A filosofia contemporânea no Brasil - Antônio J. Severino.pdf

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  • Meneies e as perspectivas pensamento caatamrnco, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1979) ; In memoriam: Eduardo Prado de Mendonca (ito.BMf.Fll. 29 (113) ; 10, 1979) ; A "poltica" de Eduardo Job (Rev. Bras. Fil. 29 (113) : 7 3 - 8 1 . 1 9 7 9 ) ; Getlio Vkrgu, 0 casilbisrno e o Estado Novo (Coanrim 22 (4) , 358-372, 1979); Correntes atuais do pensamento brasileiro (Pre$ fi[ 3 (3), 1979); C o m o se caracteriza, a ascenso do positivismo (Rev.Bras. Fil. 30 ( l 19); 2 4 9 - 2 6 9 , 1 9 8 0 ) ; Indicadores do carmino do ciclo positivista (Rev.Bras. Fil, 30 (120) : 33 5-349, 1980); Doutorado e m pensamento luso-brasileiro (Pr Fil. 6 ( 2 / 3 ) , 1980); Os problemas da moral social contempornea (Cin.Hum. 4 ( 1 5 ) , l 9 8 0 ) ; A U D F e a ideia de universidade Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1981 (Col . Biblioteca tempo universitrio, n 6 ) ; Os amos ciminhos da universidade' Fortaleza, Imprensa Universitria da UFC, 1981 (Col. Biblioteca tempo universitrio, n 18); O ponto de partida comum' (Cien. Hum. 5 (16) , 1981) ; Relao das filosofias brasileira e por... (Cin.Hutn. 5 (16) , 1981); A filosofia do direito no pensamento brasileira (Anais... Joo Pessoa, Sec. Edu. Cultura, 1981; Ene. Bra. F iL Direito, 1, Joo Pessoa, 1980); Pesquisa filosfica no Brasil. Rio de Janeiro. CNPq, 1982; Gonalves de Magalhes e o apogeu do ecletismo brasileiro (Rev.Bas.Fil. 32 (127 ) : 253-267, 1982); s opes da filosofia na universidade (Rev. Bras. Fil. 32 (125) : 99-107 .1982) ; Categorias para a anlise da herana.. . (Actas ... Braga, Rev, Por. Fil. , 1982; Cong. Luso-Brasiieiro, 1, Braga, 1981); Filosofias portuguesa e brasileira (Actas ... Braga, Rev. Por. Fil., 1982; Cong. Luso-Brasltiro F i L , 1, Braga, 1981); Pensamento brasileiro (Acta*... Braga, Rev, Por. Fil., 1982; Cong. Luso-Brasileiro F i L , 1, Braga, 1981) ; O dentificismo e seus ciclos no Brasil (Rey. Bias. Fil. 33 (129) : 3-1S j 19 83 ) ; Histria das ideias filosficas no Brasil, 3*ed. (revista e ampliada), So Paulo, Convvio/INL, 1984; liberdade acadmica t opo totalitria, So Paulo, Artenova, s / d .

    17. VaxurehChacon publicou trabalhos como: Rousseau e o igualitarismo revolucionrio (Anais... So Paulo, I 3 F / M E C , 1962; Cong. Nac. F i l . , 4, Fortaleza, 1962); Histria das ideias socialistas no Brasil, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira. 1965 (Col. Retratos do Brasil, n 37) : Da escola de .Recife ao cdigo civil; Aitur Orlando e sua gerao. So Paulo, Simes, 1969 (Col. Estudos brasileiras. n 1); Rosmiiu no Brasil (Rev. Bras. Fil. 21 (83) : 291-312 , 1971) ; Jansenismo e galicanismo no Brasil (Rey. Bros. Fil. 23 (91) : 268-287, 197 3) ; O pensamento marxista no Brasil ( in : Crippa, A. (coord.), As ideias filosficas no Brasil, So Paulo, Convvio. 1978. vol. 2 ) ; O dilema poltico brasileiro, So Paulo, Convvio, 1978; Autoritarismo poltico na Repblica ( in: Crippa, A . (coord.), As ideias polticas no Brasil, So Paulo, Convvio, 1978, vol. 2 ) ; O humanismo brasileiro, So Paulo, Summus/SEC-SP. 1980.

    18. Miguel Reale tem publicado: Giambattista Vico. a jurisprudncia e a descoberta do mundo da cultura (Rev.Bras. Fil. I ( 4 ) : 4 0 8 - 4 2 2 , 1951); Kierk&gaard, o seu e o nosso tempo (Rev. Bres. Fil. 6 ( 2 2 ) : 181-191 .19 5 6 ) ; A filosofia da histria do Brasil na obra de Gilberto Freire (Rev. Bras. Fil. 9 ( 3 5 ) : 293-299. 1959); Fundamentos da concepo tridimensional do direito (Rev. Bras. Fil. 10 ( 4 0 ) : 455-470 ,1960) ; Estar em crise a universidade? (Rev.Bras.Fil. 1 ( 3 ) : 324-326. 1961); A problemtica dos valores entre dois mundos em conflito (Rev. Bros.Fil. 11 ( 4 3 ) : 3 2 2 - 3 3 6 , 1 9 6 1 ) ; Lei etto na concepo de F. Brito, Fortaleza, Imprensa Universitria do Cear, 1962; Lei e direito na concepo de F. Brito (Anais... So Paulo, I B F / M E C , 1962; Cong. Nac. F i L , 4 , Fortaleza, 1962); Pluralismo e liberdade, San Jos, Imprensa Nacional, 1962, vol. 2 (Cong. Ext. Intera. F i L , 2, San Jos, 1961); Pluralismo e liberdade. So Paulo. Saraiva, 1963; Pessoa, sociedade e histria (Mxico, Centro de Estdios Filosficos. 1963, vol. 2; Cong. Interam. F i L , 13, Mxico, 1963) ; Ontognoseologia, fenomenologia e reflexo crtico-histrica (Rev. Bras. Fil. 16 ( 6 2 ) : 161-201, 1966) ; O direito como experinda:introduo epistemologia jurdica. So Paulo, Saraiva, 1968; Teoria tridimensional do direito, So Paulo, Saraiva. 1968; n memoriam: Lus Whashington Vita (Rev. Bras. FiL 18 ( 7 2 ) : 387-390. 1968); Problemas de nosso tempo, So Paulo, Grijalbo, 1970; Lgica e ontognoseologia (Rev. Bras. Fil. 20 (80 ) ; 3 6 3 - 3 7 2 , 1 9 7 0 ) ; Filosofia do direita, 6* ed., So Paulo, Saraiva, 1972; Teoria do direito

    1 do estado. 3* ed., So Paulo,, Maxns, 1972; Lies preliminares de iiito, So Paulo, Bushacski/USP, 1973; Estrutura e fundamento da ordem jurdica. (Anais... vol. 2, So Paulo, IBF, 1974; Cong. Interam. F i l , , 8, Braslia, 1972); Sentido do pensar do nosso tempo (Res1: Bres.FiL 25 (100) : 3 8 9 - 4 0 4 , 1 9 7 S ) ; Algo do meu pensamento filosfico ( in : Ladusans, Stanislavs (org.), Rumos da filosofia craal no Brasil, So Paulo, Loyola, 1976) ; Filosofia e m So Paulo, 2* ed. rev., So Paulo, Grijalbo/cdusp, 1976; Poltica e direito na doutrina de Nicolai Hartmann (Rev. Bras. Fil. 26 (101) : 3-27, 1976); Quatro momentos da filosofia de Kknc no Brasil (Actas... vol. I , Rio de Janeiro, SBFC. 1976 ;Sem.Intern.Fi l . ,2 ,Petrpohs, 1974); Da revoluo democracia, V e d r So Paulo. Convvio, 1977; Universidade brasileira e ideologia (in: Ladusans, Stanislavs, Pensamento parcial e total, So Paulo. Loyola, 1977); Filosofia fenomenolgica e existencial (Rev. Bias. Fil. 27 (107) : 240-248, 1977); Situao filosfica brasileira (Rev.Bros.Fil. 27 (107) : 312-316,1977) ; B^eriendaecultura, So Paulo, Edusp/Ed. Gndas Humanas, 19 7 7; A doutrina de Sant no Brasil ( in: Crippa, A. (coord.). As ideias filosficas no Brasil, So Paulo. Convvio, 1978. vol. I ) ; Diversidade das culturas e concepo do mundo (Rev.Bros. Fil. 28 (112) : 391-406, 1978); In memoriam-.Theophilo Cavalcante Filho (Rev.Bas.Fil 28 (110) : 127-130, 1978); A disperso do estado e o sentido cultural de nosso tempo (in: Pauprio, A.M. . Djarir iMenezeseas petgpecdvas do pensamento conamporineo, Rio de Janeiro, Ed. Rio. 1979); Diaitica da experinda jurdica (Rev. Bras. Fil. 29 (1 I S ) : 239-246, 1979); 0 homem e seus horizontes, So Paulo. Convvio. 1980; Pontes de Miranda na cultura brasileira (Rev.Btas.FiL 30 (1 17): 3-17, 1980); No segundo centenrio da Cca da razo puro. de Kant (Rev. Bras.ri, 31 (123) : 177-183. 1381) : Experinda jurdica e cdigo civil (Anais . . . Joo Pessoa, Sec. Ed. Cultura, 1981; Ene. Bras. F i l . Direito. 1, Joo Pessoa, 19 8 0 ) ; N. Nobbio, um j usisofo de nosso tempo (Rev. Bros. Fil. 3 2 ( 1 2 8 ) : 3 4 5 - 3 5 1 . 1982); A fiiosoia na obra de Machado & Assis, So Paulo, Pioneira, 1982; Verdade e conjetuxa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 19 83; Escolstica e praxisaw na tesrk db htto de Joo Mendes Jr., So Paulo, Rev. dos Tribunais, s / d ; A filosofia no Brasil: discurso... (Anais... So Paulo, I3F, s / d ; Cong. Nac. F i l . , 3, So Paulo, 1959) ; Pedro Lessa e a filosofia positiva em SP (Anais... So Paulo, IBF. s / d ; Cong. Nac. F i L , 3, So Paulo, 1959) .

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    CAPTULO VII!

    0 PENSAR DIALTIC0: DO L0G0S PRAXIS

    A filosofia ocidental modificou-se profundamente a partir dos meados do sculo XIX, quando a diaitica se constitui como metodologia autnoma e fecunda de reflexo filosfica. A d q u i r i n d o u m slido status epistemolgico, superadas as concepes limitadas e negativas que a cultura filosfica a t ento lhe destinara, a diaitica instaura uma tradio prpria, passando a ocupar lugar m u i t o importante no cenrio filosfico contemporneo.

    1. A diaitica n a historicidade da Ideia : o hegelianismo

    Resgatando Herclito, aps sculo de predominncia de Parmnides, Hegel vai sistematizar a diaitica na modernidade, c o m o lgica, c o m o epistemologia e como ontologia . A i n d a atendo-se a suas vinculaes idealistas, v incula a historicidade ao IOJOS, at ento concebido de maneira puramente esttica e estvel.

    Ass im, para Hegel , a prpria realidade concebida c o m o sendo diaitica, o u seja, ela vai se p r o d u z i n d o permanentemente mediante u m processo de autotransformao, determinado p o r u m a fora de contradio - a luta dos contrrios que "trabalha" a realidade pelo seu inter ior . Assim, o real f o r m a u m a totalidade unif icada que traz dentro de si mesma todos os elementos que do conta tanto de suas modalidades de ser como de sua prpria explicao.

    Hege l , recuperando e p r i o r i z a n d o a ideia heracltica de p r o f u n d a e permanente transformao d o real , resgata a ideia da histria, da temporal idade, b e m como aquela de evoluo. Sem abr ir m o dos fundamentos racionais do i l u m i n i s m o subjetivista da modernidade , ele se torna sensvel s inspiraes d o r o m a n t i s m o , elaborando u m c o m p l e x o sistema filosfico n o qual reaproxima razo, real e histria. Deste m o d o , o real enquanto visto de maneira estdea, def inida e determinada, apenas urna figura, u m m o m e n t o provisrio. Para ser compreendido integralmente, ele precisa ser visto na totalidade de suas figuras. Portanto, o conhecimento h u m a n o para dar coita d o real precisa t a m b m se dar c o m o processo, apto a acompanhar esse f l u x o da realidade. O conhecimento pautado na lgica aristotlica da identidade , sem dvida, incapaz de dar conta d o processo real. Da a necessidade de u m a nova lgica: u m a lgica que inclua a prpria contradio, onde os elementos para con f igur ar em sua prpria identidade necessitem da posio de sua negao. Nada idntico a si m e s m o sem a posio do contrrio de si. Mas o processo no puramente negativo, ele no cessa na negao, ele

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  • exige u m a espcie de terceiro m o m e n t o , que u m a sntese, onde o elemento reconstri sua unidade e ident idade aps a afirmao, a negao e a superao de si mesmo.

    Vendo t o d o o real c o m o unidade absoluta, Hegel no dist ingue a o r d e m natural da o r d e m ideal . A natureza, tanto quanto a ideia, nada mais so do que figuras do mesmo ser. Assim, n o h c o m o separar sujeito do objeto, lgica de onto logia . Tudo o que real s imultaneamente racional e t u d o o que racional simultaneamente real. A Ideia, levada pelo c o n f l i t o i n t e r n o de foras contrrias, aliena-se n o seu contrrio, transfor-mando-se e m Natureza, que, igualmente, se dilacera e m seu inter ior , movida pela contradio, e vai se t ransformando e m Esprito.

    O conhec imento se insere c o m o etapa e esforo desse processo pelo qual , a part ir da natureza, o real vai se t ransformando e m esprito e vai assumindo a f o r m a de conscincia. A evoluo da atividade consciente d o h o m e m igualmente diaitica e, corno tal , a sua lgica. A cultura humana, enquanto resultado da produo de seu esprito, esprito objet ivado, concretizao histrica d o prprio Esprito em busca de sua absolutizao.

    Este sistema hegeiiano acaba d o m i n a n d o o espao da cultura filosfica alem, inf luenciando a formao das geraes de intelectuais que o sucederam, conhecida alis c o m o a dos "neo-hegel ianos" entre os quais se destacam Feuerbach, M a r x e Engels.

    2 , A diaitica n a praxis his tr ica dos homens : o m a r x i s m o

    De m o d o particular, M a r x vai abordar este legado hegeiiano, mas far dele u m a inverso p r o f u n d a , levado p o r perspectivas outras tambm presentes na cultura europeia da poca, sobretudo quelas do socialismo, da economia ricardeana, do naturalismo evolucionista e d o prprio posi t ivismo. Assim, M a r x se apropriar da metodologia diaitica enquanto lgica e enquanto lei do processo histrico, mas u m a histria que i n c l u i to-somente a natureza e, sobretudo, a sociedade. Economista, mas tambm historiador e filsofo, M a r x est preocupado em explicar o processo de formao das vrias figuras da sociedade, sem ter que recorrer a qualquer elemento estranho realidade emprica e natural dessa sociedade humana . V, ento, na diaitica hegeliana, u m a teoria que d conta desse processo, desde que as foras e m conf l i to , a luta dos conu-rios, no tenham sua o r i g e m fora da dinmica da prpria sociedade. E enquanto lgica, a diaitica i n s t r u m e n t o mais que apto para a explicao desse real.

    M a r x , auxi l iado por Engels, procede ento a u m a crtica radical da filosofia hegeliana, condenando -a em funo da sua inverso idealista, embora resgate o mtodo diaitica. E m hiptese alguma, o pensamento pode ser considerado p r o d u t o r da rea-lidade, sequer ele de termina a vida real dos homens que pensam. Por isso, a filosofia de Hegel , b e m c o m o todas aquelas que a ela se assemelham, se t o r n a m " ideologias" .

    No h, pois , o u t r o caminho a tomar seno aquele in ic iado pela cincia, mas o da cincia histrica: a histria humana da natureza e a histria dos homens, par t indo sempre da realidade objetiva, que essa histria descreve e recupera. E nessa construo do conhecimento , preciso estar sempre lutando contra as armadilhas e as iluses da prpria conscincia, sempre tendente a desvincuiar-se da realidade e a escorregar em

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    seus prprios declives. preciso, pois , par t i r da realidade histrica dos homens, abordando-a pelo mtodo histrico e dialtico. A realidade dos homens so os indiv-duos reais, sua ao e suas condies materiais de v ida .

    De acordo c o m M a r x e Engels, os homens, carentes, para sobreviver, precisam p r o d u z i r e se reproduzir , p r o d u z i n d o e r e p r o d u z i n d o suas condies materiais de existncia. Eles p r o d u z e m atravs do trabalho, atividade que os pe em relao ntima c o m a natureza fsica, da qual trabalhada, r e t i r a m seus alimentos e recursos materiais. Instaurasse assim u m processo de produo. Nesse processo, entram em jogo os meios de produo (a terra, o equipamento tcnico) e a fora de trabalho (a atividade energtica do h o m e m ) . O grau de domnio que os homens alcanaram sobre a natureza nesse processo expressa-se peias foras produtivas materiais. As formas de ordenamento que regem a interao humana no processo de produo so as relaes de produo (relaes comerciais, financeiras, relaes de c o m a n d o do trabalho, etc.). Por out ro lado, a essas relaes surgidas da ao do h o m e m sobre a natureza correspondem d e t e r m i -nadas formas de relaes sociais, o u seja, as relaes que os homens estabelecem entre si , cr iando formas de organizao estrutural da sociedade, formaes sociais (estrutu-rao da sociedade e m estratos, classes, castas, e t c ) . M a r x fala de m o d o de produo para designar u m a determinada configurao de u m a sociedade histrica decorrente d o estgio de desenvolvimento de suas foras produtivas materiais e da correspondente formao social, relacionando a propriedade e uso dos meios da produo e das foras de trabalho. O con junto das foras produtivas e das relaes sociais dos homens entre si e c o m a natureza const i tu i a infra-estrutura econmica; o con junto das representaes ideais e a esfera das instituies organizacionais criadas pelos homens c o m o expresso, n o nvel da conscincia, da sua realidade, const i tuem a superestrutura (estado, governo, d ire i to , costumes, m o r a l , religio, cincia, filosofia, e t c ) . Na medida e m que estas representaes se manifestam, n o nvel da conscincia, c o m o justificativas legitimadoras das relaes sociais, eivadas de poder, elas se t o r n a m ideolgicas, o u seja, ocul tam e d iss imulam o carter de dominao reinante nessas relaes.

    Subjacente a esse processo e m e t o d o l o g i a de sua anlise histrico-antropolgica, esto presentes algumas leis que concernem realidade humana e que fundamentam alguns princpios lgicos que lhe do intehgibi l idade. So as ' le is da diaitica", que p o d e m ser assim sinteticamente resumidas e formuladas:

    Lei da totalidade: existe u m a interdependncia recproca entre as partes que compem o t o d o d o real. N e n h u m a parte existe isolada e n e m pode ser entendida fora dessa inter-reiao. Todos os fenmenos esto ligados entre si.

    Lei da transformao: t o d o o con junto da realidade, todas as partes e todos os fenmenos que o c o m p e m , encontram-se n u m processo contnuo de transformao profunda , no havendo estado de repouso, que seria u m a m o r t e absoluta.

    Lei da relao: quantidade/qualidade: esta transformao, mudana o u devir, se d como u m processo cr iador; as coisas no ficam se repe t indo mecanicamente, mas vo sempre i n c o r p o r a n d o algo novo. Em certos m o m e n t o s d o devir, esse novo resulta de u m oculto , de tal m o d o que u m ins igni f icante aumento da quantidade pode provocar u m a a l -terao qualitat iva.

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  • Lei ia luta aos contrrios: este devir permanente provocado pela luta dos contrrios, pelo conf l i to entre foras e m presena. Essa luta intrnseca s prprias coisas, no dependendo de n e n h u m a causao que lhes seja exterior.

    Embora se possa falar de uma diaitica da natureza, presente na histria natural , o que realmente preocupa M a r x a histria da sociedade, na qual v ento se sucederem dialeticamente os modos de pi*oduo e as correspondentes formaes sociais.

    U m a vez que o prprio conhecimento est diretamente relacionado c o m essas configuraes, v-se logo que para o marxismo a questo epistemolgica se subordina necessariamente questo poltica. Trata-se, antes de mais nada, de uma filosofia da praxis e, de maneira alguma, de u m a filosofia do Jogos e, m u i t o menos, de uma filosofia do cogito. Afinal , o IQQQS s se sustenta enquanto estiver abastecendo e sustentando a praxis: caso contrrio, se assumindo como autnomo sob qualquer forma, resvala para a ideologia, verso falseada e falseadora da atividade consciente. A 1 1 1 Tese sobre Feuerbach sintetiza bem o sentido do esforo terico que o marxismo pretende: "Os filsofos l imitaram-se a interpretar o m u n d o de m o d o s diferentes; o que i m p o r t a , porm, transform-lo".

    3, expresso f i l o s f i c a d o m a r x i s m o

    O m a r x i s m o teve desdobramentos mltiplos n o mbito do debate filosfico contemporneo, dada sua fecundidade terica e sua fora poltico-ideolgica, tendo surgido, neste sculo, diversas tendncias no seu inter ior , cada u m a assumindo algumas caractersticas peculiares, buscando, dessa perspectiva, expressar u m m o d o prprio da diaitica marxista dar conta da complexa realidade histrico-social do m u n d o atual.

    Ass im, alm de M a r x , Engels e Lenin , destacaram-se c o m o outros tantos tericos d o m a r x i s m o , responsveis p o r formas novas o u inovadoras de leitura e de expresso da diaitica marxista, pensadores tais c o m o Trotsky, Kaustsky, Bernstein, Rosa L u x e m -burgo , M a o Ts-Tung, Lukcs, A d a m Schaff, G o l d m a n n , Althusser, Gramsci e mui tos outros.

    U m a verdade bastante significativa enquanto herdeira direta da tradio diaitica aquela representada pelo pensamento do g r u p o conhecido c o m o a Escola de Frankfurt , cuja filosofia t e m sido designada p o r Teoria Crtica da Sociedade. formada por pensadores c o m o A d o r n o , Horkhe imer , Marcuse, Benjamin e Habermas. Tal vertente, tendo sua configurao bastante prpria e c o m o v e m exercendo influncia bem especfica e marcante n o pensamento filosfico brasileiro, ser objeto de anlise parte, enquanto diaitica negativa.

    , 4 . A p r e s e n a d a Inspirao dia i t ica m a r x i s t a n a f i l o s o f i a b r a s i l e i r a

    Segundo Chacon (1978 , p. 74s), Leandro Kona1 e Carlos Nelson Cout inho so os pensadores marxistas brasileiros mais significativos da atualidade, embora se dedicando mais esttica, domnio e m que, na sua opinio, os tericos marxistas brasileiros se re fugiaram, incapazes que f o r a m "de m e d i r e p r o p o r alternativas Realidade" (1978, p. 80 ) . A presena d o m a r x i s m o no contexto filosfico-cultural brasileiro marcada

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    pelo posicionamento prprio de trs grandes formas que se tem de abord-lo, segundo Chacon. Faz assim uma distino entre marxistasos adeptos c o m fervor teolgico-reigioso ~ os morxiaiios - pensadores que tendem ao revisionismo - e os marxioaas - analistas profissionais, n e m sempre partidrios das posies filosficas do marxismo (1978, p. 88) .

    J de acordo c o m Zilles ( 1 9 8 7 , p. 8 1 - 1 2 8 ) , alm de Caio da Silva Prado Jnior2, cabe citar os nomes de Lncio Bosbaum3 ( 1 9 0 7 - 1 9 6 9 ) e de lvaro Vieira Pinto4 ( 1 9 0 9 - 1 9 8 7 ) , c o m o os principais representantes d o pensamento marxista entre ns.

    Para Antnio Paim (1984 , p. 4 7 3 - 5 2 1 ) , o m a r x i s m o enquanto m o v i m e n t o terico vai se consolidando n o Brasil c o m o u m novo invlucro do ent i f i c i smo, cuja f o r m u l a -o contista se exaure a part i r de 1930 (1984 , p. 4 8 4 ) , trata-se de u m " m a r x i s m o acadmico" , d is t into d o m a r x i s m o de inspirao estritamente poltica. N o entender desse historiador, este marco se instala c o m o ingresso de Lenidas de Rezende ( 1 8 9 9 - 1 9 5 0 ) , de Hermes L i m a ( 1 9 0 2 - 1 9 7 8 ) e de Castro Rebelo (1884-1970) na Faculdade Nacional de Dire i to . Seguem-se a estes Joo Cruz Costa ( 1 9 0 4 - 1 9 7 8 ) , que ascende ctedra e chefia do Departamento de Filosofia da USP, e lvaro Vieira Pinto, na Universidade do Brasil. Paim refere-se ainda a Jos A r t h u r Giannott i , professor da USP, c o m o u m representante d o m a r x i s m o acadmico que tem resistido a reduzir a discusso filosfica ao terreno polt ico ( 1 9 8 4 , p. 4 8 6 ) . Na opinio de Paim, a manifes-tao mais expressiva d o m a r x i s m o acadmico a sua verso positivista, da lavra de Lenidas de Rezende e de Cruz Costa, que ademais considera c o m o o " p r i n c i p a l resultado do lt imo m e i o sculo, e m que o c ient i f ic ismo se expressa pela voz do m a r x i s m o " (1984 , p. 4 8 6 ) . J n o " m a r x i s m o poltico, identif ica duas direes: u m a que parte de Caio da Silva Prado Jnior e outra que busca fundar teoricamente a ao dos comunistas. Acha que Caio Prado adota unia posio economicista que acabou i n f l u e n -ciando mui tos socilogos e economistas. O o u t r o g r u p o seria f o r m a d o por aqueles que lem e seguem "os autores e m voga entre os comunistas" - Thaieimer, Kautsky, Max Beer, Labriola. Engels, Lukcs, Gramsci , Althusser, etc. - formando-se ondas, a seu ver passageiras (1984 , p. 4 8 7 ) . Julgamento que, e m m i n h a opinio, se revela preconceituo-so, aprioristicamente, pois tais adeses se do igualmente e m relao a filsofos de todas as tendncias, sem n e n h u m a exceo, devendo se a tr ibuir a todos que assim procedem o crdito de u m esforo vlido de reflexo filosfica.

    5 . Jos A r t h u r Giannott i : diaitica e trabalho n a const ruo do social

    precisamente sobre o pensamento de Jos Arthur Giannotti5 que recaiu nossa escolha para representante da presena da filosofia marxista n o mbito da filosofia brasileira da atualidade. Esta escolha se f u n d a m e n t o u n o fato de que a reflexo diaitica que Giannott i v e m desenvolvendo se situa n o terreno propr iamente filosfico e esta abordagem expressa u m a significativa or iginal idade, u m a vez que sua obra no se reduz a uma simples reexposio o u m e s m o a u m a anlise d o pensamento dialtico marxista: , ao mesmo t e m p o que u m a rigorosa retomada d o texto de Marx , u m a criativa reelaborao dessa filosofia. Isto lhe p e r m i t e exercer a reflexo filosfica t r i l h a n d o u m caminho prprio, feito, sem dvida, de dilogo c o m outros pensadores, mas tambm de inveno, sem se prender aos l imi tes estreitos de u m a f o r m a escolstica de pensar. Por o u t r o lado,

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  • faz de sua fi losofia u m a prtica mi l i tan te sem cair n o atavismo imediatista, o u , m e l h o r dizendo, pratica a militncia que cabe f i losof ia : a de provocar a polmica, buscar o esclarecimento, promover a discusso crtica, longe de qualquer postura dogmtica, e sempre atenta as desafios da realidade histrico-social .

    5 .1 . A tmjetria g$tkctual e a formao terica

    Giannot t i f d m i t e que toda sua produo terica f o i atravessada por uma espcie de obsesso: "a r f t y s a do e m p i r i s m o , a ideia f i xa a respeito d o universal, d o conceito cuja constituio n&O se l iga exclusivamente semelhana" (19 74, p. 2 5). Desde seu p r i m e i r o trabalho ( s o b f t Stuart M i l l ) p r o c u r o u dar conta dela. Reconhece que o exerccio dessa obsesso no fojl linear, sofrendo vrias influncias que o levam a abordar o tema n u m a o u noutra d i r f j f j p . S que destaca o encontro c o m Marx (1974, p. 25).

    Giannot t i f o r n i a que sua vida intelectual recebe o p r i m e i r o i m p u l s o a part ir do contato c o m Qwfcdd de Andrade e c o m o m o d e r n i s m o . Foi Oswald q u e m o encaminhou a Vicente Ferflgj&i da Silva, que d i r i g i a u m g r u p o de estudos e m fi losofia e que o levou a ler a Paidia,fj|| Jaegger. Nessa poca, p o r conta prpria, Giannott i l ia de H o m e r o a Plato. Foi, n a f p u dizer, u m a fase de paixo pelos Gregos.

    Seguiu dc)|jl anos do curso de Letras Clssicas, tendo se interessado ento p o r literatura, de m o d o especial pelos clssicos portugueses e brasileiros. Pensava ento se especializar e m esttica.

    E m 1950, entrou para o curso de Filosofia, sendo ento aluno de Lvio Teixeira e de. Cruz Costa. Tambm era seu professor Laerte Ramos de Carvalho, j inf luenciado pela Fenomenologia. Mas o grande mestre foi Gilles Gaston Granger, que o levou e a seu g r u p o , para o campo da lgica e da filosofia das cincias. A descoberta da grande Histria da Filosofia se deu nas aulas de Mar t ia l Guroult, que ensinava Leibniz, trabalhando tecnicamente os textos filosficos. Claude Lefort , p or sua vez, o r i e n t o u o g r u p o para "os redemoinhos do pensamento pol t ico" (1974, p. 27).

    Tais direcionamentos levaram r u p t u r a c o m Vicente Ferreira da Silva. A presena mais marcante n o Departamento de Filosofia continuava sendo a de Cruz Costa, que influenciava o g r u p o c o m seu nacional ismo ao mesmo tempo que se aprofundava na histria da filosofia e na epistemologia, r o m p e n d o c o m as orientaes ensasticas das geraes anteriores. Foi atravs do estudo da fenomenologia que Giannott i se diz ter-se in ic iado filosofia.

    Aps trabalhar como professor secundrio de filosofia e como professor voluntrio na USP, vai para a Frana, onde cont inua estudando c o m Granger. Nesse perodo, descobre o estruturalismo de Goldschmidt e a fenomenologia de Merleau-Ponty. Volta d o m i n a d o pela ideia de u m a filosofia da conscincia. Pretendia fazer ento u m estudo sobre a lgica de Husserl mas acaba m e s m o fazendo u m trabalho sobre Stuart M i l l (1961), levado pela premncia das cobranas da carreira acadmica. E tambm nesse cl ima que, e m 1966, escreve sua tese de livre-docncia, As origens da diaitica do trabalho, onde pretendeu expressar sua recusa le i tura antropologizante de Marx , ento e m voga, devido ao peso da esquerda crist e influncia d o psicologismo de Sartre. Era portanto u m texto contra a tendncia moral izante do marx i smo.

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    5.2. As preocupaes filosficas

    A part ir da criao do CEBRAP, suas preocupaes t o m a m duas orientaes: de u m lado, elaborando monografias sobre o pensamento sociolgico, buscando "apanhar os vrios m o m e n t o s da reflexo sobre o social examinando os pressupostos e os quadros a par t i r dos quais essa reflexo se tece" (1974, p . 3 2), c o m o fez c o m relao a Durlcheim e a Skinner; de o u t r o , re toma a velha obsesso: a possibilidade de uma diaitica materialista. Esta abordagem acaba encontrando a p r i m e i r a . C o m efeito, Giannott i pre -tende part i r " d o pressuposto de que se reflexo a m o l a e m relao qual u m a sociedade se instaura, o pensamento sociolgico sempre acaba se defrontando c o m ela, p o r mais ideolgico que ele seja" (1974, p. 32).

    Para o autor, "chegar ao nvel da reflexo chegar ao p r o b l e m a do trabalho, no da relao sujeito/objeto, mas de todos esses produtos intermedirios, desses resultados da atividade produtiva, que determinam tanto a operao indiv idual do trabalho quanto a prpria natureza como efetividade" (19 74, p. 3 4). Assim, trata-se de ver o papel constitutivo da reflexo de maneira diferente da perspectiva kantiana, ao mesmo tempo que se impe romper com a metafsica tradicional. H u m " m o v i m e n t o constituinte das categorias, das antecipaes e dos conceitos (...) mas se a forma antecipao e presena, ela s se mantm e presentifica c o m o poder de sntese graas ao decurso sucessivo, temporal , de tudo aqui lo que v e m satisfazer as necessidades humanas" (1974, p. 33).

    A q u i se situa a posio nuclear d o esforo filosfico de Giannot t i para pensar a possibil idade de u m a diaitica materialista, onde a prtica possa se encontrar c o m a ' reflexo n u m processo histrico de constituio, l ivrando-se tanto dos esquematismos transcendentais idealistas quanto da imposio do essencialismo metafsico bem c o m o do dado b r u t o d o posi t iv ismo. o je i to do autor praticar o seu m a r x i s m o filosfico.

    G i a n n o t t i espera que a verdadeira revoluo seja aquela que vai resultar " n u m a nova j relao do h o m e m c o m o trabalho, porquanto este se l iberta d o imprio do ins trumento / e aquele se abre para u m a nova f o r m a de temporal idade. O desenvolvimento das foras ' produtivas v e m p e r m i t i r u m novo t i p o de relacionamento c o m nossas prprias neces-sidades" (1974, p. 34-45).

    A proposta de Giannot t i , n o mbito de sua discusso d o sentido do pensamento marxista e que se expressa n o seu l i v r o As origens a diaitica do trabalho, de mostrar " c o m o u m a certa lgica que pensa o m u n d o capitalista a part ir das essncias genricas d o h o m e m obviamente u m a lgica que no capaz de conter a si mesma, u m a lgica falha. N o f u n d o , u m a lgica que no faz seno revidar a lgica hegeliana" (1985, p. 6).

    Giannotti comea a desenvolver sua meditao sobre o sentido do marxismo direta-mente provocado pela publicao dos primeiros trabalhos de Althusser sobre Marx e pelo surgimento da polmica contra o humanismo marxista. Giannotti contestava a reduo do marxismo a u m a teoria do conliecimento, fundada n u m formalismo de tipo kantiano, recusando a autonomizao das formas que permeiam a vida social (1974, p. 36). O autor vinha estudando o marxismo, inclusive atravs d o seminrio pioneiro no Brasil, sobre 0 capitai, que se desenrolou de 58 a 62. Althusser publicara Pour Marx, em 1965, e Lirele capital, e m 19 6 7, Giannotti lanou ento o seu artigo int i tulado Contra Althusser.

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  • 53.0 universo temtico

    De t u d o o que se v i u , a reflexo filosfica de Giannot t i fundamentalmente u m a tentativa de se repensar o prprio significado da sociedade humana. Trata-se de uma reflexo que se apoia nas categorias metodolgicas do m a r x i s m o e nas contribuies das cincias humanas, tentando assim dar conta da problemtica total da sociedade contempornea. Entende que a nica explicao possvel para essa problemtica se encontra na concepo de que a constituio da existncia social se d pela mediao d o trabalho, m o d o especificamente h u m a n o de ser. Assim, n o prprio trabalho que a reflexo se const i tu i dimenso propr iamente humana . Giannot t i considera que esta a intuio mais r ica da f i losofia marxista, o que toma.sua contribuio insupervel N o entanto, o m a r x i s m o acabou sendo historicamente i m p r e g n a d o de crostas dogmticas que se i m p e e l i m i n a r previamente. E isto ele o faz, negativamente, cri t icando essas vinculaes, essas leituras'idealizantes do m a r x i s m o e, posit ivamente, recolocando luz das perspectivas marxistas as grandes questes epistemolgicas e ontolgicas que sempre desafiaram a f i losof ia e que i m p l i c a m novos contornos n o universo terico da atualidade. Da que o m o t e de todo o seu trabalho filosfico ser aquele da possibilidade de u m a diaitica materialista.

    Por isso mesmo, sua reflexo sobre a diaitica envolve interdisc ipl inarmente as contribuies dos vrios campos de investigao das cincias humanas, as quais hoje a filosofia no mais pode desconsiderar. Sua abordagem filosfica recorta os campos da economia, da histria, da sociologia, da psicologia, da hngstica e da antropologia .

    Assim, fundamenta lmente , a reflexo filosfica de Giannot t i se prope como o esforo de construo de u m a ontologia social. N o entanto, esta tarefa, ao ter que se realizar n o emaranhado concreto de u m a cultura complexa, obr iga o autor a i n t e r v i r e m debates inter correntes e a proceder a elucidaes intermedirias.

    E preciso discut ir algumas grandes questes epistemolgicas, a comear p o r aquela da prpria natureza d o filosofar, do sentido d o trabalho terico, das relaes da filosofia c o m as cincias.

    O aproveitamento das contribuies das cincias humanas para a constituio do sentido d o ser social i m p e u m necessrio debate que cont inua o p r i m e i r o , agora n o plano mais especfico, frente s pretenses d o ideal ismo transcendental e do e m p i r i s m o positivista, quanto explicao da coBcincia e d o conhecimento.

    Mas o dilogo c o m as cincias humanas se d tambm n o plano de delineamento de seus contedos enquanto elementos que c o n t r i b u e m para a configurao do ser sociaL p o r isso que Giannot t i trabalha cont inuamente c o m as categorias da economia, da sociologia, da antropologia , da histria e da lingustica. Coerente c o m seus princpios

    'marxistas, o autor no perde de vista que a humanidade se constri historicamente mediante sua at ividade p r o d u t i v a - o trabalho - que, atravs de suas relaes c o m a natureza, va i del ineando t a m b m suas formaes sociais e const i tuindo suas formas de conscincia. E p o r isso tambm que as relaes da reflexo c o m o trabalho, na atualidade, s p o d e m ser apreendidas na sua concretizao histrica, sob o m o d o de produo capitalista, m o d o atualmente vigente.

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    Esta ontologia social desdobra-se necessariamente na exigncia de explicitao'do sentido de outras formas de expresso da prpria sociedade, colocando ao filsofo as questes do estado enquanto expresso d o poder poltico, da cultura e da educao, temas que se fazem presentes nas preocupaes filosficas d autor.

    S.4.0 texto e o estilo

    B m E X O E MODO DE PRODUO

    No nos cansamos de repetir que no convm conceber a sociedade como u m conjunto de foras chocando-se e somando-se para gerarem u m vetor onde ficassem gravados os paralelo-gramos responsveis por sua formao. Cabe dizer que se instaura por u m processo de doao de sentidos? Por certo, desde, porm, que no tomemos tais sentidos como se estivessem nascendo de atos de conscincia que se identificassem previamente pela reflexo dum sujeito autnomo semelhante ao cogito, percebendo objetidades maravilhosas desligadas das foras naturais. Nem como se brotassem de comportamentos singulares tornando, como identidade aa e inquestionvel, a unidade dos organismos a que se ligam. Preferimos o radicalismo que nega qualquer identidade prvia indeformvel. No temos dvida em reconhecer o carter social dos indivduos e dos sentidos, mas queremos ainda refletir sobre essa sociabilidade, mostrar seu fundamento in fieri, tomar enfim a sociedade como u m processo simblico capaz de se gerar a si mesmo, de constituir por si prprio os passos em que assenta suas representaes. Estamos

    i- defendendo a tese de que qualquer instituio, da pessoa ao estado, ganha sua prpria identidade no movimento de espelhar-se numa superfcie refletora, de descobrir traos que se fixam pelo ato da descoberta. Neste jogo de espdhamento, o estado ocupa posio muito peculiar. Pondo de lado as relaes internacionais - que somente no mundo de hoje passam a interferir no processo de constituio de sua forma representativa, exatamente quando comea a perder a fora desse seu aspecto normativo - , percebemos que ele se d como o limite desse movimento, comunidade tratando de se representar a si mesma e todas as outras partes sociais que for capaz de capturar em seu movimento reflexionante. De nosso ponto de vista, no h sociedade que no atinja esse limite. Disso no se segue, entretanto, a necessidade dum soberano, prncipe ou governo, apresentar-se em nome da comunidade como representante desse limite e, por esse

    r meio, tratar de medir o comportamento das outras partes sociais. Somente o estado, antes de ser \) o monoplio da violncia, monopoliza o exerccio do direito. Como possvel que os outros

    segmentos sociais, repondo-se pelo jogo de seus espelhamentos, encontrando noutros a identi-dade de si, passem a delegar para uma instncia transcendente a tarefa de definir o arcabouo formal que traa seu reconhecimento social, assim como os limites de seu comportamento cotidiano? Suponhamos uma empresa qualquer. Ultima seu reconhecimento social registrando -se num rgo do estado, mas a partir desse momento est pagando imposto de vendas e consignaes que, se de u m lado na verdade proporcional ao volume de suas vendas, de outro, obedece a uma taxa cujos critrios fogem inteiramente a seu controle. Como estipul-los em nome d u m interesse comum? No que consiste essa comunidade? No fundo, r io logo nos recusamos a pensar a sociedade como u m todo orgnico, torna-se urgente entender o mistrio do direito e da poltica como atividades normativas e de controle social. Anfes de tudo, porm, cabe perguntar pelo carter dessa normatividade.

    Nossa problemtica se torna mais clara se for traduzida na linguagem da Metafsica, principalmente depois que ela fo i purgada pela crtica kantiana. Imaginemos indivduos dotados dum senso moral, duma capacidade peculiar de chstinguir o justo do injusto, de sorte que estamos supondo ser o bem discernvel por uma escolha racional. Para separar os juzos morais de todos

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  • os outros podemos lanar mo de recursos formais do tipo do imperativo categrico: no entanto mesmo prosseguindo at esse limite esbarramos com a dificuldade apresentada pelo fato de cada juzo moral, sendo prtico, estar sempre visando certos resultados como seu f i m . No h dvida de que possvel tratar de descartar tais contedos; isto porm serve apenas para sua qualificao; o exerccio da moralidade inseparvel da presena efetiva duma meta. O funcionamento do juzo moral acarreta uma referncia concreta a u m fim que, por sua vez, se encaixa noutro, formando uma hierarquia de fins. De u m lado, temos, pois, u m f i m se relacionando a outros e se pondo como o ponto de partida duma tpica; de outro, a hierarquia desses fins colocando-se como u m sistema que, para ser paradigmtico, deve englobar a totalidade deles. Como Kant desenvolve em seus ltimos escritos, a prtica morai recoloca a questo duma teleologia implcita nos juzos prticos, a hierarquizao deles em vista do fim ltimo da natureza e da totalidade que cobre todos eles.

    Essa referncia a uma totalidade prtica, a uma determinao completa das aes, torna-se inevitvel ao se conceberem os juzos morais como processos racionais. At mesmo nos autores modernos essa exigncia transparece, como exemplifica a teoria da Justia de John Rawls, talvez o caso mais refinado de neokantismo que passou a impregnar a ideologia americana depois da crise do positivismo. A escolha racional de cada pessoa concebida como balanceamento de acertos e enganos; este por sua vez remete noo de equilbrio reflexionante (reilectivcequilibriurn), quando cada u m se comporta como se tivesse diante de si todas as descries possveis em relao s quais algum pode plausivelmente conformar seus juzos, assim como todos os argumentos filosficos importantes a eles (Rawls, 1971, p, 49). Por mais que este autor insista no carter questionvel dessa assero, o que nos importa o fato dela aparecer no horizonte de seu pensamento, pois graas a ela que a srie de juzos efetivos atinge o nvel do a priori, do dever ser, nico meio pelo qual os juzos se tornam verdadeiramente morais. No nos cabe aqui discutir o carter efetivo ou aparente desse dever ser, mas unicamente salientar que a ponte ligando os critrios pessoais de justia com a impessoalidade do dever ou duma instncia como o estado, encarregada de distribuir essa justia, se faz necessariamente pelo vnculo da totalidade reflexio-nante dos juzos, duma idealidade abrangente incapaz de ser subsumida sob uma categoria identificvel previamente. Essa idealidade, porm, no perde seu contedo: juzos efetivos se reportam uns aos outros pelo lao de seus fins. Como testemunha a problemtica kantiana da tpica, no basta o rebatimento de todos esses vnculos para o movimento aglutinante da razo, cabe ainda mostrar como cada juzo se engata noutro por intermdio de seus contedos. Para Kant, a hiptese da criao do mundo por Deus forma uma pea essencial, permitindo a passagem da razo para a histria: porque este mundo fo i criado por u m ser racional segundo os parmetros da razo, a natureza humana termina por implementar o que a razo impe. Cada fase da racionalizao dos comportamentos humanos, cada constituio poltica, aparece assim como passo do processo assinttico da histria (Giannotti, 1978). Os modernos neokantianos recuam diante desse pressuposto teolgico. O que constitua elo indispensvel para o arcabouo argu-mentativo do kantismo interpretado como uma concesso aos sentimentos da poca, de sorte que a teoria dos juzos morais acaba por se refugiar numa tpica que retira dos agentes qualquer responsabilidade pelo processo de totalizao. Cada juzo se reporta, na verdade, a u m conjunto de fins integrados, mas o terreno dessas totalidades est recortado por vrios Pireneus, de modo que o destino do indivduo se confina aos meandros de sua prpria capacidade deliberativa. E o pensador pode ento imaginar ter o segredo dos atos morais, pois ele sabe melhor do que ningum mudar de perspectivas e sopes-las.

    Preferimos trilhar outros caminhos, pensar ao nvel do prprio "juzo" a determinao recproca entre o ato efetivo e a meta visada. Da ser mister, primeiramente, deixar de tomar esse ato como parte duma atividade deliberativa, tramando regras desde o incio, para acompanh-lo

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    to-s na sua efetividade diante do alvo. No lugar de juzo, comportamentos orientados. .Em seguida, abandonamos o pressuposto de que essa regra mantm sua identidade indeformvel durante o processo. Quando algum, na chuva, corre para o abrigo duma casa, est fazendo com que esta valha por seu oco e por sua armao, capazes de proteger u m espao. Se contudo se esconde dum inimigo, a "mesma" casa vale pela opacidade de suas paredes e pela indiferena com que se coloca no meio de tantas outras. Isto significa que a mesma casa para os nossos olhos de observador vai se tornando a mesma para o agente; dessubstancializam-se a casa abrigo e a casa refgio a fim de que emerja a casa subsistente na multiplicidade de suas funes. Mas, para que isso acontea, ambos os agentes iniciais precisam medir-se u m pelo outro; s assim a identidade se firma no meio das diferenas, porquanto a identidade da meta pressupe u m processo anterior de medida.

    Os comportamentos se tornam sociais quando eles, e no os agentes, passam a pautar-se pela mesma medida. Se dois indivduos esto vendo a mesma casa, no esto por isso compor -tando-se socialmente. Nem mesmo quando u m persegue o outro; este, neste caso, pode se dar simplesmente como reforo mvel; pedao de carne, que o primeiro tenta capturar. A sociabili-dade nasce quando cada uma das respostas trata de tomar a outra como se reportando mesma identidade. O perseguidor procura agarrar o corpo do outro, que responde retirando-o do alcance dele; e o corpo se converte no ponto de referncia das duas respostas. Se a vtima se esconde na casa, esta empresta sua identidade de refgio para que ambos possam adequar seus novos comportamentos. No se conclua da que essa identidade seja de fato a mesma para as respostas correlacionadas, pois o importante tudo se passar como se isso acontecesse. Mas o como se implica passagem oblqua peio ente, de sorte que as aes se socializam tanto pela representao quanto pelo ajustamento requerido pela entidade das coisas envolvidas.

    Cabe no perder de vista que a constituio dessas identidades a serem pressupostas est abrindo o espao para a representao. No porque a casa est ali diante dum olhar absoluto que ser representada, mas unicamente porque cada uma de suas aparncias, no contexto dos comportamentos correspondentes, assume, n u m dado momento, o papel de ponto de referncia para que os fenmenos se condensem num objeto. Somente desse modo o objeto vem a ser denotao possvel dos atos sociais da fala. No nvel do tecido dos comportamentos o objeto desde logo reflexionante, processo de constituio e reparacr das identidades que subsistem por meio do processo. No a pedra o u a rvore que lheserve de paradigma, os entes persistem como deixis dessas reflexes, nascendo como objetidades contemporaneamente posio da sociedade como u m todo. Em vez da pedra ou da rvore, a casa a primeira objetidade a ser pensada, pois se pe como coisa conforme vai vedando os comportamentos contnuos que exige para a sua reparao, para que subsista como ajuntamento de materiais que s o comportamento humano capaz de cimentar.

    Desse ponto de vista, compreende-se o papel gentico-transcendental do trabalho, sendo o nico comportamento que de imediato visa transformar em ente o objeto que representa. Quem deseja u m peixe pode ir ao r io e pesc-lo; d-se ao uabalho de preparar a isca, a vara, lan-la no r io e ficar espreita na margem. Quem, entretanto, deseja peixes vontade, como parte de seu consumo dirio, precisa organizar a pesca de modo sistemtico. Continua a tomar os peixes como simples objetos de uso, coisas disponveis, muito embora uma nova medida se infiltra entre eles, pois pesca conforme u m consumo prevista Cada coisa aparece assim no contexto duma quantidade representada, obtida por u m processo de trabalho que mobiliza seu corpo inorgnico: as mos, as pernas, a elasticidade do conjunto de seus membros, a mulher que cozinha, o filho que ajuda na colheita da vara ou na preparao da isca e assim por diante. Tudo pois se coordena em vista duma certa produo. Isto significa que o produto de cada individuahdade tcnica, partes e agentes configurados pela repetio de cada processo de trabalho, pe-se como elemento dum

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  • sistema encarregado de assegurar sua continuidade. Divide-se. desse modo, em produto para si e produto para outrem, vale dizer, aquela parte que se dirige diretamente para essa individuali-dade tcnica e aquela outra que escapa para todas as outras, indiretamente colaborando no desenho de sua autonomia relativa. A distribuio se articula como u m processo de medida dos trabalhos dispersos, regulando duma maneira ou de outra o tempo e o esforo requeridos, medida pela qual u m grupo se pe armado por uma forma de sociabilidade. Alm do mais, cada condio de existncia dessa individualidade ganha o estatuto de fora produtiva: o vigor do brao vale por sua resistncia e elasticidade, a isca por sua qualidade de ser alimento enganchado num anzol etc, de sorte que as partes mecnicas passam a imbricar-se por algumas de suas propriedades, cuja eminncia depende da forma pela qual as partes se ajustam. Algumas dessas propriedades so postas em funcionamento enquanto outras permanecem apenas como suporte. E por causa dessa aglutinao das partes deixam de ser pedaos da natureza para integrarem u m objeto tcnico, mantido em seu novo estatuto ontolgico por seu uso, peio papel que desempenha no processo de trabalho. Sabemos que essas propriedades peias quais as partes se engrenam se pem uma para as outras, deixando de estar apenas justapostas, determinao negativa repousando ao lado da outra, para existirem essencialmente como negao da negao, onde cada uma se identifica pela recusa de seu fundamento. Donde aparece a necessidade de aperfeioar o seu engate e seu desempenho - a prpria vara demanda a melhoria de sua linha, a adequao de seu tamanho em vista das manhas do peixe e de seus hbitos. No ato da pesca todas essas condies se mobilizam e se colocam em funo duma medida gerada pelo prprio trabalho. Medida que se circunscreve a este circuito reflexionante e se, na verdade, se d como capacidade, no deve ser confundida com aquela deliberativa, sem eira nem beira, usualmente denominada razo prtica. Neste sentido, o trabalho fora produtiva por excelncia; visa transformar a coisa n u m valor de uso para o homem, tomando-a como se fosse apenas u m ente a ser adequado ao consumo, mas terminando por convert-la num objeto reflexionante.

    Nem sempre, contudo, os produtos so consumidos de imediato. Muitas vezes se armazenam de modo a impedir que retornem ao mundo dos entes, demandando u m trabalho, improdutivo nesse nvel, para sustentar o caminho percorrido. Isto vale para os dois tipos de consumo, muito mais, todavia, para aquele produtivo, quando o produto passa a integrar os meios de produo. Graas a essa atividade que apenas retm o objeto no nvel da reflexo, os produtos assim como suas condies de possibilidade, as foras produtivas, tendem para o ajuste n u m sistema: de u m lado, peas se engatando por suas qualidades eminentes; de outro por suas quantidades. Por-quanto uma vara est vinculada a certa quantidade de peixes possveis de serem apanhados, vrias iscas para u m animal, uma cesta para certo peso e assim por diante. Tais coisas assim travadas constituem u m sistema de objetos.

    No atentamos at agora para o outro, pois a famlia aparecia to-s no prolongamento de seu corpo inorgnico. Mesmo nesta altura, entretanto, j faz valer as fissuras de suas indetermi-naes, a imprevisibilidade e o acaso. Basta que, por um motivo qualquer, deixe de cumprir a tarefa que lhe fora designada. Lembremos que era cada u m dos momentos do processo de trabalho o outro comparece como possibilidade de ajuda ou de recusa; o carecimento do outro contemporneo ao carecimento do objeto. No entanto, cada individualidade tcnica est usualmente se compondo com outras. Da certos objetos, integrando uma ou vrias coisas, aparecerem no cruzamento de muitos movimentos reflexionantes. No fmal do processo de trabalho, o outro, por ter participado dele, pode reclamar o consumo isolado do produto, pois toma sua ajuda como momento de seu prprio processo: o produto assim tanto seu como do outro, duplo objeto reflexionante apoiando-se numa mesma coisa. Essa situao resulta num conflito que abole a colaborao futura, ou numa partilha que sublinha novamente a entidade do produto. No final das contas, se dois capturaram u m peixe preciso decidir quem vai ficar

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    cora a cabea. Obviamente se torna impossvel determinar a priori o critrio da diviso, mas retenhamos que s pode levar em conta o processo de trabalho, pois no possvel fazer interceder, neste nvel, qualquer ouua forma de sociabilidade.

    Esta relevncia da entidade do produto se torna ainda mais evidente quando, em vez dum objeto, consideramos todo o sistema deles. Alm de suas determinaes formais so as coisas e suas condies de existncia que so distribudas. Que papel essa entidade desempenha na formao dos grupos sociais? Vejamos, antes de tudo, o que nesta altura significa apropriar-se. J notamos que cada individuahdade tcnica delineia os contornos de seu corpo inorgnico, incluindo nele suas condies de existncia. Como, porm, uma se alinhava noutra, essa apro-priao tanto torna disponveis suas condies de existncia, quanto antepe, representa as diferenas que a separam das outras, os obstculos que estas concretamente colocam diante do funcionamento de seu corpo. Esta nova figura de alteridade no se corrfunde corri aquelas outras que se armam em cada passo do processo de trabalho, nem mesmo com aquela outra que se instaura pelo produto, pois nasce do movimento que toma disponveis foras produtivas precisamente quando pe obstculos a essa disponibiUdade. Isto porque nessa disponibilidade o outro das figuras anteriores j est includo. O trabalho individual devem social, pertencendo sociedade como u m todo, na medida em que essa sociedade configura u m parmetro pressuposto de qualquer ato individual de produo. Ela comunidade originria. Notemos, porm, que no desempenha qualquer funo determinante, no possuindo qualquer contedo alm dessa abstraa disponibilidade-indisponibiUdade dos outros, com excluso daquele que, embora com cara de gente, no estando mo para o trabalho, no pertence ao gnero humano. No , entretanto, apenas essa comunidade que se coloca como pressuposto da produo total. A entidade do objeto se torna mais veemente quando resiste ao trabalho, recusa a forma que a prepara para o uso. Para o trabalho produtivo ou improdutivo as coisas vo se dispondo por suas propriedades naturais, as quais so representadas para serem capturadas, de sorte que as prprias coisas, dotadas duma individuahdade para o processo produtivo como u m todo, se do por u m sistema, normativo natural, naquele sentido qu lhe empresta Moscovici (197 7), ao escrever u m ensaio sobre a histria humana da natureza.

    no quadro desses pressupostos, sempre visados e sempre recuando, que passamos a compreender a diaitica da diviso do trabalho. Mordendo aberra e cedendo diante de suas diferenas, o sistema produtivo diversifica os processos de trabalho. Coisas diferentes demandam trabalhos diferentes, o que d ao sistema u m movimento centrfugo. Na travessia de sua auto-constituio, entretanto, cada individualidade tcnica se vincula a u m agente que, por sua vez, participa de outra individualidade tcnica e assim por diante. Os produtos tambm vao se diferenciando conforme se ampliam tais movimentos circulares, cada produto ou cada processo procurando ganhar sua prpria autonomia. Ao serem distribudos, os produtos confirmam a vinculao dos agentes com suas condies de existncia, grupos sociais se armam e repem o pressuposto da comunidade originria. Mas com isso os produtos e os meios esto pertencendo ao grupo como u m todo, digamos a uma sociedade, sem que os grupos particulares estejam tendo acesso assegurado a eles. Estamos considerando a formao dos grupos rentes ao processo de trabalho. A individualidade tcnica A se liga a B e esta a C, sem que a primeira se relacione com a terceira. Os produtos e os meios de A e de C so da sociedade sem que seus membros vejam reafirmado nos produtos seu vnculo original. A troca vem resolver essa dificuldade.Troca interna coroada e repondo o pressuposto da comunidade, que no deve ser confundida com aquela que se tece pelo intercmbio de produtos exterior a essa sociedade, mas abrindo o espao para uma nova forma de diviso do nabalho. Pela primeira, que Marx denomina fisiolgica, uma unidade autnoma se diversifica, pela segunda, chamada social, grupos independentes se fundem numa nova unidade, graas uoca de seus produtos (Marx, K.I . , MEW, p. 23. 373). de notar,

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  • contudo, que, tendo em vista as lies da Antropologia contempornea, tratamos de distinguir a troca pelo comrcio daquela que se faz por meio do sistema de parentesco, tambm ele uma troca, de sorte que o conceito de independncia dos grupos tomou-se vital- Seja porm qual for 0 carter dessa troca, eia ainda evidencia uma dificuldade que j nascia no contexto do processo de trabalho: qual sua medida? O problema no aparece ao nvel da distribuio, porquanto possvel imaginar uma sociedade que distribui apenas seus meios de produo. Para que grupos entrem numa relao de troca preciso que marquem sua autonomia e, por esse mesmo gesto, tratem de estabelecer uma equirainciu entre seus produtos. A entidade do produto se torna pertinente, de modo que a regulamentao da medida por regras sociais tem como fundamento u m procedimento prtico de mensurao.

    Marquemos os pontos cruciais de nosso projeto. Partindo duma fenomenologia do processo de. trabalho, tomado na abstrao que o capitalismo lhe empresta, tratamos de sublinhar como simultaneamente tece relaes com objetos e com outros. Neste nvel uma operao tcnica no se ope ao intercmbio meramente simblico; a tentativa de Habermas (1976) no sentido de reconstruir o materialismo histrico na base dessa oposio nos parece inteiramente fadada ao fracasso, pois desde o incio no reflete suficientemente sobre a natureza da sociabilidade do trabalho. Ao contrrio, procuramos mostrar que a repetio desse processo desenha objetividades e formas de alteridades, conforme vai inteirando o processo produtivo como u m todo. Frisamos desde logo que o processo de trabalho no persiste sem u m momento representativo, mas para que o alvo seja reiteradamente anteposto precisa ser medido. No entanto, abre-se uma diferena entre a medida representada e a medida efetiva, pois s esta ltima demanda u m padro estvel em funcionamento. Se tal padro pode ser tomado ad hoc durante o trabalho, isto se torna impossvel quando aparecem a troca e a questo dos seus equivalentes. Recusamos admitir que eia seja orientada simplesmente por normas sociais. No s uma soluo deste tipo recua a dificuldade, mas ainda desconhece a dissoluo das significaes operada pela diaitica do trabalho. "Econmico", "sociai", "poltico" no possuem denotaes independentes, porquanto unicamente as determinaes recprocas entre seus procedimentos e os tipos de objetividade postos por eles permitem a compreenso de seus movimentos. O que significa, porm, afirmar que u m sistema produtivo se fecha, ganha autonomia, quando encontra u m padro de medida por que passa a reger a distribuio e a troca de seus produtos? Primeiramente, que o intercmbio no pode ser pensado sem levar em conta a natureza ontolgica de tais produtos; a medida a ser. estabelecida refere-se aos processos formais promotores do objeto, o qual, sendo reflexionante, 1 mplica referncia a outrem. Em seguida, que o padro dessa medida uma soluo que nasce de operaes humanas concretas, no tendo cabimento, portanto, seu estudo a priori. S a investigao histrica perrnite o passo adiante. No estamos, por isso, tomando essa Histria como se mencionasse u m processo continuo dos feitos humanos, do passado ao presente. Antes de tudo, consideramos o processo de trabalho tal como se apresenta em sua abstrao contem-pornea e tratamos de compreender o que significa a sua repetio e, a cada passo, introduzimos novo dado, seguindo a ordem do mais simples ao mais complexo. No porque se torna urgente o apelo ao fato que termina nele o trabalho do filsofo. Pelo contrrio, a descoberta de como as sociedades medem seus produtos oferece novos a priori materiais, que desancha nova investigao

    a formal. Neste passo, mas somente nele, o filsofo imita o gemetra, que postula traos idealizados do mundo cotidiano a f i m de explorar suas combinaes formais possveis. Trata, porm, de perceber as formas de objetividade propostas pelo processo de produo, dessa efetiva atividade de transformao e de medida. E se previne assim contra a libertinagem do discurso capaz de contrapor argumentos e significaes sem cuidar de seus respectivos terrenos de validade.

    Cada sistema produtivo gera e gira em torno de certos padres que lhe atribuem o carter de modo de produo. Nossa tarefa estudar formalmente como se arma essa reposio, como

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    objetidades se instauram pelo cruzamento das relaes de trabalho com as relaes de alteridade. A ontologia social se mostra, assim, ontologia do social. Mas tais objetidades, oscilando entre o plano da reflexo e do ente, incorporam planos representativos, pois ao que visam no chega a ser da maneira prevista. J que o sistema de objetos e o correlato sistema produtivo se fecham pela solicitao duma medida das suas trocas, j que a totalidade devem social reportando-se a u m ponto f ixo de referncia, abre-se o espao entre o representado e o efetivo e o lugar de sua crise. A representao do todo, sua encenao, a tarefa da poltica, que pe no palco o interesse comum como se este no atravessasse as vicissitudes de transformao das coisas e dos homens. Sob esse aspecto, a poltica como a linguagem que se desvincula da gerao dos objetos denotados. No sabemos, todavia, o que vem a ser esse comum sem o dado histrico, s por ele conhecemos como se armam as relaes de produo e a medida do comum a ser representado.

    (Trabalho e reflexo, V ed., So Paulo, Brasiliense, 1984, p. 300-309)

    Notas de referncia

    1. L e a n d r o K o n d e r publicou trabalhos cais como: Marxismo c alienao. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1965; Xafk, vida e obra. Rio de Janeiro, Jos lvaro, 19 66; Os marxistas c a arte, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1967; Marx, vida c obm, Rio de Janeiro. Jos lvaro, 1968; ntroduo ao ascismo, V ed., Rio de Janeiro, Graal, 1977; A (cmwnicia e os comunistas no Brasil, Rio de Janeiro, Graal, 1980; Marxismo na batalha das ideias, Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1984; O que c diaitica, So Paulo. Brasiliense, i 986 (Col . Primeiros passos).

    2. Caio da Si lva Prado J n i o r publicou: Evoluo politica do Brasil Rev. dos Tribunais, So Paulo, 1933; Evoluo poltica do Brasil, 2* ed.. So Paulo, Brasiliense, 1947; Notas introdutrias, a lgica diaitica. 2* ed.. So Paulo, Brasiliense. 1961; formao do Brasil contemporneo, 8* ed., So Paulo, Brasiliense, 1965; 0 mundo do sodaiismo, 3' ed., So Paulo, Brasiliense, 1967; O estruturalismo de evi-Stmuss. So Paulo. Brasiliense, J 971; Histria econmica do Brasil, 15* ed., So Paulo, Brasiliense. 1972; A revoluo brasileira,

    , 4* ed.. So Paulo, Brasiliense, 1972; Aquesto agrria no Brasil, 2* ed., So Paulo. Brasiliense, 1979; Diaitica do conhecimento, So Paulo, Brasiliense, 1980; A cidade de So Paulo. 13 a ed., So Paulo, Brasiliense. 1980 (Col. Tudo histria); O oue filosofia, 6* ed., So Paulo, Brasiliense, 1984; O que liberdade?, 8' ed.. So Paulo, Brasiliense, 1984 (Col. Primeiros passos).

    3. L e n d o B a s b a u m publicou trabalhos como: ias fundauuenos dei materialismo, Buenos Aires. Americalee, 1943; Histria sincera da Repblica. Rio de Janeiro, So Jos. 1957; Sociologia do materialismo, So Paulo. Obelisco, 1959; O processo evolutivo da histria. So Paulo, Edaglit, 1963; Histria sincera da Repblica, So Paulo, Alfamega, 1968, 4 vol.; Minha viso do mundo e a filosofia ( in : Ladusans, Stanislavs (rg. ) , Rumos da filosofia atual no Brasil, So Paulo, Loyola. 1976); Uma vida era sds tempos: memrias, So Paulo, Alfamega, 1978; Alienao e humanismo, 5 a ed., So Paulo, Global, s / d .

    4. lvaro Viei a .Pinto possui trabalhos publicados como: Conscinda e realidade nacional, Rio de Janeiro, ISEB, 1960 (Textos Brasileiros de Filosofia, 1); Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro. ISEB. 1960 (Textos Brasileiros de Filosofia, 4 ) ; Cincia e existnda:problemas filosficos, 2 a ed. . Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979 (Rumos da Cultura Moderna, 20) ; A questo da universidade, Bio de Janeiro. Ed. Universitria, s / d .

    5. Jos A r t h u r G i a n n o t t i entre outros trabalhos, publicou os seguintes: Origens da diaitica do trabalho. S i o Paulo. Difuso Europeia, 1966; Origens da diaitica do trabalho - Estudo sobre a lgica do jovem Marx, Porto Alegre, L&PiM, 1985; Entrevista sobre o trabalho terico (Tiaoj/brm/Ao. Assis 1974); O problema da reflexo (Discurso, 1977) ; Exerccios de filosofia. Petrpolis, Vozes, 1980; Filosofia para todos (Cadernos PUC. n. 1, So Paulo, 1980); Trabalho e reflexo: ensaios pnra urna dioltica da sociabilidade. So Paulo, Brasihense, 1983; Filosofia mida e demais aventuras, So Paulo, Brasiliense. 1985; O trabalho e a reflexo: formas da sociabilidade capitalista (Cadernos da CEBKAP, So Paulo, s / d ) ; Cincia integrada para uma burocracia integrada ( i n : Reunio Anual da SBPC, 28, Braslia, jul . 19 76) ; Stuart Mill ea critica da evidencia cartesiana, Congresso Nacional de Filosofia. 3, So Paulo, nov. 1959; A universidade e a lgica da barbrie (Artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 2 4 / 0 5 / 1 9 8 6 ) ; A universidade em ritzno de barbrie, So Paulo. Brasiliense.. 1986.

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