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A educação como variável estratégica Héctor Luis Saint Pierre Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional - Universidade Estadual Paulista – GEDES/UNESP, Brasil e-mail: [email protected] Suzeley Kalil Mathias Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional - Universidade Estadual Paulista – GEDES/UNESP, Brasil e-mail: [email protected] Prepared for delivery at the 2004 Meeting of the Latin American Studies Association (DEM 035, The Military in Politics: Old and New Roles), Las Vegas, Nevada, October 7- 9, 2004. Campinas, julho de 2004 A EDUCAÇÃO COMO VARIÁVEL ESTRATÉGICA Héctor Luis Saint-Pierre * Suzeley Kalil Mathias ** Resumo O objetivo do texto é definir e descrever como a educação e sua expressão formal, o ensino, é uma variável estratégica tanto para o desenvolvimento do país quanto para a formação das consciências daqueles que são chamados a decidir no processo de políticas governamentais. Nesta discussão, a educação universitária, em particular a oferecida nas instituições públicas. A hipótese da pesquisa que originou este artigo é que apenas por meio de políticas públicas tomadas como estratégicas e em particular a de educação militar, chegar-se-á no futuro a um patamar de desenvolvimento e integração regional ideal para a construção de políticas de defesa cooperativa de longo prazo. * Filósofo, professor da graduação em Relações Internacionais (UNESP-Franca) e do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas; chefe do Departamento de Educação e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca; Coordenador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional do Centro de Estudos Latino-Americanos (GEDES-CELA-UNESP) e consultor do Colégio Interamericano de Defesa da Organização dos Estados Americanos (JID-OEA). ** Cientista Política, professora da graduação em Relações Internacionais (UNESP- Franca) e do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas; Coordenadora do Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca; pesquisadora do GEDES (CELA-UNESP) e do Grupo de Pesquisa de Política Internacional (IFCH-UNICAMP).

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A educação como variável estratégica

Héctor Luis Saint Pierre Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional - Universidade Estadual Paulista

– GEDES/UNESP, Brasil e-mail: [email protected]

Suzeley Kalil Mathias Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional - Universidade Estadual Paulista

– GEDES/UNESP, Brasil e-mail: [email protected]

Prepared for delivery at the 2004 Meeting of the Latin American Studies Association (DEM 035, The Military in Politics: Old and New Roles), Las Vegas, Nevada, October 7-9, 2004.

Campinas, julho de 2004 A EDUCAÇÃO COMO VARIÁVEL ESTRATÉGICA

Héctor Luis Saint-Pierre* Suzeley Kalil Mathias**

Resumo

O objetivo do texto é definir e descrever como a educação e sua expressão formal, o ensino, é uma variável estratégica tanto para o desenvolvimento do país quanto para a formação das consciências daqueles que são chamados a decidir no processo de políticas governamentais. Nesta discussão, a educação universitária, em particular a oferecida nas instituições públicas. A hipótese da pesquisa que originou este artigo é que apenas por meio de políticas públicas tomadas como estratégicas e em particular a de educação militar, chegar-se-á no futuro a um patamar de desenvolvimento e integração regional ideal para a construção de políticas de defesa cooperativa de longo prazo. * Filósofo, professor da graduação em Relações Internacionais (UNESP-Franca) e do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas; chefe do Departamento de Educação e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca; Coordenador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional do Centro de Estudos Latino-Americanos (GEDES-CELA-UNESP) e consultor do Colégio Interamericano de Defesa da Organização dos Estados Americanos (JID-OEA). ** Cientista Política, professora da graduação em Relações Internacionais (UNESP-Franca) e do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas; Coordenadora do Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca; pesquisadora do GEDES (CELA-UNESP) e do Grupo de Pesquisa de Política Internacional (IFCH-UNICAMP).

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Palavras-chave: Estratégia, educação, políticas públicas, conflito, Brasil.

Abstract

The objective of this paper is to define and to describe as the education is an strategical variable in such a way for the development of the country how much for the formation of the consciences of the their decision makers. The hypothesis of the research that originated this article is that only by means of public politics taking as strategical and in particular of military education, it will arrive in the future at a platform of development and ideal regional integration for the construction of politics of cooperative defense of long stated period.

Key-words: Education, Strategic, puplic policies, War, Brazil

A EDUCAÇÃO COMO VARIÁVEL ESTRATÉGICA Héctor Luis Saint-Pierre* Suzeley Kalil Mathias**

Advertência: A proposta deste texto era analisar a educação como variável estratégica na formulação de uma política para a cooperação em defesa tomando em particular os casos brasileiro e argentino. Todavia, dado o desconhecimento do tema da educação como uma variável estratégica e os limites impostos para um texto desta natureza, aqui apresentamos apenas uma primeira parte, tratando exclusivamente do quadro educacional no qual se insere a educação dos militares que formam o principal sujeito da política pública de Defesa. Desde já, pois, nos comprometemos a dar continuidade a esta discussão, apresentando uma análise da educação para a cooperação em defesa em futuro próximo.

Considerações Iniciais: A primeira vez que escrevemos um texto juntos, em 1992, o enfoque foi

justamente tomar um objeto social e analisá-lo como uma variável estratégia. Trata-se do

* Filósofo, professor da graduação em Relações Internacionais (UNESP-Franca) e do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas; chefe do Departamento de Educação e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca; Coordenador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional do Centro de Estudos Latino-Americanos (GEDES-CELA-UNESP) e consultor do Colégio Interamericano de Defesa da Organização dos Estados Americanos (JID-OEA). ** Cientista Política, professora da graduação em Relações Internacionais (UNESP-Franca) e do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas; Coordenadora do Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca; pesquisadora do GEDES (CELA-UNESP) e do Grupo de Pesquisa de Política Internacional (IFCH-UNICAMP).

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texto Uma visão estratégica da saúde pública.1 Desde aquele momento, começamos a discutir a educação como variável estratégica, mas não tivemos oportunidade para resgatar o projeto. Por várias razões, continuamos a tatear o tema. Saint-Pierre, refletiu sobre ele em 1998; Mathias abordou-o em 1999. Se em nenhum momento foi abandonado o assunto e em várias ocasiões trocamos idéias a respeito, também não houve de nossa parte uma análise sistemática do mesmo até este momento.

Talvez esse nosso afastamento da reflexão sobre educação tenha sido providencial, pois hoje, quando o retomamos sistematicamente, está em pauta na política nacional e regional a necessária reforma da educação de nível superior, a revisão nos programas de ensino para a integração regional, há esforços de organismos internacionais do porte da OEA para tornar a educação prioritária nos governos da América, etc.

Também desde aquele primeiro texto até hoje, as condições sobre as quais se constrói a educação e sua centralidade estratégica mudaram muito. Em 1992, não havia uma Lei nacional a formatar a educação; os parâmetros do ensino formal, portanto, eram diferentes. As experiências e modelos educacionais eram incipientes e não tinham como ser avaliados, e os processos de avaliação global inexistiam. Talvez o invariável tenha se concentrado na gestão governamental da educação, que continuou a ser dominada por pedagogos, não incluindo novas reflexões vindas de abordagens multidisciplinares e em especial, não caminhando para a integração regional. Da mesma forma, o aprofundamento do que se convencionou chamar de globalização continuou seu caminho ascendente, cujas políticas no campo econômico têm se refletido negativamente no desenvolvimento social dos países latino-americanos.

A questão que objetiva este texto é pensar que tipo de educação, que política educacional deverá ser formulada e implementada pelo Brasil e pelo conjunto dos países do Mercosul para responder aos desafios impostos pela chamada globalização. Ou, desdobrando-a: nesse mundo, que realiza um processo de globalização injusto, desigual e assimétrico, como procurar a autonomia estratégica que nos permita pensar a resolução de nossos problemas soberanamente? Que papel deverá desempenhar a educação como disponibilidade nacional, ou regional ou de alguma unidade político-decisória em sua função de variável estratégica tendente a efetivar a procurada autonomia? Que projeto educativo deveremos desenhar para tornar a educação um dispositivo eficiente para uma concepção estratégica que tenha como objetivo político a liberdade de ação num mundo cada vez mais interdependente? Por último, dentro deste dispositivo educativo, qual é o papel da Universidade pública?

Para responder ainda que nem sempre de forma plena a esse conjunto de perguntas, dividiu-se o texto em três partes. Na primeira, passa-se em revista alguns conceitos e termos necessários à compreensão da educação como uma variável estratégica. Em seguida, faz-se algumas considerações sobre a educação formal e sobre a população atendida pelo ensino no Brasil e tece-se algumas comparações entre dados educacionais do país e da região frente ao cenário internacional. Na terceira parte, centrando sobre o papel da Universidade pública, apresentam-se sugestões para sua melhor inserção no mundo atual. 1 Publicado em Revista de Ciência & Tecnologia, 1 (2): 7-12. Piracicaba, ed. UNIMEP, 1992.

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I.- Colocação da questão A questão estratégica tem uma inflexão que não diz respeito ao mero

aproveitamento de uma oportunidade, ou à melhor utilização dos recursos com vistas a um fim. Para um estrategista a expressão “estratégia de marketing” produz um efeito similar ao que produz a frase “filosofia empresarial” para o filósofo. O pensamento estratégico tem uma particularidade que o distingue de todos os outros. A concepção estratégica se articula ante a eminência ou possibilidade do conflito. O conflito é o que fornece ao pensamento estratégico sua particularidade distintiva, sua especificidade. Pensar estrategicamente é pensar em relação a um conflito que se nos configura como futuro possível. Não significa preparação para a guerra, mas para enfrentar esse conflito e resolvê-lo, que pode ser pela forma de solução não beligerante, porém, sem esquecer o conselho de Erasmo, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”.

Talvez seja precisamente isso, a visualização do conflito como elemento organizador, o que tem em comum o projeto educativo do Estado Moderno. Desde o Estado Novo no Brasil, passando pelos Estados populistas do continente americano e pelos Estados nazi-fascistas que antecederam a Segunda Guerra Mundial, até o projeto de Educação para a Liberação, de Paulo Freire, há a perspetiva do conflito e a preparação do educando para defender um projeto, seja nacional ou de classe.

Neste sentido, distintamente de outras áreas das políticas públicas, a Educação é uma variavél privilegiada, pois, mais que uma política da área social de qualquer governo, é um assunto que transcende os limites da administração pública, sendo uma das primeiras áreas a sofrer com as mudanças seja no governo seja nos regimes políticos. Esta condição de área sensível – porque entendida como veículo de difusão de idéias e, portanto, de formação de consciências e de treinamento para responder a determinadas demandas do mundo do trabalho e da cidadania – faz dela uma variável extremamente importante para analisar as possibilidades de autonomia ou não de um país ou região.

Obviamente, pensar em conflito, na possibilidade de recorrer à força física, significa considerar uma unidade política, pois esta é o sujeito do conflito, seja ela o Estado ou qualquer outra forma de unidade política que possa assumir a decisão de “última instância”, isto é, como diria Carl Schmitt, distinguir entre amigo e inimigo. Vivemos num mundo político que antecede temporalmente a criação empírica do Estado Moderno. Antes do Estado havia política, pelo que nos é lícito imaginar que, depois de realizada a tão conclamada eliminação do Estado, continuaremos num mundo político no qual, outras formas de unidade política ocupem o lugar do Estado nas decisões de última instancia.

O professor Otávio Ianni defendia a tese de que o Estado-nação está em crise.2 Mas perguntamo-nos, que tipo de crise? Conceitual ou empírica? Pois se se trata de uma crise conceitual, poderíamos concordar em que os Estados nacionais da atualidade apresentam algumas características novas em relação ao Estado Moderno.

2 Entre os vários trabalhos do saudoso Octavio IANNI, consulte-se em particular a trilogia A sociedade global (1999); Teorias da Globalização (1996) e A era do globalismo (1999), todos editados pela Civilização Brasileira.

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Com efeito, a globalização da economia e a reconversão produtiva forçaram transformações, algumas de enorme importância, que provocaram mudanças na ordem conceitual. A principal talvez seja a subordinação da ordem política à lógica da economia, o que exige não apenas a reconsideração do conceito de Estado-nação, mas uma revisão do próprio conceito de política que nos levaria até os gregos. Porém, do ponto de vista empírico, o que constatamos é a existência de Estados gozando de boa saúde. Ai está, para constatar nossa afirmação, os EUA que defende sua soberania hegemonicamente. Ai estão a Índia e o Paquistão, manifestando pela posse da arma nuclear suas soberanias contra a opinião do conserto das nações. A crise que acreditamos vislumbrar no horizonte histórico empírico não é dos Estados-nações em geral, mas daqueles débeis, que entregam sua capacidade político-decisória em troca de um capital financeiro espoliador e umas migalhas de modernidade para as classes acomodadas. Parafraseando Carl Schmit, não é porque uma unidade política abre mão de sua soberania decisória que o mundo político acaba, apenas desaparece um Estado fraco.3

Há Estados que procuram sua soberania e sua autonomia estratégica num mundo político e conflitivo e há Estados que abrem mão delas por motivos outros: isto é uma opção política e não técnica. Em síntese, havendo Estados que procuram sua soberania e sua autonomia estratégica num mundo finito e entre outros Estados (a idéia de um Estado universal, de uma Cosmópolis, de um Leviatã universal é, a nosso ver contraditória), a possibilidade de conflito está colocada e o pensamento estratégico é vigente.

A partir da definição política de uma unidade decisória, se impõe o desenho de uma concepção estratégica visando os atritos que aquela definição possa acarretar. Com efeito, essa decisão significa o posicionamento daquela unidade no “pluriverso” político onde não é descartável que, para defender seus interesses ou alcançar seus objetivos políticos, ameace os interesses de outra unidade política. Uma vez definido o objetivo da unidade política, pensa-se nos meios e tempos estratégicos necessários para a realização daquele. É importante enfatizar que o elemento militar é apenas uma variável na concepção estratégica e não necessariamente a mais importante. Pensar estrategicamente a realização de um projeto político significa tomar as disponibilidades da unidade como um todo. Entre estas disponibilidades podemos lembrar, entre outras, a situação geo-estratégica, o relacionamento com as unidades políticas vizinhas, a rede viária, o sistema de comunicações, a autonomia energética, a disposição das Forças Armadas, o desenvolvimento do sistema produtivo, a saúde pública, o estado da ciência e da tecnologia , o projeto educacional, etc. A estas disponibilidades estratégicas chamaremos de variáveis estratégicas.

Deste ponto de vista, analisar a educação como variável estratégica significa pensá-la como disponibilidade para atingir os objetivos definidos pela política. Conceber a educação como variável estratégica regional, significa imaginá-la como disponibilidade de unidades políticas que buscam a integração. Nosso exemplo particular é o MERCOSUL, ainda inexistente como ator político. Analisar a educação como variável estratégica regional frente aos desafios da globalização, significa avaliar os atritos que podem advir da procura por autonomia estratégica da vontade política daquela unidade frente à vontade uniformizadora do processo de globalização.

3 Carl SCHMITT. O conceito do político. Petrópolis, Vozes, 1992.

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A concepção estratégica comporta dois momentos: a análise estratégica e a formulação estratégica. Poderíamos caracterizar o primeiro momento, arriscando limitar drasticamente seu alcance e conteúdo, parafraseando a máxima de Sun-Tzú,4 que exigia do general se conhecer a si mesmo, a seu inimigo, o terreno e as circunstancias do combate. A formulação, dito de maneira muito simples, é o desenho da ação e a articulação das disponibilidades estratégicas no tempo e no espaço tendentes a lograr a vitoria como meio para realizar o objetivo previamente fixado pela política. Para continuar com nosso exercício de pensar a educação como variável estratégica, tentaremos caracterizar o primeiro momento da concepção estratégica, isto é, a análise.

A primeira tarefa consiste em localizar o eventual conflito e tentar defini-lo, como diria Raymond Aron, da única maneira possível: pela caracterização política das partes confrontadas. Localizá-lo significa caraterizar o cenário em que as ações serão desenvolvidas e que, como o próprio propósito indica, é o mundo em processo de globalização. Um mundo com caraterísticas novas e rapidamente cambiantes que levaram René Dreifuss a chamá-lo “época da perplexidade”. No seu livro, que tem por título essa sugestiva caracterização, Dreifuss apresenta uma distinção analítica que nos parece bastante proveitosa, ainda que não concordemos com suas conclusões. Nesse fenômeno tão falado, que geral e vulgarmente é chamado de globalização, este autor consegue distinguir três níveis de acontecimentos que ocorrem paralela e independentemente. Ele os chama de Globalização, Planetarização e Mundialização.5

A Globalização é o fenômeno que acontece na área da produção. Os sujeitos que atuam neste nível são gigantescas corporações estratégicas transnacionais, organizadas para a produção a partir de matrizes de pesquisa e desenvolvimento de produtos, distribuídos estrategicamente como núcleos centrais tecnológicos. A diminuição do tempo entre a ciência e a produção traz como conseqüência a rápida obsolescência dos produtos de consumo. O conhecimento se impõe na forma de produtos de consumo que atravessam livremente as fronteiras. Os produtos não possuem características nacionais para poder ser vendidos com a mesma campanha publicitaria em todo o mundo, porém, os núcleos produtivos têm bandeira.

A Mundialização diz respeito ao mundo da cultura e da sociedade, pautado pela universalização dos usos e costumes. Sua principal característica é a padronização do gosto e da qualidade para todo o mundo. Um produto de uma determinada marca pode ser encontrado em qualquer mercado do mundo, com a mesma qualidade e gosto. A particularidade e a especificidade de cada produto favorece sua mundialização.6 Hoje é

4 Tsun Tzu, “El arte de la guerra (siglo V a.c.)”, in El ejercito y la Guerra, Emecé editores, Baires, 1982., pag. 56 . 5 René DREIFUSS. A Época das Perplexidades, Mundialização, Globalização, Planetarização: Novos Desafios. Petrópolis, Vozes, 1996. 6 Um exemplo substancial do processo de mundialização, não citado pela a-temporalidade por Dreifuss, é o chamado “índice Big Mac”. Criado pelos economistas do mercado financeiro, diz respeito ao fato de em todo o mundo, a rede MacDonnald’s manter o mesmo produto – o lanche Big Mac, composto por dois hamburgueres, alface, queijo Chedar, molho de maionese e ketchup, cebola, picles e pão com gergelim – em sua

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possível conhecer através da tela das TVs culturas antes ignoradas, mas a divulgação de sua cultura não garante o reconhecimento de sua particularidade, mais aparece como um produto exótico, como curiosidade antropológica ou produto de turismo. Os traços culturais e as manifestações sociais são pasteurizadas pela forma das mensagens e por conteúdos incompletos e desconexos, sem contar que são poucas agencias de notícias que controlam a informação mundial com flashes parciais sem qualquer interpretação do conjunto dos fatos mundiais. A explicação que ordena todos os fatos nunca é dada: os acontecimentos são apresentados como mosaicos soltos de um quebra-cabeça eternamente inacabado.

A Planetarização diz respeito a três ordens de centralização. A primeira é a centralização administrativa de todos os países. Essa ordem de centralização diz respeito à definição de critérios e garantias globais para a banca e o comercio internacionais. Esta centralização está encarnada em organismos internacionais como o FMI, O Banco Mundial e o BID, que definem as regras e as garantias para a mobilidade do capital financeiro internacional, que regulam e garantem o comercio internacional, definem taxas alfandegárias e o controle de qualidade dos produtos internacionalmente comercializados. Todos estes organismos muitas vezes aplicam mecanismos de pressão sobre os âmbitos de decisão dos países, impondo suas políticas, regras, métodos e critérios e, portanto, cerceando sua autonomia decisória.

A segunda ordem de centralização pauta-se pela idéia de uma gestão militar que possa agir em nível mundial para garantir a ordem internacional. O Conselho Permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) encarna este papel no mundo. Entre suas atribuições esta a formação de Grupos de Observadores, para observar o cumprimento de pactos, situações de trégua, ou processos de desarme ou beligerância, a disponibilidade do Exército da ONU (os capacetes azuis) com capacidade para intervir em conflitos bélicos para deter as ações, realizar ações punitivas quando as disposições da ONU não forem acatadas, evitar atritos entre partes em conflito para garantir as negociações, etc.7

Por último, está a terceira ordem, aquela que implica na imposição de uma única estrutura política que organize o pluriverso político. Essa terceira ordem de centralização refere-se à manutenção e garantia do sistema democrático, entendido basicamente como regime de governo legitimado pelo processo de escolha do governante (eleições para os cargos máximos em , sem qualquer preocupação com questões substantivas – e, sobre tudo, garantir o livre mercado.

Acreditamos que, tomando este esquema analítico de Dreifuss, poderíamos dizer que a procura de autonomia estratégica se desenvolverá, principalmente (mas não unicamente), no teatro da planetarização. Com efeito, acreditamos que é nesse cenário onde o espaço de ação é negociado, mas também é onde se concentram os fatores de cerceamento da liberdade estratégica, da restrição do espaço de ação estratégico das rede, que teria o peço em dólares equivalente. Cf. Isleide Arruda FONTENELLE. O nome da Marca: McDonalds’s, fetichismo e cultura descartável. S.P., Boitempo/Fapesp, 2002 7 Depois do 11 de setembro de 2001 e da adoção por parte dos EUA de uma ação mais agressiva (estratégia preventiva), grande parte do papel do Conselho de Segurança foi questionado. Ainda assim, em termos teóricos, adota-se aqui uma postura mais conservadora.

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vontades políticas autônomas. Como a procura de autonomia estratégica consiste na ampliação do espaço da ação, o cenário da planetarização deve ser considerado como a frente principal (obviamente não a única) da projeção estratégica. Como o espaço de ação é finito e disputado por todas as vontades políticas que procuram sua autonomia estratégica, a ampliação do próprio espaço de ação significa reduzir o espaço de ação de outra unidade político-decisória.

Resta saber como, por quais meios, e quem manterá a ordem jurídico-política neste âmbito da planetarização, isto é, que tipo de “monopólio da violência” se exercerá para manter a ordem internacional que se pretende estabelecer. Perguntamo-nos, pois que tipo de forças armadas será o mais adequado para este objetivo, quem administrará o comando dessas forças armadas, quem e com que critérios controlará esse comando. Estas perguntas não são ociosas: ultimamente as decisões do Conselho da ONU não têm sido muito felizes nem tem contado com a aprovação unívoca do concerto das nações. E mais, cada vez que as nações tiveram que tomar uma posição com relação a conflitos em regiões nevrálgicas, elas não conseguiram o acordo, nem sequer entre os países da União Européia, como o caso da invasão norte-americana ao Iraque ilustra.

O Conselho de Segurança tem oscilado muito nas suas decisões, talvez por falta de critérios claramente definidos, talvez por estar acostumado a decidir a reboque das decisões das grandes potências. Seja como for, é claro que o exercício de coação da ONU não funciona universalmente: há povos que recusam obedecer os mandatos da ONU, como Israel (para quem a ONU exercita uma paciência de décadas); outros, entretanto, são imediatamente forçados a obedecer ao calor das bombas “inteligentes”, como o Iraque. Seja como for, o eventual conflito se coloca no âmbito da planetarização, entre o processo de homogeneização das relações de forças das grandes potências, por um lado, e a procura de autonomia estratégica das nações emergentes ou de blocos que estas venham a formar (como o MERCOSUL, por exemplo), por outro.

A procura de espaço e liberdade de ação não e realiza apenas nem preferencialmente pelo caminho militar. Muito pelo contrário, este caminho deve ser evitado, tendo em conta que o mundo já conta com hegemonia de potência. Mas neste mundo, pautado pelo monopólio do conhecimento mais do que pela força, pelo domínio de tecnologias mais que pela presença de fabricas; no qual a mutua dependência entre o capital e o trabalho que tinha caracterizado o modo de produção anterior é substituída por uma crescente autonomia do capital em relação ao trabalho, criando um desemprego que chega a níveis inéditos no mundo todo.

II.- Dados informativos da educação no Brasil A atual política de ensino brasileira alicerça-se na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB). Promulgada em 1996 sob o número 9.394, esta lei demorou quase dez anos para ser criada, pois dela se falava na Constituição brasileira de 1988, esta última originada do processo de transição do regime autoritário para o governo democrático.8

8 Sobre transição de regime, veja Guillermo O’DONNELL et. al. Transições do regime autoritário: primeiras conclusões. São Paulo, Vértice, 1996.

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Como já apontado, a educação, aqui avaliada pelo ensino, não é uma coisa estática e harmoniosa, ao contrário, ela reflete as transformações da própria sociedade de que é produto. Assim, como uma rápida passagem pelas leis de ensino no Brasil aponta, várias foram as mudanças na concepção de ensino. Esta evoluiu de um assunto privativo das famílias para um problema que deveria ser abraçado pelo Estado porque essencial ao processo de desenvolvimento do país e, mais recentemente a educação passa a ser encarada muito mais como um direito social que deve ser respeitado e incentivado por todos os setores da sociedade, é o que se depreende da LDB 9.394/96. Porém, no caso brasileiro, todas as mudanças, transformadas ou não em lei, sempre apontaram para um objetivo bastante preciso para a educação de jovens e adultos: sua preparação para a inserção no mercado de trabalho.

Preparar para o mercado de trabalho significa, pois, subordinar a estratégia de formação dos cidadãos brasileiros aos interesses do mundo do trabalho que, nos dias atuais, implicam em subordinar os interesses nacionais aos ditames da planetarização (nos termos antes definidos) que está em curso. Todavia, conforme pode-se verificar pelos indicadores educacionais divulgados pelos organismos internacionais (com a UNESCO em primeiro lugar), nem mesmo uma inserção subordinada é buscada pela política educacional dos governos brasileiros.

Tomada pela letra da LDB, a educação no Brasil daria um salto de qualidade em muito pouco tempo, pois ela exigia mudanças significativas para o ensino nacional, entre as quais as mais importantes são: 1) que todos os professores do ensino fundamental, mesmo nos seus quatro primeiros anos, cursassem o ensino superior; 2) ampliação de vagas no ensino noturno para os níveis médio e superior como forma de atingir as camadas mais pobres da população; 3) defendia o princípio da descentralização, dando aos municípios poder para organizar seus sistemas de ensino, particularmente no ensino fundamental;9 4) instituía, também a cargo dos municípios, o ensino pré-escolar para crianças de 4 a 6 anos de idade, comprometendo o Estado com o financiamento deste.

Todavia, entre o legal e a prática, há uma grande distância. No que se refere à formação superior de professores, o cumprimento da Lei levou ao crescimento de instituições privadas de ensino de grau superior para professores e a práticas que disfarçam a preparação do professor com a simples obtenção do grau de ensino exigido pela Lei.10 Da mesma forma que as legislações anteriores, acusadas de privilegiar a formação para o mercado de trabalho, a LDB atual continua a privilegiar o vínculo entre ensino e preparação para o mercado de trabalho.

Com relação aos índices de escolarização, bem como quanto à política de erraticação do analfabetismo, pouco se caminhou. Para comprovar isto, basta consultar os dados oficiais. Em pesquisa feita pela Fundação SEADE nos anos 80, constatava-se que o 9 O ensino fundamental, antes chamado ensino de Primeiro Grau, é obrigatório no Brasil deste 1961, tendo passado de 4 para 8 anos de escolarização por meio da Lei 5.692/71, isto é, sob os governos dos generais. Os oito anos de ensino fundamental obrigatório continuaram como antes na nova LDB 10 Jane Soares de ALMEIDA. “La educación brasileña en los tiempos actuales: los cambios y las continuidades”. IN Carlos L. Oliva CAMPOS (org.). Anuario de Integración Latinoamericana y Caribeña. UNESP, Araraquara, 2003, pp. 159-65.

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grande divisor de águas do ensino localizava-se no término do ensino médio.11 Embora mais de 20 anos tenham se passado e até mudanças no regime político brasileiro tenham se realizado, ainda hoje os dados mostram que pouco se fez pela superação deste problema, pois estudos recentes apontam que apenas 16,4% dos jovens entre 18 e 25 anos completaram 11 anos de estudo, isto é, concluíram o ensino médio e,12 portanto, estão preparados para o exercício da cidadania ao mesmo tempo que cumprem a lei de ensino que determina sua preparação para o mercado de trabalho.

Outro problema bastante sério revelado pela pesquisa de 1989, estava na reprovação. A reprovação não apenas representava gastos redobrados com um mesmo aluno, mas também na maioria dos casos redundava em abandono e, portanto, na inabilitação para o mercado de trabalho e para o exercício da cidadania pois, segundo dados da CEPAL, os trabalhadores brasileiros completam apenas 6,1 anos de estudo, muito inferior por exemplo aos trabalhadores chilenos que possuem 10,4 anos de escolaridade. Assim, nem mesmo a obrigatoriedade de garantir o ensino fundamental para todos os brasileiros instituída pela Constituição de 1946, é comprida hoje.

Para resolver o problema da evasão provocada pela reprovação, o Estado de São Paulo criou o Regime de Progressão Continuada (RPC), por meio da Resolução CEE 9/97. Baseado no princípio que todo sujeito tem condições de aprender desde que lhe sejam dadas as condições para isso, o RPC defende que a aprendizagem é um processo contínuo e, portanto, a avaliação não pode ser punitiva e pontual, mas sim gradual e continuada. O objetivo é garantir 8 anos de escolaridade a toda a população e dentro da idade adequada, isto é, que aos 14 ou 15 anos de idade, todos tenham cumprido o ensino fundamental.

O RPC de fato tem resultado em sensível melhora dos índices de escolarização e de redução da evasão. Todavia, no referente à melhora do ensino público fundamental, o RPC tem recebido severas críticas, sendo a principal, verbalizada pelas associações de professores, está em que o RPC se transformou em aprovação automática, o que levou à desmotivação de alunos e professores.13

11 Fundação SEADE (ed.) Educação em São Paulo: uma análise regional, São Paulo, SEADE (coleção Realidade Paulista), 1989. 12 Helena SAMPAIO et. al. “Eqüidade e heterogeneidade no ensino superior brasileiro”. NUPES-USP, 2000 (mimeo). Citado por Eunice R. DURHAM. “Desigualdades educacionais e cotas para negros nas Universidades”. In Novos Estudos CEBRAP, nº 16, julho/2003. 13 Sintomático da distância entre o desejo dos legisladores e a prática cotidiana dos professores aconteceu em meados de 2002, quando uma mãe cujo filho estudava em uma escola pública do interior paulista, deu-se conta que o filho não tinha condições de aprendizagem para estar na 5ª série, para a qual havia sido promovido. Interpelando a escola, a mesma disse que pela legislação em vigor, tinha que adotar tal procedimento. A mãe teve que entrar na justiça para reprovar seu filho. Por ocasião do processo, a criança foi avaliada como portadora de retardamento mental e, portanto, necessitando de tratamento médico, o que foi postergado devido ao programa adotado pelo escola em que a criança estudava. Folha de S. Paulo, 16/04/2002, p. 9 (Caderno Cotidiano).

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Soma-se a isso que o RPC é obrigatório apenas para as escolas públicas, aumentando o fosso entre estas e as escolas privadas, esta é a opinião da professora da Faculdade de Educação da USP, Selma Garrido Pimenta. Para ela, a recomendação da LDB de que seja adotado o modelo de progressão por ciclos não foi implantado de maneira adequada “O resultado é que, na verdade, os alunos estão sendo aprovados automaticamente, sem que a escola tenha recebido as condições para entrar nessa nova sistemática. Houve um atropelo e uma falta de cuidado com esses aspectos”. Assim, o modelo adotado pela rede pública acaba sendo ainda mais excludente, pois os alunos da rede particular têm mostrado maior capacidade de passar no Vestibular.14

Segundo dados da UNESCO, o Brasil tinha 45% de sua população matriculada no ensino médio, índice que cai para 11,3% no ensino superior. Na Argentina, país de população bem menor, 77% está no segundo grau, enquanto 36,2% no ensino superior.15 Todavia, ao contrário do que se possa pensar, o Brasil investe mais em Educação do que o país portenho: 5,2% do PIB para o primeiro contra 3,5% do PIB para o segundo.16 Embora esses dados sejam de 1998, é bastante provável que eles tenham se mantido inalterados.

Pesquisa produzida pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Educação, do Ministério da Educação (INEP-MEC), Geografia da Educação Brasileira em 2001, informa que apenas 74% dos alunos que iniciam o ensino médio logram terminá-lo, ao mesmo tempo que 53,3% dos matriculados neste grau de ensino não possuem a idade adequada (15 a 19 anos) para cursá-lo.17

Em resumo, e nesta mesma direção, como avalia Almeida, em 2003, “...41% dos alunos não tinham concluído a educação elementar; 39% dos que estão matriculados nesta fase tem idade superior à adequada, e aqueles que logram chegar ao ensino médio, demoram 10,2 anos em média [para concluir o ensino fundamental]. Além disso, os alunos apenas permanecem 4,3 horas diárias na escola e os professores tem um salário médio de R$ 530,00 mensais,18 e metade deles possui apenas escolaridade de nível médio...”19

Outro dado a considerar, é que o ensino reflete a alta desigualdade que vige no Brasil. Tanto em termos regionais como de classe, o acesso ao ensino é profundamente desigual e injusto. Ele é elitista inclusive nos bens que produz, pois o acesso, por exemplo, a serviços básicos, como saúde, apresenta-se como um privilégio, estando cada vez mais inacessível para as populações de baixa renda.

Segundo dados do Instituto Paulo Montenegro que promove, desde 2000, pesquisa sobre o Analfabetismo Funcional no Brasil,20 criando o Indicador Nacional de

14 Entrevista publicada na Folha de S. Paulo, de 16/04/2002. 15 World Education Report, UNESCO, Paris, 1998. Os dados referem-se ao total de matrículas, nada informando sobre a adequação entre idade ideal/grau de ensino. 16 Statistical Yearbook, UNESCO, Paris, 1998. 17 Dados retirados do sítio www.inep.gov.br visitado em 06/06/2004. 18 O que é equivalente a US$ 165,00, considerando a cotação de US$ 1.00 para R$ 3,20. 19 Jane Soares de ALMEIDA. “La educación brasileña en los tiempos actuales: los cambios y las continuidades”. IN Carlos L. Oliva CAMPOS (org.). Anuario de Integración Latinoamericana y Caribeña. UNESP, Araraquara, 2003, p. 164. 20 Segundo conceito adotado em 1958 pela UNESCO, o analfabeto era um indivíduo que não consegue ler ou escrever algo simples. Já em 1978, ela adotou o conceito de analfabeto funcional: uma pessoa que, mesmo sabendo ler escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer as demandas do seu dia-a-dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente.

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Alfabetismo Funcional (INAF). Pelos dados obtidos em 2001, são poucos os realmente analfabetos no Brasil, isto é, aquelas pessoas que não conseguem sequer ler uma frase, tomando a população entre 15 e 64 anos de idade, chega a 9%. Porém, dividindo em três níveis o INAF, representando tais níveis os menos qualificados para tirar informações de um texto simples, até aqueles que se consideram plenamente letrados, no INAF nacional do nível 1, foram classificados 31% da população entre 15 e 64 anos. Em outras palavras, mais de um terço da população brasileira está inabilitada para compreender enunciados simples, como um título de livro ou uma manchete de jornal. Eles conhecem as letras, mas não compreendem o que a junção delas em frases simples significam. 21

A mesma pesquisa destacou a desigualdade que é alimentada pelo acesso à educação. É por isso que a maioria dos classificados no nível 3 (aqueles que têm leitura fluente e conseguem comparar textos, fazendo inferências) da pesquisa INAF encontram-se entre os jovens da região sudeste, notadamente São Paulo, que tiveram maiores oportunidades de acesso ao ensino. Também estão neste nível os adultos que têm renda mensal acima de 10 salários mínimos.

Um estudo cujo objetivo foi indicar a relação entre ascensão social e escolaridade, chegou a resultados semelhantes. Segundo pesquisa realizada pela demógrafa Flávia Cristina Drumond, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universidade Federal de Minas Gerais, que analisou dados de movimentos de camadas populacionais de cinco regiões metropolitanas nos anos 90, chegou ao seguinte resultado: São Paulo é a região que oferece as maiores possibilidades de melhorar de vida e as menores de piorar. O Rio de Janeiro possui as maiores chances de descender e as menores de ascender na escala social. Esses dados são válidos inclusive para aqueles que Isto é válido inclusive para aqueles que atingiram maior nível de escolarização que seus pais.22

O mais dramático desta situação é que ano a ano os dados repetem-se de forma ainda mais grave –, ou seja, a cada nova pesquisa promovida pelo ou com apoio governamental, evidencia-se que o brasileiro está menos alfabetizado; têm menos oportunidade de ascender socialmente relativamente a seus pais; ganha menores salários, e as oportunidades de melhorar de vida estão cada vez mais concentradas regionalmente – e, no entanto, não têm nenhum impacto sobre o governo, nada muda, nada é feito para reverter o quadro.

Já foi mencionado que a educação para o trabalho é traço fundamental da legislação de ensino no Brasil. Se muitos vêm nisso um traço negativo, deve-se, por outro lado, considerar que o manejo de certos equipamentos, que possuir habilidades como ler e escrever é fundamental para o exercício da cidadania e também para superar os entraves ao desenvolvimento do país, pois “...é fato inconteste que a riqueza oriundas de operações de valor agregado depende do preparo das pessoas que agregam valor. A riqueza das nações, portanto, está intimamente ligada à habilidade de sua força de trabalho.”23 Exemplo cabal desta afirmação está em países como Japão e Coréia, que detém parcos recursos naturais, mas deram um salto considerável no plano do 21 www.ipm.org.br/inaf. Visitado em 08/05/2004. 22 Folha de S. Paulo, 22/05/2000 (Caderno Economia). 23 Hermano TAVARES e Ivan CHAMBOULEYRON. “O desafio do ensino superior no século XXI”. In I. CHAMBOULEYRON (ORG.) Mais vagas com qualidade: o desafio do ensino superior no Brasil. Campinas, ed. Unicamp, 2001, p. 43.

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desenvolvimento científico e tecnológico baseando-se particularmente no projeto educacional.

Assim, do ponto de vista do processo de planetarização em curso, tomando a educação como variável estratégica, o Brasil não está tomando sequer o ensino como um caminho para o desenvolvimento. Infelizmente, as políticas educacionais formuladas pelos governos brasileiros não priorizaram o desenvolvimento e a capacitação para a produção em ciência e tecnologia. Os números positivos alcaçados pelo Brasil no plano internacional, o são menos porque a educação adéqua-se às necessidades do momento atual e mais pelo esforço individual e quase religioso de cientistas e educadores. A prevalecer a visão atual sobre o ensino, como os dados acima mostram, deixa o Brasil fora do processo de desenvolvimento internacional: o país já perdeu o bonde da História.

Em síntese, para as perguntas feitas no início do texto, isto é, qual o conflito na educação? Como a educação pode, do ponto de vista regional, contribuir para cobrir essa frente estratégica?

O grande conflito da educação fundamental e média (para o ensino superior faremos análise específica) é a falta de visão dos dirigentes brasileiros pois, embora haja investimento em educação, este é mal empregado. Do contrário, os dados seriam outros. O governo nacional precisa financiar (não apenas no sentido econômico, mas também da valorização do ensino e dos educadores) a Educação porque não existem fórmulas mágicas para promover a necessária valorização do ensino, já que não toma nenhuma medida no sentido de vencer o atraso que atinge este sistema, responsável pelo grau de desenvolvimento do país.

Do ponto de vista regional, com os países do MERCOSUL em primeiro plano, a educação não representa um ponto de conflito de interesses. Para todos eles é essencial vencer o atraso nesta área, pois apenas assim ter-se-á condições de elaborarem planos de integração que poderão levar à competição, porque possuem informação e formação, em nível mundial. Há experiências nesta matéria que podem e já estão sendo trocadas. O Brasil pode oferecer sua experiência no desenvolvimento da pós-graduação, bem como na descentralização do ensino. A Argentina pode ensinar como, com um orçamento menor, encarar de frente o ensino médio e superior. Da mesma maneira, todos os países do MERCOSUL podem facilitar a integração de seus sistemas educacionais, criando um sistema integrado que permita o intercâmbio tanto de educadores quanto de educandos com grande ganho para os países.

Nesta direção, o Espanhol foi adotado como idioma estrangeiro a ser estudado nas escolas de ensino fundamental. Assim, em tese, todos os alunos que atingirem os 8 anos de ensino obrigatório, terão fluência nas duas línguas. O mesmo poderia ser feito pelas escolas dos países de língua espanhola do MERCOSUL, isto é, poderiam adotar o português como segunda língua. Uma medida tão simples como esta poderia trazer ganhos bastante grandes para a integração e, em conseqüência, para o ensino dos países.

III.- A Universidade Pública

Tomando os dados expostos relativamente ao ensino fundamental e médio, podemos dizer que há pelo menos dois grandes desafios para a universidade em geral e

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para a pública em particular para os dias de hoje: o aumento das vagas no ensino superior e a manutenção/ampliação dos níveis de qualidade do ensino.

Outro grande desafio é adaptar a opção de ensino feita pelo Brasil, isto é, a troca do modelo europeu (tradicional e selecionado desde o século XIX) pelo norte-americano (adotado a partir de meados dos anos 60). Entretanto, nesta escolha, esqueceu-se do essencial: a autonomia do aprendiz que busca a especialização por meio do ensino de terceiro grau. Uma forma que sequer foi aventada pelo ensino superior brasileiro foi a diferenciação entre universidade (ensino acadêmico e abrangente) e College (o que seria o equivalente para nós às FATECS), isto é, do ensino superior não acadêmico.

O ensino superior não acadêmico, como por exemplo o chamado Normal Superior – que objetiva garantir ensino superior aos professores do ensino fundamental em menor tempo do que seria a exigência de cursar Pedagogia –, encontrou muita resistência particularmente entre os próprios professores de universidades públicas. Segundo estes, trata-se da “banalização” do ensino, perdendo ou utilizando de forma errônea verbas públicas.

As discussões calorosas que esse tipo de opção provocam dizem respeito ao que cada um entende por universidade. Há aqueles que vêm a universidade como a culminância da educação e, portanto, formativa; enquanto outros tomam a universidade como centro de produção do saber e, portanto, como investigativa. Embora o melhor exemplo dessa diferenciação fosse avaliar como se desenvolveu o ensino superior no Brasil desde os anos 30, por razões de escopo deste trabalho, uma comparação rápida entre o que norteou a formação das universidades estaduais paulistas, exceto a USP, elucida os diferentes pontos de vista.

A constituição do ensino superior no Brasil foi dirigida por oligarquias regionais que, na maioria dos casos, implicou na unificação de institutos e faculdades isoladas sob uma só direção.24 Não obstante ser o caso específico das várias universidades federais abertas ao longo dos anos de governo burocrático-autoritário (1964-1985),25 este sucedeu também com a Universidade Estadual Paulista, UNESP, que repetiu em São Paulo o que aconteceu durante os anos 60 e 70, com muitas das universidades federais.26 Tomando outro caminho, pensada como um centro de produção do saber, da ciência e da tecnologia, Zeferino Vaz é encarregado de formar a Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.

A formação da UNESP, reproduziu a idéia-chave da criação da USP. Porém, diferente desta, justamente por objetivar a interiorização do ensino superior, por meio da

24 A USP foi anterior ao processo de criação das universidades federais. Seu projeto foi gestado e posto em prática pela oligarquia paulista, com os Mesquista (donos do jornal O Estado de S. Paulo) à frente ao longo dos anos 30, quando se importou não apenas o modelo europeu, mas também diversos professores franceses foram contratados para construir o saber paulista. Este modelo vigorou até os anos 60 quando, por iniciativa do governo, com os militares à frente, adotaram um novo caminho. 25 O conceito de regime burocrático autoritário foi desenvolvido por Guillermo O’DONNEL para explicar as modernas ditaduras instaladas na América Latina a partir dos anos 60. Deste autor veja, entre outros, Análise do autoritarismo burocrático. R.J., Paz e Terrra, 1990. 26 A despeito do projeto dos militares para a educação ser profundamente diferente daquele sob a batuta da planetarização (se é que se pode chamar este de projeto), uma fala de Costa e Silva quando presidente da República, é reveladora: ele se vangloriava de inaugurar uma universidade por dia em seu governo. Todavia, a idéia-chave desta estrutura era a de universidade-empresa, aquela encarregada de formar os técnicos para o desenvolvimento. Cf. Ronaldo da COSTA COUTO, R. História indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil, 1964-1985. S.P.: Record, 1999.

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encampação ou criação de campi em vários pontos de São Paulo, formou-se enquanto uma “federação” mais do que como unidade. Nessa formação, privilegiou o ensino noturno (democratização do terceiro grau) e não se importou muito com a formação de professores, encarregando os raros doutores de formarem as novas faculdades e institutos então abertos a partir de 1976, de dirigir a implantação dos cursos.27 Na apresentação de sua página, a UNESP diz: “Há uma peculiaridade que a distingue das demais [USP e UNICAMP]: é a única universidade presente em praticamente todo o território paulista. Seus campi universitários estão instalados em 23 cidades, sendo 21 no Interior; um na Capital do Estado, São Paulo; e um em São Vicente, o primeiro de uma universidade pública no Litoral Paulista.”28

Já com a UNICAMP, o processo foi o inverso. Não obstante ter sido, como a UNESP, obra do governo militar e estruturada por um de seus prócere, Zeferino Váz (o mesmo designado para interventor na UnB nas primeiras horas após do golpe de 1964, deixando a diretoria da USP–Ribeirão Preto), esta instituição foi pensada como uma universidade sticto senso, isto é, conforme um especialista:

Por mais importante que seja a formação profissional superior, a universidade foi criada para transcender essa dimensão, não para se restringir a ela, de forma que talvez não estejamos falando da mesma instituição, ou nem tudo o que se denomina universidade efetivamente o seja (...) Em todo o mundo essa designação é reservada para instituições de interesse público, ainda que não necessariamente estatais, que desenvolvam programas de investigação científica e de produção cultural...29

Assim, não por acaso, muitos dos cursos hoje existentes na UNICAMP, nasceram a partir da implantação da pós-graduação – caso da Filosofia – e não o contrário.30 Também não foi criada como uma espécie de confederação, isto é, pela unificação de várias unidades. Ao contrário, formou-se como uma unidade que tem várias partes, ainda que hoje, passados 30 anos de sua criação, ela funcione em várias cidades e o comportamento de muitas de suas unidades sejam isolacionistas – caso da Medicina.

A UNICAMP é mais dispendiosa tanto em tempo quanto em dinheiro relativamente à UNESP na formação de seus alunos justamente porque tem por objetivo criar a elite pensante da nação. Não se trata, como aparentemente pode-se acreditar, de uma visão elitista de universidade: o papel estratégico da universidade está na construção da diversidade, de pensar as soluções mais gerais para os problemas que surgem na sociedade de que ela é parte e, mais importante, ela cumpre o papel de formação das gerações futuras. Foram esses os objetivos que prevaleceram na constituição desta instituição campinense.31

27 Para citar apenas um exemplo, este foi o caso do prof. Gabriel Roy, deslocado para (re)implantar o curso de História no Campus de Franca. 28 www.unesp.br/perfil. Visitado em 12/06/2004 29 Luís Carlos de MENEZES. Universidade Sitiada. A ameaça de liquidação da universidade brasileira. S.P., Ed. Fund. Perseu Abramo, 2000, p. 8, grifos nossos. 30 Cf. Reginaldo C. C. de MORAES et. al.. “Universidade no Brasil, 2002 – Problemas & Dilemas”. Primeira Versão nº 110, IFCH-UNICAMP, out., 2002. 31 Um dos aspectos imediatamente percebidos pela sociedade quanto ao papel da universidade é a formação profissional. No caso da UNICAMP, ela forma os quadros docentes para várias das instituições privadas de ensino superior de São Paulo. Em levantamento despretensioso e sem metodologia estatística, concluímos que mais de 80% dos docentes com pós-graduação que

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Voltando à questão da percepção de universidade e, em função disso, da opção entre o modelo europeu ou o norte-americano, se foi este último que se implantou a partir dos 60 no Brasil, é por ele que devemos optar. Como mencionado, as FATECS, em essência, visam o preparo para o mercado ou então para o ensino de primeiro e segundo graus. Esse tipo de ensino, superior porque vêm depois do ensino médio, não deve ser confundido com ensino universitário. Na Universidade, como seu próprio nome indica, não é a reprodução do conhecimento que está na ordem do dia, mas a produção do conhecimento universal, isto é, nas suas várias facetas, desde a cultural até a política: é a unidade do que é diverso. É na Universidade que se produz tecnologia, pois é nela que se estuda e compreende a ciência tanto quanto a metaciência, o que dá corpo à ciência.

Se o caminho for seguir o modelo norte-americano, partindo-se do princípio que as instituições públicas podem manter algumas FATECs, mas em essência, são universidades dever-se-ia diminuir o número de horas-aula a que um aluno de graduação, seja de exatas, biológicas ou humanas, é submetido. O papel da universidade é o de melhorar o caminho para que o aluno estude e encontre suas próprias respostas, conseguindo autonomizar-se relativamente ao seu meio, exatamente o contrário do que a universidade pública brasileira faz hoje.

A diminuição no número de horas-aula, não é o mesmo que reduzir a carga horária de determinado curso. Ao contrário, se aumenta o tempo que o aluno tem para efetivamente aprender, isto é, não apenas ser informado a respeito de uma bibliografia ou sobre a última tese defendida naquela matéria, mas efetivamente “adquirir conhecimento por meio do estudo”, como define o Dicionário Houaiss, e, a partir disso, criar uma determinada disciplina crítica para prosseguir seus estudos, seja como acadêmico ou como profissional.

Portanto, do nosso ponto de vista, não existe como a universidade pública fazer a opção apenas pela formação técnica, dirigida ao mercado. Ela necessita ser investigativa. O que define sua própria natureza é a pesquisa, sendo o ensino um seu corolário, isto é, uma forma de treinamento para a própria pesquisa.32

Nesse aspecto, deve ser saudada a recente iniciativa do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) de não apenas permitir, mas também incentivar, inclusive financeiramente, a participação de jovens pós-graduandos no ensino de graduação. Se for utilizada com critério, essa medida pode se revelar uma boa forma de treinamento para aqueles vocacionados para a academia, ao mesmo tempo que libera o professor efetivo de alguns de seus afazeres docentes. Entretanto, conforme denunciou a Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo, essa medida não deve funcionar como substituição dos professores titulares, como forma de não repor os quadros docentes, hoje calculados em 1.200 vagas para as universidades federais, sob pena de aumentar ainda mais a crise da universidade pública brasileira.

Seja como for, foi este sistema de ensino superior e de pós-graduação, implantado pelos militares e que o viam como um ensino para a habilitação técnica, que produziu um atuam nas instituições de ensino superior da região de Campinas, são pós-graduados pela UNICAMP. Esses dados são ainda mais reveladores quando se Considera que a Pontifícia Universidade Católica de Campinas implantou-se nesta cidade há mais de 50 anos, mantendo hoje vários cursos de pós-graduação e um curso de medicina considerado até melhor do que o da própria UNICAMP. 32 Treinamento no sentido dado por Thomas KHUN. A estrutura das revoluções científicas. SP, Perspectiva, 1990.

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dos melhores sistemas de pós-graduação na região da América Latina, igualando-se ao México e a algumas instituições Norte-Americanas. A respeito deste sistema, as palavras do educador Luís Antonio Cunha são esclarecedoras:

a Lei nº 5540, de 1968 (...) deu um tratamento modernizador a esse campo. Nós estávamos numa ditadura militar – ela foi implantada depois do AI-5 –, então obrigava as instituições chamadas universidades a promoverem mudanças institucionais que de fato fizeram nascer a universidade no Brasil (...). Foi nesse momento também que se instituiu a pós-graduação no Brasil, um grande sucesso do ensino superior brasileiro, sem paralelo em todo o terceiro mundo...33

Já para as instituições de ensino superior privadas, pode-se tanto tentar a conciliação entre os dois modelos – não se pode negar que muitas destas instituições têm hoje em algumas áreas maior e melhor infra-estrutura do que algumas universidades públicas –, quanto optar apenas pelo ensino (modelo formativo/College). O que as instituições privadas não podem é substituir as universidades públicas na pesquisa, pois nas universidades privadas, mesmo quando há pesquisa, esta está fortemente subordinada ao mercado e, portanto, não necessariamente aos interesses da sociedade. Neste sentido, ao MEC cabe ser parcimonioso nas autorizações para o funcionamento das IES, considerando antes de mais nada o interesse público da implantação de cursos em escolas privadas.34

A grande questão, todavia, é: como manter a pesquisa nas universidades públicas em um país pobre que, portanto, tem muito pouco recurso para investir? Ora, se o país quer ser um Estado, isto é, poder agir com autonomia, ainda que relativa, a Educação está em primeiro plano em um mundo no qual o conhecimento é a principal arma para manter relações com outros países com algum grau de igualdade. O financiamento de pesquisas é essencial para isto, daí ser a educação universitária (não superior, apenas) uma variável estratégica.

Há quem diga que se pode financiar pesquisas nas universidades públicas com dinheiro privado. Conforme dito acima, isto significaria submeter ao mercado as decisões que devem ser da nação. Como atualmente é feito, pode-se aceitar doações ou parcerias com fundações e empresas, mas jamais o financiamento direto de pesquisas, mormente nas áreas de pesquisa básica. Conforme o professor Paulo Eduardo Elias, o financiamento privado stricto senso das pesquisas em universidades públicas, é contraditório com o próprio conceito de república: é preciso assumir o ônus deste gasto para manter a independência que é própria do é público. Portanto, há um conflito de interesses

33 Entrevista do autor dada à Agência Fapesp e divulgada eletronicamente em 16/06/2004. 34 Diferentemente do que vem acontecendo nos últimos anos. Segundo dados do MEC, as Universidades públicas, em 1980, respondiam por 70% das vagas oferecidas. Em 2000, esse número caiu para 50%. Em números absolutos, as universidades privadas eram 20 em 1980, subindo para 80 em 2000. Cf. Censo do Ensino Superior. Consultado em 01/06/2004 no sítio www.inep.gov.br/censo. A demanda por transformação das IES em Universidades está na própria Lei: a universidade têm autonomia para criar cursos (e apenas depois pedir reconhecimento), para regular o número de vagas oferecido e expedir diplomas (LDB, Art. 48, § 1º). Como essas instituições pensam em termos de lucro, pouco importa que um aluno nela se matricule por apenas um ano, ou que o curso se inviabilize em poucos anos: ela já atingiu seu objetivo, isto é, “fazer caixa”.

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insuperável. Financiar a pesquisa na universidade pública, segundo ele, seria o mesmo que pedir para a GM promover um estudo para a VW. 35

Outra coisa que a Universidade brasileira está provocando, muito em razão do baixo orçamento que lhe é dirigido, é a fuga de cérebros, isto é, daqueles que têm o melhor de si para oferecer para todos os estudantes. Pesquisas mostram que vários cientistas que poderiam estar nas universidades brasileiras, em razão das péssimas condições de trabalho, têm preferido migrar para outros países.36 O Brasil produz bons estudos e ótimos profissionais, como o demonstram as pesquisas de citação de autores brasileiros. Entretanto, a citação de nossos cientistas não corresponde às pesquisas desenvolvidas no país.37

Caminho completamente diferente tomou, por exemplo, os EUA ao longo de sua história. Portanto, não é à toa que nele são produzidas pesquisas de ponta em todas as áreas. Exemplo significativo foi o que aconteceu durante a II Guerra Mundial, quando vários nomes de distintas especialidades migraram da Alemanha para os EUA, ou no início dos anos 90, da antiga URSS para países europeus e para a América do Norte. Por conseguinte, incentivar a Educação e a Pesquisa, é o melhor meio de alcançar grandes índices de produção em C&T.

Portanto, quanto ao primeiro desafio, isto é, de se dividir realmente o trabalho entre ensino superior e ensino universitário, e tomando a educação como variável estratégica, percebe-se que se queremos construir um país de futuro, que não apenas siga à reboque dos grandes países no cenário internacional, precisamos repensar a universidade procurando, como é próprio de nossa cultura, conciliar as exigências do mercado com as necessidades da nação.38 Não podemos, de forma alguma, deixar de erigir uma Universidade com U maiúsculo. Mas também não devemos negar que a universidade pública tem contribuído para reduzir o fosso entre ela e as universidades privadas, bem como a necessidade de ampliar o número de vagas no ensino superior. Em outras palavras, há que se ter universidades públicas que funcionem como Universidades, mas mantenham também cursos em nível de Colleges (FATECs), formando os quadros necessários para manter e elevar os níveis de qualidade das instituições privadas e também promover o desenvolvimento em C&T e cultura nacionais. Esta parece ser a melhor forma de democratizar o ensino com qualidade.

Em relação ao segundo desafio, isto é, o aumento no número de vagas com manutenção de qualidade, pouco pode ser acrescentado ao que já foi dito aqui. Isto é, conforme defendido, não existe opção possível para a universidade pública: ela deve, ao mesmo tempo, assumir sua obrigação relativamente à produção de alternativas para a sociedade de que é parte (produção de ciência) e dar respostas às necessidades pedidas

35 Cf. “Polêmica: As empresas privadas devem financiar disciplinas nas universidades públicas?” Revista Diálogo Médico, ano 30, nº 2, abr/mai, 2004. As respostas foram dadas pelo Prof. Dr. Silvio Lemos Meira (UFPE), positiva, e pelo Prof. Dr. Paulo Eduardo Elias (Medicina-USP/CEDEC), negativa. 36 Um caso nacional expressivo é o do jovem físico Marcelo Gleiser, que é professor no Dartmouth College, nos EUA, preferido a uma de nossas universidades. 37 “A presença da Universidade Pública”. Texto produzido pela Comissão de Defesa da Universidade Pública, sob coordenação de Alfredo BOSI. IEA-USP, 22/05/2000, digit. 38 Conforme já comentado antes, a conciliação, ou tentativa de, presidiu todas as legislações de ensino no Brasil, embora no resultado tenha sempre prevalecido o pensamento hegemônico do momento da feitura da lei. Para maiores informações, veja: M. R. M. CAMPOS & M. A. CARVALHO A Educação nas Constituições Brasileiras. Campinas: Pontes, 1991.

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pelo mercado – cursos profissionalizantes e preparação para o atendimento das instituições superiores privadas. Democratizar o ensino não se resume a aumentar o número de vagas – que pode implicar, isto sim, na redução da qualidade e na banalização do ensino superior –, mas envolve garantir o acesso ao que é produzido pela Universidade, em popularizar sua linguagem e harmonizá-la com a sociedade.39

Democratizar apenas pela extensão de vagas é tomar a educação como a pensa o senso comum, isto é, o sistema de ensino superior seria a culminância dos estudos de alguém para que o sujeito se torne apto a alguma forma de trabalho (não um cidadão, apenas um trabalhador). Nessa forma de ver, ignora-se dois fatores básicos que marcaram a própria história da Universidade:

1) as universidades no mundo todo nasceram muito antes das escolas primárias e secundárias. Portanto, pode-se dizer que a ordem de causalidade é inversa, ou seja, que a existência de ensino superior, que produz ciência e tecnologia, gera a necessidade dos demais níveis de ensino, pois a cada novo passo no conhecimento, necessita-se de um treinamento (técnico) adequado ao mesmo;40

2) a escola (skholé), como pensada pelos gregos, traduz-se como ócio. Isto é, à escola cabia dedicar o tempo para a contemplação edificante do nada fazer (nada tendo, evidentemente, a ver com o que compreendemos por ócio hoje) e que se opunha ao trabalho manual, aos negócios (hoje chamado mercado), que cabiam aos homens livres, mas não cidadãos.

Desprezar esses dois fatos é alimentar a crise que vive hoje a Universidade pública nacional, pois sua crise é a própria crise da cidadania: o mundo planetarizado que define como dever do Estado se desvencilhar de todo um conjunto de direitos básicos dos cidadãos, transformando esses direitos em “serviços” que, como tal, podem ser prestados por qualquer um. O mundo da planetarização trata a Universidade como se fosse um desses serviços e, portanto, como de interesse e competência do mercado – um mercado que movimenta bilhões de reais, como é o caso do ensino superior privado – e não um direito dos cidadãos. Aliás, seja como for, é por meio da educação que se constróem consciências, que se erige cidadãos.

Para vencer esse desafio, o caminho não parece ser criar cotas ou bolsas para alunos carentes no ensino privado,41 mas incluir as instituições privadas de qualidade

39 Como expressou Cristóvam Buarque: “ ...É preciso ter acesso a um arquiteto que saiba trabalhar em casa popular, e não só em casa para rico; um nutricionista que aprenda e ensine como engordar o magro pobre [e desnutrido], e não, como hoje, a emagrecer, porque ganha mais com isso. Então, vamos organizar o curso de nutrição; não o acesso ao curso de medicina, mas o acesso ao médico. Acesso ao ensino superior gera, e volto insistir, porque acho fundamental, que todos terminem o segundo grau. In I. CHAMBOULEYRON (ORG.) Mais vagas com qualidade: o desafio do ensino superior no Brasil. Campinas, ed. Unicamp, 2001, p. 105. Da mesma maneira, expressou-se o deputado (PSD) César Callegari: [Talentos formados na universidade pública paulista] estão atuando e qualificam as universidades privadas, que em muitos lugares apresentam qualidade, principalmente de ensino, semelhantes ou até melhor que as universidades públicas...”. In I. CHAMBOULEYRON (ORG.) Mais vagas com qualidade: o desafio do ensino superior no Brasil. Campinas, ed. Unicamp, 2001, p. 77. 40 Talvez o melhor exemplo disso, isto é, de como o avanço científico e tecnológico incide sobre a educação seja a relação entre as pessoas idosas, ainda que letradas, como o uso do celular ou do pager, e as crianças, que quase nascem ensinando os avós a manuseá-las. Vê-se, pois, que o tipo de aprendizado e o grau de informação para as novas gerações é bastante diferente daquele das passadas. 41 Proposta do governo Luís Ignácio Lula da Silva que forma parte da reforma universitária em discussão, conforme defendida pelo ministro da Educação, Tarso Genro. Cf. Folha de S. Paulo, 30/06/2004 (coluna Tendências e Debates).

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comprovada – que respondem por boa parte do ensino para atendimento ao mercado – às pesquisas (núcleos, centros e grupos) das instituições públicas objetivando melhorar as condições científicas, tecnológicas e culturais do Brasil.42 Com isso, permitir-se-á, como foi feito por países de desenvolvimento recente (os chamados tigres asiáticos) dar o salto de desenvolvimento necessário para a inclusão do Brasil no sistema globalizado.43

É possível, por outro lado, aumentar o número de vagas oferecidos nas escolas públicas de ensino superior sem perder qualidade. Para tanto, a medida imediata e de baixo custo (tanto político quanto financeiro), é promover a ocupação das vagas ociosas nas instituições públicas. Não se pode negar que existe evasão e que ela é significativa. Na mesma medida, a oposição à transferência de alunos é bastante grande, tanto maior quanto mais tradicional é o curso. Neste aspecto, aqueles que dirigem a universidade e o MEC, precisam assumir a responsabilidade pelo estímulo à ocupação dessas vagas, sempre considerando mecanismos de avaliação compatíveis com as exigências para os alunos que ingressam pelo vestibular.

Outra medida, esta já citada, é a redução das horas em sala de aula a que são submetidos os alunos que, somada às novas tecnologias, pode resultar em melhor formação acadêmica e maior treinamento técnico para os jovens universitários. Uma amostra de como os universitários se sentem mal treinados, é a proliferação das chamadas Empresas Juniores. Esta é uma forma de apontar para a falta de concatenamento, quiçá de orientação, entre o ensino e a atividade que o futuro profissional irá exercer. À IES cabe oferecer alternativas ao educando para que ele realmente conheça seu fazer profissional e/ou acadêmico, abrindo-lhe os horizontes por meio do incentivo à transdiciplinaridade.44

Pensando no longo prazo, pode-se aumentar as vagas por meio da adoção de novas tecnologias educacionais, entre elas a educação à distância. Da mesma forma que a discussão sobre cursos de curta duração (como o exemplo já indicado do Normal Superior), a educação à distância, que faz uso de novos meios de ensino tal qual a vídeo-conferência, causa arrepios nos educadores.

Dois fatores (medos) parecem estar relacionados à resistência à educação não presencial: a perda de postos de trabalho por parte dos docentes, tornando-os dispensáveis e, caso específico de cursos das humanidades, a pouca habilidade dos professores mais antigos com as novas tecnologias.

42 Nos anos 80, para promover maior multidiciplinariedade nas pesquisas, houve, por parte da UNICAMP e da USP, forte incentivo para a criação de núcleos e grupos de pesquisa. Data deste período, por exemplo, o PROLAM (Programa de Pós Graduação em América Latina) que era uma iniciativa de diversos cursos, o IEA (Instituto de Estudos Avançados), talvez a melhor sucedida dessas experiências multidisciplinares, ambos da USP, e o Núcleo de Estudos Populacionais (NEPO), da UNICAMP, cujas demandas resultaram na criação de uma pós-graduação em demografia e da graduação em geografia. Tais experiências não podiam prever àquela altura, o quanto a configuração do mundo iria necessitar de acadêmicos com uma formação universal, como sempre se propôs a Universidade (a união da diversidade), e não a fragmentária – resultado do sentimento de corporação de muitas profissões que se iniciam nos bancos do ensino superior. A diversidade não implica na não especialização. Ao contrário, leva a uma escolha melhor porque requer maior aprendizado. É o contrário da feudalização a que foram submetidas algumas gerações de universitários. 43 Não se pode negar a crise fiscal do Brasil. Portanto, os parcos recursos destinados às universidades públicas serão sempre menores. Todavia, a excrescência que precisa ser eliminada é a responsabilidade de pagamento dos aposentados por parte destas instituições. Enquanto isto vingar, e parece que o Brasil é um dos poucos países que adotam esse sistema, as verbas destinadas às universidades, por maiores que sejam, estarão cada vez mais comprometidas em sustentar seus aposentados. 44 Visão semelhante defendia Cristóvam Buarque no Fórum de Reflexão Universitária (UNICAMP). In I. CHAMBOULEYRON (ORG.) Mais vagas com qualidade: o desafio do ensino superior no Brasil. Campinas, ed. Unicamp, 2001.

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Em ambos os casos, não é demais enfatizar que a máquina, seja ela um computador ou uma tela, é apenas um instrumento, jamais substituindo o ser pensante que deve estar por de trás dele. Assim, não se pode negar que a educação à distância deve fazer parte do ensino superior hoje em dia. Isto não implica na dispensa do educador: o computador não pensa; é preciso ter alguém para pensar por ele. No caso do ensino, o professor continuará a ser fundamental. Portanto, é infundado o medo de perder postos de trabalho. Ao contrário, será essencial cada vez maior número de especialistas para orientar os estudos daqueles que procuram a educação à distância. Assim, diferente do que imaginam os atuais gestores em educação, o professor continuará a ser fundamental. O que acontece é que este terá mais tempo para suas pesquisas e, portanto, para transformar descobertas em informação. Assim, ao contrário do que se acredita, o ensino à distância pode ser uma forma de aumentar a qualificação no ensino superior justamente porque permite a ampliação tanto de vagas quanto da pesquisa.

No caso da baixa habilidade com novas tecnologias (coisa que poucos hoje admitem abertamente), a própria docência é um exercício de aprendizagem. A forma de ministrar aulas de um professor hoje não é a mesma de 10 anos atrás. Ser professor é ser um eterno aprendiz, é manter a curiosidade e, ainda que por tentativa e erro, persistir estudando. Assim, trata-se apenas de convencer o professor de que ele é capaz, ao mesmo tempo em que se lhe devem oferecer as condições de aprendizado e de experimentação dessa nova forma de relacionamento com os alunos. Interessante que a própria LDB considera natural o ensino a distância. É o que se observa no parágrafo terceiro do Artigo 47: “É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância.” (grifos nossos).

Em síntese, o ensino brasileiro em geral necessita de uma reforma de alto a baixo. Na educação superior, as propostas do atual governo não apenas desconsideram a educação como variável estratégica, como também agravam muitos dos problemas que hoje existem. No ensino superior, as propostas do ministro Tarso Genro, se aplicadas, levarão a uma ainda maior privatização do ensino e aumentarão a crise da universidade pública. Uma pequena consulta ao projeto do governo para a educação superior, revela que ele está aquém da própria LDB. Sem uma política clara para a educação, uma política que considere o valor estratégico da educação, nosso futuro será muito pior do que aquele descrito por Dante em seu inferno.

Considerações finais:

Diante do exposto, resta dizer que acreditamos que à Universidade, particularmente a pública, enquanto instrumento político, cabe:

• Garantir a socialização do conhecimento. A Universidade, financiada pelas contribuições dos cidadãos, deve-se orientar a estes, na sua condição de comunidade nacional, com os resultados das pesquisas e não para empresas privadas que não contribuíram para a formação do pesquisador e que será utilizada para aumentar os lucros sobre a população. Deselitizar significa transformar os bens produzidos pela Universidade em bens públicos para o conjunto da sociedade e não pensar que todos os que concluem o ensino médio desejam ou podem estar na Universidade;

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• Antecipar o debate dos temas nacionais. A Universidade deve contribuir com seus quadros para auxiliar a analisar, de maneira profissional, os problemas que afetam a população em geral. Deve mostrar a conexão que cada problema conserva com o panorama geral, retomando seu papel de assessoramento para a formulação de projetos que sirvam de base para aqueles que devem tomar as decisões fundamentais em políticas governamentais, outra forma de vencer a elitização e a alienação que lhe são próprias; • Subsidiar os governos nas análises técnicas que balizem as decisões políticas, mostrando as conseqüências de determinada tomada de decisão e os valores e princípios que cada decisão obedece. • Garantir a liberdade de expressão de pesquisa e de informação. Nenhum objeto de pesquisa acadêmica deve ser cerceado a priori. Certamente, com o direcionamento do financiamento e de concessão de bolsas de estudo, o Estado pode incentivar e orientar certas pesquisas que o auxiliem a desenvolver determinadas áreas que viabilizem suas políticas publicas, o que não significa proibir a livre pesquisa e pensamento; • Estimular e desenvolver acordos transnacionais para a defesa do ensino laico, publico, gratuito. Assim como os comerciantes e empresários estão realizando acordos transnacionais para defender seus direitos e seus interesses, particularmente em defesa das lei trabalhistas; assim como os trabalhadores deverão agilizar os acordos transnacionais para defender seus interesses e a garantia do emprego e de salário em qualquer lado das fronteiras regionais, a Universidade publica deve defender seus interesses para o qual, deverá realizar acordos com suas congêneres vizinhas para defender os interesses que todas as Universidades de Estado poderão vir a ter com a agressão neoliberal; • No campo regional, implica em melhorar o intercâmbio entre os sistemas de ensino dos países da região, especialmente daqueles que compõem o mercosul, porque não há incompatibilidade estratégica nesta área; pelo contrário, tomar a educação como variável estratégica, é essencial para o desenvolvimento dos países que o compõem.