A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E SUA INFLUÊNCIA NO … DOMINGOS CARVALHO DOS... · 2009-08-05 · A...
Transcript of A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E SUA INFLUÊNCIA NO … DOMINGOS CARVALHO DOS... · 2009-08-05 · A...
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO PARTICIPATIVO DAS FAMÍLIAS NA
AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA
Por: José Domingos Carvalho dos Santos Orientação : professor Nilson Guedes de Freitas
Março,2005
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO PARTICIPATIVO DAS FAMÍLIAS NA
AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA
Monografia apresentada à coordenação do curso de Pós-graduação em Terapia de Família, na Universidade Cândido Mendes, sob orientação do professor Nilson Guedes de Freitas, como requisito para a conclusão do curso.
3
AGRADECIMENTOS
À Deus e ao educador dos educadores : Jesus Cristo, aquele que encantou multidões com seus ensinamentos. Agradeço também a minha esposa Selma e minhas filhas Thamiris e Maria Fernanda, pois são delas que vem as maiores alegrias na minha vida .
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todas as pessoas que ainda acreditam que é possível melhorar este mundo através de uma educação voltada para o amor . Onde exista uma relação de amizade, carinho e solidariedade.
5
RESUMO
Esta monografia pretende apresentar as dificuldades que os profissionais do
Serviço Social da Ação Comunitária Sal da Terra encontraram para desenvolver um
trabalho em busca de uma participação ativa e consciente das famílias de baixa renda
do morro do Cabuçú, Dona Francisca e adjacências, atendidas na instituição acima
citada, onde se prestava um atendimento extremamente assistencialista e de cunho
religioso.
Pela experiência vivida pelo Serviço Social na Ação Comunitária Sal da
Terra, pode-se perceber que é através de uma educação libertadora (pautada nos
ensinamentos de Paulo Freire), que poderemos levar as pessoas de uma
comunidade, creche ou outro grupo social, a tornarem-se sujeitos da história,
exercendo sua cidadania plenamente, consciente de seus direitos e deveres, e, que a
participação de cada membro desse grupo faz a diferença. Não uma participação
domesticada, opressora, mas sim, uma participação dialógica, reflexiva e de
constante interação entre as pessoas.
Este trabalho foi realizado com pesquisas bibliográficas sendo utilizado os
métodos de Paulo Freire e os pensamentos de Gabriel Chalita e Dulce Moreira
Sampaio.
6
SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 Capítulo I - Considerações a respeito da educação Libertadora e da participação . . . . . . . . . . . . 08 1. Educação princípio de tudo . . . . . . . . . . . . . . . . 09 2. O significado da participação . . . . . . . . . . . . . . 18 Capítulo II - A praxe do Serviço Social na Ação Comunitária Sal da Terra . . . . . . . . . . . . . . 22 1. A instituição e o Serviço Social . . . . . . . . . . . . 23
2. A busca de uma metodologia . . . . . . . . . . . . . . 26
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Folha de Avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
7
INTRODUÇÃO
Este trabalho vem expressar a busca de um caminhar. Não tem a pretensão de
criar novas concepções a respeito da participação e sim fazer uma descrição mais
detalhada do seu significado relacionando-a com uma verdadeira educação
libertadora, destacando a importância do diálogo em todo esse processo, fazendo um
paralelo com os problemas enfrentados pelo Serviço Social na prática profissional
desenvolvida na Ação Comunitária Sal da Terra.
Para melhor compreensão dividimos o trabalho monográfico em duas partes.
No primeiro capítulo, fazemos considerações a respeito da educação como
princípio de tudo e também da participação.
O segundo capítulo vem narrar toda a prática do Serviço Social na
instituição “ Ação Comunitária Sal da Terra”. As dificuldade que enfrentaram, as
lições de vida e a busca de uma atuação técnica e metodológica na tentativa de
superar toda uma prática assistencialista e a influência religiosa.
É importante destacar que este trabalho busca uma reflexão e um
questionamento na relação da teoria do participar, dialogar e transformar, com
uma prática incoerente onde vemos a opressão , o autoritarismo e uma educação
“bancária” dificultando todo um caminhar que nos leve a um Serviço Social
realmente participativo, conscientizador e libertador.
9
1. - Educação: Princípio de tudo
Aprendi que se depende sempre de tanta muita diferente
gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de tantas outras pessoas. E é tão bonito quando a gente sente que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar.
Gonzaguinha. Não é possível enfocarmos participação sem tecermos considerações maiores
à Educação. Acreditamos que ela é a base de tudo. Não uma Educação alienadora,
domesticadora, mas, uma educação que nos leve a refletir, a questionar e que nos
liberte, enfim, que traga conscientização. Só através dessa Educação é que
poderemos chegar a uma verdadeira participação, isto é, uma participação
transformadora, que nos promova fazendo com que a gente cresça como pessoa e
como ser no mundo. Essa educação (pautada nos ensinamentos de Paulo Freire) vem
mostrar o caminho da nossa prática profissional sendo essa a maior razão de expô-la
aqui de forma detalhada .
As relações que o homem trava no mundo com o mundo (pessoais,
impessoais, corpóreas e incorpóreas ) apresentam uma ordem de características que
as distinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera animal.
Entendemos que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente
dele, possível de ser conhecido. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem,
ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo.
Estar com o mundo resulta de sua abertura a realidade, que o faz ser o ente de
relações que é .
Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em que
responde a ampla variedade dos seus desafios, em que não se esgota num tipo
padronizado de resposta. A sua pluralidade não é só em face dos diferentes desafios
que partem do seu contexto, mas em face de um mesmo desafio. No jogo constante
10
de suas respostas, altera-se no próprio ato de responder. Organiza-se. Escolhe a
melhor resposta. Testa-se. Age . Faz tudo isso com a certeza de quem usa uma
ferramenta, com a consciência de que está diante de algo que o desafia. Nas relações
que o homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na
própria singularidade e há também uma nota presente de criticidade. A captação que
faz dos dados objetivos de sua realidade, como dos laços que prendem um dado a
outro, ou um fato a outro, é naturalmente crítica, por isso reflexiva e não reflexa,
como seria na esfera dos contatos. Ademais, é o homem, e somente ele, capaz de
transcender a sua transcendência, acrescente-se, não é um dado apenas de sua
qualidade “espiritual”. A sua transcendência está também na raiz de sua finitude.
Na consciência que tem desta finitude . Do ser inacabado que é e cuja plenitude se
acha na ligação com seu criador . Ligação que, pela própria essência, jamais será de
dominação ou de domesticação, mas sempre de libertação. Daí que a religião que
encarna este sentido transcendental das relações do homem, jamais deva ser um
instrumento de sua alienação. Exatamente porque, ser finito e indigente, tem o
homem na transcendência, pelo amor, o seu retorno a sua fonte, que o liberta. No ato
de discernir, porque existe e não só vive, se acha a raiz, por outro lado, da descoberta
de sua temporalidade, que ele começa a fazer precisamente quando, varando o
tempo, de certa forma então unidimensional, atinge o ontem, reconhece o hoje e
descobre o amanhã. Na história de sua cultura terá sido o tempo – o da
dimensionalidade do tempo - um dos seus primeiros discernimentos. O “excesso”
de tempo sob o qual vivia o homem das culturas iletradas prejudicava sua própria
temporalidade, a que chega com o discernimento a que nos referimos e com a
consciência desta temporalidade - a de sua historicidade – um hoje constante, de
que não tem consciência . O homem existe no tempo. Está dentro – está fora – herda,
incorpora, modifica, porque não está preso num tempo reduzido a um hoje
permanente que o esmaga, emerge dele – banha-se nele – temporaliza-se .
Na verdade, já é quase um lugar comum afirmar-se que a posição normal do
homem no mundo, visto como não está apenas nele mas com ele, não se esgota em
mera passividade. Não se reduzindo tão somente a uma das dimensões de que
participa – a natural e cultural - da primeira, pelo seu aspecto biológico, da segunda
pelo seu poder criador, o homem pode ser eminentemente interferidor. Herdando a
experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se as condições de seu
11
contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo,
transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da história e
o da cultura .
Não houvesse esta integração, que é uma nota de suas relações, e que se
aperfeiçoa na medida que a consciência se torna crítica, fosse ele apenas um ser da
acomodação ou do ajustamento, e a história e a cultura , domínios exclusivamente
seus, não teriam sentido, faltar-lhes-ia a marca da liberdade. Por isso, toda vez que
se suprime a liberdade, fica ele um ser meramente ajustado ou acomodado, e é por
isso que, minimizado e cerceado, acomodado a ajustamentos que lhe sejam impostos,
sem o direito de discuti-los, o homem sacrifica imediatamente a sua capacidade
criadora .
A partir das relações do homem com a realidade, resultante de estar com ela e
de estar nela, pelos atos de criação, recreação e decisão, vai ele dinamizando o seu
mundo, vai dominando a realidade, vai humanizando-a, faz cultura . E, na medida em
que cria, recria, e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também
criando, recriando e decidindo que o homem deve participar destas épocas .
E o fará melhor, toda vez que, integrando-se ao espírito delas, se aproprie de
seus temas fundamentais, reconheça suas tarefas concretas. Uma das grandes, se não
a maior, tragédia do homem moderno, está em que hoje é dominado pela força dos
mitos e comandado pela mídia organizada, ideológica ou não, e por isso vem
renunciando cada vez, sem o saber, à sua capacidade de decidir, vem sendo expulso
da órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem
simples, mas a ele apresentada por uma “elite” que as interpreta e lhes entrega em
forma de receita, de prescrição a ser seguida. E, quando julga que se salva seguindo
as prescrições, afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e
sem fé, domesticado e acomodado : já não é sujeito, rebaixa-se a puro objeto,
coisifica-se .
Por isso desde já salienta-se a necessidade de uma permanente atitude crítica,
único modo pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se,
superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e
tarefas de sua época .
Mas, infelizmente, o que se sente, dia a dia, com mais força aqui, menos ali,
em qualquer dos mundos em que o mundo se divide, é o homem simples esmagado,
12
diminuído e acomodado, convertido em espectador, dirigido pelo poder dos mitos
que forças sociais poderosas criam para ele . Mitos que, voltando-se contra ele, o
destroem e aniquilam. É o homem tragicamente assustado, temendo a convivência
autêntica e até duvidando de sua possibilidade. Ao mesmo tempo, porém inclinando-
se a um gregarismo que implica, ao lado do medo da solidão, que se alonga como
“medo da liberdade” , na justaposição de indivíduos a quem falta vínculo crítico e
amoroso, que a transformaria numa unidade cooperadora, que seria a convivência
autêntica .
Em verdade, o que caracterizou, desde o início a nossa formação, foi sem
dúvida, o poder exacerbado. Foi a robustez no poder em torno de que foi se criando
um quase gosto masoquista de ficar sob ele a que correspondia outro, o de se ser o
todo – poderoso . Poder exacerbado a que foi se associando sempre a submissão .
Submissão de que decorria, em consequência, ajustamento, acomodação e não
integração .
A acomodação exige uma dose mínima de criticidade. A integração, pelo
contrário, exige um máximo de razão e consciência. Na verdade, no ajustamento o
homem não dialoga – não participa, pelo contrário, se acomoda a determinações que
se superpõem a ele .
Vivemos, desde o nosso período de vida colonial, pressionados sempre.
Quase sempre proibidos de crescer. Proibidos de falar. O homem comum estava
sempre ao lado, posto à margem, sem direitos cívicos, irremediavelmente afastado de
qualquer experiência de autogoverno, de dialogação, constantemente submetido,
“protegido” , capaz, na verdade, de algazarra, que é a “voz” dos que se tornam
mudos na constituição e crescimento de suas comunidades, quando ensaiam qualquer
reação . Nunca porém, capaz de voz autêntica , de opção, voz que o povo
inexperimentado dela, vai ganhando quando novas condições fasiológicas vão
surgindo e propiciando a ele os primeiros ensaios de dialogação .
Estamos vivendo uma crise global profunda, onde o vazio existencial e
afetivo, provocado pela manipulação e desmandos, favorece a miséria, a violência, a
corrupção, o medo, a insegurança, resultado da fragilidade das relações e dos valores
humanos .
Essa crise global (familiar, educacional e social) é reforçada pela passagem
do autoritarismo que incutia o medo e a repressão, onde os valores morais para o
13
estabelecimento da ordem e da disciplina eram rígidos. Saber lidar com a liberdade e
autonomia e, ao mesmo tempo, com a disciplina, ordem e respeito é o grande desafio
dos novos tempos .
É notório o fato de que o mundo esta passando por mudanças profundas e
rápidas. A nossa cultura, em seu movimento próprio e constante de renovação,
mostra vários aspectos agonizantes de nosso civilização e um desses é a educação, a
qual não tem atendido aos interesses das crianças, dos jovens e adultos e nem
cumprido a função que lhe cabe .
As ideologias que dominam o planeta estão voltadas para as questões
econômicas, de domínio e competição sem levar em consideração o respeito pela
vida, pela dignidade do ser humano, à sua auto- realização. Com isso, não se
privilegia o bem- estar humano, o que pode possibilitar o desenvolvimento
harmonioso da sociedade, mas apenas os interesses do capital e de uma minoria que
detém o poder .
Diante de todo esse quadro é fácil perceber que necessitamos realmente de
uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política .
Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua
problemática, de sua inserção nesta problemática, que o advertisse dos perigos de seu
tempo, para que, consciente deles ganhasse a força e a coragem de lutar, ao invés de
ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu” , submetido às prescrições
alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro, que o
predispusesse a constantes revisões, à análise crítica de seus “achados” . Há uma
certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão, que o identificasse com
métodos e processos científicos .
Cada vez mais nos convencemos de que o homem brasileiro tem de ganhar a
sua responsabilidade social e política, existindo essa responsabilidade, participando,
ganhando cada vez maior ingerência (intervenção) nos destinos da escola do seu
filho, nos destinos do seu sindicato, de sua empresa, através de agremiações, de
clubes, de conselhos, ganhando ingerência na vida do seu bairro, da sua igreja, na
vida de sua comunidade, pela participação atuante em associações, em clubes, nas
escolas, em sociedades beneficentes .
Não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular do que
uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos
14
problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação. Por isso a
educação tem de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitudes,
de criação de disposições democráticas através da qual se substituíssem no brasileiro,
antigos e culturológicos hábitos de passividade, por novos hábitos de participação e
ingerência .
Não seria então, com uma educação desvinculada da vida, centrada na
palavra, em que é altamente rica, mas na palavra “milagrosamente” esvaziada da
realidade que deveria representar, porem de atividades com que o educando ganhe a
experiência do fazer, que desenvolveríamos no brasileiro a criticidade de sua
consciência, indispensável à nossa democratização .
Nada ou quase nada existe em nossa educação, que desenvolva no nosso
estudante o gosto da pesquisa, da constatação, da revisão dos “achados” - o que
implicaria no desenvolvimento da consciência transitivo – crítica. Pelo contrário, a
sua perigosa superposição à realidade intensifica no nosso estudante a sua
consciência ingênua .
A própria posição da nossa escola, de modo geral acalentada ela mesma pela
sonoridade da palavra, pela memorização dos trechos, pela desvinculação da
realidade, pela tendência a reduzir os meios de aprendizagem às formas meramente
nocionais, já é uma posição caracteristicamente ingênua .
Os pais e a escola sentem-se inseguros sobre como agir, oscilando entre o
autoritarismo e a permissividade, sem saber quais qualidades éticas a empregar na
educação e os limites necessários, tudo isso influenciado pelos meios de
comunicação, principalmente a televisão, que divulgam o sensacionalismo, a
violência, a agressividade e a degradação dos valores e costumes .
A família, a escola e os líderes não estão se constituindo referências para as
crianças e jovens. A perda dessa dimensão valorativa e da autoridade tem gerado o
descompromisso com as questões éticas, indicando um sombrio quadro institucional.
Estamos presenciando o modelo educacional, onde os alunos são
programados para serem bons consumidores e trabalharem pela ideologia consumista
e da economia que luta para manter os privilégios de uma pequena elite. Com isso a
escola preserva os valores da classe dominante, o mercantilismo do saber, a disputa
da escola que valoriza a quantidade de conteúdos pela competição entre si, com o
15
único propósito de preparar o aluno para a universidade e para o trabalho, gerando a
alienação do seu conhecimento, visão de si mesmo e do mundo .
Além desses aspectos, a sociedade, ainda nos dias de hoje, sofre os efeitos
danosos de sua colonização, de servidão, escravidão e exploração que se refletem no
“jeitinho brasileiro” , na corrupção, em todas as instâncias, nos preconceitos, nas
discriminações, na falta de uma consciência de cidadania, na deseducação de grande
parte do povo pelo que é público e coletivo, nas depredações do seu patrimônio
(praças, jardins, escolas, lixo nas ruas e praias) .
A educação é o caminho para a realização humana. A educação não pode
restringir-se a treinamentos ou apenas informações. É necessário repensá-la e fazê-la
servir à vida, à realização humana, social e ambiental .
Como diz Platão: “ A direção na qual a educação coloca um homem
determinará a sua vida futura” .
Diante das estatísticas que mostram o alto índice de analfabetismo no país, as
autoridades estão preocupadas em aumentar a rede escolar para atender a demanda
nas regiões carentes e tentar minimizar o problema. Sabemos que essas mesmas
estatísticas atestam os analfabetos funcionais que saem das escolas depois de terem
cursado vários anos sem terem alcançado o lastro mínimo do mecanismo da leitura e
da escrita, que possibilite a sua preparação para o pensamento crítico.
Quanto mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático e permeável,
em regra, tanto mais democrático, quanto mais ligado às condições de sua
circunstância, tanto menos experiências democráticas que exigem dele conhecimento
crítico de sua realidade, pela participação nela, pela sua intimidade com ela, quanto
mais superposto a essa realidade e inclinando a formas ingênuas de encará-la, a
formas ingênuas de percebê-la, a formas verbosas de representá-la, quanto menos
criticidade em nós, tanto mais ingenuamente tratamos os problemas e discutimos
superficialmente os assuntos .
A nossa cultura fixada na palavra corresponde a nossa inexperiência do
diálogo, da investigação, da pesquisa, que por sua vez, estão intimamente ligados à
criticidade, nota fundamental da mentalidade democrática.
A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o
debate, a análise da realidade, não pode fugir a discussão criadora, sob pena de ser
uma farsa.
16
Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõem ?
Os educadores, em sua maioria, ditam idéias. Não trocam idéias, discursam
aulas. Não debatem ou discutem temas. Trabalham sobre o educando, não trabalham
com ele. Eles impõem uma ordem a que eles não aderem, mas se acomodam. Não lhe
propiciando meios para pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhes são
dadas, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado
de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura, exige
reinvenção .
Muito se falou sobre a educação libertadora, diferente daquela que mantém as
coisas como estão por decisão do sistema. A educação libertadora tem como meta o
desenvolvimento da autonomia, a formação de um educando e de um educador com
vontade própria, que tenham luz própria, que sejam um caminhante sem medo do
caminhar e sem a necessidade de seguir o caminho feito por terceiros. Não há nada
tão belo e tão profundo como o anseio pela liberdade. Não há nada tão buscado e tão
difícil de ser obtido - sem liberdade não há vida .
A liberdade é a possibilidade de duvidar, a possibilidade de errar, a
possibilidade procurar, de experimentar, de dizer não a uma imposição, seja literária,
seja artística, filosófica, religiosa, política. E, principalmente, dizer não com
consciência, sem teimosia, mas com convicção. Liberdade é ainda mais, ou talvez
menos. Liberdade é poder escolher. E antes que acabemos caindo na armadilha das
palavras, a liberdade não é o poder – dominação, mas o poder – autorização de fazer
o que nossa alma pede, sem restrições, a não ser os limites íntimos colocados pela
consciência.
Para a prática da liberdade todos os instrumentos do espírito são necessários;
os conhecimentos que adquirimos nas relações familiares, os que nos ensinam nas
escolas, os que adquirimos no trabalho, nas férias etc. Mas o maior de todos os
conhecimentos é o de si mesmo. “Conhece-te a ti mesmo” , dizia Sócrates.
Não precisamos de saúde para sermos livre; nem de poder, nem de beleza,
nem de um corpo apolíneo, nem de bela voz, nem de temperamento especial, nem de
dons artísticos, nem de nascer em berço de ouro. Somente uma coisa é necessária
para a liberdade: o conhecimento, sem medo. A consciência de que se tem esse
poder. Sem a consciência seremos escravos dos outros e de nós mesmos.
17
Não podemos comprar a liberdade, mas podemos construí-la. Não podemos
pedir a nossos pais a liberdade, mas podemos construí-la; não podemos inventar a
liberdade, mas podemos construí-la; não podemos doar a liberdade, mas podemos
ensinar outrem a construí-la; não podemos impor a liberdade, mas podemos ajudar
alguém a construí-la .
Sim. Podemos exigir dos governos, das famílias, da escola a liberdade. Se
soubermos construí-la .
Não é compatível com nossa fé na liberdade admitir que alguém nasça com a
maldade em essência e por causa disso queira destruir seu semelhante.
É o ignorante que mata, rouba, aniquila, maltrata, grita, odeia, se desespera o
tempo todo. São sentimentos que nascem com a falta da capacidade de reflexão, de
interiorização – não foi educado para isso, a família e a escola não o prepararam para
a liberdade. As grades da prisão não são suficientes fortes para roubar a liberdade. A
deficiência física que impede o pleno exercício do corpo também não retira a
liberdade, mas a falta de conhecimento é capaz de transformar uma das maiores
dádivas da existência em escravidão .
18
2. O significado da participação
Toda vida existe para iluminar os caminhos de outras vidas que a gente encontrar. Homem algum será deserto ou ilha, como não pode o rio negar o mar. Seja lá na Dinamarca ou aqui, sonhe um sonho solidário faz crescer o amor diário, faça amigos em cada rua ou bar.
Milton Nascimento
Uma das grandes verdades de nossas vidas é a de que nenhum homem é uma
ilha e desde suas origens o homem vive agrupado com seus iguais, por isso, a
participação sempre tem acompanhado – com altos e baixos – as formas históricas
que a vida social foi tomando. Atualmente a participação está na “moda” devido ao
descontentamento geral com a marginalização do povo, dos assuntos que interessam
a todos e que são decididos por poucos. O entusiasmo pela participação vem das
contribuições positivas que ela oferece. É importante ressaltar, o que está ocorrendo
com a participação: estão a favor dela tanto os setores progressistas que desejam uma
democracia mais autêntica, como os setores tradicionalmente não muito favoráveis
aos avanços das forças populares .
A razão, evidentemente, é que a participação oferece vantagens para ambos.
Ela pode se implantar tanto com objetivos de liberação e igualdade como para a
manutenção de uma situação de controle de muitos por alguns.
Do ponto de vista dos setores progressistas, a participação facilita o
crescimento da consciência crítica da população, fortalece seu poder de reivindicação
e a prepara para adquirir mais poder de decisão na sociedade. Além disto, por meio
da participação, conseguem-se resolver problemas que ao indivíduo parecem
insolúveis se contar com suas próprias forças.
Decorre que a participação não é somente um instrumento para a solução de
problemas mas, sobretudo, uma necessidade fundamental do ser humano, como o são
a comida, o sono e a saúde.
19
A participação é o caminho natural para o homem exprimir sua tendência
inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o
mundo. Além disso, sua prática envolve a satisfação de outras necessidades não
menos básicas, tais como a interação com os demais homens, auto- expressão, o
desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas, e, ainda,
a valorização de si mesmo pelos outros.
Conclui-se que a participação tem duas bases complementares: uma base
afetiva – participamos porque sentimos prazer em fazer coisas com os outros – e uma
base instrumental – participamos porque fazer coisas com outros é mais eficaz e
eficiente que fazê-las sozinhos.
Estas duas bases – afetiva e instrumental – deveriam equilibrar-se, porém, às
vezes, elas entram em conflito e uma delas passa a sobrepor-se à outra ou a
participação torna-se puramente “consumatória” e as pessoas se despreocupam de
obter resultados práticos – como numa roda de amigos bebendo num bar – ou ela é
usada apenas como instrumento para atingir objetivo, como num “comando”
infiltrado em campo inimigo.
Se formos conceituar a participação podemos dizer com certeza que
participar é fazer parte de algum grupo ou associação, ou tomar parte numa
determinada atividade, ou ainda, ter parte num negócio.
De fato, a palavra participação vem da palavra parte. Participação é fazer
parte, tomar parte ou ter parte. Mas, há diferenças muito grande no significado destas
expressões, pois é bem possível fazer parte sem tomar parte e que a segunda
expressão representa um nível mais intenso de participação. Eis a diferença entre a
participação passiva e a participação ativa, a distância entre o cidadão inerte e o
cidadão engajado.
Mesmo dentro da participação ativa, isto é, entre as pessoas que “tomam
parte” , existem diferenças na qualidade de sua participação. Algumas, por exemplo,
sentem “ser parte” da organização, isto é , se consideram como “tendo parte” nela e
lhe dedicam sua lealdade e responsabilidade. Outras, embora muito ativas, talvez
levadas pelo seu dinamismo natural, não professam uma lealdade comprometida com
a organização e facilmente a abandonam para gastar suas energias excedentes em
outra organização.
20
A prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte mas como se
toma parte.
O homem participa nos grupos primários, como a família, o grupo de amizade
ou de vizinhança, e participa também dos grupos secundários, como as associações
profissionais, sindicatos, empresas. Participa ainda dos grupos terciários, como
partidos políticos e movimentos de classe.
Podemos então falar de processos de micro e de macroparticipação. É
importante distingui-los porque muitas pessoas participam somente em nível micro
sem perceber que poderiam – e talvez deveriam - participar também em nível macro
ou social.
Convém distinguir entre participação em associações e participação social. As
vezes pensa-se, erroneamente, que participação social é apenas a soma das
associações de que se é membro ativo. Se as pessoas estão afiliadas a varias
sociedades, clube, irmandades, etc. , há quem diga “elas tem muita participação
social” .
Participação social, ou participação em nível macro, implica uma visão mais
larga e tem algo a dizer na sociedade como um todo. A sociedade global não é só o
conjunto de associações. O cidadão, além de participar em nível micro na família e
nas associações, também participa em nível macro quando intervém nas lutas sociais,
econômicas e políticas de seu tempo.
A macroparticipação, isto é, a participação macrossocial, compreende a
intervenção das pessoas nos processos dinâmicos que constituem ou modificam a
sociedade, quer dizer, na história da sociedade – sua conceitualização, por
conseguinte, deve incidir no que é mais básico na sociedade, que é a produção dos
bens materiais e culturais, bem como sua administração e seu usufruto.
Uma sociedade participativa seria, então aquela em que todos os cidadãos tem
parte na produção, gerência e usufruto dos bens da sociedade de maneira eqüitativa.
Toda a estrutura social e todas as instituições estariam organizadas para tornar isto
possível.
Tipos de participação:
Desde o começo da humanidade, os homens tiveram uma participação de
fato, quer no seio da família nuclear e do clã, quer nas tarefas de subsistência, ou no
21
culto religioso, na recreação e na defesa contra os inimigos. O primeiro tipo de
participação é, então, a participação de fato.
Um segundo tipo seria o de participação espontânea, aquela que leva os
homens a formarem grupos de vizinhos, de amigos, “panelinhas” e “gangs” , isto é ,
grupos fluidos, sem organização estável ou propósitos claros e definidos a não ser os
de satisfazer necessidades psicológicas de pertencer, expressar-se, receber e dar
afeto, obter reconhecimento e prestígio.
Além das formas de participação de fato e espontânea, sempre existiram
modos de participação imposta, nos quais o indivíduo é obrigado a fazer parte de
grupos e realizar certas atividades consideradas indispensáveis.
Na participação voluntária, o grupo é criado pelos próprios participantes, que
definem sua própria organização e estabelecem seus objetivos e métodos de trabalho,
os sindicatos livres , as associações profissionais, as cooperativas, os partidos
políticos, baseiam-se na participação voluntária.
Todavia, nem sempre a participação voluntária surge como iniciativa dos
membros do grupo, às vezes trata-se de uma participação provocada por agentes
externos, que ajudam outros a realizarem seus objetivos ou os manipulam a fim de
atingir seus próprios objetivos previamente estabelecidos.
Alguns enfoques mais ou menos institucionalizados de participação
provocada são a extensão rural, o Serviço Social, a educação em saúde, os trabalhos
de pastoral, a agitação – propaganda.
Finalmente, existe ainda uma participação concedida, onde a mesma viria a
ser a parte de poder ou de influência exercida pelos subordinados e considera como
legítima por eles mesmos e seus superiores.
O chamado “planejamento participativo” , quando implantado por alguns
organismos oficiais, freqüentemente não é mais que um tipo de participação
concedida, e as vezes faz parte de ideologia necessária para o exercício do projeto de
direção - dominação de classe dominante. Com efeito, a ideologia dominante
objetiva manter a participação do indivíduo restrita aos grupos baseados em relações
sociais primárias, como o local de trabalho, a vizinhança, as paróquias, as
cooperativas, as associações profissionais, etc. , de modo a criar uma “ilusão de
participação” política e social.
23
1. A Instituição e o Serviço Social Toda a experiência como profissional de Serviço Social foi realizada na
“Ação Comunitária Sal da Terra” . Esta instituição está localizada no bairro do Lins
de Vasconcelos, tendo sua sede no interior de uma Igreja católica, essa observação é
importante porque a Igreja exerce uma influência muito grande sobre a atuação do
Serviço Social. Em todo o período de nossa prática profissional essa influência
religiosa foi um dos maiores problemas enfrentados pelos profissionais do Serviço
Social na tentativa de realizar um trabalho a nível de uma participação e educação
libertadora com a comunidade.
Quando iniciamos a nossa prática era fácil perceber que havia muito trabalho
a ser feito. A instituição atende, na sua maioria, as pessoas carentes dos morros do
Cabuçú, Dona Francisca, do Amor e da Cachoeirinha oferecendo, além de
assistência social, tratamento odontológico, assistência médica e jurídica sendo
ainda responsável por uma creche situada a uns cem metros da instituição, na qual
atende a cinqüenta crianças na faixa de dois a cinco anos de idade.
Conforme já foi relatado havia muito trabalho a fazer, mas, nada de concreto
e estruturado. O trabalho que vinha sendo realizado era puramente assistencialista
onde pessoas de baixissima renda procuravam a igreja, não o Serviço Social, em
busca de alimentos, remédios ou vagas na creche. Por esse motivo passamos meses
reavaliando a atuação do Serviço Social e buscando uma linha de ação e elaboração
de projetos.
Durante esse período foram visitadas por nós as comunidades do morro
Cabuçú e morro Dona Francisca. Na visita ao morro do Cabuçú estivemos em um
prédio de dois andares construídos pela Igreja no qual fica a capela e lá conhecemos
uma moradora de nome Mira, uma pessoa atuante na comunidade, ex-presidente da
Associação dos moradores e que vinha, em uma luta solitária e sem muito
conhecimento técnico, tentando realizar (na própria capela à noite) um trabalho de
alfabetização com adultos. Em suas declarações ela coloca suas dificuldades em
realizar um trabalho com a comunidade. Um dos problemas seria a falta de
24
participação, de interesse e força de vontade das pessoas para iniciar qualquer luta
em busca de melhorias de vida para elas mesmas. A maior característica é a
acomodação, e um exemplo disso é que, apesar da necessidade de se construir uma
creche no morro e de já existir o espaço físico doado pela Igreja, os moradores
limitam-se apenas a reclamar e a esperar que os outros façam por eles. Querem
encontrar tudo pronto, se acomodam e não demonstram, em momento algum uma
vontade de participar, de decidir e optar.
Nesse dia, aquela mulher, através de sua vivência nos deu um dos maiores
exemplos de dedicação participação e perseverança que alguém pode ter, e , com isso
podemos perceber que apesar das inúmeras dificuldades que existem para se realizar
um trabalho participativo com a comunidade, ele é possível, se realizado com
seriedade através do diálogo e tendo como base uma educação libertadora.
Na visita que fizemos ao morro Dona Francisca podemos perceber, mais de
perto, a profunda desigualdade social que vem ocorrendo dentro das favelas. Nesse
dia entramos em um barraco onde não foi difícil notar que sobreviver é um desafio
de todo dia, e lá encontramos deitada na cama uma senhora diabética, recém operada.
Tinha amputado a perna por ter pisado em um prego. Quando nos colocamos à
disposição de ajudá-la, mais do que depressa, nos pediu que arrumassemos material
de construção para levantar uma casa. Logo adiante, subindo o morro, entramos em
uma casa com televisão à cores, telefone, ar condicionado, etc. Uma realidade
totalmente diferente da que tinhamos acabado de assistir há dois minutos atrás.
Só foi possível visitarmos essa comunidade porque estávamos acompanhados
de uma freira que atua na comunidade pois os traficantes controlam a entrada e a
saída de todas as pessoas no morro. Por isso mesmo acabamos confundidos com
irmãs de caridade. Aliás, essa imagem nos acompanhou durante todo o tempo em
que estivemos atuando na instituição.
No período em que permanecemos na Ação Comunitária Sal da Terra,
podemos realmente destacar o trabalho que iniciamos na creche de nome
Chameguinho. Neste trabalho realizamos reuniões com as famílias onde foram
levantadas diversas dificuldades que a creche vinha enfrentando, como por exemplo
a falta de verba. Nestas reuniões elaboramos atividades que levaram as pessoas a
despertarem para a importância de participar, de opnar e decidir o que é melhor para
a creche. Realizamos um trabalho de interação entre instituição e famílias onde
25
buscamos despertar nas pessoas a consciência crítica. Todos tiveram a oportunidade
de falar e dar idéias, sendo uma delas, a de realizarmos um “pedágio” para
arrecadarmos fundos a fim de suprirmos as necessidades imediatas da creche.
O “pedágio” foi realizado com uma grande participação das famílias, sendo
assim alcançados, a princípio, os nosso objetivos.
Esse trabalho que procuramos realizar com as famílias da creche foi a última
atividade na Ação Comunitária Sal da Terra e hoje percebemos que realmente nos
faltou um maior conhecimento técnico e metodológico deixando assim que os
aspectos religiosos dificultasse nossa atuação. Mas, é importante destacar a
experiência que adquirimos e a certeza de que um trabalho comunitário onde há
diálogo e a participação consciente das pessoas, é algo muito gratificante.
26
2. A busca de uma metodologia
Uma das grandes preocupações de um profissional do Serviço Social ao
chegar em uma instituição para realizar sua prática é saber qual a metodologia ali
aplicada. Em algumas instituições os profissionais dizem seguir uma linha
reconceituada, mas, na prática, o que se percebe muitas vezes é uma atuação
totalmente voltada para a clássica. Encontramos alguns profissionais que preferem
dizer que são ecléticos pois assim não correm o risco de cair em contradição e com
isso acabam sem uma metodologia, uma linha de atuação.
Na Ação Comunitária Sal da Terra as coisas não foram diferentes e a
instituição colocou-se como atuando em uma linha reconceituada, mas
especificamente dentro do materialismo histórico dialético, era fácil perceber que
essa metodologia não vinha sendo aplicada e o que ocorria era uma prática
puramente assistencialista. É bem verdade que dentro desse assistencialismo
praticado pela instituição havia um trabalho questionador, uma preocupação em não
deixar que as coisas ficassem apenas na entrega de bolsas de alimentos, roupas ou
doações de remédios. Mas, é impossível chamar essa prática de materialismo
histórico, pois em momento algum existe um trabalho que leve a mobilização das
massas e a luta de classes em busca de transformação social.
Percebe-se que não é possível no país em que vivemos não praticarmos o
assistencialismo. Não se pode falar em conscientização, reflexão, mobilização e
participação com um grupo de pessoas famintas e cansadas. É muito difícil
despertar o espírito de união e participação em pessoas como, por exemplo, as de
uma família em que visitamos no morro Dona Francisca, onde, sobreviver é um
grande desafio.
Passado algum tempo atuando em uma comunidade é possível perceber
que este é um trabalho no qual requer muita paciência e determinação.
Atualmente não vejo uma transformação social que ocorra através de luta de
classe. Acredito sim, na transformação à nível da consciência. Só através de um
27
trabalho educativo, como o proposto por Paulo Freire, é que poderemos realizar
uma “ revolução das consciências” . Não adianta, dentro de um trabalho
comunitário simplesmente levar as pessoas a participarem de diversas atividades. É
preciso que elas participem sim, mas de uma maneira reflexiva, questionadora e
consciente. Para alcançarmos esse nível de participação é necessário o diálogo
aberto e uma relação horizontal entre os profissionais e a comunidade.
Já é tempo dos profissionais do Serviço Social assumirem uma prática
libertadora que promova o homem no sentido de caminhar sozinho, tornar-se
sujeito da história. Não podemos mais admitir o homem como objeto, mero
espectador, ou mesmo homem submisso.
Hoje o Assistente Social precisa, primeiro, abandonar toda essa herança
opressora, dominadora e castradora que realmente nos faz muitas vezes
contraditórias, e me faz lembrar agora as palavras de um poeta: “ a lição sabemos de
cor. Só nos resta aprender” . Eu só espero que se aprenda logo, pois, o Serviço
Social precisa assumir o seu verdadeiro lugar na história e para isso o profissional
precisa ser realmente um agente transformador.
28
CONCLUSÃO
Diante do que já foi exposto no corpo do trabalho, é importante agora
refletirmos sobre a inoperância do Serviço Social e demais profissionais, sobre a
falta de planejamento, participação, atuação e poder de decisão em todo o período
em que permanecemos na Ação Comunitária Sal da Terra. É bem verdade que, em
diversas atividades que foram realizadas pelo grupo de profissionais, havia sempre
uma interferência da Igreja e o que deveria ser um trabalho a nível técnico e
metodológico acabava confundindo-se, algumas vezes, com uma reunião de fiéis.
Mas não podemos deixar de ressaltar que os profissionais tinham a liberdade de criar,
de opinar e até modificar esse quadro. O problema é que lhes faltava uma melhor
organização, maior mobilização e poder de decisão. É importante que fique claro a
não intenção de culpar, diminuir ou julgar qualquer pessoa. As críticas ou
questionamentos aqui expostos serão sempre construtivos e com a intenção de
promover uma profissão que tanto precisa conquistar seu espaço e reconhecimento
como a do Serviço Social.
Falamos de transformação, conscientização, participação, sempre com o
objetivo de promover o ser humano em busca de sua liberdade (a idéia de liberdade
aqui citada vem pautada nos ensinamentos de Paulo Freire). Falamos
incessantemente sobre tudo isso mais o nosso discurso acaba caindo em
contradição com as nossas atitudes.
Passada toda essa experiência como profissionais em uma comunidade, onde
não foi possível realizar plenamente um trabalho educativo e participativo somado ao
conhecimento adquirido durante esse tempo e exposto na primeira parte desse
trabalho, é impossível deixar de levantar certos questionamentos : como realizar um
trabalho que leve as pessoas a uma participação verdadeiramente conscientes se
durante toda a nossa caminhada de aprendizado nos deparamos com uma educação
29
autoritária? Uma educação onde não praticamos o exercício da reflexão, do diálogo
e da tomada de decisões.
É preciso assumirmos de uma vez por todas essa educação libertadora.
Abraçá-la e praticá-la. Vivemos anos de ditadura, opressão e silêncio mas é preciso
retomar o caminho, perder o medo de ser feliz e nos libertarmos da dependência do
autoritarismo.
Precisamos recuperar o tempo perdido. Perdido para os traficantes que se
multiplicam velozmente, e que invadem as comunidades carentes, as escolas, clubes
e tantas outras instituições, aliciando nossas crianças e jovens para as drogas e
recrutando muitos deles para o tráfico. Esta na hora de pararmos de brincar com o
social, usando-o como trampolim político ou para interesses pessoais. Levar o social
à sério é também respeitar os profissionais que nele estão inseridos. Talvez seja
interessante para uma minoria que o trabalho social não seja levado a sério. Que não
haja uma valorização do profissional da área social. Talvez seja por isso que se fale
tanto hoje em “trabalho voluntário”. É interesse de alguns que não exista no social,
uma mão de obra qualificada, com profissionais competentes que venham realizar
verdadeiramente um trabalho sócio – educativo, levando as pessoas a plena
cidadania, despertando nelas a consciência crítica de seus direitos e deveres. Por
isso, precisamos “invadir” as comunidades, as escolas e as famílias com
profissionais qualificados (assistentes sociais, pedagogos, professores, psicólogos,
terapeutas). Somente um trabalho ininterrupto e interdisciplinar, buscando uma
profunda interação entre família, escola e comunidade, levando-os a trabalharem
em parceria, conscientes de seus direitos e responsabilidades de pais, filhos,
educadores e cidadãos, e, concomitantemente, na dinâmica destas relações,
semearmos valores éticos – morais de igualdade, respeito, confiança, honestidade,
solidariedade, justiça e tantos outros atualmente esquecidos, poderemos, a longo
prazo, dissipar os vários tipos de violência que sofremos e, porque não dizer, as que
muitas vezes cometemos com tantas outras pessoas.
Não podemos admitir mais, uma educação que prepare as pessoas apenas para
o mercado de trabalho e para o mundo do consumismo, tornando-as competitivas,
dinâmicas, informatizadas e individualistas. Precisamos inserir neste contexto uma
pedagogia do amor, ou corremos o sério risco de deixarmos como herança para as
futuras gerações uma verdadeira barbárie, onde nem mesmo uma minoria que se
30
isola atrás de muros e condomínios fechados, deixarão de receber os respingos
dessas violências através de seqüestro, assassinatos à sangue frio, agressões físicas e
psicológicas, abandono descaso e desamor.
É importante percebermos que a verdadeira participação está em uma atuação
consciente e ela só vai ocorrer após um trabalho educativo que seja realmente
libertador.
31
BIBLIOGRAFIA
AMARO, Sarita Terezinha Alves. Serviço Social na escola: O encontro da realidade
com a educação. 1 ed. Porto Alegre: Sagra Luzatto, 1997
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: Uma metáfora da condição humana. 21 ed.
Petrópolis: Vozes, 1998
BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação. 6 ed. São Paulo: Brasiliense,
1989.
CHALITA, Gabriel. Educação : A solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001
DEMO, Pedro. Participação é conquista. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1996.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1991
_____________. Pedagogia da autonomia. 30 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
_____________. Pedagogia do oprimido. 18 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
LAROSA, Marco Antônio, AYRES, Fernando Arduini. Como Produzir uma
Monografia Passo a Passo. 3 ed. Rio de Janeiro: Wak, 2003.
LIMA, Sandra A. Barbosa. Participação social no cotidiano. 5 ed. São Paulo: Cortez.
PAVÃO, Ana Maria Braz. O princípio de autodeterminação no Serviço Social:
Visão fenomenológica. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1988
SAMPAIO, Dulce Moreira. A pedagogia do ser : Educação dos sentimentos e dos
valores humanos. Petrópolis : Vozes, 2004
35
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós- Graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família
Título : A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO
PARTICIPATIVO DAS FAMÍLIAS NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA
TERRA.
Autor : José Domingos Carvalho dos Santos
Orientador : Nilson Guedes de Freitas
Avaliador : ________________________________ Conceito: _______________