com ressalva de
230 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
situações excepcionais, como as abrangidas pelo segredo de justiça. Deve
ser levada a cabo uma avaliação que permita definir diferentes níveis
de acesso, bem como a criação de programas específicos que
atendam às necessidades do juiz presidente e do administrador no
exercício das tarefas de gestão do tribunal.
Serviços de apoio técnico e informático
Os tribunais de comarca devem ser dotados de um serviço de apoio
técnico e informático adequado que permita, com proximidade, rapidez
e eficiência, resolver os problemas que surgem nos respectivos
serviços. O caminho da utilização crescente das novas tecnologias e da
desmaterialização dos processos em que se apostou exige essa
disponibilidade. A actual situação cria ineficiências graves no exercício das
funções, que devem rapidamente ser acauteladas.
O caminho da desmaterialização dos processos
A situação que hoje se vive, não só nas novas comarcas piloto, mas em
todos os tribunais do país é geradora de perda de eficiência e de qualidade,
de desperdícios e de insegurança. A este propósito destaca-se o facto de
existirem, em regra, dois processos a correr em paralelo, que se
complementam: um a tramitar em suporte de papel e outro a tramitar em
suporte electrónico. A gravidade desta situação exige que se defina e
execute, de imediato, um programa de acção, em especial, no âmbito
das novas comarcas piloto. Pela dinâmica que se pretende criar, devem
merecer prioridade. A não resolução atempada deste problema, além dos
efeitos acima referidos, poderá gerar um rápido retrocesso no caminho da
desmaterialização. Assim:
Conclusões e Recomendações 231
a) Devem-se definir regras que obriguem, de facto, à
desmaterialização de todos os documentos que ainda chegam ao
tribunal em suporte de papel;
b) Deve-se dotar todos os juízos de equipamentos adequados (em
número e em eficiência) que permitam suportar essa
desmaterialização;
c) Deve-se definir e executar, no âmbito de cada comarca piloto, um
adequado programa de formação que abranja todos os utilizadores,
de modo a criar competências na utilização das ferramentas
promovendo a sua utilização (por exemplo, há escrivães que não
utilizam, por dificuldade de conhecimento técnico, a ferramenta que
permite controlar os prazos dos processos);
d) Os serviços do Estado, em especial aqueles que com regularidade
se articulam com os tribunais, devem fazê-lo através de meios
telemáticos. À semelhança do que já ocorre com DGRS, devem ser
criados protocolos de articulação com os vários serviços,
designadamente, órgãos de polícia, serviços da segurança social,
serviços de perícia.
232 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Recomendações no âmbito da organização interna e dos métodos de trabalho
Como referimos no ponto 6, a heterogeneidade social, administrativa e
territorial das comarcas, influenciada por diferente volume e natureza da
procura judicial, determina que as propostas de optimização da organização
interna e dos métodos de trabalho não possam corresponder a uma solução
única a aplicar uniformemente a todas as secções. Neste campo deve existir,
sobretudo, reflexão e experimentação suficientemente consolidada que permita
produzir regras e princípios orientadores sólidos.
Daí que a primeira recomendação vá no sentido de reforçar a
utilização do período experimental para ensaiar propostas de mudança na
organização interna e nos métodos de trabalho, devidamente orientadas, de
forma identificar boas práticas que sirvam de referência para o alargamento da
reforma.
A segunda recomendação é que uma tal experimentação deve, por
um lado, ser sustentada a partir de certas variáveis (instalação dos juízos,
dispersão territorial, volume e natureza da procura, recursos humanos) e, por
outro, ser fundada nos estudos existentes e conhecimento empírico do
funcionamento quotidiano dos serviços, da divisão de tarefas e dos processos
de trabalho. O trabalho de campo produzido permite-nos avançar com algumas
propostas.
Secções de Serviço Comum
Os juízos devem organizar-se em secções de processos e, sempre
que tal se justifique, em secções de serviço comum. No actual quadro da
organização judiciária e da desmaterialização dos processos, a secretaria
perde utilidade como intermediária do fluxo entre a secção de processos e o
exterior ou outros serviços. Explicámos como a reforma do mapa e da
Conclusões e Recomendações 233
organização judiciária, apesar de elevar a escala, manteve esta situação,
fazendo corresponder, na prática, as anteriores secretarias dos tribunais às
actuais secretarias dos juízos. Esta situação é geradora de elevados
desperdícios, em especial, nos juízos que têm apenas uma ou duas secções.
Não defendemos a adopção do modelo espanhol que apresentamos neste
relatório, mas a experiência espanhola tem algumas virtualidades, em especial
a que se refere à criação de serviços comuns, que podem ser experimentadas
no nosso contexto.
O serviço comum deve ser criado onde a escala o justifique
(podendo agregar tarefas de juízos situados no mesmo edifício ou em
edifícios próximos) e deve englobar todas as tarefas susceptíveis de
serem agregadas não colocando em causa o controlo total do processo
por parte do juiz e da secção do processo onde está a tramitar. Este
serviço deve ser dirigido por um secretário ou escrivão de direito e tem
que ser dotado dos recursos humanos necessários. Propõe-se como
possíveis tarefas a agregar em serviços comuns as seguintes:
Criação de um serviço comum de atendimento e informação
Baseado num sistema informático aperfeiçoado que permita deslocar um
funcionário ou um grupo de funcionários para um front office,
concentrado no atendimento ao público mas garantindo também o
cumprimento de outras tarefas da secção a que está afectado. Assim,
elimina-se o atendimento telefónico nas secções de processos e as
interrupções causadas pelo atendimento ao público. Esta proposta exige
a redefinição e ampliação dos critérios de acesso às informações
constantes do processo electrónico. Só se deve evoluir para a criação de
serviços de informação fora da secção de processos quando os
processos estiverem totalmente informatizados. Uma condição primeira
para o funcionamento destes serviços é que os utentes não vejam
aumentadas as dificuldades de acesso à informação constante do
234 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
processo. Reside aí a importância de estes serviços serem dotados de
pessoal altamente qualificado.
Enquanto tal não for possível a prestação de atendimento ao
público, presencial ou por telefone, deve ser racionalizada na
secção ou no juízo, com mais de uma secção, com a criação de
um front office.
Criação de um serviço comum de estatísticas
Este serviço pode estar vinculado ao gabinete da presidência do tribunal
e será responsável pelo tratamento das estatísticas produzidas em todos
os juízos do tribunal de comarca com o objectivo principal de produzir
indicadores, que sirvam, designadamente, como instrumentos de
planeamento, gestão e avaliação de desempenho. Pode, ainda,
colaborar na avaliação dos sistemas informáticos.
Criação de um serviço comum para as execuções, que tramitam em
tribunais especializados, ou para a elaboração da conta dos
processos
Tratando-se de tarefas repetitivas que podem ser agregadas, a criação
de um serviço comum traria ganhos de eficiência, quer para a execução
dessas tarefas, quer para a libertação da secção de processos dessas
funções.
Criação de um gabinete do cidadão
O gabinete teria funções de esclarecimento e aproximação do cidadão
ao sistema judicial, com especial mais-valia nos processos-crime e nos
juízos de família, por exigirem maior atenção do tribunal face ao cidadão.
Também poderia ser responsável, em colaboração com a Ordem dos
Conclusões e Recomendações 235
Advogados, por prestar serviços de informação e consulta jurídica no
âmbito do apoio judiciário.
Criação de serviços comuns de registo e digitalização da
correspondência
Este serviço contribuiria para a concretização da informatização do
processo, apoiando um conjunto de juízos de acordo com o volume de
entrada de documentos. Esta medida poderá a obrigar a alterações nos
fluxos electrónicos do processo de modo a que informação possa ser
transferida directamente para o histórico e os detalhes do processo.
Secção única de processos
Esta possibilidade teria como resultado o estabelecimento de uma
gestão de equipas orientada para a execução de tarefas pré determinadas,
permitindo uma maior racionalização da distribuição e controlo do desempenho
funcional. A criação deste tipo de secção implica reflectir sobre a criação de
unidades de apoio directo aos magistrados e a sua relação com a secção
única, a necessidade de reestruturação da carreira dos funcionários judiciais
introduzindo diferentes níveis de especialização e de responsabilidade, e o
perfil e a formação do escrivão como verdadeiro gestor da secção. A
densificação do papel do escrivão deve, ainda, evoluir para o alargamento de
competências processuais não jurisdicionais.
Divisão de tarefas e métodos de trabalho.
A observação do trabalho de campo permitiu identificar os
seguintes três modelos ideais de divisão de tarefas nas secções de
236 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
processo (sendo possível que em todos eles se distribuam tarefas
específicas por determinados funcionários):
Modelo A. Distribuição aleatória de processos (em regra por número).
Trata-se de um modelo com baixo nível de especialização, mas que
permite um conhecimento generalista de todos os actos do processo por
parte de todos os funcionários, bem como um conhecimento
aprofundado do processo pelo funcionário responsável.
Modelo B. Distribuição por tipo de acção. Este modelo também permite
um conhecimento aprofundado do processo, garantindo ainda a
especialização dos funcionários em determinadas matérias. A sua
desvantagem reside na baixa mobilidade funcional, dado o grau de
especialização que incorpora.
Modelo C. Distribuição por tarefas. É um modelo que também potencia
maior especialização, mas admite baixa mobilidade funcional e não
permite o conhecimento do processo na íntegra por parte de um
funcionário.
Nos juízos observados, não foi possível identificar um modelo que
indiciasse maior ou menor eficiência na execução das tarefas e na tramitação
dos processos. A variável de influência, que nos pareceu mais constante,
relaciona-se com o perfil do escrivão de direito. O que reforça o nosso
argumento da inexistência de uma solução geral de eficiência nos métodos de
trabalho que possa ser adoptada de forma homogénea. A melhor adequação
deve ser encontrada ao nível do juízo, tendo em conta determinadas
características, por exemplo, a massificação ou a complexidade das acções
prevalecentes, mas também o perfil dos funcionários, entre outras variáveis.
Para tal, o escrivão que chefia a secção desempenha um papel fundamental.
Conclusões e Recomendações 237
Esta constatação não significa, muito pelo contrário, que não se deva
desenvolver processos de experimentação que incentivem boas práticas, o
que, por sua vez, contribui para a criação de linhas orientadoras.
A nossa proposta é que haja uma aposta forte, nas três comarcas
piloto, na experimentação devidamente informada e monitorizada.
Esta experimentação deve ser associada a um forte investimento na
formação dos lugares de chefia e na produção de indicadores e de
conhecimento associados ao processo de monitorização.
240 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
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244 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
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SEMINÁRIO “PARA UM NOVO JUDICIÁRIO:
TRANSFORMAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO INTERNA E
NOS MÉTODOS DE TRABALHO DOS TRIBUNAIS”99
CES, 8 de Janeiro de 2010
PROGRAMA
14h | Sessão de abertura
Boaventura de Sousa Santos, Director do Centro de Estudos Sociais e do Observatório
Permanente da Justiça Portuguesa
João Correia, Secretário de Estado da Justiça
14h15 | A nova oficina judicial em Espanha
Ignacio Colomer, Professor de direito processual (Universidade Pablo Olavide - Sevilha)
Luis Martín Contreras, Secretario de Gobierno de la Audiencia Nacional
Organização interna e funcionamento dos tribunais em Portugal
Conceição Gomes, Directora Executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa
16h30 | Comentários
Ana Azeredo Coelho, Juíza Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste
José Morais, Especialista em Controlo de Gestão e Engenharia de Qualidade
Maria João Santos, Juíza Presidente da Comarca Alentejo Litoral
Margarida Mano, Professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Paulo Brandão, Juiz Presidente da Comarca Baixo Vouga
99 Dado o carácter público da sessão e a importância dos temas em discussão, optámos por
incluir neste anexo a transcrição do seminário. Contudo, como não foi possível obter, em tempo, resposta de todos os intervenientes, optámos pelo seu anonimato, identificando-os com um código atribuído aleatoriamente.
250 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Sessão de abertura
S1
Muito boa tarde a todos. Passaria a palavra
(…) dando logo de seguida início aos
nossos trabalhos.
S2
Boa tarde senhor Secretário de Estado,
senhor Presidente do Supremo Tribunal
Administrativo, senhores Presidentes dos
Tribunais da Relação, Senhores
procuradores-gerais adjuntos, senhores
magistrados, senhores funcionários
judiciais, minhas senhoras e meus
senhores. É um prazer imenso estar aqui
nesta sessão e dar-vos as boas vindas. É
digno de registo que, mais uma vez,
estamos num evento desta natureza,
organizado por aquele que, dentro do
Centro de Estudos Sociais é seguramente
um dos seus núcleos mais dinâmicos e
inovadores - o Observatório Permanente da
Justiça Portuguesa (OPJ) - pela
capacidade de abertura que tem em
trabalhar com os diferentes ramos e
sectores da justiça, indo ao seu encontro e
trazê-los aqui para debater questões que
são de relevante interesse para o país.
É com um enorme gosto que estamos aqui
e cabe-me, por isso, registar a satisfação
que é para nós a vossa presença,
sobretudo por conseguir a atenção de um
tão variado número de interesses que aqui
estão representados. Por outro lado,
gostaria de sublinhar o trabalho do OPJ,
que é também o reflexo do nosso trabalho
e da nossa disponibilidade em trabalhar
com as diferentes profissões na área da
justiça, em relação às quais estamos muito
interessados e muito abertos, sobretudo no
que toca ao seu desenvolvimento.
Portanto, estou seguro que este Seminário
contribuirá para desenvolver uma reflexão
em que todos nós temos interesse, em
partilhar experiências de forma a sairmos
daqui com bases para trabalhos futuros.
Nestas breves palavras introdutórias são
estes os votos que gostaria de desejar,
estando certo que este Seminário vai ser
produtivo para todos
S3
Muito obrigado pelo convite. Serei breve.
Aos membros da mesa, os meus
cumprimentos. senhores magistrados –
está aqui a representação de mais alto
nível do Supremo Tribunal Administrativo,
está o senhor presidente da Relação de
Coimbra, está o senhor procurador-geral
distrital, estão colegas meus, estão
funcionários, dirigentes sindicais e
representantes da Ordem dos Advogados.
Isto é uma sessão de trabalho, e como tal
penso que convém que estes discursos
protocolares tenham o mínimo de duração
possível. De qualquer forma, gostaria de
salientar que, como sessão de trabalho,
para nós é absolutamente essencial que
estas sessões sejam muito profícuas.
Ainda há pouco eu comentava que estou
com muita avidez, não em termos
pessoais, mas em termos funcionais, sobre
o resultado destas avaliações.
Nós estamos todos nessa orientação, e eu
sei que o Observatório também o está,
numa perspectiva de avaliação, e tudo o
que se vai fazer, há-de ser ponderado, em
primeira mão, por via das avaliações que
estão a ser feitas; e em segunda mão,
Anexo 251
partilhando responsabilidades com todos
os intervenientes processuais e todos os
responsáveis pela justiça. Isto é, para nós,
(…), terminou a época, ou ela não
começará – talvez seja melhor assim dizer
– em que, numa perspectiva iluminista
cada um de nós pensa pela sua própria
cabeça. Penso que a partilha de
responsabilidades entre magistrados,
advogados e funcionários deve ser
assumida com vista a resolver os
problemas dos cidadãos e das empresas. E
é nessa perspectiva que é essencial para
nós que estas reflexões se façam e que
tenham bons resultados. E posso-vos
garantir que elas serão tomadas em muito
boa consideração pelo Ministério da Justiça
(…) com todo o respeito pela actividade de
cada um dos sectores, pelos titulares dos
órgãos de soberania que são os juízes,
pelo Ministério Público, cuja autonomia tem
que ser reforçada através da
responsabilidade pelas suas próprias
funções e, acima de tudo, por uma
advocacia viva, actuante e com respeito
por todos, bem como por funcionários
responsabilizados, mas também altamente
mobilizados para a sua própria função.
Aliás, tivemos há dias uma reunião com o
Sindicato dos Funcionários Judiciais, em
que foi extremamente agradável verificar
como eles são extremamente exigentes
consigo próprios e com a sua própria
função.
Como tal, penso que estamos no bom
caminho, estamos no caminho da
avaliação, das ponderações e das reformas
feitas a dois tempos. A um tempo, através
das medidas que se comummente
tomaram e identificaram como medidas
cirúrgicas, mas depois as medidas de
ponderação há-de ser feitas a seu tempo –
essas têm a ver com uma estratégia da
justiça para os próximos cinco, dez, quinze
anos e não devem ser feitas de forma
irreflectida.
Quem já conhece bem a justiça como eu, já
sabe quais são os seus vícios e as suas
bondades, quais são as suas debilidades e
as suas forças, as suas fraquezas e as
suas potencialidades e sabe bem que
temos bons profissionais, mas também
sabe que a organização não permite que a
sua bondade e eficácia se repercuta
também na imagem da justiça.
Nessa medida, é esse o esforço que
estamos a fazer, ou o fazemos de forma
partilhada ou então não vale a pena pensar
que, repito, de forma iluminista, nós
alcancemos algum resultado.
Volto a agradecer a presença de todos vós
aqui, e garanto-vos que ficamos
avidamente à espera de uma boa
ponderação desta avaliação que está a ser
feita por nós e pelos nossos colegas
espanhóis que parece estarem um pouco
mais adiantados nesta ponderação das
secretarias judiciais e, portanto, estamos
com muita vontade de aprender com a
vossa experiência e conhecer os vossos
resultados, porque de facto poderemos
também colher alguns frutos da experiência
espanhola.
Muito obrigado a todos.
252 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
I A nova secretaria judicial em Espanha
S4
Boa tarde a todos. Antes de mais, gostaria
de vos pedir desculpa por não falar em
português. Gostaria muito de o fazer, mas
tal não me é possível. Todavia, espero em
breve poder conseguir ter mais contactos
com Portugal e suas instituições jurídicas
para poder avançar no conhecimento da
vossa língua.
Em segundo lugar, quero agradecer à
Universidade de Coimbra, ao Centro de
Estudos Sociais e ao Observatório
Permanente da Justiça, especialmente a
S1, pelo convite para participar neste
evento/ encontro, podendo assim partilhar
algumas reflexões a respeito do processo
de implementação da nova secretaria
judicial em Espanha.
Para distribuir a temática, S5 vai ocupar-se
de questões mais orgânicas, isto é, de
como se está a desenhar a nova secretaria
judicial do ponto de vista orgânico. Quanto
a mim, irei partilhar alguns dos problemas
com os quais nos temos vindo a deparar ao
longo do processo de implementação da
nova secretaria judicial. Por essa razão,
falarei eu em primeiro lugar.
Advirto para o facto de padecer de um
certo vício de formação, dado que sou
professor de direito processual. O que
significa que, apesar de convosco partilhar
a experiência que adquiri no ministério da
justiça, como assessor do senhor
secretário de estado no início do processo
de reforma em 2003 (tal como S5),
provavelmente nestas questões acabarei
por dar mais importância aos problemas
que se colocam do ponto de vista da
tramitação processual.
Isto porque em Espanha os problemas
surgiram porque tivemos que associar as
reformas orgânicas às reformas
processuais, das leis processuais.
Tínhamos leis processuais que não
permitiam a implementação de uma
secretaria judicial para o século XXI,
possibilitando assim uma tramitação
processual célere.
E a primeira questão é a questão da
oralidade. Até à reforma da lei processual
civil, do ano 2000, o processo civil era
totalmente escrito. O que não se
coadunava bem com um desenho de
secretaria como o que vos iremos mostrar,
no qual se distribuem as tarefas de forma
mais eficiente.
O mesmo ocorria com a lei processual
administrativa, que se modificou no ano de
1998. Já a lei processual laboral foi a
primeira a ser alterada nesse sentido. A lei
processual que resta reformar, da qual
existem já dois projectos de lei, é a lei
processual penal. É a que levanta maiores
dificuldades de momento, dado que se
pretende reformar profundamente a fase de
investigação, para instaurar um sistema de
investigação por parte do Ministério
Público, e não por parte de um juiz de
instrução, como actualmente.
Neste contexto de reformas processuais,
tiveram de ser feitas uma série de
modificações no ordenamento jurídico para
implementar a nova secretaria judicial. E
uma das questões fundamentais tem,
efectivamente, sido a relação entre os
magistrados e os secretários judiciais. Os
secretários judiciais são licenciados em
Direito que são os encarregados, no
desenho clássico da secretaria judicial, de
todo o controlo e gestão da secretaria
Anexo 253
judicial. Teoricamente, eram os directores
da secretaria, os encarregados de conferir
fé pública a actuação judicial. Não
obstante, não possuíam nenhum tipo de
competências resolutórias, não podendo
resolver nenhuma questão que pudesse
afectar a tramitação do processo,
limitavam-se simplesmente a prestar
contas ao juiz, para que esse pudesse
tomar a decisão correspondente.
No ano de 2003, foi aprovada a reforma da
Lei Orgânica do Poder Judicial, pela qual
se introduziram muitas e profundas
alterações. Nomeadamente, alterações no
sentido de atribuir mais competências aos
secretários. Por exemplo, numa matéria
que até então era da exclusividade dos
magistrados: a execução das sentenças
cíveis. O que, claro, obrigou a modificar as
normas processuais, para permitir que o
secretário pudesse desempenhar essa
função.
Não houve mais alterações legislativas até
ao passado dia 4 de Novembro, data em
que se aprovou uma lei de reforma de
todas as leis processuais, permitindo assim
a implementação da nova secretaria
judicial. Essa lei veio, basicamente,
estabelecer quais são as competências que
passam a ser atribuídas ao secretário para
facilitar a tramitação processual. No
entanto, esta lei está a gerar um aceso
debate em Espanha, especialmente entre
juízes e os defensores da reforma da
secretaria judicial. Isto porque há muitos
juízes que defendem que o facto de lhes
serem retiradas certas competências vem
afectar o próprio exercício das suas
funções, funções essas que não podem, a
seu ver, ser concedidas a nenhum outro
órgão ou funcionário da administração da
justiça que não o juiz.
Por exemplo, a respeito da admissão da
petição inicial surgiram enormes
problemas. Aqueles que estão contra a
reforma entendem que tal acto tem
natureza jurisdicional: só quando a petição
inicial é admitida pelo juiz tem início o
processo, e se o juiz não admite a petição
inicial, o processo não nasce. Esta será,
efectivamente, a verdade até à entrada em
vigor da reforma. Inclusivamente, foi
também dito que esta transmissão de
competências afectava o direito à tutela
jurisdicional, constitucionalmente
consagrado no art. 24.º, da Constituição
Espanhola. Pois que, se é um secretário
judicial quem decide se uma acção tem
início ou não, um caso em que este não
admita uma petição inicial, haverá
denegação do direito a uma tutela
jurisdicional efectiva.
Em suma e em conclusão, este debate
prolongou-se por todo o processo
legislativo. Notem que o projecto não foi
aprovado durante a legislatura anterior,
nomeadamente, pelo conselho de
ministros, em 2004, por não haver
consenso a este respeito. O projecto de lei
esteve quase 5 anos no parlamento e foi
sendo corrigido para aproximar as partes
em dissenso.
Acabou por ser aprovado um sistema
misto, distinguindo-se o que é actividade
exclusivamente jurisdicional dos juízes e o
que é actividade de gestão processual, que
pode ser da competência dos secretários
judiciais. Assim, a nova lei estabelece que
actos cabem a um e a outro.
Por exemplo, em relação a uma das
questões complicadas, o da admissão da
petição inicial, entendeu-se que o
secretário é competente para a admitir,
mas já não para recusar a sua entrada. No
caso de o secretário entender não a
admitir, digamos, por falta de algum
requisito, terá de ser o juiz a decidir se esta
é efectivamente admitida ou não.
Esta questão, que poderá parecer
meramente académica, tal como vos
exemplificará S5, gera resultados
assombrosos em termos de economia de
tempo e de dinheiro.
254 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
A diferença de custos entre a decisão por
parte de um secretário judicial e por parte
de um juiz é assombrosa, da ordem dos
50%. Claro que se trata de decisões que
não são decisões de fundo, têm um
carácter jurisdicional mais reduzido.
Este que vos acabei de relatar foi uma dos
principais problemas com que nos
deparámos. A lei que foi aprovada em
Novembro tem um período de vacatio legis
até Maio, e estão a ser estudadas todas as
implicações para que a transição seja o
menos traumática possível, porque
seguramente que a sua aplicação levantará
muitos problemas.
Em segundo lugar, o secretário judicial era
uma figura que estava subaproveitada, pelo
que lhe foram atribuídas uma série de
competências adicionais, que até agora
pertenciam ao juiz. Uma dessas
competências, por exemplo, era a
marcação das audiências. Até agora, a
marcação era feita pelo juiz, o qual
organizava a sua própria agenda, muitas
vezes em função da sua disponibilidade.
Este foi o motivo por detrás da única greve
de juízes que já teve lugar em Espanha.
Estes não estavam de acordo em que
fosse um secretário judicial a gerir a
agenda. Vemos assim como uma questão
que poderia parecer um problema de
implementação do novo modelo de
secretaria judicial, afinal, do ponto de vista
social, surge como um problema de status
de uma profissão.
Para que vejam outro exemplo muito
similar, o Ministério Público (ficalía), em
Espanha, só existe nas capitais das
províncias, mas existem tribunais de
instrução em pequenas vilas. Pelo que se
decidiu tentar colocar Ministério Público
nesses tribunais, por meio de
destacamentos instalados em cada duas
ou três vilas. Ora, não foi possível criar
nenhum destacamento, pois não houve
fiscales a deslocar-se para esses locais.
Assim, quando se realiza um julgamento na
capital de província, o Ministério Público
está presente. No entanto, se a diligência
tem lugar no tribunal de instrução de uma
vila, poderá acontecer que não esteja
presente. Este é um mero exemplo para
vos demonstrar como, muitas vezes, na
justiça as questões são questões de status
dos corpos profissionais.
Outro dos aspectos relativos à
implementação da nova secretaria judicial
diz respeito à inovação tecnológica ao
serviço da administração da justiça. A
respeito da qual, aliás, Portugal e Espanha
se encontram mais ou menos a par.
Há pouco, alguém comentava que os
colegas espanhóis não necessitavam de
relatar parte da sua experiência.
Efectivamente, porque a nossa experiência
neste campo é muito similar à vossa, no
sentido de que a introdução dos
mecanismos de justiça electrónica, como
notificações electrónicas e afins é muito
recente. A sua implementação foi aprovada
há dois anos e meio, três anos e meio. Mas
como hoje nos indicará S5, apenas nos
territórios da competência exclusiva do
Ministério da Justiça. Isto porque um dos
grandes problemas que existe em Espanha
diz respeito à existência de comunidades
autónomas com competências próprias em
sede de administração da justiça.
Para que tenham ideia, em Espanha não
existe coordenação na distribuição de
competências em sede de administração
da justiça, o que por vezes causa situações
de verdadeira ingovernabilidade. De um
lado, temos os juízes, que evidentemente
estão submetidos ao poder judicial. Até
aqui não há nenhum problema. Mas, no
outro lado, temos os secretários judiciais,
que dependem do Ministério da Justiça, em
todo o território espanhol, incluindo
comunidades autónomas. E, por fim, temos
os funcionários judiciais, que dependem
das próprias comunidades autónomas.
Por exemplo, o País Basco tem o seu
Anexo 255
próprio sistema informático de tramitação
processual. Esse sistema não é compatível
com o sistema informático do Ministério da
Justiça, nem com o da Andaluzia, de
Sevilha, da Catalunha ou de Barcelona. A
consequência está em que, sempre que se
quer pedir o envio de dados de um
processo, por exemplo, a correr termos
num tribunal de Bilbao para um tribunal de
Madrid, tal não é possível. Tudo isto são
problemas com os quais nos deparamos ao
procurar aplicar um sistema informático à
administração da justiça, o que pareceria
lógico e normal em pleno século XXI.
Temos uma lei, que criou um sistema
chamado LEXNET, para todas as
notificações de actos processuais, mas que
funciona apenas nos territórios da
competência do Ministério da Justiça,
porque depois temos as comunidades
autónomas, nas quais é necessário haver
lugar a investimentos adicionais para obviar
os problemas informáticos e implementar
sistemas que permita suportar a aplicação
informática do Ministério da Justiça.
A acrescer a estes problemas informáticos,
há outra questão que também gostaria que
fosse ressaltada, de forma a podermos
fazer uma análise realista da
implementação da nova secretaria judicial.
È uma questão de ordem económica, ou
seja, relativa ao financiamento.
O governo de Espanha abriu uma porta
clara à modernização da secretaria judicial,
à substituição do modelo por um muito
mais eficiente. No entanto, depois não
existem fundos suficientes disponíveis para
levar a cabo a reforma. Não diria que são
inexistentes, mas quase. Ou seja,
pretende-se realizar uma mudança radical,
mas sem existirem os fundos necessários á
efectivação da mesma.
Chegamos assim à conclusão de que ainda
há um longo caminho a percorrer para
podermos ter uma secretaria judicial digna
do século XXI em Espanha. E o percurso
deve começar imediatamente. A vacatio
legis das leis reformistas que aprovámos
termina em Maio. Nessa altura, já
deveríamos ser capazes de implementar o
modelo que em seguida vos daremos a
conhecer.
Acrescendo a todos os problemas que vos
expus, temos o facto de que o sistema
judicial, incluindo o próprio Ministério, é, por
tradição, muito reticente perante a
mudança. O que vem, realmente, colocar
muitos problemas na implementação de
reformas.
Uma vez mais, para que tenham uma ideia
mais clara, apresento-vos um exemplo. Em
2004, foram criados os tribunais de
violência contra a mulher, competentes
para lidar com todas as questões
relacionadas com a violência sobre
mulheres. Estes tribunais, que existem em
Madrid e nas grandes capitais de província,
têm competência exclusiva em tais
matérias. Ora, sabendo-se que muitos
actos de violência sobre mulheres têm
lugar durante a noite e aos fins-de-semana,
numa cidade como Madrid, a partir das 16h
de sexta-feira e durante todo o fim-de-
semana, não há ninguém no tribunal de
violência contra a mulher, porque não há
dinheiro para pagar a guardas,
funcionários, juízes e secretários. A
consequência é que a polícia, nesses
casos, recorre ao tribunal de instrução
criminal de turno, que decreta as medidas
que tomar por convenientes, com validade
até segunda-feira de manhã, altura em que
a competência transita para o tribunal de
violência contra a mulher.
No entanto, termino dizendo que sim, o
contexto é problemático, mas sem
pessimismos excessivos, porque a pouco e
pouco as coisas vão mudando e acabamos
por avançar. Muito Obrigado.
S5
Em primeiro lugar, quero agradecer ao
256 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa, à Universidade de Coimbra e
ao Centro de Estudos Sociais, em
particular, à Dra. Conceição Gomes e à sua
equipa, por nos ter oferecido a
oportunidade de compartilhar os nossos
saberes e experiências.
Foi-me proposto falar sobre o plano de
implementação da nova secretaria judicial
em Espanha. Neste século de siglas – e
espero que me entendam – verão que não
há mais do que siglas. Mas não se
preocupem que vou explicar o conteúdo ou
o significado de todas as siglas.
Esta seria a representação gráfica do ponto
de chegada. Em Espanha este seria o
ponto de chegada de acordo com a nova
secretaria judicial. Eu continuo a pensar
que este é um ponto intermédio e não um
ponto de chegada, porque – e é unânime
(…)– há uma grande desordem na
organização judiciária espanhola: de algum
modo, temos uma organização herdada da
unificação dos foros, levada a cabo no
século XVIII e, de alguma maneira,
continuamos a manter aquela estrutura,
que agora pretendemos dinamizar.
Possivelmente, pensaram em mim para vos
falar deste novo projecto,
fundamentalmente porque estou a
participar nele desde 1986, no contexto da
publicação da nova lei orgânica do poder
judicial do período democrático.
Começámos os trabalhos precisamente
atribuindo uma nova denominação – de
secretaria judicial para oficina judicial (em
castelhano) –, passando, assim, de uma
secretaria à frente da qual estaria uma
pessoa – o secretário – que seria o titular e
que se encarregaria, inclusivamente, dos
pagamentos aos funcionários que
prestavam serviço naquele espaço, para
um espaço que responde às necessidades
do direito processual.
Pois bem, o ponto de partida é o que temos
em curso: uma organização de espaços
estanques, independentes, aquilo que, nas
reminiscências históricas em Espanha
podíamos chamar de reinos de tarifas,
onde se concentram um grande número de
órgãos jurisdicionais, cada um funcionando
à sua maneira, utilizando metodologias
diferentes e obtendo resultados obviamente
também distintos.
De maneira que, numa concentração de
órgãos jurisdicionais, como por exemplo
em Madrid, num edifício, onde podem
concentrar-se cerca de 80 a 90 órgãos
jurisdicionais, de uma mesma ordem
jurisdicional, podemos deparar-nos com
secções que têm resultados razoavelmente
bons, com prazos razoáveis. Por exemplo,
num processo denominado de reclamação
de quantidade, se correr termos num
determinado órgão jurisdional, em 1.ª
instância, termina num prazo não superior
a 150-200 dias; e, se correr termos num
outro órgão jurisdicional a funcionar no
mesmo edifício, pode arrastar-se no tempo
por 2 ou 3 anos. Aparentemente, nesta
organização, isso não teria muita
justificação, mas só aparentemente. Na
prática, esta situação verifica-se
frequentemente.
Mas gostaria de vos mostrar um pouco da
evolução desde 1966, data a partir da qual
se começou a analisar esta situação. Este
diapositivo mostra quanto gastam os
nossos países vizinhos e quanto nós
gostamos. Verão, por um lado, a
percentagem do PIB, e na continuação da
coluna seguinte, o gasto público, em
percentagem, e na terceira o gasto por
habitante. Nos nossos casos concretos,
tanto Espanha como Portugal, encontramo-
nos abaixo da média mas não muito
afastados.
Qual é a ratio de número de juízes por
cada 100 mil habitantes? À cabeça temos a
Alemanha com 28 juízes por cada 100 mil
habitantes. Em Espanha e França, são
casos que, na ratio, poderiam estar abaixo
da média, existe uma relação dentro do
Anexo 257
que poderia ser um quadro razoável para
ter uma justiça seguramente melhor.
As estatísticas levadas a cabo pelo
Conselho Geral do Poder Judicial denotam
uma insatisfação crescente, ao ponto de
chegar a uma situação de cepticismo
perante a administração. Não existe
qualquer tipo de controlo parlamentar. O
qual parece razoável, enquanto exercício
do poder jurisdicional. Ou seja, existe um
sistema que permite gerir e controlar os
recursos. Por outro lado, também seria
razoável que, no âmbito daquilo que é a
administração do poder judicial, existisse
um controlo parlamentar. Mas não existe.
Neste momento, e apesar dos vários
intentos para conseguir algum tipo de
controlo, o certo é que até agora isso
sempre se revelou impossível. O mais que
se conseguiu foi, através da lei de orgânica
do poder judicial, o preceito de que o
presidente do Conselho Geral do Poder
Judicial possa apresentar-se à Comissão
Mista Congresso-Senado para apresentar o
relatório de actividades do ano anterior.
O segundo ponto a ter em conta é o
seguinte: os cidadãos sentem-se afastados
da administração da justiça. Não participam
em nada daquilo que é a tomada de
decisões, no âmbito do governo da justiça.
Estão totalmente afastados. Isso provoca
uma insatisfação, de maneira que a
administração da justiça, em geral, se situa
nos últimos lugares na opinião dos
cidadãos. Os cidadãos continuam a
considerar que a classe judicial se mantém
num pedestal, ou seja, que se mantém no
pedestal organizativo em que foi colocada
na época pré-constitucional, pré-
democrática.
A estes dados sociológicos, acrescentamos
os custos. Que diferença há nos custos?
Temos aqui exemplificados os dados desde
1999 até 2008. Por exemplo, em 2008 as
decisões que puseram fim a processos
judiciais em Espanha, custaram 8.649.663
€. Deste valor, 1.529.476 € correspondem
a sentenças, ou seja, decisões típicas e
que se manterão na competência exclusiva
dos magistrados. Pelo contrário, mais do
dobro daquelas decisões correspondem a
outro tipo de resoluções que também põe
fim ao procedimento, mas que deixarão de
estar nas mãos dos juízes. Portanto,
passarão a ser ditadas, na sua maioria, por
secretários judiciais.
Qual é o custo de umas e outras?
Enquanto as sentenças supõem um custo
de 2.112 € por cada, o custo de uma
resolução que ponha fim a um processo
não ditada por juiz desceria
consideravelmente, para 371 €. A diferença
é notável. Estes são dados que vou
aportando e pretendo deixá-los expostos
para que para que no debate os possamos
discutir e concretizar um pouco mais.
Relativamente à organização do poder
judicial na Constituição Espanhola de 1978,
o que encontramos? Encontramos o
seguinte, um sistema duplo. Em primeiro
lugar, no artigo 117.º, n.º 1, a Constituição
estabelece que a administração da justiça é
exercida pelos juízes. Ou seja, quem a
administra? Os juízes. Mas continuando
nesse mesmo artigo 117.º, mas no n.º 3, no
momento de se definir o que é o poder
jurisdicional, já se amplia o espectro. Não
apenas quem a administra mas sobre
quem se exerce. O artigo 117.º, n.º 3,
estabelece que esta função jurisdicional –
julgar e executar as decisões judiciais – já
não corresponde aos juízes de per si, antes
corresponde, de forma exclusiva, não a
uma corporação, mas sim aos órgãos
jurisdicionais. Aliás, de um ponto de vista
processual, penso que é unânime o
reconhecimento de que o poder judicial
ostenta, participa, necessita de um poder
específico, próprio, que é a documentação
e afé pública judicial. Que não pertence aos
juízes, mas sim aos secretários judiciais.
Daqui se conclui que os detractores desta
reforma provavelmente ignoram este n.º 3,
do art. 117.º, da Constituição.
258 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Neste contexto de evolução legislativa, a
primeira Lei Orgânica do Conselho Geral
do Poder Judicial optou por um modelo
generalista. De modo que o Conselho
Geral do Poder Judicial, dentro da linha
que se estabelece no art. 122.º, da
Constituição, constitui-se como um órgão
de governo do poder judicial. De forma
generalista, assume competências sobre
todo o pessoal da administração da justiça:
juízes, secretários judiciais e funcionários
judiciais.
Pelo contrário, a Lei Orgânica do Poder
Judicial de 1965 optou por um modelo
corporativo. De maneira que o Conselho
Geral do Poder Judicial se desprende das
competências do secretário e restantes
funcionários. Que passam a estar sob a
alçada do Ministério da Justiça e,
posteriormente, das Comunidades
Autónomas.
Quanto à organização administrativa em
Espanha, ela resulta da confluência de três
administrações, todas elas importantes.
Isto é, não podemos pensar, em algum
momento, que a administração geral do
Estado está acima da administração das
Comunidades Autónomas, mas apenas que
são administrações que confluem e cuja
diferença reside nas competências que
assumem. De maneira que, a
administração do Estado tem competências
legislativas, mas as Comunidades
Autónomas também as têm, embora
ditando leis de âmbito diferente. Esta é a
situação administrativa em Espanha: três
administrações diferentes que confluem
com um equivalente na organização da
administração da justiça. Assim, em
equivalência à administração geral do
Estado estariam os órgãos centrais:
Tribunal Supremo e Audiência Nacional.
Em equivalência às Comunidades
Autónomas, estariam: os Tribunais
Superiores de Justiça. Em equivalência aos
órgãos da administração local, províncias e
municípios, estariam: as Audiências
Provinciais e os tribunais de primeira
instância.
No que toca aos antecedentes do novo
modelo, encontramos o primeiro na Lei
Orgânica do Poder Judicial de 1965. Pela
primeira vez alterou-se num normativo a
terminologia, em espanhol, de secretaria,
para oficina (em castelhano). Isto causou,
sobretudo inicialmente, no âmbito
processual, e dentro das universidades, um
certo alarme inicial, pois pensou-se na
possibilidade de se voltar a uma
napoleonização do Estado, em que o poder
executivo absorve poderes próprios do
poder judicial. Esta terminologia não é
minha, mas do Professor Juan Montero
Aroca, que alerta para essa possibilidade.
Pois bem, foram feitos os primeiros estudos
a partir de 1965. Em concreto, em 1966, já
se falava de novas denominações. Não se
falava então de serviços comuns, mas de
micro ou macro secretarias. Outro lado a
ter em conta é a reunião do Conselho de
Ministros de Justiça, do Conselho da
Europa, de 12 de Dezembro de 1986, em
que se recomendou a todos os Estados-
membros a descodificação de tudo aquilo
que pudesse ter algum tipo de referência
administrativa.
Em Espanha, concretamente em 1969, no
seio da Comissão Geral de Codificação
criou-se um grupo específico para o estudo
e análise desta nova organização. Tive o
prazer de participar neste grupo de trabalho
durante mais de um ano.
Por último, outro ponto a ter em conta,
ainda do ponto de vista terminológico, é a
sentença n.º 56.969. do Tribunal
Constitucional Espanhol, que estabeleceu e
introduziu um termo novo: administração da
administração da justiça. De forma que,
segundo esta terminologia, tudo aquilo que
não cabe no núcleo duro e específico do
que é a justiça, pode ser excluído.
Quais são os preferentes imediatos no que
toca à implementação deste modelo em
Espanha? Em primeiro lugar, a reunião das
Anexo 259
três administrações confluentes na
administração da justiça, a Reunião das
Canárias do ano 2001. E falo em
administrações no plural, porque me refiro
à administração judicial, ao Ministério da
Justiça e às oito comunidades autónomas
que então teriam competências em matéria
de justiça.
Pouco depois desta reunião das Canárias,
produziu-se o Pacto do Estado para a
Justiça, no mesmo ano de 2001, subscrito
pelos dois principais grupos parlamentares
e donde se destacava, fundamentalmente,
uma declaração de intenções que nunca foi
concretamente plasmada no Orçamento de
Estado, mas que indicava uma previsão de
200 mil milhões de pesetas, num período
de execução de 5 anos. Sublinho que tal
montante nunca teve reflexos o Orçamento
de Estado, o que foi uma das causas pelas
quais um dos partidos políticos (o que está
actualmente no governo, aliás) decidiu
romper com aquele pacto.
O terceiro dos antecedentes imediatos
desta Lei Orgânica, a que S4 já havia
aludido, é a Lei Orgânica de 2003, que
modifica a Lei Orgânica do Poder Judicial
de 1985. Veio criar um marco estatutário
novo, adequado à implementação do novo
modelo de secretaria judicial. Pela primeira
vez se define, aliás, o conceito de
secretaria judicial, que se estabelece num
sistema unitário, senão a possibilidade de
criar diferentes modelos, prevendo-se
também, pela primeira vez, a participação
das Comunidades Autónomas.
Com estes dados que temos, que
necessidades teríamos quanto aos
aspectos orgânicos? Evidentemente, passa
a configurar-se uma nova carreira de
secretário judicial, mantendo as mesmas
estruturas mas criando um sistema
piramidal similar ao do Ministério Público, o
qual era desconhecido, até agora, na
administração da justiça. Este sistema
piramidal conflui no Ministério da Justiça,
que continua a manter a independência
orgânica dos secretários judiciais em todo o
território nacional.
Nessa organização piramidal, temos, num
lugar intermédio, os secretários
coordenadores provinciais, que estão à
frente da organização a nível provincial, e
por último os secretários judiciais.
Em termos de espaços, em primeiro lugar,
a reforma de 2003 estabelece uma
estrutura básica de organização da nova
secretaria judicial, em que ao mesmo
tempo inclui um desenho flexível, mas
homogéneo – o que, como veremos, é
bastante contraditório.
Qual é a conclusão a que chegamos? Nas
cores que mostrámos a princípio, tínhamos
círculos azuis com a sigla UPAD – Unidade
Processual de Apoio Directo. Este espaço
é herdeiro directo dos juízos tradicionais, é
o espaço natural dos juízes. Onde
exercerão eles a sua função jurisdicional.
Com um número muito reduzido de
funcionários, e com um secretário que
exercerá a fé pública judicial, de forma
partilhada com outras Unidades
Processuais de Apoio Directo. Quem está
encarregado da criação, estabelecimento e
integração das Unidades Processuais de
Apoio Directo? É uma competência
exclusiva do Ministério da Justiça. É o
Ministério quem estabelece quantos
secretários haverá, quantas unidades
processuais servirão um secretário, e o
número certo de funcionários adstitos a
esse serviço.
Na segunda parte temos os SCOP
Corresponde à zona central o organograma
que vos apresento. É um serviço que
presta serviços a uma ou várias Unidades
Processuais de Apoio Directo. É o espaço
natural do secretário judicial, onde dão
entrada as petições iniciais, onde serão
tramitadas as acções e de onde estas
sairão, uma vez finalizadas, para as
Unidades Processuais de Apoio Directo,
para que o juiz decida.
260 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
A alocação de recursos humanos aos
Serviços Comuns de Ordenação do
Processo cabe às Comunidades
Autónomas, ou ao Ministério da Justiça,
caso aquelas tenham transferido para ele
as competências, o que acontece
actualmente em onze das dezassete
Comunidades Autónomas com
competência na área. Ao Ministério da
Justiça corresponde não só a criação dos
Serviços Comuns de Ordenação do
Processo, como a definição dos serviços
que estes prestam, para os quais não há
um catálogo fechado. À frente dos SCOP
está sempre um secretário judicial, e por
sua vez pode ter subunidades, que podem
ser encabeçadas por outros secretários
judiciais que respodem perante aquele.
Neste caso concreto, há uma vinculação ao
Conselho Geral do Poder Judicial e a
criação de um deste espaços, quando
sejam de tramitação, requer sempre o
parecer prévio favorável do Conselho
Geral do Poder Judicial. Portanto, neste
caso concreto estabelece-se uma função
homogeneizadora para o Conselho Geral
do Poder Judicial. O que de modo algum
quer dizer homologadora, ou seja, o
Conselho Geral do Poder Judicial não é
apenas um filtro que dá uma autorização
tabelar para que certo desenho de um
serviço comum tenha validade. Pelo
contrário, o Conselho Geral do Poder
Judicial deverá fazê-lo tendo em conta não
apenas a função jurisdicional mas também
a função administrativa das Comunidades
Autónomas ou do Ministério da Justiça.
Por último, o terceiro espaço que se define
é o das Unidades Administrativas. As
Unidades Administrativas não são definidos
como órgãos específicos da administração
da justiça, tendo apenas uma função de
apoio material às unidades anteriormente
referidas. É uma definição algo
contraditória, porque se por um lado a lei
diz que não se incorporam no poder
judicial, estão integradas na orgânica
judicial, gerem recursos humanos e
materiais. Serão sempre compostas por
pessoal ao serviço da administração da
justiça ou por pessoal da administração
civil do Estado. Notem que, em Espanha,
existe uma diferenciação entre pessoal da
administração pública em geral e da
administração da justiça, inclusivamente
com uma diferenciação clara sobre uma
reserva de lei ordinária, para os primeiros,
e uma reserva de lei orgânica, para os
segundos.
O resultado deste cenário são três espaços
diferentes, mas com uma estreita
conjugação entre si, de tal modo que, dado
que não se trata de um espaço ou definição
unitários.
Neste momento, o modelo do Ministério da
Justiça é o único em marcha. Algumas
Comunidades Autónomas lançaram
estudos, mas não têm um modelo
específico. Enquanto as Comunidades
Autónomas governadas pelo PSOE gostam
mais dos SCOP, as do PP preferem manter
as pequenas unidades, com serviços
comuns não para funções de tramitação,
mas apenas para funções repetitivas, como
notificações ou citações.
Eis o que temos em Espanha. Face à
vontade, referida (…), de ouvir o que se
poderia aprender connosco, creio
francamente que há pouco a aprender.
Estamos a estudar, tal como vós, a
possibilidade de rentabilizar recursos.
Com que problemas nos deparamos para
colocar as coisas em marcha? Apesar de a
vacatio legis das leis processuais
refromistas estar já a correr, neste
momento, em Espanha só o Ministério da
Justiça começou a cumprir os seus
deveres. Arrancou com nove experiências
piloto, em Melilla, em sete capitais
espanholas e na Audiência Nacional, esta
última provavelmente pela transcendência
da sua projecção interna e externa. Eu,
francamente, neste caso sinto-me
verdadeiramente honrado de poder
Anexo 261
comandar esta nova experiência dentro da
Audiência Nacional.
Com que problemas nos deparamos
então? Em primeiro lugar, problemas de
organização. É necessário um novo mapa
judiciário. É evidente que o mapa que era
ideal em 1969, para um sistema
organizativo diferente, é agora insuficiente.
Além de que distribui recursos de forma
difícil de justificar, respondendo mais a
critérios políticos que de necessidade.
Em segundo lugar, aponto a necessidade
de ordenar e unificar os sistemas
processuais. Não faz sentido que não
tenhamos encontrado uma uniformização,
do ponto de vista orgânico, para os
Tribunais Superiores de Justiça das
Comunidades Autónomas, apesar de o
artigo 52.º, da Constituição Espanhola, os
estabelecer como órgão máximo da
organização judiciária nos territórios das
Comunidades Autónomas. Não obstante,
uns Tribunais Superiores de Justiça
assumem este papel preponderante e
outros não. Em certas ordens jurisdicionais
têm competências para tanto, noutras não.
Ponto assente é que as Audiências
Provinciais precisam de uma unificação.
Quanto ao terceiro problema: as novas
tecnologias. (…) sistema LEXNET, sistema
de notificação e comunicações judiciais
através da internet. Este sistema está a ser
usado há cerca de ano e meio única e
exclusivamente no território do Ministério
da Justiça. O que não faz muito sentido.
Por exemplo, na cidade de Madrid, os
órgãos centrais (Supremo Tribunal e
Audiência Nacional) usam as novas
tecnologias com resultados muito
satisfatórios, mas o Tribunal Superior de
Justiça da Comunidade Autónoma de
Madrid, cujos recursos dependem da
administração da justiça do governo
autonómico de Madrid, não utiliza ainda
estes mecanismos.
Um problema importante que podemos
ainda apontar ao sistema LEXNET
(provavelmente devido à desconfiança
inicial que o legislador teve neste sistema,
mas que imagino que com o passar do
tempo, face aos resultados satisfatórios,
deverá ter solução) é que as notificações
aos advogados ficam ainda nas mãos dos
procuradores de notificações. É uma
contradição, pelo menos do ponto de vista
processual, que apesar do envio de
notificações por meios electrónicos, estas
seguem igualmente por correio normal,
para os serviços dos procuradores de
notificações. Esta duplicação não faz para
mim qualquer sentido.
Em segundo lugar, em relação ao sistema
de apresentação de peças processuais,
julgo que temos de aprender mais de vós, e
reciprocamente. Na recepção de
documentos escritos, vivemos um enorme
contra-senso onde o advogado elabora a
peça processual, envia-a por internet para
o procurador de notificações, que a
imprime para a apresentar formalmente no
órgão jurisdicional em causa. E nós, no
caso concreto da Audiência Nacional,
temos de digitalizá-la novamente para
poder transmiti-la. Não faz qualquer sentido
e representa um gasto económico
desnecessário.
Em terceiro lugar, a desmaterialização do
processo. Estamos convencidos que será
um passo importantíssimo, mas só o
começámos agora, e apenas na Audiência
Nacional. Cremos contar com ele em Abril.
É ainda necessário, a par destas
modificações, um novo sistema de registo.
Quanto a problemas relativos a meios
materiais, creio que necessitamos de uma
relação de postos de trabalho pensando
nas novas tecnologias. Há postos de
trabalho obsoletos e outros a criar. É
necessária uma modificação do sistema de
colocações. Provavelmente há que o
ampliar, pelo menos até ao nível da
localidade, e assim garantir que um
funcionário tenha uma reserva de
262 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
colocação dentro da mesma localidade,
mas não necessariamente dentro do
mesmo órgão jurisdicional. Outra questão
ainda é a necessidade de uma regulação
diferente para o pessoal não funcionário,
que neste momento se estima que seja
20% do pessoal que presta serviços na
administração da justiça.
O quarto problema diz respeito aos
espaços físicos. Na sua maioria não são
adequados. Os antigos edifícios de
tribunais estão obsoletos, não só pelos
recursos materiais, mas pelos próprios
espaços. Os espaços amplos necessários
ao funcionamento de serviços comuns não
existem, neste momento, nos edifícios. É,
portanto, necessário um novo desenho dos
edifícios. Os agentes implicados são o
Conselho Geral do Poder Judicial, através
de decreto de homogeneização; o
Ministério da Justiça, que ainda mantém as
competências definidas em seis
Comunidades Autónomas, mas sobretudo
porque mantém as competências sobre os
que dirigem a reforma; e, está claro, as
Comunidades Autónomas, pois são elas
que terão de aproximar os serviços da
administração da justiça aos seus
cidadãos.
Aponto desde já algumas soluções
possíveis. Em primeiro lugar, actuação do
Conselho Geral do Poder Judicial, através
de um tal decreto de homogeneização,
para que as Comunidades Autónomas
saibam a quem devem atender na hora de
criar um serviço comum. Da parte do
Ministério da Justiça, é necessário
estabelecer um sistema, uma dotação
genérica para todas as Unidades
Processuais de Apoio Directo, porque é a
sua competência. Até agora têm sido
previstas dotações desadequadas para a
realidade actual, a partir do momento em
que se incorporam novos meios, através
das reformas processuais.
Portanto, aponto para novas condições nos
postos de trabalho, novos edifícios, novas
dotações. E isso já se fez, na verdade:
600.000.000 € previstos para três anos.
A terceira solução, a levar a cabo por parte
das Comunidades Autónomas, passa por
definir o modelo entre um modelo de
primazia dos serviços comuns ou de
primazia das Unidades Processuais de
Apoio Directo, o que tem repercussões na
composição e dotação dos edifícios.
Edifícios esses que são uma das carências
do marco estatutário estabelecido na lei de
2003. Tudo tem que ver com o que se
defende, isto é, se se defende a
concentração ou não. O sistema inglês, por
exemplo, optou pela desconcentração, eu
pessoalmente inclino-me mais para a
concentração, em que as Unidades
Processuais de Apoio Directo estejam
próximas dos Serviços Comuns de
Ordenação do Processo.
Em relação à segurança, é fundamental
que num edifício judicial existam e se
respeitem normas de segurança –
permitam-me neste caso ser levado pelo
factor profissional da minha pertença à
Audiência Nacional.
Uma nova organização também é
fundamental. Creio que, se a nova
organização assenta sobre os secretários
judiciais e o cume desta nova organização
dos secretários judiciais é o Secretário-
Geral da Administração da Justiça, no
decreto de organização do próprio
Ministério da Justiça deveria criar-se e
estabelecer-se essa figura.
Para concluir, e perdoem-me ter-me
estendido um pouco, para mim este
projecto é emocionante. Insisto novamente:
creio que este projecto, mais que para um
futuro imediato, é para o longo prazo, e
deverá culminar numa nova reforma
organizativa que estabeleça ordem na
organização judicial espanhola.
Neste momento, como já referi, estão em
marcha nove experiências piloto, se bem
que estamos como que a trabalhar iludidos,
Anexo 263
pois não existem dados concretos.
Por último, estaremos perante uma
administrativização ou, segundo as
palavras do professor Professor Juan
Montero Aroca, perante uma
napoleanização da administração da
justiça? Creio que não. Estamos, creio,
perante um projecto que, além de ser
muitíssimo estimulante, pretende oferecer
um serviço rápido e ágil aos cidadãos,
onde se possa conjugar, no maior respeito
aos termos da Constituição, a função
jurisdicional com aqueles aspectos de
natureza mais administrativa. E, nessa
conjugação entre todos, conseguir um
melhor serviço público.
Sem mais, muito obrigado e espero que
tenha sido capaz de vos transmitir o que
queria.
II Organização interna e funcionamento dos tribunais em Portugal
OPJ
Vou procurar ser muito breve e vou apenas
introduzir alguns aspectos que podem
ajudar ao debate. Como vimos pelas
intervenções dos nossos colegas
espanhóis, há muitos problemas comuns e
muitas dificuldades que também
identificámos entre nós, bem como
algumas soluções que já preconizámos.
Por outro lado, é também importante
salientar que a ideia muito generalizada de
que entre nós está tudo mal e nos outros
países está tudo a correr bem, é uma ideia
errada. Aliás, até é com gosto que vemos
que, em alguns aspectos, até estamos
mais avançados.
Há a reter também a ideia de que um
sistema de justiça não se reforma de um
dia para o outro. Tudo isto implica
mudanças que têm de ser feitas em
pequenos passos, mas com um sentido
orientador, isto é, procurando saber onde
queremos chegar e o que é que temos de ir
fazendo para lá chegar.
Queria também chamar a atenção para o
facto de estar entre nós um colega que há
tempos, num encontro, referiu que
questões da gestão, de organização de
métodos de trabalho, etc. não eram
discutidas entre nós há quatro ou cinco
anos. E estamos a discuti-las agora!
Também os nossos países vizinhos não as
discutiam muito. De facto, estes conceitos
relacionados com as políticas gestionárias,
com novos métodos de trabalho, com o
modelo da qualidade total, da qualidade da
justiça, da governance, da gestão
integrada, dos tribunais de excelência, são
conceitos muito novos e que fomos
importar a outros sectores, nomeadamente
a algumas organizações privadas que
agora estão a confluir no sector da justiça.
É claro que isto é perturbante para todos
nós porque não fomos formados com estes
conceitos. Portanto, é preciso ter a noção
que é necessário formar as pessoas que
estão no sistema. Tudo isto mudou muito
rapidamente.
De facto, há motivos de várias ordens,
designadamente a massificação do
sistema, da procura, que levaram a que
264 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
hoje estejamos confrontados com novas
solicitações e exigências rumo a um novo
tipo de reformas.
Entre nós, a reforma do mapa judiciário
veio colocar esta temática de uma maneira
mais assertiva no debate e na ordem do
dia.
Aqueles que conhecem a reforma sabem
que ela traz conceitos e novas
potencialidades no que diz respeito à
gestão. Por exemplo, com a introdução
destas novas figuras do juiz presidente, do
administrador judicial, dos magistrados
coordenadores, foram criados, a nível
intermédio da comarca, um conjunto de
instrumentos gestionários que não
existiam.
Agora, o problema que se coloca é como
densificar esses conceitos e interpretá-los.
De facto, há muitas novidades legais, como
por exemplo competências para a
elaboração do orçamento, para a
elaboração de regulamentos internos,
propostas de flexibilização no que respeita
à acumulação dos magistrados,
possibilidades de colocação de
funcionários dentro da comarca; ao nível de
gestão processual, por exemplo,
implementar métodos e objectivos,
designadamente na fixação dos
indicadores de volume processual,
acompanhar e avaliar a actividade do
tribunal e o volume processual do mesmo,
promover a aplicação de medidas de
simplificação e agilização processual,
possibilidade de criação de secções
especializadas, etc.
Enfim, há aqui todo um conjunto de
possibilidades que esta nova reforma do
mapa judiciário coloca, em termos de
desafio, e a questão é como densificá-las e
como concretizá-las.
Ao mesmo tempo que nós introduzimos
estas novas possibilidades gestionárias de
nível intermédio, continuamos a ter um
conjunto de competências a nível mais
macro. A questão é como compatibilizar
estas competências com a Direcção-Geral
da Administração da Justiça, órgão máximo
que continua a ter competências ao nível
dos funcionários, ou com o Conselho
Superior da Magistratura, que continua a
ter, e tem de ter, um conjunto de
competências relativamente à gestão dos
magistrados em razão do princípio basilar
da independência do juiz? Mais, como
compatibilizar estas competências com
outros institutos como o Instituto das
Tecnologias de Informação na Justiça, o
Conselho Superior da Magistratura do
Ministério Público? Depois, ainda ao nível
da comarca, entre os secretários que se
mantiveram e o administrador judicial. Há
aqui uma difusão de competências e uma
necessidade de se definir e avaliar que
competências devem estar acometidas a
uns e a outros, numa perspectiva de
eficácia.
Mas, obviamente que tudo isto está
também relacionado com estatutos dos
funcionários. Já foi referido numa sessão
de trabalho, a propósito deste tema, que só
se pode gerir aquilo sobre o qual se tem
competência para gerir. A questão que se
impõe é como é que se consegue a
flexibilização de recursos humanos quando
há regras estatutárias e, provavelmente
também, direitos adquiridos. Não se pode,
por exemplo, mudar um escrivão de um
lugar para outro, discricionariamente.
Portanto, como é que se pode falar de
gestão de recursos humanos e novos
métodos de trabalho, definição de perfil
etc., se não os podemos mover daqui para
ali?
Depois temos o problema da aplicação
prática das reformas e da sua
interpretação, em que se reforma uma
parte e se esquecem outros normativos
que existem. Em Portugal, aliás, é muito
comum esta forma de legislar: sem prejuízo
das competências gerais, sejam elas quais
forem. Ou seja, é frequente que haja em
Anexo 265
outros diplomas, normas que nos
esqueçamos de alterar e que impedem que
determinada norma funcione.
No que diz respeito à mobilidade dos
funcionários judiciais (…) ressalta-se
dificuldades de movimentar funcionários
num espaço geográfico relativamente curto,
entre secretarias dos juízos.
Uma outra questão é, como é que se
compatibiliza esta colocação no quadro,
estes micros, no contexto da Administração
Pública em que há uma tendência
reformista de abandono de quadros e
criação de mapas de pessoal.
Penso que é importante discutirmos aqui a
questão dos limites da mobilidade
geográfica, mas também, da mobilidade
funcional. Porque, por um lado, como é que
se compatibilizam os conteúdos funcionais
que estão definidos para o exercício de
determinadas funções na tramitação dos
processos com uma tendência para a
especialização dentro de determinadas
temáticas, e, por outro, com a ideia de que
temos juízos em que é sobretudo a
massificação da conflitualidade que ali está
presente, ao passo que noutros é a
complexidade da litigação que está
presente? Como é que encontramos
sistemas com princípios orientadores,
protocolos de funcionamento, mas que,
depois, permitam esta flexibilidade?
Por outro lado, como é que conseguimos
determinar numa secção de processos,
conceitos de que hoje se fala muito, como
front office ou back office, quando temos,
ainda entre nós, uma tendência
excessivamente atomística, com secções
em que todos fazem o mesmo, e em que
os funcionários estão sistematicamente a
ser interrompidos por atendimento ao
público ou pelo telefone? Ou como é que
se define se se deve dar mais importância
à recuperação de processos pendentes ou
antes manter os processos mais recentes
em dia?
No fundo, como é que se resolvem estas
questões de maneira a atender de uma
forma diferenciada neste princípio e
orientação de qualidade, porque a justiça é
um serviço público, essencial numa
sociedade democrática. A justiça está ao
serviço do cidadão. É um chavão, é certo,
mas temos de dizê-lo. Tem de haver
prioridades na justiça. Não me parece que
se possa achar que um problema de uma
criança ou de uma pessoa que necessita
de uma pensão de alimentos e uma
questão de divisão de um terreno é a
mesma coisa e entre no mesmo número.
Há quem entenda que é a mesma coisa.
Todos têm a sua importância, claro, mas há
aqui uma prioridade em determinado tipo
de conflitos, pelo que, penso que temos
que encontrar formas internas de tornar o
sistema mais eficaz.
É também importante dizer que muito do
que acontece no sistema da justiça em
termos de ineficiência ou morosidade não
tem a ver só com o que acontece
internamente. Hoje, as instituições
conexas, que trabalham com a justiça são
muitas e variadas. Há muitas questões que
dependem muito do trabalho do Instituto
Nacional de Medicina Legal, da Segurança
Social, das Finanças, e compete ao Estado
e ao poder político ter uma visão conjunta e
sistémica. Tem de se saber articular, no
sentido de encontrar formas de agilização.
Mas também não nos esqueçamos que
isso tem a ver com a cultura de todos nós.
De facto, continua muito presente no nosso
sistema interno e na forma como se articula
com as outras instituições, a ideia do ofício,
do despacho, etc.
É a nossa forma de trabalhar, mas que
urge alterar, porque nos perdemos no
ofício, no prazo para isto e para aquilo, e
esquecemo-nos, muitas vezes, ou
relegamos para segundo plano, o que é
verdadeiramente importante: a resolução
do conflito. O que precisamos, de facto, é
criar uma cultura de gestão do processo,
porque quando o problema social que os
266 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
cidadãos pedem ao tribunal para resolver
entra no sistema, tem de haver uma
previsibilidade da sua resolução.
É evidente que não é fácil fazê-lo,
atendendo à carga burocrática e ao
problema da articulação com as outras
instituições, porque mais do que um
problema da justiça, este é um problema de
funcionamento da sociedade.
Eu penso que depende muito, também, de
uma outra dinâmica que o poder político
possa aqui implementar, mas sobretudo
dos protagonistas da justiça e da forma
como encaram as situações.
Tudo isto para concluir que há uma
necessidade de repensarmos e
reformularmos esta forma de organização
interna dos tribunais, que tem de definir
princípios orientadores, metas e objectivos
com flexibilidade para diferenciar o que é
diferente, com novas formas de
funcionamento, com mais qualidade e
eficiência para dar aos cidadãos e às
empresas uma resposta mais rápida. Mas
estas são apenas umas notas e penso que
de seguida, no debate, vamos discutir
todas estas questões.
Comentários
OPJ
Iniciaríamos os nossos trabalhos com este
nosso painel de comentadores e depois,
abriremos o debate a todos. Por consenso
da mesa, penso que vamos começar
primeiro pelo lado jurídico, isto é, pelo lado
do sistema e depois, ouviremos as visões
externas do sistema.
S6
Muito boa tarde. Neste contexto de
comentário que nos coube, pensámos que
seria útil fazer uma referência à experiência
em curso e a que estamos a proceder.
Refiro-me a esta experiência piloto
portuguesa que se iniciou em 14 de Abril
de 2009.
Esta experiência que está em curso em
três comarcas piloto assenta em três
vectores, que são, uma nova matriz
territorial, um novo modelo de gestão e
uma acentuada especialização das
jurisdições.
Quanto à matriz territorial e como é uma
opção política, parece-me que
relativamente a cada umas das comarcas
há características muito particulares e
talvez não seja a questão central deste
debate.
Quanto à especialização das jurisdições,
hoje em dia parece não oferecer dúvidas
quanto ao seu benefício para os cidadãos
que se dirigem aos serviços da justiça.
O novo modelo de gestão que foi instituído
constitui talvez a maior novidade e o maior
desafio desta reforma. Este modelo, penso
que se poderá definir por três ideias-chave:
por um lado a desconcentração, por outro,
uma gestão integrada e de proximidade e,
embora ainda tímida, uma abertura à
participação de todos os actores judiciários
e não apenas dos tradicionais operadores
dos tribunais: os juízes, os magistrados do
Ministério Público e os funcionários
judiciais.
Anexo 267
A concretização destes vectores encontra a
sua expressão nos órgãos de gestão que
estão instituídos na relação entre eles e na
relação deles com os poderes e os órgãos
centrais.
São órgãos de gestão: o juiz presidente e
os juízes coordenadores; o administrador
judiciário; o conselho de comarca, aqui sim
a intervenção dos actores judiciários
estranhos àquilo que normalmente se
designa como o tribunal e que aqui é talvez
uma novidade e uma garantia de qualidade
do nosso sistema – ver-se-á depois as
dificuldades que isso ainda traz – e quanto
aos serviços do Ministério Público, no
respeito pela sua autonomia, a
coordenação pelo magistrado da respectiva
magistratura.
No nosso sistema, a administração da
justiça envolve, por um lado, o executivo
que define a política de justiça; por outro
lado, o órgão de gestão da magistratura
judicial: o Conselho Superior da
Magistratura.
A opção da lei orgânica, naquele contexto
dos órgãos de gestão que referi, optou por
atribuir ao juiz presidente ao nível da
comarca – e aqui se encontra a
desconcentração e também a gestão
integrada e de proximidade – a
coordenação de diversos aspectos de
competências que são, por um lado, do
Conselho Superior da Magistratura, por
outro do executivo antes da reforma, e
competências que existem, tanto ao nível
decisório, do próprio juiz presidente, como
ao nível da instituição de uma obrigação de
promoção junto desses órgãos, daquilo que
é relevante e que é importante para a
comarca concreta e que é gerida. São
disso exemplo as competências atribuídas
ao juiz presidente quanto à colocação de
funcionários judiciais no âmbito dos juízos,
com extinção da noção de quadro, por
exemplo, relativamente aos escrivães
adjuntos e aos escrivães auxiliares, e não
quanto aos escrivães de direito.
Penso que esta é uma das grandes
potencialidades de gestão de recursos
humanos e de desconcentração dessa
gestão.
Ao nível do juiz presidente, como se
recordarão, eram definidos os quadros das
secretarias, o número de escrivães
adjuntos, o número de escrivães auxiliares
que deveriam ser atribuídos a cada juízo.
Actualmente é definido o número destas
categorias que cabe a uma determinada
comarca ou aos juízos territoriais dessa
comarca, e a gestão é feita pelo juiz
presidente na consideração das concretas
circunstâncias do serviço e, eventualmente,
da alteração delas.
Em situações, como por exemplo nos
juízos de (…), que são juìzos com uma
enorme dimensão, e portanto têm um
número muito grande de funcionários
atribuídos sem quadro, penso que 140, se
não estou em erro, permite, de facto, uma
flexibilização da gestão. Permite, por outro
lado, compreensão das dificuldades e das
necessidades de cada um dos juízos em
termos de lhes afectar, no momento, mais
ou menos escrivães adjuntos, mais ou
menos escrivães auxiliares e de ir
alterando isto ao longo do tempo, o que me
parece ser uma das grandes virtualidades
desta reforma.
Por outro lado, a competência do juiz
presidente para propor, por exemplo, a
especialização das secções de processos,
penso que responde também a algumas
das dificuldades que nos foram
transmitidas relativamente ao sistema
espanhol, de gestão das secretarias.
As secretarias puderam passar a ser
geridas em termos de competências
materiais e de especialização dessas
competências materiais, em termos de
afectação, por exemplo, de um grupo de
funcionários a um determinado grupo de
tarefas ou a uma determinada matéria
processual.
268 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Assim, daquilo que sei, embora ainda não
haja nenhuma experiência a esse nível nas
três comarcas piloto, há circunstâncias que
me parece, por exemplo, relativamente aos
juìzos de (…) que aconselham que seja
pensada essa solução.
Esta especialização das secções permite
uma especialização funcional ao encontro
daquilo que há pouco nos foi referido, que
nos faz escapar àquele modelo que, a meu
ver, bloqueia muitas vezes as nossas
secretarias, que é termos os processos
distribuídos por números e por funcionários
que fazem todos eles tudo e, faltando o
funcionário, um determinado tipo de
processos pára durante uma semana, um
mês…
Esta reforma, pela proximidade da gestão
do juiz presidente e pela possibilidade
desta especialização e desta diversificação
dos conteúdos funcionais, parece-me ter
funcionalidades muito relevantes.
De notar que esta decisão é atribuída,
embora se inclua naquela obrigação de
promoção do juiz presidente ao Conselho
Superior da Magistratura que deverá
articular depois com os órgãos do
executivo necessários à efectivação da
especialização das secções.
Por outro lado, a possibilidade de o juiz
presidente propor a reafectação de juízes,
a acumulação de funções, a colocação de
juízes do quadro complementar permite
uma maior maleabilidade e uma
proximidade decorrente do conhecimento
concreto e real das situações que
possibilita uma intervenção atempada, que
embora já existisse no regime anterior. De
facto, estes institutos existiam, mas de uma
tal maneira centralizada e lidando com
situações atomistas em que um juízo de
uma secretaria não tinha uma coordenação
que permitisse ver o conjunto, não tinha
talvez as possibilidades que, actualmente,
e em concreto, por exemplo, tem numa das
comarcas piloto – e sei porque temos
institucionalizado um conselho dos juízes
presidentes que nas outras comarcas
também tem tido bons resultados.
Por outro lado, ao nível da gestão
processual entendida como a gestão
macro, ou seja a gestão do conjunto, da
organização da tramitação de um conjunto
de processos pendente num tribunal,
também as funções que são atribuídas ao
juiz presidente em conjunto com os juízes
coordenadores e também com os juízes
titulares permitem, por um lado, obter uma
uniformidade de critérios e obviar em
situações como aquela que nos foi descrita
há pouco por uma das pessoas que
interveio descrevendo o modelo espanhol,
que é de encontrarmos juízos vizinhos em
que as opções são diversas, sendo que os
cidadãos se defrontam com essa
diversidade sem haver uma explicação
para isso.
Situa-se, também, a gestão processual a
este nível que parece ser o local correcto,
que é no âmbito do judicial e não no âmbito
do executivo, sendo certo que há a tal
articulação entre o juiz presidente e os
juízes coordenadores e os juízes titulares,
aos quais continua a caber, mediante a
dependência funcional das secretarias, a
gestão processual ao nível micro, ou seja
ao nível da gestão do processo em si e da
sua tramitação.
Esta gestão processual, isto é, como se
dizia há pouco, a questão de quando um
processo entra dever ser possível
determinar quando é que ele acaba e gerir
os passos da sua tramitação, é talvez o
ponto mais fraco e que resulta já não da
organização judiciária mas da organização
das leis de processo.
Nós temos situações, por exemplo, nos
processos de insolvência actuais, em que a
própria lei de organização do processo faz
com que o seu início e a prática do primeiro
acto pelo juiz desencadeie, por exemplo,
um conjunto de prazos que permite fazer
Anexo 269
esta previsão e esta gestão do próprio
processo. Não temos isso ao nível do
processo civil. Quando um processo civil
entra num tribunal, por muito que o juiz
queira fazer uma gestão dele, a tramitação
processual encarrega-se de o dissuadir
dessa intenção porque os diversos
operadores, como têm prazos que
começam a correr em circunstâncias
diversas que dependem da prática de actos
diversos tornam isso muito complicado.
Por exemplo, na comarca (…), porque há
esta possibilidade ao nível dos processos
de insolvência, está a ser feito um estudo
do que é a tramitação razoável destes
processos que permitam uma gestão ao
nível micro. Esse estudo está a ser feito em
ordem a podermos dali tirar algumas
conclusões relativamente a processos que,
por exemplo, excedam esse prazo de
tramitação e quais são os
estrangulamentos de que eles resultam.
O ponto de encontro, parece-me ser a
figura do juiz presidente, para além da
actividade de gestão processual, deve-se
ter em conta a figura do administrador
judiciário que tem competências delegadas
do juiz presidente, mas que tem também
um conjunto de competências delegadas
dos órgãos centrais da administração (do
Instituto de Gestão Financeira e de Infra-
Estruturas da Justiça e da Direcção-Geral
da Administração da Justiça). E parece-me
que o sistema tem a possibilidade de não
criar assim uma bicefalia, mas, antes pelo
contrário, integrar na comarca e nesta
desconcentração da comarca, este
conjunto de competências, uma vez que o
administrador judiciário coadjuva o juiz
presidente e, parece-nos, exercerá tais
funções em coordenação com o plano
administrativo do juiz presidente, pese
embora, e como é óbvio, o respeito pela
direcção das entidades delegadas.
Este ponto de encontro de coordenação e
de confluência de interventores na figura do
juiz presidente permite uma
desconcentração da intervenção central ao
nível da comarca sem a afastar, e que,
obviamente, tem de existir ao nível
nacional, mas, também, uma proximidade
de gestão dos problemas concretos e a
integração e coordenação das várias áreas
de intervenção.
O que eu referi inicialmente quanto à
possibilidade de colocação de funcionários
judiciais, por exemplo de promoção do que
é necessário ao nível dos juízes, permite
adequar, por exemplo, uma situação de
colocação do juiz auxiliar pelo Conselho
Superior da Magistratura com a colocação
de funcionários acrescidos para suportarem
a actividade do juiz auxiliar. Contrariamente
ao que muitas vezes encontrávamos nos
tribunais, que era o Conselho intervir
colocando juízes, mas como entretanto não
eram colocados funcionários, o
engarrafamento movia-se do gabinete do
juiz para a secção e os cidadãos
continuavam a ter os seus processos
parados.
A nomeação do juiz presidente pelo
Conselho Superior da Magistratura, que foi
consagrada na lei orgânica, sendo este o
órgão garante da independência dos juízes,
também atribui ao sistema um factor de
qualidade que, situando-se a um nível
diverso da eficácia, tem assim imensa
relevância. Garante, também, no sistema, o
direito a um juiz, e o direito ao juiz
entendido nos termos em que o Conselho
da Europa e o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem os vêm referindo, ou
seja, direito a um juiz independente,
imparcial, cremos terá que ser também um
juiz director efectivo da marcha do
processo.
Na situação portuguesa, o carácter
adjectivo das leis processuais parece
indicar que não há uma possibilidade de
dissociação da actividade processual da
actividade jurisdicional. Esta actividade
processual não é uma actividade
administrativa.
270 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Isto para em linhas muito breves vos dizer
o que são as grandes potencialidades do
sistema que está instituído, sendo certo
que isto não quer dizer que tudo sejam
rosas no âmbito da experiência que
estamos a viver. Há muitos espinhos, mas
são sobretudo virtualidades que penso que
é responsabilidade nossa desenvolvê-las e
que tem possibilidades de intervenção
concreta.
Temos levado a cabo reuniões de
avaliação, de planeamento, em que há uma
intervenção efectiva na gestão das
secretarias e, no fundo, da definição de
quais são os parâmetros que o trabalho
das secretarias deve seguir.
Na minha comarca tem havido o
envolvimento de todos os juízes, e estou-
me a referir ao âmbito judicial. Outras
pessoas com mais experiência que eu
poderão referi-lo, no âmbito do Ministério
Público. Parece-me que são virtualidades
importantes da reforma.
Há pontos que são de dificuldade. A mera
descrição que fiz, fá-los suscitar. Há várias
competências envolvidas na coordenação
de todas, são passos de um caminho que
estamos a percorrer sem estar ainda
delineado. Há uma nova mentalidade que
precisa de crescer e de ser desenvolvida,
que ainda é muito embrionária, e a
coordenação dos inventores envolvidos
nem sempre resulta óbvia.
Por outro lado, e apenas em apontamento,
o conselho de comarca. Este órgão é um
órgão que tem apenas funções consultivas,
mas a sua intervenção na experiência que
temos é de um entusiasmo grande das
pessoas relativamente ao conselho de
comarca. Devo dizer que, inicialmente,
quando foram cooptados os membros
relativos aos utentes dos serviços de
justiça, tive algum receio de qual fosse a
receptividade, mas, de imediato, as
pessoas manifestaram o seu agrado e o
seu interesse e têm sido assíduas e
interventoras nas reuniões do conselho de
comarca.
As funções consultivas que têm e a
dificuldade, ainda, de capacidade efectiva
de participação, pela percepção do que é o
tribunal, são dificuldades. Mas penso que é
um caminho adequado e seguro, trazer ao
tribunal as pessoas que, sendo verdadeiros
destinatários do serviço que prestamos, às
vezes poderão ter pouca voz.
Por exemplo, relativamente a este
entusiasmo dos membros cooptados,
também correspondeu na eleição que se
fez para a designação do membro que
representa os funcionários judiciais. A
participação que foi feita por voto secreto e
universal dos funcionários destacados na
comarca foi surpreendentemente elevada e
muito satisfatória, sob esse ponto de vista.
Quanto aos serviços do Ministério Público,
não os referi porque há outros participantes
que o poderão referir melhor do que eu.
Penso que a consagração de uma
coordenação autónoma corresponde ao
estatuto de autonomia que tem que ser
garantido. A coordenação informal que a
presidência e a coordenação do Ministério
Público podem ir mantendo - e que
mantém, efectivamente - é uma mais-valia,
sem dúvida, para os serviços da comarca.
Há muitas situações que são de
colaboração entre os serviços e, assim,
podem ser optimizadas, nomeadamente,
dividindo o trabalho que tem que ser feito
ao nível que estamos a ensaiar, do arquivo
de objectos, do registo dos processos.
Por outro lado, a instituição formal da
comissão permanente que é constituída
pelo juiz presidente, pelo magistrado do
Ministério Público, pelo coordenador e
também pelo representante da Ordem dos
Advogados, tem permitido um melhor
diálogo que é profícuo e é também um
daqueles órgãos, que estando ainda muito
em estado embrionário será muito
relevante de envolver e de desenvolver ao
Anexo 271
nível da sua participação na vida da
comarca.
Muito Obrigado.
S7
Face à exposição anterior, apenas queria
acrescentar o seguinte: é uma questão
recorrente que colegas e outros operadores
judiciários que não integram nenhuma das
comarcas piloto me colocam sub-questões
ligadas a essa questão principal e que é a
seguinte: Isso corre bem? Isso funciona?
Isso não causa uma grande confusão? Não
se trata de uma estrutura demasiado
pesada? Essa organização nova e esse
novo modelo de gestão não causa
confusão entre os colegas juízes, entre
procuradores, funcionários? Não seria
melhor termos outra solução?
Aquilo que eu posso dizer da experiência
que tem sido vivida desde o dia 14 de Abril
do ano passado é que, efectivamente,
funciona. Claro que, conforme foi referido,
nem tudo são rosas, existem obviamente
espinhos, mas as potencialidades deste
novo modelo de gestão, colocadas na
balança, acabam por resultar, digamos,
mais positivas do que propriamente naquilo
que aparentemente se afigura ou se podia
afigurar como negativas. E aquilo que tem
sido bastante positivo, na minha
perspectiva, tem sido o envolvimento dos
vários intervenientes, sobretudo dos
magistrados judiciais, do Ministério Público
e dos funcionários judiciais, trabalhando,
agora sim, verdadeiramente como equipa.
Isto parece, no fundo, uma visão idílica,
mas nesta situação não é. É uma visão
real. O que nós estávamos habituados – e
voltamos à questão das mentalidades – era
o juiz, o magistrado do Ministério Público, a
secção de processos.
Hoje nós estamos num modelo em que,
mais do que isso, temos unidades
orgânicas pertencentes a um único tribunal
e em que é curioso verificar, mesmo do
ponto de vista dos magistrados judiciais, os
colegas já não trabalham só com eles
próprios, dentro do seu próprio gabinete,
com os seus próprios processos. Há um
entrosamento de cada unidade orgânica e
inclusivamente propostas de solução de
determinadas situações.
Eu vou dar um exemplo muito simples: se
eu numa unidade orgânica detecto que
existe uma situação que é deficitária em
termos de serviço, quer porque a
pendência do processo é elevada, quer
porque o método que está a ser aplicado
pode não ser o mais correcto a médio
prazo, eu tenho imediatamente um colega
que me propõe e sugere uma reafectação -
“colega eu estou disponìvel para ser
reafectado àquele serviço, para fazer
saneadores, fazer sentenças”.
Ora, isto é um exemplo de uma situação
que hoje, neste novo modelo de gestão é
possível - pegar nas peças de um puzzle
mais completo e organizá-las, de acordo
com aquilo que são as necessidades
concretas.
Esse é um exemplo relativamente a
magistrados judiciais, outros existem
relativamente ao quadro de recursos
humanos dos funcionários, ainda que este
é um dos aspectos em que poderemos
caminhar num sentido mais profundo.
Portanto, a movimentação de funcionários
judiciais, no âmbito territorial de uma
comarca, seria extremamente positiva se
pudesse ser mais alargada do que hoje
está prevista na lei. Poderia, efectivamente,
trazer resultados positivos para as
necessidades do serviço que se verificam.
Para concluir, gostaria de acrescentar que
quanto aos órgãos que hoje integram este
novo modelo de gestão, concretamente o
conselho de comarca, que é composto,
quer pelo conselho geral, quer pela
comissão permanente, também tem sido
272 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
muito interessante verificar, na prática, o
modo de funcionamento destas duas
estruturas. O que, aparentemente, poderá
parecer pesado e que me perguntam: “mas
isso não é uma perda de tempo?”,
respondo que não é uma perda de tempo
porque na gestão de um tribunal, e quer
nós magistrados, quer funcionários, quer
outros operadores judiciários,
representados, obviamente, no conselho
geral, precisamos de ter, cada vez mais,
uma visão global do funcionamento do
tribunal e das respectivas unidades
orgânicas. E tem sido justamente essa a
finalidade que se tem procurado prosseguir
no funcionamento deste órgão. Há
questões, que, de facto, não estávamos
habituados a considerar, como
magistrados, em termos de gestão de
tribunais.
O facto de tornarmos a gestão
multidisciplinar enriquece a gestão e
permite uma certa abertura ao exterior. O
tribunal, deixa tendencialmente de ser uma
entidade fechada, uma entidade vista como
qualquer coisa onde apenas se vai de vez
em quando ou, de preferência, onde não se
vai, para ser efectivamente uma estrutura
que é tida como minimamente organizada,
e que, tendencialmente, poderá até estar
aberta a novas iniciativas.
Desse ponto de vista, aquilo que está
previsto em termos de elaboração de plano
de actividades, que aliás é uma das
competências que hoje estão atribuídas ao
juízes presidentes e que gerou alguma
discussão e debate de ideias entre nós, é a
pergunta: o que seria esse plano de
actividades? Porque, no fundo, os tribunais
não tinham planos de actividades. E pensar
que se a competência de um tribunal é, no
fundo, exercer a actividade jurisdicional,
então o que é que sobra para esse plano
de actividades?
Foi interessante elaborar esse plano de
actividades, e sobretudo, penso que vai ser
interessante colocá-lo na prática e ver
como isso resulta. E ver, efectivamente,
que é possível elaborar um plano de
actividades, e que afinal um tribunal pode
ter várias actividades para além da
actividade jurisdicional.
Muito caminho há ainda para percorrer, não
temos dúvidas. Muita coisa há por
desenvolver e também por aperfeiçoar, na
certeza, porém, daquilo que temos
discutido, de que efectivamente este
modelo tem várias potencialidades e várias
virtudes.
S8
Na sequência da exposição anterior, queria
apenas dar conhecimento de alguns
problemas, da percepção daquilo que é
específico da comarca onde trabalho.
Também penso que este novo modelo de
mapa judiciário tem virtualidades e tem
potencialidades, mas de facto o que é
importante saber no final é se essas
potencialidades se vão transformar em
acto. Se são estes os resultados que se
esperam, se depois de todo este volume de
recursos económicos, de recursos
judiciários, de funcionários, de magistrados,
se isto corresponde no final a um maior
número de processos decididos, a um
maior número de resoluções dadas às
questões que as pessoas colocam perante
a justiça. E essa é a questão nuclear, essa
é que vai seguir o julgamento no final deste
novo mapa judiciário.
Tenho procurado indagar, junto das mais
diversas entidades e organismos ,sobre
eventual informação que exista acerca
desta questão, mas não tenho tido
nenhuma informação. Tenho aquelas
informações que vou obtendo por mim
próprio na gestão do tribunal no dia-a-dia, e
devo dizer que na actividade da
administração da comarca há elementos
que nos faltam sobre os seus resultados.
Por exemplo, acho que como presidente da
Anexo 273
comarca deveria ter - tal como um
magistrado quando se senta ao
computador e tem acesso ao Citius - forma
de poder saber quais são os processos que
estão atrasados, que é uma das funções do
juiz presidente, isto é, poder saber quais os
processos que estão atrasados há mais de
três e há mais de seis meses, sinalizá-los,
identificá-los, e indagar dessa situação.
Nós não podemos, a não ser que haja uma
indicação de algum interessado, se esse
processo está ou não atrasado há seis
meses, e qual é o seu estado. Portanto,
nós só agimos por reacção. As pessoas
reagem e nós, então, vamos à procura
deste processo e indagar o que é que se
passa. Esse é um problema, uma limitação
grande na actividade do presidente da
comarca, que não tem como saber aquilo
que, de facto, se passa em concreto na sua
comarca.
Um outro problema que eu sinalizo na
organização da comarca, tendo em
atenção o novo mapa judiciário, é que este
mapa engloba um determinado número de
unidades orgânicas, mas essas unidades
estão organizadas sob o modelo das
comarcas anteriores. Ou seja, os juízes
estão colocados naqueles juízos, os
funcionários estão colocados naquelas
secretarias e não consigo fazer uma
gestão, tanto de magistrados como de
funcionários, a não ser que tenha a
anuência dessas pessoas.
Dos magistrados, tenho obtido sempre a
melhor colaboração, pronta e excelente, e
sobeja. Mas, em relação aos funcionários,
num ponto em concreto, em que eu
necessitaria absolutamente dessa
colaboração não a obtive e não tenho como
a ultrapassar. E só me cabe respeitar a lei
e os estatutos, e as limitações legais que
daí decorrem. Portanto, não há como
resolver essas situações a bem de uma
justiça pronta e célere, que é
absolutamente essencial para que as
coisas corram a contento.
Há aqui dois magistrados coordenadores
de uma comarca piloto que poderão dar-
vos uma indicação sobre os seus juízos,
porque os seus dois juízos de execução,
juntamente com o de comércio, são três
pontos absolutamente essenciais para o
sucesso do mapa judiciário e é aí que se
joga o interesse, não diria das pessoas de
maneira geral - porque também há os
tribunais cíveis, os juízos cíveis, e os
tribunais de família e menores que também
são relevantes, do ponto de vista pessoal -
mas das empresas e da satisfação de
interesses absolutamente relevantes, de
que muitas vezes decorre uma má imagem
da justiça, porque é aí que as pessoas
sentem no seu bolso (se as suas empresas
andam, se são liquidadas em benefício dos
trabalhadores, se os credores tem obtido o
ressarcimento dos seus créditos). E é aí,
nesses três pontos essenciais da comarca,
que se joga grande parte do sucesso do
mapa judiciário.
Essa solução, e esse problema que vem a
seguir são, de facto, problemas de
somenos resolução, que é a falta de
funcionários.
Quanto ao mapa judiciário, há a maneira
como a presidência se relaciona com
outras entidades, houve um grande
benefício. Benefícios quer com as próprias
autarquias, quer quando se dirige à
comarca. Na verdade, há um ganho tanto
para o serviço como para esses
organismos quando se querem relacionar
com a comarca e obter eventuais pedidos,
relativamente mesmo à própria cedência de
instalações, por exemplo para organização
de eventos. Há, pois, uma maior agilidade
e celeridade nesse aspecto.
Na minha comarca, por outro lado, há um
problema que não temos, que foi o facto de
não termos herdado uma grande
pendência. Contamos também com um
corpo de funcionários empenhados e
mobilizados, mas que é insuficiente e a
solicitar algum reforço em algumas áreas, e
274 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
que tem sobrevivido à custa de um grande
esforço de profissionais que se empenham
profundamente nisso, em particular, dos
juízes e escrivães.
Além disso, não tenho mais nenhuma
queixa em relação à administração da
comarca, a não ser o pedido já formulado
ao senhor Director-Geral da Administração
da Justiça que aqui, uma vez mais reitero,
quanto à satisfação de um conjunto de
funcionários, penso que cerca de 10
funcionários.
Muito obrigado a todos.
S9
Boa tarde a todos. O contributo que
eventualmente vos possa dar tem a ver
com as experiências de modernização e de
reestruturação de organismos da
Administração Pública central, regional e
local. E penso que algumas questões que
aí se colocaram, ir-se-ão também colocar
neste processo de transformação, e
portanto, penso que elas poderão ser úteis.
Tenho muitas questões. Vamos começar
pelas mais importantes e depois veremos
se temos tempo para abordar as outras.
Começaria por uma que já foi aflorada e
que me parece determinante, que é a
gestão por processos, ou a optimização de
processos, ou a reengenharia de
processos.
O que está em causa é determinar em
cada momento, agora e no futuro, quais
são as actividades relevantes para que os
processos possam ser eficazes. Onde
estão os estrangulamentos que
eventualmente estejam a comprometer os
prazos previstos? Como é que podemos
intervir, optimizando sobre esses
processos? Quais são as actividades que
efectivamente acrescentam valor e aquelas
que não acrescentam nenhum valor, que
são redundantes e podemos eliminar sem
prejuízo nenhum para o processo e para
uma boa decisão? Quais são os custos
associados a todo este trabalho? Qual é o
valor que acrescentamos, de facto, ao
transformar estes processos? Portanto,
esta é parte da tramitação do processo e
que, de facto, alguém tem de pensar e tem
de verificar como é que pode ser
melhorado.
Uma questão que se colocará,
seguramente, nestas experiências piloto é
se eventuais soluções optimizadas podem
ser constituídas como boas práticas que,
eventualmente, possam ser adoptadas por
outras comarcas. Ou se essas boas
práticas podem ser transformadas, de
alguma forma, em orientações, em
regulamentos ou manuais que possam ser
utilizados por outras comarcas e por outros
tribunais.
A segunda componente da gestão por
processos são as tecnologias de
informação, sendo que as tecnologias de
informação por si só não resolvem nenhum
problema. Elas resolvem ou ajudam a
resolver os problemas se se traduzirem em
melhores práticas. Não posso informatizar
o caos. Se eu estiver a informatizar
milhentos processos mal definidos, com
certeza que aquela solução não resolve
nenhum problema.
Por outro lado, mesmo boas soluções, bem
concebidas, muitas vezes são mal
utilizadas. E estamos fartos de verificar
aplicações boas a serem muito mal
utilizadas nas organizações públicas e
privadas também, por várias razões, a
primeira das quais é a formação. As
pessoas não têm, normalmente, boa
formação, nem a formação em tempo
suficiente, nem a formação prática para
que possam dominar a aplicação. E se não
dominarem a aplicação, qualquer um de
nós se desenrasca, só que os dados
depois faltam, estão ausentes, e não
conseguimos depois que ela funcione
Anexo 275
adequadamente. Portanto, temos que ter
boas soluções informáticas, bem
conhecidas, bem dominadas e bem
utilizadas. E isto é passível de verificação.
A terceira componente da questão da
gestão por processos e que condiciona as
duas primeiras é a lei, porque eu posso ter
o processo, a tentativa de o optimizar,
posso ter uma boa solução informática,
mas a lei processual impede muitas vezes
de conseguir melhores resultados. Isto é
particularmente visível nas autarquias, em
particular no domínio do urbanismo, em
que de facto, há prazos extensos, e mesmo
que todos cumpram estritamente os prazos
que estão previstos, não é possível reduzir
o prazo porque a tramitação está feita de
tal modo que não é viável, mesmo pela
melhor solução informática que tenham.
Portanto, a primeira questão, e penso que
estes projectos-piloto podem dar um
excelente contributo e reflectir sobre isto, é
como é que a gestão por processos pode
ser optimizada, como podemos seleccionar
as melhores soluções, e como é que as
podemos disseminar para outros
contextos?
Colocava já a segunda questão, que é uma
questão, do meu ponto de vista, que pode
determinar o sucesso ou insucesso deste
tipo de abordagens e que não tem nada a
ver com questões jurídicas, e que tem a ver
simplesmente com a gestão da mudança.
Ou seja, estamos a fazer transformações,
orgânicas, processuais, de estrutura e
estamos a lidar com pessoas. E todos
resistimos à mudança, todos! Uns
confessam mais do que outros, é certo,
mas todos resistimos à mudança, pelo que
temos que contar que há, inevitavelmente,
por parte dos actores envolvidos,
fenómenos de resistência à mudança, e
que esses fenómenos de resistência que
se manifestam podem comprometer boas
soluções.
Portanto, a implementação destes
projectos-piloto, do meu ponto de vista,
fazia todo o sentido, que fossem
acompanhados de acções de gestão da
mudança, questões de comunicação, de
envolvimento das pessoas, de informação,
que possam, de facto, levar as pessoas a
sentirem que são parte do processo e que
não são, de alguma forma, ameaçadas
pelas transformações que estão a decorrer.
Na legislação verifiquei que há formação
prevista para os juízes presidentes, para os
administradores, mas há outro tipo de
formação que fazia todo o sentido que
fosse feita nestas experiências piloto – e
não me refiro a formação técnica, refiro-me
à formação comportamental, formação
sobre trabalho em equipa ou outro, que
ajuda e, há pouco foi óptimo ouvir dizer que
funciona, que há possibilidade de comparar
entre unidades, o desempenho. Portanto,
estas acções de gestão de mudança, creio
que facilitam bastante esse espírito de
equipa e esse contributo para que os
processos tenham sucesso.
A terceira questão é uma questão um
pouco mais delicada, mas eu não resisto a
colocá-la e penso que o posso fazer. Trata-
se da questão da avaliação. A avaliação é
fundamental e temos de estar preparados,
também, para lidar com esta questão e isso
significa várias coisas. Significa, em
primeiro lugar, escolher indicadores de
medida úteis. Nós não precisamos de
muitos indicadores de medida, mas
precisamos de alguns, que nos permitam
perceber se estamos a ter sucesso ou não
estamos a ter sucesso.
Em segundo lugar, devemos ter padrões de
referência. Eu percebo que, de repente,
não se consigam gerar padrões de
referência, temos que ter experiência,
demora algum tempo. Mas, com a
utilização destes indicadores, ao longo do
tempo criamos condições para ter padrões
de referência. E isso é muito importante,
quando temos de tomar decisões sobre
pessoas, sobre tempos, sobre capacidades
276 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
ou sobre instalações.
Estas duas questões dos indicadores e dos
padrões de referência, penso que fazia
todo o sentido trabalhá-las. E daí, a
produção de estatísticas que nos permitam
perceber em que medida é que estamos a
atingir os objectivos de que partimos para
este projecto, nomeadamente de custos,
que é uma abordagem, que há pouco,
quando foi apresentada a experiência de
Espanha, me pareceu particularmente
interessante pelo facto de que tudo isto
custa dinheiro, que é um bem cada vez
mais escasso, pelo que também devemos
medir o impacto que este tipo de soluções
tem mais tarde.
Depois a avaliação pode ser interna ou
externa, ou talvez deva ser as duas coisas.
E em relação a isso, penso que há formas
hoje mais do que estudadas, aplicadas na
administração pública, de fazer estas
abordagens. Ora, os tribunais não serão,
seguramente, diferentes dos outros
organismos públicos.
A última questão é a questão da
comparação. Ou seja, se vamos medir e
comparar com padrões de referência, em
que medida é que podemos utilizar – e vou
utilizar agora dois chavões – ou o
benchmarking ou o e-learning para
podermos perceber se estamos no bom
caminho e em que medida podemos
introduzir melhorias necessárias e avaliar
os resultados depois de introduzidas essas
medidas.
S10
De acordo com o que ouvimos hoje à tarde
e em relação àquilo que tenho tido
oportunidade de acompanhar recentemente
na área da justiça, mas já há algum tempo,
em termos de outros sectores da
Administração Pública, só vou referir três
ou quatro questões.
A primeira tem a ver com o contexto em
que estamos, que é claramente um
contexto da nova gestão pública e que
apareceu já há algumas décadas, mas
muito ligado à questão da gestão por
objectivos, da accountability, que de
alguma forma esteve ligada a mudanças
muito importantes na Administração
Pública.
A accountability surge não só numa
perspectiva de prestação de contas
financeira, mas basicamente de prestação
de contas à sociedade. É preciso prestar
contas e isto leva-nos a um outro conceito
que é o conceito do que é o retorno social.
Qual é o retorno que a sociedade tem com
os serviços públicos, e aqui é obvio que
temos serviços públicos como é o caso da
educação, da saúde, onde existe
concorrência, e que portanto, de alguma
forma, pode ser escolhido. Temos outros,
como a justiça, onde não existe
concorrência, e portanto, onde o serviço
público é muito importante. Mas eu não vou
falar sobre isso, porque sou a pessoa que
menos sabe sobre isso aqui.
O que eu quero dizer é que a nova gestão
pública assenta na perspectiva do cidadão
no centro, como já foi aqui muitas vezes
referido, e o cidadão que entra num duplo
papel. O papel de utilizador do serviço
público e que tem expectativas em relação
a ele, mas, também, alguém também que
paga esse serviço público. Portanto, um
contribuinte que vai financiar o serviço
público.
As expectativas levam-nos, de alguma
forma, a ouvir muito do que foi dito hoje, e
do que tem vindo a ser dito, e a encontrar
duas preocupações, por vezes, diferentes,
mas que, no fundo, têm que ser conciliadas
e eu penso que a grande dificuldade em
termos de estratégia e a longo prazo é
exactamente esta questão do equilíbrio
entre o custo da justiça e o modelo de
gestão. Naturalmente que eu estou a falar,
em termos de modelo de gestão, de qual é
Anexo 277
o modelo de gestão que menos custa e
melhor permite servir a sociedade.
Eu diria que os modelos de excelência têm
vindo a ser muito utilizados pelos
organismos públicos em várias áreas,
algumas já com algumas décadas de
experiência, mesmo na Europa,
nomeadamente na educação, e, neste
momento, nas Câmaras com grande
dinamismo.
Mas, eu diria que é sobretudo um modelo
que interessa em termos do modelo.
Primeiro, é um modelo com muitos
critérios, ou seja, não interessam apenas
os ganhos de eficiência, não interessa
apenas medir ou avaliar quais são os
resultados, mas interessa avaliar um
conjunto de critérios em simultâneo.
Um dos critérios que no caso da justiça tem
que ter um peso diferente é o critério
sociedade. Como é que a sociedade avalia
a gestão da justiça? Mas, efectivamente,
muitos critérios (…).
Eu penso que o modelo de excelência,
para além desta questão da existência de
muitos critérios (meios, pessoas,
estratégia, liderança, resultados a vários
níveis e indicadores-chave), tem uma outra
questão muito importante e que deve
preocupar mais, que é a questão da
melhoria contínua.
A melhoria contínua, ou seja, colocar um
modelo de gestão no terreno, que obtenha
a curto prazo, resultados relevantes, não
será difícil. Nós hoje ouvimos aqui, e para
mim com muito agrado, que o modelo
português é um modelo que vale a pena,
embora comparativamente com o modelo
espanhol é um modelo distinto do ponto de
vista daquilo que é o papel da liderança, o
que significa que não há um modelo, há
vários modelos. Os pontos de partida são
diferentes e as estruturas também e,
portanto, penso que ninguém quer
encontrar o modelo.
Mas, a questão não está só em conseguir
ou não encontrar reduções nos tempos do
processo, nos custos, em melhorar um
serviço no imediato, mas está antes em
termos estratégicos assegurar que o
modelo de gestão vai continuar e permitir
que a melhoria se faça. Pontualmente,
ouvimos alguns comentários que nos dão
esta ideia, todos os que tiveram
responsabilidades de gestão de equipas
sabem que os voluntarismos são
fundamentais, não vivemos sem eles, mas
em termos sistemáticos, não levam a uma
melhoria sustentada.
Portanto, eu penso que é este tipo de
preocupações que se exige ao modelo de
gestão e sobretudo a quem, no fundo, está
nesta experiência piloto.
Isto leva-me a mais dois pontos. Estando
de fora deste processo e das suas
discussões, assisto àquilo que várias
pessoas antes de mim referiram que é um
processo de mudança e um processo que
requer uma nova estratégia. Há, de facto,
necessidade de encontrar uma estratégia
ponderada, estrutural, que exige alteração
de cultura e meios de tecnologia e
humanos em termos, nomeadamente, da
qualificação como foi aqui referido.
Existem também competências, que eu
prezo muito, e tem sido uma experiência
fantástica estar a participar nestas
discussões, até porque tenho aprendido
muitíssimo, mas eu penso que
percebemos, ou pelo menos a minha
perspectiva é de que os magistrados aqui
presentes são pessoas, que para além de
juízes, têm características gestionárias. A
forma como falam, é também de pessoas
que têm uma sensibilidade muito especial
para a missão que assumiram e
certamente por isso terão sido escolhidos.
E certamente muitos outros que não o
foram terão as mesmas características.
Mas, isto não é automático e portanto,
aquilo que me parece é que no modelo
278 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
escolhido de concentração, que aparenta
ser um modelo com as virtualidades aqui
descritas, a questão das competências é
também muito importante não só ao nível
de topo, mas também a outros níveis,
porque por exemplo, gerir orçamentos não
é um dom, nem é sequer algo que não
tenha que ser aprendido ou pelo menos
reflectir-se sobre o que isso significa.
Portanto, assistimos, nesta perspectiva, a
um processo de mudança que exige muito
e de muita gente a vários níveis, e exige
que não se confunda aquilo que é uma
melhoria incremental, que é reduzir o
tempo de um processo e aquilo que é uma
melhoria estrutural, que é melhorar o
serviço público para a sociedade. E aí
entramos numa área delicadíssima e onde
o envolvimento dos que estão no sistema é
fundamental, do ponto de vista da reflexão
e da discussão.
Eu penso que, pelo que percebi do caso
espanhol, essa reflexão foi feita ao
decidirem o que é essencial e o que não é
essencial. E nós achámos, e penso que os
testemunhos que aqui foram dados foram
nesse sentido, que a perspectiva é outra. É
muito importante, de facto, o modelo de
concentração, mas então em que é que o
responsável deve efectivamente focar a
sua atenção? Em analisar estatísticas para
ver que os processos estão atrasados, ou
em perceber como é que vai gerir as
pessoas que tem de deslocar e que não
tem. Ou seja, é preciso subir o patamar e
tentar perceber qual é verdadeiramente o
papel, neste caso, do responsável desta
unidade orgânica, que tem tantas
responsabilidades em simultâneo. Isso é
um desafio muito importante.
Na minha perspectiva, penso que isto tudo
toca num aspecto muito importante, que
tem a ver com a definição de funções,
responsabilidades e competências.
De fora, olhando para a legislação
espanhola e para a nossa, com o meu
olhar preocupado pelas questões da
gestão, aquilo que eu vejo é que no caso
espanhol, muito provavelmente fruto do
percurso que tiveram de vários anos de
reflexão, as competências estão muito mais
claramente definidas.
No caso português, parece-me que há, do
ponto de vista da gestão, alguma ausência,
pois, na prática, das duas uma, ou cada um
sabe tão bem o seu papel que as coisas
funcionarão perfeitamente, ou então vão
criar situações, pelo menos na minha
perspectiva, de alguma dificuldade.
Posso concluir de tudo o que aqui foi dito,
que muito caminho foi feito, e que há muito
optimismo e dedicação, o que eu acho
fundamental nestes processos para que as
coisas avancem positivamente. Acho que
não se mostrou tanto foi a seguinte
preocupação: passada a fase dos
processos e do modelo de gestão no
imediato, quais são os patamares de
qualidade que se pretendem do serviço
público que são os tribunais? É uma
questão muito difícil, mas é fundamental
em termos de modelos de excelência
porque é essa que garante a melhoria
contínua e a sua sustentabilidade.
Depois, há a questão da gestão dos
recursos. Ora, não se pode gerir o que não
se detém. E isto parece-me que, de
experiências que testemunhei em outras
situações, há responsabilidades que estão
acometidas aos juízes sobre meios que
não detêm e que não dependem de si. E
isto tem a ver com aquela confusão entre
funções, responsabilidades e
competências.
Mas, voltando à questão final, e eu
identifico-me muito com aquele diálogo
utilizado muitas vezes quando se fala de
missão, no conto Alice no País das
Maravilhas, em que a certa altura há uma
encruzilhada, há várias hipóteses e ela
pergunta: “Que caminho é que devo
tomar?”. E, naturalmente, que lhe
Anexo 279
perguntam: “Então mas para onde é que
queres ir? É que se não sabes para onde ir,
qualquer caminho serve”. E com isto eu
diria que me parece que o que
verdadeiramente importa, para além dos
indicadores quantitativos, embora
fundamentais, até para ir motivando quem
está no terreno e quer ver melhorias, é
perceber os indicadores qualitativos
estruturais que têm a ver com a tal
estratégia que terá de ser definida. Esta é a
minha leitura.
Debate
S11
Eu sou juiz na grande instância cível da
comarca (…) e penso que este optimismo
que se denotou das palavras dos senhores
juízes resulta de um certo ambiente, é
preciso mudar alguma coisa e é preciso dar
uma nova face. Eu acho que todos os
colegas que vieram comigo e todos os
intervenientes da justiça estão a precisar
disto, porque tanto ouvimos que as coisas
estavam mal, estavam desorganizadas...
Temos agora este começo, esta nova
unidade orgânica com possibilidade de
avançarmos e eu penso que há muita
gente motivada. E não é por falta de
vontade de muitos magistrados e
funcionários que as coisas não podem
andar. Temos também a sorte de ter um
juiz presidente com uma grande
capacidade de gestão, de tolerância e de
diálogo, que motiva as pessoas numa
posição de “vamos todos trabalhar“ e não
encolher os ombros. E é muito importante,
de facto, a pessoa que está à frente de
determinados cargos. (…) uma última
questão (…) que me parece fundamental
porque não se pode falar de uma
organização e de gestão sem falar de
avaliação, e sem falar de competências e
de responsabilização. Tenho pena que isso
tenha ficado um pouco para trás nesta
nova orgânica judiciária porque isso é
fundamental, não só para os cidadãos mas
para todos nós que trabalhamos na área da
justiça. Penso que há muitos anos que se
anda a falar de ponto de contingentação
processual ou nos tais indicadores, mas
penso que isso é fundamental para nos
motivar também para trabalhar, porque as
condições que temos para trabalhar
também são o que nos motiva ou nos
desmotiva. Parece-me que a parte da
contingentação processual é muito
importante quer ao nível da gestão, quer ao
nível da responsabilização, da eficácia, da
qualidade e penso que isso é um passo
que tem tardado um pouco a ser dado e
que eu gostaria, de facto, de ver um pouco
adiantado.
S12
Eu sou procuradora-geral adjunta
coordenadora da comarca (…) e gostava
de dar aqui o meu testemunho desta
experiência e da anterior. Sendo que sou
originária de uma magistratura do
Ministério Público muito mais habituada a
hierarquia, a uma rotina de especialização
e de coordenação – evidentemente que
dessa experiência já havia meio caminho
andado - tenho sido confrontada com a
experiência de ver os juízes a avançarem
nisso e relativamente a nós, Ministério
Público, é que não quer dizer que as coisas
estejam a correr mal, antes pelo contrário,
mas vejo com alguma apreensão – (…) –
não tenho sentido da parte da hierarquia
superior – e não sei se os meus colegas
sentem o mesmo – alguma compreensão
para o benefício que aquela estrutura,
apesar de nós, Ministério Público, já
funcionarmos de uma forma organizada.
280 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Está a correr bem, é interessantíssimo, e é
aliciante. Há apenas aqui algum peso e
algum interesse que possa resolver isto. É
que para além dos problemas estruturais
como sabem, a magistratura do Ministério
Público tem uma falta de recursos
humanos que não tem comparação com a
que tem actualmente a magistratura
judicial. Não há magistrados do Ministério
Público. Não há! A questão é que a
comarca estará hoje com as coisas um
pouco mal distribuídas, mas a nota que eu
dou, e é contra isso que tenho lutado e
continuarei a lutar, é de algum desinteresse
da estrutura superior do Ministério Público,
relativamente a uma experiência que
também para o Ministério Público será
muitíssimo importante.
Apesar disto, não posso deixar de estar de
acordo (…), que é uma experiência, na
minha opinião, muito positiva e enfim, com
os ajustes que ela ainda levar, é uma
experiência positiva.
S13
Sim. Eu queria, de facto, apenas registar
com agrado, as intervenções relativamente
ao funcionamento destas novas unidades.
De facto, das informações que temos tido,
as comarcas, têm funcionado e têm tido
indicadores de funcionamento que são
bastante positivos.
Naturalmente, também corroboro o que foi
dito sobre a qualidade dos juízes
presidentes que foram escolhidos, mas
certamente também dos administradores,
cuja acção não tem sido despicienda nesse
contributo.
Quanto ao modelo espanhol, eu
sinceramente fiquei um pouco surpreendido
porque estava à espera – mas isso por
ignorância minha, confesso – de vir
verificar resultados da aplicação do modelo
espanhol. Não sabia que ainda não tinha
entrado em funcionamento, portanto
ficamos apenas com a expectativa. Só
depois de aplicada é que viremos a saber
se será bom ou se será mau. Certamente
que, e faço esse apelo (…), que daqui a um
ano possamos ter cá os senhores Drs. de
Espanha para nos fazerem uma avaliação
da aplicação desse modelo, porque há ali
alguns aspectos, nomeadamente as
competências relativamente ao secretários,
em que fiquei com alguma expectativa.
Gostaria de deixar aqui duas questões,
(…): quando falou da dificuldade de gestão
dos funcionários, falou-se muito da questão
da gestão e da mobilidade, ouvi falar que
tinha tido alguma dificuldade na gestão de
funcionários. Mas depois, no fim, ouvi-o
pedir mais funcionários. Eu também tenho
pedido. O senhor Dr. fez muito bem. Agora,
a minha dúvida é se o problema é dos
funcionários não estarem bem distribuídos
mas serem suficientes os que lá tem, ou se
é necessário é reforçar com mais
funcionários.
Quanto à questão da mobilidade, eu
defendo - e não temos levantado
nenhumas questões - a mobilidade dentro
de uma área razoável, dentro de uma área
territorial ou só dentro do edifício do
tribunal mas dentro de uma área razoável.
Agora, dentro da própria comarca não
podemos deixar de registar alguma
dificuldade. Estou a lembrar-me de uma
comarca do Alentejo, por exemplo, como é
que é possível esta semana ou para a
próxima, mandar um ou dois funcionários
que estão no tribunal de Odemira, e que
eventualmente, não farão lá tanta falta,
como fazem em Alcácer do Sal.
S7
Mas já agora, permita-me só dizer que, por
vezes, são os próprios funcionários que
querem ser movimentados.
Anexo 281
S13
Pois, mas, naturalmente, quando a vontade
é deles nem se põe a questão! Agora, por
imposição, porque por um instrumento de
gestão tem de ir agora um funcionário ou
dois de Ourique trabalhar para Alcácer do
Sal... Isto, enfim, tem a ver com a vida das
pessoas. Não digo que não seja
necessário, mas é preciso encontrarmos
aqui uma solução razoável.
Última questão, e que gostaria de referir
(…) dois aspectos que eu considero
fundamentais também, que é a questão da
qualificação e das competências,
nomeadamente ao nível das capacidades,
e também a formação, naturalmente. Mas a
formação não só nos aspectos técnicos,
que é fundamental e temos sentido essa
falta, mas também (…), na questão da
formação comportamental, para a tal
imagem de credibilidade. Não só a
resposta dos tribunais é importante, a
melhoria da qualidade e a melhoria da
resposta judicial, mas também a qualidade
e credibilidade é fundamental, e nesse
aspecto, a formação nas áreas
comportamentais é também importante.
S8
Eu gostaria de responder à sua pergunta. E
em relação à intervenção inicial sobre a
implementação do mapa judicial, aqueles
maus pressentimentos que existiam,
gostaria de ouvir a sua opinião sobre se os
mesmos se vieram depois a confirmar ou
não. E as dúvidas, confirmaram-nas ou
infirmaram-nas?
Em relação à questão do número de
funcionários da comarca, se o senhor me
questionar que neste momento o número
de funcionários é suficiente, eu digo que
sim, falando em número. Mas, o senhor
sabe que nem todos os funcionários
respondem da mesma maneira. Há
secções onde estão os sete funcionários,
mas se nós analisarmos bem só três ou
quatro é que trabalham, dois não trabalham
como deviam, um está de baixa e o outro
está a faltar para ir a uma consulta no
centro de saúde. Não está toda a gente ao
mesmo tempo. Pelo que o número de
funcionários seria suficiente se todos
trabalhassem nas mesmas condições.
Por exemplo, eu tenho o tribunal de (…) e
ao lado está o tribunal de execução (…),
que dista das duas unidades orgânicas
cerca de 10km. O problema é que os
funcionários que estão a mais em (…) são
todos de (…). E eu compreendo muito bem
que ao fim do dia queiram ir todos de
regresso à sua cidade e lhes fica muito
mais económico. Mas (…) não fica muito
mais distante (…) que envolva grande
sacrifício para eles. Ora neste caso
concreto, eu estou a falar de duas unidades
orgânicas, como disse, que distam cerca
de 8 a 10km e em que os funcionários
recusam-se a ir para outro tribunal. E eu
tenho de respeitar.
Temos aqui (…), juiz do juízo de execução,
que teve de pedir “Pelo amor de Deus” e
nem assim eles aceitaram.
OPJ
Mas então o seu problema é de falta de
funcionários ou é de critérios de avaliação?
Porque se lá estão sete funcionários mas
só quatro trabalham, onde estão os outros?
Vamos substituí-los por outros quatro, e
então o que fazemos a esses?
S8
Eu considero que tem de haver mais
critério no recrutamento, na formação, mais
exigência na permanência, etc. Agora em
termos de número, eu diria que sim, que
são perfeitamente adequados, não houve
nenhuma discrepância, nenhuma má
282 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
surpresa quanto ao número. O problema é
que há necessidade de os poder mobilizar,
porque estão a mais num sítio. Deveria
haver um mecanismo ao nível da comarca
com que se pudesse compensar os
funcionários desse esforço e dessas
despesas.
Mas, mesmo em termos de orçamento,
eles estão fixados a cada uma das
unidades orgânicas. O administrador
judicial não consegue transportar uma
verba de uma unidade orgânica para a
outra. Nós não temos essa possibilidade,
apesar de estarmos a tentar sensibilizar o
Ministério da Justiça nesse sentido. Ou
seja, a gestão e a administração debatem-
se com estes constrangimentos na prática.
S7
Eu quero fazer uma precisão relativamente
à afirmação que fiz no que toca à
mobilização dos funcionários judiciais (…).
A questão é só esta e é simples: existe
hoje, legalmente, uma discrepância entre
aquilo que é possível fazer relativamente a
magistrados judiciais e aquilo que é
possível fazer ao nível da gestão de
recursos de funcionários. Ou seja, hoje o
juiz presidente tem como competência
poder propor ao Conselho Superior da
Magistratura a reafectação de juízes a
outra ou outras unidades orgânicas e tem
também a possibilidade de uma outra figura
que é a da acumulação de serviço. A
reafectação não depende da aceitação do
próprio, já a acumulação de serviço sim.
Isto é, o juiz presidente pode considerar
que o magistrado, não obstante o muito
trabalho que já tem, pode, com sacrifício
pessoal, acumular funções noutra unidade
orgânica. A reafectação é outra coisa.
Parte de uma avaliação que é dizer o
seguinte: este magistrado tem um serviço
que fica um pouco aquém das suas
capacidades normais, digamos assim, e
existe outra unidade orgânica em que
essas capacidades podem ser
aproveitadas em termos profícuos, sem
prejuízo da unidade orgânica de que esse
juiz é titular.
Há, ainda, uma terceira possibilidade que é
a de propor ao Conselho Superior da
Magistratura a colocação de juízes da
bolsa na área da comarca.
Ora, em termos de funcionários judiciais
nós não os podemos movimentar sem
mais, na área da comarca. E o que eu
queria precisar é isto - eu não disse que
defendia uma movimentação acrítica e sem
regras. O que eu penso que poderá ser
proveitoso é estabelecer, pelo menos, um
regime idêntico àquele que hoje está
previsto em termos de afectação de juízes.
S15
Eu sou advogado, e ao longo da minha
experiência profissional trabalhei longos
anos no sector financeiro privado. Não
concordo com essa visão aligeirada que diz
que o sector privado funciona muito bem e
que a resposta do sector público é uma
desgraça. Porque julgo que, aliás, na
Administração Pública há muitos exemplos
de eficiência dos serviços.
Estou-me a lembrar, por exemplo, da Caixa
Nacional de Pensões, que todos os meses
coloca cá fora pensões para mais de um
milhão de pessoas. E com certeza que há
muitos outros bons exemplos de
funcionamento.
O que por vezes me inquieta é perceber
que nestes serviços que têm que gerir
processos com qualidade, não haja nem
nunca tenha havido profissionais, técnicos
de organização e método. Porque mesmo
para um juiz, não é indiferente saber como
é que começam a trabalhar os processos
que lhe chegam diariamente da secretaria.
Trabalha-os como? Faz alguma
Anexo 283
separação? Trabalha-os tal como eles
chegam? As respostas, os tempos, não vão
ser indiferentes.
Na verdade, há uma série de operadores
do sistema de justiça que sobre essas
matérias não têm, praticamente, nenhum
conhecimento. Pelo que eu acho que as
avaliações são necessárias mas não gosto,
pela experiência que tenho, de ouvir falar
muito em avaliações e não ouvir falar, por
exemplo, de preocupações como dar a
todos, incluindo aos juízes, aos
funcionários e também aos procuradores
do Ministério Público, alguns
conhecimentos para melhorar as sua
próprias formas de trabalhar e intervir nos
processos. Portanto, julgo que deve haver
mais atenção a estes procedimentos, ao
saber e às competências de técnicos que
não são, propriamente, oriundos do meio
judicial, mas que julgo terem um papel
muito importante para ajudar na eficiência
do sistema.
S5
Eu gostaria de responder ao que foi dito
nas últimas intervenções, sobretudo, à
penúltima. Eu gostaria de vos informar,
dentro de um ano, do resultado do novo
modelo, porque é claro, também para nós
em Espanha, que o modelo actual não
funciona. Também é certo, desde que
iniciámos os estudos em Espanha sobre a
situação e a possibilidade de incorporar o
novo modelo, que estamos em frente de
um mecanismo, de uma maquinaria muito
lenta. Aparentemente, parece disparatado
pensar que levámos tantos anos debatendo
que o modelo não funciona e que há novas
ideias que confluem e que as autoridades
nos reclamam.
Hoje fala-se de novas técnicas de gestão,
responsabilidade e controlo, e isto ao
princípio pareceu-nos um pouco afastado
do mundo da justiça. Éramos, pelo menos
no que se refere a Espanha, um mundo à
parte, em que os cidadãos se aproximavam
da justiça com um temor quase reverencial.
Para quê solucionarmos um conflito que já
era endémico?
Ora, é óbvio que a sociedade nos reclama
algo diferente. Algo mais próximo, em que
se possa participar e aplicar estas
equações normais – como referiu o último
interveniente – próprias de uma empresa
privada, guardando as distâncias e
respeitando as diferenças, como é
evidente, porque estamos a falar de um
serviço público, a quem se reclamam
resultados. Estamos perante um poder do
Estado que tem de prestar esse serviço
público, resolvendo os conflitos, de uma
forma próxima. Algo a quem se podem
pedir responsabilidades e
fundamentalmente resultados.
Eu volto a dizer: provavelmente não
funcionará o modelo que estamos a
instaurar porque cometemos um erro
enorme de cair num movimento pendular –
ir de um modelo que não nos serviu para
outro completamente ao contrário. Mas só
dentro de um ano ou mais, quando terminar
o ciclo de 5 anos, por exemplo, é que
poderemos verificar onde é que colocamos
o fio da balança, onde está o equilíbrio,
porque, seguramente, no equilíbrio, estará
a solução.
S16
Eu sou secretário de justiça. Tinha algumas
questões que gostaria que fossem postas à
consideração. A primeira diz respeito (…) à
análise estatística. Salvo o devido respeito,
e posso não ter interpretado bem a sua
intervenção, o CITIUS para os magistrados
e o HABILUS para os funcionários - e vejo
isso no tribunal – tem uma área de
informação onde se vê, claramente, o
tempo dos atrasos dos processos, os
processos não movimentados, bem como
há um mapa global em que se vêem
processos a arrastar-se há dez anos.
284 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
OPJ
A questão é saber se esta aplicação está
disponível para os senhores juízes
presidentes.
S8
Nós não temos essa aplicação e também
há constrangimentos legais (…).
S6
O que eu ia dizer não era tão só isso, mas
sobretudo que, exactamente, aquilo que se
vê não é o que está atrasado mas sim o
que não foi movimentado, que são duas
coisas diferentes. Porque o processo pode
não ser movimentado há três meses e não
estar atrasado, se o prazo para o
movimentar for superior a três meses. E,
justamente, nós temo-nos debatido com
esta dificuldade (…) porque, por exemplo, a
comarca (…) é uma comarca com
pendências acumuladas gravíssimas.
Aliás, embora a nova reforma preveja a
colocação de meios humanos para
recuperar essas pendências, eles não
foram colocados, e por isso, a experiência
piloto está-se a fazer com a tentativa de os
recuperar.
Temos esse problema que apenas está a
ser ultrapassado agora com a
implementação de um sistema no juízo de
execução – que aproveito para referir que
tem 50.000 processos e um escrivão –
devendo ser o maior juízo do país e onde
era absolutamente impossível, até aqui,
saber o que aí se passava. Portanto, houve
necessidade de estabelecer um critério de
codificação com o senhor administrador
judiciário que tem estado a desenvolver
com aquela escrivã, de forma que têm
estado a introduzir códigos nos processos
que nos permitam saber, esses sim, que
processos estão atrasados e para quê.
OPJ
Esse instrumento está a desenvolvê-lo na
sua comarca, mas pode não estar a ser
desenvolvido em outros locais onde deveria
ser.
S6
Mas o que eu quero dizer é que aquilo que
(…) refere como sendo uma deficiência do
sistema informático é exactamente assim e
que apenas com recurso a esta tentativa de
uma boa prática é que nós estamos a
conseguir dar a volta.
S8
Ainda há poucos dias tive uma situação
concreta, em que o funcionário estava a
tirar o prazo de Setembro. E como nesta
situação sou eu que tenho de perguntar
porque não tenho acesso a esses
elementos. Tenho de me basear sempre
nos elementos que me são dados, a não
ser que depois vá agir por reacção.
S17
O que eu queria dizer é exactamente sobre
esta matéria. As aplicações não são
acessíveis por todas as pessoas que
intervém no sistema. Ou seja, eu
intervenho no sistema mas não tenho
acesso a todas essas informações. O
senhor secretário terá essa informação,
mas o presidente do tribunal não tem.
Parece um contra-senso. Mas é preciso ter
noção que o acesso privilegiado que alguns
Anexo 285
intervenientes têm não é extensível a
todos, nomeadamente, aos presidentes.
OPJ
Mas é natural que tenhamos níveis de
acesso diferenciados. Mas o que é preciso
é definir, em protocolo, quem é que deve
aceder e parece-me que o juiz presidente
deve ter acesso a todos os instrumentos.
S16
Houve aqui, aliás, uma questão (…) os
tribunais muitas vezes não estão
dependentes deles próprios. Estão
dependentes do Instituto de Medicina
Legal, das empresas de telecomunicações,
mas também de uma entidade em relação
à qual sou bastante crítico, no que toca às
execuções.
Como se sabe, 50% ou 70% dos processos
pendentes nos tribunais são acções
executivas. E o que é estranho é que se
ouve na comunicação social, os jornalistas
e até muitas vezes gestores e economistas,
colocarem os tribunais nas ruas da
amargura, esquecendo-se que, neste caso,
as execuções estão no sector privado.
Desde 15 de Setembro de 2003 que as
acções executivas estão no sector privado.
E isto é que ninguém vê! Todos falam dos
tribunais mas, de facto, isto devia ser
ponderado e analisado.
Há cerca de um mês estive a preparar o
relatório anual a enviar para o Conselho
Superior da Magistratura e verifico que há
situações gravíssimas dos solicitadores de
execução porque, por exemplo, não fazem
as comunicações como estão previstas na
lei. Há uma série de situações em relação
às quais considero que, se houvesse rigor,
qualidade e eficiência, possivelmente os
tribunais teriam uma diminuição de 1/3 ou
mais dos processos.
S1
Muito bem, mas nós vimos que, nesta
reforma, estamos a falar de pendências em
outros tribunais que não só nos tribunais de
execução. De facto, a reforma do mapa
judiciário, veio permitir fazer esta
separação e muito bem, como os senhores
Drs. salientaram. Mas estamos a falar de
pendências dos tribunais civis e de outras
jurisdições, que não são, propriamente, só
as questões das acções executivas.
S18
Eu não estou ligado directamente à justiça,
sou sociólogo de profissão mas interesso-
me por estas questões e tenho
responsabilidades sindicais.
A questão que eu queria colocar é se este
novo mapa judiciário, a territorialização da
justiça, digamos assim, vai promover um
maior acesso à justiça pelos que menos
podem ou se, por outro lado, vai potenciar
ainda mais o acesso à justiça dos que mais
têm.
Eu sou de uma região onde o desemprego
afecta milhares de pessoas e onde as
insolvências são mais do que muitas. Há
uma conflitualidade social cada vez maior,
pelo que se impõe saber se este modelo,
que agora emerge, é um modelo que vai ter
em atenção esta dualidade social e se vai
potenciar que a justiça sirva estes cidadão
desamparados ou se, de facto, vai
potenciar os que mais acesso têm a ela, as
grandes empresas e interesses
económicos.
A outra reflexão tem a ver com a
especialização. Acho muito bem a
especialização. Porque tendo um grupo x
de funcionários, se um deles adoecer ou
tiver que faltar, pode ser facilmente
substituído.
286 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
Outra questão que queria levantar é da
avaliação. Nós estamos num processo de
avaliação da função pública, e o que se
coloca aqui é saber quando é que são
avaliados os avaliadores. Se os critérios
que são aplicados para a avaliação são, de
facto, idóneos ou são outros critérios que
não tem nada a ver com a performance dos
trabalhadores.
S19
Sou procuradora-geral coordenadora do
Ministério Público numa comarca piloto. Na
minha comarca, os problemas que se
colocam são, de certa forma, transversais
às três comarcas piloto. Como foi dito há
pouco, não se gere o que não se tem.
Faltam magistrados.
Desde que estou na minha comarca, ainda
não consegui ter o quadro completo de
magistrados. Quando consegui completá-
lo, começou a faltar uma magistrada – e
não está em causa o direito de os
magistrados faltarem, nomeadamente,
quando as magistradas estão em licença
de maternidade. É um direito que lhes
assiste e que não pode, de maneira
nenhuma ser posto em causa, mas
considero que o sistema tem de ter formas
de responder quando há estas faltas e
estas ausências ao serviço.
Assim como também não consegui ter um
quadro completo de funcionários, que têm
todo o direito de estar doentes. Mas o certo
é que o sistema não me responde e não
me permite ter alguém que os possa
substituir.
Quando chegarmos a Abril de 2010,
provavelmente aquele resultado que se
pretendia na minha comarca e, talvez nas
outras, que era a diminuição das
pendências e maior qualidade do serviço a
outros níveis, não vai ser atingido porque
não temos tido a nível de recursos
humanos aquilo que era desejável e
expectável e que a lei permite e prevê que
tenhamos.
Em termos de delimitação territorial, o que
foi gizado, provavelmente, não teve em
conta as pessoas, pois talvez se tenha
atendido muito apenas às pendências, a
dados estatísticos. Mas, há questões
específicas na minha comarca,
nomeadamente, a nível da especialização
dos juízos de família e menores que estão
distantes relativamente ao município de
(…), que para recorrer a este tribunal, têm
de ir a (…) e para chegar até lá, passam
por (…), onde sempre trataram de tudo.
Tendo em conta que não há transportes
públicos que respondam, tudo isto torna-se
difícil.
Quanto à gestão, eu penso que nós
magistrados, e falo por mim, temos uma
preparação técnico-jurídica, mas é
fundamental termos uma preparação
técnica a nível da gestão dos recursos.
Sinto que, na realidade, isso é fundamental
para quem lidera e gere uma equipa de
funcionários. E é certo que a lei exige que o
magistrado coordenador tenha essa
formação, mas porque estamos no período
experimental não pôde ser cumprida.
Eu sinto na prática, no meu dia-a-dia, que
se torna muito difícil gerir aquilo que à
partida me parece ingovernável, mas
provavelmente, olharia essas situações
com outros olhos se à partida tivesse outro
tipo de conhecimentos que não me advém
apenas da experiência.
Depois há questões de orçamento. Eu
considero que a presidência devia ter um
orçamento, mas não o tem. Tem de ir
buscar um pouco a cada unidade orgânica,
para daí poder gerir o tribunal. Ao mesmo
tempo, também não temos funcionários. Os
funcionários que eu tenho são funcionários
que tive de ir buscar à secção central e que
ficou sem eles.
Os quadros do MP não estão também, de
acordo com os quadros dos juízes.
Anexo 287
Há, portanto, aqui uma série de questões
que ainda têm de ser pensadas.
OPJ
Antes de passar a palavra, gostava de
introduzir uma questão. Várias pessoas
aqui referiram a necessidade de mais
quadros de pessoal. Provavelmente terão
razão, mas surge aqui uma outra questão:
quais são os parâmetros para sabermos se
faltam ou não funcionários, sem termos
aqui uma redefinição de tarefas? Quais são
as tarefas mais importantes e mais
frequentes dentro da tramitação processual
de uma jurisdição de família, criminal,
numa pequena instância, numa grande
instância etc.? Estamos a falar de que
quadros, de que referências?
S20
Sou juiz coordenador numa grande
instância criminal de uma comarca piloto.
Quero, em primeiro lugar, enaltecer esta
iniciativa. Foi das poucas que foram feitas,
no país, desde Abril em relação a este
novo mapa. Depois gostaria de salientar
duas questões que já foram aqui referidas.
A primeira é da formação. Eu sou juiz
coordenador, mas ninguém me deu
formação, a não ser jurídica, para além da
minha experiência pessoal. Ora, a
formação é muito importante. E, quando se
fala destas comarcas piloto, elas carecem,
desde logo, deste handicap. Ou seja, a lei
prevê formação, mas ela não foi dada e
ninguém fala disso.
Por outro lado, também temos a questão
do gabinete de apoio ao juiz. Já existem
umas portarias e uns ensaios sobre isso,
mas não temos nenhum gabinete de apoio
ao juiz. O juiz continua a digitalizar as
peças processuais, a despachar o
processo, a exercer funções de
investigação que poderiam ser delegadas
num funcionário, numa figura próxima do
secretário que lida com o processo, como
em Espanha, e que aqui em Portugal
poderia ser um funcionário que colabora
com o juiz, numa assessoria que está
prevista na lei, talvez de forma limitada,
mas que se poderia pensar em termos
mais amplos no futuro.
Finalmente, um critério objectivo. Quando
estas três comarcas piloto foram
instaladas, em Abril, eu tentei perceber
porquê este quadro e confesso que não
percebi. Porque existem estatísticas da
justiça, mas tenho grande dificuldade em
as perceber. E, portanto, quando se vai
fazer uma monitorização desta reforma e
pensar num modelo de gestão, procurando
o que é melhor para a justiça,
necessariamente tem de se partir de
parâmetros e estatísticas que existam e
que se conheçam.
Eu, por exemplo, não existindo essas
estatísticas ou não me sendo cognoscíveis,
tentei fazer a ratio entre juiz e população,
mas cheguei a conclusões que fazem crer
que a reforma não tem muita consistência.
Estou agora para ver o que vai acontecer
na monitorização, se não se definirem os
parâmetros.
S6
Gostaria de responder à questão de como
é que nós sabemos se precisamos de
funcionários. De facto, não há indicadores
e era urgente que houvesse. Isso é
absolutamente relevante. Sei onde faltam
funcionários e é na comarca de (…) e
passo a explicar porquê. Os funcionários
que lá estão foram pensados e são,
eventualmente, adequados a uma comarca
com um funcionamento normal. Mas nós
herdámos pendências anormais, e por isso
mesmo, as leis que instalaram as comarcas
previram a colocação de funcionários e
juízes para recuperar essas pendências.
Portanto, nessa comarca, pese embora não
288 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
haver esses indicadores, não há dúvida
nenhuma que os funcionários não são
suficientes para aquilo que temos de fazer.
S9
Eu gostaria só de fazer um comentário
sobre a mobilidade e a flexibilidade e,
depois, fazer-vos uma pergunta.
A mobilidade e a flexibilidade têm que ser
abordadas com clareza e respeito pelas
pessoas. E as questões das deslocações
longas, entre outros aspectos, têm que ser
ponderadas. Mas depois, há um conjunto
de outros aspectos, às vezes
completamente disparatados e que limitam
imenso o trabalho e a eficácia das
organizações. Dou-vos alguns exemplos. A
Universidade de Coimbra, na
reestruturação de 2003, tinha onze quadros
de pessoal. Ao passarmos para um único
facilitou muito mais a mobilidade, que em
termos geográficos, não coloca problemas
na cidade de Coimbra.
Um outro exemplo é a região autónoma
dos Açores. Eles têm quadros de ilha.
Dentro da mesma ilha, os funcionários
podem movimentar-se, mesmo entre
serviços diferentes, desde que dentro da
mesma função, o que faz todo o sentido.
A pergunta que gostava de vos fazer é: das
unidades orgânicas que dirigem, quem é
que conhece o seu índice de absentismo?
E se estão satisfeitos com o índice de
absentismo. Porque este é um dado
fundamental para poder gerir a
organização. Isto porque ainda há pouco
tempo estive a trabalhar com uma unidade
que tem sido referência na modernização
administrativa, com cerca de 100 pessoas,
todas jovens, licenciadas, e estimou-se um
nível de absentismo de 4%. Isto é, a
direcção estava à espera de ter
normalmente, noventa e seis pessoas.
Quando se começaram a fazer os primeiros
cálculos, de facto, tinham, na realidade,
oitenta e oito, o que lhes colocava
problemas porque era um horário contínuo
e tinha de encontrar maneira de resolver o
problema. As razões são as melhores: as
pessoas eram novas, casaram-se e tiveram
filhos. No entanto, em vez das noventa e
seis, têm oitenta e oito pessoas e têm
umas condições diferentes de gestão.
Portanto, são estes elementos e
indicadores que são fundamentais para
poder gerir.
S21
Sou procurador da República no DIAP da
comarca de (…). Eu gostei particularmente
da intervenção (…) que focou pontos que
achei da maior pertinência, embora alguns,
nomeadamente a melhoria contínua do
processo seja para nós uma utopia. Pode
ser que exista, mas não está na prática. E
uma das razões porque não existe é a falta
de preparação dos líderes desta operação.
Não recebemos nenhum curso de gestão.
Achei ainda mais interessante a questão da
avaliação, que me fez lembrar a avaliação
dos professores. Porque, como sabem,
olhando para a lei, estamos a três meses
do fim do primeiro relatório de avaliação.
Sendo certo que, tanto quanto percebi, é
importante ter os indicadores de avaliação
e que os operadores que estão no terreno,
nesse processo de mudança, conheçam
esses índices. Ora, se estamos a três
meses e ninguém conhece esses índices,
dá a ideia que estaremos talvez no período
experimental do período experimental.
E, provavelmente, até seria melhor que
assim fosse, para partirmos para uma nova
fase mais organizada. Até porque a forma
como se fez a implementação desta
reforma nestas comarcas foi pouco
preparada, o que causou aos
intervenientes envolvidos uma perturbação
processual que durou meses, por exemplo
Anexo 289
com a transferência electrónica e física dos
processos, a distribuição, a colocação das
pessoas, etc, a que se seguiram férias
judiciais.
Portanto, não seria de todo descabido
saber quem vai fazer essa avaliação e
quais vão ser os critérios. Suponho, à falta
de outro critério, que vão buscar as
estatísticas do Ministério da Justiça e que,
de alguma forma, partam daí.
A ideia da qualidade da mudança, essa
então, está muito para além da prática. A
ideia que eu tenho é que está toda a gente,
ainda, a partir. Ainda não há uma forma
assente de funcionar convenientemente.
Outra questão que também achei
essencial, é o destaque dado ao apoio
informático, que também está, de alguma
forma, desorganizado e desigual. Só a
título de exemplo, a cobertura de banda
larga na Comarca Grande Lisboa-Noroeste
é de 100 megas e na Comarca Baixo
Vouga é de 10 megas. E ninguém percebe
porquê.
Finalmente, o tipo de acções de todos os
operadores e, essencialmente, por um lado
os quadros de gestão da comarca e, por
outro, os operadores de massa que são
funcionários, se não existir, não vai ter
grande êxito. Principalmente na questão da
qualidade do serviço.
Quanto aos poderes do juiz presidente são,
de facto, menos e são poucos. Não é por
acaso que são vagos, como já foi aqui
referido, são mesmo poucos. O juiz
presidente não tem os poderes de gestão,
até, orçamental e devia tê-los, bem como
não tem poderes de gestão processual que
podia ter e não tem informações que na
altura foram discutidas. Houve, aliás,
grande oposição dos membros dos
operadores judiciários, para que o juiz
presidente tivesse mais poderes. Talvez no
futuro devesse ter mais poderes, mas, de
facto, neste momento, tem poucos porque
isso foi pensado.
S10
O que me parece é que, de facto, num
modelo deste género, como foi escolhido,
diferente do espanhol, teria que ter mais
poderes, senão não faz muito sentido a
opção. Há aqui uma inconsistência, pelo
menos, em termos de gestão.
S17
Eu estava a pensar em prescindir da
intervenção, mas como veio a propósito a
questão da competência dos juízes-
presidentes, gostaria de colocar a seguinte
questão: acham ou não que deveriam ter
competência para solucionar todos os
conflitos de competência que surgissem
entre os juízes das vossas comarcas?
Eu não questiono isto de forma inócua. De
facto, qualquer reorganização judiciária
implica conflitos de competência e,
nomeadamente, na área do Baixo Vouga
são quatro ou cinco centenas. São
processos que ficam completamente,
bloqueados, durante meses, e o juiz
presidente ou o Conselho Superior da
Magistratura poderia, eventualmente, tomar
uma atitude imediata. E aquilo que se está
a passar é que como o conflito é suscitado,
processo a processo, são inúmeros os
recursos que vêm aos tribunais da
Relação, quando poderia com uma simples
medida de atribuição dessa competência
aos juízes presidentes solucionar-se as
questões, reservando para o tribunal da
Relação qualquer conflito entre juízes de
comarcas diferentes.
S22
Eu sou do México e estou a fazer
investigação sobretudo nos tribunais de
província. Estou a investigar antropologia
290 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
jurídica nos tribunais. Com base na minha
investigação e nas impressões que recolhi
aqui, surgiu-me uma questão e não quero
deixar passar a oportunidade de a colocar.
Estou a estudar dois tribunais em concreto,
que são bastante informais onde não é
obrigatória a intervenção do advogado.
Ora, estamos perante um paradoxo. Estes
tribunais foram criados com a reforma
judicial, a qual definiu, também, que todos
os critérios de avaliação – pelo menos no
México – são números. E são esses
números que vão classificar como bom ou
mau determinado tribunal. Mas,
curiosamente, em geral as populações, que
acorrem a estes tribunais opinam muito
bem sobre eles, porque aí os funcionários
dispensam-lhe uma atenção que nenhum
outro lhes dá. E eu perguntava-me se este
método de avaliação tão numérico, tão
quantitativo e tão invisível é correcto e se
não há outra forma de avaliação?
OPJ
Trata-se da questão dos critérios de
avaliação, quer interna, quer externa e que
deve atender, também, a padrões de
qualidade.
S23
A reflexão que gostaria de fazer convosco
é qual é que é o significado desta
flexibilidade funcional, espacial, numérica e
financeira, porque foi com agrado que ouvi
dizer que em algumas situações,
nomeadamente na universidade de
Coimbra, não se coloca tanto o problema
da mobilidade espacial, como ocorre
nestes contextos da justiça de que estamos
a falar. Mas, depois, qual é a outra
resistência que devemos ter? Não há
problema na flexibilidade espacial, mas
temos problemas na flexibilidade funcional
e a resistência que se coloca.
No fundo, quais são os dados e os
mecanismos que temos, em termos de
mobilidade funcional e o que é que isso
depois traduz no envolvimento total de
passar de um absentismo para um
presentismo, se não temos eficiência
organizacional?
OPJ
Muito obrigada. Eu daria agora um minuto
a cada um dos intervenientes.
S4
Achei todas as intervenções muito
interessantes. Gostaria, para terminar de
voltar a uma questão que não sei se ficou
clara na nossa intervenção. O modelo
espanhol está a ser implementado agora,
mas tratando-se de um modelo
revolucionário, haverá certamente muitas
dificuldades práticas. Quero salientar que o
processo vai deixar de ser “propriedade
exclusiva” dos do juiz.
Hoje, temos um processo que entra no
tribunal e o juiz diz: “vou tramitá-lo
conforme a lei”, mas marcando o prazo,
marcando o tempo, marcando tudo. No
futuro, é o secretário que vai seguir as
minhas instruções nesse sentido para o
fazer. Aquele personalismo é fundamental
para a eficiência do resultado.
Há juízes que proferem cem sentenças,
outras trezentas e outros até que proferem
quinhentas. Mas, se um se atrasa, todos os
outros se atrasam. Ora, tudo isto vai mudar
e mudará porque a partir de agora, o
serviço comum é que se vai encarregar da
tramitação e simplesmente se dirá ao juiz,
por exemplo, ” produção da prova, na data
x”, conforme a sua agenda.
Há uma perda do conceito de domínio do
processo e esta mudança é uma novidade
Anexo 291
muito grande, mas que poderá ter
problemas de implantação. No fundo
subjaz o problema da articulação entre o
secretário e o juiz, sendo a este apenas
reservada a sua função primeira que é
julgar, resolver o conflito.
S5
Eu centraria a minha exposição em três
conceitos principais: mobilidade, formação
e aumento dos quadros de pessoal.
É algo que para mim não é uma novidade,
pois é algo que já se havia discutido antes
e em torno de outros problemas no meu
país. Creio que é algo até de repetitivo e
que acontece em todas as organizações
sociais e em todos os países.
Se servir de algo, a minha experiência de
mais de vinte anos dentro do organograma
judicial espanhol, posso falar-vos em três
pontos essenciais.
O primeiro é aumento dos recursos
humanos, isto é, dos quadros de pessoal.
Posso dizer-vos que não há uma proporção
directa entre o aumento de pessoal e o
aumento de decisões, de resoluções de
conflitos, portanto, não pensem que o
aumento de pessoal pode ser a resolução
de todas as questões.
O segundo é a formação, essa sim, deverá
ser para todos. Digo e repito, para todos os
estratos. É fundamental termos uma
formação adequada.
O terceiro é a mobilidade. É um eterno
conflito e é o eterno problema. Posso dizer-
vos que o novo modelo que estamos a
projectar em Espanha consagra em parte a
mobilidade. Como foi dito aqui esta tarde,
mobilidade não só dentro do tribunal, mas
dentro da própria área geográfica. No
entanto, vai ser difícil de a manter. Temos
informação de que os sindicatos, pelo
menos a sua maioria, estão a assumir que
é muito provável que se tenha que ceder
na questão da mobilidade, afim de não se
pôr um fim ao novo modelo que se
pretende implantar. Se bem que a
mobilidade, no caso concreto das divisões
administrativas de que vos falava, no pior
dos casos, seria reduzida a uma
mobilidade territorial circunscrita ao âmbito
de cada comunidade autónoma. Embora,
inicialmente, a ideia fosse de que ela se
circunscrevesse apenas a uma mesma
localidade.
S9
Queria debruçar-me sobre quatro pontos
muito rápidos.
O primeiro é para voltar a agradecer o
convite para este evento, que foi de
extremo interesse para mim.
O segundo para dizer que o diálogo foi
excepcional. São 19h horas e a casa está
cheia, o que é um excelente indicador.
Um terceiro ponto, para dizer que o
sucesso destas experiências, portuguesa
ou espanhola, depende claramente de uma
intervenção coordenada sobre os vários
domínios do conhecimento, sejam aspectos
judiciários, aspectos de gestão, de recursos
humanos, métodos, etc. Os processos têm
de se conjugar para se encontrar o
sucesso.
E o quarto ponto é que adoraria debater a
questão do absentismo, das presenças e
da motivação e da produtividade. Tenho
muitos dados nesse domínio. Só que
precisávamos de mais uma tarde,
seguramente. Seria um tema muito
interessante, mas infelizmente não o
podemos fazer.
S10
Eu gostava de aproveitar para abordar
292 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
duas notas sobre duas questões ou ideias
que surgiram. Uma nota sobre aquela
questão suscitada pelo colega de seminário
relativamente à questão do serviço público
vs serviço privado, e o que lhes
corresponde. Eu penso que hoje já não se
acredita muito nisso. Eu trabalhei dez anos
ou doze com responsabilidades na banca
privada e com responsabilidades de gestão
e comerciais – naturalmente na gestão
pública temos muito mais restrições – mas
as duas grandes variáveis em ambas são
gerir as pessoas e as questões
organizacionais. E para tal, como foi
referido, há métodos e técnicas que
facilitam o trabalho do gestor em que,
naturalmente, um gabinete de apoio, fará
todo o sentido. Por isso, essa diferença
entre serviço privado ou público penso que
já não fará tanto sentido. O que é essencial
é não perder de vista a essência do
serviço, os valores e os princípios que
devem estar subjacentes na avaliação da
qualidade de um serviço público que serão,
obviamente, diferentes do serviço privado.
E aí eu penso que a excelência é,
naturalmente, uma utopia. Aliás, a palavra
excelência é um conceito que é usado no
âmbito da qualidade total mas também é
usada no quotidiano, o que leva a que haja
muitas ideias sobre o que é a excelência,
mas nesta perspectiva - e Aristóteles dizia
que a excelência é um hábito - e a
mudança espanhola é de facto
revolucionária, ouvir falar de serviços
partilhados nos tribunais é algo
absolutamente novo.
Na medida em que é essa a grande
questão hoje das multinacionais, por
exemplo, que andam a deslocalizar para a
Índia e para a Europa os serviços
partilhados em função dos custos de mão-
de-obra, ou seja, a importância do centro
de serviços partilhados numa perspectiva
da gestão privada em termos de eficácia e
de ganhos, neste caso, exclusivamente
financeiros.
Portanto, estamos aqui a falar de modelos
com conceitos que estão na crista na onda,
naquilo que são alguns dos paradigmas da
gestão privada.
Agora, a questão da excelência, refiro-a
porque, do muito que foi dito, pela ausência
de estatísticas, indicadores e parâmetros
de avaliação, do meu ponto de vista julgo
que os parâmetros de excelência ajudam
porque evitam a execução de avaliações
precipitadas com base em indicadores
pouco cuidados. Ou seja, nós não devemos
ter apenas em conta a rapidez, há o risco
de comparar de forma igual coisas
desiguais, há realidades ocultas e que não
aprecem nos números e por isso, digamos
que a excelência, enquanto princípio para
nos obrigar a ver muitos dos resultados e
até mais do que eles, penso é e um
princípio fundamental. E digo só o seguinte,
do que conheço, existem muitos exemplos
já, em Portugal, de serviços públicos com
prémios internacionais em termos de
modelos de excelência, e muitas vezes até
independentemente da dimensão, com
alguma complexidade.
Pelo que deve ser algo orientador e
embora seja uma utopia, é uma utopia que
deve estar presente para que as coisas
tenham um carácter de sustentabilidade a
médio e longo prazo.
Eu só queria agradecer, também, porque
me foi muito grato estar aqui a participar
neste seminário.
S6
Queria focar duas notas. (…). Nós,
pessoas a quem a gestão aconteceu,
precisamos muito de formação nestas
áreas. Um outro ponto, tem que ver com a
questão da comparação que foi agora
retomada há pouco (…), que diz respeito
ao modelo espanhol e ao modelo
português e à definição de competências.
Como tentei referir quando abordei o
Anexo 293
conjunto de competências do juiz
presidente, sejam elas diminutas ou não, o
que é facto é que nele se conjugam, de
maneira que exige uma coordenação
diplomática muito grande, determinadas
áreas de intervenção no tribunal e, portanto
(…) a definição de competências é
essencial, não está feita e há que a fazer.
Mas há outro aspecto que parece
absolutamente fundamental, que é o modo
como se definem as competências, que
não é indiferente. A questão de dissociação
entre a actividade jurisdicional e a
actividade processual não é indiferente.
Administrar a justiça, na nossa tradição
portuguesa, implica administrar o processo
e a nossa lei orgânica permite isto e este
elemento é fundamental, sendo que me
parece que é dentro dele que podemos
definir melhor as competências que estão
em jogo num tribunal e não dissociando-as
e reservando para o juiz a nobre função de
julgar que, no fundo, é apenas reduzida a
um acto num processo e não à gestão dos
processos.
S7
Em primeiro lugar agradeço também o
convite para participar neste seminário
Mesmo que não fizesse parte dele,
participaria numa outra perspectiva, e
sempre com muito agrado.
Por outro lado, quero agradecer (…)
porque, de facto, as suas palavras para nós
são quase como um encaixe da teoria na
nossa prática do dia-a-dia, e é quase como
conseguir pensar isso de uma outra forma.
Queria também referir mais algumas
coisas. Aquilo de que estivemos aqui a
falar, relativamente aos traços gerais deste
novo modelo de gestão, é uma situação.
Outra situação são as condições do
exercício deste modelo, ou seja como é
que o modelo se executa, que meios temos
para pôr em prática este modelo, haver que
gerir e os meio para gerir – isto é outra
situação.
Uma coisa é dizer: este modelo adequa-se
ou não aos objectivos traçados e que
queremos traçar? Outra coisa é questionar:
temos as condições para pôr em prática
este modelo? Temos que gerir. E como
gerir? Assim, são duas questões distintas,
embora se complementem.
É evidente que se tivermos essas
condições em parâmetros de normalidade
e se tivermos essas condições acima dos
parâmetros de normalidade, melhores
condições, maiores potencialidades temos
para bem os servir. Portanto, esse é um
apelo que deixo, porque se discutimos o
modelo de gestão, também temos de
discutir, inerentemente, as condições em
que é exercido.
Relativamente à qualidade por contraponto
à quantidade, eu pessoalmente penso que
ambas estão necessariamente associadas
e qualquer avaliação que eu tenha de
fazer, tenho de ter em conta esses dois
vectores.
Na justiça, temos em conta isso mesmo,
com a preocupação, no nosso trabalho, de
atender à produtividade mas também à
qualidade do que fazemos e ser auto-
críticos sobre o que fazemos.
Volto a dizer, uma das grandes
virtualidades deste novo modelo é
possibilitar um espírito dentro de uma
equipa – ele pode funcionar bem e pode
funcionar mal, como é óbvio, porque como
já se disse, nem tudo são rosas – mas
potencia justamente o dizer-se que o
modelo de gestão não está pensado só
porque existe um juiz presidente, um
administrador, juízes coordenadores ou um
procurador coordenador, uma vez que
todos os intervenientes que fazem parte da
área territorial do tribunal de comarca farão
parte deste modelo de gestão.
Ora, eu não consigo fazer a gestão
294 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
processual se não tiver a colaboração de
todo e qualquer colega, como não consigo
fazer a gestão do que é a planificação de
uma unidade orgânica de secretaria se não
tiver a colaboração dos funcionários, do
administrador, do procurador coordenador,
etc.
Portanto, a grande virtualidade é
justamente criar este espírito de equipa e
que toda a gente participe neste modelo.
Quando falamos aqui das competências do
juiz presidente, ele será talvez o topo da
pirâmide desta estrutura intermédia mas o
importante, na realidade, é a articulação
disto tudo, para entroncar na questão da
qualidade que é justamente isso,
esperamos qualidade quando motivamos
os outros para determinados objectivos que
não são apenas quantitativos mas também
qualitativos.
Dada a possibilidade, volto a repetir, a
flexibilidade é essencial, pois por maior que
seja a área geográfica há sempre solução.
Mais, no dia-a-dia constatamos que as
pessoas estão cada vez mais abertas para
a flexibilidade. Não todas e podemos ser
todos muito críticos quanto a ela. Mas, a
questão é: existe ou não? Porque se não
existe, mais uma vez não temos um meio
de gestão.
Relativamente à questão colocada da
possibilidade de o juiz presidente ter
competência para decidir conflitos de
competência no âmbito territorial da
comarca, é uma questão mais complexa.
Não sei se seria bem encarado o facto de,
no fundo, estarmos inter pares a decidir
essa situação e a situação não ser
submetida, como é hoje, a apreciação
superior.
S17
Bom, mas não é inter pares porque os
senhores são juízes presidentes, há um
ónus adicional no exercício dessa função.
S7
Com inter pares quero dizer, por exemplo,
(…), somos juízes de círculo, e (…) juiz
desembargador. Ora, estamos habituados
a subir, a submeter a apreciação superior.
S17
Sim, mas o facto de estarmos habituados a
esse tipo de gestão processual, e se
estamos a evoluir num modelo de gestão
diferente, não poderíamos superar e
ultrapassar, passar para outro patamar?
S7
A minha resposta é a seguinte:
poderíamos, eventualmente, poderíamos.
Simplesmente a questão que se coloca em
retorno é se será que tal será bem aceite?
S17
Na minha perspectiva, se é bem aceite ou
não, é questão que se deve colocar. O que
se deve colocar é em termos de eficiência
do serviço para evitar que o cidadão, como
hoje, fique seis, sete, oito, nove ou dez
meses à espera da solução do caso,
enquanto que teria ali um expediente
eficiente e rápido de solucionar.
S6
Gostaria de responder à pergunta. Penso
que será relativamente indiferente que
tenha essa competência ou não. O que me
aprece mais grave é que haja vinte
processos com a mesma situação e em
todos eles tenha de seguir uma
determinada tramitação. Porque seja no
Anexo 295
tribunal da Relação ou ao nível do juiz
presidente o problema é o mesmo.
Tivemos uma situação na comarca (…), de
quinze processos que tinham uma situação
que eu entendi ser de competência e que a
colega entendeu que seria eu a decidir por
ser de distribuição. Veio o primeiro
processo e, resolvida essa questão, não foi
suscitada a questão nos restantes
processos, porque entendeu que a questão
ficava resolvida com aquele primeiro. Ou
seja, a eficiência talvez resulte de nós
termos outros mecanismos que não nos
façam andar a repetir as mesmas
situações, com actos inúteis, em vários
processos em que já se sabe que vão ser
decididos exactamente da mesma forma.
Não me choca que se decidam os conflitos
de competência ao nível do juiz presidente.
Se calhar os próprios conflitos é que
deveriam ser mais fáceis de resolver.
S8
Vou gastar apenas um minuto para
agradecer o convite, a amabilidade de ter
cá estado. Cumprimento todos os
presentes, os membros da mesa, e a todos
desejo as maiores felicidades e que o ano
corra tão bem como começou, esperando
que tenha começado bem. Agradeço
também ao senhor sociólogo que está lá ao
fundo e responder-lhe-ei quanto à questão
das faltas dos funcionários. Eu tenho muito
respeito por quem está doente, não ponho
em causa isso, respeito uma sociedade de
bem-estar e que as pessoas doentes
tenham o melhor tratamento possível e
estejam ausentes o tempo necessário para
reparar a saúde. Apenas me referi a essas
faltas como maneira de me justificar
quando peço funcionários, porque numa
situação em que os recursos são escassos,
tenho de justificar que essas pessoas
faltando não estão ao serviço, e este tem
de ser cumprido, tenho de as substituir
para assegurar o serviço prestado ao
cidadão.
Também não ponho em causa que o
avaliador seja avaliado. Passei a vida toda
a ser avaliado e continuo a sê-lo, pela
sociedade, pelos senhores advogados,
pelo sistema.
(…), acho sem dúvida um passo
importantíssimo na decisão dos conflitos de
jurisdição. Tenho, concretamente, um caso
na comarca, em que escusava de estar a
prender os tribunais da Relação e o próprio
Supremo Tribunal Administrativo com
centenas de processos. O juiz presidente
poderia intervir, sim, e os processos
acabariam ali mesmo e em tempo útil, o
mesmo prosseguiria a bem das pessoas e
da justiça. Mais uma vez agradeço.
OPJ
Obrigada senhor Dr. Antes de passar a
palavra (…), aproveito para agradecer
muito a todos que aqui intervieram, aos
membros da mesa, a todos que intervieram
e colocaram questões. O sucesso deste
seminário deve-se a vós.
S3
Serei muito breve. Esta foi seguramente a
primeira reunião de avaliação das três
comarcas piloto. (…).
Nós sabemos que temos uma organização
judiciária com 200 anos mas sabemos
também que esta organização judiciária
pode durar outros 200 anos e, portanto,
não é fácil e também não foi completa hoje
– e não me levem a mal – a avaliação feita.
A primeira avaliação que tem de ser feita é
saber se aquilo que foi projectado e o que
foi realizado coincide. Saber se o Estado
tem ou não meios para concretizar tudo o
mais, rapidamente e de uma só vez. Saber
296 A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS
PILOTO
se temos também os mecanismos
processuais adequados para poder pôr
tudo de pé de uma só vez e saber se a
eficácia da justiça resulta desta
organização judiciária.
Há coisas que não foram ditas - e vão ter
de ser - onde de facto o poder político vai
ter de avaliar. E esta indagação não é junto
dos magistrados, nós não avaliamos
magistrados nem funcionários. Isto é,
avaliamos sim aquilo que estava projectado
e aquilo que foi realizado. E essa avaliação
vai ter de ser feita.
É um bom caminho, o das grandes
comarcas, mas para ser trilhado com
consequência, eficácia e meios humanos e
materiais é preciso saber se o que foi
idealmente gizado em termos ideais
coincide ou não com o que está a ser
concretizado na prática.
Ora, eu não vi aqui nenhuma intervenção
nem nenhuma alusão à advocacia, nem
dos cidadãos sobre o modo como sentem
esta reforma e isso tem de ser feito
também. Isto é, temos aqui problemas dos
magistrados, da formação, da organização,
de método, de financiamento, mas também
teremos o da advocacia e dos cidadãos
que recorrem aos tribunais. Por isso, essa
ponte que é feita entre os cidadãos e o
Estado, que é feita pela advocacia, tem de
ser aqui também devidamente assegurada
e não foi. Logo, vamos ter de o fazer.
Portanto eu vou pedir a todos os senhores
magistrados que façam esta avaliação
muito rigorosa, porque de facto, o
Ministério da Justiça vai-lhes solicitar
veementemente que essa avaliação se
faça nestes termos, porque estamos aqui
para optimizar o serviço da justiça, dar-lhe
consequência, e para lhe dar eficácia e
dignidade. Isto porque, de facto, ainda há
dias recebemos uma organização
empresarial no Ministério que nos trouxe
uma avaliação de todo o mundo da justiça
em que nós, homens e mulheres da justiça,
estávamos abaixo dos políticos. Ora, é
dramático ouvir isto, ouvir que nós, as
pessoas do judiciário, estamos abaixo dos
agentes políticos em termos de
representação social, isto tem de ser
ultrapassado rapidamente.
A função que tenho no Ministério da Justiça
é fazer este apelo a todos, seja qual for o
papel que desempenhem dentro do
tribunal, que é fazer-nos chegar respostas
sobre o modo de resolver estes problemas.
Este novo mapa judiciário e estas três
comarcas piloto são, de facto, matriciais
para nós, para o nosso país nas próximas
décadas ou até, quem sabe, para a
próxima centúria, pelo que é necessário
muita cautela porque se este modelo
soçobrar será um desastre! Este modelo
não pode soçobrar, mas para o
encaminharmos para o sucesso, como
disse, temos de ter muita cautela e
precisão relativamente a pessoas,
métodos, critérios ou recursos humanos e
financeiros.
Agradeço a todos, sinceramente, porque fui
alertado para realidades que desconhecia,
e a Dra Conceição Gomes sabe porque
discutimos muito e conhece as reticências
que tinha em relação a este concreto
mapa. O modelo já está fixado, pelo que
agora há que dar o salto qualitativo e para
tanto o apelo é para que se faça a
avaliação ao que foi feito e que foi
projectado e como é que vamos concretizar
o futuro desta organização judiciária.
Muito obrigado a todos. Peço desculpa pelo
que disse, mas tinha que o dizer, tinha de
ser sincero com esta audiência tão delicada
e responsável e com a qual muito aprendi.
OPJ
Muito obrigada a todos.