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Universidade Federal do Rio de Janeiro A CONTRATRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA Ana Bárbara de Toledo Andrade 2009

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A CONTRATRANSFERÊNCIA

NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Ana Bárbara de Toledo Andrade

2009

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UFRJ

A CONTRATRANSFERÊNCIA

NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Ana Bárbara de Toledo Andrade

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica. Orientadora: Regina Herzog

Rio de Janeiro

Fevereiro/2009

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A CONTRATRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Ana Bárbara de Toledo Andrade

Orientadora: Regina Herzog

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teoria

Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica.

Aprovada por:

_______________________________

Presidente, Profa. Dra. Regina Herzog

_______________________________

Profa. Dra. Simone Perelson

_______________________________

Profa. Dra. Maria Isabel Fortes

Rio de Janeiro

Fevereiro/2009

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Andrade, Ana Bárbara de Toledo A contratransferência na clínica psicanalítica. Ana Bárbara de Toledo Andrade. Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2009 ix, 101 f. ; 29,7 cm

Orientadora: Regina Herzog Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IP/Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica, 2006.

Referências Bibliográficas: f. 96-101. 1. Contratransferência. 2. Função do analista. 3. Afetividade. 4. Dissertação. I. Herzog, Regina. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Instituto de Psicologia/ Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica. III. Título

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Aos meus pais

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Agradecimentos

À minha orientadora, Regina Herzog, pela generosidade em ensinar e pela condução

delicada e, ao mesmo tempo, rigorosa, em todo o percurso do mestrado.

Aos meus pais, Edgar e Tereza, pelo apoio e dedicação constantes.

Ao Jonas, por todo seu afeto e paciência.

Às minhas irmãs, Maria Isabel e Constança, e, aos meus amigos, Fabiana e Leandro,

pelo estímulo, interesse e amizade.

Aos professores, pelas contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa.

Principalmente, Joel Birman, Isabel Fortes, Simone Perelson, Anna Carolina Lo Bianco

e Marta Rezende Cardoso.

Aos colegas de pesquisa do mestrado, pelas discussões enriquecedoras.

Ao Marcos Comaru, pelos apontamentos sobre o ensino de Lacan.

Ao Carlos, sobretudo pelo acolhimento.

Ao Andres, pelos esclarecimentos a respeito dos termos em alemão.

A Ediléia e Suzy, bibliotecárias do CPRJ e SBPRJ, pela disponibilidade em ajudar.

Ao CNPq, pelo apoio financeiro durante os dois anos de mestrado.

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Resumo

A CONTRATRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Ana Bárbara de Toledo Andrade

Orientadora: Regina Herzog

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação

em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre

em Teoria Psicanalítica.

Esta dissertação tem como objetivo averiguar o lugar dos afetos do analista na

clínica psicanalítica. Embora Freud tenha alertado para os “perigos” representados pelas

respostas afetivas do analista despertadas na relação transferencial, partimos da hipótese

de que o texto freudiano dá margem a uma concepção positiva da contratransferência. A

investigação se dirige, de forma predominante, aos escritos técnicos de Freud,

privilegiando o exame rigoroso da função analítica e do conceito de contratransferência.

Num segundo momento, são discutidas as concepções de contratransferência

propostas por Sándor Ferenczi, Paula Heimann, Margareth Little, D. W. Winnicott,

Annie Reich e Lucia Tower, além da crítica de Jacques Lacan ao conceito.

A pesquisa formula uma distinção entre contratransferência atuada e

contratransferência elaborada, dois destinos possíveis para os afetos do analista na

clínica. Tal distinção nos permite defender a hipótese de que Freud deixa implícita uma

perspectiva mais favorável a respeito dos afetos contratransferenciais na experiência

psicanalítica.

Palavras-chave: psicanálise; contratransferência; função do analista; afetividade.

Rio de Janeiro

Fevereiro/2009

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Résumé

LE CONTRE-TRANSFERT EN CLINIQUE PSYCHANALYTIQUE

Ana Bárbara de Toledo Andrade

Directrice de dissertation : Regina Herzog

Résumé de la Dissertation de Maîtrise soumise au Programme de Deuxième

Cycle en Théorie Psychanalytique, à l’Institut de Psychologie de l’Université Fédérale

de Rio de Janeiro - UFRJ, faisant partie des conditions nécessaires à l’obtention du titre

de Maître en Théorie Psychanalytique.

L'objectif de cette dissertation est d'analyser la place de l'affect du psychanalyste

en clinique psychanalytique. Quoique Freud ait alerté sur les "dangers" que représentent

les réponses affectives du psychanalyste déclanchées par la relation de transfert, nous

partirons de l'hypothèse que le texte freudien permet une interprétation positive du

contre-transfert. La recherche se porte essentiellement sur les écrits techniques de

Freud, en privilégiant l'examen rigoureux de la fonction analytique et du concept de

contre-transfert.

Dans un deuxième temps, nous discuterons les conceptions de contre-transfert

proposées par Sándor Ferenczi, Paula Heimann, Margareth Little, D. W. Winnicott,

Annie Reich e Lucia Tower, ainsi que la critique de Jacques Lacan.

Cet étude formule une distinction entre l'acting-out contre-transférentiel et la

perlaboration du contre-transfert, deux possibles destinées pour les affects du

psychanalyste en clinique. Cette distinction nous permet de défendre l'hypothèse que

Freud laisse implicite une perspective plus favorable à propos des affects contre-

transférentiels dans l'expérience psychanalytique.

Mots-clés: dissertation; psychanalyse; contre-transfert; fonction analytique; affectivité.

Rio de Janeiro

Février/2009

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Sumário

INTRODUÇÃO: O analista diante da contratransferência..............................................

CAPÍTULO 1: Ambigüidade em Freud ou especificidade do lugar do analista?............

O lugar do analista nos primórdios da técnica.................................................................

O caso Dora e seus efeitos sobre a técnica......................................................................

As contradições do pensamento freudiano......................................................................

A abstinência como proteção ao analista.........................................................................

A subjetividade do analista no processo de análise.........................................................

A dinâmica particular da função do analista...................................................................

CAPÍTULO 2: A contratransferência após Freud...........................................................

A delimitação imprecisa do conceito...............................................................................

As proposições de Ferenczi.............................................................................................

A virada dos anos 50........................................................................................................

A oposição de Lacan às formulações dos anos 50...........................................................

Arrematando nossa discussão..........................................................................................

CAPÍTULO 3: Um caminho para a afetividade do analista na clínica psicanalítica.......

Uma questão introdutória................................................................................................

Correspondência entre Freud e Binswanger: uma via de investigação...........................

Afeto em ato versus afeto elaborado...............................................................................

O sentido das palavras domínio, controle e sobrepujamento..........................................

O analista diante de seus afetos.......................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A contratransferência como aliada.................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................

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Introdução

O analista diante da contratransferência

Todo analista, no exercício de sua função, está submetido aos efeitos do

encontro com seu paciente. Este encontro produz um campo de afetação mútua, que é a

própria relação transferencial, da qual nem analista nem analisando podem escapar

ilesos. Freud sempre chamou a atenção, ao longo de suas formulações teóricas, para a

implicação radical do analista na experiência psicanalítica. Advertiu para o fato

inevitável de que, ao manejar as forças pulsionais do analisando, os afetos, conflitos e

fantasias do analista seriam assim despertados, impondo ao analista a necessidade de se

posicionar frente à emergência de suas próprias forças pulsionais, a fim de dar a elas

algum destino (FREUD, 1937).

Ao ser atingido, afetado em sua própria subjetividade, cabe ao analista dar conta

desses afetos, com vistas a prosperar no exercício da função analítica. Desta maneira, a

questão que move este trabalho é a de saber qual o lugar da afetividade do analista na

clínica psicanalítica. O que o analista deve fazer com os afetos, emoções, sentimentos

produzidos pelo encontro transferencial? Trata-se de discutir, por uma motivação ética,

o que se exige do analista para o exercício de sua função, dando ênfase ao aspecto

afetivo da experiência psicanalítica.

Antes de apresentar as principais questões que serão abordadas nesta pesquisa,

duas observações são imprescindíveis. Em primeiro lugar, cabe esclarecer a

terminologia utilizada na dissertação. Ao procurar circunscrever, na pesquisa, o campo

afetivo na experiência psicanalítica, não pretendemos nos deter em uma análise

conceitual rigorosa da figura do afeto no pensamento freudiano, ainda que esta noção

tenha uma importância fundamental tanto no âmbito teórico quanto no clínico. A noção

de afeto será designada aqui como o estado subjetivo produzido por uma afetação no

encontro com o outro, conduzindo à ação ou inibindo-a. O afeto não corresponde

precisamente à soma de excitação nem à moção pulsional, mas é algo que se produz a

partir delas, incluindo-as (FERREIRA & VERTZMAN, 2008; GONDAR, 2008).

A segunda observação se refere ao uso, nesta pesquisa, dos termos afeto,

emoção, sentimento, força pulsional, desejo, entre outros. Cada um destes termos tem

um lugar estabelecido na trama conceitual psicanalítica, ainda que alguns deles careçam

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de uma definição mais precisa no texto freudiano. Ao longo de nossa exposição

utilizaremos de forma indiscriminada estes termos por considerar mais importante, na

discussão, indicar que todos eles, de alguma forma, se encadeiam em um determinado

sentido comum, enfatizando a mesma idéia, a saber, a dimensão subjetiva da função

analítica.

A rede semântico-conceitual estabelecida nesta pesquisa corresponde àquilo que

Hanns (1999, 2003) designa como “trama enfática”, um recurso estilístico presente na

obra de Freud, usado para enfatizar uma mesma “idéia-força”, com vistas a fazer

contraposição a uma outra idéia. Como esclarece Hanns (1999), não só em Freud, como

também em outros autores e, mesmo, no uso habitual do idioma, é comum que se

recorra a tais arranjos semântico-conceituais. As “tramas enfáticas” formam blocos de

palavras que detém certa conotação em comum, empregadas quase como sinônimos.

Não se diferenciam entre si, mas, ao contrário, se reforçam mutuamente, estando

organizadas em torno de uma mesma “idéia-força” (HANNS, 2003). No texto

freudiano, servem para contrapor tendências psíquicas umas às outras. “São quase

variações melódicas que permitem martelar certas idéias e sensações, mas em seu

manejo há uma variabilidade e espontaneidade” (HANNS, 1999, p. 192). Quanto à

variabilidade no manejo, o autor se refere ao fato de que tais tramas não se repetem

sempre do mesmo modo em todos os textos. Quanto à espontaneidade, ela diz respeito

ao modo como essas tramas enfáticas se formam, de modo espontâneo, não sendo

necessariamente resultado de uma construção intencional do autor.

Neste sentido, o uso indiscriminado das palavras afeto, sentimento, emoção,

desejos e pulsões nos serve justamente para enfatizar a mesma “idéia-força”, isto é, dar

ênfase ao campo subjetivo do analista, para contrapô-lo à objetividade e racionalidade,

mais facilmente atribuídas, no texto freudiano, à função analítica. Deste modo, vamos

apresentar, de início, certa polaridade entre a objetividade e racionalidade, de um lado, e

a subjetividade, de outro, a fim de ressaltar os dois aspectos da posição do analista.

Veremos, contudo, que ao invés de se contrapor, ambos os aspectos se conjugam no

exercício da função analítica.

Nesta perspectiva, o conceito de contratransferência se revelará como questão

essencial em nossa pesquisa. Em primeiro lugar, através deste conceito será possível

notar, de forma mais clara, a trama enfática a que aludimos acima, uma vez que

conjugamos, na mesma terminologia, as noções de afeto, emoções, conflitos e fantasias,

quando entendidas como efeito da relação transferencial na situação analítica. Embora o

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exame da literatura acerca do conceito indique, como veremos, que se trata de um termo

utilizado com diferentes acepções, tendo sido muitas vezes distorcido, ampliado e

modificado, teremos o cuidado de não resvalar nessa polissemia, remetendo-nos à

concepção de contratransferência sugerida pelo texto freudiano.

Além disso, este conceito dá margem à discussão a respeito da polaridade entre

objetividade e subjetividade na função analítica. Percebe-se claramente a posição

intelectualista de Freud em relação ao fenômeno contratransferencial, ao se mostrar

avesso à presença de afetos irrompendo do lado do analista. A imagem do intruso

indesejado, a que Freud faz alusão no artigo Cinco lições de psicanálise (FREUD, 1910

[1909]), referindo-se ao conteúdo recalcado que insiste em retornar à consciência, serve

de ilustração para o modo como ele encarava a afetividade contratransferencial. A esses

afetos insistentes, importunos, que remetem à subjetividade do analista despertada no

encontro transferencial, Freud (1915 [1914]) recomenda muita cautela e um esforço

objetivo para dominá-los, sobrepujá-los.

A despeito do discurso manifesto de Freud, buscaremos mostrar que seu texto

deixa implícita uma perspectiva mais favorável quanto aos afetos contratransferenciais.

A hipótese que orienta esta pesquisa é a de que Freud apostava, sim, na afetividade do

analista como aliada ao trabalho analítico. Desta maneira, pretendemos deslocar o

conceito de seu lugar tradicionalmente estabelecido, como elemento indesejado e

perturbador ao ofício psicanalítico, para incluí-lo, no contexto clínico, como

favorecedor da função analítica. Não pretendemos, com isso, elevar o conceito à

categoria de instrumento essencial do trabalho analítico. O que queremos demonstrar,

sim, é que o discurso freudiano deixa brechas para uma concepção positiva do

fenômeno contratransferencial.

Para tanto, empreenderemos, no primeiro capítulo, uma leitura dos artigos

freudianos que tratam da técnica psicanalítica, nas diferentes fases de sua elaboração

teórica, a fim de alcançar um entendimento sobre a função do analista no pensamento de

Freud. Indicaremos – neste capítulo intitulado Ambigüidade em Freud ou especificidade

do lugar do analista? – uma tensão constante entre duas perspectivas opostas. De um

lado, a posição de Freud claramente favorável à objetividade e racionalidade da função

analítica, sem brechas para a entrada dos afetos, emoções e sentimentos do analista no

espaço analítico. De outro, um posicionamento que contrasta de maneira evidente com o

primeiro ponto de vista, ao admitir a possibilidade de o analista desempenhar sua

função estando sob o domínio das pulsões e de sua subjetividade.

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O que pretendemos demonstrar será justamente o caráter paradoxal do

pensamento freudiano no que diz respeito ao lugar do analista. O posicionamento

paradoxal em Freud nos permitirá formular a hipótese de que a especificidade do

trabalho analítico consiste justamente na concepção do lugar do analista que concilia

dois movimentos opostos: um que exige certa rigidez objetiva e outro que assinala o

abandono do analista à própria subjetividade. Trata-se de duas perspectivas

supostamente inconciliáveis, mas que, se consideradas em seu conjunto, acabam por se

combinar no sentido de constituir o ofício do psicanalista.

No segundo capítulo, nos deteremos na análise do conceito de

contratransferência, abordando as contribuições teórico-clínicas surgidas depois de

Freud. Sándor Ferenczi, Paula Heimann, Margareth Little, Annie Reich e Lucia Tower

serão os autores trazidos à discussão. Pretendemos explicitar seus principais pontos de

vista, com os quais buscaremos estabelecer uma interlocução, em um esforço de

articulação com as formulações de Freud. A posição de Lacan a respeito da

contratransferência também será debatida neste capítulo, que tem como título A

contratransferência após Freud. Apresentaremos os fundamentos da crítica lacaniana à

proposta clínica que defende o emprego da contratransferência como instrumento

princeps da prática psicanalítica. Não buscaremos, no entanto, empreender um estudo

aprofundado da construção conceitual lacaniana quanto ao lugar do analista, na medida

em que excederia os objetivos da presente pesquisa.

Em Um caminho para a afetividade do analista na clínica psicanalítica, o

terceiro e último capítulo, indicaremos, com o auxílio de conceitos da teoria

psicanalítica, a abertura de vias de análise do fenômeno contratransferencial.

Trataremos, sobretudo, do destino a ser dado à afetividade do analista como efeito do

encontro transferencial. A distinção entre o acting-out contratransferencial e a

elaboração contratransferencial, duas vicissitudes possíveis para os afetos emergentes

do lado do analista, propiciará uma importante discussão, dando margem ao

entendimento daquilo que Freud pretendia propor ao abordar a questão da

contratransferência. Por fim, apresentaremos um caminho, deixado implícito no texto

freudiano, para a utilização dos afetos do analista na experiência psicanalítica.

A possibilidade que há, no texto freudiano, de abrir-se para novas formas de

compreensão de seus conceitos, evidencia que a psicanálise, ao se renovar

continuamente, é capaz de se configurar como uma produção permanentemente nova

(HERZOG, 2000). Tendo isso em vista, talvez nosso desafio seja o de conjugar um

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esforço de fidelidade ao texto freudiano, mas que, ao mesmo tempo, procure desvendar

os pontos deixados obscuros e pouco desenvolvidos em sua obra, criando assim novas

formas de leitura e interpretação.

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Capítulo 1:

Ambigüidade em Freud ou especificidade do lugar do analista?

O objetivo deste capítulo é investigar a posição de Freud quanto à função do

analista na clínica psicanalítica. Examinando seus escritos sobre a técnica psicanalítica,

pretendemos mostrar a constante oscilação entre uma perspectiva intelectualista, que

concebe o trabalho do analista como predominantemente objetivo e racional, e uma

perspectiva que considera a subjetividade e a afetividade do analista como atributos do

ofício analítico. Com base nesse aparente dualismo, discutiremos a suposta

ambigüidade da posição freudiana no que se refere à função do analista. Um exame

mais acurado dos dois aspectos discordantes nos levará a sugerir, no final do capítulo,

que mais do que uma ambigüidade em Freud, essa contradição revela uma dinâmica

particular da função do analista, esboçada ao longo dos desdobramentos do texto

freudiano.

O lugar do analista nos primórdios da técnica

Iniciando, em ordem cronológica, o estudo dos textos freudianos sobre a técnica

psicanalítica, vejamos o artigo Psicoterapia da histeria (FREUD, 1895), publicado nos

Estudos sobre a histeria (BREUER & FREUD, 1893-1895), que pode ser considerado

sua primeira sistematização teórica da prática clínica. Embora não se trate, nesse artigo,

da clínica psicanalítica, tal como Freud viria a desenvolver posteriormente, já é possível

vislumbrar, na descrição do método catártico, muitos dos conceitos que vão constituir

mais tarde o arcabouço teórico-conceitual da prática psicanalítica. Nesse momento,

Freud já abandonara a hipnose, que era aplicada apenas ocasionalmente, e fazia uso da

sugestão, que era facilitada pela imposição das mãos sobre a testa ou pela pressão na

cabeça do paciente deitado no divã. O ponto de partida da sessão eram os sintomas: a

partir deles desenrolava-se a fala do paciente. Tratava-se de evocar os conflitos de uma

forma intencional. O analisando devia começar a sessão relatando os seus sintomas, o

que pressupunha o esforço consciente no sentido de uma convocação deliberada de suas

lembranças.

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Observa-se, nesse artigo, certa ênfase na relação entre o médico1 e o paciente,

prefigurando o que mais tarde Freud vai conceber como principal instrumento do

trabalho psicanalítico. A relação transferencial e, também, a contrapartida

contratransferencial, embora não apareçam nestes termos, são os elementos que

despontam nesse ensaio sobre a terapêutica da histeria. Freud não se restringe a

descrever o lado do paciente no tratamento catártico; o papel do médico e os afetos aos

quais ele se vê submetido são questões também discutidas no artigo.

Uma precondição para o médico realizar o tratamento era a de ter um “interesse

pessoal” (p. 321) em relação ao paciente. Segundo Freud, a terapêutica catártica exigia

muito mais do psicoterapeuta do que qualquer tratamento da medicina, principalmente

em um sentido mais afetivo, na medida em que, para tratar do paciente, o psicoterapeuta

precisaria necessariamente simpatizar com ele. “Não posso me imaginar mergulhando

no psiquismo de uma histeria de alguém que me tenha impressionado como grosseiro e

repelente” (Freud, 1895, p.321). Nestes termos, vemos que Freud concebia como

condição fundamental que o médico tivesse disposições afetivas positivas em relação ao

paciente, afastando a possibilidade de tratar de um paciente quando este lhe despertasse

afetos de caráter negativo.

Quanto ao paciente, há também uma precondição complementar àquela do

médico para que ele possa dar início ao tratamento. O fator afetivo é mais uma vez

levantado por Freud, ao indicar que a confiança no médico lhe permitiria exercer

influência sobre o paciente, a fim de remover suas resistências. E, no desenrolar do

tratamento, quando as resistências se revelassem intensas, e a cooperação do paciente

fosse sentida por ele como um sacrifício pessoal, a disposição afetiva do médico em

relação ao paciente seria novamente convocada. Exigia-se, então, que se recompensasse

o paciente oferecendo-lhe “algum substituto do amor” (p. 359), tal como sua

preocupação, amizade ou benevolência. Essa observação, sugerindo a necessidade de o

médico oferecer ao paciente algum equivalente do amor, mostra-se contrária ao

princípio de abstinência que Freud irá formular posteriormente. Voltaremos a esta

questão mais adiante.

1 Optamos pela utilização do termo “médico” – e, do mesmo modo, por “psicoterapeuta” –, ao invés de “psicanalista”, toda vez que nos referirmos às formulações de Freud em Psicoterapia da histeria (1895). Como assinalamos de início, este artigo de 1895 aborda o método clínico de Freud anterior ao que mais tarde se constituirá como prática psicanalítica propriamente dita. Por essa razão, só quando passarmos a discutir os textos posteriores ao artigo Psicoterapia da histeria, utilizaremos os termos “analista” e “psicanalista” – estes dois, empregados indistintamente nesta pesquisa.

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Por ora, é importante observar mais detidamente como Freud concebia, nesse

artigo, o papel do psicoterapeuta no tratamento. O objetivo da terapêutica era que o

paciente pudesse chegar às idéias patogênicas que se opunham à recordação,

externando-as através da catarse emocional. Ao médico cabia unicamente induzir o

paciente a agir desta maneira e, para isso, deveria exercer uma insistência repetida para

que o paciente prosseguisse com o trabalho de rememoração. Desta maneira, a função

do médico era a de superar, através de seu próprio “trabalho psíquico” (p. 326), a

resistência do paciente à recordação. Para isso, precisaria fazer uso do que Freud

designa como “compulsão psíquica” (ibid.), isto é, deveria dispor de uma energia

psíquica própria para se contrapor à energia psíquica do paciente empregada na

resistência, a fim de favorecer o processo de rememoração. Deste modo, como indicam

Birman e Nicéas (1982), é possível supor que o médico também precisaria superar suas

próprias resistências para poder ajudar o paciente a superar as dele.

Embora Freud (1895) indicasse na ocasião a necessidade desse trabalho psíquico

por parte do psicoterapeuta, não devemos supor que ele o considerasse em termos

afetivos e, muito menos, como indicativo de um trabalho inconsciente. Apesar de

fatores afetivos serem citados em certas passagens do artigo, eles parecem restritos à

relação entre psicoterapeuta e paciente, sendo tomados apenas como favorecedores do

processo. Ao descrever sua terapêutica para a histeria, o que Freud parece ter em mente,

quanto à especificidade do trabalho do médico, é a de que se trata de uma tarefa

essencialmente racional. Ela visaria elucidar aquilo que se encontra esquecido pelo

paciente, a partir de uma investigação objetiva. Desta maneira, ao médico, caberia

seguir “com visão crítica” um “pedaço de fio lógico” (Freud, 1895, p. 350) para chegar

à “hipótese” (p. 352) que poderia produzir os efeitos esperados no paciente.

Essa objetividade exigida ao psicoterapeuta está implícita no final do artigo,

quando Freud compara a psicoterapia catártica à intervenção cirúrgica. Sabemos que ele

recorrerá muitas vezes a essa analogia, mas aqui ele o faz da forma mais clara, sem

reservas.

Tenho descrito meus tratamentos como operações psicoterapêuticas e tenho apresentado a analogia delas com a abertura de uma cavidade cheia de pus, a raspagem de uma região cariada, etc. Uma analogia dessa espécie encontra justificativa não tanto na remoção do que é patológico como no estabelecimento de condições que com maior probabilidade conduzem o processo na direção da recuperação (FREUD, 1895, p. 362).

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Freud recorre à imagem da cirurgia para que não se tenha dúvida de que não há

nada que precise ser executado de forma mais fria. Essa comparação indica que as

condições mais favoráveis para a recuperação do paciente seriam obtidas quando o

psicoterapeuta, seguindo a metáfora do cirurgião, se detivesse numa técnica objetiva e

racional.

Após Psicoterapia da histeria (FREUD, 1895), os artigos sobre a técnica

psicanalítica são os que nos fornecem mais informações sobre o lugar do analista no

pensamento freudiano. Desde a publicação de seu livro Estudos sobre a histeria (1895),

Freud demorou mais de quinze anos para voltar à questão, apresentando uma descrição

ampliada de sua técnica. Os métodos de análise utilizados por ele neste intervalo só

podem ser inferidos a partir de algumas observações presentes em A interpretação dos

sonhos (1900) e nos casos clínicos publicados durante o período. Acompanhemos seu

percurso sobre o tema.

Em A interpretação dos sonhos (1900), a posição de Freud não se distingue

daquela apresentada em Psicoterapia da histeria (1895) quanto à perspectiva objetiva e

racional do lugar do analista. A interpretação é formulada como sendo uma produção

gerada por um trabalho objetivo de elucidação do material inconsciente – “a via real que

leva ao conhecimento das atividades inconscientes da mente” (FREUD, 1900, p. 647).

Ela teria como propósito a elucidação de uma verdade escondida, isto é, a decifração de

um “significado secreto” (apud. p. 544) a ser desvendado pelo método da interpretação.

Já o artigo Fragmento da análise de um caso de histeria (1905 [1901]) traz

mudanças significativas quanto à objetividade do trabalho do analista, podendo ser

considerado emblemático de uma mudança na posição freudiana quanto à função do

analista. Convém lembrar que o tratamento de Dora só durou três meses, terminando

abruptamente por uma decisão repentina da paciente. No entanto, apesar de ter durado

pouco tempo, a experiência de Freud como analista de Dora foi determinante para o

remanejamento das bases da técnica psicanalítica.

O caso Dora e seus efeitos sobre a técnica

O relato clínico do caso Dora descreve o início da atividade de Freud como

psicanalista, quando a técnica utilizada se distanciava daquela apresentada em

Psicoterapia da histeria (FREUD, 1895). Embora não esmiúce a técnica em seus

pormenores, Freud esclarece que, no tratamento de Dora, o trabalho associativo já não

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era mais empreendido a partir dos sintomas e, sim, a partir daquilo que o paciente

preferia falar a cada sessão, respeitando a regra da associação livre (FREUD, 1905

[1901]). Como Freud (1914) explica em outra ocasião, a mudança na técnica consistia

em abandonar a tentativa de colocar em foco um problema específico, contentando-se

em verificar o que se encontrava na superfície psíquica do paciente, a fim de fazer o

trabalho interpretativo – principalmente identificar as resistências e torná-las

conscientes.

A possibilidade de o paciente escolher o assunto para falar durante a sessão, não

tendo que dar início à fala a partir de suas impressões relativas ao sintoma, tinha o

objetivo de criar condições propícias para a emergência do material inconsciente, uma

vez que o discurso manifesto do paciente não era mais determinado por um ponto de

partida imposto pelo analista. Desta maneira, ao desfiar seu carretel de associações,

entregando-se livremente às idéias que emergiam espontaneamente, sem críticas ou

julgamentos, seu próprio inconsciente daria a direção do trabalho.

A breve menção à associação livre é uma das poucas ocasiões em que a técnica

psicanalítica é abordada no artigo clínico de 1905. Freud reconhece não ter descrito a

técnica de forma aprofundada. Explica, porém, que essa omissão não causa grande

problema, já que a análise da transferência – aquilo que, após o final do tratamento de

Dora, passou a considerar como a parte mais difícil do trabalho técnico – não pôde ser

empreendida durante o processo de análise. Esta é a questão fundamental debatida no

final do relato clínico, quando interpreta a interrupção prematura da análise. Em função

do fracasso clínico, ele se vê obrigado a realizar uma modificação essencial de sua

técnica, trazendo para o primeiro plano a análise meticulosa da transferência.

Freud explica que Dora abandonou a análise porque ele não interpretou, a

tempo, a resistência expressa na transferência. Mas por que ele não conseguiu

interpretar a transferência da paciente? A resposta mais fácil é a de que, na ocasião, a

análise da transferência ainda não era concebida como um dos instrumentos centrais da

prática analítica. Seu texto, entretanto, nos ajuda a esboçar outra hipótese. Na verdade,

Freud já havia notado um pequeno indício da transferência de Dora, como ele próprio

reconhece, mas não dera grande importância a isso em virtude da satisfação que vinha

obtendo a partir dos conteúdos de análise que estava conseguindo elucidar.

Devido à rapidez com que Dora colocou à minha disposição uma parte do material patogênico durante o tratamento, descuidei-me da precaução de procurar os primeiros sinais de transferência, que estava

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sendo preparada em ligação com outra parte do material (...). Mas eu não atentei para este primeiro aviso, julgando ter ainda muito tempo (FREUD, 1905 [1901], p. 115).

A referência a tal ‘descuido’ parece ser o reconhecimento de sua inadvertência,

ao valorizar muito mais o discurso coerente que a paciente oferecia. Por isso ficava

difícil dar atenção àquilo que aparecia de forma velada na relação analítica. Freud, até

aquele momento, mostra preferência pela coerência do discurso manifesto produzido em

análise, passível de tradução e elucidação rápida pelo analista, negligenciando assim

aspectos mais sutis que se apresentavam na relação analítica (BIRMAN & NICÉAS,

1982). No caso Dora, ele se deixou seduzir pela abundância do material onírico

oferecido pela paciente, deixando de lado o outro material que ela lhe dirigia na relação

transferencial. 2

A noção de sobredeterminação psíquica, introduzida por Freud – que pressupõe

a existência de inúmeras fontes psíquicas para o mesmo fenômeno –, contribui para a

discussão a respeito de sua atitude no caso Dora. Nesse mesmo artigo, ele afirma que

“quem quer que se dedique ao trabalho psicanalítico descobrirá que um sintoma tem

mais de um significado e serve para representar simultaneamente diversos processos

mentais inconscientes” (1905 [1901], p. 44).

Ao invés de dar atenção aos “diversos processos mentais inconscientes”, Freud

opta, contudo, por uma única interpretação dos sintomas da paciente, a saber, seu amor

pelo Sr. K. 3 O relato clínico revela este aspecto subjetivo de Freud: ele prefere fechar

os olhos, esquivando-se da dinâmica transferencial que se delineia na sua relação com a

paciente.

Sua atitude no encaminhamento desse caso evidencia o que Klauber (1968)

sugere como conseqüência inevitável da noção de sobredeterminação psíquica. Segundo

o autor inglês, o analista tem a possibilidade de, a cada momento, escolher um entre os 2 Lacan (1951) já chamara atenção para este aspecto da subjetividade de Freud, que teria se deixado atrair e seduzir pelo relato da paciente, cujo rigor e precisão das lembranças relatadas durante as sessões contrastavam com a costumeira “imprecisão biográfica” própria à neurose. 3 A preferência de Freud por um ponto de vista em detrimento de outro pode ser reafirmada a partir de sua observação tardia a respeito do que considera como sua principal “falha” (Freud, p. 116) técnica no caso Dora. Freud acrescenta ao relato clínico uma nota de pé de página – a qual aparece apenas em 1923 – em que desdobra a interpretação a respeito de seu “descuido” no manejo do caso. Só muito posteriormente ao término do tratamento, ele pôde considerar como principal erro técnico a omissão da interpretação do laço homossexual que ligava Dora à Sra. K – e não a omissão da interpretação da transferência, como afirmara previamente. Esta omissão pode ser explicada, segundo Lacan (1951), pela contratransferência de Freud no caso Dora, a qual é descrita nos termos de uma identificação de Freud com o Sr. K. Ao colocar-se demasiadamente no lugar desse homem, Freud acabou por voltar repetidamente sua atenção para o amor de Dora pelo Sr. K., o que o impedia de perceber o amor homossexual da paciente.

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possíveis sentidos que se abrem ao trabalho de interpretação. A direção que a

interpretação poderá tomar não é assim determinada unicamente pela racionalidade do

analista. A posição subjetiva do analista, incluindo-se aí sua conjuntura afetiva,

certamente contribui para que dê preferência inicialmente a um entre os “diversos

processos mentais inconscientes” (FREUD, 1905 [1901], p. 44).

A análise de Dora e, sobretudo, seu desfecho inesperado acarretaram uma

mudança no modo de analisar que vigorava até então. O trabalho do analista deixa de

ser uma investigação meramente racionalista e objetiva, que visaria elucidar aquilo que

se encontrava esquecido pelo paciente. Volta-se, agora, para a inevitabilidade do

encontro transferencial, aquilo de que o analista não poderia abster-se. No final do

relato da análise de Dora, Freud faz uma afirmação que parece ser definitiva quanto ao

lugar do analista na relação transferencial: “Ninguém que evoca os mais malignos

demônios que habitam o peito humano e procura combatê-los pode esperar sair

incólume dessa luta” (p. 106) Freud rende-se finalmente à força da transferência, de

cujo “combate” reconhece ser impossível escapar ileso.

A partir daí, o lugar do analista no pensamento freudiano vai ser constantemente

nuançado em virtude de suas elaborações e desdobramentos futuros. Após o caso Dora,

a posição intelectualista deixa de ser predominante, embora reapareça de tempos em

tempos, sempre alternada com outra posição menos objetiva e racional.

As contradições do pensamento freudiano

Antes de publicar sua série de artigos sobre a técnica, Freud apresenta um

trabalho no Congresso de Nuremberg, em 1910, no qual são debatidas algumas questões

relevantes para o entendimento do ofício psicanalítico. Ao tratar das Perspectivas

futuras da terapêutica psicanalítica, é curioso vê-lo retornar à posição de cunho mais

intelectualista, manifestando com entusiasmo sua expectativa de que “nosso

procedimento clínico alcançará grau de precisão e certeza de sucesso que se hão de

encontrar em todo campo especializado da medicina” (1910, p. 131; grifos nossos). A

precisão que buscava nos resultados clínicos leva-o a comparar o procedimento

terapêutico a uma investigação teórica, de tal forma que, ao analista, caberia inferir uma

“idéia antecipadora consciente” (p. 127) do conteúdo recalcado. O paciente, por seu

lado, procuraria outra idéia compatível em seu inconsciente. A “ajuda intelectual” (p.

128) do analista tornaria mais fácil ao paciente superar as resistências entre consciente e

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inconsciente. Freud concebe aqui o trabalho do analista dentro do âmbito puramente

consciente, como um exercício de inferência objetiva a partir do material que se

apresenta a ele. Esse ponto de vista será modificado, logo depois, nos artigos sobre a

técnica, quando relativizará a objetividade que defende no artigo de 1910.

O exame aprofundado da sistematização da técnica psicanalítica (FREUD, 1911-

1915 [1914]) confirma a ambigüidade de Freud no que se refere ao lugar do analista.

Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (FREUD, 1912) é um artigo

que ilustra bem essa ambigüidade, na medida em que consegue conjugar num mesmo

texto posições mutuamente discordantes, mas que não fazem muito ruído quando lidas

de forma desatenta. Uma leitura apressada pode dar a impressão de que Freud estaria

levantando – sem concessões – a bandeira da assepsia psíquica do analista, ao

recomendar ao jovem profissional que mantenha certa frieza em relação a seus

pacientes. Veremos, entretanto, que ele não mantém com rigidez essa posição ao longo

do artigo.

A metáfora do cirurgião – utilizada, como vimos, em 1895 – aparece de novo

neste artigo de 1912. Tal como o cirurgião durante uma operação, o analista não poderia

se deixar tomar por nenhum afeto em relação ao paciente. Em suas palavras, a “frieza

emocional” (FREUD, 1912, p. 153) se justificaria ao possibilitar “condições mais

vantajosas para ambas as partes: para o médico, uma proteção desejável para sua própria

vida emocional, e, para o paciente, o maior auxílio que lhe podemos hoje dar” (ibid.)

A fim de proteger o analista e o paciente, Freud recomenda que o analista

mantenha uma posição de tal opacidade diante do analisando que, “como um espelho,

não deve mostrar-lhe nada, exceto o que lhe é mostrado” (FREUD, 1912, p.157). A

metáfora serve para ilustrar que os aspectos pessoais do analista não devem aparecer na

relação analítica. A recomendação para que fosse erguido um espelho entre analista e

analisando, com a face refletora voltada para o segundo, teria a finalidade de evitar que

o analista expusesse seus afetos e conflitos ao paciente.

Freud justifica a necessidade de uma atitude opaca por parte do analista dizendo

que a exposição de seus traços pessoais na relação analítica poderia ser um obstáculo à

associação livre do analisando. Dessa maneira, como explica Viderman (1990), a

discrição e o apagamento do analista lhe permitiriam assumir todos os papéis que o

paciente quisesse lhe atribuir.

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Por isso Freud (1912) condena a reciprocidade das confidências entre analista e

analisando.4 Quando estabelece a regra do analista-espelho, está preocupado com a

possibilidade de os jovens psicanalistas caírem na tentação de revelar sua própria

individualidade ao paciente, na esperança de que, em conseqüência, as resistências

sejam superadas. Ao expor os próprios defeitos e conflitos, esses analistas pretenderiam

estimular o paciente a falar mais abertamente daquilo que o afligisse. No entanto,

segundo Freud, essa abertura por parte do analista em nada ajudaria na revelação do

inconsciente. Ao contrário, poderia intensificar as resistências, tornando o paciente

insaciável no sentido de querer saber mais sobre o analista do que de si mesmo.

Segundo ele, “a experiência não fala em favor de uma técnica afetiva desse tipo”

(FREUD, 1912, p.156).

Vale nos determos um pouco mais nessa passagem. Depreende-se daí que a

afetividade do analista, quando exposta ao paciente, não favoreceria a condução do

tratamento. É fácil associar a essa recomendação a figura de um analista neutro –

embora Freud, neste artigo, não se refira em momento algum à noção de neutralidade do

analista. 5 No entanto, uma reflexão mais atenta nos leva a concluir que a metáfora do

analista-espelho – diferentemente da metáfora do cirurgião – não pressupõe

necessariamente uma neutralidade afetiva, isto é, a supressão de afetos por parte do

analista. Freud recomenda, simplesmente, que o analista não exponha ao paciente seus

próprios afetos. Ao invés de falar em neutralidade, ele sugere apenas que o analista seja

“opaco” (ibid., p. 157) aos olhos do paciente. A idéia de opacidade traduz o que Freud

parece ter em mente: o analista não pode ser transparente quanto a seus afetos, e a

opacidade do espelho teria a função de garantir o cumprimento dessa recomendação.

Além da troca de confidências, outra atitude condenável seria deixar-se levar por

uma “ambição terapêutica” (FREUD, 1912, p. 158). Essa expressão é usada por Freud

para designar os casos em que a expectativa do analista quanto aos resultados da análise

é maior do que se poderia esperar obter espontaneamente. Segundo ele, “o médico deve

controlar-se e guiar-se pelas capacidades do paciente, em vez de por seus próprios

desejos” (1912, p. 157). Os desejos do analista – descritos como um anseio de

4 Como veremos no próximo capítulo, a troca de confidências – ou mais especificamente, a comunicação da contratransferência ao analisando – foi um recurso utilizado por Ferenczi (1932) na técnica da análise mútua, sendo retomado por Winnicott (1947) e algumas psicanalistas dos anos 50. 5 Não há, no texto freudiano, uma regra técnica que indique especificamente a necessidade de neutralidade do analista. A noção de neutralidade é vaga em Freud, sendo abordada somente quando a regra da abstinência está em discussão. Esta, sim, adquire o estatuto de regra técnica da psicanálise. Discutiremos a regra da abstinência adiante.

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estabelecer altos propósitos e metas de tratamento – são perigosos quando se tornam

objetivo da análise.

No trecho citado, Freud encara os afetos do analista como obstáculo ao

encaminhamento da análise. A observação nos leva de novo à metáfora do cirurgião,

que parece traduzir, mais apropriadamente, a recomendação para que o analista se

liberte dos próprios afetos. Mas, se ele compara o trabalho do analista ao do cirurgião,

subentendendo que o analista deve manter frios a mente e o coração, há outra passagem,

no mesmo artigo, quando se refere à atenção flutuante, em que se depreende a

possibilidade de o analista envolver-se afetivamente no trabalho psicanalítico. Essa

possibilidade está implícita na própria situação analítica, tal como Freud a descreveu.

Convém nos determos na regra da atenção flutuante, a fim de verificar como isso

pode ocorrer. A atenção flutuante pode ser entendida como uma via que se abre no

espaço analítico para a manifestação dos afetos do analista. Trata-se de uma

característica central da escuta analítica. Ela é descrita por Freud como um estado no

qual o analista mantém uma atenção uniformemente suspensa frente a tudo o que escuta,

não dirigindo a atenção para nada específico, sem expectativas nem inclinações.

Se a regra fundamental da psicanálise determina que o paciente associe

livremente seus pensamentos, a regra que se impõe ao analista funciona como

estritamente complementar – “a contrapartida necessária da exigência feita ao paciente,

de que comunique tudo o que lhe ocorre, sem crítica ou seleção” (FREUD, 1912, p.

150). Para cumprir esta regra, o analista procura dominar todas as influências

conscientes da sua capacidade de prestar atenção, abandonando-se assim inteiramente

ao que Freud denomina “memória inconsciente” (ibid., p. 150) do analista.

Deste modo, Freud organiza o campo analítico formado por duas correntes de

memórias inconscientes: do lado do paciente, a associação livre; do lado do analista, a

atenção flutuante (VIDERMAN, 1990). Com relação à primeira corrente, Freud repete

que a condição de possibilidade de emergência do material inconsciente do analisando é

a obediência à regra da associação livre. Em linhas gerais, é sugerido que, se o paciente

se entrega à livre associação, conteúdos inconscientes podem vir à tona para serem

trabalhados em análise. Quando esses conteúdos inconscientes emergem, os afetos

ligados a eles podem vir a se expressar também – só deste modo, no campo das

intensidades afetivas, ao ceder à “vertigem do afeto” (SCHNEIDER, 1993, p. 59), algo

pode ser elaborado no trabalho analítico.

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Se isso ocorre com o paciente, o mesmo pode ocorrer com o analista, uma vez

que este último está sujeito a uma regra dotada de lógica semelhante à da regra a que o

paciente está submetido. A regra técnica dirigida ao analista visa permitir que, devido

ao afrouxamento da vigilância egóica, os conteúdos inconscientes do analista possam

vir à tona e, dessa forma, podem também abrir caminho para os afetos ligados às

representações. Talvez pudéssemos afirmar que a atenção flutuante, descrita como um

estado psíquico no analista no qual ele se entrega livremente à atividade de seu próprio

inconsciente, possibilita certa abertura para as intensidades afetivas no analista, fazendo

com que ele se abandone (isto é, abandone suas defesas egóicas) nesta “vertigem”

afetiva.

A regra da atenção flutuante já aparece esboçada no primeiro dos artigos

técnicos de Freud (1911), que discute a interpretação de sonhos na psicanálise. Neste

texto, é sugerido que o analista abandone seus propósitos conscientes durante o

tratamento, para utilizar sua própria orientação inconsciente na condução do trabalho de

análise. A novidade fundamental desta formulação é que o analista não trabalha mais

como um decodificador e tradutor que, a partir de suas idéias conscientes antecipadas,

busca desvendar o inconsciente do paciente – tal como Freud havia proposto em 1910.

O próprio inconsciente do analista aparece, agora, como um meio privilegiado de acesso

ao material inconsciente do paciente.

A questão será retomada por Freud em 1912, quando formula as condições de

possibilidade para o analista acessar o material inconsciente do analisando.

Ele [o analista] deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente. Deve ajustar-se ao paciente como um receptor telefônico se ajusta ao microfone transmissor. Assim como o receptor transforma de novo em ondas sonoras as oscilações elétricas na linha telefônica, que foram criadas por ondas sonoras, da mesma maneira o inconsciente do médico é capaz, a partir dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados, de reconstruir esse inconsciente, que determinou as associações livres do paciente (FREUD, 1912, p. 154).

A metáfora do receptor telefônico, usada para descrever o lugar do analista no

processo psicanalítico, baseia-se na hipótese de comunicação entre o inconsciente do

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analista e o inconsciente do analisando, processo que se daria, em um primeiro

momento, fora do terreno da consciência.6

Freud (1913) não considera a transmissão de representações entre inconscientes

como restrita ao campo transferencial psicanalítico. “Tenho boas razões para asseverar”,

diz ele, “que todos possuem, em seu próprio inconsciente, um instrumento com que

podem interpretar as elocuções do inconsciente de outras pessoas” (p. 402). Essa

capacidade de interpretação inconsciente não seria, assim, exclusividade da situação

analítica. Trata-se, como sugere Freud, de uma capacidade universal. A situação

analítica, entretanto, favorece – graças ao conjunto de elementos do enquadre analítico

e, sobretudo, devido à regra da atenção flutuante – que a capacidade para a transmissão

inconsciente se desenvolva sem maiores impedimentos.

Vemos com isso que a exigência de Freud no sentido de que os afetos do

analista se mantenham fora do cenário analítico acaba por contrariar as regras técnicas

da própria situação psicanalítica, regras que, na verdade, dão margem à emergência

desses afetos. A possibilidade de o analista direcionar seu próprio inconsciente para o

inconsciente do paciente implica que o analista renuncie ao controle de si – controle que

deveria ocorrer em face da recomendação técnica implícita na imagem do analista-

cirurgião e também, como veremos a seguir, em decorrência da regra da abstinência.

A abstinência como proteção ao analista

Outra exigência técnica que denota um novo aspecto da ambigüidade de Freud é

a regra da abstinência – uma regra a que tanto o paciente quanto o analista deveriam

estar submetidos. A abstinência, segundo Freud (1915 [1914]), teria como objetivo

preservar o tratamento psicanalítico contra desvios considerados perigosos. Mas do que

precisariam eles – analista e analisando – se abster? De que perigos seria necessário se

precaver?

Para responder a estas perguntas, é importante observar que a primeira

formulação do princípio de abstinência aparece nas Observações sobre o amor

transferencial (1915 [1914]), artigo em que é discutida uma dinâmica peculiar do

6 Diante desta perspectiva, fica a questão de qual o estatuto de inconsciente a que Freud se refere nesta hipótese de contato entre inconscientes. Neste momento de sua elaboração teórica, estaria ele se referindo ao inconsciente em seu sentido sistemático, ou tratar-se-ia de um sentido puramente descritivo? Suas considerações a este respeito não são conclusivas, sobretudo porque esta questão parece ter sido abordada por Freud com certa reticência. Voltaremos a esta questão no terceiro capítulo.

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processo de análise, quando o analista está às voltas com a transferência erótica da

paciente. O manejo da transferência, principalmente a erótica, é destacado, aqui, como a

mais séria dificuldade do trabalho analítico. Para manejar a transferência, Freud exige

que a demanda de amor da paciente não seja nunca satisfeita pelo analista, mantendo

como princípio fundamental da análise que “a necessidade e anseio da paciente nela

persistam, a fim de poderem servir de forças que a incitem a trabalhar e efetuar

mudanças” (FREUD, 1915 [1914]).

Neste artigo, a regra da abstinência é definida, em linhas gerais, como a

proibição da satisfação da demanda de amor dos pacientes. Para justificar a necessidade

de tal privação no processo de análise, Freud deixa claro que não se trata de imposição

da moralidade social, mas sim de uma exigência da própria técnica psicanalítica. A

abstinência se justificaria tecnicamente em virtude da necessidade de manter o paciente

trabalhando analiticamente. Freud não aprofunda esta questão em 1915, mas volta a ela

alguns anos mais tarde, em Linhas de progresso na terapia psicanalítica (FREUD, 1919

[1918]), quando esta regra será debatida em maiores detalhes.

Em interlocução com Ferenczi, que acabara de publicar o artigo Dificuldades

técnicas de uma análise de histeria (FERENCZI, 1919), no qual apresenta sua “técnica

ativa”, Freud (1919 [1918]) discute a questão da “atividade” do analista. Reconhece

que, de fato, o analista é ativo em duas tarefas iniciais: tornar consciente o material

recalcado e descobrir as resistências. Mas estes não seriam os únicos exemplos de sua

atividade. A aplicação do princípio de abstinência, a partir do qual o tratamento

analítico é efetuado “sob privação” (ibid., p. 205), é apresentado por ele como um

exercício ativo por parte do analista. Freud explica que o estado de abstinência imposto

ao paciente não diz respeito nem à total ausência de satisfação, que considera

impraticável, nem se refere a sua conotação popular, a de abster-se da relação sexual.

Trata-se, sim, de fazer com que o paciente se mantenha num certo grau de sofrimento,

cuidando para que o sofrimento não acabe prematuramente.

Cabe ao analista, portanto, submeter o paciente à privação, evitando que obtenha

qualquer tipo de satisfação substitutiva ao longo do tratamento; é inclusive indicado

negar justamente a satisfação que o paciente mais intensamente deseja. “É tarefa do

analista detectar os caminhos divergentes e exigir-lhe, toda, vez, que os abandone, por

mais inofensiva que possa ser, em si, a atividade que conduz à satisfação” (ibid., p.206).

Este estado psíquico de privação é considerado favorável ao processo analítico porque

garantiria certo nível de sofrimento psíquico, o que estimularia o paciente a manter seu

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investimento no trabalho de análise, sustentando o desejo de cura. A privação deve

ocorrer principalmente na relação transferencial, pois é, antes de tudo, em sua relação

com o analista que o paciente busca satisfações substitutivas. Neste ponto, Freud será

mais enérgico: “No que diz respeito às suas relações com o médico, o paciente deve ser

deixado com desejos insatisfeitos em abundância” (p. 207).

Vemos que Freud parece distanciar-se, neste artigo, do ponto de vista defendido

em Psicoterapia da histeria (1895), quando achava necessário recompensar os esforços

do paciente, no tratamento, oferecendo-lhe “algum substituto do amor” (p. 359). No

entanto, uma leitura mais atenta dos dois textos nos mostra que a distância entre seus

pontos de vista não é tão grande assim. No artigo Linhas de progresso na terapia

psicanalítica (FREUD, 1919 [1918]), Freud abre concessões à regra da abstinência, em

função da natureza do caso e da individualidade do paciente, atentando apenas para que

tais concessões não sejam excessivas. Sua posição, afinal de contas, não é tão

antagônica em relação à de 1895. Algum equivalente do amor por parte do analista não

é de todo negado ao paciente.

Fora algumas exceções, Freud mantém-se enérgico ao afirmar a proibição

imposta ao analista de satisfazer a demanda de amor dos pacientes. Como justificativa

central para a aplicação deste princípio, ele diz que, se o paciente conseguisse obter

satisfações substitutivas durante o tratamento, a força propulsora da análise, isto é, a

energia pulsional que o impele no sentido de tratar-se, necessariamente diminuiria. Os

motivos para a regra de abstinência não se esgotam, porém, nesta explicação técnica

oferecida por Freud.

Até agora, do modo como apresentamos, a argumentação de Freud está voltada

para os aspectos relativos ao paciente, isto é, os motivos pelos quais o paciente deve ser

frustrado em suas demandas transferenciais. Acontece que, ao mesmo tempo, ele usa

um tom firme de exigência para o analista, uma imposição frente a qual o analista não

pode se descuidar. “A experiência de se levar um pouco por sentimentos ternos em

relação à paciente não é inteiramente sem perigo. Nosso controle sobre nós mesmos não

é tão completo que não possamos subitamente ir mais além do que havíamos

pretendido” (Freud, 1915 [1914], p.214). Aqui aparece, sem meias-palavras, o tal perigo

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de que o analista precisa se precaver: o risco de desejar responder à demanda

transferencial. 7

Diante desse risco, o analista deveria manter-se neutro frente ao paciente. Ao

introduzir a regra da abstinência, Freud (1915 [1914]) se refere pela primeira vez à

questão da neutralidade do analista. Tal neutralidade 8 – que parece significar um

esforço de supressão da afetividade do analista, evitando o perigo de “se levar um pouco

por sentimentos” (ibid., p. 214) em relação ao paciente – seria garantida, segundo Freud,

quando o tratamento é “levado a cabo na abstinência” (ibid., p. 214).

Freud não tem dúvidas: o analista deve tomar a transferência como um

fenômeno da compulsão à repetição e tal constatação lhe servirá de advertência para não

se deixar seduzir pelo fascínio deste instrumento transferencial centrado em si próprio,

que poderia levá-lo a ceder a “qualquer tendência a uma contratransferência9 que pode

estar presente em sua própria mente” (ibid., p. 209-210).

A ambigüidade de Freud aparece justamente na necessidade de estabelecer uma

regra que a princípio diz respeito somente à dinâmica psíquica do paciente, mas que

implica, sobretudo, uma exigência imposta ao analista, em virtude do risco de ele

próprio querer ceder à demanda transferencial. A regra da abstinência, mais do que

formulada para dar conta do problema colocado pela emergência do amor de

transferência, parece ter como objetivo fundamental o controle do próprio analista.

Como é possível perceber, Freud realmente levava em conta a magnitude dos efeitos

que a transferência poderia exercer sobre o analista.

A subjetividade do analista no processo de análise

Se deixarmos de lado brevemente o aparato conceitual e técnico de Freud e nos

voltarmos para suas observações clínicas, veremos que ele não passou impunemente

pela relação transferencial em sua experiência clínica. O caso Dora, emblemático no

que tange ao lugar do analista na relação transferencial, não é o único que dá indícios da

implicação afetiva de Freud na condução dos tratamentos. O caso clínico Homem dos

Ratos (FREUD, 1909) mostra que Freud não manteve sempre a “frieza emocional” 7 No terceiro capítulo, será proposto certo redimensionamento teórico do princípio de abstinência. Procuraremos mostrar que a regra da abstinência pode ser entendida, mais precisamente, como a proibição de o analista incorrer numa atuação contratransferencial. 8 A questão da neutralidade, no texto freudiano, aparece associada ao cumprimento do princípio de abstinência, sendo tomada como decorrência deste princípio técnico. 9 Examinaremos a questão da contratransferência mais adiante.

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(FREUD, 1912, p. 153) do cirurgião, recomendada em seu artigo técnico, muito menos

se absteve em satisfazer demandas do paciente. O envio de cartões postais ao paciente, o

oferecimento de algo para comer durante a sessão e o empréstimo de livros são algumas

atitudes de Freud em relação ao Homem dos Ratos que certamente não se coadunam

com sua regra de abstinência.

Do mesmo modo, com o Homem dos Lobos (FREUD, 1918 [1914]), é possível

notar os efeitos da relação transferencial. Jovem aristocrata russo, Serguéi Pankejeff fez

análise com Freud entre os anos de 1910 e 1914, além de um segundo período de

análise em 1919, que durou apenas quatro meses. A preferência dele por este paciente

era evidente. Quando o Homem dos Lobos o procurou para retomar o tratamento, em

1919, Freud não tinha horário disponível para atendê-lo. A fim de resolver o problema,

interrompeu abruptamente a análise de sua discípula Helene Deutsch, alegando que ela

já fora suficientemente analisada. Além disso, quando o paciente, após a revolução

bolchevista na Rússia, perdeu seu vasto patrimônio, Freud chegou a ajudá-lo

financeiramente. O próprio Homem dos Lobos narra que Freud lhe teria dito: “Recebi

dinheiro do senhor; agora, receba alguma coisa de mim”.10 Freud não só lhe deu

dinheiro como providenciou com os colegas uma coleta anual em seu favor

(OBHOLZER, 1993).

Como podemos notar, Freud não se absteve de manifestar sua dedicação ao

Homem dos Lobos, o que indica que sua posição de analista não estava submetida a

limites tão rígidos. Desta maneira, os relatos clínicos de Freud desfazem a impressão de

que ele adotasse, pessoalmente, uma posição asséptica quanto ao lugar do analista.

Segundo Figueiredo (2000), a concepção asséptica seria favorecida pela tendência

cientificista da tradução inglesa de Strachey, que muitas vezes induz a uma fixidez da

posição de Freud como defensor da assepsia psíquica do analista. Entretanto, Freud,

como analista, parece funcionar do mesmo modo com o qual, em 1913, recomendava

aos analistas funcionarem em suas práticas clínicas. Na ocasião, ele criticava qualquer

forma de mecanização da técnica, alertando para o fato de a diversidade e plasticidade

dos processos mentais impedirem que suas recomendações técnicas exijam uma

aceitação incondicional. A analogia com o jogo de xadrez, usada por ele, indica que,

10 Trata-se de um comentário atribuído a Freud, citado numa entrevista concedida pelo Homem dos Lobos no fim de sua vida à jornalista austríaca Karin Obholzer (1993). Tendo em vista a advertência de Freud (1910a), para não aceitarmos de imediato como verdade o que os pacientes relatam sobre seus analistas, vale esclarecer que os dados apresentados aqui a respeito do tratamento do Homem dos Lobos, com exceção desta frase atribuída a Freud, baseiam-se em fatos levantados por uma investigação jornalística.

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após o início da partida analítica, a grande variedade de jogadas possíveis desafia

qualquer tentativa de rigidez técnica (FREUD, 1913a).

De fato, a técnica desenvolvida e utilizada por Freud era muito mais flexível do

que uma leitura apressada dos seus escritos sobre a técnica poderia sugerir. Ele não

adota uma posição fixa e imutável quando discute questões relativas ao lugar do

analista, o que pode ser verificado, sobretudo, ao se examinar o desdobramento ocorrido

na dinâmica clínica com a publicação de Além do princípio do prazer (FREUD, 1920) e

a conseqüente modificação da tópica freudiana. Tanto a postulação do conceito de

pulsão de morte, como também a elaboração da nova tópica freudiana – que veio dar

maior relevo à distinção entre eu, isso e supereu, em detrimento da distinção entre os

registros inconsciente e pré-consciente/consciente – vieram acarretar uma reformulação

da técnica psicanalítica. Os artigos Análise terminável e interminável (FREUD, 1937) e

Construções em análise (FREUD, 1937a), os dois últimos textos freudianos de caráter

essencialmente técnicos, trazem as novas características da dinâmica da clínica

psicanalítica decorrentes da reformulação teórica de 1920.

Em Construções em análise (FREUD, 1937a) são discutidos os limites da

capacidade de rememoração do material recalcado por parte do paciente, quando Freud

é levado a formular a necessidade de uma construção através do trabalho analítico.

Neste artigo, Freud reconhece que, em sua obra, não teria privilegiado um exame mais

detalhado da tarefa do analista na situação de análise. Teria se voltado muito mais para

o processo experimentado pelo paciente, cujos determinantes dinâmicos “são tão

interessantes que a outra parte do trabalho, a tarefa desempenhada pelo analista, foi

empurrada para o segundo plano” (ibid., p. 293). Em vista disso, se propõe a descrever,

de forma mais específica, a função do analista no trabalho psicanalítico. É então que ele

define a tarefa do analista como um trabalho de construção. Trata-se de construir uma

cena visando completar a história primitiva esquecida do paciente, extraindo suas idéias

a partir dos fragmentos de lembrança, das associações e também do comportamento do

analisando.

Nessa ocasião afirma que a construção do analista deveria, em tese, se desdobrar

numa recordação pelo paciente, embora reconheça que o trabalho, geralmente, não

alcança tal objetivo. Em vez de recordar o material recalcado, o paciente adquire uma

convicção11 da verdade da construção, o que resulta nos mesmos efeitos que ocorreriam

11 No segundo capítulo, retomaremos a discussão a respeito da experiência de convicção.

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se o paciente tivesse de fato recordado. Segundo Mezan (2006), a firme convicção da

veracidade de uma construção só poderia ocorrer mediante um trabalho de elaboração12,

possibilitando que “o saber do analista e o saber do paciente venham a coincidir” (ibid.,

p. 331). Desta maneira, a construção conseguiria produzir no analisando uma convicção

que teria o mesmo efeito de verdade de uma recordação. Como assinala Barbosa (2007),

a conseqüência desta formulação técnica é a de que o trabalho analítico pode ocorrer

independente da recordação do analisando. Sendo assim, mais do que rememorar seus

conflitos, o que importa é o que o paciente disso reconstrói.13

Quanto ao analista, não se trata mais de buscar representações esquecidas, ou de

preencher lacunas em suas lembranças, mas sim construir. O analista deixa de ter como

propósito alcançar uma tradução do material recalcado, pois não há necessidade de uma

confirmação da correção objetiva de suas construções. Freud afirma, no artigo de 1937,

que não pretende “que uma construção individual seja algo mais do que uma conjectura

que aguarda exame, confirmação ou rejeição. Não reivindicamos autoridade para ela”

(FREUD, 1937a, p. 300; grifos nossos). Com isso, o trabalho do analista perde a

objetividade a que Freud tanto se prendia nos textos iniciais, passando a ser exigido do

analista que ele possa criar.

Ao afirmar que “os delírios dos pacientes parecem-me ser os equivalentes das

construções que erguemos no decurso de um tratamento analítico” (ibid., p. 303), Freud

anuncia certo abandono da proposta clínica anterior, diminuindo a ênfase dada à

objetividade. O delírio, segundo ele, é um mecanismo que conjugaria dois fatores: “o

afastamento do mundo real e suas forças motivadoras, por um lado, e a influência

exercida pela realização de desejo sobre o conteúdo do delírio, por outro” (ibid., p. 302).

O segundo fator, do qual se depreende que o conteúdo do delírio – assim como o da

construção – seria determinado por uma realização de desejo, confirma nosso ponto de

vista. A analogia do delírio não só evidencia que a função do analista requer maior

criatividade e menor rigidez, como também torna inegável a exigência freudiana de que

a subjetividade do analista deve advir no processo de análise. Não só a objetividade,

12 O conceito de elaboração será abordado mais detidamente no terceiro capítulo. 13 Freud indica que o trabalho de construção, realizado pelo analista, “constitui apenas um trabalho preliminar” (FREUD, 1937a, p. 294). Trata-se, na verdade, de dar o empurrão para que o paciente, por conseqüência, possa fazer, por si mesmo, sua reconstrução. A construção efetuada pelo analista só teria valor se o paciente, a partir dela, produzisse novas lembranças que dessem continuidade ao trabalho de análise. No artigo em questão, Freud não aprofunda o trabalho posterior realizado pelo paciente, se voltando mais especificamente para a construção, o trabalho preliminar da análise desempenhado pela figura do analista.

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mas a subjetividade do analista também é requerida aqui, na condução de um trabalho

de construção-criação.

Se em Construções em análise, Freud (1937a) torna o lugar do analista mais

flexível, abrindo caminho para a subjetividade do analista em suas construções, não

notamos a mesma abertura em Análise terminável e interminável (FREUD, 1937),

quando são discutidos os riscos que a influência desta subjetividade oferece sobre o

trabalho psicanalítico.

Um dos “perigos da análise” descritos por Freud (1937) é que as próprias

exigências pulsionais do analista sejam mais facilmente despertadas ao ter de manejar as

pulsões e o material recalcado de seus analisandos. Em vista deste perigo, é preciso que

o analista tenha a capacidade de controlar as exigências pulsionais desencadeadas no

processo. Ao contrário do médico, de quem não é exigido que tenha a melhor saúde

física, espera-se, no caso do analista, que apresente “um grau considerável de

normalidade e correção mental” (ibid., p.282) 14, para controlar suas pulsões.

A dinâmica particular da função do analista

A posição mais rígida encontrada no texto freudiano a respeito do lugar do

analista, onde parece não haver quase nenhuma abertura para concessões, é aquela

relativa ao conceito de contratransferência.15 Embora as referências ao tema sejam

concisas na obra de Freud – há apenas três referências diretas ao conceito –, ele

manifestou claramente suas reservas quanto às respostas contratransferenciais na

situação analítica. Em 1910, no artigo sobre as perspectivas futuras da terapêutica

psicanalítica, Freud formula a noção de contratransferência pela primeira vez. Descrita

como o resultado da influência do paciente sobre o inconsciente do analista, a

contratransferência é, segundo ele, negativa e prejudicial ao tratamento, sendo

necessário seu domínio. A respeito deste fenômeno, Freud (1910) diz: “Estamos quase

14 Ao mesmo tempo em que exige “normalidade e correção mental” do analista, Freud (1937) reconhece a impropriedade de tal exigência. Ele admite que esta e outras exigências as quais o analista tem de atender são demasiadamente rígidas e, por conta disso, situa a psicanálise no rol das “profissões impossíveis” – ao lado de outras duas, educar e governar. Para tentar resolver este problema, Freud vai lançar mão, como veremos, da obrigatoriedade da análise pessoal do analista, que vai se configurar como um trabalho de “purificação” dos conteúdos inconscientes do analista. Este trabalho de análise pessoal seria o meio pelo qual o analista procuraria sobrepujar a contratransferência – ato que, a primeira vista, parece sugerir um esforço de supressão dos afetos contratransferenciais. 15 Discutiremos no terceiro capítulo que o texto freudiano abre sim concessões à aparente rigidez relativa ao conceito de contratransferência.

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inclinados a insistir que ele [analista] reconhecerá a contratransferência em si mesmo e

a sobrepujará” (p. 130).

O argumento central de Freud relativo à questão é apresentado no artigo

Observações sobre o amor transferencial (1915 [1914]), quando chama atenção para a

necessidade de o analista tornar-se consciente de seus afetos contratransferenciais. Ao

reconhecer a contratransferência em si mesmo, deve ser capaz de dominá-la.

É importante observar que Freud jamais negou a existência dos fenômenos

contratransferenciais, tendo reconhecido sua inevitabilidade no espaço transferencial,

muito embora tenha se esforçado no sentido de erguer cercas e proteções para afastar-se

desse risco que ele próprio considera iminente.

A noção de contratransferência é tratada, de forma indireta, em seu artigo

técnico Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). Neste texto,

Freud afirma que, antes de o analista se entregar à escuta de seu inconsciente no

processo de análise, é preciso que saiba controlar seus “complexos”, tarefa sem a qual

teria prejudicada sua “percepção analítica”.

Se o médico quiser estar em posição de utilizar seu inconsciente desse modo, como instrumento da análise (...) Não basta para isso que ele próprio seja uma pessoa aproximadamente normal. Deve-se insistir, antes, que tenha passado por uma purificação analítica e tenha ficado ciente daqueles complexos seus que poderiam intervir na compreensão do que o paciente lhe diz. Não pode haver dúvida sobre o efeito desqualificante de tais defeitos no médico; todo recalque não solucionado nele constitui o que foi apropriadamente descrito por Stekel como um ‘ponto cego’ em sua percepção analítica (FREUD, 1912, p. 154-55).

Como se depreende desta passagem, Freud requer do analista um controle quase

absoluto de suas pulsões e conteúdos recalcados, recomendando solucioná-los. Para

tanto, a análise pessoal do psicanalista é assinalada como uma exigência. Sem uma

constante purificação analítica, qualquer manifestação contratransferencial inviabilizaria

o trabalho de análise.

A injunção de que o analista se submeta a uma análise aparece aqui como

contrapartida à necessidade de controle efetivo da contratransferência. Segundo Freud,

“nenhum psicanalista avança além do quanto permitem seus próprios complexos e

resistências internas” (1910, p.130), e deste modo, para poder conduzir bem seus

tratamentos, é preciso que se submeta ao processo de análise. Aquele que não se

submetesse à análise pessoal deveria desistir de tratar pacientes analiticamente

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(FREUD, 1910). O controle de si – decorrente do esforço de domínio da

contratransferência – seria a condição sine qua non para o analista receber e manejar a

transferência dos pacientes, frente a qual ele não pode escapar incólume.

Em Análise terminável e interminável (1937), Freud prescreve a exigência de,

uma vez “concluída” a análise pessoal do analista, reiniciá-la outra vez e mais outra,

sucessivamente, com intervalos regulares de alguns anos. A meta almejada pela análise

pessoal do analista, prescrita como instrumento de “purificação”, seria o domínio de

suas próprias pulsões. Mesmo assim, cabe perguntar se, com sucessivas análises

pessoais e auto-análises, estará garantido ao analista o controle de si? Tal aposta não

estaria perdida de antemão?

Lembremos que Freud (1917) adverte que o narcisismo humano teria sofrido

três grandes golpes por parte das pesquisas científicas. O primeiro quando se descobriu

que a Terra não era o centro do universo, mas um pequeno fragmento de um gigantesco

sistema cósmico. O segundo quando a investigação biológica tirou o homem de seu

lugar supostamente privilegiado, provando sua descendência do reino animal. O

terceiro, graças à psicanálise, quando se demonstrou que “o ego não é o senhor de sua

própria casa” (p.178). Essa afirmação equivale às duas principais descobertas da

psicanálise: a de que nossa vida pulsional não pode ser inteiramente domada, e a de que

os processos mentais são, em si, inconscientes, e só atingem o ego e se submetem ao seu

controle mediante percepções incompletas e não confiáveis (FREUD, 1917).

Levando em conta essa advertência, é possível concluir que a força das pulsões

não pode ser completamente controlada, mesmo com uma purificação analítica

constante. O lugar do analista, assim como o do paciente, está submetido às forças do

inconsciente, do desejo e das pulsões e, mesmo com certo grau de controle sobre sua

contratransferência, não há garantias de um poder absoluto sobre esse campo. Este é o

primeiro ponto que podemos assinalar como fonte de embaraço para uma suposta

pretensão de se alcançar o controle irrestrito sobre o campo contratransferencial.

Em segundo lugar, é importante ressaltar que esta injunção de controle de si,

sugerida na necessidade de domínio da contratransferência, não é condizente com a

indicação técnica de uma transmissão inconsciente, a qual, contrariamente, leva o

analista a baixar a guarda e entregar-se à escuta inconsciente. Como vimos

anteriormente, a possibilidade de o analista direcionar seu próprio inconsciente para o

inconsciente do paciente permite certa abertura para as intensidades afetivas no analista.

A aparente ambigüidade de Freud assume, nesse ponto, o seu auge, ao exigir do analista

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dois movimentos opostos: insiste para que ele se abandone à orientação de seu próprio

inconsciente, mas sempre cuidando para não se entregar totalmente – pois assim

correria o risco de perder as rédeas da situação. 16

Ora, será que a ambigüidade levantada aqui se deve a uma contradição de

Freud? A leitura mais atenta do texto freudiano nos leva a duvidar de tal suposição. Em

vez de um equívoco da técnica psicanalítica, podemos supor que o paradoxo está na

própria natureza do trabalho a que o analista se dedica.

A oscilação constante, quanto ao lugar do analista, observada ao longo dos

desdobramentos técnicos, acentua-se nessa contradição entre controle e entrega – quase

como num movimento pendular em cima de uma corda bamba. Ela indica a necessidade

de se conciliar na própria experiência psicanalítica as duas posições. Trata-se de uma

busca incessante de equilíbrio entre dois movimentos opostos: entregar-se ao

inconsciente e esforçar-se para obter o controle dos conteúdos inconscientes que vão

emergir. Entrega à subjetividade e controle objetivo, eis o paradoxo inerente à prática

psicanalítica. O resultado é um exercício de conciliação entre os dois movimentos que,

ao invés de se opor, se tornam confluentes.

Se o trabalho do psicanalista consiste em buscar a justa medida – nem sempre

encontrada – entre o controle de si e a entrega inconsciente, podemos supor que o

controle de si não pode ser realizado no analista em termos absolutos, já que precisa ser

contrabalançado pelo movimento contrário de abandono à própria subjetividade. Por um

lado, a exigência de domínio da contratransferência aparece postulada nos escritos

técnicos da psicanálise. Por outro, a posição paradoxal do analista implica que tal

imperativo seja desde já relativizado.

Sabendo-se que domínio total sobre a contratransferência é impossível, convém

perguntar em que medida a contratransferência influencia o trabalho do analista. A

contratransferência pode ser encarada como instrumento da escuta analítica? Em outras

palavras, é possível defender a idéia de uma função particular da contratransferência na

prática psicanalítica? São estes questionamentos que irão direcionar, a partir de agora,

nossas investigações.

16 Ferenczi (1919a) parece ter sido o primeiro a assinalar a tensão entre duas tendências contraditórias exigidas no exercício da função analítica. Ele se refere à dupla tarefa do analista: “oscilar permanentemente entre o jogo livre da imaginação e o exame crítico” (p.120). Após Ferenczi, a discussão a respeito do paradoxo da função analítica foi retomada por Winnicott (1960). Ele esboça o paradoxo nos termos de uma oposição entre vulnerabilidade e atitude profissional, esta última indicando certa distância necessária entre analista e paciente.

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Capítulo 2:

A contratransferência após Freud

Neste capítulo será feito um levantamento das várias acepções do conceito de

contratransferência no campo psicanalítico. Com base em um panorama geral das

posições de vários autores – Sándor Ferenczi, Paula Heimann, Margareth Little, D. W.

Winnicott, Annie Reich, Lucia Tower, além das críticas de Jacques Lacan – buscaremos

estabelecer aproximações, distinções e comparações entre as concepções de

contratransferência desenvolvidas a partir do legado freudiano. A leitura comparativa

nos permitirá identificar as principais formulações em torno deste conceito, para chegar

a uma compreensão mais aprofundada da questão contratransferencial.

A delimitação imprecisa do conceito

A contratransferência não é um conceito de fácil delimitação. Como Freud não

deixou uma definição precisa da contratransferência, limitando-se a poucas e breves

referências, a literatura psicanalítica procurou dar conta deste conceito, ampliando e

modificando seus contornos.

Descrita por Freud (1910) como o resultado da influência do paciente sobre o

inconsciente do analista, a contratransferência é por ele relacionada aos “complexos e

resistências internas” (ibid., p.130) do analista. Sabemos que Freud a considerava

prejudicial ao tratamento, pelo fato de ofuscar a “percepção analítica” (1912, p. 155) e,

por isso, insistia que o analista se esforçasse para dominá-la.

Depois de Freud ter introduzido a noção de contratransferência de forma um

tanto abreviada, colocando em questão o envolvimento do analista na condução do

tratamento e alertando para os riscos que ela representava para o processo psicanalítico,

surgiram as mais variadas interpretações a seu respeito.

Os psicanalistas comumente designados como sendo da “primeira geração” 1,

influenciados pela imagem do analista-cirurgião 2, adotavam um ponto de vista negativo

1 Veremos a seguir que Ferenczi, entre os analistas da “primeira geração”, pode ser considerado, até certa medida, uma exceção nesta tomada de posição relativa à contratransferência, ou mais precisamente, quanto à posição a respeito da implicação subjetiva do analista no processo analítico. 2 A imagem do cirurgião já foi discutida no primeiro capítulo desta dissertação. Trata-se da metáfora utilizada por Freud (1912) para aludir à “frieza emocional” do analista.

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diante da contratransferência, considerada em seu aspecto de equívoco, de obstáculo ao

processo psicanalítico (FIGUEIRA, 1994). Eles resistiam ao contato com suas respostas

contratransferenciais, vendo-as como fonte de problemas, o que os levava a evitar

qualquer sentimento em relação aos pacientes. Ao invés de lidar com a

contratransferência, tornando-a objeto de sua análise pessoal – mesmo que fosse com o

objetivo de descartá-la em seguida –, tais analistas a consideravam um risco iminente e,

por conta disso, procuravam negá-la (HEIMANN, 1949). A “política de avestruz”,

mencionada por Freud (1900, p. 639) ao tratar do conceito de recalque, descrevendo-a

como o “ato de evitar tudo que é aflitivo” (ibid.), ilustra bem esta tentativa de esquivar-

se da contratransferência.

A geração seguinte não continuou, porém, por muito tempo, a enterrar a cabeça

na areia. Se os analistas da chamada “primeira geração” tentavam a todo custo livrar-se

das respostas afetivas por considerá-las perigosas, alguns de seus sucessores, olhando de

frente para aquilo que antes era tido como ameaça, passaram a defender a idéia de que a

contratransferência poderia tornar-se um instrumento de trabalho. Na década de 50 deu-

se uma virada radical: algumas analistas mulheres, todas de língua inglesa, começaram a

dar atenção para o fenômeno contratransferencial, ao conferir importância à resposta

afetiva do analista em relação ao paciente.

As proposições de Ferenczi

Mesmo antes da década de 50, já se começou a discutir sobre a implicação

afetiva do analista na prática clínica. Sándor Ferenczi foi o primeiro a defender

claramente a necessidade de um envolvimento afetivo do analista no processo

psicanalítico. Em sua teorização da prática clínica, voltou-se para a relação entre

analista e analisando. Ele questionou o lugar comumente atribuído à figura do analista

na técnica psicanalítica, dando maior relevo à função da afetividade do analista na

direção do tratamento.

Seu interesse em desenvolver articulações teóricas e técnicas que pudessem

auxiliar o manejo clínico da situação analítica fez com que experimentasse vários tipos

de intervenção analítica que resultaram em sucessivos posicionamentos teórico-clínicos.

No entanto, é importante esclarecer que nosso objetivo aqui não é o de fazer uma

revisão exaustiva dessas diferentes experimentações técnicas, mas sim o de poder

extrair, a partir de suas formulações, seu ponto de vista quanto à contratransferência.

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Antes de propor inovações na prática psicanalítica que subverteriam a lógica

tradicional conferida à posição do analista, Ferenczi não divergia da perspectiva

freudiana a respeito da posição do analista e de sua contratransferência. Em seu artigo

sobre A técnica psicanalítica (1919a), ele acompanha a orientação de Freud,

defendendo explicitamente a idéia de que caberia ao analista esforçar-se em dominar

sua contratransferência. Sua posição em 1919 é a de que o analista não poderia jamais

se entregar aos seus sentimentos contratransferenciais, pois esta entrega constituiria “um

terreno pouco favorável para a recepção e assimilação correta dos dados analíticos”

(ibid., p. 118). Desta maneira, chega a designar a contratransferência como um conjunto

de sintomas contratransferenciais, sendo tudo aquilo que poderia produzir complicações

nos atos, no discurso e nos sentimentos do analista. Sugere, portanto, o domínio da

contratransferência, e a condição prévia para tal objetivo seria a de que o analista fosse

analisado.

No mesmo artigo, Ferenczi faz um histórico da contratransferência, descrevendo

três tempos sucessivos, cada qual remetendo a um modo particular de os psicanalistas

encararem o fenômeno contratransferencial. Num primeiro tempo, que corresponderia

ao período inicial da prática psicanalítica – talvez antes de Freud alertar para seus riscos

– suspeitava-se pouco dos perigos decorrentes da contratransferência. Nesse período

que ele chama de “euforia da lua de mel da análise” (ibid., p. 118-119), o analista teria

negligenciado os sinais de sua contratransferência, não sendo capaz de dominá-la. Num

segundo tempo, após uma tomada de consciência dos “sintomas da contratransferência”

(p.119), a euforia teria dado lugar a outra posição extremada, fase que ele denomina

como de resistência à contratransferência. Nesse momento, quando podemos novamente

fazer alusão à “política de avestruz” (FREUD, 1900), o analista teria se deixado tomar

por um temor excessivo contra a emergência da contratransferência. Desta maneira, só

depois de ultrapassar essas duas fases, os analistas teriam chegado ao terceiro tempo,

que consistiria no domínio da contratransferência. Nessa fase, haveria um “sentinela” a

postos, pronto para dar um alerta imediato sempre que os afetos contratransferenciais se

impusessem ao analista (FERENCZI, 1919a, p. 120). Como vemos, nesta idéia de um

“domínio da contratransferência”, parece haver uma total concordância com a posição

freudiana.

Embora Ferenczi descarte a possibilidade de um emprego técnico da

contratransferência, ele não deixa de incluir, no centro do jogo analítico, os afetos do

analista. Se, por um lado, os afetos contratransferenciais são vistos como sintomáticos,

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por outro, neste mesmo artigo de 1919, os afetos do analista vão ganhar um estatuto

diferente no manejo clínico. Em sua discussão sobre a técnica psicanalítica, Ferenczi dá

indícios da posição que irá defender posteriormente, destacando o papel central dos

afetos do analista no exercício analítico. Segundo ele, seria justamente a “sensibilidade”

afetiva do analista (1919, p. 118) que o levaria a compreender as “lutas psíquicas do

paciente” (ibid.). No entanto, neste texto, Ferenczi ainda não dá um contorno teórico

muito preciso para o que designa como sensibilidade afetiva.

Em 1926, ao discorrer sobre a experiência de “convicção” ou, em outras

palavras, o elemento de vivência, experiência pela qual se poderia ter o conhecimento

da realidade, Ferenczi é enfático ao afirmar que é pela via afetiva, e não pela intelectual,

que o sujeito poderia adquirir uma convicção. O que ele salienta ao abordar esta questão

é que sua proposta de uma técnica ativa 3 – embora reconheça ser possível que se

levantem contra ela inúmeras objeções – teria o efeito positivo de produzir no

analisando uma convicção sobre o material elaborado em análise, convicção que se

daria pela via afetiva. Embora a discussão, neste artigo, esteja circunscrita à experiência

do paciente no processo de análise, ela revela, sobretudo, o destaque conferido à

afetividade, ao privilegiar a experiência afetiva em detrimento do saber intelectual.4

Em 1928, no artigo Elasticidade da técnica analítica, Ferenczi formula uma

nova proposta de manejo clínico, a técnica da elasticidade, que, segundo Pinheiro

(1995), marca o fim da técnica ativa. Nessa ocasião, ele aprofunda sua idéia –

introduzida, como vimos, em 1919 – de uma “sensibilidade” afetiva necessária para o

encaminhamento da análise. Esta sensibilidade, como diz Kupermann (2003),

3 A técnica ativa preconizada por Ferenczi (1919, 1921, 1924, 1926) configurava-se como um artifício técnico que deveria ser adotado nos momentos de estagnação da análise, quando a associação livre não estava sendo suficientemente eficaz para fazer o paciente produzir material psíquico. Esta técnica pressupunha uma atividade do paciente, que a partir da demanda do analista, era levado a cumprir determinadas tarefas, isto é, a responder a injunções e proibições, as quais eram sentidas como desprazerosas. Num segundo momento, quando o paciente já conseguia extrair prazer dessas ações, o analista o proibia de realizá-las. Deste modo, Ferenczi formulou a técnica ativa visando respeitar o princípio de abstinência concebido por Freud, pelo qual se favorecia o incremento de tensão psíquica, tendo como conseqüência a redistribuição da energia psíquica no paciente. 4 Freud (1909), em seu artigo Notas sobre um caso de neurose obsessiva, faz uma breve referência à experiência de convicção no tratamento psicanalítico. Ele reconhece que uma interpretação comunicada ao paciente não produz, por si mesma, o efeito de convicção no paciente. Ao relatar o caso do Homem dos Ratos, Freud mostra o processo pelo qual o paciente consegue chegar à convicção a respeito de uma determinada interpretação. De início, o paciente teria admitido a plausibilidade da interpretação, mas ainda não se convencera do conteúdo comunicado por Freud. Somente após um longo trabalho de elaboração, “paulatinamente”, diz Freud (p.210-211), “o paciente logrou o sentimento de convicção que lhe faltava” (ibid.; grifos nossos). A expressão “sentimento de convicção” indica claramente que Freud, assim como Ferenczi (1926), considerava tal experiência como eminentemente afetiva. A diferença da posição dos dois autores talvez esteja no enaltecimento explícito, por parte de Ferenczi, do valor da afetividade na experiência psicanalítica.

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significaria a capacidade de afetar e de ser afetado pelo outro. O termo sensibilidade,

usado por Ferenczi, poderia levar à equivocada interpretação de que ele sugeria a figura

de um analista sensível, isto é, muito benevolente ou compreensivo. Ao contrário disso,

ele defendia uma conduta analítica “elástica”, cuja flexibilidade daria ao analista o jogo

de cintura necessário para sentir com o paciente (KUPERMANN, 2003).

É nesse contexto que Ferenczi (1928) apresenta sua concepção de empatia 5, um

estado em que o analista é capaz de sentir com o analisando. Usando o conceito de

capacidade empática, Ferenczi procura positivar a afetividade do analista na prática

clínica. A experiência da empatia, embora ligada ao campo afetivo do analista,

distingue-se, como veremos adiante, da afetividade contratransferencial.

Ao mesmo tempo, introduz outra noção, a do tato – uma capacidade

estreitamente articulada à experiência empática. O tato, segundo Barbosa (2007), viria

operar como decorrência da empatia. Em outras palavras, a capacidade de sentir com

permitiria ao analista conduzir a análise com tato, isto é, sabendo como e quando

comunicar algo ao analisando. Desta maneira, o tato, associado à noção de empatia,

favoreceria todos os atos do analista em seu trabalho, orientando suas intervenções e

interpretações, a escolha do momento de intervir, a necessidade de sustentar o silêncio

ou rompê-lo, o caráter da intervenção; enfim, todas as nuances do ato analítico

(FERENCZI, 1928).

Mas como o analista pode adquirir uma capacidade analítica tão ideal? A

descrição da experiência do sentir com, feita por Ferenczi, parece, à primeira vista, um

tanto ingênua. A empatia e o tato seriam figuras conceituais quase míticas, garantidas

pela ilusão de uma função analítica livre das exigências pulsionais do analista, como se

não houvesse a possibilidade de tais exigências intervirem na condução da análise. 6

A aparente ingenuidade de Ferenczi pode ser relativizada se examinarmos mais

atentamente suas idéias a respeito da experiência empática. Veremos que ele reconhece

os efeitos da contratransferência sobre a função do analista, quando admite que ela

5 Segundo Coelho Junior (2004), a experiência da empatia, traduzida também como a experiência de “sentir com” (tradução literal do termo alemão Einfühlung), indica a capacidade de estar dentro, estar presente, vivenciar com e como o outro seus afetos. A figura da empatia já havia sido apresentada no texto freudiano, sobretudo no livro sobre os chistes (FREUD, 1905a), mas não foi suficientemente trabalhada, mantendo-se como noção obscura e pouco desenvolvida na obra de Freud. 6 Numa carta a Ferenczi, de 4 de janeiro de 1928, Freud apresenta seu ponto de vista a respeito do tato. Embora concorde com a proposição de Ferenczi, adverte para o caráter místico da noção, afirmando ainda que “todas as pessoas sem tato verão aí uma justificativa para arbitrariedades, isto é, para o fator subjetivo, ou para a influência dos complexos pessoais que não foram superados” (FREUD, 1928; apud. PIGMAN, 1995).

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poderia impedir o livre desenvolvimento da capacidade empática. Ao afirmar que a

experiência empática designa um estado em que conseguimos “nos colocar no mesmo

diapasão do doente” e durante o qual precisamos “nos manter firmes, até o fim, em

nossa posição ditada pela experiência analítica” (FERENCZI, 1928, p. 311-312), deixa

implícito que tal estado não seria tão facilmente alcançado pelo analista. A

recomendação de manter-se firme, ao lado da constatação de que a posição do analista é

assegurada por sua experiência, denota que Ferenczi estava ciente das eventuais

interferências que poderiam advir do encontro analítico.

Ferenczi aponta os efeitos nocivos da contratransferência, os quais poderiam

impedir o analista de colocar-se no mesmo diapasão do paciente. Recomenda, portanto,

o domínio da contratransferência, e a condição prévia seria a de que o analista fosse

analisado. Esta precondição é imperiosa para Ferenczi, ao ponto de elevar a análise

pessoal do analista à categoria de segunda regra fundamental da psicanálise. Desta

maneira, condiciona a capacidade empática à necessidade de o analista realizar uma

análise pessoal, para dominar sua contratransferência.

Segundo ele, somente quando o analista domina seus sentimentos

contratransferenciais, “pode ‘se deixar levar’ durante o tratamento, como exige a cura

psicanalítica” (1919a, p. 120). A possibilidade de “se deixar levar” – quando deixa agir

seu próprio inconsciente durante o processo psicanalítico, sendo esta a única maneira de

o analista “captar intuitivamente” (ibid.) as manifestações inconscientes do paciente –

recomendada em 1919, parece ser o que Ferenczi, um pouco mais tarde, em 1928,

concebe como sendo a posição empática do analista.

Quando propõe a técnica da elasticidade, Ferenczi (1930) reafirma o perigo

representado pelos afetos contratransferenciais. Convém esclarecer que a elasticidade

está associada a duas atitudes técnicas que deveriam se intercalar, as quais eram

executadas com o intuito de amenizar o sofrimento psíquico do paciente. Tal sofrimento

se dava pelo aumento da tensão psíquica que caracteriza a experiência de análise. Sendo

assim, adotava-se, por um lado, o princípio de relaxação, dirigido ao analisando, que

consistia simplesmente num “à vontade”, pelo qual se daria ao paciente maior liberdade

(laissez-faire). Este princípio se apresentava como a contrapartida necessária ao

princípio de frustração (ou abstinência), na medida em que os dois movimentos opostos

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– um aumento de tensão pela abstinência e um relaxamento ao autorizar liberdades – se

intercalavam ao longo da análise (FERENCZI, 1930). 7

O duplo princípio de frustração e de à vontade, segundo ele, impõe ao analista a

necessidade de maior controle sobre sua contratransferência. Isso porque as duas

vertentes da técnica poderiam levar o analista a intervir de acordo com suas próprias

tendências sádicas ou libidinais. Para Ferenczi, “nada é mais fácil que jogar sobre os

pacientes (...), sob o manto das exigências da frustração, a satisfação de suas próprias

tendências sádicas inconfessas” (ibid., p. 331); do mesmo modo, o princípio de

relaxação poderia levar o analista a expressar “quantidades excessivas de ternura em

relação aos pacientes”, que “podem servir mais às tendências libidinais próprias, talvez

inconscientes, que ao bem daqueles a que se dirigem” (ibid.). É assim que Ferenczi mais

uma vez ressalta a exigência daquilo que ele considera a segunda regra fundamental da

psicanálise, assinalando a imprescindibilidade da análise pessoal do analista.

Nesse momento de sua elaboração teórica, Ferenczi distingue a capacidade

afetiva empática daquilo que entende como sendo a resposta contratransferencial do

analista, esta sim vista como prejudicial ao exercício analítico. A contratransferência

designa, segundo ele, os afetos que dizem respeito aos conflitos psíquicos do analista,

os chamados “pontos cegos” (FREUD, 1912, p.155) que atrapalham o exercício da

prática analítica. A posição empática estaria fora do campo contratransferencial por não

se referir a tais pontos cegos, oferecendo, ao contrário, condições propícias ao trabalho

analítico, como uma espécie de comunicação afetiva direta, não verbal, entre analista e

analisando. 8

Poderíamos nos perguntar, entretanto, se de fato é possível, na prática clínica,

fazer esta separação tão nítida entre o que é da ordem da contratransferência e o que diz

respeito à capacidade empática do analista. Isso porque a tentativa de distinguir as duas

vertentes afetivas acaba por redundar num impasse. Pode-se interpretar esta proposta

clínica como se Ferenczi levantasse a bandeira de um purismo na função analítica,

7 Como assinala Barbosa (2007), esta alteração no setting proposta por Ferenczi (1930), pela qual se preconizava que o paciente poderia, em alguns momentos, estar “à vontade”, livre para agir da forma que quisesse (o que poderia levá-lo a obter satisfações durante a análise), coloca-se em clara discordância com o princípio de abstinência proposto por Freud. Mesmo que Ferenczi tenha proposto uma alternância entre a relaxação e a frustração, é importante destacar que o princípio de relaxação, pelo fato de propiciar a descarga da tensão psíquica do analisando, contraria a regra freudiana de que o tratamento analítico deveria ser conduzido “sob privação” (FREUD, 1919 [1918]). 8 Veremos adiante que Margareth Little, Annie Reich, e também Paula Heimann (esta última, não de forma explícita) – autoras da década de 50 – dando seguimento a esta posição de Ferenczi, também vão procurar esboçar uma distinção entre empatia e contratransferência.

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propondo uma função do analista quase ideal, completamente livre de seus conflitos e

de sua contratransferência. Mas será possível uma purificação analítica de tal ordem?

De qualquer modo, já em suas formulações a respeito do tema em 1919, quando

tenta afastar, de forma categórica, a contratransferência do manejo clínico,

considerando-a fonte de respostas não controladas e respostas cegas do analista,

Ferenczi tem uma posição um tanto ambígua. Ao definir a “sensibilidade” do analista

como uma suscetibilidade a humores e a “arrebatamentos pulsionais” (FERENCZI,

1919a, p. 118), afirmando que tal suscetibilidade poderia orientar o analista em sua

prática clínica, ele não consegue estabelecer uma distinção muito nítida entre os afetos

contratransferenciais e a dita “sensibilidade” (ibid.) do analista. Como poderia o analista

ser suscetível aos arrebatamentos pulsionais sem correr o risco de confundir tal

suscetibilidade com sua contratransferência?

Essa ambigüidade, porém, não será levada adiante por muito tempo. Ferenczi

não permanecerá fiel a esta perspectiva teórica, já que seus desdobramentos técnicos

não manterão os afetos contratransferenciais tão categoricamente afastados no

desenrolar de suas experiências clínicas. O diário clínico de Ferenczi (1932), no qual ele

descreve seu novo artifício técnico, a análise mútua, traz modificações fundamentais em

sua posição a respeito da contratransferência.

A análise mútua, uma experiência clínica realizada por Ferenczi no final de sua

vida, descrita em seu diário clínico, pode ser entendida como uma experiência na qual o

envolvimento afetivo do analista é tomado em seu aspecto mais radical. Ferenczi não

desenvolveu uma sistematização teórica em relação a esta experiência clínica, tendo se

referido a ela apenas em anotações do diário clínico, ao longo do ano de 1932

(BARBOSA, 2007). Na época, descreve a análise mútua como uma experiência

desenvolvida com alguns de seus pacientes, na qual ele ocupava temporariamente o

lugar de analisando, entregando-se à associação livre e comunicando seus devaneios ao

paciente, confessando os afetos que este lhe despertava, sobretudo os negativos. 9 Ele

pretendia com isso avançar em relação ao resto não-analisado de sua própria análise,

que estaria prejudicando o tratamento. Em vez de fazer sua auto-análise longe do

paciente, tomava-o como testemunha desse processo (MENEZES, 1993).

9 Vale dizer que Ferenczi já recomendara, antes de se arriscar na experiência da análise mútua, a necessidade técnica de uma total sinceridade por parte do analista diante do paciente, devendo confessar determinados aspectos do comportamento deste que lhe desagradavam. Sobre esta questão, reportamos o leitor ao artigo “Análises de crianças com adultos” (FERENCZI, 1931).

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Essa técnica desenvolvida por Ferenczi nos remete à advertência freudiana

quanto ao risco da reciprocidade de confidências entre analista e analisando.

Lembremos que Freud (1912) desaprovava “uma técnica afetiva desse tipo” (ibid., p.

156), dizendo que ela poderia acirrar as resistências do paciente.10 O diário clínico de

Ferenczi (1932) nos mostra, porém, que ele não dá atenção à recomendação técnica de

Freud, e mais: desenvolve uma técnica que, à primeira vista, parece consistir justamente

numa troca de confidências.

Na verdade, a análise mútua não se dirigia, da mesma forma, ao analista e ao

analisando. Não colocava os dois em posições simétricas, ao contrário do que se poderia

supor quando nos referimos à reciprocidade de confidências. A análise do analista, na

experiência de mutualidade, era apenas um meio auxiliar da análise do analisando, que

continuava sendo a figura principal da cena analítica.

Ferenczi via a análise mútua como uma extensão do princípio de relaxação para

o próprio analista. Em estado de total relaxamento, ao dar livre curso à expressão dos

afetos, podemos supor que o analista não teria mais o controle de sua

contratransferência. Assim, qualquer tentativa de diferenciação entre a capacidade de

sentir com e a contratransferência perde sentido, por se tratar de uma experiência clínica

em que não só o analisando, mas também o analista, podem expressar sua subjetividade,

ambos compartilhando e comunicando seus afetos. Apesar de o objetivo implícito deste

artifício técnico ser o de purificar a percepção do analista, a fim de torná-lo apto para a

experiência empática, a prática da análise mútua colocava por terra a tentativa de

distinção entre a contratransferência e a afetividade empática, esvanecendo as supostas

fronteiras entre elas. A atitude de analisar seus próprios complexos na análise com o

paciente faz com que a capacidade de sentir com se misture a esses complexos,

pressupondo que o analista experimente e utilize, na mutualidade da análise, seus afetos

contratransferenciais.

A contratransferência ganha novo estatuto no texto de Ferenczi, agora entendida

como facilitadora do processo de análise. Ao comentar a respeito de certo pessimismo

de uma paciente, que não acreditava que o analista pudesse sentir como ela própria suas

vivências afetivas, ele argumenta que os complexos do analista favoreceriam a

experiência de sentir com. Numa pequena passagem em que a contratransferência é

10 É curioso observar, como veremos adiante, que Winnicott (1947) e, em seguida, algumas autoras da década de 50, também defenderão o recurso técnico baseado na troca de confidências – recurso que se baseia, mais especificamente, na confissão da contratransferência ao paciente.

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vista de forma positiva, ele diz que a empatia seria possível “quando mergulho com ela

em seu inconsciente e isso com a ajuda dos meus próprios complexos traumáticos”

(FERENCZI, 1932, p.72). Ferenczi apóia-se, agora, na contratransferência, defendendo

um ponto de vista diferente daquele que encontramos em seus artigos sobre a técnica

(FERENCZI, 1919, 1919a, 1926, 1928, 1930).

Feita a apreciação das idéias de Ferenczi sobre o tema, convém destacar que ele

discutiu amplamente a possibilidade de a afetividade do analista ser posta a serviço do

trabalho de análise. Não só em sua última experiência mais radical, quando defende a

positividade da contratransferência, como também ao longo de sua atividade clínica

anterior, ele sempre ressaltou que é o contato do analista com sua vivência afetiva que

lhe dá a capacidade de analisar.

Na sua obra, as constantes referências à vivência afetiva do analista são, na

verdade, uma aceitação e reconhecimento do campo afetivo instaurado pela relação

transferencial. Como podemos observar a partir de discussões empreendidas por alguns

comentadores (GONDAR, 2008; REIS, 2004; KUPERMANN, 2003), o pensamento de

Ferenczi revela uma maneira mais abrangente de abordar o campo afetivo do analista.

Ao invés de reduzi-lo a uma esfera mais restrita, como se fosse apenas o eco do afeto

que o paciente dirige ao analista, Ferenczi ressalta a intensidade do encontro

transferencial, capaz de produzir efeitos tanto no paciente como no analista. Ele deu

ênfase à relação transferencial em si mesma, como fonte de afetações, passível de afetar

os dois integrantes da relação analítica.

Segundo Reis (2004), a transferência deve ser entendida como um espaço de

fronteira, pelo qual transitam afetos de ambos os lados. Sendo assim, as respostas

contratransferenciais não se encontrariam nitidamente separadas das respostas

transferenciais, mas fariam parte do fenômeno mais abrangente que é o acontecimento

transferencial. Conclui-se daí que a tentativa de distinção terminológica do par

transferência e contratransferência seria desnecessária. Todavia, deixemos por enquanto

esta ressalva em suspenso, com o intuito de retornar a ela mais adiante.11

Embora tenha sido Ferenczi o precursor do debate sobre a afetividade do analista

e a contratransferência no campo psicanalítico pós-Freud, será somente com a

publicação dos artigos das psicanalistas na década de 50 que o tema da

11 Como veremos ainda neste capítulo, Lacan (1958, 1961, 1964) vai propor, de forma mais explícita, essa idéia da relação transferencial como fenômeno único, criticando enfaticamente a distinção conceitual entre transferência e contratransferência. Retomaremos esta discussão, mais uma vez, no terceiro capítulo.

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contratransferência ganhará maior visibilidade, sendo de fato assimilado oficialmente –

não sem produzir controvérsias – pela comunidade psicanalítica.

A este respeito, Oliveira (1994) explica que o tema da contratransferência só

pôde ser absorvido mais tarde porque Ferenczi foi, por algum tempo, marginalizado no

meio psicanalítico. Como o próprio Ferenczi (1931) reconhecia, lembrando que o

chamavam de enfant terrible da psicanálise, suas proposições técnicas e teóricas eram

severamente criticadas pela maioria dos psicanalistas por “seu caráter fantasista e

original demais” (ibid., p. 70). Isso porque suas contínuas inovações clínicas divergiam,

em muitos pontos, do arcabouço teórico da psicanálise, o que lhe custou sucessivos

embates políticos, gerando certa descrença quanto às suas idéias (BARBOSA, 2007).

Após o levantamento da posição de Ferenczi sobre a contratransferência,

examinaremos agora algumas das principais idéias a respeito do tema surgidas nos anos

50. Veremos, então, que Ferenczi – mais do que Freud – exerceu grande influência

sobre as autoras dessa década, na medida em que as propostas apresentadas por elas

coincidem, em muitos aspectos, com as formulações do psicanalista húngaro,

desenvolvidas a partir de 1910.

A virada dos anos 50

Nos anos 50, o conceito de contratransferência adquire um novo estatuto no

campo psicanalítico. Ela deixa de ser encarada primordialmente como obstáculo,

empecilho ou erro, e passa a ser incorporada à teoria da técnica psicanalítica, sendo

tomada como um instrumento valioso, senão essencial, do exercício clínico. A abertura

do debate a respeito do papel da contratransferência na técnica psicanalítica veio colocar

em evidência uma nova imagem do analista. A frieza do analista-cirurgião é deixada de

lado, dando lugar à figura do analista afetado pelo encontro transferencial. Como já

apontamos no capítulo anterior, Freud reconhecia a intensidade dos efeitos da

transferência sobre o analista, embora advertisse para o perigo de se deixar levar por

suas próprias exigências pulsionais, quando manejasse as pulsões e o material recalcado

dos pacientes. Divergindo da posição freudiana, quatro autoras de língua inglesa,

Heimann (1950), Little (1951, 1956), Reich (1951) e Tower (1955) vão propor

inovações técnicas em que a afetividade do analista é admitida como favorável ao ofício

analítico.

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No entanto, embora seja possível perceber esta concordância na posição das

autoras quanto a uma positivação da afetividade do analista, não há acordo no que

concerne à definição terminológica do conceito de contratransferência e nem mesmo

quanto à tomada de posição relativa ao papel da contratransferência na clínica.

Quanto à questão terminológica, nos defrontamos com o problema de que, a

respeito do termo contratransferência, verificam-se diversas acepções, algumas mais

amplas, outras mais restritas, diferindo segundo cada autor; o que já causa certa

confusão na circunscrição da questão. Enquanto Freud definia o conceito de

contratransferência – de forma sucinta – como referido aos “complexos e resistências

internas” (1910, p. 130) do analista, algumas destas autoras vão procurar transformar

sua acepção. O termo contratransferência passa a designar fenômenos diversos, desde as

reações inconscientes do analista referidas aos seus conflitos neuróticos recalcados,

como também qualquer atitude do analista em relação ao analisando e, até mesmo, o

conjunto de elementos da personalidade do analista (LITTLE, 1956).

Como se pode notar, uma dificuldade com que nos defrontamos na discussão a

respeito deste tema se refere à polissemia da palavra contratransferência. Diante disso,

procuraremos definir de saída, na medida em que apresentarmos a posição de cada autor

quanto à contratransferência, a definição terminológica adotada, a fim de evitar

eventuais mal entendidos.

Antes de analisar a posição destas autoras da década de 50, é preciso delimitar,

de forma mais precisa, o sentido terminológico conferido por Freud (1910, 1912, 1915

[1914]) à palavra contratransferência.

Por um lado, vemos Freud defini-la, em 1910, como o resultado da influência do

paciente sobre o inconsciente do analista, apontando os efeitos que o paciente exerce

sobre o inconsciente do analista. Trata-se de uma resposta ou reação à transferência do

analisando, sendo necessário que o analista saiba dominá-los. Como Gondar (2008) faz

notar, o prefixo contra já indica a existência de uma contrapartida, como uma reação à

transferência do analisando.

Por outro lado, Freud (1912) associa a noção de contratransferência aos

“complexos” do analista ou, em outras palavras, “a todo recalque não solucionado nele”

(ibid., p. 155). 12 Isso abre caminho para que tais complexos se façam presentes sob a

12 Na citação de Freud, subtende-se sua concepção do tratamento psicanalítico como baseado no trabalho de solução de recalcamentos, tarefa sintetizada no movimento de tornar consciente o inconsciente. Essa concepção será contraposta por outra, a partir dos desdobramentos teórico-clínicos trazidos pela segunda

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forma de uma transferência do analista sobre o analisando. Como mostra Kupermann

(2003a) – numa análise da posição de Ferenczi, mas que também pode esclarecer-nos a

respeito das idéias de Freud – a contratransferência pode abranger tanto as resistências e

os pontos cegos suscitados no analista pelo impacto dos afetos a ele endereçados pela

transferência do paciente, como também a expressão dos afetos oriundos dos próprios

investimentos transferenciais do psicanalista.13 Temos assim dois modos possíveis de se

conceber a contratransferência no texto freudiano: um que acentua os efeitos da

transferência do analisando sobre o analista e, outro, que ressalta o estabelecimento de

uma transferência no analista.14

Feito este breve retorno a Freud, voltemos à década de 50. Segundo Green

(2002), o artigo de Paula Heimann (1950) intitulado “On counter-transference” veio

representar uma virada radical nas acepções psicanalíticas a respeito da função da

contratransferência no trabalho analítico. Trata-se de um texto de referência da

bibliografia psicanalítica que concebe a contratransferência como instrumento

privilegiado de análise. Seu artigo foi apresentado, em 1949, no Congresso

Internacional de Psicanálise em Zurique, causando certo alvoroço, tanto por ter trazido

para o centro das discussões a controversa questão da contratransferência, um tema até

então silenciado pelo meio psicanalítico, como também por ter promovido uma ruptura

com a abordagem clínica kleiniana, até então dominante na Sociedade Britânica.

Para introduzir a discussão do artigo, cabe efetuar uma contextualização

histórica. Paula Heimann foi uma psicanalista polonesa que fez sua formação na

Alemanha, tendo se mudado para a Inglaterra após a ascensão do nazismo, no ano de

1933, juntamente com o primeiro grupo de analistas judeus-alemães que recebeu

permissão para praticar a psicanálise em Londres. Na ocasião, passa a fazer parte do dualidade pulsional. Na verdade, como assinala Herzog (2000), dois pontos de vista sobre o sentido do tratamento psicanalítico se sobrepõem no texto freudiano. O primeiro deles, o de “tornar consciente o inconsciente”, é predominante na posição das autoras dos anos 50. Discutiremos os dois pontos de vista mais adiante. 13 Kupermann (2003a) faz referência a uma terceira modalidade de contratransferência, indicada nas formulações de Ferenczi, que advém da situação analítica. Trata-se dos afetos inéditos suscitados no encontro analítico, que não se reduzem nem aos pontos cegos, nem à resposta à transferência do paciente. Este terceiro modo de contratransferência diria respeito aos afetos que se produzem no encontro transferencial, mas que teriam um caráter original, inédito, o que seria possibilitado por um autêntico encontro afetivo. 14 Quando discutirmos, no próximo capítulo, a concepção da transferência como fenômeno único, passível de afetar tanto analista como analisando, veremos que o exame sistemático, em Freud, da dupla acepção de contratransferência vai se revelar um tanto irrelevante. O direcionamento metodológico desta pesquisa nos obriga, entretanto, a fazer, por ora, esta separação sistemática das duas acepções de contratransferência. A separação se faz necessária para que possamos comparar a posição freudiana com a das autoras dos anos 50, que, em seu conjunto, não se restringem a uma dupla acepção, mas produzem uma polissemia do termo contratransferência.

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grupo kleiniano da Sociedade Britânica, tornando-se paciente de Melanie Klein e, mais

tarde, analista didata desta sociedade. A publicação do artigo sobre a contratransferência

provoca, entretanto, o rompimento de Klein com Heimann, já que a primeira discordava

das idéias defendidas no artigo e havia pedido a Heimann que não o publicasse,

temendo não só uma utilização inadvertida da contratransferência, como também

possíveis críticas dirigidas ao grupo kleiniano provindas de outras linhas teóricas da

Sociedade Britânica. Entretanto, a despeito do pedido de Melanie Klein, Paula Heimann

apresenta seu artigo sobre a contratransferência no XVI Congresso Internacional de

Psicanálise de Zurique, em 1949, vindo a publicá-lo em 1950, no International Journal

of Psycho-Analysis (OLIVEIRA, 1994). 15

Neste texto, a autora utiliza o termo contratransferência para designar a

totalidade dos sentimentos que o analista experimenta em relação ao paciente, incluindo

todas as reações emocionais conscientes ou pré-conscientes do analista.

Um ponto levantado pela autora que, como veremos, vai abrir espaço para

críticas ulteriores é o de que a situação analítica consiste numa “relação entre duas

pessoas” (HEIMANN, 1950, p. 172). Com este argumento, a autora sustenta a hipótese

de que o analista, como pessoa, é suscetível de experimentar sentimentos em relação ao

paciente; assim, não poderia prescindir de sua afetividade na situação analítica. Desta

maneira, afetado pelo contato com o paciente, o analista responderá com sua

contratransferência. E o que deve fazer com ela? Heimann se baseia na proposição

freudiana relativa à contratransferência, a de que o analista precisa reconhecer e

dominar suas respostas contratransferenciais, mas vai conferir a este conceito um

estatuto distinto daquele que predominava no meio analítico até então. Para ela, o

analista deveria apropriar-se de suas respostas contratransferenciais, para utilizá-las

como meio de acesso – acesso direto, é preciso enfatizar – ao material inconsciente do

paciente. Deveria usar sua contratransferência como ferramenta no trabalho de análise.

15 Melanie Klein não era partidária da utilização da contratransferência na condução do tratamento. Para ela, seria justamente a ausência de resposta contratransferencial do analista que permitiria à criança em análise estabelecer sua transferência com o analista (GARRIGUES, 1987). Embora Paula Heimann e Melanie Klein tenham rompido a amizade por causa desta publicação, a difusão das idéias de Heimann acabará por associar – no plano teórico – as duas adversárias (GONDAR, 2008). Isso porque a proposta clínica de Paula Heimann, quando difundida no meio psicanalítico, acabará associada a um conceito introduzido por Klein, o da identificação projetiva. Este conceito diz respeito, em linhas gerais, à situação clínica na qual o analista se identifica com aspectos que o paciente exclui de seu psiquismo, isto é, quando são suscitados no analista afetos ou representações semelhantes ou idênticos ao do paciente (LAPLANCHE & PONTALIS, 1977; CINTRA & FIGUEIREDO, 2004). Apesar de Heimann (1950) não ter feito menção, neste artigo, ao conceito de identificação projetiva, suas idéias certamente se baseiam no conceito de Melanie Klein.

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Vejamos qual o sentido de tomá-la como “ferramenta”. A tese central da autora

é a de que “a contratransferência do analista é um instrumento de investigação dirigido

ao inconsciente do paciente” (ibid., p. 172), permitindo o acesso direto aos desejos

inconscientes do analisando, que se fariam presentes na própria resposta

contratransferencial do analista. Em outras palavras, o que a autora procura sustentar é

que os sentimentos experimentados pelo analista em relação ao paciente seriam

conseqüência do desejo inconsciente do paciente de dividir com o analista os afetos que

ele, paciente, não poderia reconhecer nem verbalizar, mas que poderia apenas induzir no

analista. A aparição da contratransferência no analista é vista, assim, como puro produto

do analisando; suas respostas contratransferenciais seriam criadas pelo paciente, não

dizendo respeito à subjetividade do analista.

Ao postular que toda resposta emocional do analista em relação ao paciente é

“uma criação do paciente” (HEIMANN, p. 175), a autora consegue a proeza de isentar o

analista de exercer qualquer influência subjetiva no trabalho analítico. Tudo aquilo que

o analista sente, pensa, deseja, são aspectos que o analisando induz no analista. O

psiquismo do analista funcionaria, desta maneira, como uma tábula rasa, na medida em

que tudo aquilo que ele sente na situação analítica seria diretamente revertido em uma

forma de saber sobre o inconsciente do analisando (KUPERMANN, 2003a). Heimann

(1950) procura sustentar sua posição afirmando que o analista plenamente analisado,

tendo elaborado seus conflitos, não correria o risco de atribuir a seu paciente o que

pertence a si próprio. Conseguiria assim, “um equilíbrio suficientemente seguro” (ibid.,

p. 175) que lhe permitiria abster-se de reagir ao paciente a partir de sua conflitualidade,

uma vez que esta já teria sido satisfatoriamente elaborada, colocando-se como um

espelho capaz de refletir apenas os conteúdos inconscientes do paciente. O recurso à

metáfora especular é de fato utilizada por Heimann, que insiste na hipótese de que os

afetos experimentados pelo analista funcionam “como o reflexo do paciente em um

espelho” (p. 172), daquilo que ele não consegue sentir por si mesmo. A imagem do

analista-espelho proposta por Freud parece se reatualizar, de forma modificada, na

formulação de Heimann (1950).

Observa-se, aqui, certa proximidade da posição de Heimann à de Ferenczi

(1928), sendo que a diferença entre as duas posições parece ser mais de cunho

terminológico do que propriamente conceitual. Sob o rótulo de contratransferência, a

autora propõe um estado no analista de receptividade aos afetos do paciente que parece

ser bem próximo daquilo que Ferenczi concebe como a experiência do sentir com. Do

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mesmo modo que Ferenczi, ela pressupõe o controle dos complexos inconscientes do

analista, concebendo uma área psíquica livre de conflitos, capaz de receber diretamente

os afetos do analisando, sem o risco de se confundir com eles.

A semelhança com Ferenczi, entretanto, parece circunscrita a esta tese principal.

Heimann (1950), referindo-se à posição de Ferenczi, o qual, segundo ela, recomendava

ao analista expressar abertamente seus sentimentos em certas oportunidades – como o

fez, de forma mais radical, na experiência da análise mútua – discorda desta atitude

técnica. Ela considera desaconselhável a comunicação da contratransferência ao

paciente. Acha que tal honestidade, mais próxima de uma confissão, seria sentida pelo

paciente como um fardo, não tendo valor efetivo para o andamento da análise. Os afetos

contratransferenciais só teriam valor para análise se o analista pudesse suportá-los em si

mesmo, utilizando-os como fonte de insight dos conflitos inconscientes do paciente.

Neste sentido, prescreve ao analista uma “contemplação” da contratransferência, o que

parece indicar a necessidade de certa contenção e elaboração destes afetos, evitando

qualquer forma de atuação contratransferencial.16 Estes pontos, entretanto, não são

aprofundados pela autora no artigo em questão.

Um ano após a publicação do artigo de Paula Heimann, um novo artigo sobre o

tema da contratransferência é publicado no International Journal of Psycho-Analysis;

este, de autoria de Margareth Little. As idéias formuladas no artigo de 1951 se

apresentam como uma continuidade desta perspectiva clínica que discute a possibilidade

de utilização técnica da contratransferência. E mais uma vez, como veremos, a

influência de Ferenczi é notável nessas proposições.

Margareth Little (1951) inicia o referido artigo com uma vinheta clínica

introdutória, na qual procura ilustrar a influência da contratransferência na intervenção

analítica17. Não é possível saber, a partir do texto, como a autora toma conhecimento

desta vinheta; do modo como é descrita, parece que Little teria acompanhado esta

situação clínica numa análise didática conduzida por ela, e o caso clínico em questão

parece referir-se a um analisando cujas atividades profissionais estão próximas da

psicanálise. No entanto, conforme Barone (1994) esclarece, referindo-se aos

comentários de Safouan no livro A transferência e o desejo do analista (1992), a 16 Esta ressalva quanto ao perigo representado pela atuação contratransferencial é um denominador comum entre muitas das posições concernentes ao papel da contratransferência no trabalho psicanalítico – questão que aprofundaremos no próximo capítulo. 17 Lacan (1953-54), no livro I do seu Seminário, tece alguns comentários – que serão abordados mais adiante – a respeito desta vinheta clínica apresentada por Margareth Little. O autor se engana, porém, ao conferir a autoria da vinheta à Annie Reich (1951).

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vinheta clínica em questão teria sido retirada, com as evidentes alterações, da própria

análise didática de Margareth Little conduzida por Ella Sharp.

Acompanhemos agora a vinheta clínica apresentada pela autora. Começa

relatando que o paciente tinha sido convidado a dar uma entrevista no rádio sobre um

assunto que ele sabe ser do interesse do analista. Entretanto, pelo fato de sua mãe ter

falecido alguns dias antes, não se sente com disposição para falar no rádio. Tendo sido

impossível cancelar o compromisso, decide comparecer, apesar da tristeza. No dia

seguinte à apresentação, ele chega à análise num estado de grande angústia e confusão

mental. O analista dá a seguinte interpretação: o paciente, por certo, temia que ele,

analista, lhe desejasse mal, com inveja do seu sucesso no rádio. As palavras do analista

tiveram efeito imediato sobre o paciente, fazendo cessar sua perturbação.

No entanto, dois anos mais tarde, o analisando se dá conta de que aquele estado

de confusão mental que o perturbou por ocasião da palestra no rádio estava relacionado

à sua reação de luto pela morte da mãe, mais especificamente por lamentar que sua mãe

não estivesse lá para testemunhar seu sucesso; além de certa culpa por extrair prazer

daquela situação no momento do falecimento dela. Agora, dois anos depois, ele começa

a compreender que a interpretação do analista na ocasião teria sido correta em seu

conteúdo restrito, isto é, correta em relação aos afetos do analista. Segundo seu ponto de

vista, o analista estaria de fato, naquela ocasião, com inveja de seu sucesso. A culpa

inconsciente do analista, em virtude de sua inveja, teria sido o que havia suscitado a

interpretação inexata. Sendo assim, o paciente elabora a situação da seguinte maneira:

reconhece a possibilidade de ter experimentado sim um sentimento de inveja, mas não

em relação ao analista. A inveja estaria ligada aos seus objetos de amor infantis – inveja

do sucesso de seu pai frente à sua mãe e, ao mesmo tempo, temor de seu próprio

sucesso frente à mãe, pois seu pai poderia invejar esse laço de amor que o ligava a sua

mãe.

A leitura de Little (1951) para tal vinheta clínica é a de que a contratransferência

do analista – os sentimentos de inveja e de culpa – teria sido o móvel da interpretação

equivocada do analista. Antes de abordar a interpretação da autora para a atitude do

analista neste caso clínico, importa esclarecer o sentido terminológico do conceito de

contratransferência adotado por Little. Trata-se, segundo ela, dos conteúdos recalcados,

dos conflitos infantis do analista que se apresentam na relação transferencial com o

paciente. Estes seriam responsáveis pelos erros de interpretação, os equívocos na

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compreensão, ou qualquer outro entrave no processo de elaboração por parte do analista

– o que parece estar de acordo com a definição freudiana.

Por outro lado, Little distingue a contratransferência daquilo que ela concebe

como uma forma particular de identificação do analista com o paciente. Esta

identificação seria a força condutora do tratamento, capaz de produzir as intervenções

mais eficazes. A empatia, definida como a possibilidade de o analista se identificar com

o paciente, é considerada – tal como em Ferenczi – condição fundamental para o avanço

da análise. Mas, referindo-se à capacidade empática, Little adverte que o analista deve

ser capaz de separar-se daqueles conteúdos que, pelo processo de identificação, tornou

temporariamente seus. Sendo assim, empatia e separação são os dois tempos que se

sucedem nesta modalidade de identificação entre analista e analisando. O primeiro

tempo seria uma etapa de indiferenciação entre analista e analisando; o segundo tempo,

o momento de distinguir entre aquilo que diz respeito ao analista (sua

contratransferência) e aquilo que ele pôde sentir por identificação com o paciente. E,

para proceder desta maneira, seria necessário um intervalo considerável de tempo,

produzindo um ritmo alternado entre empatia e separação.

Segundo Little, no caso clínico, o analista, por identificação, teria experimentado

a inveja inconscientemente recalcada do analisando como seu próprio sentimento

imediato. Mas, ao mesmo tempo, é bem provável que, de fato, tenha tido um sentimento

de inveja do sucesso do paciente. Nesta situação de indiferenciação entre os conteúdos

inconscientes do analista e do analisando, teria sido preciso um intervalo de tempo para

que o analista pudesse separar-se do paciente, e assim se colocar disponível para uma

interpretação eficaz. Quando a interpretação se fundamenta em tal indiferenciação, esta

vai estar submetida aos conflitos inconscientes do analista. Para a autora, portanto, o

uso imediato da contratransferência pelo analista na situação analítica pode ser

comparado à imagem de um cego conduzindo outro cego. O erro do analista, na vinheta

clínica em questão, foi o de se autorizar a considerar sua contratransferência como

produto do analisando, usando-a de forma direta na interpretação, sem antes procurar

distinguir aqueles conteúdos inconscientes que lhe diziam respeito.

Nesta perspectiva, a autora em parte se aproxima da posição de Heimann (1950),

ao considerar a possibilidade de o analista se identificar com os afetos do paciente. Mas,

ao contrário dela, Little (1951) tem o cuidado de mostrar que não se trata de uma

experiência tão simples, indicando que a contratransferência do analista estará

inevitavelmente presente, ameaçando o “equilíbrio suficientemente seguro” que,

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segundo Heimann (1950, p.172), seria garantido pela análise pessoal do analista,

mantendo a conflitualidade do analista afastada do encontro analítico. Para Little

(1951), não há solução para a contratransferência, no sentido de eliminá-la ou deixar de

produzi-la; a tendência a desenvolver inconscientemente contratransferências em

relação ao paciente persistiria continuamente. Este ponto de vista leva Little (1951) a

reconhecer a importância de se estar atento ao inevitável transbordamento da

contratransferência sobre a capacidade empática.

Little (1951) diverge de Heimann (1950) em um segundo aspecto. Referindo-se

ainda à vinheta clínica, ela considera insuficiente que o analista, para neutralizar o efeito

negativo de uma intervenção inoportuna, forneça num segundo momento uma

interpretação “correta”. O equívoco do analista deve ser não apenas admitido (e, como

conseqüência, dar ao paciente a possibilidade de exprimir eventualmente sua raiva),

como também deve ser comunicada a origem do equívoco em sua própria

contratransferência. A confissão da contratransferência é considerada pela autora como

essencial ao progresso da análise, pois aumentaria a confiança do paciente no analista.

Mostrando-se falível e reconhecendo seu engano para o paciente, o analista tornar-se-ia,

desta maneira, mais confiável.

Não se trata, porém, como enfatiza Little (1951, 1956) de confessar, de forma

inadvertida, sua contratransferência ao analisando. Trata-se, antes, de limitar a

comunicação da contratransferência aos sentimentos justificáveis relacionados ao

paciente. Mas como é possível depurar o que pode do que não pode ser comunicado,

entre o que é ou não justificável? Para tentar explicar seu ponto de vista, a autora apóia-

se na indicação técnica de Winnicott apresentada no artigo O ódio na

contratransferência (1947). 18

Este trabalho de Winnicott aparece poucos anos antes da série de publicações

sobre a contratransferência da década de 1950, o que nos faz supor que suas idéias

parecem ter repercutido, ora positiva ora negativamente, nas tomadas de posição

defendidas nestes artigos. Com efeito, uma das questões cruciais debatidas neste

momento é sobre a legitimidade de se comunicar ou não a contratransferência ao

paciente. Tendo sido este um ponto de vista claramente defendido por Winnicott, as

18 Vale mencionar que Margareth Little foi analisanda de Winnicott entre os anos de 1949 e 1955, e mais uma vez no ano de 1957. Ela descreveu sua experiência de análise em seu livro “Ansiedades psicóticas e prevenção: Registro pessoal de uma análise com Winnicott” (LITTLE, 1990).

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discussões levantadas pelas autoras dos anos 50 parecem se dirigir também a este

interlocutor. 19

Em 1947, Winnicott aconselha a comunicação ao paciente, no seu devido tempo,

dos sentimentos contratransferenciais, mais particularmente o ódio contratransferencial,

quando estes se mostram justificados. Por justificável, o autor concebe a modalidade de

contratransferência “verdadeiramente objetiva”, ou ainda “o amor e o ódio do analista

em reação à personalidade e ao comportamento real do paciente, com base numa

observação objetiva” (ibid., p. 278).

Para discorrer sobre essa modalidade de contratransferência justificável, o autor

toma como referência os casos de pacientes psicóticos, e também aqueles em que o

paciente regride às fases primitivas de seu desenvolvimento emocional. Segundo ele,

tais pacientes exigem muito do analista, levando-o necessariamente a sentir um ódio

justificado, legítimo frente às exigências impostas pelo paciente. Winnicott recomenda

que o analista reconheça em si o ódio, suportando-o talvez por longo período de tempo,

até ser utilizado numa futura interpretação. “Mais cedo ou mais tarde”, diz Winnicott,

“poderá contar ao paciente por que coisas ele (analista) passou a fim de ajudá-lo” (ibid.,

p.282). A comunicação da contratransferência é, portanto, considerada de fundamental

importância para a análise; uma etapa que, se não for transposta, manterá a análise

incompleta. Esta é a prescrição técnica de Winnicott quanto à contratransferência, a qual

será prontamente assimilada por Margareth Little.

Resumindo o que pudemos observar até aqui, convém assinalar que, fora as

divergências menos importantes entre Paula Heimann (1950) e Margareth Little (1951,

1956), ambas apresentam, na essência de suas idéias, posições bastante similares,

embora sejam explicadas em termos diferentes. Tomando como base a definição

freudiana de contratransferência – definida como o conjunto de conflitos e complexos

do analista, aquilo que o predispõe a estabelecer uma transferência com o paciente –,

observa-se que ambas as autoras consideram a contratransferência fonte de embaraço

para a função analítica, tal como Freud já advertira. Vale enfatizar este ponto porque,

graças ao mal entendido produzido pela questão terminológica, Paula Heimann (1950)

passou a ser comumente conhecida como a grande defensora do emprego técnico da

contratransferência. Mas, como já pontuamos, o sentido atribuído por ela à palavra

contratransferência nem de longe se assemelha ao sentido introduzido por Freud.

19 Ferenczi, como sabemos, é o outro interlocutor a quem são dirigidas algumas das questões levantadas pelas autoras.

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A posição de Annie Reich (1951), ao contrário, não é em nada ambígua. Ela é a

autora que mais claramente denuncia o perigo contratransferencial, mostrando-se em

franca concordância com a posição freudiana. Seu artigo sobre a contratransferência

pode ser considerado emblemático quanto à posição psicanalítica que preconiza a

importância de um analista neutro, que concebe a contratransferência em seus efeitos

desfavoráveis, nocivos ao tratamento analítico. Este artigo que, segundo Kristeva

(2002), tornou-se canônico para muitos psicanalistas, reconhece que a

contratransferência se faz presente necessariamente na situação analítica, mas deve ser

mantida na sombra e em segundo plano. Para Annie Reich (1951), o analista deveria

tornar-se a tela na qual o paciente pudesse projetar seus objetos primordiais e, para

fazer-se tela, deveria manter-se numa neutralidade que o colocasse distante dos afetos

contratransferenciais. Caso o analista se deixasse levar pela contratransferência,

fatalmente sua habilidade para compreender, responder e interpretar o paciente seria

alterada. Alterada negativamente, é preciso enfatizar.

Ao mesmo tempo em que defende, de forma clara e enfática, a exclusão dos

afetos contratransferenciais, Annie Reich descreve um aspecto da função analítica que

abre caminho para o que já fora repetidamente trazido e debatido pelos outros autores: a

capacidade empática.20 Para explicar como o analista é capaz de responder

apropriadamente ao paciente através de suas intervenções, ela pressupõe a existência de

certo tipo de apreensão do material do paciente – denominado de insight – que se

produz de forma inconsciente no analista, o qual seria possibilitado por uma breve e

parcial identificação ao paciente. Ressalta a brevidade desta identificação, indicando a

necessidade imperiosa de que o analista possa voltar à sua posição de exterioridade, a

fim de avaliar de forma objetiva aquilo que, por um instante, pôde experimentar a partir

de uma interioridade. Desta maneira, Reich procura formular, do mesmo modo como

fazem as outras autoras, um estado psíquico no analista capaz de mantê-lo afastado de

tudo que diz respeito à sua própria subjetividade, conduzindo-o a uma identificação com

o analisando que lhe servirá de meio de acesso à compreensão analítica.

Na contramão destas formulações predominantes na década de 50, temos as

idéias defendidas por Lucia Tower (1955), cuja posição talvez possa ser considerada a

mais radical entre as autoras desta década. Sua definição terminológica de 20 Neste artigo de 1951, Reich ainda não se refere diretamente à noção de empatia – como fará nos artigos de 1960 e 1966 –, mas esboça sua idéia de uma modalidade de identificação com o paciente que, mais tarde, designará como empatia. Não aprofundaremos suas idéias a respeito da empatia pelo fato de repetirem, de certa forma, algumas das proposições já trabalhadas pelos outros autores.

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contratransferência é a mesma que a de Freud: consiste tanto numa reação à

transferência do analisando, como também designa uma transferência do analista, no

sentido de repetir, na relação com o paciente, protótipos de seus conflitos infantis.

Difere radicalmente de Freud, porém, quanto à forma de encarar este fenômeno,

considerando positiva sua presença na situação analítica.

Tower (1955) não esboça qualquer tentativa de conceituar, em relação à posição

do analista, um campo psíquico livre de conflitualidade, tal como vimos nas postulações

dos autores até agora mencionados. Ao contrário, indica que é justamente na própria

conflitualidade que o analista poderá assumir sua função. Ela assinala a existência de

uma incessante produção de respostas neuróticas às pressões emocionais exercidas pelo

paciente sobre o inconsciente do analista. Neste sentido, reconhece a inevitabilidade da

contratransferência, como fazem os outros autores, mas não se apressa em prescrever ao

analista uma análise pessoal, a fim de eliminar prontamente tal fator da situação

analítica. Sua prescrição é diametralmente oposta, já que valoriza a presença da

contratransferência na situação analítica.

A tese central da autora neste artigo consiste na proposição da instalação de uma

neurose de contratransferência no analista ao longo do tratamento, a qual se mostraria

útil para a tarefa analítica. Enquanto Freud (1914) propõe a substituição da neurose

comum do paciente por uma neurose de transferência durante o tratamento, como meio

de acesso privilegiado aos conflitos inconscientes do paciente, Tower (1955) indica a

necessidade do estabelecimento – ora efêmero, ora mais durável – de uma neurose de

contratransferência no analista. Para a autora, trata-se da contrapartida para a neurose

de transferência, e esta interação entre transferência e contratransferência é encarada por

ela como essencial ao tratamento. Através desta interação, se estabeleceriam canais de

comunicação inconsciente entre analista e analisando. Desta maneira, o estabelecimento

da contratransferência no analista, ao lado da transferência no analisando, teria o caráter

de propiciar certo desvelamento da situação analítica em seu conjunto, o que poderia

desfazer aquilo que teria se apresentado como um impasse na situação analítica,

possibilitando assim, ao analista, a interpretação da neurose de transferência do

paciente.

A autora pretende ressaltar, portanto, que a transferência e a contratransferência

são dois processos intimamente ligados e, por conta disso, a contratransferência

funcionaria como veículo para a compreensão afetiva, no analista, da neurose de

transferência. No entanto, Tower não explica como se daria esta compreensão afetiva no

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analista. Tratar-se-ia de um processo de re-transcrição da transferência do paciente para

a contratransferência do analista? Ou diria mais respeito a uma complementaridade

entre transferência e contratransferência?

Como podemos notar, ela é a única, entre as autoras da década de 50, a defender

a positividade da contratransferência, tomando este conceito no sentido terminológico

estritamente freudiano. Tower se aproxima de Freud ao sustentar terminologicamente a

noção de contratransferência considerada em seu duplo aspecto: como expressão dos

afetos transferenciais do psicanalista, com toda sua potencialidade de conflitos

psíquicos, e como reação à transferência do analisando. No entanto, se distancia

completamente da posição freudiana ao conceber a contratransferência não como

resistência ou ponto cego no analista, mas sim, como estado psíquico fundamental para

o analista exercer sua função.

Deste modo, com exceção de Lucia Tower (1955), as autoras a que

tradicionalmente se atribui o boom da contratransferência nos anos 50 (OLIVEIRA,

1994) não são, apesar dessa fama, as fiéis defensoras da contratransferência. Como já

mencionamos, Paula Heimann (1950) sustenta uma posição a favor do emprego técnico

da contratransferência, mas o sentido de contratransferência que a autora tem em mente

não é o mesmo de Freud, sendo mais próximo da noção de empatia. De forma mais

explícita, Margareth Little (1951, 1956) e Annie Reich (1951) se baseiam na proposição

de uma capacidade empática do analista. Desta maneira, todas as três autoras descartam

a possibilidade de a contratransferência, com sua inerente conflitualidade, adquirir o

papel de instrumento analítico. A função analítica é esboçada, assim, como uma posição

na qual o analista, supostamente livre de sua conflitualidade, funcionaria como tábula

rasa, sendo capaz de receber projeções do material inconsciente do paciente – tal como

uma bússola norteadora que lhe permitiria desvelar, com precisão, o material

inconsciente do paciente.

A proposta clínica dessas autoras dos anos 50 está inserida numa mesma

perspectiva quanto à prática psicanalítica. Elas concebem o tratamento psicanalítico

como sendo, exclusivamente, um trabalho de deciframento do material inconsciente.

Essa perspectiva clínica evoca, facilmente, o ponto de vista de Freud (1895, 1900, 1910)

quanto ao sentido do tratamento, predominante em seus textos iniciais. Lembremos que

o trabalho do analista é descrito, nestes artigos, como um exercício de deciframento do

material inconsciente do paciente, material que se encontra recalcado, mas que, graças

ao método psicanalítico, poderia tornar-se acessível. O método teria como objetivo a

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elucidação de uma verdade escondida, a descoberta de um “significado secreto” (1900,

p. 544) a ser desvendado pelo trabalho analítico. Estas autoras dos anos 50 parecem

fazer, portanto, um retorno a tal proposta clínica, com a diferença de que, nelas, o fator

afetivo substitui a objetividade e a racionalidade requeridas por Freud (1895, 1900,

1910). Embora o texto freudiano não incorra na valorização da afetividade do analista,

os pontos de vista de Freud e das autoras dos anos 50, quanto ao sentido do tratamento,

se aproximam em sua essência. Depreende-se deles o mesmo objetivo de revelar o

material inconsciente recalcado do paciente.

Segundo Herzog (2000), podemos identificar no campo psicanalítico, grosso

modo, duas vertentes quanto à maneira de se conceber o sentido do tratamento. Trata-se

de duas vertentes clínicas que encontram legitimidade no pensamento freudiano,

constituindo-se como um paradoxo: em vez de se oporem, acabam por se sobrepor,

“como as duas faces de uma mesma moeda” (ibid., p. 80). A primeira vertente – na qual

se inserem as autoras já mencionadas –, compreende o tratamento como um trabalho de

conscientização, cujo objetivo é dominar as forças pulsionais. Baseia-se, assim, num

ideal de cura preestabelecido, o qual seria atingido após uma tentativa de “forjar uma

explicação” (ibid., p. 91), entendendo-se como explicação a possibilidade de apreender,

dominar e manejar forças pulsionais. Já a segunda vertente não almeja um ideal de

cura, por reconhecer a submissão do sujeito às forças pulsionais – reconhecimento do

qual decorre a proposta clínica de fazer o sujeito confrontar-se com sua condição de

desamparo, isto é, a impossibilidade de domar as forças pulsionais (HERZOG, 2000).

A segunda teoria pulsional de Freud (1920), que estabelece o conflito entre

pulsão de vida e pulsão de morte, vai deflagrar, de forma definitiva, a impossibilidade

de um ideal de harmonia a ser atingido pela experiência clínica. Nas palavras de Herzog

(2000), a partir do advento da segunda dualidade pulsional, “o conflito se apresenta em

sua radicalidade, apontando para a impossibilidade definitiva de um acordo ou de um

equilíbrio” (ibid., p. 87) – conflito que denuncia a ilusão do projeto de dominação das

forças destrutivas e demoníacas inerentes à pulsão de morte. Ainda assim, podemos

afirmar, com Herzog, que, mesmo com a ruptura radical trazida pela segunda teoria

pulsional, a rede conceitual freudiana, por seu caráter paradoxal, não deixa de legitimar

as duas perspectivas clínicas mencionadas acima.

Sendo assim, as autoras dos anos 50 inserem-se na primeira vertente, por

conceberem o tratamento analítico, exclusivamente, como um trabalho que visa tornar

consciente o inconsciente, na medida em que o analista, a funcionar como bússola,

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efetuaria seu trabalho na direção das “profundezas” do inconsciente recalcado. Isso

pode ser verificado, sobretudo, na proposta clínica de Heimann (1950), quando define a

“contratransferência” como “instrumento de investigação dirigido ao inconsciente do

paciente” (ibid., p. 172), o que permitiria o acesso direto aos desejos inconscientes do

analisando. Trata-se da busca de uma verdade escondida, que seria revelada pelos

próprios sentimentos do analista na situação de análise.

Heimann (1950) e as outras autoras parecem desconsiderar, em seus artigos, a

novidade técnica proposta em Construções em análise (1937). Como já foi

desenvolvido no primeiro capítulo desta pesquisa, Freud reformula, em 1937, as bases

da técnica psicanalítica. A partir daí, a função do analista é definida como um trabalho

de construção. Não se trata mais de buscar uma tradução ou deciframento do material

recalcado, visto que não há necessidade de uma confirmação da correção objetiva das

construções realizadas em análise. Não se quer mais trazer à tona algo escondido, já que

a experiência psicanalítica passa a ser descrita eminentemente como um trabalho de

invenção. Tal proposta clínica, contudo, parece não ser levada em conta pelas autoras

em questão.

Feita esta análise das opiniões predominantes nos anos 50, apresentaremos a

seguir o ponto de vista de Lacan a respeito do tema, que, além de fazer uma crítica

contundente ao emprego técnico da contratransferência, traz importantes contribuições

para a problemática colocada por este conceito.

A oposição de Lacan às formulações dos anos 50

Lacan, no livro I do seu Seminário (1953-1954), condena as práticas que

denomina “doutrinas modernas” (ibid., p. 19), principalmente aquelas que se

desenvolveram a partir da década de 50. Sua crítica é dirigida não só às autoras já

mencionadas 21, como também a Michael Balint, a Anna Freud e, de uma forma geral, à

escola inglesa; enfim, todos aqueles que, segundo ele, concebem a relação analítica

como uma prática realizada de ego a ego – o que acarretaria certa reciprocidade entre

analista e analisando, isto é, uma relação simétrica. Para Lacan, o movimento que

supostamente defende o emprego técnico da contratransferência teria como sustentação

21 Lembremos que Paula Heimann se refere explicitamente à experiência psicanalítica como “uma relação entre duas pessoas” (1950, p. 172). Segundo esta perspectiva, o analista como pessoa estaria inevitavelmente sujeito a implicar-se afetivamente com o paciente.

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teórica a proposta clínica baseada em uma relação dual, relação considerada por ele

como eminentemente imaginária.

A crítica de Lacan se dirige, portanto, à clínica do imaginário, isto é, à prática

psicanalítica que privilegia o plano imaginário em detrimento do plano simbólico.

Segundo ele, tais “doutrinas modernas” manteriam a relação analítica restrita a uma

relação a dois. A própria cunhagem do termo contratransferência, como observa Nicéas

(1998), permitiria constatar a origem imaginária do conceito, circunscrevendo a

experiência psicanalítica nos limites de uma relação concebida como dual. Contrário a

essa dualidade, Lacan (1953-1954) defende enfaticamente a não simetria das posições

de analista e analisando. O plano simbólico garantiria, ao contrário, a entrada de um

terceiro na experiência psicanalítica. A palavra, entendida como terceiro elemento,

através do qual ocorre a análise, permitiria que a situação analítica se desenhasse não

como uma relação a dois, mas como uma relação a três.

Em linhas gerais, sua crítica endereçada às práticas clínicas desenvolvidas a

partir dos anos 50 se dirige, sobretudo, à concepção do lugar do analista que prescindiria

da função da palavra. Esta forma de orientação clínica abriria uma via para que o lugar

do analista admitisse toda uma série de defesas, negações, inibições, fantasias – isto é,

um lugar regido pela contratransferência – que passaria a orientá-lo em sua técnica.

Lacan designa tal prática como nefasta, pelo fato de que, neste caso, a função analítica

estaria centrada no ego do analista. Daí sua advertência quanto ao perigo de o analista

deixar intervir seu ego na condução da análise.

É assim que ele começa a desenvolver sua crítica a respeito da indicação técnica

que concedia à contratransferência um valor de instrumento analítico. A “armadilha da

contratransferência” (LACAN, 1953-1954, p. 37) seria o que colocaria o ego do analista

no primeiro plano da experiência analítica. Tendo sido definida, em 1951, como “a

soma dos preconceitos, das paixões, dos embaraços” (LACAN, p. 98) do analista e

redefinida, alguns anos mais tarde, como “nada mais (...) do que a função do ego do

analista” (1953-54, p. 33), a contratransferência deveria ser definitivamente excluída da

experiência psicanalítica, dada sua dimensão imaginária.

A estas definições de contratransferência formuladas por Lacan, soma-se mais

uma, brevemente apresentada, em 1966, numa nota do artigo Variantes do tratamento-

padrão. Ao referir-se ao movimento da escola inglesa que promovia positivamente a

intervenção das respostas contratransferenciais na técnica psicanalítica, o que ele

designa como a “atual promoção dos efeitos incluídos na categoria da

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contratransferência” (p. 341), Lacan nos remete à sua nota de rodapé. Nela, define a

contratransferência como a transferência do analista. Trata-se, portanto, não só dos

complexos neuróticos do analista – a soma de seus preconceitos e paixões – mas

também a forma pela qual os complexos se atualizam a partir do estabelecimento de

uma transferência no analista.

Ao lado destas considerações, Lacan aponta outro aspecto da questão, dizendo

que, ao se falar de contratransferência, “trata-se na verdade, pura e simplesmente, de

conseqüências necessárias do fenômeno da transferência, se o analisarmos

corretamente” (LACAN, 1961, p.197). Ele se refere aos efeitos que a transferência do

paciente exerce sobre o analista. Deste modo, Lacan consegue, por um lado, condensar

a dupla acepção da contratransferência implícita nas formulações de Freud, tal como

apontamos anteriormente – o que indica que ele se manteve fiel à acepção da noção de

contratransferência esboçada por Freud. Mas, por outro lado, dá um passo adiante na

discussão em torno do conceito de contratransferência, ao enfatizar este segundo

aspecto do fenômeno, que diz respeito aos efeitos da transferência sobre o analista.

O passo adiante é dado quando chama atenção para a “impropriedade

conceitual” (1958, p.591) do termo contratransferência. Sua advertência se refere à

armadilha terminológica a que o uso do termo pode nos levar: a de diferenciar a

contratransferência do fenômeno transferencial. Em 1964, formula mais claramente sua

posição:

A transferência é um fenômeno em que estão incluídos, juntos, o sujeito e o psicanalista. Dividi-la nos termos de transferência e contratransferência, qualquer que seja a sagacidade, a desenvoltura das proposições que a gente se permita sobre este tema, nunca é mais do que eludir o de que se trata (LACAN, 1964, p. 219).

Desta maneira, ele procura mostrar a impropriedade do termo

contratransferência, afirmando que a utilização deste termo não é senão uma tentativa

de se evitar o que é de fato relevante na situação analítica. A transferência, segundo ele,

“é um fenômeno essencial” (ibid., p. 219) que exerceria efeitos tanto sobre o analisando

como sobre o analista. Pelo simples fato de haver transferência na situação analítica, o

analista se veria necessariamente implicado. Deste modo, não seria preciso se referir ao

termo contratransferência como se fosse alguma coisa exclusiva do analista. “Trata-se aí

do efeito irredutível da situação de transferência, simplesmente, por si mesma”

(LACAN, 1961, p. 194). Sendo assim, quando se fala de contratransferência, na verdade

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se estaria aludindo à implicação necessária do analista na situação de transferência,

considerando-se todos os efeitos produzidos no encontro transferencial entre analista e

analisando.22

Os avanços teóricos desenvolvidos por Lacan vão levá-lo a elaborar mais

detidamente o lugar do analista na experiência psicanalítica. No entanto, em virtude da

complexidade do campo teórico-clínico lacaniano, suas formulações posteriores não

serão discutidas aqui, pelo fato de transcenderem o objetivo deste trabalho. Deste

modo, nos limitamos a problematizar, no pensamento de Lacan, seu ponto de vista

quanto à questão da contratransferência. 23

Arrematando nossa discussão

A apreciação dos diversos pontos de vista relativos à questão

contratransferencial nos permite observar um denominador comum que aproxima a

maioria destes autores com respeito à concepção do lugar do analista na experiência

psicanalítica. Vemos a prevalência de uma posição teórica que concebe o lugar do

analista como destituído de sua própria subjetividade, um lugar em que o analista deve

afastar para longe de si (e para longe do paciente) seus próprios conflitos psíquicos, a

fim de adquirir uma suposta capacidade para analisar os conflitos psíquicos do paciente.

Mas será possível excluir a subjetividade do analista da experiência analítica? Será que

a contratransferência é assim tão perigosa a ponto de categoricamente nos impedir de

propor a positividade da subjetividade do analista no processo de análise?

Lacan (1953-54) nos oferece subsídios para resistir e insistir numa posição

oposta àquela defendida pela maioria dos autores abordados neste estudo. Ao examinar

a vinheta clínica exposta por Margareth Little (1951) – vinheta já discutida acima –

Lacan (1953-54) profere um comentário do qual podemos depreender sua posição

relativa aos sentimentos do analista.

22 Como indicamos anteriormente, Ferenczi chama atenção para este aspecto fundamental da relação transferencial, capaz de produzir efeitos tanto no analisando como no analista. Lacan (1958, 1961, 1964), por seu lado, propõe mais claramente essa idéia da relação transferencial como fenômeno único, criticando ferozmente a distinção conceitual entre transferência e contratransferência. Retomaremos esta discussão no próximo capítulo. 23 Os desdobramentos teórico-clínicos propostos por Lacan o levarão a desenvolver sua concepção sobre o desejo do analista (LACAN, 1963; 1966). Trata-se da posição exigida ao analista na direção do tratamento, na qual ele deve separar-se de sua questão de sujeito. Como diz Nicéas (1998), esse lugar permitiria ao analista reduzir-se “a um desejo que lhe exige subtrair-se como sujeito da própria ação que ele deverá produzir” (p. 173). Para tanto, “o eu se apaga para dar lugar ao não sujeito da interpretação” (LACAN, 1966, p. 343). Esta formulação de Lacan, entretanto, não será objeto de nossa investigação.

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Que o sujeito tenha experimentado os sentimentos que o analista lhe imputava, não só podemos admiti-lo, mas é excessivamente provável. Que o analista tenha sido guiado por isso na interpretação que ele deu, é uma coisa que não é perigosa em si mesma. Que o único sujeito que está analisando, o analista, tenha até tido um sentimento de inveja é problema dele levá-lo em conta de maneira oportuna para se guiar através disso como uma agulha indicadora a mais. Nunca se disse que o analista não deve ter sentimentos em relação ao paciente. Mas deve saber não apenas não ceder a eles, colocá-los no seu devido lugar, mas servir-se dele adequadamente em sua técnica (...). O grave é que tenha acreditado estar autorizado por uma certa técnica a usar isso de cara e de maneira direta (p. 43-44, grifos nossos).

Nesta passagem, vemos que Lacan não nega a presença de sentimentos que

podem advir ao analista em seu encontro com o paciente, e mais do que isso: concede

aos sentimentos do analista o papel de “agulha indicadora” na condução da análise, dos

quais poderia servir-se, de forma adequada, em sua técnica. Tal perspectiva, entretanto,

será abandonada por ele: em seu artigo de 1958, A direção do tratamento e os

princípios de seu poder, ao referir-se ao “jogo analítico”, Lacan afirma que “o que há de

certo é que os sentimentos do analista só têm um lugar possível nesse jogo: o do morto;

e que, ao ressuscitá-lo, o jogo prossegue sem que se saiba quem o conduz” (LACAN,

1958, p. 595). Além disso, a posição lacaniana avessa à subjetividade do analista é

evidenciada, sobretudo, em sua formulação sobre o desejo do analista, posição de “não-

sujeito” exigida na direção do tratamento (LACAN, 1966, p. 343). Ao colocar-se em tal

posição, a subjetividade do analista se manteria num estado de suspensão, ou nos termos

de Martins (2002), de “um fazer silêncio-em-si” (ibid., p. 182).

Cabe, então, perguntar se seria possível conceber positivamente a subjetividade

do analista na situação analítica. Em outras palavras, será que a subjetividade do

analista – incluindo-se aí seus afetos, conflitos e sua contratransferência – pode ser

empregada de forma positiva na clínica psicanalítica? Se isso é possível, como fazê-lo?

A análise empreendida por Lacan a respeito da vinheta clínica de Little (1951)

parece fornecer uma pista para nossa questão. Sua crítica à intervenção do analista na

vinheta em questão é a de que a contratransferência teria sido empregada de forma

direta, como sentimento imediato colocado para o paciente, sem mediação. Lacan, por

seu lado, não permite ao analista servir-se da contratransferência como meio de sua

ação. Em sua opinião, as respostas contratransferenciais do analista não poderiam

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direcionar a intervenção analítica. Neste sentido, o que ele parece condenar é a

possibilidade de produção de um acting-out contratransferencial por parte do analista.24

A partir desta indicação, vamos delinear, no próximo capítulo, uma distinção

entre aquilo que se apresenta na situação analítica como acting out contratransferencial

e o que pode ser concebido como uma reação contratransferencial acolhida e elaborada,

restrita ao campo psíquico do analista, sem que venha a emergir no campo do ato.

24 Como veremos no próximo capítulo, essa advertência quanto ao risco de o analista atuar sua contratransferência já havia sido esboçada por Freud em duas ocasiões (1912; 1913, apud. FREUD & BINSWANGER, 1995).

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Capítulo 3:

Um caminho para a afetividade do analista na clínica psicanalítica

Este capítulo tem como intuito propor que a implicação afetiva do analista na

situação analítica pode comportar uma dimensão positiva. Começaremos por privilegiar

uma perspectiva mais ampliada da experiência psicanalítica, destacando o campo de

afetação mútua produzido pelo acontecimento transferencial. Ao conceber o conceito de

contratransferência como sinônimo da afetividade do analista decorrente deste campo de

afetação, voltaremos ao texto freudiano a fim de verificar qual é, de fato, a

recomendação de Freud quanto ao destino a ser dado à contratransferência. A distinção

entre duas principais vicissitudes das respostas afetivas do analista – a saber, a

contratransferência atuada e a elaborada – será uma via fecunda de investigação. Para

concluir, procuraremos entender qual o sentido da prescrição freudiana de domínio da

contratransferência, com base num exercício de hermenêutica. Isso nos levará a

defender a hipótese de que Freud dá margem a uma perspectiva favorável a respeito dos

afetos contratransferenciais na experiência psicanalítica.

Uma questão introdutória

Ao iniciar este terceiro e último capítulo, vale retomar uma discussão esboçada

no capítulo anterior, a partir das indicações teóricas de Ferenczi e de Lacan, quando nos

referimos à possibilidade de ampliar a concepção de contratransferência delineada nesta

pesquisa. Para tanto, procuramos indicar que a contratransferência faz parte de uma

experiência mais abrangente, que é a experiência transferencial em si mesma, entendida

como um campo de circulação de afetos entre o analista e o analisando. Esta concepção

pressupõe que a relação transferencial produz uma inserção radical da figura do analista

na experiência psicanalítica; em outras palavras, que o analista é permeável aos efeitos

da transferência (BIRMAN, 1991).

O conceito de contratransferência está incluído, desta maneira, na trama

conceitual da transferência, na medida em que se compreende a relação transferencial

como um fenômeno único, no sentido de conjugar na mesma experiência o que é

usualmente entendido, de forma separada, como transferência e contratransferência

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(LACAN, 1964). Nesta perspectiva, trata-se de um fenômeno passe-partout, ou seja, de

uma experiência situada num campo de afetação que engloba tanto os efeitos

produzidos sobre o paciente como sobre o analista, ambos afetando-se mutuamente.

Desta maneira, diversamente de Lacan (1958), que defende a “impropriedade

conceitual” da noção de contratransferência, propomos sustentar sua validade –

principalmente pelo fato de que foi, a partir desta conceituação, que Freud pôde

problematizar a questão da afetividade do analista. E, neste sentido, não nos furtamos a

aceitar a afirmação lacaniana acerca da implicação radical do analista no processo

psicanalítico.

Lembremos que, como vimos no primeiro capítulo, Freud já havia alertado para

a inevitabilidade da implicação afetiva a que o analista estava submetido na experiência

psicanalítica. Comecemos por destacar seu reconhecimento, que se deu após o término

do tratamento de Dora, de que o analista não pode “sair incólume desta luta” (1905

[1901], p. 106). Trata-se do momento crucial em que ele se rende, por fim, à força da

transferência. Ao admitir essa premissa, deixa implícito que a transferência e a

contratransferência são fenômenos indissociáveis.

Outro indício dessa posição se encontra em um comentário de Análise

terminável e interminável (1937), quando Freud aponta, como um dos perigos da

análise, o de o analista não ser capaz de controlar as exigências pulsionais que advêm da

experiência psicanalítica. Sua inquietação, bastante clara nesse artigo, se refere ao fato

de reconhecer que as exigências pulsionais do analista são prontamente despertadas ao

manejar as pulsões e o material recalcado de seus pacientes. Mais uma vez, aqui, vemos

Freud preocupado em alertar os analistas para a intensidade dos efeitos produzidos pelo

acontecimento transferencial.

Com esta perspectiva em mente, estamos livres de cair na armadilha

terminológica a que Lacan se refere, isto é, a de conceber a contratransferência como

diferenciada do fenômeno transferencial. Dito de outro modo, a utilização do termo

contratransferência neste estudo não implica desconsiderar o fato de que a transferência,

como adverte Lacan (1964), é um fenômeno em que estão incluídos, juntos, analista e

analisando.

Neste sentido, o conceito de contratransferência, quando se leva em conta essa

advertência, pode ser entendido, de uma forma geral, como aquilo que diz respeito à

subjetividade do analista como efeito do encontro transferencial. São os afetos,

sentimentos, desejos, fantasias e conflitos psíquicos do analista despertados pelo

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paciente na atualidade da sessão. Desta maneira, ao invés de descartar o termo

contratransferência, procuramos tomá-lo simplesmente como sinônimo da afetividade

do analista, quando esta se revela como resultado do encontro com o paciente no aqui e

agora da experiência psicanalítica.

Esta importante ressalva nos permite voltar às prescrições de Freud relativas à

contratransferência, para verificar se, de fato, o texto freudiano inviabiliza a positivação

da afetividade do analista no contexto da contratransferência, tal como se pode supor à

primeira vista.

Como destacamos nos capítulos precedentes, o texto freudiano contém poucas

referências diretas ao conceito de contratransferência. Nessas breves passagens, vemos

Freud (1910, 1915 [1914]) persistir numa única indicação ao analista, quanto ao que ele

deve fazer com sua contratransferência. Sua insistência repetida é no sentido de

prescrever o domínio da contratransferência por parte do analista. Freud também lança

mão de termos correlatos, tais como controle e sobrepujamento, termos que parecem

recomendar a mesma atitude frente à contratransferência: o imperativo de dominá-la.

Lembremos que, em 1910, Freud assevera que “estamos quase inclinados a

insistir que ele [analista] reconhecerá a contratransferência em si mesmo e a

sobrepujará” (p. 130; grifos nossos). Em outra ocasião, recomenda “cautela e

autodomínio” (1912, p. 158) por parte do analista. E, mais tarde, no artigo sobre o amor

transferencial, reafirma que “não devemos abandonar a neutralidade para com a

paciente, que adquirimos por manter controlada a contratransferência” (1915 [1914], p.

214; grifos nossos).

Estas três recomendações de Freud são aparentemente simples: cabe ao analista

o domínio da contratransferência. Mas o que significa isso? O que Freud estaria

sugerindo ao referir-se a este movimento de domínio da contratransferência? Trata-se de

buscar suprimi-la, eliminá-la? Quanto a isso, o texto freudiano não apresenta uma

resposta clara.

Freud parece responder a esta questão de forma enviesada, quando impõe ao

analista a necessidade de se submeter a uma auto-análise; o analista conseguiria

sobrepujar sua contratransferência desde que se submetesse a um processo de análise

pessoal. Mas será que, com isso, Freud estaria, de fato, sugerindo a supressão de

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qualquer vestígio contratransferencial? Será este o objetivo da auto-análise do analista

ao lidar com sua contratransferência? Deixemos por enquanto esta questão em aberto. 1

Correspondência entre Freud e Binswanger: uma via de investigação

Uma carta de Freud, enviada em 1913 ao psiquiatra suíço Ludwig Binswanger,

revelou-se – retomando as palavras de Lacan (1953-54) – uma agulha indicadora 2 em

nossa investigação. Não apenas essa carta, mas de forma geral, a correspondência entre

Freud e Binswanger, no período de 1908 a 1938, contém material fecundo, trazendo

uma efetiva contribuição para o estudo da contratransferência. Mas, antes de introduzir

a discussão, vale a pena contextualizar a troca de idéias entre Freud e Binswanger,

mostrando o pano de fundo em que se desenrolou a correspondência entre os dois.

Binswanger conheceu Freud em 1907, aos 26 anos, levado por Jung numa visita

a Viena. Apesar da diferença de idade – Freud tinha 52 anos na época –, ficaram muito

amigos. O encontro teve como conseqüência uma troca de cartas que durou mais de 30

anos. Em 1929, Freud lhe fez este elogio, numa referência velada a Jung: “Ao contrário

de tantos outros, você não permitiu que sua evolução intelectual, que cada vez mais o

afastou de minha influência, destruísse também nossas relações pessoais, e você não

sabe como essa delicadeza faz bem ao homem” (FREUD, apud. ROUDINESCO &

PLOM, 1998, p. 68).3

Ludwig Binswanger (1881-1966) ocupa, por certo, um lugar na história da

psiquiatria, por sua tentativa de criar a Daseinanalyse, uma espécie de análise

existencial, inspirada na fenomenologia de Husserl. Tendo sido assistente de Bleuler,

ele fez seu doutorado em Zurique sob a orientação de Jung. Tal como o avô, o pai e

mais tarde o filho, dirigiu o famoso sanatório Bellevue para doentes mentais, em

Kreuzling, na Suíça, para onde Freud encaminhava alguns de seus pacientes

(SCHMIDL, 1959; ROUDINESCO & PLOM, 1998).

1 Esta questão será retomada adiante para defender nosso ponto de vista sobre o estatuto da contratransferência no pensamento de Freud. 2 Conforme apontado no segundo capítulo, Lacan (1953-54) sugere que os sentimentos do analista poderiam ter a função de “uma agulha indicadora a mais” (p. 43). 3 Este afastamento a que Freud faz referência nesta passagem remete ao crescente interesse de Binswanger pela filosofia e fenomenologia, que o levou, mais tarde, a desenvolver um método terapêutico bem diferente da linha psicanalítica.

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Um dos casos encaminhados por Freud a Binswanger, a Sra. F., chegou a

Bellevue em 25 de setembro de 1912, com o diagnóstico de doença de Basedown 4 e

sintomas de erotomania, ficando internada apenas três meses, até o dia 20 de dezembro.

Ela havia tido uma entrevista com Freud, na presença do marido, e a partir desse único

encontro, o fundador da psicanálise já tecera algumas hipóteses sobre o caso, além de

formular o diagnóstico citado acima. No período de outubro de 1912 a fevereiro de

1913, a correspondência entre Freud e Binswanger é centrada na discussão deste caso

clínico. Ao longo das cartas, observa-se que Freud procura, o tempo todo, supervisionar

o tratamento.

A hipótese de Freud em relação a Sra. F. era a de que se tratava de “uma mulher

sexualmente anormal com um distúrbio de ordem homossexual – (...) componente até

então latente, mas constitucionalmente muito forte” (FREUD & BINSWANGER, 1995,

p. 169). Freud ressalta a Binswanger que “o caso, inclusive o marido, merece toda a

nossa atenção” (ibid., p. 168; grifos nossos). Sugere, inclusive, que o tratamento seja

encaminhado no sentido de uma investigação deste componente homossexual

inconsciente.

Depreende-se, no entanto, a partir da leitura das cartas, certa discordância entre

eles sobre o caso em questão. Binswanger, após iniciado o tratamento, mostra-se

bastante afetado pela história da paciente. Sabemos por uma carta deste psiquiatra que a

Sra. F. se casou aos 17 anos, sem amor, a pedido da família, com um homem duas vezes

mais velho. Ela nunca amou o marido e, depois de algum tempo, decidiu divorciar-se

para casar-se com outro – desejo a que Freud não deu crédito, dizendo tratar-se de “uma

fachada que não deve ser levada a sério” (ibid., p. 168). A opinião de Binswanger era

bem diferente e, em seus comentários – indiretos, naturalmente –, parece sugerir que

Freud teria sido influenciado pelo Sr. F., o marido, segundo o qual, se a mulher não o

amava mais, deveria estar doente – daí o tratamento psiquiátrico.

É curioso observar que Freud e Binswanger têm opiniões opostas acerca do

caso, opiniões que parecem sugestionadas pelas suas próprias implicações afetivas no

encontro com a paciente. De um lado, Freud insiste repetidamente na hipótese de uma

tendência homossexual inconsciente e desconsidera a relevância do desejo da Sra. F. de

divorciar-se do marido. A recomendação de Freud a Binswanger é clara e precisa: não

deve levar em conta a decisão da Sra. F. de se separar do marido, restringindo-se a

4 Trata-se de uma doença física, causada por um distúrbio da glândula tireóide.

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investigar a vertente homossexual recalcada da paciente. Chega a dizer que “na

realidade, ela continua ligada ao marido como antes, é o que transparece o tempo todo”

(ibid., p. 168-169).

Já Binswanger, por seu lado, afirma que a idéia do divórcio lhe é compreensível.

Numa longa carta a Freud, de dezembro de 1912, relata a história da paciente com um

tom condoído. Mostra-se afetado pelo sofrimento da paciente, o que o leva a acusar o

marido de ser incapaz de entender a esposa. Em relação ao Sr. F, emite a seguinte

opinião: “Com uma natureza um tanto quanto autoritária, pertence à categoria dos

homens que não podem admitir que não são capazes de satisfazer a esposa “ (ibid., p.

180).

A análise dos bastidores da correspondência – neste recorte limitado à troca de

cartas entre 20 de outubro de 1912 e 20 de fevereiro de 1913 – não tem senão o objetivo

de evidenciar a implicação afetiva tanto de Freud como de Binswanger, em virtude do

encontro transferencial com a paciente. O contato com a Sra. F. parece ter tido como

efeito a inserção radical de ambos no romance afetivo relatado por ela. Mesmo depois

de encerrado o tratamento em Bellevue, a discussão sobre o caso continuou.

A atitude de Freud neste episódio se revela uma repetição, decerto diferenciada,

daquela tomada por ocasião do caso Dora (FREUD, 1905 [1901]). Como bem ressalta

Lacan (1953-54) a respeito do tratamento de Dora, Freud não pôde perceber que a

paciente amava a Sra. K., influenciado pela concepção que tinha “daquilo do que é feita

uma menina – uma menina é feita para amar os meninos” (LACAN, ibid., p. 213). Do

mesmo modo, no caso da Sra. F., vemos Freud mais uma vez submetido à própria

subjetividade. Sua posição aqui parece pautada pela influência dos preceitos morais da

época, pela concepção de que uma esposa não pode desejar a separação; deve manter-se

casada até o final da vida, por mais infeliz que seja o casamento.

Embora seja possível notar em Freud certo embaraço contratransferencial, ele

não se deu conta disso. Sem desconfiar de sua própria implicação afetiva no caso da

Sra. F., chega a sugerir, numa das cartas a Binswanger, que o colega – e não ele –

estaria empregando mal sua contratransferência.5

De fato, Binswanger também estava radicalmente submetido aos efeitos da

relação transferencial estabelecida com a Sra. F. Sua percepção do caso era a de que a

paciente tinha plena consciência da realidade de seu casamento infeliz, escrevendo, de

5 É nesta carta de 20 de fevereiro de 1913 que Freud fará um esboço do que concebe como o uso apropriado da contratransferência. Chegaremos a este ponto logo adiante.

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uma forma quase romanesca, que havia um “abismo cada vez mais profundo entre ela e

seu marido, o qual não tinha a menor intuição do que se passava, enquanto ela sofria

com isso há muitos anos”. Escreve ainda que a Sra. F., “num belo dia”, por ter adquirido

“um senso absoluto da verdade”, se deu conta de que seu casamento era “uma mentira

insuportável, em relação a ela mesma e a seu marido” e a partir daí, decidira não

“continuar representando a comédia que eles protagonizavam até então” (FREUD &

BINSWANGER, 1995, p. 179).

Nesta mesma carta, de 19 de dezembro de 1912, Binswanger faz um comentário

no qual sugere certa desconfiança a respeito de sua própria implicação afetiva no caso.

Mas, como é possível notar, ele não dava maior crédito a essa desconfiança: “Como o

senhor vê, nossa opinião se apóia essencialmente sobre o que nos disse a Sra. F., ela

mesma, o que é sempre um pouco tendencioso. Mas acreditamos, assim mesmo, que

podemos, até certo ponto, fazer fé nessas indicações” (ibid., p. 180).

Este comentário parece ter sido decisivo para levar Freud a se pronunciar a

respeito do fenômeno contratransferencial, deixando implícita sua opinião de que o

psiquiatra estaria se deixando levar, de forma espontânea, por sua contratransferência.

Embora Freud aponte o erro em Binswanger, ele parece estar tão ou mais

submetido aos efeitos inevitáveis da transferência. Nada nos impede de supor que Freud

talvez estivesse ainda mais implicado subjetivamente que Binswanger, justamente por

não ter tido consciência de tal implicação. Binswanger, ao contrário, chegou a admitir a

possibilidade de sua posição tendenciosa. Na verdade, podemos sugerir que Freud sofria

do mesmo mal do qual acusava Binswanger, ao interpretar o caso a partir de sua própria

contratransferência, isto é, identificando-se com o Sr. F. e revelando-se um verdadeiro

defensor daquele casamento.

A suspeita admitida por Binswanger, de que ele próprio estaria se deixando levar

por um ponto de vista tendencioso, provoca uma resposta de Freud, escrita em 20 de

fevereiro de 1913, na qual explicita sua posição sobre a contratransferência. Vale

destacar, na íntegra, a passagem em que Freud aborda o tema.

O problema da contratransferência, que o senhor suscita, é um dos mais difíceis da técnica psicanalítica. Na teoria, segundo penso, é mais fácil de resolver. O que se dá ao paciente não deve ser jamais afeto espontâneo, mas sempre deve ser afeto conscientemente manifestado, em maior ou menor quantidade, conforme as necessidades do momento. Em certas circunstâncias, é preciso dar muito – nada, porém, que venha diretamente do inconsciente do analista. Para mim,

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esta é a regra (FREUD, 1913; apud. FREUD & BINSWANGER, 1995, p. 183).

Freud assevera – considerando uma falta técnica o não cumprimento desta regra

– que o analista não deve expressar nunca seus afetos de forma direta, espontânea.

Prescreve como única possibilidade de expressão afetiva do analista aquela que é

precedida por um processo psíquico consciente. Ou seja, o analista só pode manifestar

seus afetos no espaço analítico quando estes são manifestados de forma consciente,

certamente mediante – ele não diz isso especificamente – um trabalho psíquico de

elaboração. Esta afirmação de Freud não deixa de ser curiosa, se a compararmos com

sua posição em relação ao caso da Sra. F.

Mas não sejamos tão intransigentes com Freud. Ele próprio reconhece a

dificuldade de se lidar tecnicamente com a contratransferência. Esta questão, segundo

ele, é muito mais facilmente solucionada no campo teórico do que na prática clínica. Na

teoria, Freud (ibid.) resolve este problema fazendo uma distinção entre afeto espontâneo

e afeto manifesto conscientemente. O primeiro é encarado como erro técnico; o

segundo, a única via possível para o analista expressar seus afetos no processo

psicanalítico. A dificuldade, na verdade, é a de se fazer esta depuração afetiva no aqui e

agora da relação transferencial.

Detendo-nos um pouco mais na citação acima, vemos que Freud formula, nessa

carta de 1913, um impedimento categórico: nada pode vir diretamente do inconsciente

do analista. Todavia, esta barreira levantada por ele parece se contrapor à sua

formulação a respeito de uma transmissão via inconscientes – questão essa já abordada

no primeiro capítulo. Lembremos que a metáfora do receptor telefônico, empregada por

Freud (1912) para descrever o lugar do analista no processo psicanalítico, pressupõe

uma capacidade de transmissibilidade entre o inconsciente do analista e o inconsciente

do analisando.

Recoloca-se aqui a questão levantada no primeiro capítulo, quanto ao estatuto do

inconsciente que Freud teria em mente ao formular sua hipótese da comunicação entre

inconscientes. Perguntamo-nos, na ocasião, se Freud estaria aludindo ao inconsciente

em seu sentido sistemático ou no sentido puramente descritivo.6 Talvez tenhamos

6 Ao discutir essa idéia de uma comunicação inconsciente utilizando uma terminologia da primeira tópica freudiana, não estamos desconsiderando o desenvolvimento teórico psicanalítico e sua segunda tópica do aparato psíquico. Como se sabe, Freud (1940 [1938]) buscou conciliar as duas tópicas, sobrepondo-as. Desta forma, o que procuramos fazer aqui foi simplesmente dar relevo às concepções descritiva e

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encontrado aqui a resposta para essa questão. A observação presente na carta de 1913

indica claramente que Freud não legitima uma posição do analista cuja intervenção

venha diretamente de seu inconsciente. Neste caso, parece não haver dúvida de que ele

se refere ao Inconsciente como sistema. Isto é, nada pode advir do Inconsciente do

analista, inconsciente esse tomado em seu sentido sistemático.

Desta maneira, a hipótese parece pautada na idéia de um inconsciente descritivo,

ou seja, numa comunicação que se daria, do lado do analista, através de seu pré-

consciente. De fato, temos esta confirmação justamente numa carta muito posterior de

Freud a Binswanger, quando este lhe havia perguntado sobre sua hipótese ilustrada pela

imagem do receptor telefônico. Em 22 de novembro de 1925, Freud responde que havia

expressado sua opinião baseado em “um sentido modesto e racional”. Explica que usara

o termo inconsciente de forma descritiva, afirmando ainda que, para fundamentar sua

hipótese, seria mais exato o emprego do termo “pré-consciente” (FREUD, 1925; apud.

FREUD & BINSWANGER, 1995, p. 258).

Cabe ressaltar que a hipótese da comunicação via inconsciente pode parecer

inserida na perspectiva clínica que concebe o trabalho analítico como uma tarefa de

deciframento do inconsciente do paciente – vertente que, como vimos, compreende o

tratamento psicanalítico como um simples processo de conscientização (HERZOG,

2000). De fato, é possível depreender esta leitura da hipótese de Freud (1912), como se

o analista tivesse o encargo de, através de seu pré-consciente, revelar o inconsciente do

analisando, num processo direto de deciframento. Trata-se de uma conclusão

precipitada. O processo de transmissão inconsciente não comporta esta única

perspectiva.

Gondar (2008) esclarece que a hipótese de transmissão inconsciente é diferente

daquela implícita na metáfora do espelho, pela qual o analista funcionaria como objeto

opaco, que simplesmente ricocheteia o que recebe do analisando – esta, sim,

completamente inserida na perspectiva clínica de conscientização. Já a comunicação

inconsciente, descrita na metáfora do receptor telefônico, delineia outro processo: o

inconsciente – ou melhor, o pré-consciente – do analista funcionaria como órgão

receptor e o inconsciente do paciente, como órgão transmissor. Isso sugere que o

analista funcionaria como “placa receptora, capaz de ser marcada por aquilo que

recebe” (GONDAR, ibid., p. 179). Sendo assim, o analista não vai simplesmente

sistemática do inconsciente, presentes na primeira tópica, já que foi nesse âmbito de discussão que Freud apresentou sua hipótese de transmissão via inconsciente.

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decifrar os conteúdos inconscientes do paciente, mas será marcado, afetado pelas

“ondas sonoras” (FREUD, 1912, p. 154) do paciente. Trata-se, “a partir dos derivados

do inconsciente que lhe são comunicados”, diz Freud, “de reconstruir esse

inconsciente” (ibid., p. 154; grifos nossos). O analista, então, deve fazer um trabalho de

reconstrução – o que parece já um sinal do que mais tarde Freud vai formular em

Construções em análise (1937a).

A discussão sobre a transmissibilidade via inconsciente está longe de ser

esgotada. Mesmo que se trate de uma transmissão inconsciente em termos descritivos, o

processo de transmissão inconsciente ainda permanece enigmático. O meio pelo qual

um sujeito pode ter acesso a representações e expressões afetivas de outro sujeito, sem

que isso seja mediado por um processo consciente, é algo que Freud deixou bastante

indefinido e obscuro em seu texto – questão para a qual ainda não temos uma resposta

satisfatória.7

Por ora, vale manter a discussão restrita à distinção proposta por Freud relativa

ao campo teórico da contratransferência. A distinção delineada por ele entre uma

expressão espontânea de afetos e a manifestação consciente de afetos pode ser descrita

em outros termos, como uma oposição entre a atuação contratransferencial e a

contratransferência sujeita ao processo de elaboração. Aprofundaremos, a seguir, a dita

oposição.

Afeto em ato versus afeto elaborado

Não foi apenas em 1913, na carta a Binswanger, que Freud distinguiu a

contratransferência atuada e a elaborada. Na verdade, um ano antes, no artigo

Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912), já aludira ao perigo de

o analista atuar a contratransferência, mas de forma breve e oblíqua:

Mas quem não se tiver dignado a tomar a precaução de ser analisado não só será punido por ser incapaz de aprender um pouco mais em relação a seus pacientes, mas correrá também perigo mais sério, que pode tornar-se perigo também para os outros. Cairá facilmente na tentação de projetar para fora algumas das peculiaridades de sua própria personalidade (p. 156).

7 Esta discussão vai além dos limites impostos pelo nosso percurso de mestrado, em virtude do tempo restrito, que impede um maior aprofundamento deste tema. A pesquisa acerca da hipótese freudiana de uma transmissão inconsciente, por suscitar grande interesse, faz jus a um futuro desenvolvimento.

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Com relação à questão da atuação contratransferencial, nesta citação, vemos

Freud admitir o risco de o analista “projetar para fora” seus aspectos subjetivos. Este

“projetar para fora” parece aludir à possibilidade de a afetividade do analista vir a

emergir no campo do ato. Nesta perspectiva, vale discutir alguns dos conceitos

psicanalíticos que remetem à dimensão do ato (agieren).

Laplanche e Pontalis (1977), em seu Vocabulário, indicam que o verbo agieren

pode ser traduzido tanto por “agir”, como também por “acting out”.8 A preferência

destes autores é pela segunda tradução, por considerarem que o termo “agir” é sujeito a

ambigüidades. Se, por um lado, o termo “agir” é empregado, no texto freudiano, num

sentido de agir pulsões, desejos, afetos, fantasias, etc.; por outro, esta noção se confunde

com a noção de ação motora, pelo fato de Freud algumas vezes associar as duas noções.

Já a tradução pelo termo acting out não incidiria, segundo os autores, nessa

ambigüidade. Trata-se de um termo adotado por psicanalistas de língua inglesa, depois

retomado de forma idêntica, sem tradução, pelo campo psicanalítico francês, sendo

posteriormente utilizado em outros países, tal como o Brasil. Sua acepção se restringe,

portanto, ao mecanismo psíquico pelo qual o sujeito coloca em prática, ou em ato, suas

pulsões, fantasias e desejos (ROUDINESCO & PLOM, 1998). Segundo Mayer (2001),

o acting out deve ser entendido como um ato provocado por representações

inconscientes, no qual é possível vislumbrar uma significação oculta. Tomado por uma

força pulsional com a qual não consegue lidar, o sujeito passa diretamente do impulso à

ação, sem efetuar o trabalho psíquico de elaboração. O termo designa, portanto, a

maneira pela qual o sujeito passa inconscientemente ao ato, seja dentro ou fora do

setting analítico.

A noção de atuação (ou acting-out) é utilizada por Freud, sobretudo, em

contraposição a outra noção, a de recordar (erinnern). Esta oposição entre a dimensão

do ato e a da recordação fica clara no artigo “Recordar, repetir e elaborar” (FREUD,

1914), quando aborda um fenômeno comum na experiência psicanalítica: o fenômeno

da repetição na transferência.

Neste artigo, Freud observa que nem tudo pode ser rememorado pelo sujeito na

situação psicanalítica, isto é, nem tudo que foi “esquecido” (ibid., p. 194) pode vir à

cabeça do paciente no curso da análise. Deste modo, indica que a insuficiência da 8 Também no Brasil, agieren é traduzido comumente por “atuação” – termo esse já algumas vezes empregado nesta dissertação (ROUDINESCO & PLOM, 1998). Ao longo da pesquisa, serão utilizados indistintamente os termos atuar, atuação e acting-out, tomando-os como sinônimos, dada sua inserção no campo do ato (agieren).

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rememoração leva o analisando a fazer uso da repetição como uma maneira de se

recordar. Diz: “Há certos casos em que (...) o paciente não recorda coisa alguma do que

esqueceu e recalcou, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out)”. Acrescenta

ainda: “Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem,

naturalmente, saber o que está repetindo” (ibid., p. 196).

Esta atuação, afirma Freud, se faz primordialmente pela via da transferência. Ele

nos fornece alguns exemplos simples, tal como o do paciente que não se recorda que

costumava ser desafiador e crítico em relação aos pais; “em vez disso, comporta-se de

maneira desafiadora para com o médico” (ibid.). Desta maneira, indica que o paciente

coloca em ato – na transferência – algo que ele não pode rememorar, sendo incapaz de

articulá-lo num discurso. Conclui que “enquanto o paciente se acha em tratamento, não

pode fugir a esta compulsão à repetição; e que, no final, compreendemos que esta é a

sua maneira de recordar” (ibid., p. 197).

É assim que Freud delineia uma oposição, e ao mesmo tempo, paradoxalmente,

uma similaridade entre repetir por atos e rememorar simplesmente. Embora sejam

mecanismos psíquicos antagônicos, ambos os processos trazem em si a possibilidade de

fazer o passado retornar ao presente (LAPLANCHE & PONTALIS, 1977). Isso porque

a repetição é entendida, neste artigo de 1914, como uma maneira de se articular um

sentido, a fim de tornar presente um material psíquico que não pode ser falado nem

rememorado. A repetição é uma forma de rememoração, mas a diferença é que se trata

de uma rememoração empreendida sob a forma de ato (BIRMAN, 1988). 9

Embora destaque a transferência com o analista o modelo principal de repetição

ao longo do processo de análise, reconhece que a compulsão à repetição pode se

estender para toda atividade e relacionamento que ocupem a vida do paciente na

ocasião. Freud diz ainda, no Esboço de psicanálise (1940 [1938]), que é desejável que o

paciente manifeste suas repetições dentro da transferência. O analista deve acolher a

repetição atuada dentro espaço analítico para que o paciente não venha a atuar fora dele.

Em 1914, ao se perguntar sobre qual é o material que o paciente repete ou atua

durante a análise, Freud responde prontamente que se trata de “tudo que já avançou a

partir das fontes do recalcado para sua personalidade manifesta”. Ou seja: “suas 9 Em 1920, em Além do princípio do Prazer, Freud esboça outra leitura para a problemática do ato. A formulação do conceito de pulsão de morte o levará a enfatizar que a repetição assume o caráter de uma efetiva compulsão – apontando a dimensão de insistência e imperatividade de algo que se impõe ao sujeito. Desta maneira, o campo do ato se tornará dissociado do campo do sentido, desarticulando a associação sugerida em 1914 entre recordação e repetição (BIRMAN, 2006). Mais adiante vamos abordar as conseqüências da postulação da pulsão de morte para o campo contratransferencial.

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inibições, suas atitudes inúteis e seus traços patológicos de caráter; repete também todos

os seus sintomas” (ibid., p. 198). Trata-se, portanto, de repetir, em ato, sua própria

conflitualidade psíquica. Desta maneira, Freud procura positivar a manifestação atuada

dos conflitos no curso da análise, em virtude da possibilidade de evocação de “um

fragmento da vida real” (ibid.); só deste modo, ao trazer para o espaço analítico tais

fragmentos pela via da repetição, o material do paciente tornar-se-ia acessível à

intervenção analítica. Freud justifica a positivação da repetição em análise afirmando

que “não se pode vencer um inimigo ausente ou fora de alcance” (ibid., p. 199).10

O trabalho do analista será, portanto, o de trazer para a esfera psíquica todos os

impulsos que o paciente procurar dirigir para a esfera motora através da atuação. Freud

afirma, com isso, que o tratamento analítico deve privilegiar o trabalho de recordar. Ao

invés de descarregar pela ação, é importante que o paciente tenha acesso a seus

conteúdos psíquicos mediante suas recordações. 11 Sendo assim, neste artigo de 1914, a

repetição é considerada um meio para se alcançar a rememoração, sendo este “despertar

das lembranças” (ibid., p. 201) o ponto intermediário do processo de análise. Segue-se a

ele um longo processo, ao qual Freud denomina processo de elaboração 12. É curioso

observar, contudo, que num artigo intitulado Recordar, repetir e elaborar, Freud não se

dedique a um exame mais acurado deste terceiro termo. Ele dá muito maior relevo aos

dois primeiros processos, deixando o conceito de elaboração pouco aprofundado neste

artigo. Em breves considerações a respeito da questão, Freud limita-se a dizer que se

trata do processo pelo qual o paciente começa a familiarizar-se com seus conteúdos

inconscientes, elaborando-os, assimilando-os, num processo que se faz de forma

continuada na experiência analítica. Laplanche e Pontalis (1977), introduzindo o

neologismo “perlaboração”, definem este processo como um trabalho do inconsciente

que é próprio ao tratamento psicanalítico, pelo qual o analisando pode integrar uma

interpretação e superar as resistências que ela desperta.

Feito este trajeto teórico pelas formulações freudianas de 1914, importa agora

trazer essas considerações para nosso campo de discussão. Do mesmo modo com que o

paciente pode repetir, em ato, sua própria conflitualidade psíquica, o analista pode vir a

10 Esta passagem nos remete a outra bem parecida, e mais famosa, de Freud (1912a): “Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível destruir alguém in absentia ou in effigie” (ibid., p. 143). 11 Como já foi apontado no primeiro capítulo, Freud (1937) reconhecerá os limites da capacidade de rememorar o material recalcado, o que resultará numa nova formulação técnica, a construção em análise. 12 O verbo alemão Durcharbeiten foi traduzido para o português, na obra freudiana, por elaborar. Esta tradução, entretanto, está sujeita a controvérsias. O termo alemão é traduzido também, por alguns autores, por perlaborar ou translaborar (BARBOSA, 2007). Optamos, contudo, pela primeira tradução.

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apelar para o mesmo recurso durante a condução da análise com o paciente. Lembremos

que, como ressalta Mayer (2001), a atuação representa uma busca de alívio para a

tensão provocada por impulsos ou fantasias inconscientes que não puderam ser

suficientemente elaborados numa dimensão pré-consciente, para que pudessem vir a ser

representados conscientemente.

Nesta perspectiva, seja para escapar dos efeitos da transferência ou, melhor, seja

porque está radicalmente submetido à transferência, o analista pode vir a recorrer ao

mecanismo do acting-out. No entanto, se o recurso ao ato é positivado por Freud (1940

[1938]) no que tange ao paciente, o mesmo não pode ser dito em relação ao analista.

É aqui que podemos retomar a questão da regra da abstinência (FREUD, 1915

[1914], 1919 [1918]), propondo uma articulação entre o risco de uma atuação

contratransferencial e a formulação do princípio de abstinência. Lembremos que esta

regra tanto se dirige ao analisando como ao analista. Diante deste princípio, o analista

deveria estar atento para o risco de, ao se deixar levar por sentimentos em relação ao

paciente, “subitamente ir mais além” do que havia pretendido (FREUD, 1915 [1914],

p.214). Esta possibilidade de “ir mais além” remete, precisamente, à atuação

contratransferencial. Trata-se do risco de responder às demandas do paciente em análise

e, mesmo, de responder aos próprios desejos frente a tais demandas. Deste modo, mais

do que se pautar no pressuposto de uma supressão afetiva no analista – tal como

apontamos no primeiro capítulo – a regra da abstinência prescreve, nitidamente, a

proibição da atuação contratransferencial.

O caminho para que o analista não incorra numa atuação dentro da situação de

análise é o de estabelecer um processo em que cadeias de representação possam ser

estruturadas, formando-se assim organizações de fantasias, através das quais seja

possível reconhecer seus impulsos e desejos, encontrando palavras – mesmo que

restritas ao pensamento – que lhes dêem expressão. Trata-se, portanto, da abertura para

a via da elaboração; de apostar na promoção de um processo de elaboração e

simbolização contínuo, sem o qual o analista inevitavelmente teria de apelar para o

recurso do ato. Como veremos mais adiante, a contratransferência, quando elaborada,

pode se revelar um material útil para o analista no processo de análise.

Retomando o que foi desenvolvido no primeiro capítulo desta pesquisa,

apontamos que o trabalho analítico consiste num esforço de conciliação entre dois

movimentos aparentemente contraditórios – o abandono ao próprio inconsciente e o

controle de si –, movimentos que, na verdade, revelam a dimensão paradoxal do lugar

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do analista. O trabalho de elaboração da contratransferência permite, justamente, que o

analista possa transitar entre os dois movimentos, na busca da justa medida entre eles.

Lembremos a imagem do equilibrista numa corda bamba, submetido, ao mesmo tempo

e na mesma medida, a forças opostas que o puxam, dos dois lados, para baixo.

Encontrado o ponto de equilíbrio, ele consegue andar na corda. Não se trata de uma

tarefa fácil: se uma das forças prevalecer, a queda o levará ao chão.

Do mesmo modo, o analista não escapa ao risco de deixar-se submeter mais

intensamente às próprias forças pulsionais, em detrimento do controle de si. Quando

isso ocorre, o resultado é a atuação da contratransferência. Qualquer analista, por mais

elevada que seja sua capacidade de simbolização e elaboração, não está livre desse

risco. Ademais, a atuação contratransferencial pode ser entendida como um modo de

resistência do analista ao trabalho de análise. O analisando não é o único a resistir ao

tratamento. A resistência do analista pode representar ao processo de análise tanto ou

mais dificuldade do que a resistência do analisando. 13 Diante disso, cabe ao analista o

esforço de manter-se continuamente em um trabalho de elaboração interna, a fim de

superar as próprias resistências que podem se interpor ao exercício de sua função.

Ainda que façamos a distinção esquemática entre as duas formas de expressão

contratransferencial, indicando a elaboração como positiva e a atuação como negativa,

tal distinção está longe de abranger todo o campo da afetividade do analista no encontro

transferencial. Afinal, a introdução do conceito de pulsão de morte na trama conceitual

psicanalítica impõe certo redimensionamento do campo contratransferencial, na medida

em que traz consigo novas questões para a discussão sobre a posição do analista. A luta

entre Eros e Tanatos vai redefinir o campo psicanalítico, já que o analista, assim como o

analisando, se encontra submetido aos efeitos dessas mesmas forças. Diante do conflito

entre pulsão de vida e pulsão de morte, o equilíbrio requerido ao lugar do analista é

ainda mais balançado.

Contrariando este esforço por equilíbrio, poderá advir a mais poderosa das

resistências ao tratamento psicanalítico: a resistência provocada pelo “elemento de

agressividade livre” (FREUD, 1937, p. 278), estremecendo qualquer projeto de

harmonia da função analítica. Trata-se da mais forte resistência, que trabalha contra o

restabelecimento, estando “absolutamente decidida a apegar-se à doença e ao 13 Lacan (1954-55) adverte quanto à possibilidade de o analista resistir na condução da análise. No âmbito da crítica aos pós-freudianos, ele se revolta com as excessivas interpretações relativas à resistência dos pacientes. Neste contexto, ele afirma que “existe apenas uma resistência, é a resistência do analista. O analista resiste quando não entende com o que ele tem de lidar” (p. 287).

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sofrimento” (p. 276). Este tendência à destrutividade, quando preponderante na situação

analítica, inviabiliza o andamento do processo.

Conforme indicado no início deste capítulo, a experiência psicanalítica implica

um campo de afetação mútua, no qual analista e analisando estão submetidos aos

efeitos da relação transferencial. Desse modo, quando a situação de análise é dominada

por esse “elemento de agressividade livre”, ou melhor, quando, no conflito entre pulsão

de vida e pulsão de morte, as forças destrutivas se sobrepõem ao esforço de ligação e

sentido, ambos os integrantes da relação analítica sofrerão os efeitos dessa força

demoníaca.

Quanto a esta questão, convém fazer referência ao artigo de Pontalis (2005), A

partir da contratransferência: O morto e o vivo entrelaçados, cujo título já enuncia o

conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte dentro do campo contratransferencial.

Neste texto, o autor destaca um determinado modo do fenômeno contratransferencial se

atualizar na situação analítica, o qual designa por dominação da contratransferência.

Trata-se de uma relação transferencial que tem como efeito no analista certo

congelamento ou petrificação de sua função de analisar. Nas palavras de Pontalis, este

estado pode ser expresso pela sensação de “quando nos sentimos mortalmente tocados”

(p. 237). O termo “mortificação” é utilizado por ele para descrever tal estado de

dominação, em que o funcionamento mental do analista fica ameaçado, capturado pelo

encontro com o paciente. Diante da descrição desta situação clínica, há que se

considerar o predomínio de forças destrutivas, agindo maciçamente no espaço analítico.

O que está em pauta aqui, portanto, é a imprescindibilidade do esforço de

elaboração da afetividade contratransferencial por parte do analista, seja nas atuações

contratransferenciais, seja nas expressões mais mortíferas da contratransferência.

Reconhecemos, entretanto, que no segundo caso mencionado, o trabalho de elaboração

se faz num contexto clínico muito mais complexo, onde o esforço para promover

simbolizações se torna bastante dificultado – impondo limites para o registro da

representação. O advento da pulsão de morte, definida como pulsão sem representação,

vai delinear um campo marcado pela ausência de discursividade, fazendo com que o

trabalho de elaboração da contratransferência deixe de ter, como único intuito, o de

devolver à afetividade contratransferencial seu sentido perdido. Nas situações de análise

em que ocorre o predomínio da pulsão de morte, a pretensão é a de instaurar um sentido

até então inexistente (BIRMAN, 1988a). Isso significa que, na luta entre as potências de

vida e de morte, o trabalho do analista não seria apenas o de atribuir um sentido às

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respostas afetivas despertadas nele pelo encontro com o paciente. Seria também, em

determinadas circunstâncias, o de criar condições para que tais respostas se inscrevam

no campo de representações, para que o trabalho de elaboração se torne possível.

Vale sublinhar, contudo, que a recomendação técnica de elaboração da

contratransferência não foi prescrita claramente no texto freudiano. A análise das

postulações de Freud a respeito da contratransferência não parece indicar que ele teria

recomendado, diretamente, a elaboração da contratransferência. Sua recomendação,

quando se referia explicitamente ao conceito de contratransferência, ganha, de forma

mais evidente, o caráter de perigo a ser dominado, estando associada à obrigatoriedade

da análise pessoal do analista – associação que não deixa de ser um modo oblíquo de

indicar a elaboração da contratransferência. Todavia, ao contrário do que parece,

veremos que tal prescrição é feita de forma direta no texto freudiano. Para defender

nossa hipótese, recorreremos a um breve exercício de hermenêutica. Este exercício vai

nos reconduzir à questão do que significava, para Freud, a necessidade de domínio da

contratransferência.

O sentido das palavras domínio, controle e sobrepujamento

Agora já podemos avançar um pouco mais em nosso exame das formulações

freudianas acerca do conceito de contratransferência. Retornando ao que apresentamos

no começo do capítulo, vale lembrar que Freud não desenvolveu muito claramente sua

concepção a respeito da contratransferência, tendo deixado algumas questões em aberto.

Em vista disso, questionamos qual seria o significado da prescrição freudiana que exige

do analista o controle, o domínio, o sobrepujamento de sua contratransferência.14

Indicamos também que, para tratar desta questão, são utilizados estes termos correlatos,

que não fazem mais do que enfatizar a necessidade de domínio da contratransferência.15

Essa repetição de palavras que não se diferenciam entre si, mas, na verdade, se

reforçam mutuamente, enquadra-se naquilo que Hanns (1999) designa como o recurso

das “tramas enfáticas”, a que já nos referimos na introdução desta pesquisa. Trata-se de

um recurso estilístico pelo qual um autor procura ressaltar determinada “idéia-força” 14 Como ressalta Hanns (1996), geralmente só nos damos conta das palavras que utilizamos quando temos dificuldade em manuseá-las. 15 Esta é a primeira parte de nossas investigações, que consiste em analisar os termos em português, associados à noção de contratransferência, constantes da Edição Standard das Obras Completas de Freud publicadas pela Imago. Num segundo momento, nos voltaremos ao texto original em alemão, o que permitirá uma análise mais rigorosa da posição de Freud relativa ao conceito em questão.

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(ibid., p. 191), empregando, em forma de cascata, várias palavras que transitam na

mesma rede semântica. Hanns (2003) adverte para o risco de tais “tramas enfáticas”,

quando transpostas para outro idioma, eventualmente não ocuparem mais a mesma rede

semântica, deixando de ser reconhecidas como aparentadas. Com relação à tradução

brasileira da obra de Freud, não parece ser o caso. Como salientado anteriormente, esta

rede enfatiza o imperativo de um domínio da contratransferência. Só não sabemos ainda

se a “idéia-força” ressaltada por esta trama de palavras corresponde ao sentido original

do alemão.16

Ademais, o texto freudiano em português não torna muito evidente o significado

preciso da prescrição freudiana a respeito da contratransferência. Vale, portanto, em

primeiro lugar, recorrer ao Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1975), que nos oferece

alguns dados interessantes para nosso debate. Lembremos que a formulação mais direta

sobre o conceito de contratransferência é a de 1910. Nela, Freud afirma que o analista

“reconhecerá a contratransferência em si mesmo e a sobrepujará” (FREUD, 1910, p.

130; grifos nossos). Idéia enigmática essa, a de sobrepujar a contratransferência.

Entre os significados apresentados no Dicionário Aurélio para o termo

‘sobrepujar’, algumas das acepções se revelam bastante úteis para nossa discussão.

Entre elas, vale apontar as seguintes: (1) ultrapassar; (2) passar por cima de; (3)

dominar.

Para cada uma destas acepções, são apresentadas citações que têm a função de

ilustrar o significado indicado, facilitando seu entendimento. Em relação ao termo

ultrapassar, segue-se a citação: “Nosso poderio sobrepuja o das tropas inimigas”

(FERREIRA, 1975, p. 1313). Quanto ao termo passar por cima de, este é ilustrado pela

frase: “Sua coragem sobrepuja todos os perigos” (ibid.). Já o termo dominar é

exemplificado pela seguinte passagem: “O lutador sobrepujou facilmente o adversário”

(ibid.).

Não podemos deixar de notar que as citações utilizadas no Aurélio têm um

conteúdo similar: o de uma luta contra os perigos; um combate contra os inimigos;

conteúdo que transmite a imagem de um espaço de guerra. Nesta perspectiva, o

movimento de sobrepujar parece ter o sentido de eliminar o objeto ao qual ele se dirige,

passando por cima deste adversário, derrotando-o nesta batalha. Mas será isso o que

16 Procuraremos elucidar esta questão mais adiante.

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Freud pretendia indicar ao tratar do fenômeno da contratransferência: sua derrota, sua

eliminação?

Vale nos determos ainda no mesmo dicionário para verificar o sentido do

vocábulo dominar, que figura como um dos significados de sobrepujar. Em relação ao

vocábulo, a principal acepção apresentada pelo Aurélio é a de conter; reprimir.

Curiosamente, a frase escolhida para ilustrar tal acepção é a de “dominar os instintos”

(ibid., p. 489). Mais uma vez, podemos perguntar: Freud sugere a contenção, a

‘repressão’ da contratransferência?

As imagens evocadas pelas frases citadas acima são, sem dúvida, significativas;

indicam que a leitura da prescrição freudiana pode incidir na fixidez de uma única

interpretação possível – que nos parece, vale dizer, equivocada –, que é a de tomar o

fenômeno contratransferencial como algo a ser vencido numa difícil batalha, um

adversário a ser eliminado no espaço psicanalítico.

Chegamos, portanto, ao ponto em que cabe fazer uma crítica inevitável – decerto

redundante no meio psicanalítico – quanto à tradução brasileira das Obras Completas de

Freud. Como se sabe, as Obras Completas publicadas no Brasil entre 1970 e 1977 não

foram traduzidas diretamente do alemão, mas sim do inglês, isto é, da Standard Edition

elaborada por James Strachey. Essa tradução de Strachey já tinha sido objeto de críticas

contundentes, sobretudo pelo apagamento do estilo literário de Freud em prol de um

vocabulário mais científico. Quanto à tradução brasileira, somam-se outras críticas, tal

como a do emprego de termos excêntricos, cuja escolha só se explica pela proximidade

sonora dos termos correspondentes em inglês (ROUDINESCO & PLOM, 1998;

HANNS, 2003). Desta maneira, o leitor brasileiro está, mais do que o de outras

nacionalidades, sujeito a essas inevitáveis perdas de tradução. Ademais, a leitura do

texto freudiano traduzido para o português pode gerar sérios mal-entendidos, tal como

supomos ocorrer com relação ao conceito de contratransferência.

Em virtude deste problema de tradução, propomos um retorno ao texto original

de Freud em alemão, a fim de buscar alguma pista que propicie um melhor

entendimento das recomendações relativas ao fenômeno contratransferencial.

Pretendemos empreender, assim, uma leitura mais rica e precisa do texto no que

concerne ao conceito em questão. Esta investigação permitirá defender a importância da

presença da afetividade do analista na situação analítica.

Para tanto, tomemos a palavra em alemão empregada por Freud na passagem

supracitada do artigo As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica (1910),

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quando afirma a necessidade de sobrepujar a contratransferência. O termo em alemão,

que veio a ser traduzido pela Edição Standard Brasileira por ‘sobrepujar’, é bewältigen

(FREUD, 1910b, p. 126), termo este que suscita uma interessante discussão no

Dicionário comentado do alemão de Freud (1996), de autoria de Luiz Alberto Hanns.

Neste dicionário, Hanns se propõe a aproximar o leitor de vários termos em

alemão empregados por Freud que causam alguma estranheza em português, tal como é

o caso de bewältigen, apresentando as conotações mais apropriadas com respeito ao

campo lingüístico germânico.

Sobre esse verbo, Hanns mostra que sua tradução mais corriqueira na Edição

Standard Brasileira é a de dominar, sendo empregado primordialmente em conexão à

atividade do sujeito ao lidar com os estímulos pulsionais. Segundo ele, a inserção deste

termo no texto psicanalítico se faz, de forma mais freqüente, quando se discute a

questão da atividade do aparelho psíquico ao se deparar com as excitações pulsionais.

No entanto, como pudemos observar, o emprego de bewältigen não se restringe a este

contexto teórico. Freud (1910b) também o utiliza para se referir à atividade do analista

diante da contratransferência.

Em vista disso, vale nos debruçarmos sobre os significados de bewältigen

sugeridos por Hanns (1996). Entre os significados do verbo, encontram-se duas

sugestões de tradução, que parecem abrir uma nova via de leitura para nossa questão.

Uma delas é o significado de “dar conta, resolver, superar, enfrentar” (ibid., p. 176); a

outra, o de “digerir, elaborar, absorver, superar emocionalmente” (ibid.).

Além disso, é curiosa a comparação, realizada pelo autor, com o termo em

português dominar, pelo qual a palavra bewältigen foi mais freqüentemente traduzida na

Edição Standard Brasileira. Nesta comparação, ele indica que os significados de

dominar em português não correspondem, de forma alguma, ao termo em alemão.

Segundo Hanns, trata-se, entre outros, dos significados de subjugar; manter o controle;

refrear. Dito de outro modo: estas conotações não correspondem ao sentido de

bewältigen que Freud teria em mente quando escreveu sua obra, considerando-se sua

indiscutível inserção no campo lingüístico germânico.

Com esta discussão, o autor pretende mostrar que ao traduzir-se bewältigen por

“dominar” – e, poderíamos acrescentar, por “sobrepujar” – “perde-se a ênfase no

sentido de uma ação que visa lidar com uma situação avassaladora e superá-la’”

(HANNS, 1996, p. 179). Ao referir-se primordialmente à questão das exigências

pulsionais no texto psicanalítico, o autor expressa claramente sua preferência pelo

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significado de “lidar com”. Em suas palavras, bewältigen refere-se a “um tipo de

domínio que descreve uma tentativa de lidar com algo de maior porte” (ibid., p. 181,

grifos nossos).

A partir deste exercício de hermenêutica, é possível revisitar a figura conceitual

da contratransferência, a fim de propor uma nova leitura do texto freudiano no que

concerne à questão. Se, ao invés dos termos “sobrepujar” ou “controlar”, traduzíssemos

bewältigen para algo mais próximo de um “lidar com”, a mudança de enfoque já traria

uma nova possibilidade de se encarar a questão contratransferencial na clínica

psicanalítica. A conotação de “lidar com” sugere um modo de se conceber o manejo da

contratransferência bem distinto daquele a que nos referimos anteriormente. Longe de

indicar uma supressão ou eliminação deste fenômeno na experiência psicanalítica – tal

como a tradução de Strachey dá a entender – Freud (1910) parece sustentar um ponto de

vista menos categórico e, ao mesmo tempo, mais suavizado a respeito do fenômeno

contratransferencial.

Um manejo da contratransferência que tenha em vista esse movimento de “lidar

com” implica uma posição do analista que, ao invés de suprimir nele todo vestígio de

afetividade emergente na situação transferencial, pode, ao contrário, “digerir, elaborar,

absorver” (HANNS, 1996, p. 176) sua contratransferência. Talvez tenhamos agora

chegado, depois deste longo percurso, à posição eminentemente freudiana relativa ao

conceito de contratransferência. Sua prescrição é direta – e não enviesada como

supusemos inicialmente –; trata-se da exigência de lidar com, de elaborar a

contratransferência.

É válido salientar que, quando nos remetemos a esta questão, visamos,

sobretudo, ampliar o campo de discussão, a fim de reafirmar a positividade da

contratransferência – ou melhor, da implicação afetiva do analista como efeito da

relação transferencial – no processo psicanalítico. Não pretendemos, com isso, nos

colocar ao lado das autoras dos anos 50, que defendiam o emprego técnico daquilo que,

sob o rótulo de “contratransferência”, era designado como um instrumento princeps do

trabalho analítico, pelo qual o analista se guiaria por uma saber antecipado daquilo que

restaria de recalcado, como garantia de verdade sobre o paciente. Ao contrário,

buscamos outra via de desenvolvimento teórico.

Assim, ao invés de conceber a contratransferência como fonte de um saber

assegurado sobre o paciente, será possível circunscrever o conceito numa perspectiva

positiva, já que, como procuramos salientar, o texto freudiano deixa implícita tal

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perspectiva. Não podemos ignorar o fato de que, nas formulações de Freud relativas ao

conceito, o que salta aos olhos é sua constante advertência quanto ao perigo

representado pelas respostas contratransferenciais na situação analítica, o que revela

mais claramente uma visada negativa do conceito. No entanto, a despeito do discurso

manifesto de Freud, é possível considerar que ele apostava, sim, na afetividade do

analista como aliada ao trabalho analítico. O que procuramos mostrar, com efeito, é que

o discurso freudiano deixa brechas para uma concepção positiva do fenômeno

contratransferencial.

Portanto, faz-se necessário, agora, desenvolver nossa argumentação no sentido

de sustentar de forma mais definitiva a hipótese de um manejo positivo da

contratransferência na experiência psicanalítica.

O analista diante de seus afetos

Tendo em vista os efeitos radicais da relação transferencial sobre o analista, não

é possível conceber o processo psicanalítico destituído da implicação afetiva do analista.

Pretendemos indicar, com isso, que o analista está irremediavelmente submetido à

contratransferência. Sua subjetividade, seus preconceitos, seus afetos, seus conflitos,

tudo isso faz parte do processo e impregna a percepção do analista. É, portanto, na

própria conflitualidade que o analista poderá assumir sua função. Essa conflitualidade é

necessariamente um instrumento de sua escuta, já que esta lhe é inerente, não sendo

possível conceber uma escuta analítica completamente purificada. Levando em conta o

fator afetivo do lado do analista – inerente ao processo de análise – como propor uma

positivação desses afetos? Ou melhor, qual é o meio de empregá-los positivamente na

situação analítica?

Conforme já assinalado, a via de elaboração da contratransferência é o caminho

pelo qual o analista pode tomar posse de seus afetos contratransferenciais e, desta

maneira, não incorrer numa atuação de sua contratransferência. Porém, não propomos

com isso que, ao tomar posse de seus conflitos, desejos e fantasias despertados no

encontro com o paciente, o analista se tornaria livre de sua contratransferência,

neutralizando-a. Não se trata, aqui, de propor uma conscientização da

contratransferência, isto é, uma elaboração dos “pontos cegos” a fim de adquirir um

suposto estado de pureza na função analítica.

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A análise pessoal do analista, e o conseqüente processo de elaboração, em vez

de funcionar como artifício de neutralização da contratransferência, pode ensejar uma

apreensão mais depurada dos afetos despertados na relação transferencial. Pode revelar,

de forma mais nuançada, se tais afetos dizem respeito a uma reatualização afetiva dos

próprios conflitos do analista, se correspondem a uma resposta pulsional ao movimento

pulsional do analisando ou, ainda, se são afetos produzidos especificamente naquele

encontro com o paciente, afetos inéditos (KUPERMANN, 2003; GONDAR, 2008),

resultado de um encontro autêntico de afetos entre analista e analisando.

Freud (1912) deixa esta questão subentendida numa passagem – já referida

acima – de 1912: “Mas quem não tiver tomado a precaução de ser analisado (...) será

punido por ser incapaz de aprender um pouco mais em relação a seus pacientes” (ibid.,

p. 156). Antes de tudo, é curioso notar que Freud formula a exigência da análise pessoal

do analista utilizando um argumento diferente. Mesmo que aluda à punição e ao perigo

– modo pelo qual comumente aborda a exigência da análise do analista –, oferece-nos

agora uma idéia nova e bastante rica. Ao invés de fundamentar a positividade da análise

do analista enfatizando sua função de purificação, ressalta um novo aspecto da questão:

a análise pessoal do analista torna-o capaz de aprender sobre seus pacientes. Vale repetir

que, segundo nosso ponto de vista, não se trata de supor um saber previamente

adquirido sobre o analisando, mesmo que a perspectiva de Freud, nesta formulação,

resvale em tal proposta clínica. Na verdade, o que nos interessa na assertiva freudiana é

a possibilidade de depreender dela uma indicação relevante. A elaboração dos afetos por

parte do analista, em sua auto-análise, aponta os caminhos da afetividade circundante na

relação transferencial, viabilizando uma compreensão mais refinada das respostas

afetivas despertadas na situação de análise.

No entanto, a positividade da contratransferência não está associada a essa

possibilidade de compreensão mais refinada, por parte do analista, dos afetos

despertados no encontro transferencial. Embora seja uma tarefa que se impõe ao

exercício de analisar, nada garante que, sabendo do que se trata, o analista possa ocupar

uma função eminentemente psicanalítica. Mesmo porque, como adverte Pontalis (2005),

a resistência à contratransferência pode se tornar presente, no analista, por uma certeza

de saber – certeza expressa no “sei do que se trata” –, o que pode representar nada mais

do que uma tentativa de se proteger de emoções inqualificáveis (PONTALIS, 2005).

Em 1914, Freud faz uma breve observação que, aprofundada, fornece uma via

de investigação frutífera, apontando o caminho para a positivação da

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contratransferência. Na ocasião, ele pede que “não nos esqueçamos de que, na realidade,

é apenas através de sua própria experiência e infortúnios que uma pessoa se torna

sagaz” (FREUD, 1914, p. 200). Segundo ele, a sagacidade exige, em certa medida, uma

experiência desafortunada. Esta ressalva nos autoriza a afirmar que a

contratransferência, suas eventuais atuações e suas conseqüentes elaborações servem ao

analista como experiência pela qual ele pode se tornar sagaz num sentido analítico.

Dizer que o analista deve ocupar uma posição que expresse sagacidade pode

produzir mal-entendidos, como se supuséssemos um lugar do analista fixo e imutável,

cuja sagacidade permitiria a ele um saber sobre o analisando. Não se trata disso. A

sagacidade possibilitada pelos “infortúnios” contratransferenciais não designa uma

posição fixa, mas sim, a possibilidade de, a cada encontro com o paciente, na atualidade

da sessão, o analista ser atingido em seus próprios pontos sensíveis, pontos que o

remetem às suas fantasias e moções pulsionais. Nas palavras de Pontalis (1991), quando

“somos então atingidos em carne viva” (p. 100). Trata-se da experiência de ser tocado

vivamente em seus próprios conflitos, desejos e pulsões e, a partir daí, dar livre curso ao

trabalho de elaboração, pelo qual o analista vai pôr em movimento o processo de

fantasiar.

A possibilidade de fantasiar, produzindo derivados do inconsciente, é o que dará

ao analista recursos para empreender, ao lado do analisando, o trabalho de construção.

O próprio Freud (1937) aproxima a especulação psicanalítica ao processo de fantasiar.

Diz ele: “Sem especulação e teorização metapsicológica – quase disse ‘fantasiar’ – não

daremos outro passo à frente” (p. 257). O “ato falho” textual de Freud nos permite

afirmar que a função analítica – com seu caráter de trabalho especulativo – impõe ao

analista a necessidade de fantasiar. É desta maneira que concebemos a positividade dos

afetos contratransferenciais na experiência analítica. São eles que, por meio de uma

contínua elaboração, permitem ao analista envolver-se num trabalho associativo,

produzindo fantasias e devaneios, num esforço conjunto com o analisando, a fim de

prosperar no projeto psicanalítico.

Neste ponto, recorremos à formulação de Conrad Stein (1987), no livro L’enfant

imaginaire, quando descreve a situação analítica como um sonho a dois. Baseando-se

na proposição de Freud (1900), de que o trabalho de interpretação dos sonhos pode ser

comparado ao processo onírico em si mesmo, o autor leva tal analogia às últimas

conseqüências. Afirma que o trabalho de interpretação exige que o analista sonhe

durante a situação de análise. Na verdade, diz ele, não se trata propriamente de um

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sonhar. A imagem utilizada por Stein (1987) é a do sujeito que, ao se deitar na cama, em

vez de dormir, deixa-se levar por pensamentos e devaneios enquanto espera o sono

chegar. Ele quer dormir, mas algo o impede de cair no sono. É esta ação contrária ao

sono que impede a transformação de suas fantasias em imagens oníricas. Com esta cena

de um insone sonhando acordado, o autor procura ilustrar o estado de atenção flutuante,

favorável à investigação psicanalítica.

Por um lado, os afetos, imagens e emoções do analista, despertados pelo

analisando – sua contratransferência, em outras palavras – são os elementos de que o

analista vai se utilizar para entregar-se ao movimento de fantasiar ao lado do paciente.

Por outro lado, contudo, há que se manter um movimento no sentido contrário – já

designado como controle de si – intervindo para dar certo contorno ao estado de

abandono aos processos inconscientes. Na constante alternância entre os dois

movimentos, o analista pode ocupar o papel que lhe cabe na clínica psicanalítica.

Impactado intensamente pelos efeitos da relação transferencial, cabe a ele enfrentar

esses efeitos, recorrendo ao processo de elaboração numa auto-análise contínua, para ser

capaz de fantasiar, devanear e inventar na situação analítica e, desse modo, permitir que

o analisando empreenda seu próprio trabalho de análise.

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Considerações finais:

A contratransferência como aliada

“Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível destruir alguém in absentia ou

in effigie” (FREUD, 1912a, p. 143). Com esta frase, Freud conclui seu artigo sobre a

dinâmica da transferência. As duas expressões em latim, trazidas do campo jurídico, lhe

servem para sublinhar a especificidade do trabalho psicanalítico. Para Freud, o

tratamento analítico só pode se realizar de um único modo: quando a afetividade e

conflitos psíquicos do paciente se atualizam na relação transferencial. Diante desta

máxima freudiana, nos perguntamos se o lugar a ser ocupado pelo analista na escuta

psicanalítica também comportaria tal premissa.

Antes de mais nada, convém fazer uma ressalva. A questão colocada acima não

se fundamenta na hipótese de que a posição do analista e a do analisando sejam

simétricas. Não se trata de perguntar se os conflitos psíquicos do analista, assim como

os do analisando, deveriam se tornar ativos na clínica psicanalítica. Tendo em vista a

assimetria entre as duas posições, já temos formulada uma resposta preliminar para esta

questão. A premissa de Freud não corresponde, igualmente, à especificidade do lugar

do analista e à do analisando. A afetividade do analista não deve se atualizar – no

sentido de emergir no campo do ato – na situação de análise, tal como é prescrito ao

analisando. Na verdade, a interrogação que nos fazemos é mais a de saber se a

afetividade do analista poderia prestar um “inestimável serviço” à prática psicanalítica,

tal como Freud atribui, no caso do analisando, ao fenômeno da transferência.

A resposta para esta interrogação seria certamente uma negativa, caso

considerássemos como objeto de investigação, por exemplo, o posicionamento mais

explícito de Freud (1910, 1912, 1915 [1914]) acerca do fenômeno contratransferencial.

Os alertas quanto ao perigoso terreno da contratransferência, somados à exigência de

análise pessoal do analista, são as prescrições que dão ênfase ao caráter objetivo e

racional do trabalho psicanalítico. A resposta também seria negativa se tomássemos

como parâmetro, para o lugar do analista, a metáfora do cirurgião, cuja frieza emocional

ganha especial destaque em alguns dos artigos de Freud (1895, 1912). Outras

prescrições freudianas nos serviriam do mesmo modo para reforçar a aparente certeza

de que o analista só poderia exercer sua função a partir de uma posição caracterizada

pela objetividade.

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Contudo, esta primeira suposição começou a vacilar quando nos debruçamos

sobre os artigos freudianos que abordam mais detidamente a técnica psicanalítica. Foi

nessa vacilação que demos início a esta dissertação, procurando mostrar que o

posicionamento de Freud sobre a questão da afetividade do analista não é tão simples de

se delinear. Ao invés de sustentar, de modo exclusivo, a objetividade da função

analítica, Freud desenvolve seu pensamento de forma bem mais complexa. Ao lado da

prescrição de objetividade, Freud reconhece, mais de uma vez, que é inevitável ao

analista implicar-se afetivamente no processo de análise. Ao dar início ao tratamento

analítico, o analista já se instaura nesse território de risco, no qual será afetado

intensamente pelo encontro transferencial. Na verdade, como procuramos assinalar, não

há processo psicanalítico possível se o analista não se dispuser a entrar nesse território

de risco (PARAT, 1976). É assim que demonstramos o paradoxo do texto freudiano: ao

mesmo tempo em que defende a objetividade da posição do analista, dá certa abertura

para que os afetos do analista sejam tomados como favorecedores da função analítica.

A regra da atenção flutuante, em que está descrito o estado de susceptibilidade

no analista aos arrebatamentos pulsionais despertados no processo de análise, indica que

Freud não considera os afetos do analista como elementos tão facilmente descartáveis

na técnica psicanalítica. Ao conceber um estado propício para a escuta analítica, em que

o analista deve desfazer-se de uma postura crítica ou rigidez intelectual, uma posição

que se pretende favorecedora de uma comunicação inconsciente, Freud nos mostra, de

forma inequívoca, que a afetividade do analista não pode ser excluída da função

analítica.

Também no artigo Construções em análise (1937a), ele dá margem ao

entendimento de que o fazer psicanalítico solicita, sobremaneira, a presença afetiva do

analista. O artifício técnico da construção – o qual requer a capacidade de construir uma

cena a partir dos fragmentos da história do paciente – não pode ser empreendido com

total isenção por parte do analista. Ele precisa, tal como um arqueólogo, reconstruir uma

civilização a partir dos vestígios deixados atrás de si. Mesmo que no processo de

análise, a construção consista em uma tarefa preliminar – à diferença do trabalho do

arqueólogo, onde ela é um fim em si –, não há como o analista não se confundir com

aquilo que constrói. Ao criar, ele precisa de sua subjetividade, de suas fantasias, de suas

imagens. Só desta maneira, o analista pode deflagrar o processo de invenção em análise

– processo que, levando-se em conta esta perspectiva, ganha a dimensão de uma

aventura imprevisível.

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Ao nos voltar para o valor conferido aos afetos do analista no pensamento

freudiano, nos detemos, de forma inevitável, no conceito de contratransferência,

conceito que teve um lugar privilegiado, ou mesmo fundamental, no percurso desta

dissertação de mestrado. Foi a partir deste conceito que Freud começou a discutir a

questão da afetividade do analista na situação analítica. Sendo assim, ao problematizar

este conceito, designando a contratransferência como toda sorte de afetos, emoções e

fantasias do analista e entendendo-a como efeito da relação transferencial, conseguimos

vislumbrar, no texto freudiano, alguns caminhos que indicam a possibilidade de a

contratransferência ser tomada como aliada do trabalho psicanalítico.

Embora o discurso freudiano insista, de maneira explícita, em alertar quanto ao

“perigo” de a contratransferência se sobrepor à escuta psicanalítica, ele deixa

subentendido, ao mesmo tempo, que tal sobreposição é inevitável na situação analítica.

Temos aí, mais uma vez, uma evidência do paradoxo freudiano. Mesmo advertindo para

o analista se precaver contra os riscos da contratransferência, Freud reconhece que é

impossível escapar aos efeitos da relação transferencial. Qual seria, então, o caminho

pelo qual o analista poderia transpor tal impasse?

A contratransferência não se configura, por si mesma, como um risco para a

condução do tratamento. Sendo este fenômeno uma condição inerente da escuta

analítica, há que se encontrar uma maneira de lidar com ela. A elaboração da

contratransferência se delineou, assim, como resposta a este embaraço teórico do texto

freudiano. A atuação contratransferencial, por sua vez, pôde ser articulada com o

“perigo” a que Freud aludia. Desta maneira, desenhou-se uma distinção entre a atuação

e a elaboração da contratransferência, ambas encaradas como vicissitudes dos afetos do

analista produzidos no encontro transferencial.

A elaboração da contratransferência é o modo pelo qual o analista poderia

conduzir sua afetividade no sentido de uma simbolização, dando-lhe sentido através do

desenvolvimento de redes fantasmáticas e, assim, impedir que seus afetos venham a

emergir no campo do ato. Tal processo de elaboração, contudo, não inviabiliza a

participação da contratransferência na função analítica.

A hipótese que procuramos sustentar nesta pesquisa é a de que a função analítica

só pode se fazer no campo das intensidades afetivas, quando o analista cede à “vertigem

do afeto” (SCHNEIDER, 1993, p. 59). Este mergulho afetivo deve ser acompanhado de

uma auto-observação constante, ou melhor, de um movimento de controle de si que

serviria de resguardo para que o analista não incorra numa atuação contratransferencial.

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Por certo, a concepção intelectualista ganha destaque em alguns momentos no

texto freudiano, mas ela não designa um posicionamento unívoco em Freud. Sendo

assim, a pesquisa conduziu-nos à constatação de que o exercício da função analítica não

pode se manter restrito à mera elucubração racional. Há que se fazer esse mergulho na

dimensão afetiva produzida na situação analítica, para que, num contínuo processo de

fantasiar, algo possa ser construído, inventado junto ao analisando. Afinal, tanto do lado

do analista, como do analisando, nada pode ser dito e feito in absentia ou in effigie.

A presente dissertação se delineou como uma investigação essencialmente

freudiana. O ponto de partida foi Freud, quando começamos por examinar seu ponto de

vista sobre a função analítica e o lugar atribuído à afetividade do analista no pensamento

freudiano. Em seguida, fez-se certo desvio, num passeio pelas diferentes linhas

psicanalíticas que abordam a questão da contratransferência, surgidas depois de Freud.

Por fim, retornamos ao texto freudiano, num movimento que se revelou circular, tendo

como principal objetivo desenvolver um trabalho que se mantivesse fiel ao legado

freudiano, sem deixar de se abrir a novas leituras e interpretações a que o próprio texto

nos convida.

Cabe fazer uma última observação. Ao longo desta dissertação, aludimos

algumas vezes à determinada posição do analista que supúnhamos descrever uma

função eminentemente psicanalítica. Quando nos referimos a esta posição, não tínhamos

absolutamente o intento de abranger com ela a função analítica em toda sua extensão e

complexidade. Tratava-se de dar ênfase a nosso objetivo, o de valorizar a experiência

afetiva do analista na condução do tratamento. Com efeito, é importante esclarecer que

não visamos esgotar a discussão a respeito da função do analista na clínica psicanalítica,

posto que o enfoque dado ao tema restringe-se, aqui, à questão da afetividade do

analista como efeito do encontro transferencial. A densidade da questão exige contínuos

e ininterruptos questionamentos acerca do fazer analítico. Neste sentido, o

questionamento acerca do exercício analítico, por conta de uma exigência ética, deve ser

realizado pelo analista a cada novo encontro com seus pacientes, buscando reafirmar, ou

melhor, reconstruir, sua própria posição como psicanalista – apropriando-se e tornando

seus, a cada vez, os métodos clínicos desenvolvidos por Freud.

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