A Constituição de Weimar e os direitos fundamentais sociais · 2014-09-29 · Mexicana de 1917 e...

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Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 101 Introdução O tema relativo aos direitos fundamen- tais tem recebido grande destaque e aten- ção, modernamente, por parte dos estudio- sos do Direito. À análise da origem, da evo- lução histórica, da natureza, dos fundamen- tos e da concretização de tais direitos – tidos como elementos fundantes das ordens jurí- dicas nacionais, da ordem jurídica interna- cional e, no caso da Europa, também da or- dem jurídica comunitária – têm sido dedi- cadas inúmeras monografias e páginas de doutrina, o que põe em evidência a circuns- tância de que é no respeito à dignidade da pessoa humana que reside o fundamento último das mais variadas formas de organi- zação social. Na realidade, a grande atenção que hoje se confere à garantia de tais direitos pren- de-se à percepção de que os direitos funda- mentais mantêm com o próprio conceito de democracia uma relação de recíproca inte- ração, pois o efetivo respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos representa A Constituição de Weimar e os direitos fundamentais sociais A preponderância da Constituição da República Alemã de 1919 na inauguração do constitucionalismo social à luz da Constituição Mexicana de 1917 Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro é Ba- charela em Direito e em Relações Internacio- nais, Mestranda em Direito e Estado pela Fa- culdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Professora de Teoria Geral do Es- tado e de Direito Constitucional no Instituto de Ensino Superior de Brasília – IESB, Assesso- ra de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Sumário Introdução. 1. A Constituição Mexicana de 31 de janeiro de 1917. 1.1. Antecedentes históri- cos. 1.2. Os debates da Constituinte. 1.3. O texto da Constituição Mexicana de 1917. 2. A consti- tuição da República de Weimar (1919). 2.1. An- tecedentes históricos. 2.2. O texto da Constitui- ção de Weimar de 1919. 3. Uma análise compa- rativa dos textos da Constituição Mexicana e da Constituição de Weimar. 4. Conclusão.

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Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 101

IntroduçãoO tema relativo aos direitos fundamen-

tais tem recebido grande destaque e aten-ção, modernamente, por parte dos estudio-sos do Direito. À análise da origem, da evo-lução histórica, da natureza, dos fundamen-tos e da concretização de tais direitos – tidoscomo elementos fundantes das ordens jurí-dicas nacionais, da ordem jurídica interna-cional e, no caso da Europa, também da or-dem jurídica comunitária – têm sido dedi-cadas inúmeras monografias e páginas dedoutrina, o que põe em evidência a circuns-tância de que é no respeito à dignidade dapessoa humana que reside o fundamentoúltimo das mais variadas formas de organi-zação social.

Na realidade, a grande atenção que hojese confere à garantia de tais direitos pren-de-se à percepção de que os direitos funda-mentais mantêm com o próprio conceito dedemocracia uma relação de recíproca inte-ração, pois o efetivo respeito aos direitosfundamentais dos indivíduos representa

A Constituição de Weimar e os direitosfundamentais sociaisA preponderância da Constituição da República Alemãde 1919 na inauguração do constitucionalismo social àluz da Constituição Mexicana de 1917

Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro é Ba-charela em Direito e em Relações Internacio-nais, Mestranda em Direito e Estado pela Fa-culdade de Direito da Universidade de SãoPaulo – USP, Professora de Teoria Geral do Es-tado e de Direito Constitucional no Institutode Ensino Superior de Brasília – IESB, Assesso-ra de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

SumárioIntrodução. 1. A Constituição Mexicana de

31 de janeiro de 1917. 1.1. Antecedentes históri-cos. 1.2. Os debates da Constituinte. 1.3. O textoda Constituição Mexicana de 1917. 2. A consti-tuição da República de Weimar (1919). 2.1. An-tecedentes históricos. 2.2. O texto da Constitui-ção de Weimar de 1919. 3. Uma análise compa-rativa dos textos da Constituição Mexicana eda Constituição de Weimar. 4. Conclusão.

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um dos principais parâmetros de aferiçãodo grau de democracia de uma sociedade,ao mesmo tempo em que a concreta e realexistência de uma sociedade democráticarevela-se como pressuposto indissociável àplena eficácia dos direitos fundamentais(BRANCO, 2002, p. 104).

Essa é a razão pela qual os conceitos dedemocracia e de direitos fundamentais ca-minham sempre juntos1, valendo referir quea origem dos direitos fundamentais remon-ta à resistência dos povos contra governosopressores e que a evolução histórica de taisdireitos coincide, em seus pontos essenci-ais, com a própria criação e evolução doEstado e com o advento do constituciona-lismo moderno2.

Cumpre referir, nesse ponto, que as ex-pressões direitos do homem, direitos huma-nos e direitos fundamentais serão utiliza-das, no presente trabalho, com noções con-ceituais próprias e diversas, razão pela qualse impõe, na presente introdução, e até mes-mo para que se mantenha um mínimo derigor terminológico, proceder a uma brevedefinição de cada um desses termos3.

Na linha do magistério doutrinário deIngo Sarlet (1998, p. 32), os três termos aci-ma mencionados devem ser diferenciadosde acordo com um critério de concreção po-sitiva ou de concretização normativa.

Partindo dessa linha de classificação, aexpressão direitos do homem é utilizadapara designar, de maneira mais abstrata e“com contornos mais amplos e imprecisos”4,aqueles direitos naturais ainda não positi-vados. O termo direitos humanos, por suavez, representaria aqueles direitos já posi-tivados na esfera internacional, enquanto otermo direitos fundamentais abrangeria aque-les direitos cujo reconhecimento e proteçãoestão assegurados em sede constitucional5.

Essa distinção6, longe de possuir utili-dade unicamente acadêmica, assume vitalimportância quando se analisa, por exem-plo, questão relativa aos elementos caracte-rizadores dos direitos fundamentais. Dessemodo, por exemplo, pode-se falar na univer-

salidade dos direitos do homem (vez que ine-rentes ao indivíduo enquanto tal) e na pre-tendida universalização dos direitos humanos(tenta-se implementar, em toda a comuni-dade internacional, a garantia dos direitosassegurados nas Declarações, embora sesaiba que tal concretização global, na práti-ca, ainda resta incompleta, permanecendono campo das legítimas expectativas). Aocontrário disso tudo, não se pode pretender auniversalidade dos direitos fundamentais,eis que, enquanto valores reconhecidos epositivados por cada ordenamento constitu-cional, os direitos fundamentais necessari-amente variarão, em termos de sua abran-gência e do grau de sua proteção, conformea cultura predominante em cada uma dasnações7.

Daí por que se pode afirmar, como pre-cedentemente referido, que a evolução his-tórica ou (parafraseando o Prof. FabioKonder Comparato, 2001) que a “afirmaçãohistórica” dos direitos fundamentais se con-funde, em suas linhas mestras, com a evolu-ção do conceito e da função do Estado e,também – já que o instrumento formal daConstituição consubstancia o núcleo essen-cial das decisões políticas tomadas peloEstado –, mistura-se com o próprio adventodo constitucionalismo moderno e, posteri-ormente, com o início do constitucionalis-mo social.

Todas essas considerações se fazem re-levantes eis que o presente trabalho temcomo pretensão discutir, por uma análisedos textos constitucionais de Weimar (1919)e do México (1917) e dos direitos fundamen-tais sociais neles positivados, a inicialida-de do constitucionalismo social. Não se fa-lará, portanto, no presente trabalho, de di-reitos do homem ou de direitos naturais.Também não serão abordados – não obs-tante sua importância – os inúmeros e ex-pressivos documentos internacionais de re-conhecimento e proteção dos direitos huma-nos, limitando-se, desse modo, o objeto dopresente estudo, à análise de direitos e valo-res revestidos da nota da fundamentalida-

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de, por efeito de sua positivação em sedeconstitucional.

Com efeito, o início da idéia de direitosfundamentais – repita-se, de direitos e valo-res reconhecidos em sede constitucional –remonta ao advento do Estado e das teoriascontratualistas dos séculos XVII e XVIII, que,com o objetivo específico de justificar e legi-timar a criação da figura estatal, acentua-vam que o soberano deveria exercer sua au-toridade com submissão aos direitos de cadahomem, o que simbolizava o advento daimportantíssima idéia da supremacia doindivíduo sobre o Estado.

Nesse contexto, surgiram os Estado libe-rais8 – modernos –, que, no contexto de pro-teção do cidadão contra indevidas ingerên-cias do poder estatal, asseguraram uma es-fera indevassável de proteção ao indivíduo,com a criação dos chamados direitos fun-damentais de primeira dimensão (ou direi-tos da liberdade ou liberdades públicas),que, por isso mesmo, representam direitos eprerrogativas a serem exercidos contra oEstado.

Incluem-se, entre outros, no rol das li-berdades públicas, os direitos à proprieda-de privada, à intimidade, à privacidade, àliberdade de reunião, de associação e à livremanifestação do pensamento, ou seja, direi-tos que têm como elemento central a relação– essencialmente desigual – entre soberanoe indivíduo e como princípios norteadoreso liberalismo (quaisquer intervenções esta-tais são tidas como nocivas), o individua-lismo, a liberdade e a segurança.

Ocorre, no entanto, que o passar do tem-po e a alteração da realidade social fizeramcom que a mera garantia de direitos a seremexercidos contra o Estado não fosse maissuficiente para permitir a plena realizaçãodo indivíduo em seu ambiente social.

Na realidade, muitos dos direitos à li-berdade então previstos nos ordenamentosconstitucionais – tal como ocorria, por exem-plo, com o direito à propriedade – somenteeram exercidos por alguns membros da co-letividade eis que, para os outros, faltavam

meios que permitissem adquirir tais prerro-gativas.

A incipiente industrialização da socie-dade (decorrente da Revolução Industrial,que teve início na Inglaterra do século XVIII,mas que posteriormente produziu efeitos –em maior ou menor grau – em todo o mun-do) e a conseqüente ampliação e mudançade perfil do mercado de trabalho (antes emi-nentemente agrário e, agora, marcadamen-te industrial e urbano) trouxeram novas de-mandas que restavam desatendidas pelasCartas Constitucionais de modelo clássico.

A antecipada falência do modelo doconstitucionalismo clássico começou a tor-nar-se mais evidente a partir do fim da pri-meira guerra e, notadamente, a partir de1917, quando o sucesso da Revolução Russae o modo de produção socialista passarama inspirar e motivar a classe trabalhadorade todo o mundo.

E é exatamente nesse período que sesituam os dois diplomas constitucionaisque, por suas disposições de conteúdo emi-nentemente social, são tidos como marcosdo constitucionalismo social (ConstituiçãoMexicana de 1917 e Constituição de Weimarde 1919).

Na realidade, grande parte da doutrina,ao se referir ao advento do constitucionalis-mo social, menciona, de maneira genérica,como momentos iniciais dessa nova faseconstitucional tanto o advento da Consti-tuição do México como a promulgação daConstituição de Weimar, deixando de fazerqualquer menção individualizadora àquiloque cada um desses textos, per se, trouxe deoriginal e inovador ao corpo das concernen-tes Cartas Políticas.

Busca-se, portanto, com este breve estu-do, trazer alguns questionamentos sobreessa fase inicial do Estado Providência, pre-tendendo-se responder à indagação sobrese a Constituição de Weimar de 1919, ape-sar de cronologicamente posterior à CartaConstitucional Mexicana de 1917, poderia,ou não, ser considerada como decisivamen-te precursora do constitucionalismo social.

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Frise-se, neste ponto, por oportuno, quenão se desconhece que disposições tópicas,relativas a um ou outro direito social, já cons-tavam de textos constitucionais anteriorestanto à Constituição Mexicana quanto àConstituição de Weimar9.

Tal, no entanto, não assume relevânciaquando se tratar, como no presente caso, deestudo relativo ao início do constituciona-lismo social, entendido este não apenascomo a inserção isolada, em Cartas de índo-le eminentemente liberal, de dispositivos deíndole social, mas, sim, como o reconheci-mento pelo Estado – e através da inserção,nos respectivos textos constitucionais, deinúmeros artigos, posicionados de formasistematizada e relativos às inúmeras di-mensões em que se projeta a vida do indiví-duo em sociedade – de que, além de umaconduta negativa a ser assumida em temade liberdades públicas, deve o Poder Públi-co intervir no seio da coletividade para,mediante ação positiva, promover a igual-dade material e permitir que todos exerçam,em iguais oportunidades, todos os direitosprevistos em sede constitucional.

Irretocável, sob tal aspecto, a advertên-cia de Floriano Corrêa Vaz da Silva (1977,p. 35), que, ao versar o tema relativo ao ad-vento do constitucionalismo social, assimse pronunciou:

“... seria uma esquematização simplis-ta a afirmação de que as Constituiçõesdo século XIX foram todas puramenteliberais e as Constituições do séculoXX marcadamente sociais. Em quais-quer Constituições, nas mais diversasépocas, podem ser encontrados e pes-quisados dispositivos concernentes àordem social e econômica, cláusulasque explícita ou implicitamente defi-nem o regime econômico-social pre-tendido pelos constituintes. A própriaausência de cláusulas sociais numaConstituição traduz a opção por de-terminado sistema. E esta ausência, éclaro, não impede uma lenta constru-ção jurisprudencial, nem emendas

constitucionais, nem legislação ordi-nária – que irão, pouco a pouco, deli-near, dentro do sistema constitucio-nal, uma série de direitos sociais e tra-balhistas, que passam a integrar o ar-cabouço econômico-social do país. Dequalquer modo, o fato é que as Consti-tuições do século XIX foram, de ummodo geral, Constituições liberais (...)pouco ou nada diziam explicitamen-te quanto aos direitos sociais, limitan-do-se, quase sempre, apenas à orga-nização política. Apenas em algumasConstituições surgem normas que serelacionam com o chamado problemasocial...”.

No presente trabalho, portanto, tomar-se-á como premissa a circunstância de quea previsão pontual, em sede constitucional,de específico ou específicos dispositivos,isolado(s), relativo(s) a um determinado di-reito de índole social não basta, por si só,para conferir à referida Constituição a na-tureza de Texto Constitucional Social.

A contrario senso, a mera previsão, em sedeconstitucional, das chamadas liberdadespúblicas também não confere, ipso facto, àCarta Política a qualidade de Texto Consti-tucional Liberal – mesmo porque o adventodo constitucionalismo social não se deumediante substituição das liberdades negati-vas pelos direitos prestacionais, mas, sim, me-diante complementação (somatório) dos di-reitos de liberdade (indivíduo contra o Esta-do) com os direitos de natureza social (indi-víduo enquanto membro de uma coletivida-de, exercendo direitos por meio do Estado).

Vê-se, portanto, que o que confere natu-reza social a determinado ordenamentoconstitucional é o reconhecimento manifes-tado pelo Estado – e expresso no texto desua Lei Fundamental – no sentido de que,além de garantir, aos cidadãos, o respeitoàs liberdades clássicas de que são titulares,a sua intervenção no seio da sociedade édesejada e necessária para que os indivídu-os possam melhor desfrutar de seus direi-tos e de suas garantias10.

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Daí por que comumente se tem entendi-do que a fase do Constitucionalismo Socialtem seu início marcado pelas ConstituiçõesMexicana e de Weimar.

Cumpre advertir, neste ponto, que nãoserão consideradas, no presente trabalho epara efeito comparatório, a Declaração So-viética dos Direitos do Povo Trabalhador eExplorado (1918) e a posterior Lei Funda-mental Soviética (10/7/1918).

É que, apesar da forte inspiração socialde tais diplomas (eis que consubstanciavamos ideais motivadores da Revolução Socia-lista de 1917), eles, a pretexto de concretiza-rem avanços em tema de direitos sociais,culminaram por aniquilar os direitos de li-berdade, cuja conquista levou séculos paraefetivar-se11.

Na realidade, os avanços obtidos emtema de direitos sociais – se houve – culmi-naram por ser ofuscados diante das opres-sões manipuladas por uma auto-reconheci-da ditadura (ditadura do proletariado), que,nas linhas defendidas por Schmitt (1982),buscava a fusão entre Estado e sociedademediante a supressão das liberdades públi-cas.

Não se pode atribuir, pois, o caráter devanguarda em tema de proteção a direitosfundamentais a uma Carta que, além de tersignificado um retrocesso no que se refere àliberdade pública de seus cidadãos, simbo-lizou típico instrumento de tratamento dis-criminatório e excludente entre o proletari-ado e as “classes possuidoras”12.

No sentido do caráter excludente dasdeclarações soviéticas, a manifestação deFabio Konder Comparato (2001, p. 189-186),para quem:

“Entre a Constituição mexicana ea Weimarer Verfassung, eclode a Re-volução Russa, um acontecimentodecisivo na evolução da humanidadedo século XX. O III Congresso Pan-Russo dos Sovietes, de DeputadosOperários, Soldados e Camponeses,reunidos em Moscou, adotou, em 4 dejaneiro de 1918, portanto antes do

término da 1a Guerra Mundial, aDeclaração dos Direitos do Povo Tra-balhador e Explorado. Nesse docu-mento são afirmadas e levadas àssuas conseqüências, agora com apoioda doutrina marxista, várias medidasconstantes da Constituição mexicana,tanto no campo sócio-econômicoquanto no político (...).

Mas aí, como se vê, já se está forado quadro dos direitos humanos, fun-dados no princípio da igualdade es-sencial entre todos, de qualquer gru-po ou classe social. Desde o seu en-saio juvenil sobre a Questão Judiciá-ria, publicado em 1843, Marx criticoua concepção francesa de Direitos dosHomens, separados dos direitos do ci-dadão, como consagradora da gran-de separação burguesa entre socieda-de política e sociedade civil, dicoto-mia essa fundada na propriedade pri-vada. Os direitos do homem não pas-sariam de barreiras ou marcos divisó-rios entre os indivíduos, em tudo e portudo semelhante aos limites da pro-priedade territorial. E os direitos docidadão, sobretudo numa época desufrágio censitário, nada mais seriamdo que autênticos privilégios dos bur-gueses, em exclusão da classe operá-ria. Na sociedade comunista, cujas li-nhas-mestras foram esboçadas no Ma-nifesto do Partido Comunista, cincoanos mais tarde, só os trabalhadorestêm direitos e só eles constituem opovo, titular da soberania política.

Sem dúvida, na Constituição Me-xicana de 1917 não se fazem as exclu-sões sociais próprias do marxismo: opovo mexicano não é reduzido unica-mente à classe trabalhadora...”.

Também irretocáveis, nesse ponto, aspalavras de Vieira de Andrade (1987, p. 53),que coloca em destaque o caráter “subversi-vo” de algumas doutrinas do “movimentosocializante”, no que concerne ao conceitode direitos fundamentais:

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“O movimento socializante modi-ficou profundamente o sistema dosdireitos fundamentais, mas, para alémdisso, alterou a própria ‘filosofia’ quelhes estava subjacente.

Este movimento trouxe consigodoutrinas e teorias que, por modosdiversos, representam um entendi-mento ‘subversivo’ da concepção li-beral dos direitos fundamentais: a es-tatização fascista, que corporativizouos direitos; a massificação e o racismonacional-socialista, que os destruírampor completo; a funcionalização mar-xista-leninista, que os expropriou epôs a serviço de um projecto de socie-dade.

Apesar disso, pode afirmar-se quea tradição liberal ocidental não foi dis-solvida. Ela ‘passa de uma maneiranatural e perfeitamente coerente dosdireitos de liberdade aos direitos po-líticos e depois aos direitos econômi-cos e sociais’ (...)”.

Na realidade, a percepção que se buscaem tema de concretização dos direitos fun-damentais deve colocar em evidência não umaspecto de mera sucessividade, mas, sim, umaspecto revelador da complementaridade 13.

Em atenção ao viés substitutivo que foiconferido às várias espécies de direitosfundamentais pelas ditaduras socialistas,no sentido de que os direitos sociais sobre-põem-se e substituem-se às liberdades clás-sicas, muitos autores têm preferido utilizaro termo “dimensão”, em vez do termo “ge-ração”, para efeito de classificação dos di-reitos de liberdade (primeira dimensão), di-reitos sociais (segunda dimensão), direitosde solidariedade (terceira dimensão) e, atémesmo, dos direitos à democracia (quartadimensão).

Paulo Bonavides (2002, p. 525), um dosprimeiros a sustentar, entre nós, a impro-priedade da expressão “geração de direitos”,assim manifestou seu entendimento:

“Força é dirimir, a esta algura, umeventual equívoco de linguagem: o

vocábulo ‘dimensão’ substitui, comvantagem lógica e qualitativa, o ter-mo ‘geração’, caso este último venhaa induzir apenas sucessão cronológi-ca e, portanto, suposta caducidadedos direitos das gerações anteceden-tes, o que não é verdade. Ao contrário,os direitos da primeira geração, direi-tos individuais, os da segunda, direi-tos sociais, e os da terceira, direitos aodesenvolvimento, ao meio ambiente,à paz e à fraternidade, permanecemeficazes, são infra-estruturas, formama pirâmide cujo ápice é o direito à de-mocracia...”.

A crítica ao termo “gerações” de direitosfundamentais também é feita por JorgeMiranda (2000, p. 32), que, ao enfatizar afalsa impressão de alternância que ele podegerar, profere o seguinte magistério:

“Conquanto esta maneira de verpossa ajudar a apreender os diferen-tes momentos históricos de apareci-mento dos direitos, o termo geração,geração de direitos, afigura-se enga-nador por sugerir uma sucessão decategorias de direitos, umas substitu-indo-se às outras – quando, pelo con-trário, o que se verifica em Estado so-cial de direito é o enriquecimento cres-cente em resposta às novas exigênci-as das pessoas e das sociedades. Nemse trata de um mero somatório, massim de uma interpretação mútua, coma conseqüente necessidade de harmo-nia e concordância prática”.

De fato, revela-se efetivamente mais ade-quada a utilização da expressão “dimen-sões” de direitos fundamentais14, pois, namedida em que novas prerrogativas são re-conhecidas aos indivíduos, estas, longe deexcluírem, devem sempre vir a complemen-tar as demais prerrogativas já conquistadas.Mais do que isso, as dimensões mais recen-tes e os direitos fundamentais já tradicio-nalmente assegurados não só coexistem,como mantêm entre si uma relação de recí-proca interação, influenciando-se mutua-

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mente e fazendo com que o entendimentode cada um dos direitos fundamentais sejasempre interpretado (ou reinterpretado) emconformidade com o contexto global da to-talidade das dimensões de direitos já reco-nhecidas.

O novo entendimento que foi dado às li-berdades clássicas, em função do adventodos direitos sociais, é um bom exemplo dereinterpretação de direitos em face do ad-vento de uma nova dimensão de direitosfundamentais.

Hoje, e em face do advento do constituci-onalismo social, é extraído dos direitos deprimeira dimensão (tradicionalmente con-cebidos como direitos de índole negativa)um viés positivo que impõe ao Poder Públi-co não apenas o dever de abstenção, mas,também, uma obrigação de fazer. Do direitoà vida (direito de primeira dimensão), por-tanto, derivam, hoje, interpretando-se o di-reito à vida como o direito a uma existênciadigna, o direito à saúde, à assistência sociale ao lazer (direitos de segunda dimensão) e,também, o direito a um meio ambiente eco-logicamente equilibrado (terceira dimen-são)15.

É por essa razão que não se pode incluir,sob a denominação de constitucionalismosocial, a Declaração de Direitos do Povo Tra-balhador e Explorado e a Lei FundamentalSoviética de 1918 (10/07/1918), pois, paraque se possa falar, propriamente, em consti-tucionalismo social, é preciso que se tenha,sob a égide de um Estado Democrático deDireito, a expressa positivação, em textoconstitucional, da solene intenção estatal deconsagrar, para além da igualdade formal eda liberdade individual, também a igualda-de material e os demais direitos sociais deladecorrentes16.

Daí, portanto, o presente trabalho, que,ao perquirir sobre a inicialidade do consti-tucionalismo social, pretende, mediante co-tejo analítico da Constituição Mexicana de1917 e da Constituição de Weimar de 1919(excluída, pois, pelas razões acima expos-tas, a Constituição Soviética17), revelar quais

foram as inovações de cada um desses tex-tos, buscando responder à indagação sobrese seria possível atribuir a um desses diplo-mas a qualidade de documento precursordo constitucionalismo social.

1. A Constituição Mexicanade 31 de janeiro de 19171.1. Antecedentes históricos

A Constituição do México configura oreconhecimento e a positivação, em sedeconstitucional, das reivindicações e dosprincípios inspiradores da Revolução Me-xicana, iniciada em 1910. Por essa razão,tornar-se-ia despida de sentido qualqueranálise do texto constitucional mexicano(ainda em vigor, não obstante objeto deemendas) que deixasse de examinar, mes-mo que em linhas gerais, os antecedenteshistóricos que culminaram com a promul-gação, em 31/01/1917, da Constituição deQuerétaro.

Essa estrita correspondência do textoconstitucional mexicano com os pleitosconstantes da Revolução Mexicana foi en-fatizada pelo constitucionalista e ex-presi-dente da Corte Constitucional Fix-Zamudio(2001, p. 89-90), para quem “Nuestra Consti-tución actual entronca directamente con la Re-volución mexicana. Cierto que en un principioeste movimiento no llevó como objetivo haceruna nueva Constitución. Se encabezó inicialmen-te por Madero contra la dictadura de Díaz, ydespués por Carranza para restaurar el ordenconstitucional quebrantado por Huerta, pero eldesarrollo mismo de los acontecimientos condu-jo finalmente a la expedición de una nueva leyfundamental”18.

Também nesse sentido, irretocáveis aspalavras de Daniel Moreno (1973, p. 227),que, ao referir-se à Assembléia Constituinteconvocada para elaboração da ConstituiçãoMexicana de 1917, assim se manifestou:

“Poucas vezes o pensamento jurí-dico foi devedor de forma tão determi-nante da realidade social e das idéiaspostas em jogo, como no caso da men-

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cionada Assembléia. Foram assinala-das como causas fundamentais algu-mas de tipo econômico, sobretudo adura exploração que sofriam os cam-poneses e as paupérrimas condiçõesem que viviam os operários”.

Na realidade, apesar de a elaboração deum novo texto constitucional não ter sido,de fato, um dos objetivos da Revolução Me-xicana, não é menos exato afirmar que o tex-to constitucional que sobreveio à dita revo-lução deu expressão máxima às aspiraçõespor ela reivindicadas.

Com efeito, a Revolução Mexicana ini-ciou-se em 1910, e o período de agitaçõessociais e políticas no México estendeu-sepor quase vinte e três anos após a promul-gação da Carta Política de 191719.

A Revolução Mexicana mobilizou, emseu processo, milhões de camponeses e ín-dios (estes, despojados que foram dos “eji-dos”20) e se insurgia, essencialmente, con-tra a ditadura do Presidente Porfírio Díaz,que perdurou de 1876 a 1911 e ficou conhe-cida como “porfiriato”.

Porfírio Diaz era apoiado, em seu gover-no, pelo exército, que possuía o poder depolícia do Estado, pela Igreja Católica, quetinha ampla liberdade de ação, por grandesempresas privadas (inclusive de origem es-trangeira) e pelos grandes proprietários deterra, que haviam sido beneficiados com apolítica de extinção dos “ejidos”.

Torna-se claro perceber, portanto, desdelogo, que as principais reivindicações revo-lucionárias consistiam na proibição da ree-leição do Presidente da República21, no re-torno dos “ejidos” e devolução das respec-tivas terras às comunidades indígenas, nanacionalização das grandes empresas e ban-cos, na consolidação de direitos trabalhis-tas à classe média emergente e na separa-ção radical entre Igreja e Estado.

O crescente autoritarismo de PorfírioDíaz passa à insustentabilidade, marcan-do o início do processo revolucionário quecanalizou as insatisfações nacionais, naseleições presidenciais de 1910, quando o

latifundiário liberal Francisco Madero, líderdo movimento que se opunha à reeleição doditador, é preso. Candidato único, Díaz éconsiderado eleito uma vez mais.

Francisco Madero, ao fugir da prisão,exila-se nos Estados Unidos, lança uma con-clamação à rebelião armada destinada aderrubar Díaz e promete que, em havendoum novo governo, seria elaborada uma re-forma eleitoral e seriam distribuídas terrasaos camponeses.

A resposta mexicana à proposta deMadero é entusiástica e rapidamente a re-volta se alastra pelo país. Ao sul, o chefecamponês de maior relevância é EmilianoZapata, que comanda vinte mil homens na“Legião da Morte”, armados com fuzis e fa-cões utilizados para o corte de cana-de-açú-car. Ao norte, por sua vez, destacam-se comolíderes Pancho Villa e Pascual Orozco.

Com o recrudescimento do levante cam-ponês, Porfírio Díaz renuncia e foge em 1911e Madero é eleito novo Presidente.

Ao contrário do esperado, no entanto,Madero não promove as prometidas altera-ções no aparelho estatal, o que gera profun-da insatisfação dos líderes camponeses queo apoiaram, notadamente de EmilianoZapata, que se recusa a desarmar seus ho-mens e exige a reforma agrária negada pelonovo Presidente.

Desatendido, Zapata promove, agoracom o apoio de Pancho Villa, uma rebeliãocontra Madero e lança, em novembro de1911, o célebre Plano Ayala, que dispunhasobre a distribuição de terra dos latifúndiospara os camponeses.

O Presidente Madero, em reação, envia ogeneral Victoriano Huerta para derrotarZapata, que repele a ofensiva do exército epassa a ser tido como um prestigiado líderdas camadas mais pobres22.

Em fevereiro de 1913, enquanto a lutaprossegue no Norte e no Sul, o generalHuerta assassina Madero e se torna o novoPresidente, o que levou à instauração de umapassageira frente da oposição, com partici-pação de Zapata e Villa, chefiada pelo libe-

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ral Venustiano Carranza, que proclama oPlano de Reconstrução Constitucional.

Sob pressão das forças revolucionárias,em julho de 1914 o general Huerta renun-cia, passando o poder para Carranza que,depois de três anos de rebelião, dá início aoprocesso de construção das novas institui-ções mexicanas, o que apenas se consolida-rá mais de cinco anos depois.

Vitoriosos, os revolucionários dividem-se, agora, em constitucionalistas (Carranzae Álvaro Obregón), que propõem, simples-mente, a reforma da Constituição Liberal de1857, e em convencionistas (EmilianoZapata e Pancho Villa), que desejam imple-mentar as propostas de transformações ra-dicais da convenção de Aguascalientes(1914)23.

Nas regiões controladas por Zapata, co-meçam a ser colocadas em prática as refor-mas do Plano Ayala, que prevê a devoluçãoda terra às comunidades indígenas, expro-priação de um terço das terras dos grandesproprietários para distribuição aos campo-neses sem terra, fundação de um Banco Agrí-cola Nacional e de um Partido Agrário econfisco total das terras de quem se opuses-se às reformas.

As medidas colocadas em prática porEmiliano Zapata, no entanto, são mais ra-dicais e vão além daquilo que foi propostono texto original do Plano Ayala. Além dareforma agrária, formam-se escolas técnicas,fábricas de ferramentas e um banco de cré-dito rural.

Venustiano Carranza, insatisfeito com asconcretizações promovidas por Zapata, de-seja institucionalizar e regulamentar as rei-vindicações revolucionárias e, em 1917, pro-mulga a nova Constituição Mexicana, ins-pirada pela doutrina anarcossindicalista deBakunin24.

Dois anos mais tarde, a nova Constitui-ção ainda era completamente ignorada peloGoverno, Zapata era assassinado a mandode Carranza (1919) e o país prossegue emguerra civil até que, em 1920, Carranza édeposto e assassinado, e assume a Presidên-

cia o general Álvaro Obregón, que, enfim,consolida a revolução.

Pancho Villa abandona a luta em 1920 eé assassinado três anos depois.

Em 1929 é fundado o Partido Revolucio-nário Nacional (PRN), rebatizado, em 1938,de Partido Revolucionário do México e, em1946, de Partido Revolucionário Institu-cional (PRI), que se torna, por décadas, ovirtual partido único no país25.

1.2. Os debates da Constituinte

Apesar de desnecessárias, algumas ano-tações referentes à Assembléia Constituinteou aos debates nela travados serão, por suapeculiaridade, registradas no presente tra-balho.

Cabe referir, neste ponto, que todas asreferências que ora se faz à ConstituinteMexicana foram extraídas da magnífica obra– já mencionada neste estudo na nota derodapé no 19 – El Constitucionalismo SocialMexicano – La integración constitucional deMéxico (1808-1988), de Jorge Sayeg Helú.

A primeira curiosidade que se gostariade enfatizar refere-se ao fato de que os mili-tares não só formavam a maioria da consti-tuinte, mas também eram os portadores dasidéias mais radicais ali suscitadas (HELÚ,1991, p. 600).

Outro dado interessante refere-se ao cur-tíssimo espaço de tempo utilizado na dis-cussão e aprovação do novo texto constitu-cional, já que a Assembléia Constituinte foiaberta em 01/12/1916 e a Constituição pro-mulgada em 31/01/1917, ou seja, apenasdois meses depois (HELÚ, 1991, p. 604).

De fato, tal como já se enfatizou quandoda análise dos antecedentes históricos daConstituição Mexicana, não havia, entre ospróprios revolucionários, posição uniformesobre a necessidade de proceder-se a umamera revisão do texto constitucional liberalde 1857 ou de confeccionar-se um novo tex-to constitucional.

Tanto é assim que, no dia da abertura daConstituinte, o Presidente Carranza (quedepois viria a matar Emiliano Zapata) apre-

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sentou ao Congresso seu projeto de “Cons-titución Reformada” (HELÚ, 1991, p. 604).

Apesar de se auto-reconhecer animadopelo melhor espírito de implementar as rei-vindicações revolucionárias, o projeto apre-sentado por Carranza foi tido como defici-ente (HELÚ, 1991, p. 605), tendo se expres-sado, no que toca “a las reformas sociales (...)en fórmulas amplias, casi abstractas, y reserva-ba su reglamentación efectiva a la ley secunda-ria” (HELÚ, 1991, p. 606).

No que se refere às freqüentes remessas,ao legislador ordinário, muito ocorrentes naConstituição Brasileira de 1988, e constan-tes do projeto de Constituição Reformadapor Carranza, assim se pronunciou Helú(1991, p. 607):

“Mucho confió Carranza en el aciertode los legisladores ordinários, al preten-der dejar a su cuidado el dictar las leyesreclamadas por el pueblo en los campos debatalla; por fortuna, empero, quienes acer-taron fueron los legisladores constituyen-tes, al haber dado el paso decisivo, logran-do romper aquel tabú que les impedia darcabida dentro de la Constitución a las fór-mulas sociales que una depurada técnicaconstitucional les aconsejaba a no incor-porar a ella”.

Feitos esses breves registros sobre algunsaspectos interessantes, relativos à Assem-bléia Constituinte Mexicana, deve-se, ago-ra, analisar em que medida os direitos cons-titucionais por ela consagrados efetivamenteinovaram em tema de concretização de di-reitos fundamentais sociais, examinando-se, também, se, em face das prescrições cons-tantes da Constituição Mexicana de 1917,pode esse documento ser tido como o pre-cursor do constitucionalismo social, que iriainfluenciar grande parte das Constituiçõesdo pós-segunda guerra.

1.3. O texto da ConstituiçãoMexicana de 1917

A Constituição Mexicana promulgadaem 31/1/1917 – e que entraria em vigor em1/5/1917 – compunha-se de 136 artigos (a

maioria deles longos e com vários incisos),além das disposições transitórias.

Esses 136 artigos foram sistematizadosem nove Títulos, que podiam, por sua vez,dividir-se em capítulos e seções.

O Título I da Constituição Mexicana de1917 era formado por quatro Capítulos,quais sejam: Das Garantias Individuais(Cap. I), Dos Mexicanos (Cap. II), Dos Es-trangeiros (Cap. III) e Dos Cidadãos Mexi-canos (Cap. IV).

O Título II possuía apenas dois Capítu-los: Da Soberania Nacional e da Forma deGoverno (Cap. I) e Das Partes Integrantes daFederação e do Território Nacional (Cap. II).

O Título III organizava-se em quatro Ca-pítulos: Da Divisão dos Poderes (Cap. I), DoPoder Legislativo (Cap. II) – este último ca-pítulo dividia-se em quatro Seções: Da elei-ção e da instalação do Congresso; Da inici-ativa e da formação das leis; Da competên-cia do Congresso e Da Comissão Permanen-te –, Do Poder Executivo (Cap. III) e Do Po-der Judicial (Cap. IV).

O Título IV tratava, unicamente, DasResponsabilidades dos Funcionários Públi-cos, o Título V, Dos Estados e da Federação,o Título VI (composto exclusivamente pelocélebre artigo 123), Do Trabalho e da Previ-dência Social. O Título VII tratava Das Dis-posições Gerais, O Título VIII, Das Refor-mas da Constituição e, finalmente, o TítuloIX cuidava Da Inviolabilidade da Consti-tuição.

Da análise de cada um dos dispositivosconstantes do texto constitucional mexica-no, observa-se que a Constituição de 1917não se limitou a consagrar, em seu corpo, asaspirações e reivindicações veiculadas pelaRevolução, garantindo, também, ao lado dasdeterminações de índole social, em seu Ca-pítulo I (Das Garantias Individuais), inú-meros direitos clássicos à liberdade.

Entre o extenso rol de direitos de primei-ra dimensão constantes do Capítulo I doTítulo I da Constituição Mexicana, desta-cam-se os seguintes: proibição da escravi-dão (art. 2o); igualdade entre os sexos (art.

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4o); liberdade de expressão e de informação(art. 6o); vedação à censura prévia (art. 7o);direito de petição (art. 8o); liberdade de reu-nião e de associação (art. 9o); direito à livrecirculação (art. 11); princípio do juiz natu-ral e proibição de juízo de exceção (art. 13);irretroatividade das leis prejudiciais aos ci-dadãos (art. 14); devido processo (art. 14, §1o); legalidade em matéria penal (art. 14, §2o); vedação à extradição por crimes políti-cos (art. 15); inviolabilidade de domicílio(art. 16); sigilo de correspondências (art. 16,§ 2o); vedação ao exercício arbitrário daspróprias razões (art. 17); acesso gratuito aoPoder Judiciário (art. 17, § 1o); vedação deprisão por dívida (art. 17, § 3o); garantias doacusado (art. 20 – frise-se, no ponto, que osistema penal mexicano funda-se sobre a“base do trabalho”); vedação de penas cru-éis (art. 22); princípio do non bis in idem (art.23); liberdade religiosa (art. 24); mandato deseis anos conferido ao Presidente da Repú-blica, “que por nenhum motivo poderá vol-tar a desempenhar este posto”26 (art. 83 –direito à alternância política), e separaçãoEstado/Igreja (art. 130).

Ao lado dos direitos de liberdade acimareferidos, a Constituição Mexicana de 1917previu, também, direitos e garantias de se-gunda dimensão. Estes – apesar de cons-tantes, em sua essencialidade, nos arts. 27 e123 – não se concentram em um único Capí-tulo da Constituição, apresentando-se, aocontrário, dispersos ao longo de todo o tex-to da Carta Política.

Sob tal aspecto, deve-se destacar as se-guintes previsões: proteção à família (art.4o)27, direito à saúde, de incumbência da Fe-deração e das entidades federativas (art. 4o,§ 2o), direito à moradia digna, a ser concreti-zado por meio de apoio Estatal (art. 4o, § 3o),proteção pública dos menores (art. 4o, § 4o),direito ao trabalho e ao produto que deleresulta (art. 5o), proibição de contratos queimportem na perda de liberdade do indiví-duo (art. 5o, § 4o)28 e a vedação à constituiçãode monopólios (art. 28 – direito esse de na-tureza eminentemente econômica).

Além de tais direitos de segunda dimen-são, a Constituição Mexicana previu, em li-nhas gerais, em seu artigo 27 (pertinente àquestão agrária no México e tido como umdos pilares da consagração, no texto consti-tucional, das idéias fulcrais da Revolução),a propriedade da nação relativamente àsterras e águas (que podiam, ou não, ser trans-mitidas a particulares, mediante proprieda-de privada), a possibilidade de desapropri-ação de terras por utilidade pública, medi-ante indenização, a proteção da pequenapropriedade (art. 27, XV) e a função socialda propriedade.

Ao lado da questão agrária, tratada noart. 27 da Constituição, o artigo 123 (quecompunha o Título VI: Del Trabajo e de Previ-sion Social) consubstanciava o outro pilarsustentador da consagração das aspiraçõesrevolucionárias em sede constitucional.

Destacam-se, nesse dispositivo – tido poralguns doutrinadores como inaugurador doDireito Constitucional do Trabalho –, as se-guintes prescrições: direito ao emprego ecorrelata obrigação do Estado de promovera criação de postos de trabalho (art. 123,“caput”); jornada de trabalho máxima deoito horas (I); jornada noturna de seis horas(II); proibição do trabalho aos menores de14 e jornada máxima de seis horas aos mai-ores de 14 e menores de 16 (III); um dia dedescanso para cada 6 dias trabalhados (IV);direitos das gestantes (V); salário mínimodigno (VI), a ser estabelecido por uma co-missão nacional formada de representan-tes dos trabalhadores, patrões e do governo;direito a salários iguais aos que exercemiguais funções, sem discriminação de gêne-ro ou nacionalidade (VII); participação dostrabalhadores nos lucros das empresas (IX);horas extras limitadas a três diárias, reali-zadas no máximo três dias consecutivos, eacrescidas de 100% (XI); criação de um fun-do nacional de habitação, a ser administra-do pelo Governo Federal, pelos trabalhado-res e pelos patrões (XII, § 1o); direito à capa-citação ao trabalho (XIII); responsabilidadedo empregador por acidente de trabalho

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(XIV); direito à formação de sindicatos (XVI);direito de greve, reconhecido inclusive emfavor dos patrões e em favor dos funcionári-os públicos (art. XVII); criação das juntas deconciliação, formadas por igual número derepresentantes dos trabalhadores e dos pa-trões e por um representante do governo(XX); direito à indenização em caso de de-missão sem justa causa (XXII) e reconheci-mento da utilidade pública da Lei de Segu-ro Social, que compreenderá “seguros porinvalidez, por velhice, seguros de vida, deinterrupção involuntária do trabalho, de en-fermidades e acidentes de trabalho e qual-quer outro seguro destinado à proteção e aobem-estar dos trabalhadores, dos campone-ses, dos não-assalariados e de outros seto-res sociais e respectivos familiares” (XXIX –traduzi).

Interessante notar que, não obstante o rolde direitos conferidos ao trabalhador sejade notável abrangência e extensão (deixan-do de observar, por isso mesmo, a melhortécnica constitucional29 ao estabelecer, emsede constitucional, prescrições de índoleeminentemente infraconstitucional30), nãofoi a classe trabalhadora relevante no pro-cesso revolucionário mexicano, pois, con-soante já assinalado, a população mexica-na que, em 1910, deu início ao movimentocontrário ao ditador Porfírio Díaz era emi-nentemente composta por camponeses jáque o México ainda não tinha experimenta-do um processo de industrialização que opermitisse contar com uma numerosa clas-se operária.

Daí por que parece ser o artigo 27 – per-tinente à questão agrária mexicana – aqueleque incorporou, de uma maneira mais fiel,as legítimas reivindicações constantes darevolução e aquele que atendeu, de maneiramais imediata, os pedidos que mais afeta-vam, diretamente, a vida dos mexicanos.

Nesse sentido, manifesta-se Ary Brandãode Oliveira (1991, p. 66), que, citando Nestorde Buen (1977, p. 232) e ao colocar em desta-que o viés eminentemente camponês da re-volução mexicana, afirma que “a questão

operária ainda não se fazia sentir em umpaís que apenas iniciava seu processo deindustrialização. Por outro lado, a sensibi-lidade dos jovens generais e chefes revolu-cionários orientava-se no sentido da ado-ção de soluções enérgicas na ordem jurídi-ca laboral”.

Mário de la Cueva (1960), ao enfatizar aimportância do art. 123 da ConstituiçãoMexicana e ao investigar as origens do mo-vimento em prol de uma legislação traba-lhista no México, adverte que a ingerênciano desenvolvimento do direito do trabalhomexicano deve-se, unicamente, ao governopresidencialista, não tendo assumido a clas-se operária nenhuma participação nesseprocesso.

Registre-se, finalmente, um aspecto pou-co referido da Constituição Mexicana de1917: a sua nítida integração, ao lado dosdireitos de primeira e de segunda dimen-são, de direitos fundamentais de terceira di-mensão.

Com efeito, como se sabe, os direitos deterceira geração são aqueles que protegemnão o homem, considerado isoladamente,mas, sim, a coletividade como um todo, ra-zão pela qual trata-se de direitos de titulari-dade difusa, fundados nos princípios dafraternidade ou da solidariedade. No rol dosdireitos fundamentais de terceira dimensão,incluem-se, por exemplo, o direito a um meioambiente equilibrado, o direito à paz, à au-todeterminação dos povos e à preservaçãodo patrimônio histórico e cultural31.

O artigo 3o da Constituição Mexicana,ao versar sobre o sistema público de educa-ção, afirma que este deverá promover, alémde todas as faculdades do ser humano, “aconsciência da solidariedade internacio-nal”, em claro beneplácito ao princípio ins-pirador dos direitos de terceira dimensão ecom nítida percepção de que determinadosvalores devem ser protegidos não apenasem relação ao indivíduo (primeira dimen-são) ou a uma coletividade nacional (segun-da dimensão), mas, sobretudo, em face detoda a comunidade (terceira dimensão).

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No artigo 25, que trata sobre a interven-ção do Estado no domínio econômico, afir-ma-se que os setores sociais e privados daeconomia sujeitam-se aos interesses públi-cos e ao uso, em benefício geral, dos recur-sos produtivos, devendo-se cuidar, portan-to, de “su conservación y el médio ambiente”(art. 25, § 4o).

No artigo 27, por sua vez, ao serem dis-ciplinados a reforma agrária e o modo deorganização dos assentamentos, reconhece-se a necessidade de se editar medidas para“preservar y restaurar el equilibrio ecológico”e, também, para “evitar la destrucción de loselementos naturales”.

Da análise dessas três passagens cons-tantes do texto constitucional mexicano,pode-se concluir que tal diploma não ape-nas reconheceu e positivou direitos de ter-ceira dimensão, mas também – ao colocá-losem relação de recíproca interação e mútuainfluência com outros direitos fundamentais,como, por exemplo, o direito à propriedade(1a dimensão) e a função social da proprieda-de (2a dimensão) – teve nítida percepção docaráter complementar que lhes é inerente.

2. A Constituição daRepública de Weimar (1919)

2.1. Antecedentes históricos

Assim como a Constituição Mexicanaque cronologicamente lhe antecedeu, tam-bém a Constituição de Weimar nasceu numperíodo de profundas perturbações sociais.

Para analisar o contexto histórico em quese deu o advento da Constituição deWeimar, deve-se remeter à vitória alemã,liderada por Bismarck, na Guerra Franco-Prussiana (1870) e ao estímulo que essa vi-tória representou para o início da luta deunificação federalizada dos principados edas cidades livres de língua alemã na Con-federação Germânica.

Concretizada, sob o reinado do KaiserGuilherme II, a criação do Primeiro Reich, aAlemanha experimentou um notável cres-cimento urbano-industrial, o que gerou um

aumento em sua classe operária militante e,conseqüentemente, nas reivindicações porela manifestadas.

Essa realidade de prosperidade internarepresentou, também, um dos fatores queimpulsionaram a Alemanha a tomar partena acirrada disputa européia por fatias demercado consumidor e, conseqüentemente,a participar da Primeira Grande Guerra, daqual saiu como grande derrotada.

A entrada da Alemanha na PrimeiraGuerra, no entanto, trouxe profundas con-seqüências internas, causadas pelo eleva-do número de mortos e feridos32 e, também,pela profunda crise econômica que se aba-teu sobre um país totalmente voltado a ati-vidades bélicas33.

Marco Aurélio Peri Guedes (1998, p. 35),em sua dissertação de mestrado, afirma que“a guerra começou em 4 de agosto de 1914,sem que a Alemanha estivesse economica-mente preparada. Na verdade – prossegueele – os militares e os políticos esperavamque a guerra fosse vencida em poucas se-manas. Não houve qualquer preocupaçãogovernamental em estocar alimentos parauma guerra em longo prazo, até porque tudoestava concentrado no esforço de guerra”.

Nos últimos anos de guerra, a situaçãointerna na Alemanha é de profundo caos, oque também foi agravado pelo intenso blo-queio naval inglês, que trouxe escassez dealimentos à população e conseqüente infla-ção de preços (GUEDES, 1998, p. 37).

Nesse contexto, levantes começam a eclo-dir em toda a Alemanha, levantes esses que,agora, além de decorrerem da miséria e dacrise social internas, eram também inspira-dos pelo recente e próximo exemplo daUnião Soviética34.

Iniciou-se uma verdadeira revoluçãobolchevista no seio do Reich. Os partidos deextrema esquerda – espartaquistas e socia-listas independentes – exigiam a dissolu-ção das instituições parlamentares alemãs(SILVA, F., 1991, p. 42).

Em novembro de 1918, eclodiu na Ale-manha uma rebelião naval que culminou

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por transformar-se numa guerra civil(COMPARATO, 2001, p. 196).

Lionel Richard (1988, p. 29-31) assimdescreveu a revolta que se iniciou, em 1918,no porto de Kiel:

“Os marinheiros se haviam recu-sado a seguir os oficiais que queriamcontinuar a guerra no mar. As máscondições de vida fizeram o resto: abandeira vermelha foi hasteada nosnavios e 20.000 marujos armados ocu-param o porto. Desarmaram oficiais,libertaram os prisioneiros nos quar-téis, elegeram um conselho de solda-dos. Com esse exemplo, interrompe-ram o trabalho nas fábricas. Os gre-vistas formaram um conselho de ope-rários. Após Kiel, o processo se repe-tiu em Stuttgart e Hamburgo. As esta-ções foram ocupadas, as tropas levan-taram contra os oficiais, os comandan-tes militares foram substituídos, osmeios de transporte requisitados porsoldados em revolta. Símbolos de sé-culos de opressão, as insígnias forampor toda parte destruídas; bandeirasvermelhas foram hasteadas; organi-zaram-se conselhos de operários e desoldados...”.

A reforma constitucional do texto ale-mão, de 3/11/1918, que determinou a par-lamentarização da Alemanha e que passouo poder ao Príncipe Max von Baden35 (quetambém estava incumbido de celebrar o ar-mistício com os Estados Unidos), foi, por-tanto, tardia e não conteve o fluxo das agita-ções sociais (BRUNET, 1921, p. 32-33).

Na linha do relato histórico feito porComparato (2001, p. 196-198), tem-se que,logo após a reforma constitucional de 03/11/1918, em 8/11/1918, uma República“Democrática e Socialista” era proclamadana Baviera.

Sentindo que a esquerda mais radical –especialmente o grupo Spartak, liderado porKarl Liebknecht – ganhava o apoio das li-deranças populares, os sociais democratas(integrantes do partido socialista majoritá-

rio) abandonam definitivamente o governoe convocam uma greve geral.

O Príncipe Marx, então, anuncia a abdi-cação do Imperador, designa FriederichEbert (líder dos social-democratas) paraexercer as funções de chanceler, propondo,ainda, a convocação de uma AssembléiaNacional Constituinte. Precipitando-se, noentanto, Philip Scheidemann, ministro in-tegrante da social-democracia, anuncia, nomesmo dia, no balcão da chancelaria emBerlim, a proclamação da República36.

Formou-se, então, um governo provisó-rio (Conselho dos Delegados do Povo), che-fiado por Ebert e que compreendia três inte-grantes da social-democracia (SPD) e outrostrês integrantes do Partido Social Democrá-tico Independente (USPD)37. Esse governoprovisório, no entanto, tinha objetivos di-vergentes38, pretendendo o SPD a convoca-ção de assembléia constituinte e o estabele-cimento de uma democracia parlamentar,enquanto o USPD buscava o imediato esta-belecimento de uma ditadura do proletaria-do, com a completa socialização da econo-mia nos moldes soviéticos.

Essa divergência foi solucionada medi-ante a convocação de um congresso de re-presentantes das diferentes províncias in-tegrantes do Reich, que, reunido em Berlim,em 20/01/1919, deliberou, por ampla mai-oria, no sentido da convocação de uma as-sembléia constituinte.

O local escolhido para sediar a Assem-bléia Constituinte foi Weimar, eis que, alémde trazer a inspiração de Goethe, que ali vi-vera, ficava afastada das lutas travadas emBerlim em função do levante spartakista39.

É que dias antes (entre 6 e 15 de janeiro)as forças militares alemãs travaram violen-tos conflitos em Berlim contra os militantesSpartak, do que resultou o assassinato de seuslíderes Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Convocadas as eleições para a Assem-bléia Constituinte, antecipava-se aquilo queseria uma das causas da ruptura de Weimar:a absoluta fragmentação política e ausênciade maioria positiva no Parlamento40.

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Sob tal aspecto, irretocáveis as palavrasde Bourthoumieux (1950, p. 28):

“Cette dissociation du pouvoir réelet du pouvouir legal caractérise dês lêdébut la période nouvelle et marquece qui em será la loi constante: neces-site de réaliser et de maintenir umcompromis entre dês forces naturelle-ment divergentes. Ce compromis, uni-quement imposé par la crainte com-mune de la Révolution n’est qu’unetréve momentanée pour les adversai-res de la République. Il ne supposeaucun accord sur les questions politi-ques et sociales. Cet accord n’existmême pas dans la coalition républi-caine des socialistes, des democratset du centre. Dés les premières séan-ces de l’Assemblée nationale, il fut vi-sible que seuls les discourses qui exal-taient l’heroisme des armées et repous-saient toute responsabilité du Reichdans la guerre étaient capable de fairel’unnanimité”.

Os membros do SPD obtiveram a maio-ria das cadeiras41, mas não sua maioria ab-soluta (163, num total de 414). As demaiscadeiras restaram pulverizadas entre parti-dos de tendências diversas, ficando o USPD,com apenas 22 representantes. Os spartak42

não participaram da Assembléia Constitu-inte43.

O projeto da Constituição de Weimar foiredigido por Hugo Preuss, professor de ori-gem judaica adepto do comunitarismo, atéentão alijado do centro acadêmico alemão44,discípulo de Otto v. Gierke e influenciadopor Weber, que era considerado um dos pou-cos juristas de tendências de esquerda45.

Em 9 de julho de 1919, a Assembléia ra-tificaria o Tratado de Versalhes (verdadeiroDiktat) – que, pelas duras penalidades eindenizações econômicas que impôs àAlemanha, representaria um outro fator de-terminante do colapso de Weimar em 1933(após o golpe final desferido pela Crise de1929) – e, em 11 de agosto de 1919, restavapromulgado o novo texto constitucional da

república alemã (agora, uma República Fe-derativa, formada por 17 Länder).

2.2. O texto da Constituiçãode Weimar de 1919

A Constituição Alemã de 1919 era com-posta por 165 artigos (excetuando-se as dis-posições transitórias), divididos em dois li-vros: Livro I, relativo à “Estrutura e Fins daRepública”, e Livro II, pertinente aos “Di-reitos e Deveres Fundamentais do CidadãoAlemão”.

O Livro I, por sua vez, ao dispor sobre aestrutura e as finalidades da República, di-vidia-se em sete capítulos, quais sejam: Ca-pítulo I (A República e os estados); CapítuloII (O Parlamento); Capítulo III (O Presidenteda República e o Governo Federal); Capítu-lo IV (O Conselho da República); CapítuloV (A Legislação da República), Capítulo VI(A Administração da República) e CapítuloVII (A Administração da Justiça).

O Livro II do texto constitucional deWeimar, que estabelecia os direitos e os de-veres fundamentais do cidadão alemão,possuía os seguintes capítulos: Capítulo I(A pessoa individual); Capítulo II (A vidasocial); Capítulo III (Religião e agrupamen-tos religiosos); Capítulo IV (Educação e es-cola) e Capítulo V (A vida econômica).

O Livro I, enquanto veiculador da orga-nização do Estado, da estruturação de seusórgãos e dos limites de atuação dos Länderem face do Reich e de cada um dos PoderesPolíticos em relação aos demais, não trazmaiores inovações, eis que, em regra, os tex-tos políticos destinam-se a estabelecer pres-crições de tal natureza46.

Foi sobre o Livro II, no entanto (que com-preende os artigos 109 a 165), que incidiumaior parte da atenção dos estudiosos. Nãofaltaram críticas aos direitos e garantias neleconstantes. Técnicas de hermenêutica foramaprimoradas para permitir que os direitosfundamentais conferidos por esses disposi-tivos ao povo alemão pudessem alcançarnível mais elevado de concretização. Che-gou-se também a sustentar que a Constitui-

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ção Alemã possuía uma contradição abso-luta entre seus dois livros, que estabeleciamuma organização liberal de Estado, de umlado, e conferiam direitos de natureza soci-alista, de outro (SCHMITT, 1982).

O fato, no entanto, é que o rol sistemati-zado de direitos constante do Livro II daConstituição de Weimar, ao garantir tantoliberdades públicas como prerrogativas deíndole social, notabilizou e celebrizou aConstituição Alemã de 1919, que, não obs-tante suas imperfeições – inerentes a todaobra humana –, inspirou textos constitucio-nais por todo o mundo, inclusive no Brasil(Constituição de 1934).

Não obstante seja o Livro II dividido emcinco capítulos temáticos (A pessoa indivi-dual; A vida social; Religião e agrupamen-tos religiosos; Educação e escola e A vidaeconômica), revela-se incompleto o estudoque, partindo apenas da análise dos respec-tivos títulos, pretenda classificar, a priori,quais dimensões de direitos fundamentaisforam contempladas em cada um desses ca-pítulos.

É que o Capítulo II, por exemplo – quetem como tema central “A vida social” – ,não apenas dispõe, ao contrário do que podeparecer, sobre direitos fundamentais de ín-dole social, possuindo, também, prescriçõesde natureza eminentemente liberal, consa-gradoras das chamadas liberdades públi-cas, tal como aquela referente ao direito depetição (Capítulo II, art. 126).

Desse modo, apesar de a Constituiçãode Weimar possuir, como característica, aorganização e sistematização de seus pre-ceitos (ao contrário do que se verifica naConstituição Mexicana), ainda assim as di-versas espécies de direitos fundamentaisencontram-se dispersas no corpo do textoconstitucional, devendo-se, portanto, paraidentificá-las, proceder a um exame de cadaum dos 165 artigos da referida Carta Política.

Desse modo, entre o extenso rol de direi-tos fundamentais de primeira geração cons-tantes da Constituição de Weimar, desta-cam-se os seguintes: direito à igualdade (art.

109); igualdade cívica entre homens e mu-lheres (art. 109, § 1o); direito à nacionalida-de (art. 110); liberdade de circulação no ter-ritório e para fora dele (art. 111 e 112); direi-to das minorias de língua estrangeira (art.113); inviolabilidade de domicílio (art. 115);irretroatividade da lei penal (art. 116); sigi-lo de correspondência e de dados telegráfi-cos ou telefônicos (art. 117); liberdade demanifestação do pensamento (art. 118); ve-dação à censura, exceto para proteger a ju-ventude e para combater a pornografia e aobscenidade47 (art. 118, § 1o); proteção aomatrimônio e à família (art. 119)48; igualda-de jurídica entre os cônjuges (art. 119); igual-dade entre filhos havidos na constância oufora do matrimônio (art. 121); liberdade dereunião (art. 123); liberdade de associação(art. 124); direito ao voto secreto (art. 125);direito de petição ao Poder Público (art. 126);igualdade de acesso aos cargos públicos(art. 128); direito adquirido e reivindicáveisperante o Poder Judiciário, em tema aspira-ções patrimoniais de servidores públicos esoldados de carreira (art. 129, “caput” e § 3o);liberdade de consciência e crença religiosa(art. 135); separação Estado/Igreja (art. 137);liberdade de associação religiosa (art. 137, §1o) e liberdade de sindicalização (art. 159).

Entre os direitos de segunda dimensão –que conferem o caráter social à Constitui-ção de Weimar –, devem-se destacar as se-guintes garantias: proteção e assistência àmaternidade (art. 119, § 2o e 161); direito àeducação da prole (art. 120); proteção mo-ral, espiritual e corporal à juventude (art.122); direito à pensão para família em casode falecimento e direito à aposentadoria, emtema de servidor público (art. 129); direitoao ensino de arte e ciência (art. 142); ensinoobrigatório, público e gratuito (art. 145); gra-tuidade do material escolar (art. 145); direi-to a “bolsa estudos”, ou seja, à “adequadasubvenção aos pais dos alunos considera-dos aptos para seguir os estudos secundá-rios e superiores, a fim de que possam co-brir a despesa, especialmente de educação,até o término de seus estudos” (art. 146, §

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2o); função social da propriedade49; desapro-priação de terras, mediante indenização,para satisfação do bem comum (art. 153, §1o); direito a uma habitação sadia (art. 155);direito ao trabalho (art. 157 e art. 162); pro-teção ao direito autoral do inventor e do ar-tista (art. 158); proteção à maternidade, àvelhice, às debilidades e aos acasos da vida,mediante sistema de seguros, com a diretacolaboração dos segurados (art. 161 – pre-vidência social); direito da classe operária a“um mínimo geral de direitos sociais” (art.162); seguro-desemprego (art. 163, § 1o) edireito à participação, mediante Conselhos– Conselhos Operários e Conselhos Econô-micos –, no ajuste das condições de trabalhoe do salário e no total desenvolvimento eco-nômico das forças produtivas, inclusive me-diante apresentação de projeto de lei (art. 165).

Registre-se, por oportuno, que, tal comoocorre com a Constituição Mexicana de 1917,também um aspecto da Constituição deWeimar costuma ser desconsiderado peladoutrina: a existência, no corpo de seu tex-

to, de dispositivo destinado unicamente acontemplar direitos fundamentais de tercei-ra dimensão.

Com efeito, o art. 150 da Constituição daRepública Alemã de 1919, ao dispor que “osmonumentos de arte, históricos e naturais,bem como a paisagem, gozam da proteção eincentivo estatais”, positivou, em sede cons-titucional, típicos direitos de terceira dimen-são, titularizados por toda a coletividade econsistentes na garantia de preservação domeio ambiente (“monumentos naturais” e“paisagem”) e de conservação dos patrimô-nios históricos e culturais (“monumentoshistóricos” e “monumentos de arte”).

3. Uma análise comparativa dostextos da Constituição Mexicana e

da Constituição de Weimar

Inicialmente, procederemos a um cotejodas disposições constantes de cada uma des-sas Cartas Políticas, relativamente aos direi-tos fundamentais de primeira dimensão:

Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão.

Constituição Mexicana de 1917 Constituição de Weimar de 1919

Direito à igualdade Art. 4o Art. 109 Liberdade de circulação no território nacional e para fora dele Art. 11 Arts. 111 e 112

Direitos das minorias – Art. 113 Inviolabilidade de domicílio Art. 16 Art. 115 Irretroatividade da lei penal Art.14 Art. 116

Sigilo de correspondências Art. 16 § 2o Art. 117 (incluídos os sigilos aos dados telegráficos e telefônicos)

Liberdade de manifestação do pensamento Art. 6o Art. 118

Vedação à censura Art. 7o Art. 118, § 2o (exceto na proteção à juventude e no combate à pornografia)

Proteção ao matrimônio e à família (garantias institucionais) – Art. 119

Igualdade jurídica entre cônjuges – Art. 119 Igualdade jurídica entre filhos havidos na constância ou fora do matrimônio

– Art. 121

Liberdade de reunião e associação Art. 9o Arts. 123 e 124 Direito de petição ao Poder Público Art. 8o Art. 126 Igualdade de acesso aos cargos públicos – Art. 128

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Do exame do quadro acima, pode-se per-ceber que as duas Constituições tiverampercepção semelhante no que se refere ànecessidade de não apenas abranger-se aproteção constitucional aos direitos de índo-le social, mas, também, de se preservar o con-teúdo das liberdades públicas já alcançadas.

Não há nada de discrepante entre os doistextos constitucionais em exame (Constitui-ção Mexicana de 1917 e Constituição deWeimar de 1919) que indique que qualquerum desses diplomas (frutos, respectivamen-te, de uma revolução camponesa e de umaassembléia constituinte convocada em meioa profunda crise econômica e a perturba-ções sociais também imputáveis à ameaçasocialista) tendesse, desde seu início, à ins-tituição de regimes autoritários.

Pelo contrário, o quadro acima reflete queo rol das liberdades públicas foi ampliadonos textos Mexicanos e de Weimar, caben-do destacar, por sua vanguarda, dispositi-vo da Constituição de Weimar que assegu-rava a igualdade entre filhos havidos naconstância do matrimônio ou não.

Chama a atenção, no entanto, a ausên-cia, no texto de Weimar, de dispositivos in-tegrantes do chamado “direito processualconstitucional”, consistentes nos princípi-os básicos do devido processo legal e do juiz

natural. Nada há, no entanto, como já acen-tuado, que indique o caráter proposital des-sa “lacuna”.

No que se refere aos direitos de segundadimensão, pode-se perceber uma nítida di-ferenciação entre os dois textos quanto aostemas sociais prioritários, eleitos pelos di-plomas constitucionais para os fins de ou-torgar-se especial proteção.

Com efeito, pode-se observar que a Cons-tituição Mexicana – apesar de ter reconhe-cido outros direitos, como o direito à educa-ção (art. 3o), à saúde (art. 4o, § 2o) e o direito àmoradia (art. 4o, § 3o) – concentrou-se, demaneira sensível – e até mesmo em razão desua origem –, na solução das questões agrá-rias (art. 27) e dos direitos trabalhistas (art.123).

Os direitos sociais fulcrais no ordena-mento jurídico mexicano são o reconheci-mento da função social da propriedade e dapossibilidade de esta ser distribuída pordesapropriação, de um lado, e a outorga deespecial proteção ao trabalhador, inclusivemediante a instalação de um regime de pre-vidência social, de outro.

Na realidade, uma análise dos textosconstantes dos arts. 27 e 123 revela que to-dos os demais direitos ali elencados decor-rem, materialmente, do direito de proteção

Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão.

Constituição Mexicana de 1917 Constituição de Weimar de 1919

Direitos adquiridos – Art. 129, “caput” e § 3o (relativamente a

pretensões pecuniárias relativas a servidores públicos e soldados de carreia

Liberdade de consciência e crença religiosa Art. 24 Art. 135

Separação Estado/Igreja Art.130 Art. 137 Proibição à escravidão Art 2o – Princípio do juiz natural e proibição de juízo de exceção Art. 13 –

Devido processo Art. 14 § 1o – Vedação ao exercício arbitrário das próprias razões Art. 17 –

Acesso gratuito ao Poder Judiciário Art. 17 § 1o – Vedação de prisão por dívida Art. 17, § 3o – Princípio do “non bis in idem” em matéria criminal Art. 23 –

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ao trabalho, de um lado, e da função socialda propriedade, de outro.

Esse aspecto, por óbvio, não pode, demaneira alguma (e nem aqui se pretendeisso), desqualificar o texto constitucionalmexicano, indubitavelmente a Constituiçãoque, cronologicamente, instaurou a fase doconstitucionalismo social ao prever, em seucorpo, ao lado das liberdades clássicas, di-reitos fundados na essencial igualdadematerial dos indivíduos, garantindo aoscamponeses a possibilidade de obtenção deterra mediante sua redistribuição pelo Go-verno e o respeito à pequena propriedaderural e assegurando aos trabalhadores di-reitos mínimos, como aqueles relativos à jor-nada de trabalho, à fixação de um saláriomínimo, à especial proteção conferida aosambientes de trabalho periculosos ou insa-lubres, à participação nos lucros das em-presas, à proteção à trabalhadora gestante eà possibilidade de se submeter as contro-vérsias decorrentes do contrato de trabalhoa um órgão de julgamento neutro, compostopor igual número de representantes de tra-balhadores e patrões e por um membro dogoverno.

Os avanços alcançados pela Constitui-ção Mexicana de 1917 em tema de direitoagrário e de direito do trabalhador são, por-tanto, irrecusavelmente notáveis.

Deve-se destacar, no entanto, que, ape-sar da histórica primazia cronológica mexi-cana em tema de positivação constitucionalde direitos de natureza social, a abrangên-cia e a extensão nas quais esses direitos fo-ram consagrados (com enfoque nas ques-tões agrárias e trabalhistas) fizeram com queo exemplo Mexicano, não obstante inspira-dor, culminasse por configurar um modelode referência quase que regional, muito ade-quado à realidade daquele país, mas poucouniversalizante.

Com efeito, as reivindicações concernen-tes à necessidade de se conferir especial pro-teção aos trabalhadores em geral, consoan-te se observou do breve relato do contextohistórico do pós-guerra, eram praticamente

globais, ao menos em tema de mundo oci-dental (até mesmo em face do exemplo e daameaça soviéticos).

O advento de uma nova classe operária,mais organizada em função de seus interes-ses, foi conseqüência de um processo de in-dustrialização da produção que, em uma ououtra medida e em graus diversos de inten-sidade, atingiu a quase totalidade dos paí-ses europeus e americanos, o que fez comque reivindicações de direitos trabalhistasfossem uma constante na época.

Sob tal aspecto, a Constituição Mexica-na desempenhou papel de vital importân-cia, pois não apenas reconheceu direitos,mas, também, conferiu-lhes estatura consti-tucional, tudo a significar a especial prote-ção de que seriam titulares.

Irretocáveis, no ponto, as palavras deKarl Loewenstein (1970, p. 401):

“Como postulados expressamen-te formulados, os Direitos Fundamen-tais socioeconômicos não são absolu-tamente novos: alguns deles, como odireito ao trabalho, foram inscritos nasConstituições Francesas de 1793 e1848. Mas foi apenas em nosso sécu-lo, depois da primeira e, em maior grauainda, depois da segunda guerramundial, que se converteram no equi-pamento-padrão do constitucionalis-mo. Foram proclamados pela primei-ra vez na Constituição Mexicana de1917, que, com um salto, se poupoutodo o caminho para realizá-los: to-das as riquezas naturais foram naci-onalizadas e o Estado assumiu com-pletamente, pelo menos no papel, aresponsabilidade social para garan-tir uma existência digna a cada um deseus cidadãos”.

Deve-se registrar, no entanto, a advertên-cia de Mario de la Cueva (1960), que, ao co-locar em destaque a falta de originalidadedo art. 123 da Constituição Mexicana, afir-ma que a maioria das disposições ali conti-das já eram conhecidas de outros povos. Olegislador mexicano, segundo ele, inspira-

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va-se visivelmente nas experiências de paí-ses como França, Bélgica, Itália, EstadosUnidos, Austrália e Nova Zelândia.

A circunstância de que o conteúdo ma-terial das prescrições trabalhistas veicula-das pela Constituição Mexicana já haviasido contemplado em outros textos legaiseuropeus associada, ainda, ao fato de que,na Europa, a questão agrária, de longe, nãoassumia as feições com que ela se registravano México culminaram por fazer com que aConstituição Mexicana tivesse, ela própria,pouca influência na confecção das outrasconstituições que aderiram ao modelo doconstitucionalismo social.

Utilizando-se de expressão constante dotexto de Loewenstein, pode-se afirmar que aConstituição Mexicana, apesar de cronolo-gicamente pioneira, culminou por não as-sumir a condição de “equipamento-pa-drão”, inspirador e conformador dos textosconstitucionais posteriores.

A questão dos direitos trabalhistas, degrande relevância na época, não era novanos países europeus (não obstante tais pres-crições não estivessem contidas, tão deta-lhadamente, em textos constitucionais).Também o tratamento dado à questão agrá-ria mexicana, por peculiar, não poderia serestendido, de maneira irrestrita, às futurasConstituições.

Adicione-se a isso, ainda, a existência, àépoca, de poucos doutrinadores mexicanosque, ao analisarem a Constituição de 1917,difundissem, por suas obras, as conquistassociais alcançadas em continente america-no. Como resultado, tem-se a pouca reper-cussão, fora daquele país, do texto constitu-cional mexicano.

Ao contrário disso tudo, a Constituiçãode Weimar, que nascia dois anos após, pre-via, ao lado dos direitos dos trabalhadorese do estabelecimento da função social dapropriedade, um rol sistematizado de ou-tros direitos, do qual se destacam, por exem-plo, o avançado sistema de educação públi-ca, obrigatória e gratuita, que previa, inclu-sive, a gratuidade do material escolar e a

subvenção de famílias carentes para queseus filhos pudessem ir à escola (arts. 145 e146). O sistema de previdência social, porsua vez, foi estabelecido de maneira maisorganizada e explícita, com previsão de par-ticipação do segurado (art. 161), sendo, ain-da, dividido em regime de previdência dosetor público – para funcionários públicos(art. 129) – e regime geral de previdência (art.161). Estabeleceu-se, também, como meio deincentivo à pesquisa, o direito à proteçãoautoral do inventor e do artista (art. 158).

O Capítulo V da Constituição de Weimar,por sua vez, ao tratar sobre “A vida econô-mica”, estabeleceu, ao lado de prescriçõescomo a pertinente à função social da pro-priedade (art. 153) e à criação de um re-gime previdenciário (art. 161), um sistemade participação de empregados (“de todosos grupos profissionais importantes”) na con-dução das políticas de “desenvolvimento eco-nômico das forças produtivas” (art. 165).

Essa participação era concretizada pormeio dos celebrizados Conselhos Operári-os (que se organizavam, em termos de abran-gência, da seguinte maneira: conselho ope-rário de empresa, conselho operário de cir-cunscrição e Conselho Supremo do Trabalho,além dos Conselhos Econômicos de circuns-crição e do Conselho Supremo de Economia).

Nos termos da Constituição Alemã, “to-dos os projetos de lei político-sociais ou po-lítico-econômicos, de importância funda-mental, devem passar pelo conhecimento doConselho Supremo de Economia, antes deserem apresentados” (art. 165, § 2o). O Con-selho Supremo de Economia, ele próprio,também tinha poderes para apresentar pro-jetos de lei de sua iniciativa.

Com a instituição dos Conselhos, a Cons-tituição de Weimar reconheceu não apenasa necessidade de intervenção estatal em de-terminadas esferas, para os fins de viabili-zar a fruição, por um maior número de pes-soas, dos direitos fundamentais por ela pre-vistos, mas estabeleceu, também, que os ter-mos, as medidas e os modos com os quaisessa intervenção se efetivaria deveriam con-

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tar com o apoio, o respaldo e a opinião dascategorias econômicas envolvidas.

As prescrições de direitos fundamentaissociais constantes da Constituição deWeimar, desse modo, parecem concretizarpreocupações de caráter menos regional emais abstratas e universalizantes50, maisadaptáveis, portanto, à realidade de outrospaíses e, por isso mesmo, mais inspiradoras.

Adicione-se a isso tudo o fato de a Cons-tituição de Weimar vir acompanhada e en-riquecida por um intenso debate, travadoentre nomes de peso (como, por exemplo,Schmitt, Kelsen, Heller, Anschütz, Smend,entre outros tantos), que, seja criticando, sejapreservando, culminou por dar expressão edivulgar a experiência alemã para o restan-te do mundo.

Parecem irretocáveis, desse modo, aspalavras de Ary Brandão de Oliveira (1991,p. 67), que, ao referir-se à Constituição Me-xicana de 1917, assim se pronunciou:

“Efetivamente, seria faltar à verda-de afirmar uma repercussão que ine-xistiu. Em termos genéricos, a Europadesconheceu a legislação mexicana.As atenções do mundo jurídico se vol-taram para a Constituição alemã deWeimar, a cuja promulgação seguiu-se vigorosa literatura. Nesse particu-lar, a avançada posição mexicana viu-se prejudicada pela escassez de estu-dos doutrinários a seu respeito”.

Também nessa linha é o entendimentode Dario José Kist (2000, p. 95-96), paraquem, embora seja a Constituição Mexica-na “um dos primeiros marcos da legislaçãosocial”, a “principal das legislações consti-tucionais de cunho social que apareceramfoi a Constituição Alemã de 1919”, eis que oadvento do diploma constitucional mexica-no se deu “sem maiores expressões e influ-ências fora do México”.

4. Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que a Cons-tituição Mexicana de 1917 e a Constituição

de Weimar de 1919 devem sempre ser lem-bradas, ambas, como os primeiros textosconstitucionais que efetivamente concreti-zaram, ao lado das liberdades públicas, dis-positivos expressos impositivos de umaconduta ativa por parte do Estado para queeste viabilize a plena fruição, por todos oscidadãos, dos direitos fundamentais de quesão titulares.

Um outro aspecto importante e poucolembrado das Constituições Mexicana e Ale-mã (1919) é a expressa referência, delas cons-tante, à garantia de direitos fundamentaisde terceira dimensão, como aqueles perti-nentes à proteção ao meio ambiente e aopatrimônio histórico e cultural.

A importância desses dois textos consti-tucionais, portanto, é notável, vez que dãoinício a uma nova fase do constitucionalis-mo (fase essa ainda em discussão e nova-mente posta em questionamento), que é afase do constitucionalismo social.

Advirta-se, por oportuno, que nenhumdesses textos deve ser analisado pelos re-sultados que efetivamente gerou, eis que,como se sabe, a Constituição de Weimar tevevida breve (até 1933), tendo assistido aoadvento do regime nazista, e o diplomaMexicano, embora em regime de plena vi-gência, tenha questionados, por alguns dou-trinadores, seus atributos de identidade erigidez constitucional, ante a numerosaquantidade de reformas a que já foi sub-metido.

Feitas essas considerações, e não deixan-do de colocar em destaque a importânciahistórica e política dessas duas notáveisConstituições, não se pode deixar de atri-buir à Weimar a qualidade de texto consti-tucional preponderante em tema de inaugu-ração da fase do constitucionalismo social.

Na realidade, coube a Weimar ser o“equipamento-padrão” (LOEWENSTEIN,1970, p. 401) que motivou, influenciou econformou a elaboração de Constituições,que, por todo o mundo, passaram agora asistematizar, em seus textos, disposiçõespertinentes aos direitos econômicos e soci-

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Notas1 Na realidade, tal como enfatizaremos no cor-

po do presente trabalho, e até mesmo em função dacomplementaridade inerente às diversas categoriasde direitos fundamentais, tais direitos – para quesejam reais e efetivos, e não apenas abstratos –sempre devem vir acompanhados da noção de Es-tado Democrático. É por tal razão que não se con-siderarão, no presente estudo, e em tema de consti-tucionalismo social, as diversas Constituições ou-torgadas no âmbito da União Soviética, nas quais,a pretexto de se proteger direitos de índole social,aniquilaram-se todas as liberdades públicas doscidadãos.

2 Cf. Miranda, 2000, p. 22. Nesse mesmo senti-do: Moraes (2003). Segundo Afonso Arinos de MelloFranco, 1958, p. 188, “não se pode separar o reco-nhecimento dos direitos individuais da verdadeirademocracia...”.

3 Deve-se destacar que nem todos os autoresdistinguem o conceito desses três termos. PauloGustavo Gonet Branco (2002, p. 125), p. ex., distin-gue apenas os direitos humanos dos direitos fun-damentais, aqueles primeiros sendo sinônimos dosdireitos do homem. Alexandre de Moraes (2003) eManoel Gonçalves Ferreira Filho (1996), por sua vez,preferem, como bem o dizem os títulos de suasrespectivas obras, a expressão direitos humanosfundamentais. Canotilho (1996, p. 528) fala em“direitos fundamentais formalmente constitucio-nais” e “direitos materialmente fundamentais”, re-presentando, aqueles, os direitos reconhecidos econsagrados por normas de estatura constitucio-nal e, estes últimos, os outros direitos fundamen-tais, constantes de outras leis ou de atos internaci-onais. José Afonso da Silva (1996, p. 176), por sua

vez, entende que a expressão ideal seria “direitosfundamentais do homem”.

4 Após uma análise sobre as diversas posiçõesno tema, Bruno Galindo (2003, p. 47-49) culminaapenas por distinguir direitos humanos (ou direi-tos do homem) e direitos fundamentais, estes últi-mos representando todos os direitos e garantiaspositivados, seja em sede constitucional domésti-ca, seja no âmbito internacional.

5 Cf. também, sobre o assunto, Jorge Miranda(2000, p. 51-52): “... a locução ‘direitos fundamen-tais’ remonta principalmente à Constituição deWeimar e tende agora a generalizar-se. Usam-naentre tantas, Constituições como a alemã (...), amoçambicana (...), a angolana (...), a espanhola (...)ou a búlgara (...) – assim como a portuguesa (...).Explicam esse fenômeno o ultrapassar da concep-ção oitocentista dos direitos e liberdades individu-ais e, sobretudo, o enlace entre direitos e Constitui-ção. Porque constantes da Lei Fundamental, são osdireitos fundamentais aqueles direitos que assu-mem também a específica função que a Constitui-ção vem adquirindo na Europa e no resto do mun-do, ao longo dos últimos cinqüenta anos – em re-sultado de preceitos expressos, do papel proveni-ente da justiça constitucional e de uma crescenteconsciência difundida na comunidade jurídica”.

6 Em sentido contrário ao do texto, o ProfessorSérgio Resende de Barros (2003, p. 37-38) expres-samente rejeita a distinção terminológica ora pro-posta.

7 Frise-se, por relevante, que essa distinção nãofaz com que os três referidos conceitos sejam estan-ques. Há interação. Os direitos humanos internaci-onais muitas vezes encontram matizes nos direitosconsagrados pelos Estados e estes, por sua vez,muitas vezes positivam em suas constituições nor-mas de direitos relativos à pessoa humana cons-tantes de diplomas internacionais. Daí a importân-cia, por exemplo, da Declaração Universal de 1948,que inspirou muitas constituições do pós-guerra.

8 Constituição Norte-Americana de 1787 e Cons-tituição Francesa de 1791. Não se ignora a impor-tância de documentos como Magna Carta (1215), aPetition Right (1628), a Habeas Corpus Act (1679) e aBill of Rights (1689). Repita-se, no entanto, que osobjetivos – limitados, é certo – do presente traba-lho centram-se na análise de textos constitucionais,para, a partir deles, estudar-se a passagem do cons-titucionalismo liberal para o constitucionalismosocial.

9 Basta apenas lembrar, para tanto, por exem-plo, que a Constituição Imperial do Brasil, de 1824,já previa o direito à educação, típico direito denatureza social.

10 Alguns exemplos de Constituições Liberaisque continham dipositivos sociais: Constituição da

ais dos indivíduos, bem assim relativas àmaneira como deve atuar o Estado na im-plementação de tais garantias.

Essa preponderância de Weimar sobre aConstituição Mexicana, cronologicamenteanterior, deve-se não apenas à circunstân-cia de se tratar de uma constituição promul-gada em solo europeu (e não em longínquasterras americanas), mas, também, à nature-za mais abstrata e menos “local” de suasprescrições e à força, autoridade e vivacida-de da doutrina constitucional alemã da épo-ca, que fez correr pelo mundo as vitórias eas vicissitudes do novo texto republicanode 1919.

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Venezuela de 1812 (Constituição da Província deBarcelona), art. 23 (proteção ao trabalho e “seguro-desemprego”), Constituição Francesa de 1848, art.13 (assegurou o direito ao trabalho e a garantia aotrabalho), Constituição Suíça de 1874, art. 34 (pre-via o direito da Confederação, e não dos Cantões,de editar normas uniformes sobre o trabalho dascrianças nas fábricas, jornada de trabalho dos adul-tos e proteção ao trabalhador nas hipóteses de exer-cício de atividade perigosa ou insalubre). Cf., sobreo direito ao trabalho na Constituição Francesa de1848: Lavigne (1939); Moraes (2003, p. 29).

11 Alexandre de Moraes (2003, p. 31), ao anali-sar a Lei Fundamental Soviética, afirma que, “ape-sar desses direitos, a citada Lei FundamentalSoviética, em determinadas normas, avança emsentido oposto à evolução dos direitos e garantiasfundamentais da pessoa humana...”.

12 Declaração dos Direitos do Povo Trabalha-dor e Explorado, art. 5o.

13 Cf., sobre o atributo da complementaridadedos direitos fundamentais: Moraes (2003, p. 41);Ferreira Filho (1978, p. 80).

14 No sentido do texto: Sarlet (1998, p. 47);Galindo (2003, p. 58); Guerra Filho (1998, p. 14).

15 Outro bom exemplo da recíproca interaçãoverificada entre as sucessivas gerações de direito édada por Willis Santiago Guerra Filho (1999, p.40). Segundo ele, o direito de propriedade, hoje (di-reito de primeira dimensão), deve exercer sua fun-ção social (interpretação segundo os direitos de se-gunda dimensão), cuidando-se, ainda, de atenderà preservação do meio ambiente (interpretação con-forme os direitos de terceira dimensão).

16 Nesse sentido, irretocáveis as palavras deVieira de Andrade (1987, p. 54): “(...) as idéias deigualdade e de fraternidade, em parte significativaintroduzidas na luta histórica pela crítica marxistae socialista do regime económico e social do capita-lismo e pelo pensamento social cristão, desenvolve-ram-se, impuseram-se e, harmonizadas com a liber-dade fundamental, deram origem a uma ‘concepçãoliberal moderna’ ou concepção social dos direitosfundamentais, que corresponde à realidade vigentena generalidade dos países da Europa Ocidental, aque se convencionou chamar ‘Estado-de-DireitoSocial’”. (grifo nosso).

17 Interessante observar que o Professor JorgeMiranda (1990, p. 247-293, 295-317), em obra porele organizada, incluiu, no capítulo destinado à“Transição para o Estado Social de Direito” (Capí-tulo VI), unicamente, as Constituições Mexicana ede Weimar, tendo sido dedicado à Declaração dosDireitos do Povo Trabalhador e Explorado e à pri-meira Constituição Soviética um capítulo à parte(Capítulo VII), intitulado “A Revolução Soviética”.

18 Cf., também, Néstor de Buen (1977, p. 232),que afirma não poder a Constituição Mexicana

ser dissociada da “filosofia da Revolução quelhe deu vida”.

19 Para breve relato histórico da Revolução Me-xicana, Cf. COMPARATO, 2001, p. 183-184. Paraaprofundado relato sobre os antecedentes históri-cos de todas as Constituições Mexicanas: HELÚ,Jorge Sayeg. El constitucionalismo social mexicano: Laintegración constitucional de México (1808-1988).México: Fondo de Cultura Económica, 1991.

20 Propriedades coletivas de origem indígena.21 Não obstante a luta revolucionária tenha se

insurgido contra a ditadura presidencial de Díaz, aConstituição Mexicana de 1917 culminou por con-ferir amplíssimos poderes à figura do Presidenteda República. Miguel Carbonell (2003, p. 88) afir-ma que o Presidente Mexicano dispõe de poderesque “en otro país serían propias de un cuasi-dictador”, ecita o seguinte trecho de discurso, proferido na tri-buna da Assembléia Constituinte: “en España, seño-res, a pesar de que hay un rey, yo creo sinceramente queaquel rey había de querer ser presidente de la RepúblicaMexicana, porque aquí tiene más poder el presidente queun rey, que un emperador”.

22 Tornou-se célebre o lance ousado de Zapata,que vai disfarçado à Cidade do México para umaaudiência com o Presidente, na busca de obter a lega-lização de seu Exército de Libertação do Sul. O Presi-dente Madero, no entanto, recusou-se a negociar.

23 Cf. FIX-ZAMUDIO; VALENCIA CARMO-NA, 2001, p. 91.

24 Sobre a influência anarcossindicalista da Cons-tituição Mexicana de 1917 (Cf. COMPARATO,2001, p. 183; KIST, 2000, p. 95).

25 “A transformação desse ideário em normasconstitucionais, no entanto, produziu um efeito po-lítico exatamente contrário ao objetivo visado, pelaprimeira vez, na movimentada história do caudi-lhismo mexicano, criou-se uma sólida estrutura es-tatal, independente da figura do chefe de Estado,ainda que a Constituição o tenha dotado de pode-res incomensuravelmente maiores do que o textoconstitucional norte-americano atribuiu ao presi-dente da república. O ideário anarquista de des-truição de todos os centros de poder engendroucontraditoriamente, a partir da fundação do Parti-do Revolucionário Institucional em 1929, umaestrutura monocrática nacional em substituição àmultiplicidade de caudilhos locais” (COMPARA-TO, 2001, p. 183-184)”.

26 A questão relativa não apenas à proibição dereeleição (que pressupõe a recondução no cargo semsolução de continuidade), mas referente, também,à impossibilidade de que aquele que foi Presidentevolte a desempenhar este mesmo cargo reflete, comojá analisado, as angústias revolucionárias contra o“porfiriato”.

27 Garantia institucional, na linha de Schmitt(1982), eis que não protege o indivíduo enquanto

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tal, mas, unicamente, enquanto membro de deter-minada instituição, esta, sim, protegida imediata-mente. Sobre o pensamento de Schmitt sobre asgarantias institucionais: Teoria de la Constitutión.Madrid: Alianza Editorial, 1982. O tema também éanalisado, entre outros, por Gilberto Bercovici (2003,p. 18-19) e Paulo Bonavides (2002, p. 494-496).

28 O dispositivo mencionado possui a seguinteredação (traduzi): “O Estado não pode permitirque se leve a efeito nenhum contrato, pacto ou con-vênio que tenha por objeto o menoscabo, a perdaou o irrevogável sacrifício da liberdade da pessoa(...)”. Esse artigo, e também as hipóteses de nulida-des contratuais absolutas, previstas no incisoXXVII, do art. 123, s.m.j., possuem caráter pioneiroem tema de positivação, em sede constitucional,do princípio da aplicação horizontal dos direitosfundamentais, até hoje ainda muito discutido nadoutrina e muito questionado em alguns países,como aqueles que possuem larga tradição em temade liberdade de contratar (os Estados Unidos, p.ex.). Cf., sobre aplicação horizontal dos direitosfundamentais: Gonet (2002, p. 169-180); Abrantes(1990); Bilbao Ubillos (1997); Andrade (1987, p.278); Hesse (1995); Sarlet, (2002).

29 Cf. Comparato, 2001, p. 186 (“nem todos osdireitos trabalhistas lá consagrados podem ser con-siderados, objetivamente, como direitos humanos”).

30 Mario de la Cueva (1960) põe em destaque afalta de originalidade do art. 123 da ConstituiçãoMexicana, afirmando que a maioria das disposi-ções ali contidas já eram conhecidas de outros po-vos. Enfatiza, no entanto, referido doutrinador, queo caráter inovador da Constituição Mexicana con-siste em que pela primeira vez os direitos do traba-lhador já reconhecidos receberam a estatura de nor-ma constitucional.

31 Sobre direitos fundamentais de terceira di-mensão, inclusive sobre os questionamentos relati-vos à fundamentalidade, ou não, de tais direitos:Branco (2002, p. 111-112); Luño (1993, p. 215);Moraes (2003, p. 45-46); Ferreira Filho, (1996, p.57); Lafer (1988); Sarlet (2002, p 51); Bobbio (1992,p. 9); Bonavides (2002, p. 522-524).

32 Segundo Comparato (2001, p. 195), 10% dapopulação masculina da Alemanha faleceu (oudesapareceu) durante a Primeira Guerra.

33 Sobre as condições de vida na Alemanha du-rante a Primeira Guerra, Cf. Bessel, 1995, cap. I.

34 Cf., também, sobre o contexto social da Ale-manha durante a Primeira Guerra: Carr (1991).

35 Segundo Comparato (2001, p. 196), a abdi-cação do Kaiser Guilherme II e a nomeação de seufilho, Max de Baden, foram tentativas de “abrirmão tão-só da coroa imperial, permanecendo comorei da Prússia”.

36 Para Dietrich Orlow (1995, p. 121-122 apudGUEDES, 1998, p. 42, nota n. 80), tanto a nomea-

ção de Ebert quanto a proclamação da Repúblicaforam inconstitucionais.

37 Marco Aurélio Peri Guedes (1998, p. 43) es-clarece que o USPD (Partido Social Democrata In-dependente da Alemanha) foi uma dissidência doSPD (Partido Social Democrata da Alemanha),ocorrida em 1917. O USPD representava a ala mar-xista mais sectária do partido social democrata,este último também conhecido como socialistamajoritário ou moderado.

38 Nesse sentido: Comparato (2001, p. 197);Thalmann (1988, p. 11).

39 Sobre a escolha de Weimar para sediar a Cons-tituinte: Guedes (1998, p. 52-53); Cury (1998, p.86); Kist (2000, p. 96).

40 Nesse sentido, Gilberto Bercovici (2003, p. 11),segundo o qual “a Constituição de Weimar foi ela-borada em um contexto político cujo equilíbrio eraprecário e instável”.

41 Sobre o mau desempenho da esquerda naseleições para a Constituinte: Mises, ([200-?])“ Atthe begining of 1919 the communists were already muchless numerous than their leaders believed…”.

42 Sobre a liga spartakista, Holborn (1981, p.523 apud GUEDES, 1998, p. 51). Marco AurelioPeri Guedes (1998, p. 51) afirma que a liga Spar-takus ou Spartakista foi uma dissidência do Parti-do Comunista Alemão (KPD). Tal dissidência foipromovida sob a liderança de Karl Liebknecht eRosa Luxemburgo e buscava uma maior fidelida-de ao marxismo. O movimento spartakus semprefoi um grupo político marginal, que só se tornouconhecido com o levante spartakista em Berlim, doqual resultou a morte de ambos os líderes, ordena-da por Gustav Noske.

43 Para participação na Assembléia Constituin-te, elegeram-se 421 representantes de 6 partidos:44 membros da direita conservadora, 19 membrosda direita populista, 91 membros do partido cató-lico, 75 membros do partido centrista, 165 mem-bros da social-democracia e 22 membros da social-democracia independente. Constata-se, pois, a ab-soluta fragmentação política da Assembléia, bemassim a derrota dos partidos de esquerda. Nessesentido: Silva, F. (1991, p. 43); Thalmann, (1998, p.15); Brunet (1921, p. 47). Carlos Roberto Jamil Cury(1998, p. 86) prefere a menção a percentuais, afir-mando que as esquerdas moderadas (o partidocomunista não participou das eleições) obtiveram45% das cadeiras, a centro-direita 33,3% e a direita14,7%. Trinta e sete mulheres foram eleitas para aConstituinte.

44 Nesse sentido: Jacobson; Schlink (2002, p. 110-111): “During the Empire, Preuss had been an outsideramong fellow scholars of the law of the state – unlike, forexample, Gerhard Anschütz, one of his generation’s fewother pro-republican scholars of state of law. Preuss wasnever offered a professorship at a German university;

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political and scholarly reservations as well as anti-Semi-tic prejudice kept him from the centers of scholarly life inthe Empire. It was not an accident that he taught at thefar less respected Berlin College of Commerce, a privateschool founded by the Berlin business community...”.

45 A questão de a escolha de Preuss ter se fun-dado em sua suposta proximidade com a esquer-da da época foi enfatizada por Walter Jellinek (apudBERCOVICI, 2003, p. 14).

46 Não se ignora que algumas instituições játradicionais possam ter recebido tratamento inova-dor por parte da Constituição de Weimar. Ao Par-lamento, por exemplo, foi concedido o direito deinstalação de Comissões de Investigação (comouma CPI, hoje), tendo sido previsto, ainda, o funci-onamento de Comissões Permanentes destinadasao estudo de específicas matérias (arts. 34 e 35). Ofoco do presente estudo, no entanto, situa-se naidentificação das novas instituições que, somenteapós a Constituição Alemã de 1919, passaram aconstar das Cartas Políticas modernas.

47 Interessante observar que esse dispositivo daConstituição de Weimar já prevê uma situação decolisão entre direitos fundamentais, tal como ocor-re nas hipóteses em que se opõem a liberdade demanifestação do pensamento, de um lado, e a dig-nidade da pessoa humana, de outro (muitas vezesofendida nas hipóteses de pornografia). Admite-se, pois, que não há direitos fundamentais absolu-tos, devendo-se, na hipótese de confronto entre eles,estabelecer restrições que conciliem os dois valoresem situação de conflituosidade. Ou seja, fixa-se aregra no sentido da impossibilidade da censura (oque põe em destaque a liberdade de expressão),admitindo-se, excepcionalmente, que, nas hipóte-ses de combate à pornografia, tal instrumentopossa ser utilizado. Cf., sobre o conflito entreliberdade de expressão e o combate à pornogra-fia e ao “hate speach” (discursos de ódio racial):Fiss (1996).

48 Cf., sobre “garantias institucionais” idealiza-das por Carl Schmitt, nota de rodapé n. 26.

49 Art. 153, § 2o: “A propriedade impõe obriga-ções. Seu uso deve constituir, ao mesmo tempo,um serviço para o mais alto interesse comum”.

50 Como já referido, Carl Schmitt (1982) chega,inclusive, partindo de uma distinção entre Consti-tuição e lei constitucional, a afirmar que os direitosconstantes do Livro II da Constituição de Weimar,por sua abstração e generalidade (e, segundo ele,pela ausência do elemento “decisão”), não fariamparte do que ele convencionou definir como Consti-tuição, atribuindo-lhes o caráter de meros compro-missos dilatórios. Foi também Carl Schmitt quemafirmou que a Constituição de Weimar possuíauma profunda contradição material entre seus doislivros: o primeiro consagrando instituições liberaise o segundo positivando ideais socialistas.

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