A diversidade religiosa brasileira à luz dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e...

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– A diversidade religiosa brasileira à luz dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Quando da publicação dos dados do IBGE referente ao Censo de 2000 houve um debate a respeito de suas formas de levantamento e interpretação dos dados relativos à religião. Clara Mafra (2004:153ss) discutiu alguns problemas relativos a tal questão em um estimulante artigo na revista Religião e Sociedade. Porém, se os dados do Censo de 2000 são importantes ferramentas para o estudo demográfico do Brasil, por outro lado eles já se encontram defasados na medida em que a década chega ao fim e nos aproximamos do final dessa primeira década do século XXI. Já existe uma razoável expectativa pelos números do próximo Censo. No entanto, algumas outras pesquisas surgiram depois do último Censo do IBGE. Os novos números confirmam ou modificam, embora levemente, aqueles números oficiais. Mas, um dos motivos da popularidade dos dados de 2000 talvez se deva a confirmação que ele fez da velocidade da queda do Catolicismo e do rápido crescimento dos evangélicos pentecostais nos nove anos anteriores e num período mais longo de seis décadas (Tabela 1 e Gráfico 1). Os números dos Gráficos 1 e 4 tornam visível que o crescimento pentecostal foi inversamente proporcional ao decréscimo do Catolicismo e ao lento e quase vegetativo crescimento do Protestantismo histórico brasileiro, ao longo do século XX. Entendemos aqui por protestantes históricos aqueles grupos originários das missões norte-americanas e inglesas e os luteranos herdeiros, direta ou indiretamente, da Reforma protestante do século XVI. Nesse caso, são deixados de lado os pentecostais.

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A diversidade religiosa brasileira luz dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)Quando da publicao dos dados do IBGE referente ao Censo de 2000 houve um debate a respeito de suas formas de levantamento e interpretao dos dados relativos religio. Clara Mafra (2004:153ss) discutiu alguns problemas relativos a tal questo em um estimulante artigo na revista Religio e Sociedade. Porm, se os dados do Censo de 2000 so importantes ferramentas para o estudo demogrfico do Brasil, por outro lado eles j se encontram defasados na medida em que a dcada chega ao fim e nos aproximamos do final dessa primeira dcada do sculo XXI. J existe uma razovel expectativa pelos nmeros do prximo Censo. No entanto, algumas outras pesquisas surgiram depois do ltimo Censo do IBGE. Os novos nmeros confirmam ou modificam, embora levemente, aqueles nmeros oficiais. Mas, um dos motivos da popularidade dos dados de 2000 talvez se deva a confirmao que ele fez da velocidade da queda do Catolicismo e do rpido crescimento dos evanglicos pentecostais nos nove anos anteriores e num perodo mais longo de seis dcadas (Tabela 1 e Grfico 1).

Os nmeros dos Grficos 1 e 4 tornam visvel que o crescimento pentecostal foi inversamente proporcional ao decrscimo do Catolicismo e ao lento e quase vegetativo crescimento do Protestantismo histrico brasileiro, ao longo do sculo XX. Entendemos aqui por protestantes histricos aqueles grupos originrios das misses norte-americanas e inglesas e os luteranos herdeiros, direta ou indiretamente, da Reforma protestante do sculo XVI. Nesse caso, so deixados de lado os pentecostais.

Esses nmeros da diversidade religiosa brasileira, e o papel ocupado pelos evanglicos nesse cenrio, a fortiori pelos pentecostais, ficam mais visveis ainda se compararmos os nmeros de vrios censos do IBGE expostos, entre outros, nos Grficos 1, 2 , 3 e 4.

Esses dados levantados pelo Censo do IBGE permitem uma viso de longa durao da dinmica e da recomposio do campo religioso brasileiro. Por exemplo, em nmeros absolutos, os catlicos no Censo de 1960, eram 65.235.595 (93,1%); em 1970, atingiram a cifra de 85.775.047 (91,8%). Houve, portanto, na dcada anterior (1960-70) um decrscimo de 1,3% a despeito do aumento no nmero absoluto de mais de 20,5 milhes de catlicos. Por sua vez, os evanglicos, que eram 3.077.926 (4,3%), foram para 4.833.106 (5,2%), o que equivale a um aumento de 57% sobre os nmeros de 1960. A populao catlica, que teve um acrscimo de 34,3% entre os anos 1950-60 em nmeros absolutos, cresceu a uma taxa menor nos anos 1960, ou seja, de 31,4%. Os pertencentes a outras religies caram de 2,4% para 2,3% e os sem religio subiram de 0,5% para 0,8% da populao.

J o Grfico 3 mostra a evoluo das outras religies, dos evanglicos, e dos sem religio naquelas seis dcadas. No entanto, os pertencentes a outras religies no tiveram o mesmo crescimento apresentado pelos sem religio. Esse grfico pode ser visto como uma confirmao da tese de que o acontecido foi muito mais uma ruptura com as formas institucionalizadas historicamente pelo Cristianismo do que a prova de uma exploso da secularizao. Nesse caso, na sociedade brasileira, a despeito do aumento no nmero dos que se apresentam como sem religio, a secularizao no tem se manifestado como um processo irreversvel, irresistvel e crescente, tal como acontece em muitas das sociedades ocidentais. Por outro lado, a possvel revanche do sagrado tambm no permite uma postura de otimismo institucional por parte das igrejas histricas e tradicionais. Em outras palavras, embora a secularizao no se manifeste com toda a sua fora, no se pode descartar que ela provoca no mnimo alteraes na estrutura e funcionamento do campo religioso brasileiro.

Os nmeros do IBGE apontam para um crescimento contnuo e acelerado de expresses religiosas no catlicas romanas ao longo do perodo, particularmente nos anos 1990. Por isso, necessrio analisar com maior ateno os resultados dos censos posteriores aos anos 1970, que so os de 1980, 1991 e 2000. Os nmeros do Censo de 1980 apontaram para uma populao catlica de 105.860.063 (89%), que em 1970 era de 85.775.047 (91,8%), portanto, um avano de 23% em nmeros absolutos, mas uma queda de 2,8%. Os evanglicos passaram de 4.833.106 (5,2%) para 7.885.650 (6,6%) o que lhes dava um aumento de 63,1% em porcentagem sobre os nmeros absolutos e 1.4 pontos percentuais. Os pertencentes a outras religies aumentaram de 2,3% para 2,5%, enquanto os sem religio dobraram a sua participao, cuja percentagem saiu da faixa de 0,8% para 1,6%. O Censo de 1990 foi realizado apenas em 1991. Os catlicos, que eram 105.860.063 (89%), se tornaram 122.365.302 (83,3%), um acrscimo de 11,5% em nmeros absolutos, mas uma queda de 5.7 pontos percentuais. Os evanglicos saltaram de 7.885.650 (6,6%) para 13.157.094 (9%), um aumento de 52,7% em nmeros absolutos. Os sem religio passaram de 1.953.085 para 6.946.077, um aumento recorde de 255,6%; enquanto os que afirmaram ser de outras religies 2,5% subiram apenas 0.4%, atingindo 2,9%.

O Censo de 2000 indica que os catlicos, em nmeros absolutos, saram dos 122.365.302 (83,3%) e atingindo um total de 125.517.222 (73,9%), um aumento de apenas 3.151.920 ou de 2,5%, mas uma queda de 9.4 pontos percentuais. Os evanglicos dobraram em nmeros absolutos, aumentando de 13.157.094 (9%) para 26.452.174 (15,6%). Em nmeros absolutos, o aumento percentual foi de 101%. J os sem religio atingiram a marca de 12.492.189, um acrscimo no perodo de 79,8%, muito abaixo da dcada anterior, porm significativo em nmeros absolutos. As outras religies tambm tiveram um excelente desempenho, pois subiram dos 2,8% para 3,5% da populao do pas. O Grfico 4 ilustra bem a distribuio do espao cristo compartilhado por catlicos e evanglicos naquelas seis dcadas. Podemos chamar aqui esse espao cristo de subcampo religioso cristo para diferenciar do espao de outras religies ou dos sem religio. Fica bem claro quanto, nos anos 1990, a diferena entre ambos se tornou to evidente. Notemos ainda que a ltima dcada do sculo no corresponde a 10 anos e sim a nove, pois o Censo no Brasil de 1990 somente aconteceu um ano depois.

O Censo de 2000 marcou o final do sculo XX e o incio do novo sculo. Naquele momento, os nmeros divulgados pelo IBGE pareciam indicar que o pas estava se tornando cada vez menos catlico, mais evanglico por um lado, e mais secularizado de outro. Porm, o relatrio do IBGE (2003:47) registrava: ... a diversidade religiosa brasileira tem crescido muito nas ltimas dcadas, e as informaes censitrias permitiram identificar a maior pluralidade religiosa no Brasil (...), porm o ... Brasil continua sendo mais catlico apostlico romano, entretanto, com um ritmo de crescimento pequeno (...). Ficou claro tambm com os dados levantados pelo IBGE o tamanho do prejuzo que o crescimento pentecostal provocou no nmero de catlicos (conforme Grfico 4). Porm, aumentou o nmero de evanglicos, e dentre eles houve um excepcional aumento

no nmero de pentecostais, assim como daqueles que se declararam pertencentes aos grupos outras religies ou sem religio. Mas, teria a sangria catlica diminudo nos anos 2000? As pesquisas FGV (2007 com dados de 2003); as da DataFolha (de 2007); e a pesquisa de 2006 de The Pew Forum; as duas ltimas realizadas com pessoas com mais de 15 anos de idade, indicam que a perda de fiis catlicos continua, a despeito do avano da renovao carismtica. No entanto, essas mesmas pesquisas sugerem que o nmero dos sem religio parece ter diminudo. Isso talvez nos sugira que tais dados se referem mais ao contingente de pessoas desligadas das formas institucionalizadas da religio do que aos ateus ou aos sem religio. De qualquer forma, essa oscilao dos nmeros da categoria dos sem religio nos encaminha para discusses que aparecem em debates como o ocorrido nas pginas da revista italiana Liberal, dos quais participaram intelectuais laicos como Umberto Eco e um cardeal da Igreja Catlica, Carlo Maria Martini. Os resultados desse debate foram publicados no Brasil com o ttulo Em que crem os que no crem? (ECO, MARTINI, 2006). Essa questo aparece tambm em pesquisas sobre o lugar da crena religiosa entre os intelectuais e professores universitrios. Geraldo Jos de Paiva (2000) publicou as pesquisas que fez, a partir de uma perspectiva psicolgica, entre os docentes da Universidade de So Paulo com o ttulo A religio dos cientistas.

As tabelas 1 e 2, assim como os grficos 1, 2, 3 e 4, sugerem ter havido um dinmico trnsito no cenrio religioso brasileiro ao longo daquelas dcadas. Ressaltamos tal mobilidade e evoluo em termo de porcentagem e de aumento em nmeros absolutos de catlicos, evanglicos e dos que se consideram sem religio. O nmero de catlicos teve um acrscimo de 220,4% nesses 60 anos, enquanto os evanglicos aumentaram em 2.361% e os sem religio tiveram um estrondoso aumento de 14.204,6%. Seria uma sinalizao de ter havido um aumento da secularizao e da laicidade no pas? Houve um aumento do trnsito religioso e milhes estariam num ponto de transio entre dois pontos, um de origem e outro de chegada? Vejamos, separadamente, a evoluo de cada um desses grupos.

Antnio Flvio Pierucci (2004:17), escrevendo sobre o panorama religioso brasileiro visualizado nos nmeros do Censo IBGE 2000, concluiu que os ltimos censos do sculo passado apontam, sem dvida alguma, para a existncia de trajetrias declinantes do Catolicismo, do Protestantismo tradicional e das religies afrobrasileiras. H, para ele, ao redor desses nmeros, que continuam caindo, o estabelecimento de uma rota de destradicionalizao cultural do Pas (2004: 27). O Grfico 5 aponta para a intensidade com que esse fenmeno impactou o Catolicismo brasileiro. Ora esse impacto se torna ainda maior se levarmos em conta os nmeros da FGV (2003) e da DataFolha (2007). Alis, somos de parecer que a visita do Papa Bento XVI, em 2007, tem muito a ver com a divulgao desses nmeros e com os esforos da Igreja Catlica para adotar estratgias que visem deter o avano pentecostal, das seitas e dos movimentos no-catlicos.

Notemos tambm, luz da Tabela 2, elaborada com nmeros absolutos, que o Catolicismo aumentou 23,9% nos anos 40; na dcada seguinte 34,3%; nos anos 60, 31,5%; caiu em 23,4% nos anos 70, em 15,6% nos anos 80, e apenas 2,6% nos anos 90. Houve uma perda catlica de 21.3 pontos percentuais entre 1940 e 2000, o que pode visualmente ser observado no Grfico 5 e 6. Porm, esse quadro de perda pode ainda ficar pior se levarmos em considerao os nmeros de 2003 usados na pesquisa FGV (2007) que indica ter a porcentagem de fiis catlicos cado em 21.4 pontos at 2003 ou os nmeros apresentados pela pesquisa DataFolha que aponta par uma perda de 31.2 entre 1940 e 2007.

A respeito das perdas do Catolicismo, vale a pena citar as observaes feitas por Csar Romero Jacob et. alii. (2003: 15): ... se o nmero de pessoas [nmeros absolutos] que se declaram catlicas (...) est em constante crescimento no Brasil: 85,8 milhes em 1970; 105,9 em 1980, 122,3 em 1991 e 125,5 milhes em 2000, de onde vem a ideia de que a religio catlica estaria atravessando uma grave crise no Brasil, se os resultados dos recenceamentos dos ltimos 30 anos mostram o aumento dos nmeros de fiis? A resposta a essa questo vem do fato de que na proporcionalidade entre catlicos e nmero total da populao brasileira que se pode perceber o tamanho do prejuzo.

Para explicar a situao do Catolicismo brasileiro, os autores do Atlas de Filiao Religiosa colocam duas hipteses. A primeira delas vem da demografia, pois, como eles mesmos registram, o crescimento catlico no seguiu a mesma velocidade e proporo do aumento da populao do pas. Uma segunda explicao vem da Sociologia da Religio, que aponta para um crescimento dos evanglicos, em especial dos pentecostais. A metodologia usada por Jacob et alii (2003) aproxima Demografia, Geografia e indicadores sociais, permitindo uma excelente percepo de que h uma ligao entre exploso populacional nas regies metropolitanas, crescimento dos evanglicos, decrscimo catlico e alteraes nos indicadores sociais. Porm, como assinalam Renee de la Torre e Cristina Gutirrez Zuiga, coordenadoras do Atlas de la diversidad religiosa em Mxico (2007:7ss), a diminuio no nmero de catlicos necessita ser analisado tambm luz das diversidades regionais do pas, das perspectivas histricas, econmicas, sociolgicas, antropolgicas, geogrficas e demogrficas. Por outro lado, tais dados estariam refletindo os problemas econmicos, sociais e culturais existentes nas grandes metrpoles mais do que nos bolses rurais, onde o Catolicismo continua hegemnico. Os textos de Jacob et. alii. propem esse tipo de discusso, inclusive, no texto posterior (JACOB, et. alii. 2006) em que se analisam 18 capitais brasileiras, os aspectos demogrficos foram combinados com indicadores sociais, produzindo assim, para deleite dos pesquisadores, quatrocentos mapas. Tal associao tem permitido aos pesquisadores brasileiros um aprofundamento da viso geo-social-religiosa da quase totalidade das capitais de estados e das reas metropolitanas a elas associadas. Os evanglicos entre 1940 e 2000 nunca tiveram um crescimento mdio abaixo dos 50% por dcada (Grfico 7). Seus nmeros foram, respectivamente, 62% nos anos 40; 76,7% na dcada de 50; 57% nos anos 60; 63,2% na dcada de 70; 66,8% nos anos 80 e 101% nos nove anos entre o Censo de 1991 e o de 2000. Somente nesses ltimos nove anos do sculo XX eles saltaram de 13,1 milhes para 26,4 milhes, ganhando 13 pontos percentuais entre 1940 e 2000. Esses nmeros se tornam mais significativos ainda se forem considerados os dados apresentados pela pesquisa FGV (dados de 2003) e o DataFolha (2007).

No se deve, no entanto, atribuir totalidade dos evanglicos o crescimento observado. Pois, nas seis dcadas anteriores ao ano 2000, houve uma inverso na proporo de pentecostais e evanglicos de misso (tradicionais ou histricos) na populao de evanglicos brasileiros. Assim, os pentecostais, que se situavam entre 1930 e 1940 no rodap das estatsticas, se tornaram hegemnicos dentro do campo evanglico ou protestante. Essa comparao entre evanglicos pentecostais e no-pentecostais aparece bem no Grfico 8. Nele observamos que os pentecostais estimados em 9,5% em 1930, passaram a 77,86% em 2000. Pressupomos que os convertidos ao Pentecostalismo vieram inicialmente de meios evanglicos tradicionais e depois, com mais intensidade, do Catolicismo. Esses dados reaparecem em pesquisas no to amplas geograficamente falando, realizadas pelo hoje infelizmente desativado Centro de Estatstica Religiosa e Investigaes Sociais e publicadas em 2004 por Silvia Regina Alves Fernandes (FERNANDES 2004: 26 e 187). No texto que divulgou as pesquisas, assim como em artigo de Fernandes e Pitta (2006:120ss), pode-se observar que 23,5% de pessoas deixaram o Catolicismo. Desse total, 58,9% se converteram ao Pentecostalismo e somente 13,8% foram para as denominaes protestantes histricas. Fernandes e Pitta (2006:131) apontam ainda para um dado muito interessante: 33,2% dos que se moveram na direo dos sem religio saram do meio pentecostal, enquanto somente 23,1 % e 11,8% saram, respectivamente, do Catolicismo. Esses nmeros levantam mais uma outra hiptese para nossa reflexo: nem sempre o Pentecostalismo parece ser o ponto final de ex-catlicos ou ex-protestantes histricos, que experimentaram a mobilidade religiosa em algum momento da vida. Mesmo assim, aquele mapeamento das rotas do trnsito religioso brasileiro como outros estudos em andamento permitem estabelecer uma relao estatstica significativa entre as ofertas religiosas e a busca dos indivduos em um novo contexto histrico e social.

A participao dos pentecostais no rol dos evanglicos brasileiros no um fenmeno to significativo somente nos dias atuais. Por exemplo, os nmeros de 1964, comparados com a situao em 1930, podem ser notados na Tabela 3. Nela observamos que entre os evanglicos de misso os nmeros da expanso favoreceram os batistas, que esto divididos no Brasil, em tradicionais (Conveno Batista Brasileira) e carismticos (Conveno Batista Nacional); os Batistas regulares, (fundamentalistas); e alguns grupos pequenos de batistas de origem russa, sueca e de outras procedncias. Os luteranos participam do total com 18,32%; os presbiterianos (do Brasil, Independentes e Renovados) com 16,92%, sendo 10% considerados evanglicos de outras procedncias.

Por outro lado, se compararmos os dados da Tabela 3 e do Grfico 9, referentes aos evanglicos histricos ou de misso, com os nmeros usados por Erasmo Braga & Kenneth Grobb, observaremos que os batistas sempre tiveram uma presena significativa entre os evanglicos. Eles apareciam com 30% em 1930 e 54,56% em 2000; os presbiterianos com 34% em 1930 e 16,92% em 2000; os luteranos, que eram 38,35% dos evanglicos em 1920, segundo Paulo M. Higgins (1923) passaram para 18,32%, em 2000. Os batistas, talvez pela sua agressiva maneira de fazer propaganda ou pela forma congregacional de organizar as suas congregaes locais, obtiveram um melhor equilbrio entre o governo local, o poder das associaes estaduais, e o controle indireto e no intervencionista de uma Conveno nacional. Eles demonstraram, ao longo das dcadas, um salto de quase 25 pontos. Assim, a participao pentecostal (Grfico 9) no cenrio evanglico brasileiro no final do sculo XX se tornou hegemnica. De cada quatro evanglicos, um era pentecostal.

No ano 2000, se excluirmos os adventistas, que no se consideram evanglicos e nem so por eles assim designados, temos uma forte presena batista na composio do subcampo religioso protestante histrico ou de misso no Brasil. No entanto, se incluirmos os luteranos, cuja classificao como Protestantismo de imigrao ou de misso ainda objeto de discusso e disputa, o quadro novamente se altera.

Deve-se ainda observar que o crescimento dos evanglicos no se deu de forma equilibrada pelo pas. O Grfico 11 visualiza a distribuio em porcentagem da Tabela 4. A Regio Sul manteve a liderana nos anos 60 e 70, talvez devido forte presena luterana. Porm, nos anos 80, 90, e nos trs primeiros anos do novo sculo, o Sul foi superado pelos ndices de crescimento evanglico da regio Norte.

Foi significativo o aumento de evanglicos na regio mais populosa e urbana do pas, a Sudeste, onde praticamente eles dobraram seus nmeros entre 1970 e 1991 e, novamente, entre 1991 e 2003. Segundo o IBGE, dos 17,7 milhes de pentecostais no Brasil, em 2000, 3,3 milhes de fiis estavam nas duas maiores cidades do pas: So Paulo e Rio de Janeiro. No municpio do Rio de Janeiro, conforme Jacob (2006:146), os pentecostais, que eram 6,5% da populao em 1991, em 2000 j eram 11,3%. Nos demais municpios da regio metropolitana, nessas mesmas datas, a percentagem era, respectivamente, 10,7% e 17,1%. Nos demais municpios da regio metropolitana de So Paulo, em 1991 os pentecostais eram 8,1% e, em 2000, eram 15,6%. Os nmeros de ambas as cidades indicam uma concentrao maior de pentecostais nas regies perifricas. O texto de Jacob et. alii. aponta para duas regies da periferia de So Paulo onde tais ndices foram de 18% e 30% da populao. Os autores assim registram: ... em torno dos bairros com melhores condies de vida da cidade, tem-se um verdadeiro anel pentecostal (2006: 161).

A Tabela 4 e o Grfico 11 expressam bem a distribuio dos evanglicos nas diversas regies do pas ao longo de um perodo de 33 anos. Para isso, usamos dados do IBGE e de nmeros divulgados por uma para-eclesistica especializada em misses, SEPAL - Servios para Evangelizao da Amrica Latina. Porm, por questo de espao no foi possvel incluir tabela ou grfico que pudesse apontar para a fora dos nmeros do crescimento evanglico (mais pentecostal) nas regies do Sudeste como um todo. No entanto, Csar Romero Jacob et. alii. (2003: 33ss) analisarem bem e de uma forma didtica como se do as relaes da diversidade religiosa e fatores cronoespaciais envolventes nesse processo, em especial aps os anos 1980. As regies Norte e Centro-Oeste, devido s frentes migratrias, de ocupao da Amaznia e de regies centrais do pas nos anos 80 e 90, com mais fora no Amap, Acre, Rondnia, Gois e Tocantins. Nessas regies houve um enorme

crescimento pentecostal. Por isso mesmo um estudo das micro-regies, em especial do Norte e Centro-Oeste, oferece aos pesquisadores excelentes exemplos da relao entre migrao e Pentecostalismo. A fertilidade da metodologia de Jacob et. alii. (2006) favorece a percepo das relaes entre os indicadores demogrficos, sociais e econmicos, em especial no Sudeste, mas tambm nas regies metropolitanas das capitais brasileiras, onde o crescimento pentecostal apresenta fortes vnculos com a demografia e problemas decorrentes das taxas de urbanizao. Fizemos (CAMPOS, 2006) investigaes em um contexto de cidade-regio (Grande ABC paulista) sobre as relaes entre crescimento pentecostal e os ndices sociais de pobreza, analfabetismo, violncia, desemprego, desigualdade e excluso social de um lado, e o crescimento do Pentecostalismo de outro. Os nmeros apresentados no final da investigao se mostraram coerentes dentro da equao explorao desde a influncia da sociologia marxista, isto , onde h mais problemas sociais e econmicos, h maior presena de templos e de redes de templos pentecostais e neopentecostais. A diversificao religiosa provocou tambm, no interior do subcampo religioso evanglico, uma inverso na distribuio entre pentecostais e evanglicos tradicionais. possvel perceber pelo Grfico 12 que o potencial de atrao de cada Igreja pentecostal no a mesma. Pesquisas mais focadas podero ser feitas, a fim de se conhecer melhor as relaes de classe social, de necessidades ou de aflies, com a converso a esta ou aquela denominao. De qualquer maneira, o crescimento das igrejas pentecostais colocou no ranking, em primeiro lugar, a Assembleia de Deus, depois, a Congregao Crist no Brasil, seguidas pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) e Igreja Pentecostal Deus Amor. Alm dessas h, tambm, um grupo de igrejas que formaram um Pentecostalismo pulverizado em centenas de igrejas e templos locais, que no formam grandes redes de templos, mas que tm uma participao de 15,85% no total de pentecostais recenseados em 2000.

Na Tabela 5 foi feita uma distribuio dos fiis pentecostais brasileiras por sexo. Os nmeros mostram a existncia do seguinte ranking de igrejas nas quais o nmero de fiis mulheres maior: IURD (61,93%) e IEQ (58,68%). Nessas igrejas as mulheres esto acima da mdia de 56,54% do subcampo pentecostal e muito acima da mdia nacional de mulheres (50,79%) e de homens (49,21%). No entanto, a predominncia de homens nos espaos de poder significativa na IURD. Essa Igreja, que tem apenas 38,07% de homens, no abre praticamente nenhum

espao participao das mulheres no ministrio pastoral ou em funes-chave para a manuteno e reproduo do poder na Igreja. Elas prestam servios religiosos apenas comoobreiras, que na linguagem institucional, apenas um espao entre o nvel de pastor auxiliar e fiel comum da Igreja, conforme registramos em outro texto (CAMPOS, 1997: 439ss). Todavia, os homens na condio de obreiros podem ser alados condio de pastor auxiliar. J na Igreja do Evangelho Quadrangular acontece o contrrio. Essa igreja, cuja fundadora foi Aimee McPherson (1890-1944) era uma mulher com uma significativa liderana carismtica no meio pentecostal norte-americano desde 1912. Em 2007, clculos da prpria Igreja indicavam a existncia de 15.023 membros do ministrio que atuavam no Brasil. Desse total, 5.951 eram mulheres, ou seja, um percentual de 39,6%. Atribumos a influncia da fundadora como o fator mais importante na abertura de espao para as mulheres no pastorado, mesmo no interior de uma cultura com forte preponderncia masculina como a brasileira.

Observaes: Os dados assinalados com * se referem a porcentagens dentro dos evanglicos pentecostais e os assinalados ** se referem participao no total de evanglicos brasileiros. A tabela 6 indica a quantidade de homens e mulheres nas igrejas pertencentes ao Protestantismo tradicional ou de misso. Nelas tambm as mulheres so majoritrias. Mas, com exceo dos luteranos, em todos os demais ramos do Protestantismo a percentagem de mulheres est acima da mdia nacional, que de 50,79%. Somente em um dos ramos do Luteranismo, em dois dos ramos presbiterianos, entre metodistas e episcopais, que as mulheres so admitidas ao ministrio e possuem uma presena mais visvel nos cargos-chave de suas respectivas denominaes religiosas.

J nas denominaes protestantes em que as mulheres no so admitidas ao pastorado, ou sequer nas funes de presbtero ou dicono, como o caso da Igreja Presbiteriana do Brasil, h mobilizaes internas para que isso ocorra. Mas, curiosamente, quase sempre essa luta segue adiante sem a presena e a presso das mulheres, que parecem ter assimilado a ideia machista atribuda ao Apstolo Paulo, que aconselhava as mulheres aprender e permanecer caladas na Igreja (1 Tm 2.11).

2 - A mensurao da diversidade religiosa alm dos dados do IBGE: FGV, DataFolha e Pew ForumAt aqui trabalhamos com dados do IBGE, diretamente transcritos por ns ou retrabalhados pela equipe de Csar Romero Jacob. Analisemos agora nmeros oriundos de outras pesquisas que focalizaram especificamente os nmeros do campo religioso cristo, em seus subcampos: Catolicismo, Protestantismo de misso (ou histrico) e os pentecostais. Veremos a seguir as pesquisas da FGV (Rio de Janeiro), da DataFolha (2007) e a pesquisa Spirit and Power realizada em 10 pases, por The Pew Forum on Religion & Public Life em outubro de 2006.

2.1 Os dados da pesquisa Economia das religies (FGVRio de Janeiro)Em 2007 foi divulgada a pesquisa da Fundao Getlio Vargas, Rio de Janeiro, coordenada por Marcelo Nri, intitulada Economia das religies: Mudanas recentes. Nessa pesquisa, trabalhando com micro-dados referentes aos nmeros da Pesquisa de Oramentos Domiciliares (IBGE, POD 2003), os pesquisadores concluram que ... pela primeira vez, em mais de um sculo, a proporo de catlicos no Brasil parou de cair, mantendo-se surpreendentemente estvel nos primeiros trs anos da nova dcada, atingindo 73,79% em 2003 (NRI 2007: 4-5). Quanto aos evanglicos pentecostais, a pesquisa da FGV indicou uma percentagem de 17,9% em 2003. J o grupo dos sem religio teria tido uma queda em relao ao Censo de 2000, de 7,4% para 5,1%. Segundo estimativa dos pesquisadores da FGV para 2007, os catlicos seriam 129,75 milhes, em uma populao de 188,7 milhes; os evanglicos 33,74 milhes, dos quais 23,57 milhes pentecostais e 10,17 milhes de evanglicos no-pentecostais. Nri et alii. afirmam ainda que:

... usando a populao de hoje, 188,7 milhes, e a taxa de crescimento da proporo de 2000 a 2003 dos grandes grupos projetados para hoje (sem saturao) em 2006 teramos 43,64 milhes de evanglicos no pas, sendo 28,88 milhes de pentecostais, e 14,88 milhes de tradicionais. (2007: 6) Mas ser que a tendncia de crescimento dos anos 1990 se repetiria na nova dcada? A abordagem dos pesquisadores da FGV consistiu em: ... relacionar a demanda por novas opes religiosas, leia-se aumento dos pentecostais e dos sem religio nos grupos mais afetados por choques econmicos e sociais adversos como as chamadas crises metropolitana e de desemprego, a onda de violncia, favelizao, informatizao entre outras (2007:7). O nicho onde o Pentecostalismo viceja, cresce e floresce, segundo Nri (FGV, 2007:7), se localiza entre os grupos perdedores da crise econmica, pois, ... os dados demonstram com clareza que a velha pobreza brasileira (...) continua catlica, enquanto a nova pobreza (...) estaria migrando para as novas igrejas pentecostais e para os chamados segmentos sem religio (os grifos so nossos). O estudo da FGV e suas estimativas para 2007 podem gerar, a partir dos dados colocados na Tabela 6, uma sensao de que os evanglicos estariam sob forte presso do crescimento pentecostal. Em outras palavras, eles tendem ao crescimento na medida em que assimilarem as estratgias dos movimentos pentecostal e carismtico. Porm, o comportamento da Igreja Catlica estaria condenado, por fora estatstica, a repetir o fraco resultado da dcada anterior. Talvez falte aqui levar em considerao o esforo do episcopado, a Renovao Carismtica e a possibilidade de reverso daquele fraco desempenho.

Na pesquisa da FGV aparecem tambm, com destaque, as dificuldades materiais que agem como foras propulsoras do crescimento pentecostal tais como desemprego, precarizao das relaes de trabalho, violncia, favelizao, informalizao da economia e outros elementos considerados pelos pesquisadores como impacto da misria. O resultado teria sido o surgimento de uma nova pobreza que migra para os pentecostais e sem religio, enquanto a velha pobreza era mais rural e catlica. Os pesquisadores (NRI 2007: 9) valorizaram ainda a ligao weberiana entre religiosidade e ascenso econmica. Somos, no entanto, da opinio de que, com o aumento dos excludos, preciso tambm considerar a relao entre religiosidade e descenso, especialmente por causa da crise econmica. H tambm um dado que chama a ateno, que o estimulo desempenhado pela expanso do campo religioso na gerao de novos empregos e ocupaes (NRI, 2007:11). Pois novos trabalhadores encontram espao de trabalho nas atividades das organizaes religiosas entre 2000 e 2005. Naquele ano eram 1.766 e, cinco anos depois, 11.616, nmeros que tm como fonte a RAIS/TEM. Porm, se considerarmos que pastor no declarado no Brasil,

juridicamente empregado, e nem as igrejas empregadoras, esses nmeros so muitas vezes maior do que as RAIS indicam. A pesquisa toca em outros temas interessantes para a compreenso dos aspectos econmicos relacionados com a expanso dos evanglicos pentecostais no Brasil, em especial desde os anos 1990. Seus estudos oferecem excelentes pistas para o estudo da relao afiliao religiosa e classe social, questo de gnero, situao nas cidades, migrao rural-urbana, crise metropolitana ou percepo da violncia. As igrejas estariam tambm substituindo o Estado no atendimento, ainda que simblico de necessidades bsicas, enquanto, ainda segundo Nri (2007: 11) o nmero de pessoas exercendo ofcios de natureza religiosa demonstra que a religio est oferecendo ocupao para milhares de pessoas sem outras perspectivas de emprego. Alm dessas questes pinadas da pesquisa da FGV podemos acrescentar tambm a retomada que Nri faz da relao entre tica e religio. Para aquele pesquisador (NRI 2007: 34), preciso relembrar que o Protestantismo tradicional liberou ... o cidado da culpa de acumulao do capital privado. J os movimentos pentecostais ... liberaram a acumulao privada de capital atravs da igreja (NRI, 2007: 34). Essa concentrao de recursos nas mos dos empreendedores religiosos criou condio para uma atuao agressiva no meio das comunicaes sociais. Da o marketing, a compra de emissoras de rdio e de televiso. Por outro lado, o Pentecostalismo ... estaria prosperando numa fase de descrena quanto a possibilidade individual de ascenso social e profissional (NRI, 2007: 35). Todavia, necessrio ligar o crescimento da renda por meio da adoo de uma nova filiao religiosa com o acesso ao consumo. Processando os microdados dos Censos de 1991 e 2000, os pesquisadores atribuem aos evanglicos pentecostais a mais baixa renda per capita do pas: R$ 206,42, contra R$ 358,75 dos evanglicos tradicionais e R$ 786,14 dos espritas (NRI 2007: 38).

2.2 Os dados da pesquisa DataFolha (2007)A DataFolha, empresa pertencente Folha de S.Paulo, preparou uma pesquisa para aguardar a visita do Papa Bento XVI em 2007. Foram 5.700 pessoas entrevistadas, todas acima de 15 anos. J o IBGE imputa escolha religiosa aos moradores de um domiclio mesmo aos que sejam menores de 15 anos. Essa pesquisa indicou que a Igreja Catlica retomou a queda nos nmeros, porm, agora em uma velocidade menor do que a dos anos 90.

A Tabela 8 tambm ajuda na percepo de alguns nmeros interessantes quanto aos pentecostais. Por exemplo, os pentecostais so maioria dentro do campo evanglico na regio Norte (cinco pontos acima da mdia nacional). ali onde os

evanglicos conseguem o maior ndice no Brasil. No Sudoeste encontramos o menor ndice de catlicos (59%). Nessa regio, de cada cem brasileiros, vinte so pentecostais e somente cinco so evanglicos tradicionais.

O declnio no nmero de catlicos, segundo pesquisas da DataFolha, foi assim demonstrado: 74% (1996); 72% (1998); 70% (2002) e 64% (2007). Os articulistas divulgadores da pesquisa (Folha de S.Paulo, 6/5/07) escreveram que: ... os evanglicos representam 29% da populao nas franjas das regies metropolitanas (sete pontos acima da mdia nacional). Por sua vez, o Sudoeste tem 25% de evanglicos (sendo 20% pentecostais e 5% evanglicos tradicionais), contra 59% de catlicos. Isso, contudo, observam os jornalistas, no significa que haja um aumento no nmero de materialistas e ateus, pois, 97% declaram crer em Deus; 93% que Jesus morreu e ressuscitou e, 86% que Maria deu luz Jesus enquanto virgem.

Para fins de comparao entre a pesquisa DataFolha (2007) e a do Censo 2000 quanto distribuio dos evanglicos pelo pas, o Grfico 11 tambm ajuda. Pois nele, mais uma vez, aparecem as regies Norte e Sudeste como as regies com maior nmero de evanglicos e, obviamente, de pentecostais. Quanto s perguntas que a pesquisa DataFolha fez aos entrevistados escolhemos algumas delas apenas algumas, to somente para mostrar o que ocorre quando a pesquisa se centra na motivao que levou o fiel a fazer o trnsito religioso, e no apenas constatar a sua ocorrncia: H quanto tempo deixou de ser catlico? os pentecostais assim responderam: at 5 anos (35%); de 5 a 10 anos (28%); mais

de 10 anos (32%). Dos que aderiram nova religio h menos de 10 anos esto em primeiro lugar os solteiros (71%), depois os divorciados e casados (57%) e os vivos (48%). Podemos tambm comparar os dados encontrados pela DataFolha com os nmeros da pesquisa do CERIS (FERNANDES, 2004:21). Nela, a percentagem dos divorciados encontrada foi de 52,2% e dos separados judicialmente de 35,5% contra 21,8% dos solteiros. Seria o ncleo familiar slido um empecilho mudana de religio? Em outras palavras, o xodo rural, a urbanoindustrializao, teria erodido a influncia da tradio familiar sobre a afiliao religiosa das pessoas? Essas informaes confirmam que a maior parte das adeses (63%) ao Pentecostalismo aconteceu h menos de 10 anos. H outras perguntas da pesquisa DataFolha, como estas: voc costuma contribuir financeiramente para a sua religio? Os pentecostais que responderam sim foram 89%, enquanto os catlicos foram 75%. Todavia, os nmeros no conseguem captar o significado do dar dinheiro religio. Pois, catlicos concebem o dzimo como sendo 1%, enquanto para os evanglicos o dzimo faz jus ao nmero 10%. No neopentecostalismo deve-se acrescentar o esquema do ut des da Teologia da Prosperidade, cujo sacrifcio visto como a oferta em dinheiro (no do suprfluo, mas do que essencial) a fim de se conseguir melhores condies de realizar uma boa barganha com a divindade. A fidelidade aos cultos e rituais da prpria Igreja a menor entre os pentecostais (9%) se compararmos com os catlicos (19%) ou evanglicos tradicionais (15%). Perguntados se a Umbanda coisa do demnio, a resposta de concordncia dos pentecostais foi de 83%, contra 53% dos catlicos e 71% dos evanglicos nopentecostais. A pergunta se os evanglicos so enganados por seus pastores somente 37% de pentecostais concordaram, contra 67% dos catlicos e 47% dos evanglicos no-pentecostais. O reflexo da religio na mudana de hbitos e costumes tambm encontra nos pentecostais maior ndice. A pergunta voc j mudou algum hbito ou deixou de fazer alguma coisa por causa de sua religio?teve resposta positiva da seguinte forma: pentecostais (54%), evanglicos no-pentecostais (45%) e catlicos (9%).

2.3 Os dados da pesquisa Spirit and Power a 10 Country Survey of PentecostalA pesquisa publicada em 2006 pelo The Pew Forum on Religion & Public Life recebeu o nome de Spirit and Power a 10 Country Survey of Pentecostals e foi apoiada pela Templeton Foundation e no por alguma igreja ou agncia missionria. A sua sede se situa em Washington DC e seus resultados podem ser encontrados no website www.pewforum.org. As partes principais dessa pesquisa foram discutidas com a participao do cientista social anglo-brasileiro Paul Freston em 24.04.2006 na University of Southern California, no Seminrio Moved by the Spirit: Pentecostal Power & Politics after 100 years. O Brasil foi um dos dez pases escolhidos para essa pesquisa sobre o Pentecostalismo, exatamente no ano em que se comemorava o centenrio da apario pblica dos fenmenos pentecostais, em um velho templo da Igreja Metodista Africana, em Azusa Street, na cidade de Los Angeles. O relatrio procurou focar as prticas, as crenas e a afiliao religiosa, bem como temas sociais e morais, a viso econmica e atuao poltica dos pentecostais nos vrios pases escolhidos para a investigao. Na metodologia foi privilegiada a dimenso demogrfica e no Brasil a pesquisa foi feita por amostragem.

Em uma parte inicial do relatrio (PEW, 2006:4) os redatores do texto registraram os termos-chave usados na pesquisa deles e assim conceituados: Pentecostais so os cristos que pertencem a igrejas e denominaes pentecostais, tais como as Assembleias de Deus, a Igreja de Deus em Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus; Carismticos so outros cristos, incluindo catlicos, membros de igrejas protestantes histricas, mas que tambm se descrevem como cristos carismticos ou cristos pentecostais ou falam em lnguas no mnimo vrias vezes por ano; J reavivados um termo guarda-chuva que se refere tanto a grupos pentecostais como carismticos. Entretanto, tais formas de classificao so mais apropriadas ao campo religioso norte-americano. Embora, no Brasil, haja avivados ou carismticos que no abandonam as suas respectivas denominaes religiosas e preferem continuar sendo presbiterianos, batistas ou metodistas avivados. H, portanto, limites e desafios nessa tarefa de classificar, mensurar e compreender a forma de ser protestante, evanglica ou pentecostal entre ns. No Brasil a percentagem de pentecostais entre os protestantes foi de 72%, a de carismticos 6% e os no-renovados 22%. O tamanho da populao pentecostal no Brasil na amostra foi de 15% e dos carismticos 34%. Os dados relativos presena pentecostal no Protestantismo tradicional confirmam os nmeros obtidos nas demais pesquisas. H uma crescente pentecostalizao do campo evanglico (protestante) brasileiro. A pesquisa classificou a amostra a partir de trs afirmaes a respeito de cura divina, revelao e exorcismo:

Uma questo foi apresentada para verificar a ligao entre Pentecostalismo e fundamentalismo. A questo proposta girava ao redor da afirmao que a Bblia a palavra de Deus para ser tomada literalmente. Os pentecostais responderam afirmativamente em 81%, os carismticos 49%, e os outros cristos, 65%. Seriam os carismticos mais dados a uma leitura figurada e metafrica das escrituras? Nos EUA os outros cristos atingiram apenas 37%, o que indica uma postura mais liberal em oposio aos pentecostais 76% mais fundamentalistas. Na anlise das crenas, a concordncia com a questo a Bblia foi escrita por homens e no a palavra de Deus alcanou os 2% entre os pentecostais, 7% entre os carismticos e 12% entre os demais cristos. Porm, a leitura literal da Bblia no a nica caracterstica do fundamentalismo e nem tranquila a identificao entre ambos os grupos protestantes. Quanto ao interesse por questes sociais e polticas os resultados obtidos so importantes para os que estudam o abandono dos pentecostais tradicional apatia por esse tipo de questes. A questo proposta se referia a se os grupos religiosos devem ou no emitir opinies em questes sociais e polticas. Os pentecostais responderam afirmativamente em 65%, os carismticos 61% e os demais cristos, 53%. O posicionamento quanto a questo moral e social tambm foi testada. Mas, nesse caso, carismticos e outros cristos se aproximaram mais entre si e se distanciaram do conservadorismo pentecostal.

Uma surpresa ou uma confirmao do carter neopentecostal do subcampo pentecostal brasileiro est no item da pesquisa que muito caro s tradies pentecostais: falar em lnguas. Uma parcela de 29% de pentecostais pratica semanalmente a glossolalia, enquanto 50% confessaram nunca falar em lnguas. J dentre os carismticos somente 8% falam em lnguas, enquanto 84% afirmam nunca praticar a glossolalia, j que no surgimento do movimento nos EUA, no incio do sculo XX, o falar em lnguas estranhas era tido como sinal visvel do batismo com o Esprito Santo. Em outras palavras: a glossolalia perde espao como forma de identificar o Pentecostalismo. J a convivncia dos pentecostais com o exorcismo de 80%, enquanto os carismticos de 30%. Em relao ao receber ou interpretar profecias e revelaes vindas de Deus, os pentecostais atingiram os 30%, enquanto carismticos e outros cristos ficaram, respectivamente, entre 6% e 5% deles. Mas, quando perguntados se recebem respostas as suas oraes ou revelaes divinas, as respostas podem ser assim tabuladas no que se refere ao Brasil:

A frequncia a um templo, pelo menos uma vez por ms, foi um outro item mensurado na pesquisa. No Brasil, a resposta sim foi de 86% dos pentecostais, 32% dos carismticos e outros cristos. A piedade individual e diria teve resposta positiva em 83% dos pentecostais, 72% dos carismticos e 62% dos demais cristos. J a leitura diria da Bblia atinge nveis muito mais baixos: pentecostais 51%, carismticos 13% e outros cristos 10%. Essa questo tambm muito curiosa, pois, os evanglicos no Brasil sempre foram considerados fiis e dirios leitores da Bblia. Quanto ao compartilhar a f com pessoas que no tm crenas como eles pelo menos uma vez por semana, alcanou as seguintes percentagens: pentecostais 68%, carismticos 30% e outros cristos 21%. A correspondncia entre evangelho e sade bem aceita por pentecostais em 89%, por carismticos 72% e outros cristos em 80%; no que se relaciona a ligao evangelho e prosperidade, o ndice em cada caso foi de 83% para os pentecostais, 61% para os carismticos e 70% pra os demais cristos. Quanto afiliao prvia dos convertidos ao Pentecostalismo, as respostas foram as seguintes: 38% sempre pertenceram ao Pentecostalismo, enquanto 62% se converteram posteriormente.

Com relao ligao entre a AIDS e a punio divina por pecados cometidos, os resultados confirmam a forte moralidade dos pentecostais, com 37% contra 23% dos carismticos e 26% dos outros cristos. Quanto ao aborto 91% dos pentecostais so contra, ao passo que esse ndice cai para 76% entre os carismticos e 82% para os demais cristos. A negao para a mulher ser pastora obteve as seguintes percentagens: pentecostais 64%, 62% entre os carismticos e 66% entre os outros cristos. Quanto a afirmao que uma mulher deve sempre obedecer ao seu marido as respostas foram: 61% entre os pentecostais, 34% entre os carismticos e 42 entre os demais cristos. Novamente reaparece o patriarcalismo no meio pentecostal.

Consideraes finaisAo longo deste artigo procuramos seguir outros caminhos, alm do estudo tradicional do campo religioso brasileiro, usando apenas uma metodologia qualitativa. Optamos pela anlise dos nmeros como forma de nos aproximar, no somente das mudanas que ocorrem com o Catolicismo e Protestantismo de misso - que perdem fiis ou no crescem na mesma velocidade da populao brasileira -, mas tambm como uma maneira de se mensurar a exploso pentecostal que est em andamento no Brasil a fortiori aps os anos 1970. Tivemos por objetivo avanar um pouco alm dos nmeros divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica e incluir os nmeros da FGV (de 2003), do The Pew Forum (2006) e do DataFolha (de 2007). A ltima tabela, de nmero 13, permite uma ligeira viso das dificuldades que ainda cercam a mensurao e o registro de dados demogrficos religiosos no Brasil. H, a rigor, uma dana dos nmeros. Porm, esses nmeros, se cotejados com os dados do IBGE de 2000, apresentam algumas outras luzes sobre o fenmeno que procuramos analisar. Cabe ainda ressaltar que, com exceo do IBGE, todas as demais pesquisas trabalharam com respondentes acima de 15 anos de idade. J na pesquisa do IBGE, embora ela se refira a uma quantidade muito maior de respondentes, h a atribuio de opo religiosa aos filhos menores de 15 anos pelos responsveis pela moradia da famlia.

Procuramos colocar em dois extremos o decrscimo catlico romano e o contnuo crescimento tanto do Pentecostalismo mais tradicional (Congregao Crist no Brasil e Assembleia de Deus) como tambm as novas formas de Pentecostalismo, que na falta de um melhor termo tem sido chamado pelos especialistas de neopentecostalismo. A visibilidade destes ltimos, na mdia, no cotidiano da vida urbana e, especialmente na poltica estadual e federal, no pode ser compreendida levando-se em considerao apenas a metodologia que se usava para a anlise do fenmeno religioso mais tradicional. Da a necessidade de mais pesquisas do tipo religio em nmeros. A questo colocada inicialmente, importante para muitos cientistas que estudam o fenmeno religioso, que a previsibilidade do comportamento pentecostal nas prximas dcadas, poderia ser melhor respondida por um especialista em anlises estatsticas luz dos dados colhidos nos censos de 1991 e 2000. H um pressuposto que o Pentecostalismo cresce e viceja em ambientes regados por crises econmicas e de sentido para a vida das pessoas. Ora, o crescente processo de internacionalizao da economia; de globalizao da cultura; de excluso de uma enorme quantidade de pessoas e da impossibilidade do sistema acolher a todas em seu sistema econmico; no impossvel prognosticar que a opo pentecostal, neopentecostal e carismtica continue a minar as instituies religiosas tradicionais que institucionalizaram as frmulas de se resolver os problemas das massas. Por outro lado, no se pode deixar de lado no somente o crescimento da chamada incredulidade ou o nmero dos que dizem no ter religio alguma, a diversidade e a pluralidade dos sistemas religiosos exigem uma maior ateno dos pesquisadores. inegvel que se h um ressurgimento do religioso, embora dentro de novos moldes, h um crescente processo de secularizao ou de desencantamento do mundo. Nesse novo contexto, a interveno do sagrado sobre a vida cotidiana vai se tornando algo muito mais subjetivado do que institucionalizado. Realiza-se assim, tambm no Brasil, o que Marcel Gauchet afirmou a respeito da Europa: O que sobrevive no presente da religio crist j no tem nada a ver com a situao que decidiu o seu desenvolvimento; com as condies graas as quais se imps e desenvolveu (2005: 9). Seria, portanto, a exploso pentecostal em novas formataes, mais um sinal de que assistimos insero do clculo racional, da lgica do mercado, da busca de resultados prticos e individuais quase sempre mgicos, no corao do prprio Cristianismo? Teria o Cristianismo protestante criado uma cobra que acabou por devor-lo a partir de seu mago? De qualquer forma, os nmeros indicam, como registrou a pesquisa Forum 2006 Survey, no Brasil, de cada sete respondentes um pentecostal; trs em dez se identificaram como carismticos; e para cada dez que se identificaram como protestantes, oito so pentecostais. Efetivamente, no se pode mais estudar o campo religioso brasileiro sem se levar a srio a carismatizao do Catolicismo e a pentecostalizao do Protestantismo histrico, nem a multiplicao de novos grupos pentecostais, alguns deles extremamente segmentados, pois se voltam para os surfistas, drogados, gays, apreciadores de rock, e assim por diante. Os nmeros futuros, sem dvida, iro refletir tais mudanas.