A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RECORDAÇÕES E DE … (124).pdf · 2012-11-06 · e representação da...
Transcript of A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RECORDAÇÕES E DE … (124).pdf · 2012-11-06 · e representação da...
1
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RECORDAÇÕES E DE FORMAÇÃO:
PESQUISANDO A MEMÓRIA E A IDENTIDADE DO MUNICÍPIO DE BELA VISTA
Lívia Daniela Pinto Cardoso (PUC Goiás; mestranda em Educação;
Marizeth Ferreira Farias (PUC Goiás/NEFHEM; mestranda em Educação;
Rodrigo Fideles Fernandes (PUC Goiás/NEFHEM; mestrando em Educação;
Resumo: A pesquisa tem como objetivo reconstruir a memória da educação, sobre as escolas
desativadas - instituições escolares - em suas diferentes modalidades, como também a história
e representação da vida escolar cotidiana no município de Bela Vista, os mestres e suas
práticas e os significados para a construção de identidades naquele espaço geográfico destes
municípios goianos, no período de 1958 - 1990. A relevância se evidencia na preocupação
voltada para a compreensão e a socialização que privilegiam dados, informações e memórias
de um segmento social excluído da história escrita documental e sistematizada; de espaços,
como o interior de muitos Estados brasileiros que ficaram por um longo tempo à margem da
produção do conhecimento elaborado. A realização deste estudo se fundamenta nas
referências teórico-metodológicas da História Oral e Cultural e das atividades acadêmicas da
disciplina de História da Educação, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação, na linha de pesquisa Estado, Políticas e Instituições Educacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, ministrada pela professora Dra. Maria Zeneide Carneiro
Magalhães de Almeida, que também coordena a pesquisa em fase exploratória inicial, parte
do Projeto “Entre Casas-Escolas e os Grupos Escolares: memórias da escolaridade nos
sertões de Goiás e Minas Gerais (Região Trijuntora – 1935-1965)”. Para a realização deste
trabalho foram utilizados instrumentos de pesquisa tais como: documentos, livros, atas,
cadernos e lições escolares, registros de frequências, anotações, fotografias, bem como, anais,
jornais, revistas e bibliografias especializadas. Reconhecendo, por outro lado, tratar-se de um
estudo sobre um segmento social, cuja escassez de registros e documentação escrita
sistematizada e organizada, constitui-se numa das principais motivações e preocupações
dessa proposta de estudo.
Palavras-Chave: Memória. Mestres. Escola. Educação. História.
Introdução
A realização deste estudo tem como mola propulsora a insuficiência de registros e
documentação escrita sistematizada e organizada sobre as escolas desativadas do Estado com
todas as suas singularidades, que são tão significativos para a História da Educação Goiana,
como também para a Educação Brasileira.
2
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
A pesquisa objetiva a reconstrução das memórias da educação, tendo como foco
principal as instituições escolares hoje desativadas, bem como, busca retratar as histórias da
vida escolar cotidiana nos municípios de Bela Vista e Goiânia, os seus velhos mestres e suas
práticas e os significados para a construção de identidades naquele espaço geográfico destes
municípios goianos.
Este trabalho resulta de parte da pesquisa que está sendo desenvolvida pelo grupo
NEPHEN – Núcleo de Estudos e Pesquisa da História da Educação e Memória de Goiás. O
presente texto aborda o processo exploratório inicial da execução da pesquisa, já utilizando
alguns dos recursos para a composição do objeto, fio condutor para clareza da investigação,
como a análise de alguns documentos escritos e icnográficos, materiais escolares, fotografias,
realização de entrevistas e bibliografias especializadas.
Este artigo tem como objeto a escola como espaço de recordações e de formação
recuperando a memória e a identidade, representada pelo município de Bela Vista. Na
interlocução entre os registros e as informações coletadas, resultou na escolha da cidade de
Bela Vista como paralelo do grande centro urbano, que representa a cidade de Goiânia. Bela
Vista apresenta particularidades que, conforme Almeida (2009) em espaços distanciados da
chamada “civilização”, pelo menos sob a ótica da cultura urbana, famílias rurais empreendem
um esforço para construir um processo de “civilidade” e sociabilidade educando seus filhos
em casa e/ou em espaços criados para a escolaridade, como um projeto de vida, de “futuro”.
As fontes documentais nos permite elencar as escolas destes dois municípios que
foram desativadas num recorte temporal que vai do período de 1958-1990 e em seguida
recuperamos, sinteticamente, o histórico que desencadeou no processo de efetivação de
desativação das escolas.
Pesquisar sobre o significado da desativação dessas escolas, resulta num trabalho de
reconstrução da memória de um segmento social que, pela escassa produção sistematizada
sobre os seus percursos, sua história, vem perdendo suas referências identitárias e o papel
fundamental do historiador é o de possibilitar a construção de conhecimentos históricos que
dão visibilidade e feições a objetos, coisas, fatos, artefatos, e pessoas na sociedade, sem
desconhecer o tempo presente, nem perspectivas futuras. Segundo Nóvoa, “não há História da
Educação sem a mobilização rigorosa dos instrumentos teóricos e metodológicos da
investigação histórica. (...) sem um olhar específico sobre a realidade educativa e pedagógica”
(2011, p. 9).
3
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
Histórico da Educação no Campo
A Educação sempre teve importância secundária na história do nosso país, a exemplo
disso percebe-se que o sistema de ensino brasileiro ainda está longe de cumprir o papel social
que lhe cabe, visto que, as políticas públicas educacionais já implantadas têm caráter
assistencialista e emergencial, negando aos cidadãos o direito à educação básica de qualidade.
Faz-se mister lembrar que somente no final da década de 70 e início de 80 o processo
da escolarização básica no país começou a expandir, em termos de rede pública de ensino, e
mesmo depois de tantos anos, são inúmeros os problemas que assolam a área educacional,
segundo as avaliações nacionais e internacionais, tais como, ENEM, ENADE, PROVA
BRASIL, PISA, entre outros.
Em relação à educação do campo o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96
sobre suas características e particularidades, também ainda não virou realidade no Brasil, uma
vez que uma das dificuldades enfrentadas pelos camponeses¹ é a ineficiência da ação de uma
escola do campo, ou seja, uma escola pensada com base nos interesses e necessidades dos que
residem no local. A esse respeito Nascimento compreende que (2009. p. 132):
Os movimentos atuais em favor do campo, como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), propõem uma educação crítica em
que o conhecimento esteja além da leitura e escrita das letras e dos números
e que traga transformações substanciais, diferentemente dos programas das
décadas do século XX. Aspira-se por uma educação condizente com as
peculiaridades do homem e da mulher do campo. Diferentemente dos
programas e projetos adaptados para o meio rural, das décadas de 1940 a
1950 (CNER, Comissão Brasileiro-Americano de Educação das Populações
Rurais – CBAR, Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural –
ABCAR – e outros).
A forte tradição rural que temos, vem como herança da época do Brasil Colônia. No
século XX, a base econômica do país estava nas grandes lavouras de café. Com o
desenvolvimento da indústria nacional partindo dos centros urbanos, despertou nos moradores
da área rural um intenso movimento migratório para os centros urbanos no referido século,
acreditando que esses locais eram o destino certo para atender aos anseios de melhor
oportunidades de emprego. Esse processo tornou imperiosa a necessidade de criar um
conjunto de ações para frear o êxodo rural e transformar o campo em lócus estratégico com
competência e condição de produzir gêneros alimentícios para abastecer a cidade, bem como,
matéria-prima para atender a indústria.
4
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
Durante todo o século XX, este foi o objetivo dos gestores no Brasil, alcançar um alto
grau de desenvolvimento no campo, na forma de programas elaborados, na perspectiva de
diminuir a crescente demanda de famílias do campo para as cidades à procura de estudos,
trabalho e da utópica melhoria da qualidade de vida. Programas e projetos patrocinados pela
Comissão Brasileira-Americana de Educação das Populações Rurais (CBAR) foram
desenvolvidos em larga escala na década de 1940, para conter o êxodo rural, através dos
meios de comunicação a população do campo teve a oportunidade de realizar diversos cursos.
Entre os anos de 1960 a 1970, o MEC em parceria com a UNESCO, elaboraram os
denominados Planos Setoriais de Educação, com a finalidade de criar condições para o
desenvolvimento de programas educacionais, no campo, objetivando a melhoria
socioeconômica daquela população.
Ressalta-se que neste século XXI, devido a grande entrada de capital estrangeiro no
país, o foco maior dos governantes está no desenvolvimento industrial e com a agricultura
voltada para a exportação. Segundo Nascimento (2009), esse quadro atual, deixa o camponês
sem grandes expectativas e pressionado, perde espaço para os grandes latifundiários, se desfaz
da sua pequena propriedade e torna-se boia-fria ou empregado na construção civil, nos
grandes centros urbanos brasileiros.
Não podemos negar que a Constituição Federal de 1988 ampliou as discussões
inerentes à Educação, a qual apresenta um conjunto de princípios que norteiam toda a
educação brasileira, e, são esses princípios que vão garantir a unidade nas políticas
educacionais em prol de uma educação realmente de qualidade.
A legislação em seus diferentes âmbitos afirma a igualdade de condições para o acesso
e permanência do aluno na escola. No século passado, havia uma preocupação muito grande
apenas com o acesso, mas com o tempo percebeu-se que isto não era suficiente, era necessário
assegurar iguais condições para o aluno permanecer na escola.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 importantes
avanços aconteceram no que tange á educação básica, pois houve um alargamento que
abrange desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental até o Ensino Médio.
Em face desse alargamento da Educação Básica, muitas pessoas tiveram acesso à
escola, mas o desafio agora não é apenas o acesso e sim, a permanência do aluno com
qualidade até a conclusão do Ensino Médio e, posteriormente, o Ensino Superior. E quando a
5
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
lei se refere à Educação Básica está imbricado a Educação no campo, portanto, não podemos
deixar de refletir sobre a situação da mesma na atual realidade.
Outrora, morar no campo significava para muitas pessoas estar longe dos problemas
da cidade, era então valorizado como um espaço ideal para criar e educar os filhos; longe dos
“vícios” da cidade. E assim, a maioria das crianças concluía apenas a primeira fase do Ensino
Fundamental, já que esses anos de estudos eram suficientes para ensinar a ler, escrever e
contar; requisitos básicos para uma pessoa que iria permanecer no local ao longo da vida.
Hoje, porém, sabemos que as inúmeras modificações pelas quais tem passado a
sociedade contemporânea, têm interferido diretamente na vida de todas as pessoas moradoras
tanto do meio urbano como também do meio rural. Em relação aos moradores do meio rural,
fatores como o êxodo rural, a falta de incentivo à agricultura familiar, a relação cada vez mais
estreita com os modos de vida urbanos, proporcionada pela expansão das redes de
comunicação e pelas possibilidades de transporte, têm influência direta nesse processo de
reelaboração das identidades sócio-culturais dos moradores do campo.
Neste contexto, a escola torna-se cada vez mais importante como instituição capaz de
auxiliar na permanência da vida “em comunidade”, pois esta oferece oportunidades de
vivência coletiva, da discussão e reflexão conjunta acerca dos problemas que são comuns a
todos que vivem numa dada comunidade, além de realizar o combate intelectual contra a
“amnésia” da ausência – o esquecimento (NÓVOA, 2011).
É preciso mais do que nunca, que a escola valorize a cultura do homem do campo,
promovendo a efetiva participação da comunidade nos projetos da escola. Esta é vista hoje
como lócus de referência para a população camponesa que agora, vê nela a esperança de uma
vida melhor.
Diante do exposto, torna-se imprescindível refletir sobre a importância das escolas do
campo e analisar as consequências do fechamento destas para a população que vive no campo.
De acordo com Kolling (1999) constata-se que sempre houve no decorrer da história
uma precariedade e fragilidade na educação do homem do campo na maior parte das regiões
brasileiras. Mas, o maior problema se justifica na abordagem dual da educação dos alunos da
cidade e do campo, ambas eram vistas como se constituíssem duas entidades estanques e
dicotômicas entre si.
A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional número
9.394/96 romperam de certa forma com esta perspectiva que separa a educação das cidades e
6
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
do campo. Este tema foi acentuado principalmente com a discussão e aprovação da atual
LDB, que propõe em seu artigo 28, medidas de adequação da escola à vida do campo, questão
que não estava anteriormente contemplada em sua especificidade.
No entanto, as questões inerentes à nova concepção da educação do campo em nosso
tempo são complexas, sobretudo partindo da história educacional do país, em que se observa
que a educação pública de qualidade dos trabalhadores do campo é um direito negado de
forma recorrente, dadas às condições precárias de funcionamento das escolas.
Para Leite, a educação é exatamente isto:
razão (elaboração mental), aprendizagem (trabalho de construção e
reconstrução dos conhecimentos elaborados) e conflito (exercício prático del
saber), ou seja, transformação da realidade. Portanto, a educação é ampla,
multifacetada, variável, de conformidade com o ‘espaço’ humano-racional
em que lhe é possível aflorar. Por isso existem tipos e formas educacionais
diferentes, entre elas – a educação rural (1998, p.14).
Faz-se necessário refletir sobre o que diz a atual LDB em relação à educação no
campo:
Art. 28 – Na oferta de educação básica para população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias a sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente;
II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar e
as fases do ciclo agrícola e ás condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996, p.9)
As experiências educativas em Educação do Campo tem proporcionado estudos mais
específicos das realidades de onde moram os educandos e do movimento maior da Educação
do Campo, propiciando assim, experiências pioneiras em algumas Universidades distribuídas
por diversos estados brasileiros, quanto a organização de cursos de licenciatura em Educação
do Campo. O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do
Campo (Procampo) objetiva apoiar a implementação de cursos de licenciatura em educação
do campo nas instituições públicas de ensino superior em todo o país, visando proporcionar a
formação de educadores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino
médio nas escolas do campo.
7
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
Financiado pelo Ministério da Educação, através de recursos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), a finalidade do programa é promover a formação em
nível superior dos professores em exercício na rede pública das escolas do campo, bem como,
de educadores que atuam com experiências alternativas em educação do campo,
proporcionando a expansão de ofertas de educação básica de qualidade no campo, visto que,
uma comunidade é constituída por uma diversidade de identidades culturais.
É possível perceber que pelo menos do ponto de vista legal, houve importantes
avanços em relação à educação do campo, porém, na prática ainda é possível perceber a
discrepância que ainda existe entre o ensino ofertado nas escolas da cidade e as do meio rural.
Um exemplo claro é o fato de um grande número de escolas do meio rural terem sido
desativadas nos últimos anos em função, de uma série de motivos elencados pelos
governantes. Mas, o principal é a economia gerada no fechamento dessas escolas, tendo em
vista que não há alunado suficiente para justificar tantos gastos e, que, portanto, se torna mais
barato levar os poucos que ainda restam para a escola da cidade.
No entanto, ao agir assim, ignora-se a forma de pensar e agir dos sujeitos que vivem
no campo e, mais uma vez os impõe uma lógica de que o que é melhor e deve predominar é a
educação da cidade.
Portanto, é necessário estarmos atentos, pois a construção da escola pública de
qualidade, conforme salienta a atual LDB nº. 9.394/96, significa acima de tudo, lutar pela
superação de contradições existentes entre a educação do campo e da cidade. Á esse respeito
Leite (1999, p. 55, 56.) destaca alguns aspectos da Educação do campo que devem ser
observados:
1. quanto aos aspectos político-pedagógicos: a baixa qualidade de vida na
zona rural; a desvalorização da cultura rural; a forte infiltração da cultura
urbana no meio rural; a consequente alteração nos valores sócio-culturais
campesinos em detrimento aos valores urbanos;
2. quanto à situação do professor: presença do professor leigo; formação
essencialmente urbana do professor; questões relativas a transporte e
moradia; clientelismo político na convocação dos docentes; baixo índice
salarial; função tríplice: professora/merendeira/faxineira;
3. quanto à clientela da escola rural: a condição do aluno como trabalhador
rural; distância entre locais de moradia/trabalho/escola; heterogeneidade de
idade e grau de intelectualidade; baixas condições aquisitivas do alunado;
acesso precário a informações gerais;
8
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
4. quanto à participação da comunidade no processo escolar: um certo
distanciamento dos pais em relação à escola, embora as famílias tenham a
escolaridade como valor sócio-moral;
5. quanto à ação didático-pedagógica: currículo inadequado, geralmente
estipulado por resoluções governamentais, com vistas à realidade urbana;
estruturação didático-metodológica deficiente; salas multiseriadas;
calendário escolar em dissonância com a sazonalidade da produção; ausência
de orientação técnica e acompanhamento pedagógico; ausência de material
de apoio escolar tanto para professores quanto alunos;
6. quanto às instalações físicas da unidade escolar: instalações precárias e na
maioria das vezes sem condições para o trabalho pedagógico;
7. quanto à política educacional rural: são raros os municípios que se
dispõem a um trabalho mais aprofundado e eficiente, devido à ausência de
recursos financeiros, humanos e materiais.
No que tange aos avanços proporcionados nos anos de 1990, percebe-se que as
políticas públicas necessitam levar em consideração as particularidades do ensino das crianças
do campo e partir para um investimento maciço no fortalecimento do vínculo professor com a
escola rural. Por anos, os moradores do meio rural tiveram que lutar muito para garantir em
lei, uma escola adequada.
Para melhor compreendermos a atual situação desta problemática elencada até agora,
vale apresentar um panorama reflexivo sobre as escolas desativadas no meio rural nas últimas
décadas na cidade de Bela Vista de Goiás.
As Escolas do Campo desativadas em Bela Vista de Goiás
De acordo com dados do IBGE o município de Bela Vista de Goiás fica localizado a
45 quilômetros da capital do Estado e faz parte da região metropolitana de Goiânia.
Bela Vista surgiu segundo Lôbo (1939) provavelmente na primeira metade do Séc.
XIX à margem esquerda do córrego Sussuapara. Próxima aos centros de mineração; Bonfim e
Santa Cruz. Tropeiros e carreiros que transportavam mercadorias de Minas Gerais para Goiás,
fizeram do local ponto de pouso construindo o “rancho dos tropeiros”, circundando-o surgiu o
povoado. O mesmo nasceu caracterizado fortemente pelo catolicismo: a fé em N. S. da
Piedade.
Por tal motivo a religiosidade impulsionou José Bernardo Pereira, sua esposa e José
Inocêncio Teles a doarem “um corte de terras” na barra do Sussuapara à N. S. da Piedade.
9
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
Objetivando a construção de uma casa de oração dedicada a esta. Dona Josefa Teles, aos
domingos rezava com a população local os terços dedicados à Santa, mantendo vivo o
catolicismo no povoado.
Houve a formação de um pequeno povoado, Freguesia, e em seguida a formação de
uma cidade com o povoamento cada vez maior. Bela Vista de Goiás, surgiu com a doação de
terras do senhor José Bernardo Pereira e a sua esposa, a senhora Inocência Maria de Jesus.
Foram terras doadas para a Igreja Católica, e a partir de então, muitas pessoas fixaram
residência nos arredores, constituindo o Arraial Sussuapara, no século XIX.
O desenvolvimento do arraial o levou à categoria de freguesia, pela Resolução da
Assembleia Provincial, sob o nº 612, de 30 de março de 1880. Segundo registros históricos,
Luiz José de Siqueira, natural de São João Del Rei, Minas Gerais, foi quem começou o
desenvolvimento da povoação local, construindo por iniciativa própria um chafariz na Praça
Senador Silva Canedo, ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, padroeira da
Freguesia.
O Distrito de Bela Vista, até então pertencente ao município de Bonfim, atual Silvânia,
foi elevado à categoria de município, através da Lei nº 100, de 5 de junho de 1896, com a
denominação de Bela Vista de Goiás. Nos anos de 1900 a 1950, a cidade era famosa pela sua
produção de fumo, hoje a sua principal economia é o rebanho de gado e a produção leiteira.
Quanto à oferta de serviços educacionais, com o surgimento das primeiras residências
em Bela Vista, organizaram-se também algumas “salas de estudos”. Os proprietários de
algumas destas casas destinavam uma sala para a realização de aulas de alfabetização, leitura,
estudos, aprendizagem de música e teatro.
A primeira escola foi instalada numa sala da casa do senador Antônio Amaro Silva
Canedo, que tempos depois, às suas custas, construiu a primeira casa de instrução de Bela
Vista de Goiás, inaugurada no dia 21 de janeiro de 1.876, doada ao Estado.
Em 1901 o Cel. Antônio Cândido da Costa Morais e sua esposa, dona Ludovina de
Araújo Morais fizeram uma doação à Igreja Católica de um prédio situado na Praça Senador
Canedo, para a instalação de um Colégio de Freiras, o “Colégio Santa Catarina de Sena”, que
recebia alunas de cidades vizinhas e até de Minas Gerais. Este Colégio foi fechado em 1909.
Em 1924, foi criado pelo Estado o primeiro grupo Escolar, inaugurado em 1925, hoje é a
Escola Estadual “Dr. Belém”, cujo nome é homenagem ao primeiro diretor desta instituição, o
Dr. Antônio de Belém Filho.
10
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
Em relação às escolas do campo, somente a partir da década de 1950, houve por parte
do governo local, o interesse em colaborar com a criação dessas escolas em parceria com o
Estado e com os fazendeiros que se dispunham a doar um pedaço de terra para a construção
de pequenos prédios. Segundo Arantes (2007, p.59) a maioria dos fazendeiros que doavam
essas terras é que indicava quem seriam as professoras, que muitas vezes, eram suas filhas ou
alguma pessoa da família.
As escolas eram fisicamente pequenas, sem a estrutura necessária para o
funcionamento das mesmas. Entretanto, sem dúvidas, este não era considerado um problema,
tendo em vista, a alegria que as comunidades rurais tinham em ter mais próxima a
possibilidade dos seus filhos terem acesso pelo menos aos anos iniciais do ensino
fundamental.
A partir de pesquisas documentais, tais como, atas e livro de Registro de Leis da
Secretaria Municipal de Bela Vista de Goiás, foi possível descobrir que desde a década de 50
até meados de 90, foram criadas 52 escolas na área rural do município de Bela Vista de Goiás.
Destas, três foram criadas no ano de 1958, uma no ano de 1960, quatorze no ano de 1978 e as
outras trinta e quatro foram criadas no decorrer dos anos da década de 1980 e 1990.
Dessas cinquenta e duas escolas apenas duas continuam em funcionamento: Escola
Municipal Nicanor Gomes e Escola Municipal Dona Orcinda José de Oliveira, as demais
foram desativadas nos últimos anos em consequência do número pequeno de alunos
matriculados em cada uma.
Na tentativa de diminuir os gastos, o governo tanto municipal, quanto estadual
intensificaram o acesso dos transportes escolares nas áreas distantes para que os alunos
pudessem ter acesso à escola pública na cidade e como consequência, no ano de 2007, das
seis escolas rurais que ainda restavam (Escola Municipal Antônio Batista da Silva, Escola
Municipal Antônio Cândido Teixeira, Escola Municipal João Chrisóstomo de Souza, Escola
Municipal Joaquim Barbosa, Escola Municipal Nicanor Gomes e Escola Municipal Dona
Orcinda José de Oliveira) a última continuou em funcionamento, pois, havia um número
mínimo de alunos advindos das redondezas da comunidade em que ela está inserida; uma foi
desativada e os alunos transferidos para a cidade pelo motivo da localização estar bastante
longe do município; e as outras quatro se juntaram no intuito de constituir uma escola- pólo e
então, todos foram transferidos para Escola Municipal Nicanor Gomes.
11
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
Portanto, tal situação não foi tranquila, já que tal procedimento não agradou aos
moradores das áreas rurais, uma vez que o fato dos alunos se afastarem do local onde vivem
acarreta, segundo eles, uma série de prejuízos aos mesmos. Dentre estes, estão o desgaste e o
cansaço provocado nos alunos devido ao tempo gasto no trajeto até a cidade, o descompasso
da educação oferecida que desconsidera a realidade do aluno do campo e suas especificidades
e principalmente, a desarticulação da comunidade provocada pelo fechamento das escolas,
pois além de funcionar como um estabelecimento de ensino, o local promovia a união entre os
moradores que se reuniam para juntos refletirem sobre vários assuntos, que se enfraqueceu
com o tempo e vem perdendo suas referências identitárias, tragadas pelos processos de
esquecimento próprios de uma sociedade de massas, pelos entrelaçamentos das relações
migratórias, que de certo modo, trazem no rastro comportamentos e valores, que vão
“varrendo” vestígios da história local.
Conclusão
Em suma, pudemos perceber com este estudo que a história registra o descaso, sempre
presente às carências do ensino rural, resultados da falta de investimentos na infraestrutura e
na adequação ao currículo, que sempre desconsiderou as particularidades dos educandos do
campo e durante anos, os preparou para trabalhar nas cidades.
Á esse respeito muitos estudiosos alertam que a educação no campo deve valorizar a
realidade de quem vive e trabalha com a terra e fortalecer o vínculo do professor com a
escola, tornando-os sensíveis às causas locais.
NOTAS
1. Camponês entendido como sinônimo de pessoa do campo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Zeneide Carneiro Magalhães de. Educação e Memória: velhos mestres
de Minais Gerais (1924-1944). Brasília, UNB, 2009 (Tese de doutorado).
ARROYO, Miguel; FERNANDES, Bernardo M. A Educação Básica e o Movimento Social
do Campo. Vol. 2. Brasília. BF: articulação nacional por uma educação básica do campo,
1999.
12
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil- 1998.21.ed. São Paulo:
Saraiva,1999.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9.394/96. Rio de Janeiro: DP&A,
1998a.
_______. Prefeitura Municipal de Bela Vista de Goiás. Acessado em: 26/03/2012 Site:
http://www.belavista.go.gov.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog
&id=36&Itemid=27
LEITE, Sérgio C. Escola rural; urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez,
1999.
LÔBO, José Ferreira de Sousa. Ligeiras Notas históricas da cidade de Bela Vista. Ribeirão
Preto. Typographia Barillari, 1939
NASCIMENTO, Elzimar Pereira. O lugar do conhecimento na Escola Família Agrícola de
Porto Nacional (TO). In: FIRMINO, Eugenio Pacelli de Morais (org.). Tocantins do passado
(RE)construído e o do presente em construção: história, escola, universidade e
conhecimento. Goiânia: Ed. da UCG, 2009. P.131-158
NÓVOA, A. Apresentação. In: STEPHANOU, M; BASTOS, M. H. C. (orgs). Histórias e
memórias da educação no Brasil, vol. 1: séculos XVI-XVIII - 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011
KOLLING, Edgar Jorge (org.). Por uma educação básica no campo. Brasília: Universidade
de Brasília, 1999.