A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA IDENTIDADE NA SOCIEDADE...
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A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA IDENTIDADE NA SOCIEDADE
CAPITALISTA
Miriam Gil de Oliveira Kirchheim
Liliam Faria Porto Borges
Este trabalho é uma continuidade dos estudos realizados durante os quatro anos de
graduação no curso de Pedagogia, quando, através na Disciplina de Prática de Ensino I, II
e III, um grupo de alunos optou por estudar as questões referentes à educação das crianças
na faixa-etária do zero aos seis anos, ou seja, a Educação Infantil. Nesta oportunidade
acompanhamos, por algum tempo, a rotina de alguns dos Centros de Educação Infantil da
cidade de Cascavel (PR), conhecendo assim, um pouco da realidade que os envolve. Na
seqüência, o Curso de especialização em Fundamentos da Educação, colaborou trazendo
novas informações, esclarecendo algumas questões ainda obscuras e, logicamente,
levantando outros questionamentos que aumentaram ainda mais o interesse já existente
em aprofundar meus conhecimentos no assunto. Entendendo, que a concepção de infância
é uma construção histórica e social, venho buscar neste momento maior embasamento
teórico, na perspectiva de melhor compreender o percurso feito pela Educação Infantil até
nossos dias e sua relação com a sociedade em cada momento histórico. Assim, neste
trabalho levanto algumas hipóteses, a partir de reflexões e questionamentos na direção de
qual é, realmente, a função e a importância da educação infantil para a criança na faixa-
etária do zero aos seis anos? E, nesta perspectiva, a que necessidades este nível de ensino
atende: - às necessidades da criança pequena ou, às necessidades da sociedade capitalista?
O crescente número de discussões e produções acerca da educação infantil nos últimos
anos tem, sem dúvida, trazido, novas contribuições para a compreensão da história da
educação da infância brasileira. Mesmo assim, consideramos que todo este reconhecido
trabalho não tem ultrapassado, muitas vezes, os limites da teorização de partes isoladas.
Entendemos que na análise de qualquer fato ou circunstância, devemos buscar um
instrumento metodológico que não perca de vista a totalidade. Isto implica em
considerarmos o movimento dos elementos que constituem a realidade, formando o
“todo”, e, neste movimento percebermos e compreendermos as inter-relações que estes
mesmos elementos estabelecem entre si e com o próprio “todo”, influenciando-se
mutuamente.
Por outro lado, a realidade se nos apresenta recheada de contradições, haja vista a
existência de elementos diferentes, agindo uns sobre os outros: lutas de classes sociais,
interesses antagônicos, que geram conflitos, etc., pois se assim não fosse, os
acontecimentos ocorreriam numa perspectiva de linearidade. Portanto, podemos entender
o “todo” como sendo a síntese dos opostos, onde a união dos contrários se dá por uma
relação de interdependência, ou seja, apesar de se traduzirem por forças antagônicas, uma
não existe sem a outra.
Assim, se abstrairmos os elementos educacionais do lugar que ocupam no todo, aqui
entendido como sendo a sociedade, não para analisá-los isoladamente, pois isto
significaria privá-los de sentido, mas para compreendê-los a partir das relações que
estabelecem com os outros elementos deste todo, como o trabalho, as relações sociais, as
relações produtivas, etc., e com o próprio todo, vamos compreender que a educação, de
forma geral, está intimamente ligada a um projeto de sociedade e, portanto, tem uma
intencionalidade. A educação infantil, por sua vez, não foge a esta regra.
A sociedade capitalista, extremamente voltada para a competitividade e o consumo,
impõe ao homem moderno um ritmo de vida alucinante, levando-o a converter quase todo
o seu tempo em horas-trabalho, para que desta forma possa garantir a sua sobrevivência e
a dos seus. Muitos pais, inclusive, não medem esforços para dar aos seus descendentes
aquilo que há de melhor nas sociedades, de modo a fazê-los desenvolverem-se, dentro do
maior conforto possível. Outros pais há, porém, cujo empenho/esforço está voltado não
para a opção de um maior conforto, mas sim pela simples satisfação de algumas
necessidades básicas para a manutenção da vida.
Neste contexto, é fato corriqueiro, pai e mãe, ausentarem-se do lar, durante a maior parte
do dia, em função de cumprirem seus afazeres profissionais e, em conseqüência disso,
temos observado o enfraquecimento da família enquanto entidade educativa, pois quase
não dispondo mais de tempo para educar seus filhos, os pais passam a partilhar com as
instituições de Educação Infantil, esta responsabilidade.
Contudo não podemos desconsiderar o outro lado, que é o da criança. Não é novidade
para ninguém, que os filhos carecem da assistência de seus pais o maior tempo possível,
particularmente na fase infantil, quando será de fundamental importância que a criança
recolha a ternura da convivência no lar, com seus pais, preservando-a desta forma de
tantos problemas de carências, ansiedades e inseguranças, de acordo com a sua estrutura
psicológica e emocional. Mas, o que vem ocorrendo no cotidiano da nossa sociedade e
nas vidas das famílias, em geral, é que as crianças têm sido encaminhadas para as escolas
cada vez mais cedo. E aí, cabe a pergunta: será esta uma necessidade dos pequenos ou,
será esta uma necessidade imposta pelo modo de produção capitalista? Desta forma, a
quem serve a educação infantil e como se definem os seus rumos?
Se formos buscar na história as origens da educação formal para a infância, vamos
constatar que seu surgimento se dá em virtude de uma necessidade criada pela sociedade,
que consolida o modo de produção capitalista, através da industrialização crescente na
Europa. Neste contexto a mulher, que exercia suas funções apenas no âmbito doméstico,
inicia sua participação no mercado de trabalho, necessitando, portanto, de um local onde
seus filhos pudessem ser bem cuidados durante o tempo em que ela estivesse ausente do
lar. Assim, por volta de 1840, surgiram na França as primeiras creches, cujo objetivo era,
na maioria das vezes, prestar assistência às crianças de baixa renda. Depois, aparecem
também os Jardins da Infância, onde as famílias mais abastadas matriculavam seus filhos
para que tivessem diversão, adquirissem boas maneiras, fizessem trabalhos manuais e,
principalmente, se socializassem. Nos Estados Unidos, por volta de 1950, inicia-se uma
preocupação em atender as crianças de baixa renda, no sentido de evitar os seus repetidos
fracassos ao entrarem na escola elementar (equivalente ao ensino fundamental) e então
surgem as “Pré-escolas”, que passaram a significar “ensino que antecede ou que prepara
para a escola elementar”. A pré-escola vem modificar radicalmente os objetivos da escola
maternal americana e, também influenciar a educação infantil de vários países, inclusive a
do Brasil.
Esta breve retrospectiva histórica leva-nos a perceber que, em momento algum, a
educação formal para a infância, em seus primeiros anos de vida, partiu das necessidades
da criança, mas sim, que, nos diversos momentos históricos, as condições econômicas,
culturais e sociais de uma determinada sociedade acabaram por estabelecer os rumos da
educação infantil. É certo, porém, que a sobrevivência sendo uma necessidade inerente ao
ser humano e, portanto, da criança, o fato de seus pais saírem para o trabalho, em busca
de garantir esta sobrevivência, acaba sendo, por extensão, uma necessidade dos pequenos.
Neste sentido, podemos compreender então a necessidade dos Centros de Educação
Infantil para estas crianças, porém, uma necessidade criada por uma circunstância social e
histórica.
É interessante observar também, neste processo que, ideologicamente, foram sendo
acrescentadas às necessidades da criança, as necessidades socialmente estabelecidas, de
tal forma que atualmente somos levados a crer na importância das crianças, em seus 3 ou
4 anos de idade, terem acesso às informações dos saberes específicos na expectativa de
que assim estarão se desenvolvendo mais e melhor. Esta idéia está tão arraigada em nós,
que mesmo as famílias mais abastadas, cujas mães não exercem função profissional fora
do lar, acabam por encaminhar seus filhos mais cedo aos Centros de Educação Infantil,
que já não representam mais apenas um lugar para os pequenos ficarem, mas,
principalmente, o local em que eles vão poder se desenvolver de maneira “mais
completa”.
Importa-nos saber, portanto, como ocorre o desenvolvimento humano e, para isso existem
várias teorias que nos apresentam explicações, as mais diversas, porém, todas consideram
que o mesmo refere-se ao desenvolvimento mental e ao crescimento orgânico. A criança,
conforme a entendia Rousseau, não deve ser considerada como um “adulto em
miniatura”, pois apresenta características próprias de sua idade. Piaget, epistemólogo
suíço, em seus estudos e pesquisas, demonstrou que existem formas de perceber,
compreender e se comportar diante do mundo, próprias de cada faixa-etária, existindo,
assim, uma assimilação progressiva do meio ambiente. A partir daí, estudar o
desenvolvimento humano significaria conhecer as características comuns de uma faixa-
etária. Não apenas isso, pois Piaget também considera, que o indivíduo é determinado
pela interação de vários fatores como a hereditariedade, o crescimento orgânico, a
maturação neurofisiológica e o meio, que vão afetar todos os aspectos de seu
desenvolvimento, quais sejam, o aspecto físico-motor, o aspecto intelectual, o aspecto
afetivo-emocional e o aspecto social.
Por outro lado, Vigotski, teórico soviético, faz uma abordagem do desenvolvimento
infantil, a partir de três elementos: instrumental, cultural e histórico. O instrumental se
refere à natureza como mediadora das funções psicológicas complexas, ou seja, o
indivíduo responde aos estímulos do meio, mas também os altera e usa suas modificações
como instrumento do seu comportamento. O cultural “envolve os meios socialmente
estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em
crescimento enfrenta, e os tipos de instrumentos, tanto mentais como físicos, de que a
criança pequena dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos
criados pela humanidade é a linguagem. Por isso, Vigotski deu ênfase, em toda sua obra,
à linguagem e sua relação com o pensamento.” (BOCK, et all, 1998, p. 92). O aspecto
histórico, por sua vez, se une ao cultural, na medida em que os instrumentos que o
homem utiliza para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento, foram criados e
modificados ao longo da história da civilização. Desta forma, partindo do princípio de
que a história da sociedade e o desenvolvimento do homem andam juntos, é que Vigotski
estudou o desenvolvimento infantil. “As crianças, desde o nascimento estão em constante
interação com os adultos, que ativamente procuram incorporá-las a suas relações e à
sua cultura.” (idem).
No Brasil, estes dois teóricos são, atualmente, as referências mais utilizadas para se
entender como a criança pensa, se desenvolve e aprende. Assim, o que se defende hoje é
uma educação infantil que seja um meio de desenvolver todas as potencialidades da
criança desde os seus primeiros meses, sem desconsiderar os fatores específicos que são o
educar e o cuidar, para não correr o risco de menosprezar as ações de assistência pelo fato
de privilegiar o educativo através do viés da escolarização.
A educação infantil vem preconizando um ensino aos pequenos, baseado
fundamentalmente na ludicidade, pois se defende que nesta faixa-etária, a criança deve
aprender brincando, já que brincar é seu maior interesse. Entretanto, o que podemos
observar a esse respeito, é que tal procedimento, exageradamente valorizado, tem
colaborado sobremaneira para que a criança forme a idéia da escola como um espaço de
diversão e não de estudo, em outras palavras, a escola é um lugar de prazer e não de
trabalho. Todavia, mais tarde, quando do seu ingresso na primeira série do Ensino
Fundamental, a maior parte de suas regalias acabam e, se começa a exigir dessas mesmas
crianças uma postura de maior responsabilidade e seriedade, sem que elas tenham sido,
anteriormente, preparadas para isso. Desde as formas de tratamento designadas às
crianças nos Centros de Educação Infantil, onde estas são cercadas de certos “paparicos”,
até os tipos de atividades que realizam e a forma como as realizam, mudam bastante do
nível da Educação Infantil para o nível do Ensino Fundamental. Mas as crianças que
concluíram o Jardim III, última série da Educação Infantil e iniciaram a primeira série do
Ensino Fundamental continuam sendo as mesmas, com os mesmos interesses. Ainda
gostam de ir ao parquinho brincar, ainda gostam de ter um momento de jogos e bate-
papos e, se a escola vinha proporcionando-lhes tudo isso, porque de repente este espaço
prazeroso se torna tão chato, enfadonho? O bom senso nos diz que algo não está correto,
mas o que fazer? Como encontrarmos o ponto de equilíbrio? Teríamos que escolarizar de
vez a educação infantil, ou teríamos que “transportar” o lúdico para o Ensino
Fundamental? A questão até pode parecer simples, mas é muito delicada, pois trabalhar
com o lúdico na educação, em quaisquer dos níveis de ensino, pode ser muito perigoso, se
não tivermos clareza dos objetivos que queremos atingir, e de como nos utilizarmos da
brincadeira como instrumento metodológico, corremos o risco de ficarmos na brincadeira
pela brincadeira, simplesmente, com prejuízo do conteúdo.
E, neste particular do lúdico, não devemos esquecer um fato relevante que é o acesso das
crianças, atualmente, aos programas de televisão, aos jogos de vídeo-game e de
computadores, via Internet, que as coloca em contato com uma programação bem mais
atraente, despertando facilmente seu interesse. As crianças de camada social mais baixa,
porque não têm acesso a tudo isso, não deixa de ter seus interesses e poderá ver na escola
outros atrativos, como por exemplo, as refeições que poderão fazer para saciar sua fome,
os mínimos cuidados de higiene que muitas vezes não encontram em casa e que podem
lhe proporcionar certo conforto, etc. Em vista disso, me arrisco a dizer que a criança
pequena, quando vai para a escola, não o faz com o interesse voltado ao aprendizado que
a escola quer lhe transmitir, até porque, ela ainda não tem o entendimento disto como
uma necessidade ou como algo importante para si. Nós, adultos é que valorizamos a
escola para a criança e, cheios de boas intenções, queremos tratar dos pequenos,
respeitando suas necessidades e interesses, mas não somos capazes de nos colocarmos no
lugar delas para tentar compreendê-las neste sentido.
Diante dessa realidade, a escola então, para chamar a atenção da criança para si, tem que
se utilizar de inúmeros artifícios e, é quando entra em cena a figura do “professor
polivalente”, que, na particularidade da educação infantil, deve acumular as funções dos
cuidados específicos que a criança carece nesta faixa-etária, as funções de mestre e
também de “animador”. Tudo isso encorajado pelo valor significativo do seu salário no
final do mês, que, com certeza, não corresponde nem mesmo à terça parte das tarefas que
deve desempenhar. Havemos de concordar que, um profissional com todas estas
qualidades especiais deveria no mínimo, receber uma boa remuneração, como parte do
reconhecimento do trabalho que realiza.
No que tange ao espaço do lúdico no processo de escolarização, não se trata de
desconsiderá-lo completamente, afinal, teóricos como Piaget e Vigotski, dentre outros,
discutiram a importância do brinquedo e do jogo na aprendizagem da criança, e, nem de
longe estamos discordando ou negando esta importância, apenas indicamos uma
tendência visível e recorrente nas práticas das escolas que, parecem descolar os
momentos de brincar e de adquirir conhecimento, o que reforça a já destacada
fragmentação do processo de ensino-aprendizagem.
Por outro lado, a questão da escolarização na Educação Infantil, se constitui num assunto
há muito discutido por pesquisadores e profissionais da área, sem que a polêmica do sim
ou não à alfabetização neste nível de ensino tenha sido extinta. Todavia, podemos de
certa forma, considerar nossa infância à beira da escolarização, haja vista que muitas
crianças, a partir de seus quatro anos já são capazes de escreverem seus nomes,
reconhecerem letras do alfabeto e números, dentre outras coisas, ingressando no Ensino
Fundamental, em alguns casos, praticamente alfabetizadas. Neste sentido gostaríamos de
chamar a atenção para o fato de que essas crianças, quando chegam à classe
alfabetizadora já alfabetizadas, podem enfrentar problemas como cansaço, desmotivação,
desinteresse, etc.. Assim, se a Educação Infantil deve assumir este papel de alfabetização,
deveriam consequentemente, ser revistos os procedimentos das séries seguintes, com o
objetivo de não se tornarem repetitivas.
Por outro lado, também nos parece verdadeiro o fato de muitos dos conteúdos da
educação infantil serem artificiais, na medida em que, fora da escola, estas crianças
aprenderiam ou aprendem informalmente, a partir da sua convivência social e com o
meio, aquilo que nas escolas elas vão aprender de forma sistematizada, formal. Talvez
seja por isso mesmo, que defendemos tanto a questão do lúdico na educação para as
crianças pequenas: é uma tentativa de amenizar uma situação imposta a elas
precocemente: seu ingresso na escola numa fase em que deveriam estar em seus lares?
Todavia, o argumento existente para a antecipação da escolarização para as crianças
pequenas como algo em seu benefício, está embasado no fato de que isto lhes
proporcionaria como já dissemos anteriormente, melhor desenvolvimento, contudo, sendo
a Educação Infantil considerada a primeira etapa da Educação Básica, devemos entender
que ela representa o alicerce sobre o qual se iniciará a estruturação de todo o processo
educativo. A realidade nos mostra, no entanto, que nos últimos anos, apesar das crianças
estarem ingressando na vida escolar cada vez mais cedo, isto não tem lhes garantido um
bom desempenho nos níveis de ensino seguintes. Este fato pode ser constatado através
das notas das provas do SAEB, Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, cujo
objetivo é “apoiar municípios, estados e a União na formulação de políticas que visam à
melhoria da qualidade do ensino. O Saeb, que coleta informações sobre alunos,
professores, diretores e escolas públicas e privadas em todo o Brasil, é realizado a cada
dois anos pelo Inep/MEC. (...) Participam da avaliação alunos da 4ª e 8ª séries do
Médio, que Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino fazem provas de Língua
Portuguesa e Matemática”.(INEP)
O último teste foi realizado em 2003 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep/MEC), em parceria com os Estados da Federação. E, somente a título
de exemplo, conforme o publicado por este órgão, o desempenho dos alunos da 4ª série
do Ensino Fundamental, na disciplina de Língua Portuguesa - Leitura foi o melhor desde
1995, ficando a média de desempenho acima da pontuação obtida no teste anterior (ano
de 2001). Segundo análise dos dados coletados pelo Inep, a média do Saeb 2003,
comparado ao de 2001, “evidencia mudanças positivas e significativas, a partir de testes
estatísticos rigorosos, para o Brasil, de 165,1 para 169,4 (4,3).”
Apesar disso, este resultado está bem abaixo do esperado, pois para esta disciplina, a
escala de desempenho do Saeb é descrita de 0 a 375 pontos, sendo considerado um
resultado próximo ao adequado, um patamar de mais de 200 pontos de proficiência para a
série em questão, pois é nesse ponto que, segundo o Inep, “os alunos consolidaram
habilidades de leitura e caminham para um desenvolvimento que lhes possibilitarão
seguir em seus estudos com bom aproveitamento.”
No que se refere à disciplina de Matemática, para a mesma série, os resultados estatísticos
demonstram que não houve modificações significativas, apesar da média do desempenho
ter passado de 176,3, em 2001, para 177,1, em 2003. A escala em Matemática é
mensurada de 0 a 425 pontos e uma média satisfatória para este nível de escolarização,
segundo este órgão deve estar em, pelo menos, 200 pontos. No patamar de rendimento
apresentado, os alunos demonstram, segundo avaliação do Inep, “habilidades ainda bem
elementares para quem está concluindo a primeira etapa do ensino fundamental.”
Diante disso, a questão é: - que concepção de infância está permeando nossas ações
pedagógicas? Os documentos oficiais dizem entender a infância como “tempo de
direitos” e, estes estão explicitados dentre outros, na Declaração Universal dos Direitos
da Criança, de abrangência internacional, na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA (lei n. 8069 de 1990), na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB n. 9.394/96 e, no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil, de 1998.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA define como direitos fundamentais da
criança, o direito à saúde (cap. I), o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (cap. II),
o direito à convivência familiar e comunitária, o direito à educação, à cultura, ao desporto
e ao lazer (cap. III) e à educação para todas as faixas-etárias.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, reafirma o contido no
ECA e na Constituição e ainda nos apresenta, em seu art. 29, como finalidade da
educação infantil, “o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade.”(LDB/96,cap.II,artigo 29)
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, considera que, a partir das
especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas, um trabalho de qualidade para
a educação infantil, deve ser embasado nos seguintes princípios:
- o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças
individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas, etc.;
- o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento,
interação e comunicação infantil;
- acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento
das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento,
à ética e à estética;
- a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais
diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;
- o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento
de sua identidade. (Brasil, 1998, v.1, p.13)
A idéia de direitos tem sido, portanto, bastante difundida em diferentes leis e documentos
oficiais, contudo, é importante salientarmos, que, no limite, a sociedade capitalista, não
permite se construam as condições reais para que estes direitos se efetivem plenamente.
Isto porque, o objetivo final do capitalismo é a acumulação e o papel do Estado numa
sociedade capitalista é, portanto, garantir esta acumulação nas mãos de uma minoria,
através da expropriação de uma maioria. Para isso, este Estado, que podemos entender
como um Estado de classes, já que se constitui para atender aos interesses de uma
determinada classe em detrimento de outra, faz um discurso ideológico do Bem Comum,
que efetivamente não ocorre no plano real. Estas idéias são trabalhadas com muita
propriedade por Shiroma e Saes:
“O Estado, impossibilitado de separar contradições que sãoconstitutivas da sociedade - e dele próprio, portanto -, administra-as,suprimindo-as no plano formal, mantendo-as sob controle no planoreal, como um poder que, procedendo da sociedade, coloca-se acimadela, estranhando-se cada vez mais em relação a ela.”(SHIROMA,2000, p. 8).
“A correspondência entre o Estado burguês e as relações de produçãocapitalistas não consiste numa relação causal simples e unívoca entreambos. Qual é, então, a natureza dessa correspondência? Um tipoparticular de Estado - burguês - corresponde a um tipo particular derelações de produção - capitalistas -, na medida em que só umaestrutura jurídico-política específica torna possível a reprodução dasrelações de produção capitalistas. Essa é a verdadeira relação entre oEstado burguês e as relações de produção capitalistas: só o Estadoburguês torna possível a reprodução das relações de produçãocapitalistas.”(SAES, 1998, p. 22).
Nesta perspectiva, podemos falar de uma “infância de direitos”, ou seja, de uma infância
cujos direitos estão apenas legalmente previstos, mas, não totalmente garantidos, pois
faltam políticas específicas para tal e, não de uma “infância de fato”, cujos direitos se
realizam concretamente. Ora, neste sentido, o que temos é uma educação infantil limitada
a atender as prioridades de um projeto de sociedade e, portanto, seus rumos são definidos,
não pelos interesses ou necessidades da criança, mas sim pelas necessidades e interesses
desta sociedade, que se traduz como o mundo produtivo do capitalismo.
Desta forma, garantir o direito da criança à educação, significa garantir uma determinada
escolarização, dando-nos a impressão de que tal direito se traduz em começar a preparar o
indivíduo, já na primeira infância, para seu futuro, com vistas a torná-lo “cidadão”, nos
moldes de uma sociedade capitalista, ou seja, que se constitua em uma pessoa plena em
direitos e deveres, cumpridora das determinações jurídicas construídas pela sociedade em
que vive, bem como, livre para desenvolver-se plenamente, tendo por limite apenas as
suas características individuais. Mas o que questionamos é: o que pode significar uma
educação formal, nesta fase da vida? Se, por um lado pode significar certo
enriquecimento para a criança, por outro, também existe o alto preço cobrado à sua
infância. Uma criança brasileira de classe média, por exemplo, que disponha de todos os
recursos necessários à sua educação, tem no seu cotidiano, em torno de cinco horas de
aulas regulares, mais umas duas horas de atividades extracurriculares. Normalmente,
estas crianças habitam residências com pouco espaço para brincar e, então, a opção é: ou
ficar todo o tempo restante em frente à televisão, ou jogando vídeo-game ou ainda, para
fugir dessas duas formas de distração, os pais escolhem a alternativa de manter seus
filhos “ocupados”, ou seja, fazendo cursos diversos. Desta forma, a maior parte dos
adultos com quem a criança convive são profissionais pagos para educá-la e, na maior
parte do tempo, vivencia uma rotina e procedimentos fora do âmbito familiar.
Exemplificando esta nova definição de infância, baseada nos direitos humanos, que está
refletida na Convenção sobre os Direitos da Criança, a Unicef, neste mesmo relatório,
esclarece que:
“(...) uma criança que foi seqüestrada por um grupo paramilitar e foiforçada a pegar em armas ou compelida à escravidão sexual não podeter infância; também não pode ter infância uma criança que é forçada arealizar trabalhos pesados..., longe de sua família e de seu vilarejonatal. Crianças que vivem em situação de pobreza abjeta, semalimentação adequada, sem acesso à educação, à água limpa, ainstalações de saneamento e a abrigo, também são privadas de suainfância.” (UNICEF, 2005)
Podemos dizer, então, que a partir da Convenção sobre os Direitos da Criança, o mundo
compartilha do entendimento do que deve significar a infância, haja vista que suas
propostas só não foram aceitas por dois países do mundo obtendo, portanto, a
concordância dos demais. No entanto, “a poderosa visão de direitos infantis estabelecida
pela Convenção (...), contrasta totalmente com a infância real da maioria das crianças
do mundo (...) e a vida de um bilhão de crianças é arruinada pela pobreza, apesar da
riqueza das nações.” (Unicef, 2005)
Este é um tipo de infância muito diferente da existente há 50 anos atrás, quando as
crianças brincavam com vizinhos e parentes nas ruas e nos quintais de suas casas. Mas
também não podemos nos esquecer das crianças brasileiras pobres, que vivem nas
periferias e que, além de não ter os recursos necessários à sua sobrevivência, vivem em
casas com espaços muito reduzidos, que não permitem muita privacidade e ainda estão
mais expostas aos riscos da violência como as drogas, a criminalidade e a violência
sexual, dentre outros. O fato é que a infância, por ser uma construção histórica, apresenta
características diversas, porém próprias de cada momento e de cada espaço em que se
situa, sendo sempre determinada por um contexto de desenvolvimento das forças
produtivas.
Diante disso, nos perguntamos: afinal, o que é infância? Como deve ser o
desenvolvimento do homem nesta fase da vida? As concepções de infância e de
desenvolvimento humano são de fundamental importância para que possamos decidir os
rumos da Educação Infantil. A concepção de infância é algo um tanto quanto complexo se
considerarmos que não há como, numa sociedade de classes, falarmos da infância numa
perspectiva de homogeneidade da população infantil, tanto no que se refere às condições
sócio-econômicas, quanto ao que se refere às condições culturais. A UNICEF - Fundo das
Nações Unidas para a Infância e a Adolescência, regida pela Convenção sobre os Direitos
da Criança (CDC), que por sua vez foi adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1989,
diz em seu relatório 2005 que a infância é um espaço separado da vida adulta, mas, que
seu significado “vai muito além do que apenas o espaço entre o nascimento e o início
da vida adulta, a infância está relacionada ao estado e à condição de vida de uma
criança: envolve a qualidade desses seus anos de vida.” Nesta perspectiva, não basta
considerarmos o critério da idade para, por exemplo, definirmos a infância como sendo
apenas um período da existência humana.
Exemplificando esta nova definição de infância, baseada nos direitos humanos, que está
refletida na Convenção sobre os Direitos da Criança, a Unicef, neste mesmo relatório,
esclarece que:
“(...) uma criança que foi seqüestrada por um grupo paramilitar e foiforçada a pegar em armas ou compelida à escravidão sexual não podeter infância; também não pode ter infância uma criança que é forçada arealizar trabalhos pesados..., longe de sua família e de seu vilarejonatal. Crianças que vivem em situação de pobreza abjeta, semalimentação adequada, sem acesso à educação, à água limpa, ainstalações de saneamento e a abrigo, também são privadas de suainfância.” (UNICEF, 2005)
Podemos dizer, então, que a partir da Convenção sobre os Direitos da Criança, o mundo
compartilha do entendimento do que deve significar a infância, haja vista que suas
propostas só não foram aceitas por dois países do mundo obtendo, portanto, a
concordância dos demais. No entanto, “a poderosa visão de direitos infantis estabelecida
pela Convenção (...), contrasta totalmente com a infância real da maioria das crianças
do mundo (...) e a vida de um bilhão de crianças é arruinada pela pobreza, apesar da
riqueza das nações.” (Unicef, 2005)
Por sua vez, a concepção de desenvolvimento humano, também não é tão simples sendo
várias as correntes filosóficas, psicológicas que apresentam suas teses a esse respeito. Se
considerarmos, por exemplo, que o cérebro humano tem funções pré-definidas, que não
se altera no processo de relação do homem com o mundo, então, deveríamos esperar o
momento em que a criança estivesse preparada para determinadas aprendizagens. Em
outras palavras, seria necessário que, primeiro ela se desenvolvesse, para que depois,
ocorresse a aprendizagem.
Se, porém, considerarmos, como Vigotski, que, no desenvolvimento humano, o cérebro
está em constante interação com o meio, transformando suas estruturas e mecanismos de
funcionamento ao longo desse processo de interação, então, desde o seu nascimento, o
aprendizado está relacionado com o desenvolvimento e, segundo ele,
“(...) existe um percurso de desenvolvimento, em parte definido peloprocesso de maturação do organismo individual, pertencente à espéciehumana, mas é o aprendizado que possibilita o despertar de processosinternos de desenvolvimento que, não fosse o contato do indivíduocom certo ambiente cultural, não ocorreriam”. (OLIVEIRA, 1999,pg.56)
A partir destas considerações acerca do desenvolvimento e da aprendizagem, o que
importa ressaltar, é que a simples escolha de uma das concepções acima, ou de qualquer
outra, para nortear a ação pedagógica nos Centros de Educação Infantil, já é uma tarefa
difícil, que exige muito estudo e reflexão. Apesar das novas exigências da LDBEN aos
pré-requisitos do profissional da Educação Infantil, que diz em seu artigo 62, que “a
formação do profissional para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em
curso de licenciatura de graduação plena, em universidades e institutos superiores de
educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio,
na modalidade normal”, esta reciclagem ou remanejamento de pessoal faz parte de um
processo que não temos certeza de quando efetivamente se concluirá. Enquanto isso não
acontece, a realidade da maioria das nossas instituições para educação infantil, sejam elas
da rede pública ou da rede privada, conta com profissionais, sem formação na área da
educação ou, muitas vezes pessoas iniciantes em cursos da área e, portanto, sem
clareza/entendimento de muitos conceitos, definições, concepções e idéias pedagógicas, o
que dificulta muito a ação educativa. Como se não bastasse este fato, o próprio
Referencial Curricular para Educação Infantil (RCNEI), citado anteriormente, utilizado
pelas instituições infantis e por seus professores como fonte de consulta e apoio
metodológico, não se define por uma das duas posturas teóricas apresentadas
anteriormente. Uma leitura cuidadosa nos fará perceber, nas entrelinhas deste documento,
que ora se privilegia as idéias de Piaget, ora se privilegia as idéias de Vigotski, como se
ambas partissem da mesma base filosófica, o que é um equívoco, pois Piaget foi
apropriado pelo pensamento construtivista em educação, forte herdeiro das proposições
da Escola Nova, fundamentado, portanto, nas raízes do pensamento liberal. Já Vigotski
tem como pressuposto teórico o materialismo histórico dialético de Marx. Apesar desta
não ser a discussão-objetivo deste trabalho, é importante citá-la para que possamos ter um
parâmetro de como a organização da Educação Infantil está marcada por um ecletismo
que em nada contribui quando pretendemos entender a realidade. Essa perspectiva
deficitária que mais se assemelha a um caleidoscópio, apesar de apontar muitas questões,
permite que as saídas encontradas dirijam-se a pontos diferentes o suficiente para que em
resumo, não saiamos do lugar.
Neste cenário complexo, encontramos as instituições de educação para crianças pequenas,
que, perdidas na sua identidade, pois não podem se caracterizar como escolas, tampouco
ter o cunho assistencialista, não conseguem articular convenientemente as propostas
pedagógicas para uma educação infantil que esteja em consonância com as
especificidades da infância e, ao mesmo tempo atenda as necessidades sociais, já que
estas são contraditórias em seus interesses.
Este, em minha opinião, é o ponto nevrálgico da questão da educação infantil, as outras,
são questões secundárias, não porque são menos importantes, mas porque são
conseqüências da primeira. A questão da identidade das instituições de educação infantil
diz respeito à relação atendimento à criança e suas necessidades, diz respeito, portanto, à
função da Educação Infantil e, consequentemente, das próprias instituições. Se o
atendimento prestado à criança, satisfaz as suas necessidades básicas de educação e
cuidados específicos à sua faixa-etária, então podemos dizer que a instituição se identifica
com a criança. E isso, não significa assistencialismo, mas sim assistência, que
entendemos como atitudes diferentes. No assistencialismo nós temos uma ação realizada
junto às camadas mais pobres da sociedade, por organizações governamentais, não-
governamentais ou empresas, com o objetivo de apoiar ou ajudar, mas sem pretensões de
transformar a realidade; são ações compensatórias de uma realidade excludente por
excelência. Na assistência, o que ocorre é um acompanhamento no sentido de uma
intervenção transformadora, que permite explicitar as raízes da exclusão, tencionando na
direção do seu desaparecimento: é, portanto, uma ação marcada pela intencionalidade
política.
Percebemos então, que o assistencialismo nos dá uma falsa impressão de que se está
fazendo algo, quando na verdade, o que ocorre é apenas uma compensação das faltas e a
manutenção do sistema vigente, com seus parâmetros. Somado a isto, a idéia de
conformismo que é difundida pelo sistema, às vezes de maneira muito sutil, tira das
pessoas qualquer crença na possibilidade de mudanças, como se qualquer iniciativa neste
sentido, fosse em vão. Portanto, não basta negar o assistencialismo predominante no
atendimento das Creches de outrora, quando os cuidados com a saúde e a higiene eram as
únicas preocupações; é preciso sim, competência e compromisso político, no sentido de
promover uma mudança na postura da escola, para que, acreditando em si mesma e na
luta por mudanças, sua ação se dê numa perspectiva de transformação da realidade
vigente.
Queremos esclarecer, entretanto, que não somos partidárias do entendimento da escola
como “redentora”, pois reconhecemos que, dentro de uma sociedade ela é apenas um dos
elementos e, que tem os seus limites de ação e influência, mas, por outro lado, se estes
seus limites fossem tão insignificantes, considerando seu campo de ação, então, porque a
educação seria tão recorrentemente utilizada como um instrumento a favorecer um
determinado projeto social?
Desta forma, é pertinente considerarmos que toda a mudança no padrão de
comportamento familiar/social, no que diz respeito à educação das crianças pequenas é o
mais cristalino reflexo do conjunto de valores da nossa sociedade e do seu modo de
produção, pois as relações em seu interior sofrem influências das forças produtivas,
levando os homens a assumirem novos compromissos morais e sociais, na medida em
que modificam antigos hábitos e costumes. Isto nos reporta à compreensão de que na
produção social de sua vida material, os homens estabelecem determinadas relações
necessárias, porém, muitas vezes, independentes da sua vontade. A realidade sendo uma
totalidade, só pode ser apreendida pela parte. Neste sentido, a Educação Infantil, como
parte, expressa elementos da totalidade.
Portanto, é importante estarmos atentos ao fato de que todos: pais, empresários, religiosos
das diferentes doutrinas, artistas, técnicos em geral, professores, enfim, todo e qualquer
profissional, na sua prática, na sua atividade cotidiana, constitui a sociedade e, na medida
em que mantém ou reforça seus comportamentos, provoca a sociedade de amanhã, ou
seja, a prática atual, por expressar as idéias, ideais e valores, revela tendências que
poderão ser objetivadas no futuro, conservando ou transformando. A educação, pode
então ser entendida como instrumento colaborador para que estas tendências sejam
incutidas nas crianças e, neste processo, parece-nos que a Educação Infantil, na forma
como vem sendo conduzida, antecipa a transferência dessas idéias e valores para a
criança que, precocemente, acaba sendo moldada pelo capitalismo. Mas, esse processo
vem disfarçado pelo “moderno” que nega a criança “adulto em miniatura” de outrora, e
defende a criança enquanto “ser de direitos”. Porém, numa análise mais cuidadosa dos
fatos, podemos perceber que esta pode ser considerada uma mudança superficial, pois não
conseguiu superar o plano do discurso e se concretizar no plano real. Assim, somente
poderemos considerar mudança efetiva, quando se muda o que é fundamental, caso
contrário, não teremos mudança, mas apenas modernização do que havia antes. Vejamos
que as novas exigências da sociedade implicaram no que diz respeito à educação das
crianças de zero a seis anos, em mudanças consideráveis nas funções da família e da
escola enquanto entidades educativas, pois a primeira passa a ter como prioridade prover
o sustento do lar, passando assim, a menor parte do dia com as crianças e a segunda, além
da transmissão sistematizada dos conhecimentos específicos, absorve novas tarefas como,
trocar fraldas, dar mamadeiras, dar banho, colocar para dormir, medicar, etc., antes, de
exclusividade da família. Desta forma, as instituições de educação infantil devem atender
à especificidade da infância, que se traduz em “cuidar” e “educar” de forma integrada, os
pequeninos. Ora, quando estas mesmas crianças estavam com suas respectivas mães,
vivenciando o cotidiano de seus lares, onde tinham os horários de se alimentar, de dormir,
de brincar, de se higienizar, etc., elas já estavam, sendo cuidadas e educadas ao mesmo
tempo, pois apesar de parecerem situações de meros cuidados, pela dinâmica, até certo
ponto prática e mecânica, estas atividades cotidianas, participam do processo de formação
da identidade da criança, uma vez que muito da cultura do grupo, familiar ou não, é
transmitida nessas ocasiões. Mas, na “escolinha”, “cuidar” e “educar” passam a ter um
cunho profissional, e, a dicotomia entre estes dois aspectos parece até se explicitar, por
força das circunstâncias, pois ao invés de uma ou duas crianças, como se dá na maioria
dos lares, o “professor”, nas instituições de educação infantil, deve atender dez, doze e, às
vezes, até mais crianças ao mesmo tempo, e, é claro que para tal situação, se fazem
necessários um planejamento e uma sistematização das suas ações cotidianas e, então,
“educar” ganha o sentido restrito da instrução, ou seja, da transmissão dos saberes
específicos, e, “cuidar” passa a ter o sentido restrito do atendimento às necessidades
básicas da criança nesta faixa-etária: alimentação, higiene, etc. Talvez, seja esta a razão
pela qual estes dois aspectos, venham sendo entendidos como uma oposição, como se
fossem duas coisas totalmente dissociadas, o que é um equívoco, pois não se educa sem
cuidar, da mesma forma que não se cuida sem educar. Nós podemos cuidar bem, cuidar
mal ou simplesmente deixar de cuidar, e, qualquer uma dessas ações, direcionadas à
criança, vai dar-lhe certos sentidos, que colaborarão na sua formação enquanto pessoa. A
afetividade no desenvolvimento humano é fator de grande importância e, os estudiosos da
psicologia afirmam que as experiências afetivas nos primeiros anos de vida são
determinantes para que a pessoas estabeleçam padrões de conduta e formas de lidar com
as próprias emoções. Nesta perspectiva, salientam a importância das situações cotidianas
como momentos privilegiados de afeto, socialização e aprendizado: a hora do banho, por
exemplo e a troca de fraldas permitem o toque, sendo um momento indicado para uma
massagem carinhosa no corpo de bebê, para que ele se sinta relaxado, feliz e seguro; a
refeição nos dá a oportunidade do contato com a oralidade, além de capacitar para o uso
do talher para comer; o colo contribui para amadurecer o aspecto emocional do bebê, pois
significa apoio e segurança; os momentos de brincadeira, leituras de histórias e músicas
auxiliam na socialização da criança com os outros. Estes são uns poucos exemplos, dentre
tantos que colaboram para o bom desenvolvimento afetivo do indivíduo e o propósito de
tê-los mencionado é para que possamos refletir se existe a mínima possibilidade de que
tais condutas sejam mantidas com as crianças no dia-a-dia de uma instituição de educação
infantil.
Desta forma, o que questionamos é: - a criança, na faixa-etária de zero a seis anos,
realmente precisa do espaço escolar para o seu desenvolvimento? E ainda, como, onde e
com quem a criança aprende melhor? O que ela deve aprender e com quais objetivos?
Estas são questões um tanto quanto polêmicas e, como metodologicamente entendemos
que a realidade vai sendo apropriada por sucessivas aproximações, sabemos da
necessidade de levantarmos questões para que possamos perseguir respostas. Assim,
quanto maior for nosso entendimento sobre a Educação Infantil, mais condições teremos
para pensar proposições adequadas ao desenvolvimento do homem na perspectiva
transformadora.
Concluindo, desde o início deste trabalho, jamais alimentei quaisquer dúvidas a respeito
de como a educação tem sido historicamente, utilizada como instrumento a favorecer
determinado projeto de sociedade, todavia, na particularidade da Educação Infantil, nutria
certa inquietação com relação à forma como este processo pudesse estar ocorrendo, haja
vista a “fragilidade” inerente à criança pequena: faixa-etária 0 a 6 anos.
Os estudos realizados permitiram a constatação de que, no discurso, tal fragilidade vem
cercada de um desvelo impossível de ser concretizado, dadas às condições materiais de
sobrevivência e o modo de produção na organização de uma sociedade pautada no
capitalismo. Quero dizer com isso que as questões que envolvem o desenvolvimento
afetivo, emocional, cognitivo, social da criança, tão valorizadas legalmente, por
justamente expressarem alguns de seus direitos enquanto ser humano, não têm garantias
de se efetivarem e, nem se efetivam plenamente, pelo simples fato da criança estar
inserida na escola, ou melhor, nos Centros de Educação Infantil.
Confesso que minhas primeiras reflexões acerca da infância, enquanto tempo de direitos,
estava baseada numa concepção de infância muito particular, que acabava por se desviar
para uma “infância ideal”; ideal porque idealizada. Não diria, contudo, que seria uma
infância a-histórica, porque trazia valores da minha época de criança, mas, com certeza,
uma concepção de infância com valores “fora” do tempo atual. Percebi então, que esta
forma de pensar é equivocada, se considerarmos que os valores vão mudando, conforme
mudam também o tempo, o espaço, as pessoas e suas condições de vida.
Agora, nós chegamos ao ponto crucial da questão da concepção de infância, porque seu
significado envolve, segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, a condição de
vida de uma criança, ou seja, “a qualidade desses seus anos de vida” e, ter uma boa
qualidade de vida é um direito legalmente garantido a todas as crianças, sem nenhuma
exceção.
Ora, se o conceito de infância guarda íntima relação com a qualidade de vida da criança e,
a educação é parte integrante dos seus direitos, então, podemos entender que toda criança
deve ter acesso a uma educação de boa qualidade. Porém, uma educação de qualidade
exige, além de competência profissional e clareza dos objetivos a serem atingidos,
competência e vontade política no sentido de disponibilizar os recursos necessários à sua
viabilização. Mas, também é verdade que as questões sociais em nosso país, da qual faz
parte a educação, não gozam de privilégios no que diz respeito aos investimentos que lhes
são direcionados, ficando normalmente com algumas poucas migalhas. Nessa
perspectiva, fica fácil então compreendermos porque o discurso é pleno, mas não se
efetiva na realidade.
Assim, vivemos uma situação incômoda entre aquilo que seria o ideal, ou seja, o objeto
da nossa aspiração, o perfeito e, aquilo que pode se realizar diante das nossas reais
condições. Diante disso, no que diz respeito à educação escolar, chego a seguinte
conclusão: a escola que temos é a única escola cabível ao sistema capitalista que estrutura
nossa sociedade, porque favorece seu projeto social.
Acredito que, nosso grande desafio, enquanto profissionais da educação infantil seja
pensarmos alternativas possíveis de serem executadas e, considerando os limites que nos
são impostos que causem o menor prejuízo possível às crianças. Neste sentido é
premente, em minha opinião, a compreensão de que a instituição de atendimento à
criança pequena só ganha espaço de existência e importância porque é fruto de uma
necessidade criada pela sociedade e não porque a criança, em dado momento tivesse nos
“apontado” esta necessidade. As necessidades que as crianças têm nos apontado, ao longo
da história, sem cessar, e que muitas vezes não tivemos e ainda não temos a sensibilidade
de perceber são o afeto, a proteção, a segurança e atenção para que possam ter um
desenvolvimento saudável.
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