A CLÍNICA DO SUICÍDIO E O DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL EM ... · nas formas distintas e singulares que...

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INTRODUÇÃO O suicídio é um fenômeno de escala global, que atinge diversos segmentos sociais e etários. Na contemporaneidade vem ganhando proporções alarmantes, sendo considerado um grave fenômeno no âmbito da saúde pública. Para a psicanálise, representa um desafio técnico e ético, com a qual é convocada a se confrontar, bem como um impasse clínico que aponta para o sofrimento desmedido dos sujeitos e sua urgente iminência de morte. Ato radical que precipita os indivíduos precocemente num pathos elevado ao extremo, o suicídio, desde a sua tentativa, apresenta-se na clínica sob diversas modalidades. A clínica psicanalítica é orientada por uma razão diagnóstica centrada nas formas distintas e singulares que o humano se articula ao campo do Outro e à estrutura de linguagem, sobretudo na fronteira em que se separam (e se aproximam) neurose e psicose. Para isto, consideramos que o dispositivo analítico opera com o sujeito do inconsciente, que fala e se posiciona frente a seu discurso, de modo singular. O objetivo desse trabalho é articular os principais pontos da elaboração dos eixos temáticos suicídio, diagnóstico e estrutura. Visamos com esse estudo trazer breves considerações sobre o caso particular do suicídio na psicose, uma das – e mais radical – incidências da passagem ao ato. RESULTADOS E DISCUSSÃO O diagnóstico é um importante operador do dispositivo analítico, para condução da análise (QUINET, 1991), não seguindo diretamente critérios de classificação, tal como no campo médico-psiquiátrico, ainda que as categorias referenciadas por Freud na sua clínica tenham origem na psiquiatria clássica. O psicanalista, segundo Figueiredo e Machado (2000), não trabalha como leitor de fenômenos, mas como nomeador do modo de incidência do sujeito na linguagem. Trata-se de um diagnóstico estrutural e não fenomênico; ele se faz portanto a partir do discurso do sujeito. Numa tensão entre os campos da neurose e da psicose, observamos que o diagnóstico desta última atesta a existência de sujeitos fora-do- discurso, nos quais o Outro é porta-voz de sua fala, por meio de alucinações, sobretudo auditivas, e produções delirantes. Na estrutura psicótica, pela via do mecanismo de foraclusão de um significante primordial, toda a cadeia significante é posta em abalo. A ausência de uma perda estruturante aliena o psicótico ao campo do Outro, impedindo a extração do objeto a, causa de desejo (DUTRA, 2000). Uma possível saída para essa sufocante alienação é uma total demissão subjetiva, quando o sujeito pode vir a passar ao ato suicida. A literatura aponta duas modalidades de suicídio na psicose. De acordo com Carvalho (2011) e Dutra (2000) o psicótico ao tentar matar-se pode buscar limitar, barrar o gozo do Outro, este que goza dele, o perseguindo ou o insultando; o sujeito passa ao ato a fim de libertar-se da invasão do Outro. Assim como a produção delirante, a passagem ao ato nesse caso configuraria uma tentativa de cura, um tipo de extração forçada do objeto a do campo da realidade, para o psicótico (NAVEAU, 2007). Outra possibilidade se dá quando o sujeito, pelo mecanismo do automatismo mental, atende ao comando de vozes ordenando que se mate; é tomado por um imperativo. Nesses casos, o psicótico, conforme Quinet (2011), tem seu pensamento autonomizado, é antes falado e gozado, podendo se precipitar à morte. Podemos articular, diante do exposto, à consideração de Lacan (2005[1962-1963) sobre a passagem ao ato: o sujeito sai de cena, cai como resto, identificado ao objeto a. O desfecho do suicídio, portanto, seria a maneira mais devastadora de atestar esse lugar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho buscou reunir elementos que possibilitem situar o ato suicida no particular da estrutura psicótica, sem perder de vista que o diagnóstico estrutural na psicanálise se vale das determinações singulares do inconsciente, na trama subjetiva de cada um. Para além do agir, o dispositivo analítico considera a posição discursiva do sujeito frente ao ato suicida e a função que ele cumpre em sua existência. O caso da psicose revela modalidades de respostas frente ao Outro, seja pela recusa de ocupar o lugar de objeto de gozo deste ou pela permanência na posição de alvo de um Outro homicida que, pela via de um gozo mortífero, elimina o sujeito até as últimas consequências. Estudos que atualizem a abordagem da psicose e as diversas modalidades de passagem ao ato mostram-se relevantes e desafiadores para a psicanálise, na medida em que exigem dos analistas uma constante atualização da sua práxis. Sob a perspectiva da clínica do suicídio, o analista tem o dever ético diante do sujeito psicótico de empreender, pela via da sua escuta, um cuidadoso manejo clínico. A CLÍNICA DO SUICÍDIO E O DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL EM PSICANÁLISE CAIO TAVARES¹; FERNANDA BASTOS 2 ; LUANA LIMA³ ¹Psicólogo graduado pela UFBA e voluntário do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas – CETAD ([email protected]) ²Graduanda em História - UFBA e Psicologia - Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública ([email protected]) ³Graduanda em Psicologia e Bacharel Interdisciplinar em Humanidades – UFBA ([email protected] ) REFERÊNCIAS CALAZANS, R.; BASTOS, A. (2010) Passagem ao ato e acting-out: duas respostas subjetivas. Fractal, Rev. Psicol. [online], 22,(2) , 245-256. CARVALHO, S. 2011. Depressão e suicídio: aspectos psicológicos. Disponível em: www.saude.ba.gov.br/ciave/images/.../apostila_de_psicologia_ciave.pdf. Acesso em abril de 2014. DUTRA, M.C.B. (2000) As relações entre psicose e periculosidade: contribuições clínicas da concepção psicanalítica da passagem ao ato. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., III (4), 48-58. FIGUEIREDO, A. C.; MACHADO, O. M. R. (2000) O diagnóstico em psicanálise: do fenômeno à estrutura. Ágora (Rio J.), 3 (2), 65-86. FIGUEIREDO, A.C; TENÓRIO, F. (2002) O diagnóstico em psiquiatria e psicanálise. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., v. 1, 29-43. LACAN, J. O seminário: a angústia (1962/1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Livro 10. NAVEAU, P. (2007) A extração do objeto a e a passagem ao ato, Almanaque online, n. 1, 1- 5. QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. MÉTODO A presente investigação constitui-se como um estudo teórico-conceitual e de caráter exploratório, com base na teoria psicanalítica, a partir de uma pesquisa bibliográfica.

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INTRODUÇÃO O suicídio é um fenômeno de escala global, que atinge diversos segmentos sociais e etários. Na contemporaneidade vem ganhando proporções alarmantes, sendo considerado um grave fenômeno no âmbito da saúde pública. Para a psicanálise, representa um desafio técnico e ético, com a qual é convocada a se confrontar, bem como um impasse clínico que aponta para o sofrimento desmedido dos sujeitos e sua urgente iminência de morte. Ato radical que precipita os indivíduos precocemente num pathos elevado ao extremo, o suicídio, desde a sua tentativa, apresenta-se na clínica sob diversas modalidades. A clínica psicanalítica é orientada por uma razão diagnóstica centrada nas formas distintas e singulares que o humano se articula ao campo do Outro e à estrutura de linguagem, sobretudo na fronteira em que se separam (e se aproximam) neurose e psicose. Para isto, consideramos que o dispositivo analítico opera com o sujeito do inconsciente, que fala e se posiciona frente a seu discurso, de modo singular. O objetivo desse trabalho é articular os principais pontos da elaboração dos eixos temáticos suicídio, diagnóstico e estrutura. Visamos com esse estudo trazer breves considerações sobre o caso particular do suicídio na psicose, uma das – e mais radical – incidências da passagem ao ato.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O diagnóstico é um importante operador do dispositivo analítico, para condução da análise (QUINET, 1991), não seguindo diretamente critérios de classificação, tal como no campo médico-psiquiátrico, ainda que as categorias referenciadas por Freud na sua clínica tenham origem na psiquiatria clássica. O psicanalista, segundo Figueiredo e Machado (2000), não trabalha como leitor de fenômenos, mas como nomeador do modo de incidência do sujeito na linguagem. Trata-se de um diagnóstico estrutural e não fenomênico; ele se faz portanto a partir do discurso do sujeito. Numa tensão entre os campos da neurose e da psicose, observamos que o diagnóstico desta última atesta a existência de sujeitos fora-do-discurso, nos quais o Outro é porta-voz de sua fala, por meio de alucinações, sobretudo auditivas, e produções delirantes. Na estrutura psicótica, pela via do mecanismo de foraclusão de um significante primordial, toda a cadeia significante é posta em abalo. A ausência de uma perda estruturante aliena o psicótico ao campo do Outro, impedindo a extração do objeto a, causa de desejo (DUTRA, 2000). Uma possível saída para essa sufocante alienação é uma total demissão subjetiva, quando o sujeito pode vir a passar ao ato suicida. A literatura aponta duas modalidades de suicídio na psicose. De acordo com Carvalho (2011) e Dutra (2000) o psicótico ao tentar matar-se pode buscar limitar, barrar o gozo do Outro, este que goza dele, o perseguindo ou o insultando; o sujeito passa ao ato a fim de libertar-se da invasão do Outro. Assim como a produção delirante, a passagem ao ato nesse caso configuraria uma tentativa de cura, um tipo de extração forçada do objeto a do campo da realidade, para o psicótico (NAVEAU, 2007). Outra possibilidade se dá quando o sujeito, pelo mecanismo do automatismo mental, atende ao comando de vozes ordenando que se mate; é tomado por um imperativo. Nesses casos, o psicótico, conforme Quinet (2011), tem seu pensamento autonomizado, é antes falado e gozado, podendo se precipitar à morte. Podemos articular, diante do exposto, à consideração de Lacan (2005[1962-1963) sobre a passagem ao ato: o sujeito sai de cena, cai como resto, identificado ao objeto a. O desfecho do suicídio, portanto, seria a maneira mais devastadora de atestar esse lugar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho buscou reunir elementos que possibilitem situar o ato suicida no particular da estrutura psicótica, sem perder de vista que o diagnóstico estrutural na psicanálise se vale das determinações singulares do inconsciente, na trama subjetiva de cada um. Para além do agir, o dispositivo analítico considera a posição discursiva do sujeito frente ao ato suicida e a função que ele cumpre em sua existência.

O caso da psicose revela modalidades de respostas frente ao Outro, seja pela recusa de ocupar o lugar de objeto de gozo deste ou pela permanência na posição de alvo de um Outro homicida que, pela via de um gozo mortífero, elimina o sujeito até as últimas consequências. Estudos que atualizem a abordagem da psicose e as diversas modalidades de passagem ao ato mostram-se relevantes e desafiadores para a psicanálise, na medida em que exigem dos analistas uma constante atualização da sua práxis. Sob a perspectiva da clínica do suicídio, o analista tem o dever ético diante do sujeito psicótico de empreender, pela via da sua escuta, um cuidadoso manejo clínico.

A CLÍNICA DO SUICÍDIO E O DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL EM PSICANÁLISE

CAIO TAVARES¹; FERNANDA BASTOS2; LUANA LIMA³

¹Psicólogo graduado pela UFBA e voluntário do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas – CETAD ([email protected]) ²Graduanda em História - UFBA e Psicologia - Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública ([email protected])

³Graduanda em Psicologia e Bacharel Interdisciplinar em Humanidades – UFBA ([email protected] )

REFERÊNCIAS CALAZANS, R.; BASTOS, A. (2010) Passagem ao ato e acting-out: duas respostas subjetivas. Fractal, Rev. Psicol. [online], 22,(2) , 245-256. CARVALHO, S. 2011. Depressão e suicídio: aspectos psicológicos. Disponível em: www.saude.ba.gov.br/ciave/images/.../apostila_de_psicologia_ciave.pdf. Acesso em abril de 2014. DUTRA, M.C.B. (2000) As relações entre psicose e periculosidade: contribuições clínicas da concepção psicanalítica da passagem ao ato. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., III (4), 48-58. FIGUEIREDO, A. C.; MACHADO, O. M. R. (2000) O diagnóstico em psicanálise: do fenômeno à estrutura. Ágora (Rio J.), 3 (2), 65-86. FIGUEIREDO, A.C; TENÓRIO, F. (2002) O diagnóstico em psiquiatria e psicanálise. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., v. 1, 29-43. LACAN, J. O seminário: a angústia (1962/1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Livro 10. NAVEAU, P. (2007) A extração do objeto a e a passagem ao ato, Almanaque online, n. 1, 1-5. QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

MÉTODO A presente investigação constitui-se como um estudo teórico-conceitual e de caráter exploratório, com base na teoria psicanalítica, a partir de uma pesquisa bibliográfica.