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Prof. Dr. Juarez Cirino dos SantosMestre em Ciências Jurídicas (PUC/RJ)
Doutor em Direito Penal (UFRJ)
Pós-doutorado no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie
C U niversidade do Saarland, Alemanha)
A Criminologia
Radical
ICPC
LUMEN JURIS
2008
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Capa:
Rodrigo Michel Ferreira
Projeto Gráfico:
Kellen Susana Zamarian
s+=c00460'5~Santos, Juarez Cirino dos
t\ criminologia radical/Juarez Cirino dos Santos. - 3. ed. - Curitiba:
ICPC : Lwnen Juris, 2008.
139p. ; 21cm.
ISBN 978-85-375-0183-2
Bibliografia: p. 131-136.
1. Crime. 2. Criminalidade. 3. Controle Social. I. Título
CDD (21' ed.)
364
Dados internacionais de catalogação na publicação
Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Tei.xeÍra
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De dic o este trab alh o aos pri fess ore s
João Me stieri e
Helen o' Fra goso (in me mo n'a m)
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PREFÁCIO
Este livro foi escrito na época da ditadura militar no
Brasil - entre 1979 e 1981 -, apresentado como tese para
obtenção do título de doutorem Direito Penal na Faculdade de
Direito da UFRJ, defendido e aprovado com a nota máxima
por uma banca examinadora constituída pelos professores
Helena Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de Albuquerque
Mello, Celso César Papaléo e João Mestieri (orientador)
- mestres que dignificaram a vida acadêmica, científica e
intelectual do País naqueles tempos sombrios.
Na época, os partidos políticos estavam amorda-
çados, os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a
universidade e os intelectuais acuados - mas a resistência
democrática crescia em todos os segmentos da sociedade
civil e política brasileira. Os centros de produção científica
e cultural do País foram invadidos pela ideologia de lei e
ordem do AI-5, mas não foram dominados: na PUC/RJ,
o movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos
Centros Acadêmicos era vigoroso; na Cândido Mendes/
Ipanema nunca houve censura política de professores; na
Faculdade de Direito da UFRJ, a luta histórica do CACO
(Centro Acadêmico Cândido de Oliveira) abria espaço para
defesa de teses marxistas como A Criminologia &dical, por
exemplo.
Vil
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•
i\ idéia do livro surgiu ao escrever a dissertação de
mestrado na PUC/RJ, publicada como A Criminologia da
Rep res são (Forense, 1979), que descrevia a criminologia po-
sitivista dominante na academia e no sistema de controle
social. O estudo crítico dessa criminologia conservadora
permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos nomeio universitário brasileiro, com conceitos revolucionários
sobre crime e controle social, como Punishment and social
structure de Rusche e Kirchheimer (1939), The New Crimi-
nology de Taylor, Walton e Young (1973) e Vzgiar e Punir de
Foucault (1977), espécie de linha defrente de um movimento
universal de criminologia crítica composto por cientistas, filó-
sofos e militantes políticos de vanguarda, como Alessandro
Baratta na Alemanha, Dario Melossi e Massimo Pavarini na
Itália, Tony Platt, William Chambliss e os Schwendingers
nos Estados Unidos, LaIa Aniyar de Castro e Rosa del
Olmo na América Latina, para citar apenas alguns. Então,
porque não apresentar ao público brasileiro os fundamen-
tos científicos e os objetivos políticos dessa criminologia de
raízes que pretendia "se constitui?; não como outra 'criminologia da
repressão: m as como a única Criminologia da Libertação)) - como
a denominamos originalmente - e precisamente nesses
tempos de caça às bruxas?
O percurso intelectual de elaboração do livro teve
momentos inesquecíveis: a tradução (com Sérgio Tan-
credo) de Criticai Criminology, de Taylor, Walton e Young
(Criminologia Crítica, Graal, 1980); as discussões jurídicas e
políticas no Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro,
sob a presidência de Helena Fragoso, a liderança de Nilo
Batista e um time de encher os olhos: João Mestieri, Au-
viii
gusto Thompson, Heitor Costa] únior, Cláudio Ramos,
Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur
Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Carão, Eli-
sabeth Sussekind e outros mais; o e?sino de Direito Penal
e Criminologia na graduação em Direito da PUC/R] e daCândido Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romântica
militância política no MR8 (Movimento Revolucionário 8
de Outubro) de Lamarca e Marighela, então já assassinados
pela ditadura militar.
Escrever A Criminologia Radical foi uma experiência
pessoal emocionante, espécie de êxtase psíquico renovado
a cada descoberta intelectual. E a reação do público foi
espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o
livro, mas criminólogos progressistas encontraram nele a
verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar
criminologia radical- e não simplesmente criminologia _, entre-
gando aos alunos fotocópias do livro, esgotado nas livrarias;
o livro foi objeto de seminários organizados por professores
e de grupos de estudo formados por estudantes de Direito.
Ainda hoje - vinte cinco anos depois da 1a edição _, em
conferências e debates pelo País, encontro profissionais do
Direito e estudantes com um velho exemplar do livro na
mão, para um autógrafo. Em suma, aconteceu com o livro
o que acontece com a ciência social erigida sobre a luta declasses: ou é aceita ou é rejeitada, não há meio-termo.
O livro não foi republicado por causa de um projeto
- aliás, sempre adiado - de fundir A Cnominologia Radical
com A Cri min olog iOada Rep res são e As Raíz es do Cri me, em um
Curso de Criminologia para os estudantes brasileiros. Mas o
argumento de que A Criminologia Radical seria um clássico
IX
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na literatura criminológica brasileira, devendo ser republi-
cado sem mudanças - independente daquele projeto -, foi
convincente. E aí está a 2a ,ediçào do livro, com algumas
alterações de forma para facihtar a leitura, mas sem nenhuma
mudança de conteúdo para preservar a originalidade - até
para mostrar que certas teorias pretensamente novas já
completaram a maioridade no Brasil.
Hoje, com o Estado Democrático de Direito e o novo
quadro político-institucional do País, as teses do livro con-
tinuam atuais - e podem contribuir para a formulação de
políticas criminais democráticas e humanistas, opostas ao'
boom repressivo e intolerante das políticas penais próprias
do período de globalização da economia capitalista, ainda
e sempre sob a égide do capital financeiro internacional.
Curitiba, janeiro de 2006.
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR
x
SUMÁRIO
I. INTRODUçAo 1
11. A CIUMINOLOGIt\ ~\DICAL. 35
IH. A CIUMINOLOGIA RADICAL E o
CONCEITO DE CIUME 49
IV A CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLÍTICA DO
CONTROLE SOCIAL..........................................................•.. 61
V A CRIMINOLOGIA RADICAL E A FORMA LEGAL DO
CONTROLE SOCIAL 87
VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERNATIVASDO
CONTROLE SOCIAL. l11
VII. CONCLUSÕES 125
BIBLIOGRAFIA 133
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I . I NTRODUÇÃO
odesenvolvimento de teorias radicais sobre crime,
desvio e controle social está ligado às lutas ideológicas e
políticas das sociedades ocidentais, na era da reorganização
monopolista de suas economias. Esse movimento teórico
pode ser explicado, nas suas formas básicas, pelas transfor-
mações econômicas e políticas, nacionais e internacionais,
do período da planetarização das relações de produção e de
comercialização de bens, da divisão internacional do traba-
lho e da polarização universal entre países desenvolvidos e
hegemônicos e povos subdesenvolvidos e dependentes.
O estudo das teorias radicais sobre crime e controle
social deve, portanto, fixar as linhas teóricas e metodoló-
gicas comuns aos movimentos e tendências críticas em
Criminologia e indicar os vínculos' desses movimentos e
tendências com as estruturas econômicas e políticas e as
relações de poder e de dominação das sociedades capitalis-
tas.A construção intelectual das coordenadas científicas das
teorias radicais exige, além do exame de produções teóricas
particulares representati"as desse movimento e tendências,
o uso de categorias capazes 'de captar as transformações
históricas e as lutas sociais, políticas e ideológicas que,
simultaneamente, produzem e explicam a Criminologia
Radical.
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A Cn>JJillologia Radical
A Criminologia Radical surge como crítica radical da
teoria criminológica tradicional, assim como - guardadas
as devidas proporções - o marxismo surgiu de uma crítica
radical da economia política 'Clássica:ambas as construções
assumem na prática e desenvolvem na teoria um ponto
de vista de classe (a classe trabalhadora), em cujo centro
se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é
a estruturação de conceitos radicalmente !-l0vos sobre as
forças e a direção do movimento histórico, a Criminologia
Radical se edifica com base no método e nas categorias
científicas do marxismo, desenvolvendo e especializando
conceitos na área do crime e do controle social, mediante a
crítica da ideologia dominante, como exposta e reproduzida
pelas teorias tradicionais do controle social: as teorias clás-
sicas e positivistas, e algumas variantes da fenomenologia
moderna.
1. As Teorias Tradicionais
Após a Segunda Guerra, nos países industrializados
do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentrada
no estudo de causas ambientais, preocupada com privações
materiais, lares desfeitos, áreas desorganizadas e pobres etc.,
abandonando as teorias genéticas e psicológicas, e outras
teorias conservadoras sobre a "perversidade humana" na
explicação da etiologia do crime. Essa orientação teóric(1,
conhecida como criminologia fabiana por causa de sua
tendência ao compromisso, trabalhava com dois grupos de
fatores básicos: a subsocialização (insuficiente assimilação de
valores culturais por deficiências de educação) e a corrupção
2 ,
.
'.
In/ To e/u çâo
indiz)idZfa/ (assimilação deformada dos valores culturais). A
punição, como medida anticriminal oficial, justificava-se
naturalmente como correção ressocializadora e oportuni-
dade para arrependimento (Taylor, Walton e Young, 1980,
p. 10-11). A posição de compromisso do enfoque repre-
senta uma composição entre tendências conservadoras
(teorias clássicas e positivistas biológicas) e liberais (teorias
positivistas sociológicas e as fenomenologias do crime) da
criminologia dominante.
As teorias conservadoras caracterizam-se pela descrição
da organização social: a ordem estabelecida (status quo) é
o parâmetro para o estudo do comportamento criminoso
ou desviante e, por isso, a base das medidas de repressão e
correção do crime e desvio. A ideologia das teorias conser-
vadoras é essencialmente repressiva: fundada na hierarquiae na dominação, como bases da lei e da ordem, tem um
significado prático de legitimação da ordem social desigual
(Taylor et alii, 1980, p. 22-23).
As teorias liberais se caracterizam pela prescrição
de riformas, concentrando-se em pesquisas sociológicas
para sugerir mudanças institucionais (descriminalização,
tratamento penitenciário etc.) e sociais (habitação, assis-
tência etc.) como meios de prevenção do comportamento
anti-social. A ideologia liberal separa a atividade teórica
do cientista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a prática
política do administrador, o homem de decisão atento às
necessidades concretas: o assessoramento do administrador
por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato,
exprimiria a subordinação da ciência aos imperativos polí-
ticos. A maioria da criminologia atual, especialmente em
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I l " . .,I I!
In tro dtl (t1 o-------------'--------~--'_._--------,--_ .. _--------.-_.
etc.) e sociológicas (patologia social, desorganização social e
comportamento desviante).
----..-._------------------
instituições ligadas à realidade oficial, concentrada em pes-
quisas sobre reincidência, métodos de prevenção, regimes
penitenciários etc., segue o esquema liberal (Taylor et a/li",
1980, p. 23-25).
A Cr im ino log ia F.. Lld ica l
Mas a conexão ideológica entre conservadores e libe-
rais para formação de uma mmin%gia correciona/ista está na
noção comum de que a maioria do comportamento social
é cOnt'enciona!,ou seja, ajustado aos parâmetros normativos,
enquanto o comportamento não-convenciona!, constituído
pelo crime e desvio, seria a minoria do comportamento
social. O enfoque comum de conservadores e liberais não
questiona a estrutura social, ou suas instituições jurídicas e
políticas (expressivas de consenso geral), mas se dirige para
o estudo da minoria criminosa, elaborando etiologias do crime
fundadas em patologia individual, em traumas e privaçõesda vida passada, em condicionamentos deformadores do
sistema nervoso autônomo, em anomalias na estrutura
genética ou cromossômica individual etc., em relação
com as circunstâncias presentes, cuja recorrência produz
tendências fixadas, psicológicas, fisiológicas ou outras. No
estudo dessa etiologia (e suas relações), o criminólogo
realizaria uma tarefa neutra, independente de interesses
pessoais e do sistema de reação contra o crime, com seus
condicionamentos políticos e ideológicos (Young,1980,p.75).
Mas não se trata de estudar em detalhes, neste texto, as te-
orias conservadoras e liberais, objeto específico de estudo
em A Criminologia da Repressão (Cirino, 1979), cam ampla
análise de seus postulados ideológicos e estruturas teóricas,
dentro do seguinte esquema: a) teorias clássicas; b) teorias
positivistas biológicas (genéticas, psicológicas, psiquiátricas
4
2. A Formação das Teorias Radicais em
Criminologia
Sem desmerecer contribuições anteriores, geralmente
incompletas e limitadas, ou com distorções reformistas
ou formalistas, um dos primeiros estudos sistemáticos do
desenvolvimento da teoria criminológica sob um método
dialético, aplicando categorias do materialismo histórico,
é o trabalho coletivo The New Cnminology (Taylor, Walton
e Young, 1973). O texto apresenta uma crítica interna das
teorias do crime, desvio e controle social, desde as con-
cepções clássicas, passando pelos positivismos biológicos
e sociológicos, as contribuições fenomenológicas e intera-
ciorustas e, finalmente, as teorias conflituais, destacando,
nas conclusões, os estágios analíticos da criação e da aplicação
da norma criminal: as origens do comportamento desviante
(estruturais e imediatas), o comportamento desviante con-
creto e as origens da reação social (imediatas e estruturais).
Esse texto acelerou a formação da Criminologia Radical,
ao exprimir a revolta de teóricos críticos (Laurie Taylor,
Stan Cohen, Mary McIntosh, Ian Taylor, Paul Walton,Jock Young etc.) contra o pragmatismo puritano e correcio-
nalista da criminologia convenci~:md, em Cambridge, 1968,
formando a própria conferência:a National Deviancy Con-
ference (Mintz, 1974, p. 33). Esse encontro, realizado em
York, no ano de 1968, com mais de 400 participantes, marca
uma ruptura coletiva e coordenada com a criminologia tra-
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111/ rodJlçeio
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A Cn "m il1 o!o gia N/d ica !
dicional, conservadora e liberal, com a superação de suas
elaborações mais sofisticadas, como a teoria da rotulação,
por exemplo, definida co~o "criminologia cética".
O livro de Taylor, Walton e Young, com o título irôni-
co de "A nova criminologia", trata de uma velha criminologia:sua crítica pretende, remotamente, o desenvolvimento de
uma criminologia marxista, colocando as questões do crime
e do controle social em perspectiva histórica e reconhecen-
do a urgência de uma economia política do crime, alternativa à
criminologia micro-sociológica, conflitual ou interacionista
(Mintz, 1974, p. 33-39). Criminólogos radicais criticaram o
estilo tradicional do trabalho, definindo-o como "história
das idéias criminológicas" não situadas nas condições reais
de seu desenvolvimento, espécie de "crítica da crítica" etc.
(del Olmo, 1976, p.64). Em autocrítica posterior os autoresreformularam as tendências formalistas e o estilo idealista
do livro (Taylor et alii, 1980), afirmando a necessidade de
redefinir a problemática do crime e do controle social
como fenômenos inteiramente inseridos no processo social,
ligados à base material e à estrutura legal do capitalismo
contemporâneo: a economia política - ou melhor, a es-
trutura econômica em que se articulam as relações sociais
no capitalismo - surge como o determinante primário da
formação social, formalizado nas superestruturas jurídicas
e políticas do Estado.
Mas o acontecimento crucial da formação da Crimi-
nologia Radical é a criação do Grupo Europeu para o Estudo do
De svi o e do Co ntr ole Soc ial, em Florença, Itália, em 1972,com a
publicação de um Ma nif est o (reeditado em 1974), denuncian-
do os modos dominantes de análise do crime - produto de
6
defeitos psicológicos ou de personalidades anormais - e do
controle social, avaliado em termos de efetividade e eficiência
e, portanto, como variantes do positivismo, concentrados
em estatísticas criminais. A importância do evento residiu
no estabelecimento de uma base ideológica e científicapara
um trabalho teórico coletivo e organizado, cuja proposta
geral compreendia a crítica radical da teoria criminológica e
social dominante, a participação em movimentos políticos
de libertação de minorias oprimidas e no trabalho de massa,
a organização e coordenação das lutas de presos etc. - em
suma, um programa teórico e prático no contexto das re-
lações entre os sistemas de controle social e a estrutura de
classes do modo de produção capitalista (Manifesto, 1974).
A tarefa de esclarecer a relação crime/formação econômico-social
leva à inserção do fenômeno criminoso na e.ifera deprodução(e não apenas na e.ifera de circulação): as relações de produção e
as questões de pod er ec onô mic o e pol ític o passam a constituir
os conceitos fundamentais da Criminologia Radical (del
Olmo, 1976, p. 64). Reuniões sucessivas definem alguns
postulados teóricos e metodológicos do questionamento
radical: a crítica da ideologia conservadora eliberal (concei-
to de delinqüente como anormal ou patológico, necessitado
de tratamento ou de reabilitação), se baseia na concepção
materialista da história, que estuda o crime e os sistemas de
controle do crime como fenômenos enraizados nas contradi-
ções de classe de formações econômico-sociais particulares,
estruturadas pelo modo de produção dominante. A ligação
da teoria criminológica com a teoria do Estado, através da
ciência da história, permite identificar o desenvolvimento
das instituições de controle social com a história superes-
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A Crimino!o,gia Radica!
trutural da dominação do capital, bem como relacionar
os fenômenos do crime com a história da sobrevivência
do trabalho assalariado, em condições de exploração e de
miséria, na contextura de classes das sociedades capitalistas
(deI Olmo, 1976, p. 66-67).
A hipótese de que deSigualdades econômicas e po-
líticas entre as classes sociais são determinantes primários
do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres de
crimes - ou livres da necessidade de criminalizar para so-
breviver - e orienta o esforço coletivo para a elaboração de
uma teoria criminológica comprometida com a construção
do socialismo: a libertação do potencial de desenvolvimento
humano pela libertação da luta de sobrevivência material
de comer, consumir etc. Na linha dessa proposição, teoria
e pesquisa criminológica constituem uma praxis social, em
que uma precisa concepção da utilidade do conhecimento
como instrumento de libertação encoraja e promove as
transformações indicadas por seus preceitos. Admitindo
a centralidade da classe trabalhadora como força política
capaz de edificar o socialismo, a Criminologia fuldical rea-
valia o significado e destaca a importância crescente das
minorias oprimidas pela condição de classe (a população
das prisões), de raça (negros, índios etc.), de sexo ou de
idade para a execução daquele projeto político (Taylor et a/il, p. 25-32). Na época do capitalismo monopolista, em
que menos de um terço da força de trabalho potencial
está integrada nos processos produtivos, e mais de dois
terços dessa força de trabalho se encontra em situação
de marginalização forçada do mercado de trabalho, como
8
lnlrodlfcào-----~--_ .. _-----_. _ _ ._._~. _ _ ._---------_ .. _--,--_._--------~-~----
mão-de-obra ociosa controlada diretamente pela prisão,
nas suas conexões com a polícia e a justiça criminal, parece
sem sentido considerar o preso como /umpenproletariado,
sem consciência ou organização política e sem papel na
luta de classes: a população carcerária é extraída da classe
trabalhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos tra-
balhistas e leva para a prisão a experiência na organização
de movimentos de reivindicações (a luta pela observância
das regras mínimas, pela preservação dos direitos não afe-
tados pela privação da liberdade etc.) e de protestos contra
violências na prisão, contra a exploração do trabalho do
preso etc., elevando o nível de consciência e de organização
da população reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53).
Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60, asteorias radicais germinam nas lutas políticas por direitos
civis, no caso dos ativistas negros americanos, nos movi-
mentos contra a guerra, generalizados durante o genocídio
do Vietnã, no movimento estudantil, em 1968, nas revoltas
em prisões e nas lutas de libertação anti-imperialistas dos
povos e nações do Terceiro Mundo. Esse vínculo prático
de criminólogos radicais com as lutas políticas e movimen-
tos sociais da segunda metade do século desenvolve-se,
progressivamente, em uma crítica vertical à criminologia
convencional-liberal que hegemoniza ,ateoria e a pesquisa
sobre crime, desvio e controle social, com a literatura mais
influente, técnicos e consultbres governamentais, o pre- .
domínio em comissões para o estudo do comportamento
anti-social e a elaboração de programas de prevenção, geral
e especial (platt, 1980, p. 113-14).
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-"-----~.. _---_ . . _--_._-_._-------------------_. __ .... _-- -_ . . _ ..
A Crim inolo gia RL,d iml
A hegemonia conservadora e liberal em teoria e
pesquisa criminológica não se explica por convergências
teóricas ou metodológicas, pois são muitas as clivergências
internas entre sociólogos positivistas, teóricos do conflito
ou do labeling opproac'h etc., mas pelo significado ideológico
comum de seus postulados fundamentais (platt, 1980). O
processo de formação e estruturação da Criminologia Ra-
dical é inseparável da crítica aos componentes ideológicos
fundamentais da criminologia dominante, na medida em
que constitui seu próprio perfil ideológico e científico por
diferenciação e oposição àquela. A gênese crítica da Crimino-
logia Raclicalcomeça nas questões conexas do conceito de
crime e das estatísticas criminais, deslindando as implicações
políticas e as premissas ideológicas que fundamentam as
teorias criminológicas traclicionais e informam as ciênciassociais, em geral, nas sociedades de classes, e prossegue
nos aspectos superestruturais feticruzados das relações de
produção, sob a teoria da inseparabilidade das lutas sociais
contra a exploração econômica, no contexto das relações de
produção, e contra a dominação política, no contexto das
relações de poder, em que a prisão se caracteriza como a
forma específicado poder burguês, "diretamente determina-
da pelo modo de produção capitalista" (Fine, 1980, p. 26).
3. A Crítica às Teorias Tradicionais
O ponto de partida da criminologia dominante é
o conceito de crime: comportamentos definidos legalmente
como crimes e/ ou sancionados pelo sistema de justiça cri-
minal como criminosos são a base epistemológica dessa
10
criminologia (Lyra Filho, 1980, p. 10). Crime é o que a lei,
ou a justiça criminal,determina como crime, excluindo com-
portamentos não definidos legalmente como crimes, por
mais danosos que sejam (o imperialismo, a exploração do
trabalho, o racismo, o genocídio etc.), ou comportamentos
que, apesar de definidos como crimes, não são processadosnem reprimidos pela justiça criminal, como a criminalidade
de "colarinho branco" (fixação monopolista de preços,
evasão de impostos, corrupção governamental, poluição do
meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas
de abuso de poder econômico e político, que não aparecem
nas estatísticas criminais). A questão aparentemente neutra
e incontroversa da definição legal de crime - ou da atuação
da justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais -,
como base do trabalho teórico da criminologia tradicional,
manifesta um conteúdo ideológico nítido, que concliciona
e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzida à descoberta
das causas do comportamento criminoso (Chambliss, 1980;
Lyra Filho, 1980).
A clistorção ideológica da criminologia tradicional
não se reduz ao que está excluído da definição legal, ou da
sanção da justiça criminal, mas resulta diretamente do que
está incluído nas definições legais ou nas sanções da justiça
criminal, como inclicado nas estatísticas e registros oficiais
sobre o comportamento criminoso, a base permanente
daquela criminologia. Um simples exame empírico (Fra-
goso, Catão e Sussekind, 1980) mostra a natureza classista
da definição legal de crime e da atividade dos aparelhos
de controle e repressão social, como a polícia, a justiça e
a prisão, concentradas sobre os pobres, os membros das
11
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a)os crimes da classe trabalhadora desorganizada (lttmpenpro-
letariado, desempregados crônicos e marginalizados sociais,
em geral), integrantes da chamada criminalidade-de-rua, de
natureza essencialmente ecbnômica e violenta, são super-
representados nas estatísticas criminais, porque apresentam
os seguintes caracteres: constituem ameaça generalizada ao
conjunto da população, são produzidos pelas camadas mais
vulneráveis da sociedade e possuem a maior transparência
ou visibilidade, com repercussões e conseqüências mais
poderosas na imprensa, na ação da polícia e na atividade
do judiciário;b) os crimes da classe trabalhadora organizada)
integrada no mercado formal de trabalho (a chamada crimi-
nalidade de fábrica, como pequenas apropriações indébitas,
furtos e danos), não aparecem nas estatísticas criminais
por força da inevitável obstrução dos processos criminais
sobre os processos produtivos; c) a criminalidade da pe que na
burguesia (profissionais liberais,burocratas, administradores
etc.), geralmente danosa ao conjunto da sociedade por
constituir a dimensão inferior da criminalidade do "colari-
nho branco", raramente aparece nas estatísticas criminais;
d) a grande criminalidade das classes dominantes (burguesia
financeira, industrial e comercial), definida como abuso de
pod er econômico e político, a típica criminalidade de "co-
larinho branco" (especialmente das corporações transna-cionais), produtora do mais intenso dano à vida e à saúde
da coletividade, bem como ao patrimônio social e estatal,
está excluída das estatísticas criminais: a origem estrutural
dessa criminalidade, característica do modo de produção
capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posição de
14
I ntr od ,,( ,io
poder econômico e político, explicamessaexclusão (Young,
1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52).
Esse quadro geral explicativo da distribuição social
da criminalização de condutas, elaborado segundo a po-
sição social do autor, orienta a pesquisa da Criwinologia
Radical para a base econômica e para as relações de poder
da sociedade, excluídas da pesquisa da criminologia tradi-
cional: as relações de classes nos processos produtivos da
estrutura econômica da sociedade e nas superestruturas de
poder político e jurídico do Estado. Assim, a Criminologia
Radical descobre o sistema de justiça criminal como prá tic a
organizada de classe, mostrando a disjunção concreta entre
uma ordem social imaginária, difundida pela ideologia domi-
nante através das noções de igualdade legal e de proteção
geral, e uma ordem social real, caracterizada pela desigualdadee pela opressão de classe. Essa revelação está na base das
formulações teóricas e da prática transformadora da Cri-
minologia Radical, em direção a uma sociedade capaz de
superar as desigualdades sociaisque produzem o fenômeno
criminoso (Taylor et alii, 1980, 44-45).
Nesse contexto, o significado ideológico da crimi-
nologia tradicional aparece na sua proposta de reforma:
do criminoso, do sistema de justiça criminal e, mesmo, da
sociedade - neste caso, em formulações dentro do modelo
de capitalismo corporativo, sob a égide de "administrado-
res esclarecidos" e como ajustamentos funcionais para as
condições econômicas e políticas existentes. O resultado
histórico alcançado pela criminologia correcionaJista é o
constante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre
os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado de
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trabalho e as rIÚnorias,com ampliação da rede de controles,
como o "sursis", o livramento condicional, a justiça juvenil,os reformatórios, as prisões abertas etc., cujos manifestos
e inegáveis benefícios pessoais abrigam um aspecto con-
traditório, que significa controle mais geral e dominação
mais intensa (platt, 1980, p. 116). Esse pragmatismo re-formista, fundado em técnicas de comportamentalismo e
de engenharia social, nos limites da organização política e
jurídica do Estado, resolve-se em repressão pura e simples:volta as costas para os movimentos de massas, não colocaas alternativas de cooperação/competição, ou de valores
humanos/valores da propriedade, nem considera a pers- pectiva histórica de eliminar a exploração do tra~alh~, a
opressão política de classes, de ra?as e d~ outras ~no~las. Na verdade, a posição básica da Ideologia correClonalista
manifesta-se como um paternalismo despótico: homensiluminados (políticos, administradores e cientistas) são as
forças motoras da história, e o povo ignorante é, apenas,objeto e massa de manobra, sem poder nem consciência(platt, 1980, p. 117-22). Por outro lado, a própria tradiçãoacadêmica em teoria política, econômica e social descrevea história dos grupos dominantes como registrada por líderes políticos, empresários etc. e, na área do sistema de
justiça criminal, como registrada por juízes, diretores de prisão e delegados de polícia. A pesquisa crirIÚnológica,
dependente de financiamentos e vinculada a interesses:nstitucionais, transforma o criminólogo, freqüentemente,
em técnico neutro e pronto-para-aluguel, um instrumentovoluntariamente subserviente, a serviço do controle em
qualquer ordem - de grande importância em períodos de re-
belião política, de incremento das reivindicações operárias
16
I
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l iI,.~:,t
sobre salários, condições de trabalho, direitos democráticose o mais (platt, 1980, p. 117- 119).
A distorção ideológica da criminologia correClO-nalista pode ser destacada no contexto das alternativas do
trabalhador na sociedade capitalista, indicadas por Engels:ou conformar-se à brutalização, transformando-se num
homem sem vontade, destruído pela rotina, a monotonia
e a exaustão física e mental dos processos produtivos; ouaceitar a ideologia dominante, aderindo aos valores da
competição para encontrar uma "saída pessoal"; ou furtar
a propriedade do rico para satisfazer necessidades básicas,com os riscos da criminalização; ou, finalmente, fazer arevolução, incorporando-se à atividade política e à ação
coletiva como alternativa para superar a opressão social e
a exploração pessoal, restaurando a humanidade perdidae a esperança de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94).
Esse quadro real é encoberto pela "indignação moral" promovida pela ação oficial e os meios de comunicaçãode massa contra o criminoso convencional, o "bode ex-
piatório" útil para esconder (e justificar) problemas sociaisreais - ao contrário do criminoso de "colarinho branco",
protegido pelas instituições de privacidade da sociedade
burguesa -, produzidos (como o próprio criminoso) pelas
desigualdades intrínsecas do sistema de relações sociais
(Young, 1980, p. 101).
4. Tendências Críticas e Radicais
Na década de 60, especialmente nos EUA, desenvol-
ve-se uma criminologia de per cep çõe s e atitudes, com estudos
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/- 1 Cri lJ/i l1ologia &,diCtl I
sobre o criminoso, a vítima, a policia, o juiz, o público, as
testemunhas etc., uma multiplicidade de pesquisas centradas
teoricamente nos trabalhos,de David Matza (1969), Edwin
Lemert (1964), Howard Becker (1963), Edwin Schur (1965)
e outros, cujos fundamentos mais distantes se encontram
em Georges Mead (1934) e Alfred Schultz (1962), ligando-
se, enfim, a Edmund Husserl e a Max Weber, as matrizes
ongtnals.
A mais elaborada construção criminológica da feno-
menologia é a teoria da rotulação (também conhecida como
teoria interacionista, ou teoria da reação socia~, erigida sobre os
trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker, com os
acréscimos vigorosos (na área da psiquiatria e da psicologia
social), de Ronald Laing (1959), Erwing Goffman (1970),
Thomas Szasz (1975) e outros.
Assumindo que, em sociedades pluralistas, todos
experimentam impulsos desviantes e realizam condutas
exorbitantes dos parâmetros normativos, a teoria da rotulação
constrói uma "concepção do mundo" numa dupla perspec-
tiva: das pessoas definidas (por outras) como desviantes e das
pessoas que definem (os outros) como desviantes. A mudança de
enfoque, em relação à criminologia positivista domi?ante,
está na orientação para a su~jetividade, enfatizando questões
de valor e de interesse e abandonando os estudos etiológicos
e as explicações causais do crime (Rubington &Weinberg,
1977, p. 191 e ss.). O objeto de estudo da teoria da rotulação
compreende a constituição das regras sociais e as práticas
de aplicação dessas regras (por quem, contra quem, quais as
conseqüências etc), dentro da concepção fenomenológica
18
Il1 tro dtl çà o
de Mead sobre a personalidade como "construçào social":
o modo como pensamos e agimos é oproduto parcial do modo como
os outros pensam e agem em relação a nós. Nessa perspectiva, a
explicação da ordem social é baseada em tipificações, uma
transmutaçào do esquema fenomenológico de Schutz: a)
qual a essência de um fenômeno particular? - qual a essência
do desvio? b) como as pessoas fazem tipificações? - como as
pes soa s apl ica m o ró tul o de des via nte ? c) como as tipificações são
compartilhadas? - como aspessoas reagem ao rótulo de desviante?
(Rubington &Weinberg, 1977, p. 195).
A teoria da rotulação se fundamenta em duas ordens
de conceitos principais:
1) a existência do crime depende da natureza do ato
(violaçãoda norma) e da reaçãosocial contra o ato (rotulação):o crime "não é uma qualidade do ato, mas um ato qualificado como
criminoso por agências de controle social" (Becker,1963,p. 8);
2) não é o crime que produz o controle social, mas
(freqüentemente) o controle social que produz o cr ime: a)
comportamento desviante é comportamento rotulado
como desviante; b) um homem pode se tornar desviante
porque uma infração inicial foi rotulada como desviante;
c) os índices de crime (e desvio) são afetados pela atuação
do controle social (Lemert, 1964). A teoria da rotulaçãodistingue entre desvio primário, um processo de natureza
"poligenética" excluído do esquema explicativo da teoria,
e desvio secundário, uma resposta seqüencial à criminalização
pelo desvio primário, que marca o comprometimento do
criminalizado em uma "carreira desviante", como impacto
19
í ,
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.1
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A Crim ino logi a RL7 dica l-~--~------_._-----------~ -------_._~... _~_._~----~-
pessoal da reação oficial - na verdade, o pon to de inci dên cia
das análises da teoria.
A concepção de crime como produto de normas (cria-
ção do crime) e de pod er (aplicação de normas) define a lei
e o processo de criminalização como "causas" do crime,
rompendo o esquema teórico do positivismo e dirigindo
o foco para a relação entre estigmatizarão criminal e forma-
ção de carreiras criminosas: a criminalização inicial produz
estigmatização que, por sua vez, produz criminalizações
posteriores (reincidências). O rótulo criminal, principal
elemento de identificação do criminoso, produz as seguintes
conseqüências: assimilação das características do rótulo
pelo rotulado, expectativa social de comportamento do
rotulado conforme as características do rótulo, perpetuação
do comportamento criminoso mediante formação de car-
reiras criminosas e criação de subculturas criminais através
de aproximação recíproca de indivíduos estigmatizados
(Aniyar, 1977, p. 111-14). De certa forma,aestigmatização
penal é a única diferença entre comportamentos objetiva-
mente idênticos, porque a condenação criminal depende,
além das distorções sociais de classe, de circunstâncias de
sorteIazar relacionadas a estereótipos criminais, que cum-
prem funções sociais definidas: o criminoso estereotipado
é o "bode expiatório" da sociedade, objeto de agressão
das classes e categorias sociais inferiorizadas, que substituie desloGl sua revolta contra a opressão e exploração das
classes dominantes (Chapman, 1968, p. 197).
Esse esquema analitico, aplicado a todas as modalida-
des de desvio (criminal, sexual, psicológico, politico etc.), se
erigecomo exercíciointer-disciplinar nas áreas da sociologia
20
BIBLIOTECA DE C!l:NCIAS JUR IOJCAS
In trodlf(áo
do desvio e da psiquiatria, com o objetivo de constituir a
base teórica de uma politica e psicologia humanista, uma
espécie de fren te pop ular da fenomenologia e do marxismo,
conhecida como "sociologia do desajuste" (pearson, 1980,
p. 178). A preocupação principal dessa orientação, que se
transforma no enfoque mais popular da criminologia ame-
ricana dos anos 70, está no chamado "crime expressivo",
ligado à produção de prazer: a maconha, e não o roubo; a
prostituição, e não o homicídio; o crime sem-vítima, e não
o crime utilitário (Young, 1980, p. 80). A proposta prática
dessa orientação está na base das tendências modernas
na área do crime e do controle social: descriminalização,
despenalização, desinstitucionalização, substituição de san-
ções estigmatizantes por não-estigmatizantes etc. (Aniyar,
1977, p. 146).O radicalismo da sociologia do desqjuste estaria em sua
tendência para "quebrar as cadeias pré-fabricadas" da ima-
ginação reificada - que mostra a ação humana como coisa
"lá fora" - e da metodologia positivista, com suas causa-
lidades mecânicas e taxas "dadas" de crime. A orientação
"desreificante" surge como desafio aos profissionais do
controle, representados por teóricos positivistas: à sua com-
petência técnica e à sua autoridade moral (pearson, 1980,
p. 179 e s.).Distinguindo, na ordem social, a existência de
regras técnicas- com validade demonstrada em proposições
testáveis e corretas, cuja violação reRete "incompetência"
e cuja conseqüência é a "falh~ da realidade" - e regras da
pers ona lida de - d~tadas de validade na área das relações
sociais, cuja violação é o crime ou desvio, punido pelo sis-
tema de controle -, conforme um esquema de Habermas
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A Ctil J/ino lo,gi a Rad ical-----------_._ .. _._-----~-----
(1971, p. 91-94), a sociologia do desq;úste mostra que o desvio
é tratado como "incompetência técnica" pelos aparelhos
de controle social, reduzi1Jdo a correção a uma questão
de "intervenções técnicas,,'na personalidade do desviante.
Desmistificando essa metodologia, a -fociologia do desegúste
redescobre os d i lemas morais na aplicação de "padrões de
estigma" (criminoso, louco, desajustado etc.), inventados pe-
los profissionais do controle e aplicados aos rotulados - que
se conformam ao rótulo ("auto-realização"), mostrando o
desvio como "negociação" entre o público (autoridade) e o
cliente (criminoso, louco etc.) (pearson, 1980, p. 180-82).
Finalmente, verificando que a ideologia do controle
determina, em parte, o desvio (formas, imagens e taxas) e
definindo o controle do crime como política, a sociologia do
desqjuste pretende se constituir como teoria política contraa política do controle. A política de sua teoria enfatiza a
violência sutil da vida diária, o crime como forma de "re-
belião política primitiva", ou "expressão de liberdade" nos
moldes da esquerdaidealista(pearson, 1980, p. 184 e s.).Goff-
man, por exemplo, pesquisando as relações de poder das
instituições totais (prisões, hospitais etc.), mostra os internos
reduzidos a um "remanescente de identidade" pessoal,
desde a cerimônia de "degradação inicial", com a invasão
da fala, das vestes e maneiras, a colonização dos hábitos,
sob a opressão dos doutores, enfermeiros e guardas - os
técnicos do comportamento -, mas capazes de certas "tá-
ticas pessoais" para salvar a própria identidade: a jovem
bonita, com dois cachimbos na boca; outra, com um mo-
nóculo de papel no olho, ou equilibrando sabonetes na
cabeça raspada; ou outros, ainda, sentando-se relaxados,
22
Int rod llç âo._--------------------_._--_._-_ . . . . _ _ .
mas mantendo o braço, ou um dedo, rígido, para mostrar
que não estão relaxados - ou seja, o paciente age "marca-
damente como louco para provar que é, claramente, são"
(pearson, 1980, p. 187-89). .
Assim, enquanto o positivismo nega vontade própria
ao desviante, a sociologia do desegúste se dirige p.arao interior
dele, em atitude de defesa e de compreensão, rejeitando a
noção de que "pode ser como nós", vendo-o não como
homem cujos "mecanismos de cópia falharam", mas como
ser dotado de racionalidade, com método em sualoucura. O
positivismo destaca a ordem e as regras, sua respeitabilidade
e violação, mas a sociologia do desqjuste indica que o "outro
lado da ordem" é liberdade - e não caos -, envolvendo o
desviante em uma aura romântica: é o homem "duro", que
não treme, que prova seus nervos e habilidades ao extremo,
cuja "natureza está saturada de risco", experimentando sua
liberdade contra "as sensibilidades submetidas à camisa-
de-força" (pearson, 1980, p. 191-200).
Mas essa posição de simpatia da sociologia do desqjuste é
repudiada como "máscara de liberalismo", que não assume
compromissos: a psi co log ia soc ial de Goffman é uma "acomo-
dação à organização de poder existente" e sua dramaturgia
"uma impostura" que permite "suportar derrotas" sob o
pretexto de que "não são para valer"; a sociologia de Becker
é um "novo tipo de carreirismo", que aponta as deficiências
do controle social mas se limita aos funcionários inferio-
res (Gouldner, 1973) - ou, então, como expressão de um
radicalismo aparente, que exclui as relações de poder (e de
classes) da sociedade e, de qualquer forma, não esclarece o
desvio inicial, origem da rotulação (Walton, 1972). A novi-
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e comproITÚssosideológicos, no quadro das lutas sociais docapitalismo monopolista transnacional: o enfoque carece deuma estrutura conceitual e metodológica capaz de extrair
todas as conseqüências te6ricas e práticas do seu objeto deestudo. O resultado é sua agonia resignada, em espasmos de
indignação moral diante das desigualdades sociais nos proces-sos políticos de definição de crimes e nas práticas judiciaisde gestão diferencial do processo penal e de aplicação da
pena criminal, escandalizado com os duplos padrões de mo-ralidade das classes dOITÚnantes.A origem pequeno-bur-guesa dessa linha criminológica explica sua desorientaçãoestratégica e a perplexidade inconseqüente de sua teoria: asquestões levantadas podem chocar a classe média urbana eseus intelectuais refinados - mas não comovem o poderosoimpune, nem sensibilizam o sem-poder reprimido, que co-
nhecem bem tais distorções, cada qual de sua perspectiva.Além disso, a criminologia da denúncia parece supor que os
poderosos dominam por uma espécie de "direito moral"- e não pelo poder material, que os capacita a converter
força em "autoridade", pelos procedimentos estabelecidos(faylor et alii, 1980). Uma criminologia conseqüente deveriamostrar que a criminalidade do poder econômico e políticonão é um fenômeno irregular ou acidental, mas fenômeno
regular e institucionalizado, ligado à posição estrutural de
classe na formação social capitalista e, por exemplo, sobre
a base da posição de classe, explicar por que a apropriaçãode riqueza, pelo método de expropriação de m ais-valia, na
relação capital! trabalho assalariado do modo de produçãocapitalista, é legale estimulada, mas se essa apropriação deriqueza ocorre por outras vias fraudulentas ou violentas, écriminosa e punida.
26
[ntror!lIçclo--------------- .----------------------- ---- _ _ ._.-._., _ . _ - _ .
A multiplicação de estudos críticos e radicais sobre
crime e controle social, nem sempre coincidentes nas
bases ideológicas, compromissos políticos e orientações
científicas, desde a crítica de esquerda, passando pela "nova
criminologia", até as construções mais elaboradas de crimi-
nólogos marxistas, em uma convergência de preocupaçõesinterdisciplinares e internacionais de sociólogos e historia-
dores, advogados, juristas e criminólogos, parece justificar o esforço de definir tendências dentro dessa perspectiva,
em um esquema que facilite a compreensão das limitações
e desvios existentes.
Um estudo recente (Young, 1979, p. 11 e ss.) define
duas tendências principais nos aportes criminológicos li-gados à teoria marxista, representando desvios voluntaristas
e economicistas nas questões do crime e do controle social:o idealismo de esquerda e o reformismo. Ochamado idealismo de
esquerda se constitui, historicamente, como a ideologia ra-dical de grupos sociais marginalizados, como os militantesdo "poder negro", nos Estados Unidos: George Jackson
(1971, p. 156 e ss.), Angela Davis (1971, p. 27-47), BobbySeale (1971, p. 121-2), Huey Newton (1971, p. 60-64),Stockely Carmychael (1968, p. 46-68) etc., cuja oposição
à violência e à coercitividade da ordem social assume um
caráter voluntarista: homens livres devem rejeitar uma so-
ciedade desigual e opressiva. Na experiênciahistórica dessesgrupos (negros, presos e outras minorias), a ordem significa
coerção sistemática, o ('consenso social" do capitalismo
monopolista é uma aparência ilusória reproduzida pela es-
cola, a imprensa, o Parlamento etc.,que oculta um controle
totalitário e mistificador: a lei se destina à proteção dos
27
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A Crimillolox,ia Radical--------------_._----_.
interesses dos poderosos, enquanto a polícia e a prisão são
garantias violentas de uma ordem social injusta. A escola, a
fábrica e a prisão são instituições ideológica e politicamente
similares:a educação não passa de um "processo de lavagem
cerebral", a disciplina da fábrica é a base da disciplina da
prisão e o aparelho penal (polícia, justiça e prisão) funcionacomo mecanismo central de controle das classes e grupos
sociais submetidos (Young, 1979, p. 12-13).
A tese da lei como "expressão direta" dos interesses
das classes dominantes, que controlam os meios de pro-
dução material e de reprodução ideológica da sociedade,
permite definir o comportamento da classe trabalhadora
e dos marginalizados sociais normalmente como crime,
porque se opõe aos interesses das classes dominantes e à
lei que expressa esses interesses. O crime é, simultanea-mente, produto das estruturas econômicas e políticas do
capitalismo e evento pro to-revolucionário, como desafio às
relações de propriedade existentes, ou forma de manifesta-
ção da violência pessoal dos marginalizados sociais contra
o poder organizado das classes dominantes, representadas
pelo Estado, que legaliza a violência de classe dos crimi-
nosos reais que estão no poder (Young, 1979, p. 14-15).
O controle social de classe tem na prisão sua instituição
central- e na polícia, seu agente principal-, ambos carac-
terizados por uma eficiente,ineficiência no controle do crime:
o objetivo oculto seria constituir uma ameaça permanente
contra as classes sociais objeto de exploração econômica
e de dominação política. Esse objetivo é disfarçado pelas
"mistificações positivistas" do tratamento penitenciário,
28
llltrodll(rlo
da reabilitação pessoal ou da ressocialização, pseudo-cien-
tismo que esconde o rigor punitivo e, de fato, aumenta o
castigo, mediante técnicas de isolamento, privação sensorial
ou administração de drogas psicotrópicas - sem falar nas
penas indeterminadas do sistema prisional americano, que
colocam o preso à mercê dos administradores e guardas
da prisão.
A estratégia do radicalismo da esquerda idealista objetiva
a abolição do controle social burguês, com a extinção da
prisão, da polícia, da escola, dos meios de comunicação de
massa, da famflia nuclear etc., definidos como "instituições
inimigas da classe trabalhadora", mas inteiramente "fun-
cionais" para o capitalismo: não se trata de riformar, mas de
destruir essas instituições e promover sua substituição por
instituições proletárias. Finalmente, o idealismo de esquerda
proclama a contradição irredutível do direito burguês, carac-
terizado por um discurso de jus tiç a igu ali tár ia e uma prática
real opressiva e discriminatória) justificando a tática política de
exposição sistemática da realidade desigual promovida pela
retórica da igualdade e, assim, desmascarar a aparência ilusória
da ideologia jurídica. O crime, fenômeno social ligado ao
capitalismo, em geral - cujas instituições são denunciadas
como essencialmente criminosas e criminógenas -, e a re-
pressão criminal, fenômeno institucional concentrado nos
segmentos sociais subalternos e marginalizados, colocam a
necessidade política de aliança dos grupos sociais explora-
dos, reprimidose miserabilizados objeto dos processos de
criminalização, como meio de auto-proteção e de realização
final de sua estratégia (Young, 1979, p.16).
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A elimin%gia Radica! _----------
o riformiJmo, um desvio economicista da crítica cri-
minológica, desenvolve-se como espécie de "marxismo"
bem-educado, absorvido pelo sistema, assimilado pelos
currículos universitários, s'em a origem rebelde, o aguer-
~illlento combativo, a tradição rrülitante e a importância
política do idealismo de esquerda. A característica básica da
ideologia reformista, em relação ao Direito e ao Estado, por
exemplo, é a crença passiva no "processo de dissolução do
capitalismo no socialismo" - portanto, uma projeção his-
tórica da II Internacional- e, por outro lado, acrença ativa
no Estado intervencionista, capaz de realizar a correção
progressiva de desigualdades sociais por reformas jurídicas.
O reformismo afirma ser contrário aos interesses das classes
trabalhadoras o conteúdo das instituições (e não a sua
forma), o controle da polícia (e não o aparelho policial), ailegalidade da prisão (enão a própria prisão), a limitação de
oportunidades de acesso à escola (e não o sistema escolar),
o conteúdo da lei (e não a forma legal) etc. O crime é de-
finido como fenômeno "natural", existente em qualquer
sociedade - embora em maior quantidade no capitalismo-,
redutível por mudanças sociais que eliminem os fatores da
"criminalidade determinada" (ligada à patologia individual,
como carências, subnutrição, defeitos mentais etc.) e do
"crime voluntário" (relacionado ao individualismo egoístada competição capitalista). O comportamento humano é
classificado nas categorias de normal, próprio da maioria
"livre" (nos limites de liberdade da economia de mercado)
e de determinado, característico da minoria "sem liberdade",
por condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais.
30
I nt ro d/ {(c lo-----------_._-----_._---------_._--._------_ ... _ _ .. -
Enfim, o riformismo trabalha com uma etiologiacriminal que
aponta na direção de uma dupla origem do comportamento
criminoso, explicado ou por constituições biológicas atípi-
cas, origem de disposições anti-sociais de indivíduos defor-
mados, ou pelo ambiente social de competição individual
pela existência material, acentuando traços personalistas e
agressivos (Young, 1979, p.16 e ss.).
De modo geral, a perspectiva riformista do economi-
cismo "marxista" não se distancia da monotonia positivista
e suas causalidades mecânicas, trabalhando com hipóteses
deterministas similares, com a diferença da crença - de
resto, também positivista-marxista - na inevitabilidade
histórica da evolução do capitalismo para o socialismo,
na seqüência de um processo linear e fatalista que ignora
a influência da ideologia e da política na gênese da capa-
cidade de sobrevivência do capitalismo, como modo de
produção de classes sociais antagônicas. A influência desse
desvio riformista na estruturação da Criminologia Radical é
insignificante, funcionando mais como modelo de reformu-
lação ou discurso de legitimação da ideologia do controle
social, esgrimido por teóricos "marxistas" engajados no
"carreirismo" em instituições oficiais.
As limitações mais importantes, comuns às tendên-
cias da esquerda idealista e do riformismo, são a ausência deexplicações estruturais da criminalização dos grupos sociais
subjugados e marginalidados - esclarecendo a posição do
pobre como "bode expiatório" da violência institucional-,
a falta de aprofundamento nas contradições do capitalismo
na era da transnacionalização do capital monopolista e a
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/
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A Criminologia Radical-----------------------------
carência de adequada compreensão da natureza contradi-
tória da aparência dos fenômenos sociais e institucionais da
sociedade capitalista, que vinculam problemas de conteúdo
com questões de form a, como mostra a mais autorizada
teoria marxista sobre crime, controle social, Direito e Estado
(Young, 1979, p.21 e ss.).
Criminólogos radicais proclamam que as contradi-
ções da teoria não podem ser resolvidas sem mudanças da
base estrutural da sociedade - cujas contradições concretas
produzem e explicam as contradições da teoria - e propõem
uma luta em dois níveis:
a) no nível forma4 a rejeição da ideologia da esquerda idea-
lista, expressa em slogans como "o direito burguês é uma
vergonha", ou "a legalidade é uma forma de cooptação"
etc., argumentando que a conquista formal da igualdade
nas áreas da proteção individual, do direito criminal e da
prisão, por exemplo, pode determinar uma redução da po-
pulação das prisões, a reconstituição de sua "clientela" e a
progressiva transformação da prisão, de instituição sem lei
para instituição legalizada - O que coincide com o interesse
das classes trabalhadoras e de todos os marginalizados
sociais e oprimidos, em geral, no capitalismo;
b) no nível material, a rejeição da posição reformista da lutaformal como fim-em-si, omitind0-se das questões políti-
cas e ideológicas do capitalismo contemporâneo. Parale-
lamente, a construção de uma concepção de crime fundada
na posição de classe do autor e orientada para a definição
de responsabilidades coletivas, capaz de superar os critérios
32
.- -
lntrodlfçiio
individualistas e pessoais da moderna teoria do crime e
da pena, como alternativas para o trabalho criminológico
radical (Young, 1979, p. 26-28; Cirino, 1980).
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11. A CRIMINOLOGIA RADICAL
A crítica sistemática dos conceitos, do método e da
ideologia da criminologia tradicional possibilitou a rede-
finição do objeto, dos compromissos e dos objetivos da
Criminologia Radical, desde a orientação para o estudo
dos criminosos reais, em posições de influência e de poder
nos quadros da ordem econômica e política da sociedade
capitalista, até a inserção dos grandes temas da criminologia
no contexto histórico das questões políticas gerais: quem
controla a ordem social, como é distribuído o poder e a
riqueza, como pode ocorrer a transformação social etc.(Taylor et alii, p. 55-57).
Entre outras coisas, é preciso mostrar que a definição
legal de crime, base do trabalho da criminologia tradicional,
está ligada à ideologia de neutralidade do Direito (apresentado
como instrumento de justiça social e de proteção de interes-
ses gerais) e atua como instrumento de controle das vítimas
da exploração e da opressão social- os trabalhadores inte-
grados no mercado de trabalho e os marginalizados sociais
-, cujos protestos, reivindicações e revoltas são reprimidos
pelas forças da ordem e, freqüentemente, çanalizados para
o sistema de justiça criminal. As deformações ideológicas
da definição legal de crime, atreladas à concepção burguesa da
ordem social, induziram criminólogos radicais a formular
uma. definição proletária de crime, tomando como base a
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• li I
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li
•
A Criminologia Radical--------~.~----_._----------------
violação de Direitos Humanos definidos em perspectiva
socialista, sintetizados nos conceitos de igualdade social e de
segurança pessoal - mas incluindo outros direitos politica-
mente protegidos, assim como a possibilidade de examinar
práticas e relações sociais criminosas excluídas da definição
legal, como o imperialismo, a exploração econômica, o ra-cismo e outras distorções do capitalismo contemporâneo
(Schwendingers, 1980, p. 135-75; Platt, 1980, p. 124-25).
O compromisso primário da Criminologia Radical é
com a abolição das desigualdades sociaisem riqueza e poder
(Taylor et alH, 1980, p. 55), afirmando que a solução para o
problema do crime depende da eliminação da exploração
econômica e da opressão política de classe - e sua condição
é a transformação socialista (platt, 1980, p. 125).Essa posi-
ção política evita a degeneração da Criminologia Radical emmera "moralização", ou no correcionalismo repressivo da
"reabilitação pessoal", que identifica crime com patologia
e, nas posições mais liberais,propõe reformas de superfície,
ou mais serviços sociais, modificando alguma coisa para
deixar tudo como está - ou seja, preservando o sistema de
dominação e de exploração do homem pelo homem.
Esse compromisso compreende as tarefas com-
plementares de produzir teoria e de criar procedimentos
capazes de ajudar a classe trabalhadora - e o conjunto dossetores sociais subalternos e marginalizaG.os-, no projeto
político de construção e de controle de uma sociedade
democrática. A formação da Criminologia Radical, com
base nas contradições de classe das relações econômicas
estruturais e das relações superestruturais de poder do
36
I
I
I
II
I
A C,iminologia RL1dieal
Estado, evita as deformações da criminologia positivista
dominante, que separa a teoria criminológica da teoria
política, a teoria política da teoria econômica e exclui a
categoria central da luta de classes de todas as teorias so-
ciais (Young, 1980, p. 105 e ss.). O estudo da tipologia dos
crimes como concretas rupturas da norma criminal, ou
do estereótipo do criminoso construído pela distribuição
.social da criminalização, ou do funcionamento do sistema
de justiça criminal, pressupõe o contexto concreto de
formações sociais históricas, com estruturas econômicas
determinadas e superestruturas políticas e jurídicas cor-
respondentes, articuladas nas relações contraditórias do
modo de produção da vida material (Taylor et alH, 1980,
p. 55). As teses iniciais do idealismo de esquerda, da lei como
"instrumento" das classes dominantes para manutençãode seus privilégios, ou as demonstrações complementares
de que os detentores do poder de fazer leis são, também,
os imunes violadores dessas leis, evoluem para teorias
materialistas do Direito burguês e do Estado capitalista,
construídas com base nas transformações históricas do
capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista,
e as conseqüentes alterações das formas de luta de classes
e dos mecanismos políticos de controle social.
A desmistificação do sistema de controle social penalrevela sua natureza classista, incluindo as medidas "libe-
ralizantes", como as políticas 'de substitutivos penais, as
prisões abertas, a descriminalização, a despenalização etc.,
explicáveis menos como atitude humanista do legislador e
mais como estratégias burocráticas do poder público deter-
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A Criminoloy,ia Iv /dical---- ---- ----------~---~-- ---------- ---- - ----------------_._----
minadas pelo excesso de presos: o "coração" dos interesses
garantidos pelo sistema penal é, na verdade, "o programa
real de cada sistema de p\odução" (Aniyar, 1980, p. 23).
Em um esquema didático pode-se dizer que, enquan-
to as orientações positivistas se exaurem na explicação docrime como produto etiológico de "causas" determinantes,
privando o sujeito criminalizado de racionalidade e poder
de escolha, como assinala a teoria da rotulação, e as orien-
tações clássicas explicam o crime como produto de uma
"razão pervertida", uma "forma pura" somente controlada
pela força do Estado, a Crimi~ologia Radical se empenha
na tarefa de uma análise materialista do crime e do sistema
de controle social, subordinada à estratégia geral que liga a
teoria científica à prática política no objetivo final de cons-
trução do socialismo (Young, 1980, p. 110- 11).
O projeto científico da Criminologia Radical tem
por objetivo a produção de uma teoria materialista do
Direito e do Estado nas sociedades capitalistas, em que
a produção crescentemente social requer uma regulação
crescentemente jurídica das relações sociais, procurando
identificar as forças sociais subjacentes às formas legais
e mecanismos institucionais de controle da sociedade. A
questão da persistência, da modificação ou da abolição das
normas jurídicas é examinada em relação aos interesses
que garantem, à função realizada na organização material
da produção e à contradição fundamental entre capital e
trabalho assalariado, no processo histórico de socializa-
ção da produção e apropriação privada do produto (que
crirninaliza com rigor os que se recusam a esse tipo de
socialização), desde o tratamento legal de trabalhadores
38
A Criminologia Radical._------_ ... _-------------
desempregados e inutilizados, de pessoas abandonadas e
doentes, até a organização das prisões, da políciae da justiça
(Taylor et alii) 1980,61.).
O programa de uma ciência do crime e do controle
social para as condições de desenvolvimento econômico e
político da sociedade capitalista, compreende a crítica do
Direito como lei do modo deprodução dominante, e do Estado
como organiZflção política do poder de classe, alémda elaboração
simultânea de uma "economia política do crime" capaz de
demonstrar que as transformações do capitalismo contem-
porâneo não alteraram suas pri orid ad es bás ica s de propriedade
privada e lucro, nem sua dinâmica social de reprodução das
desigualdades e de marginalização. Como socialistas,a luta
principal dos criminólogos radicais é contra o imperialismo
dos países centrais, a exploração de classe, o racismo etc.
e, como teóricos, o esforço pela construção de explica-
ções materialistas da lei penal e do crime, nas condições
criminógenas do capitalismo monopolista contemporâneo,
está vinculada à teoria geral do desenvolvimento histórico
que informa sua estratégia política: a instituição de uma
sociedade sem classes,através da socializaçãodos meios de
produção (Marzotto, Platt, Snare, 1975, p. 43-45).
A Criminologia Radical estuda o papel do Direito
como matriz de controle social dos processos de trabalho
e das práticas criminosas, empregando as categorias funda-
mentais da teoria marxista, que o definem como instituição
superestrutural de reprodução das relações de produção,
promovendo ou embaraçando o desenvolvimento das for-
ças produtivas (Marx, 1973, p. 28-29). A teoria marxista,
como instrumento de análise sincrônica e diacrônica da
39
A Cn'minologia Radica!
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•
A Cn'minologia Radica!
sociedade, é essencialmente radical, no sentido de tomar
as coisas pela raiz - e, em sociedade, a raiz humana é
inseparável da posição de classe que, por sua vez, é de-
terminada pelo lugar nos processos produtivos, fundados
na separação trabalhador/meios de produção, ou seja, na
relação capital! trabalho assalariado. O estudo do crime e
do controle social no capitalismo se baseia na divisão da
sociedade em classes (estrutura econômica) e na reprodução
das condições de produção, fundadas na separação capital!
trabalho assalariado, pelas instituições jurídicas e políticas
do Estado, que proscreven: práticas contrárias às relações
de produção e de reprodução social. Assim, o estudo do
crime e do controle social não se reduz aos tipos legais de
crimes, mas compreende o tipo social de autor (posição de
classe), o tipo de sociedade (formação econômico-social),
seu estágio de desenvolvimento (nível tecnológico), o papelda formação econômico-social no mercado mundial (posi-
ção na relação imperialismo/dependência), as funções na
divisão internacional do trabalho (fornecedor de 'matéria-
prima e de mão-de-obra ou exportador de capitais) etc.
(Cirino, 1979, p. 19-32)
Na verdade, as contradições do capitalismo explicam
que o mesmo processo que vincula o trabalhador no traba-
lho, aceitando a brutalização de sua "canga pessoal", dirige
o desempregado/marginalizado para o crime, aceitandoos riscos da criminalização: a neces,~idadede sobrevivência em
condições de privação material. A força de trabalho integrada
nos processos de produção e circulação material conhece a
disparidade social da relação esforço/recompensa, enquan-
to a força de trabalho excedente, excluída do mercado de
40
A Criminologia Radica!
trabalho e, portanto, do papel de consumidor, desenvolve
uma "potencialidade" para o crime, recorrendo a meios
ilegítimos para compensar a falta de meios legítimos de
sobrevivência. O sistema de controle social atua com todo
rigor na repressão da força de trabalho excedente margi-
nalizada do mercado (o discurso de proteção do cidadão"honesto", ou de combate ao "crime nas ruas", legitima a
coação do Estado), mas o objetivo real é a dúciplina daforça
de trabalho ativa, integrada no mercado de trabalho. Essa
inversão ideológica reaparece em outras áreas:aestrutura
econômica desigual e opressiva produz os problemas sociais
do capitalismo, como o desemprego, a miséria e o crime,
mas a organização política do poder do Estado apresenta
esses fenômenos - especialmente o crime - como causas
dos problemas sociais do capitalismo; por outro lado, os
métodos de "prevenção" do crime e de "tratamento" do
delinqüente estigmatizam, danificam e incapacitam a po-
pulação criminalizada para o exercício da cidadania, mas o
temor da prisão controla a força de tr~ba1ho ativa, garantin-
do a produção material e areprodução da ordem social- e
isso parece ser tudo o que importa (Young, 1979, p. 21).
A ligação oculta entre controle do crime e relações
de produção é o foco de pesquisa da Criminologia Radical:
o controle do crime pela ação da polícia, da justiça e da
prisão assegura a continuidade (reprodução) do sistemasocial de produção capitalista. A articulação específica
entre a estrutura econômid da sociedade, definida como
o "conjunto das relações de produção", e as formas ideo-
lógicas superestruturais jurídicas e políticas do Estado, que
instituem e reproduzem aquelas relações de produção, é a
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A Cn"min%p la lZadim/ : : ! c : : ' ! ! ~ 0 % g i a R£I~!!~
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A Cn min%p,la lZadim/ ---,.. _--_._._---------~. _ _ . _ _ .. _,----------------~~---~~-- - ----
base explicativa da contradição entre a aparência e a realidade
dos fenômenos sociais: a forma jurídica das relações de
produção é, simultaneamente, forma de reprodução das re-
lações de produção e de mistificação dessas mesmas relações,
como representação ilusória ou invertida da realidade. A
forma aparente da liberdade, da igualdade e da justiça oculta
uma realidade de coerção, de desigualdade e de injustiça: a
ideologia é, ao mesmo tempo, realidade e ilusão (Young,
1979, p. 22).
A explicação desse fenômeno parece residir na re-
lação entre a esfera da circulação (formas jurídicas) e a
esfera da produção (estrutura econômica): o trabalhador,
disponível no mercado - a esfera da circulação, regida pelo
Direito, em que domina a aparência - vende livremente
sua força de trabalho pelo equivalente salarial: é um igual
perante a lei, não é logrado pelo capitalista individual. Masna esfera da produção, em que existe a realidade produtora
da aparência, em lugar do salário equivalente encontra a
exploração do trabalho, pela expropriação de mais-valia;
em lugar da igualdade formal do direito, a desigualdade
substantiva; em lugar da liberdade do contrato de trabalho,
a coerção das necessidades econômicas. A relação entre a
aparência da ,esfera de circulação e a realidade da esfera de
produção explica porque o trabalhador, para sobreviver,
deve vender a única mercadoria que possui, ao preço do
mercado: a força de trabalho (Marx, 1971, p. 196-97).
A Criminologia Radical, colocando esse quadro no
centro da sua teoria, não nega a maior liberdade e igualda-
de do trabalhador produtivo na sociedade capitalista, em
comparação com o servo da sociedade feudal, ou com os
42
II
I
I
_ _ _ _ _ _ _ _ . : : ! _ c : : ! ! . ~ 0 % g i a R£I~!!~
contingentes marginalizados do mercado de trabalho e
de consumo no capitalismo (desempregados ou presos,
por exemplo). Entretanto, essa análise estrutural mostra a
inseparabilidade entre disciplina do trabalho (o lado positivo
da equação esforço/recompensa) e controle social (o lado
negativo da equação esforço/recompensa) e fundamenta a
tese radical de que jus tiça eco nô mic a e jus tiça pe na l são aspectos
de um mesmo e único fenômeno.
Em forma sumária, o contraste da Criminologia
Radical com a criminologia tradicional pode ser assim
indicado:
a) o ol::jetoda Criminologia Radical é o conjunto de
relações sociais, compreendendo a estrutura econômica e
as superestruturas jurídicas e políticas de controle social; o
oo/eto da crw.J.nologia tradicional é limitado pelo comporta-
mento criminoso e pelo sistema de justiça criminal;
b) o compromisso da Criminologia Radical é com a
transformação da estrutura social e a construção do so-
cialismo, mostrando a insuficiência das reformas penais,
denunciando o oportunismo pragmatista das políticas pe-
nais alternativas - mas apoiando as medidas liberalizantes
- e afirmando a impossibilidade de resolver o problema
do crime no capitalismo; o compromisso da criminologia
tradicional refere-se ao aprimoramento funcional-tecno-
crático do aparelho penal, conforme critérios de efetividade
(redução de crimes) e de eficiência (maior ef,:tividade, com
menores custos);
c) a base social da Criminologia Radical são as classes
trabalhadoras e o conjunto das categorias sociais subal-
43
A Cnminolo,gia Radical
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•
ternas e massas marginalizadas da sociedade capitalista:
objetiva elevar seu nível de consciência e de organização
e explicar sua criminalidade como tentativa individual de
resolver problemas estruturais, que exigem ação coletiva
consciente e organizada; a base social da criminologia tradi-
cional são as elites econômicas e políticas (e seus intelectuais
orgânicos, os agentes do controle social): o conhecimento
tecnocrático da "criminologia aplicada" no sistema de jus-
tiça criminal opera como técnica de controle (Habermas),
ou como conhecimento de "contra-insurgência" (Quinney),
reforçando o monopólio do poder econômico e político
(Gouldner), que especifica os fins e as áreas de aplicação
da ciência (Garofalo, 1978, p. 18-22).
A crítica à criminologia tradicional, que explica o
crime como "anomalia" do sujeito, ou como "realidade
ontológica" pré-constituída ao sistema de justiça criminal,originou a transposição da abordagem teórica do autor
para as condições o/:vetivas estruturais do fenômeno crimino-
so, assim como a mudança do interesse científico sobre
causas do crime para o interesse científico sobre mecanismos
de controle socia~ que constroem, pelos processos de crimi-
nalização constituídos pela criação e aplicação da lei penal,
o fenômeno do crime como "realidade social construída"
(Baratta, 1978, p. 8).
O salto qualitativo da Criminologia Radical é repre-sentado pela superação d~ paradigma etio!6gico tradicional
e pelo estudo do sistema punitivo como sistema dinâmico de
fun çõe s do modo capitalista de produção, negando o mito
do direito penal igualitário: a crítica ao sistema punitivo
concentra-se no processo de criminalização, destacando
44
A Criminologia Radical
os mecanismos de produção e de aplicação de normas
penais e de execução das penas criminais. A produção de
normas penais promove uma simultânea seleção de tipos
legais e de indivíduos estigmatizáveis: a estrutura de inte-
resses protegidos (elites de poder econômico e político) e
as condutas ofensivas desses interesses pré-selecionam ossujeitos estigmatizáveis. Assim, ~ caráter "fragmentário"
do direito penal, definido pela idoneidade técnica de certas
matérias (e não outras) para a incriminação, oculta a pro-
teção de interesses das classes e grupos sociais de poder
econômico e político (e a imunização processual de sujeitos
dessas classes, ou ligados, funcionalmente, à acumulação
do capital) e a criminalização de comportamentos típicos
das classes e grupos sociais subalternos, especialmente os
marginalizados do mercado de trabalho. Esse mecanismo
não se limita à seleção de tipos legais de comport~mentos
proibidos, mas inclui variações na natureza e intensidade
da punição: máximo rigor para comportamentos caracterís-
ticos das massas marginalizadas do mercado de trabalho e
de consumo (especialmente em ações contrárias às relações
de produção) e ausência de rigor para comportamentos
característicos das elites de poder econômico e político
(especialmente em ações ligadas funcionalmente à estrutura
das relações de produção), como a critllinalidade econômica
ou financeira, por exemplo (Baratta, 1978, p. 9-11).
A pesquisa histórica mostra que a aplicação das nor-
mas criminais depende da'posição de classe do acusado,
uma variável independente que minimiza ou cancela princípios
de hermenêutica ou de dogmática jurídica, instituindo um
autêntico direito penal do autor. indivíduos pertencentes aos
, 45
A C ú O /O I & ' !! / A C i i % i I L di /
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A _C _n _n ._ ún _O _ /O _~ I_ .a _& 't !! .c a/ -- -- - -- -- -_ - _
grupos marginalizados do mercado de trabalho reúnem as
maiores probabilidades de criminalização; por outro lado,
a posição precária no mercado de trabalho (subocupação,
mão-de-obra desqualificad-aetc) ou defeitos de socialização
ou de escolarização, constituem variávezS intervenientes no
processo de criminalização (Baratta, 1978, p. 11-12).
Enfim, o sistema carcerário é o centro da crítica ra-
dical ao sistema de justiça criminal, na sua função de dupla
reprodução: reprodução das desigualdades das relações
sociais capitalistas (pela garantia da separação trabalha-
dor/ meios de produção) e reprodução de um setor de
estigmatizados sociais, recrutado do exército industrial de
reserva, qualificado negativamente em dois sentidos: pela
posição estrutural de marginalizado social (fora do mercado
de trabalho) e pela imposição superestrutural de sanções
estigmatizantes (dentro do sistema penal). A reprodução
das desigualdades é realizada pela disciplina dos processos
de trabalho (relações de produção) e pelo controle polí-
tico da força de trabalho (separação trabalhador/meios
de produção). A reprodução de estigmatizados sociais
favorece a superexploração do trabalho de condenados
e de ex-condenados, o emprego do egresso na circulação
ilegaldo capital (como o tráfico de drogas, por exemplo) e,
ainda mais grave, sua utilização em esquadrões fascistas de
repressão operária e sindical (Baratta, 1978, p. 12-13).
A conseqüência política da crítica da Criminologia
Radical é a negação do mito do direito penal igualitário,
na sua dupla dimensão ideológica: a pro teç ào ger al de bens e
interesses existe, realmente, como proteçào parcial, que pri-
vilegia os interesses estruturais das classes dominantes; a
46
A Crim in% ,gia I<.L tdim / -------------_ _-_ .. _ _ _-_._--_._._--_._---------
igualdade legal, no sentido de ~gualposição em faceda lei, ou
de iguaischances de criminalização,existe,realmente, como
desigualdade penal: os processos de criminalizaçãodependem
da posição social do autor e independem da gravidade do
crime ou do dano social (Baratta, 1978, p. 10).
Um dos grandes avanços científicos da Criminologia
Radical teria sido demonstrar a relação funcional entre os
mecanismos seletivos do processo de criminalização e a
lei do desenvolvimento histórico da formação econômico-
social capitalista: a relação entre o cárcere, como instituição
central de controle social, e a fáb ric a, como instituição cen-
tral de produção material, é a matriz histórica da sociedade
capitalista, desde a transformação do camponês (separado
do campo e de seus meios de produção) em trabalhador
livre (sem meios de produção) adaptado à
fábrica, até areprodução das condições em que se fundamenta o modo
de produção capitalista, a separação trabalhador/meios de
produção.
47
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A Criminologia &dical
BIBLIOTECA DE CIENCIA:) JUKlU~A Criminologia &dical e o Conceitode Crime
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"
','
', ;
A Criminologia &dical
conceito proletário de crime como parâmetro de trabalho
teórico, enquanto a classe trabalhadora - aspecto secun-
dário da contradição, na sociedade capitalista - não possui
poder político para definIr, em forma legal, um conceito
socialista de crime.
Um conceito proletário de crime, no período dasociedade capitalista, deve ser definido com base em uma
concepção socialista de direitos humanos, como proposto
pelos Schwendingers: o direito à segurança pessoal em relação
à vida, à integridade, à saúde, à liberdade etc., e o direito
à igualdade real, econômica, racial e sexual, são direitos bá-
sicos, porque a violação desses direitos elimina ou limita as
possibilidades concretas de realização pessoal das vítimas,
em qualquer esfera da vida. A violação desses direitos por
indivíduos, empresas, instituições, relações sociais capitalis-
tas ou imperialistas constitui crime, porque nega o direito
à vida, à saúde, à liberdade e à dignidade de centenas de
milhões de seres humanos; porque submete a maioria da
humanidade por sua condição de classe, de raça ou de sexo;
porque explora o trabalho do povo, produz subnutrição,
carências, deformações físicas e psíquicas e, especialmente,
crimes (Schwendingers, 1980, p. 172). Nenhuma dessas
conseqüências pode ser autorizada pela garantia legal do
direito de propriedade, ou pela falta de definição legalde cri-
me: a forma legal burguesa de crime exclui a criminalidadeestrutural absoluta das classes dominantes - os chamados
"cnmes sistêmicos", em especial, a superexploração dos
povos e das riquezas naturais das áreas subdesenvolvidas
e dependentes -, enquanto define e pune a criminalidade
individual, violenta e fraudulenta, das classes e camadas
50
A Criminologia &dical e o Conceitode Crime
sociais subalternas. O duplo padrão do sistema de justiça cri-
minal fundado no conceito burguês de crime é promovido
pela "cegueira ideológica" de juristas tradicionais, que se
satisfazem com a existência' formal de lei incriminadora,
sem questionar o conteúdo da incriminação: quem é pre-
judicado ou quem é beneficiado pela incriminação (Aniyar,1980; Lyra Filho, 1972, p. 75-78).
A Criminologia Radical- ao contrário da criminologia
tradicional, limitada à definição, julgamento e punição do
criminoso isolado, explicando o crime por relações psico-
lógicas como vontade, intenções, motivação etc. - vincula
o fenômeno criminoso à estrutura de relações sociais, me-
diante conexões diacrônicas entre cnminalidade e condições
sociais necessárias e suficientes para sua existência. Como se vê,
muda o objeto de análise para o conjunto das relações sociais,
mostrando que, primariamente, são criminosos (e criminó-
genos) os sistemas sociais que produzem, através de suas
estruturas econômicas e instituições jurídicas e políticas
do Estado, as condições necessárias e suficientes para a
existência do comportamento criminoso - com a cum-
plicidade histórica de criminólogos e juristas tradicionais,
que não questionam essas estruturas e seus mecanismos de
instituição e de reprodução social (Schwendingers, 1980,
p.171-72).
O conceito proletário de crime fundado em direitoshumanos, esboçado e, depois, melhorado pelos próprios
autores (Schwendingers, 1975, p. 113-46; 1977, p. 4-13),
provocou restrições (Mintz, 1974, p. 49) e críticas (Har-
tjen, 1972): a mudança de foco da for ma leg al para relações
sociais conteria ambigüidades abstratas e indeterminações
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A CnlJJinolo,giaRadical
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A Criminologia lv/dical e o Conceito de Crime--~---"------_. _ _ .. _-------_._._--------_._-------~----_. _ _ ._---_.~. _ _ ..
pelas contradições objetivas entre o humanismo burguês eas tendências histót:Ícas do modo de produção capitalista(Lyra Filho, 1972, p. 110-11).
As contradições históricas das relações de classessão o fundamento objetivo das contradições ideológi-cas, jurídicas e poJiticas da formação social - logo, assim
como a posição de classe da burguesia é a base objetiva doconceito burguês de crime, a posição de classe do proleta-riado é a base objetiva de um conceito socialista de crime
(Schwendingers, 1977, p. 10-11). Assim, a antiga equaçãodefinição legal de cnme/ dano socia!, da criminologia tradicional,criminaliza condutas socialmente não-danosas - como gre-
ves, dissidência poJitica etc. - e não criminaliza condutase relações socialmente danosas - como o imperialismo, a
exploração etc. (Lyra Filho, 1972, p. 75-78; 1980, p. 10). ACriminologia Radical inverte a equação para relações sociais
danosas/ cnme, compreendendo a exploração imperialista,a violação da autodeterminação dos povos, o direito dos
trabalhadores ao controle e à administração da mais-valia
produzida, os abusos de poder econômico e poJitico e todosos danos sociais definidos como "crimes sistêmicos".
A definição de um conceito socialista de criine - as-
sim como de um conceito socialista de Direito e de Esta-do - com base na posição de classe do proletariado é um
avanço qualitativo da teoria radical sobre PoJitica, Direito
e Crime, como categorias históricas construídas para acrítica científica das superest~uturas de controle social dasociedade capitalista, uma tarefa necessária dentro de um
quadro político de transição demorada, em que a luta pela
hegemonia ideológica e poJitica da formação social é con-
históricas, indiretamente ligadas ao direito natural. Sejacomo for, o defeito do conceito socialista de crime con-
,
sistente na ausência de definição legal, não é sanável no
capitalismo e, por essa razão, a definição operacional deum conceito de crime fundado em direitos humanos pa-rece ser a alternativa radical à definição legal do conceito
burguês de crime. Historicamente, o conceito de crime édeterminado pelas contradições de classe no Contexto dasrelações de produção capitalistas: a ideologia burguesa é
institucionalizada nas formas jurídicas e poJiticas do Estado- que reproduzem as relações sociais -, mas a ideologia daclasse trabalhadora, desenvolvida sob a ideologia burguesa,
somente pode adquirir formalização jurídica e poJitica nosocialismo. Entretanto, essa mediação histórica não exclui- ao contrário, pressupõe - a definição operacional (assimcomo as definições anaJitica e real) dos conceitos de crime,
de Direito, de Estado etc., no projeto poJitico da classetrabalhadora, ainda sob o capitalismo: os parâmetros desse
projeto político são mais adequados para definir relaçõessociais danosas (crimes) e interesses gerais da humanidade(Direito, Política etc.), transcendendo o próprio subjeti-vismo de classe, que exprime oposições maniqueístas de bem/ mal, direito/crime, certo/errado etc.
O projeto poJitico da classe trabalhadora é definido por uma teoria geral das tendências do desenvolvimento
histórico, que identifica os interesses objetivos da huma-nidade com a socialização dos meios de produção, asse-gurando a hegemonia dos trabalhadores no controle danatureza, da tecnologia (forças produtivas) e do conjunto
das relações sociais econômicas, poJiticas e jurídicas doEstado, promovida no socialismo e excluída no capitalismo
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A Cri1Jlin%~i! iClRadi ca/ A CrilJlino/o.gicl Radica/ e o Conceito de Clime
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A Cri1Jlin% i!,iCl Radi ca/
dicionada pelos limites do conceito gramsciano de "guerra
de posição" (Gramsci, 1972, p. 67-75).
As variantes positi~.istas do conceito burguês de
crime, sob as definições legal, sociológica, ética etc., da
criminologia tradicional, pressupõem o mesmo esquema
funcional da ordem social:estados "naturais" ou "normais",como "relações ótimas" para a vida associada, fundamen-
tam normas de conduta instituídas como critérios de "norma-
lidade", ou "pré-requisitos funcionais" para a existência da
sociedade.A conduta ajustada aos parâmetros formalizados
é "normal" ou "natural" e a conduta desviante dos parâme-
tros formalizados - que definem a "expectativa normativa"
- é "anormal" ou "antinatural", desencadeando o sistetna
de recompensa/punição, como mecanismo de controle
das tendências "egoístas e anárquicas" da "natureza hu-
mana". Nesse esquema, o controle social promovido pela
tecnocracia estatal realiza uma tarefa "neutra", mediante
normas institucionalizadas como critérios do "normal" e
do "patológico", legitimadas pelo "consenso normativo",
maximizando aspectos positivos pela recompensa e mini-
mizando aspectos negativos pela punição. A ordem socialé
uma situação de "equilíbrio" dentro da qual o crime indica
"conflito" e "desorganização": ao nível social, "conflito
cultural! desorganização social"; ao nível da personalida-
de, "conflito pessoal! desorganização da personalidade"
(Schwendingers, 1980, p. 156-62).
Na verdade, a querela positivista sobre conceito de
crime é uma disputa doméstica em torno da efetividade) da
amplitude e da pre cis ão do controle social, porque não trans-
cende os limites da ideologia dominante.
54
A definição legal de crime (em geral, ligada a Paul
Tappan) se desdobra em um critério legal-procedimental:
crime é definido pela lei criminal editada pelo Estado;
criminoso é o indivíduo cC?ndenadopela justiça criminal
em processo regular. As estatísticas criminais constituem
amostras representativas da população total de criminosos- a "maior aproximação possível" da taxa de "criminali-
dade real" - e réus "condenados" constituem os únicos
indivíduos que podem ser considerados criminosos: nessa
ótica, são criminosos réus condenados indevidamente, e
não são criminosos réus não julgados e autores de crimes
não identificados, ignorados etc. (LyraFilho, 1972,p. 75-78
e 94-98; Schwendingers, 1980, p. 140.)
Definições sociológicas, desde Garófalo a Thorsten
Sellin, criticam a natureza "não científica" da definição
legal de crime, que pretende distinguir crime de outros
comportamentos e criminoso de outras pessoas, mas não
indica "propriedades naturais" constitutivas da "natureza
intrínseca" da matéria. Essas propriedades "intrínsecas"
ou "naturais" são indicadas pelo conceito de "normas de
conduta", que definem "relações universais": transcendem
grupos sociais, não são limitadas pelo Estado, não estão
(necessariamente) incorporadas no Direito e fundamentam
um enfoque "livre-de-valor" comprometido, exclusivamen-
te, com "metas científicas", mediante "critérios científicos"(Schwendingers,1980,p.136-37;Tayloretalii) 1973,p.14-19).
Contudo, a fo bia do método sociológico às "questões de
valor", pela impossibilidade de medição objetiva de suas
determinações, confunde objetos históricos com objetos
naturais, reduz fenômenos políticos e ideológicos a meras
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A Crim inol o.gi a Rad iml- - ----- '- -'---'-. _ ....-,-----~- _._- --_ . . _ . _ - - , _ . .- . _ .. _ _ ._~-_ .. - . _ ..-
A Crim inol ogia 1"ZL I{/i cale o Conceilo de Cri/llr
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"coisas" (como na física) e, enfim, destrói o objeto para
adaptá-lo ao método.
Definições éticas propostas por Sutherland conjugam
critérios de "injúria social" (violação de interesses sociais
gerais) e de "sanção legal" (compreensiva das sanções cri-
minal e civil)para abranger práticas anti-sociais de homens-de-negócio, administradores de corporações, profissionais
liberais etc., que configuram a criminalidade "white-collar".
Entretanto, as boas intenções da proposta não transpõem
os limites da politica oficial que define "injúria social" e
impõe "sanções legais": ao contrário, parecem úteis para
legitimar a ideologia do controle social (Schwendingers,
1980, p. 137-39).
A metodologia científica contemporânea distingue
várias definições de um conceito: a definição real compreendeas determinações históricas de um fenômeno, nas suas
relações diacrônicas e sincrônicas; a definição nominal
constitui simplificação formal da definição real; a definição
analítica apreende os elementos internos da definição real; e
a definição operacional indica os caracteres de identificação
concreta da definição real, como formalizada nominalmente
e decomposta analiticamente: tipos, situações, registros
etc. A definição real é a base de todas as definições de um
conceito: as definições nominal e analítica são redeftnições da
definição real, porque exprimem relações já construídas, e
a definição operacional alinha "indicadores" identificáveis
da definição real (Cirino, 1979, p. 17-19; Schwendingers,
1980, p. 144-46).
O conceito de crime não foge desse esquema: a de-
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finição legal é uma modalidade de definição nominal, como
descrido das acões socialmente danosas e cominação de, ,
sanções; a definição analítica é constituída pelas categorias
jurídicas da tipicidade (adequação da conduta ao modelo
legal), da antijuridicidade (realização injustificada do tipo
de proibição geral) e da culpabilidade (reprovação do autor pela realização não permitida da conduta proibida, com o
poder concreto de agir de outro modo) - essas categorias
da definição analítica funcionam como definição operacional
para o sistema de justiça criminal (conhecimento e punição
das ações socialmente danosas); a definição real do conceito
de crime é o objeto específico da criminologia tradicional:
"crime é um sintoma de desorganização social" (Sutherland
&Cressey, 1960, p. 23), ou "delinqüência é uma expressão
de agressão não-socializada" Oenkins &Hewitt, 1944, p.
84-94). Finalmente, as definições sociológicas são uma mis-
tura de definição real (relações universais) com definição
operacional (propriedades intrínsecas), enquanto as definições
éticas são uma composição de definição real (injúria social)
com definição nominal (sanção legal).
Essas definições refinaram o instrumental teonco
de conhecimento do crime, mas sua aplicação é limitada
pelos compromissos de classe da criminologia tradicional,
atrelada ao pólo dialético dominante da burguesia, na con-
tradição estrutural da sociedade capitalista. Por exemplo,definições reais identificam relações contráriz...3ao sistema de
produção e reprodução sodal, definições nominais formali-
zam essas relações na superestrutura jurídica de controle,
definições analíticas decompõem seus elementos internos
em categorias científicas e definições operacionais selecionam
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ACrimil1olo,gia R adical A Crimil1olo,~icl r<..adictl!e o COl1ceito de Cril l /e
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caracteres visíveis para medir o crime e informar políticas
criminais - mas todas correspondem ao conceito iJllrgllês
de crime, que garante a hegemonia dOéapital no controle
das relações sociais.
Esse conceito exclui a criminalidade estrutural - a
definição ética se limita aos abusos de classe, mas não com- preende a estrutura do sistema de classes, por exemplo - e
inclui os fundamentos da ordem social burguesa: crimina-
liza as ações contrárias à estrutura econômica, fundada na
propriedade privada dos meios de produção e do produto
do trabalho social, e as ações contrárias às superestruturas
jurídicas e políticas do Estado, representadas pela crimi-
nalidade política.
O conceito socialista de crime, fundado na posição
de classe do proletariado - o pólo dialético subordinado
da contradição estrutural-, situa a origem da crimiDalidade
nas condições estruturais do capitalismo, mas apresenta
explicações diferentes para a criminalidade individual e
para a criminalidade estrutural:
a) a criminalidade individual - em certas condições,
uma resposta necessária das classes e camadas sociais su-
balternas - é definida como resposta pessoal (portanto,
não política) de sujeitos em condições sociais adversas:
em situação de desorganização política e de ausência de
consciência de classe, a criminalidade individual das classesdominadas é resposta inevitável às condições estruturais
adversas da sociedade;
b) a criminalidade estrutural - em certas condições,
um estímulo suficiente para as classes dominantes - é ex-
plicada pela articulação funcional entre a esfera de produ-
58
ção e os sistemas jurídico-políticos de reprodução social:
situações de garantia de impunidade, pelo controle dos
processos de criminalização, são condições suficientes para
práticas anti-sociais (predatórias e fraudulentas) lucrativas,
fundadas no controle dos processos de produção/ circu-
lação da riqueza.
Como se pode ver, as determinações estruturais do
conceito proletário de crime (definição real) podem ser
indicadas (a) por situações de marginalização, exploração,
miséria, fome, doenças etc.,ou (b)por situações de controle
da produção/ circulação da riqueza e de garantia de impu-
nidade - ambas explicações ligadas à divisão da sociedade
em classes sociais antagônicas, produzida pela separação
trabalhador/meios de produção (definição analítica), que
violam direitos humanos socialistas (definição nominal).
A distinção entre conceito proletário e conceito
burguês de crime não significa separação irredutível entre
concepções diametralmente opostas: o conceito prole-
tário incorpora, critica e supera o conceito burguês de
crime, como as formas políticas e jurídicas do socialismo
incorporam as conquistas democráticas do capitalismo e
ampliam os limites de liberdade real do povo (Lyra Filho,
1972, p . 110-11).
A seqüência deste estudo pretende indicar como aCriminologia Radical coloca os problemas do crime e do
controle social no contexto das relações de classes e daslu-
tas políticas pela constituição e reprodução do poder social,
no período histórico da sociedade capitalista. Alguns dos
avanços teóricos mais importantes dessa perspectiva são os
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trabalhos de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, PUl7isl1Jet1t
and social structure (1968), de Michel Foucault, SUrl1ei//er et
puni r (1975), de Evgeny B. Pasukanis, A teoria gera/ do direito
e o marxismo (1972), o texto coletivo de Maurice Bourjol e
outros, Pour une critique du droit (1978) e a coletânea de Bob
Fine e outros, Capita/isl1J and the rufe r if lau) (1979).
60
IV A CRIMINOLOGIA RADICAL
EA POLÍTICA DO
CONTROLE SOCIAL
oestudo de Rusche e Kirchheimer em Punishment
and social structure (1968) objetiva romper a relação abstrata
da criminologia tradicional entre mme e puni ção - interna à
superestrutura -, propondo uma relação histórica concreta
entre mercado de trabalho e pun ição , vinculando a base econô-
mica à superestrutura de controle da formação social. A
punição, definida normalmente como "epifenômeno" docrime - o fenômeno que determina as formas e intensidade
daquela -, ou como reação oficial de retribuição e de pre ven-
ção do crime, é colocada em perspectiva nova: todo sistema
de produção descobre punições que correspondem às suas relações
pro duti vas (Rusche e Kirchheimer, 1968, p. 5).
A teoria do projeto (Rusche, 1931) afirma que o mer-
cado de trabalho é o determinante fundamental do sistema
de justiça criminal e, portanto, a categoria principal para
explicar o sistema penal. Esse conceito se desdobra emduas hipóteses antagônicas: a) se a força de trabalho é insu-
jicie t1te para as necessidades d6 mercado, a punição assume
a forma de trabalho forçado, com finalidades produtivas e
preservativas da mão-de-obra; b) se a força de trabalho é
excedente das necessidades de mercado, a punição assume a
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A Criminolo,gia Radical e a Polilica do Conlro!e Social
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forma de penas corporais, com destruição ou exterrIlÍniodamão-de-obra: a abundância torna desnecessária a preserva-
ção (Rusche, 1977, p. 4).A teoria mostra como as relaçõesde classes, na esfera do m~rcado, explicam as mudançassuperestruturais do sistema penal: introduza questão docrime e do controle social no contexto das relações eco-
nômicas, que funcionam como base explicativa da política penal e, inversamente, como objeto de esclarecimento pela política penal. Assim, o defeito das teorias psicológicas e
psicanalíticas da criminologia dominante sobre a origem
individual do crime, ou as funções sócio-psicológicas da punição etc., resultaria da ausência de uma teoria socialgeral que situasse o fenômeno punitivo na estrutura das
relações econômicas, evitando as abstrações idealistas queabsolutizam e petrificam as condições históricas vigentes
OZusche,1977, p. 3).A verificação de que a criminalidade se concentra nas
camadas sociaisinferiores da sociedade (aposição de classe
inferior impede a satisfação de necessidades elementares),
que monopolizam os processos de criminalização, permitea formulação do célebre pri ncí pio de efi các ia do sistema penal:a eficácia da prisão pressupõe condições de vida carcerária
inferiores às da classe trabalhadora mais aniquilada. O prin-
cípio mostra a existência de limites objetivos às reformas
"humanistas" da p~isão, cuja base reside nas condiçõesestruturais da sociedade: as prisões estarão cheias ou vazias
conforme sua posição em relação a esse limiar minimo
OZusche,1977,p. 3-4).
A história das transformações do sistema penal, na perspectiva da relação entre base econômica e mecanismos
62
superestruturais de controle proposta por Rusche e Kirch-heimer, representa um avanço real da teoria crirninológica
radical: são as relações entre as classes sociais no mercado
de trabalho que explicam a generalização da prisão comométodo de controle e disciplina das relações de produção
(fábrica) e de distribuição (mercado) da sociedade capita-
lista, com o objetivo de fort1)ar um novo tipo humano, a
for ça de tra ba lho necessária e adequada ao aparelho produtivo
(Melossi, 1978, p. 75).
Em outra perspectiva, a contribuição radical de Fou-
cault em S urveiller etpunir (1975) foi esboçar uma teoria ma-terialista da ideologia da época capitalista, como disciplina
da força de trabalho (Melossi, 1979, p. 92-93) - na verdade,um resultado inesperado de um teórico idealista. O obje-tivo de reconstruir a história do poder de punir através da
história da prisão subordina-se às seguintes coordenadas,segundo Foucault: a) os sistemas punitivos devem ser es-tudados em seus ifeitos positivos, que realizam uma funçãosocial complexa - e não em seus ifeitos negativos de sanção /
repre~são; b) a função social dos mecanismos punitivos nãoé explicável pelas regras do Direito, mas como técnicas es-
pecíficas relacionadas aos processos de produção material:
a tecnologia punitiva, como "tática política dos castigos",
constituiria um "investimento do corpo" por relações de
poder, cujas transformações estariam ligadas às mudanças
nas relações de produção (Foucault, 1977, p. 26-27).
Oconceito de sistema punitivo como fenômeno so-
cialligado aos sistemas de produção, nos quais realiza efei-
tos positivos, é extraído expressamente das investigações de
Rusche e Kirchheimer sobre a relação sistema penal/ mercado
63
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de trabalho. O mérito de Foucault é mostrar a mediação política
do sistema punitivo, como dominio das forças corporais
para realizar o!:?jetivoseconômicos específicos, consistentes na ex-
tração de utilidade das forças dominadas, sob a fórmula de
produção de «corpos dóceis e úteis". As práticas punitivas,
como relações de poder vinculadas às relações de produção,
representam um sistema de dominação para constituir um
pod er sobre o po der do cor po: uma "anatomia politica" que
articula conhecimento e técnicas de controle para dominar
as capacidades produtivas do corpo. O sistema penal re-
presenta uma estratégia de poder, definida nas instituições
jurídico-políticas do Estado, explicável como política das
classes dominantes para produção permanente de uma
"ideologia de submissão" em todos os vigiados, corrigidos
e utilizados na produção material. O pod er político e o saber
cientifico aparecem como fenômenos interligados: o poder produz o saber adequado ao seu domínio (ideologia) e o
saber reproduz o poder que o produz, nas relações entre
classes e grupos sociais (Foucault, 1977, p. 27-31).
No trabalho de Foucault, o estudo das transforma-
ções do poder de punir objetiva caracterizar a disciplina
como modalidade específica de controle social do capi-
talismo, incorporada na estrutura panótica das relações
sociais e, desse modo, explicar a instituição carce;ária pela
necessidade de produção e reprodução de uma 'ilegalidade
fechada, separada e útil", que garante e reproduz as rela-
ções de poder e a estrutura de classes da sociedade. A falha
idealista do esquema de Foucault - que não invalida sua
contribuição teórica -, residiria na incapacidade de ligar o
conceito de disciplina às necessidades materiais da administração
64
e _
capitaliJta do trabalho - a disciplina dos processos produ-
tivos no âmbito das relações de produção -, deixando,
assim, a disciplina como um princípio politico carente de
determinações históricas (Melossi, 1977, p. 75).
1.As Determinações Estruturais do
Controle Social
As investigações de Rusche e Kirchheimer contri-
buíram para esclarecer as relações históricas do sistema
punitivo, como fenômeno jurídico e politico superestrutural
correspondente à estrutura econômica da sociedade - ou
seja, ao conjunto das relações de produção -, na perspec-
tiva da tese fundamental de que "o modo de produção da
vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,
política e intelectual em geral" (Marx, 1973, p. 28).
Na baixa Idade Média, a população dispersa em terras
desocupadas, com uma economia agrária de subsistência
auto-suficiente, em que todos produzem seus meios de
consumo, a criminalidade se limita a violências pessoais e
sexuais: o sistema penal de multas e penitências da ideolo-
gia religiosa, complementado pela vingança privada - na
verdade, o principal desestimulante do crime -, correspon-
de ao nível de desenvolvimento das relações sociais de
produção. Na alta Idade Média, a economia agrária feudal
separa ricos (senhores feudais, clero etc.) e pobres (cam-
poneses e artesãos), conhece os fenômenos das guerras
camponesas, dos bandos de desocupados sem meios de
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A C,ilJlillolo.gia F."r/iml A Criminol'!?,i" R"dical (' {/ Política r/o COl7trole Social
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subsistência e da criminalidade generalizada, em especial
patrimonial: o sistema penal desse estágio de desenvol-
vimento das relações de prq.dução adota punições corporais
atrozes (descritas com riqueza de detalhes por Foucault) e
extingue as inúteis penas de multa, porque os condenados
não têm como pagar. No mercantilismo do século XVII, a
produção manufatureira, baseada em funções especializa-
das, encontra escassa força de trabalho, em geral dizimada
por pestes, guerras e punições, o que determina alterações
nas relações de mercado, com a elevação dos salários e do
ruvelde vida dos trabalhadores: a política do sistema penal,
para ajustar-se às mudanças estruturais, adota o trabalho
forçado, extingue as penas corporais destruidoras da força
de trabalho e introduz a prisão como principal modalidade
punitiva.
A revolução industrial do capitalismo no século
XVIII produz nova inversão na situação do mercado de
trabalho, porque a introdução da máquina reduz a necessi-
dade de mão-de-obra e produz o trabalhador abstrato - o
assalariadopermutável, disponível no mercado -, formando
um excedente de mão-de-obra em condições de absoluta
miserabilidade, mais tarde conhecido como exército indus-
trial de reserva. E a prisão, institucionalizada como principal
modalidade punitiva, perde seu caráter intimidante porqueas condições de vi~a na prisão são superiores às do limiar
inferior do desemprego e, para ajustar-se às necessidades do
mercado, transforma-se em instrumento de terror: a prisão
aplica a tortura, inventa o confinamento solitário e castiga com
o "trabalho inútil" - em condições de força de trabalho
66
excedente os custos de custódia são superiores ao valor
produzido pelo trabalho do preso e, por isso, o trabalho
forçado deixa de ser lucrativo (Rusche, 1977, p. 5-7).
O estudo da prisão como modalidade punitiva ba-
seada na privação de liberdade leva à discussão do conceito
burguês de tempo, como medida geral e abstrata do valor damercadoria, e à questão correlata da formalização prática
desse critério de valor na medida da pena de prisão, pro-
porcional ao crime praticado. A relação entre prisã o (troca
jurídica do crime medida pelo tempo) e mercadoria (valor
de uso dotado de valor de troca medido pelo tempo) foi
formulada originalmente por Pasukanis em 1924 - cujas
análises, aliás, não são referidas por Rusche e Kirchheimer
-, demonstrando que o pressuposto histórico-concreto da
"predeterminação abstrata" da pena criminal em tempo
de privação de liberdade reside na redução das formas
concretas da riqueza social ao trabalho humano abstrato
- a medida geral do valor - e conclui que são fenômenos
da mesma época: o capitalismo industrial e a economia
política de Ricardo, a declaração universal dos direitos do
homem e o sistema de penas de prisão, medidas pelo tempo
(pasukanis, 1972, p. 202-03);
Os capítulos finais de Punishment and social structure
(escritos por K.irchheimer), sobre as mudanças na estrutura
social do capitalismo monopolista - por exemplo, o mo-vimento organizado da classe trabalhadora, a intervenção
do Estado nas relações econômicas, a concentração dos
capitais produtivo, comercial e financeiro etc. -, o declínio
das taxas de prisão (de 1890 a 1940) e a política dos subs-
titutivos penais, não parecem inteiramente satisfatórios
67
•
ACrimilloloRia R£ldical e a Poli/ira do Controle Social--------------------------- -------~---------
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A Cril llill olo ..gia R£ld ical
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(Melossi, 1978,p.73-85). Mas é rigorosamente característico
das transformações superestruturais desse período histó-
rico o fenômeno da "fragmentação" do Direito, definido
em duas linhas principais: a) a substituição das leis gerais
e abstratas do capitalismo competitivo (as codificações)
por regras administrativas e específicas do capitalismo
monopolista (a troca da "generalidade" pela "especifici-
dade"); b) a introdução do método judicial da "intuição"
- uma inovação politica do direito penal fascista, fundada
no "Volksgeist" e no "Führerprinzip" -, promovendo a
dependência administrativa do judiciário e o domínio do
poder econômico sobre o sistema legal.O autoritarismo do
sistema penal fascista é um efeito particular da "racionali-
zação" inconstitucional que adequou as superestruturas de
controle às exigências do capital monopolista - na verdade,
"racional" para as classes dominantes, um "taylorismo"
de Estado, para "imediata eficácia da vontade do líder"
(Melossi, 1978, p. 78-79).
A predominância da especificidade sobre a generalidade
da forma legal, através de leis emergenciais, casuísticas e
aUtoritárias,é parte essencial do processo de unifi::ação dos
objetivos do capital monopolista com a política do Estado
fascista, para o domínio totalitário do poder econômico
sobre as classes trabalhadoras - reduzidas à escravidão
social -, mediante um controle social terrorista: os cam-
pos de concentração são a forma massificada da prisão e
o genocídio (judeus, negros, e outras "raças inferiores") é
a forma coletiva do extermínio. A ditadura terrorista do
capital monopolista existe como repressão massificada da
força de trabalho social: pela disciplina, pela força e pelo
extermínio.
Projetos contemporâneos 0ankovic, 1977; Melossi e
Pavarini, 1977)procuram validar e ampliar a hipótese geral
de Rusche e Kirchheimer, esclarecendo a relação específica
entre sistema penal e estrutura social no capitalismo mo-
nopolista, destacando a prisão como um capítulo particular
da história mais geral de produção e reprodução da classe
trabalhadora (Melossi, 1978, p. 81).
A produção de força de trabalho excedente não é
fenômeno novo no capitalismo: o desenvolvimento da
tecnologia, com aumento da produtividade e redução dos
custos de produção, altera a composição orgânica do capital,
como relação entre capital constante (meios de produção ou
elementos objetivos) e capital variável (força de trabalho
ou elemento subjetivo) do processo de produção (Marx,
1971, p. 234-35), eleva os níveis de valorização do capital
e produz excedentes de força de trabalho, em ciclos suces-
sivos reiterados (desenvolvimento de tecnologia, força de
trabalho excedente, acumulação do capital, reinversão do
capital acumulado em novas áreas, emprego de mão-de-
obra, novo desenvolvimento de tecnologia, nova força de
trabalho excedente etc.).
Na teoria de Rusche e Kirchheimer, a permanente
produção de força de trabalhb excedente não é compatível
com a persistência da prisão no capitalismo monopolista,
porque a força de trabalho não precisa ser obrigada a tra-
balhar, nem preservada de destruição e, conseqüentemen-
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A Ctimin%gia Radiwl A Criminolox,ia Ri/dical e a Política do Cont role S ocial
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te, a prisão, como principal modalidade punitiva, parece
"irracional" .
Fundado na teoria de correspondência da punição
com as relações produtivas do sistema sócio-econômico,
Ivan Jankovic (1977, p. 17-31) estuda a prisão, simultanea-
mente, como variável dependente e como variável independente
em relação ao mercado de trabalho, desenvolvendo duas
hipóteses implícitas na teoria original: a) existe relação inversa
entre condições do mercado e prisão: se as condições do
mercado deterioram, a prisão aumenta; se as condições do
mercado melhoram, a prisão diminui; b) existe relação de
convergência entre forma de punição e situação do mercado:
se a força de trabalho é insuficiente, a economia e a punição
a preservam; se a força de trabalho é abundante, a economia
e a punição a destroem Gankovic, 1977, p.19).
A primeira hipótese supõe co-variação direta entre
desemprego e pr isã o: o desemprego é a variável independente (ín-
dice de situação na economia), determinando a freqüência
de encarceramentos e, portanto, a população da prisão,
enquanto a prisão é a variável dependente (índice de rigor pu-
nitivo). A expectativa é de que situações de crise econômica
produzem maior desemprego, donde maior criminal idade e, por
conseqüência, maior freqüência (e rigor) da prisão; mas o projeto
refina a hipótese, controlando a variável intermediária (maior criminalidade) para testar a relação direta desemprego/prisão,
quebrando a relaçã.o abstrata crimel punição: supõe que a
prisão pode aumentar (com redução de crimes) ou diminuir
(com aumento de crimes), dependendo, exclusivamente, da
situação do mercado a ankovic, 1977, p. 20-21).
70
f\ segunda hipótese supõe co-variação inversa entre
pri sâo . (variável independente) e desemprego (variável de-
pendente), para testar a utilidade da prisão no controle do
mercado de trabalho - hipótese utilitária, já enunciada, iro-
nicamente, por Marx (1980, p. 383). O objetivo da hipótese
é estabelecer o efeito da política penal sobre a economia,independente da motivação pessoal dos juízes Gankovic,
1977, p. 21).
A amostra da pesquisa foi delimitada por índices
estatísticos nacionais (de 1926 a 1974) e locais (Sunshine,
de 1969 a 1976), nas dimensões de nível de desemprego e de
nível deprisões, nos EUA. Os resultados da pesquisa confir-
maram a primeira hipótese: o crescimento do desemprego
determinou crescimento do volume depresos (e da freqüência das
prisões), independente do volume de cnmes - com a refutação
complementar da tese da redução das penas de prisão no
capitalismo monopolista. A segunda hipótese, sobre a uti-
lidade da prisão no controle do mercado de trabalho, não
foi confirmada, nem excluída Gankovic, 1977, p. 21-22).
2. A Ideologia do Controle Social.
A transformação da prisão de instituição marginal ao
sistema penal- ad continendos hom ines) non ad puniendos, ligada
a ilegalidades e abusos políticos, insuscetível de controle enociva à sociedade (custos elevados e ociosidade programa-
da)- em forma principal de castigo na sociedade capitalista,
estabelecendo o tempo como modulação do crime, em lugar
do cadafalso do sistema medieval e do teatro punitivo do
projeto da reforma penal, começa nos modelos clássicos
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A Cri min olo gia Ro dic al e a Po lític a d o Co ntr ole So cia l---_ .. _-_._._._-~-.."-._---_._.- .. _- -_ . . . _-_ .. _--_._-_. _ _ ..... - - - _ . . . _ - --------------
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ma penal humanista de lvlontesquieu, Rousseau, Beccaria
etc. reproduz, em teoria do controle social, a ideologia da
nova classe hegemônica: exige respeito à humanidade do
criminoso, castigo sem suplício e coloca o homem como
"medida do poder", ou seja, como limite ao despotismo.
As transformações sócio-econômicas do capitalismorepercutem nas práticas ilegais: reduzem a criminalidade de
sangue, representada pelo "ataque aos corpos", e aumentam
a crinllnalidade patrimonial, constituída pela "ilegalidade
dos bens". A conseqüência é o desequiHbrio na economia
do poder punitivo, agravado pela multiplicidade de justiças
(dos senhores, do rei e do clero) e pelo poder excessivo: o
poder da acusação, com todos os recursos contra a impo-
tência dos acusados; o poder dos juízes, livres para escolher
a pena; e o poder do rei, capaz de substituir juízes e decisões.
A reforma humanista do Iluminismo objetiva mais eficá-
cia, maior regularidade e menores custos da política penal,
adequada às mudanças "de uma sociedade de apropriação
jurídico-política para uma sociedade de apropriação dos
meios e produtos do trabalho" (Foucault, 1977, p. 80).
Com o desenvolvimento dos portos, armazéns, oficinas
de trabalho e de mercadorias a criminalidade patrimonial
torna-se intolerável para a burguesia: a eficácia do controle
requer codificação das infrações e certeza da punição.
N a formação do capitalismo, a criminalidade é re-
estruturada a nível de prática criminal, de definição legal e
de repressão penal, pela posição de classe do autor: a) as massas
po pul are s, especialmente lumpens, circunscritas à criminali-
dade patrimonial, são submetidas a tribunais ordinários e
74
castigos rigorosos; b) a burguesia, circulando nos espaços da
lei, permeados de silêncios, omissões e tolerâncias, move-se
no mundo protegido da "ilegalidade dos direitos", com-
posto de fraudes, evasões fiscais, comércio irregular etc.
- na gênese histórica da futura criminalidade de "colarinho
branco" -, com os privilégios de tribunais especiais, mul-
tas e transações que transformam essa criminalidade em
investimento lucrativo. Segundo Foucault, o sistema penal
é erigido para "gerir diferencialmente" a criminalidade
conforme a origem social do autor, mas sem suprimi-la.
A nova "tecnologia do poder" da sociedade capitalista
desloca o direito de punir, da vingança do soberano para a
"defesa social" - obviamente entendida como defesa das
condições materiais e ideológicas da sociedade capitalista
-, com base na teoria do contrato social, segundo a qual a
condição de membro do corpo social implica aceitação das
normas sociais, e a violação dessas normas, a aceitação da
punição (Foucault, 1977, p. 69-76).
Na concepção de Foucault, a reorganização da "eco-
nomia do castigo" e a generalização da função punitiva
assentam em duas variáveis: o crime como fato a estabelecer
e o criminoso como indivíduo a conhecer, conforme critérios
científicos. A "tecnologia" do poder de punir compreende
algumas regras gerais: a) a regra da quantidade mínima) funda-
da no princípio hedonista: se o crime, representado como
vantagem, explica o comportamento criminoso, então a
pena, representada como desvantagem maior, produz a
renúncia ao crime; b) a regra da idealidade suficiente, baseada
na identificação do sifrimento com a sua representação: a pen a
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A Criminologia Radiml
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é igual à idéia da pena, como temor de uma desvantagem
maior representada; c) a regra da certeza peifeita, em que a
preponderância da idéia da pena em relação à idéia do cnme
depende da eficácia do sistema punitivo, subordinada à de-
finição dos crimes e das penas (codificação), à publicidade
das leis (conhecimento das proibições) e dos processos
criminais (conhecimento das razões da punição); d) a regra
da verdade comum do modelo acusatório, demonstrada pelo
método científico: a verdade do crime é "verdade completa"
- e a presunção de inocência é a sua resultante; e) a regra
da especificidade ideal, pela qual a individualização das penas,
como modulação crime-punição, regula-se pela personalidade
do agente e por partitularid'ades do fato (Foucault, 1977,
p.76-93).
No estudo de Foucault, a dinâmica da "representa-
ção" funciona como mecanismo de poder: a pena, como
"sinal transparente do crime", reduz a atração do crime; a
modulação temporal da pena (o tempo como "operador"
da pena), ajusta o castigo ao crime; enfim, a circulaçãp social
da pena influi sobre todos os "culpados potenciais". Em
síntes'.:',a publicidade da pena promove a aprendizagem
social,agindo como elemento de instrução capaz de inverter
a narrativa popular do criminoso herói para o criminoso inimigo
sociaL A pesquisa de Foucault mostra como o projeto de
reforma idealiza a "cidade punitiva", um conjunto de teatrosde castigo nos jardins e praças, oficinas e encruzilhadas, com
placas, cartazes e textos: a eloqüência "visível" da pena re-
produz a lição do castigo na fala do povo, promovendo a
"recodificação individual" dos criminosos potenciais, além
de sua "requalificação pessoal" como sujeitos de direito
(Foucault, 1977, p. 94-102).
Entretanto, prevalece o aparelho carcerán'o, com suas
técnicas de coerçãoe seu poder exclusivo degestão da pena - e
não o projeto da "cidade punitiva", com seus teatros de
castigo: não é a requalificação do indivíduo como "sujeitode direitos", mas a reconstituição do "sujeito obediente"
(àsordens, às regras, à autoridade) da instituição carcerária,
que se institucionaliza na moderna sociedade capitalista.
A transição da for ça do sob era no, com a cerimônia do cas-
tigo e o inimigo vencido, não é para o corpo social, com a
representação e o sujeito requalificado, mas para o aparelho
administrativo, com a disciplina do corpo e a submissão total
do sistema carcerário (Foucault, 1977, p. 112-16).
Na verdade, é a necessidade de disciplina da força detrabalho, sua formação e adequação aos processos produ-
tivos, promovida pela especificidade do pa nót ico , como dis-
positivo de disciplina e princípio da nova política do poder,
que explica a evolução da prisão, de aparelho marginal ao
sistema penal para a posição de instituição central do controle
social na sociedade capitalista. Os fundamentos materialis-
tas da contribuição de Foucault, que apresenta a disciplina
como ideologia do controle social, são desenvolvidos por
Melossi (1979, p. 90-99), Melossi&Pavarini (1977, p. 67-
76), Lea (1979, p. 76-89) e outros teóricos radicais, com base
nas necessidàdes de organizaçqo dos processos produtivos e
de controle e reprodução da força de trabalho.
Na teoria de Foucault, o pan óti co é a base física do
poder disciplinar, como sistema arquitetural constituído
76
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A Cril 7lin olo. gia Rad ical A Cril J/in olo. gia &td ical e ( / P olít ica do Con trol e Soc ial
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de torre central (para controle visual) e anel periférico
(em condições de visibilidade e separação), que atua como
dispositivo do poder disciplinar, caracterizado pelo "funcio-
namento automático do pOder": a consciência de vigilância
gera a desnecessidade objetiva da vigilância, com efeitos
sobre o comportamento do preso, o trabalho do operário
- assim como sobre os movimentos de contra-poder (agi-
tações, revoltas etc.), a economia, a instrução, a ordenação
das multiplicidades humanas, a redução da força política e
o aumento da força útil da população controlada. Produto
da disciplina exigida pelas relações de produção econômica
e de reprodução política da sociedade, o panótico produz
efeitos negativos de exclusão e de repressão, mas especial-
mente efeitos positivos de fiscalização e de controle, com
o objetivo de formar corpos "dóceis e úteis", através da
vigilância, da sanção e do exame (Foucault, 1977, p. 173-99).
A vigilância opera por dispositivos que obrigam pelo
olhar, com a completa visibilidade dos submetidos: nas
fábricas ou prisões, controla o processo de trabalho e o
comportamento dos homens, verifica o conhecimento, o
esforço etc., através de fiscais, fiscalizados por outros fiscais.
A sanção pressupõe uma ordem artificial (leis, programas
e regulamentos) com uma "micropenalidade" fundada no
tempo (atrasos, ausências etc.), na atividade (desatenção),
na maneira de ser (desobediência ou grosseria) e na sensua-
lidade (indecência), visando reduzir os desvios mediante um
sistema duplo: de punição (degradação) e de recompensa
(promoção). O exame conjuga técnicas de vigilância com
técnicas de sanção ~m um ritual de controle ou tecnolo-
78
gia de dominação, em que relações de poder constituem
um tipo de saber adequado à sua existência e reprodução
(Foucault, 1977, p. 153-71).
.A política desses procedimentos disciplinares se apóia
em táticas que dissociam a utilidade do corpo do poder pessoal
que o dirige: a alienação da vontade individual é condiçãode produção do indivíduo "dócil e útil", como poder toma-
do para o poder e, assim, "normalizado". As táticas dessa
política de dominação compreendem a distribuição e controle
da atividade, a organização das gêneses e a composição das forças.
A arte das distribuições consiste no quadriculamento, com
cada indivíduo em seu lugar e em cada lugar um indivíduo,
e na localizaçãofuncional, mediante articulação das funções em
aparelhos coordenados, formando quadros vivos. Ocontrole
da atividade visa à construção de um "novo corpo", agora
portador de "forças dirigidas", mediante a programação
temporal da atividade em ritmos estabelecidos (horário):
o objetivo é produzir a máxima adequação na correlação
gesto/ corpo e a maior eficácia nas articulações corpo-ob-
jeto-máquina. A organização das gêneses refere-se ao controle
útil do tempo, dividindo a atividade em seqüências de com-
plexidade crescente, finalizadas com provas. A composição
dasforças é a articulação dos corpos em aparelhos eficientes,
obedientes a um sistema de comando, com ordens claras e breves (Foucault, 1977, p. 125-52).
Essa é a "tática da disciplina", segundo Foucault, a
técnica de construir aparelhos de eficácia ampliada, com
corpos localizados, atividades codificadas e aptidões for-
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~ACriminologia £V/dical e a Politica do Controle Soáal------------------------------------ ..~,-_."-_. -..
A Crimil1olo.gia £V/dical--_._--_ .. _._----_._----_._----_.,._--------------
d i d b di d d
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pelo livramento condicional, regimes prisionais, privilégios
pessoais, a redução da pena nos sistemas de penas inde-
terminadas etc., pressupõe a autonomia carcerária, sob
controle (relativo) do juiz das execuções: os "direitos da
prisão" representam um desdobramento do julgamento,
com o poder judiciário produzindo a retirada jurídica da
liberdade e o "poder penitenciário", indivíduos dóceis e
úteis (Foucault, 1977, p. 207-23).
A críticacientífica à ineficácia dos princípios da ideolo-
giapunitiva (correção, trabalho, educação penitenciária, mo-
dulação da pena, controle técnico da correção etc.) costuma
indicar que a prisão não reduz a crirnlnalidade, provoca a
reincidência, fabrica delinqüentes e favorece a organização
de criminosos. De fato, a história do projeto "técnico-cor-retivo" do sistema carcerário é a história simultânea de seu
fracasso: o "poder penitenciário" se caracteriza por uma
"eficácia invertida", através da produção da reincidência
criminàl, e pelo "isomorfismo reformista", com a repro-
posição do mesmo projeto fracassado em cada constatação
histórica de seu fracasso (Foucault, 1977, p. 228-39).
Dois séculos de fracasso do aparelho penal, indicado
pela manutenção da delinqüência, a indução da reincidência
e a transformação do infrator ocasional em delinqüente
habitual, coexistem com dois séculos de manutenção do
mesmo projeto fracassado. Neste ponto, a teoria de Fou-
cault reencontra as grandes linhas da Criminologia Radical,
porque a explicação desse fenômeno está na distinção entre
3. Os Objetivos do Aparelho Penal
madas, agindo como a engrenagem subordinada de uma
máquina: a coerção permanente e o treinamento progressi-
vo produzem a doei/idade e a tttilidade das forças individuais.
A disciplina das forças, pela coerção individual e coletiva
dos corpos, é o reverso técnico do pacto social: constitui o
poder disciplinar como "contra-direito", oposto à teoria do
contrato, que explica as relações de dominio/subordinação
da sociedade capitalista (Foucault, 1977, p. 194-99).
A função explícita da prisão é o exercício do poder de
punir, quantificando o valor de troca do tempo individual, a
"forma salário" da privação de liberdade: o tempo, equiva-
lente geral de troca do crime, é "mercadoria" de proprieda-de geral (bem jurídico comum) e, portanto, critério "ideal"
de quantificação da peria. A prisão realiza, como aparelho
jurídico, a "contabilidade econômico-moral" do condenado,
deduzindo a dívida do crime na moeda do tempo, e como
aparelho disciplinar, reproduz os mecanismos do corpo
social para a transformação coativa do condenado.
O método geral de coação física da prisão é comple-
tado pelas técnicas do isolamento, do trabalho e da modula-
ção da pena: o isolamento rompe as relações horizontais docondenado, substituídas por relações verticais de controle
e submissão total; o trabalho é mecanismo de disciplina
para a produção de indivíduos adequados às condições
estruturais da sociedade capitalista; e a modulação da pena
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A Criminologia Radical A Criminologia Radical e (J Politica do Controle 50áal
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oo/etivos ideológicos (aparentes) e o~jetivos reais (ocultos) da pri-
são.Os objetivos ideológicos do aparelho penal se resumem
nas metas de repressão da crim./nalidadee de controlei redução do
crime. Os objetivos reais do aparelho penal consistem numa
dupla reprodução: reprodução da aiminalidade pelo recorte de
formas de criminalidade das classese grupos sociaisinferio-rizados (com exclusão da criminalidade das classese grupos
sociais dominantes) e reprodução das relações sociais, porque a
repressão daquela criminalidade funciona como "tática de
submissão ao poder" empregada pelas classes dominantes.
Assim, a explicação da justiça penal não reside nos obje-
tivos aparentes, de repressão da criminalidade e controle
do crime, mas nos objetivos ocultos do sistema carcerário,
de reprodução da criminalidade e reprodução das relações
sociais, através do controle diferencial do crime.
Na construção de Foucault, as práticas punitivas se
inserem em um contexto político: a lei funciona como
"instrumento de classe", produzida por uma classe para
ser aplicada contra outra, e o sistema de justiça criminal
atua como mecanismo de dominação de classe, pela gestão
diferencial da criminalidade. As práticas criminais e a admi-
nistração diferencial da criminalidade se articulam em um
quadro histórico de lutas sociais estruturadas no regime
de propriedade privada e de exploração legal do trabalho,
desde a multiplicação das máquinas e o desenvolvimento da
tecnologia, a redução dos salários e a aceleração do ritmo
de trabalho, até os movimentos pela limitação da jornada
de trabalho, melhoria das condições de trabalho, aumentos
82
salariais,direitos de organização, protestos contra a repres-
são policial etc. - ampliados com a expansão da produção
e a concentração do controle privado da economia, multi-
plicando as oportunidades e as modalidades de crimes.
A "gestão diferencial" da criminalidade decorre de
uma "dissociação política" da criminalidade: o recorte
jurídico das ilegalidades proibidas (tipicidade) produz a
delinqüência convencional- e o delinqüente comum, como
sujeito "patologizado" -, abrindo espaço para as ilegalida-
des permitidas do poder econômico e político, excluídas
da estratégia de controle social. Essa perspectiva inverte a
avaliação do resultado histórico da prisão: o aparente fra-
casso do projeto "técnico-co~retivo" da prisão é a própria
história de um êxito político real, como aparelho de poder
que garante e reproduz as relações sociais (Foucault, 1975, p.241-44).
A prisão constitui a delinqüência como "ilegalidade
fechada, separada e útil", reprodl.lzidaern um "circuito de
delinqüência" em que a reincidência aparece como efeito
da gerência das ilegalidades: a prisão produz e reproduz os
fenômenos que, segundo o discurso ideológico, objetiva
controlar ou reduzir. A constituição e reciclagem de uma
massa criminalizada apresenta várias utilidades: controla a
população não-criminalizada - a forçade trabalho integrada
nos processos produtivos; funciona como camuflagem da
ilegalidade dos grupos dominantes; concentra a ilegali-
dade das classes dominadas em áreas sem conseqüências
econômicas, como o lumpenproletariadoe desempregados
crônicos; possibilita controle social mais geral, pela infil-
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A Criminologia &,dical------------------------ -------------
t ã i ã d d l ã tit i ã
A Criminologia &idical e ti Política do COl/lroll'Soá(/I
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tração em grupos, a organização da delação, a constituição
de uma massa-de-manobra do poder, a policia clandestina
etc.; finalmente, atua como centro controlador, porque a
delinqüência é, ao mesmo tempo, '!feito do sistema e instru-
mento de controle social.-a policia fornece infratores, a prisão
reproduz a delinqüência e a massa criminalizada (objeto
de controle) atua como instrumento auxiliar de controlesocial (Foucault, 1975, p. 244-77).
O objetivo real mais geral do sistema de justiça
criminal - além da aparência ideológica e da consciência
honesta de seus agentes - é a moralização da classe traba-
lhadora, através da inculcação de uma "legalidade de base":
o aprendizado das regras da propriedade, a disciplina no
trabalho produtivo, a estabilidade no emprego, na família
etc. A utilidade complementar da constituição de uma
"criminalidade de repressão", localizada nas camadas opri~midas da sociedade e objeto de reprodução ins~tucional,
é camuflar a criminalidade dos opressores, de abuso do
poder politico e econômico, com a tolerância das leis, a
indulgência dos tribunaise a discriçãoda imprensa (Foucault,1975, p. 251-53).
A "rede de instituições carcerárias" da sociedade
moderna forma, na representação de Foucault, um 'arqui-
pélago carcerário", com seus profissionais do controle _ os
"ortopedistas do indivíduo" -, que recruta o delinqüente
dos setores marginalizados da sociedade e o incorpora nos
processos de criminogênese institucional: a fabricação do
criminoso ocorre dentro da lei,em instituições de menores,
cadeias,prisões e colônias penitenciárias, por inserções mais
rigorosas, vigilânciasmais insistentes e acúmulo de coerções
84
disciplinares da "sociedade panótica" - e não nas margens
extel;ores da sociedade, que marca o criminoso como "[ora-
da-lei". Nas "cidades carcerárias" do capitalismo moderno,
a prisão é o dispositivo central da estratégia do poder social,
enquanto a rede de controles do arquipélago carcerário
é a forma politica do poder, cujas relações de saber sãoconstituídas para dominar (ou "docificar") e explorar (ou
"utilizar") a força de trabalho (o "corpo") nos processos
produtivos do capitalismo (Foucault, 1975, p. 257-65).
Finalmente, o idealismo de Foucault aparece na ques-
tão das alternativas de restrição, modificação ou abolição
da prisão - e por extensão, do controle social centrado
na prisão: indiferente à natureza punitiva ou corretiva da
prisão, ou ao exercício do controle por juízes, psiquiatras
ou administradores, limita-se a constatar a necessidade de"constituir algo diferente", sem indicar uma estratégia ou
táticas de luta viáveis, apesar de reconhecer que a politica
do poder é decidida no "ronco surdo da batalha" (Foucault,
1975, p. 268-69).
A Criminologia Radical deve incorporar as signi-
ficativas contribuições de Foucault sobre a ideologia do
controle social e completar seu quadro científico com as
teorias materialistas sobre a forma legal do controle social
nas sociedades capitalistas, concluindo com um programade politica criminal alternativa.
"
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v . A CRIMINOLOGIA RADICAL
EAFORMA LEGAL DO
CONTROLE SOCIAL
A distinção entre objetivos ideológicos e objetivos reais
do sistema punitivo é aquisição da teoria radical anterior
sobre Direito e crime: em 1924, Pasukanis define a ideologia
penal da "proteção da sociedade" como "alegoria jurídica"
que, na verdade, significa proteção das condições funda-
mentais da "sociedade de produtores de mercadorias". A
"alegoria jurídica" da proteção geral corresponde aos oijeti-
vos ideológicos do aparelho punitivo, que escondem os objetivos
reais de proteção de privilégios fundados na propriedade
privada dos meios de produção, de luta contra as classes
exploradas e oprimidas - os assalariados, na sociedade ca-
pitalista -, de garantia do dorrúnio de classe pela repressão
política legitimada sob a aparência de "correção pessoal"
(pasukanis, 1972, p. 185 e ss.).
A definição da pena como "forma salário" da priva-
ção de liberdade, baseada no "valor de troca" do tempo,
formulada por Foucault - e, antes dele, por Rusche e Kir-
chheimer -, aparece ainda mais claramente em Pasukanis,
ao indicar a "medida de tempo" como critério comum para
determinar o valor do trabalho na economia e a pr iva çã o de
liberdade no Direito (1972, p. 202). A forma de equivalente
87
•
A CrillJil7%oic, rZ£ldica/ • . .'-) ---------------------- -----~----------- ---
penal ou seja da pena como retribuição proporcional do
A CrillJil7o/(~gia &,diccrl f a Forma Lt;ga/ do CrJl7!ro/c Soti , , /
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penal, ou seja, da pena como retribuição proporcional do
crime, está ligada ao critério geral de medida do valor da
mercadoria, determinado pela quantidade de trabalho social
necessário para sua produção: o "tempo médio" de dispên-
dio de energia produtiva (Marx, 1971, p. 79 e ss.). Esse cri-
tério geral de medida, adequado objetivamente às relações
privadas entre proprietários de mercadorias na sociedadecapitalista, é aplicado em outras áreas das relações sociais,
medidas como troca de mercadorias: no direito criminal,
lesões de valores individuais ou sociais são medidas como
violações da propriedade (Fine, 1979, p. 45).
N o trabalho de Pasukanis, essas questões são es-
tudadas no contexto da transição histórica do "sujeito
zoológico" - luta pela existência protegida pela respon-
sabilidade coletiva do ge n ou da família, que responde por
atos dos membros, com a ofensa determinando a vingançade sangue, que produz a vingança da vingança de sangue
etc. - para o "sujeito jurídico" da reparação equivalente:
a troca "igual" exclui a vingança de sangue, primeiro pelo
talião, mais tarde pela composição (reparação em dinheiro)
e, finalmente, pela pena proporcional ou equivalente ao
crime, medida pelo tempo) o critério geral de medida do valor.
A origem da transição é identificada na form a mer can tzi de
mediação das relações sociais: o fato do crime se configura
como modalidade de circulação social e a instituição jurídica
da pen a como ((equivalentegera!" de troca do crime - assim
como o dinheiro, equivalente geral de troca de mercado-
rias -, proporcionável em tempo com a mesma justeza da
divisibilidade da moeda (pasukanis, 1972, p. 107-39 e 183
e ss).
88
Mas as contribuições mais significativas de Pasukanis
sobre a ideologia do controle social estão na área da teoria
geral do Direito: define categorias e linhas de pesquisa que
absorvem, atualmente, o mais criativo esforço de teóricos
radicais para construir uma teoria materialista do Direito. Nes-
te ponto é útil lembrar que Marx, cuja teoria é fundamental para compreender a natureza de formas superestruturais
como o Direito e o Estado, não tomou as formas jurídicas
e políticas como objeto específico de estudo, que aparecem
dispersas no conjunto da obra, sem constituir uma teoria
do Direito ou do Estado. Razões históricas e metodológicas
contribuíram para isso: os problemas políticos do tempo
de Marx eram abordados em forma filosófica, as institui-
ções jurídicas e políticas do Estado explicavam-se "por si
mesmas", ou pelo "desenvolvimento da idéia" (Marx, 1973,
p. 28) e, por isso, a crítica à economia política, desenvol-
vida em O Capital e outros trabalhos, colocava-se como
pressuposto do estudo posterior das formas jurídicas e
políticas do Estado. Por exemplo, o conceito de mais-valia,
descoberto na crítica à economia política, caracteriza o
capitalismo como modo deprodução de classes e fundamenta o
desenvolvimento de uma ciência social sobre a divisão da
sociedade em classes antagônicas, estruturadas na unida-
de contraditória do modo de produção: a base matm.al (ou
infra-estrutura), constituída pelo conjunto das relações de
produção, e a superestruttlra (cu sútema ideol~gico), constituída
especialmente pelas formas jurídicas e políticas do Estado,
são fundamentos gnosiológicos que permitem definir os
conceitos de pod er polí tico , de dominação social, de exploração
89
/1. Crilllinologia &dical _ . _ _ . _ _ .~.. _._-----_._._------_._---_._-------------------_ .... _.-
d d l i ó i
A Crilllinolo.gialZLidicale " Forma L~f!,aldo Conlrole Soâül
classificadas emjó77JJalistas e sociológicas(Fine 1979 p 34 37)
•
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econômica, de opressão de classe e outros, em perspectivas teórica
e prática radicalmente novas (Bourjol et alii) 1978,p. 13-17;
Lyra Filho, 1980 a, p. 13 e ss.).\
A crítica marxista do Direito, em que estão empenha-
dos teóricos radicais para elaborar uma teoria materialista da
forma jurídicade disciplina das relações sociais, é necessária para explicar, entre outras coisas:
a) por que, em certas condições históricas, a disciplina
das relações sociais reveste for ma jur ídic a? - uma questão
básica da moderna teoria geral do Direito;
b) por que o sistema de controle social, cuja instituição
central é a pri são - e agentes principais são a pol ícia e a jus tiça
criminal-, esconde os oqjetivos reais de repressão política das
classes dominadas, sob a aparência ideológica de proteção
geral, correção pessoal, prevenção e repressão de crimes?
Na verdade, a "gestão diferencial" da criminalidade, que
promove o recorte jurídico e a repressão concreta de uma
"ilegalidade fechada, separada e útil", inculca uma "legali-
dade de base" nas classes trabalhadoras e, assim, assegura
as condições materiais e político-jurídicas da sociedade
capitalista, permitindo ou tolerando a criminalidade eco-
nômica e política das classes dominantes.
Esse é o terreno de edificação da Criminologia Ra-
dical: o presente trabalho se dirige para essas questões,
com O propósito de indicar as bases e as linhas gerais da
Criminologia Radical, sem pretender resolver ou esgotar a
problemática implicada no tema.
Assim, em um esquema sumário sobre a relação
for ma l con teú do do Direito, as teorias jurídicas podem ser
90
classificadas emjó77JJalistas e sociológicas(Fine, 1979,p. 34-37).
As teorias for ma list as privilegiam a forma legal da norma
jurídica: definem o Direito como expressão/condição de
qualquer ordem social e, portanto, a for ma jur ídi ca como
categoria supra-histórica, independente do conteúdo dessa
forma jurídica (dogmatismo). O mais autorizado repre-
sentante dessa posição é Durkbeim (1964), que concebelei e pun içã o como expressões da "consciência coletiva" da
sociedade - ou pré-requisitos funcionais da ordem social:
o Dirç:ito é idealizado como "poder público" da sociedade
e o crime representa violação da consciênciacoletiva, associada
ao egoísmo e à anomia, como ausência de controle social
normativo. Ao contrário, as teorias sociológicasdirigemo foco
para o conteúdo do Direito: um conceito não-contraditório
de lei permite definir o Direito como "instrumento" da
classe dominante, racionalmente ajustado à produção e
reprodução das relações sociais, em qualquer tipo de so-
ciedade e, assim, ignorar os problemas da forma legal, em
um dogmatismo invertido. As teorias sociológicas sobre o
conteúdo da lei negligenciam a origem social da forma legal,
os limites formais ao desenvolvimento do conteúdo e a lei
como forma concreta e historicamente específica de poder
político: na base dessas teorias encontra-se a mesma atitude
conservadora, que idealizaa lei como forma supra-histórica
e "fetichizada" do Direito, simultaneamente instrumento de
dominação e conteúdo do poder, independente do tipo dedominação e da for ma do poder.
Por outro lado, do ponto de vista da relação entre
for ma jur ídi ca e estrutura social é possível distinguir as teorias
da autonomia (absoluta e relativa) e da dependência da forma
91
•
•
A C,il JJin o!oz ia &,di cal e {/ F orm a 42,a l do CO I7/r ole Soc ial--._----. . . _-------------~---_ .. _-----_._ .. _-----~.. _-----------------~.--.-
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A C,il Jlin oloJ zja &,di CC lI
legal (picciotto, 1979, 166-70). As teorias da autonomia abso-classe sobre outra: as classes economicamente dominantes
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luta da forma jurídica se fundamentam na separação entre a
ordem jurídico-política da igualdade e da liberdade, por um
lado, e a estrutura econômica da sociedade, por outro, como
ocorre com a Sociologia do Direito, que separa relações
sociais (ordem jurídico-política) e relações de produção
(relação homens/ natureza, através da tecnologia), como fazR. M. Unger (1976), por exemplo. As teorias da autonomia
relativa da forma jurídica concebem as relações de produção
como simples relações técnicas, determinantes somente "em
última instância" da forma jurídica: as relarões de distribuição
constituem e reproduzem a sociedade civil (esfera entre o
"econômico" e o "Estado") e as relações legais, abstração
externa às relações de produção - segundo a teoria regional
do Estado do marxismo estruturalista de Poulantzas (1978).
Enfim, a teoria da dependência da forma legal define a lei
como "instrumento de classe" (ligada, em geral, à origem
social do legislador, do juiz etc.) ou como "mera máscara"
do poder de classe: ignora as contradições da forma legal
como fenômeno social capaz de portar conteúdos con-
trátios aos interesses das classes dominantes - e, assim,
exclui táticas políticas centradas na questão legal, além
de confundir formas distintas do poder burguês, como a
democracia liberal e o fascismo.
N a teoria de Marx e Engels, a perspectiva da revo-
lução soci~listadefine a questão do poder político e legal comouma questão de mudança da for ma e do conteúdo do poder
social.O Estado, produto do antagonismo irreconciliável de
classes,representa uma força especial de repressão, ou a or-
ganização sistemática da violência, para a opressão de uma
classe sobre outra: as classes economicamente dominantes
utilizam o poder concentrado dos aparelhos coercitivos do
Estado (polícia, prisão e forças armadas) para garantir a
dominação política e a exploração econômica das classes
dominadas e, portanto, para controlar os antagonismos de
classe nos limites da ordem social burguesa (Lênin, 1975,
p.300-5).
O projeto político geral que informa a teoria marxista
afirma a impossibilidade de sobrevivência da for ma do po-
der burguês, expressa no sistema legal e nos aparelhos do
Estado, no período histórico de construção do socialismo,
caracterizado por um conteúdo expressivo do poder prole-
tário - como a experiência da Comuna de Paris indicara
e a história posterior parece confirmar. Por essa razão, a
revolução socialista coloca como objetivos imediatos des-
truir os aparelhos de poder burocrático-militare parlamentar doEstado burguês (Marx, "Carta a Kugelman" de 12.04.1871)
e socializar os meios de produção, centralizados no Estado
do proletariado organizado, em seu primeiro ato como
representante de toda a sociedade e último ato como po-
der independente dela (Marx, 1977; Engels, 1974; Lênin,
1975). Os oijetivos mediatos da segunda fase da revolução
socialista seriam a superação do Estado político e da de-
mocracia formal da burguesia, pelo desenvolvimento da
sociedade comunista, caracterizada pela plena expansão
das forças produtivas, o desaparecimento da divisão social
do trabalho (convertido em primeira necessidade vital - e
não um simples meio de vida) e a criação de um direito
novo, regido pelo princípio jurídico "de cada um segundo
sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades",
92
93
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.',
.',
romperia os estreitos limites da.igualdade jurídica burguesa
(Marx, 1975, p. 277-43; Lênin, 1975, p. 372). A superação
da JO rma do poder burguês ocorreria em um processo de
transição de uma forma de 'poder alienado da sociedade para
uma forma de poder exercido diretamente pelo povo - ou
seja, de um poder baseado em burocratas, forças armadas,
polícia profissional, judiciário independente e debates
parlamentares da democracia liberal para um poder no
qual o povo (armado) é o poder repressivo geral, todos os
funcionários são eleitos, demissíveis a qualquer momento e
com salário igual ao dos trabalhadores da produção material
(Fine, 1979, p. 37-38).
Na análise da relação entre conteúdo eforma do Direi-
to (1975, p. 232 e ss.), Marx demonstra que o conteúdo do
Direito é desigual (como todo direito), porque Direito igual
supõe homens iguais, mas em face de homens desiguai~ somenteum Direito desigual seria Direito iguaL' a forma igual significa,
de fato, direito desigual para trabalho (duração e intensida-
de) e homens (capacidades e necessidades) desiguais, que
somente podem ser iguais com um direito desigual. A for ma
igual do Direito nas sociedades de produção de mercado-
rias é inseparável de seu conteúdo desigual.- regula relações
entre stijeitos desiguais. Essa é a forma de sobrevivência do
Direito na fase de transição socialista, em que a distribuição
se fundamenta (ainda) no princípio de troca da produção de
mercadorias: cada indivíduo recebe o equivalente do que
produz, menos os custos de reprodução.
A explicação da for ma igu al do Direito pela produção
de mercadorias indica que a forma jurídica possui uma base
social objetiva, como medida geral da troca de equivalentes:
94
não é "mera máscara" ou "ilusão ideológica", mas produto e
disciplina das relações sociais, o que significa que a extinção
das formas jurídicas e políticas superestruturais pressupõe
o desaparecimento das relações objetivas da produção
de mercadorias, origem e produto da forma legal. Mas a
forma jurídica de disciplina social do capitalismo - uma
sociedade fundada na troca geral de mercadorias, em que
a JO rça de tra ba lho , como mercadoria fundamental, somen-
te é trocada sob condição de produzir mais-valia, ou seja,
valor superior ao seu preço de mercado - não é idêntica à
forma jurídica de disciplina social do socialismo, em que as
únicàs mercadorias trocadas são trabalho e meios de consumo,
sem acréscimo ou decréscimo de mais-valia (Fine, 1979, p.
39-40 e 44) .
A base social o!?jetiva do Direito é o fundamento his-
tórico das lutas políticas da classe trabalhadora, que o tomacomo objeto de reivindicações específicas sobre duração,
intensidade e remuneração do trabalho, defesa de direitos
adquiridos (reunião, associação, liberdade de imprensa etc.),
garantias legais constitucionais, processuais ou outras. O
método adequado de estudo do fenômeno jurídico deve
compreender a for ma leg al - do mesmo modo que a forma
"mercadoria" - como "relação social objetiva", esclarecen-
do de que modo a norma (forma legal) se realiza na vida
social (conteúdo da lei). Desse ponto de vista, os funda-
mentos objetivos do Direito como disciplina das relaçõessociais são esclarecidos pela análise da origem histórica da
forma jurídica.
Definindo os conceitos fundamentais da teoria do
Direito em categorias como relação jurídica, norma jurí-
95
A Criminologia Radica/ c a Forma L(!!,a/ do Contro/e Socia/ -_._-_._--_ .. _--- ,-~- -_.~ -_ .... _ - _ .... _.~ .. _-,._--------_ .... _-----._---_ .. . _-- '-"--
A Crillli17%,giaRLldira/
dica e sujeito jurídico, os mais abstratos (independência delegal) como "medida de proporção" da troca nas relações
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•
conteúdos concretos) e os mais simples (aplicáveis a todo o
Direito), Pasukanis (1972, p. 25 e ss.) destaca a relaçãojurídica
como a "célula do tecido jurídico" - ao contrário da teoria
jurídica tradicional que rupo.stasia a norma jurídica, definindo
o Direito como "conjunto de normas" válidas. Admitindo
que as normas jurídicas valem pelo significado concreto dedisciplina das relações sociais, conclui que a teoria jurídica
deveria privilegiar a "eficácia prática" do Direito: as rela-
çõesjurídicas ligam stljeitos de direito, existentes como átomos
isolados, realizando normas jurídicas como medidas de troca ou
equação de relações (pasukanis, 1972, p. 75 e ss.). A eficácia do
Direito aparece como "cadeia de relações jurídica's" entre
sujeitos isolados, formando um "encadeamento de preten-
sões recíprocas" representadas em mercadorias, trocadas
na proporção ou medida da norma jurídica, na "unidade
do momento jurídico-econômico" (Bourjol et alii) 1978,p . 13-17).
Se o Direito - assim como o capital - deve ser
compreendido como relação social, a questão consiste em
descobrir por que, nas condições históricas da sociedade
capitalista, as relações sociais assumem forma jurídica,
ocorrendo a circulação (troca) de mercadorias (coisas) entre
proprietários (sujeitos) em determinada medida (norma)
(pasukanis, 1972, p. 59-74). Como as relações sociais, para
serem relaçõesjuridicas, devem ser relações entre proprietá-rios de mercadorias trocadas na medida da norma, o St!J'eito
jur ídi co seria a base explicativa daformajurídica, e o Direito,
como disciplina das relações sociais, seria a medida geral
de circulação social. Considerando a norma jurídica (forma
legal) como medida de proporção da troca nas relações
jurídicas entre sujeitos/proprietários, o conjunto de nor-
mas do Direito é a medida geral de circulação social, que
realiza a comunicação entre sujeitos jurídicos "dissociados":
a unidade dos momentos jurídico e econômico existe
como "comunicação" econômica (troca de mercadorias)
e jurídica (relação contratual) simultânea (pasukanis, 1972, p. 141-62).
O sujeito jurídico - e não a relação jurídica ou a
norma jurídica - é a categoria explicativa da forma jurídica
como disciplina das relações sociais: a explicação da forma _
jurídica vincula-se às condições rustóricas de aparecimento
do sujeito jurídico como "proprietário de mercadorias",
ou seja, as condições de formação da sociedade capitalista.
Nessa formação social, a for ma su! ?je tiva do Direito, con-
sistente na apropriação privada de mercadorias, outroradependente do poder "pessoal" de proteção dos bens; é
garantida pela for ma o!? jet iva do Direito, definida pela ordem
jurídica do Estado, o poder da organização social de classe
que substituiu a violência pessoal do sujeito "zoológico": a
proteção jurídica da apropriação privada de mercadorias é
explicada pela necessidade de circulação social, que trans-
forma o sujeito zoológico em sujeito jurídico e substitui
o indivíduo armado pelos tribunais, na luta (litígio) pela
apropriação (pasukanis, 1972, p. 107-39).
Mas a categoria stg'eitojurídico) base da for ma jur ídic a,
não é compreensível independente daforma mercadoria) que
explica não só o-sujeito jurídico como propn"e!án-o de merca-
dorias, mas a forma jurídica como medida de troca e a relação
jurídica como cadeia de stg'eitos com pretensões materiais, ou
96
97
A CtilJ Jinol o~~ia&/{Ii cal
relação social objetiva 1\ forma mercadoria valor de uso
A Criminologia Iv/{Iiwl e a Forma Lçgal do Controle Soú al
diadas e reproduzidas por relações legais, ou por relações
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relação social objetiva. 1\ forma mercadoria, valor de uso
com "valor de troca" medido pelo tempo (a quantidade detrabalho social necessário para sua produção) realiza, no
mercado social, a comunid.ção entre sujeitos proprietários
iguais (mesma medida de troca) e livres (podem dispor de
suapropriedade): a troca equivalente é o critério de "medida"
provido pela norma jurídica, enquanto a forma sujeito jurí-dico é a categoria intermediária entre a forma mercadoria
e a forma jurídica. Todavia, a base histórica explicativa da
forma jurídica só aparece quando o SI !Jeitojurídico se fundecom a for ma me rca don .a - a categoria elementar da socieda-
de capitalista -, constituindo a for ça de tra bal ho da relação
capital/ trabalho assalariado: consumida por seu valor de troca(salário)nos processos capitalistas de produção de mais-valia,
a for ça de tra ba lho determina o valor de todas as mercadorias
e funciona como medida social geral de valor.
No âmbito da teoria do Direito, a contribuição de Pa-
sukanis foi definir a categoria stijeitojurídico como fundamen-
to da for ma jur ídi ca e relacionar Direito e circulação. A teoriamarxista posterior retoma a categoria sujeito jurídico, mas
desloca a explicação do Direito das relações de circulação
- que são as relações sociais sob forma de relações jurídicas
- para as relações de produção, que constituem o Direito ese reproduzem pelo Direito - e pela circulação (Fine, 1979,
p. 42 e ss.). O Direito, como "medida jurídica" da circulação
social, é o reverso da relação de troca, ou a forma social
da circulação de mercadorias, na unidade dos momentos
econômico e jurídico das relações sociais objetivas: Direitoe circulação constituem fenômenos idênticos, explicáveis
pelos mesmos vínculos com as relações de produção - rne-
98
p p ç g , p ç
de circulação (Bourjol et alii, 1978, p. 21-29).
As relações de circulação social - ou seja, relaçõeslegais -, como mediação da troca de equivalentes, não são
"explicáveis por si mesmas", mas pelas relações de produ-ção, em que o capital produz mercadorias (valores de uso
dotados de valor de troca) e se reproduz de forma ampliada pela apropriação de mais-valia, consumindo a força de tra-
balho, que produz a mais-valia como excedente salarial. Omodo de produção da vida material, unidade contraditóriadeforças produtivas- constituídas de sujeitos e de tecnologia
- ede relaçõesdeprodução entre as classes sociais,é a categoriahistÓ'ricaexplicativa geral que permite compreender comoa forma jurídica das relações de circulação, ao ligar sujeitos
livres e mercadorias iguais, escamoteia as relações de clas-
ses na forma "sujeito" e oculta a exploração de classe e adesigualdade social na forma "livre" e "igual" do contrato
(Bourjol et alii, 1978, p. 21-29).
A acumulação do capital ocorre no processo de pro-dução, estruturado pelas relações de produção, mas sob a
mediação do Direito, como lei do modo deprodução, que coloca
o trabalhador "livre" na esfera de circulação (mercado),onde ocorre a troca de "equivalentes", ou seja, de salário
por força de trabalho, entre sujeitos livrese iguais.O Direito
- ou a circulação - é intermediário necessário da produção
capitalista, no qual nada ocorre, mas pel o qua l tudo ocorre:a ideologia jurídica da pro teç ão ge ral de sujeitos livres e iguais,
vigente na esfera do Direito-circulação-mercado, oculta a
desigualdade das relações coletivas de produção (relações declasses), a coação das relações econômicas sobre o trabalha-
99
- - -
A Cn"J illol ogia Rodi cal--~------ -----------._------ --- - -- - -------~--~
dor e a explorarão do trabalho pela apropriação de mais-valia,
t b U10 ã d E l ã t " i
A Crillli17olo,~iaRodical e {f Forma Lr;!j,a/do Controle Social
de emprego é o contra/o de trabalho (relações de circulação),
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como trabaU10não-remunerado. Essa relação entre apare"ncia
(liberdade e igualdade da esfera do Direito-circulação) e
realidade (coação e exploração das relações de produção)
explica as funções de mistificação (ou de representação
ilusória) e de reprodução das relações sociais realizada pela
ideologia: a aparência de igualdade e de liberdade do Direi-
to-circulação reproduz a realidade da coação e exploração
das relações de produção, que produzem aquela aparência
(Bourjol et ali~ 1978, p. 28).
O Direito, em forma legal e centralizada, realiza o
processo ideológico de reprodução das relações de produ-
ção e de m istificação das relações sociais, porque redefine as
relações políticas, legitima o poder de classe e promove a
união abstrata de contradições sociais concretas (Bourjol
et ali~ p. 17-21). Assim, a mediação do Direito-circulação
no processo total do capital existe como "ação de recobri-
mento", impondo as relações de produção e disciplinando a
sua reprodução: o Direito, como lei do modo de produção,
reproduz as condições de produção pela imposição das
relações de produção e do tipo de dominação política - a
democracia liberal- necessária à reprodução dessas relações
(Bourjol et aliz~ 1978, p. 30-32).
Observando o método de Marx, que liga a análise
da forma mercadoria e da fórmula geral do capital (D-
M-D) aos seus conteúdos, ou seja, à força de trabalho e à produção / reprodução do capital, Picciotto (1979, p. 170)
descobre na relação de emprego um "microcosmo" das rela-
ções sociais: o conteúdo da relação de emprego é o trabalho
assalan'ado (relações de produção), mas a forma da relação
100
explicando a natureza da relação de emprego (conteúdo e
forma) pelas condições materiais da vida social (capitalismo)
e pela lei (formalização de uma ordem social de dominação).
O método marxista, como indica Pasukanis, "considera as
formas da vida social (e as condições materiais produtoras
das categorias formais) como produtos históricos" - por
exemplo, o Direito como a forma social do capitalismo, so-
ciedade de produção de mercadorias. Desse ponto de vista,
as formas da vida humana são explicadas por sua natureza
de classe: a troca de mercadorias (mediação das relações
sociais) oculta uma relação de classes (fetichismo da mer-
cadoria); o lucro legal esconde a apropriação de produto
excedente (trabalho não remunerado); a igualdade de troca
e a liberdade de contrato existem como "modalidade feti-
chizadas" (aparência) da produção de mais-valia (realidade)
(picciotto, 1979, p. 168-70). A base dessa fetichização da
realidade (aparência ilusória) é a separação entre as relações
de produção (estrutura econômica) e as formas jurídicas
e políticas da formação social (superestrutura ideológica),
autonomizando o Direito e o Estado, como fazem as
teorias idealistas.
A origem histórica das formas jurídicas e políticas
do Estado moderno situa-se no período da "acumulação
primitiva" do capital mercantil (exploração não-capitalis-
ta), com as relações sociais ainda dominadas pela coação
direta, privilégios e extorsão: o Estado é constituído como
proteção da mediação entre produtor e consumidor, e a
forma jurídica funciona como medida das relações sociais,
ligada à transformação do sujeito econômico em sujeito
101
: - :
' .
A Cril Jlin olog ia &,d icül
legal, portador de direitos e deveres (Holloway&Picciot-
A Crim ino lo,g ic, Rc,c /ica ! e a Forl J/tI L(~ l!,a ldo Con trole S ocitll
nação), com o objetivo de produzir mais-t'alia re/atit'a - ou
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to, 1977). O desenvolvimento da forma jurídica ocorre no
contexto de lutas históricas progressivas e democratizantes:
afinal, o Direito encapsulad6 na forma burguesa é melhor
que nenhum direito, assim como a delimitação pessoal da
responsabilidade penal é superior à punição arbitrária. De
fato, o Direito não é "mera ilusão" na sociedade capitalista,
mas a forma em que as relações sociais são realmente repro-
duzidas: assim, o sujeito jurídico é o indivíduo portador de
direitos e deveres, pessoalmente responsável pela conduta,
em processo regido pelo contraditório e pela ampla defesa
do modelo acusatório, como forma superior ao procedi-
mento inquisitorial etc. (picciotto, 1979, p. 172-73).
A superioridade do capitalismo em relação às formas
de disciplina social anteriores reside no primado do direito
abstrato, com sujeitos legaise processo judicialformal; mas
a substância do liberalismo político que informa a ideologia
jurídica- a aparência de "liberdade" e de "igualdade" - deve
ser examinada no contexto da relação capital! trabalho
assalariado: a troca de equivalentes (salário por força de
trabalho) na esfera de circulação exclui a coação física na
esfera de produção, substituída pela "coação das relações
econômicas". Assim, as relações de produção condicionam
as relações de circulação, sob a forma do Direito "livre" e
"igual", produzindo, de modo crescente, desigualdades ecr:ses sociais (picciotto, 1979, p. 173-74).
Em um esquema que compreende o processo de pro-
dução capitalista nas dimensões de organização do trabalho
(coordenação) e de controle da classe trabalhadora (subordi-
102
seja, maior produtividade pelo emprego de técnicas mais
sofisticadas -, passando pelos períodos da manufatura, do
advento da máquina e da formação do proletariado indus-
trial (trabalhador abstrato), Richard K.insey(1979, p. 46-54)
reconstitui o despotismo da fábrica, descrito por Marx, para
demonstrar o despotismo da lega/idade do capitalismo mono- polista, com sua "administração científica" do homem.
Na manufatura o trabalho especializado do artesão
impõe limitações ao poder do capital: normalmente, não
pode ser substituído; mas na indústria a máquina introduz
uma mudança qualitativa: produz o trabalhador abstrato
- o trabalhador permutável, à disposição no mercado -,
determina o nível de intensidade do trabalho e reduz a ne-
cessidade de mão-de-obra. O despotismo dafábrica determina
a criação da "massa de trabalhadores", a constituição do
trabalho abstrato, a transformação da força de trabalho em
mercadoria (trocada por seu preço de mercado) e a substi-
tuição da coaçãofísica (ainda necessária na manufatura) pela
fom e como instrumento de controle, que pacifica o animal
mais feroz, ensina hábitos de decência, civilidade e obedi-
ência, exercendo a pressão' mais silenciosa e mais eficaz.
Em poucas palavras, o controle do trabalho é produzido
pela lei, que garante a propriedade, generaliza o contrato de
trabalho e disciplina o mercado, onde circula o trabalhador
abstrato, esse sujeito "livre" e "igual" da sociedade capita-lista (Kinsey, 1979, p. 54-57).
No capitalismo monopolista, caracterizado pela alta
composição orgânica do capital,a ênfaseé sobre produtividade,
desenvolvendo a tecnologia (capital constante) e multipli-
103
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.
A Crim ino !o,g ,ia fu,d iceJ ! e a For ma Leg a! do Con trol e SO rlal--- ..- - - _ . _ - _ . - .. _---_._ .. _-- --_ . .-.~.-., .• _ . ,-_. _ _ .~.-,. . _ - . - _ . _ - - _ . - . _ . _ . _ - _ -..---------- -----_ _--"'" .
."q CrimilJo!o.'Sia Radica!
sociais, e de crise política, com aurnento de reivindicacõesno âmbito das classes e camadas sociais subalternas, a ex-
ã d i ã líti d l ô i d
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, p ,
operárias, de greves etc. (Bourjol, et a/ii, 1978, p. 63; Ci:ino,
1980, p. 38-52).
Neste ponto é importante dizer o seguinte: a con-
cepção do Direito como fenômeno verdadeiramente "tra-
balhado" pela luta de classes - e não "mero instrumento"
das classes dominantes, ou "reflexo" das relações econô-
micas, ou "simples máscara" do poder classista -, com
funções essenciais de instituição, de mediação e de reprodução
das relações sociais de produção, em que realiza um papel
ideológico aparente relacionado às questões da "neutrali-
dade", da "proteção geral", da "igualdade legal" etc., e um
papel prático complexo de legitimação da exploração, de
garantia da propriedade privada dos meios de produção e
do produto do trabalho social etc., indica que a "crise" do
capitalismo monopolista pode estar relacionada às funçõestradicionais do Direito e do Estado, mas n ão é determinada
pelos sistemas jurídicos e políticos formalizados.
Na verdade, são as contradições da estrutura econô-
mica das relações de produção e de circulação da riqueza
material que explicam as contradições da superestrutura
jurídica e política do Estado, manifestadas na separação
dos oljetivos ideológicos (difusão de representações ilusórias
da realidade) e dos oljetivos práticos do Direito (instituição e
reprodução das relações sociais de produção): a proteção
do trabalhador pela legislaçãotrabalhista representa limitacão
da exploração da força de trabalho (objetivo declarad~),
mas, primariamente, constitui legitimação da expropriação/
apropriação capitalista de mais-valia (objetivo oculto). Não
é difícil identificar os componentes concretos da crise:
pansão da organização política e do papel econômico da
classe trabalhadora, por um lado, e a formação crescente de
contingentes de força de trabalho excedente, em situação
de marginalização econômica, política e social, por outro;
no âmbito das classes e grupos sociaishegemônicos, a con-
centração crescente do poder econômico e político, com aadoção paranóica de métodos tecnocráticos e repressivos
de controle social, capazes de prevenir temporariamente
mudanças sociais democratizadoras - ou seja, de conter
o desenvolvimento das forças produtivas no âmbito das
relações de produção dominantes -, mas incapazes de evi-
tar a "onda de crimes" e de agitação social características
das fases de transformações revolucionárias da sociedade,
definidas erroneamente como épocas de "crise do Direito"
(Bourjol, ~978, p. 48-50).
A Criminologia Radical trabalha com a hipótese de
que a crise do Direito é determinada pela crise do capitalis-
mo como modo de produção de classessociaisantagônicas:
as contradições internas do modo de produção rompem
os limites das formas ideológicas da vida social, de modo
que o Direito esgota a capacidade de "fragmentação" da
solidariedade da classe trabalhadora e o Estado exaure o
potencial de domínio político pelos aparelhos tradicionais
de controle social. Nessa fase, a estratégia das classes tra-
balhadoras e dos grupos sociais subalternos consiste emmobilizar lutas dentro da lei, em torno da lei e, mesmo, a des-
pei to da lei (picciotto, 1979, p. 172-77) e, nessas condições,
a questão das for ma s de pod er que mediatizam o domínio do
capital assume a maior relevância: para as classes trabalha-
107
106
ACrilllil7o/({~icl 1Z£ldim/ e {/ Forlll" L r:I!,"/ do COII/ro/e Sori,,/ --- ---- ---~--- --- ------- - - ~-- --- -
~_~~~~~~~,!!~~:':: f?L ,dic ~ . . _
doras e grupos sociais suba:lternos são muito diferentes as
condições da "democracia liberal" (garantia das liberdadesFinalmente, a teoria radical do Direito admite gue a
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condições da democracia liberal (garantia das liberdades
democráticas), do "bonapartismo" (destruição da legali-
dade, hipertrofia do executivo, parlamento desnaturado e
judiciário dependente) e do "fascismo" (governo da [orça
bruta e do terror policial do capital monopolista).
As mudanças de conteúdo e de forma do poder nasociedade capitalista estão ligadas ao desenvolvimento con-
temporâneo da luta de classes: o conteúdo exprime a relação
concreta entre as classes nos processos produtivos (explo-
ração ou superexploração do trabalho) e a forma expressa a
correlação de poder no conjunto da sociedade (liberdades
formais, repressão "legalizada" ou ditadura terrorista).
A democracia liberai é condição necessária para o
projeto político das classes trabalhadoras integradas ou
excluídas do mercado de trabalho (garantia de organização
autônoma, de direitos políticos etc.), ao contrário da bur-
guesia monopolista, nacional e transnacional, para a qual
a democracia parece "supérflua" e, às vezes, francamente
incômoda (Young, 1979, p. 26 s.). Como se vê, é funda-
mental distinguir a regulação das relações sociais pela [orça
bruta (fascismo), por aparelhos burocrático-administrativos
(bonapartismo) ou por poderes independentes (democracia
liberal) - e qualquer negligência nessas questões desarma
os setores populares e democráticos diante do fascismo,
excluindo a tática da "frente popular", a forma históricade luta política contra a consolidação da ditadura terroris-
ta dos setores mais reacionários e retrógrados do capital
financeiro internacional (Fine, 1979, p. 32 e ss.; Dimitrov,
1978, p. 11 e ss.)
ruptura das relações de produção capitalistas, um fenôme-
no de luta de classes liberador de elementos já existentes
na sociedade, é condição necessária, mas insuficiente para
superar as formas legais do controle social: a sobrevivência
da forma jurídica no socialismo vincula-se à subsistência
da produção de mercadorias e à correspondente medida de
retribuição do trabalho (eguivalente por equivalente), com
as diferenças indicadas.
108
.109
VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL
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EALTERNATIVAS DO
CONTROLE SOCIAL
A Criminologia Radical define as instituições de
controle social como instituições acessórias da formação so-
cial, situadas na esfera de circulação, o "éden dos direitos
humanos, da liberdade, da igualdade, da propriedade e de
Bentham" (Marx, 1972, p. 196). A instituição principal da
formação social está na esfera de produção: a fáb ric a, onde
o trabalho se subordina à valorização do capital e a troca
de equivalentes se transforma em exploração de classe,
com o capitalista trocando dinheiro por trabalho vivo, e o
trabalhador, força de trabalho por salário. Na fábrica, a lei
da apropriação privada se transforma no seu oposto: sua
for ma é a constante compra e venda da força de trabalho
(contrato); seu conteúdo é a constante apropriação de mais-
valia (exploração) (Marx, 1972, 196-97;Fine, 1979, p. 41 e ss.)..
Este é o ponto de incidência do controle social, a origem e o
centro de convergência da disciplina jurídica, o oijetivo real dos
mecanismos de dominação e a base concreta do poder político,na moderna sociedade capi~alista.
A contradição entre liberdade política (esfera de circu-
lação) e escravidão social (esfera de produção) é controlada e
reproduzida pelas instituições acessórias da formação social:
111
•
A CrilJlinologiaRadical e Allema/ira.l do Controle Social------_._---_ ..~---_ .. _ - - - - - . _ - _ _---------.. _ _ . _ _ .. _ . _ _ ..•. -'- _ _ - .
A CrúIJi~r:!~~I~a Radi({~ . ..__. ._..
a institt/irão penitenciária - principal instituição acessória
- garante a extração de mais-valia na estrutura econômicade trabalho: a dependência do salário decorre da necessida-
."'.'
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garante a extração de mais valia na estrutura econômica
e a reprodução das condições de produção capitalistas,
baseadas na separação trabalhador/meios de produção; as ou-
tras instituições de controle social, como farnilia, escola,
meios de comunicação etc., reproduzem a força de ~abalho
adequada às necessidades da produção. De um modo geral,
a custódia, a coação, a instrução etc., nas instituições de
controle social, objetivam, primariamente, a formação da
massa de trabalhadores e, secundariamente, sua adequação
e disciplina como força de trabalho, com as condições de
docilidade e utilidade necessárias ao capital: essa a ligação
oculta entre fábrica, nas relações de produção, e prisão,
escola, farnilia etc., nas relações de circulação (MeIossi,
1979, p. 90-92).
A adequação do indivíduo à organização capitalista
do trabalho requer a sua "redefinição" como trabalhador.As técnicas dessa redefinição são as "táticas disciplinares"
reproduzidas pela ideologia dominante e aplicadas pelas
instituições de controle social, produzindo e reproduzindo
força de trabalho, o "capital variável" das relações de pro-
dução (Melossi, 1979, p. 92-93). O controle social da força
de trabalho começa no mercado, onde a classe trabalhadora
existe como apêndice do capital, subordinada pelos "fios
invisíveis" da aparência de liberdade: a liberdade de trocar
de empregador individual (aparência) é desfeita pela vincu-
lação da força de trabalho ao conjunto da classe capitalista(realidade).O mais importante "fio invisível" de subordina-
ção da classe trabalhadora é a separação trabalhador/meios de
pro duçã o, base das relações de produção capitalistas, seguido
pela dependência do salárioe pela competição no mercado
de de consumo individual, cuja constante renovação requer
a constante venda da força de trabalho; a competição no
mercado de trabalho mantém o valor do salário no mínimo
indispensável para a reprodução da força de trabalho - e,
portanto, no máximo possível para valorização do capital:
o exército de reserva - e sua pressão sobre o exército ativo
do trabalho, como uma barreira contra suas pretensões
salariais - é um aspecto essencial dessa competição (Lea,
1979, p. 78).
As instituições de controle social são explicáveis
como estruturas de autoridade e de disciplina da forma-
ção social: a religião, na sociedade medieval; o mercado
- cujos fios invis ívei s ligam o trabalhador à classe capitalista
-, a prisão, a escola, a faml1iaetc., no capitalismo. Entre as
funções das instituições acessón'as da fábrica está a "organi-zação do consenso", aquela aparência "natural" assumida
pela ideologia na consciência do trabalhador, enquanto
o reproduz como força de trabalho. A fanu1ia e a escola,
por exemplo, bases sociais de organização do consenso,
canalizam os "instintos conforme as necessidades sociais": .
a socialização primária na farnilia e na escola está ligada à
organização capitalista do trabalho, através da reprodução
e adequação da força de trabalho, com o desenvolvimento
de habilidades, a aprendizagem de técnicas de trabalho, a
"constituição física da personalidade" etc., a base de refor-ço posterior da socialização secundária da prisão (Melossi,
1979, p. 93-94).
A concentração do capital (aumento do capital
constante e formação de monopólios) e a socialização
. .
,'.
'.
112
113
A Crim inolo ,gia RadiC ClI
do trabalho (generalização da dependência econôrrlÍca)
d i " i d l i l" d i li
A Cl7lJ lillO loz,i aI v,dic al e Alt erna ti1Ja s do Contr ole .soc ial
outro lado, o abalo das "instituições totais" com as revoltas
nas prisões o movimento da antipsiquiatria e a percepção
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.,
. . ,
produziram a "crise do controle social" do capitalismomonopolista (Melossi, 1979, p. 94; Lea, 1979, p. 84 e ss.),
indicada por alguns fenôm~nos: na esfera de produção, a
"racionalidade técnica" dos processos produtivos fundiua autoridade do capitalista com a tecnologia, enquanto a
"organização científica" do trabalho subjugou instintosnaturais, criando hábitos de ordem e exatidão; na esfera decirculação, as decisões sobre preços, mercado, ideologia do
consenso etc., subordinaram-se às exigências da esfera de
produção, com a revitalização das instituições tradicionaisde controle (prisão, polícia, família, escola, justiça etc.), acriação de novos instrumentos de controle (meios de co-
municação de massa, sistemas sofisticados de vigilância,
polícias particulares etc.) e a reconstrução da cidade como
fábrica, transformada em local de controle sob hegemonia
da fábrica (Melossi, 1979, p. 94-95).
As transformações mais importantes do sistema
punitivo no capitalismo monopolista foram as seguintes:
a) a política penal introduziu os substitutivos penais, como
o sursis, o livramento condicional, as prisões abertas etc.- reduzindo a prisão mas ampliando o controle da popu-
lação criminalizada, ou seja, a redução da prisão estendeu
o controle para a comunidade; b) a instituição carcerária,enredada em contradições internas insolúveis, evoluiu para
alternativas excludentes: ou aparelhoprodutivo modelado pelafábrica, com a perda do poder intimidante da pena, ou
pur o instr um ento de terr otj abandonando a ideologia da resso-
cialização - aliás, a tendência dominante, pela exclusão do
tratamento compulsório (Fragoso et alii J 1980,p. 37-38).Por
114
nas prisões, o movimento da antipsiquiatria e a percepção(pelas massas populares) da convergência entre políticado controle social e organização capitalista do trabalho,
produziram efeitos de ruptura do papel tradicional da es-cola (reprodução da ideologia do controle) e estimularam
a coordenação do movimento de presos com as lutas dasclasses trabalhadoras (MeIossi, 1979, p. 95-99).
No quadro geral das lutas políticas e ideológicas da
segunda metade do século XX, a estratégia do capital pa-rece definível em duas linhas principais: primeiro, defesado nível de exploração do trabalho e de lucro; segundo,
procura de formas "alternativas" de subordinação da classe
trabalhadora - ou seja, de novas modalidades de controlesocial.Em face disso, as linhas de pesquisa da CriminologiaRadical seinserem nas relações entre as esferasdeprodução
(fábrica) e de circulação (instituições de controle), com oobjetivo de desenvolver estratégias capazes de conjugar-amilitância dos trabalhadores com outros movimentos demaSSílS(presos, estudantes, libertação da mulher etc.) e decoordenar a luta contra o uso capitalista do Estado e a lutacontra a organização capitalista do trabalho, incorporando einstruindo as teses centrais dos partidos operários (Melossi,
1979, p. 96-99).
A discussão tradicional sobre alternativas à prisão
- normalmente, sobre custos relativosentre formas tradicio-nais e novas formas de cont}:ole- proclama a necessidade
de métodos mais adequados que o encarceramento, com asexceções costumeiras de criminosos violentos, psicopatas
etc. A redefinição de estratégias de controle social passa
115
A Crim il1ol o,gia Radi cal e All erl1 a/ú'aJ rio COI1 /rr;1 tJocial. . . - - - - . - - . - . . - - - - . - - - . .- - - . . - . - - . - - - - - - - . - - - - . .- . .- - - . - - . ._ . . - 0 _ - . . _ _ _ . _ ' ' _ ' . . " _ • _ _, . .. • _ . . . _ _ _ o . , •
trabalho, resultantes de aumento dos "encargos sociais" do
. ".- - ._. - -". _ _ ... _ -...~. --... _ _ ._--_."._._----------- --_.,-_.-._--------~--------_ .. _--,----
A Crin Jil1o /~fl ,iaR adica l
pelas medidas de descriminalização e despenalização para
se consumar em políticas de substitutivos penais, como
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capital, da melhoria salarial, da política de pacificação da
classe trabalhadora etc., negligenciando completamente o
revigoramento do sistema punitivo, a partir de 1970, com
sentenças mais longas, aumento da população das prisões,
recrudescimento das campanhas pela restauração da pena
de morte etc. (Speiglman, 1979, p. 70.)
A aparência liberalizante da estratégia de desinsti-
tucionalização esconde (e não por acaso) uma política de
rifórço da prisão, legitimada como último recurso, necessária
para os "casos mais duros" e na qual podem ser converti-
das todas as medidas alternativas, cuja eficácia pressupõe
a possibilidade e a legitimidade de sua conversibilidade
em prisão. O controle se diversifica e se amplia, em uma
gradação da forma menos rigorosa para a mais rigorosa,
compondo o "arquipélago carcerário" de Foucault, commaior eficácia e com mais pessoas controladas. Conseqüen-
temente, questões políticas como o "recorte jurídico" dos
tipos criminais, ou distorções classistas do sistema penal,
que incrimina, seletiva e desnecessariamente, indivíduos
marginalizados, são deslocadas ou obscurecidas pela apa-
rência "liberal" das novas formas de controle (Mathews,1979, p. 112-13).
As transformações contemporâneas da política de
controle social parecem seguir três direções básicas: a) de
e.'pansão para maior número de pessoas em relação com ou
contidas no sistema formal d~ controle, especialmente jo -
vens e primários; b) de aceleraçãoda "passagem" pelo sistema
de controle social, com as técnicas de controle imitando as
técnicas de produção em série da indústria, processando
suspensão condicional da pena, livramento condicional,
formas não institucionalizadas de sanção penal etc., em
um movimento da prisão para a comunidade, definido na
relação "desencarceramento/tratamento comunitário"
(Mathews, 1979, p. 100-15). Argumentos humanitários (crí-
tica científica aos inconvenientes da prisão), técnicos (uso de
drogas psicoativas) e economicistas (crise fiscal) dos anos 70
explicam o fenômeno como política do Estado de fecha-
mento de prisões, reformatórios e asilos, em um processo
de desinstitucionalização caracterizado pela "expulsão física
dos internos", com a redução geral da população carcerária
por cortes orçamentários, reclassificação de detentos, des-
criminalização, ampliação do poder discricionário do juiz,
da polícia etc. (Scull, 1979) - cujo pressuposto material é
a existência de uma infra-estrutura de assistência capaz de permitir a implementação de programas alternativos decontrole comunitário.
A tese de Scull,por exemplo, procura relacionar trans-
formações do controle social com mudanças da economia
política, mostrando a contradição entre as funções de acu-
mulação do capital, com proteção da riqueza por medidas
repressivas, e de legitimação do capital monopolista, pela ne-
cessidade de apoio político das classes trabalhadoras (Spei-
glman, 1979, p. 67-68). A preocupação de desmistificar ex- plicações tradicionais do processo de desinstitucionalização
(humanismo, progressos técnicos etc.) conduz ao exagero
oposto da "crise fiscal". A reversão da expansão da prisão,
na década de 60, residiria em mudanças no mercado de
116
117
rnaior quantidade de pessoas na rnesma unidade de tern-
po; c) de bifurcação do sistema de controle social: controle
A CriJllino!o,gia JZL,dica!e A!lernalúlaJ do Contro!e S ocia!
elasociedade capitalista, fundada na explicação da crimina-
lidade pela posição social do autor: a) a criminalidade das
•
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po; c) de bifurcação do sistema de controle social: controle
não-segregado de autores de crimes leves, de um lado, e
controle segregado mais rigoroso de autores de crimes
graves - que ocupam imediatamente as vagas daqueles -,
com problemas adicionais de segurança e disciplina (Ma-
thews, 1979, p. 107-9).
A evolução da prisão, de instituição principal de controle
no capitalismo competitivo para último recurso no capitalismo
monopolista, assim como a transformação de suas relações
com as outras instituições acessón'asda fábrica- família,escola,
meios de comunicação de massa etc. -, completa o circuito
de integração "fábrica/sociedade", a base da nova ordem
de controle social, que reforça e amplia o poder do capital
(Melossi, 1979, p. 98). A crise geral do capitalismo, ligada
às necessidades de acumulação do capital e aos problemas
de novas ofensivas contra a organização da classe traba-
lhadora, produziu uma ampliação do controle social, através
de seu deslocamento de setores não-produtivos - a prisão,
área de circulação - para setores produtivos - o mercado de
trabalho, área do tratamento comunitário. O movimento
de deslocação da estratégia de controle, da prisão (prin-
cipal instituição acessón'a da fábrica) para a cidade (área de
reprodução da força de trabalho saudável, disciplinada e
educada), trouxe consigo um controle mais generalizado e
mais intenso, com maior vigilância e maior rigor punitivo(Mathews, 1979, p. 105-15).
A Criminologia Radical, erigindo sua teoria com
base no modo de produção da vida social, apresenta uma
alternativa democrática para o controle social no período
118
lidade pela posição social do autor: a) a criminalidade das
classese categoriassociais subalternas, caracterizadapela violência
pessoal, patrimonial e sexual,constituiriaresposta individual
inadequada de sujeitos em posição social desvantajosa;
b) a criminalidade das classes dominantes, caracterizada pela
fraude econômico-financeira e pela corrupção político-ad-ministrativa, seria explicada pela articulação funcional da
estrutura econômica (acumulação legal e ilegal do capital)
com as superestruturas jurídicas e políticas do Estado, me-
diante controle dos processos de incriminação legal e de
criminalização processual (Baratta, 1978, p. 14-15; Cirino,
1979, p. 29-31).
A separação estrutural da criminalidade pela posição
de classe do autor explica a divergência programática da
política penal do Estado, como estratégia das classes do-minantes, e da política criminal alternativa da Criminologia
Radical, como estratégia das classes e categorias sociais
dominadas:
. a) política penal oficial, circunscrita às relações de
distribuição, é delimitada pelos processos de criminalização
e de estigmatização penal, em que a definição de crimes,
a aplicação da lei penal e a execução das penas e medidas
de segurança objetiva o controle das classes dominadas e
a disciplina da força de trabalho - revigorada e ampliada
pelas formas alternativas de controle social, como os subs-
titutivos penais;
b) a política criminal radical, fundada nas relações de
produção, objetiva transformar a estrutura econômica e as
119
A Ctim il1o lo,g ia Rad ical. _ _ .. _ _ .....•. _ . _ - _ ..- - _ ..- _ - - .- _ . . _ _ ._._.~_ _._----_ -._-_._~-~----------~---------
superestruturas jurídicas e políticas do capitalismo, media-
tizada pela redução das desigualdades sociais na área do
A Cril llin olo, gia Rad ical e Al tcrJJ cI/il Jr/.í do Con trole Soci al-------. _ _ . . _---_. ---_._._--------- .. --_._--_._------- . • . . _ _ .- _ . _ - - -"'-'- - - - - - . - . . _.- - - -
com detenção ou de ação penal privada, crimes políticos
e de opinião drogas etc com substituição de sanções
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sistema de justiça criminal, a ampliação da democracia nas
relações de poder político e a promoção do contrapoder
proletário, pelo desenvolvimento da consciência de classe
e da organização política da classe trabalhadora: a política
de substitutivos penais seria um desdobramento tático
imediato de uma estratégia geral radical (construção do
socialismo), com um sentido humanista e liberalizante, por
um lado, e o restabelecimento da funcionalidade precária
das relações de dominação, por outro lado, que marcam
o reformismo penal (Baratta, 1978, p. 15-16; Lyra Filho,
1980, p. 6-8; Cirino, 1979, p. 29).
A política criminal alternativa da Criminologia Radi-
cal, como desenvolvimento prático de sua crítica teórica
e ideológica, tem por objeto o sistema de justiça criminal
(processo de criminalização e sistema carcerário) e a opi-
nião pública, fonte de legitimação ideológica da política
penal oficial. A proposta para o processo de criminalização,
comprometida com a redução das desigualdades de classe
(variável determinante da criminalização), segue duas di-
reções: a) uma política de criminalização e de penalização
da criminalidade das classes dominantes, como a crimina-
lidade econômico-financeira, o abuso de poder político, a
corrupção administrativa, as práticas anti-sociais em áreas
da segurança do trabalho, da saúde pública, da ecologia,da economia popular e do patrimônio social e estatal; b)
uma política de descriminalização e despenalização da cri-
minalidade das classes dominadas, mediante a contração
do sistema punitivo em crimes de bagatela, crimes punidos
120
e de opinião, drogas etc., com substituição de sanções
estigmatizantes por não-estigmatizantes nos demais casos
(Baratta, 1978, p. 15-16; Cirino, 12979, p. 31).
A estratégia da Criminologia Radical para o sistema
carcerário é, de fato, radical: abolição da prisão. As funções
reais do aparelho penal, de reprodução das condições de
produção (separação trabalhador/meios de produção),
de garantia da exploração capitalista (relações de produ-
ção), com as conseqüências de marginalização social e
de desarticulação política da força de trabalho excedente,
somado ao fracasso da ideologia penitenciária (controle
da criminalidade e correção do criminoso), justificam o
objetivo estratégico: a preservação da instituição carcerária
só interessa às classes dominantes. Entretanto _ além da
descriminalização e da despenalização -, o objetivo estra-tégico de abolição da prisão requer mediações políticas
táticas, como a extensão das medidas alternativas da pena
e a abertura do cárcere para a sociedade. As formas alter-
nativas da suspensão condicional da pena, do livramento
condicional, dos regimes de liberdade e de semiliberdade
etc., são plenamente justificadas como etapas de aproxima-
ção do objetivo estratégico final. A abertura do cárcere para
a sociedade limita as conseqüências de marginalização e
desarticulação política promovidas pelo sistema carcerário,
possibilit?ndo a reintegração do condenado em sua classe
- e, portanto, na sociedade d~ classes -, pela ação coorde-
nada de associações de presos e de organizações dos tra-
balhadores, como partidos políticos, sindicatos, comitês de
fábrica, associações de bairros etc., transferindo o processo
121
A Criminologia Radical
de ressocialização da prisão (Estado) parti a comunidade.
Esse desdobramento é a alternativa radical ao "mito" da
A CrilJlinolo/!,ia Radiml c AltcrnatilJCIS do Controle Social
sentados pela ideologia de "lei e ordem", pelos "mitos"
da igualdade legal e da proteção geral, pelos sentimentos
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Esse desdobramento é a alternativa radical ao mito da
reeducação penal: se o crime é uma resposta pessoal (não
política) às condições estrutiIrais adversas, então a correção
do criminoso pressupõe o desenvolvimento da consciência
de classee sua (re)integração nas lutas coletivas econômicas
e políticas da classetrabalhadora e do conjunto das camadassociais inferiores (Baratta, 1978, p. 17).
A ampliação do sistema punitivo na direção da crimi-
nalidade das elites de poder econômico e político não se
confunde com "reformismo pan-penalista" (supervalori-
zação do direito penal), assim como a contração do sistema
punitivo em face da criminalidade das classes e camadas
sociais subalternas não significa abandono das garantias
legais do processo de criminalização, como os princípios
da legalidade, da culpabilidade, do contraditório processual
e da presunção de inocência, a garantia de sentença funda-
mentada, de hipóteses estritas de prisão etc. e outras con-
quistas democráticas incorporadas ao patrimônio histórico
da humanidade. A política criminal radical assimilae amplia
essas garantias formais na direção geral da democratização
do sistema de justiça criminal: respeito à integridade físicae
psíquica do preso, garantia dos direitos subsistentes do con-
denado (todos, exceto a liberdade), como trabalho, educação,
alimentação, recreação, vida sexual regular, comunicação
etc. (Fragoso etalii, 1980, p. 31-42).
Por outro lado, a legitimação da política penal oficial
perante a opinião pública compreende processos psi col ógi cos
representados pelas teorias vulgares da criminalidade, pelo
estereótipo do criminoso etc. e processos ideológicos repre-
122
g g p ç g , p
de "unidade" na luta contra o "inimigo comum" (crime)
etc. Os processos psicológicos e ideológicos da opinião
pública, reproduzindo representações da criminalidade
subordinadas à ideologia da classe dominante, condicio-
nam a tarefa da Criminologia Radical, nessa área: inverter as relações de hegemonia ideológica, no sentido gramsciano
de dominação e direção, mediante a critica sistemática das
superestruturas de controle, a intensificação da produção
científica na perspectiva teórica e ideológica radical e a
difusão de informações acessíveis ao consumo público,
provendo bases para "discussões de massa" da questão
criminal e a superação definitiva do teoricismo criticista
de intelectuais progressistas através de uma prática social
transformadora (Baratta, 1978, p. 18-19).
Essas parecem ser, em linhas gerais, as bases atuais
do questionamento teórico e do posicionamento prático
da Criminologia Radical. Sobre essas bases a Criminologia
Radical pretende se constituir, não como outra "crimino-
logia da repressão", mas como a única Criminologia da
Libertação.
É na direção das teses centrais da Criminologia
Radiçal, com maior ou menor adequação científica e
ideológica, que se desenvolve a mais criativa produção
científica contemporânea, na área do crime e do controlesocial. Hoje, a produção teórica radical não está limitada
às regiões desenvolvidas e industrializadas, com uma classe
trabalhadora forte e organizada, mas cresce, rapidamente,
nos países subdesenvolvidos e dependentes do Terceiro
123
...... _ .. _ _ .... _ . _ - _ ... _ - '- _ .... _._-----------------_.- . . _. __ ._-~
Mundo, à medida em que se desenvolvem as contradições
com o imperialismo internacional e (no âmbito "interno) VII. CONCLUSÕES
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entre capital e trabalho assalariado: por exemplo, Rosa
deI Olmo, Argenis Riera, Lola Aniyar, Emiro Sandoval,
Roberto Bergalli e Roberto Lyra Filho são algumas das
figuras mais representativas da proposta alternativa na
América Latina.
O presente trabalho teve o propósito de contribuir
para uma compreensão mais adequada das bases científicas,
dos compromissos ideológicos e do programa político geral
da Criminologia Radical, relativamente desconhecidos no
Brasil. Paralelamente, pode ser entendido como um acerto
de contas com a ideologia da criminologia tradicional, o pres-
suposto crítico da formação de um quadro teórico capaz
de orientar uma prática social transformadora nos países
subdesenvolvidos e dependentes da América Latina.
124
As conclusões deste trabalho encontram-se dispersasno texto, em geral cOrn9arremate das discussões dos temas
estudados, mas podem ser assim resumidas:
1. A Criminologia Radical se distingue de outras crimi-
nologias pela natureza do objeto de estudo, pelo método
dialético de estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre
sua existência e desenvolvimento, pela base social de seus
compromissos ideológicos, por seus objetivos políticos
estratégicos e táticos e por seu programa alternativo de
política criminal.
2. A Criminologia Radical tem por objeto geral as relações
sociais de produção (estrutura de classes) e de reprodução
político-jurídica (superestruturas de controle) da formação
social, que produzem e reproduzem seu objeto específico
de conhecimento científico: o crime e o controle social.
As contradições de classes na formação social vincu-
lam o controle do crime às relações de produção na estru-
tura econômica, determinando a ligação da criminologia
com a economia, e de amb~s com a política, evitando a
distorção positivista que separa a estrutura econômica das
superestruturas jurídicas e políticas do Estado, mistificando
o conjunto das relações sociais.
125
A Criminologia Radica!
o processo de criminalização, nos componentes de
produção e de aplicação de normas penais, protege seleti-
Conclmões
mo, indicando as desigualdades econômicas como determinantes
primários do comportamento criminoso, a po siç ão de cla sse
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p ç p ç p , p g
vamente os interesses das cfasses dominantes, pré-seleciona
os indivíduos estigmatizáveis distribuídos pelas classes e
categorias sociais subalternas e, portanto, administra a pu-
nição pela posição de classe do autor, a variável independente
que determina a imunidade das elites de poder econômico
e político e a repressão das massas miserabilizadas e sem
poder das periferias urbanas, especialmente as camadas
marginalizadas do mercado de trabalho, complementada
pelas variáveis intervenientes da posição precária no mercado
de trabalho e da subsocialização- fenômeno definido como
administração diferencial da criminalidade.
O processo de execução penal representado pelo
sistema carcerário garante a matriz das desigualdades sociais
- a separação trabalhador/meios de produção - e reproduz amarginalização social, como qualificação negativa pela posi-
ção eStruturaljõra do mercado de trabalho e pela imposição
superestrutural de sanções dentro do aparelho punitivo.
3. A abordagem teórica do autor (sujeito livre na crimi-
nologia clássica, ou sujeito determinado no positivismo
biológico), do ambiente do autor (limitações e condicionamen-
tos familiares, econômicos, culturais etc., do positivismo
sociológico) e das percepções e ati tudes do autor (interações,
reações e rotulações sociais,das fenomenologias do crime) é
transposta pela Criminologia Radical para as relações de classes
na estrutura econômica e nas superestruturas jurídicas e
políticas de poder da formação social: o método dialético
adotado estuda o crime e o controle social no contexto da
base material e das superestruturas ideológicas do capitalis-
126
p p , p ç
como variável decisiva do processo de criminalização e a
neceSJidade de sobrevivência animal em condições de privação
material como a origem da vinculação do trabalhador no
trabalho assalariado e do desempregado no crime.
4. A base social da Criminologia Radical é constituída pelas
classes trabalhadoras e outras categorias sociais oprimidas,
o que explica (a)o compromisso de luta contra o imperialismo,
a exploração capitalista, o racismo e todas as formas de
discriminação e de opressão social, (b) o objetivo estratégico
de construção do socialismo e (c) a tarifa científica de ela-
boração de uma teoria materialista do Direito e do crime,
na sociedade capitalista.
O objetivo estratégico da CriminologiaRadicalpostu-
la a socialização dos meios de produção como pré-condição
da abolição das desigualdades econômicas e políticas e do
controle, redução e eliminação gradativa da criminalidade
estrutural e individual.
O trabalho científico da CriminologiaRadicaltem por
base (a) o conceito de Direito como lei do modo de produção
da vida material, que institui e reproduz as relações sociais
de classes e (b) o. conceito de Estado como organização
po líti ca do po de r das classes hegemônicas, que controla as
relações sociais nos limites do modo de produção domi-nante na formação social - fenômenos jurídico-políticos
superestruturais condicionados pelas relações de produção
e hegemonizados pelas classes que dominam essasrelações,
como o aspecto principal da contradição social.
127
j~J Ctill liJ7o/o.gia Radim/ .. - - _ . _ - - _ ... _ .- - - -- ._._'----_._----------_._-_._-~-------------------
A Criminologia Radical, com base nas contradições
de classes da sociedade, distingue (a) um conceito burgues de
i d à i ã d l d b i
COllcluJoeJ._._-~-_._.~._-----------------------._- .. _--_._-----_ ... _ . _ ..... _ _ ... _ -
categoria explicativa do sistema punitivo, mostrando que
em situação de força de trabalho insuficiente os sistemas
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crime, correspondente à posição de classe da burguesia na
formação social capitalista, representado pela definição legal
de crime, em que predominam ações contrárias às relações
de produção capitalistas e (b) um conceito proletán'o de cri-
me, correspondente à posição de classe dos trabalhadoresassalariados na formação social capitalista, representado por
definições reais de relações sociais danosas, em que predo-
minam ações contrárias à segurança pessoal e à igualdade
social, econômica e politica das camadas sociais inferiori-
zadas, mudando o foco da forma legal para as condições
estruturais, necessárias e suficientes, do crime.
5. A Criminologia Radical distingue 0o/divos ideológicosaparen-
tes do sistema punitivo (repressão da criminalidade, controle
e redução do crime e ressocialização do criminoso) e 0o/divos
reais ocultos do sistema punitivo (reprodução das relações
de produção e da massa criminalizada), demonstrando que
o fracasso histórico do sistema penal limita-se aos oijetivos
ideológicos aparentes, porque os oo/etivos reais ocultos do siste-
ma punitivo representam êxito histórico absoluto desse
aparelho de reprodução do poder econômico e politico da
sociedade capitalista.
A inserção metodológica da politica de controle do
crime nas relações estruturais da formação social permite
erigir as seguintes hipóteses radicais de trabalho teórico: a)todo stStema deprodução adota o sistema depunição que corres-
ponde às suas relações produtivas, ou inversamente, todo
sistema punitivo se enraíza no sistema de produção da estrutura
econômica da sociedade; b) o mercado de trabalho é a principal
128
ç ç
econômico e punitivo a preservam; ao contrário, em situa-
ção de força de trabalho excedente os sistemas econômico
e punitivo a destroem.
6. A Criminologia Radical estuda a for ma leg al de disciplinasocial a partir de sua base histórica objetiva: a forma igual
do Direito se fundamenta na troca de equivalentes da socie-
dade de produção de mercadorias e a forma livre do sujeito
tem origem no consumo produtivo da força de trabalho,
que funde a forma sujeito, definido como livre e igual na
esfera de circulação, com a forma mercadoria, expressão
de coação e desigualdade na esfera de produção.
A categoria geral explicativa do Direito, capaz de es-
clarecer as relações entre a aparência e a realidade de suas
funções, é o conceito de modo de produção da vida material:
a proteção da liberdade e da igualdade na eifera de circulação
esconde a dominação politica e a exploração econômica de
classe na eifera de produção. O Direito, como relação social
objetiva, realiza funções ideológicas aparentes de proteção da
igualdade e da liberdade e funções reais ocultas de instituição
e reprodução das relações sociais de produção: a desigual-
dade das relações de classes (exploração) e a coação das
relações econômicas (dominação) é o conteúdo instituído
e reproduzido pela forma livre e igual do Direito.
"A Criminologia Radical explica as crises do Direito
no capitalismo monopolista como expressão de desajustes
entre o sistema normativo e as relações sociais históricas
concretas, determinadas pela concentração do poder eco-
129
A Criminologia NJdiral-------- -------~----_._--------------
nômico e político do capital financeiro, reproduzido por
leis opressivas e métodos repressivos, e pela expansão da
Conclusões
e de sua adequação às necessidades materiais e intelectuais
dos processos produtivos.
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organização política e do p~pel econômico da classe traba-
lhadora, com a formação paralela de excedentes progres-
sivos de mão-de-obra excluídos do mercado de trabalho e
da sociedade de consumo, rompendo os limites das formas
jurídicas e políticas de controle social.
7. A concepção de sociedade como formação econômi-
co-social erigida sobre uma base estrutural constituída pelas
relações de classes nos processos produtivos e regida por
sistemas ideológicos superestruturais jurídicos e políticos
do Estado é o fundamento da definição da fábrica como
instituição principal da sociedade capitalista, e da definição da
prisão e do conjunto dos sistemas de controle social como
instituições acessórias da fábrica.
A fábrica, instituição das relações de produção" realiza
um conteúdo de permanente expropriação de mais-valia
(exploração), sob a forma de constante compra e venda
da força de trabalho (contrato): as relações de classes nos
processos produtivos são o ponto de incidência, o centro
de convergência e o objetivo real das instituições e meca-
nismos de controle social.
O sistema punitivo constituído pela polícia, justiça e
prisão, como o mais importante aparelho de controle social,
garante os fundamentos e reproduz as condições de pro-
dução da fábrica, baseadas na separação trabalhador/ meios
de produção - enquanto a família, a escola, os meios de
comunicação e outras instituições complementares de con-
trole social cuidam da formação da massa de trabalhadores
130
As transformações contemporâneas do sistema de
controle social são o resultado de contradições internas
entre o sistema punitivo e a estrutura de classes da socie-
dade: por um lado, a prisão parece abandonar a ideologia
do tratamento, constituindo-se menos como aparelho
produtivo e mais como instrumento de terror; por outro
lado, a convergência entre a ideologia do controle social e
a organização capitalista do trabalho engendrou a política
dos substitutivos penais: o "arquipélago carcerário" se
ampliou de setores não-produtivos (a prisão, instrumento
de terror) para setores produtivos da sociedade (o mercado
de trabalho, área dos substitutivos penais).
8. A política criminal alternativa da Criminologia Radi-cal, como meio de reduzir as desigualdades de classes no
processo de criminalização e de limitar as conseqüências
de marginalização social do processo de execução penal,
distingue a criminalidade das classesdominantes, entendida
como articulação funcional da estrutura econôlnica com as
superestruturas jurídico-políticas da sociedade, de um lado,
e a criminalidade das classes dominadas, definida como
resposta individual inadequada de sujeitosem posição social
desvantajosa, de outro lado, propondo o seguinte:
a) no processo de criminalização, (1) a pen aliza ção da cri-
min.alidade econômica e política das classes dominantes,
com ampliação do sistema punitivo e (2) a despenalização da
criminalidade típica das classes e categorias sociais subal-
131
•
. ~ , . . " . " - , , ,. . ,.< ti. ,,~.,.'
A Cnmi nolog ia Radic al
ternas, com contração do sistema punitivo e substituição
de sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes; BIBLIOGRAFIA
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b) no processo de execução penal, mediatizada pela mais
ampla extensão das medidas alternativas da pena e pela
abertura do cárcere para a sociedade, a abolição da prisão:
se o crime é resposta pessoal de sujeitos em condições
sociais adversas, a correção do criminoso - e a prevenção
do crime - depende do desenvolvimento da consciência de
classe e da reintegração do condenado nas lutas econômicas
e políticas de classe.
São tarefas complementares da política criminal alter-
nativa da Criminologia Radical (a) conjugar os movimentos
de presos com as lutas dos trabalhadores, (b) inverter a
direção ideológica dos processos de formação da opinião
pública pela intensificação da produção científica radical e a
difusão de informações sobre a ideologia do controle social,
C c ) coordenar as lutas contra o uso capitalista do Estado e
a organização capitalista do trabalho e C d) desenvolver o
contrapoder proletário.
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INDICE DAMATÉRIA
8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf
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138
SuMÁRIo ••..•••.•••.••...•.•...•.•...•••.•..•••...•..•.•...•.•..••.....•.•.........•••..•..... xi
I. INTRODUÇÃO•.•••••..•••.•..••.•••••••.•.•..•.•.•••••••••••..•.•••••.••.••.••...•.•.•.•.••• 1
1. As Teorias Tradicionais 2
2. A Formação das Teorias Radicais em Criminologia 5
3. A Crítica às Teorias Tradicionais 10
4. Tendências Críticas e Radicais 17
11. A CRIMINOLOGIA RADICAL•••••••••••••••••••••••••.•..•.•••••••••••.••••••••••••35
lU. A CRIMINOLOGIA RADICALE O CONCEITO DECRIME•..•••••.•••••• .49
IV. A CRIMINOLOGIA RADICALE APOLÍTICA DO
CONTROLE SOCIAL••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.•.•••••••••••.•61
1.As Determinações Estruturais do Controle Social... 65
2. A Ideologia do Controle Social 71
3. Os Objetivos do Aparelho Penal... 80
V. A CRIMINOLOGIA RADICALE AFORMA LEGALDO
CONTROLE SOCIAL•.•.•....•••.•••••••••••••..••••••••••••••.••••.••.••••••••••••••••• 87
VI. A CRIMINOLOGIA RADICALE ALTERNATIVASDO
CONTROLE SOCIAL••.•..••••••••••.•.••••••••••.•.•.•.•••..••...•...•.•.•••••••••.• 111
VII. CONCLUSÕES••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••••••••••125
BIBLIOGRAFIA.•••.•.••..••.••....•••...•••....••..•..••••.•.•.•.••.•...••.•.••••.•.••••..• 133
139
•