Conciliação e Precarização: a Politica Trabalhista Do Governo Lula
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A EDUCAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO
E TRABALHO DOCENTE
Claudia Barbosa Lobo
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Marco Antônio de Oliveira Gomes
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva analisar o processo de intensificação das atividades
docentes nas instituições de ensino superior, por meio da compreensão das
transformações ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas, que tem
significado no âmbito das políticas públicas a redução dos gastos do Estado com as
questões sociais, contribuindo simultaneamente para precarização das condições de
formação e trabalho dos professores.
A produção acadêmica que aborda as alterações no mundo do trabalho e da
classe trabalhadora aponta que a reestruturação produtiva, em um momento de
esgotamento do fordismo/taylorismo, constitui em uma das respostas da burguesia à
crise de acumulação do capital. Para alcançarmos nossos propósitos, à luz da crítica
marxista, tomamos como referência de nossas análises autores como Antunes (1999),
Frigotto (2011), Saviani (2009), dentre outros.
2. AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
Nas últimas décadas o mundo do trabalhou passou por transformações
significativas, particularmente a partir de meados da década de 1970 quando o capital
passou por uma crise estrutural, efeito das transformações ocorridas no interior da
produção com a introdução acelerada da robótica, microeletrônica e informática, que
contribuiu para o crescimento das taxas de desemprego. Conforme a síntese de Antunes:
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Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a
expressão mais profunda da crise estrutural que assola a
(des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que
trabalha, destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se enorme
contingentes de homens e mulheres que vivem do trabalho; torna-se
predatória a relação produtiva/natureza, criando-se uma monumental
“sociedade do descartável”, que joga fora tudo que serviu como
“embalagem” para as mercadorias e o seu sistema, mantendo-a,
entretanto, o circuito reprodutivo do capital. (2011, p.191)
Dessa forma, a crise acentua o caráter destrutivo do capitalismo, ficando clara a
metamorfose no processo de produção do modelo fordista/taylorista para o toyotista.
Ainda que esse processo não tenha ocorrido de forma homogênea, é possível verificar a
heterogeneização, complexificação e maior fragmentação do trabalho que altera a forma
de “ser” da classe que vive do trabalho, cujo desdobramento é perceptível na acentuada
forma de subproletarização e precarização do trabalho (ANTUNES, 1999).
Nesse sentido, é importante destacar que a classe que vive do trabalho hoje não
se restringe aos trabalhos manuais, mas fragmentou-se. Vejamos aos apontamentos de
Chesnais sobre o tema:
As duas últimas décadas trouxeram mudanças muito importantes
tanto nas condições de contratação e de remuneração dos assalariados
como também nas condições da sua subordinação à hierarquia nas
fábricas e no funcionalismo. Sobre todos estes aspectos, as relações
entre o capital e o trabalho foram fortemente em benefício do
primeiro. Em muitas partes do mundo, esta modificação comportou
uma degradação da situação dos assalariados, principalmente em
termos de perda de estabilidade e segurança no emprego. (2008,
p. 11-12)
Diante do quadro que se configura, a questão do desemprego ou subemprego é
um fator poderoso de “domesticação” da classe trabalhadora impelindo-a a submeter-se
à ordem do capital. Verifica-se dentro desse processo a redução do operariado industrial
e fabril, aumentando concomitantemente o subproletariado e o trabalho precário, além
da incorporação com do trabalho feminino com o rebaixamento de salários. Dito de
outra forma, trata-se de reservar aos trabalhadores e seus filhos apenas o necessário para
reprodução da mão de obra em condições de submissão aos interesses do capital, tal
qual ilustra Marx:
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O pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército ativo dos
trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua
produção e sua necessidade se compreendem na produção e na
necessidade da superpopulação relativa, e ambos constituem condição
de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza.
O pauperismo faz parte das despesas extras da produção capitalista,
mas o capital arranja sempre um meio para transferi-las para a classe
trabalhadora e para a classe média inferior. (2001, p.748).
Nesse cenário, fragiliza-se a condição de resistência do trabalhador, que se vê
obrigado a aceitar condições degradantes de trabalho ou buscar na informalidade as
condições de sobrevivência. Fato evidenciado por Antunes:
O mundo do trabalho viveu, como resultado das transformações e
metamorfoses em curso nas últimas décadas, particularmente nos
países capitalismo avançados, com repercussões significativas nos
países do terceiro mundo dotados de uma industrialização
intermediária, um processo múltiplo: de um lado verificou-se uma
desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de
capitalismo avançado. Em outras palavras, houve uma diminuição da
classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se
uma singularidade subproletarização do trabalho, decorrência das
formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado,
subcontratado, vinculado á economia informal, ao setor de serviço etc.
Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização,
complexificação e fragmentação do trabalho (2009, p.205).
Como se percebe, trata de um modelo sócio-econômico que descarta matéria
prima e mão de obra em nome do lucro. Sua base objetiva ampara-se na intensificação
da exploração do trabalhador e no desmonte dos direitos historicamente conquistados.
Com efeito, são operadas inúmeras transformações no modo de vida dos trabalhadores,
em que cada vez mais a produção material se distancia das necessidades da maioria para
se aproximar dos interesses do capital.
Isto posto, a experiência de intensificação do trabalho em nossas terras deriva
da ofensiva do capital que se traduz materialmente no desemprego, na fragilização da
representação sindical, nas formas de contratação do trabalhador etc. Essas condições
com que se defrontam os trabalhadores em seu cotidiano são constituintes do receituário
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neoliberal, que ganhou espaço nas políticas públicas a partir dos anos 1990. Essa nova
configuração é apresentada por Alves1:
É importante salientar que, no aspecto conjuntural, o Plano Real, de
1994, imprimiu uma significativa inflexão no processo de
desenvolvimento capitalista no país, na medida em que estabilizou a
moeda corroída pela hiperinflação crônica, alterando as expectativas
dos agentes econômicos e, por conseguinte, a morfologia da economia
real. É com o sucesso do Plano Real em estabilizar a economia
brasileira que alterações estratégicas - e não mais defensivo-reativas -
ocorrem nas empresas, num cenário de intensa concorrência dos
múltiplos capitais. Nessa época, altera-se o ambiente de trabalho
nas empresas (amplia-se, por exemplo, a disseminação de novas
práticas de gestão sob o espírito do toyotismo e adotam-se novas
tecnologias de produção). Instaura-se nas grandes empresas no país,
o que denominamos de "toyotismo sistêmico" (...); além disso, como
salientamos antes, altera-se, a morfologia das lutas sindicais das
categorias de trabalhadores assalariados organizados, com a mudança
de conteúdo da pauta da negociação coletiva. Com a estabilização
monetária e a redução drástica da inflação, extingue-se a política
salarial, colocando os sindicatos de trabalhadores diante de um menu
reivindicativo centrado em demandas particularistas restritas à
empresa (como, por exemplo, as negociações da PLR - Participação
em Lucro e Resultado). É claro que o cenário de desemprego de massa
coloca imensas dificuldades para a barganha sindical. (2009, p.193,
grifo nosso).
No cenário histórico marcado pela hegemonia conservadora,
fundamentalmente a partir da década de 1990, empreendeu-se, no Brasil, um conjunto
de reformas de cunho neoliberal, que implicou no desmonte dos compromissos ético-
políticos e sociais firmados pelo Estado na Constituição Federal de 1988.
Não por acaso, o avanço do privatismo fortaleceu a acumulação de capital no
Brasil, que não significa necessariamente investimentos no setor produtivo. Na verdade,
implicou degradação de salários de diferentes categorias profissionais e de trabalhadores
do serviço público. Tal processo obedeceu às demandas para a inclusão do Brasil, de
forma associada e subalterna, no quadro das relações econômicas internacionais.
1Artigo “Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal - Precarização do trabalho e
redundância salarial” publicado na Revista katálysis vol.12 no.2 Florianópolis July/Dec. 2009. Disponível
em < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-49802009000200008&script=sci_arttext >. Acesso em
25/08/2014.
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Dessa forma, é nos marcos da “nova ordem econômica” e de adaptação do
Estado brasileiro à concepção de estado mínimo, que verificamos a aceleração da
precarização do trabalho docente, fruto de um amplo processo de mercantilização da
educação. Ressalte-se que a Constituição de 1988, assim como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, em 1996, encontra-se presente os princípios e normas para a
valorização dos professores. Mesmo sem negar o avanço nos marcos da lei no que diz
respeito ao aspecto da proteção e valorização docente, percebe-se também que os
avanços foram incapazes de garantir as condições materiais necessárias para a formação
do professor.
3. AS CONDIÇÕES MATERIAIS DE PRECARIZAÇÃO DE FORMAÇÃO
DO TRABALHO DOCENTE
Em uma breve retrospectiva histórica, podemos apontar o final dos anos de 1980
e início da década seguinte como o início da chamada “desertificação neoliberal”
(ANTUNES, 2004). Trata-se de um período histórico caracterizado pelo desmonte do
Estado para as questões sociais, privatização de estatais, planos de demissão voluntária
e violento arrocho salarial. É bem verdade que toda a maré neoliberal ganhou seu
ímpeto maior durante os oitos anos de gestão do Governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-2001).
Na verdade, a grande imprensa e os intelectuais comprometidos com a defesa
dos interesses do capital argumentavam que ao contrário do Estado “pesado” e
ineficiente, o setor privado era dinâmico e produtivo. Dessa forma, o caminho a ser
trilhado era a retirada do Estado dos setores considerados estratégicos com a
privatização dos serviços públicos. Na medida em que se configurava a hegemonia do
neoliberalismo nas políticas públicas, a educação não ficou imune ao “canto da sereia”.
Foram inúmeros os desdobramentos, incluindo a formação de professores. É importante
ressaltar que a manutenção desta condição predatória carece a todo o instante de
estratégias cada vez mais complexas para preservar a vinculação da reprodução do
capital à reprodução da vida.
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Diante da hegemonia das proposições neoliberais é importante verificarmos
sua penetração no âmbito da educação, e, especificamente na questão da formação de
professores. Do ponto de vista do capital, não interessa a socialização do conhecimento,
mas a formação de profissionais adaptados à ordem estabelecida. O mesmo pode ser
dito em relação à formação de professores nas últimas décadas, o que, aliás, traduz uma
tendência história de negação do acesso ao conhecimento para os trabalhadores.
Essa constatação pode ser verificada empiricamente por meio de obstáculos que
se apresentam atualmente:
a) Fragmentação e dispersão das iniciativas, justificadas pelas
chamadas diversificação de modelos de organização da
educação superior;
b) Descontinuidade das políticas educacionais;
c) Burocratismo da organização e funcionamento de cursos no
qual o formalismo do cumprimento das normas legais se impõe
sobre o domínio dos conhecimentos necessários ao exercício da
profissão docente;
d) Separação entre as instituições formativas e funcionamento
das escolas no âmbito dos sistemas de ensino;
e) O dilema pedagógico expresso na contraposição entre
teoria e prática, entre conteúdo e forma, entre conhecimento
disciplinar e saber pedagógico-didático. (SAVIANI, 2009,
p.73)
Os problemas apontados por Saviani (2009) reforçam a formação precária do
professor e contribuem para o esvaziamento da educação escolar. Um exemplo
emblemático desse processo foi a promulgação da LDB (Lei nº 9.394/1996), que
configurou-se em uma legislação propícia para a flexibilização das responsabilidades do
Estado:
(...) Mas a nova LDB, promulgada em 20 de dezembro de
1996, não correspondeu a essa expectativa. Introduzindo como
alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura os Institutos
Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores, a
LDB sinalizou para uma política de nivelamento por baixo: os
Institutos Superiores de Educação emergiram como instituição
de nível superior de segunda categoria, provendo uma
formação mais aligeirada, mais barata, por meio de cursos de
curta duração. (SAVIANI, 2009, p. 72)
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Assim, verifica-se que a atual legislação não atende as reais necessidades da
classe trabalhadora, mas sim aos interesses privatistas do empresariado do ramo
educacional, o que reflete diretamente na careira docente.
A evidência desses problemas materializa-se pelas políticas oficiais guiadas
pela redução de custos seguindo a lógica do receituário neoliberal. No aspecto da
formação docente, verifica-se a estratégia de formação do professor técnico e não o
professor portador de uma vasta cultura com sólida formação teórica. Não por acaso,
como já afirmou Saviani, percebe-se a existência de um dispositivo da LDB que permite
a criação de Institutos Superiores de Educação e de Escolar Normais Superiores (2009,
p. 73).
Trata-se da lógica da formação do professor tarefeiro, que possui uma
formação fragilizada que o torna incapaz de compreender os condicionantes econômico,
sociais e políticos de sua profissão. No entanto, para as necessidades do mercado, pouco
importa se os professores possuem sólida formação. O importante é que sejam
habilitados para as tarefas e projetos que lhe são designados.
Dessa rápida constatação da fragilidade da formação docente, é possível deduzir
que as condições de precariedade das escolas contribuem também para as condições de
formação docente como já alertou Saviani:
Com efeito, por um lado o entendimento de que o trabalho docente é
condicionado pela formação resulta uma evidencia lógica, assumindo
caráter consensual o enunciado de que uma boa formação se constitui
em premissa necessária para o desenvolvimento de um trabalho
docente qualitativamente satisfatório. Inversamente, é também
consensual que forma precariamente tende a repercutir negativamente
na qualidade do trabalho docente. Por outro lado, embora esse aspecto
não seja muito enfatizado, constitui também uma evidência lógica: as
condições do exercício do magistério reciprocamente determinam a
qualidade de formação docente. E isso ocorre em vários sentidos.
(2009, p.67)
Na verdade, as políticas de redução de custos, conforme o princípio do máximo
de resultados com o mínimo de dispêndio (investimentos) contribui para a fragilidade
formativa do professor. Para Kuenzer:
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A principal mudança, com profundos impactos sobre a atuação e
formação de professores, diz respeito à autonomia didática no ensino
superior. Até a LDB, havia estreita articulação entre formação e
emprego, assumindo o Estado, segundo o modelo de bem-estar
social, a regulação da relação entre instituições formadoras e mercado
de trabalho pelo controle no processo, dos currículos, da
centralização e da qualidade da oferta, estabelecendo critérios
rigorosos de qualidade que se constituíam em condições para
autorização de funcionamento e reconhecimento de cursos.Segundo o
entendimento do Banco Mundial, a transferência das atribuições do
estado para esfera privada exige duas ordens de providências: a
articulação dos cursos de formação ás demandas do mercado e a
“flexibilização” do modelo tradicional de universidade,que articula
ensino e pesquisa, acompanhada do rebaixamento do produto, de
modo a estimular a iniciativa privada pela redução dos custos de
formação. Desnecessário fazer referência para os leitores destes
artigos á organicidade das reformas que vêm se processando no
ensino superior e ás políticas do Banco (Banco Mundial 1995).
(1999, p.179).
Dessa forma, cabe destacar aqui, dois casos emblemáticos que simbolizam a
precariedade da formação do professor.
Em primeiro lugar, o REUNI - Programa de apoio a planos de reestruturação e
expansão das universidades federais – Decreto presidencial nº 6.096/2007 – que é
pautado na expansão de cursos noturnos, “inovações pedagógicas” e combate à evasão.
O discurso legitimador pautava-se pela diminuição das desigualdades sociais com a
ampliação da oferta de vagas nas instituições federais de ensino superior. Segundo
Frigotto:
O REUNI, por sua vez, representa uma inversão substantiva de
recursos de custeio para projetos e programas, quase duplicando as
vagas e sendo aplaudida fortemente pelo Manifesto dos Reitores das
Universidades Públicas durante o atual governo. Em contrapartida,
estabelece a desestruturação da carreira docente, conquistada
duramente, aumenta o trabalho precário e, sobretudo, impõe uma
brutal e, em muitos casos, insuportável intensificação da carga de
trabalho. Além disso, especialmente pelo crescimento do enclave da
educação à distância, em alguns casos com a defesa de sua crescente
expansão em substituição ao ensino superior presencial, produz-se
mais uma forma de dualidade. O fetiche da tecnologia opera aqui
como um argumento ideológico. (2011, p. 247).
Nesses termos, é inegável que a expansão ocorreu sem a garantia mínima de
estrutura física e de pessoal necessário para o atendimento das demandas crescentes. O
resultado se traduziu na intensificação do trabalho docente, que teve como uma das
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características a contratação de professores substitutos que seria apenas um suporte
acaba virando um profissional permanente dentro das IES, uma vez que as
universidades não pagam a mesma remuneração, portanto não possuem os mesmos
direitos de seus pares efetivos. Vejamos os apontamentos de Lima:
A precarização das condições de trabalho dos substitutos atinge não
apenas os próprios docentes, mas também os professores do quadro
efetivo, que ficam sobrecarregados com orientações de bolsistas de
pesquisa e extensão, como as tarefas administrativas, entre outras, que
não podem ser assumidas pelos professores substitutos (2011, p.
154).
A partir desse quadro, é possível verificar a nova face do trabalho docente e a
forma como o Estado organiza as relações de trabalho dentro das instituições superiores
de ensino. Não bastassem as condições de contratação precárias, a precarização das
atividades docentes limitam as práticas da pesquisa, extensão e ensino dentro da
universidade. Observa-se em diferentes instituições de ensino superior as condições
estruturais deficientes como se verifica na denúncia no Portal do Sindicato Nacional dos
Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN2 (2011):
As condições existentes são tão precárias que chegamos a trazer água
e papel higiênico de casa e a usar, para fins institucionais, nossos
próprios meios de comunicação (celular, notebook, internet móvel
etc.); não há salas de trabalhos para docentes; não há espaço para
convivência ou mesmo acervo bibliográfico suficiente para a demanda
atual.
Ora, não há como negar aqui a omissão do Estado em manter adequadamente as
instituições públicas, afetando dessa forma a formação dos futuros professores. No
entanto, é interessante notar que, ao mesmo tempo que se percebe o “Estado mínimo”
2 Texto “SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
- ANDES-SN: Situação precária da UNIR leva professores e alunos a deflagrarem greve”. Disponível
em: < http://portal.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=4890 >. Acesso em:
08/08/2014.
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para atender as demandas das IES públicas, verifica-se a sua presença no socorro às
empresas privadas de educação por meio de programas com o verniz da inclusão.
Nesse sentido, uma medida que merece destaque para a compreensão da
temática da formação docente é o PROUNI – Programa de Universidades Para Todos -
que oferece bolsa de estudos em instituições de ensino superior privadas. Nesse caso, o
Estado também utiliza o discurso da “justiça social” como legitimador de uma política
privatizante. Vejamos os apontamentos Frigotto:
O PROUNI criou mais de 700 mil vagas para jovens e isso seria
fantástico se tal inclusão não fosse incorporando, ainda que de forma
enviesada, a tese conservadora de Milton Friedman que, no final da
década de 1950, defendia que o estado desse aos mais pobres, um
VOUCHER ou uma carta de crédito para escolher onde queriam
estudar. (2011, p. 247).
Como se vê, trata-se de um modelo de política pública que possibilita as
empresas do ensino superior um contingente de alunos/consumidores no mercado
educacional. Não se trata necessariamente de um programa comprometido com a
formação sólida dos futuros professores, mas em atender os interesses de um segmento
do mercado educacional.
É importante ressaltar, conforme dados divulgados pelo INEP, que das 2.416
instituições de ensino superior no Brasil, 2.112 são privadas. Segundo o censo realizado
em 2012, haviam 7.037.688 alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil,
distribuídos em 31.866 cursos, ofertados por 2.416 instituições — 304 públicas e 2.112
particulares. No caso específico de Rondônia, das 31 instituições existentes, apenas 02
são públicas.
Em linhas gerais, isso significa que o sistema de educação superior brasileiro
cresce no sentido da iniciativa privada, sendo apresentado como serviço e não direito
num cenário em que dominam as atividades vinculadas ao ensino de graduação, sem o
compromisso de pesquisa e extensão.
Na verdade, ao observarmos a história da educação superior em nossas terras,
verificaremos que a privatização não é novidade, nem exclusividade dos últimos
governos marcados pela agenda neoliberal; mas, sem dúvida, não há como negar o
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avanço das proposições conservadoras e privatistas que transformam cada vez mais o
ensino superior em mercadoria.
Se analisarmos as condições materiais de trabalho nas instituições privadas, os
dados apresentados levam-nos a inferir que a precarização e esvaziamento de trabalho
do professor ampliou extraordinariamente, no mesmo ritmo que se perdeu em qualidade
do ensino. Gramani (2008) abordou em artigo a construção de indicadores de
"qualidade" para a orientação de instituições de ensino superior com capital aberto. É
interessante notar que a própria "consultora" aconselha os acionistas:
[...] quando se trata uma instituição de ensino com valores comerciais
ou princípios de mercado podem ocorrer situações como: contratação
e demissão de colaboradores da instituição baseados em necessidades
de mercado, recrutamento de estudantes com a finalidade de maior
lucratividade, criação de programas rápidos a fim de maximizar o
ganho, julgamento do desempenho de professores de acordo com a
demanda dos consumidores, padronização dos currículos objetivando
a eficiência econômica, entre outros (2008, p.441).
Como se vê, não é exatamente o compromisso com a formação de profissionais
de alto nível que está em questão. Em outras palavras, trata-se de negócios. Isso posto,
não há como negar que a precarização se inicia na formação aligeirada. Isso trará
consequências para o futuro professor, transformado em um tarefeiro que mal domina
os conteúdos e os fundamentos pedagógicos para o ensino. Como nos indica Frigotto:
Finalmente, a educação, uma prática social, política e técnica que se
define no bojo do movimento histórico das relações sociais de
produção da existência, e com elas se articula, reduz-se a uma
dimensão técnica assepticamente separada do político e do social. A
função precípua – enquanto uma técnica social – é formada recursos
humanos, produzir capital humano. Uma maneira inversa de
apresentar a relação entre mundo de trabalho, da produção e mundo
da escola, da qualificação.
Ora, essa redução histórica da concepção de educação – capital
humano, que decorre da própria forma de metamorfosear o conceito
de classe, trabalho, capital e homem – não é fortuita. Também não é
resultado de uma idéia de um economista iluminado. Pelo contrário,
trata-se da produção de uma forma de conceber a educação que não
só tem bases históricas objetivas, como também tem função real no
interior das relações capitalista de onde emerge (2010, p. 243).
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Dentro desta linha de raciocínio, “Marx tem toda razão quando postula que sem
a superação da propriedade privada não será possível ir além do capital e, portanto, da
forma histórico-contemporânea predominante das misérias que os homens se
impuseram” (LESSA, 1998, p.12). O perfil do trabalhador, a identidade do trabalhador é
então formada numa maneira antidemocrática, sem nenhuma propensão a reclamações
ou solicitação de mudança.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta por uma educação diferente, e, em especial, de uma universidade
qualitativamente superior aos propósitos do capital têm sido difícil. Em primeiro lugar,
porque a mercantilização das relações institucionais dentro das universidades tem
contribuído para a amortização das lutas em defesa da universidade pública.
Acrescente-se, ainda, que destacados frações do movimento docente dentro das
universidades, aderiram de forma pragmática à tese de que não há alternativas possíveis,
o que significa, em poucas palavras, uma adesão à ordem estabelecida.
O diagnóstico apresentado implica em uma responsabilidade maior para aqueles
que se colocam em defesa da universidade pública e de uma formação sólida do futuro
professor: a da ampliação de categorias teóricas, sínteses explicativas sólidas, críticas,
que potencializem a ação coletiva de contestação e a mudança radical.
Pelo que foi dito até aqui, ganha sentido a defesa da escola pública e a luta pela
não abdicação do Estado de seu papel de provedor de bens públicos. Educação não é um
serviço prestado, mas um direito que deve ser assegurado. Como indivíduos, seremos
incapazes de transformar profundamente as estruturas vigentes. Portanto, é necessário
fortalecer os agentes comprometidos com a escola popular no âmbito da sociedade civil,
com o objetivo de exercer/ampliar o controle sobre o Estado. O fortalecimento das
organizações de professores, dos movimentos estudantis e outras entidades afins, são
fundamentais para a construção de uma nova sociedade. Assim, em lugar da defesa da
privatização, o que se torna imprescindível é a necessidade de denunciar as práticas que
ajudam a manter os privilégios presentes em nossa sociedade, sem nos esquecermos que
a instituição escolar é reflexo das relações materiais de produção.
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Nesse sentido, uma transformação revolucionária é impossível sem a
contribuição mais efetiva da educação em seu sentido amplo. Entendemos que a
educação pode e deve ser articulada com as lutas mais amplas dos trabalhadores em
busca de sua real emancipação.
Por fim, entendemos que o quadro delineado é uma construção história.
Portanto, uma dedução lógica implica em reconhecer a possibilidade de construção de
uma alternativa diferente daquelas colocadas pelo capital.
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