A democracia, modelo de funcionamento do estado
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A democracia, modelo de funcionamento do estado
Boutros -Boutros Ghali
É possível conceber intuitivamente a ligação entre desenvolvimento e democracia, mas
é difícil conceituá-la. Pela experiência, o desenvolvimento e a democracia aparecem
como indissociáveis, a longo prazo. Mas nem sempre é fácil estabelecer claramente uma
relação de causa e efeito entre os dois processos. Em diversos países, conseguiu-se um
certo nível de desenvolvimento, a que se seguiu uma tendência para a democratização.
Noutros casos, foi a democracia que abriu o caminho para uma revolução econômica.
Quando se foca a democracia no contexto do desenvolvimento, é necessário prestar
mais atenção aos processos e às tendências do que aos acontecimentos. A relação
natural que existe entre desenvolvimento e democracia torna-se, então, mais clara. Tal
como o desenvolvimento, a democracia é um processo que só se afirma com o tempo. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos mostrou que a democracia, o
desenvolvimento e os direitos humanos se reforçavam mutuamente.
A democracia e o desenvolvimento estão ligados por diversas razões fundamentais. Em
primeiro lugar, porque a democracia proporciona a única solução suscetível de
conciliar, a longo prazo, os interesses étnicos, religiosos e culturais antagônicos,
minimizando o risco de conflitos internos violentos. Acresce que a democracia é, por
definição, um modo de funcionamento do Estado que, por sua vez, influi em todos os
aspectos dos esforços em prol do desenvolvimento. A democracia é ainda um direito
fundamental da pessoa humana e seu avanço é, por si mesmo, uma importante medida
do desenvolvimento. A participação dos indivíduos na tomada de decisões sobre sua
existência é um princípio essencial do desenvolvimento.
O efeito conjugado do desespero econômico e da ausência de instrumentos
democráticos capazes de promover a mudança desencadeou ou exacerbou atitudes
violentas e destruidoras, mesmo no seio de sociedades relativamente homogêneas. As
guerras civis constituem cada vez mais uma séria ameaça à paz internacional e entravam
consideravelmente o desenvolvimento. Os antagonismos étnicos, a intolerância religiosa
e os abismos culturais ameaçam a coesão da sociedade e a integridade dos Estados, no
mundo inteiro. As minorias marginalizadas - e também os grupos maioritários - que
vivem na insegurança, recorrem cada vez com mais freqüência aos conflitos armados
para resolver suas diferenças sociais e políticas.
A longo prazo, só a democracia permite arbitrar e resolver, de maneira duradoura, as
numerosas tensões políticas, sociais, econômicas e étnicas que ameaçam
constantemente dilacerar as sociedades e destruir os Estados. Sem democracia, garantia
da livre concorrência e instrumento da mudança, o desenvolvimento permanecerá frágil
e estará sempre em perigo.
As crises e os conflitos podem reduzir a nada, em alguns meses, progressos
penosamente conseguidos ao longo de anos. Na ânsia de resolver velhas querelas, de
reparar supostos agravos ou de defender novas utopias, pode-se provocar muitas perdas.
A realização de eleições é apenas um dos elementos da democratização. Alguns
estados-membros solicitaram e receberam assistência da Organização das Nações
Unidas (ONU) para promover a descolonização, assegurar o exercício do direito à
autodeterminação, elaborar processos destinados a facilitar uma transição sem
problemas para a democracia e encontrar alternativas democráticas aos conflitos. A
ONU também apoiou diversas atividades, como a redação de constituições, a introdução
de reformas administrativas e financeiras, o reforço da legislação nacional sobre direitos
humanos, o melhoramento das estruturas judiciais, a formação de especialistas em
direitos humanos, e a ajuda aos movimentos armados da oposição, a fim de permitir que
se transformassem em partidos políticos.
Melhorar o funcionamento dos poderes públicos é uma condição essencial do êxito de
qualquer programa ou estratégia de desenvolvimento. Na verdade, o bom
funcionamento dos poderes públicos é, sem dúvida, o elemento mais importante
dependente do controle de cada Estado.
No contexto do desenvolvimento, a melhoria do funcionamento dos poderes públicos
assume vários aspectos. Em primeiro lugar, significa a definição e aplicação de uma
estratégia nacional global de desenvolvimento. Significa também que as instituições
fundamentais do Estado moderno devem ter meios para agir, devendo ter asseguradas
sua confiabilidade e integridade. A capacidade dos poderes públicos de levar a cabo
políticas governamentais e assumir as funções que são da sua competência, como a
gestão dos sistemas executivos, deve igualmente ser aperfeiçoada. Os poderes públicos
devem prestar contas de seus atos e usar de transparência na tomada de decisões.
Independentemente de sua ideologia, geografia ou fase de desenvolvimento, as
sociedades não-democráticas têm tendência a assemelhar-se. Têm em comum uma
classe média relativamente fraca, uma população reduzida ao silêncio e uma oligarquia
dirigente que retira vantagens da gestão de um sistema de corrupção multiforme e
freqüentemente institucionalizado. Os indivíduos que vivem numa democracia podem
manifestar mais livremente sua oposição ao tráfico de influências e a outras tentativas
de corrupção. Melhorar o funcionamento dos poderes públicos deve permitir assegurar a
eqüidade, colocando verdadeiramente a administração ao serviço da população.
Embora a democracia não seja o único meio para melhorar o funcionamento dos
poderes públicos, é, isto sim, o único confiável. Graças à ampliação da participação
popular que a democracia promove, as grandes aspirações e as prioridades sociais têm
mais oportunidades de ser tomadas em consideração nos objetivos nacionais do
desenvolvimento. Graças à criação de mecanismos apropriados de alternância política, a
democracia permite proteger a competência, a confiabilidade e a integridade das
instituições fundamentais do Estado - incluindo a função pública, o sistema legal e o
próprio funcionamento do processo democrático. Ao instituir a legitimidade política dos
governos, a democracia reforça sua capacidade de desempenhar eficazmente as funções
que lhes competem. Ao exigir dos governos que prestem contas dos seus atos aos
cidadãos, a democracia torna-os mais sensíveis às preocupações da população e incita-
os a tomar decisões transparentes.
O mandato de governar que a população lhe confiou dá ao governo sua legitimidade,
sem, no entanto, garantir que ele o exerça com competência ou sabedoria. De fato, a
democracia não pode assegurar de um momento para o outro a boa gestão dos assuntos
públicos e a instituição de um Estado democrático não conduz imediatamente a
melhorias consideráveis, em termos de taxas de crescimento, das condições sociais ou
da igualdade. Contudo, ao dar aos indivíduos os meios de participarem nas decisões que
afetam sua existência, a democracia faz com que o governo fique mais perto da
população. A descentralização e o reforço das estruturas comunitárias permitem que os
fatores locais com incidência no desenvolvimento sejam tomados em consideração de
uma forma mais adequada.
A democracia não se satisfaz em si mesma. Podem encontrar-se práticas
antidemocráticas mesmo nos países onde as tradições democráticas estão mais
fortemente enraizadas. Como exemplos podemos citar a fraca taxa crônica de
participação eleitoral, o financiamento de candidatos por certos grupos de interesses e a
falta de transparência de certas instituições do Estado. Do mesmo modo, a existência
permanente de uma classe extremamente desfavorecida caracteriza muitas das
sociedades mais ricas. Por último, a persistência de taxas elevadas de desemprego e a
presença de migrantes estrangeiros provocaram o ressurgimento de movimentos
xenófobos, ultranacionalistas e fundamentalmente antidemocráticos, em algumas dessas
sociedades. Estes fenômenos ilustram bem a necessidade de reforçar a consciência
política, mesmo nas sociedades onde a democracia é, desde há muito, considerada um
dado adquirido.
Noutras sociedades, a libertação das frustrações acumuladas durante décadas de regimes
de partido único levou a uma confusão entre eleições multipartidárias e democracia
duradoura. O pluralismo e a existência de parlamentos são, indubitavelmente, condições
essenciais da transição para um regime democrático, mas o desaparecimento do Estado
de partido único não garante o triunfo final da democracia. A fragmentação das
sociedades multi-étnicas e o difícil início da transição para a economia de mercado
provocaram um recrudescimento dos movimentos antidemocráticos que procuram
apoderar-se do poder político.
A ascensão das forças antidemocráticas, que se apóiam nas desilusões populares
avivadas por resultados econômicos medíocres, não se manifesta apenas nas sociedades
de abundância ou nas sociedades em transição. Muitas sociedades do mundo em
desenvolvimento se confrontam presentemente com a difícil necessidade não só de
assegurar a transição para a democracia mas também de reformar sua economia. As
expectativas suscitadas pelas primeiras fases das reformas e as dificuldades econômicas
que as acompanham constituem também um perigo para a democratização. Em muitos
casos, a participação em conflitos civis ou internacionais complica ainda mais a
situação. Quando os recursos são escassos e a maior parte da população não consegue
satisfazer suas necessidades básicas, é extremamente difícil assegurar o
desenvolvimento político. A luta pelo progresso econômico e social entrava
freqüentemente o progresso político.
A instauração de uma democracia e de um desenvolvimento duradouros está
estreitamente ligada ao avanço da democracia nas relações entre Estados e em todos os
níveis do sistema internacional. A democracia nas relações internacionais é a única base
que permite instituir a solidariedade e o respeito mútuo entre as nações. Não pode haver
paz duradoura e desenvolvimento satisfatório sem uma verdadeira democracia nas
relações internacionais.
A democracia no seio da família das nações constitui um princípio que é parte
integrante do sistema de relações internacionais proposto pela Carta das Nações Unidas.
Esse princípio significa que não se pouparão esforços para que os Estados, grandes e
pequenos, se consultem e participem na vida internacional. Significa que a todos os
órgãos das Nações Unidas deve ser reconhecida a possibilidade de exercer plenamente
suas funções. Esse princípio deve poder contribuir para preservar o equilíbrio entre as
ações política, econômica e social das Nações Unidas, para que se possam reforçar
mutuamente.
A democracia na vida internacional significa igualmente o respeito pelos princípios
democráticos nas relações que se estabelecem fora das Nações Unidas. As ameaças
bilaterais devem dar lugar às discussões bilaterais. A integridade e soberania das outras
nações devem ser respeitadas. Os problemas de interesse mútuo devem ser resolvidos
pela via das consultas e da coordenação. Deve haver cooperação com vistas ao
desenvolvimento.
O diálogo, a discussão e os acordos constituem atividades exigentes. Mas são a própria
essência da democracia - no seio das nações e da família das nações. É
fundamentalmente deste modo que a sociedade dos Estados se deve esforçar por
exprimir sua vontade comum e por avançar na via do progresso.
Numa época em que a informação, os conhecimentos, as comunicações e os
intercâmbios intelectuais condicionam o êxito econômico e social, é preciso entender a
democracia não só como um ideal mas também como um processo indispensável à
realização de progressos tangíveis. A democratização no seio do sistema internacional
permite não só que os que lutam pelo desenvolvimento se façam ouvir, mas também que
tenham um peso político real. Um mundo mais democrático poderá promover os
esforços concertados, tendo em vista a execução de uma agenda para o
desenvolvimento.
Agenda para o desenvolvimento. Lisboa, Centro de Informação das Nações Unidas,
1994, pp. 40-46.
Boutros-Boutros Ghali, é diplomata egípcio e foi secretário-geral da ONU de janeiro
de 1992 a dezembro de 1996
Vírus da imunodeficiência humana/Síndrome da
imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS)
Atualmente 22,6 milhões de pessoas vivem com HIV, o vírus causador da AIDS. Desde
o início da pandemia, 8,4 milhões de pessoas progrediram de uma infecção por HIV
para a AIDS sintomática e 5,8 milhões morreram. Segundo as estimativas da
Organização das Nações Unidas, registraram-se mais de 3,1 milhões de novas infecções
por HIV em 1996. Isto significa mais de 8.500 casos por dia - 7.500 adultos e mil
crianças. As mortes associadas ao HIV, em 1996, somaram 1,3 milhão: 470.000
mulheres e 330.000 crianças com menos de cinco anos.
O HIV continua a propagar-se rapidamente, em muitos países. A epidemia está a
instalar-se em vários grandes países da África e os números mais elevados de novos
casos registraram-se na Ásia meridional, especialmente na Índia. A doença está a ser
detectada em países onde, anteriormente, os níveis de infecção eram baixos (incluindo
os países que integravam a União Soviética).
Aproximadamente 42% dos 21 milhões de adultos que vivem com o HIV são mulheres
e essa percentagem está a aumentar. A maioria dos novos infectados é constituída de
adultos com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos. A nível mundial, de cada
cem infecções por HIV em adultos, 75 a 85 foram transmitidas através de relações
sexuais sem proteção (ou seja, sem preservativo). As relações heterossexuais são
responsáveis por mais de 70% do total de infecções por HIV de adultos, até a data. A
transfusão de sangue contaminado é responsável por 3 a 5% das infecções. A partilha de
seringas e agulhas infectadas por HIV pelos consumidores de droga é responsável por 5
a 10% das infecções em adultos. Esta percentagem está a aumentar e, em muitas partes
do mundo, é a via predominante de transmissão. Quanto aos restantes 5 a 10% de
infecções, foram transmitidas através de relações homossexuais.
A transmissão de mãe a filho é responsável por mais de 90% do total de infecções
ocorridas em bebês e crianças. No mundo em desenvolvimento, a prevalência do HIV é
35 vezes mais elevada do que no mundo industrializado. Cerca de 25 a 35% dos bebês
filhos de mães infectadas por HIV foram infectados antes ou durante o parto, ou através
da amamentação. As estimativas do número de crianças que foram infectadas durante a
pandemia variam. A infecção por HIV progride mais rapidamente para AIDS nas
crianças, e a sobrevivência é curta. Cerca de um quarto do total de mortes relacionadas
com a AIDS abrange crianças infectadas por transmissão vertical das mães. Mais de
85% dos filhos infectados por transmissão de mãe para filho vivem na África
subsaariana.
AIDS:o direito à proteção
As novas infecções surgem agora ao ritmo de 8.500 por dia e estima-se que 29,4
milhões de pessoas tenham sido infectadas. A pandemia é uma força profundamente
desestabilizadora, ao destruir famílias e comunidades, semear a miséria e a tragédia
numa larga escala e talvez limitar seriamente as perspectivas de desenvolvimento de
nações inteiras. Ameaça criar uma geração de órfãos - filhos do vendaval que agora
varre a África, a Ásia e a América Latina. Está a começar a ter graves consequências
demográficas em diversos países africanos - na realidade, estima-se que em alguns
países africanos as taxas de mortalidade seriam 25% mais baixas, se não fosse a AIDS.
A esperança de vida nos países mais afectados é seis anos inferior, em consequência da
AIDS. Este efeito acentuar-se-á, à medida que aumenta o número de mortes por AIDS.
O efeito demográfico da AIDS sublinha mais claramente do que quaisquer palavras
podem expressar que a população não se resume a números: tem que ver com pessoas.
A pandemia da AIDS já está a abrandar o crescimento demográfico em alguns países,
ao elevar as taxas de mortalidade. Esta tendência devastadora realça a necessidade de
fazer do bem-estar das pessoas, e não de determinados alvos numéricos, o centro de
todos os programas de reprodução responsáveis. Só encarando de frente a pandemia da
AIDS, com todos os recursos à nossa disposição, podemos proteger a integridade das
famílias, a estabilidade das comunidades e a nossa esperança de um desenvolvimento
equilibrado.
Entre as principais prioridades deve figurar a de permitir a todos os que se encontram
numa situação de risco que se protejam da infecção a HIV. Isso implica um esforço
mundial para estabelecer uma melhor informação e comunicação acerca da doença e
suas causas e para proporcionar os meios de proteção. A abstinência sexual impede a
infecção, mas aqueles que são sexualmente ativos necessitam de uma proteção ativa.
Isto é especialmente importante no caso das mulheres, que são mais vulneráveis à
infecção e muitas vezes não têm poder para impedir a relação sexual. Só um esforço
forte e concertado pode dar às mulheres os poderes para insistirem no seu direito a se
protegerem. Os líderes do mundo inteiro deveriam erguer a sua voz a favor do direito
das mulheres à proteção e opor-se vigorosamente a todos os que falam ou agem contra
isso.
A situação da população mundial. Nações Unidas, Fundo das Nações Unidas para a
População (FNUAP), 1997, PP. 21-22.