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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
THIAGO DEGELO VINHA
A CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS
MARÍLIA 2006
THIAGO DEGELO VINHA
A CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro.
MARÍLIA 2006
Autor: Thiago Degelo Vinha Título: A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico Incidente Sobre Combustíveis E Derivados Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro.
Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______ __________________________________________
Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro __________________________________________
Profa. Dra. Marlene Kempfer Bassoli __________________________________________
Prof. Dr. Paulo César Baria de Castilho
Dedico este trabalho à minha esposa Paula, que com muito carinho, ternura, amor e compreensão esteve sempre ao meu lado em todos os momentos de nossas vidas.
Agradeço a minha orientadora Profa. Doutora Maria de Fátima Ribeiro, que com brilhantismo e simplicidade trilhou meus caminhos para a conclusão deste trabalho. Aos meus pais, Pedro e Maria Lúcia, minha irmã Thaiana e meu irmão Pedro, pelo apoio incondicional demonstrado durante toda a minha vida. Aos meus colegas de escritório Ângela, Roberta, Juliana e Alexandre, que viabilizaram em grande parte a conclusão deste trabalho, tanto na troca de conhecimento, quanto na realização dos atos processuais relativos à advocacia, durante minha ausência. Um agradecimento especial ao Prof. Luis de França Costa Filho (in memoriam), à Profa. Denise Maria Weiss de Paula Machado e à Profa. Marlene Kempfer Bassoli, eternos mestres ao longo de todos os meus dias dedicados ao Direito.
A CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS
Resumo: O presente trabalho se propõe a estudar as contribuições de intervenção no domínio econômico incidente sobre combustíveis e derivados. Para tanto, decompõe o tema em três capítulos estruturados em torno do estudo da inter-relação entre o Estado e a Economia, do Sistema Tributário Nacional, e, ainda, acerca das contribuições interventivas. No primeiro capítulo, o trabalho se detém na influência da ciência econômica na confecção de normas jurídicas. Como decorrência natural dessa inter-relação, a intervenção do Estado nas atividades econômicas é reflexo do Estado Social sedimentado na Constituição Federal, a qual positiva os principais valores sociais relacionados com a ordem econômica, nos princípios inseridos no art. 170 da Carta Maior. Como forma de preservação e implementação desses princípios, o Estado poderá intervir na atividade econômica, seja de forma direta, quando atue como empresário, seja de forma indireta, quando intervenha como agente normativo e regulador da economia, por meio da fiscalização, da concessão de incentivos e do planejamento. No segundo capítulo, realiza-se o estudo do Sistema Tributário Nacional, procurando tecer considerações acerca da importância dos tributos na realização das atividades econômicas e de suas limitações inseridas na Constituição Federal, impostas pelos princípios constitucionais tributários, os quais são verdadeiros direitos fundamentais do contribuinte e que, dessa forma, protegem a sociedade contra os atos do Estado em relação ao seu poder de tributar. Ainda é analisada a classificação constitucional dos tributos, demonstrando que as contribuições são tributos autônomos das demais espécies tributárias, possuindo como sua principal característica a necessidade de estarem vinculadas a uma finalidade específica, a qual poderá ser uma finalidade social, interventiva ou de interesse de categorias profissionais. No terceiro capítulo, o trabalho destaca as contribuições de intervenção no domínio econômico, apontando suas principais características que as diferenciam, traduzidas na possibilidade de instituição somente pela União; na necessidade de possuírem uma finalidade interventiva; no equilíbrio entre a finalidade e a sua destinação, a qual, ainda, precisa ser efetiva; na criação por lei ordinária; na impossibilidade de criação de mais de uma contribuição interventiva para a realização de uma mesma finalidade e na impossibilidade dessas contribuições versarem sobre fatos que já sofram a incidência de tributos de competência dos Estados-membros e dos Municípios. Ainda é realizado estudo detalhado das contribuições de intervenção incidentes sobre combustíveis e derivados, por meio da decomposição de sua estrutura pela regra-matriz de incidência fiscal, além de confrontá-la com as características inerentes a todas as contribuições, concluindo que essas contribuições são inconstitucionais, pois suas finalidades ou não são interventivas, ou não possibilitam a realização da intervenção; há desvio de finalidade; versam sobre fatos econômicos já tributados pelos Estados-membros e, por fim, não respeitam os princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade, além das regras de imunidade prevista no art. 155, §3º da Constituição Federal. Palavras-chave: Direito Tributário, CIDE, Tributo, Intervenção e Economia.
INTERVENTION CONTRIBUTION IN THE ECONOMIC DOMAIN INCIDENT ON FUEL AND ITS DERIVATIVES
Summary: The purpose of the present work is to study the intervention contributions in the economic domain incident on fuel and its derivatives. In order to do that, it breaks the theme down in three chapters structured around the study of the inter-relation between the State and the Economy, the National Tributary System, and, moreover, about the intervention contributions. In the first chapter, the work gives a close look at the influence of the economic science in the elaboration of juridical norms. As a natural result of that inter-relation, the intervention of the State in the economic activities is the reflex of the Social State, as established in the Federal Constitution, which turns the main social values positive in relation to the economic order, as per the principles inserted in art.170 of the Magna Chart. As a way of preservation and implementation of those principles, the State will be able to intervene in the economic activity, be it directly, when acting as a business entity, be it indirectly, when it intervenes as a normative and regulating economic agent, through auditing, concession of incentives and planning. In the second chapter, a study of the National Tributary System is carried out, seeking to weave considerations about the importance of taxes to perform the economic activities and the limitations inserted in the Federal Constitution, imposed by the tributary constitutional principles, which are the true fundamental rights of the taxpayer and that way protecting society against the acts of the State in relation to its power to tax. The constitutional classification of taxes is also analyzed, demonstrating that the contributions are autonomous taxes of other tributary kinds, having as their main characteristic the need to be for a specific finality, which can be social, of intervention or of the interest of professional categories. In the third chapter, the work highlights the intervention contributions in the economic domain, pointing out their main differentiating characteristics, translated into: the possibility of being established only by the Union; the need to have an intervention finality; the balance between their finality and their destination, which, moreover, needs to be effective; the creation by ordinary law; the impossibility of creating more than one intervention contribution for the same finality; and the impossibility of those contributions to deal with facts that already suffer the incidence of taxes that are the competence of the member-States and Municipalities. A detailed study is also carried out on the intervention contributions incident on fuel and its derivatives, breaking down its structure by the main fiscal incidence rule, besides its confrontation with the characteristics inherent to all the contributions, coming to the conclusion that those contributions are unconstitutional, since their finalities are either not of intervention or do not make the realization of the intervention possible; there is a deviation of finality; they deal about the economic facts already taxed by the member-States and, finally do not respect the constitutional principles of legality and anteriority, besides the immunity rules foreseen in art.155 of the Federal Constitution.
Key words: Tributary Law, CIDE, Tax, Intervention, Economy.
LISTA DE ABREVIATURAS ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade ANA – Agência Nacional de Águas ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica ANP – Agência Nacional do Petróleo ANS – Agência Nacional de Saúde ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações ANT – Agência Nacional dos Transportes Art. – artigo CDC – Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico CONDECINE – Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura CRO – Conselho Regional de Odontologia CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CTN – Código Tributário Nacional DOU – Diário Oficial da União EC – Emenda Constitucional FMI – Fundo Monetário Internacional FNIT – Fundo Nacional de Infra-Estrutura de Transportes
FUNTEL – Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações IE – Imposto de Exportação II – Imposto de Importação ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação IOF – Imposto sobre Operações Financeiras IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IR – Imposto de Renda OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PIS – Programa de Integração Social RE – Recurso Extraordinário SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI – Serviço nacional de Aprendizagem Industrial SENAR – Serviço de Aprendizagem Rural SESC – Serviço Social do Comércio STF – Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
1 ESTADO E ECONOMIA........................................................................................ 14
1.1 ECONOMIA, ESTADO E DIREITO: A ORDEM ECONÔMICA INSERIDA NO
TEXTO CONSTITUCIONAL ..................................................................................... 14
1.2 AS PRINCIPAIS ESCOLAS ECONÔMICAS FRENTE AO INTERVENCIONISMO
ESTATAL NA ECONOMIA ....................................................................................... 19
1.2.1 A Escola Liberal............................................................................................... 22
1.2.2 A Escola Social................................................................................................ 25
1.2.3 A Escola Neoliberal ......................................................................................... 28
1.3 O CONSTITUCIONALISMO DIANTE DOS REFLEXOS DOS MOVIMENTOS
SÓCIO-ECONÔMICOS............................................................................................ 32
1.4 A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA ...................................................................... 36
1.5 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA................. 39
1.6 DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ....................... 54
2 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL.................................................................... 72
2.1 O TRIBUTO COMO OBJETO DE ESTUDO DO DIREITO TRIBUTÁRIO .......... 72
2.2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS ................................... 74
2.3 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E A NORMA JURÍDICA
TRIBUTÁRIA ............................................................................................................ 90
2.4 DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS INSERIDAS NO ART. 145 DA CF .................. 95
2.5 DA NATUREZA TRIBUTÁRIA DOS EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS E DAS
CONTRIBUIÇÕES.................................................................................................... 99
2.6 DA CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS........................... 105
2.7 PARAFISCALIDADE, EXTRAFISCALIDADE E ESPECIALIDADE .................. 122
2.8 CLASSIFICAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES...................................................... 126
3 AS CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS ......................................... 131
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................... 131
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CIDE AO LONGO DAS CONSTITUIÇÕES DO
BRASIL................................................................................................................... 131
3.3 DAS CARACTERÍSTICAS DA CIDE ................................................................ 135
3.3.1 Possibilidade de Instituição Somente pela União Federal ............................. 136
3.3.2 Finalidade de Intervenção no Domínio Econômico........................................ 137
3.3.3 Equilíbrio Entre a Finalidade e a Destinação da Receita da CIDE ................ 138
3.3.4 A Destinação Precisa ser Efetiva................................................................... 140
3.3.5 Criação por Lei Ordinária............................................................................... 144
3.3.6 Impossibilidade de Criação de mais de uma CIDE para a Mesma Finalidade
............................................................................................................................... 148
3.3.7 Impossibilidade de Versarem Sobre Fatos Jurídicos de Competência dos
Outros Entes Federados......................................................................................... 149
3.4 DA CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS ......................................... 154
3.4.1 Da Emenda Constitucional nº 33/01 .............................................................. 156
3.4.2 As Leis nº 10.336/01 e nº 10.636/02: Instrumentos de Positivação da Incidência
da CIDE e de suas Finalidades .............................................................................. 160
3.4.2.1 Critério Material .......................................................................................... 160
3.4.2.2 Critério Espacial.......................................................................................... 162
3.4.2.3 Critério Temporal ........................................................................................ 162
3.4.2.4 Critério Pessoal .......................................................................................... 163
3.4.2.5 Critério Quantitativo .................................................................................... 164
3.4.2.6 Das Finalidades da CIDE Combustíveis..................................................... 165
3.4.3 Análise da CIDE Combustíveis à Luz do Texto Constitucional...................... 170
3.4.3.1 Suas Finalidades não são Interventivas ..................................................... 171
3.4.3.2 Do Desvio de Finalidade............................................................................. 179
3.4.3.3 Da Invasão de Competência dos Estados.................................................. 185
3.4.3.4 Do Desrespeito às Limitações ao Poder de Tributar .................................. 186
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 192
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 197
11
INTRODUÇÃO
O Direito, a cada dia, passa por transformações que acompanham a
sociedade como um todo. Dentre essas, os valores sociais, que vão sendo
sedimentados ao longo do tempo, acabam por interferir na confecção das normas
jurídicas. Muitos deles possuem conteúdo econômico, o que, necessariamente, trará
transmutações para o ordenamento jurídico do Estado, inclusive o brasileiro.
A influência dos valores econômicos no Direito não é nova, mas a forma de
interpretá-la vem sendo alterada ao longo dos anos. As idéias econômicas iniciadas
com os ensinamentos de Adam Smith, transformadas no Estado Social de Keynes e
reestruturadas pela escola neoliberal de Hayek foram sendo absorvidas pelos textos
jurídicos e pelas Constituições de vários países do mundo. Assim, o Texto
Constitucional brasileiro traz contornos econômicos em seu ventre, sedimentados
em uma infinidade de artigos espalhados por toda a sua estrutura, de forma a
positivar os valores econômicos e, conseqüentemente, sociais. Com especial
destaque, os arts. 1º, 3º e 170, da Carta Constitucional trazem as principais
estruturas, objetivos e princípios econômicos informadores da sociedade,
positivando os ideais sócio-econômicos delimitados pela sociedade brasileira,
sedimentando ideologias sociais e liberais em perfeita harmonia constitucional.
Como reflexo dessas ideologias, a intervenção do Estado vem à tona, para a
preservação e a efetivação dos princípios constitucionais econômicos, em busca dos
objetivos sociais da República Federativa do Brasil. É a justiça social interagindo
com as normas jurídicas, promovendo as condutas estatais de forma a efetivá-la.
No capítulo primeiro, o objetivo do presente estudo é promover a análise da
intervenção do Estado nas atividades econômicas, procurando demonstrar a
influência de suas ideologias na confecção de normas jurídicas, as quais acabam
por autorizar o Estado a interferir nas relações econômicas dos particulares,
procurando sistematizar o estudo da intervenção, trazendo os segmentos nos quais
poderá ocorrer, quais os entes autorizados a intervirem e como essa intervenção é
realizada, objetivando confrontá-la com os princípios constitucionais da ordem
12
econômica. Será ainda realizada uma análise das formas de intervenção,
identificando suas principais modalidades de atuação, de forma a localizar os
tributos interventivos como um dos meios de que dispõe o Estado para realizar o
instituto em questão.
No capítulo segundo, estudar-se-á o Sistema Tributário Nacional, trazendo a
lume os princípios constitucionais tributários, procurando demonstrar a sua
qualidade de verdadeiros direitos fundamentais na imposição de limitações
constitucionais ao poder de tributar e ofertando limites para todas as espécies de
tributos existentes no ordenamento. Ainda será realizado um estudo dessas
espécies tributárias, procurando diferenciá-las uma das outras, com especial
destaque para o estudo das contribuições especiais, as quais ainda guardam grande
obscuridade na identificação de sua natureza jurídica, e de suas principais
características dentro do Sistema Tributário Nacional.
Dentre essas características, procurar-se-á demonstrar a natureza tributária
autônoma das contribuições especiais e comprovar a importância da finalidade para
a sua instituição, de forma a demonstrar ser esta finalidade a condição essencial
para a sua implementação no cenário jurídico.
No capítulo terceiro, realizar-se-á um estudo aprofundado das contribuições
de intervenção no domínio econômico, promovendo uma leitura histórica desse
instituto dentro das Constituições que vigeram no país ao longo de sua
independência e procurando identificar quais são suas principais características
dentro do ordenamento jurídico nacional. Merece especial destaque o estudo da
suas finalidades, bem como a necessidade de uma destinação efetiva dos seus
recursos para essas finalidades, de forma a demonstrar que, uma vez não
destinados os recursos para os quais foram arrecadados, o tributo interventivo perde
seu fundamento de validade no Texto Constitucional.
Posteriormente, será realizado um estudo detalhado da contribuição de
intervenção no domínio econômico incidente sobre petróleo e derivados, gás natural
e derivados e álcool combustível, por meio da análise da EC nº 33, de 11 de
dezembro de 2001 e das Leis nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001 e 10.636, de
13
30 de dezembro de 2002, que introduziram e definiram os parâmetros de incidência
do tributo interventivo in comento. Isso para procurar enquadrá-lo dentro da regra-
matriz de incidência tributária, bem como confrontá-lo com os princípios
constitucionais da ordem econômica e do Sistema Constitucional Tributário, de
forma a investigar se essa contribuição possui ou não finalidade interventiva e,
ainda, se respeita os princípios constitucionais tributários, buscando descobrir se o
tributo em análise encontra ou não fundamento de validade no Texto Constitucional.
14
1 ESTADO E ECONOMIA
1.1 ECONOMIA, ESTADO E DIREITO: A ORDEM ECONÔMICA INSERIDA NO TEXTO CONSTITUCIONAL
A origem da palavra economia remonta aos primórdios da civilização grega,
proveniente dos vocábulos oikos (casa) e nomos (norma, lei), traduzindo-se como a
administração de uma unidade habitacional, ou modernamente, como a
administração da coisa pública1. Dessa forma, a Economia atinge o patamar de
ciência social relacionada com a administração e gerenciamento da coisa pública, de
forma a buscar maneiras de se possibilitar melhores condições de vida para a
sociedade, ao tempo em que se realizam medidas de satisfação de necessidades
publicas. WONNACOTT conceitua a Economia como sendo
[...] o estudo de como as pessoas ganham a vida, adquirem alimentos, casa, roupa e outros bens, sejam eles necessários ou de luxo. Analisa, sobretudo, os problemas enfrentados pelas pessoas e as maneiras pelas quais esses problemas podem ser contornados.2
A Economia se preocupa com o fato por meio do qual as pessoas, assim
como o Estado, poderão buscar meios de satisfazer as necessidades dos indivíduos,
possibilitando o seu desenvolvimento dentro do cenário social. Em outros termos,
busca formular políticas para atender aos anseios sociais. Dentro dessa ótica, a
ciência econômica traz como tema central o problema da escassez dos bens
econômicos, enquanto as necessidades são muitas, atuando de forma a viabilizar a
maximização dos bens para atender às grandes demandas sociais, levando
ROSSETI a afirmar que a economia é a ciência que estuda as formas de
comportamento humano resultantes da relação existente entre as ilimitadas
necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos
alternativos3.
1 PASSOS, Carlos Alberto Martins e NOGAMI, Otto. Princípios de Economia. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 4. 2 WONNACOTT, Paul e WONNACOTT Ronald. Economia. GONDO, Celso Seiji, CORTADA, Martins e FRANCISCO JUNIOR, Jayme Fonseca (trad.) 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. p. 3. 3 ROSSETI, José Pascoal. Introdução à economia. 17. ed., reest., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 1997. p. 52; no mesmo sentido, Cf. NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: uma introdução ao direito econômico. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 31. Afirma o autor que a
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No intuito de buscar atender às necessidades sociais, a Economia traz como
temas correlatos ou metas econômicas, o alto nível de emprego, a estabilidade dos
preços dos produtos, a eficiência do trabalho, a distribuição de renda de forma
eqüitativa, bem como o crescimento econômico4, os quais guardam similitude com
diversos problemas enfrentados pelo Estado e são objeto de estudo do Direito.
Estes fatos sociais, que a Economia toma como objeto de estudo, podem ser
chamados de fatos econômicos.
A ciência econômica enxerga os fatos sociais de forma objetiva, analisando-
os sob uma ótica informativa, de modo a fornecer ao Estado elementos necessários
para a realização de políticas públicas voltadas ao atendimento das demandas
sociais. Por ser ciência relacionada com o mundo do ser, auxilia o legislador, assim
como o administrador, a visualizar quais são os problemas sociais e sinaliza para
possíveis soluções a serem desenvolvidas pelo Estado em busca de seus objetivos
previstos no art. 3º da Constituição Federal. Por conseguinte, a Economia estuda o
fato social de cunho econômico, na tentativa de entendê-lo e explicá-lo, apontando
os principais problemas relacionados com as metas econômicas e propondo
soluções para estes problemas.
Estes fatos econômicos que são objeto de estudo da Economia, acabam por
ser objeto de estudo do Direito, na medida em que exercem influência no
ordenamento jurídico brasileiro. A política e a ciência econômica influenciam na
confecção de normas pelo Estado, justificando a sua atenção por parte do Direito5.
Entretanto, ao invés de analisar estes fatos econômicos como eles são, analisa-os
como deverão ser. É o estudo normativo, prescritivo, por parte do Direito, do fato
economia existe porque os recursos são sempre escassos frente à multiplicidade de necessidades humanas. 4 WONNACOTT, Paul e WONNACOTT Ronald. Tradução de Celso Seiji Gondo, Martins Cortada e Jayme Fonseca Francisco Júnior. Economia. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. p. 9-19. 5 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: uma introdução ao direito econômico. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 31. Afirma o autor que há uma íntima relação entre o direito e a economia, a qual deriva da própria origem da palavra oikos nomos, pois os fatos econômicos são o que são e se apresentam de uma dada maneira em função direta de como se dá a organização ou normatização – “nomos” – a presidir a atividade desenvolvida na “oikos” ou num dado espaço físico ao qual ela possa se assimilar. E o “nomos” nada mais vem a ser do que as normas ou regras, estas objeto da ciência do Direito.
16
que a economia analisa de modo informativo, descritivo.6 Dessa forma, o fato
econômico atua como o liame entre o Direito e a Economia, possibilitando o estudo
do direito sob um ótica econômica. Há [...] uma intercomunicabilidade de linguagem
e de valores [...]7 que apontam para uma inter-relação entre o mundo do ser
econômico e o mundo do dever-ser jurídico, sendo o direito econômico [...] a área
privilegiada de encontro e estudo desses novos desenvolvimentos, cabendo-lhe
analisar a interacção existente e prosseguir a adequação possível e desejável entre
o jurídico e o económico8.
Assim, o Direito Econômico surge como o intermediário entre o Direito e a
Economia, objetivando estudar as normas que versam sobre conteúdo econômico,
de forma a regular determinadas situações jurídicas em prol da busca pelos
objetivos do Estado. MONCADA observa que o Direito Econômico não é um Direito
da Economia, sob pena de se alargar em demasia o seu objeto, tornando-o sem
conteúdo9. Pelo contrário, afirma que a principal característica do Direito Econômico
é o estudo de normas jurídicas incidentes sobre fatos econômicos, de forma a
regulá-los por meio da atividade estatal, afirmando que o Direito Econômico é Direito
público que tem por objectivo o estudo das relações entre os entes públicos e os
sujeitos privados, na perspectiva da intervenção do Estado na vida económica10.
VAZ também traz a idéia de que a norma jurídica atua como
regulamentadora da Economia. Apesar desta surgir antes no cenário econômico, por
se tratar de ciência informativa, o Direito não se torna seu servo. Pelo contrário. Atua
como limitador de suas atividades, embora sofra influência daquela na sua
atuação11.
Essa inter-relação entre o Direito e a Economia produz grandes
6 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 54. 7 VAZ, Manuel Afonso. Direito Económico. 4. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 79. 8 VAZ, Manuel Afonso. Direito Económico. 4. ed., rev. e atual., Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 79. 9 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editores, 1988. p. 07-09. 10 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editores, 1988. p. 12. 11 VAZ, Manuel Afonso. Direito Económico. 4. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 80-82.
17
transformações na sociedade, na medida em que vão sendo criadas normas de
caráter econômico, de forma a estabelecer novas premissas para as condutas
sociais. O Estado, como grande realizador do bem-estar, acaba por sofrer a
influência econômica na tentativa de implementar suas políticas públicas voltadas
para este fim, variando a sua intensidade de acordo com as ideologias
sedimentadas pelas doutrinas econômicas que estejam exercendo sua influência em
determinada época da história, conforme será visto mais adiante. Nessa esteira, o
Direito, por meio do Direito Econômico, preocupa-se com a interferência econômica
na confecção de normas, procurando estudar essa inter-relação entre o Estado e as
atividades econômicas, por meio da produção de normas que visem a regular as
atividades econômicas, levando SANTOS a definir o
[...] Direito Económico como o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica específica da organização e direcção da atividade económica pelos poderes públicos e (ou) pelos poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras com caráter geral, vinculativas dos agentes económicos.12
Além da regulação das atividades econômicas, o Direito Econômico também
objetiva a estudar fenômenos políticos, analisando as políticas públicas
desenvolvidas pelo Estado na tentativa de atender as necessidades públicas
demandadas pela sociedade, como bem afirma CELSO BASTOS:
Direito econômico é o ramo autônomo do Direito que se destina a normatizar as medidas adotadas pela Política Econômica através de uma ordenação jurídica, é dizer, a normatizar as regras econômicas, bem como a intervenção do Estado na economia.13
Na mesma esteira, LEOPOLDINO afirma que o objeto de estudo do Direito
Econômico é a política econômica, na medida em que o Estado adota medidas
políticas para relacionar o jurídico com o econômico, se utilizando de normas para
regular a Economia, de forma a alcançar um equilíbrio.14
Cumpre ainda destacar o conceito de SOUZA, o qual abrange todos os 12 SANTOS, António Carlos et. al. Direito Económico. Coimbra: Almedina, 1997. p. 15-16. 13 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2003. p. 51. 14 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 19.
18
aspectos transcritos anteriormente, ofertando ao Direito Econômico, medidas que
atentam para a intervenção estatal nas atividades econômicas, bem como para
políticas econômicas realizadas pelo Estado:
Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a “juridicização”, ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do princípio da economicidade.15
Ao se analisar o conceito acima transcrito, constata-se que o grande
responsável pela harmonia das normas jurídicas em relação aos interesses
econômicos traduzidos nas escolas econômicas, que serão estudadas adiante, é o
princípio da economicidade. Um estudo mais aprofundado dos princípios será
desenvolvido ao longo do presente trabalho, razão pela qual se deixa de colacionar
ensinamentos acerca do vernáculo princípio, trazendo apenas o conteúdo do que
vem a ser economicidade.
Já foi destacado que as escolas econômicas influenciam na construção de
normas, bem como na realização de políticas econômicas pelo Estado. Estas
escolas econômicas não convivem de forma isolada, afastando sua atuação
enquanto outra esteja no controle do Poder Estatal. Dessa forma, é necessário um
mediador das idéias econômicas presentes na sociedade, capaz de possibilitar ao
Estado a implementação de suas políticas destinadas à persecução de suas
finalidades. Para tanto, o princípio da economicidade atua de forma a viabilizar a
coexistência de diferentes pensamentos econômicos, em prol das necessidades
públicas que o Estado precisa suprir, por meio de suas políticas públicas. Este
princípio traz a idéia de flexibilidade das medidas econômicas em busca da justiça,
além de atuar como instrumento de harmonização das escolas econômicas16. É
princípio interpretativo das variadas escolas presentes no ordenamento, além de ser
informativo, na medida do justo econômico, orientando o Estado na busca da justiça
e do bem-estar social. 15 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 23. 16 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 23.
19
É possível afirmar que os fatos econômicos são utilizados tanto para a
ciência econômica, quanto para a ciência jurídica, de forma a servirem de objeto de
estudo para ambas. Esses fatos econômicos, seja do ponto de vista da ciência
econômica (fatos econômicos relacionados ao mundo do ser), seja do ponto de vista
da ciência do direito (fatos jurídicos relacionados ao mundo do dever-ser), estão
organizados em elementos e processos que possuem uma estrutura, constituindo-se
em uma ordem17. Por conseguinte, é possível falar da existência de uma ordem
econômica do mundo do ser e uma ordem econômica do mundo do dever-ser, ou,
como prefere MOREIRA, em uma ordem econômica e em uma ordem jurídica da
economia18. Assim, sob a expressão ordem econômica, é possível designar tanto os
fatos econômicos existentes do mundo do ser, quanto os fatos positivados no mundo
do dever-ser. Contudo, o Título VII da Constituição Federal, ao introduzir seus
preceitos relativos à Ordem Econômica, está se referindo à ordem econômica
normativa, pois estabelece os princípios e demais institutos jurídicos que irão regular
as atividades econômicas ocorridas no mundo do ser.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, adotar-se-á a expressão
atividade econômica ou domínio econômico para a designação da ocorrência dos
fatos econômicos relacionados com o mundo do ser e ordem econômica para a
designação do conjunto de princípios e normas destinados a regular os fatos
econômicos em prol dos objetivos e finalidades constitucionais.
1.2 AS PRINCIPAIS ESCOLAS ECONÔMICAS FRENTE AO INTERVENCIONISMO ESTATAL NA ECONOMIA
Ao se analisar a inter-relação entre o direito e a economia, verifica-se que as
atividades econômicas exercem grande influência na sociedade e,
conseqüentemente, demandam um grande interesse por parte do direito no tocante
à sua regulação. Nada obstante, as atividades econômicas, por pertencerem ao
mundo do ser, procuram uma maior ou menor independência do mundo do dever-
17 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para um conceito de constituição económica. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1979. p. 53. 18 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para um conceito de constituição económica. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1979. p. 53.
20
ser do universo jurídico, de acordo com a ideologia trazida por uma dada escola
econômica que esteja exercendo sua influência em uma dada sociedade em cerca
época da história. Cumpre analisar a evolução do pensamento econômico em
relação à intervenção do Estado nas relações econômicas, partindo do Estado
Absolutista do início do Século XVIII até os dias atuais.
Durante o início do século XVIII, a Europa era governada pelos monarcas
fundados no regime Absolutista de poder, no qual a figura do Estado e a do
Soberano se confundiam, tornando a vontade do rei a vontade do Estado. Tal
regime tinha como principal característica a desregulação do Estado pelo Direito; e,
nele, o Estado não encontrava limites para a sua atuação em qualquer atividade da
sociedade, denotando um forte intervencionismo estatal, exercido, principalmente
nas relações econômicas baseadas no mercantilismo. Com isso, a classe burguesa
era cada vez mais esmagada por esse intervencionismo em suas atividades
comerciais19. Sendo assim, a cada dia, os ideais de ruptura com o Estado
Absolutista iam se desenvolvendo, principalmente sob as fortes influências de
Locke, Rousseau, Montesquieu e Kant.
Para Locke, o Estado deveria existir apenas para que se preservassem os
direitos naturais do indivíduo, como a vida e a propriedade, abstendo-se das demais
relações20. Exalta-se o individualismo dos cidadãos, devendo o Estado servir tão
somente para garantir a preservação dos direitos inerentes a todo ser humano, o
que acaba por limitar o seu campo de atuação. Tem-se, portanto, um Estado
limitado, contrário ao que existia no Absolutismo, a exercer grande influência nas
idéias liberais da Revolução Francesa de 1789.
Rousseau partia dos ensinamentos de Hobbes – o Estado era o instrumento
necessário para a persecução da segurança para os indivíduos, sendo, portanto,
necessário –, mas se contrapunha às idéias de que essa segurança representava
uma limitação da liberdade, como afirmava Hobbes. De forma diversa, Rousseau
19 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 132-153. 20 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 3. ed. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 59-62.
21
propunha um Estado em consonância com a liberdade21. Para tanto, o contrato
social seria o instrumento viável para se alcançar o Estado mantenedor da liberdade
por meio do trespasse dos direitos naturais do indivíduo para a coletividade, levando
BOBBIO a afirmar que Rousseau foi o [...] teórico mais conseqüente do estado
democrático22, na medida em que transfere para a coletividade a titularidade de criar
instrumentos capazes de resguardar os direitos naturais do indivíduo, sendo a
coletividade a titular do Poder do Estado. Verifica-se, desse modo, que Rousseau
defende a preservação da liberdade dos indivíduos, embora esta seja ofertada pelo
Estado na edição de leis, as quais serão limitações aos indivíduos e ao próprio
Estado, porque permitem a liberdade de ação dos indivíduos, em detrimento do
intervencionismo estatal do regime Absolutista.
Como terceiro grande fomentador das idéias reformadoras do Estado
Absolutista, Montesquieu e sua teoria da separação dos poderes contribuíram para a
delimitação da atuação do monarca, uma vez que lhe retirava a possibilidade de
editar normas, bem como de aplicá-las por meio da função jurisdicional, passando a
exercer apenas sua função executiva. Para Montesquieu, a liberdade é o direito de
fazer tudo o que as leis permitem23, o que somente seria possível de ofertar pela
teoria da separação dos poderes, na medida em que o [...] poder soberano não está
concentrado numa só mão, mas distribuído por órgãos diferentes que se controlam
reciprocamente24, gerando uma forte limitação do poder do Estado. Separados os
poderes, o Estado-executivo não poderá interferir na liberdade dos indivíduos acaso
não seja permitido por lei, pois se o fizer, estará descumprindo o mandamento legal
e sofrerá a sanção do Estado-judiciário. Constata-se, destarte, que Montesquieu
exerceu grande influência para o rompimento do Estado Absolutista, fornecendo a
estrutura política necessária para a implantação do Estado Liberal.
Cumpre ainda lançar as contribuições de Kant para o rompimento da
burguesia com o Estado Absolutista. Para ele, o Estado deveria exercer uma função 21 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 3. ed. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 71-72. 22 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 3. ed. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 72. 23 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 166. 24 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 3. ed. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 67-68.
22
de protetor25 dos indivíduos, ou seja, o Estado deveria proteger as liberdades
individuais, de forma a possibilitar o convívio em sociedade. A preservação da
liberdade, portanto, é o fim primordial do Estado, devendo este agir de uma forma
quase que negativa,
[...] porque sua característica é de não ter fins próprios e sua tarefa essencial não é a de fazer algo para a felicidade dos seus próprios súditos, mas simplesmente impedir, pela limitação das liberdades externas, que um cidadão não possa alcançar a sua própria felicidade, segundo a sua própria maneira de ver.26
Kant trata a liberdade como o único direito inato, natural do indivíduo,
competindo ao Estado apenas a sua preservação, ou seja, competiria a este ofertar
os meios para que os indivíduos, isoladamente, pudessem alcançar as suas metas
sem nenhuma outra interferência do poder estatal.
Durante o século XVIII, essas colaborações fomentaram o
desencadeamento dos ideais revolucionários na classe burguesa, a qual chegou ao
poder com Napoleão Bonaparte, com a Revolução Francesa em 1789, pondo fim ao
Estado Absolutista e iniciando o Estado Liberal, o qual ofertará toda a estrutura para
o desenvolvimento do capitalismo ao longo do século XIX.
1.2.1 A Escola Liberal
Após a implementação do Estado burguês, o capitalismo passou a se
desenvolver em virtude da Revolução Industrial, com a implementação das
indústrias de manufaturas por toda a Europa27. Neste cenário formado pelo Estado
burguês e pela Revolução Industrial, os economistas, liderados por Adam Smith28,
formaram a Escola Clássica ou Escola Liberal. Para Smith, o ponto fundamental de
sua teoria era fundado no trabalho e na produção, desenvolvendo as idéias de
divisão e qualificação do trabalho como determinantes para a economia, as quais,
25 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 3. ed. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 212. 26 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 3. ed. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 213. 27 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 156-174. 28 HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 43-72.
23
conseqüentemente, iriam trazer benefícios para os trabalhadores e riqueza para os
Estados29. Observa-se que Smith, ao desenvolver a sua teoria econômica voltada
para a divisão do trabalho, pregava o individualismo do trabalhador, motivando-o a
buscar cada vez mais o seu benefício próprio em detrimento da coletividade,
constituindo-se esse individualismo em um dos marcos do Liberalismo. No plano
econômico,
[...] o modelo teórico de desenvolvimento econômico de Smith constituía parte integrante de sua política econômica: ao contestar o padrão mercantilista de regulamentação estatal e de controle, apoiava a suposição de que a concorrência maximiza o desenvolvimento econômico e de que os benefícios do desenvolvimento seriam partilhados por todos.30
Para Smith, o Estado deveria deixar que as leis do mercado o regulassem,
como se houvesse uma mão invisível que sempre o conduziria em rumo à direção
mais benéfica para a sociedade31. Prega, portanto, a não-intervenção estatal nas
atividades econômicas, lutando contra qualquer ato do Estado que possa interferir
no mercado e nas suas leis de oferta e procura. Para ele, o Estado deveria proteger
a sociedade contra os ataques externos; estabelecer a justiça; manter as obras e
instituições necessárias à sociedade, as quais não trariam interesses lucrativos para
o setor privado, além de emitir moeda e reprimir qualquer ameaça ao mercado.32
Ao se analisar as funções do Estado propostas por Smith, observa-se uma
política de não-intervenção estatal, competindo ao Estado realizar apenas os atos
necessários à manutenção das condições mínimas para a sobrevivência do capital,
ofertando-lhe meios para o seu desenvolvimento, lecionando o individualismo
perante a sociedade e a livre circulação do capital por um mercado totalmente
desregulamentado.
Essa política econômica de não-intervenção estatal, de liberdade
29 HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 102-108 30 PINHO, Diva Benevides. Evolução da Ciência Econômica. PINHO, Diva Benevides e VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de (org.). In Manual de Economia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 37. 31 HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 54. 32 ARAÚJO, Carlos Robert Vieira. História do Pensamento Econômico.São Paulo: Atlas, 1995. p. 31.
24
econômica, perdurou por todo o século XIX e avançou no início do século XX por
três décadas, quando sofreu um duro golpe. Em 1929, a Bolsa de Valores de Nova
Iorque quebrou e provocou a Grande Depressão nas economias liberais por todo o
mundo. Apesar de a economia americana estar produzindo grandes quantidades de
produtos e de possuir um grande mercado consumidor com efetivo poder de
consumo de suas mercadorias produzidas, um pessimismo geral tomou conta de
Wall Street, e uma imensidão de ordem de venda de ações convergiram para o
mercado33, provocando o colapso do mercado de ações, pois não havia liquidez
para honrar todas as obrigações ao mesmo tempo. Os economistas da época,
baseados no Liberalismo, não praticaram nenhum ato para tentar reverter a situação
do mercado de ações, pois este, segundo sua teoria, alcançaria a solução
automaticamente, principalmente em virtude da grande produção de mercadorias e
da capacidade de aquisição desses produtos pelos consumidores. Entretanto, não
foi o que ocorreu. A cada ano que se seguiu depois do crack da Bolsa de Nova
Iorque, os indicadores econômicos dos países despencaram em virtude da deflação
dos preços das mercadorias, provocando a falência de muitas empresas. O nível de
desemprego aumentou, atingindo níveis alarmantes e a camada mais frágil da
sociedade passou a sofrer grandes privações, pois não conseguiam pagar para
usufruírem dos serviços públicos básicos34.
Diante dessa realidade estabelecida pela Grande Depressão e da total
incapacidade da Escola Liberal de encontrar uma saída para a crise econômica e
social que imperava por todos os Estados, tornou-se necessária a revisão dos ideais
liberais e da não-intervenção estatal nas relações econômicas, de modo a se
encontrar uma saída para a crise que se seguiu depois outubro de 1929.
Instaurada a depressão nos Anos 30, o governo americano implementou em
1933 a política do New Deal, visando a estimular a economia a sair da crise pela
qual estava acometida, mediante a concessão de empréstimos a juros módicos e a
iniciar uma política de gastos públicos, principalmente com o seguro-desemprego,
aposentadorias e pensões, de forma a garantir recursos necessários aos indivíduos
33 HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 232. 34 GALBRAITH, John kenneth. O Pensamento Econômico em Perspectiva: Uma história crítica. São Paulo: Pioneira, 1989. p. 176.
25
para se manterem e fomentar a economia novamente. Entretanto, as políticas
oferecidas pelo governo Roosevelt não surtiram os efeitos desejados e a depressão
continuou a assolar o mundo capitalista. Foi então que Keynes publicou sua obra
intitulada Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, rompendo com a escola
Clássica e promovendo a Revolução Keynesiana35. O principal foco da teoria de
Keynes estava localizado na análise do desemprego, na medida em que afirmava
não ser necessária a existência de um pleno emprego para que a economia pudesse
girar, e na função estatal em relação às atividades econômicas, as quais ele deveria
fomentar por meio da implantação de obras públicas, a fim de absorver parcela dos
desempregados e possibilitar ao mercado a injeção de novos recursos.
Paralelamente, o Estado deveria ainda ofertar benefícios sociais, por meio de uma
política tributária capaz de distribuir renda, de modo a acobertar os desempregados
que não conseguissem emprego, possibilitando-lhes consumir novamente os
produtos que seriam produzidos pelas empresas, as quais, por sua vez,
encontrariam crédito barato para se modernizarem e acompanhar o crescimento da
demanda por novos produtos36. Para HEILBRONER, as idéias de Keynes,
delineadas no cenário depressivo dos Anos 30 e ensejadoras de uma retomada do
crescimento econômico por meio do intervencionismo estatal na política de juros,
distribuição de renda e implementação de obras públicas, tornaram-no o arquiteto do
Capitalismo Viável37, possibilitando aos Estados capitalistas emergirem da
depressão econômica e moldando as bases para a implantação do Estado Social.
1.2.2 A Escola Social
Embora o Estado Social (Welfare State) tenha se materializado no Estado
norte-americano nas Décadas de 30 e 40, sua origem remonta a meio século antes
da crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em meados de 1880, na Alemanha,
quando Otto von Bismarck implantou algumas medidas de cunho social, fazendo
nascer o Estado do Bem-Estar Social. Essas medidas, veementemente contrárias às
idéias liberais que predominavam por todo o mundo capitalista, consistia em uma
política previdenciária de aposentadorias e pensões, por acidentes ou por idade, de
35 HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 402-403. 36 HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 410-411. 37 HEILBRONER, Robert L. A História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 236.
26
forma a acalmar os ânimos dos trabalhadores alemães extasiados pelas idéias
marxistas e sedentos de melhores condições de trabalho38. Dessa forma, pode-se
afirmar que o Estado do Bem-Estar nasceu para conter os avanços dos ideais
marxistas, de forma a viabilizar o capitalismo e o seu acúmulo de capital.
No início do século XX, na Inglaterra, o Estado do Bem-Estar também
começou a ser trilhado, na medida em que foram implantadas políticas
previdenciárias, somadas ao seguro-desemprego, garantindo aos trabalhadores uma
renda mínima mesmo não estando empregados, novamente como forma de conter o
avanço das idéias socialistas, principalmente devido à Revolução Bolchevista
ocorrida na Rússia em 1917.
Entretanto, o primeiro grande passo com destino ao Estado do Bem-Estar
Social foi tomado no México, em 1917, com a promulgação da Constituição
Mexicana. Foi a primeira Constituição a tutelar os direitos sociais, protegendo o
trabalho por meio da jornada de trabalho, férias, salário mínimo, proteção do
trabalho infantil, horas-extras, descansos semanais remunerados, direitos sindicais e
garantindo o direito à previdência social39. Foi a Constituição Mexicana quem, de
38 GALBRAITH, John Kenneth. O Pensamento Econômico em Perspectiva: Uma história crítica. São Paulo: Pioneira, 1989. p. 189. 39 ARTICULO 123 - Toda persona tiene derecho al trabajo digno y socialmente útil; al efecto, se promoverán la creación de empleos y la organización social para el trabajo, conforme a la ley. El Congreso de la Unión, sin contravenir a las bases siguientes, deberá expedir leyes sobre el trabajo, las cuales regirán: A. Entre los obreros, jornaleros, empleados, domésticos, artesanos, y de una manera general, todo contrato de trabajo: I. La duración de la jornada máxima será de ocho horas; II. La jornada máxima de trabajo nocturno será de siete horas. Quedan prohibidas: las labores insalubres o peligrosas, el trabajo nocturno industrial y todo otro trabajo después de las diez de la noche, de los menores de dieciseis años; III. Queda prohibida la utilización del trabajo de los menores de catorce años. Los mayores de esta edad y menores de dieciseis, tendrán como jornada máxima la de seis horas; IV. Por cada seis días de trabajo deberá disfrutar el operario de un día de descanso, cuando menos; (...) XIV. Los empresarios serán responsables de los accidentes del trabajo y de las enfermedades profesionales de los trabajadores, sufridas con motivo o en ejercicio de la profesión o trabajo que ejecuten; por lo tanto, los patronos deberán pagar la indemnización correspondiente, según que haya traído como consecuencia la muerte o simplemente incapacidad temporal o permanente para trabajar, de acuerdo con lo que las leyes determinen. Esta responsabilidad subsistirá aun en el caso de que el patrono contrate el trabajo por un intermediario; XV. El patrón estará obligado a observar, de acuerdo con la naturaleza de su negociación, los preceptos legales sobre higiene y seguridad en las instalaciones de su establecimiento, y a adoptar las medidas adecuadas para prevenir accidentes en el uso de las máquinas, instrumentos y materiales de trabajo, así como a organizar de tal manera éste, que resulte la mayor garantía para la
27
fato e de direito, ofertou ao ordenamento jurídico os primeiros passos para a
instalação de um Estado do Bem-Estar Social, conferindo direitos sociais a toda
sociedade, de modo a frear os avanços do capitalismo na busca de sua acumulação
desvairada pelo capital.
Dois anos mais tarde, na Alemanha, foi promulgada a Constituição da
República de Weimar, em 1919, como forma de reorganizar a Alemanha derrotada
na Primeira Guerra Mundial. Embora toda a conturbação política alemã, a
Constituição de Weimar exerceu importância ímpar na evolução do Estado do Bem-
Estar Social ao estabelecer uma democracia social, promovendo a interação entre
os direitos civis e políticos — que o sistema comunista negava — com os direitos
econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo40. A Constituição alemã
causou grande impacto nos ideais liberais do início do Século XX, na medida em
que promoveu a inclusão dos direitos sociais e econômicos em seu texto, pois,
segundo COMPARATO, os direitos sociais:
[...] têm por objeto não uma abstenção, mas uma atividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência social e outros do mesmo gênero só se realizam por meio de políticas públicas, isto é, programas de ação governamental. Aqui, são grupos sociais inteiros, e não apenas indivíduos, que passam a exigir dos Poderes Públicos uma orientação determinada na política de investimentos e de distribuição de bens; o que implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado (sic) uma redistribuirão de renda pela via tributária.41
Nada obstante as grandes contribuições que as Constituições Mexicana e
Alemã proporcionaram para a inclusão dos direitos sociais e econômicos no cenário
econômico-jurídico das sociedades capitalistas, o Estado do Bem-Estar Social
somente encontrou espaço para o seu desenvolvimento com a Grande Depressão
após o crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, com as políticas
salud y la vida de los trabajadores, y del producto de la concepción, cuando se trate de mujeres embarazadas. Las leyes contendrán, al efecto, las sanciones procedentes en cada caso; XVI. Tanto los obreros como los empresarios tendrán derecho para coligarse en defensa de sus respectivos intereses, formando sindicatos, asociaciones profesionales, etcétera; In http://www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/Mexico/mexico1917.html. Capturado em 04 de maio de 2005. 40 COMPARATO, Fábio Konder. A Constituição Alemã de 1919. In http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/alema1919.htm. Capturado em 04 de maio de 2005. 41 COMPARATO, Fábio Konder. A Constituição Alemã de 1919. In http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/alema1919.htm. Capturado em 04 de maio de 2005.
28
Keynesianas de intervenção estatal, principalmente com sua política de distribuição
de renda e execução de grandes obras públicas.
As políticas sociais desenvolvidas pelo Estado do Bem-Estar Social
promoveram grandes melhorias nas sociedades capitalistas, garantindo cada vez
mais direitos sociais e econômicos aos indivíduos, em nível nacional e internacional,
com a Declaração Universal dos direitos econômicos, sociais e culturais pela
Organização das Nações Unidas, em 1966. Cumpre observar que a política
intervencionista do Estado do Bem-Estar Social encontrava fortes resistências por
parte dos liberalistas, entretanto, estavam enfraquecidos diante dos bons resultados
obtidos pelo Welfare State nas Décadas de 50 e 6042. Soma-se a isso, o auge do
período da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, na medida em que o
mundo capitalista, em virtude da constante ameaça de revoluções socialistas,
acabava por ceder às pressões da sociedade, em busca de melhores condições de
vida para os seus indivíduos.
Entretanto, na Década de 70, o Estado intervencionista do Bem-Estar Social
sofreu uma grande crise, na medida em que o déficit público atingiu níveis
alarmantes em virtude das crises do petróleo em 1973 e 1978, aliados ao grande
desemprego e à inflação que assolou as economias capitalistas. Em relação à
Guerra Fria, as políticas de abertura econômica promovidas por Gorbatchev, na
União Soviética, afastaram o medo de revoluções socialistas no lado ocidental,
culminando com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim do Estado Socialista
Soviético, em 1991, possibilitando o desenvolvimento de políticas neoliberalizantes
ao longo da Década de 80, até nossos dias.
1.2.3 A Escola Neoliberal
Como contrapartida do Estado Social implementado por Keynes e a política
do New Deal norte-americana, os defensores da Escola Liberal encontraram em
42 ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.). Pós-neoliberalismo: As Políticas Sociais e o Estado Democrático. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 9-10.
29
Friedrich von Hayek43 o seu principal expoente. Ao escrever seu livro O Caminho
para Servidão, Hayek elegeu o Estado do Bem-Estar Social como o seu principal
adversário, traçando suas idéias contra a política intervencionista do Welfare State e
defendendo o Estado mínimo como forma de se desenvolver as políticas
governamentais. Ao lado do Hayek, diversos estudiosos de toda a Europa e Estados
Unidos, dentre eles Milton Friedman, se uniram em torno da sociedade Mont Pèlerin,
que, fundada em 1947, consistia em
[...] uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro.44
Os neoliberais tinham como principal idéia a livre interferência do Estado na
esfera econômica. A economia não precisava ser regulada pelo Estado para que
pudesse se desenvolver. Pregavam a liberdade como direito fundamental e esta
liberdade, na sua esfera econômica, não poderia sofrer nenhuma restrição por parte
do ente estatal. Para a teoria neoliberal, o princípio da igualdade e,
conseqüentemente, o da justiça social é deixado de lado, abrindo espaço para a
liberdade plena do cidadão para desenvolver suas atividades econômicas. O Estado
não pode se preocupar em regular as atividades econômicas, como forma de buscar
a distribuição de riquezas entre os cidadãos. Dessa forma, os gastos sociais
precisam ser cortados, pois levam à estagnação da economia e ao fortalecimento da
classe média, comprometendo os interesses dos detentores dos meios de produção.
BONEAU retrata os ideais neoliberais preconizados por Hayek e seus seguidores,
afirmando que
Hayek, dando continuidade à tradição liberal iniciada por Adam Smith, defende uma concepção mínima do Estado. Sua principal idéia corresponde à crítica radical da idéia de justiça social, noção que dissimula, segundo ele, a proteção dos interesses corporativos da classe média. Preconiza a eliminação das intervenções sociais e econômicas do setor público.45
43 BONEAU, Dennis. Friedrich von Hayek, el padre del neoliberalismo. In http://www.redvoltaire.net/article3311.html, capturado em 05.05.2005. 44 ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In Pós-neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado Democrático. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 10. 45 BONEAU, Dennis. Friedrich von Hayek, el padre del neoliberalismo. In http://www.redvoltaire.net/article3311.html, capturado em 05.05.2005. Hayek, dando continuidad a la
30
Os ideais neoliberais não puderam se propagar inicialmente, tendo em vista
o grande desenvolvimento econômico que o Estado do Bem-estar Social estava
atravessando ao longo das Décadas de 50 e 60. Porém, em meados da Década de
70, o Estado Social passou a experimentar diversas crises econômicas, encontrando
na inflação e recessão econômica o seu principal obstáculo, agravadas pela crise do
petróleo, em 1973. Nesse período, os ideais neoliberais passaram a ganhar corpo,
elegendo os sindicatos e o movimento operário como os principais responsáveis
pela crise, na medida em que representavam um grave empecilho à acumulação
capitalista em virtude das suas reivindicações por melhores salários e por gastos
sociais por parte do Estado, acabando por gerar um processo inflacionário46.
No final da Década de 70 e início da Década de 80, após outra crise do
petróleo (1978), os neoliberais chegaram ao poder na Inglaterra, com Tatcher
(1979), nos Estados Unidos, com Reagan (1980), na Alemanha com Khol (1982) e
em vários países europeus, passando a implementar suas políticas neoliberais,
buscando suprimir cada vez mais a intervenção do Estado nas relações econômicas,
reduzindo o poder dos sindicatos, flexibilizando a legislação trabalhista, aplicando
políticas antiinflacionárias, reduzindo a máquina estatal com a demissão de
funcionários e promovendo programas de desestatização e privatização.
Na América Latina, o Chile, com Pinochet, foi o primeiro a implementar um
governo neoliberal, ainda na Década de 70. Entretanto, foi com o Consenso de
Washington, em 1989, que o Brasil e os demais países da América Latina se
comprometeram, perante os países desenvolvidos e seus instrumentos de
sedimentação de dominação (FMI, Banco Mundial dentre outros), a implementar
políticas neoliberais, de modo a propiciar a acumulação de capital em seus
territórios, abrindo caminho ao desenvolvimento das políticas neoliberais ao longo
tradición liberal iniciada por Adam Smith, defiende una concepción mínima del Estado. Su especial aporte corresponde a la crítica radical de la idea de «justicia social», noción que disimula, según él, la protección de los intereses corporativos de la clase media. Preconiza la eliminación de las intervenciones sociales y económicas públicas. 46 ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.). Pós-neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado Democrático. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 10.
31
dos Anos 90 por toda América Latina47.
Outro fator que contribuiu para a sedimentação das idéias neoliberais ao
longo dos principais países desenvolvidos, bem como na América Latina, foi o
movimento da globalização, na medida em que traz a idéia de integração entre os
povos, possibilitando a livre circulação de informações, pessoas, produtos e serviços
entre os países, o que acabou por contribuir para a instalação das empresas
transnacionais por esses países e para o fortalecimento das políticas neoliberais.
Isto se deve ao fato de estas empresas exercerem grande força sobre os governos,
pressionando-os a adotar políticas que privilegiam a acumulação de capital em
detrimento dos direitos sociais dos cidadãos.
O movimento de globalização trouxe grandes impactos em diversos institutos
jurídicos, chegando alguns autores a redimensionar o conceito de soberania em
virtude da forte influência do capital internacional nas políticas dos Estados48.
Entretanto, no cenário referente à intervenção estatal nas atividades econômicas, o
processo de globalização está intimamente relacionado com as idéias neoliberais,
como bem observa GODOY, ao afirmar que a
Globalização é metáfora de nossos dias que exprime condição econômica e cultural. Promove a hegemonia do capitalismo e de percepções neoliberais, anunciando uma escatologia que consagra novos moldes de soberania, de relações humanas e de idiossincrasias.49
A globalização possibilita às empresas transnacionais o acesso aos
mercados consumidores de muitos países do globo e dimensiona a aplicação de
suas políticas neoliberais, de forma a se alcançar a acumulação de capital
necessária para o crescimento do capitalismo. Com isso, a globalização contribuiu e
continua a contribuir para a hegemonia dos ideais neoliberais nas políticas
econômicas desempenhadas pelos governos, alterando a estrutura normativa de
muitos destes países, possibilitando ao capital e ao ideal neoliberalista se 47 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Estado Neoliberal e seu Impacto Sócio-Jurídico. In Globalização, Neoliberalismo e Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997, p. 80. 48 FARIA, José Eduardo. O direito na Economia Globalizada. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 16-38. 49 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Globalização, neoliberalismo e o direito no Brasil. Londrina: Humanidades, 2004. p. 11.
32
concretizarem.
1.3 O CONSTITUCIONALISMO DIANTE DOS REFLEXOS DOS MOVIMENTOS SÓCIO-ECONÔMICOS
Verificado o efeito dos pensamentos econômicos acerca do intervencionismo
estatal, passa-se agora a analisar qual foi a influência das escolas econômicas no
Direito, para que se determine qual foi a influência que as idéias econômicas
exerceram sobre o legislador, no momento de sedimentação dos ordenamentos
jurídicos dos Estados, nos moldes de determinado pensamento econômico, em
determinada época da história.
O primeiro ponto a ser abordado sobre a influência da Economia no Direito
diz respeito ao processo de criação das normas fundamentais de cada estado, qual
seja, a Constituição. A esse processo de criação das Cartas Constitucionais dá-se o
nome de Constitucionalismo. Para CANOTILHO, o [...] constitucionalismo é a teoria
(ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos
direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma
comunidade50. O constitucionalismo é a formalização dos valores sociais por meio
da positivação desses valores em um texto escrito, de forma a regulamentar
determinadas atividades estatais. Para ZIULU, o constitucionalismo é o processo
histórico em virtude do qual se vão incorporando, às leis principais dos Estados,
disposições que protegem a liberdade e a dignidade do homem, limitando
adequadamente o exercício do poder público51. Já SAGÜÉS afirma que
Chama-se “movimento constitucionalista” ou “constitucionalismo” o processo político-jurídico que tem por meta estabelecer em cada Estado um documento normativo – a “constituição” – com determinadas características formais (texto preferencialmente escrito, orgânico, com supremacia sobre as demais regras de direito), e de conteúdo (organiza a estrutura fundamental do Estado, define seus fins e enuncia os direitos dos habitantes).52
50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 45. 51 ZIULU, Adolfo Gabino. Derecho Constitucional. Tomo I, Buenos Aires: Depalma, 1997. p. 41. El constitucionalismo es el proceso histórico en virtud del cual se van incorporando, a las leyes principales de los Estados, disposiciones que protegen la liberdad y la dignidad Del hombre, y limitan adecuadamente el ejercicio del poder público. 52 SAGÜÉS, Nestor Pedro. Teoria de La Constitución. Buenos Aires: Astrea, 2001. p. 1. Se llama “movimiento constitucionalista” o “constitucionalismo” a un proceso político-jurídico que tiene por meta
33
Observa-se que o constitucionalismo foi o movimento surgido para impor
limitações ao poder soberano do governante, de forma a estabelecer parâmetros
para sua atuação, estabelecer a supremacia das normas constitucionais sobre as
demais normas do ordenamento, positivar direitos inatos a todo ser humano,
consubstanciando-se em direitos fundamentais de todo cidadão, dando-lhes uma
maior segurança de sua proteção, e para estabelecer uma estrutura organizacional
para o Estado, de forma a regular as suas atividades.
Por ser um movimento histórico que vai ocorrendo ao longo do tempo, o
constitucionalismo sofreu influência de diversos fatores sociais, assim como dos
pensamentos econômicos que predominaram em determinada época da história.
Como veio para limitar o poder soberano do monarca nos Estados Absolutistas, é
natural a influência das idéias liberais preconizadas por Locke, Rousseau,
Montesquieu, Kant, dentre outros, os quais, conforme já visto anteriormente,
influenciaram os movimentos liberais no final dos séculos XVII e XVIII. Essas idéias
liberais, fundamentadas na limitação do Poder do Estado e na preservação dos
direitos naturais, principalmente da liberdade e do patrimônio, acabaram por eclodir
a revolução Inglesa (1688), a Americana (1776) e a Francesa (1789). Em conjunto
com as revoluções, surgiram os primeiros Textos Constitucionais: Bill of Rights na
Inglaterra (1688), Constituição de Virgínia (1776), a Constituição americana (1787),
a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e,
posteriormente, a Constituição francesa (1792). Observa-se a presença das
doutrinas liberais influenciando os Textos Constitucionais, de modo a limitar o poder
estatal, de forma a mitigar sua intervenção nas relações privadas, dentre elas a
economia, possibilitando ao capitalismo se desenvolver por meio da acumulação de
capital e sedimentando a burguesia (também chamada de terceiro Estado53) no
poder, fatores estes que levaram ZIULU a chamar essa primeira etapa do
movimento constitucionalista de constitucionalismo liberal.54
establecer en cada Estado un documento normativo – la “constitución” – con determinadas características formales (texto preferencialmente escrito, orgánico, con supremacía sobre las demás reglas del derecho), y de contenido (organiza la estrutura fundamental del Estado, define sus fines y enuncia los derechos de los habitantes). 53 SAGÜÉS, Nestor Pedro. Teoria de La Constitución. Buenos Aires: Astrea, 2001. p. 23. 54 ZIULU, Adolfo Gabino. Derecho Constitucional. Tomo I, Buenos Aires: Depalma, 1997. p. 49.
34
Durante o período das Constituições liberais, o Texto Constitucional se
limitava a assegurar os direitos civis e políticos dos cidadãos, a limitar o poder
estatal e a organizar o Estado. Não havia necessidade de se inserir outras normas
na seara constitucional, uma vez que a doutrina liberal preconizava a mínima
ingerência do Estado nas relações privadas, deixando para estes a determinação de
suas atividades. É o período do contratualismo, no qual o contrato e seus princípios
da autonomia da vontade e pacta sunt servanda delimitavam as obrigações entre os
cidadãos em suas relações privadas, competindo ao Estado tão somente a
preservação do cumprimento destas obrigações.
No final do século XIX e início do século XX, como já analisado
anteriormente, o Liberalismo entrou em crise em virtude do excesso de
individualismo e da acumulação de capital, estrangulando a justiça social e
aguçando as desigualdades sociais55. Com as transformações ocorridas na
sociedade e nas políticas econômicas preconizadas por Keynes56, os Textos
Constitucionais também sofreram mudanças. Saem de cena as Constituições
liberais, abrindo caminho para as Constituições sociais, que encontram seus
primeiros exemplos na Constituição Mexicana de 1917 e da Alemanha (Weimar) de
1919, já citadas anteriormente. Nas Constituições sociais, diferentemente das
liberais, há uma efetiva limitação das atividades estatais na seara econômica, além
de introduzir os direitos sociais entre os direitos fundamentais do homem e do
cidadão, na busca pela justiça e pelo desenvolvimento social. Como bem afirma
ZIULU,
[...] se supera a concepção estreita do Estado-gerdarme – que era tanto mais eficaz quanto menos intervinha -, para passar a um enfoque mais participativo dele. Reconhece-se ao Estado um papel ativo e de destaque, para ser possível o asseguramento do gozo dos direitos constitucionais, em especial por aquelas pessoas e grupos que aparecem socialmente como mais prejudicadas.57
55 SAGÜÉS, Nestor Pedro. Teoria de La Constitución. Buenos Aires: Astrea, 2001. p. 36-37. 56 Cf. Keynes e o início da implementação social. 57 ZIULU, Adolfo Gabino. Derecho Constitucional. Tomo I, Buenos Aires: Depalma, 1997. p. 58-59. [...] se supera la concepción estrecha del Estado-gerdarme – que era tanto más eficaz cuanto menos internvenía -, para pasar a un enfoque más participativo de él. Se le reconoce al Estado un papel activo y protagónico, para hacer posible el aseguramiento del goce de los derechos constitucionales, en especial por aquellas personas y grupos que aparecen socialmente como más disminuidos.
35
O Estado Social, por meio do Constitucionalismo Social, implementa os
princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social como baluartes
fundamentais do ordenamento, além de promover a intervenção estatal nas
atividades econômicas para se preservar os valores sociais inseridos no Texto
Constitucional.
Em suma, no Estado Liberal do século XIX a Constituição disciplinava somente o poder estatal e os direitos individuais (direitos civis e políticos) ao passo que hoje o Estado social do século XX regula uma esfera muito mais ampla: o poder estatal, a Sociedade e o indivíduo.58
Cumpre tecer algumas considerações acerca das influências neoliberais nas
Constituições Sociais dos países, na medida em que, durante a Década de 80, os
ideais neoliberais passaram a exercer forte ingerência nas políticas governamentais,
promovendo alterações nos Textos Constitucionais de forma a possibilitar uma maior
acumulação de capital e promover o desenvolvimento do capitalismo.
Com isso, a intervenção estatal nas atividades econômicas passou a ser
regulamentada, houve a introdução de medidas de flexibilização dos direitos sociais,
em especial dos direitos trabalhistas, ocorreram alterações nos textos
constitucionais permitindo a prestação de serviços públicos pela iniciativa privada,
alterações na legislação previdenciária, programas de desestatização e privatização
de empresas estatais dentre outras medidas assecuratórias do desenvolvimento das
idéias neoliberais.
É possível constatar que o Constitucionalismo, e conseqüentemente a
Constituição, sofreram e ainda sofrem influência das ideologias econômico-sociais
que circundam a sociedade. O Direito, como instrumento de regulação, acaba por
ser influenciado pelos valores presentes na sociedade que pretende regular, o que
possibilita a sua mutação de acordo com as ideologias presentes no Governo de
determinada época da história. Contudo, GRAU alerta que
A substituição do modelo de economia de bem-estar consagrado na Constituição de 1988 por outro, neoliberal, não poderá ser efetivada
58 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 204.
36
sem a prévia alteração dos preceitos contidos nos seus arts. 1º, 3º e 170. Em outros termos: essa substituição não pode ser operada sub-repticiamente, como se nossos governantes pretendessem ocultar o seu comprometimento com a ideologia neoliberal.59
É possível concluir que o movimento Constitucionalista sofre influências das
ideologias das escolas econômicas. Contudo, o modelo de Estado Social
sedimentado no Texto Constitucional está enraizado nos pilares fundamentais do
ordenamento jurídico brasileiro, o que impossibilita sua alteração pelo legislador
mesmo por meio de Emendas à Constituição, por se configurarem como verdadeiras
cláusulas pétreas60 previstas no art. 60, §4º da Carta Constitucional.
1.4 A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA
O processo de evolução e desenvolvimento dos Textos Constitucionais, ao
longo dos períodos estudados anteriormente, é marcado pela grande influência das
escolas econômicas que predominavam e ainda estão atuantes na sociedade atual.
Essa influência acabava por introduzir nos Textos Constitucionais uma vasta gama
de ideologias e princípios relacionados com cada uma dessas escolas, de forma a
moldar o Texto Constitucional de acordo com os interesses político-econômicos de
cada uma delas. Essa inter-relação entre a economia e o Direito já foi analisada
anteriormente, e demonstra a grande interferência das ciências econômicas no
objeto de estudo das ciências jurídicas, de forma que o Direito não pode ser
estudado de forma isolada dos fatos sócio-econômicos que o cercam.
Como a Economia e suas escolas influenciam a composição de normas
jurídicas, dentre elas a própria Constituição, é importante tecer alguns comentários
acerca da influência econômica na Constituição brasileira, de forma a finalizar essas
considerações iniciais acerca do Estado e da Economia.
Embora o termo Constituição Econômica tenha surgido pela primeira vez em
França, no século XVII com Baudeau61, MOREIRA afirma que somente após a
59 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 48. 60 Cf. tópico acerca dos Princípios Constitucionais Tributários. 61 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para um conceito de constituição económica. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1979. p. 19.
37
Primeira Guerra Mundial é que se pode afirmar que surgiu de fato uma teoria acerca
da Constituição Econômica, na Alemanha, pois
É após a I Guerra Mundial – marco do fim de uma época económica e política do capitalismo e começo de outra – e na Alemanha – um dos países em que mais radicalmente se vão sentir os efeitos da guerra – que o conceito de constituição económica vai surgir com todo vigor. Duas são as idéias que fundamentalmente o informaram: as de democracia económica e de administração autónoma da economia.62
Mais adiante, continua o autor, afirmando que
[...] A constituição económica só existe quando a ordem económica for consciente e sistematicamente conformada, segundo um determinado critério, por uma decisão política. Desse modo, a constituição económica só existe a partir do momento em que tal decisão for possível. E se, para uns, esse momento já existiu quando da formação do capitalismo liberal, para outros, pelo contrário, a constituição económica só surgiu precisamente quando as circunstâncias obrigaram a perder a confiança no princípio da auto-regulação da economia, constituinte da representação clássica, isto é, quando a economia deixou de ser concebida como uma ordem natural indisponível. Como isso só teria acontecido com a primeira guerra mundial, a conclusão é clara: só a partir da guerra é que se pôde existir a constituição económica.63
Essas afirmações se perfilham com o movimento sócio-econômico ocorrido
com o pós-guerra e a crise na Bolsa de Valores de Nova Iorque, provocando a
grande depressão ocorrida nos Anos 30. Dessa forma, o Estado Social erigido das
idéias de Keynes encontrou no ordenamento jurídico a sua proteção, com as
Constituições que se seguiram neste período. Como estas prescreviam a
intervenção do Estado nas atividades econômicas, de forma a retomar o
desenvolvimento da economia, bem como de toda a sociedade, o Direito
Constitucional adotou normas de caráter econômico, para implementar o Estado do
Bem-Estar Social. Nessa esteira, diante da presença de normas de conteúdo
econômico presentes no Texto Constitucional, adotou-se a terminologia da
Constituição Econômica, de forma a se visualizar o conteúdo econômico nas Cartas
Constitucionais. Nessa esteira, MOREIRA conceitua a Constituição Econômica como
62 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para um conceito de constituição económica. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1979. p. 20. 63 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para um conceito de constituição económica. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1979. p. 34-35.
38
sendo
[...] o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem económica.64
Esse conceito se consubstancia no Direito Econômico, o qual busca a
sistematizar a regulação das atividades econômicas por meio da construção de
normas jurídicas para a sua efetivação. Essas normas, para entrarem no
ordenamento, necessitam de instrumentos introdutórios, dentre eles a Constituição
em seu sentido formal, porque estes as positivam no ordenamento jurídico e a
elevam ao status de normas fundamentais do ordenamento, em seu sentido
material. Ao estarem positivadas no Texto Constitucional, elas irão passar a regular
as atividades econômicas de forma organizada, de modo a implementar os
princípios constitucionais que formam os fundamentos e objetivos do Estado em
busca do bem-estar e da justiça social. Tais normas de conteúdo econômico
geralmente estão organizadas nos títulos referentes à Ordem Econômica,
possibilitando ao intérprete uma maior facilidade na sua aplicação. Entretanto,
CANOTILHO e MOREIRA alertam que esta parte da Constituição a qual versa sobre
as atividades econômicas [...] não é um compartimento estanque em relação às
outras normas e princípios constitucionais. É um elemento integrado no sistema
constitucional global65. Ou seja, as normas de conteúdo econômico não são
alienígenas aos demais preceitos contidos na Constituição; pelo contrário, são
interpretadas em conformidade com os demais princípios e normas previstos no
Texto Constitucional, interagindo em perfeita harmonia com todo ordenamento
jurídico constitucional, de forma a se preservar os fundamentos do Estado e a
buscar seus principais objetivos. E esses objetivos, relacionados à Constituição
Econômica, referem-se primordialmente ao desenvolvimento econômico do
Estado.66
64 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para um conceito de constituição económica. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1979. p. 41. 65 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 151-152. 66 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 159-160.
39
Pode-se afirmar que a Constituição Econômica tem como principal meta a
busca do desenvolvimento econômico, de maneira a regular as atividades
econômicas desenvolvidas pela iniciativa privada, bem como a possibilitar que esta
iniciativa privada também atue de forma a se alcançar o desenvolvimento econômico
por meio de suas atividades. Na Constituição brasileira, os conteúdos econômicos
estão inseridos primordialmente no Título VII da Constituição Federal, versando
sobre a ordem econômica e financeira do Estado, que será objeto de estudo a
seguir.
1.5 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA
O Direito, como instrumento de manutenção da paz social e busca pelo
desenvolvimento dos povos, acaba por influenciar as condutas da sociedade, seja
sob um aspecto repressivo, seja do ponto de vista permissivo ou ainda do ponto de
vista obrigatório, de forma que impõe comportamentos sociais, de acordo com os
valores sociais. Dessa forma, os valores sociais influem diretamente na existência do
próprio Direito, pois, dentre esses valores, a sociedade elege alguns como
fundamentais e estes acabam por ser positivados no ordenamento jurídico por meio
de um instrumento introdutório de normas, dentre os quais, a lei. Uma vez
positivados no ordenamento denotarão grande importância, seja social, seja jurídica,
eis que carregam consigo as principais aspirações da sociedade que os elegeu
como fundamentais, a ponto de regulá-los por meio de sua positivação no mundo
jurídico do dever-ser.
Uma vez positivados, eles deixam de ser meros valores sociais,
transformando-se em elementos primordiais do ordenamento jurídico, verdadeiros
pilares basilares para a construção das demais normas que irão ser positivadas no
mundo jurídico, em virtude da alta carga axiológica que trazem consigo. Axiomas
que provieram do mundo do ser e que, uma vez positivados no mundo do dever-ser,
transmutam-se de valores sociais para princípios jurídicos. ALEXY afirma que
Os princípios são ordens de determinado tipo. É dizer mandamentos de otimização. Entre tantos mandamentos, pertencem ao âmbito deontológico. Por outro lado, os valores têm que ser incluídos em nível axiológico. Naturalmente, somente com ele se obterá uma caracterização aproximada de conceito de valor.
40
(...) Assim, pois, os princípios e os valores se diferenciam somente em virtude de seu caráter deontológico e axiológico, respectivamente. 67
Os princípios estão a meio passo entre os valores e as normas na escala de
concretização do direito e com elas não se confundem68. Não podem ser mais
considerados como valores, pois transpassaram do mundo do ser para o mundo do
dever-ser, nem tampouco podem ser considerados como normas jurídicas, na
medida em que denotam alto grau de abstração e necessitam de demais elementos
normativos para a construção da norma jurídica, a qual somente estará completa
quando da sua construção por meio da previsão de um fato jurídico, o qual
desencadeará a ocorrência de uma relação jurídica que, se não for cumprida, levará
à previsão de uma sanção. Sendo assim, não é possível afirmar que um princípio
jurídico pode ser considerado como norma, pois não traz consigo todos esses
elementos necessários para a sua construção.
MELLO traz colocações acerca dos princípios jurídicos e afirma que
Princípio é mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência0 exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.69
Princípios são os pilares basilares do ordenamento jurídico, vigas-mestras
que sedimentam toda a estrutura normativa do direito posto, dando a estes harmonia
e logicidade, diferenciando-os dos preceitos normativos em razão de sua abstração
e importância dentro do ordenamento, como bem observa ROTHENBURG:
Se os princípios têm suas propriedades, diferenciando-se por sua natureza (qualitativamente) dos demais preceitos jurídicos, a distinção está em que, constituem eles, expressão primeira dos valores fundamentais expressos pelo ordenamento jurídico, informando materialmente as demais normas (fornecendo-lhes a
67 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997. p. 140 e 147. 68 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2000. p. 79. 69 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 747-748.
41
inspiração para o recheio).70
Os princípios são conseqüências da positivação de valores sociais71 que,
uma vez transpassados para o universo jurídico, transmutam-se em princípios e
passam a irradiar seus preceitos por todo o ordenamento jurídico positivo.
Visto o conceito de princípio, passa-se ao estudo detalhado de cada um dos
princípios positivados no art. 170 do Texto Constitucional72.
O caput do art. 170 da CF traz, em seu bojo, a previsão de dois princípios
basilares da atividade econômica, a qual deverá ser eminentemente fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, de forma a se buscar a justiça
social. Da leitura do dispositivo constitucional pode se observar, de início, que as
ideologias capitalistas e sociais estão presentes nas disposições da ordem
econômica, equacionando capital e trabalho, de forma a se buscar os objetivos
estatais em prol da justiça social. Assim, a leitura inicial da ordem econômica está
fundada na inter-relação entre valores econômicos, por meio da preservação do
princípio da livre iniciativa, e de valores sociais, com a valorização do trabalho, tendo
como objetivo final a busca pela justiça social, reflexo do Estado do Bem-Estar social
sedimentado no Texto Constitucional, principalmente, nos arts. 3º73, 193 e seguintes
70 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 16. 71 DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995. p. 59. Afirma o autor que para nós, PRINCÍPIOS são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade. 72 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 73 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
42
da CF.
Dentre os objetivos traçados pelo art. 3º da Carta Constitucional, o princípio
do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF) guarda primordial identidade com os
princípios da ordem econômica, pois o desenvolvimento social é premissa
fundamental do Estado brasileiro, servindo a ordem econômica como uma das
formas de sua persecução. SALOMÃO FILHO afirma que o processo de
desenvolvimento econômico retrata uma vasta gama de valores econômicos eleitos
pela sociedade, os quais precisam ser viabilizados pelas normas de cunho
econômico, de forma a eliminar a exclusão da sociedade do processo de
desenvolvimento econômico74. Contudo, NUSDEO afirma que o conceito de
desenvolvimento precisa ser analisado de forma a diferenciá-lo do simples
crescimento econômico. Enquanto este significa tão-somente um aumento na
capacidade de produção de bens e serviços, sem a realização de uma mudança
estrutural e qualitativa na economia do Estado, aquele representa um crescimento
na capacidade de produção de bens e serviços, acompanhado por políticas de
reestruturação na economia do país, positivando os princípios de redistribuição de
renda, pleno emprego, acesso à saúde, educação, saneamento, dentre outros.75
Observa-se que o desenvolvimento nacional acompanha uma série de
medidas estruturais em diversos setores estratégicos do Estado. Para a
implementação dessas alterações, a Constituição brasileira positiva os princípios da
ordem econômica em seu art. 170, os quais orientam a execução das políticas
públicas do Estado na busca pelo desenvolvimento econômico nacional.
É necessário, ainda, trilhar a interpretação do art. 170 da CF em
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 74 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 32. 75 NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento econômico – Um retrospecto e algumas perspectivas. In SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 17-18.
43
consonância com o art. 1º da Carta Constitucional76, a qual traz os fundamentos do
Estado brasileiro, em especial, a utilização do princípio da dignidade da pessoa
humana como pedra fundamental de todo o Estado brasileiro. CANOTILHO afirma
que a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da República, na
medida em que, após experiências históricas de aniquilação do ser humano, esta o
reconhece como homo neumenon, identificando o [...] individuo como limite e
fundamento do domínio político da República77. Dessa forma, a dignidade da pessoa
humana é premissa inicial para uma interpretação da ordem econômica positivada
no Texto Constitucional78.
A leitura do art. 170 deverá ser coadunada com os arts. 1º, 3º, 193 e ss. da
CF, de maneira a interpretar a ordem econômica de modo sistêmico e teleológico,
procurando compreender a regulação das atividades econômicas pelo Estado, em
busca da preservação dos seus princípios fundamentais e da justiça social.
O primeiro princípio da ordem econômica é o princípio da valorização do
trabalho humano. Prevista inicialmente no art. 1º, IV da CF (valor social do trabalho)
e reforçada no caput do art. 170, CF, a valorização do trabalho humano é preceito
fundamental da atividade econômica, sedimentado na preservação dos direitos
trabalhistas previstos nos arts. 7º e 8º, CF, em conjunto com a dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, CF). Dessa forma, a valorização do trabalho é reflexo do Estado
Social e dos direitos sociais que estampam o Texto Constitucional, de maneira a se
76 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 77 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. p. 219. 78 No mesmo sentido, Cf. ALMEIDA, Dean Fabio Bueno de. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2004. p. 102: a análise da ordem econômica vigente na Constituição Federal de 1988, a partir do princípio de unidade, evidencia o fato de que o atual sistema de direitos econômicos fundamentais tem como núcleo rígido a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e art. 170, caput). Este compromisso se manifesta, também, de modo explícito e implícito, nos dispositivos constitucionais inerentes à ordem social (CF, art. 193 a 232), que jamais devem ser entendidos, interpretados ou aplicados de modo desvinculado dos dispositivos inerentes à ordem econômica ou dos demais artigos da Constituição vigente.
44
preservar o trabalho, garantindo dignidade a todos aqueles que o exercitam para a
sua sobrevivência. Esse princípio atua como freio aos anseios econômicos do
capital, determinando que suas atividades se desenvolvam de forma a alcançar seus
objetivos econômicos sem, contudo, transformar o trabalho dos indivíduos em
apenas um meio descartável para alcançar essas finalidades.
A preservação do trabalho encontra contornos econômicos, na medida em
que ele é um fator de produção e, como tal, possibilita o implemento das atividades
operacionais das empresas; também o é, o trabalhador que, enquanto cidadão do
mundo (globalizado), realiza gastos em variados segmentos da economia e
possibilita assim a continuidade e desenvolvimento desta. Um trabalho digno,
valorizado, não só melhora as condições sociais do trabalhador, enquanto indivíduo,
mas também promove o desenvolvimento da própria atividade econômica como um
todo, possibilitando o incremento das trocas comerciais existentes na ordem
econômica do mundo do ser, pois, como afirma PETTER:
Paradoxalmente, mesmo o mercado, modernamente marcado por ideologias indisfarçadamente liberais – no sentido mais pobre do termo –, em cuja lógica o trabalho humano é apenas um fator de produção, a ser matematicamente equacionado na diagramação dos custos e dos lucros tão-somente, não pode prescindir das conseqüências da valorização do trabalho humano.79
Visto o princípio da valorização social do trabalho, passa-se ao estudo do
princípio da livre iniciativa. Positivado no art. 1º, IV da CF, a livre iniciativa é princípio
fundamental do Estado brasileiro e vem reforçada no art. 170, caput, CF, traduzindo
a sua importância no cenário econômico nacional. De início, é necessário afirmar
que o princípio em questão decorre do princípio da liberdade80. Assim, a livre
iniciativa significa a possibilidade de qualquer pessoa iniciar um empreendimento
econômico, desde que atenda às exigências estatais para o início da atividade.
Observa-se que a livre iniciativa possibilita ao interessado em iniciar uma atividade
econômica, estabelecer-se da maneira que lhe convier, sendo vedado ao Estado
impedir essa atividade. Contudo, o poder de polícia desenvolvido pelo ente estatal
79 PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 153. 80 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 201.
45
na preservação dos valores sociais acaba por impor certos limites ao princípio da
livre iniciativa, na medida em que procura normatizar o estabelecimento e a
fiscalização das atividades privadas. Não se trata de intervenção estatal nas
atividades econômicas, mas tão somente a preservação do interesse público sobre o
privado, fiscalizando e estabelecendo requisitos para o início e desenvolvimento das
atividades privadas, nos termos da lei (parágrafo único do art. 170, CF). GRAU
afirma ainda que a livre iniciativa não representa apenas a liberdade da empresa em
se constituir para o início de sua atividade, mas também a liberdade para qualquer
pessoa desenvolver sua atividade laborativa. Desse modo, a livre iniciativa também
oferta a liberdade para que os indivíduos, sejam empregados ou autônomos,
possam procurar as melhores condições para desenvolver seu trabalho81.
Analisados os princípios inseridos no caput do art. 170 da Constituição
Federal, sob os quais se fundamenta a ordem econômica, passa-se a estudar os
princípios sedimentados nos incisos I a IX do Texto Constitucional. Inicialmente, é
necessário afirmar que esses princípios se encontram no ordenamento de forma a
auxiliar o intérprete na preservação da valorização do trabalho e da livre iniciativa,
na busca pela justiça social. Ou seja, esses princípios são corolários dos princípios
presentes no caput do art. 170, CF, de forma a instrumentalizar a preservação da
valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, auxiliando o intérprete em seu
trabalho de análise das condutas dos agentes econômicos, de forma a verificar se
essas condutas preservam ou não os princípios fundantes da ordem econômica. O
respeito aos princípios da soberania, da propriedade privada e da sua função social,
da livre concorrência dentre outros, acaba por preservar o princípio da valorização
do trabalho humano e da livre iniciativa, alcançando conseqüentemente, a justiça
social.
O inciso I do art. 170, CF traz o princípio da soberania nacional. Assim como
previsto no art. 1º, I, CF, a soberania nacional é fundamento da República
Federativa do Brasil. O princípio da soberania representa em um caráter interno a
primazia da decisão estatal para a solução de conflitos entre os indivíduos da
sociedade, de forma a possibilitar a paz social. Sob um caráter externo, a soberania
81 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 202-208.
46
representa o princípio da igualdade entre os Estados existentes na ordem
internacional, possibilitando a completa autonomia de cada ente dentro de suas
fronteiras. Contudo, ao ser tratada no Título referente à ordem Econômica, o
princípio da soberania encontra contornos econômicos, podendo ser traduzido como
a possibilidade do Estado de exercitar sua vontade na elaboração de sua política
econômica. SILVA afirma que a soberania econômica possibilita ao Estado a
promoção de seu desenvolvimento, pois a Constituição, ao positivar o princípio da
soberania dentre os princípios da ordem econômica
[...] criou as condições jurídicas fundamentais para a adoção do desenvolvimento autocentrado, nacional e popular, que, não sendo sinônimo de isolamento ou autarquização econômica, possibilita marchar para um sistema econômico desenvolvido, em que a burguesia local e seu Estado tenham o domínio da reprodução da força de trabalho, da centralização do excedente de produção, do mercado e a capacidade de competir no mercado mundial, dos recursos naturais, enfim, da tecnologia.82
A soberania econômica prevista no art. 170, I, CF representa a
independência do Estado frente aos organismos internacionais, para direcionar sua
política econômica de forma a realizar suas políticas públicas em prol dos objetivos
do Estado. Os agentes econômicos internacionais pregam, a cada dia, a
relativização desse princípio, na medida em que exercem forte influência nas
questões político-econômicas do país, principalmente por meio dos acordos entre o
Brasil e o Fundo Monetário Internacional – FMI. Ademais,
Com a crescente intensificação do fenômeno da globalização, verificou-se uma maior hegemonia do capital financeiro e o rápido crescimento das empresas transnacionais. Internacionalizou-se parte da produção, houve crescente liberação e intensificação do comércio e a observância de novas práticas na formulação de contratos, tudo isto com indisfarçável repercussão na vida das pessoas, da sociedade e do próprio Estado.83
As transformações econômicas e a pressão internacional dos países ricos
sobre os países periféricos acabam por relativizar o conceito de soberania
econômica, mas é necessário defender a sua hegemonia no direcionamento da 82 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 758-759. 83 PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 190-191.
47
política estatal, de forma a harmonizar os interesses externos com a realização das
políticas públicas necessárias para a busca pelo desenvolvimento da sociedade.
Inserido no art. 170, II, CF, o princípio da propriedade privada é reflexo da
proteção ao patrimônio do indivíduo, fruto do capitalismo que predomina no país.
Assim como a proteção inserida no art. 5º, XXII, CF, a proteção da propriedade
privada possibilita o desenvolvimento das relações econômicas, garantindo
segurança jurídica aos agentes econômicos no desenvolvimento de suas atividades,
de forma a viabilizarem a acumulação de capital decorrente do capitalismo. De fato a
preservação da propriedade é direito fundamental do indivíduo, ofertando-lhe os
meios necessários para o desenvolvimento de sua atividade, seja produtiva ou não.
FONSECA afirma que o princípio da propriedade privada é um pressuposto da livre
iniciativa, pois [...] este somente existe como conseqüência e como afirmação
daquele84. Sob a ótica da ordem econômica, a propriedade privada possibilita o
desenvolvimento das atividades negociais, na medida em que permite a acumulação
de capital necessária para a formação dos meios de produção por parte da empresa,
de modo a realizar suas atividades econômicas, viabilizando a livre iniciativa para a
instauração das práticas comerciais. Ademais, garante a propriedade sobre o capital
envolvido nas relações negociais, preservando e mantendo a efetivação das trocas
que ocorrem no cenário econômico.
Do mesmo modo que a propriedade privada inserida no art. 5º, XXII, da CF,
está delimitada pela sua função social (art. 5º, XXIII, CF), na ordem econômica a
propriedade privada também está limitada pelo princípio da função social (art. 170,
III). De fato, a propriedade privada das relações econômicas não pode ser
equacionada sem a sua função social, na medida em que é regulada pelo Estado
para a busca da justiça social. Esta função representa as conquistas sociais
decorrentes da influência do Estado Social e, principalmente, da Constituição
Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 191985, e significa a limitação
dos meios de produção privados, por meio da sua utilização como instrumentos
necessários para a busca pelos objetivos estatais, em prol da justiça social. Na
84 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 128. 85 Cf. tópico sobre as Escolas econômicas, em especial sobre a Escola Social.
48
verdade, a função social atua como um instrumento finalístico da propriedade
privada, moldando a utilização desta em torno dos valores e objetivos almejados
pela sociedade. Assim, o interesse coletivo passa a fazer parte integrante do regime
da propriedade individual86, na medida em que irá se beneficiar da utilização racional
dos bens de produção, na busca pelo desenvolvimento econômico-social do Estado
brasileiro.
O quarto princípio inserido no art. 170, IV, CF, refere-se à livre concorrência.
Reflexo do princípio da livre iniciativa, a livre concorrência possibilita aos agentes
econômicos exercerem suas atividades dentro dos ditames legais, coibindo a prática
de fatos desleais por parte de algum desses agentes que esteja procurando
monopolizar o mercado. O próprio art. 173, §4º da CF coíbe a utilização de práticas
desleais no cenário econômico, ao afirmar que A lei reprimirá o abuso do poder
econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros. A livre concorrência preserva a igualdade de
condições para os agentes econômicos, garantindo-lhes um jogo justo dentro do
cenário econômico das relações comerciais, viabilizando o desenvolvimento do
capitalismo. Portanto, a livre concorrência é um dos alicerces da estrutura liberal da
economia.87 Contudo, como afirma GRAU, é impossível fornecer uma livre
concorrência entre os agentes econômicos, na medida em que o poder estatal
acaba por interferir na atividade econômica, seja para preservá-la, seja para impedir
o aumento arbitrário dos lucros88. Ademais, o autor ainda afirma que
A livre concorrência, no sentido que lhe é atribuído – “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela” –, supõe desigualdade ao final da competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente recusada, bastando, para que se confirme, considerar as disposições contidas no art. 170, IX, no art. 179 e nos §§ 1º e 2º do art. 171.89
E não poderia ser diferente, pois entre os agentes econômicos há
86 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2003. p. 141. 87 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2003. p. 144. 88 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 208-209. 89 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 209.
49
desigualdades, as quais precisam ser preservadas para que todos possam realizar
suas atividades. Desigualar os desiguais é reflexo do princípio da igualdade,
conforme se verá no capítulo seguinte, preservando o princípio da isonomia entre os
agentes econômicos e viabilizando a continuidade da atividade por meio da
realização de práticas leais e justas dentro do cenário econômico.
Enquanto princípio da ordem econômica, a livre concorrência obriga o poder
público a fomentá-la, pois [...] as realidades e condutas que se mostrarem
atentatórias ao princípio necessitam ser expungidas, (sic) pena de o poder
econômico abusar de sua condição, com nefastos efeitos para os demais agentes,
para os consumidores e para a sociedade em geral90.
Prosseguindo os estudos acerca dos princípios do art. 170, CF, o inciso V
traz o princípio da defesa do consumidor. Nos moldes do art. 2º da Lei 8.078/91,
consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatário final. Nesse sentido, qualquer indivíduo que adquira um
determinado produto ou serviço como destinatário final será considerado
consumidor. Observa-se que o consumidor é figura fundamental dentro do cenário
econômico, na medida em que é o destinatário final dos produtos produzidos pelos
agentes econômicos relacionados ao setor produtivo e de serviços, sendo disputado
por eles por meio do princípio da livre concorrência. É o consumidor o grande
responsável pela realização das atividades econômicas, pois é ele quem dá
destinação final aos produtos confeccionados pelo setor de produção e de serviços,
constituindo-se uma verdadeira sociedade do consumo91. Por conseguinte, é
fundamental a sua proteção dentro do cenário econômico, por ser o elemento mais
fraco nas relações econômicas; isso leva GRAU a afirmar que as medidas estatais
voltadas à proteção do consumidor não podem ser configuradas como meras
expressões da ordem pública, pois [...] sua promoção há de ser lograda mediante a
implementação de específica normatividade e de medidas dotadas de caráter
90 PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 223. 91 O termo é também utilizado por SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 570.
50
interventivo92. Almejando essa proteção, foi desenvolvido o Código de Defesa do
Consumidor - CDC (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990)93, de forma a
preservar os direitos do consumidor, os quais autorizam o Estado a promover
medidas interventivas na defesa dos seus direitos constitucionalmente protegidos94.
O art. 170, VI traz à tona o princípio da defesa do meio ambiente. A
preocupação ambiental cresceu com o desenvolvimento da sociedade, na medida
em que as alterações climáticas passaram a ser constantes e provocarem grandes
transtornos para o homem moderno. O meio ambiente foi depredado durante muitos
séculos e agora está devolvendo as agressões sofridas. A proteção do meio
ambiente passou a ser encarada como regra fundamental em todas as discussões
sobre desenvolvimento social, na medida em que ela representa a preservação da
própria sobrevivência da espécie humana no planeta.
Nos dias de hoje, a idéia de desenvolvimento econômico não é tomada de modo divorciado das preocupações de proteção ao meio ambiente. Agentes econômicos investem cada vez mais em tecnologias menos poluidoras. Estudos são feitos a fim de minimizar os impactos ambientais.95
92 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 250. 93 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. 94 Cf. arts. 5º, XXXII, 24, VIII e 150, §5º, todos da Constituição Federal. 95 PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o
51
Muito embora estejam sendo desenvolvidas políticas no setor de
preservação ambiental, ainda existem grandes nações que se recusam a discutir
políticas desse tipo de proteção, sob a alegação de que a preservação ambiental
representa redução do crescimento da produção desses países e diminui seu poder
econômico dentro do cenário mundial. Exemplo mais atual do descaso que ainda é
destinado ao meio ambiente é a negativa norte-americana de firmar sua
concordância com o Protocolo de Kyoto, o qual determina a diminuição da emissão
de monóxido de carbono na atmosfera, às taxas nele pré-estabelecidas, inicialmente
para os países desenvolvidos e, posteriormente, com a inclusão dos países
periféricos. Apesar da pressão internacional desses países desenvolvidos que se
recusam a adotar medidas de preservação, o Brasil ratificou o Protocolo de Kyoto,
sedimentando os preceitos constitucionais, especialmente os previstos nos arts. 225,
caput96 e 170, VI da CF.
A preservação ambiental possui contornos constitucionais e representa
grandes avanços na busca do desenvolvimento social do país. Ademais, a ordem
econômica possui a defesa do meio ambiente como princípio na sua busca
incessante pela justiça social, possibilitando ao Estado intervir nas atividades
econômicas que estejam atuando de forma contrária à dos preceitos contidos no
Texto Constitucional, seja por meio da repressão, seja em virtude do estímulo ao
desenvolvimento de pesquisas no setor, conforme se verá no tópico seguinte.
O inciso VII do art. 170, CF, traz o princípio da redução das desigualdades
regionais e sociais. Prevista no art. 3º, III, CF, a redução das desigualdades
regionais e sociais é um dos objetivos do Estado brasileiro. A República Federativa
do Brasil tem como fundamento de sua constituição, o princípio da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III, CF). Além disso, positiva uma variada gama de direitos e
garantias fundamentais, espalhadas por todo o Texto Constitucional, dentre eles o
direito da igualdade (art. 5º, caput, CF). O Estado necessita implementar os
preceitos constitucionais por todo o seu território, o que, em virtude da sua dimensão
alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 245-246. 96 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
52
continental, apresenta sérias discrepâncias econômicas, como é nos estados do
Norte e Nordeste do país. Portanto, é objetivo constitucional implementar políticas
públicas nessas regiões, possibilitando a promoção do seu desenvolvimento
econômico mediante a aplicação de ações paliativas e tangenciais, por meio de
políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades apresentadas, para a
promoção a melhoria das condições de saúde, educação, crédito, saneamento,
emprego dentre outros, elementos indispensáveis para a persecução desses
objetivos e diminuição do abismo existente entre as regiões do país.
Tal princípio ainda positiva a necessidade de proteção contra as
desigualdades sociais que podem ocorrer dentro de uma mesma região do país.
Assim, esse princípio justifica a intervenção do Estado (a qual será estudada no
tópico seguinte) para corrigir a desigualdade social, que FARJAT denomina de
intervenção social ou de proteção97, e que demanda uma atuação do Estado para
proteção das categorias desfavorecidas pelo mercado, de forma a possibilitar a
esses indivíduos marginalizados pelo sistema o acesso aos bens de consumo
necessários para o atendimento de suas necessidades básicas e o resgate de sua
dignidade.
Nessa vertente, a ordem econômica precisa ser implementada na busca
desses objetivos, ou seja, as atividades econômicas precisam ser desempenhadas
pela iniciativa privada no atendimento desses objetivos. Do contrário, o Estado
poderá intervir na economia, em prol dos objetivos constitucionais, procurando
promover a redução das desigualdades regionais e sociais do país.
O princípio do pleno emprego (art. 170, VIII, CF) decorre do princípio da
valorização do trabalho humano. Já foi observado que a ordem econômica precisa
equilibrar a relação capital e trabalho de forma a possibilitar o desenvolvimento da
sociedade em busca da justiça social. Isso requer a aplicação e o desenvolvimento
de políticas públicas direcionadas para a geração de empregos em todos os
segmentos da economia, viabilizando o trabalho a todos os indivíduos da sociedade
e dignificando a pessoa humana. GRAU afirma que a expressão pleno emprego
97 FARJAT. Gérard. Droit économique. Paris: Presses Universitaires de France – PUF, 1982. p. 451.
53
conota [...] o ideal keynesiano de emprego pleno de os recursos e fatores da
produção98. Mais adiante afirma que o
[...] princípio da busca do pleno emprego, indiretamente, (consubstancia) uma garantia ao trabalhador, na medida em que está coligado com o princípio da valorização do trabalho humano e reflete efeitos em relação ao direito social ao trabalho (art. 6º, caput).99
Este princípio constitucional sedimenta uma garantia primordial à
dignificação do trabalhador, pois o desenvolvimento das tecnologias empregadas
nos meios de produção acaba por provocar aumento das taxas de desemprego100.
Assim, o Estado atua nas relações econômicas promovendo o incentivo da geração
de novos postos de trabalho, de forma a promover seus objetivos constitucionais.
O inciso IX do art. 170, CF positiva o princípio do tratamento favorecido às
pequenas empresas. Decorrente do princípio da igualdade, na medida em que
desiguala indivíduos em situações desiguais101, o princípio do tratamento favorecido
às pequenas empresas sedimenta os princípios da livre iniciativa e da livre
concorrência, uma vez que viabiliza a instalação dessas empresas que possuem
capital reduzido no início e no desenvolvimento de suas atividades. Como possuem
poder aquisitivo mais baixo em relação às demais empresas existentes no cenário
econômico, é evidente que precisam receber tratamento diferenciado, sob pena de
inviabilização de seus negócios em virtude da forte concorrência existente, a qual
acabaria por esmagar a pequena empresa, conduzindo-a ao seu encerramento ou à
sua incorporação por uma grande companhia. Sem embargos, o Estado precisa,
portanto, preservar as discrepâncias existentes entre os agentes econômicos,
ofertando políticas públicas voltadas para as pequenas. Cumpre observar que a
maioria das empresas brasileiras que empregam boa parte da mão-de-obra no país
é constituída como pequena empresa102, o que significa dizer que a sua preservação
98 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 253. 99 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 253. 100 SILVA, Américo Luís Martins da. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996. p. 79. 101 Cf. princípio da igualdade no tópico atinente aos princípios constitucionais tributários. 102 No ano de 2003, do total de 5.773.364 empresas existentes no país, 5.726.768 (5.464.849 de micro-empresas e 261.919 de empresas de pequeno porte) são pequenas empresas, o que representa 99,19% do total das existentes no Brasil. Fonte: Sebrae.
54
ainda traz grandes reflexos à política do pleno emprego, princípio constitucional da
ordem econômica, conforme visto anteriormente.
As pequenas empresas funcionam como verdadeiras propulsoras do
desenvolvimento econômico e social, gerando emprego e recursos dentro do cenário
econômico103, na medida em que correspondem à maioria das empresas instaladas
no país, ofertando soluções para os problemas econômicos existentes. Porém, elas
necessitam de proteção privilegiada por parte do Estado, de forma a viabilizar a sua
participação no mercado globalizado.
1.6 DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
Após a análise dos princípios constitucionais que irradiam suas diretrizes por
todo o ordenamento jurídico de conteúdo econômico, é necessário analisar a
intervenção estatal nas atividades econômicas, de forma a possibilitar a preservação
desses princípios inseridos no art. 170, CF.
Já foi destacado que os fatos econômicos pertencem ao mundo do ser.
Estão sedimentados em meio à sociedade, a qual realiza suas atividades
econômicas em busca da satisfação de suas necessidades. Dessa forma, as
atividades econômicas pertencem à iniciativa privada, excluindo o Estado da
participação no desenvolvimento dessas funções. Isto se deve ao fato de as
atividades econômicas desenvolvidas no país receberem influência do capitalismo
neoliberal e, segundo este ela é a detentora do direito de realizar atividades
econômicas, solicitando a atuação do Estado tão-somente para garantir que os fatos
econômicos possam ser desenvolvidos. Assim, no capitalismo neoliberal, o Estado
precisa garantir que o pacto seja mantido (pacta sunt servanda), isto é, as relações
negociais precisam encontrar, na força do Estado, a segurança para sua
desenvoltura e estabilidade.
http://www.dce.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/03DE0485DB219CDE0325701B004CBD01/$File/NT000A8E66.pdf. Capturado em 30 de maio de 2006. 103 PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. As micro e pequenas empresas como propulsoras do desenvolvimento econômico e social. Contribuição para o incremento das atividades econômicas no âmbito do Mercosul.. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2735>. Acesso em: 15 jun. 2005.
55
As atividades privadas desenvolvidas de forma livre, porém, acabaram por
gerar problemas econômicos em virtude da concentração capitalista, o que
determinou uma renovação do papel do Estado no cenário econômico, culminando
com a implementação do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). Segundo
FARJAT, esse [...] fenômeno objetivo da concentração capitalista influenciou uma
transformação das funções do Estado104. Assim, no caso do Estado brasileiro, tem-
se o seguinte: ele possui enormes contornos sociais, solicitando a intervenção
estatal nas atividades econômicas, de forma a viabilizar a sua desenvoltura e ainda,
objetiva o alcance de suas finalidades sociais, pois compete ao Estado Social
realizar políticas públicas voltadas para o atendimento de necessidades sociais, as
quais, muitas vezes, demandarão uma ação interventiva na ordem econômica. É a
justiça social a finalidade da ordem econômica, assim como preconiza o art. 170 do
Texto Constitucional. Os princípios nele inseridos são apenas os instrumentos de
que se vale o Direito para alcançá-la, o que acaba por delimitar a atuação dos
agentes econômicos, impondo-lhes um dos modais deônticos105 relacionados com o
Direito, seja permitindo determinada atividade econômica, seja obrigando a
realização de determinada conduta do agente econômico, ou, ainda, proibindo a
realização da mesma.
Os princípios da ordem econômica atuam como limitadores dessa atividade,
de forma a viabilizar a busca pela justiça social. Para a preservação dos mesmos, o
Estado precisa de meios para manter o respeito por parte dos agentes econômicos.
Dentre eles se encontra o instituto da intervenção do Estado no domínio econômico.
É necessário delimitar qual será a área de atuação do Estado quando da
realização de sua intervenção. Já foi visto que as atividades econômicas são
realizadas primordialmente pela iniciativa privada, de modo a atender às suas
necessidades essenciais. Por sua vez, o Estado, enquanto ente responsável pela
paz social e pela busca do bem comum, também possui o dever de atender às
necessidades da sociedade, as quais são conhecidas como necessidades
104 FARJAT. Gérard. Droit économique. Paris: Presses Universitaires de France – PUF, 1982. p. 562. Lê phénomène objectif de la concentration capitaliste amène une transformation des fonctions de L'Etat. 105 Sobre os modais deônticos, Cf. tópico referente às normas jurídicas.
56
públicas106. Para o atendimento destas, ele precisa promover ações de modo a
prover as necessidades da sociedade. Para tanto, o Estado presta serviços públicos,
os quais, segundo MELLO, são [...] toda atividade de oferecimento de utilidade ou
comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado
ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público107. Assim, os
serviços públicos são prestações estatais, por meio de atividades realizadas por ele
mesmo, ou por quem o substitua mediante concessão ou permissão (art. 175, CF),
de forma a atender necessidades públicas.
Os serviços públicos podem ser classificados como próprios e impróprios.
Aqueles são os serviços relacionados com as atribuições do Poder Público
(segurança, polícia, higiene e saúde públicas etc.) e, para a sua execução, a
Administração se vale da supremacia do interesse público sobre o privado. Já estes
são os que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas
satisfazem interesses comuns de seus membros, prestados pelas entidades
descentralizadas do Estado ou por meio da delegação de competência, mediante
concessão ou permissão (saúde, educação, telecomunicações, transporte coletivo
etc.)108.
Observa-se claramente que o atendimento de necessidades públicas é
prerrogativa do Estado, o qual realizará essas medidas mediante o fornecimento de
um serviço público, que pode ser realizado pelo próprio Estado ou por quem seja por
ele escolhido para a realização dessa atividade (somente os serviços públicos
impróprios). Para tanto, o Estado precisa arrecadar recursos, pois a realização das
despesas públicas alcança somas elevadas e precisa ser custeada por toda a
106 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. CAMPOS, Djalma (atual.) 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 4, afirma que a necessidade é pública quando, em determinado grupo social, costuma ser satisfeita por um processo do serviço público, isto é, quando o Estado, ou outra pessoa de direito público, para satisfazê-la, institui ou mantém um regime jurídico e econômico especial, propício à sua obrigatoriedade, segurança, imparcialidade, regularidade ou continuidade, a cargo de seus agentes ou por delegação a pessoas sob sua supervisão. 107 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 575. No mesmo sentido, BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. CAMPOS, Djalma (atual.) 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 6, afirmando que os serviços públicos são os meios técnicos e jurídicos pelos quais, através de seus agentes e instalações, a pessoa de Direito público interno, usando o poder estatal, busca atingir os fins que lhe atribuem as idéias políticas e morais da época. 108 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 308.
57
sociedade, por meio do recolhimento de tributos. Assim, a principal fonte de custeio
do Estado para a realização dos serviços públicos é a utilização dos tributos,
exigindo a participação de toda a sociedade, de acordo com sua capacidade
econômica, da manutenção desses serviços estatais. O principal tributo para o
custeio dos serviços públicos é o imposto, que será estudado mais adiante109, na
medida em que incide sobre fatos da vida particular do cidadão, de acordo com sua
capacidade contributiva. E, por não estar vinculado a nenhuma atividade específica
(art. 167, IV, CF), fornece a receita necessária para que o Estado implemente suas
políticas públicas por meio da realização de serviços públicos em prol do
atendimento das necessidades públicas.
Como o Estado é o titular da prestação do serviço público, é evidente que
não precisa intervir em suas próprias atividades. Contudo, acaso ele promova a
descentralização desses serviços, passando-os para a iniciativa privada por meio da
realização de concessão ou permissão, trazendo a iniciativa privada para a
realização da atividade pública, a situação se inverte. Neste caso, é viável a
intervenção, na medida em que o Estado precisa controlar a realização dessas
atividades, pois está presente o interesse público110.
O instituto da intervenção do Estado se destina a ofertar a este elementos
necessários para atuar em um setor em que não é o titular, em um setor em que não
atua de origem, mas que, em virtude de sua importância, demanda que ele exerça
medidas de controle em prol dos objetivos estatais. E esse segmento é a atividade
econômica (mundo do ser) que, uma vez regulada pelo Estado, passa a pertencer
ao mundo do dever-ser, e se constitui em uma verdadeira ordem econômica, na qual
o Estado irá intervir sempre que for solicitado para restabelecer o equilíbrio entre as
relações ocorridas no mundo do ser e as prescrições emanadas do mundo do dever-
ser. Ele desenvolve essas atividades para restabelecer a ordem e a estabilidade no
109 Cf. tópico referente às espécies tributárias inseridas no art. 145 da CF e à Classificação Constitucional dos tributos. 110 Trata-se, na verdade, de um alargamento do conceito de domínio econômico, pois este não estaria adstrito apenas às atividades econômicas puras da iniciativa privada, podendo também ser incluídos no conceito de domínio econômico os serviços públicos prestados pela iniciativa privada sob o regime de concessão ou permissão. No mesmo sentido, Cf. SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de e GARCIA, Patrícia Fernandes de Souza. Nova amplitude do conceito de "domínio econômico". In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 84-88.
58
cenário econômico, a fim de alcançar a justiça social, preservando,
conseqüentemente, o princípio da dignidade da pessoa humana e do
desenvolvimento nacional. Ademais, o Estado ainda poderá intervir em setores que,
embora sejam públicos, foram concedidos ou permitidos à iniciativa privada (serviços
públicos impróprios), em virtude do interesse público que está presente na
realização desses serviços, sendo, portanto, necessária a sua intervenção111.
A justificativa da intervenção, portanto, se insere na correção do setor
econômico que não esteja em conformidade com os princípios da Carta
Constitucional, em virtude de certos efeitos que são gerados, apesar de não serem
diretamente desejados pelo agente gerador. Para a ciência econômica, esse
fenômeno é chamado de externalidade. SALOMÃO FILHO afirma que [...] há
externalidade sempre que uma determinada relação jurídica produz efeitos
geralmente não mensuráveis a sujeitos que não participam daquela determinada
relação jurídica112. Essas externalidades são ocasionadas por condutas dos atores
econômicos dentre da realização de suas atividades, mas que não são almejadas
pelo agente em questão. Esses efeitos externos podem ser de ordem positiva ou
negativa113.
A externalidade positiva ocorre [...] quando uma unidade econômica cria
benefícios para outras, sem receber pagamento por isso114. Isto é, são efeitos
jurídicos ocasionados de condutas realizadas por atores econômicos específicos,
mas que acabam por promover benefícios para outros segmentos da sociedade,
como e. g., a construção de uma estrada por uma determinada empresa, acaba por
beneficiar a todos os demais que possuem empreendimentos ao longo do seu curso.
A manutenção de uma casa acaba por beneficiar o vizinho, promovendo uma
111 Como é o caso das atividades de saúde, água, energia elétrica, telecomunicações dentre outros, todos regulados pelas Agências Reguladoras específicas: ANS (Agência Nacional de Saúde); ANA (Agência Nacional de Águas); ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). 112 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 27. 113 Cf. WONNACOTT, Paul e WONNACOTT Ronald. Tradução de Celso Seiji Gondo, Martins Cortada e Jayme Fonseca Francisco Junior. Economia. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. p. 105. O autor utiliza a expressão benefício externo para designar a externalidade positiva e custo externo, para a negativa. 114 VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval e GARCIA, Manuel Enriquez. Fundamentos de Economia. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 24.
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valorização patrimonial em virtude da melhoria da condição de seu bairro, dentre
outros. Por sua vez, a externalidade negativa ocorre [...] quando uma unidade
econômica cria custos para outras, sem pagar por isso. São negativas, pois trazem
malefícios para determinado segmento, impondo-lhe restrições ou lhe causando
prejuízos. Como exemplos, encontram-se a poluição, os congestionamentos, etc.
De forma a minimizar as externalidades negativas e a estimular a geração
de externalidades positivas, pois a primeira afronta os princípios da ordem
econômica e a segunda os torna ainda mais efetivos, o Estado deve intervir nas
atividades econômicas, almejando a efetivação dos princípios constitucionais.
É necessário destacar que a intervenção do Estado na atividade econômica
não é a regra. Pelo contrário, o Estado somente irá atuar nesse terreno quando os
princípios da atividade econômica não estiverem sendo respeitados e quando,
conseqüentemente, a busca pela justiça social não estiver sendo operacionalizada.
A intervenção do Estado na atividade econômica somente será realizada em regime
de exceção, pois, como observa FARJAT, apesar do Estado assumir uma influência
dominante, esta não é exclusiva; sua influência será exercida em nível de decisões
econômicas, na medida em que o intervencionismo não suprime as leis objetivas da
economia e, por fim, mesmo que o Estado possua os meios de exercer sua
influência, isto não significa que ele irá utilizá-la115. O Estado não está sozinho na
atividade econômica. Atua em conjunto com os agentes econômicos, seja em
igualdade de situações, como empresário, seja como agente normativo e regulador
da atividade econômica, modelos que serão estudados a seguir.
Visto onde a intervenção estatal é realizada e o porquê de sua atuação,
resta saber como o Estado irá exercer a sua atividade interventiva, para que consiga
restabelecer a ordem nesse cenário, em busca da realização dos ditames
constitucionais.
A atividade interventiva do Estado age nas atividades econômicas (aqui
incluídas as atividades estritamente econômicas e as prestadas por particulares na
115 FARJAT. Gérard. Droit économique. Paris: Presses Universitaires de France – PUF, 1982. p. 441-442.
60
realização de serviços públicos), para viabilizar a preservação dos princípios
constitucionais da ordem econômica presentes no art. 170 do Texto Constitucional.
Assim, a intervenção estatal atua de forma a restabelecer a ordem dentro das
atividades econômicas, como via de se alcançar a justiça social. Para tanto, partindo
de uma classificação proposta por MONCADA116, o Estado poderá intervir de duas
formas no cenário econômico: de forma direta e de forma indireta.
A intervenção direta existe quando é o próprio Estado que assume o papel
de agente produtivo, criando empresas públicas ou actuando através delas,
intervindo nos circuitos de comercialização, (...) de modo a não desequilibrar o
mercado interno117. Essa modalidade de intervenção ocorre quando o Estado atua
de forma incisiva na atividade econômica, participando em igualdade de condições
com a iniciativa privada, como um verdadeiro empresário. Para tanto, o Estado
formaliza a criação de uma sociedade empresária formada por capital público ou
misto, para atuar no cenário econômico como agente econômico direto, agindo em
concorrência direta com o setor privado já estabelecido na atividade merecedora da
intervenção118. MONCADA destaca o papel fundamental da empresa pública,
sublinhando que é por meio dela que o Estado exerce sua função interventiva,
almejando, inclusive, lucros para o desempenho da atividade, de forma a manter a
livre concorrência entre todos os demais agentes atuantes na mesma atividade119.
Por atuar no setor privado como verdadeiro empresário, é necessário
116 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 36. No mesmo sentido, Cf. VAZ, Manuel Afonso. Direito Económico. 4. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 172-173. O autor, denomina de “intervenção direta” aquela que coloca o próprio Estado a assumir o papel de agente económico e de “intervenção indireta” aquela pela qual o Estado condiciona, motiva ou enquadra o comportamento dos abentes econômicos dele independentes, sem tomar parte activa no processo produtivo, ou seja, não se assumindo como produtor ou distribuidor de bens ou serviços. (...) a intervenção indireta não é propriamente uma actividade económica do Estado, mas a imposição de limites, ou a concessão de benefícios, à actividade económica dos particulares. Esta é uma intervenção “regulamentadora”, aquela uma intervenção “produtiva”, ou de “actuação económica”. 117 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 36-37. 118 No mesmo sentido, cf. SILVA, Américo Luis Martins da. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996. p. 120. 119 O autor se utiliza da expressão empresa pública como sinônimo de ter participação do capital estatal, embora afirme ser somente uma empresa pública aquela na qual o Estado detenha a totalidade de suas ações e na qual ainda houve a extinção da pessoa jurídica de direito privado com a criação de nova personalidade jurídica, agora de direito público. MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 187-204.
61
destacar que o Estado tem que [...] sujeitar-se ao “princípio de conformidade com o
mercado” em concorrência com empresas privadas. Tal significa a obrigação de
respeitar as regras de concorrência e a condenação dos comportamentos
anticoncorrenciais120. Por atuar no cenário econômico, o Estado deverá se sujeitar
às regras atinentes ao direito privado, em especial ao princípio da livre concorrência,
para possibilitar o desenvolvimento das atividades dos demais entes privados
atuantes no setor que está sofrendo a intervenção. Dessa forma, a intervenção
direta é exercida no sentido do Estado entrar no regime concorrencial com os
demais agentes econômicos, ofertando preços e serviços necessários à realização
de objetivos sociais.
O Texto Constitucional brasileiro positiva a intervenção direta na ordem
econômica em seu art. 173121. Observa que o Estado poderá intervir na atividade
econômica de forma direta, atuando como verdadeiro empresário, de forma a
preservar os princípios constitucionais do art. 170, CF. Ademais, o Texto
Constitucional condiciona essa modalidade de intervenção à existência de mais dois
requisitos, de forma alternativa, em conjunto com os princípios da ordem econômica:
necessidade em relação aos imperativos de segurança nacional ou relevante
interesse coletivo, conforme definido em lei. Assim, de início, é necessário destacar
que os assuntos necessários à preservação da segurança nacional, bem como o 120 VAZ, Manuel Afonso. Direito Económico. 4. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 178. 121 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. § 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. § 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade. § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
62
relevante interesse coletivo precisam estar definidos em uma lei. Como o dispositivo
constitucional não menciona qual a modalidade de lei, conclui se tratar de lei
ordinária, seja federal, estadual ou municipal, de acordo com o ente estatal que irá
atuar no cenário econômico para a redução das externalidades geradas pelos
agentes econômicos, as quais deverão estar relacionadas, ainda, com os
imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Observa-se ainda
que, no caso de questões de segurança nacional, a lei em questão somente poderá
ser lei federal, eis ser a matéria de competência exclusiva da União Federal122 (art.
21, III, IV, XII, XXI e XXVIII, CF).
Visto ser necessária a criação de uma lei ordinária para positivar os
requisitos do art. 173, CF, passa-se a analisá-los. O primeiro requisito para a
atuação do Estado de forma direta na atividade econômica é a necessidade em
relação aos imperativos de segurança nacional. Reflexo do princípio da soberania, a
proteção do Estado a determinadas atividades consideradas como vitais para a
preservação da paz é essencial para que consiga exercitar o seu Poder soberano da
melhor maneira possível. Assim, determinadas atividades de cunho privado, mas em
posições estratégicas para a segurança nacional precisam sofrer a intervenção do
Estado, a qual intervenção acontece com a exploração dessa atividade por parte do
próprio ente estatal. GRAU123 reporta que essas atividades econômicas relacionadas
com a segurança nacional são os monopólios estatais inseridos no art. 177, incisos I
a V, CF124 e as atividades nucleares previstas no art. 37, XXIII, CF125. O Texto
122 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 281. 123 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 126-128 e 278. 124 Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. 125 Art. 21. Compete à União: (...)
63
Constitucional informa que a exploração de atividades petrolíferas e de gás natural,
bem como de materiais radioativos, com fins nucleares, é prerrogativa de segurança
nacional e, portanto, necessitam ser exploradas diretamente pelo Estado. Isso
denota uma intervenção, na medida em que essas atividades não se constituem
como serviços públicos, mas sim como atividades econômicas capazes de serem
exploradas pela iniciativa privada, pois possuem valor e interesse econômico, e a
sociedade necessita dos bens ofertados por elas para o atendimento de suas
necessidades. Contudo, em razão de sua importância para a preservação da
segurança nacional, o Estado conclama para si a exploração dessas atividades, de
forma direta, atuando no segmento como verdadeiro empresário.
O segundo requisito alternativo presente no art. 173 do Texto Constitucional
é a necessidade da existência de relevante interesse coletivo. É necessário destacar
que este não condiz com as necessidades públicas que são atendidas mediante a
prestação de serviços públicos. Pelo contrário, são necessidades destacadas pela
sociedade, mas que pertencem ao setor privado e, portanto, são genuinamente
prestadas pela iniciativa privada, atuando o Estado nesse terreno apenas em regime
de exceção, de forma interventiva, para a preservação do interesse coletivo e dos
demais princípios da ordem econômica.
O relevante interesse coletivo parte da premissa de que um determinado
grupo de pessoas demande determinada prestação por parte da iniciativa privada e
que esta não atenda à solicitação ou a preste de forma deficitária, de forma que
essa coletividade realmente esteja demandando medidas estatais. O Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1.990), em seu art. 81,
parágrafo único, II, traz uma definição de interesse coletivo, a qual pode ser aplicada
dentro das relações econômicas para caracterizar o relevante interesse coletivo.
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa;
64
Afirma que são interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica base. Observa-se aí que o relevante interesse coletivo está
sedimentado nas relações de consumo, positivando a intervenção estatal para a
proteção desses direitos, acaso a iniciativa privada não esteja cumprindo com os
mandamentos constitucionais relacionados com a ordem econômica126.
Para a realização dessa atividade interventiva, o Estado precisa assumir a
figura de uma sociedade empresária, a qual irá se constituir como uma empresa
pública ou uma sociedade de economia mista (art. 173, §1º, CF), que
necessariamente deverão ser regidas pelo regime jurídico de direito privado (art.
173, §1º, II, CF). O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, alterado pelo
Decreto-Lei nº 900, de 30 de setembro de 1969, em seu art. 5º, II e III,
respectivamente, define empresa pública e sociedade de economia mista. Empresa
pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com
patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de
atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência
ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas
admitidas em direito. Sociedade de economia mista é a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de
atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a
voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.
Empresa pública, portanto, é aquela cujo capital social é formado exclusivamente
com recursos da União, podendo adotar qualquer forma de organização societária.
Já a sociedade de economia mista pode ser organizada somente como sociedade
anônima e possui a maioria do seu capital social em poder do Estado (inclusive por
meio de sua administração indireta) em conjunto com a iniciativa privada. É
necessário ainda determinar que, para a criação das empresas públicas e
sociedades de economia mista, é necessária a existência de lei instituidora,
126 Em posição semelhante, GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 281 e 248-250.
65
conforme o disposto no art. 37, XIX, CF127.
São exemplos de intervenção estatal na modalidade direta o Banco do Brasil
e a Caixa Econômica Federal, respectivamente sociedade de economia mista com
finalidade de financiar a agricultura, e empresa pública com prerrogativas de
financiamento de moradias e programas sociais, atuantes em regime de
concorrência com as demais instituições bancárias; a Petróleo Brasileiro S.A. –
Petrobrás, sociedade de economia com vistas à exploração e refino de petróleo e
derivados, atuando em regime de monopólio, dentre outros.
Vista a intervenção direta do Estado na atividade econômica, passa-se à
análise da intervenção estatal nas atividades econômicas de forma indireta.
Ao contrário da intervenção direta, na qual o Estado atua como empresário
participante da produção de bens e de serviços, na intervenção indireta este age
apenas como agente normativo e regulador, ou seja, intervém por meio de medidas
políticas ou legais, de forma a interferir nas atividades econômicas do setor privado.
Para MONCADA, a intervenção indirecta existe quando as empresas privadas,
mistas ou mesmo públicas, virem a sua atividade ser objecto de medidas de caráter
fiscalizador (função de polícia) ou de estímulo (função de fomento)128. Para
SANTOS,
[...] consiste no conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o Estado, por si ou por delegação, determina, controla, ou influencia o comportamento de agentes económicos, tendo em vista evitar efeitos desses comportamentos que sejam lesivos de interesses socialmente legítimos e orientá-los em direções socialmente desejáveis.129
Neste caso, o Estado atua por meio de mecanismos legais ou 127 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; 128 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 37. 129 SANTOS, António Carlos et. al. Direito Económico. Coimbra: Almedina, 1997. p. 223.
66
administrativos, objetivando a regulação das atividades econômicas para que as
mesmas cumpram com os seus objetivos em prol da justiça social, sempre se
respeitando os princípios inseridos no art. 170, CF. É o Estado procurando reduzir
externalidades negativas ou a fomentar externalidades positivas por meio da
normatização e da regulação da conduta dos agentes econômicos geradores dessas
externalidades. SANTOS130 afirma que essa modalidade de intervenção pode
ocorrer de duas formas: a) por meio de medidas que visem a restringir a liberdade
de iniciativa, também denominada de polícia econômica131, a qual representa a
utilização do poder estatal para impor limites e condições para o desempenho da
atividade econômica, regulamentando o acesso, a organização ou o exercício da
atividade econômica; ou, b) por meio de medidas que contenham [...] indicações,
incentivos, apoios ou auxílios aos agentes econômicos, de forma que assumam
determinados comportamentos favoráveis ao desenvolvimento de políticas públicas,
designadamente económicas e sociais132, também conhecidas como medidas de
fomento econômico.
No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 174, CF133 traz a intervenção
indireta do Estado na atividade econômica, determinando que ela será realizada por
meio das funções de fiscalização, incentivo e planejamento.
A atividade de fiscalização é a atividade desempenhada pelo poder de
polícia (polícia econômica na linguagem da doutrina portuguesa acima destacada),
de forma a possibilitar ao Estado os meios necessários para a preservação da
atuação dos demais agentes econômicos, impondo-lhes regras e condições para a
sua manutenção dentro do cenário econômico, preservando a livre concorrência 130 SANTOS, António Carlos et. al. Direito Económico. Coimbra: Almedina, 1997. p. 225-227. 131 Cf. MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 294-295. 132 SANTOS, António Carlos et. al. Direito Económico. Coimbra: Almedina, 1997. p. 226. 133 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. § 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
67
entre os participantes e protegendo o consumidor contra eventuais condutas
danosas que possam ocorrer134. Para GRAU, a fiscalização contida no art. 174, CF
significa
Prover a eficácia das normas produzidas e medidas encetadas, pelo Estado, no sentido de regular a atividade econômica. Essas normas e medidas, isso é evidente – nítido como a luz solar passando através de um cristal, bem polido –, hão de necessariamente estar a dar concreção aos princípios que conformam a ordem econômica. Por isso hão de, quando atinjam atividade econômica em sentido estrito, necessariamente configurar intervenção sobre o domínio econômico.135
Fiscalizar representa a atividade estatal de impor medidas repressivas e
preventivas aos agentes econômicos, de forma a viabilizar o desenvolvimento da
atividade econômica pela iniciativa privada, procurando reduzir as externalidades
negativas geradas pelo setor, respeitando os princípios da ordem econômica e
conduzindo a atividade econômica para a busca da justiça social.
O Estado ainda atua de forma indireta como agente normativo e regulador
da atividade econômica ao dispor de incentivos para a promoção de determinadas
atividades econômicas, objetivando o fomento de certa atividade, de forma a gerar
externalidades positivas dentro da atividade econômica que esteja sofrendo a
intervenção. MONCADA relaciona as modalidades mais comuns que o Estado pode
promover o incentivo dos participantes da seara econômica por meio,
principalmente, dos: a) benefícios fiscais, amenizando a carga tributária em
decorrência da realização de determinada atividade contra-prestada pela iniciativa
privada, em prol de uma das finalidades do Texto Constitucional; b) aval do Estado,
quando o ente público atua como garante da atividade econômica a ser
134 A relação entre regulação econômica e concorrência é destacada por SALOMÃO FILHO, ao afirmar que a justificativa da regulação é a criação de uma [...] igualdade jurídica material e não meramente formal entre todos os agentes econômicos e garantir a correção de seu procedimento no mercado. Mais adiante, destaca a importância da proteção da concorrência pela regulação estatal, afirmando ser ela um valor mínimo a ser preservado, por ser [...] o único a permitir o conhecimento, a avaliação crítica – por consumidores e concorrentes –, dos demais valores que deve a regulação perseguir. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 30 e 35. 135 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 308.
68
desenvolvida136; c) empréstimos do poder público ao setor privado; d) subsídios,
dentre outros137.
A intervenção indireta do Estado na ordem econômica, atuando como
agente normativo e regulador poderá ser operacionalizada também por meio do
planejamento. Decorrente das economias socialistas, o planejamento é fruto da
planificação das atividades econômicas pelo Estado Socialista, de forma a planejar
todo o cenário econômico de investimento e produção para a geração de recursos
econômicos. Assim, o Estado atua como um grande empresário, analisando o
cenário econômico e planejando as atividades econômicas que serão desenvolvidas
no futuro. Para tanto, o planejamento exercitado nos Estados sociais se materializa
na elaboração de planos econômicos, os quais podem ser conceituados como [...] os
documentos adoptados pelos poderes públicos e destinados a analisar as
probabilidades de evolução económica e a definir as orientações daquela evolução
que as autoridades públicas consideram desejável e para qual procuram dirigir os
agentes económicos.138 São, portanto, a materialização do planejamento econômico
do Estado, sedimentado em um documento escrito, capaz de direcionar os agentes
econômicos a adotarem determinada conduta em prol dos objetivos constantes do
plano.
Como desponta dos Estados Sociais, onde a Economia sofre forte
interferência estatal, esse cenário precisa ser analisado com reservas nas
136 Dentro dessa conjectura, as parcerias público-privadas (PPP) equacionadas na Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, representam a atividade estatal como garantidor das atividades econômicas nela elencadas, conforme se depreende do seu art. 8º: Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante: I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal; II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei. 137 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Económico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 350-356. 138 VAZ, Manuel Afonso. Direito Económico. 4. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 335. Cf. também MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 402, para o qual o plano econômico consiste no acto jurídico que define e hierarquiza objectivos da política económica a prosseguir em certo prazo e estabelece as medidas adequadas à sua execução.
69
economias capitalistas, sedimentadas no princípio da liberdade e da livre iniciativa.
Embora no caso do Estado brasileiro, este positive uma Democracia destinada à
persecução da justiça social, o modelo capitalista exerce influência no cenário
econômico nacional, destinando a realização das atividades econômicas à iniciativa
privada e reservando ao Estado uma atuação sobre a ordem econômica apenas em
regime de exceção, conforme preconizam os art. 170, 173 e 174 da Carta
Constitucional. Apesar de o Estado exercer sua intervenção como agente normativo
e regulador da atividade econômica por meio do planejamento, é necessário
destacar que o seu alcance dentro do setor privado é amenizado. A própria
Constituição afirma, na parte final do caput do art. 174, que o planejamento é
apenas indicativo para o setor privado e se vincula às empresas estatais, o que
limita a sua atuação dentro da ótica capitalista na qual se insere o Estado brasileiro.
Em que pese o planejamento possuir um caráter limitado, isso não significa que ele
não denote uma intervenção do Estado nas atividades econômicas. Pelo contrário,
sua atuação é restrita, mas influente nas decisões do mercado, assim como na
gestão das empresas privadas, no direcionamento de seus investimentos.
Dentro da vertente intervencionista e por meio do Estado normatizador e
regulador da ordem econômica, é possível a implementação dessas medidas por
meio de tributos. Não apenas na concessão de incentivos fiscais, conforme acima
referido, mas também com a instituição ou majoração de tributos específicos, de
forma a incentivar ou desestimular a realização de determinada conduta econômica.
Assim, esses tributos podem ser utilizados como verdadeiros instrumentos de
extrafiscalidade139, estimulando ou desestimulando condutas por parte da iniciativa
privada. Dentre estes, os impostos de importação, exportação, sobre produtos
industrializados e operações financeiras são exemplos de tributos com conotação
intervencionista (art. 153, I, II, IV e V, CF). É possível ainda a criação de tributos
destinados a custear a intervenção estatal na seara econômica, por meio de
contribuições de intervenção no domínio econômico (art. 149, CF), as quais
representam o ápice da utilização de tributos com finalidades interventivas,
financiadoras de determinadas atividades regulatórias por parte do Estado. Essas
contribuições serão oportunamente estudadas nos capítulos seguintes do presente
139 Sobre a extrafiscalidade, ver tópico 2.7 acerca da Parafiscalidade, Extrafiscalidade e Especialidade.
70
trabalho.
Vistas as modalidades de intervenção que o Estado poderá desenvolver
para intervir nas atividades econômicas, é possível concluir que a República
Federativa do Brasil consubstancia-se em um Estado do Bem-Estar Social.
Sedimenta seus princípios nos art. 1º, 3º e 170 do Texto Constitucional, ofertando,
ainda, meios para a manutenção e a busca desses objetivos por meio do instituto da
intervenção. Em que pese o fato de o Estado nacional estar enraizado no
capitalismo, este modelo sofre limitações, não mais havendo espaço para o
capitalismo liberal que imperou até o início do século XX. Dessa forma, como
assevera GRAU, a ordem econômica liberal sai de cena, abrindo espaço para a
ordem econômica intervencionista140, a qual postula a atuação do Estado no cenário
econômico para garantir que os objetivos e valores positivados no Texto
Constitucional se tornem cada vez mais efetivos, de forma a promover o
desenvolvimento de toda a sociedade. Eis que o Direito acompanha os anseios
sociais, conclamando mudanças na seara dos fatos econômicos, buscando efetivar
direitos e garantias constitucionais. É a ciência jurídica como promotora de
mudanças sociais, reestudando antigos conceitos e interpretando-os de forma a
possibilitar uma vida mais digna ao indivíduo, ofertando-lhe meios cada vez mais
efetivos e concretos para a realização do desenvolvimento social.
Nessa ótica de mudança social, o Direito Tributário possui importância
singular na promoção do desenvolvimento sócio-econômico, por meio da imposição
de tributos, estimulando a realização de determinadas condutas e desestimulando
outras que sejam, embora lícitas, contrárias ao desenvolvimento das políticas do
Estado nacional.
A experiência histórica do liberalismo econômico provou a imperatividade da intervenção do Estado no domínio econômico. Entretanto, esta mesma experiência, dentro do Estado Social demonstrou a ineficiência de uma intervenção direta na economia. Com este respaldo histórico, faz-se urgente que a atividade tributante atual ultrapasse os limites meramente fiscais e se converta em um instrumento de política sócio-econômica por parte do Estrado.141
140 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 312. 141 BOTELHO, Werther. Da Tributação e sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 36-37.
71
O tributo ocupa posição de destaque na promoção do desenvolvimento
sócio-econômico do Estado, atuando como verdadeiro instrumento de mudança
social, intervindo nas atividades econômicas em prol da busca pelos princípios e
demais objetivos da República Federativa do Brasil, o que determina um estudo
mais aprofundado do Sistema Tributário nacional, de forma a situar a contribuição de
intervenção no domínio econômico dentro do Sistema Constitucional Tributário em
que se fundamenta toda a atividade tributária do Estado em prol da arrecadação de
recursos e da efetivação de suas finalidades.
72
2 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
2.1 O TRIBUTO COMO OBJETO DE ESTUDO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
O Direito Tributário, enquanto ramo do Direito, possui como objeto de estudo
o tributo. Traça suas características e estuda o seu inter-relacionamento com os
princípios constitucionais, de forma a implementá-lo no cenário jurídico e utilizá-lo
como instrumento de políticas econômicas capazes de possibilitar o alcance dos
recursos necessários para a realização de despesas públicas. Ademais, o tributo
apresenta outras funções, além de ser modalidade de receita de que se vale o
Estado para angariar recursos, na medida em que pode e deve ser utilizado como
instrumento de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social. Faz-se
necessário um estudo acerca da acepção jurídica do vocábulo tributo, de forma a
sistematizá-lo no ordenamento jurídico e formar as bases de estudo acerca das
contribuições de intervenção no domínio econômico.
CARVALHO alerta que há uma série de concepções sobre a expressão
tributo142. Entretanto, o Código Tributário Nacional (CTN), positivou sua definição
legal de tributo em seu art. 3º, afirmando que tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade vinculada
administrativa plenamente vinculada.
Ao se analisar a definição legal, pode-se desdobrá-la nos seguintes
elementos:
- prestação pecuniária compulsória – o Estado, para que possa realizar suas
funções, necessita de recursos. Portanto, o Ente estatal não pode ficar à margem da
discricionariedade do contribuinte sobre o pagamento ou não do tributo. Portanto, é
necessário que o tributo seja um dever, um ônus sobre o contribuinte, obrigando-o a
142 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2005. p. 19. Segundo o autor, encontram-se os seguintes significados: tributo como quantia em dinheiro; tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; tributo como sinônimo de relação jurídica tributária; tributo como norma jurídica tributária; tributo como norma, fato e relação jurídica.
73
pagar a quantia previamente determinada. MACHADO afirma que o cerne da
compulsoriedade é a falta do elemento volitivo do contribuinte em se pagar a
prestação143. O contribuinte manifesta sua vontade apenas quando da realização do
fato jurídico tributário que, por sua vez, gera a necessidade de pagar a prestação
pecuniária independentemente da vontade do contribuinte.
- em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir – o tributo deve ser pago
em dinheiro. O problema está na locução ou cujo valor nela (moeda) se possa
exprimir, pois quase todos os bens podem ser expressos em moeda, pois possuem
um determinado valor comercial. MACHADO afirma que a obrigação tributária gera
um dever jurídico para o contribuinte, determinando que este entregue determinada
quantia de seu patrimônio. Essa quantia somente poderá ser realizada em dinheiro,
pois, do contrário, nasceria para o contribuinte o direito subjetivo de ter quitada a sua
obrigação mediante a entrega de qualquer bem cujo valor possa ser expresso em
moeda144, acarretando grandes transtornos ao Fisco. Assim, o ponto central é que
deverá ser pago por meio de dinheiro pois, mesmo os bens que possuem valor,
deverão ser convertidos anteriormente em dinheiro para traspassarem para os
cofres do Estado, quando ocorrerá a quitação e a extinção da obrigação.
- não constitua sanção de ato ilícito – Tributo não é sanção em virtude de
uma ilicitude praticada pelo contribuinte. Pelo contrário, decorre de um fato praticado
por este, de acordo com os preceitos legais e dentro da licitude. O tributo, acima de
tudo, tem uma função social e essa função não pode se decorrente de uma ilicitude;
se assim fosse, não teria razão de existir, pois tributo seria então, uma penalidade
imposta ao transgressor de um fato jurídico. Dessa forma, as multas impostas aos
contribuintes que não cumprem com as determinações legais que lhe são impostas,
seja no pagamento dos tributos, seja no descumprimento dos deveres
instrumentais145, não podem ser caracterizadas como tributo. Por razões de
143 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26 ed. rev. atual e amp. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 71. 144 MACHADO, Hugo de Brito. O Conceito de Tributo no Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 29-30. 145 Os deveres instrumentais são deveres impostos aos contribuintes de forma a operacionalizar o recolhimento e possibilitar a fiscalização dos tributos pelo Estado. Essa terminologia é utilizada por Paulo de Barros Carvalho, em substituição às obrigações acessórias previstas no art. 113, §2º do CTN e que não retratam com fidelidade o instituto a que se reporta, na medida em que esses deveres não são obrigações por não possuírem um conteúdo patrimonial envolvido e muito menos são
74
conveniência e oportunidade, o Estado lança mão da execução fiscal para cobrá-las
em conjunto com os tributos não recolhidos ou mesmo de forma isolada, mas não
possuem as características dos tributos, por decorrerem de ilicitudes praticadas pelo
sujeito passivo da obrigação.
- instituída em lei – a necessidade da lei decorre do princípio da legalidade,
previsto no art. 5º, II e 150, I, ambos da Constituição Federal, o qual norteia todo o
sistema jurídico tributário, na medida em que somente mediante lei é que será
possível o Estado criar um novo tributo ou majorar um tributo já existente, de forma a
proteger o contribuinte contra possíveis arbitrariedades do Estado-Administração,
outorgando a competência para a edição de normas tributárias criadoras ou
majorantes de tributos ao Estado-Legislativo.
- cobrada mediante atividade administrativa vinculada – este é o ato do
lançamento, por meio do qual a autoridade pública, ao verificar que ocorreram os
fatos descritos na norma, concretiza a cobrança do tributo, nos exatos termos
previstos na legislação. Por ser atividade vinculada, a autoridade não tem a
possibilidade de escolher se exigirá ou não o tributo.
Da conjugação de todos os elementos definidos no art. 3º do CTN, verifica-
se que, para a existência de um tributo, sempre deverá ocorrer um fato praticado
pelo particular, o qual gerará para este uma obrigação de pagar determinada quantia
definida em lei e autorizará o Estado à cobrança da mesma. Ou seja, sempre deverá
existir um fato jurídico tributário, que provocará a ocorrência de uma relação jurídica
tributária, formalizada pelo ato do lançamento. O estudo detalhado da estrutura da
norma jurídica tributária e de seus elementos será objeto de estudo no tópico
pertinente à regra-matriz de incidência tributária.
2.2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
Ponto central do estudo acerca do presente tema, os princípios
constitucionais tributários são de fundamental importância para a sistematização de
acessórias, pois não estão atreladas necessariamente a uma obrigação principal. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 291-294.
75
todo o ordenamento jurídico tributário, na medida em que norteiam a confecção de
todas as demais normas atinentes ao sistema jurídico tributário. Já foi analisada
neste estudo146 a importância do princípio na estrutura jurídico-positiva do Estado
brasileiro, consubstanciando-se como os vetores primordiais dos quais se irradiam
as normas existentes no ordenamento, os quais precisam guardar completa
similitude com o princípio que a gerou, sob pena de não encontrar fundamento de
validade para a sua existência no ordenamento.
Em relação aos princípios constitucionais tributários, observa-se que se
constituem verdadeiros direitos essenciais ao contribuinte, na medida em que
impõem limitações ao poder de tributar do Estado, pois o sistema tributário
movimenta-se sob complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os
excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos
individuais147. São direitos fundamentais que protegem o contribuinte contra os atos
praticados pelo ente estatal, impondo-lhe limites. Assim, os direitos fundamentais
são [...] situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em
prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana148. Como tal, apregoam
deveres ao Estado149 para que preserve os valores sociais da dignidade, igualdade e
liberdade dos indivíduos, consubstanciando o princípio da dignidade da pessoa
humana inserida no art. 1º, III da CF.
ARAUJO e NUNES JUNIOR150 trazem as principais características dos
direitos fundamentais:
- historicidade: os direitos fundamentais são construídos ao longo do tempo, 146 Cf. tópico atinente aos Princípios Constitucionais da Ordem Econômica. 147 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. DERZI, Misabel (atual.) 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 2. 148 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 183. 149 Canotilho afirma que os direitos fundamentais cumprem uma função de defesa dos cidadãos, impondo deveres ao Estado sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 373. 150 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 60-63.
76
caracterizando-se como conquistas da sociedade em relação aos atos praticados
contra esses direitos por um longo período de tempo e acabam por se incorporar à
própria existência da pessoa humana;
- universalidade: os direitos fundamentais são direcionados a toda
humanidade, estando presente a sua proteção, mesmo que implícita, em todos os
ordenamentos jurídicos, na medida em que emanam da própria essência do ser
humano, independentemente do local em que este se encontre.
- limitabilidade: traduz a idéia de que os direitos fundamentais não são
absolutos, sendo possível a exclusão de um em detrimento de outro direito
fundamental, no caso de haver um conflito entre eles, o que deverá ser resolvido
pelo princípio da proporcionalidade151. Assim, no caso concreto, se houver a colisão
de dois direitos fundamentais, um deles deverá ser afastado para a incidência do
outro, o que denota a sua limitabilidade.
- concorrência: assim como não são absolutos, sendo possível a ocorrência
de um conflito de direitos fundamentais, os mesmos também podem ser
acumulados, utilizados em conjunto na proteção dos interesses do indivíduo.
- irrenunciabilidade: direitos fundamentais são irrenunciáveis, não podendo
deles dispor em hipótese alguma. É possível a sua não-utilização, mas sua
disposição é vedada.
Ao se verificar as características dos direitos fundamentais, observa-se que
os princípios constitucionais tributários se amoldam na qualidade de direitos
fundamentais do contribuinte, de forma a protegê-los contra os atos de império
realizados pelo Estado por meio do seu poder de tributar. Embora não estejam
previstos no Título II da Carta Constitucional, podem perfeitamente ser enquadrados
como direitos fundamentais, pois guardam as características apontadas acima; aliás,
a própria Constituição, em seu art. 5º, §2º, afirma que os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
151 Sobre o princípio da proporcionalidade, Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 135-139.
77
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. Dessa forma, o Texto Constitucional afirma existirem
outros direitos fundamentais espalhados por seu corpo, como é o caso dos
princípios constitucionais tributários.
ARAUJO E NUNES JUNIOR compartilham do entendimento, afirmando que
os princípios constitucionais tributários são direitos fundamentais do contribuinte:
A seção II do Capítulo I do Título VI da Constituição da República abriga as chamadas limitações ao poder de tributar, é dizer, cláusulas constitucionais caracterizadas pela finalidade de impor limites à atividade impositiva tributária do Poder Público. São regras que limitam o poder de tributar, garantindo, indiretamente, o direito de propriedade. Por tais mandamentos, há garantia de que o Estado, através da tributação, não poderá atuar em determinadas situações.152
DERZI também perfilha da caracterização dos princípios constitucionais
tributários como verdadeiros direitos fundamentais ao afirmar que
A grande massa de imunidades e dos princípios consagrados na Constituição de 1988, dos quais decorrem limitações ao poder de tributar, são meras especializações ou explicações dos direitos e garantias individuais (legalidade, irretroatividade, igualdade, generalidade, capacidade econômica de contribuir etc.), ou de outros grandes princípios estruturais, como a forma federal de Estado (imunidade recíproca dos entes públicos estatais). São, portanto, imodificáveis por emenda, ou mesmo por revisão, já que fazem parte daquele núcleo de normas irredutível, a que se refere o art. 60, §4º, da Constituição.153
A autora conclui que a Constituição de 1988 restringiu as exceções à
legalidade rígida e à anterioridade, além de ter bloqueado qualquer possibilidade de
ampliação do rol exceptivo como permitia o Texto anterior, fechando-o em
enumeração taxativa e numerus clausus154, o que significa dizer que as exceções
aos princípios constitucionais tributários não podem ser estendidas por alteração do
legislador constituinte derivado. VELOSO perfilha do posicionamento, aduzindo que
152 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 315. 153 DERZI, Misabel. In BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 14. 154 DERZI, Misabel. In BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 71.
78
os princípios constitucionais tributários positivados nos arts. 150, 151 e 152 da CF,
são direitos fundamentais e, como tais, impossíveis de serem excluídos ou mitigados
por Emenda Constitucional, em virtude de serem cláusulas pétreas. Para tanto,
colaciona julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn155 contra a EC
nº 3/93, a qual suprimiu o princípio da anterioridade e, foi julgada procedente, por
ferir cláusula pétrea da Constituição156.
Em sendo direitos fundamentais, os princípios constitucionais tributários
estão protegidos como cláusulas pétreas, as quais não podem ser modificadas por
nenhuma forma de instrumento introdutório de norma, inclusive emenda
constitucional, nos ditames do art. 60, §4º, IV da CF157. ARAUJO E NUNES JUNIOR
compartilham do entendimento, afirmando que os princípios constitucionais
tributários são direitos fundamentais do contribuinte e, por conseguinte, são
considerados cláusulas pétreas, pois, conforme já visto
[...]. São regras que limitam o poder de tributar, garantindo, indiretamente, o direito de propriedade. Por tais mandamentos, há garantia de que o Estado, através da tributação, não poderá atuar em determinadas situações. Portanto, trata-se de garantia individual, que deve ser entendida como cláusula pétrea, pois decorrência do direito de propriedade158. (grifo nosso).
RABELLO, ao estudar o princípio da anterioridade tributária, que será visto
ainda neste tópico atinente aos princípios constitucionais tributários, afirma que o
princípio da anterioridade da lei tributária, portanto, tem a estatura de direito
individual, espécie do gênero direitos fundamentais. Com isso, é cláusula pétrea, por
expressa disposição da Lei das Leis, não podendo ser extinto nem reduzido por
emenda constitucional159.
155 ADIn nº 939 – DF. Relator Min. Sydney Sanches. 156 VELOSO. Carlos Mário da Silva. Reforma constitucional, cláusulas pétreas, especialmente a dos direitos fundamentais, e a reforma tributária. In Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. Vol. 2. MELLO, Celso Antonio Bandeira de (org.). São Paulo: Malheiros, 1997. p. 173-175. 157 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais. 158 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 315. 159 RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da Anterioridade da Lei Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 109.
79
Visto que os princípios constitucionais são direitos fundamentais do
contribuinte, impondo limites ao poder de tributar do Estado de forma a preservar os
interesses individuais da sociedade enquanto promotora dos fatos jurídicos capazes
de sofrer a incidência dos tributos, passa-se a destacar os principais princípios do
sistema constitucional tributário, dentre eles o princípio da legalidade, da
anterioridade, da isonomia, da capacidade contributiva dentre outros, todos eles
decorrentes do princípio fundamental da justiça fiscal, reflexo do princípio da justiça
social que norteia todo o Estado Democrático de Direito em que está inserida a
República Federativa do Brasil.
O primeiro princípio a ser analisado é o princípio da justiça fiscal. Delimitar o
alcance da justiça fiscal é tarefa das mais árduas para o intérprete, na medida em
que o próprio conceito de justiça depende da análise de uma série de fatores e
principalmente, da ideologia de cada qual que for interpretá-lo. Ora se confunde com
o princípio da liberdade, por vezes com o princípio da igualdade. Assim, precisar um
conceito sobre tema nunca espancaria de dúvidas o leitor do presente trabalho.
Contudo, o princípio da justiça fiscal pode ser analisado sob uma outra ótica, não se
procurando conceituá-lo, mas sim encontrá-lo de forma indireta quando da presença
de outros elementos indicativos. Dessa forma, o princípio da justiça fiscal seria
encontrado quando se encontrassem outros princípios jurídicos, de forma que o
respeito a esses princípios acabaria por respeitar o princípio em questão. HANS
OLBERTZ afirma que, para haver igualdade e justiça na tributação, esse princípio
deveria estar associado a outros preceitos constitucionais, que exigissem da
administração tributária o respeito ao mínimo existencial do cidadão e de sua
família160.
Para que o princípio da justiça fiscal possa ser encontrado, é necessário que
os demais princípios constitucionais tributários, que serão vistos a seguir, também
estejam presentes, em conjunto, o que ofertaria ao intérprete uma maior segurança
para afirmar ou não o respeito ao princípio da justiça fiscal. A estrutura tributária
160 OLBERTZ, hans. Vierteljahresschrift für steuer-und finanzrecht, 1930. p. 495. Apud ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 124.
80
deve guiar-se no sentido da Justiça Fiscal, e os critérios utilizados deverão ter por
meta atingir essa Justiça Fiscal. Ela tem de ser justa, de modo a se fazer com que
haja uma adequada distribuição do ônus tributário entre os indivíduos161.
Na busca pela justiça fiscal, o primeiro princípio a ser estudado é o princípio
da igualdade ou da isonomia. Inserido no art. 5º, caput da CF, o princípio da
igualdade encontra reforço no art. 150, II da CF, ao positivar que o Estado não
poderá instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente. Assim, o princípio da igualdade positiva a máxima aristotélica
de igualar iguais e desigualar desiguais, na medida de suas desigualdades,
possibilitando que contribuintes em igualdade de situações possam ter tratamento
jurídico isonômico, almejando a busca pela justiça fiscal, pois
A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia é juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.162
DERZI afirma que toda idéia de igualdade (e de justiça), no Direito, supõe o
confronto, a comparação. E é pelo contraste no tratamento igual ou desigual que
nascem os sentimentos de justiça ou de injustiça163. Por conseguinte, a isonomia
pressupõe a comparação entre indivíduos diversos e é nessa comparação que
surgem os sentimentos de justiça ou injustiça, na medida em que a isonomia é um
dos meios para se buscar a justiça fiscal. FONROUGE afirma que
O princípio da igualdade não se refere a igualdade numérica, que daria lugar às maiores injustiças, mas sim à necessidade de assegurar o mesmo tratamento a quem se encontre em igualdade de situações, de modo que não se constitua em uma regra imutável, porque permite a formação de distintas categorias, sempre que estas sejam razoáveis, com exclusão de toda discriminação arbitrária, injusta ou hostil contra determinadas pessoas ou grupo de
161 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997. p. 11. 162 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 10. 163 DERZI, Misabel Abreu Machado. Princípio da igualdade no direito tributário e suas manifestações. In Princípios Constitucionais Tributários, separata da Revista de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 164
81
pessoas.164
ATALIBA destaca a grande importância do princípio da igualdade no
ordenamento jurídico brasileiro, afirmando que o princípio da isonomia é decorrente
do princípio Republicano, o qual a fecunda e lhe dá substância165. E não poderia ser
diferente, pois o princípio republicano positiva o ideal de que o Estado foi
desenvolvido pelo povo e para o povo, constituindo em verdadeiro bem (res) de
todos (pública), o que somente é possível se todos os indivíduos que estejam em
igualdade de situações sejam tratados da mesma forma. Para CARRAZZA166
República é o tipo de governo, fundado na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade. (...) De fato, a noção de República não se coaduna com os privilégios de nascimento e os foros de nobreza, nem, muito menos, aceita a diversidade de leis aplicáveis a casos substancialmente iguais, as jurisdições especiais, as isenções de tributos comuns, que beneficiem grupos sociais ou indivíduos (...). (grifo nosso)
Não há República sem isonomia. O princípio da igualdade é inerente à forma
Republicana na qual o povo exerce seu poder soberano por meio da democracia
representativa, escolhendo seus representantes para administrar o seu próprio bem
público.
No sistema tributário, o princípio da isonomia deverá ser analisado em
relação ao conteúdo patrimonial que o sujeito passivo da obrigação tributária será
compelido a entregar ao sujeito ativo em decorrência da compulsoriedade do tributo.
Isto é, a isonomia tributária se refere ao pagamento de determinada quantia de
tributo por um e de outra quantia, maior ou menor, por outro, desde que este esteja
em situação diversa daquele, pois
164 FONROUGE, Carlos M. Giuliani. De los tributos y del poder tributário. In Temas de Derecho Tributário. Buenos Aires: Revista da Faculdad de Ciencias Económicas de la Universidad de Buenos Aires, 1968. p. 106-107. 165 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. FOLGOSI, Rosolea Miranda (atual.) 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 159. 166 CARAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 48-49.
82
[...] se o conteúdo da obrigação jurídico-tributária – nascida em conseqüência da subsunção do fato ocorrido (fato imponível) ao antecedente normativo – consiste sempre no dever do sujeito passivo de entregar certa porção de dinheiro ao sujeito ativo, o tratamento diferenciado que possa ser criado entre os sujeitos passivos consistirá sempre na alteração desse conteúdo, agravando-o, suavizando-o ou, até mesmo, extinguindo-o.167
A análise do tratamento isonômico em matéria tributária se refere à
investigação do dispêndio de um determinado montante de dinheiro que o sujeito
passivo precise realizar em prol do sujeito ativo, comparando-o com outro sujeito
que esteja em igualdade de situação. Se esse montante for maior ou menor do que
o outro, estar-se-á diante de uma situação contrária ao princípio da igualdade
tributária, pois o princípio cria uma medida uniforme. O exame de casos iguais com
duas ou mais medidas é injusto. O princípio proporciona tratamento isonômico e
imparcial de todos que são compreendidos pelo princípio168. Por outro lado, há
situações jurídicas que sustentam a geração de desigualdades, na medida em que
os próprios sujeitos passivos se encontrem em situações desiguais. Contudo, para
que isto aconteça nos ditames do princípio em comento, é necessária a presença
das seguintes circunstâncias: a) todos os contribuintes que estejam em uma mesma
categoria precisam ter tratamento isonômico; b) a classificação em diversas
categorias deve ser fundamentada em diferenças reais e não meramente aparentes;
c) a classificação deve excluir qualquer discriminação arbitrária, injusta ou hostil; d) a
diferença deve comportar uma justa igualdade, sob o aspecto da eqüidade; e) a
diferença deve respeitar a uniformidade do tributo.169
Como corolário do princípio da isonomia surge o princípio da capacidade
contributiva. Referido princípio configura-se como desdobramento do princípio da
igualdade, pois a capacidade contributiva é exatamente o respeito à igualdade, na
medida em que determina o valor a ser pago a título de tributo por um determinado
número de pessoas que estejam em igualdade de condições e, difere seu montante,
quando há uma desigualdade entre contribuintes diversos, além de ser expressão da
[...] finalidade (Justiça Fiscal) visada pela Constituição, permeando não só a
167 GONÇALVES, J. A. Lima. Isonomia na Norma Tributária. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 48-49. 168 TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 20. 169 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. GRECO, Marco Aurélio (trad.). 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 69.
83
elaboração, mas, também, a aplicação da lei e das normas constitucionais170.
A capacidade contributiva está prevista no art. 145, § 1º, da CF171, sob a
veste da capacidade econômica do contribuinte de poder ou não suportar o ônus
tributário que lhe foi imposto pelo Estado. O tributo representa a principal fonte de
receitas para que o Estado realize suas despesas públicas em prol da
implementação de políticas públicas dispostas a atender necessidades públicas
reclamadas pela sociedade. Para tanto, compulsoriamente retira parcela do
patrimônio do contribuinte que, com isso, sofre uma depreciação de sua capacidade
econômica. Se um determinado contribuinte não puder suportar essa depreciação
sem um grande sacrifício para sua manutenção, pode-se afirmar que esse
contribuinte não possui capacidade econômica e, conseqüentemente, capacidade
contributiva para o pagamento do tributo. Dessa forma, terá capacidade contributiva
quem conseguir pagar os tributos exigidos pelo Estado dentro de uma normalidade
econômica, possibilitando a entrega do tributo e mantendo-se ainda uma
determinada possibilidade de sobrevivência172. A capacidade contributiva é princípio
constitucional que serve de suporte para a busca da justiça fiscal e deve ser
observado de forma contínua e imediata por todos os entes estatais em todas as
suas esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também pelo intérprete,
seja ele o juiz, o contribuinte ou a administração173. Dessa maneira, a afirmação
sempre que possível contida no §1º do art. 145 da CF não se filia ao princípio da
capacidade contributiva, mas sim ao caráter pessoal dos impostos174, pois a
capacidade contributiva sempre deverá ser observada para a incidência do tributo,
de forma a positivar o princípio da igualdade e da justiça fiscal.
170 OLIVEIRA, João Marcos Domingues de. Capacidade contributiva. Rio de Janeiro: Renovar, 1988. p. 41. 171 Art 145, §1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 172 É o que acontece, por exemplo, com o Imposto de Renda, no qual os contribuintes de baixa renda são isentos do pagamento do imposto, pois não possuem capacidade contributiva, na medida em que não possuem condições de contribuir para o erário público sem realizarem um grande sacrifício para isso. 173 ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 163. 174 LACOMBE, Américo Masset. Igualdade e capacidade contributiva. In Princípios Constitucionais Tributários, separata da Revista de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 157.
84
Decorrente natural do princípio da capacidade contributiva, encontra-se o
princípio da vedação ao confisco. Inserido no art. 150, IV da CF, este princípio atua
impedindo o Estado de tributar as pessoas que não possuam capacidade para pagar
o tributo, quando este já atingiu patamares que extrapolaram a própria capacidade
contributiva delas. Dessa forma, confisco tributário consiste em uma ação do Estado,
empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela
considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição
econômica ou financeira por tal ato175.
O tributo confiscatório age de forma a impedir que o contribuinte exercite seu
direito de propriedade sobre o bem, em razão da alta carga de incidência do tributo,
obrigando o contribuinte a se desfazer dele ou a não mais realizar o fato jurídico
tributário gerador da obrigação tributária sem uma justificativa justa para tal
incidência. Assim, se a Constituição Federal protege a propriedade privada (art. 5º,
XXII), o Estado não pode usurpá-la de forma indireta por meio da tributação176.
Contudo, assim como a propriedade privada está limitada pela função social (art. 5º,
XXIII), o Estado poderá se utilizar de altas cargas tributárias que, em tese, poderiam
agredir o direito de propriedade, acaso justifique a incidência do tributo excessivo
para a persecução dos seus objetivos constitucionais por meio da distribuição
desses recursos por toda a sociedade, mas sempre se utilizando do princípio da
razoabilidade.
Outro princípio previsto no ordenamento jurídico tributário e que auxilia o
intérprete na busca da justiça fiscal é o princípio da progressividade. O referido
princípio representa a diferenciação de alíquotas na incidência dos tributos sobre
determinados fatos jurídicos tributários em razão da discrepância existente entre os
sujeitos passivos. Assim, o sujeito passivo que possua uma maior capacidade
econômica deverá sofrer a incidência de uma alíquota maior em relação ao sujeito
passivo que possua uma menor capacidade econômica. O percentual do imposto
cresce à medida que cresce a capacidade econômica contributiva; haverá, assim,
175 CASTILHO, Paulo César Baria de. Confisco Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 39. 176 FONROUGE, Carlos M. Giuliani. De los tributos y del poder tributário. In Temas de Derecho Tributário. Buenos Aires: Revista da Faculdad de Ciencias Económicas de la Universidad de Buenos Aires, 1968. p. 110.
85
um aumento mais que proporcional do imposto com o aumento da capacidade
contributiva177. Dessa forma, além do sujeito detentor de maior capacidade pagar
mais pelo simples fato de ter uma base de cálculo maior, pagará uma quantia maior
ainda em virtude do aumento da alíquota que incidirá sobre essa base. JARACH
afirma que a legitimidade do princípio da proporcionalidade repousa na solidariedade
social, quando exige mais do que possui maior riqueza em relação ao que possui
menos, porque se supõe que o rico pode entregá-lo sem maior sacrifício de sua
situação pessoal178, estando em completa relação com o princípio da capacidade
contributiva.
A justificação do princípio da progressividade repousa nas teorias do
sacrifício179, nas quais o ônus do pagamento do tributo deve ser isonômico e, sem a
alíquota proporcional, o contribuinte mais afortunado teria um sacrifício menor em
relação ao sacrifício despendido pelo menos afortunado para o pagamento do
tributo. ZILVETI afirma que o princípio da progressividade não retrata o princípio da
isonomia e da capacidade contributiva, sendo aceitável tão somente como um meio
de redistribuição de riquezas, no exercício da Justiça Social180. O autor entende que
a progressividade é reflexo do Estado Social que se utiliza do princípio para
redistribuir recursos e promover o desenvolvimento social. Contudo, essa
distribuição deve ser feita segundo critérios bem delimitados de arrecadação e
aplicação dos recursos em políticas sociais, sendo injustificável a sua aplicação com
intuito meramente arrecadatório181. O princípio da progressividade é elemento
fundamental para se alcançar a Justiça Fiscal, na medida em que implementa a
distribuição de renda entre todos os indivíduos da sociedade. Em que pese o
referido autor dissociar a progressividade da igualdade e da capacidade contributiva,
a progressividade acaba por manter o princípio da igualdade quando desiguala os
desiguais, na medida de suas desigualdades, tributando mais onerosamente os
177 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997.p. 75. 178 JARACH, Dino. Limites constitucionales al ejercicio del poder fiscal. In Temas de Derecho Tributário. Buenos Aires: Revista da Faculdad de Ciencias Económicas de la Universidad de Buenos Aires, 1968. p. 38. 179 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. GRECO, Marco Aurélio (trad.). 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 91. 180 ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 185. 181 ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 185.
86
contribuintes que apresentem maiores condições econômicas para sofrerem a
incidência do tributo sem maiores sacrifícios.
O princípio da legalidade está previsto no art. 5º, II da CF e representa a
possibilidade do cidadão somente ser compelido a fazer ou deixar de fazer algo por
uma lei. Em relação ao sistema tributário, está reforçado no art. 150, I da CF,
impedindo o Estado de exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Decorrente do princípio da separação dos poderes, o princípio da legalidade garante
a imparcialidade do Estado no momento da confecção dos comandos normativos,
impedindo que o Estado-Administração possa legislar em causa própria, ferindo os
direitos fundamentais do contribuinte. Assim, a legalidade emana do Estado-
Legislador, legítimo representante do povo para a criação de regramentos
normativos. Portanto,
Pelo princípio da legalidade afirma-se de modo solene e categórico, que, sendo o povo o titular da coisa pública e sendo esta gerida, governada e disposta a seu (povo) talante – na forma da Constituição e como deliberado por seus representantes, mediante solenes atos legais –, os administradores, gestores e responsáveis pelos valores, bens e interesses considerados públicos são meros administradores, que, como tais, devem obedecer à vontade do dono, pondo-a em prática, na disposição, cura, zelo, desenvolvimento e demais atos de administração dos valores, bens e interesses considerados públicos (do povo).182
Entretanto, não basta que a lei seja emanada do Poder Legislativo
(legalidade formal). É necessário que a lei possua seu caráter de generalidade,
abstração, isonomia, impessoalidade e irretroatividade (legalidade em sentido
material)183. Por conseguinte, para a existência do princípio da legalidade é
necessária a criação de um instrumento introdutório de norma que: emane do Poder
Legislativo, positive um comando que atinja um número indeterminado de pessoas,
seja hipotética, seja a mesma para qualquer contribuinte que esteja na mesma
182 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. FOLGOSI, Rosolea Miranda (atual.) 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998. p.125. 183 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. FOLGOSI, Rosolea Miranda (atual.) 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998. p.123; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Princípio da legalidade como princípio fundante dos demais princípios tributários. In Princípios Constitucionais Tributários, separata da Revista de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 10 e BORGES, José Souto Maior. Legalidade e isonomia tributárias: a questão de sua demarcação. In Princípios Constitucionais Tributários, separata da Revista de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 44-46.
87
situação, independentemente de quem quer que seja e, por fim, disponha apenas
sobre fatos ocorridos após a sua criação.
O princípio da legalidade comporta exceções, conforme dispõe o próprio
Texto Constitucional nos arts. 153, §1º184 e 177, §4º, I, b185, ambos da CF, este
último acrescentado pela EC nº 33/01 e que será discutido quando da análise das
contribuições de intervenção no domínio econômico incidente sobre o setor
petrolífero, do gás e do álcool combustível. Dessa forma, segundo os ditames
constitucionais, o Poder Executivo possui autorização para aumentar as alíquotas
dos impostos de importação, exportação, sobre produtos industrializados e
operações financeiras, além da contribuição de intervenção no domínio econômico
incidente sobre petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool combustível,
sem a necessidade da matéria passar pelo crivo do Poder Legislativo. Assim, o texto
constitucional, ao impor exceções ao princípio da legalidade, possibilita ao Estado
exercer sua política de governo em prol do desenvolvimento econômico do país,
utilizando-se desses tributos para exercer uma política intervencionista no cenário
econômico, de forma a cumprir com os objetivos constitucionais.
O princípio da irretroatividade, conforme visto acima, é requisito fundamental
para a preservação do princípio da legalidade, pois o comando normativo inserido no
texto legal precisa regular a conduta do contribuinte somente para o futuro,
preservando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º,
XXXVI, CF). O princípio surge visando a conferir segurança e certeza às relações
intersubjetivas, estabelecendo a regra de que a lei não se aplica a fatos e atos de
184 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) §1º. É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. 185 Art. 177. Constituem monopólio da União: (...) §4º. A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: (...) b) reduzida e restabelecida por Ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b.
88
outrora; só dispõe para o futuro.186 Inserido no art. 150, III, a) da CF, positiva a
impossibilidade do Estado cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos
antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Assim, o
Texto Constitucional preserva o ato jurídico perfeito, realizado nos ditames do
ordenamento jurídico no tempo em que foi realizado, na medida em que a norma
somente poderá incidir sobre fatos jurídicos tributários após a sua entrada em vigor,
quando passará a produzir seus efeitos jurídicos.
O princípio da anterioridade encontra-se sedimentado no art. 150, III, b da
CF e afirma que é vedada ao Estado a cobrança de tributos no mesmo exercício
financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Dessa
forma, o Legislador Constituinte limitou o poder do Estado de tributar o contribuinte
com a incidência de um novo tributo ou de uma majoração dos já existentes, no
mesmo exercício financeiro em que foi criado ou majorado. O exercício financeiro
corresponde ao ano civil do país (art. 34 da Lei nº 4.320/64187), iniciando-se em
primeiro de janeiro e se encerrando em 31 de dezembro de cada ano188. RABELLO
FILHO alerta que o termo cobrar tributo não possibilita ao Estado fazer incidir a
norma sobre os fatos no mesmo exercício e apenas cobrar o tributo no exercício
seguinte. Pelo contrário, o que é vedado ao Estado é fazer incidir a norma jurídica
sobre os fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro, podendo incidir apenas a
partir do 1º dia do exercício seguinte. Assim, o princípio da anterioridade suspende a
eficácia da norma até a chegada do próximo exercício189.
Paralelamente ao princípio da anterioridade, a EC 42/03 acrescentou a
alínea c ao inciso III do art. 150 da CF, dispondo que o Estado não poderá cobrar
tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b. Com isso, o
princípio da anterioridade ganhou um reforço na preservação dos direitos do
contribuinte, na medida em que a alínea c do inciso III do referido artigo positivou a
186 RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da Anterioridade da Lei Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 83. 187 Art. 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil. 188 Dessa forma, um tributo criado ou majorado no ano de 2006 somente poderá incidir em primeiro de janeiro de 2007. 189 RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da Anterioridade da Lei Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.110-112.
89
necessidade de se aguardar, no mínimo, noventa dias para a entrada em vigor da lei
que instituiu novo tributo ou majorou tributo já existente. Além de ser vedado o início
da vigência no mesmo exercício financeiro, a norma criada deverá esperar, no
mínimo, noventa dias para iniciar seus efeitos190, podendo-se afirmar que a vacatio
legis das normas tributárias será de noventa dias, no mínimo.
O Texto Constitucional traz algumas exceções ao princípio da anterioridade,
conforme se depreende da análise do art. 150, §1º, primeira parte, da CF191 e 177, §
4º, I, b, CF192, acrescido pela EC nº 33/01. Conforme dispõe o Texto Constitucional,
a criação ou majoração de empréstimo compulsório para o atendimento de
despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública ou guerra externa; dos
impostos de importação, exportação, sobre produtos industrializados e sobre
operações financeiras; do imposto extraordinário em virtude de guerra externa e da
contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre petróleo e
derivados, gás natural e derivados e álcool combustível, estão aquém do princípio
da anterioridade tributária, podendo ser tributadas no mesmo exercício financeiro.
Ao se analisar a segunda parte do § 1º do art. 150, CF, observa-se ainda que a
criação ou majoração de empréstimo compulsório para o atendimento de despesas
extraordinárias decorrentes de calamidade pública ou guerra externa; dos impostos
de importação, de exportação, de renda e sobre operações financeiras; do imposto
extraordinário em virtude de guerra externa e da contribuição de intervenção no
domínio econômico incidente sobre petróleo e derivados, gás natural e derivados e
álcool combustível, estão fora do alcance da necessidade de se respeitar noventa
dias para entrada em vigor da norma que crie ou aumente esses tributos. Pode-se 190 Por exemplo, uma lei que foi publicada em primeiro de novembro somente poderá viger em 30 de janeiro do ano seguinte e não em primeiro de janeiro, quando do início do exercício financeiro, pois precisará aguardar noventa dias para o início de sua vigência. 191 Art. 150. (...) §1º A vedação do inciso III, b não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e art. 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III e 156, I. 192 Art. 177. Constituem monopólio da União: (...) §4º. A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: (...) b) reduzida e restabelecida por Ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b.
90
afirmar que todos esses tributos mencionados não precisam respeitar o exercício
seguinte e o prazo mínimo de noventa dias para passarem a produzir seus efeitos,
com exceção dos impostos sobre produtos industrializados (IPI) e do imposto de
renda (IR): enquanto aquele não precisa respeitar o exercício seguinte, mas precisa
aguardar noventa dias para entrar em vigor a norma que aumentou a sua alíquota,
este precisa respeitar o exercício seguinte, mas não há necessidade de se aguardar
noventa dias para gerar seus efeitos.
2.3 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E A NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA
O estudo do direito positivo tem como premissa maior os fatos sociais
elevados, pela sua relevância, ao status de fatos jurídicos, por meio da positivação
das condutas sociais no ordenamento jurídico. Nos dizeres de VILANOVA, [...]
juridicamente relevante é o fato do mundo (natural e social) que se torna “suporte de
incidência” de uma norma, norma que lhe atribui efeitos, que não os teria sem a
norma. 193 Assim, os fatos sociais e naturais que o direito entende por relevantes são
positivados no ordenamento, por meio da sua previsão hipotética de ocorrência, a
qual gerará efeitos jurídicos diversos, conforme dispuser o regramento normativo.
Nesse sentido, o Direito Tributário traz o estudo das normas jurídicas que imponham
condutas a serem realizadas pelos sujeitos existentes no meio social, relacionadas
com o pagamento de prestações pecuniárias compulsórias decorrentes de atos
lícitos e cobradas mediante a atividade do lançamento. Essas normas jurídicas que
impõem deveres de pagar tributos ao Estado são o principal objeto de estudo da
ciência do Direito Tributário, procurando estabelecer as suas relações com os
princípios constitucionais que impõem limitações ao poder de tributar concedido ao
Estado pelo Texto Constitucional.
O estudo das normas jurídicas tributárias é premissa fundamental para a
correta compreensão do tema atinente às contribuições interventivas. Inicia-se com
o estudo da estrutura lógica da norma jurídica tributária, possibilitando ao intérprete
193 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 52.
91
uma correta equalização da regra-matriz de incidência fiscal194 no cenário tributário.
É necessário afirmar que a norma jurídica é formada por duas partes,
denominadas normas primárias e secundárias. As normas primárias positivam as
condutas sociais de forma hipotética e prevêem a relação jurídica decorrente da
ocorrência do fato descrito na norma, sendo também chamadas de normas de direito
material195 ou substantivas. São ditas primárias, pois normatizam o antecedente
lógico-normativo196. São as normas primárias que sedimentam os direitos e deveres,
que estatuem os modais deônticos, impondo ao sujeito que praticou o fato jurídico
uma permissão, uma obrigação ou uma proibição197. Já as normas secundárias
positivam o conseqüente normativo, na medida em que trazem a previsão do
descumprimento da relação jurídica ocorrida e impõem uma sanção como
penalidade pelo descumprimento da obrigação. São também conhecidas como
normas de direito processual, pois instrumentalizam a busca pelo restabelecimento
do status quo ante descumprimento da relação jurídica ocorrida.
Da conjugação da norma primária com a norma secundária é que se torna
possível encontrar a norma jurídica que irá regular determinada conduta social, em
prol da preservação dos valores sociais positivados no Texto Constitucional. A
norma de direito material apresenta um antecedente normativo. A este antecedente,
ou hipótese, se conjuga um mandamento, ou seja, uma conseqüência. Verifica-se
que sempre que ocorrer a hipótese prevista no antecedente, ocorrerá o mandamento
previsto no conseqüente, em virtude do modal deôntico que impera no Direito,
prescrevendo um dever-ser para o realizador do fato jurídico198.
Na hipótese normativa (antecedente), sempre haverá a descrição de um fato
194 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 84-88. 195 A terminologia de direito material é trazida por Kelsen, contrapondo-se às normas de direito formal ou processual. As primeiras são entendidas como normas gerais que determinam o conteúdo dos atos judiciais, enquanto que as outras são as normas gerais através da quais são reguladas a organização e o processo das autoridades judiciais e administrativas. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. MACHADO, João Batista (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 256. 196 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 112. 197 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 91-93. 198 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 112-115.
92
de relevante interesse jurídico, enquanto que, no conseqüente, há a prescrição de
uma relação jurídica que necessariamente se instaurará com a ocorrência no plano
dos fatos da hipótese normativa. Há, portanto, dois planos existenciais: um abstrato
e geral e outro concreto e individual. No primeiro, encontra-se a hipótese tributária e
o conseqüente. No segundo, o fato jurídico tributário e a relação jurídica tributária199.
Para que se possa identificar o fato que o Direito entende como importante
para o mundo jurídico e quais realmente serão seus efeitos, faz-se necessária a
busca das coordenadas que o identificam, além dos sujeitos e do objeto que
compõem a relação jurídica dele decorrente. Sendo assim, a doutrina200 afirma
existirem três critérios para a identificação do fato jurídico tributário (material,
espacial e temporal) e dois para a identificação da relação jurídica tributária (pessoal
e quantitativo).
A hipótese de incidência é a descrição hipotética do fato201. Para se
identificar o fato, deve-se buscar os critérios material, especial e temporal.
O critério material é a descrição de um comportamento de um determinado
indivíduo. Ou seja, é a ação desenvolvida por uma pessoa capaz de gerar efeitos
jurídicos. Esse comportamento, necessariamente, será formado por um verbo, em
conjunto com seu complemento202. Como exemplos, encontram-se na legislação os
termos exportar produtos, vender mercadorias, prestar serviços, dentre muitos
outros comportamentos relevantes para o direito tributário.
O critério espacial é a localização do fato dentro de determinado espaço
geográfico. É a determinação do lugar em que ocorreu o fato jurídico tributário. É
necessário determinar o lugar da ocorrência da obrigação tributária, principalmente
para se determinar qual é o ente estatal que detém a competência para a cobrança
do tributo. 199 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 252. 200 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 255-257. 201 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 53. 202 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 251.
93
Como descrição legal – condicionante de um comando legislativo – a h. i. só qualifica um fato, como hábil a determinar o nascimento de uma obrigação, quando este fato se dê (se realize, ocorra) no âmbito territorial de validade da lei, isto é, na área espacial a que se estende a competência do legislador tributário.203
É o critério espacial que determina o exato lugar da realização do fato
jurídico, além de determinar qual será o Ente Federado autorizado a instituir a norma
jurídica de incidência e a receber a prestação pecuniária decorrente do fato jurídico
ocorrido.
Já o critério temporal é o identificador do tempo do fato jurídico. Ou seja,
determina quando este fato jurídico tornou-se relevante para o Direito Tributário,
capaz de gerar uma obrigação tributária.
É o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.204
Com a identificação do critério temporal, consegue-se determinar qual é o
exato momento em que surge o direito subjetivo do Estado de cobrar determinada
quantia e o dever jurídico do sujeito passivo de pagar essa determinada quantia, a
título de tributo.
Identificados, no plano fático, os três critérios identificadores da hipótese
tributária, ocorrerá o fenômeno da subsunção da descrição do fato à descrição
normativa. Se a norma possuir a qualidade de abstração e generalidade, então
regulará, respectivamente, uma infinidade de condutas de diversos indivíduos. Toda
vez que um indivíduo praticar o fato descrito na hipótese normativa, exatamente
igual ao nela previsto, então essa conduta passou a ser relevante para o Direito,
pois seu fato se enquadrou na hipótese prevista na norma, ou seja, subsumiu-se à
conduta descrita na hipótese. Esse é o fenômeno da subsunção, que nos dizeres de 203 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 93. 204 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 264-265.
94
ATALIBA, [...] é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão
hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à hipótese legal quando
corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei205.
Uma vez subsumida a descrição do fato à descrição da hipótese tributária,
instou-se no plano jurídico a relação jurídica tributária (conseqüente). Essa, em sua
composição interna, é formada por sujeitos e um objeto, justificando a presença de
mais dois critérios: o pessoal e o quantitativo.
O critério pessoal diz respeito às partes da relação jurídica tributária. Serve
para identificar qual será o titular do direito de exigir a obrigação tributária e de
identificar quem deverá sofrer o ônus de arcar com o pagamento da obrigação.
Neste caso, verifica-se a presença de um sujeito ativo (pessoa jurídica de direito
público ou privado dotado de competência para a cobrança do tributo) e de um
sujeito passivo, que poderá ser o contribuinte ou o responsável tributário pelo
pagamento da obrigação. Contribuinte é o sujeito direto da obrigação. É a pessoa
física ou jurídica que realmente praticou o fato jurídico. Já o responsável tributário é
a pessoa física ou jurídica que, apesar de não ter praticado o fato jurídico ensejador
da obrigação, está legal ou contratualmente obrigada a pagar o tributo.206
O critério quantitativo refere-se ao objeto da relação jurídica, servindo como
o identificador do valor que deverá ser pago pelo sujeito passivo ao sujeito ativo, a
título de tributo. Necessariamente, desdobra-se em dois elementos: base de cálculo
e alíquota.
A base de cálculo é o indicador sobre o qual incidirá uma alíquota, capaz de
determinar qual será o valor da obrigação.
É a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação
205 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 63. 206 DENARI, ZELMO. Sujeito ativo e passivo da relação jurídica tributária. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 5. ed. Belém: Cejup, 1997. p. 196-200.
95
pecuniária.207
Além de servir como identificador do montante a ser pago, a base de cálculo
apresenta outra função fundamental: a de medir o critério material da hipótese de
incidência. Por exemplo: o imposto de renda apresenta como base de cálculo a
renda obtida pela pessoa física ou jurídica durante certo período de tempo em um
determinado lugar. Neste caso, o critério material da hipótese de incidência do
imposto deverá ser, necessariamente, obter renda (verbo mais o complemento).
Dessarte, a base de cálculo atua como um identificador do critério material da
hipótese, na medida em que mede as proporções reais do fato, de forma a delimitá-
lo; compõe a específica determinação da dívida, delimitando o montante a ser pago
pelo sujeito passivo; além de confirmar (quando guardarem total similitude entre
ambos), infirmar (quando forem discrepantes entre si) ou afirmar (quando for
obscuro) o critério material da hipótese208. Assim, a base de cálculo é fator
fundamental na análise da validade da norma que instituir determinado tributo, de
forma a medir a incidência do seu critério material em relação à ocorrência do fato
jurídico tributário.
Já a alíquota é o valor, geralmente expresso em forma de fração ou
percentagem209 que, multiplicada pela base de cálculo, identifica o valor da
obrigação. É a fatia que o Estado pretende reter para si, a título e tributo, da conduta
praticada pelo sujeito passivo. É na fixação da alíquota, seja fixa ou progressiva, que
o Estado desenvolve o princípio da igualdade tributária, igualando iguais ou
desigualando desiguais, de acordo com a capacidade contributiva de cada cidadão.
2.4 DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS INSERIDAS NO ART. 145 DA CF
O art. 145 da Constituição Federal traz em seu corpo a afirmação de que os
tributos são os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria, encontrando-se a
mesma dicção no art. 5º do CTN. Ademais, o Texto Constitucional traz ainda a
207 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 331-332. 208 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 330-337. 209 Nada impede que a alíquota seja determinada por um valor fixo, como por exemplo, R$100,00 para cada mil litros de combustível vendido.
96
possibilidade da criação dos empréstimos compulsórios, previstos no art. 148, II da
CF, e a criação de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de
interesse das categorias profissionais, previstas nos arts. 149 e 195 do Texto
Constitucional. Dessa forma, faz-se necessária uma correta sistematização do
estudo das espécies tributárias, tendo em vista a disposição constitucional dos
institutos a serem analisados, principalmente no tocante aos empréstimos
compulsórios e contribuições; faz-se necessário, ainda, um estudo inicial de cada
um desses institutos.
Nos termos do art. 16 do CTN, os impostos são prestações pecuniárias
compulsórias que incidem sobre fatos alheios à atividade estatal, ou seja, são
tributos que incidem sobre fatos da esfera particular do contribuinte, em nada
dependendo de uma atuação estatal. São tributos que têm por hipótese de
incidência um fato qualquer, não consistente em uma atuação estatal210. Por não
dependerem da uma atividade estatal, os impostos acabam por incidir sobre fatos
jurídicos que denotem a capacidade econômica do contribuinte, de forma a suportar
a incidência do tributo. Dentre esses fatos, pode-se visualizar os eleitos pelo
constituinte nos art. 153, 155 e 156 da Constituição Federal como sinalizadores de
capacidade econômica do contribuinte e que acabam por serem tributados pelos
entes estatais, tais como: ter renda, circular mercadoria, prestar serviço, ser
proprietário de veículo automotor dentre outros, todos capazes de presumir a
capacidade econômica do contribuinte. Essa capacidade econômica, na medida em
que o contribuinte oferta uma possibilidade ao Estado de ser tributado, também é
conhecida como capacidade contributiva, conforme já estudado anteriormente,
sendo este o principal princípio norteador da limitação ao poder de tributar por meio
dos impostos. Ademais, como modalidade de receita derivada, os impostos são os
principais vetores de que se vale o Estado para o financiamento de suas despesas
geradas para a persecução dos objetivos constitucionais. É a capacidade
contributiva que, em matéria de impostos, atende às exigências do princípio da
igualdade, realizando o ideal republicano de afastar, também na tributação,
210 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 463.
97
privilégios sem causa de pessoas ou categorias de pessoas211. Cumpre ainda
assinalar que a receita proveniente dos impostos não pode ser destinada a
despesas específicas, com exceção dos mandamentos inseridos no art. 167, IV da
Constituição Federal.
Por sua vez, as taxas, segundo o art. 145, II, CF, são tributos que decorrem
da prestação, por parte do Estado, de um serviço público específico e divisível ou do
exercício do poder de polícia. Dessa forma, as taxas acabam por ser tributos
relacionados a uma atividade estatal decorrente da prestação de um serviço público
específico e divisível ou decorrente de um poder de polícia.
Já foi visto que o serviço público é uma comodidade material ofertada ao
contribuinte pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob o regime de direito
público212. Contudo, para a ocorrência da taxa, é necessário que o serviço seja
prestado diretamente pelo Estado ou por um de seus entes descentralizados, pois
se o serviço for prestado por uma pessoa de direito privado concessionária ou
permissionária do serviço, então não se estará diante de uma taxa, mas sim de uma
tarifa ou preço público213. Ademais, para a incidência da taxa, faz-se necessária a
presença de dois requisitos cumulativos: a especificidade e a divisibilidade. A
especialidade é a característica do serviço que seja prestado de forma singular ao
contribuinte. Difere dos serviços públicos universais que atendem a toda a
coletividade de forma genérica e que são comumente financiados por meio dos
impostos. A divisibilidade é a segunda característica que deve estar presente no
serviço público que irá gerar uma taxa e, segundo CARRAZZA, é uma decorrência
lógica da própria especificidade, pois os serviços públicos que são singulares, que
atendam a um conjunto singular de contribuintes, podem ser perfeitamente divisíveis
somente entre aqueles que realmente se utilizam da prestação estatal214.
As taxas ainda podem ser instituídas em decorrência de uma atividade 211 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 467. 212 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 575. 213 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 629. 214 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 472.
98
estatal consistente no poder de polícia que, segundo MELLO, consiste na
Atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.215
O poder de polícia é a atividade desenvolvida pelo Estado-administração,
por meio da imposição de normas aos administrados, estabelecendo preceitos
atinentes aos princípios da liberdade e propriedade, de forma a limitá-los em prol do
interesse público. É a atuação do Estado de forma a resguardar o interesse público,
regulando o exercício das liberdades dos indivíduos e limitando o uso da
propriedade, por meio da expedição de um ato administrativo que regule o exercício
dos direitos envolvidos, em prol do bem comum de toda a sociedade. Como tal, é
evidente a necessidade de se respeitar os princípios inseridos no art. 37 do Texto
Constitucional, sob pena do ato administrativo não encontrar fundamento de
validade tanto no ordenamento constitucional, quanto no infraconstitucional. Nos
dizeres de CARRAZZA,
[...] exercendo, com base na lei, seu poder de polícia, o Estado (latu sensu) limita o exercício do direito à propriedade e à liberdade das pessoas, de modo a permitir que, observado o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado, todas possam desfrutar igualmente desses dois bens supremos216.
Ainda é necessário destacar que, para a criação de uma taxa fundada no
poder de polícia do Estado, é necessário que o exercício do poder ocorra de forma
efetiva e não meramente potencial. O Estado precisa, efetivamente, exercer o seu
poder de limitação à liberdade e à propriedade dos contribuintes, pois, do contrário,
uma limitação potencial ao princípio da liberdade e da propriedade encontrariam
óbice no ordenamento constitucional, na medida em que essa limitação não estaria
trazendo reais benefícios ao interesse público, não existindo razão para se limitar o
215 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 675. 216 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 473.
99
interesse privado do contribuinte.
Como terceira espécie tributária, as contribuições de melhoria estão
inseridas no art. 145, III da Carta Constitucional, constituindo-se em tributo que está
atrelado a uma atividade estatal – assim como as taxas –, representada pela
realização de uma obra pública que acabe por trazer uma valorização imobiliária à
propriedade do individuo que, dessa forma, se tornará contribuinte do tributo.
MACHADO sedimenta a razão da existência da contribuição de melhoria no ideal de
justiça. Afirma o autor que
Todos devem contribuir para o atendimento das necessidades públicas, na medida da capacidade econômica de cada um. Para tanto o poder público arrecada os tributos e aplica os recursos correspondentes. Nessas aplicações são incluídos os investimentos em obras públicas, e destas muita vez decorre valorização de imóveis. Não é justo, então, que o proprietário do imóvel valorizado em decorrência da obra pública aufira sozinho essa vantagem para a qual contribuiu toda a sociedade. Por isso o proprietário do imóvel cujo valor foi acrescido é chamado a pagar a contribuição de melhoria, com a qual de certa forma repõe no Tesouro Público o valor ou parte do valor aplicado na obra217.
A contribuição de melhoria materializa o princípio da justiça fiscal, na medida
em que reparte os ganhos percebidos por todos os contribuintes do tributo com toda
a sociedade que contribuiu para a construção da obra que acabou por valorizar os
imóveis destes contribuintes e ainda sedimenta o princípio da igualdade tributária
por incidir tão somente sobre aqueles sujeitos que obtiveram valorização imobiliária
decorrente da obra edificada pelo ente público.
2.5 DA NATUREZA TRIBUTÁRIA DOS EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS E DAS CONTRIBUIÇÕES
Traçados os principais aspectos das espécies tributárias previstas no art.
145 da Constituição Federal, passa-se a analisar as demais existentes em outros
dispositivos constitucionais, referentes aos empréstimos compulsórios e às
contribuições.
217 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26 ed. rev., atual e amp. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 432.
100
Até os dias atuais, a natureza jurídica dos empréstimos compulsórios e das
contribuições ainda permeia de dúvidas o intérprete da ciência do direito, as quais se
iniciam sobre a natureza tributária ou não desses institutos.
Previsto no art. 148, II, CF, os empréstimos compulsórios dividem a doutrina
acerca da sua natureza tributária ou não. Com a sua criação em 1951, os
empréstimos compulsórios tiveram a sua natureza jurídica tributária questionada,
saindo vencedora a tese de que não se constituíam como tributos, nos moldes da
Súmula 48 do Supremo Tribunal Federal que assim dispunha: o empréstimo
compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está sujeita à exigência
constitucional da prévia autorização orçamentária, vigorando esse entendimento até
a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que positivou a natureza tributária do
empréstimo compulsório no ordenamento constitucional do país218. Com a
Constituição de 1988, a natureza tributária do empréstimo compulsório foi mantida,
pois está inserido no título referente ao Sistema Tributário Nacional e, ainda, há
expressa previsão constitucional de respeito aos princípios constitucionais
tributários. Ademais, o empréstimo compulsório decorre do Poder estatal de exigir
compulsoriamente do indivíduo uma determinada quantia em dinheiro, desde que
prevista em lei e cobrada mediante o ato do lançamento, preenchendo todos os
requisitos previstos no art. 3º do CTN, constituindo-se em verdadeiro tributo.
Contudo, apesar de sua natureza tributária, o empréstimo compulsório somente
poderá ser criado pela União em condições emergenciais, de forma a financiar
temporariamente os casos de calamidade pública, guerra ou obras públicas de
caráter urgente e relevante para a sociedade. Como somente podem ser criados em
casos extraordinários, de forma a atender uma necessidade urgente e em caráter
temporário, os empréstimos compulsórios precisam ser restituídos aos seus
contribuintes nos prazos e condições que a lei que os instituiu determinar.
Ainda há outro ponto divergente na doutrina acerca dos empréstimos
compulsórios, que consiste em saber se pertencem a uma das três espécies
tributárias já delimitadas ou se realmente seriam uma quarta espécie de tributos.
Como os empréstimos compulsórios não são objeto de maior enfoque no presente
218 DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 144-146.
101
trabalho, alguns apontamentos sobre sua natureza dentro do sistema tributário serão
lançados quando da dissertação das teorias acerca da natureza jurídica das
contribuições.
Em relação às contribuições, a doutrina ainda se divide acerca da sua
natureza tributária. GRECO afirma que as contribuições não estão sujeitas ao
regime jurídico do direito tributário, pois o ordenamento impõe limitações à atuação
estatal para criar contribuições, de forma a controlá-lo, mas isso não quer dizer que
estão sujeitas ao regime tributário como um todo, pois o art. 149 da CF faz menção
a apenas alguns elementos que compõem o regime tributário e não ao todo. Se
estão dentro do sistema tributário nacional, não faria sentido fazer menção a regras
específicas, como fez o legislador. São institutos que estão sujeitos a alguns
preceitos tributários, mas não a todos, o que desautoriza a considerá-las como um
tributo219. Advogando igual posicionamento, SOUZA afirma que as contribuições
previstas nos arts. 149 e 195 da Constituição Federal não possuem natureza
tributária, embora participem em parte do regime tributário220.
A doutrina majoritária postula pela natureza tributária das contribuições.
BALEEIRO, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1967, ao comentar o art.
217 do CTN, o qual prevê a possibilidade da instituição de contribuições sociais para
o custeio de determinadas atividades paraestatais, afirmava que as contribuições
parafiscais, em resumo, são tributos, e, como tais, não escapam aos princípios da
Constituição221.
ATALIBA, ao sistematizar o estudo das espécies tributárias, assim dispõe:
A contribuição é um instituto jurídico que se constitui essencialmente pela disciplina da passagem compulsória de dinheiros privados aos cofres públicos, por força de decisão legislativa. Nesse sentido, corresponde ao conceito genérico de tributo – científico ou doutrinário – seja qual for a corrente que se adote, ou a idéia que de
219 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 61-94 e 154-155. 220 SOUZA, Hamilton Dias. Contribuições para a Seguridade Social. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 5. ed. Belém: Cejup, 1997. p. 111. 221 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. DERZI, Misabel Abreu Machado (atual.) 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 70.
102
tributo se faça, em termos econômicos ou de ciência das finanças222.
DERZI, ao atualizar a obra de BALEEIRO, traz as seguintes considerações
em relação ao caráter tributário das contribuições:
As contribuições em geral, sociais, interventivas ou corporativas, têm caráter tributário, conforme dispõem os arts. 149 e 195 e já decidiu o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente. A constituição de 1988 afastou, irrefutavelmente, a discussão sobre o caráter tributário das contribuições parafiscais. (...) o aludido dispositivo constitucional (art. 149) usou da seguinte técnica para, definitivamente, encerrar a polêmica e deixar claro e insofismável o caráter tributário dessas contribuições: ao invés de simplesmente inseri-las no Capítulo do Sistema Tributário Nacional, expediente de que já se valera a Constituição de 1967, com a redação que lhe deu a Emenda nº 1, de 1969 (expediente que não foi suficiente e que não logrou êxito absoluto [...]), o art. 149 manda de forma literal e expressa que se apliquem às contribuições os mais importantes princípios constitucionais tributários – da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade – além de todas as normas gerais em matéria de Direito Tributário. E, como se isso não bastasse, a Constituição nesse artigo remete o intérprete ao art.195, encartado em outro Título da Constituição, denominado da Ordem Social, e lá no art. 195, inserido no Título da Ordem Social, remete de novo o intérprete ao Sistema Tributário Nacional223.
CARRAZZA, ao tecer considerações acerca da natureza tributária das
contribuições, afirma que [...] todas elas têm natureza nitidamente tributária, mesmo
porque, com a expressa alusão aos “arts. 146, III, e 150, I e III”, ambos da
Constituição Federal, fica óbvio que deverão obedecer ao regime “jurídico tributário”
(...)224. CARVALHO também advoga a tese de que as contribuições possuem
natureza tributária, subordinando-se em tudo e por tudo às linhas definitórias do
regime constitucional peculiar aos tributos225.
Já MELO afirma que
A Constituição Federal de 1988 caracteriza as contribuições como
222 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 167. 223 DERZI, Misabel Abreu Machado (atual.). In BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 1030-1031. 224 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 519. 225 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 42-43.
103
tributos, em razão de sua natureza (receitas derivadas, compulsórias) e por consubstanciarem princípios peculiares no regime jurídico dos tributos, que se encontram esparramados ao longo do discurso constitucional226.
MACHADO também se manifesta sobre a natureza tributária das
contribuições ao afirmar que
É induvidosa, hoje, a natureza tributária dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido pratico porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis às contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias, com ressalva, quanto a este, das contribuições da seguridade social, às quais se aplica regra própria (...).227
AMARO também sedimenta a natureza tributária das contribuições ao incluí-
las no rol de outras figuras tributárias (diferentes dos impostos taxas e contribuição
de melhoria), ao lado do pedágio e dos empréstimos compulsórios228.
NOGUEIRA e NOGUEIRA, ao tecerem considerações acerca da natureza
jurídica do PIS (Programa de Integração Social) concluem pela sua natureza
tributária, embora defendessem a tese de que se tratava de uma contribuição de
intervenção no domínio econômico e não uma contribuição social229.
Após a análise das posições doutrinárias, conclui-se que as contribuições
existentes no ordenamento jurídico pátrio possuem natureza tributária. Seu
instrumento introdutório no direito positivo, o art. 149, CF, está inserido no Título
referente ao Sistema Tributário Nacional. Também estão aí inseridos o art. 145, que
positiva os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria, e o art. 148, II, que
sedimenta o empréstimo compulsório, o que denota a intenção do legislador de
procurar determinar igual regime jurídico para esses institutos. Ademais, as
226 MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 77. 227 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26 ed. rev., atual e amp. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 407. 228 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 48. 229 NOGUEIRA, Rui Barbosa e NOGUEIRA, Paulo Roberto Cabral. Direito Tributário Aplicado e Comparado. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 92.
104
contribuições são prestações pecuniárias compulsórias, instituídas pelo Estado ou
por entes a ele equiparados, previstas em lei, que decorrem de atos lícitos
praticados pelos contribuintes, sendo cobradas mediante a atividade do lançamento
administrativo. Isto é, amoldam-se perfeitamente ao conceito de tributo previsto no
art. 3º do CTN.
Corroborando ainda mais com essas afirmações, o art. 149 da CF determina
expressamente que as contribuições deverão respeitar todas as normas gerais
relativas ao Sistema Tributário Nacional (art. 146, III, CF), bem como respeitar os
princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade, previstos no art. 150, I e III
da CF. Essa previsão apenas serve para reforçar ainda mais a submissão aos
princípios e demais normas de Direito Tributário, em virtude do posicionamento da
Jurisprudência da Suprema Corte existente antes da Constituição vigente, a qual
havia se posicionado pela natureza não-tributária das contribuições230. É necessário
relembrar que a Constituição de 1988 emergiu de um período obscuro e conturbado
da história do país, quando renasceu o Estado Democrático de Direito, após 24 anos
de regime ditatorial. Por essa razão, o legislador constituinte originário cercou o
Texto Constitucional de inúmeras garantias de respeito aos seus preceitos
fundamentais. Nessa esteira, as garantias constitucionais tributárias foram sendo
inseridas em diversos dispositivos, de forma a proteger o contribuinte das
arbitrariedades que o governo, ao interpretar a política do Estado brasileiro, poderia
se utilizar para gerar um aumento de arrecadação sem a observância dos direitos
fundamentais do contribuinte. Portanto, a previsão existente no art. 149 da CF, por
meio da qual as contribuições deverão respeitar as normas gerais de Direito
Tributário, além dos princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade, são
garantias adicionais instaladas pelo legislador constituinte na proteção dos direitos 230 Contribuição previdenciária. cobrança. prescrição qüinqüenal. débito anterior a e.c. n. 8/77. Antes da e.c. n. 8/77 a contribuição previdenciária tinha natureza tributária, aplicando-se quanto à prescrição o prazo estabelecido no CTN. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 110011 / sp - São Paulo - recurso extraordinário; relator(a): min. Djaci Falcão; julgamento: 22/08/1986; órgão julgador: segunda turma; publicação: DJ 12-09-1986 pg-16429 ement vol-01432-03 pg-00697). PIS. natureza jurídica. PIS na base de cálculo do IPI. Situação anterior à emenda constitucional n. 8/77. (...), quanto à natureza tributária do PIS, tem-se ser ele considerado tributo até o advento da emenda constitucional n. 8/77, perdendo tal natureza jurídica a partir de então. A possibilidade de inclusão ou não do PIS, na base de calculo do IPI, a partir de quando deixou ele de ser considerado tributo, não se eleva a nível constitucional, havendo de ser apreciado o tema ante a legislação instituidora daquele ônus (lc n. 7/70) e da disciplinadora do IPI. (RE 103089 / SP - São Paulo recurso extraordinário; relator(a): min. Aldir Passarinho; julgamento: 01/12/1987; órgão julgador: segunda turma; publicação: DJ 15-04-1988 pg-08400 ement vol-01497-02 pg-00370).
105
fundamentais do contribuinte, vinculando as contribuições, de forma expressa, aos
principais princípios do sistema tributário.
Cabe mencionar que o Supremo Tribunal Federal231 já firmou seu
posicionamento acerca da natureza tributária das contribuições estando, por
conseguinte, sujeitas a todos os princípios e demais normas atinentes ao Sistema
Tributário Nacional.
2.6 DA CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
Analisada a natureza jurídica das contribuições, constituindo-as como
verdadeiros tributos, faz-se necessário delimitar a qual espécie tributária as
contribuições estão atreladas, pois a organização dos objetos em situações
equivalentes possibilita uma maior compreensão dos sistemas jurídicos pela ciência
do direito. Dessa forma, para uma correta compreensão do sistema tributário, é
imperioso organizar os institutos jurídicos que o compõem de maneira harmônica
entre si, possibilitando ao intérprete a correta posição de cada um desses institutos
231 EMENTA: TRIBUTO. Contribuição social. Contribuição previdenciária de inativos. Restituição do indébito. Verba de natureza tributária. Juros de mora. Curso desde o trânsito em julgado da sentença. Aplicação do art. 167, § único, do CTN. Agravo regimental improvido. Precedente. Os juros de mora, na restituição de contribuições previdenciárias, correm desde o trânsito em julgado da sentença que a determine. (RE 405885 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL- AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 16/08/2005; Órgão Julgador: Primeira Turma; Publicação: DJ 09-09-2005 PP-00044 EMENT VOL-02204-03 PP-00521) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SEBRAE. INSTITUIÇÃO MEDIANTE LEI ORDINÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE. 1. As alegações trazidas a esta Corte no recurso extraordinário e reiteradas no presente agravo regimental foram examinadas e rejeitadas pelo Plenário, no julgamento do RE 396.266, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 27/02/2004, que assentou ter o tributo destinado ao custeio do SEBRAE natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico (art. 149 da CF/88). 2. Consignou-se, por isso, com fundamento no art. 146, III, a da Constituição, que a exação tratada, por não se tratar de um imposto, pode ter sua base de cálculo e seus contribuintes definidos por lei ordinária, sujeitando-se, contudo, às regras das alíneas b e c do mesmo dispositivo e que não é exigível a vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados. 3. Agravo regimental improvido.(RE 389020 AgR / PR – PARANÁ; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 23/11/2004; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: DJ 10-12-2004 PP-00047 EMENT VOL-02176-03 PP-00490) EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INATIVOS. TRIBUTO VINCULADO À SEGURIDADE SOCIAL. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. 1. O artigo 195, § 4º da Constituição Federal não legitima a instituição de contribuição previdenciária de inativos. Precedentes: ADI 2010, DJU de 29.09.1999; ADI 2189, DJU de 09.06.2000. Agravo regimental a que se nega provimento. RE 368014 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA; Julgamento: 08/04/2003; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: DJ 16-05-2003 PP-00117 EMENT VOL-02110-04 PP-00839)
106
dentro do sistema jurídico tributário. Para tanto, faz-se necessário classificar as
modalidades de tributos existentes, de acordo com suas características peculiares.
A classificação, para o estudo da ciência, somente encontra razão de existir
se contribuir para a correta compreensão do objeto de estudo que está defronte do
intérprete. Por isso é que se afirma serem as classificações úteis ou inúteis para a
comunidade científica, dentre elas a Ciência do Direito. Para CARRAZZA, classificar
é o procedimento lógico de dividir um conjunto de seres (de objetos, de coisas) em
categorias, segundo critérios preestabelecidos 232, ou seja, é o recurso de que se
vale o intérprete para procurar sistematizar e facilitar o seu objeto de estudo,
procurando [...] acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre diversos seres,
de modo a facilitar a compreensão do assunto que estiver sendo examinado233. Em
relação ao Direito Tributário, a classificação dos tributos faz sentido para a correta
compreensão dos tributos existentes e para poder delimitar a competência tributária
de cada ente da federação, pois
[...] embora o poder de tributar seja do Estado, como um todo, cada uma das ordens parciais de governo que o compõem tem sua parcela de poder que é determinada a partir do critério classificatório. Em razão desse critério, temos taxas e contribuições de melhoria, como tributos de competência comum e demais contribuições e impostos como de competência privativa. Por tal razão a exata classificação da espécie tributária tem repercussões jurídicas importantes, pois a própria repartição de competências está nela fundada.234
A diversificação dos tributos em várias espécies vai mais além da
distribuição da competência entre os entes tributantes, impondo limites ao poder de
império de cada um deles, na medida em que a diversificação de tributos atende as
mais variadas necessidades estatais, servindo ora como instrumento de
arrecadação (fiscalidade), ora como incentivador ou repressor de uma conduta
social (extrafiscalidade), na medida em que a diversificação das espécies tributárias
232 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 459. 233 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 459. 234 SOUZA, Hamilton Dias de e FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 61. No mesmo sentido, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 458.
107
possibilita ao Estado (e aqui se visualiza todos os entes que compõem a federação)
distribuir o ônus contributivo por uma grande variedade de situações, ofertando-lhe
meios de arrecadar recursos para a realização de seus objetivos sociais, além de
possibilitar-lhe a regulação de determinadas atividades referentes aos seus
contribuintes.
Como suporte normativo, a Constituição Federal trouxe em seu bojo todas
as modalidades de tributos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, embora
não os tenha inserido de forma que não deixasse dúvidas ao intérprete no momento
de sistematização do estudo atinente às espécies tributárias. Dessa forma, passa-se
a analisar as principais correntes doutrinárias acerca da classificação dos tributos
inseridos no Texto Constitucional.
De início, é necessário trazer o comando normativo inserido no art. 4º do
CTN, afirmando que a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato
gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a
denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação
legal do produto da sua arrecadação. Sendo assim, a natureza jurídica da espécie
tributária deverá ser definida pela hipótese de incidência do antecedente normativo,
mais precisamente pelo seu critério material. Para se descobrir de qual espécie
tributária se está diante, bastaria analisar o seu critério material, não sendo relevante
a sua denominação para caracterizá-la. Sendo assim, um tributo que possua como
critério material a prestação de uma atividade estatal específica e divisível, mesmo
que possua o nome de imposto, será, na verdade, uma taxa, pois a denominação
não é relevante, mas sim o critério material da hipótese de incidência.
O inciso II do art. 4º ainda afirma que será irrelevante para caracterização da
espécie tributária a destinação do produto da arrecadação do tributo, por entender
que a destinação das receitas tributárias é tema pertinente ao Direito Financeiro e
não ao Direito Tributário. Dessa forma, a destinação dos recursos arrecadados pelo
Estado, por meio dos tributos, são irrelevantes para a caracterização das espécies
tributárias, nos termos do art. 4º, II do CTN. Contudo, conforme será visto adiante, a
doutrina diverge acerca da recepção desse dispositivo pela Constituição vigente.
108
É necessário afirmar que as divergências doutrinárias se iniciam na escolha
do critério diferenciador das espécies tributárias, adotando umas um critério
intranormativo; e outras, um critério internormativo235.
A classificação intranormativa dos tributos é feita com base, exclusivamente,
na escolha de um critério que integra a regra-matriz de incidência tributária236. Ou
seja, para essa modalidade de classificação, o critério escolhido para a
diferenciação das espécies tributárias se encontra dentro da regra-matriz de
incidência fiscal. Nota-se que, para essa modalidade de classificação, há apenas um
critério a ser adotado pelo intérprete no momento de sistematizar as espécies
tributárias existentes no ordenamento. Já para a doutrina que adota o critério
internormativo, é utilizado mais de um critério para a diferenciação das espécies
tributárias, por entender que na utilização de apenas um critério não se encontram
todas as modalidades de tributos inseridos no Texto Constitucional. AMARO237
afirma que as classificações podem ser bipartidas ou pluripartidas, dependendo do
número de elementos que possam distinguir as espécies tributárias. Na primeira
hipótese, é adotada apenas uma variável para a identificação da espécie tributária, o
que acabaria por identificar apenas duas espécies de tributos, ou seja, a que se
enquadra na variável adotada e a que não se enquadra. Já na segunda hipótese, é
adotada mais de uma variável para a identificação das espécies, podendo ser
utilizado mais de um critério de forma a diferenciar todos os elementos que
identificam as espécies tributárias existentes no ordenamento jurídico pátrio.
Passa-se à análise das doutrinas que perfilam o critério intranormativo.
A primeira, encabeçada por BECKER238, afirmava que o critério
diferenciador entre as espécies tributárias era realizado pela base de cálculo, por
esta ser o núcleo da regra-matriz de incidência, pois a base de cálculo era o único
235 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 98-117. 236 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 98. 237 AMARO, Luciano. Conceito e classificação dos tributos. In Revista de Direito Tributário. N. 55. São Paulo, 1991. p. 279-280. No mesmo sentido, MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 147-150. 238 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 298, 340-345
109
elemento objetivo que poderia definir, com segurança, de que tributo o intérprete
estava diante, na medida em que era a base de cálculo quem delimitava o real
alcance do fato jurídico tributário, ao transformar ou transfigurar determinado fato
jurídico em uma cifra239, apta a gerar a obrigação de pagar determinado tributo. Com
isso, tributos que possuíssem a mesma base de cálculo seriam alocados em
igualdade de condições. Nessa esteira, os tributos somente poderiam ser
classificados de duas formas: aqueles que possuíssem como base de cálculo um
serviço ou uma atividade estatal seriam classificados como taxa. Enquanto que
aqueles que tivessem como base de cálculo um fato privado seriam impostos240.
BALEEIRO também compartilhava da idéia de que a base de cálculo seria o núcleo
da regra-matriz, embora se posicionasse na trilogia das espécies tributárias241.
CARVALHO242 adota posição diferente, também de caráter intranormativa.
Para o autor, é necessário analisar [...] a hipótese de incidência e a base de cálculo
para que possamos ingressar na intimidade estrutural da figura tributária, não
bastando, para tanto, a singela verificação do fato gerador, como ingenuamente
supôs o legislador do nosso Código Tributário Nacional [...]243. A referência
colacionada pelo autor faz menção ao art. 4º do CTN, o qual afirma ser a natureza
jurídica do tributo definida pelo fato gerador da obrigação. Observa-se, dessa forma,
que a base de cálculo precisa ser analisada em conjunto com a hipótese de
incidência, de forma que a utilização das mesmas, de forma isolada, não possibilita
a correta diferenciação das espécies tributárias. Isto ocorre em virtude de ser a
hipótese de incidência insuficiente para definir, sozinha, a diferenciação entre
tributos, pois é a base de cálculo que dá suporte ao intérprete para delimitar com
firmeza o critério material e encontrar a natureza da espécie tributária, por meio da
confirmação, afirmação e infirmação do critério material244.
239 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 343. 240 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 345-346. 241 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. DERZI, Misabel Abreu Machado (atual.) 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 70. 242 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27-46. 243 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 28. 244 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 334-335.
110
Como suporte legislativo, o autor colaciona o art. 154, I da Constituição
Federal, que traz a possibilidade de a União instituir novos impostos, desde que
estes não versem sobre fato gerador ou base de cálculo já existente, criticando a
utilização do vocábulo ou, quando o mais correto seria o vocábulo e, na medida em
que a hipótese de incidência e a base de cálculo precisam ser analisadas de forma
conjunta, para que se possa classificar as espécies tributárias245.
De acordo com essa corrente doutrinária, os tributos seriam classificados
como impostos, taxas e contribuição de melhoria246, na medida em que os impostos
seriam os tributos que tivessem hipótese de incidência versando sobre fatos
jurídicos da esfera particular do contribuinte. As taxas seriam os tributos que
tivessem como critério material da hipótese de incidência a prestação por parte do
Estado de um serviço público específico e divisível ou decorrente do poder de
polícia. Por fim, as contribuições de melhoria seriam os tributos que possuíssem
como critério material da hipótese a valorização imobiliária em virtude de uma obra
edificada pelo Estado, sendo, em todos os casos, o critério material afirmado,
confirmado ou infirmado pela base de cálculo que compõe o critério quantitativo da
regra-matriz de incidência.
Ainda para o autor, há a impossibilidade de se analisar a destinação dos
recursos auferidos com os tributos, nos moldes do art. 4º, II do CTN, afirmando ser
irrelevante para a classificação do tributo a destinação do produto de sua
arrecadação, pois não compete ao Direito Tributário o estudo de momentos
posteriores à extinção da obrigação247, concluindo que as contribuições ora serão
consideradas como impostos, ora como taxas248.
BALEEIRO trazia o mesmo entendimento, ao afirmar que as [...]
“contribuições especiais” e “contribuições parafiscais” não assumem caráter
específico: ora são impostos, ora são taxas, não sendo impossível a consociação
245 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 28. 246 No mesmo sentido, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 461. 247 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31. 248 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 42-43. No mesmo sentido, CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 520.
111
destas com aqueles249. Verifica-se que o autor não relaciona as contribuições
especiais e parafiscais com a contribuição de melhoria, mas tão somente com os
impostos e as taxas. Isso se deve ao fato de que as contribuições ou acabam por
versar sobre fatos jurídicos da esfera do particular, quando seriam como os
impostos, ou versam sobre uma atividade estatal direta decorrente de um serviço
público específico e divisível ou que decorra de um ato do poder de polícia, sendo
impossível imaginar uma contribuição especial e/ou parafiscal que decorresse de
uma valorização imobiliária250.
ATALIBA251 estrutura seu estudo segundo um critério intranormativo, tendo
como diferenciador das espécies tributárias a hipótese de incidência, em especial o
seu critério material. Dessa forma, a previsão de uma conduta, em determinado
espaço e em determinado tempo é que seria o elemento diferenciador das espécies
tributárias. Por conseguinte, ao se analisar a hipótese de incidência as espécies
tributárias existentes, seria possível concluir que os tributos seriam ou não
vinculados a uma atividade estatal.
Vinculados são os tributos cuja hipótese de incidência consiste na descrição
de uma atuação estatal (ou uma conseqüência desta). Neste caso, a lei põe uma
atuação estatal no aspecto material da h.i.252. Já os tributos não-vinculados, seriam
aqueles cuja h.i. consiste na descrição de um fato qualquer que não seja a atuação
estatal. Isto é, a lei põe, como aspecto material da h.i., um fato qualquer não
consistente em atividade estatal253. Dessa forma, os tributos que não fossem
vinculados a uma atividade estatal seriam considerados impostos e os que fossem
vinculados a essa atividade seriam taxas ou contribuição. Como critério
diferenciador entre as taxas e a contribuição, ATALIBA se vale do critério da
249 ; BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. DERZI, Misabel Abreu Machado (atual.) 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 70. 250 No mesmo sentido, CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 520. 251 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 109-120. 252 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 116. 253 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 116.
112
referibilidade254 entre a atuação estatal e o contribuinte, atuando como o critério que
leva em conta a relação entre os sujeitos passivos da obrigação tributária e o critério
material da hipótese de incidência255. Isto é, se a atuação estatal se referir
diretamente ao contribuinte, estar-se-á diante de uma taxa, seja em razão da
prestação de um serviço público ou de um poder de polícia. Isto se deve ao fato de
as taxas serem tributos vinculados à prestação estatal de forma que o contribuinte
perceba diretamente uma comodidade fruível em decorrência do serviço público
posto a sua disposição ou, ainda, sofra diretamente a coerção do poder de polícia
em sua atividade.
A taxa acaba por ser a contraprestação pecuniária que o contribuinte paga
ao Estado por estar diretamente ligado a uma dessas atividades estatais. Não há
nada intermediário entre a relação obrigacional surgida entre os sujeitos, existindo
apenas o Estado como sujeito ativo que cobra do sujeito passivo uma determinada
quantia monetária em virtude de ter colocado à sua disposição um serviço público ou
por estar desempenhando seu poder de polícia. Já nas contribuições, entre a
relação Estado-contribuinte, há uma circunstância intermediária. Esta acaba por se
postar entre o Estado e o contribuinte, tornando a relação entre ambos de forma
indireta. Ou seja, a contribuição é um tributo vinculado a uma atividade estatal,
porém essa atividade acaba por atingir o contribuinte por meio de uma circunstância
intermediária, indireta. Essa circunstância adquire uma característica especial, de
vincular o legislador na criação da contribuição, de forma que se não estiver
presente, não há contribuição, mas sim uma taxa.256
Como forma de delimitar a diferença entre os tributos vinculados (taxa e
contribuição), é preciso se utilizar da base imponível (base de cálculo), pois é ela
254 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 129. 255 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 102. 256 Assim, por exemplo, na contribuição de melhoria, não basta para a sua ocorrência uma atividade estatal constituída na construção de uma obra pública. É necessária a existência da circunstância intermediária configurada na valorização imobiliária do imóvel do contribuinte, decorrente da atuação estatal. É a valorização imobiliária esse elemento que acaba por existir entre o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte), tornando a relação entre eles uma relação indireta. Essa circunstância intermediária acaba por ser o elemento condicional da existência do fato jurídico tributário, pois o critério material irá prever uma atuação estatal e ainda, um outro elemento intermediário que ocorra em conjunto com a atuação do Estado para que se configure a subsunção do fato à norma.
113
que acaba por dimensionar a hipótese de incidência e auxilia o intérprete a verificar
a diferença entre as taxas e as contribuições, na medida em que a base das taxas é
[...] uma dimensão da própria atuação estatal, enquanto na contribuição a base é
uma medida da circunstância intermediária257. A base de cálculo precisa
dimensionar o critério material da hipótese de incidência, agindo diretamente na
atuação estatal, no caso das taxas, ou dimensionando a circunstância intermediária
existente entre a atuação estatal e o contribuinte, no caso das contribuições.
Entre as contribuições, a circunstância intermediária também exerce o papel
diferenciador entre a contribuição de melhoria e as outras contribuições (especiais).
Essa diferença reside no fato de ser a atuação estatal provocante da circunstância
intermediária ou provocada por esta258. Se a circunstância intermediária existir em
virtude da atuação estatal, isto é, se a atividade estatal gerou a circunstância
intermediária, então se estará diante de uma contribuição de melhoria, pois é a
atividade estatal no construir obra pública que acaba por ser a provocante da
circunstância intermediária – valorização imobiliária. Por outro lado, se a atividade
estatal somente existir porque foi provocada pela circunstância intermediária, estar-
se-á diante de uma contribuição especial.
COELHO perfilha da posição de ATALIBA, afirmando que as espécies
tributárias são os impostos, as taxas e as contribuições, as quais podem ser de
melhoria ou contribuições especiais, de acordo com a referibilidade direta ou indireta
da atuação do Estado. Afirma que as contribuições especiais, na forma como estão
espalhadas pelo Texto Constitucional, ora atuam como impostos, quando serão
impostos finalísticos (como exemplo, a COFINS), ora como contribuições
verdadeiras, como é o caso das contribuições previdenciárias259.
VILLEGAS também discorre ao lado de ATALIBA, ao afirmar que
257 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 133. 258 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 163. 259 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 398-411. e COELHO, Sacha Calmon Navarro. Proposta para uma nova classificação dos tributos a partir de um estudo sobre a instituição de contribuição previdenciária pelos estados, distrito federal e municípios. In MELLO, Celso Antonio Bandeira de (org.). Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. N. 1. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 326-331.
114
A classificação mais aceita pela doutrina e pelo direito positivo, os tributos se dividem em impostos, taxas e contribuições especiais. (...) No imposto, a prestação exigida pelo particular independe de qualquer atividade estatal a ele relativa, enquanto que, na taxa, existe uma especial atividade do Estado, materializada na prestação de um serviço individualizado pelo particular. Por outro lado, na contribuição especial também existe uma atividade estatal que proporciona um especial benefício para o chamado a contribuir.260
Observa-se que o autor compartilha da teoria de que os tributos são
somente três, consubstanciados nos impostos, nas taxas e nas contribuições
especiais; fazem parte destas últimas a contribuição de melhoria e as demais
contribuições. Em relação a estas, afirma que [...] as contribuições especiais são
tributos devidos em razão de benefícios individuais ou de grupos sociais, derivados
da realização de obras ou de gastos públicos ou de especiais atividades do
Estado261. Ademais, como critério diferenciador da taxa, destaca a necessidade da
existência de uma vantagem percebida pelo contribuinte. Isto é, o Estado exerce
uma atividade estatal que acaba por trazer benefícios para uma pessoa ou um grupo
de pessoas e, como tal, retira desse grupo uma parcela da vantagem obtida, em
virtude do aumento de sua capacidade contributiva.
NOGUEIRA262 compartilha os ensinamentos de ATALIBA, ao afirmar que as
contribuições parafiscais previstas no art. 149, CF são tributos e podem conter fato
gerador ora de impostos, ora de taxas e ora na consorciação dessas duas
categorias263.
Analisado o posicionamento da doutrina que se utiliza do critério
intranormativo, faz-se necessário tecer os principiais apontamentos adotados pela
doutrina que se utiliza de mais de um critério para a busca da classificação das
espécies tributárias. AMARO264 adota um critério de classificação pluripartida ou
260 VILLEGAS, Héctor B. Curso de Direito Tributário. CARRAZA, Roque Antonio (trad.). São Paulo: Saraiva, 1980. p. 5-6. 261 VILLEGAS, Héctor B. Curso de Direito Tributário. CARRAZA, Roque Antonio (trad.). São Paulo: Saraiva, 1980. p. 27. 262 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 155. 263 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 177-178. 264 AMARO, Luciano. Conceito e classificação dos tributos. In Revista de Direito Tributário. N. 55. São Paulo, 1991. p. 279-280.
115
internormativa para a identificação das espécies tributárias. Afirma o autor que a
adoção de apenas um critério diferenciador não resolve as diferenças entre os
institutos sedimentados no texto constitucional265, pois não se consegue inserir as
contribuições especiais e os empréstimos compulsórios mediante adoção de apenas
um critério diferenciador. Como esses tributos são diferentes dos demais, já que as
contribuições especiais são qualificadas pela existência de uma finalidade e os
empréstimos compulsórios são qualificados pela necessidade de devolução de seus
recursos, é necessário adotar outros critérios de diferenciação dos institutos
positivados no Texto Constitucional. Fundamenta ainda a diferenciação das
contribuições e dos empréstimos compulsórios em relação aos impostos, taxas e
contribuições de melhoria por meio da criação do art. 217 do CTN, o qual inseriu
dispositivo versando sobre as contribuições sociais, ampliando o rol das espécies
contida no art. 5º do Código Tributário Nacional266.
MARQUES267 adota posição semelhante, utilizando-se de mais de uma
variável para a determinação das espécies tributárias. Para o autor, a adoção de
uma classificação fundada em apenas uma variável não elucida o problema da
classificação dos tributos, pois traz apenas duas espécies: a que compreende o
dispositivo contido na variável e a que não o compreende. Assim, por exemplo, a
classificação que adota apenas a vinculação da hipótese de incidência da norma à
uma atividade estatal somente poderia gerar duas espécies tributárias, qual sejam, a
dos tributos vinculados a essa atividade e a dos não-vinculados à atividade estatal.
Contudo, não seria possível distinguir espécies tributárias distintas que fossem
vinculadas a uma atividade do Estado, como, por exemplo, a taxa e a contribuição
de melhoria.
O autor afirma que é necessária a adoção de outros critérios (variáveis) para
265 Assim, se se adotar o critério da vinculação a uma atividade estatal, seriam encontrados o tributos não-vinculados (impostos) e os tributos vinculados (taxas). As contribuições sociais recolhidas pelo empregador seriam impostos, pois não-relacionadas a nenhuma contraprestação estatal reversível ao contribuinte, e as recolhidas pelo empregado seriam taxas, pois vinculadas a uma atividade do Estado, consubstanciada no recebimento de um benefício previdenciário. AMARO, Luciano. Conceito e classificação dos tributos. In Revista de Direito Tributário. N. 55. São Paulo, 1991. p. 279-280. 266 AMARO, Luciano. Conceito e classificação dos tributos. In Revista de Direito Tributário. N. 55. São Paulo, 1991. p. 276. 267 MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 143-150.
116
que seja possível diferenciar todas as espécies tributárias existentes no
ordenamento jurídico brasileiro, pois
A forma como foi positivado o sistema tributário engendrado pela Constituição de 1988, em que a validade da norma tributária que veicula os empréstimos compulsórios e contribuições foi expressamente condicionada à edição – válida, por óbvio – de normas jurídicas que prescrevam ao Estado a destinação específica para o produto da arrecadação destes tributos, ao custeio de despesas específicas que autorizaram sua instituição (além da previsão normativa da restituição do produto arrecadado ao particular, ao cabo de determinado período, no caso dos empréstimos compulsórios), reclama a aplicação de regimes jurídicos próprios para essas espécies impositivas, distintos daqueles que disciplinam e autorizam os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria268.
Observa-se que a Constituição, ao autorizar os entes estatais a instituir
tributos, vinculou a determinados tributos a necessidade de destinarem suas receitas
a determinadas finalidades previstas pelo próprio Texto Constitucional e, ainda,
determinou que alguns tributos teriam caráter emergencial e temporário, devendo,
portanto, serem restituídos aos contribuintes em data futura à sua instituição. Por
possuírem características peculiares, os empréstimos compulsórios e as
contribuições forçosamente demandariam a reestruturação da classificação das
espécies tributárias, de forma a diferenciá-los dos demais tributos tradicionais
previstos no art. 145 da CF.
De forma a sistematizar o estudo, o autor adota uma classificação
pluripartida, contendo três variáveis a serem consideradas para se encontrar a exata
classificação constitucional dos tributos. O primeiro critério a ser utilizado seria a
vinculação ou não da hipótese de incidência a uma atividade estatal. Assim, os
tributos seriam considerados como vinculados ou não vinculados a uma atividade
prestada pelo Estado. O segundo critério a ser utilizado seria a previsão ou não de
uma destinação específica para o produto da arrecadação do tributo, encontrando-
se tributos que não possuam destinação específica e aqueles que precisam destinar
o produto de sua arrecadação para determinadas finalidades sedimentadas no
próprio ordenamento jurídico. O terceiro critério a ser adotado seria a previsão ou
268 MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 218.
117
não da restituição do produto da arrecadação do tributo após um determinado
intervalo de tempo, encontrando-se tributos que precisariam ser restituídos e
também aqueles que não precisariam ser269.
BOTELHO também compartilha da classificação dos tributos em cinco
espécies tributárias, afirmando que a hipótese de incidência das contribuições e dos
empréstimos compulsórios, apesar de serem quase sempre a mesma que a dos
impostos (podendo ainda ser a mesma das taxas, no caso das contribuições),
distingue-se das demais espécies em virtude de um regime jurídico especial
consubstanciado na destinação que lhe reserva a Constituição Federal270. Afirma
ainda que
[...] um esforço intelectual tendente a considerar três espécies tributárias absolutas, indivisíveis, nos dará uma visão manca do tributo e pecará justamente por não interpretar o Texto Jurídico Maior sob uma perspectiva orgânica, financeira e histórica, a nosso ver fundamental para o exegeta.271
Nessa vertente de existirem cinco espécies tributárias, consubstanciando-se
as contribuições e os empréstimos compulsórios como tributos independentes dos
demais em razão da sua finalidade, afirma o autor que a destinação desses tributos
também é matéria do Direito Tributário, na medida em que consiste em verdadeiro
requisito de validade da obrigação tributária, concluindo que [...] qualquer desvio dos
fins legais e constitucionais do produto da arrecadação torna írrita, insubsistente e
inconstitucional a exação tributária, visto que a mesma colhe sua legitimidade dentro
da finalidade à qual se destina272.
GAMA273 também sustenta a classificação internormativa ou pluripartida
para a delimitação das espécies tributárias. Afirma o autor que a classificação
internormativa adota três critérios de distinção das espécies tributárias, o que
apontaria para a existência de três classificações: a que difere os tributos em
269 MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 223-224. 270 BOTELHO, Werther. Da Tributação e sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 33-34. 271 BOTELHO, Werther. Da Tributação e sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 34. 272 BOTELHO, Werther. Da Tributação e sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 60-61. 273 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 108-109.
118
vinculados e não-vinculados a uma atividade estatal; a que difere os tributos com e
sem destinação específica e, por fim, a que classifica os tributos naqueles em cuja
arrecadação será ou não restituível ao contribuinte em uma data futura274.
CASSONE advoga a classificação qüinqüipartida dos tributos, afirmando que
os tributos são impostos, taxas, contribuição de melhoria (previstos no art. 145 e de
competência de todos os entes estatais), contribuições especiais (sociais,
interventivas e corporativas) e empréstimos compulsórios, estes últimos de
competência exclusiva da União275.
Da análise dos principais posicionamentos doutrinários traduzidos acima,
conclui-se que a doutrina que adota mais de um critério para a perfeita identificação
das espécies tributárias atua em uma maior consonância com o Texto
Constitucional. Isto se deve ao fato de que a adoção de apenas um critério para a
diferenciação entre as espécies tributárias somente possibilita o encontro de duas
possibilidades, como no caso da vinculação dos tributos a uma atuação estatal,
encontrando-se apenas os tributos vinculados e não-vinculados. A própria doutrina
que prega a existência de três espécies tributárias se utiliza de mais de um critério,
qual seja, a base de cálculo e a sua referibilidade, a qual, por medir o critério
material da hipótese, acaba por diferenciar os tributos vinculados em diretos e
indiretos.
A tentativa de incluir a contribuição de melhoria e as contribuições especiais
como espécies de tributos vinculados diferenciados pela causalidade do critério
intermediário, variando apenas se foi o Estado quem provocou o elemento
intermediário ou se foi o contribuinte, também não encontra sistematização no
ordenamento jurídico constitucional, pois as contribuições sociais para a previdência
recolhidas pelo contribuinte, por exemplo, não possuem referibilidade indireta, mas
sim direta276 (recebimento futuro de um benefício previdenciário) e, ainda, se
existisse um critério intermediário, este seria provocado pelo Estado e não pelo 274 No mesmo sentido, MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 77-78. 275 CASSONE, Vittorio. Sistema tributário nacional na nova Constituição. São Paulo: Atlas, 1989. p. 21. 276 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 77.
119
contribuinte. Ademais, a contribuição previdenciária recolhida pelo empregador não
se vincula a nenhuma contraprestação estatal, incidindo sobre a folha de salários
como verdadeiro imposto, desvirtuando a teoria.
Na verdade, as contribuições, assim como os empréstimos compulsórios
não se amoldam a nenhuma dessas situações, pois misturam diversos critérios a
serem adotados para a sua perfeita identificação. Seria impossível defini-los com
precisão adotando-se apenas o critério material da hipótese de incidência ou a base
de cálculo. Dessa forma, é evidente que a classificação dos tributos precisa ser
repensada, adotando outros métodos para a correta identificação das espécies
tributárias. Em relação ao art. 4º, caput e II do CTN, este não encontra fundamento
de validade no Texto Constitucional, pois não se amolda aos dispositivos inseridos
na Constituição Federal.
Tudo isso se deve ao fato de as contribuições possuírem uma característica
fundamental, qual seja, a sua destinação constitucionalmente direcionada para o
atendimento de objetivos constitucionais, em prol do Estado Social. Dessa forma, as
contribuições são necessariamente uma nova modalidade de tributo, qualificadas
primordialmente como tributos com finalidades específicas. Essa finalidade qualifica
a contribuição como um tributo autônomo em relação aos demais, na medida em
que direciona os recursos arrecadados dos sujeitos passivos da exação tributária a
um determinado fim, o qual terá um cunho social, interventivo ou corporativo,
conforme será visto adiante.
Eis a essência da contribuição: a existência de uma finalidade prevista no
Texto Constitucional, a qual legitima a sua incidência sobre os fatos jurídicos
ocorridos no mundo do ser, que ainda precisará receber os recursos arrecadados
com a sua incidência, de forma que essas finalidades possam ser implementadas
pelo Poder Público, em prol do interesse que se pretenda preservar.
Já os empréstimos compulsórios, por apresentarem como principal
característica a sua previsibilidade de futura devolução, também necessitam ser
enquadrados como nova espécie tributária. Não importa que uma ou outra espécie
tributária, segundo a adoção de um dos critérios a serem utilizados possam ser
120
semelhantes, pois, o fator fundamental para a identificação das espécies é a
utilização de tantos critérios quantos sejam necessários para a perfeita identificação
de cada um dos tributos existentes no ordenamento. É preciso lembrar que as
classificações somente encontram razão de existir se facilitarem a compreensão do
instituto jurídico que pretendem sistematizar. Dessa forma, é preciso adotar uma
classificação que seja factível de determinar com precisão todas as espécies
tributárias, da maneira mais simples, correta e precisa, levando-se em conta os
elementos constitucionais.
Cumpre por fim salientar que a classificação pluripartida ou internormativa
não retira a riqueza e a objetividade do Direito Tributário, pois não se está utilizando
elementos do Direito Financeiro para a sua averiguação, na medida em que os
elementos destinação e restituição pertencem ao Texto Constitucional e são
intrínsecos ao conceito dos tributos a ele referentes. Não se utiliza de critérios
atinentes à efetiva destinação ou efetiva restituição do tributo (fatores estes
relacionados com a política financeira e, conseqüentemente, com o Direito
Financeiro), mas sim de critérios normativos para a exata delimitação do instituto.
CARRAZZA, apesar de adotar uma classificação das espécies tributárias
levando em conta apenas o critério material da hipótese de incidência e concluir que
as contribuições são impostos especiais atrelados a finalidades específicas, traz
importantes fundamentos que corroboram a tese aqui traduzida:
Na medida em que o traço diferenciador destas contribuições repousa exatamente na circunstância de estarem, por injunção constitucional, predeterminadas ao cumprimento de uma finalidade (v.g., o atendimento ao interesse das categorias profissionais a que se destinam), segue-se necessariamente que, em relação a elas, não se aplica a vedação do art. 167, IV, da Constituição Federal. Noutro dizer, a regra-matriz constitucional destas contribuições agrega, de modo indissociável, a idéia de destinação. Queremos com tal assertiva sublinhar que, por imperativo da Lei Maior, os ingressos advindos da arrecadação destes tributos devem necessariamente ser destinados à viabilização ou ao custeio de uma determinada atividade de competência federal.277
Aceitando-se a proposta de utilização de mais de um critério para a
277 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 522.
121
classificação das espécies tributárias, de acordo com o Texto Constitucional, é
possível a adoção de três critérios diferenciadores: a) quanto à vinculação ou não a
uma atividade estatal; a) quanto à necessidade ou não de destinação do produto da
arrecadação e; c) quanto à previsibilidade ou não de restituição futura de tributo
pago.
Portanto, os impostos serão os tributos não vinculados a nenhuma atividade
estatal específica, pois versam sobre fatos econômicos da vida particular do
contribuinte, não possuem nenhuma destinação específica, em face da vedação do
art. 167, IV da CF e ainda não precisam ser restituídos ao contribuinte em data
futura. As taxas são tributos vinculados a uma atividade estatal, atreladas a
retributividade, qual seja, o custeio do serviço público ou do poder de polícia, sem,
contudo, necessitarem de restituição ao contribuinte. A contribuição de melhoria se
caracteriza por ser tributo vinculado a uma atividade estatal, sem a necessidade de
destinar suas receitas a uma finalidade específica, não havendo ainda a
necessidade de restituição das receitas recolhidas dos contribuintes. Os
empréstimos compulsórios podem ou não ser vinculados a uma atividade estatal,
conforme sua hipótese de incidência verse ou não sobre uma atividade estatal, na
medida em que podem possuir base de cálculo tanto de impostos quanto de taxas.
Ademais, precisam destinar suas receitas ao cumprimento de determinada finalidade
e, ainda, serem restituíveis em data futura ao contribuinte. Já as contribuições são
tributos vinculados ou não a uma atividade estatal, de acordo com sua hipótese de
incidência, necessitam destinar o produto de sua arrecadação a determinados fins
constitucionalmente previstos e não necessitam ser devolvidas aos contribuintes em
data futura.
O quadro abaixo retrata a classificação das espécies tributárias:
Espécies tributárias
Quanto à vinculação da atividade estatal
Quanto à necessidade de destinação do produto da
arrecadação
Quanto à previsibilidade de restituição do tributo pago
Impostos Não-vinculados Sem necessidade Sem previsão Taxas Vinculados Com necessidade Sem previsão
Contribuição de melhoria vinculados Sem necessidade Sem previsão
Empréstimo compulsório Ambos Com necessidade Com previsão
Contribuições Ambos Com necessidade Sem previsão
122
2.7 PARAFISCALIDADE, EXTRAFISCALIDADE E ESPECIALIDADE
Superadas as premissas atinentes à natureza tributária das contribuições,
bem como a sua caracterização como tributo autônomo dos demais previstos no
ordenamento jurídico tributário, é necessário analisar o instituto das contribuições.
É importante delimitar a correta terminologia do instituto, procurando tecer
alguns comentários sobre a parafiscalidade, a especialidade e a extrafiscalidade que
acompanham as contribuições pela seara jurídica do país.
Previstas no art. 149 da CF, as contribuições são comumente conhecidas na
doutrina como contribuições especiais ou parafiscais, adjetivos estes utilizados para
diferenciá-las da contribuição de melhoria. Ainda, são conhecidas como
contribuições extrafiscais, em razão da finalidade de sua arrecadação. Dessa forma,
é necessário definir qual o alcance correto da terminologia adotada pela ciência
jurídica para definir as contribuições.
BECKER afirma que a parafiscalidade é fruto do intervencionismo do Estado
nas atividades econômicas, de forma a se utilizar do tributo com efeitos não-
tributários278. Contudo, o termo parafiscalidade indica a cobrança de determinado
tributo por ente diverso do Estado, atuando paralelamente e com delegação de
competência para a cobrança do tributo. NASCIMENTO destaca que o termo
parafiscalidade nada mais indica do que a existência de finanças paralelas, não
criando uma nova espécie tributária279. Segundo o autor, a contribuição seria
parafiscal, pois é
[...] receita tributária que entidades oficiais ou semi-oficiais, com poder delegado e existência paralela à do Estado (donde paraestatais), exigem dos indivíduos que compõem grupos sociais profissionais e econômicos, para a aplicação a fins cometidos aos órgãos aos quais a receita é deferida.280
278 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 349. 279 GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. A situação atual da parafiscalidade no direito tributário. São Paulo: Bushatsky, 1977. p. 77. 280 NASCIMENTO, Antonio Theodoro. Contribuições Especiais. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 13.
123
A parafiscalidade nada mais é do que indicativo da cobrança do tributo por
entidade diversa do Estado (paralela), com finalidade social, interventiva ou
corporativa. ATALIBA afirma que a parafiscalidade consiste na lei
[...] atribuir a titularidade de tributos a pessoas diversas do Estado, que os arrecadam em benefício das próprias finalidades. É o caso de autarquias dotadas de capacidade tributária ativa [...] ou de entidades paraestatais, pessoas de direito privado chamadas pela lei a colaborar com a administração pública.281
Contribuições parafiscais seriam tributos que incidissem sobre fatos da vida
particular do contribuinte, com destinação prevista no ordenamento jurídico, sem a
previsão de restituição posterior dos recursos arrecadados, cobrados por entes
paralelos ao Estado, para a manutenção de suas finalidades.
Destaque-se que as contribuições inseridas no Texto Constitucional não
podem ser generalizadas como contribuições parafiscais. Pelo contrário, as
contribuições sub analise são utilizadas pelo Estado como instrumento necessário
para o cumprimento dos objetivos sociais dispostos nos art. 3º e 170 do Texto
Constitucional e, muitas vezes, são utilizadas pelo próprio ente estatal para a
persecução de suas finalidades. Assim, somente um pequeno grupo de
contribuições poderia ser denominado de contribuições paraestatais. Estas seriam
as contribuições corporativas, exercitadas pelas entidades e conselhos de classe e
algumas contribuições sociais genéricas, destinadas a entidades específicas para a
persecução de suas finalidades, as quais serão analisadas adiante. As demais
modalidades de contribuições são tributadas pelo Estado e para o Estado, o que
retira o caráter parafiscal das contribuições.
A outra terminologia empregada para a definição das contribuições é o
adjetivo especial. A especialidade é utilizada para designar uma situação diferente
de outra já existente no ordenamento e, ainda, representa a importância da sua
instituição para o desenvolvimento dos objetivos do Estado. Assim, as contribuições
seriam especiais, pois exercitam finalidades especiais previstas na própria 281 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 76-77.
124
Constituição (sociais, interventivas e corporativas, que serão vistas adiante), as
quais as qualificam como contribuições e as diferenciam dos demais tributos
existentes no ordenamento. Estabelece-se uma diferenciação entre a contribuição
de melhoria e as contribuições inseridas no art. 149 da CF, possibilitando ao
intérprete a exata delimitação do seu campo de estudo.
Doravante, para o desenvolvimento do presente trabalho, será adotada a
terminologia contribuições especiais para designar as contribuições previstas no art.
149 da CF, para diferenciá-las da contribuição de melhoria, procurando delimitar o
seu campo de atuação e introduzir as contribuições de intervenção no domínio
econômico incidentes sobre o segmento de combustíveis.
É preciso ainda tecer algumas considerações acerca da extrafiscalidade que
está atrelada às contribuições especiais. Os tributos são prestações pecuniárias
compulsórias das quais se utiliza o Estado para o desenvolvimento de seus
objetivos, em prol da busca pela satisfação das necessidades públicas da
sociedade. Assim, utiliza o tributo como fonte de receita para angariar recursos que
serão necessários para o cumprimento das políticas públicas a realizar. A essa
finalidade do tributo, denomina-se fiscalidade, ou função fiscal. Por outro lado, com o
crescimento do intervencionismo nas atividades econômicas, fruto das influências do
Estado Social, o Estado passou a utilizar o tributo como instrumento de intervenção
nas atividades econômicas, em busca da realização dos objetivos sociais. Isto é, o
Estado passou a regular as atividades econômicas, mediante a utilização de tributos
que interferissem nas relações econômicas, procurando equilibrar essas relações de
acordo com os interesses sociais282. BECKER afirma que
A principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio de despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo, não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado;
282 Cf. VINHA, Thiago Degelo e RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos sócio-econômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais. In PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Tributação Justiça e Liberdade. Curitiba: Juruá, 2004. p. 657-684.
125
apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo.283
O tributo perde o seu caráter primordial de arrecadar recursos para o
Estado, tornando-se instrumento de intervenção pelo simples fato de onerar ou
desonerar determinadas relações econômicas.
DERZI ensina que não é fácil distinguir as finalidades fiscais e extrafiscais da
tributação. Seus limites são imprecisos. Assim, entende que a extrafiscalidade
somente deverá ser reconhecida para justificar carga fiscal muito elevada, quando
se ajustar ao planejamento, definido em lei, fixadora das metas de política
econômica e social284.
Os tributos, quando utilizados como instrumento de políticas
governamentais, buscando o equilíbrio das relações econômicas, em prol dos
objetivos estatais, desempenham uma função extrafiscal. A fiscalidade do tributo
continua a existir, pois os recursos arrecadados com a utilização desses tributos
também serão utilizados pelo Estado no custeio das despesas públicas. Contudo, a
fiscalidade não é a função primordial, relegando a arrecadação para segundo plano,
privilegiando a utilização do tributo como efetivo instrumento de intervenção para a
efetivação das políticas públicas desenvolvidas pelo governo, de forma a atender as
políticas do Estado brasileiro. É o caso, por exemplo, dos impostos incidentes sobre
a importação, exportação, produtos industrializados e operações financeiras,
respectivamente o II, IE, IPI e IOF, pois os mesmos incidem sobre fatos econômicos
dos particulares, procurando estimular ou desestimular a realização desses fatos
jurídicos sobre os quais incidem. Nestes casos, a arrecadação do tributo é relegada
a segundo plano, pois a sua função primordial é incentivar um comportamento ou
desestimulá-lo, reduzindo ou aumentando a carga tributária incidente sobre cada
uma dessas situações.
Em relação às contribuições, é preciso destacar que sua função primordial é
o custeio de determinada atividade. Isto é, as contribuições previstas no art. 149, CF 283 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 536. 284 DERZI, Misabel. Família e Tributação. A vedação constitucional de se utilizar o tributo com efeito de confisco. In Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1989, v. 32, p. 153.
126
possuem finalidades especiais, quais sejam, sociais, interventivas e corporativas, as
quais precisam ser custeadas pelos recursos arrecadados para esses fins, o que
lhes retiram o caráter de tributo extrafiscal. Para essas contribuições, a arrecadação
de receita é fundamental para que suas finalidades constitucionais sejam
implementadas, sendo, portanto, tributos com características primordialmente fiscais.
2.8 CLASSIFICAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES
O art. 149 da CF introduz no ordenamento jurídico as contribuições
especiais285. Da análise do dispositivo constitucional, observa-se que as
contribuições podem ser classificadas em contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse de categorias profissionais (corporativas). O
critério utilizado pelo legislador para diferenciar as contribuições é a destinação dos
recursos arrecadados com a incidência do tributo. Dessa forma, quando a
destinação for direcionada para a realização de finalidades sociais, estar-se-á diante
de uma contribuição social. Por outro lado, quando a destinação dos recursos
arrecadados tiverem como finalidade a intervenção nas atividades econômicas, tem-
se a contribuição de intervenção no domínio econômico. Por fim, quando a finalidade
for a manutenção de entidades de classes responsáveis pela organização e
fiscalização das profissões, encontra-se a contribuição corporativa. DERZI, embora
intitule as contribuições do art. 149 de parafiscais, classifica-as da mesma forma,
afirmando que as chamadas contribuições parafiscais são divididas pelo art. 149 em
três espécies: sociais, de intervenção no domínio econômico e corporativas286.
As contribuições sociais são aquelas que objetivam, primordialmente,
satisfazer objetivos sociais. Ou seja, são as contribuições que o Estado utiliza para a
manutenção das atividades relacionadas com a seguridade social, envolvendo a
previdência social, assistência social e saúde, com a educação e redução das
desigualdades sociais. Essas contribuições são exercidas pelo Estado, de forma a
angariar recursos destinados ao atendimento das necessidades públicas
285 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. 286 DERZI, Misabel. In BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 594.
127
relacionadas com essas atividades sociais, previstas no Texto Constitucional e que
precisam ser atendidas pelo ente estatal, de forma a viabilizar o Estado Social.
As contribuições sociais podem ser divididas da seguinte forma:
- contribuições destinadas à seguridade social (art. 195, CF): Contribuição
Previdenciária (Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991); Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido – CSLL (Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991); Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social – COFINS (LC nº 70, de 30 de dezembro de
1991).
- contribuições sociais genéricas287 (art. 149, CF): Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço – FGTS (art. 7º, III, CF); Salário-Educação (art. 212, §5º, CF);
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF (EC 21/99 e EC
37/02); Programa de Integração Social – PIS e Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público – PASEP (art. 239, CF); contribuições relacionadas
às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao
sistema sindical (art. 240, CF), ao Serviço nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, Serviço Social do
Comércio – SESC e Serviço de Aprendizagem Rural – SENAR (art. 62 do ADCT).
Observa-se que as contribuições sociais possuem finalidades específicas,
relacionadas com a realização de políticas públicas que busquem efetivar os
objetivos sociais inseridos no Texto Constitucional. Isto é, financiam a realização de
atividades públicas voltadas à persecução das finalidades do Estado Social.
Ademais, algumas contribuições são dirigidas a entidades que atuam de forma
paralela ao Estado, o que leva parte da doutrina a caracterizá-las como parafiscais,
conforme já visto anteriormente. Assim, algumas dessas contribuições possuem
natureza parafiscal, embora o adjetivo especial represente de maneira mais precisa
as contribuições do art. 149 e 195 da CF.
Outra modalidade de contribuição presente no ordenamento jurídico
287 MELLO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 107.
128
constitucional é a contribuição de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, também conhecidas como corporativas. Essa modalidade de
contribuição tem como principal finalidade o custeio das atividades dos conselhos de
classe que atuam como fiscalizadores do desempenho das profissões a eles
relacionadas, preservando os profissionais e a sociedade como um todo da atuação
de indivíduos que não executam suas atividades dentro dos conhecimentos
científicos e éticos atinentes a cada profissão288. CARRAZZA afirma que as
contribuições corporativas
[...] destinam-se a custear entidades (pessoas jurídicas de direito público ou privado) que têm por escopo fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades profissionais ou econômicas, bem como representar, coletiva ou individualmente, categorias profissionais, defendendo seus interesses.289
Essas contribuições são destinadas à fiscalização das profissões por ela
reguladas, de forma a proteger os próprios profissionais e, principalmente, a
sociedade da atuação de profissionais que não possuam condições intelectuais e
morais para o desempenho de suas atividades. Como tal, é evidente que somente
os profissionais relacionados com cada uma das entidades fiscalizadoras é que
possuem capacidade contributiva e sofrerão a sujeição passiva para a incidência do
tributo.
As contribuições de intervenção no domínio econômico, que serão objeto de
estudo mais aprofundado nos tópicos seguintes, possuem, como principal finalidade,
a intervenção do Estado nas relações econômicas, de forma a regulá-las em prol
dos objetivos constitucionais. Ou seja, na medida em que os princípios da Ordem
Econômica, inseridos no art. 170 e os princípios do art. 3º, ambos da Constituição
Federal, não estão sendo exercitados pela iniciativa privada em suas relações
econômicas, o Estado poderá intervir para restabelecer o controle em prol do
desenvolvimento social. Para tanto, poderá utilizar-se da contribuição interventiva
para alcançar esses objetivos e realizar suas políticas públicas necessárias para o 288 Essas contribuições são as direcionadas à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Conselho Regional de Odontologia – CRO, Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, dentre outros, os quais realizam suas atividades por meio da arrecadação de recursos pela incidência dessas contribuições. 289 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 534.
129
alcance de suas finalidades. Dentre as modalidades de contribuições interventivas,
encontram-se no ordenamento jurídico os seguintes tributos: as contribuições
incidentes sobre petróleo, álcool combustível, gás natural e seus derivados (art. 177,
§4º, CF e Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001); as contribuições destinadas
ao Financiamento ao Programa de Estímulo à Interação Universidade/Empresa para
Apoio à Inovação, as quais incidem sobre a remessa de royalties para o exterior (Lei
nº 10.168, de 30 de dezembro de 2000); as contribuições destinadas ao Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST (Lei nº 9.998, de 18 de
agosto de 2000); as contribuições destinadas ao Fundo para o Desenvolvimento
Tecnológico das Telecomunicações – FUNTEL (Lei nº 10.052, de 29 de novembro
de 2000); Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica –
CONDECINE (Lei nº 10.454, de 14 de maio de 2002); contribuição para a pesquisa e
desenvolvimento do setor elétrico e para o programa de eficiência energética no uso
final (Lei nº 9.991, de 25 de julho de 2000); contribuição ao Serviço Brasileiro de
Apoio às Microempresas – SEBRAE290 (Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990 e
Decreto nº 99.570, de 9 de outubro de 1990).
Pode-se visualizar o seguinte quadro versando sobre as contribuições:
290 Em que pese a contribuição destinada ao Sebrae estar relacionada com os demais serviços social e de formação profissional (art. 8º, §3º da Lei nº 8.029/90), a finalidade da contribuição é custear a intervenção do Estado nas atividades econômicas, mediante o fomento das micro e pequenas empresas, positivando o princípio inserido no art. 170, IX da CF. Dessa forma, a contribuição destinada ao Sebrae é uma espécie de contribuição de intervenção no domínio econômico. No mesmo sentido, cf. OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Contribuição ao Sebrae – Questões Polêmicas e Recentes Desdobramentos Jurisprudenciais. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 295-297. O STF corrobora a tese aqui exposta: Contribuição de intervenção no domínio econômico. Lei 8.029, de 12/4/1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de 28/12/1990. Lei 10.668, de 14/5/2003. CF, art. 146, III; art. 149; art. 154, I; art. 195, § 4º. As contribuições do art. 149, CF — contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas — posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. (...) A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: CF, art. 146, III, a (...) A contribuição do SEBRAE — Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 — é contribuição de intervenção no domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do DL 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, CF Constitucionalidade da contribuição do SEBRAE.” (RE 396.266, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27/02/04).
130
1. de melhoria (art. 145, III, CF);
2.1.1.1 previdência social (Lei nº 8.212/91);
2.1.1 seguridade social (art. 195, CF):
2.1.1.2 CSLL (Lei 8.212/91);
2.1.1.3 COFINS (LC 70/91);
2.1. sociais:
2.1.2.1 FGTS (Art. 7º, III, CF);
2.1.2.2 Salário-Educação (art. 212, §5º, CF);
contribuições: 2.1.2 genéricas (art. 149, CF) 2.1.2.3 CPMF (EC21/99 e EC 37/02);
2.1.2.4 PIS/PASEP (Art. 239, CF);
2. especiais:
2.1.2.5 Contribuição relacionada com o sistema S: sindical, SENAI, SENAC, SENAR e SESC (Art. 240, CF)
2.2.1incidente sobre petróleo, gás natural, álcool e derivados (art. 177, §4º, CF e Lei nº 10.336/01);
2.2.2 incidente sobre royalties (Lei nº 10.168/00);
2.2 interventivas
2.2.3 destinadas ao FUST (Lei nº 9.998/00);
2.2.4 destinada ao FUNTEL (Lei nº 10.052/00);
2.2.5 CONDECINE (Lei nº 10.454/02);
2.2.6 Destinada ao desenvolvimento do setor elétrico (Lei nº 9.991/00).
2.2.7 SEBRAE ( Lei nº 8.029/90 e Decreto nº 99.570/90)
2.3 corporativas
131
3 AS CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Após o estudo da inter-relação entre o Estado e a Economia, bem como o
estudo do Sistema Tributário, adentra-se no estudo pormenorizado das
contribuições de intervenção no domínio econômico, com especial destaque para as
contribuições interventivas que incidem sobre o petróleo, seus derivados, gás natural
e seus derivados e ainda sobre álcool combustível.
É preciso delimitar a nomenclatura a ser utilizada no decorrer da obra, de
forma a auxiliar o intérprete na busca pelas informações acerca do instituto. Assim,
as contribuições de intervenção no domínio econômico serão também designadas
como CIDE, assim como já ocorre na seara jurídica acerca do instituto. Ademais, ao
versar sobre a contribuição interventiva que incide sobre o petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, será utilizada
simplesmente a expressão designativa de combustíveis. Assim, para facilitar o
presente estudo, também será utilizada a expressão CIDE combustíveis, para
representar o instituto sub analise.
Antes de adentrar as contribuições interventivas incidentes sobre
combustíveis, faz-se necessária uma análise da evolução histórica das contribuições
interventivas ao longo das Constituições brasileiras, bem como o estudo das
principais características da CIDE.
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CIDE AO LONGO DAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL
As primeiras Constituições a serem promulgadas no país foram as
Constituições de 1824 e 1981. Por terem sido editadas no século XIX, essas
Constituições fora influenciadas pelo liberalismo econômico ocorrido durante todo
132
esse período de forma a positivar como valores fundamentais os ideais liberais291,
sedimentados primordialmente nos direitos civis e políticos, frutos da revolução
francesa, e disseminados pela Escola Liberal. Dessa forma, no Texto Constitucional
não havia espaço para a normatização de uma possível intervenção do Estado nas
atividades econômicas, quanto mais para a criação de um tributo com características
interventivas, como são as contribuições de intervenção no domínio econômico292.
Na Constituição de 1934, além da positivação dos direitos civis e políticos,
inseridos nos art. 106 a 114, a Constituição inaugura a regulação da Ordem
Econômica e Social, inserida no seu Título IV. Dessa forma, a Constituição de 1934
segue os ideais sociais que estavam sendo implementados pela política do New
Deal norte-americano, dando origem ao Estado do Welfare State. Nessa esteira, o
Texto Constitucional de 1934 sedimenta pela primeira vez a regulação das
atividades econômicas por parte do Estado, possibilitando a sua intervenção no
setor privado para garantir os princípios da justiça e as necessidades da vida
nacional, de modo que possibilite a todos existência digna e, ainda, a preservação
da liberdade econômica, conforme positivado em seu art. 115. Como forma de
intervenção, esse Texto Constitucional possibilitava à União a criação de
monopólios, bem como o fomento da economia popular, quer dizer, uma intervenção
direta nas atividades econômicas por meio dos monopólios, bem como uma
intervenção indireta por meio do fomento da economia popular, sem, no entanto,
traçar bases seguras para a intervenção do Estado no domínio econômico.
Em relação à instituição de CIDE, o Texto Constitucional de 1934 não fazia
menção à sua utilização como instrumento de intervenção, traçando apenas, em seu
art. 124, a possibilidade do Estado cobrar contribuição de melhoria dos beneficiados,
desde que provada a valorização do immovel por motivo de obras públicas
efetuadas pela administração.
291 Cf. tópico acerca das Principais Escolas Econômicas Frente ao Intervencionismo Estatal nas Atividades Econômicas. 292 CUNHA, Tadeu Andrade. As Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e a Especificidade das Contribuições do Setor Petrolífero. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 308. O autor afirma que, embora não houvesse espaço para uma atividade interventiva, o termo contribuição já aparecia nas Constituições de 1824 (art. 171) e 1891 (art. 9º, §2º), mas com uma conotação diferente da atual.
133
Na Constituição de 1937, surge pela primeira vez a expressão Intervenção
do Estado no Domínio Econômico293, inserida no art. 135 do Texto constitucional294.
Observa-se do artigo em questão que o Estado poderia intervir no domínio
econômico de forma: mediata, por meio do controle ou do estímulo; imediata, por
meio da gestão direta. Contudo, a utilização de um tributo interventivo ainda não
havia sido determinada pelo Texto Constitucional, o que também foi silente na
Constituição de 1946.
Nesta, embora não houvesse a previsão da contribuição interventiva, a
Ordem econômica e Social sedimentada no Título V passava a ser organizada
conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a
valorização do trabalho humano (art. 145), de forma semelhante à da Constituição
de 1988295. Ademais, a Constituição de 1946 possibilitava a intervenção no domínio
econômico, inclusive por meio do monopólio, mas sempre em respeito ao interesse
público e limitada pelos direitos fundamentais (art. 146). Positivava-se, assim, a
Democracia Social no ordenamento jurídico nacional, de forma que o capitalismo
pudesse ser desenvolvido por meio da livre iniciativa, mas sempre limitado à
valorização do trabalho humano, de forma que a justiça social fosse perseguida.
Para tanto, o Estado poderia intervir nas atividades econômicas, de forma a alcançar
esses valores, para que fosse possível a implementação dos ideais sociais do
Welfare State no Brasil pós 2ª Guerra Mundial. PETRY destaca também como fator
importante na CF/46, a busca pelo Estado Social, a sistematização da previdência
social, prevista no art. 157 e, pela primeira vez, a previsão da cobrança de uma
contribuição para o custeio da seguridade social, bem como um maior cuidado com
a organização das associações profissionais e sindicais296.
293 CUNHA, Tadeu Andrade. As Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e a Especificidade das Contribuições do Setor Petrolífero. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 308. 294 Art. 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta. (Grifamos) 295 Cf. tópicos 1.3 a 1.5. 296 PETRY, Rodrigo C. As Contribuições Especiais ao Longo das Constituições Brasileiras: um Tributo Sui Generis. In Revista de Estudos Tributários. V. 7. Porto Alegre: nov./dez. de 2004. p. 141.
134
Com o golpe de Estado ocorrido em 1964 e a posterior criação da
Constituição de 1967, a intervenção do Estado ganhou novos ares, tendo como
principal motor a realização da justiça social, baseada nos princípios da liberdade de
iniciativa, valorização do trabalho humano, função social da propriedade,
harmonização e solidariedade entre capital e trabalho, desenvolvimento econômico
e repressão ao abuso do poder econômico, inseridos em seu art. 157. Formava-se a
base da ordem econômica e social, trazendo seus princípios informadores e
possibilitando ao Estado, por meio da União Federal, intervir no domínio econômico,
[...] mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional,
ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de
competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias
individuais e podendo ainda se utilizar de monopólios para alcançar seus objetivos
(art. 157, §8º). Como forma de custeio dessas atividades interventivas, o Texto
Constitucional inova no ordenamento jurídico ao autorizar a instituição das
contribuições de intervenção297. Embora ainda não estivesse sedimentada dentro do
Sistema Constitucional Tributário, de forma a figurar como verdadeiro tributo298.
Com a entrada em vigor da EC nº 1/69, a Constituição de 1967 passou por
profundas transformações em muitos dos seus segmentos. Assim, ao disciplinar a
Ordem Econômica e Social, no Título III, a EC nº 1/69 elevou o desenvolvimento
nacional ao Status de fundamento da atividade econômica, ao lado da justiça social,
acrescentando ainda o princípio da expansão de oportunidades de emprego
produtivo aos demais que já estavam inseridos no Texto Constitucional (art. 160). O
§8º do art. 157, que anteriormente disciplinava a possibilidade de intervenção do
Estado na ordem econômica, foi transportado para o art. 163, e o §9º, que criou pela
primeira vez a possibilidade de instituição de CIDE, foi alocado no parágrafo único
do art. 163. Ademais, o §2º do art. 21, CF299 foi alterado, possibilitando ao Estado,
297 § 9º - Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer. 298 CARVALHO, José Augusto Moreira de. Aspectos Gerais e Controvertidos das Contribuições Especiais. In Revista Tributária e de Finanças Públicas. n. 60. Jan-Fev/2005 p. 61. 299 Art. 21. Compete à União instituir imposto sobre: (...) §2º. A União pode instituir:
135
por meio da União, a instituição de contribuições interventivas, de forma a positivá-la
como verdadeiro tributo no ordenamento constitucional então vigente.
Observa-se que somente com a Constituição de 1967 é que o ordenamento
jurídico previu a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico,
possibilitando ao Estado a criação de um tributo capaz de interferir nas atividades
econômicas de forma a viabilizar a preservação dos princípios constitucionais
reguladores dessa atividade. Com a EC nº 1/69, a CIDE persistiu no Texto
Constitucional, possibilitando à União se utilizar desse poderoso instrumento de
regulação da economia, com a criação de um tributo específico para esse fim. Por
fim, a Constituição de 1988, conforme já estudado300, manteve a possibilidade da
União instituir a CIDE, de forma a preservar os princípios inseridos no art. 170 do
Texto Constitucional, bem como os objetivos inseridos no art. 3º e os valores
fundantes do Estado brasileiro, alocados no art. 1º da Constituição Federal.
3.3 DAS CARACTERÍSTICAS DA CIDE
Conforme já fora estudado anteriormente, as contribuições especiais
possuem como principal característica a presença de uma finalidade específica, que
as condiciona e lhes dá validade jurídica, diferenciando-as das demais espécies
tributárias301. Assim, as contribuições são qualificadas por sua finalidade, a qual
precisa estar presente quando da sua criação, para que aquelas possam ser
utilizadas como instrumentos de realização dos objetivos constitucionais.
Dentre as contribuições especiais, já foi observado que elas podem ser
divididas em contribuições sociais, contribuições de interesse das categorias
profissionais e, ainda, contribuições de intervenção no domínio econômico –
CIDE302.
As contribuições especiais apresentam algumas peculiaridades próprias, que
I – contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em vista a intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social. 300 Cf. tópicos 1.4 e 1.5. 301 Cf. tópico 2.6. 302 Cf. tópico 2.8.
136
as diferenciam dos demais tributos encontrados no ordenamento jurídico. Suas
espécies também se diferenciam umas das outras, na medida em cada uma possui
uma finalidade específica que a qualifica ora como social, ora como interventiva, ora
como corporativa. Dessa forma, serão apontadas as principais características da
CIDE, de modo a posicionar essa contribuição dentro do ordenamento jurídico
tributário, o que se passa a expor.
3.3.1 Possibilidade de Instituição Somente pela União Federal
O regramento constitucional que possibilita a instituição da CIDE no
ordenamento jurídico nacional é o art. 149, caput, CF303. Da leitura do dispositivo,
observa-se que somente a União304 poderá instituir contribuição de intervenção no
domínio econômico, nada dispondo sobre a sua instituição pelos Estados, Distrito
Federal e Municípios.
A intervenção do Estado no domínio econômico tem como motor a correção
de externalidades negativas ocasionadas pelas relações econômicas da iniciativa
privada ou o incentivo de externalidades positivas, de forma a preservar e
implementar os ditames inseridos no art. 170 do Texto Constitucional. Dessa forma,
qualquer ente estatal poderá se utilizar dos instrumentos previstos nos arts.173 e
174, CF, salvo se a Constituição expressamente atribuir determinada competência
exclusiva a algum destes. Essa exclusividade ocorre no caso da intervenção direta
por motivos de segurança nacional, autorizando a União a instituir monopólios, no
termos do art. 177, CF, e também na prerrogativa da União de instituir contribuições
de intervenção no domínio econômico (art. 149, CF). Nos demais casos, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios poderão atuar no domínio econômico, seja de
303 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. 304 A doutrina é praticamente unânime em afirmar que somente a União poderá instituir contribuição de intervenção no domínio econômico. Cf. AMARO, Luciano. Conceito e classificação dos tributos. In Revista de Direito Tributário. N. 55. São Paulo: 1991. p. 266; GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de intervenção no domínio econômico – parâmetros para sua criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 13-14; BOITEUX, Fernando Netto. Intervenção do estado no domínio econômico na constituição de 1988. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 77.
137
forma direta, seja indireta, almejando a preservação e a implementação dos
princípios da ordem econômica.
Considerando que somente a União poderá instituir CIDEs, conclui-se que a
competência para a sua instituição é privativa da União, vedando ao Estado-
membro, ao Distrito Federal e ao Município, a sua criação. Doravante, qualquer
CIDE emanada de um desses entes será fadada pelo vício da inconstitucionalidade,
por falta de competência para a sua criação, na medida em que a lei que a instituir
não encontrará fundamento de validade no Texto Constitucional.
3.3.2 Finalidade de Intervenção no Domínio Econômico
Já foi destacado que a principal característica das contribuições especiais é
a sua finalidade. Em se tratando de contribuição que intervenha nas atividades
econômicas, a sua principal finalidade é a de interferir na seara econômica, de forma
que essa atividade possa ser restabelecida nos moldes do art. 170, CF. Ou seja, o
fundamento de validade da CIDE é exatamente o descompasso entre uma
determinada atividade econômica e a ordem econômica (mundo do dever-ser)
prevista no Texto Constitucional.
Este descompasso, intitulado externalidade, pode se dar de duas formas: a)
quando a atividade econômica esteja desrespeitando os princípios constitucionais,
por meio da geração de externalidades negativas; ou b) quando a atividade
econômica não esteja sendo desenvolvida em sua plenitude, deixando de gerar
externalidades positivas, as quais são almejadas pelo Estado na busca por seus
objetivos constitucionais. Dessa maneira, o Estado precisa intervir na seara
econômica, tanto para erradicar as externalidades negativas existentes, quanto para
promover a geração de externalidades positivas, de forma a preservar os princípios
da ordem econômica na primeira situação e, a implementá-los, na segunda.
Também foi analisado que a intervenção somente ocorre nas atividades
econômicas. Tanto naquelas eminentemente privadas, quanto naquelas que o
Estado passou para a iniciativa privada por meio de concessão ou permissão, sendo
vedada a intervenção nas áreas em que o Estado esteja prestando serviços
138
públicos, na medida em que o regime jurídico de direito público não comporta a livre
iniciativa, pois é regido por princípios diversos daqueles do setor privado. Dessa
forma, [...] a contribuição interventiva é contribuição especial de competência da
União, como instrumento de sua intervenção no domínio econômico dos agentes
privados da economia305. Ou seja, é na seara econômica da iniciativa privada que a
União poderá se utilizar de um tributo, com fins de regular o comportamento de
determinados indivíduos, e buscar o restabelecimento ou a implementação dos
princípios constitucionais. Contudo, somente poderá se utilizar da instituição de
CIDE para atuar nos ditames do art. 174, CF, nas funções de agente fiscalizador e
incentivador, pois enquanto atua como empresário, nos moldes do art. 173, CF, o
Estado age como agente econômico direto, sujeitando-se aos princípios de direito
privado306. Dessa forma, somente se a atividade econômica não estiver servindo aos
objetivos constitucionais é que a União estará autorizada a instituir o tributo307.
Ainda é necessário destacar que a incidência da CIDE, ao estar atrelada a
uma distorção dos princípios da ordem econômica, demandando a intervenção,
somente subsistirá enquanto perdurar essa distorção308. Isto é, a CIDE possui
caráter eminentemente transitório, devendo ser retirada do ordenamento assim que
a atividade que esteja sofrendo a intervenção se restabeleça e volte à normalidade.
3.3.3 Equilíbrio Entre a Finalidade e a Destinação da Receita da CIDE
As atividades econômicas que estejam gerando externalidades negativas ou
305 OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. Contribuições especiais – noções gerais – contribuição de intervenção no domínio econômico. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. N. 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 61. 306 No mesmo sentido do texto, DIAS, Juarez Sanfelice. A contribuição incidente sobre o setor petrolífero e a destinação prevista na lei federal nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 90. São Paulo, março de 2003. p. 72: partindo então, para a análise do cabimento da CIDE em cotejo com o papel desempenhado pelo Estado, entendemos que a prestação de serviços públicos (artigo 175) não pode ser custeada através de recursos oriundos de contribuição de intervenção, uma vez que o tributo próprio para tal fim é a taxa (artigo 145, II). Também a atividade prevista no art. 173 não pode dar ensejo à instituição de contribuição de intervenção, vez que o Estado, quando explorar atividade econômica, por tudo há que se sujeitar ao mesmo regime dos particulares, sendo um contra-senso que a atividade venha a ser de alguma forma remunerada através de contribuição interventiva. 307 No mesmo sentido, ICHIHARA, Yoshiaki. Contribuição de intervenção no domínio econômico – algumas restrições na sua instituição. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 92. São Paulo, maio de 2003. p. 88. Afirma o autor que a instituição da CIDE somente será possível quando haja uma ofensa ao princípio da livre iniciativa, demandando a intervenção. 308 FERRAZ, Roberto. Pressupostos de Imposição das CIDEs – Critérios Constitucionais de Validade para a Instituição das CIDEs. In Revista de Estudos Tributários. n. 34. Nov-Dez/2003. p. 143.
139
não estejam produzindo externalidades positivas poderão sofrer intervenção por
parte do Estado, por meio de uma das suas modalidades existentes nos arts. 173 e
174 da CF. Se a matéria não for relacionada com segurança nacional ou relevante
interesse coletivo, o Estado só poderá interferir nessas atividades mediante suas
atividades normativa e regulatória, dentre elas a CIDE. Estas possuem como
característica primordial a arrecadação de recursos para que o Estado possa custear
a intervenção em determinada atividade econômica, seja por meio da fiscalização
dessa atividade, seja por meio da concessão de um incentivo. Para tanto, é
necessário que esses recursos sejam destinados a um determinado órgão que irá
adotar as medidas que possibilitem a realização da intervenção.
Sua receita precisará ser utilizada no setor que sofre a intervenção, em prol
do grupo que esteja sofrendo a externalidade negativa ou em prol do grupo que
necessite do incentivo, o que pode ser perfeitamente resolvido mediante a criação
de um fundo para receber esses recursos que irão custear a intervenção309. Tal
grupo precisa ser identificado para possibilitar que a destinação da receita
proveniente da CIDE possa ser aplicada em prol de medidas que o beneficiem. A
identificação do grupo a que se destina a contribuição é fundamental para a
caracterização de qualquer contribuição especial e, com exceção daquelas
destinadas à Seguridade Social, as quais abrangem toda a sociedade (art. 194, CF),
todas as demais contribuições, dentre elas as interventivas, precisam identificar o
grupo que receberá essa receita, guardando similitude com o instrumento de
intervenção, pois foi o próprio grupo que gerou a necessidade da intervenção310.
Assim, o [...] sujeito passivo da obrigação haverá de ser necessariamente membro
daquele grupo de indivíduos que forma o setor da economia onde há intervenção
309 No mesmo sentido, PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As contribuições de Intervenção no domínio econômico em face da emenda constitucional nº 33/2001. In Revista Dialética de Direito Tributário. nº81. São Paulo, junho de 2002. p. 75. 310 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 243-244; DIAS, Juarez Sanfelice. A contribuição incidente sobre o setor petrolífero e a destinação prevista na lei federal nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 90. São Paulo, março de 2003. p. 75 e SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas Considerações sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico no Sistema Constitucional Brasileiro. A Contribuição ao Programa Universidade-Empresa. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 363.
140
definida na lei que cria a contribuição para custeá-la311. É importante observar que o
sujeito passivo da obrigação deverá ser um membro do grupo que sofra a
intervenção. Contudo, não é preciso que todos os membros suportem a exação
tributária, respeitando-se a capacidade contributiva de cada contribuinte e, acima de
tudo, respeitando a finalidade interventiva da atuação estatal no cenário econômico.
3.3.4 A Destinação Precisa ser Efetiva
Quando se fala em contribuições especiais, sempre surge, como critério
diferenciador das demais espécies tributárias, a finalidade. Além do mais, surge
ainda a necessidade da destinação do produto da arrecadação da CIDE ser
direcionada para a atuação dentro dessa finalidade. A receita arrecadada com a
CIDE precisa ser direcionada para um órgão ou um fundo que tenha como finalidade
promover a intervenção da União em determinando setor da seara econômica, pois
a CIDE somente possui razão de existir se custear uma intervenção.
Nessa esteira, surgem questionamentos sobre a destinação das receitas da
CIDE, argüindo se seria ou não necessária a destinação efetiva do seu produto para
a atividade interventiva, ou se a mera previsão legal da destinação para uma
finalidade que se enquadrasse como tal já seria suficiente para a sua
constitucionalidade. Para que a CIDE seja um tributo constitucional seria necessário
que o aplicador da lei realmente destinasse sua receita para a atividade interventiva
ou não.
A doutrina se divide sobre o tema. A corrente tradicional do Direito Tributário
sedimenta seus estudos tão somente na norma jurídica de incidência fiscal. Afirma
que o estudo do Direito Tributário se resume ao estudo da ocorrência do fato e da
relação jurídica decorrente312. Qualquer problema que decorra da aplicação das
normas tributárias sairia da alçada do Direito Tributário e se tornaria um problema do
Direito Financeiro ou do Direito Administrativo313. Isto se deve ao fato de que o
311 FERRAZ, Roberto. Pressupostos de Imposição das CIDEs – Critérios Constitucionais de Validade para a Instituição das CIDEs. In Revista de Estudos Tributários. n. 34. Nov-Dez/2003. p. 142. 312 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 29-30. 313 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 260-262. Afirma o autor que o tributo é uma “prestação” jurídica. Uma vez efetuada a prestação, a
141
Direito Tributário possui como seu objeto a norma tributária. Sendo assim, o conceito
de tributo é o delimitador da abrangência do Direito Tributário314. Para essa doutrina,
o conceito de tributo é o previsto no art. 3º do CTN, não importando a destinação
dos seus recursos para a sua caracterização, nos moldes do art., 4º, II, CTN. Dessa
forma, as contribuições encontrariam seus critérios jurídico-tributários dentro dos
elementos da regra-matriz, extinguindo seu estudo na previsão legal de instituição
de uma contribuição de acordo com sua finalidade, conforme se observa das
palavras de COELHO e MOREIRA:
Claro está, dessarte, que as considerações acerca da constitucionalidade ou não da contribuição interventiva serão feitas tão-somente por meio da análise do texto legal. Não há que se perquirir, portanto, se os recursos estão ou não sendo destinados, na prática, a um eventual fundo que a lei preveja, ou se estão sendo integralmente aplicados como determinou o legislador.315
Observa-se dos argumentos da doutrina tradicional que a CIDE não poderá
ser questionada sobre sua constitucionalidade no caso de descumprimento de sua
finalidade no momento da aplicação dos recursos pelo administrador na finalidade
prevista, pois foge da alçada do conceito de tributo a sua destinação. Ademais, o
Judiciário já se posicionou sobre o tema316, afirmando não ser possível questionar a
constitucionalidade de um tributo acaso sua destinação não esteja sendo cumprida,
pois essa matéria lhe foge da atribuição, caracterizando uma invasão na
competência do executivo ao realizar suas atividades típicas de gerenciar os
recursos públicos em prol do atendimento das necessidades sociais.
relação jurídica tributária se “extingue”. O que acontece depois com o bem que dava consistência material ao tributo, acontece em momento “posterior” e em “outra” relação jurídica, esta última de natureza “administrativa”. p. 261. 314 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 35-37. 315 COÊLHO, Sacha Calmon e MOREIRA, André Mendes. Inconstitucionalidades da contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre remessas ao exterior – CIDE royalties. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 89. São Paulo: fevereiro de 2003. p. 75. No mesmo sentido, Cf. CARVALHO, José Augusto Moreira de. Aspectos Gerais e Controvertidos das Contribuições Especiais. In Revista Tributária e de Finanças Públicas. n. 60 Jan-Fev/2005. p. 74-77. 316 AGRAVO. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE SENTENÇA EM MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO. IMPOSSIBILIDADE. CPMF. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA COBRANÇA. RELEVÂNCIA DO CONCEITO. ADIN 2.031. DESVIO DE DESTINAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. (...) 4. O desvio de parcela dos valores arrecadados não pode erigir-se em óbice ao recolhimento. A salutar correção do tal desvirtuamento é providência que refoge à competência do Judiciário. 5.Agravo improvido. (AGSS - AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA nº 1999.04.01.114935-4/PR, DOU 23/02/2000).
142
A outra corrente doutrinária posiciona-se de maneira diversa, afirmando que
a destinação das receitas auferidas com as contribuições necessita ser efetivamente
implementada às suas finalidades legais, não bastando uma análise formal para a
apuração de sua constitucionalidade. Assim a destinação do produto da arrecadação
é da índole da contribuição, de forma a diferenciá-la dos demais tributos existentes.
A destinação dos recursos é elemento essencial para a sua validade jurídica,
justificando a investigação de sua real aplicação dentro do ordenamento jurídico.
CARRAZZA, apesar de considerar que existam apenas três espécies tributárias,
conforme visto nos tópicos anteriores, qualifica as contribuições por sua destinação,
o que autoriza o contribuinte a se negar ao recolhimento das mesmas, acaso estas
não estejam sendo efetivamente recolhidas para as suas finalidades definidas na
lei317. Conclui o autor que,
Se o contribuinte puder demonstrar que a contribuição a seu cargo não teve o produto de sua arrecadação aplicado naquela finalidade apontada na lei que a instituiu, ele tem o direito de subtrair-se ao seu pagamento ou, quando for o caso, de repetir o que pagou, observados, aí, apenas, (sic) os prazos prescricionais. Em suma, é a destinação do produto da arrecadação que preserva a natureza constitucional das contribuições. Esta determinação existe para proteger o contribuinte de arbitrariedades, como, por exemplo, do desvio do produto arrecadado ou da ausência, in concreto, do motivo que ensejou a criação desta figura exacional.318
DERZI traz igual posicionamento ao afirmar que
O contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetada aos fins, constitucionalmente admitidos; igualmente, poderá reclamar a repetição de tributo já pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicação dos recursos arrecadados. É que, diferentemente da solidariedade difusa do pagamento de impostos, a Constituição prevê a solidariedade do contribuinte no pagamento de contribuições e empréstimos compulsórios e a conseqüente faculdade outorgada à União de instituí-los, de forma direcionada e vinculada a certos gastos. Inexistente o gasto ou desviado o produto arrecadado para outras finalidades não autorizadas na Constituição, cai a competência do ente tributante para legislar e arrecadar.319
317 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 524-526. 318 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 525. 319 DERZI, Misabel Abreu Machado (atual.). In BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11
143
Convém trazer os ensinamentos de GRECO acerca da efetiva destinação
das contribuições. Para o autor, a finalidade é elemento essencial à contribuição,
servindo como real objetivo a ser buscado. A simples menção no texto legal não
satisfaz a exigência constitucional de implementação de sua finalidade. É
necessária, mas não suficiente, pois ainda estaria faltando uma busca efetiva pela
finalidade que justificou a sua instituição. O destino da arrecadação é essencial à
contribuição, pois confere legitimidade para o Estado instituir e, também, para o
contribuinte poder se negar a recolhê-la, acaso essa finalidade não esteja sendo
realmente cumprida320.
Considerando que, dentre os tributos, existem aqueles que possuem
destinação específica, a qual os qualifica como contribuições especiais, o campo de
atuação do Direito Tributário se estende para além da formulação e aplicação da
regra-matriz de incidência, preocupando-se também com a realização da finalidade
qualificadora da contribuição interventiva, o que autoriza o Judiciário a verificar se o
Executivo está realmente cumprindo os preceitos constitucionais. Em caso de não
destinação real dos recursos arrecadados com a CIDE para seus campos de
intervenção, o contribuinte poderá declarar a desnecessidade da incidência da
contribuição, por meio da argüição de sua inconstitucionalidade, pois não está
servindo como instrumento de intervenção para a qual fora criada.
Inconstitucionalidade por ferir os princípios da ordem econômica, eis que se está
utilizando da implementação de um tributo interventivo, sem a sua real necessidade.
Essa atitude afronta o princípio da livre iniciativa, além de ferir os demais princípios
constitucionais, em especial o princípio da capacidade contributiva, tributando entes
que não precisariam sofrer a exação, pois não há atividade a ser regulada. A CIDE
precisa cumprir uma finalidade. Não uma finalidade formal, mas sim finalidade de
custear uma intervenção que pretenda extinguir uma externalidade negativa ou
promover a geração de externalidades positivas em um determinado segmento da
seara econômica. Para tanto, sua destinação a essa finalidade é crucial para a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 69. 320 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 238-243. No mesmo sentido, cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Contribuições de intervenção no domínio econômico – concessionárias, permissionárias e autorizadas de energia elétrica – "aplicação" obrigatória de recursos (lei n. 9.991). In GRECO, Marco Aurélio (coord.) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 391.
144
busca do seu fundamento de validade, encontrando respaldo nos princípios
constitucionais tributários e, principalmente, nos princípios da ordem econômica. Se
não cumprir com esse requisito, não funciona como instrumento de intervenção,
perde seu fundamento de validade no Texto Constitucional e deve, portanto, ser
retirada do ordenamento321.
A CIDE é um tributo promotor de mudança social. Possibilita a intervenção
do Estado nas atividades econômicas, procurando realizar políticas públicas
voltadas para preservar o equilíbrio do setor, de forma que este possa cumprir com
seus objetivos sociais. Entretanto, somente cumpre com os ditames da busca pela
justiça social se atender aos requisitos constitucionais e, para esse atendimento, a
intervenção precisa ser de fato implementada, por meio da destinação de seus
recursos para determinado órgão responsável pela realização da intervenção ou
para um fundo específico que promova o financiamento de atividades dentro do
setor que sofre a intervenção.
3.3.5 Criação por Lei Ordinária
Como a contribuição de intervenção no domínio econômico é um tributo, é
necessário que respeite todos os princípios constitucionais tributários previstos no
sistema tributário. É preciso que a sua instituição seja realizada mediante uma lei,
em respeito ao princípio da legalidade, previsto no art. 150, I da CF. Contudo,
cumpre delimitar se esta lei deverá ser uma lei complementar ou uma simples lei
ordinária.
O art. 146 da Constituição federal dispõe que compete à lei complementar,
em matéria tributária, dentre outras prerrogativas, estabelecer normas gerais em
matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de tributos e suas
321 No sentido do texto, Cf. FERRAZ, Roberto. Contribuições especiais: análise no cenário brasileiro. In Revista de Estudos Tributários. N. 40. Porto Alegre: nov./dez. de 2004. p. 131-136. Afirma o autor que o Judiciário é o guardião das leis emanadas pelo Legislativo e executadas pelo Executivo, tendo no Supremo Tribunal federal o seu principal expoente, atuando na defesa da Constituição. Não se trata de uma atuação política, declarando inconstitucionalidades que acabariam por criar normas positivas, atuando como legislador. Pelo contrário. A missão do STF é a de proteção dos princípios e das normas constitucionais. Assim, para o autor, o pretório excelso precisa atuar na preservação dos ditames constitucionais, dentre eles, a preservação efetiva da finalidade das contribuições, decretando a inconstitucionalidade de tributos interventivos criados exclusivamente para obtenção de superávits e não para intervirem no domínio econômico.
145
espécies, bem como, em relação aos impostos nela discriminados, a dos respectivos
fatos geradores, base de cálculo e contribuintes (inciso III, a). Assim, a necessidade
de uma lei complementar em matéria tributária está relacionada à instituição de
normas gerais que versem sobre a definição dos tributos e de suas espécies
existentes no ordenamento e, no caso dos impostos, a lei complementar ainda
deverá descrever a hipótese de incidência, sua base de cálculo e quem serão os
contribuintes sobre os quais recairão estes impostos.
A CIDE não é imposto. Isto possibilita concluir pela não-necessidade de
previsão de sua hipótese de incidência, base de cálculo e definição do contribuinte
por uma lei complementar. Resta, portanto, delimitar a necessidade ou não de lei
complementar para positivar a definição e as espécies de contribuições.
O Código Tributário Nacional, por ser considerado como lei
complementar322, apesar de ser formalmente uma lei ordinária, precisaria estipular,
como normas gerais, a definição dos tributos e de suas espécies tributárias. Dessa
forma, como o CTN não prevê a existência de contribuições de intervenção no
domínio econômico, haveria a necessidade de criação de uma lei complementar que
determinasse a definição de contribuição de intervenção e a sua inclusão como
verdadeira espécie tributária. Contudo, é necessário destacar que a CIDE surgiu no
direito pátrio com a CF/67, a qual é posterior à edição do CTN. Ademais, em que
pese este diploma não prever a definição da CIDE, nem tampouco a sua inclusão
como espécie tributária, o Texto Constitucional, em seu art. 149, previu a
possibilidade de sua criação, trazendo o seu contorno essencial, materializado na
necessidade de intervir na atividade econômica. Embora não tenha definido o critério
material de sua incidência, trouxe o requisito fundamental para a sua criação,
vinculando a sua incidência à persecução de uma finalidade interventiva. Desse
modo, embora o CTN não verse sobre a CIDE, a Constituição Federal já trouxe
elementos suficientes para a sua criação, sendo desnecessária a edição de uma lei
complementar que autorize a criação do tributo por outra lei específica. Esta lei que
322 O STF já se posicionou nesse sentido, nos julgados RE 138284/CE, DOU 28/08/92 e RE218061/SP, DOU 04/03/1999.
146
cria a contribuição será uma lei ordinária323. Isto se deve ao fato de que a
necessidade de lei complementar para criação de tributos é medida de exceção,
determinando a sua utilização apenas para os empréstimos compulsórios (art. 148),
para os impostos relegados à competência residual da União (art. 154, I, CF) e para
as outras contribuições destinadas à Seguridade Social que não estejam previstas
na Constituição (art. 195, §4º, CF). Todos os demais tributos, ao serem instituídos,
não necessitam do instrumento lei complementar, bastando tão somente a utilização
de uma lei ordinária324.
Outro ponto que merece destaque é a necessidade da lei ordinária, que
instituir a contribuição, trazer todos os elementos identificadores do tributo, inclusive
sua finalidade. Desse modo, a lei precisará definir todos os critérios identificadores
da hipótese de incidência e da relação jurídica tributária325, bem como qual é a
finalidade da intervenção326 e quais são as finalidades que sua receita deverá suprir,
atreladas à atividade interventiva. Assim,
A CIDE não pode apresentar indícios de desvio de finalidade, devendo a lei instituidora estabelecer todos os critérios qualitativos e quantitativos para que se possa auferir se o objetivo que se espera alcançar com o novo tributo justifica a intervenção estatal pretendida327.
Acaso a lei que instituir a CIDE não trouxer, dentre os seus regramentos, a
323 CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 547; e CARVALHO, José Augusto Moreira de. Aspectos Gerais e Controvertidos das Contribuições Especiais. In Revista Tributária e de Finanças Públicas. n. 60 Jan-Fev/2005 p. 84-87. 324 O STF já firmou seu posicionamento no mesmo sentido: (...) II. A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, e uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4. do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parág. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a"). (RE138284; DOU de 28/08/1992. Relator Ministro Carlos Velloso) 325 Cf. tópico atinente à regra-matriz de incidência tributária. 326 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições de intervenção no domínio econômico. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 302. 327 CEZAROTI, Guilherme e SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aspectos relevantes das contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário. n 72. São Paulo. Setembro de 2001. p. 54.
147
finalidade à qual se destinam seus recursos arrecadados, conclui-se que o tributo
não funciona como instrumento de intervenção. Se o tributo necessita possuir uma
finalidade interventiva, a lei instituidora precisa trazer elementos para que o
intérprete verifique se a finalidade prevista na lei se coaduna com a finalidade
interventiva, pois, se aquela não possuir caráter de intervenção na seara econômica,
o tributo desprovê de tal característica, não encontrando respaldo no Texto
Constitucional e perdendo a característica de contribuição interventiva. Assim, [...]
importante assinalar, por igual modo, que a destinação das contribuições deve ser
dada pela própria lei instituidora, sendo inconstitucional eventual delegação que
esta, a propósito, venha a fazer, ainda que a outra lei, como, por exemplo, a
orçamentária328.
Destaque-se que a lei que instituir a CIDE, em razão de seu caráter
transitório, perderá sua vigência quando tiver sua finalidade cumprida329.
CARVALHO afirma que:
Viger é ter força para disciplinar, para reger, cumprindo a norma seus objetivos finais. A vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fático, os eventos que elas descrevem. Há normas que existem e que, por conseguinte, são válidas no sistema, mas não dispõem dessa aptidão. A despeito de ocorrerem os fatos previstos em sua hipótese, não se desencadeiam as conseqüências estipuladas no mandamento. Dizemos que tais regras não têm vigor, seja porque já o perderam, seja porque ainda não o adquiriram.330
Perderá a vigência a lei que instituir a CIDE no momento em que sua
finalidade for concluída, pois seus objetivos finais foram cumpridos. A norma válida,
uma vez posta no ordenamento, está apta para gerar seus efeitos jurídicos, desde
que as hipóteses, nela previstas, ocorram no mundo fático. Essa norma possui um
objetivo, uma finalidade que, no caso da contribuição de intervenção no domínio
328 CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 548. 329 Cf. GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de intervenção no domínio econômico – parâmetros para sua criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 22; e BELLAN, Daniel Vítor. Contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário. n. 78 São Paulo, março de 2002. p. 26-27. 330 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 84-85.
148
econômico, refere-se a uma finalidade interventiva. Assim, uma vez cumprida a
finalidade para a qual foi desenvolvida, não há mais objetivo a cumprir, desprovendo
de vigência a norma jurídica até que esta perca a sua validade mediante sua retirada
do ordenamento jurídico pelo Poder Legislativo.
Uma vez realizada a finalidade prevista na norma, o tributo terá cumprido
sua missão, restabelecendo ou tendo implementado as externalidades objetivadas,
em conformidade com os ditames constitucionais; com isso perde a lei instituidora a
sua vigência e deixa de irradiar seus efeitos no mundo jurídico.
3.3.6 Impossibilidade de Criação de mais de uma CIDE para a Mesma Finalidade
Para a caracterização da contribuição interventiva, é necessário que exista
um fato jurídico tributário que sofrerá a incidência do tributo, gerando uma obrigação
tributária na qual alguém deverá pagar ao Estado uma quantia em dinheiro a título
de tributo. Assim, sobre cada fato jurídico tributário somente incide uma contribuição
interventiva. CARRAZZA E BOTTALLO afirmam que não podem existir duas
contribuições – obviamente destinadas a atender finalidades distintas – com
idênticas hipóteses de incidência e bases de cálculo331. Contudo, tais afirmações
precisam ser interpretadas com reservas, pois os autores afirmam que qualquer
contribuição não pode ter a mesma hipótese de incidência e base de cálculo, sejam
elas contribuições sociais, interventivas ou corporativas. Contudo, visualiza-se a
possibilidade de incidência sobre um mesmo fato, de contribuições de diferentes
finalidades ou de contribuições que versem sobre a materialidade de impostos. Se a
finalidade determina a criação de uma contribuição, é possível que estas possam ter
a mesma materialidade e mesma base de cálculo. Contudo, o que não é permitido é
a criação de duas contribuições com a mesma finalidade, versando ou não sobre o
mesmo fato jurídico tributário.
É perfeitamente possível a incidência de uma contribuição social que tenha
como base de cálculo a receita ou o faturamento, nos termos do art. 195, I, b, CF,
bem como a incidência de uma contribuição interventiva sobre a mesma receita ou 331 CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 547.
149
faturamento, nos moldes do art. 149, §2º, III, a, CF, com redação dada pela EC nº
33/01332. Contudo, acaso uma CIDE já possua como base de cálculo a receita ou o
faturamento de determinadas entidades econômicas representadas por um
determinado grupo dentro da seara econômica, não será possível a criação de nova
contribuição com a mesma base de cálculo, sob pena de se ferir a capacidade
contributiva e desvirtuar o princípio da livre iniciativa, uma vez que a CIDE inicial já
estaria atuando para regular o setor e a incidência de nova CIDE apenas
representaria o apetite voraz do fisco em angariar recursos para o seu orçamento;
isso é vedado em se tratando de contribuições interventivas, voltadas para o
atendimento de finalidades específicas que possam promover a regulação de
determinado segmento do mercado.
3.3.7 Impossibilidade de Versarem Sobre Fatos Jurídicos de Competência dos Outros Entes Federados
A principal característica de uma contribuição é a sua finalidade
constitucional. No tocante à CIDE, é a finalidade interventiva o grande diferenciador
dessa espécie tributária. Com isso, o principal fundamento para a sua incidência no
ordenamento jurídico é a necessidade de realização de sua finalidade constitucional,
de forma a restabelecer o equilíbrio de determinado setor da atividade econômica
que esteja sofrendo uma externalidade negativa, ou ainda, promover o
desenvolvimento de externalidades positivas por parte de determinado setor, em
busca da efetivação dos princípios constitucionais. Por conseguinte, a análise da
hipótese de incidência da CIDE precisa ser condicionada à realização de uma
finalidade interventiva que promova a fiscalização ou o incentivo de determinado
setor da seara econômica, de forma que o fato jurídico tributário eleito como gerador
do tributo seja a realização de uma conduta sócio-econômica que irá possibilitar a
regulação dessa determinada atividade, por meio da arrecadação dos recursos
necessários para custear a atividade interventiva. Essa finalidade servirá como
orientação ao legislador na hora de eleger o fato jurídico tributário adequado para
sofrer a incidência do tributo, de forma que esse fato viabilize os recursos
332 No mesmo sentido, entendendo que a CIDE pode ter a mesma base de cálculo do que as contribuições sociais, com a advertência que somente nos casos inseridos no art. 149, §2º, III, a), CF, cf. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As contribuições de Intervenção no domínio econômico em face da emenda constitucional nº 33/2001. In Revista Dialética de Direito Tributário. nº 81. São Paulo, junho de 2002. p. 76-77.
150
necessários para o desenvolvimento da atividade interventiva.
Na incidência do tributo interventivo, há o confronto de duas teses acerca da
materialidade dos fatos jurídicos tributários que receberão a exação tributária: a de
que a CIDE pode incidir sobre fatos jurídicos tributários pertencentes a qualquer ente
estatal e, a contrario sensu, a que determina a impossibilidade da contribuição de
intervenção incidir sobre fatos jurídicos tributários de competência de outros entes
estatais que não sejam os da União, em virtude do princípio da repartição de
competência. Passa-se a apontar os principais argumentos de cada corrente
doutrinária.
A corrente que afirma ser possível a incidência sobre fatos jurídicos
tributários de competência de todos os entes estatais é encabeçada por GRECO333.
Para ela, a finalidade é o principal elemento a ser estudado na imposição da CIDE,
de forma que é esta a grande responsável pela eleição do fato jurídico tributário,
autorizando a União a instituir uma CIDE que tenha como hipótese de incidência
fatos jurídicos tributários de competência dos demais entes estatais, não se
aplicando [...] as restrições que existem em se tratando de impostos e taxas, posto
que a atribuição de competência não leva em conta determinada materialidade ou
atuação estatal, mas sim determinada finalidade334. De fato, a necessidade de
intervenção surge em virtude de uma conduta realizada no mundo do ser
econômico, que esteja desvirtuando os princípios inseridos no art. 170 do Texto
Constitucional. Nessa medida, a intervenção por meio da CIDE é um instrumento
utilizado para se buscar o equilíbrio do setor. Uma limitação de competência da
União para a sua instituição poderia desvirtuar totalmente o instituto, retirando-lhe
sua efetividade, acaso o setor que estivesse necessitando de intervenção fosse
representado por fatos jurídicos de competência tributária dos Estados-membros ou
dos Municípios, posto que sua incidência estaria vedada pela regra de repartição de
competências.
333 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 228-229; e GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de intervenção no domínio econômico – parâmetros para sua criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 29-30. 334 GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de intervenção no domínio econômico – parâmetros para sua criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 29.
151
BELLAN também se filia a essa corrente doutrinária, afirmando que a
incidência sobre fatos jurídicos tributários de competência dos Estados e Municípios
é possível pelas contribuições interventivas, pois, muitos desses fatos possuem
importância para a economia e, com tal, podem necessitar sofrer a incidência de um
tributo a fim de regular determinado setor. Impedir a incidência poderia restringir em
demasia a atuação da União no controle das atividades econômicas. Afirma ainda
que a incidência sobre fatos jurídicos tributários de competência dos Estados e dos
Municípios e que, por ventura, já sofram a incidência de algum dos impostos
previstos nos art. 155 e 156, CF, não significa afronta ao princípio da capacidade
contributiva, pois este princípio não é o principal vetor da CIDE, a qual está
sedimentada na preservação dos princípios constitucionais da ordem econômica335.
A corrente doutrinária que defende a tese da preservação da repartição de
competência dentre os entes estatais, dentre elas a competência para o poder de
tributar, impedindo que a CIDE incida sobre fatos jurídicos tributários pertencentes à
hipótese de incidência de outros entes, encontra respaldo em ATALIBA336,
CARRAZZA337, DIAZ338, dentre outros. Ela fundamenta a impossibilidade da CIDE
conter, como critério material, fatos da vida particular do contribuinte já tributados
por outros entes estatais, na regra de competência positivada na Constituição
Federal. A Carta Constitucional estipulou a competência de cada ente para a criação
dos impostos, afirmando que, aos Estados, compete a instituição de impostos que
versem sobre a materialidade dos fatos previstos no art. 155, CF; aos Municípios, a
criação de impostos que versem sobre a materialidade dos fatos previstos no art.
156, CF; e, à União, concedeu ampla possibilidade de instituição339,
consubstanciando-se o art. 153 com o art. 154, I, ambos do Texto Constitucional. 335 BELLAN, Daniel Vítor. Contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 78. São Paulo, março de 2002. p. 31-33. 336 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 176-177. 337 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 257-529; CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 547. 338 DIAS, Juarez Sanfelice. A contribuição incidente sobre o setor petrolífero e a destinação prevista na lei federal nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 90. São Paulo, março de 2003. p. 75. 339 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 176.
152
Com isso, a União poderá criar impostos que versem sobre a materialidade de uma
infinidade de fatos econômicos, desde que não invada a competência dos Estados e
dos Municípios. Dessa forma, ao [...] instituir contribuições com hipótese de
incidência de imposto, a União usa o campo material de competência – aliás
amplíssimo – que lhe deu a Constituição. A limitação única que a tolhe está na
reserva de um campo material a Estados e Municípios340. Mais adiante, ATALIBA,
ao concluir sobre a impossibilidade de invasão de competências pela União ao
instituir uma contribuição interventiva, adverte que:
[...] Entender o contrário, seria admitir que o sistema de partilha de competências não é rígido. Que é modificável por legislação infraconstitucional. Seria admitir que as competências tributárias não são privativas, mas todas abertas à União. Seria atribuir estultice ao contribuinte. Seria esvaziar o sistema constitucional tributário; torná-lo totalmente sem sentido, como um amontoado de proposições que nada obrigam, a ninguém dão vantagem, a ninguém direitos, de ninguém exigem nada.341
É esse o ensinamento de CEZAROTI e SILVEIRA:
Se fosse permitido à União instituir impostos ou contribuições que tivessem a mesma hipótese de incidência ou base de cálculo daquelas reservadas aos Estados e aos Municípios, haveria uma usurpação do campo de competência tributária desses entes federativos, contrariando frontalmente as diretrizes constitucionais.342
Observa-se que a regra de competência, ao definir a limitação constitucional
dos critérios materiais das hipóteses de incidência dos impostos de todos os entes
federados, impediria a instituição de contribuição interventiva, desde que a mesma
possuísse como critério material de sua hipótese de incidência um fato econômico
de competência dos Estados e dos Municípios, estando somente autorizada a
incidência sobre fatos econômicos da esfera de competência da União.
Dentre as duas correntes apontadas, merece destaque a teoria que
340 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 176-177. 341 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. 6. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 177. 342 CEZAROTI, Guilherme e SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aspectos relevantes das contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário. n 72. São Paulo. Setembro de 2001. p. 58.
153
impossibilita a CIDE de estipular, como critério material da hipótese ou base de
cálculo, tributos que são de competência dos demais entes estatais. A finalidade que
qualifica a contribuição interventiva é, sem sombra de dúvidas, o grande diferencial
das contribuições em relação aos demais tributos existentes no ordenamento.
Contudo, ao interpretar todo o ordenamento jurídico tributário como um verdadeiro
sistema normativo, coeso e harmônico, observa-se que os pilares desse sistema são
os princípios constitucionais tributários, constituídos como verdadeiras limitações ao
poder de tributar. Dentre essas limitações, a repartição de competências do poder
de tributar entre os entes federados confere ao contribuinte a proteção de que mais
de um ente tribute um mesmo fato, respeitando assim a capacidade contributiva343
da sociedade, além de garantir a autonomia de cada um dos entes estatais. Assim, a
preservação da capacidade contributiva é verdadeiro princípio fundamental,
orientadora da instituição de tributos que visem a alcançar a justiça fiscal e,
conseqüentemente, a justiça social. Dessa forma, a capacidade contributiva informa
toda a tributação do Estado, mesmo a que possui como característica fundamental a
intervenção nas atividades econômicas. A CIDE, mesmo que seja fundamental para
a preservação da harmonia de determinado setor, precisa atender aos princípios
constitucionais, sob pena de total desvirtuamento e perda de fundamento de
validade constitucional.
Ao decidir intervir na ordem econômica, o legislador precisa estar almejando
a reparar determinado segmento da atividade econômica o qual esteja atuando de
forma contrária aos princípios do art. 170, CF, ou a estimular a geração de
externalidades positivas. Para tanto, terá ao seu alcance alguns instrumentos de
intervenção, como a atuação na condição de empresário, a fiscalização, a
concessão de incentivos, a realização de planejamento e também a criação de um
tributo. Ao eleger qual dessas situações é a mais adequada, o legislador precisará
atender aos ditames constitucionais que cada um desses instrumentos exige para a
sua efetivação.
343 Sobre a aplicação da capacidade contributiva como princípio limitador da incidência de contribuição interventiva sobre fatos econômicos já tributados por tributos estaduais e municipais, cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas Considerações sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico no Sistema Constitucional Brasileiro. A Contribuição ao Programa Universidade-Empresa. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 365.
154
Por conseguinte, a CIDE é um instrumento efetivo de intervenção por meio
da fiscalização e do incentivo, mas não é o único. Assim, não é correto afirmar que a
impossibilidade da União atuar em segmentos que constituem a materialidade ou a
base de cálculo de tributos estaduais e municipais acabaria por prejudicar o instituto
da intervenção. Pelo contrário, a limitação da atuação da União por meio da CIDE,
dentro apenas de fatos jurídicos tributários de sua competência, organiza e
sistematiza o instituto da intervenção nos moldes dos princípios constitucionais,
impondo verdadeiros limites constitucionais ao poder de tributar. Dessa forma, é
possível afirmar que a CIDE é um instrumento de intervenção, mas não é o único.
Para que esta possa atuar, é preciso que respeite a todos os princípios
constitucionais, dentre eles o da repartição de competências, impedindo a sua
incidência sobre fatos jurídicos tributários de competência dos Estados-membros e
dos Municípios. Se o setor que demande uma intervenção possuir, em tese, a
materialidade ou a base de cálculo de tributos dos demais entes, a União e até
mesmo os demais entes deverão se utilizar de outros meios de intervenção
colocados à sua disposição.
3.4 DA CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTE SOBRE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS
O setor de importação e comercialização de petróleo, de seus derivados, de
gás natural e de seus derivados são atividades de monopólio da União, nos termos
do art. 177, CF344. Contudo, desde a edição da EC nº 09/95, o regime de monopólio
foi relativizado, de forma que a Constituição Federal autorizou a União a conceder,
344 Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.
155
mediante concessão ou autorização345, o desenvolvimento das atividades de
pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, refinação, importação e exportação de
petróleo e derivados, bem como o transporte desses produtos. A intervenção do
Estado no setor petrolífero acaba por ser realizada na forma de exploração direta da
atividade, agindo como verdadeiro empresário nos segmentos que demandam uma
participação estatal em virtude dos imperativos de segurança nacional, aliados aos
demais princípios constitucionais da ordem econômica e atuando como agente
regulador das condutas dos particulares que possuem a concessão ou autorização
da exploração da atividade petrolífera; ele é, ainda, agente regulador dos demais
atores econômicos responsáveis pela produção do álcool combustível, nos termos
do art. 174, CF, ao regular as condutas realizadas pelos particulares na execução de
suas atividades econômicas, de forma a promover o equilíbrio dos princípios
constitucionais da ordem econômica.
Como forma de intervenção indireta, a Agência Nacional do Petróleo – ANP
realiza as atividades de normatização, quando edita atos administrativos
relacionados ao segmento em que intervém, e atos de fiscalização, em razão da
execução de medidas destinadas ao controle da qualidade do produto importado ou
comercializado. Para tal desiderato, é necessário angariar recursos, os quais são
(ou deveriam ser) arrecadados pela contribuição de intervenção que incide sobre o
setor. Essas contribuições são tributos caracterizados pela finalidade de intervirem
no domínio econômico, de forma efetiva, destinando integralmente o produto de sua
arrecadação à realização da intervenção; criadas por lei ordinária, elas possuem
como hipótese de incidência a previsão de recair sobre fatos econômicos da esfera
de competência da União. Dentre as contribuições de intervenção no domínio
econômico, merece destaque a CIDE incidente sobre as operações de petróleo e
derivados, gás natural e derivados e álcool combustível, também conhecida como
CIDE combustíveis.
Sendo assim, é preciso realizar uma análise do instrumento introdutor da
referida contribuição no ordenamento jurídico, consubstanciado na Emenda
345 A lei que possibilitou o exercício dessas atividades é a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, que, em seu art. 5º, dispõe: Art. 5º As atividades econômicas de que trata o artigo anterior serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.
156
Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2.001, o que se passa a expor.
3.4.1 Da Emenda Constitucional nº 33/01
A EC nº 33/01 inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao positivar o §2º, II
do art. 149, CF346, possibilitando a incidência de contribuição de intervenção no
domínio econômico sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e
derivados e álcool combustível. É o marco inicial da contribuição interventiva
incidente sobre combustíveis e derivados, possibilitando ao legislador ordinário a
instituição de leis ordinárias para a criação do tributo. Conforme já delineado, as
contribuições interventivas possuem finalidade de regulação das atividades
econômicas, de forma a se preservar os princípios constitucionais da ordem
econômica. Poderão ser criadas para custear atividades de fiscalização ou incentivo
de determinado segmento, quando não esteja atuando de acordo com os ditames
constitucionais. Sem embargos, é despiciendo a previsão constitucional introduzida
pela EC n. 33/01, consubstanciada no inciso II do §2º do art. 149, CF, pois a carta
Constitucional, no caput do art. 149, já trouxe o principal requisito para a instituição
da CIDE, qual seja, a finalidade, não sendo necessária a previsão constitucional de
alguma materialidade para a sua incidência, o que ficará a cargo do legislador
ordinário347. A redação do §2º, II, do art. 149, CF foi novamente alterada pela EC nº
42/03, afirmando que as contribuições de intervenção incidirão também sobre a
importação de produtos estrangeiros ou serviços. Mais uma vez o legislador trouxe
atributo desnecessário ao estudo do instituto, pois, embora tenha retirado a previsão
de incidência sobre a importação de combustíveis, manteve a materialidade do fato
econômico a sofrer a incidência do tributo, agora não mais sobre combustível, mas
sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços, na tentativa de alargar
ainda mais a materialidade da incidência deste, o que não é necessário para a sua
346 Art. 149. (...) (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) II - poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível; 347 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 546.
157
caracterização, conforme já explicitado, tendo em vista que o caput do art. 149 do
Texto Constitucional já trouxe o elemento essencial para a criação desse tributo,
qual seja, a finalidade interventiva.
Em relação ao §2º do art. 149, CF, cabe ainda tecer elogios ao legislador
constituinte derivado ao criar norma de imunidade à incidência da CIDE, positivada
no inciso I do referido artigo, afirmando que as contribuições de intervenção não
incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação, de forma a incentivar a
exportação de produtos que poderiam vir a sofrer a incidência do tributo interventivo
nas operações de exportação.
O §2º do art. 149, CF ainda traz o inciso III, o qual afirma que as
contribuições interventivas poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o
faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o
valor aduaneiro; ou b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.
Assim, o Texto Constitucional sedimenta a possibilidade das alíquotas incidirem
sobre bases de cálculo estipuladas em valores, os quais poderão ser o faturamento,
a receita bruta, o valor da operação ou o valor aduaneiro, no caso de importação; ou
ainda, incidirem sobre bases de cálculo especificadas por peso, quantidade ou
volume.
A EC nº 33/01 ainda promoveu alteração no §3º do art. 155, CF, relacionado
com a incidência do ICMS. Imposto incidente sobre a circulação de mercadorias e
serviços de telecomunicação e transportes intermunicipais e interestaduais, o ICMS
é tributo de competência do Estado-membro da Federação. A redação original do
§3º do art. 155, CF afirmava que, à exceção dos impostos de que tratam o inciso I,
b, do "caput" deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo incidirá sobre
operações relativas a energia elétrica, combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes
e minerais do País. Verifica-se que o legislador constituinte originário, ao estabelecer
a repartição de competências tributárias, trouxe uma limitação ao legislador
ordinário, ao afirmar que não se poderá tributar combustíveis, líquidos e gasosos, e
lubrificantes, com outro tributo, sendo possível apenas a incidência do ICMS (na
redação original estava sedimentado no art. 155, I, b, CF) e dos impostos de
importação e exportação (art. 153, I e II, CF). Observa-se, assim, uma verdadeira
158
limitação constitucional ao poder de tributar, impedindo a incidência de tributos sobre
esses fatos jurídicos tributários, configurando-se como verdadeira garantia
constitucional do contribuinte, de forma que esses fatos econômicos estariam
imunes à incidência de outros tributos que não fossem o ICMS e os impostos de
importação e exportação.
Com a Emenda Constitucional de revisão de nº 3/93, o art. 155, § 3º, CF348
sofreu uma pequena alteração, adequando a disposição acerca da localização do
ICMS dentro do Texto Constitucional e inserindo os serviços de comunicação e as
operações relativas a produtos derivados do petróleo como fatos jurídicos que
estariam também imunes à incidência dos demais tributos. Essa alteração
constitucional apenas aumentou as hipóteses de imunidade, guardando respeito aos
princípios e demais garantias constitucionais do contribuinte, estando em total
conformidade com o ordenamento constitucional positivado pelo legislador
constituinte originário.
Entretanto, os elogios ao legislador constituinte derivado param por aqui.
Com a entrada em vigor da EC n. 33/01, o §3º do art. 155 da CF349 foi novamente
alterado, com a supressão da palavra tributo e a inserção, no Texto Constitucional,
da expressão imposto. Dessa forma, o legislador alterou drasticamente a
imunidade350 prevista no art. 155, §3º, CF, reduzindo o seu campo de incidência, na
medida em que possibilita que outras formas de tributos, diferentes de impostos,
possam incidir sobre as operações e serviços ali descritos. Em outros termos, abriu
caminho para que o Estado pudesse fazer incidir contribuições especiais, dentre
elas a de intervenção, sobre as operações de combustíveis e derivados. 348 § 3.º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. (grifamos) 349 § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. (grifamos) 350 As imunidades tributárias são limitações constitucionais ao poder de tributar que incidem na regra de competência do ente tributante, tolhendo a sua capacidade de criar tributos sobre determinados fatos jurídicos que, em tese, poderiam suportar a exação. Basicamente estão inseridas no art. 150, VI do Texto Constitucional, mas há outras espalhadas pela Constituição, como é o caso da inserida no art. 155, §3º, CF. DERZI, Misabel. In BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 282, conceitua o instituto como a regra expressa na Constituição (ou implicitamente necessária), que estabelece a não competência das pessoas políticas da Federação de tributarem certos fatos ou situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário.
159
Outra inovação introduzida pela EC n. 33/01 foi a positivação do §4º ao art.
177 do Texto Constitucional351, estipulando as diretrizes acerca da contribuição de
intervenção no domínio econômico incidente sobre combustíveis e seus derivados,
trazendo suas finalidades, bem como a possibilidade de alteração de alíquotas pelo
Poder Executivo e a não-observância do princípio da anterioridade. Seguindo os
trilhos da argumentação utilizada até o momento, observa-se a desnecessidade de
alteração do Texto Constitucional no tocante à estipulação das finalidades
específicas da CIDE combustíveis, visto que essa tarefa compete ao legislador
ordinário, no momento da criação da lei instituidora do tributo. A Constituição
Federal já trouxe a finalidade da contribuição interventiva: intervir no domínio
econômico de forma a implementar os princípios constitucionais da ordem
econômica. Trazer finalidades específicas, de interpretação e competência do
legislador infraconstitucional, é tarefa desnecessária, que somente serve para
atabalhoar o Texto Constitucional, já tão criticado por sua prolixidade.
A EC nº 33/01 abriu as portas para a incidência do tributo sobre os
combustíveis e seus derivados, possibilitando ao legislador infraconstitucional editar
as leis necessárias para que a exação pudesse adentrar o ordenamento jurídico
brasileiro, por meio da edição das leis 10.336, de 19 de dezembro de 2001 e 10.636,
de 30 de dezembro de 2002, as quais serão analisadas a seguir.
351 Art. 177. Constituem monopólio da União: (...) § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; II - os recursos arrecadados serão destinados a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.
160
3.4.2 As Leis nº 10.336/01 e nº 10.636/02: Instrumentos de Positivação da Incidência
da CIDE e de suas Finalidades
A Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001352 sedimentou no mundo
jurídico a contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre
petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool combustível. Como toda
contribuição interventiva, foi criada por lei ordinária, na tentativa de vir a regular
determinado setor da economia. Nessa esteira, assim como previsto no §2º, II do art.
149 e art. 177, §4º, ambos da Constituição Federal, a Lei nº 10.366, de 19 de
dezembro de 2001 sedimentou a cobrança de um tributo com vistas a incidir sobre
fatos do setor econômico relacionados com o campo petrolífero, gás natural e álcool
combustível, de forma a sanar eventuais externalidades negativas ou promover
externalidades positivas relacionadas a esse grupo econômico.
Faz-se necessária a análise da referida lei, procurando o enquadramento da
CIDE combustíveis dentro dos critérios da regra-matriz de incidência tributária, de
forma a sistematizar o instituto.
3.4.2.1 Critério Material
O art. 1º da Lei nº 10336/01 determina que a contribuição de intervenção no
domínio econômico incidirá sobre a importação e a comercialização de petróleo e
seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico. Dessa forma, o art. 1º
da referida lei estipulou quais são os critérios materiais da hipótese de incidência
tributária da CIDE em foco. O critério material, conforme já descrito, é formado por
um verbo e seu complemento. Cada fato jurídico está previsto em uma hipótese de
incidência e, desse modo, cada critério material se refere a apenas um fato jurídico
tributário. Sendo assim, para cada critério material haverá só um fato jurídico
tributário que produzirá apenas uma relação jurídica obrigacional. Por conseguinte,
para cada fato jurídico tributário haverá apenas uma norma jurídica de incidência
tributária.
352 Lei esta que passará a ser designada tão somente de Lei nº 10.336/01 no decorrer do presente trabalho.
161
Ao se buscar o critério material da CIDE combustíveis, depara-se com
alguns critérios materiais, pois o art. 1º afirma incidir a contribuição de intervenção
no domínio econômico sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico. Entretanto, o art. 3º da
referida lei353 delimitou o critério material da hipótese de incidência, pois estabeleceu
quais serão os derivados de petróleo sobre os quais a CIDE sub examine irá incidir.
Primeiramente, observa-se que há uma impropriedade na redação da lei,
pois seu art. 1º afirma que a contribuição de intervenção no domínio econômico irá
incidir sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados, e álcool etílico. Entretanto, o art. 3º, ao delimitar o tema,
não menciona o bem petróleo, mas apenas seus subprodutos e derivados. Com
isso, a CIDE não poderá incidir sobre a importação e comercialização de petróleo,
embora assim o afirme o art. 1º da Lei nº 10.336/01, pois seu art. 3º não prestigia
essa commodity como complemento do critério material da hipótese e, ainda, a base
de cálculo também não lhe faz referência ao medir o critério material da hipótese,
conforme se verá adiante.
É possível encontrar os seguintes critérios materiais da contribuição em
análise: importar gasolina; importar correntes de gasolina; importar diesel; importar
correntes de diesel; importar querosene de aviação; importar outros querosenes;
importar óleos combustíveis (fuel-oil); importar gás liquefeito de petróleo354; importar
gás liquefeito derivado de gás natural; importar gás liquefeito derivado de nafta;
importar álcool combustível. Comercializar gasolina; comercializar correntes de
gasolina; comercializar diesel; comercializar correntes de diesel; comercializar
querosene de aviação; comercializar outros querosenes; comercializar óleos
353 Art. 3o A Cide tem como fatos geradores as operações, realizadas pelos contribuintes referidos no art. 2o, de importação e de comercialização no mercado interno de: I – gasolinas e suas correntes; II - diesel e suas correntes; III – querosene de aviação e outros querosenes; IV - óleos combustíveis (fuel-oil); V - gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta; e VI - álcool etílico combustível. § 1o Para efeitos dos incisos I e II deste artigo, consideram-se correntes os hidrocarbonetos líquidos derivados de petróleo e os hidrocarbonetos líquidos derivados de gás natural utilizados em mistura mecânica para a produção de gasolinas ou de diesel, de conformidade com as normas estabelecidas pela ANP. 354 Comumente chamado de GLP, é o gás encontrado nos botijões de cozinha.
162
combustíveis (fuel-oil); comercializar gás liquefeito de petróleo; comercializar gás
liquefeito derivado de gás natural; comercializar gás liquefeito derivado de nafta e
comercializar álcool combustível.
3.4.2.2 Critério Espacial
Conforme já afirmado anteriormente, o critério espacial é o lugar onde o fato
jurídico tributário ocorreu. Tem por finalidade determinar qual é o local do
nascimento da obrigação tributária, bem como qual é o ente estatal detentor da
competência para a cobrança do Tributo. O art. 149 da CF, ao permitir a criação das
contribuições de intervenção no domínio econômico, afirmou categoricamente ser de
competência privativa da União a instituição do tributo. Portanto, trata-se de lei
federal, devendo ser respeitada em todo o território brasileiro. Por conseguinte, o
critério espacial é todo o território brasileiro, onde se realize um dos critérios
materiais da contribuição interventiva.
3.4.2.3 Critério Temporal
Uma vez determinada qual é a conduta jurídica capaz de gerar uma
obrigação tributária e qual é lugar no qual essa conduta se realizou, cumpre agora
delimitar quando o fato jurídico tributário ocorreu. O art. 6º da Lei nº 10.336
determina que, na hipótese de importação, o pagamento da Cide deve ser efetuado
na data do registro da Declaração de Importação. Seu parágrafo único, positiva que,
no caso de comercialização, no mercado interno, a Cide devida será apurada
mensalmente e será paga até o último dia útil da primeira quinzena do mês
subseqüente ao de ocorrência do fato gerador. Uma leitura apressada do texto legal
pode induzir o intérprete a acreditar que o critério temporal da CIDE incidente sobre
combustíveis e derivados é a data do registro da declaração da importação – no
caso de importação do produto – ou no último dia útil da primeira quinzena do mês
subseqüente ao seu apuramento – comercialização. Entretanto, o critério temporal
da hipótese de incidência será o dia da importação do produto ou da sua
comercialização. Os tempos e prazos previstos no art. 6º da lei em análise são
meras políticas administrativas, deveres instrumentais exigidos do contribuinte para
facilitar a fiscalização e a arrecadação do tributo. O que se deve observar é que o
163
critério temporal é a data do nascimento do fato jurídico e este ocorre com a
importação ou a comercialização do produto.
3.4.2.4 Critério Pessoal
Uma vez determinados os três critérios identificadores do fato jurídico
tributário, ocorre a subsunção deste à hipótese, gerando a relação jurídica
obrigacional tributária. Para se identificar a relação jurídica tributária, faz-se
necessário identificar seu critério pessoal, para que se possa determinar quem será
o sujeito de direito e sobre quem recairá o dever de pagar a obrigação.
Conforme dispõe o art. 149, caput da CF, a União é o ente estatal detentor
da competência para instituir as contribuições de intervenção no domínio econômico.
Desse modo, pode-se afirmar que o sujeito ativo da obrigação tributária é a União
Federal, competindo à Secretaria da Receita Federal a administração e a
fiscalização do cumprimento da obrigação (art. 13 da Lei nº 10.336/01).
Com relação ao sujeito passivo da relação jurídica, encontra-se a figura do
contribuinte e do responsável tributário, nos moldes dos art. 2º e 11 da Lei nº
10.336/01355. O contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário,
guardando relação direta com a sua ocorrência, nos termos do art. 121, parágrafo
único, I do CTN. Já o responsável será qualquer pessoa obrigada ao pagamento da
obrigação, desde que tenha uma relação indireta com a realização do fato jurídico
tributário (art. 121, parágrafo único, II, c/c art. 128, ambos do CTN). Nada obstante,
serão sujeitos passivos do tributo, na qualidade de contribuintes, o produtor, o
355 Art. 2o São contribuintes da Cide o produtor, o formulador e o importador, pessoa física ou jurídica, dos combustíveis líquidos relacionados no art. 3o. Parágrafo único. Para efeitos deste artigo, considera-se formulador de combustível líquido, derivados de petróleo e derivados de gás natural, a pessoa jurídica, conforme definido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) autorizada a exercer, em Plantas de Formulação de Combustíveis, as seguintes atividades: I - aquisição de correntes de hidrocarbonetos líquidos; II - mistura mecânica de correntes de hidrocarbonetos líquidos, com o objetivo de obter gasolinas e diesel; III - armazenamento de matérias-primas, de correntes intermediárias e de combustíveis formulados; IV - comercialização de gasolinas e de diesel; e V - comercialização de sobras de correntes. Art. 11. É responsável solidário pela Cide o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora.
164
formulador e o importador de gasolina e suas correntes, diesel e suas correntes, gás
liquefeito derivado de petróleo, gás natural e nafta, além de álcool combustível. Por
sua vez, será sujeito passivo, na condição de responsável tributário, o adquirente de
mercadoria importada, caso não seja ele o próprio importador, o que o qualificaria
como contribuinte.
3.4.2.5 Critério Quantitativo
O critério quantitativo é a forma de se identificar qual será o valor exato do
objeto da relação jurídica. Isto é, é a delimitação da quantia a ser paga a título de
contribuição. Como forma de identificação dessa quantia, faz-se necessária a
conjugação de dois elementos: a base de cálculo e a alíquota. A base de cálculo da
CIDE incidente sobre combustíveis e derivados é a unidade de medida adotada para
os produtos relacionados no art. 3º, quando da sua importação ou comercialização
no mercado interno, nos termos do art. 4º da Lei 10.366/01356. Ou seja, é a
quantidade importada ou comercializada no mercado interno, em metros cúbicos, de
gasolina e suas correntes, diesel e suas correntes, querosene de aviação e outros
querosenes, óleos combustíveis (fuel-oil), gás liquefeito de petróleo, gás liquefeito
derivado de gás natural e de nafta, e álcool combustível.
Como se pode observar, a base de cálculo da CIDE mede o critério material
da hipótese de incidência, na medida em que afirma qual é esse critério material,
pois ele é formado pelos verbos importar ou comercializar os produtos descritos no
art. 3º da Lei 10.336/01 e aquela é a quantidade do produto – descrito no art. 3º -
importado ou comercializado.
Já a alíquota será uma unidade específica, variando para cada modalidade
de produto, de acordo com o art. 5º da Lei 10.336/01357. Observa-se que o legislador
356 Art. 4o A base de cálculo da Cide é a unidade de medida adotada nesta Lei para os produtos de que trata o art. 3o, na importação e na comercialização no mercado interno. 357 A redação original do art. 5º da Lei nº 10.336/01 era a seguinte: Art. 5o A Cide terá, na importação e na comercialização no mercado interno, as seguintes alíquotas específicas: I – gasolinas, R$ 501,10 por m³; II – diesel, R$ 157,80 por m³; III - querosene de aviação, R$ 32,00 por m³; IV - outros querosenes, R$ 25,90 por m³; V - óleos combustíveis (fuel oil), R$ 11,40 por t; VI - gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta, R$ 136,70 por t; VII - álcool etílico combustível, R$ 29,20 por m³. Posteriormente, teve sua redação alterada pela Lei nº 10.636/02, passando a possuir a seguinte redação: Art. 5o A Cide terá, na importação e na comercialização no
165
ordinário elegeu as alíquotas específicas em detrimento das ad valorem, ambas
previstas no Texto Constitucional (art. 149, §2º, III, CF), sendo essa opção a mais
adequada para os produtos materializados na hipótese de incidência358. Entretanto,
o Texto Constitucional, em seu Art. 177, § 4º, I, b, autoriza o Órgão Executivo a
alterar o valor das alíquotas, sem a necessidade da edição de uma lei específica e,
ainda, sem a necessidade de se respeitar o princípio da anterioridade, questões
estas que serão oportunamente analisadas mais adiante. Por conseguinte, as
alíquotas desta CIDE podem sofrer constantes modificações por parte do Executivo,
de acordo com sua conveniência e oportunidade, mediante a simples expedição de
um Decreto359 por esse Poder.
Pode-se afirmar que a CIDE está gerando efeitos apenas sobre a gasolina e
suas correntes – R$280,00 por metro cúbico – e o óleo diesel e suas correntes –
R$70,00 por metro cúbico – pois, em relação aos outros produtos, a alíquota é zero
e, nesse caso, não há obrigação tributária, uma vez que não haverá valor a ser
pago, tratando-se de uma espécie de isenção tributária360.
3.4.2.6 Das Finalidades da CIDE Combustíveis
Vistos os elementos necessários para a construção da norma jurídica de
incidência das contribuições de intervenção no domínio econômico incidentes sobre
combustíveis, ainda é necessário analisar as finalidades trazidas pelas Leis nº
mercado interno, as seguintes alíquotas específicas: I – gasolina, R$ 860,00 por m³; II – diesel, R$ 390,00 por m³; III – querosene de aviação, R$ 92,10 por m³; IV – outros querosenes, R$ 92,10 por m³; V – óleos combustíveis com alto teor de enxofre, R$ 40,90 por t; VI – óleos combustíveis com baixo teor de enxofre, R$ 40,90 por t; VII – gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e da nafta, R$ 250,00 por t; VIII – álcool etílico combustível, R$ 37,20 por m³. 358 MARTINS, Marcelo Guerra. Impostos e Contribuições Federais: sistemática, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 571. 359 Decreto nº 4.940/03; 4.595/03 e, atualmente, 5.060/04, que traz a seguinte redação em seu art. 1º: Art. 1º As alíquotas específicas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (CIDE), previstas no art. 5º da Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001, ficam reduzidas para: I - R$ 280,00 (duzentos e oitenta reais) por metro cúbico de gasolinas e suas correntes; II - R$ 70,00 (setenta reais) por metro cúbico de diesel e suas correntes. Parágrafo único. Ficam reduzidas a zero as alíquotas de que trata o caput, aplicáveis a: I - querosene de aviação; II - demais querosenes; III - óleos combustíveis com alto teor de enxofre; IV - óleos combustíveis com baixo teor de enxofre; V - gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta; e VI - álcool etílico combustível. 360 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 491-492.
166
10.336/01 e 10.636, de 30 de dezembro de 2002361, vez que as finalidades são
requisitos fundamentais de validade dos tributos interventivos. Ou seja, após a
construção da regra de incidência, ainda é necessária a verificação da finalidade a
que se destina o tributo, de forma a caracterizá-lo ou não como contribuição.
O §1º do art. 1º da Lei nº 10.336/01 traz as finalidades da contribuição em
análise. Afirma que a destinação do produto da arrecadação deverá ser direcionada
ao I – pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás
natural e seus derivados e de derivados de petróleo; II – financiamento de projetos
ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e III – financiamento
de programas de infra-estrutura de transportes, conforme dotação orçamentária.
Verifica-se que, embora a lei tenha trazido a finalidade da exação tributária, relegou
à lei do orçamento a sua destinação às finalidades acima referidas. Essas
finalidades também estão presentes no art. 177, §4º, II da CF, atuando a lei como
complementadora das finalidades constitucionais, as quais, conforme já afirmado
anteriormente, não precisariam estar positivadas no Texto Constitucional, eis que é
de competência do legislador ordinário a delimitação dessas finalidades, dentro da
natureza interventiva.
Observa-se que a CIDE combustíveis possui como finalidade a intervenção
no domínio econômico, a qual se materializa por meio da destinação de seus
recursos ao pagamento de subsídios a combustíveis; por meio do financiamento de
projetos ambientais relacionados com as indústrias do petróleo e do gás natural;
além do financiamento de programas de infra-estrutura de transportes de todas as
modalidades existentes (terrestre, lacustre, marítimo e aéreo). Ainda é necessário
destacar que seu §2º afirma que durante o ano de 2002, será avaliada a efetiva
utilização dos recursos obtidos da Cide, e, a partir de 2003, os critérios e diretrizes
serão previstos em lei específica. Ou seja, instituída em dezembro de 2001, a CIDE
seria arrecadada durante todo o período de 1º de janeiro (art. 16) até o final do ano
de 2002, sem uma orientação planejada, o que somente seria realizado a partir de
2003, quando se determinariam seus critérios e diretrizes mediante lei específica, a
qual foi editada em 30 de dezembro de 2002, de nº 10.636. A referida lei determina
361 Lei esta que passará a ser designada como Lei nº 10.636/02.
167
que a aplicação do produto da arrecadação da Cide incidente sobre a importação e
a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e
álcool etílico combustível atenderá às destinações determinadas pelo inciso II do §
4o do art. 177 da Constituição e obedecerá aos critérios e diretrizes estabelecidos
nesta Lei (art. 2º), sendo que, a partir do exercício de 2003, os recursos
provenientes de arrecadação da Cide não poderão ser destinados a pagamentos de
quaisquer saldos devedores referentes à Conta Petróleo, instituída pela Lei no 4.452,
de 5 de novembro de 1964, e extinta nos termos do art. 74 da Lei no 9.478, de 6 de
agosto de 1997 (parágrafo único do art. 3º).
Sem embargos, é possível verificar que a instituição da CIDE combustíveis
foi positivada pela Lei nº 10.336/01, mas sua finalidade somente veio a ser
sedimentada com a positivação da Lei nº 10.636/02, pois nesse período o produto
da arrecadação do tributo foi destinado ao orçamento-geral da União, ao qual se
atribui a competência para destinar esses recursos à realização de despesas
diversas. Também se verifica flagrante inconstitucionalidade das normas em análise,
visto que a lei que instituir a contribuição de intervenção no domínio econômico
deverá trazer especificadamente quais são as finalidades a serem atendidas pela
contribuição, bem como a destinação do produto de sua arrecadação ao
cumprimento de suas finalidades362. Assim, ao se outorgar à Lei Orçamentária a
competência para determinar a destinação de suas receitas, incorreu-se em vício de
inconstitucionalidade363, o que já foi objeto de apreciação pelo STF364. Dessa forma,
qualquer atribuição diversa da destinação do produto da arrecadação do tributo
interventivo será maculada pelo vício da inconstitucionalidade.
362 No mesmo sentido, DIAS, Juarez Sanfelice. A contribuição incidente sobre o setor petrolífero e a destinação prevista na lei federal nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 90. São Paulo, março de 2003. p. 76. 363 No mesmo sentido, CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 543. 364LEI ORÇAMENTÁRIA - CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS, GÁS NATURAL E DERIVADOS E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL - CIDE - DESTINAÇÃO - ARTIGO 177, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas "a", "b" e "c" do inciso II do citado parágrafo. (STF. ADIn nº 2925/DF, DJ 04-03-2005).
168
Passa-se à análise das finalidades específicas da CIDE combustíveis.
O art. 177, §4º, II, a, CF, bem como o art. 1º, §, I da Lei nº 10.336/01
determinam que o produto da arrecadação da CIDE combustíveis será destinado ao
pagamento de subsídios ao preço ou transporte de álcool combustível, gás natural e
derivados e derivados de petróleo. Assim, a contribuição tem como hipótese de
incidência a importação e comercialização de combustíveis e derivados, de forma a
intervir nesse segmento da seara econômica, buscando como primeira finalidade o
subsídio nos preços e transportes dos referidos combustíveis. A necessidade da
intervenção sedimenta sua fundamentação na importância dos combustíveis fósseis
ou não para o desenvolvimento do país, de forma que os combustíveis viabilizam o
deslocamento de bens e de pessoas por todo território nacional, escoando a
produção agrícola e industrial para a exportação, além de viabilizar a manutenção e
desenvolvimento do mercado interno, mediante o atendimento do varejo com os
produtos da indústria e também da agricultura.
A segunda finalidade da contribuição de intervenção no domínio econômico
incidente sobre combustíveis é o financiamento de projetos ambientais relacionados
com a indústria do petróleo e do gás (art. 177, §4º, II, b, CF e art. 1º, §1º, II da Lei nº
10.336/01). A preocupação ambiental é reflexo do desenvolvimento da sociedade.
Fruto do processo de industrialização e urbanização desenfreadas, a degradação do
meio ambiente atingiu patamares alarmantes, de forma que compete ao Poder
Público estipular medidas de contenção e de preservação do meio ambiente. Direito
constitucionalmente protegido365, o meio ambiente precisa ser preservado de forma
a se viabilizar a vida das futuras gerações no planeta. Da leitura do art. 170, VI,
observa-se que a preservação ambiental é princípio da ordem econômica,
orientando as condutas dos agentes econômicos para que realizem suas atividades
de forma a preservar o meio ambiente, procurando evitar a geração de
externalidades negativas, sob pena de intervenção. Nessa vertente preservacionista,
a CIDE combustíveis inova no ordenamento jurídico como o primeiro tributo com
365 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
169
características ecológicas366. Como forma de regulamentar a utilização dos recursos
da CIDE para sua finalidade ecológica, o art. 4º da Lei nº 10.636/02 afirma que
esses recursos serão administrados pelo Ministério do Meio Ambiente e abrangerão
as atividades de: I – o monitoramento, controle e fiscalização de atividades efetiva
ou potencialmente poluidoras; II – o desenvolvimento de planos de contingência
locais e regionais para situações de emergência; III – o desenvolvimento de estudos
de avaliação e diagnóstico e de ações de educação ambiental em áreas
ecologicamente sensíveis ou passíveis de impacto ambiental; IV – o apoio ao
desenvolvimento de instrumentos de planejamento e proteção de unidades de
conservação costeiras, marinhas e de águas interiores; V – o fomento a projetos
voltados para a preservação, revitalização e recuperação ambiental em áreas
degradadas pelas atividades relacionadas à indústria de petróleo e de seus
derivados e do gás e seus derivados; VI – o fomento a projetos voltados à gestão,
preservação e recuperação das florestas e dos recursos genéticos em áreas de
influência de atividades relacionadas à indústria de petróleo e de seus derivados e
do gás e seus derivados. VII - o fomento a projetos voltados à produção de
biocombustíveis, com foco na redução dos poluentes relacionados com a indústria
de petróleo, gás natural e seus derivados, esta última incluída pela Lei nº 11.097/05.
Observa-se que os recursos destinados pela CIDE à preservação ambiental serão
aplicados em programas de controle de emissão de poluentes, em educação
ambiental, em projetos de recuperação ambiental e em incentivo a pesquisas que
busquem fontes alternativas de combustíveis renováveis e menos poluentes, de
forma a possibilitar uma utilização racional do meio ambiente, promovendo o
desenvolvimento sustentável das ações econômicas em conjunto com o Poder
Público.
A terceira finalidade atinente ao tributo em estudo é o financiamento de
programas de infra-estrutura de transportes (art. 177, §4º, II, c, CF e art. 1º, §1º, III
da Lei 10.336/01). O sistema de transportes apresenta grande importância no
desenvolvimento econômico do país, possibilitando a circulação de bens e de
serviços por todo território nacional. Ademais, oferta meios para que a sociedade
366 Cf. ROSEMBLATT, Paulo. Limitações constitucionais à instituição de contribuição de intervenção ambiental. In Revista de Direito Ambiental. N. 36. São Paulo: nov./dez. 2004. p. 168-192; e FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil – a contribuição de intervenção da Emenda 33/2001. In Revista de Direito Ambiental. N. 31. São Paulo: jul./set. 2003. p. 167-172.
170
possa se locomover dentro do cenário globalizado. Procurando viabilizar o
desenvolvimento econômico, a CIDE destina parcela de sua receita ao custeio de
projetos de infra-estrutura de transportes em todos os seus segmentos367, mediante
a criação do Fundo Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – FNIT, vinculado ao
Ministério dos Transportes (art. 10 da Lei nº 10.636/02).
Analisados os principais pontos atinentes às leis instituidoras da contribuição
interventiva incidente sobre combustíveis, é necessário averiguar se os pontos
levantados até aqui estão em conformidade com os princípios e demais comandos
Constitucionais, de forma a verificar se a CIDE em análise encontra ou não
fundamento de validade no Texto Constitucional.
3.4.3 Análise da CIDE Combustíveis à Luz do Texto Constitucional
As contribuições de intervenção no domínio econômico são tributos que
incidem sobre fatos da vida particular do cidadão ou como contraprestação de uma
atividade vinculada ao Estado. Suas receitas não precisam ser restituídas em data
futura e, ainda, necessitam destinar esses recursos a uma atividade específica. Por
serem tributos, precisam respeitar todos os comandos normativos e demais
preceitos fundamentais inseridos no sistema tributário nacional, em especial os
princípios constitucionais tributários e as imunidades tributárias. Dessa forma, é
necessário realizar um estudo aprofundado da contribuição interventiva incidente
sobre combustíveis e seus derivados, de forma a verificar se o tributo cumpre ou não
com os mandamentos constitucionais. Em outras palavras, é necessário verificar se
a CIDE combustíveis, introduzida pela EC nº 33/01 e instituída pelas Leis nº
10.336/01 e 10636/02, encontra fundamento de validade na Constituição, ou se é
um tributo inconstitucional, o que se passa a expor.
367 O art. 6º da Lei 10.636/02 traz quais são os objetivos da CIDE ao direcionar recursos para o sistema de transportes. Art. 6o A aplicação dos recursos da Cide nos programas de infra-estrutura de transportes terá como objetivos essenciais a redução do consumo de combustíveis automotivos, o atendimento mais econômico da demanda de transporte de pessoas e bens, a segurança e o conforto dos usuários, a diminuição do tempo de deslocamento dos usuários do transporte público coletivo, a melhoria da qualidade de vida da população, a redução das deseconomias dos centros urbanos e a menor participação dos fretes e dos custos portuários e de outros terminais na composição final dos preços dos produtos de consumo interno e de exportação.
171
3.4.3.1 Suas Finalidades não são Interventivas
Já foi observado nos tópicos anteriores que as contribuições de intervenção
possuem como finalidade a intervenção em uma parcela da atividade econômica, de
forma a extinguir a existência de externalidades negativas ou para fomentar a
geração de externalidades positivas, para que se preserve os princípios
constitucionais da ordem econômica. Assim, a autorização para a instituição do
tributo interventivo sedimenta-se no desrespeito a algum dos princípios esculpidos
no art. 170 do Texto Constitucional, servindo esse tributo como o meio necessário
para restabelecer o status quo ante.
A lei ordinária que criar o tributo precisará trazer as finalidades a que ele se
destina, de forma a legitimar sua cobrança e, ainda, possibilitar ao intérprete analisar
se essas atividades se coadunam ou não com a finalidade interventiva. Ao se
verificar a CIDE combustíveis, observa-se que suas finalidades foram introduzidas
pela EC nº 33/01, ao acrescentar o §4º ao art. 177 do Texto Constitucional368.
Ademais, foram ainda positivadas no art. 1º, §1º da Lei nº 10.336/01 e disciplinadas
pela Lei nº 10.636/02, conforme visto acima. Contudo, é necessário um exame
detalhado de suas finalidades, verificando se realmente são atividades interventivas
ou não, e ainda, se possibilitam a intervenção ou se são meros disfarces para
legitimar mais um tributo com finalidade meramente arrecadatória para o Estado.
A primeira finalidade a que se destinam os recursos da contribuição de
intervenção no domínio econômico incidente sobre combustíveis e derivados diz
respeito ao pagamento de subsídios a preços e transportes de combustíveis e seus
derivados. O setor de transportes possui importância ímpar para o desenvolvimento
do Estado, na medida em que ele viabiliza o escoamento da produção, gerando
riquezas, empregos, distribuindo renda e contribuindo para o desenvolvimento da
roda da economia. Dessa forma, possuem uma função social na busca pelo
desenvolvimento e pelos demais princípios inseridos no art. 3º do Texto
Constitucional. Por essa razão, os preços dos combustíveis influem diretamente na
promoção dessas atividades, o que justifica a intervenção do Estado, em face
368 Cf. crítica acerca da desnecessidade da positivação das finalidades da CIDE combustíveis na Constituição no tópico sobre a EC nº 33/01.
172
principalmente da volatilidade dos preços dos combustíveis e da grande
dependência do mercado em relação ao petróleo. Por representarem segmento
estratégico para o desenvolvimento do Estado e por sofrerem grandes flutuações em
seus preços, as atividades com combustíveis não conseguem manter os princípios
da ordem econômica de forma equilibrada, pois este segmento sofre não só grandes
oscilações em virtude do mercado internacional, como também outras
externalidades negativas dos detentores do monopólio mundial do produto. Tais
externalidades acabam por ferir os princípios da soberania nacional e da redução
das desigualdades sociais (art. 170, I e VII, CF), além do princípio da garantia do
desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF), viabilizadores da justiça social.
A atividade de pagamento de subsídios aos preços de combustíveis ou
transportes de combustíveis é uma finalidade interventiva, o que legitima, a princípio,
a atuação da União no segmento econômico de importação e comercialização de
combustíveis, na busca pela preservação dos princípios constitucionais. Contudo, é
necessário observar como a lei instituidora do tributo prevê a destinação do produto
da arrecadação da CIDE em análise para o cumprimento dessa finalidade.
Já foi observado que a CIDE funciona como instrumento de arrecadação de
recursos para o custeio da atividade de intervenção. Para tanto, a destinação do
produto da arrecadação precisa ser revertida para o cumprimento dessas atividades,
seja com o direcionamento dos recursos para um órgão específico, seja com a
criação de um fundo que irá gerir esses recursos e destiná-los à finalidade de
intervenção. Ao se analisar as Leis nº 10.336/01 e 10.636/02, não se encontra a
destinação de seus recursos para nenhum órgão ou, ainda, não existe a designação
de nenhum fundo específico para o atendimento dessa finalidade. Para onde estarão
indo os recursos arrecadados para o cumprimento dessas finalidades?
Não se trata de questionar a efetiva destinação dos recursos arrecadados,
mas sim se os instrumentos normativos possibilitam a completude dessa finalidade.
Isto é, não se trata de questionar a destinação no mundo do ser, na realidade fática,
mas sim observar se os instrumentos jurídicos do mundo do dever-ser ofertam
suporte normativo para o cumprimento da finalidade a que se destina a contribuição.
Do contrário, os recursos serão encaminhados para o atendimento de outras
173
finalidades que não esta interventiva, ou ainda serão encaminhados para o
orçamento geral da União, perdendo seu fundamento de validade, o que torna essa
destinação inconstitucional.
É possível afirmar que a finalidade de subsídio ao preço ou transportes de
combustíveis é interventiva. Contudo, não há meios para a sua realização nos
ditames constitucionais, pois não há a previsão de sua destinação para um órgão
específico, nem tampouco a criação de um fundo para que esses recursos sejam
destinados ao atendimento dessa finalidade, o que os direciona para o orçamento da
União, conduta esta inconstitucional, por impossibilitar o cumprimento de suas
finalidades com a parcela dos recursos arrecadados por meio da exação tributária,
servindo tão-somente como atividade arrecadatória do Estado para cobrir o déficit
público e arcar com os compromissos internacionais. Se a finalidade não é atendida,
o tributo deixa de ser contribuição de intervenção no domínio econômico, perdendo
seus fundamentos de validade na Carta Constitucional, devendo, portanto, ser
expurgado do ordenamento jurídico.
A segunda finalidade atribuída à contribuição de intervenção no domínio
econômico incidente sobre combustíveis e seus derivados é a finalidade ambiental,
consubstanciada no financiamento de programas relacionados com a indústria do
petróleo e do gás (art. 177, §4º, II, b), da CF e art. 1º, §1º, II, da Lei nº 10.336/01).
Conforme já observado, essa finalidade ambiental está presente no art. 170, VI, CF
e inaugura o ordenamento jurídico brasileiro como o primeiro tributo ambiental ou
green tax no Brasil369. Para FERRAZ, os [...] green taxes são tributos
ecologicamente orientados (...) que influenciam na decisão econômica de modo a
tornar mais interessante a opção ecologicamente mais adequada370. No direito
comparado, a green tax aparece sob a forma de incentivos fiscais dentro de tributos
já existentes, como por exemplo, o imposto de renda das pessoas jurídicas, por
meio da concessão de incentivos em relação a esses tributos para as empresas que
369 FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil – a contribuição de intervenção da emenda 33/2001. In Revista de Direito Ambiental. N. 31. São Paulo: jul./set. de 2003. p. 172. 370 FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil – a contribuição de intervenção da emenda 33/2001. In Revista de Direito Ambiental. N. 31. São Paulo: jul./set. de 2003. p. 167.
174
adotarem condutas ecologicamente mais adequadas371. Orienta ainda o autor que a
simples imposição de tributos para a inibição de consumo ou o seu direcionamento
para atividades ecológicas não é elemento seguro para o cumprimento dessas
finalidades. Para tanto, é necessário também que o produto da arrecadação
incidente sobre essas condutas seja direcionado à tarefa de internalizar os custos
ambientais nos preços dos produtos mais poluidores, de forma a demonstrar o custo
ambiental dos produtos, incluindo em seu preço o custo da recuperação e
preservação ambiental372.
Essa externalidade negativa, relacionada com a poluição ambiental
provocada pela utilização de combustíveis, principalmente, fósseis, precisa ser
sanada pelo Estado. Assim, encontra, a princípio, respaldo no Texto Constitucional,
a fim de tributar os agentes poluidores, de forma a custear a diminuição da poluição
e a reparação dos danos porventura ocasionados ao meio ambiente. Ao incidir sobre
combustíveis e seus derivados, a CIDE atua onerando o valor desses produtos,
procurando direcionar os consumidores desses produtos a realizar condutas mais
adequadas em relação ao meio ambiente, como e. g., a procurarem serviços de
transportes públicos, consumir combustíveis renováveis e menos poluentes, dentre
outros. Visa ainda, a internalizar os custos da proteção ambiental, onerando os
produtos que agridem em demasia o meio ambiente, implementando o princípio do
poluidor-pagador. Para ROSEMBLATT, o princípio do poluidor-pagador implica na
imposição aos agentes poluidores do dever de "internalizar" em seus custos de
produção a responsabilidade por medidas de proteção ambiental e controle de
produção373. Dessa forma, quem realiza condutas ofensivas ao meio ambiente sofre
a intervenção de medidas que oneram a produção desses produtos, para que gere
recursos a serem destinados à preservação e reparação ambiental. É importante
destacar que não se trata de atividades ilícitas, coibidas com a imposição de multas
e até mesmo com a responsabilização penal dos agentes poluidores. O princípio do
poluidor-pagador atua em atividades lícitas, mas que acabam por gerar 371 FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil – a contribuição de intervenção da emenda 33/2001. In Revista de Direito Ambiental. N. 31. São Paulo: jul./set. de 2003. p. 168. 372 FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil – a contribuição de intervenção da emenda 33/2001. In Revista de Direito Ambiental. N. 31. São Paulo: jul./set. de 2003. p. 169-170. 373 ROSEMBLATT, Paulo. Limitações constitucionais à instituição de contribuição de intervenção ambiental. In Revista de Direito Ambiental. N. 36. São Paulo: nov./dez. 2004. p. 170.
175
externalidades negativas indesejadas e, portanto, precisam sofrer ônus econômicos
para reparar ou até mesmo preservar o meio ambiente374.
Nessa vertente,
As contribuições de intervenção no domínio econômico podem ser utilizadas para financiar empreendimentos ecologicamente corretos, dado que são tributos finalísticos, e o produto da sua arrecadação deve ser afetado a uma finalidade específica. Nesse sentido, nada obsta a sua destinação a custear subsídios e subvenções ambientais, no mesmo setor em que se der a intervenção.375
A imposição de um tributo com características de preservação ao meio
ambiente encontra suporte no ordenamento jurídico brasileiro e implementa os
objetivos constitucionais inseridos no art. 3º do Texto Constitucional. Contudo, não
pode assumir a formas da CIDE combustíveis, nos moldes como está positivada.
A contribuição interventiva em análise, ao possuir como finalidade a busca
pelo financiamento da indústria do petróleo e do gás, incide sobre a importação e
comercialização de combustíveis, de forma a estimular o consumo de outros
combustíveis menos poluentes, além de realizar os objetivos inseridos no art. 4º da
Lei nº 10.636/02, conforme visto anteriormente. Dessa forma, ao realizar essas
finalidades, acaba por atingir toda a coletividade, extrapolando o segmento
econômico de importação e comercialização de combustíveis, fazendo recair a
exação sobre o consumo. Isto é, se a CIDE combustíveis atua como tributo
ambiental, significa dizer que esta procura estimular condutas menos poluentes
realizadas pela sociedade. DIAS compartilha do fundamento ao tecer considerações
374 O princípio em análise foi sedimentado no art. 225 da CF: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (...) § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. 375 ROSEMBLATT, Paulo. Limitações constitucionais à instituição de contribuição de intervenção ambiental. In Revista de Direito Ambiental. N. 36. São Paulo: nov./dez. 2004. p. 187.
176
acerca da finalidade ambiental, afirmando que há uma falha nessa finalidade pelo
[...] fato de a contribuição ser suportada, quase sempre, pelos usuários do produto final (combustível), e a circunstância de o montante arrecadado se prestar a financiar a recomposição do meio ambiente em virtude de atividades degradadoras de poucos. Trata-se, na verdade, de uma "socialização" dos danos ao ambiente.376
Sendo assim, a CIDE combustíveis acaba por incidir sobre toda a
coletividade e não somente sobre determinado segmento econômico, perdendo a
característica de contribuição interventiva, pois esta precisa atingir determinado
setor da economia que esteja gerando externalidades negativas, para que se
restabeleçam os princípios da ordem econômica e, não pode extrapolar esse
segmento.
Da forma como está sedimentada, a CIDE não visa corrigir as externalidades
do setor, pois sua finalidade não está direcionada para a preservação ambiental
pelos agentes degradantes. Pelo contrário. Elege como finalidade o financiamento
de atividades industriais relacionadas com outros segmentos econômicos,
procurando incentivar a geração de externalidades positivas a partir de
externalidades negativas, o que não encontra respaldo no ordenamento. Já foi
analisado que as externalidades negativas são relações jurídicas geradas a partir de
outras relações, mas que acabam por causar transtornos à sociedade. A poluição
ambiental é uma delas. Como forma de reduzi-la, ou até mesmo saná-la por
completo, o Estado intervém na atividade econômica causadora da externalidade,
por meio da fiscalização e da tributação ambiental, de modo a encarecer os produtos
do setor e obrigá-lo a tomar medidas de preservação. Da forma como a CIDE
combustíveis foi construída, essa externalidade negativa não está sendo sanada,
pois esse instituto acaba por obrigar o consumidor a pagar pelo preço de um produto
indispensável para a realização dos atos do cotidiano e, ainda, não evita o fato de
seus recursos não estarem sendo dirigidos para a realização das atividades de
fiscalização da medida ou do reparo das áreas potencialmente afetadas pela
poluição.
376 DIAS, Juarez Sanfelice. A contribuição incidente sobre o setor petrolífero e a destinação prevista na lei federal nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 90. São Paulo, março de 2003. p. 77.
177
Outro ponto importante que precisa ser destacado em relação à destinação
ambiental é a inexistência de fundo específico para arrecadar esses recursos. Ao se
observar a Lei nº 10.636/02, verifica-se que a administração dos recursos destinados
a essa finalidade será realizada pelo Ministério do Meio Ambiente (art. 4º), o qual os
aplicará no implemento dos projetos relacionados. Contudo, não há a criação de um
fundo para receber tais recursos, o que acaba por desvirtuar a destinação do que é
arrecadado com eles, pois, ao transpassá-los para o Ministério do Meio Ambiente,
os recursos arrecadados serão necessariamente incluídos no orçamento geral da
União, o que impossibilita a sua correta aplicação nas atividades definidas no
ordenamento jurídico, na medida em que não é possível mensurá-la com precisão,
abrindo possibilidades para o desvio de sua finalidade. Não se trata de atribuir ao
orçamento a destinação dos recursos arrecadados. Essa destinação já está
delineada pela Lei nº 10.636/02. Contudo, para que a finalidade seja cumprida, é
preciso que o ordenamento oferte meios para a sua realização e isto somente será
possível mediante a criação de um fundo para receber os recursos arrecadados. Do
contrário, tais recursos irão ser contabilizados como recursos recebidos pela União,
por meio do Ministério do Meio Ambiente e não conseguirão cumprir sua finalidade.
Dessa forma, se a lei instituidora do tributo interventivo não oferta os meios
necessários para a persecução de sua finalidade, conclui-se que essa atividade não
está sendo cumprida perde seu fundamento de validade no Texto Constitucional,
sendo, portanto, inconstitucional a sua incidência.
Já a terceira finalidade da contribuição interventiva incidente sobre
combustíveis se direciona ao financiamento de programas de infra-estrutura de
transportes (art. 177, §4º, II, c, da CF e art. 1º, §1º, III da Lei nº 10.336/01), tendo
como objetivos a redução do consumo de combustíveis automotivos, o atendimento
mais econômico da demanda de transporte de pessoas e bens, a segurança e o
conforto dos usuários, a diminuição do tempo de deslocamento dos usuários do
transporte público coletivo, a melhoria da qualidade de vida da população, a redução
das deseconomias dos centros urbanos e a menor participação dos fretes e dos
custos portuários e de outros terminais na composição final dos preços dos produtos
de consumo interno e de exportação (art. 6º da Lei nº 10.636/02). Já foi analisado
que os transportes possuem importância fundamental em relação ao
178
desenvolvimento econômico do país, na medida em que possibilitam o
deslocamento dos fatores de produção e a locomoção de todos os segmentos da
sociedade. São tão importantes para o desenvolvimento do Estado brasileiro que
podem ser considerados como verdadeiros serviços públicos, custeados pelo
orçamento geral da União mediante o recolhimento dos impostos previstos no
ordenamento377. Assim, os serviços de infra-estrutura de transportes, bem como o
próprio serviço de variados segmentos, possuem uma natureza pública e precisam
ser realizados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, mediante concessão ou
autorização (art. 175, CF). São metas políticas, importantes para o desenvolvimento
econômico do Estado e custeados com as receitas gerais da União, principalmente
por meio dos impostos378. Por possuir natureza pública, a infra-estrutura de
transportes precisa ser custeada pela União mediante os impostos arrecadados para
esse fim. Dessa forma, como não possui natureza econômica e já é suportada pelas
receitas ordinárias da União, é evidente que não pode sofrer a incidência de
contribuição interventiva, nem tampouco ser utilizada como sua finalidade. Por
conseguinte, a finalidade destinada ao desenvolvimento de infra-estrutura de
transportes não guarda similitude com o grupo econômico que sofre a exação, pois a
importação e comercialização de combustíveis não provoca um desvirtuamento no
sistema de infra-estrutura viária do Estado. Assim, não há relação entre a
materialidade da exação e a destinação atribuída, de forma que a finalidade de
377 Art. 21. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (...) c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; Art. 30. Compete aos Municípios: (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras. 378 No mesmo sentido, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 529-532 e ROSEMBLATT, Paulo. Limitações constitucionais à instituição de contribuição de intervenção ambiental. In Revista de Direito Ambiental. N. 36. São Paulo: nov./dez. 2004. p. 186.
179
financiar projetos de infra-estrutura dos transportes é inconstitucional379.
É necessário afirmar que a finalidade destinada ao financiamento de projetos
de infra-estrutura de transportes é a única finalidade que previu corretamente a
criação de um fundo para gerir os recursos arrecadados pela CIDE, conforme o
disposto no art. 10 da Lei 10.636/02, ao criar o Fundo Nacional de Infra-Estrutura de
Transportes – FNIT. Contudo, ao se verificar o art. 11380 da referida lei, observa-se
que o fundo é composto por uma série de recursos, menos os provenientes da
CIDE, os quais estavam presentes no inciso I do referido artigo, ao afirmar que o
fundo seria composto pela parcela do produto da arrecadação da Cide de que trata o
art. 5o desta Lei, e que acabou sendo vetado pelo Executivo. O fundo é desprovido
de total eficácia fática e jurídica, na medida em que não é utilizado para o
direcionamento dos recursos da CIDE, tornando essa finalidade sem viabilidade
prática, assim como as demais já acima debatidas, sendo, portanto, inconstitucional.
3.4.3.2 Do Desvio de Finalidade
Conforme já foi observado anteriormente381, a destinação do produto da
arrecadação da CIDE precisa ser efetivamente direcionada ao cumprimento de suas
finalidades. Nada obstante, a efetiva destinação do produto da arrecadação é
característica fundamental da validade do tributo, na medida em que a finalidade
precisa ser efetivamente alcançada por meio dos recursos provenientes da CIDE.
Advogar a tese contrária implica em afirmar que o desvio de finalidade não interessa
ao Direito Tributário, pois este somente se preocupa com a incidência do tributo,
deixando de lado a sua utilização como verdadeiro instrumento de políticas públicas
379 Cf. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As contribuições de Intervenção no domínio econômico em face da emenda constitucional nº 33/2001. In Revista Dialética de Direito Tributário. nº 81. São Paulo, junho de 2002. p. 78. 380 Art. 11. Constituem recursos do FNIT: I – (VETADO) II – contribuições e doações originárias de instituições nacionais, estrangeiras ou internacionais; III – financiamentos de instituições nacionais, estrangeiras e internacionais de crédito; IV – os saldos de exercícios anteriores; V – outros recursos destinados ao financiamento de investimentos no âmbito da sua programação, nas leis orçamentárias anuais. § 1o Os recursos do FNIT terão aplicação multimodal, na forma da Lei Orçamentária Anual, atendendo aos objetivos estabelecidos no art. 6o. § 2o (VETADO) § 3o Os recursos dos financiamentos referidos no inciso III deste artigo serão aplicados exclusivamente nos programas ou projetos a que forem destinados, nos termos dos respectivos contratos. 381 Cf. tópico: a destinação precisa ser efetiva.
180
voltadas para a realização e implementação da justiça fiscal, o que não se pode
admitir nos dias atuais.
[...] Ou seja, nem se pode ignorar a destinação (como se se tratasse, sempre e apenas de uma questão meramente financeira), nem se pode cercar o direito tributário com fronteiras tão estreitas que não permitam indagar do destino do tributo nos casos em que esse destino condiciona o próprio exercício da competência tributária.382
O tributo funciona como um elemento de persecução dos objetivos sociais.
Atua fornecendo recursos para que o Estado alcance suas metas, determinadas por
meio de suas políticas de realização de necessidades públicas, de forma a atender
aos anseios sociais.
Neste diapasão tem-se que o Poder tributante, ao elaborar sua política tributária, deve levar em conta se o sistema tributário é justo, ou seja, se ele trata, de maneira igual todos os contribuintes que se encontram em situação idêntica, e também se está adequado à distribuição de renda s e ao desenvolvimento econômico. E mais, se favorece a política de estabilização da economia, combate desemprego, a inflação entre outros aspectos.383
É necessário, portanto, que o tributo seja efetivamente aplicado nas suas
finalidades específicas, para que cumpra com sua função social. Considerando que
ele é elemento de efetivação de políticas públicas e peça fundamental na efetivação
dos objetivos sociais, sua destinação precisará ser realmente empregada para a
persecução de suas finalidades sócio-econômicas, tendo em vista que as
contribuições de intervenção são qualificadas por suas finalidades, as quais as
tornam um tributo diferente dos demais e lhe garantem tratamento jurídico
específico.
Sendo as contribuições de intervenção no domínio econômico tributos
finalísticos, o real cumprimento dessas finalidades precisa ser encarado como
requisito para a sua validade. Do contrário, abre-se a possibilidade do Estado passar
a construir uma série de instrumentos interventivos sem se preocupar com a
382 AMARO, Luciano. Conceito e classificação dos tributos. In Revista de Direito Tributário. N. 55. São Paulo, 1991. p. 285. 383 VINHA, Thiago Degelo e RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos sócio-econômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais. In PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Tributação Justiça e Liberdade. Curitiba: Juruá, 2004. p. 661.
181
destinação real desses recursos, já que o contribuinte não poderá se opor à exação.
Os tributos possuem uma função social e esta não pode ser desprezada. A função
social da CIDE é a intervenção no domínio econômico, possibilitando que os
princípios constitucionais dos arts. 1º, 3º, e 170 da CF sejam cumpridos. Essa
socialização dos tributos somente é possível [...] através da sua aplicação como
instrumento social, possibilitando desenvolver uma política social justa e distributiva,
nos anseios da nação e como forma de se alcançar as finalidades a que o Estado se
prestou a desenvolver através de sua Carta Constitucional (...)384.
Nessa premissa, a finalidade da CIDE é instrumento de política pública do
Estado para alcançar seus objetivos sociais. Se este não direciona os recursos
arrecadados com a exação tributária para essas finalidades, é porque estas não são
importantes, não possuem função na regulação das atividades econômicas e
acabam por ofender não só o princípio da livre iniciativa como também os princípios
da justiça fiscal e da função social do tributo.
Ao analisar o informativo divulgado pelo Senado Federal, referente às
operações financeiras da União até meados de outubro de 2005, observa-se que,
entre 2003 e 2005, a arrecadação de recursos com a CIDE combustíveis variou
entre 7,5 e 7,7 bilhões de reais ao ano. Contudo, ao se verificar os principais jornais
do país, bem como informativos emitidos por entidades de classe relacionadas com
as finalidades da CIDE combustíveis, verifica-se o desvirtuamento da quase
totalidade dos recursos arrecadados com o tributo interventivo.
O jornal Folha de São Paulo, em edição de 23/01/2006 divulgou a
informação de que
Em 2005, o Ministério dos Transportes usou R$ 2,2 bilhões de recursos que tiveram origem na Cide. Desse montante, R$ 1,78 bilhão foi destinado à infra-estrutura. O restante serviu para pagar salários, encargos sociais e até mesmo a dedetização da unidade do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) de Pernambuco, com dispensa de licitação, no valor de R$ 750. O Ministério dos Transportes afirma que apenas seguiu o Orçamento
384 VINHA, Thiago Degelo e RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos sócio-econômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais. In PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Tributação Justiça e Liberdade. Curitiba: Juruá, 2004. p. 670.
182
estipulado pelo Ministério do Planejamento.385
Em entrevista ao mesmo jornal, com edição de 03/01/2006,
O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, divulgou dados do Ministério do Planejamento sobre os gastos com recursos da Cide (tributo sobre combustíveis que deveria ser usado em infra-estrutura). Segundo ele, em 2002, mais da metade dos recursos da Cide não eram usados para esse fim. Ainda hoje boa parte dos recursos ainda não é usado em estradas, mas, segundo ele, a situação melhorou. "Ainda precisam ser feitos ajustes", afirmou.386
Já na edição eletrônica da Folha de São Paulo de 16/01/2006 foi noticiado
que
Dados da CNT revelam que o grosso do dinheiro da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), criada em 2001 para financiar os transportes, não é usado para este fim. Entre 2002 e 2005 (até setembro), a Cide arrecadou R$ 28,1 bilhões. Só R$ 6,7 bilhões (23,9%) foram destinados aos transportes. A maior parte do dinheiro foi para o superávit primário.387
Ao se verificar o boletim informativo fornecido pela Confederação Nacional
dos Transportes – CNT, é possível observar que, entre os anos de 2002 a 2005, a
União arrecadou R$30.093,88 milhões de reais com a contribuição de intervenção
no domínio econômico incidente sobre combustíveis e derivados. Contudo, somente
R$8.965,62 milhões de reais, correspondentes a 29,8% foram investidos no setor de
transportes388. Em relação às demais finalidades, não se encontra nenhum estudo
ou previsão de destinação, como se a CIDE existisse exclusivamente para o custeio
de projetos de infra-estrutura de transportes, o que não se pode admitir. Alias, o
desvio das finalidades da CIDE combustíveis é tão evidente, que o jornal O Globo
publicou em 02/01/2006 notícia de que
385 BEGUOCI, Leandro. Governo não gasta em estrada 83% de tributo. Folha de São Paulo. São Paulo, 2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2301200609.htm. Acesso em 26/03/2006. 386 BRASÍLIA, Sucursal de. Tributo é mal-utilizado, diz ministro. Folha de São Paulo. São Paulo, 2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0301200604.htm. Acesso em 26/03/2006. 387 CANZIAN, Fernando. Transporte gasta menos de 40% da verba. Folha de São Paulo. São Paulo, 2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u102526.shtml. Acesso em 26/03/2006. 388 Disponível em http://www.cnt.org.br/cnt/downloads/becon/BeconCNT012006.pdf. Acesso em 26/03/2006.
183
O diretor-geral da ANTT, José Alexandre Resende, explicou que em 2005, dos R$ 114,1 milhões do orçamento da agência, R$ 42,3 milhões são recursos da Cide, mas que no orçamento de 2006 essa proporção foi alterada e a contribuição será aplicada apenas em atividades “finalísticas”, ou seja, em investimentos. — Houve uma mudança de critério e o uso da Cide ficará restrito a essas atividades — afirmou Resende.389
Assim, as finalidades da CIDE estão sendo desviadas para outras despesas
que não as legalmente instituídas, chegando ao ponto de custear despesas da
Agência Nacional de Transportes – ANTT, o que não pode ser permitido pelo
ordenamento jurídico nacional. Se a CIDE não se destina às suas finalidades, o
tributo não cumpre com sua função social na busca pela justiça fiscal, servindo tão
somente como fonte arrecadatória do Estado, o que desvirtua o instituto. Sendo
assim, a exação tributária não está sendo necessária para o cumprimento dos
objetivos do Estado. Neste caso, pode-se afirmar que a sua desnecessidade, em
virtude do não cumprimento de suas finalidades pelo ente que a arrecada, importa
em inconstitucionalidade, pelo não-atingimento de seus fins interventivos.
Reforçando a tese do desvio das receitas da CIDE, o art. 76 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias390, com redação determinada pela EC nº
42/03, autoriza a União a desvincular 20% dos recursos destinados às finalidades
legitimadoras das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico.
Essa autorização demonstra que, pelo menos 20%, o tributo não é necessário, pois
a contribuição de intervenção no domínio econômico é instituída para a regulação de
determinado setor da economia que esteja em descompasso com os princípios
constitucionais. Para tanto, institui um tributo para esse fim, de forma que seja a
medida exata para o restabelecimento do setor, angariando recursos que irão
389 ALVAREZ, Regina. Desvio nas estradas. O Globo. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=241501. Acesso em 26/03/2006. 390 Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2003 a 2007, vinte por cento da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. § 1º O disposto no caput deste artigo não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios na forma dos arts. 153, § 5º; 157, I; 158, I e II; e 159, I, a e b; e II, da Constituição, bem como a base de cálculo das destinações a que se refere o art. 159, I, c, da Constituição. § 2o Excetua-se da desvinculação de que trata o caput deste artigo a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o art. 212, § 5o, da Constituição. (Grifamos)
184
financiar as atividades do órgão interventor ou de medidas que possibilitem a
intervenção, recolhidas em um fundo específico para a concretização de tais
medidas. Nessas hipóteses, o tributo precisa respeitar os princípios constitucionais,
em especial o princípio da capacidade contributiva, além de ser destinado in totum
às suas finalidades, vez que são elas que legitimam a incidência da exação. Se o
legislador constitucional derivado afirma que 20% dos recursos da CIDE
combustíveis, assim como das demais contribuições, podem ser direcionados para
outros setores (entenda-se, para o caixa geral da União), isto significa dizer que os
valores tributados dos sujeitos passivos estão, pelo menos, em 20% acima da sua
real necessidade, pois não se destinam ao cumprimento da finalidade interventiva,
perdendo a característica de intervenção, sendo, a CIDE, nesse tocante,
inconstitucional.
Outro ponto que demonstra o caráter apenas arrecadatório do tributo, sem
qualquer preocupação efetiva com a destinação dos recursos da CIDE combustíveis
às suas finalidades, é a ausência de transitoriedade da exação, na medida em que
não se encontra nenhum estudo específico do setor que demande a intervenção. Já
foi estudado que as contribuições de intervenção são transitórias, uma vez que
possuem vigência enquanto perdurar a necessidade de intervenção no setor
econômico que está em descompasso com os ditames constitucionais. Contudo, é
necessário que o Poder Público desenvolva reais estudos da necessidade
interventiva, de forma que o setor que sofrerá a medida interventiva possa se
preparar para receber a exação e também direcionar suas atividades em prol do
atingimento das finalidades pretendidas, o que não ocorre de fato. O governo conta
com a CIDE combustíveis para a manutenção do superávit primário de seu
orçamento, de forma a se utilizar dela como verdadeiro tributo arrecadatório que veio
para ficar em definitivo no ordenamento, como se fosse verdadeiro imposto.
É possível concluir que as finalidades da CIDE combustíveis não estão
sendo efetivamente cumpridas, usando a União de seus recursos para o atingimento
de metas fiscais que não têm relação com as finalidades de subsidiar preços e
transportes de combustíveis, financiar projetos ambientais relacionados com a
indústria do petróleo e do gás e financiar projetos de infra-estrutura de transportes, o
que denota seu caráter eminentemente fiscal, definitivo e contrário aos requisitos do
185
instituto para seu fundamento de validade, e autoriza o contribuinte a impetrar as
medidas necessárias para o não-pagamento do tributo, em face de sua latente
inconstitucionalidade.
Nessa vertente, o papel do Judiciário no controle da finalidade da CIDE é de
fundamental importância, podendo agir tanto na decretação de inconstitucionalidade
do tributo, por não se prestar para o que veio a lume, quanto no controle de políticas
publicas do governo391, determinando que este cumpra com as finalidades do tributo
interventivo, de acordo com o pedido que foi levado até ele. COMPARATO leciona
que já se foi o tempo em que o Judiciário não poderia exercer o controle das
políticas públicas do governo. Nos atuais Estados de Direito, ele pode e deve atuar
no controle das políticas governamentais, de forma a fazer valer os valores
sedimentados no Texto Constitucional, não caracterizando essa conduta como
invasão de competência, pois compete ao Poder Judiciário a interpretação e o
cumprimento da lei. E, uma vez positivada a política de Estado, a política de governo
precisa caminhar na mesma direção para fazer cumprir os anseios sociais
positivados na Lei Fundamental; do contrário, poderá o Judiciário intervir e decretar
a inconstitucionalidade de determinada política governamental, por não atender os
requisitos inseridos na própria Constituição392.
3.4.3.3 Da Invasão de Competência dos Estados
Já foi observado que as contribuições de intervenção no domínio econômico
são tributos de competência da União e, como tal, possuem legitimidade para incidir
sobre uma gama de fatos jurídicos tributários consubstanciados nos arts. 153 e 154,
I do Texto Constitucional. Contudo, não podem incidir sobre fatos econômicos que
se sujeitam à exação dos Estados e dos Municípios, tendo em vista o princípio da
391 Nessa esteira, cumpre trazer os ensinamentos de APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. 1. ed. 2. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 150, ao afirmar que a intervenção do Poder Judiciário não pode ser conceituada como uma invasão da atividade legislativa ou administrativa, nos casos em que não exista a reserva absoluta da lei ou ainda quando a Constituição não houver reservado discricionariedade necessária ao exercício de sua função. Não havendo a reserva absoluta da lei, a intervenção judicial na própria formulação das políticas públicas se mostra compatível com a democracia, desde que observados mecanismos de comunicação entre instancia judicial e a sociedade (...). 392 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In MELLO, Celso Antonio Bandeira de (org.). Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. Vol. 2. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 355-357.
186
autonomia dos entes estatais e da repartição de competências do poder de tributar.
Ao se analisar a materialidade da incidência da CIDE combustíveis, observa-
se que esta incidirá sobre importação e comercialização de combustíveis e seus
derivados. Contudo, essa materialidade já pertence ao imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de
telecomunicação – ICMS, de competência dos Estados, conforme o art. 155, II,
CF393. Ao se permitir sejam novamente tributadas, agora por meio de "contribuições
interventivas, o constituinte derivados" assumiu ares de "constituinte originário" e,
num só golpe, derrubou o "princípio da reserva de competências tributárias"394. Ao
instituir a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre critérios materiais
atinentes ao ICMS, o legislador constituinte derivado invadiu a competência dos
Estados ao tributar o mesmo fato jurídico tributário.
Deve-se destacar novamente que as contribuições de intervenção são
caracterizadas, precipuamente, por suas finalidades. Contudo, isto não possibilita ao
legislador faze-la incidir sobre fatos de competência de outros entes estatais. Se a
atividade que importa intervenção é um segmento do Estado, então a União deverá
usar outro instrumento de intervenção, diferente do tributo interventivo, já que este
não é o único meio de se intervir na seara econômica. O que não se pode permitir é
o desvirtuamento do princípio da competência do poder de tributar, garantia
constitucional dos entes federados e, principalmente, do contribuinte, na medida em
que limita a tributação de um mesmo fato por diferentes entes estatais. A CIDE
combustível é um tributo. Como tal, precisa respeitar os princípios constitucionais
tributários, de forma a se preservar a coerência e harmonia do sistema tributário.
3.4.3.4 Do Desrespeito às Limitações ao Poder de Tributar
As limitações constitucionais ao poder de tributar são os princípios
393 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; 394 CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 542.
187
constitucionais e as imunidades inseridas no Texto Constitucional, que impedem o
exercício livre do poder de tributar por parte do Estado, de forma a proteger o sujeito
passivo que sofre ou viria a sofrer a incidência do tributo.
Os princípios constitucionais tributários são os alicerces do sistema
tributário, verdadeiras vigas-mestras que sustentam todas as normas existentes
dentro do arcabouço jurídico tributário, orientando e emprestando fundamento de
validade a todas essas normas. Por sua vez, as imunidades tributárias estão
sedimentadas na regra de competência, a fim de tolher parcela da competência do
ente tributário de decidir sobre os fatos jurídicos que irá tributar. Dessa forma, tanto
os princípios constitucionais, quanto as imunidades tributárias delimitam a incidência
das exações tributárias sobre os sujeitos passivos da obrigação tributária, de forma
a nortear a sua incidência, bem como impedi-las em determinadas situações.
Como protegem o contribuinte contra o poder legiferante do Estado de
cobrar tributos, as limitações constitucionais constituem verdadeiros direitos
fundamentais do contribuinte, conforme já visto anteriormente, na medida em que
sedimentam direitos essenciais à sociedade, protegendo-a das arbitrariedades do
ente tributante. São verdadeiras garantias, conquistas sociais sedimentadas ao
longo da história, direitos inatos, universais e inalienáveis que garantem o mínimo
necessário para se viver em sociedade.
Dentre os princípios constitucionais, merece especial destaque no estudo da
CIDE combustíveis o princípio da legalidade e da anterioridade tributária, vez que
estão inseridos no art. 177, §4º, I, b, CF395 e se referem ao tributo análise.
O princípio da legalidade orienta a produção de todas as normas
sedimentadas no direito positivo, postulando a necessidade do seu veículo
395 Art. 177. Constituem monopólio da União: (...) § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: (...) b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b;
188
introdutório ser uma lei. Dessa forma, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF). Em matéria tributária, o
princípio da legalidade postula a premissa de que nenhum tributo poderá ser criado
ou aumentado sem uma lei que determine essa nova incidência (art. 150, I, CF). O
princípio da legalidade, assim como todas as demais limitações ao poder de tributar,
restringe a atividade do Estado de onerar o contribuinte mediante a criação ou
majoração de um tributo, pois determina que somente por meio do Poder Legislativo
será possível realizar essas atribuições, mediante a criação de uma lei. Sendo
assim, o Executivo, o maior interessado na existência do tributo, somente poderá
fazê-lo incidir mediante a autorização do Legislativo, por meio da criação de um
instrumento introdutório do tributo no ordenamento jurídico, consubstanciado em
uma lei.
Nada obstante, o princípio da legalidade possui exceções, na medida em
que, em determinadas situações, autoriza o Estado-executivo a majorar tributos sem
a necessidade de uma lei, conforme já visto anteriormente. Contudo, essas
exceções nasceram em conjunto com o próprio princípio, no momento da publicação
do Texto Constitucional em 05 de outubro de 1988, ambos decorrentes do Poder
Originário do Legislador Constituinte, o qual possui total competência para criar as
normas e instituir exceções à sua incidência, mesmo no tocante a direitos
fundamentais.
O art. 177, §4º, I, b, do Texto Constitucional, traz uma exceção ao princípio
da legalidade, pois em se tratando de contribuição de intervenção no domínio
econômico incidente sobre combustíveis e derivados, a majoração do tributo por
meio da alteração de sua alíquota poderá ser realizada sem a necessidade de uma
lei, mediante simples Decreto do Poder Executivo. PIMENTA afirma ser
constitucional essa exceção ao princípio da legalidade, uma vez que a mesma não
importa em uma aniquilação ao princípio em questão. Para o autor, os princípios não
são absolutos, podendo ser objetos de restrições, como a inserida no art. 177, §4º, I,
b, da Constituição396. Essa posição não condiz com os estudos acerca dos direitos
396 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As contribuições de Intervenção no domínio econômico em face da emenda constitucional nº 33/2001. In Revista Dialética de Direito Tributário. nº 81. São Paulo, junho de 2002. p. 75.
189
fundamentais, na medida em que os mesmos são direitos fundantes do próprio
Estado e, portanto, imodificáveis por qualquer Emenda Constitucional, constituindo-
se em verdadeiras cláusulas pétreas inseridas no art. 60, §4º, IV da Constituição
Federal. Por serem cláusulas pétreas, não podem ser modificadas pelo legislador
constituinte derivado, são direitos petrificados, imodificáveis, impossíveis de
sofrerem limitações que não sejam as impostas quando da sua criação pelo
constituinte originário. Como a exceção ao princípio da legalidade positivada no art.
177, §4º, I, b, da Constituição foi introduzida no ordenamento pela EC nº 33/01,
conclui-se que essa exceção fere o princípio da legalidade e, portanto, é
inconstitucional397.
O dispositivo legal acima referido ainda sedimenta mais uma exceção aos
princípios constitucionais tributários, exceção essa que foi positivada pela EC nº
33/01, ao possibilitar que a majoração da alíquota da CIDE não precisará respeitar o
princípio da anterioridade. Este sedimenta a impossibilidade do Estado exigir tributo
ou sua majoração no mesmo exercício financeiro em que foi criado ou aumentado,
devendo, ainda, aguardar noventa dias para poder gerar seus efeitos sobre o
contribuinte (art. 150, III, b e c da CF). Sendo assim, a CIDE combustíveis não
precisaria aguardar o exercício seguinte para poder gerar efeitos no caso de
aumento de suas alíquotas, devendo apenas aguardar o prazo de vacância de
noventa dias, nos termos do art. 150, III, c) da CF. MARTINS justifica essa exceção
ao princípio da anterioridade no princípio da razoabilidade. No conflito de princípios,
a proporcionalidade determina que o princípio da razoabilidade deva prevalecer
sobre o princípio da anterioridade, na medida em que a CIDE precisa adotar
medidas urgentes para poder regular o mercado, o que não poderia esperar pelo
exercício seguinte para poder gerar seus efeitos interventivos398.
A exceção imposta ao princípio em questão pela EC nº 33/01, sedimentada
no art. 177, §4º, I, b, CF não encontra fundamento de validade no Texto
397 No mesmo sentido, cf. BELLAN, Daniel Vítor. Contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário. N. 78. São Paulo, março de 2002. p. 20, nota nº 12 e CARRAZZA, Roque Antonio e BOTALLO, Eduardo Domingos. Inconstitucionalidades da contribuição interventiva instituída pela lei 10.336/01. In IOB: Repertório de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo. N. 14. São Paulo: julho de 2002. p. 542. 398 MARTINS, Marcelo Guerra. Impostos e Contribuições Federais: sistemática, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 560.
190
Constitucional, pois fere as garantias fundamentais do contribuinte ao possibilitar a
sua exação no mesmo exercício financeiro em que foi majorada. O respeito à
anterioridade é da essência dos tributos, seja de um imposto, seja de uma
contribuição de intervenção. Sua incidência na seara econômica precisa ser
planejada, de modo a incidir de maneira efetiva, na exata medida em que demanda
a intervenção. O respeito à anterioridade não desvirtua o instituto, pois as ações do
Estado na incidência do tributo não podem ser conduzidas sem planejamento,
aumentando suas alíquotas em decorrência de pequenas flutuações do segmento
econômico sobre o qual incide. Se a atividade necessita de intervenção, esta precisa
ser direcionada de forma incisiva e na exata medida em que é solicitada, ofertando
ao Estado os meios suficientes para o restabelecimento do setor, em consonância
com os princípios da ordem econômica. A anterioridade ainda não impossibilita a
transitoriedade do tributo, uma vez que as alíquotas poderão ser reduzidas sem a
necessidade de se aguardar o exercício seguinte, pois beneficiam o contribuinte,
não existindo razão para se aguardar determinado período para poder viger.
É possível concluir que a exceção imposta ao princípio da anterioridade pelo
art. 177, §4º, I, b, CF é inconstitucional por ferir direito fundamental pois não foi
inserida pelo legislador constituinte originário, em nada interferindo na efetividade do
tributo o respeito ao princípio em questão399.
Cumpre analisar a imunidade existente no §3º do art. 155, CF, no tocante à
possibilidade ou não de incidir a CIDE sobre combustíveis. Já foi destacado que a
contribuição interventiva não pode incidir sobre critérios materiais de competência
dos Estados. Essa impossibilidade encontrava parâmetros seguros no art. 155, §3º
da CF400, com redação atribuída pela EC nº 3/93, a qual impedia que qualquer
tributo, além do ICMS, incidisse sobre combustíveis, atribuindo uma verdadeira
399 Cabe trazer as considerações ao princípio da anterioridade e seu enquadramento como direitos fundamentais formuladas por RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da Anterioridade da Lei Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 120, ao afirmar que o princípio da anterioridade da lei tributária, (...) tem natureza de “direito individual”, espécie do gênero “direitos fundamentais”, para reconhecer que nem mesmo emenda constitucional tem a virtude de mexer ampliativamente em tais exceções, sob pena de malferimento à limitação material contida no art. 60, parágrafo 4.º, inciso IV, da Constituição Federal. 400 § 3.º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
191
limitação ao poder de tributar e conferindo imunidade às operações relativas a
petróleo e combustíveis em relação à incidência de qualquer outro tributo que não
fosse o ICMS. Contudo, com a alteração do dispositivo pela EC nº 33/01, o vocábulo
tributo foi alterado para imposto, autorizando aparentemente o legislador a instituir
outras espécies tributárias sobre as operações com petróleo e combustível. Com
essa alteração, observa-se uma mitigação da imunidade existente, na medida em
que possibilitou, a rigor, a incidência de outras espécies tributárias. Essa mitigação
da imunidade existente no §3º do art. 155 do Texto Constitucional não pode ser
permitida em face do art. 60, §4º, IV da Constituição Federal, pois as imunidades
são direitos fundamentais e, como tais, cláusulas pétreas, intocáveis por qualquer
alteração legal ou até mesmo constitucional.
Os motivos dessa alteração são claros, pois possibilitam aparentemente a
incidência da CIDE em análise sobre as operações de combustíveis, como de fato
ocorre ao se analisar a materialidade da exação constante no art. 3º da Lei nº
10.336/01. Contudo, mesmo que a CIDE não possa incidir sobre critérios materiais
de competência dos Estados, em virtude do princípio da repartição de competências,
esta também não poderá incidir sobre as operações de petróleo em decorrência da
imunidade prevista no art. 155, §3º, CF, com sua redação anterior à conferida pela
EC nº 33/01, a qual feriu direito fundamental com essa alteração, sendo, dessa
forma, inconstitucional.
192
CONCLUSÃO
Ao longo de todo o trabalho, foi possível chegar a algumas conclusões
acerca das contribuições de intervenção no domínio econômico incidente sobre
combustíveis e derivados. Entretanto, para destacar ainda mais as opiniões do autor
do presente estudo, de forma a possibilitar ao leitor identificar os principais pontos
deste, passa-se a tecer as principais conclusões atinentes às contribuições em
questão.
A produção de normas jurídicas sofre grande influência das escolas
econômicas, as quais orientam a positivação de seus ideais, ora liberais, ora sociais,
ditando os rumos do Estado na busca por esses objetivos.
Essa influência acaba por promover alterações nos Textos Constitucionais,
sendo possível afirmar que, hoje, há verdadeiras Constituições econômicas, as
quais positivam princípios e normas jurídicas de conteúdo econômico. Dentre estes,
o art. 170 da Carta Constitucional brasileira positiva os princípios orientadores das
atividades econômicas privadas, orientando-as em prol da justiça social.
Princípios são conteúdos sedimentados no ordenamento jurídico, detentores
de alta carga axiológica, positivando valores sociais dentro do sistema normativo.
Como tal, podem ser considerados como os pilares basilares de toda a estrutura
jurídica, orientando a confecção de normas jurídicas.
Como forma de preservação dos princípios da ordem econômica, no caso da
ocorrência de externalidades negativas ou, ainda, para a promoção de
externalidades positivas, o Estado poderá intervir nas relações econômicas, seja
naquelas destinadas exclusivamente à iniciativa privada, seja naquel’outras em que
ele, embora titular, ceda ao particular mediante concessão ou permissão, o direito de
participar dessas atividades.
Quanto à forma de intervenção, o Estado poderá agir de forma direta, como
empresário, atuando em igualdade de condições concorrenciais com os agentes
193
econômicos privados, devendo, inclusive, se utilizar tão-somente das empresas
públicas ou sociedades de economia mista. Somente estará autorizado a intervir de
forma direta, quando as externalidades coloquem em risco a segurança nacional ou
quando haja relevante interesse coletivo.
Poderá, ainda, intervir de forma indireta, quando atuar como agente
normativo e regulador das atividades econômicas, mediante a fiscalização, o
incentivo e o planejamento.
Dentre as modalidades de intervenção indireta, o tributo pode ser utilizado
com instrumento de regulação, devendo, contudo, respeitar os princípios e normas
constitucionais atinentes ao Sistema Tributário Nacional.
Os princípios constitucionais tributários são verdadeiros direitos
fundamentais do contribuinte, na medida em que impõem limitações ao poder de
tributar do Estado, ofertando à sociedade os direitos e garantias fundamentais para
que sofra a exação tributária da maneira mais justa e equilibrada, preservando os
valores sociais e protegendo-a dos atos arbitrários do poder legiferante do ente
estatal.
Esses princípios impõem restrições a todos os tributos existentes no
ordenamento, os quais podem ser classificados em cinco espécies tributárias,
consubstanciadas nos impostos, nas taxas, nas contribuições de melhoria, nos
empréstimos compulsórios e nas contribuições.
As contribuições são tributos autônomos, pois podem ou não estar
vinculadas a uma atividade estatal, necessitam destinar o produto de sua
arrecadação a uma finalidade e não precisam restituir a quantia arrecadada a título
de tributo.
Elas são tributos finalísticos, voltadas para atendimento de finalidades
específicas, as quais podem ser de cunho social, interventivo ou corporativo. Sua
principal atribuição é o custeio da finalidade a que se destina, possuindo sua exação
nítido caráter fiscal.
194
As contribuições não podem ser generalizadas como paraestatais, pois nem
todas são cobradas por entes paralelos ao Estado, e são melhor designadas como
contribuições especiais, pois desempenham atividades especiais e não se
confundem com a contribuição de melhoria.
Dentre as espécies de contribuições, as contribuições de intervenção no
domínio econômico possuem como finalidade o custeio das atividades que
pretendem corrigir externalidades negativas ou, ainda, promover externalidades
positivas na seara econômica privada, por meio das funções de fiscalização e
incentivo, respectivamente.
Para tal incumbência, as contribuições interventivas somente podem ser
criadas pela União Federal, pois o art. 149 da Constituição Federal atribui somente a
este ente estatal a competência para a criação das contribuições interventivas.
Como são instrumentos de intervenção, as contribuições de intervenção no
domínio econômico necessitam não só ter uma finalidade interventiva, de forma a se
cumprir os mandamentos da Carta Constitucional, como também possuir natureza
transitória, enquanto durar a necessidade de intervenção.
Elas precisam ainda incidir sobre um determinado grupo ou segmento, pois
não podem ser destinadas a toda a coletividade, na medida em que a intervenção
somente é necessária se determinado segmento da economia estiver gerando
externalidades negativas ou demandando externalidades positivas; e também
restabelecer ou implementar os princípios constitucionais da ordem econômica,
sendo vedada a criação de uma contribuição que extrapole esse parâmetro.
A finalidade das contribuições de intervenção precisa ser efetivamente
respeitada, por meio da destinação real e efetiva de seus recursos para o
cumprimento de suas finalidades, de forma a existir um perfeito equilíbrio entre a
arrecadação e a sua destinação, pois não se pode permitir que o tributo interventivo
não atue como instrumento de intervenção.
195
Como todo tributo, as contribuições de intervenção precisam ser criadas por
lei, a qual poderá ser uma lei ordinária, não sendo necessária a existência de uma
lei complementar específica, pois a Constituição já trouxe o seu caráter essencial,
consubstanciado na finalidade interventiva e, ainda, o CTN traz as normas gerais
necessárias para a sua incidência no mundo jurídico. Contudo, a lei ordinária que a
instituir precisa definir quais são suas finalidades interventivas, bem como formular
meios para que as mesmas sejam alcançadas, mediante a criação de um órgão ou
um fundo específico para receber e aplicar os recursos na utilização dessas
finalidades.
As contribuições de intervenção no domínio econômico também não podem
incidir mais de uma vez para a realização da mesma finalidade, pois a incidência do
tributo precisa ocorrer de forma proporcional e efetiva à necessidade da intervenção.
Necessitam ainda respeitar o princípio da repartição de competências dos entes
federados, de modo que não podem incidir sobre a materialidade de fatos jurídicos
tributários pertencentes aos Estados e Municípios, uma vez que somente pode ser
instituída pela União. Dessa forma, por serem tributos, necessitam respeitar a
repartição de competência prevista no Texto Constitucional, pois são aplicadas a
elas todas as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Dentro dessa ótica, surge a contribuição de intervenção no domínio
econômico incidente sobre petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool
combustível, também conhecida como CIDE combustíveis, a qual adentrou o
ordenamento jurídico nacional com a EC nº 33, de 11 de dezembro de 2001, e,
posteriormente, com as leis nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001, e 10.636, de 30
de dezembro de 2002.
Ao se analisar cada uma das finalidades das contribuições incidentes sobre
combustíveis e derivados, observa-se que a finalidade de subsidiar preços e
transportes de combustíveis é uma finalidade interventiva, pois o segmento
representa importância singular no desenvolvimento sócio-econômico do país, em
virtude da viabilização do escoamento dos fatores de produção e também do direito
de ir e vir. Contudo, não há a existência de nenhum órgão executor da intervenção e
muito menos a existência de um fundo específico para receber os recursos
196
recolhidos com a exação tributária, o que torna a medida desprovida de eficácia,
sendo, portanto, inconstitucional a sua incidência.
Em relação à finalidade de financiamento de projetos ambientais
relacionados com a indústria do petróleo e do gás, observa-se não só que esta
finalidade extrapola os limites da intervenção no domínio econômico, pois, da forma
como incide, acaba por recair no consumidor final, elo mais fraco da cadeia
produtiva, como também não satisfaz o princípio do poluidor-pagador, pois não
internaliza o custo ambiental nos fatores de produção. Além do mais, também não
prevê a criação de um fundo específico para a retenção desses recursos, o que
denota sua inconstitucionalidade.
Inconstitucional também é a sua finalidade de financiar projetos de infra-
estrutura de transportes, pois não possui nenhuma atribuição interventiva, na
medida em que é prerrogativa do Estado, verdadeira meta política para a promoção
do desenvolvimento do país, custeado com o produto da arrecadação dos impostos.
Ainda em relação às finalidades da contribuição em questão, conclui-se que
seus recursos não estão sendo destinados de forma efetiva às suas finalidades, o
que provoca um desvirtuamento desse instituto. Isto porque as finalidades são
requisitos essenciais para o fundamento de validade das contribuições, autorizam o
contribuinte a se negar a recolhê-la aos cofres públicos e o Judiciário a exercitar o
seu controle de constitucionalidade em prol dos interesses sociais.
A contribuição interventiva incidente sobre combustíveis e derivados invade
a competência dos Estados-membros, pois tributa operações que já sofrem a
incidência do ICMS, ferindo a regra de competência estipulada pela Constituição
Federal.
O tributo em análise também não respeita os princípios da legalidade e
anterioridade, bem como a imunidade inserida no art. 155, §3º da CF, pois as
exceções criadas a esses princípios e à imunidade em questão ferem a sua
qualidade de direito fundamental do contribuinte, inseridas no art. 60, § 4º, IV da CF,
pois foram incluídas pelo legislador constitucional derivado.
197
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