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    A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

     Ângelo Márcio Kloster  Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa Maria, RS

    Pós-graduando lato sensu em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e pelo Curso Jurídico Praetorium.

    RESUMO: A questão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais vem passando porextraordinário enriquecimento nos últimos anos. Percebe-se na doutrina constitucionalcontemporânea uma maior preocupação com a aplicabilidade desses direitos, do que com oseu fundamento e legitimidade. Os direitos fundamentais surgiram como direitos doindivíduo frente ao Estado. Logo, com o fortalecimento do Estado de Direito, passaram aatuar novas forças privadas, além do Poder Estatal, capazes de desestabilizar as relações

     jurídicas entre particulares. Dessa forma, a aplicação horizontal dos direitos fundamentaissurge com intuito de proteger esses direitos primários dos indivíduos também no âmbito de

    suas relações privadas. Assim, o propósito deste trabalho é demonstrar que a aplicação dosdireitos fundamentais na esfera privada é uma realidade necessária, e a solução dacontrovérsia entre a autonomia privada e os direitos fundamentais, deve se basear noprincípio da proporcionalidade.

    PALAVRAS–CHAVE: Direito. Constitucional. Eficácia. Horizontal. Direitos Fundamentais.

    ABSTRACT: The question on the effectiveness of fundamental rights is horizontal throughextraordinary enrichment in recent years. It is perceived in contemporary constitutionaldoctrine greater concern about the applicability of those rights, than with its merits andlegitimacy. Emerged as the fundamental rights of the individual rights against the state. So,with the strengthening of the rule of law, new forces began to operate private, beyond thestate power, able to destabilize the legal relationships between individuals. Thus, thehorizontal application of fundamental rights is in order to protect the primary rights ofindividuals in the context of their relationship private. Thus, the purpose of this study is todemonstrate that the application of fundamental rights in the private sphere is a necessaryreality, and the solution of the controversy between private autonomy and fundamentalrights must be based on the principle of proportionality.

    Key - Words: Right. Constitutional. Effectiveness. Horizontal. Fundamental Rights.

    1 . INTRODUÇÃO

    Este trabalho tem por finalidade analisar os direitos fundamentais e sua eficáciahorizontal no âmbito das relações privadas. Para entender o tema, imperioso discorrer sobre

    a evolução teórica e jurisprudencial sobre o assunto, tanto no direito comparado como nodireito pátrio, com ênfase aos ditames da Constituição da República de 1988.

    Os direitos fundamentais foram construídos originariamente, como direitos doindivíduo frente ao Estado, seja como direitos de defesa contra o Estado, seja como direitosa uma prestação por parte deste. Inicialmente, portanto, os direitos fundamentais eramexercidos verticalmente, de forma hierarquizada e com caráter de subordinação diante dasupremacia do Estado perante o particular.

    Com o fortalecimento do Estado de Direito, passaram a atuar novas forças privadasalém do Poder Estatal, capazes de desestabilizar as relações jurídicas entre particulares, porvezes, sujeitando o mais fraco em detrimento do mais forte.

    Modernamente, o tema da eficácia horizontal dos direitos e garantias fundamentais nas

    relações jurídicas entre particulares, possui ampla repercussão no meio jurídico. Portanto, a

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    aplicação dos direitos fundamentais na esfera privada surge com intuito de proteger essesdireitos primários dos indivíduos, uma vez que os direitos fundamentais são oponíveis não

    só em relação ao Estado, mas também no âmbito das relações privadas.Dessa forma, sob a perspectiva do constitucionalismo contemporâneo, pretende-se

    examinar neste estudo a questão referente à eficácia horizontal dos direitos fundamentaisaplicados às relações entre particulares. A eficácia horizontal como sustentam seusdefensores, não ofusca a autonomia privada, e seria o instrumento apto a manter oequilíbrio e a justiça entre as relações jurídicas privadas, quando em confronto com osdireitos fundamentais.

    2 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    2.1 HISTÓRICO

    A idéia de Direitos Fundamentais ou direitos humanos confunde-se com a própriahistória das civilizações em busca da afirmação da dignidade da pessoa humana. SegundoAntônio A. Cançado Trindade, os direitos humanos foram conquistados em inúmerosmomentos históricos, nas mais diversas culturas, como resultado de lutas contra todas asformas de opressão, exclusão e dominação por parte de arbitrariedades e atos dedespotismo.1 

    Nesse contexto, Daniel Sarmento leciona que os direitos fundamentais surgiram comoresultado de uma evolução histórica ocorrida por meio de batalhas, revoluções e rupturassociais que miravam a exaltação da dignidade do homem e a construção de garantias dessesdireitos, visando resguardá-los dos abusos de poder praticados pelo Estado. 2 

    Conforme Gilmar Ferreira Mendes, o cristianismo é a principal fonte para a idéia de

    dignidade única do homem a merecer uma proteção especial. O ensinamento de que o serhumano é feito à imagem e semelhança de Deus, assim como a idéia de que Deus se fezhomem para redimir os pecados da humanidade, imprime a natureza humana um valorintrínseco, palco para a elaboração do próprio direito positivo. 3 

    Entretanto, uma das primeiras conquistas do homem em prol da garantia de direitosmínimos, se deu na Inglaterra com a edição da Magna Chart, conferida em 1215 pelo ReiJoão Sem Terra. Assim, a Inglaterra é o marco da igualdade política e civil como condiçõesindispensáveis à vida social.

    No século XVII e principalmente no século XVIII é que os direitos fundamentaispassam a ser materializados por meio de documentos normativos emanados da vontadesoberana do povo. Surge assim, o reconhecimento formal desses direitos com conceitos de

    Estado e indivíduo, este último como detentor de direitos e deveres.Esse período passa a ser crucial para a evolução dos direitos humanos, principalmente

    por meio das teorias iluministas de Rosseau, Locke, Montesquieu, entre outros, quepregavam a limitação do poder do Estado frente ao indivíduo e de que o Estado está aserviço dos súditos. Essa percepção de que a Autoridade Política subsiste ao cidadão, ou

    1  TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997,

    p.17.

    2  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 4.

    3  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 232.

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    ainda, de que a defesa dos direitos humanos preexiste ao próprio Estado são fundamentaispara a afirmação dos direitos humanos.

    Essas idéias foram fontes primordiais para independência das colônias norte-americanas, principalmente para a Declaração dos Direitos de Virgínia (Bill of Rights, 1776),assim como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)4 fruto da RevoluçãoFrancesa.  Esses documentos formais representam o marco determinante para odesenvolvimento e afirmação dos direitos fundamentais. Entretanto, mais representavamafirmações políticas e filosóficas do que normas jurídicas exeqüíveis. 5 

    Segundo Dimoulis Dimitri e Leonardo Martins, as Declarações eram semelhantes emdiversos aspectos por exaltarem o dever de abstenção do Estado e, principalmente, porconstarem expressamente os direitos fundamentais de primeira geração: direito deigualdade, de propriedade, de liberdade religiosa, de imprensa, entre outros. Entretanto,havia diferenças, eis que a Declaração Francesa de 1789 exaltava mais a igualdade entre oscidadãos, enquanto a Declaração Americana de 1776 preocupava-se mais com as liberdadesindividuais. 6 

    Com o movimento constitucionalista liberal do século XIX, os Direitos fundamentaisganharam maior efetivação, sendo que vários Estados passaram a adotar documentosformais aptos a proteger os direitos fundamentais inerentes aos seus respectivos cidadãos,os quais foram moldando um conceito universal de direitos humanos fundamentais. Nessalinha, destacam-se a Constituição da Espanha de 1812 e a Portuguesa de 1822.

    Já o século XX é marcado pelo surgimento dos direitos sociais, ou direitosfundamentais de segunda geração, ligados ao valor igualdade, expressos em diversasconstituições da época, inclusive a brasileira de 1934. Esses direitos exigem prestaçõespositivas por parte do Estado, por isso são também chamados de direitos de promoção oudireitos prestacionais destinados aos hipossuficientes e aos mais fragilizados. 7 

    Outro marco decisório para os direitos fundamentais é a Declaração Universal dosDireitos Humanos de 1948, pois consagrou, além dos direitos e garantias individuais,também os direitos sociais. Tal Declaração é historicamente decisiva, eis que os direitoshumanos deixam de ser apenas princípios para consubstanciar um sistema de valoresuniversais. Ademais, a universalidade da Declaração de 1948 expande-se para todos ospaíses signatários, de tal forma que o conceito de direitos fundamentais passa a integrar aprópria estrutura de muitos destes Estados.

    2.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL

    A evolução dos direitos fundamentais no Brasil não é tão diferente do ocorrido naEuropa e nos Estados Unidos. Os direitos fundamentais no Brasil ganham formalização já

    com a Constituição do Império de 1824, a qual elencava uma relação considerável dessesdireitos.

    Conforme descreve Henrique Lima, os direitos fundamentais foram repetidos naConstituição Republicana de 1891, entretanto, tais direitos tiveram sua eficáciacomprometida com a criação do Poder Moderador que aumentou demasiadamente o poder

    4  Nesse ponto, cabe destacar o disposto no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. “A sociedade em que nãoesteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida à separação dos poderes não tem Constituição”. In: Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão de 1789. Artigo 16. Disponível em: http://www.france.org.br/14 julho/decldroits.html. Acesso em 05 fev. 2009.

    5  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 232.6  DIMITRI, Dimoulis; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

    7  NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 371.

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    do Império. Contudo, a Constituição Republicana de 1891 representou um enorme avançopara os direitos fundamentais, eis que fora assegurado expressamente o instituto do habeas

    corpus, além da titularidade dos direitos e garantias fundamentais serem estendidos não sóaos nacionais, mas também aos estrangeiros residentes no país.8 

    Nesse contexto, percebe-se que há uma tradição no Brasil em se estabelecer um rol dedireitos e garantias individuais nas constituições brasileiras, os quais foram se repetindo eevoluindo com as constituições posteriores até a constituição vigente.

    Já os Direitos Sociais, também chamados de direitos de segunda geração, forammaterialmente reconhecidos no Brasil com a Constituição de 1934, que estabelecia o direitoà subsistência, e o dever de assistência aos indigentes.9 Os institutos da Ação Popular e oMandado de Segurança são também incorporados à Constituição Brasileira de 1934.

    Entretanto, é com a Constituição vigente que os direitos e garantias fundamentaisalcançam seu auge no contexto brasileiro. A Constituição da República de 1988 estabelece

    que a dignidade da pessoa humana está entre os fundamentos do Estado brasileiro. Tanto éque foi estabelecido o Título II aos Direitos e Garantias Individuais, os quais foramagrupados em: Individuais (capítulo I), Coletivos (capítulo I e II) Sociais (Capítulo II), deNacionalidade (capítulo III) e Políticos (capítulo IV).

    Segundo o professor Ingo Wolfgang Sarlet, a Constituição Federal de 1988 é a primeiraa dispensar aos Direitos Fundamentais o tratamento que lhe é adequado em virtude de suainegável relevância e indiscutível indispensabilidade.10 

    Por fim, cabe ressaltar que a Constituição de 1988 reúne pela primeira vez em seuâmbito os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração, assim como, osconsagra como cláusulas pétreas, característica inegável da evolução dos direitos egarantias fundamentais no Brasil.

    2.3 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Segundo José Afonso da Silva, a ampliação e transformação dos direitos fundamentaisdo homem no envolver histórico trazem a dificuldade de definição de um conceito sintético epreciso. Essa dificuldade aumenta na medida em que se empregam várias expressões paradesigná-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitosindividuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, efinalmente, direitos fundamentais do homem. 11 

    Conforme leciona Jane Reis Gonçalves Pereira, “o conceito de direitos humanos é umartefato da modernidade”, e que as revoluções liberais apoiadas no substrato filosófico docontratualismo, converteram-se em textos jurídicos. Segue a autora enfatizando que a

    concepção predominante nos séculos XVII e XVIII é de que o homem é titular de direitosque antecedem a instituição do Estado, razão porque lhe deve ser assegurada uma esferainviolável de proteção. 12 

    8  LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais. Texto extraído do Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1812, 17 de junho de2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11392. Acesso em: 15 ago. 2008.

    9  O direito à subsistência estava previsto no caput  do artigo 113, e o dever de assistência aos indigentes encontrava-se no inciso 34 do mesmoartigo, ambos da Constituição Brasileira de 1934.

    10  SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007.

    11  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997.

    12  PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (coordenador). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006, p. 121.

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    Nesse rumo, prossegue José Afonso da Silva que o qualificativo dos direitosfundamentais implica que “tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não

    se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive”.13

      Assim, trata-se de direitosreconhecidos pelo Estado aptos a assegurar a dignidade da pessoa humana.

    Cumpre destacar ainda, que há uma diferenciação clássica entre direitos humanos edireitos fundamentais. Os direitos humanos são os reconhecidos internacionalmente, combase na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Já os direitos fundamentais sãoos direitos humanos reconhecidos e expressos por meio da ordem jurídica interna de cadaEstado, variando conforme a cultura e as especificidades de cada país.

    Assim, conforme os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes, os direitos fundamentaisquando incorporados ao ordenamento jurídico interno de um país, tornam-se não somentedireitos subjetivos aptos a conferir aos seus titulares a condição de impor seus interessescontra o Estado, mas também, formam o elemento fundamental da ordem constitucionalobjetiva. Nessa linha, os direitos fundamentais constituem a base do ordenamento jurídicode um Estado Democrático de Direito.14 

    Na definição de Alexandre Moraes, os direitos fundamentais formam um conjuntoinstitucionalizado de direitos e garantias aptos a garantir o respeito, a dignidade do serhumano e a proteção contra o arbítrio do Estado, com a finalidade de assegurar ascondições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. 15 

    Moraes salienta ainda que, segundo a UNESCO, os direitos fundamentais seriam de umlado a proteção institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra excessos cometidospelo Estado e seus Órgãos, e, de outro, regras que estabelecem condições humanas de vidae desenvolvimento da personalidade humana.  16 

    Por fim, o consenso geral entre os doutrinadores é de que os direitos humanos oufundamentais são o conjunto de normas positivadas visando assegurar os direitos e

    garantias indispensáveis para a dignidade da pessoa humana, e, sobretudo, com a finalidadede limitar o exercício do poder do Estado, contra atos que atentem contra a liberdadeindividual.

    2.4 GERAÇÕES OU DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Outra abordagem histórica é a que define os direitos fundamentais em gerações oudimensões como preferem alguns doutrinadores. Nesse contexto, os direitos fundamentais nãosurgiram simultaneamente, mas em períodos diversos conforme a necessidade de cada época,sendo consagrados progressiva e seqüencialmente nos textos constitucionais, dos quaisoriginaram a sua divisão em gerações.

    Conforme discorre Marcelo Novelino, o surgimento de novas gerações não extingue asanteriores, eis que atualmente todas as gerações coexistem de forma harmônica. Cabe destacartambém, que as gerações ou dimensões dos direitos fundamentais estão diretamente ligadas ao

    13  SILVA, José Afonso Da. Op. Cit. p. 178.14  MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3.d. São Paulo: Saraiva,

    2004.

    15  MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.

    16  Les dimensions internationales des droits de l´homme. UNESCO, 1978, p. 11. In MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais.São Paulo: Atlas, 2006, p. 22.

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    ideal revolucionário do século XVIII (liberdade, igualdade e fraternidade), ideal que inspirou oconteúdo e a seqüência dos direitos fundamentais. 17 

    Os primeiros direitos a serem positivados, por isso direitos de primeira geração, foram osdireitos civis e políticos, originários das Revoluções americana e francesa. Esses direitos estãoligados ao valor liberdade e representam uma obrigação de não fazer, de não interferir na esferapessoal do indivíduo por parte do Estado. Tais direitos foram conquistas das reivindicaçõesburguesas que exigiam respeito às liberdades dos indivíduos por parte do Estado.

    Os direitos fundamentais de primeira geração são os indispensáveis a todos os homens,que segundo Gilmar Ferreira Mendes, são direitos que ostentam uma pretensão universalista eabstrata, eis que alguns direitos como o de sufrágio, dependia do requisito riqueza para seremdesfrutados.18  Tais direitos se referem às liberdades individuais como a liberdade de culto ereunião, a de consciência, à inviolabilidade de domicílio, entre outros. Mas, o titular dessesdireitos era o homem individualmente considerado, sendo que o livre encontro de indivíduos

    autônomos era repudiado por parte do Estado de Direito Liberal.Com a revolução industrial do Século XX surgem os direitos de segunda geração, ligados

    ao valor igualdade, oriundos de lutas do proletariado pela conquista dos direitos sociais,econômicos e culturais. Os direitos sociais são resultado de uma nova visão do relacionamentoEstado/sociedade, a qual levou o Poder Público a adotar medidas positivas visando superar asangústias estruturais acometidas pela população. São exemplos dessas intervenções oestabelecimento dos seguros sociais, a intervenção na vida econômica, e as demais ações estataisem busca de uma justiça social.19 

    Assim, os direitos fundamentais de segunda geração possuem uma conotação material,efetiva, ao passo que é indispensável à atuação positiva do Poder Público em favor dos menosfavorecidos, para a concretização desse ideal de igualdade. Diferentemente do caráter abstrato

    dos direitos de primeira geração marcados pela igualdade formal, os quais não satisfaziamtotalmente às exigências dos indivíduos em sociedade.

    Nessa ordem, os direitos de segunda geração não substituem os de primeira, eis querepresentam uma evolução dos direitos fundamentais. O Estado passa então do status negativoem prol das liberdades individuais, para assumir uma postura positiva perante os membros dacoletividade. São exemplos dessas atuações positivas do Estado, a implantação de políticaspúblicas que buscam efetivar o direito ao lazer, direito à saúde, a assistência social, ao trabalho, àhabitação, entre outros.

    Segundo o professor Gustavo Barchet, logo após a constitucionalização dos direitossociais, os direitos de segunda geração passaram por uma crise de normatividade, uma vez que oEstado depende de amplos recursos financeiros para alcançar a plena efetivação destes direitos.

    Tal crise chegou a afetar a eficácia jurídica dessas normas programáticas, eis que os direitosprestacionais dependem de recursos orçamentários do Estado para a sua aplicação real. 20 

    Acrescenta ainda o professor Barchet que as constituições contemporâneas estabelecerammecanismos que conferem eficácia jurídica aos direitos fundamentais. Assim, é a Constituição daRepública Brasileira de 1988, que estabelece no artigo 5º, parágrafo primeiro, o princípio da

    17  NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 227.18  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 233.19  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Op. Cit. p. 233.

    20  BARCHET, Gustavo. Direito Constitucional. Brasília: Ponto dos Concursos, 2008. Notas de aula.

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    imediata aplicabilidade às normas que permeiam direitos fundamentais, especialmente aosdireitos de segunda geração. 21 

    Contudo, Marcelo Novelino em referência ao voto do Ministro Celso de Mello doSupremo Tribunal Federal, observa que a realização prática dos direitos sociais depende dapresença cumulativa de dois elementos fundamentais: “a razoabilidade da pretensãoindividual/social deduzida em face do Poder Público e a existência de disponibilidade financeirapara tornar efetivas as prestações positivas reclamadas pelo Estado”. Desse modo, prossegue oMinistro, o Estado ao invocar as limitações orçamentárias com intuito de se abster de obrigaçõesconstitucionais, somente poderá fazê-lo, diante da “ocorrência de justo motivo objetivamenteaferível” (reserva do possível). 22 

    Seguindo a linha de evolução dos direitos fundamentais, o pós-guerra inspirou osurgimento dos direitos de terceira geração, ligados ao ideal revolucionário de fraternidade ousolidariedade. Desse modo, tais direitos surgem com intuito de amenizar a desigualdade social e

    econômica entre as nações, por meio de ações conjuntas entre países ricos e pobres, em busca dobem estar coletivo.

    Nesse contexto, percebe-se uma clara distinção entre as gerações desses direitos, enquantoque os direitos de primeira e segunda geração possuem destinatários certos e determinados, osdireitos de terceira geração possuem caráter transindividual, abrangendo uma coletividadeindeterminada ou de difícil determinação. São exemplos: o direito à paz, ao meio ambienteequilibrado, à autodeterminação dos povos, à comunicação sem fronteiras, o direito aopatrimônio comum da humanidade, etc. 23 

    Há ainda autores como Paulo Bonavides, que reconhecem uma quarta geração dos direitosfundamentais, relacionados à expansão do processo democrático mundial, como os direitos àdemocracia, à informação e ao pluralismo. Segundo Bonavides, os direitos de quarta geração

    estão ligados ao futuro da cidadania e representam a institucionalização do Estado Social, sendoindispensáveis para a legitimidade da globalização política. 24 

    Enfim, o surgimento das gerações de direitos fundamentais é resultado da própriaevolução histórica da humanidade. Nesse aspecto, segundo Gilmar Ferreira Mendes, a divisãoentre gerações dos direitos fundamentais revela: “os diferentes momentos em que esses grupos dedireitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica”. 25 

    Ademais, o surgimento de novas gerações de direitos fundamentais no decorrer dahistória, não representa a extinção das gerações já existentes, eis que a geração supervenienteintegra as demais, adaptando-se e harmonizando-se ao contexto constitucional.

    Finalmente, a análise da evolução dos direitos fundamentais revela que esses direitospossuem um caráter aberto e mutável. Aberto porque podem ser complementados ao longo da

    21  Brasil. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2007. 20p. In BARCHET, Gustavo. DireitoConstitucional. Brasília: Ponto dos Concursos, 2008. Notas de aula.

    22  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1431. Associação Nacional dos Funcionários da Polícia Federal versus Presidente da República eCongresso Nacional. Relator: Ministro Sidney Sanches. Brasília, 12 setembro de 2003. In NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2ºEd. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 375.

    23  Os direitos transindividuais possuem natureza indivisível, e são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Já osdireitos coletivos, assim entendidos, são os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoasligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Conceito extraído de: BRASIL. Lei n. 8.078/90 de 11 de setembro de1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília. Presidência da República, Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 02 Fev. 2009.

    24  BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 526.

    25  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 234.

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    história a partir da constatação de que novos direitos sejam essencialmente fundamentais, e,mutáveis, porque os direitos fundamentais não são estanques e nem podem ser elencados num

    contexto fixo, uma vez que são compreendidos em conformidade com os diferentes períodoshistóricos da humanidade.

    2.5 DIMENSÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    As normas de direitos fundamentais surgiram sob uma perspectiva subjetiva. Segundoleciona Canotilho, o fundamento subjetivo das normas de direito fundamental dizem respeitoao “significado ou relevância da norma consagradora de um direito fundamental para oindivíduo”.26  Assim, o aspecto subjetivo dos direitos fundamentais confere ao indivíduo agarantia de defesa contra o Estado, impondo limites a esse poder, buscando-se assegurar asliberdades individuais.

    Nessa linha, segundo Daniel Sarmento, os direitos fundamentais no constitucionalismoliberal eram analisados exclusivamente sob uma perspectiva subjetiva, uma vez que sepreocupava apenas em identificar quais pretensões jurídicas positivadas o indivíduo poderiaexigir do Estado. Ademais, segue o autor, essa característica subjetiva dos direitosfundamentais continua essencial para o constitucionalismo contemporâneo, todavia, adoutrina moderna passa a revelar outra face desses direitos, por meio da chamada

     “dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que irá atribuir-lhes novos efeitos evirtualidades”. 27 

    Conforme Canotilho, o fundamento objetivo dos direitos fundamentais traduz “o seusignificado para a coletividade, para o interesse público e para a vida comunitária”. 28 Nessalinha, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais além de reconhecer a imposição decertas prestações positivas ao poder estatal, consagra também, valores essenciais para a

    comunidade política, uma vez que seriam “as bases da ordem jurídica da coletividade”.29

     Nesse contexto, Gilmar F. Mendes leciona que “a dimensão objetiva resulta do

    significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional”. Sobesse prisma, o autor enfatiza que os direitos fundamentais resultam num sistema de valorespositivados pelas constituições democráticas, e que estes direitos influenciam todo oordenamento jurídico, servindo de base para a ação dos poderes constituídos. 30 

    Assim, a importância das dimensões jurídicas dos direitos fundamentais reside nasconseqüências oriundas destas concepções. Enquanto que no plano subjetivo o direitofundamental é visto sob aspecto individualista, no plano objetivo, os direitos fundamentaisestão ligados a uma perspectiva comunitária que geram efeitos para todo o ordenamento

     jurídico, expandindo necessariamente seu significado e seu campo de atuação.

    Dessa forma, Daniel Sarmento elenca que não basta simplesmente o Estado se absterde violar tais direitos, faz-se necessário que o Poder Público aja ativamente na proteçãodesses direitos contra agressões e ameaças provindas de outros atores que não o próprioEstado, como terceiros, particulares, entre outros. Exige-se do poder estatal a garantia decondições materiais mínimas para que os indivíduos possam exercer plenamente suas

    26  CANOTILHO, J.J, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1216.

    27 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 105.

    28  CANOTILHO, J.J, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1216.

    29  HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: SérgioAntônio Fabris Editor, 1998, p. 239. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Op. Cit. p. 106.

    30  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 266.

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    liberdades constitucionais, “sem as quais tais direitos, para os despossuídos, não passariamde promessas vãs”. 31 

    Enfim, é nesse contexto que reside a importância da dimensão objetiva dos direitosfundamentais para o presente estudo, pois, sob este aspecto objetivo dos direitosfundamentais, os efeitos dessas normas transcendem o plano das relações jurídicas entre oEstado e o indivíduo, abarcando outras relações jurídicas, até mesmo entre entes privados.Sob esta ótica, os direitos fundamentais limitariam a autonomia privada com intuito deproteger o cidadão das forças opressoras exercidas pelos poderes sociais não estatais,presentes na sociedade contemporânea. 32 

    Nesse aspecto, o dever de proteção do Estado contra agressões aos direitosfundamentais, representa um caráter de prestação positiva, eis que a dimensão objetivadesses direitos exige a adoção de medidas concretas, “quer materiais, quer jurídicas deresguardo dos bens protegidos”. Isso reforça a idéia de que a dimensão objetiva interfere nadimensão subjetiva desses direitos, conferindo-lhes efetividade reforçada. 33 

    Assim, a dimensão objetiva não representa desprezo à dimensão subjetiva, mas umcomplemento, ou um reforço a ela, agregando-lhe valores no sentido de conferir aos direitosfundamentais uma proteção reforçada, além da estrutura convencional dos direitossubjetivos. Entretanto, a dimensão objetiva justifica até mesmo, limitações aos própriosdireitos fundamentais em prol da coletividade, uma vez que “as necessidades coletivas sãorelevantes para a conformação do âmbito de validade dos direitos fundamentais, e podem

     justificar restrições, respeitados o núcleo essencial e o princípio da proporcionalidade”. 34 

    Por fim, conforme conclui Gilmar Ferreira Mendes, a dimensão objetiva atribui eficáciairradiante aos direitos fundamentais, servindo de diretriz para a interpretação e aplicaçãodas normas dos demais ramos do Direito. A dimensão objetiva prossegue o autor, leva adiscussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a eficácia desses

    direitos entre particulares no âmbito da esfera privada, objeto do presente estudo. 35

     

    3. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    3.1 EFICÁCIA VERTICAL E EFICÁCIA HORIZONTAL

    Conforme discorre Marcelo Novelino, os direitos fundamentais foram concebidos comolimitações ao exercício do poder estatal, restringindo-se às relações jurídicas entre oindivíduo e o Estado, corolário da doutrina liberal clássica. Nota-se que esta relação jurídicaé “hierarquizada e de subordinação”, por isso denominada de “eficácia vertical dos direitosfundamentais”. Assim, o Estado era o destinatário exclusivo das obrigações decorrentes dosdireitos fundamentais. 36 

    Contudo, Daniel Sarmento destaca que a evolução histórica do Estado e da sociedadefez com que a ameaça aos direitos fundamentais partisse não somente do poder estatal,mas também de múltiplos atores privados, presentes nas mais diversas áreas, tais como o

    31 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 107.

    32  SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 107.

    33  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 267.34  SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 108.35  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 268.

    36  NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 231.

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    mercado, a empresa, a sociedade civil, a família, etc. Dessa forma, a proteção dos direitosfundamentais é indispensável numa sociedade cada vez mais desigual. 37 

    Essa opressão aos direitos fundamentais por outros atores que não o Estado, fez comque a incidência desses direitos fosse estendida também ao âmbito das relações entreparticulares. Os efeitos da proteção dos direitos fundamentais passaram a alcançar àsrelações jurídicas em que particulares se encontram numa situação hipotética de igualdade

     jurídica, por essa razão, tal fenômeno jurídico foi denominado pela doutrina de “eficáciahorizontal ou privada dos direitos fundamentais”.

    Nessa linha, segundo Gilmar F. Mendes, ganha força a percepção de que os direitosfundamentais possuem caráter objetivo, pois além do Estado proteger e resguardar taisdireitos deve também atuar coercitivamente no sentido de fazer valer esses direitos, atémesmo nas relações jurídicas entre particulares. Nessa ordem, o aspecto objetivo dosdireitos fundamentais traz a noção de que esses direitos exprimem os valores básicos daordem jurídica e social a serem observados em todos os setores da vida civil. Cabe aoEstado preservar e promover os direitos fundamentais como princípios estruturantes dasociedade. 38 

    A discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais ganhou notoriedadena medida em que a vinculação dos particulares a esses direitos passou a nortear decisões

     judiciais de países constitucionalmente desenvolvidos, com destaque a ConstituiçãoPortuguesa que expressamente proclama a vinculação das entidades privadas aos direitosfundamentais. 39 

    Entretanto, Daniel Sarmento ressalta que a doutrina contemporânea ainda divergesobre como e em que medida se dá o alcance da incidência dos direitos fundamentais nasrelações privadas, eis que o particular quando atua como sujeito passivo desses direitos nãopode estar no mesmo plano que o Estado. Ademais, o ponto principal da questão consiste na

    busca de uma fórmula adequada para a compatibilização entre, de um lado, a efetivaproteção dos direitos fundamentais, e de outro, a tutela da autonomia privada. 40 

    Segundo Gilmar Ferreira Mendes, deve-se observar também que no âmbito de umarelação privada de “relativa igualdade de condições”, a questão ganha maior complexidade.Deverá haver nesse caso, um juízo de ponderação entre “os valores envolvidos”, com oobjetivo de “alcançar uma harmonização entre eles no caso concreto”, isto é, uma

     “concordância prática”. Há que se buscar uma compatibilização entre o direito fundamental ea autonomia privada em jogo, com intenção de não subjugar nem um, nem outro. 41 

    Finalmente, o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, desde a suaorigem, desperta inúmeras controvérsias. Dentre as teorias que buscam explicitar o tema,as principais são: a doutrina do state action ou teoria da ineficácia horizontal; a teoria daeficácia horizontal indireta ou mediata; e, a teoria da eficácia direta ou imediata. A seguir,

    pretende-se esboçar as teorias desenvolvidas sobre o assunto e os principais aspectos queenvolvem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

    37 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 185.

    38  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 274.39  O artigo 18.1 da Constituição Portuguesa assim expressa: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são

    diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 208.

    40  SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 186.

    41  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Op. Cit. p. 277.

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    3.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A EFICÁCIA HORIZONTAL

    A origem histórica da aplicabilidade dos direitos fundamentais frente aos particularesremonta o julgamento do caso Lüth  pela Corte Constitucional Alemã, na década de 50. Adecisão proferida neste julgamento deixou como herança a possibilidade dos particularesassumirem o pólo passivo dos direitos fundamentais, além do Estado.

    Dessa forma, é pertinente um breve resumo desse conflito de interesses deduzido em juízo, onde, em 1950 o Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich Lüth, levantouum boicote contra o filme Unsterbliche Geliebte, do diretor Veit Harlan, desenvolvido empleno nazismo. Harlan  obteve decisão favorável do Tribunal Estadual de Hamburgo, combase no § 826 do Código Civil Alemão (BGB), o qual determinou que Lüth  parasse deconclamar o boicote contra o tal filme. Lüth  então interpôs recurso constitucional(Verfassungsbeschwerde)  perante a Corte Constitucional Alemã, sendo procedente talrecurso. 42 

    A Corte proclamou em sua decisão que “as decisões de tribunais civis, com base emleis gerais de natureza privada, podem lesar o direito de livre manifestação de opiniãoconsagrado no artigo 5,1, da Lei Fundamental”. Ademais, segundo a decisão, os tribunaisordinários estariam vinculados aos direitos fundamentais em face dos bens juridicamentetutelados pelas leis gerais, por meio de um juízo de ponderação. Assim, conforme entendeua Corte Alemã, o Tribunal Estadual de Hamburgo teria desconsiderado o direito fundamentalde livre manifestação de opinião, mesmo que em confronto com interesses privados. 43 

    A importância deste julgado proferido pela Corte Constitucional Alemã reside noconteúdo emblemático dessa decisão, no sentido de reconhecer que os direitosfundamentais possuem dupla dimensão, subjetiva e objetiva, com destaque aos efeitosdesta última. A decisão da Corte Alemã reconheceu ainda que os direitos fundamentaispossuem eficácia irradiante, além de adotar a tese dos deveres de proteção. 44 

    Em breves linhas é relevante destacar que a dimensão objetiva, conforme já visto,atribui aos direitos fundamentais uma ordem de valores a serem respeitados pelo Estado epor todos aqueles que o integram. Já a tese da eficácia irradiante dos direitos fundamentaisdiz respeito à eficácia absoluta desses direitos, prestigiando a Constituição em detrimentodas demais normas jurídicas, alcançando até mesmo as relações interprivadas. Quanto aosdeveres de proteção, a Corte Alemã adotou a postura de que o Estado além de agir de formanegativa, deve agir também positivamente em defesa dos direitos fundamentais contraqualquer agente agressor, inclusive contra o particular nas suas relações privadas.

    Dessa forma, é consenso doutrinário que a Alemanha foi o berço da discussão sobre aeficácia horizontal dos direitos fundamentais, servindo o caso Lüth de paradigma para outros

     julgados no mesmo sentido pela Corte Constitucional daquele país.

    Essa linha de pensamento contagiou a maioria das Cortes Constitucionais Européias,que passaram a reconhecer a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, querseja de forma direta, quer indireta. Pode-se concluir que atualmente no DireitoConstitucional Moderno, é majoritária a idéia de que os direitos fundamentais vinculam os

    42  Tais fatos históricos foram abordados pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes em seu voto. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.

    43  MENDES, Gilmar Ferreira. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça daUnião, Brasília, 27 out. 2006.

    44 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 112.

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    particulares, contudo, a celeuma ainda persiste, quanto à forma e a extensão dessavinculação.

    3.3 DOUTRINA DO STATE ACTION  OU TEORIA DA INEFICÁCIA HORIZONTAL

    A Teoria da Ineficácia horizontal despontou na Alemanha, logo após o surgimento dateoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, como forma de rebater essa novapercepção. A teoria da ineficácia horizontal defende a visão do liberalismo clássico, a qualafirma que os direitos fundamentais são direitos de defesa exclusivamente contra o Estado.Contudo, essa teoria logo perdeu importância naquele país, devido à posição do TribunalConstitucional Alemão que passou a reconhecer que os direitos fundamentais tambémvinculam os particulares em suas relações privadas.45 

    Segundo Daniel Sarmento, é no direito norte-americano que a doutrina do State Action ganhou força. A tese da não vinculação dos particulares aos direitos fundamentais,principalmente em sede constitucional, é amplamente aceita naquele país, com exceçãoapenas da 13º Emenda, a qual proibiu a escravidão. Dessa forma, o autor enfatiza que éinerente do Direito Constitucional Americano, amplamente aceito, tanto pela doutrina comopela jurisprudência daquele país, que os direitos fundamentais constantes do Bill of Rights, consistem em limitações apenas para o Estado, não atribuindo direitos aos particularesfrente a outros particulares. 46 

    Nessa linha, cabe ressaltar o artigo do professor americano Erwin Chemerinsky, citadopor Daniel Sarmento, o qual explana que os pilares da doutrina do State Action residem emdois fundamentos: a) essa teoria “protegeria a liberdade individual, definindo um espaço deconduta privada que não tem que se adequar à Constituição”; e, b) “garantiria a autonomiados Estados, preservando sua plena competência para regular o comportamento privado”. 47 

    Entretanto, o professor Chemerinsky contesta esses pilares da doutrina do stateaction, pois afirma que não se pode olhar apenas para “um dos lados da equação” aocontemplar a autonomia e a liberdade privada. Assim, os direitos do opressor privadoestariam prevalecidos em relação aos direitos das vítimas. Ademais, a autonomia dosEstados Membros deve alcançar limites na Constituição Americana. Por fim, propõe oprofessor americano em seu polêmico artigo publicado na década de 80, denominadoRethinhking State Action, que essa doutrina deveria ser substituída por um modelo deponderação adotado pelos tribunais, segundo cada caso de ameaça a direito fundamental aser analisado. 48 

    Finalmente, Sarmento observa que a doutrina do State Action está estritamente ligadaao caráter individualista da constituição e da cultura jurídica americana. Dessa forma, ateoria da ineficácia horizontal dos direitos fundamentais, apesar de ainda ser dominante no

    Direito Americano, não proporciona uma proteção adequada aos direitos fundamentais, poisé inegável que as ameaças a esses direitos não advêm somente do Estado, mas também de “grupos, pessoas e organizações privadas”. 49 

    3.4 TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA OU MEDIATA

    45 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 188.

    46  SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 189.

    47  GARVEY, John H. & ALEINIKOFF, T. Alexander. Modern Constitucional Theory: A Reader . St. Paul: West Group, 1999, pp. 793-800.Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 195.

    48  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 196.

    49  SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 196.

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    A concepção da eficácia horizontal indireta ou mediata (Mittelbare Drittwirkung) surgiuna Alemanha, tendo como expoente o jurista Günter Dürig por meio de sua obra publicada

    em 1956.50  Essa teoria é dominante no Direito Alemão, sendo amplamente adotada pelaCorte Constitucional daquele país.

    Segundo aponta essa teoria, a vinculação dos particulares aos direitos fundamentaisdeve ocorrer de forma mediata, ou seja, por meio de cláusulas gerais acolhedoras dedireitos fundamentais estabelecidas pelo legislador. Essa teoria tem por pressupostocondicionar os direitos fundamentais na seara privada por meio de uma mediação legislativaque vincula o particular de forma indireta.

    Num conceito mais preciso, Gilmar Ferreira Mendes aduz que os direitos fundamentais “não se destinam a solver diretamente conflitos de direito privado, devendo a sua aplicaçãorealizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico”.  51 Dessemodo, a aplicação das normas jusfundamentais aos particulares, estaria condicionada a umaatividade legislativa.

    Os defensores dessa teoria argumentam que a incidência dos direitos fundamentais naseara privada deve ocorrer por meio das cláusulas gerais implícitas no ordenamento civil(ordem pública, bons costumes, boa-fé etc.), ou, mediante a aplicação das demais regras,próprias do direito privado. Gilmar Ferreira Mendes ressalta ainda que essa teoria reconheceque o Estado obriga-se a: “proteger os direitos fundamentais em todas as relações mantidasno âmbito do ordenamento jurídico, o que inclui o dever de protegê-los, também, contraentidades privadas”.52  Porém, a intensidade da aplicação desses direitos, segundo essateoria, deve ocorrer de forma atenuada.

    Seguindo nessa ordem, a teoria da eficácia mediata enfatiza que a aplicação direta dosdireitos fundamentais nas relações privadas extinguiria a autonomia da vontade, arranhandoas estruturas do Direito Privado, o qual ficaria a mercê do Direito Constitucional. Ademais,

    Daniel Sarmento destaca que os adeptos desta tese entendem que “a Constituição nãoinveste os particulares em direitos subjetivos privados, mas que ela contém normasobjetivas, cujo efeito de irradiação leva à impregnação das leis civis por valoresconstitucionais”. 53 

    Sob essa ótica, cabe ressaltar o voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes proferido noRecurso Extraordinário 201.819/RJ, com destaque a posição de Konrad Hesse, o qualexplana que os direitos fundamentais alcançam os indivíduos de forma indireta, por meio deconceitos indeterminados e das cláusulas gerais do Direito Privado. Assim, prossegue oMinistro, fazendo menção à posição da Corte Constitucional Alemã que, os direitosfundamentais não devem solucionar diretamente os conflitos de direito privado, “devendo asua aplicação realizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema

     jurídico”.54  Observa-se que é essa a posição dominante na jurisprudência e na Corte

    Constitucional da Alemanha.Nessa linha, Sarmento explana que, segundo a teoria mediata, cabe ao judiciário a

    tarefa de preencher as cláusulas indeterminadas operadas pelo legislador, bem como,

    50  DÜRIG, Günter. “Grundrechte und Zivilrechtsprechung”, en MAUZ, Theodor (Hrsg.) Von, en Festschrift für Hans Nawiaski. München: Beck,1956, p. 157/190, apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 197.

    51  MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3.d. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 125.

    52  MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 280.53  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 199.54  MENDES, Gilmar Ferreira. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da

    União, Brasília, 27 out. 2006.

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    rejeitá-las por inconstitucionalidade tais normas privadas incompatíveis com os direitosfundamentais. Essa é a função exclusiva de algumas Cortes Constitucionais como da

    Alemanha, Espanha e Itália, onde se opera o controle de constitucionalidade concentrado. 55 Finalmente, a teoria da eficácia horizontal indireta ou mediata não oferece um sistema

    de tutela integral aos direitos privados na seara privada, ficando a solução do problema aoalvitre do legislador ordinário. Ademais, tal teoria acaba sendo redundante, pois defende aideia já sedimentada de que a interpretação dos direitos fundamentais deve ser feita emconsonância com a Constituição.

    3.5 TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA OU IMEDIATA

    A teoria da eficácia horizontal direta foi defendida inicialmente, na década de 50, porHans Carl Nipperdey .56  Segundo o autor alemão, apesar de alguns direitos fundamentaisprevistos na Constituição Alemã vincularem somente o Estado, outros, pela sua natureza,podem ser invocados diretamente pelos particulares, independente de mediação legislativa,uma vez que os direitos fundamentais possuem eficácia erga omnes. Tal teoria apesar de tersurgido na Alemanha, não tem grande aceitação naquele país, mas é aplicada em paísescomo Espanha, Portugal, Argentina, e também no Brasil.

    Nota-se, portanto, que essa teoria é a mais expansiva no trato da aplicação dosdireitos fundamentais nas relações entre particulares. Essa tese parte do pressuposto que osdireitos fundamentais possuem ampla eficácia, podendo ser suscitados diretamente pelosparticulares, independente de qualquer mediação legislativa, como forma de se atribuirampla proteção a esses direitos.

    Segundo observa Henrique Lima, tanto os defensores dessa teoria, quanto osdefensores da doutrina do State Action, (inversamente oposta) possuem um ponto em

    comum. O consenso entre eles reside na preocupação de não se achatar a autonomiaprivada, uma vez que a proteção demasiada dos direitos fundamentais poderia acarretar umresultado oposto do pretendido. Nessa seara, caberia ao juiz a missão solucionar a questão,analisando o caso concreto por meio de um juízo de ponderação entre a autonomia privadae os direitos fundamentais em conflito. 57 

    Nesse ponto, Virgílio Afonso da Silva ressalta que as relações privadas possuemcaracterísticas específicas, havendo necessidade de se ponderar os direitos fundamentaiscom a autonomia da vontade em jogo, a fim de alcançar um denominador comum com baseno princípio da proporcionalidade. Assim, a intensidade de aplicação dos direitosfundamentais não deve ser a mesma estabelecida na relação entre o Estado e o indivíduo,uma vez que o Poder Público é o responsável por gerir o bem comum, sendo os particularesdestinatários dessa gerência. 58 

    Segundo defende Daniel Sarmento, deve-se analisar a desigualdade material entre osparticulares envolvidos, pois, quanto maior a desigualdade fática em uma relação privada,mais intensa será a proteção ao direito fundamental em questão, e, menor a tutela da

    55  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 200.56  A primeira manifestação de Nipperdey sobre essa teoria foi produzida em 1950, num artigo sobre a igualdade do homem e da mulher em

    relação ao salário. Mas é em seu livro sobre a parte geral do Direito Civil Alemão que o autor traz uma maior abordagem sobre a questão. In:JULIO ESTRADA, Alexei. La Eficácia de los Derechos Fundamentales entre Particulares. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia,2000, apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 204.

    57  LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais. Artigo extraído do Jus Navigandi, Teresina, ano 12, número 1812, 17 de junhode 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11392. Acesso em: 15 Ago. 2008.

    58  SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Ed.Malheiros, 2005, p. 87.

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    autonomia privada. Ao contrário, em uma relação de igualdade entre os particulares, aautonomia privada receberá uma proteção mais intensa do que os direitos fundamentais.

    Dessa forma, seria imprescindível analisar a desigualdade das partes envolvidas para umamaior ou menor proteção dos direitos fundamentais em tela. 59 

    Conforme discorre Wilson Steinmetz, a solução para o problema não é muito diferentedo que defende Sarmento. Para Steinmetz, deve haver uma compatibilização entre osdireitos fundamentais e a autonomia privada, aplicando-se o princípio da proporcionalidade.Entende o autor que havendo conflito entre direitos fundamentais e a autonomia privada,deve-se analisar se a restrição ao direito fundamental é “adequada, necessária eproporcional em sentido estrito”, para uma maior ou menor proteção a esses direitos nasrelações entre particulares. 60 

    Nesse contexto, cabe destacar a posição defendida por Canotilho, que, segundo oautor lusitano, a ordem jurídica privada não está dissociada da Constituição. O DireitoPrivado deve acolher os princípios básicos dos direitos e garantias fundamentais, assimcomo tais direitos devem respeitar o espaço de auto-regulação civil. Contudo, ressaltaCanotilho, deve haver um ponto de equilíbrio entre os direitos fundamentais e a autonomiaprivada, no sentido de não banalizar a ordem constitucional de um lado, e de não subjugar aordem privada do outro. O autor que outrora defendia a aplicação dos direitos fundamentaisna seara privada de forma direta e imediata propôs uma suspensão reflexiva sobre o tema,diante do quadro “das rupturas pós-modernas", denominado por ele. 61 

    Os críticos da teoria da eficácia direta sustentam que nesse modelo haveria umadiminuição dos conceitos sedimentados do Direito Privado. Haveria também uma relativaameaça à autonomia privada, além desse modelo ser incompatível com o princípio daseparação dos poderes e da segurança jurídica.62 Contudo, tais argumentos não procedem,uma vez que as normas privadas devem estar em consonância com a constituição vigente,formando um todo harmônico e sensível às ameaças aos direitos fundamentais, em todas as

    órbitas, inclusive no âmbito privado.Por fim, a teoria da eficácia direta ou imediata parece ser o modelo mais adequado

    para uma efetiva proteção dos direitos fundamentais, todavia, essa teoria não é irrestrita eaplicável em todas as situações. Cabe superar os obstáculos da aplicação prática dessateoria mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, a fim de se evitar oachatamento da autonomia privada, e, sobretudo, afastar a insegurança jurídica por meio deuma aplicação justa e direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

    3.6 TEORIAS ALTERNATIVAS

    Outra importante teoria também originária do Direito Alemão, entretanto mais

    moderna, é a Teoria dos Deveres de Proteção, defendida principalmente, por Claus-WilhelmCanaris.63  Essa teoria concebe que o Estado tem o dever de proteção em relação aosdireitos fundamentais, ou seja, o Estado não deve apenas se abster de lesionar tais direitos,

    59  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 209.60  STEINMETZ, Wilson Antônio. Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 216.61  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do Direito Constitucional ou Constitucionalização do Direito Civil? A Eficácia dos Direitos

    Fundamentais na Ordem Jurídico-Civil no Contexto do Direito Pós-Moderno. In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA Filho, Willis Santiago(Orgs). Direito Constitucional: Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 108-115. Apud SARMENTO,Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 209-210.

    62  SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Ed.Malheiros, 2005, p. 87.

    63  CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Trad. De Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: LivrariaAlmedina, 2003. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júr is, 2008, p. 217.

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    mas, deve também, agir positivamente visando resguardar esses direitos contra todas asformas de violações, provindas até mesmo de entes particulares.

    Observa-se que tal concepção é semelhante à tese da eficácia direta, possuindotambém, ingredientes da teoria da eficácia indireta. Contudo, aproxima-se mais da primeiraporque defende a idéia de um Estado protetor das ameaças a direitos fundamentais naesfera privada. Possui elementos da teoria da eficácia mediata, na medida em que exige aintervenção do legislador ordinário para uma efetiva proteção dos direitos fundamentais. Ateoria dos deveres de proteção também defende a possibilidade de intervenção do judiciáriopor meio do controle de constitucionalidade das normas.

    Entretanto, Sarmento destaca que essa teoria peca por não acrescentar novoselementos à discussão sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relaçõesprivadas. Ademais, não se pode conceber que somente o Estado estaria vinculado aosdireitos fundamentais, uma vez que é incompatível com a ideia dos deveres de proteção, e,nas palavras do autor: “inadequado à realidade da vida moderna”. 64 

    Outra concepção sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais reúneas três teorias sobre o tema, a teoria da eficácia direta, a teoria da eficácia indireta e a teriados deveres de proteção, formando uma teoria mista. Tal proposta para a solução doproblema foi desenvolvida por Robert Alexy, que segundo Daniel Sarmento, essa concepçãoseria um prolongamento da teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais,com alguns aspectos a mais. Desse modo, sustenta Alexy, que apesar das diferentesposições acerca do tema, todas as três concepções convergem para o fato de que a eficáciado direito fundamental na seara privada depende de uma ponderação de interesses. 65 

    Segundo Alexy é essencial que se busque uma teoria que realmente expliquesatisfatoriamente a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Oautor propõe então uma conjugação das teorias, ou mais precisamente “um modelo de três

    níveis de efeitos”. Assim, a teoria do efeito mediato estaria no primeiro nível por considerarque os juízes, como órgãos estatais, estariam obrigados a aplicar os direitos fundamentaiscomo valores objetivos na interpretação das normas de Direito Privado. 66 

    Os deveres de proteção estariam num segundo nível, na medida em que o Judiciárioao dirimir um conflito privado, não levaria em conta a aplicação direta dos direitosfundamentais, e sim o direito do cidadão frente ao Estado protetor desses direitos. Quantoao terceiro nível, restaria a teoria da eficácia imediata, que segundo Alexy, a eficácia diretanão se resume na substituição do Estado pelo particular no pólo passivo de um eventualconflito sobre direitos fundamentais, mas, sobretudo, que a Constituição e os direitosfundamentais projetam efeitos diretos sobre os particulares. 67 

    Finalmente, cabe ressaltar que Robert Alexy rebate o argumento de que a aplicaçãodireta dos direitos fundamentais nas relações privadas ameaçaria a autonomia privada e,

    por conseguinte, todo o Direito Civil. Com relação à autonomia privada, a solução daquestão encontra-se na ponderação, uma vez que a eficácia direta não torna absolutaaplicação dos direitos fundamentais na esfera privada. Ademais, caso o Judiciário na soluçãodos conflitos interprivados aplicasse somente a Constituição desprezando toda a legislaçãoordinária, agiria de forma incoerente com a proteção da segurança jurídica. Enfim, conclui oautor que o Direito Privado não é ameaçado pela teoria da eficácia direta dos direitos

    64  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 220.65  ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,

    1993, p. 514-515. Apud SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 222.66  ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Apud SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 222.67  ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,

    1993, p. 519. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 223.

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    fundamentais, pois “suas normas continuam necessárias e vinculantes na resolução de casosconcretos”.68 

    3.7 A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES NO DIREITO BRASILEIRO

    No Brasil, pesa o fato da Constituição da República de 1988 ser voltada para aproteção dos direitos fundamentais. Assim, a discussão sobre o tema no Direito Brasileiro,embora recente, tende para o reconhecimento majoritário da aplicação direta e imediata dosdireitos fundamentais nas relações entre particulares.

    Nesse contexto, devido à natureza protetora da Constituição de 1988, não se podeconceber que os direitos fundamentais vinculem somente o Estado, sendo a ConstituiçãoBrasileira não somente a Lei Fundamental deste, mas a Lei Maior de toda a sociedade.Portanto, a não aplicação dos direitos fundamentais na esfera privada, seria totalmenteincompatível com a enorme desigualdade social existente no Brasil. 69 

    Conforme enfatiza Virgílio Afonso da Silva, a Constituição estabelece que as normasdefinidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Sendo assim, aaplicação imediata dessas normas consagra o princípio da máxima efetividade, significandoque a interpretação dos direitos fundamentais deve conferir-lhes uma maior efetividadepossível no cumprimento de sua função social. Ademais, apesar de o autor defender a idéiade um modelo mais flexível para a solução do problema, argumenta que a adoção doprincípio da máxima efetividade corrobora para um modelo de aplicabilidade direta dosdireitos fundamentais às relações privadas. 70 

    Segundo aponta Daniel Sarmento, na ordem jurídica brasileira ocorre a incidênciadireta e imediata dos direitos fundamentais no âmbito privado, eis que não apenas o Estado,mas também as pessoas e entidades privadas estão diretamente vinculadas à Constituição.

    Ressalta o autor que a aplicação direta dos direitos fundamentais não substitui a missão dos juízes e tribunais de interpretar e aplicar as normas jurídicas de Direito Privado, devendo-sebuscar uma ponderação entre os direitos fundamentais e a autonomia privada em jogo. 71 

    Nessa linha, a jurisprudência brasileira tem se inclinado para a aplicação direta eimediata dos direitos fundamentais na seara privada.72 O Supremo Tribunal Federal possuiprecedentes no sentido de se aplicar a eficácia horizontal dos direitos fundamentaisdiretamente entre particulares. Destaca-se o Recurso Extraordinário 201819/RJ, em que a2º Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu não acolher as razões da UniãoBrasileira de Compositores (UBC), mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Rio deJaneiro. A sociedade civil em questão excluiu do seu quadro um dos sócios sem aobservância da ampla defesa e do devido processo legal, numa clara ofensa aos direitosfundamentais no âmbito privado. 73 

    Finalmente, a importância do Recurso Extraordinário 201819/RJ reside no fato de quepela primeira vez o Supremo Tribunal Federal adentrou na fundamentação jurídico-teórica

    68  ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Apud SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 223.69  NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 234.70  SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Ed.

    Malheiros, 2005, p. 57.71  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 256.72  APELAÇÃO CIVIL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA. SANÇÃO ADMINISTRATIVA APLICADA

    POR ENTIDADE PRIVADA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDOPROCESSO LEGAL EM SUA PROJEÇÃO AOS PARTICULARES. In: BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civiln. 700024253312/2008. Relatora: Des.ª Judith dos Santos Mottecy. Diário de Justiça Estadual. Porto Alegre, 11 set. 2008.

    73  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.

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    da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Cabe ressaltar que os Ministros JoaquimBarbosa e Celso de Mello, seguindo o voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes foram

    incisivos no sentido de se aplicar os direitos fundamentais às relações privadas.  74 Por fim, é imprescindível destacar a Ementa deste julgado, eis que a decisão vai de

    encontro com a posição da doutrina majoritária no Brasil, assim como demonstra ainclinação da Corte Suprema sobre o assunto. 75 

    SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DECOMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA EDO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NASRELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.  As violações a direitosfundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão eo Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pelaConstituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estandodirecionados também à proteção dos particulares em face dos poderesprivados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES.  A ordem jurídico-constitucionalbrasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir àrevelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têmpor fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. Oespaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações nãoestá imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram orespeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada,que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida emdetrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomiada vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência eatuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidaspela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem,aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdadesfundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUEINTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DECARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDOPROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀAMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercemfunção predominante em determinado âmbito econômico e/ou social,mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ousocial, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem finslucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição

    privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitosautorais de seus associados.  A exclusão de sócio do quadro social da UBC,sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido,  o qual ficaimpossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suasobras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráterpúblico da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculoassociativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no casoconcreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido

    74  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 253.

    75  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.

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     processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (grifos nossos) 76 

    4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Pretendeu-se neste trabalho, de forma concisa e objetiva, fazer uma abordagem geralsobre a eficácia dos direitos fundamentais frente às relações jurídicas privadas, buscando-seressaltar a importância do tema para a doutrina constitucional contemporânea, tanto nodireito comparado, como no direito pátrio.

    O estudo procurou demonstrar que a proteção dos direitos fundamentais é essencialpara a garantia de uma sociedade livre, harmônica e justa. Ao se percorrer a evoluçãohistórica dos direitos fundamentais, observou-se que tais direitos foram resultados de lutas,batalhas e revoluções para que atingissem seu status de garantia mínima essencial ao serhumano. O grande marco dessa evolução foi alcançado com o ideal de liberdade, igualdade e

    fraternidade, conquistado pelas revoluções americana e francesa.Dessa forma, os direitos fundamentais foram concebidos originariamente como direitos

    de defesa do indivíduo frente ao Estado. Contudo, diante da evolução do Estado e dasociedade, essa ideia inicial dos direitos fundamentais tornou-se muito restrita, fazendosurgir a concepção de que esses direitos possuem força irradiante, repercutindo, atémesmo, no âmbito das relações entre particulares, como forma de se garantir a máximaeficácia desses direitos.

    Nessa ordem, a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais surgiuna década de 50 na Alemanha. O Direito Alemão foi então o precursor de todas asconcepções sobre o tema, tanto na doutrina, como na jurisprudência. Logo, pela importânciado tema, o assunto se disseminou e alcançou importante destaque no Direito Constitucional

    Moderno.Por meio de uma análise das teorias sobre a eficácia horizontal dos direitos

    fundamentais, pôde-se perceber que a teoria da ineficácia horizontal, ou mais precisamente,a teoria que nega a aplicação desses direitos no âmbito privado, defendida no DireitoAmericano, não se coaduna com o ideário dos direitos fundamentais, visto que não bastaapenas o Estado se abster de violar esses direitos, mas, deve também, defendê-losativamente das ameaças e agressões advindas dos mais diversos atores existentes nomundo moderno, incluindo os particulares.

    No Brasil, devido à forte conotação social da Constituição da República de 1988,calcada pelo ideário de justiça e solidariedade, e, tendo a dignidade da pessoa humanacomo fundamentos do Estado democrático brasileiro, torna-se necessária e manifesta aincidência direta e imediata dos direitos fundamentais no âmbito privado, objetivando

    garantir a máxima efetividade desses direitos.Conforme foi ressaltado, as violações aos direitos fundamentais não ocorrem somente

    no âmbito das relações Estado-cidadão, mas também nos embates jurídicos entre pessoasfísicas e jurídicas de direito privado, as quais estão vinculadas aos direitos fundamentaisassegurados pela Constituição de 1988.

    Nesse contexto, procurou-se demonstrar nessas linhas gerais sobre o tema, que osdireitos fundamentais incidem diretamente na esfera privada. Tal preceito vincula osparticulares à sua observância, sendo fundamental para manter o equilíbrio das relações

     jurídicas privadas. Entretanto, a igualdade ou desigualdade de poder em uma determinada

    76  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.

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    relação jurídica é circunstância decisiva para sopesar a maior ou menor incidência dosdireitos fundamentais entre particulares.

    Finalmente, a questão sobre a incidência dos direitos fundamentais na seara privadaainda provoca muitos debates no meio jurídico. É consenso tanto na doutrina quanto na

     jurisprudência pátria de que esses direitos vinculam os particulares, havendo precedentes na jurisprudência de que a incidência de tais direitos deve ser de forma direta e imediata.Contudo, não se pretendeu esgotar neste trabalho as discussões acerca do tema, visto queainda emerge muitas controvérsias quanto à forma e a extensão da aplicação desses direitosno âmbito privado.

    Enfim, em sede de conclusão final sobre o assunto, percebeu-se que a incidência dosdireitos fundamentais no âmbito privado deve ocorrer de forma direta e imediata. Dessemodo, a aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais na órbita privada deve sepautar num juízo de ponderação e de proporcionalidade, visando não ofuscar a autonomiaprivada de um lado, e, garantir a máxima eficácia dos direitos fundamentais de outro.

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