A FORMAÇÃO DA TEOLOGIA PENTECOSTAL NO BRASIL

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A FORMAÇÃO DA TEOLOGIA PENTECOSTAL NO BRASIL importância dos missionários escandinavos e norte-americanos na formação da identidade teológica da Assembléia de Deus brasileira Apesar das constantes incidências de modismos teológicos no cenário evangélico brasileiro, a Assembléia de Deus é hoje uma das igrejas com maior solidez bíblica doutrinária em nosso país. Isso se deve a anos de formação de sua identidade teológica, sob a influência direta dos missionários escandinavos e norte-americanos. Como se deu essa influência? Para entendermos isso, acredito que dois pontos devem ser analisados. Primeiro: Quem exerceu maior influência? Os missionários escandinavos ou os norte-americanos? Segundo: Havia alguma divergência doutrinária entre a Teologia pentecostal escandinava e a norte-americana? QUEM EXERCEU MAIOR INFLUÊNCIA? Como sabemos, a Assembléia de Deus no Brasil foi fundada por missionários escandinavos, porém sua Teologia sofreu igualmente influência da igreja pentecostal escandinava e das Assembléias de Deus norte-americanas. A diferença é quanto ao tempo de influência dos dois grupos. O primeiro exerceu sua influência teológica nas primeiras cinco décadas do Movimento Pentecostal brasileiro. Os norte-americanos estão exercendo sua influência teológica no Brasil pentecostal já há 40 anos. Se na liturgia e em alguns costumes podemos afirmar que ainda somos herdeiros dos primeiros missionários suecos (se bem que, nos últimos 15 anos, a influência norte- americana na nossa liturgia e costumes aumentou), pode-se dizer que teologicamente fomos influenciados mais pelos missionários norte-americanos do que pelos escandinavos. Excetuando a influência na Assembléia de Deus do missionário escandinavo Eurico Bergstén, falecido em 1999, são os norte-americanos que mais influenciaram a Teologia Pentecostal brasileira na quatro últimas décadas. Ao lermos a história da Assembléia de Deus brasileira em seus primeiros anos, percebemos que, da década de 10 até os anos 40, os missionários suecos eram soberanos na orientação doutrinária. Nos primeiros anos, a voz da Teologia assembleiana eram os artigos dos suecos nos jornais Boa Semente, Som Alegre e Mensageiro da Paz, e na série Lições Bíblicas, com comentários exclusivamente dos missionários escandinavos nas primeiras décadas. Há artigos de brasileiros nesses periódicos, mas só eram publicados aqueles que passavam pelo crivo teológico dos missionários escandinavos. Além disso, os artigos de articulistas norte-americanos ou britânicos (notadamente Donald Gee, cujos estudos sobre dons espirituais foram preciosos para a nascente igreja no Brasil) eram escolhidos e traduzidos pelos missionários suecos antes de serem publicados nos periódicos. Um detalhe dos anos 10, 20 e 30 é que havia certa igualdade entre os missionários escandinavos quanto à influência teológica. Gunnar Vingren, Samuel Nyström, Nils Kastberg, Otto Nelson, Nels Nelson e Joel Carlson se dividiam nessa tarefa, ora por meio de artigos, ora pelas ministrações de estudos bíblicos nas igrejas sob sua responsabilidade. Porém, de meados dos 30 até o início dos 40 (isto é, depois da partida

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A FORMAÇÃO DA TEOLOGIA PENTECOSTAL NO BRASIL 

importância dos missionários escandinavos e norte-americanos na formação daidentidade teológica da Assembléia de Deus brasileira

Apesar das constantes incidências de modismos teológicos no cenário evangélicobrasileiro, a Assembléia de Deus é hoje uma das igrejas com maior solidez bíblicadoutrinária em nosso país. Isso se deve a anos de formação de sua identidade teológica,sob a influência direta dos missionários escandinavos e norte-americanos. Como se deuessa influência?

Para entendermos isso, acredito que dois pontos devem ser analisados. Primeiro: Quemexerceu maior influência? Os missionários escandinavos ou os norte-americanos?Segundo: Havia alguma divergência doutrinária entre a Teologia pentecostalescandinava e a norte-americana?

QUEM EXERCEU MAIOR INFLUÊNCIA?

Como sabemos, a Assembléia de Deus no Brasil foi fundada por missionáriosescandinavos, porém sua Teologia sofreu igualmente influência da igreja pentecostalescandinava e das Assembléias de Deus norte-americanas. A diferença é quanto aotempo de influência dos dois grupos. O primeiro exerceu sua influência teológica nasprimeiras cinco décadas do Movimento Pentecostal brasileiro. Os norte-americanosestão exercendo sua influência teológica no Brasil pentecostal já há 40 anos.

Se na liturgia e em alguns costumes podemos afirmar que ainda somos herdeiros dos

primeiros missionários suecos (se bem que, nos últimos 15 anos, a influência norte-americana na nossa liturgia e costumes aumentou), pode-se dizer que teologicamentefomos influenciados mais pelos missionários norte-americanos do que pelosescandinavos. Excetuando a influência na Assembléia de Deus do missionárioescandinavo Eurico Bergstén, falecido em 1999, são os norte-americanos que maisinfluenciaram a Teologia Pentecostal brasileira na quatro últimas décadas.

Ao lermos a história da Assembléia de Deus brasileira em seus primeiros anos,percebemos que, da década de 10 até os anos 40, os missionários suecos eram soberanosna orientação doutrinária. Nos primeiros anos, a voz da Teologia assembleiana eram osartigos dos suecos nos jornais Boa Semente, Som Alegre e Mensageiro da Paz, e na

série Lições Bíblicas, com comentários exclusivamente dos missionários escandinavosnas primeiras décadas. Há artigos de brasileiros nesses periódicos, mas só erampublicados aqueles que passavam pelo crivo teológico dos missionários escandinavos.Além disso, os artigos de articulistas norte-americanos ou britânicos (notadamenteDonald Gee, cujos estudos sobre dons espirituais foram preciosos para a nascente igrejano Brasil) eram escolhidos e traduzidos pelos missionários suecos antes de serempublicados nos periódicos.

Um detalhe dos anos 10, 20 e 30 é que havia certa igualdade entre os missionáriosescandinavos quanto à influência teológica. Gunnar Vingren, Samuel Nyström, NilsKastberg, Otto Nelson, Nels Nelson e Joel Carlson se dividiam nessa tarefa, ora por

meio de artigos, ora pelas ministrações de estudos bíblicos nas igrejas sob suaresponsabilidade. Porém, de meados dos 30 até o início dos 40 (isto é, depois da partida

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de Vingren, ocorrida em 1932), o missionário Samuel Nyström passou a se destacarcomo o grande nome da Teologia Pentecostal no Brasil. Em muitos casos, questõesdoutrinárias eram dirimidas, até em reuniões de Convenção Geral das Assembléias deDeus, depois de ser ouvido Nyström.

Nyström foi o quarto missionário escandinavo pentecostal a aportar em solo brasileiro.Conhecido como o grande pregador e ensinador, sua vinda foi uma grande conquistapara a obra no Brasil. Além do sueco, sua língua natal, falava o português e o inglêsfluentemente, e tinha noções de grego e hebraico. Antes de liderar a Assembléia deDeus em São Cristóvão, no Rio, ele pastoreou a igreja-mãe em Belém do Pará, tendoinaugurado o primeiro templo assembleiano na capital paraense. Foi ele quem deu inícioao movimento beneficente em favor das viúvas de pastores e é até hoje o líder que maisvezes foi eleito presidente da CGADB. Foram nove vezes (1933, 1934, 1936, 1938,1939, 1941, 1943, 1946 e 1948). Sua influência era tão grande que a vinda de Nyströmpara a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, substituindo o pioneiro GunnarVingren, fez com que a Assembléia de Deus de São Cristóvão se tornasse uma espécie

de centro da obra no Brasil, o que durou por muito tempo.

Lendo as páginas do jornal Mensageiro da Paz no final dos anos 30 e início dos 40,vemos que o nome de Nyström era quase onipresente nas escolas bíblicas de obreirosnos país. Intensamente requisitado, viajava o Brasil inteiro para ministrar estudosbíblicos concorridos, especialmente sobre Dispensacionalismo, os efeitos da obra deCristo, o Corpo de Cristo e doutrinas bíblicas fundamentais. Nessa época, devido aoestrondoso sucesso de seus estudos, um deles virou livro, publicado pela CPAD: JesusCristo, Nossa Glória. Esta obra traz uma exposição sobre as doutrinas da Redenção,Santificação e Justificação. É impressionante o fato de que tenha vendido cerca de 5 milexemplares em sua primeira tiragem nos anos 30, em uma época em que boa parte dosassembleianos não era afeita à leitura. A obra só seria reeditada nos anos 80.

Porém, a partir especialmente do final dos anos 30, começaram a aportar no paísmissionários da Assembléia de Deus dos EUA que, aos poucos, se notabilizaram naorientação teológica dos primeiros obreiros brasileiros.

No final dos anos 40 e início dos 50, despontam notadamente nas escolas bíblicas pelopaís os nomes do missionários norte-americanos. Podemos dizer que inicia aqui oprocesso de cristalização da Teologia Pentecostal no Brasil, pois só com os missionáriosnorte-americanos houve uma sistematização maior das doutrinas bíblicas na Assembléia

de Deus.Pesquisando as páginas do Mensageiro da Paz nos anos 40 e 50, notamos que osdestaques nas escolas bíblicas agora eram os missionários norte-americanos LawrenceOlson, Leonard Pettersen, Teodoro Stohr e John Peter Kolenda, mais conhecido comoJP Kolenda. Nesse período, do lado escandinavo, impõe-se apenas os nomes dosmissionários Nels Nelson e Lars Erik Bergstén, e que aportou em plagas brasileiras nofinal da década do 40. Nesse período, Nyström já saíra de cena, de volta à Suécia.

Nels Nelson era presença constante nas escolas bíblicas de obreiros pelo país, mas, semdúvida, Bergstén foi muito mais influente na formação da Teologia Pentecostal.

Enquanto Nelson ministrava mais sobre Prática e Teologia Pastoral, Bergstén era maissistemático e seus estudos abordavam todas as doutrinas bíblicas. Isso não significa

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dizer que Bergstén era rebuscado em seu discurso. Uma de suas marcas era asimplicidade com que ele abordava os pontos doutrinários, além do largo uso decitações bíblicas para explicar e reforçar o que estava ensinando. Sua biblicidade e aforma apaixonada como falava sobre a necessidade de os obreiros amarem a Bíblia paracrescerem espiritualmente foram imensamente importantes para formações de gerações

de obreiros assembleianos.

Vale lembrar ainda que se Nels Nelson não exercia uma grande influência teológica naAssembléia de Deus brasileira, tal qual Bergstén, sua influência como líder, porém, eramuito forte. Nels Nelson foi o último grande líder sueco da Assembléia de Deusbrasileira. Assim, Nelson e Bergstén foram os nomes que ainda mantiveram a influênciaescandinava em nosso país.

Nelson faleceu nos anos 60. A partir daí, a liderança da Assembléia de Deus brasileiratornou-se quase que totalmente autóctone. Excetuando os missionários Nils Taranger,no Rio Grande do Sul (falecido nos anos 90), Gustavo Arn Johansson, em Maceió (que

liderou de 1963-1965) e alguns missionários noruegueses no Sul, não havia maismissionários escandinavos liderando igrejas. É verdade que alguns missionários norte-americanos chegaram a liderar igrejas em nosso país, mas por pouco tempo e semexercer influência na liderança nacional, como exerciam Nelson e os demaisescandinavos antes dele. A influência norte-americana passou a ser mesmo só na áreateológica.

No período pós Nels Nelson, Eurico Bergstén passou a ser a única referência teológicaescandinava. E que influência! Basta lembrar que é, até hoje, o maior comentarista deLições Bíblicas da história da Assembléia de Deus brasileira. Foram mais de 30 revistasde Escola Dominical escritas em quase 40 anos. Era quase uma revista por ano, todasabordando variadas doutrinas bíblicas. Até sua morte, em 1999, a presença de Bergsténera constante em estudos bíblicos e conferências pelo país. Ao lado de Lawrence Olson,Bergstén foi, consciente ou inconscientemente, um dos grandes moldadores da TeologiaPentecostal no Brasil.

Ao falarmos isso, é importante dizer que não estamos dizendo que havia umarelatividade entre missionários suecos e norte-americanos na formação teológica dosobreiros brasileiros. Apenas reconhecemos que, ao lermos a história da Assembléia deDeus brasileira, percebemos que é nítida a aceitação natural desses nomes, por parte dosobreiros brasileiros, como formadores de sua identidade teológica.

SISTEMATIZAÇÃO DA TEOLOGIA

É também a partir dos anos 50 que são traduzidos para o português, pelos missionáriosnorte-americanos, muitos livros de cunho teológico pentecostal vindos da outra Américae que por muito tempo se tornaram a referência teológica dos obreiros brasileiros, semcontar os bons livros produzidos pelos próprios missionários norte-americanos aqui noBrasil. Destaque para Conhecendo as doutrinas da Bíblia e Através da Bíblia, de MyerPearlman, traduzidos por Lawrence Olson. Essas duas obras tiveram grande sucesso eaceitação, principalmente a primeira, que vendeu mais de 100 mil exemplares e foi,durante muito tempo, a Teologia Sistemática dos obreiros pentecostais brasileiros.

Olson ainda produziria clássicos como O Plano Divino Através dos Séculos, que vendeu

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mais de 100 mil exemplares. Esse livro popularizaria no Brasil o Dispensacionalismo,adotado pela maioria dos obreiros brasileiros até hoje. Quem não se lembra daquelequadro colorido e retangular que ilustrava a história da humanidade segundo a Bíblia, deantes da criação do mundo até o final dos tempos? O quadro O Plano Divino Atravésdos Séculos pode ser encontrado em muitas casas de obreiros pelo Brasil até hoje.

Outro importante nome, tanto na tradução de obras em inglês como na produção delivros teológicos, é Orland Spencer Boyer (também missionário dos EUA), que além deescrever livros inspirativos, produziu a série Espada Cortante, que marcou época,instruindo muitos.

Porém, o maior destaque, ao lado de Conhecendo as doutrinas da Bíblia, é de iniciativaescandinava. Uma série de estudos bíblicos de Eurico Bergstén, que por muito temposerviram como livro-texto da Escola Teológica das Assembléia de Deus no Brasil(Esteadeb), foi transformada posteriormente em livro: Teologia Sistemática (CPAD).Está é a única obra de Teologia Sistemática pentecostal produzida pela Assembléia de

Deus no Brasil até a presente data. Apesar de sintética, foi a mais aprofundada e sólidatentativa de organizar e sistematizar a Teologia pentecostal em um único compêndio.

Nos anos 90, a CPAD publicaria Teologia Sistemática, uma perspectiva pentecostal,editada por Stanley Horton (maior expoente da Teologia Pentecostal nos EUA) e escritapor 18 teólogos da Assembléia de Deus norte-americana. Em seguida também foilançado Doutrinas Bíblicas, do teólogo William Menzies, também dos EUA. Porém, ade Bergstén e a editada por Horton são as grandes referências teológicas da Assembléiade Deus brasileira hoje. Depois dessas duas obras, a de Pearlman ficou um poucoesquecida.

Finalmente, completando a tríade literária que serve hoje de referência para a Teologiada Assembléia de Deus brasileira, foi lançada, também nos anos 90, a Bíblia de EstudoPentecostal (CPAD), com quase um milhão de exemplares vendidos só no Brasil. Asnotas são de autoria do pastor Donald Stamps, missionário norte-americano em nossapaís.

Mas, novas boas notícias chegarão em breve. Depois de 95 anos de Assembléia deDeus, a CPAD começa o projeto de elaboração da primeira Teologia SistemáticaPentecostal genuinamente brasileira, escrita por teólogos da Assembléia de Deus emnosso país. Desejamos uma boa recepção para essa obra!

INSTITUTOS BÍBLICOS

O passo mais significativo dos missionários norte-americanos para a formação teológicados obreiros brasileiros foi, sem dúvida, a polêmica criação de institutos bíblicos.Polêmica por não ter sido aceita inicialmente pelo obreiros brasileiros, satisfeitos apenascom o modelo das escolas bíblicas de curta duração, implantado pelos suecos. Anuais,as escolas bíblicas de obreiros duravam de duas semanas a um mês, estudavam temasdiferentes a cada ano e até hoje fazem parte da tradição assembleiana no Brasil.

A principal crítica que se fazia aos institutos bíblicos é a de que eram “fábricas de

 pastores”. Apesar de todas as críticas, os norte-americanos levaram adiante seu projeto.Em 1959, com o apoio de JP Kolenda, o jovem pastor João Kolenda Lemos e sua

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esposa, a missionária norte-americana Ruth Dorris Lemos, fundariam o Instituto Bíblicoda Assembléia de Deus (Ibad) em Pindamonhangaba (SP). Em seguida, em 1962,Lawrence Olson funda o Instituto Bíblico Pentecostal (IBP) no Rio de Janeiro. Olson eOrland Boyer ainda municiaram os obreiros brasileiros com belas obras teológicas desuas lavras a partir desse período. Olson ainda tinha a seu favor o programa Voz da

Assembléia de Deus, com mensagens bíblicas enriquecidas de informações ecuriosidades que despertavam nos ouvintes o desejo de se aprofundarem noconhecimento bíblico.

Vale lembrar que porque esses dois institutos foram fundados sem o apoio da maioriados obreiros brasileiros, isso fez deles um grande desafio. Foi só nos anos 70 queiniciou-se um processo de aceitação dos institutos. O Ibad e o IBP só foramreconhecidos oficialmente pela Convenção Geral das Assembléia de Deus no Brasil em1973 e 1975, respectivamente. É nesse período que nascem várias outras escolasteológicas (em forma de instituto) fundadas por obreiros brasileiros, e a Escola deEnsino Teológico das Assembléias de Deus (Eetad), fundada pelo missionário norte-

americano Bernhard Johnson, em Campinas (SP).

Hoje, vivemos uma conseqüência clara disso. É interessante notar que os grandesteólogos nacionais da Assembléia de Deus brasileira só começaram a despontar mais apartir dos anos 70. Não que antes dos anos 70 não tenham havido nomes de destaque naTeologia da Assembléia de Deus entre os nacionais. Basta lembrar que é nos anos 60que começa a aparecer o pastor e teólogo Antonio Gilberto, que veio a notabilizar apartir de 1974, com a criação do Curso de Aperfeiçoamento de Escola Dominical(Caped). É dele muitos best-sellers, como o Manual de Escola Dominical, lançado em1974 e que já vendeu cerca de 150 mil exemplares. E que dizer do pastor EstevamÂngelo de Souza? É também outro grande exemplo. Porém, notadamente, só a partirdos anos 70 é que o leque aumenta. Atualmente, há vários nomes, e isso tem muito a vercom a mudança de visão em relação à importância dos seminários e institutos bíblicos,ocorrida à pouco mais de 30 anos.

DIFERENÇAS ENTRE O ESTILO ESCANDINAVO E O NORTE-AMERICANO

Não há muita diferença entre a Teologia pentecostal escandinava e a norte-americana. Adiferença está mesmo nos estilos do que no conteúdo. Os escandinavos preferiam maiso sistema de escolas bíblicas informais e anuais de curta duração (daí a inspiração paracriar as tradicionais escolas bíblicas de obreiros no Brasil). Os norte-americanos

preferiam os institutos bíblicos, com o ensino formal das Escrituras e cursos de longaduração como as igrejas evangélicas tradicionais já faziam há muito tempo. Nos EUA,era comum o obreiro, antes de ser ordenado ao ministério, passar, em média, quatroanos em um instituto bíblico. Já na Suécia, só havia, na época, as escolas bíblicas deverão em Nyem (cidade sueca), uma espécie de curso intensivo de três meses paramissionários e obreiros. Os alunos recebiam certificados, mas o curso era mais informal.Porém, ninguém era ordenado ao ministério ou enviado ao campo missionário pelaIgreja Filadélfia, liderada pelo pastor Lewi Pethrus, sem antes passar por esse curso.

Com exceção de Daniel Berg e Gunnar Vingren, que foram pioneiros e se filiaram àIgreja Filadélfia depois de iniciada a obra no Brasil, todos os outros missionários

escandinavos que aportaram em nosso país passaram por esse curso. Berg não estudouTeologia formalmente. Vingren, antes de vir ao Brasil, fora ordenado pastor pela

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Convenção Batista dos Estados Unidos. Para isso, formou-se em Teologia em uminstituto bíblico e estagiou pastoreando uma Igreja Batista Sueca nos EUA. Quandoestava pleiteando ser enviado como missionário à Índia, foi batizado no Espírito Santo,encontrou-se com Berg e Deus mudou os seus planos. Ainda bem!

Devido às diferenças entre a preparação teológica dos missionários escandinavos enorte-americanos, o estilo de ensino adotado por eles no Brasil era diferente.Analisando, por exemplo, os artigos doutrinários de um e de outro grupo no jornalMensageiro da Paz, notamos que os suecos eram mais práticos, enquanto os norte-americanos eram mais sistemáticos. E, ao que parece, os obreiros brasileiros gostavammais da simplicidade escandinava do que do estilo norte-americano. Só a partir dos anos50 é que os brasileiros passaram a simpatizar mais com os doutrinadores norte-americanos, especialmente pelas ministrações bíblicas saborosas de nomes como Olson,JP, Stohr e Pettersen.

Outro detalhe: tanto os escandinavos quanto os norte-americanos aplicavam bem a

hermenêutica, mas os norte-americanos eram um pouco mais voltados a exegese detextos bíblicos. O único missionário escandinavo que se aplicava no uso da exegese eraSamuel Nyström. Aliás, Nyström era considerado pelos brasileiros como “o maior ensinador das Escrituras” no nascente Movimento Pentecostal em nosso país.

Interessante que os missionários escandinavos não ensinavam o Dispensacionalismo,que era a “moda” teológica da época, uma maneira mais prática de os teólogosinterpretarem os fatos bíblicos. A única exceção foi Nyström. Até onde se sabe, ele foi oprimeiro a ensinar o Dispensacionalismo para a Assembléia de Deus brasileira antesmesmo dos norte-americanos. Porém, coube a Lawrence Olson popularizar oDispensacionalismo no Brasil, principalmente por meio de seus livros e do InstitutoBíblico Pentecostal.

É curioso ver que o Dispensacionalismo não está mais em voga nos Estados Unidos. Amaior parte da Assembléia de Deus norte-americana não mais usa esse sistema deinterpretação das Escrituras, que, é preciso dizer, no caso assembleiano, tinha umapequena diferença do Dispensacionalismo clássico: os assembleianos sempre deixaramde lado a separação entre a Igreja e Israel, o que era o ponto-chave doDispensacionalismo.

Hoje, a Assembléia de Deus norte-americana está mais voltada para “o estudo das

aplicações teológicas e missiológicas do Reino de Deus”. Uma análise precisa dessamudança de foco está em Teologia Sistemática, uma perspectiva pentecostal, naspáginas 32 e 36.

Outro ponto a ser frisado é que os missionários escandinavos, por chegarem aquiprimeiro, gastaram mais tempo procurando estabelecer as bases teológicas da igrejabrasileira e reforçando as doutrinas bíblicas distintivas do pentecostalismo, muitoatacadas pelas igrejas tradicionais nas primeiras décadas. A maior parte dos textosdoutrinários dos primeiros 30 anos do Movimento Pentecostal brasileiro era de caráterapologético, de defesa das doutrinas bíblicas pentecostais. O restante era apenas sobrepontos doutrinários básicos: Salvação, Santificação e Vinda de Jesus. Por isso, quando

os missionários norte-americanos vieram, corroboraram essas bases, mas, sobretudo,erigiram um edifício sobre elas, aprofundando esses pontos doutrinários (especialmente

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a Escatologia Bíblica) e salientando outros, menos abordados até então (como, porexemplo, a Doutrina da Trindade, do Pecado Original e dos Anjos).

O missionário Eurico Bergstén se destaca nesse período justamente porque também foialém das bases. Por exemplo: ao falar da Salvação, Bergstén expunha e destrinchava as

doutrinas bíblicas da expiação, justificação, adoção e glorificação (o que Nyström, nosanos 40, começou a fazer timidamente), e a questão da perseverança dos santos, dasegurança da Salvação. Aliás, o mal entendimento desse último ponto foi o que levou auma das primeiras cisões da história da Assembléia de Deus.

No início dos anos 30, nasceu no Nordeste do Brasil a Assembléia de Cristo, formadapor obreiros nacionais, entre eles Manoel Higino de Souza, que passaram a crer que“uma vez salvo, salvo para sempre”. É que os missionários suecos não se preocupavamem falar da Doutrina da Predestinação e da Segurança da Salvação, até que um obreironacional leu um panfleto calvinista sobre esse assunto e começou a ensinar que aquelesque aceitam a Cristo não têm possibilidade de perder a Salvação. Ora, os escandinavos

eram arminianos (os missionários da Assembléia de Deus norte-americana, quechegariam depois, também). O que foi que aconteceu? Tentaram convencer Higino docontrário, mas em vão. Por nunca terem ensinado sobre esse assunto, quando adivergência teológica surgiu, não puderam saná-la eficientemente. A maioriaesmagadora apoiou os missionários suecos, mas a cisão aconteceu. Se houvesse umensino preventivo sobre esse ponto doutrinário, talvez essa cisão nunca tivesse ocorrido.

É só a partir dos 50 que os estudos bíblicos ganham mais densidade e profundidade. Acriação de institutos bíblicos foi a conseqüência direta disso. Os obreiros brasileirosprecisavam se aprofundar mais no conhecimento bíblico.

Se os escandinavos fizeram um bom trabalho de base e de estabelecimento daidentidade pentecostal, os norte-americanos fizeram um bom trabalho preventivo emrelação a modismos. Antes que determinadas doutrinas que já eram populares nos EUAganhassem força no Brasil, eles preveniam os obreiros sobre elas. Por exemplo, naConvenção Geral de 1962, em Recife, são o missionário Lawrence Olson e o pastorRaymond Carlson, então presidente do Instituto Bíblico da Assembléia de Deus emMinessota (e que depois seria líder do Concílio Geral das Assembléias de Deus nosEUA) que previnem os obreiros, em estudo bíblico, sobre os perigos do ecumenismo,uma onda nova na época. Ao final daquela convenção, Olson, Bergstén e o pastorAlcebíades Vasconcelos, representando os obreiros brasileiros, assinam um documento,

em nome da CGADB, contra o ecumenismo.Ainda havia os estudos dos norte-americanos sobre os erros do evolucionismo, oliberalismo teológico, a Teologia da Libertação etc. Como reflexo desse ensino,surgiram muitos bons livros de autores nacionais sobre esses assuntos nos anosseguintes. O pastor Abraão de Almeida, por exemplo, escreve nos anos 80 sua TeologiaContemporânea (CPAD), com prefácio de Lawrence Olson. Nascia a reflexão teológica,estimulada pelos norte-americanos.

Outro exemplo: a febre pela Escatologia Bíblica no Brasil foi encetada pelos norte-americanos e incentivada pela conjuntura internacional - a Guerra Fria. Nesse período,

depois da reedição de O Plano Divino Através dos Séculos nos anos 70 e do lançamentodo polêmico Alinhamento dos planetas (1980), ambas obras de Olson, surgiu uma

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demanda decorrente do interesse despertado dos crentes por Escatologia. É quandosurgem muitas obras teológicas em profusão sobre o assunto, como as dos pastoresAntonio Gilberto, Abraão de Almeida e Severino Pedro. O detalhe é que a visãoescatológica de muitas dessas obras era importada da visão escatológica norte-americana. A significativa obra Israel, Gogue e o Anticristo (CPAD), de Abraão de

Almeida, que marcou época e vendeu mais de 50 mil exemplares, é um exemplo. Asinterpretações sobre a profecia contra Gogue (Ezequiel 38), vista como uma referência àRússia e à China, são uma influência clara da Escatologia norte-americana. Osescandinavos não se preocupavam com esses pormenores. Sua Escatologia era menosdetalhista e pouco especulativa. Preocupava-se mais com o entendimento do essencial.

ÚNICO E RELATIVO CASO DE DIVERGÊNCIA

E quanto às discrepâncias de conteúdo entre a Teologia pentecostal escandinava e anorte-americana?

Como já ressaltei, foi só depois dos anos 50 que o estudo das doutrinas bíblicas foi maisaprofundado na Assembléia de Deus brasileira. Assim, se houvesse alguma discrepânciateológica entre os escandinavos e norte-americanos, ela surgiria a partir de esse período,pois é na exposição dos detalhes que surgem as diferenças. Porém, o que se via era umaconcordância mútua. A única diferença encontrada, mas não muito explorada, foiquanto à Doutrina da Criação do Universo. Aqui, sim, encontramos a única divergênciateológica concreta entre escandinavos e norte-americanos. Mesmo assim, relativa.

Eurico Bergstén, em sua Teologia Sistemática, ensinava a Teoria da Recriação da Terra(também chamada de Teoria da Lacuna), que diz que entre Gênesis 1.1 e 1.2 há uminterregno de tempo, onde teriam ocorrido a queda de Satanás e o caos no Universos. ATerra, que teria sido criada perfeita antes de Lúcifer cair, teria ficado, após a queda doser angelical, sem forma e vazia. Logo, o relato que vai de Gênesis 1.2 em diante serianão o da criação da Terra, mas da recriação. Isso pode ser visto nas páginas 49 e 52 desua obra. “A Terra foi restaurada em seis dias”, assevera Bergstén. 

Ao que parece, nem todos os missionários norte-americanos simpatizavam muito comessa teoria. Lawrence Olson, porém, seria uma grande exceção, o que relativiza essadiscrepância. Ele ensinava o mesmo, como pode ser visto nas primeiras páginas de OPlano Divino Através dos Séculos. Mas, a obra Teologia Sistemática, uma perspectivapentecostal, escrita pelos Teólogos da Assembléia de Deus norte-americana, rechaça

essa teoria, como pode ser visto nas páginas 232 a 235. “A Teoria da Lacuna apresentavárias fraquezas”, arremata conclusivamente os pastor e teólogo Timothy Munyon. 

Como vimos, as diferenças eram muito pequenas. A Teologia era praticamente a mesmaem todos os pontos. E isso foi muito bom, porque fortes divergências teológicascriariam cismas. Se hoje a Assembléia de Deus é minimamente unida e consolidada emsua identidade teológica, deve isso à influência desses nobres missionários escandinavose norte-americanos, que deram as suas vidas pela evangelização e estabelecimento daobra de Deus em nosso país.

Por, Silas Daniel - Ministro do Evangelho, jornalista, conferencista e autor dos livros A

Sedução das Novas Teologias, Habacuque - a vitória da fé em meio ao caos e História

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da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Todos pela CPAD.Manual do Obreiro (CPAD) - 2006.