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A CATEGORIA TEMPO VERBAL E O TRATAMENTO EMPREENDIDO NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO DA REDE PÚBLICA DE ENSINO
Ana Caroline de LIMA, Ana Paula Martins CAVINATO, Maraiza Almeida RUIZ, Nicole Regina RENCK, Stefany Cruz da SILVA & Thamires Madi Pinheiro MORETTE
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Educação & Docência, Ano2, Número 2 – fevereiro de 2012. P 05-20
A CATEGORIA TEMPO VERBAL E O TRATAMENTO
EMPREENDIDO NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO DA
REDE PÚBLICA DE ENSINO1
THE VERB TENSE CATEGORY AND ITS APPROACH IN TEXT
BOOKS USED IN PUBLIC HIGH SCHOOLS
Ana Caroline de LIMA
Ana Paula Martins CAVINATO
Maraiza Almeida RUIZ
Nicole Regina RENCK
Stefany Cruz da SILVA
Thamires Madi Pinheiro MORETTE2
Orientadoras: Profas. Dras. Marize Mattos Dall-Aglio Hattnher e
Maria Antonia Granville
RESUMO: Neste artigo, será abordado o tratamento dispensado ao tempo verbal em livros
didáticos adotados pela rede pública de ensino para o Ensino Médio. O objetivo é analisar
crítica e comparativamente diferentes obras, contrapondo a descrição empreendida ao
tratamento linguístico dispensado ao tema por diferentes autores, e propor encaminhamentos
para uma abordagem mais significativa. A análise dos materiais didáticos evidenciou que o
tratamento do tempo verbal é predominantemente formal, o que resulta em uma descrição
simplista, e, muitas vezes, incoerente, que desconsidera as relações semânticas estabelecidas
pelos diferentes tempos verbais em diferentes contextos de uso e, consequentemente, o
conhecimento dos alunos sobre a sua própria língua.
PALAVRAS-CHAVE: livro didático; tempo verbal; ensino.
1 Trabalho de aproveitamento apresentado às disciplinas Semântica da Língua Portuguesa e Estágio Curricular
Supervisionado II: Língua Materna do 4º ano do Curso e Licenciatura em Letras do IBILCE/UNESP.
Orientação: Profa. Dra. Marize Mattos Dall’Aglio Hattnher (Departamento de Estudos Linguísticos e
Literários) e Profa. Dra. Maria Antônia Granville (Departamento de Educação). 2 Graduandas do curso de Licenciatura em Letras (UNESP/IBILCE).
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ABSTRACT: This paper concerns the description of verb tenses in text books given to
students in public high schools. The main objective is to develop a critical and comparative
analysis of these books, confronting the results of this analysis with the description of the
topic which is undertaken by some researches. Moreover, the purpose here is to suggest a
more significant approach of verb tenses. The analysis of the text books demonstrated that
the study of the topic is narrowly formal, resulting in a simplistic, and, frequently,
incoherent description, which ignores semantic relationships established by different verb
tenses in different contexts and, consequently, also ignores students’ knowledge about their
own language.
KEYWORDS: text books; verb tenses; teaching.
Introdução
Segundo Perini (1995), a noção tradicionalmente atribuída ao verbo nas gramáticas
normativas e livros didáticos é puramente formal. Em geral, define-se o verbo como palavra
de forma variável que flexiona em número, pessoa, modo, tempo e voz. Soma-se a isso o
fato de que a análise dessas categorias flexionais também parece ser predominamente formal
e, consequentemente, superficial. Neste artigo, analisaremos o tratamento dispensado ao
tempo verbal em livros didáticos adotados pela rede pública de ensino para o Ensino Médio.
O objetivo é analisar crítica e comparativamente diferentes obras, contrapondo a descrição
empreendida ao tratamento linguístico dispensado ao tema por diferentes autores, tais como
Castilho (2010), Fiorin (1996), Ilari (1997, 2008) e Koch (1987, 2003). Busca-se ainda,
diante dessa análise, propor encaminhamentos para uma abordagem mais significativa do
tema em aulas do Ensino Médio. Para o desenvolvimento do estudo serão analisados os
seguintes livros didáticos: 1) Gramática: texto, análise e construção de sentido, de M. L.
Abaurre e M. Pontara, publicado pela editora Moderna em 2006; 2) Novas Palavras, de E.
Amaral et. al, publicado em 2005 pela FTD; 3) Português: Literatura, Produção de Textos e
Gramática, de S. Y. Campedelli e J. B. Souza, publicado pela editora Saraiva em 2002; 4)
Português: linguagens, de R. W. Cereja e T. C. Magalhães, publicado em 2005 pela editora
atual; 5) Português (Maia): série novo ensino médio, de J. D. Maia, publicado pela editora
Ática em 2004. Além disso, também observaremos o tratamento dado ao tempo verbal nos
Cadernos do Estado do primeiro ano do Ensino Médio, já que, segundo a Proposta
Curricular do Estado de São Paulo, é nessa etapa do ciclo que o tema deve ser abordado.
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O trabalho está dividido em quatro seções. Na primeira delas, serão apresentados os
subsídios teóricos. Discorrer-se-á, brevemente, a respeito do tratamento linguístico dado ao
tempo verbal pelos autores acima mencionados, contrapondo-se, de modo geral, a proposta
desses autores ao modo como o tema é abordado nos livros didáticos. Na seção 2, tem-se a
descrição da abordagem do tema nos livros didáticos e uma análise crítica dessa abordagem,
tendo em vista os conceitos teóricos apresentados na seção anterior. Na terceira seção, é
apresentada uma proposta de abordagem mais significativa do tema para o Ensino Médio.
As considerações finais são apresentadas na seção 4.
1. Fundamentação teórica
Uma análise prévia dos livros didáticos torna evidente que o tratamento da categoria
flexional tempo verbal é predominantemente morfológico.3 Conforme irá se mostrar
adiante, a abordagem que se faz é ancorada em uma visão tradicional da língua, em que não
se distingue morfema de tempo e referência semântica de tempo. Entretanto, conforme atesta
Ilari (1997), não há, nesse caso, correspondência biunívoca entre os recursos expressivos e
os conteúdos expressos. O autor cita o seguinte exemplo, em que a forma verbal do presente
remete tanto a fatos presentes (i) quanto a fatos futuros (ii) ou passados (iii):
(i) X faz anos hoje.
(ii) X faz anos o mês que vem.
(iii) Em 1834 Dom Pedro completa 15 anos e torna-se elegível para o trono
imperial pela lei recém aprovada.
(ILARI, 1997, p. 9)
Nesse sentido, Perini (1991) alerta que, embora seja dada a mesma designação
(tempo) ao tempo formal e à referência temporal que resulta da interpretação semântica, é
preciso descrever claramente a diferença existente entre ambos, já que o tempo gramatical
não é simplesmente uma representação formal do tempo morfológico. Ilari (2008) defende
que se faça uma distinção terminológica entre tempo – que se refere à morfologia do verbo,
isto é, ao conjunto de flexões – e referência temporal – que diz respeito à realidade física ou
3 Conforme irá se mostrar na seção 2.2, apenas a abordagem dos tempos verbais empreendida no Caderno do
Estado foge a essa generalização, pois são considerados tanto aspectos morfológicos quanto aspectos
semânticos na análise dos tempos verbais em uso.
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psicológica que a língua corrente chama de tempo, e em particular, à localização dos eventos
num certo espaço cronológico.
Conforme explicitado anteriormente, o tratamento formal dado ao tempo verbal nos
livros didáticos resulta, muitas vezes, na conclusão equivocada de que há uma relação direta
entre forma e conteúdo expresso, segundo a qual o presente do indicativo, por exemplo,
expressaria somente aquilo que é ou acontece no momento da enunciação. Nesse sentido,
Castilho (2010) ressalta que, ao utilizar a língua, os falantes valem-se de diferentes formas
verbais para obter diferentes efeitos de sentido, a depender de sua necessidade comunicativa.
O autor afirma que:
[…] não utilizamos as formas temporais unicamente para fixar cronologias dos
estados de coisa, situando-nos num tempo real, mensurável pelo relógio, [...] e,
sim, igualmente, para nos deslocarmos livremente pela linha do tempo, de acordo
com nossas necessidades expressivas, refugiando-nos: num tempo imaginário, que
escapa à medição cronológica, ou num domínio vago, genérico, impreciso,
atemporal. (p. 432).
A esse respeito, é exemplar a descrição feita por Fiorin (1996) em As astúcias da
enunciação. O autor apresenta noventa casos de neutralização dos tempos do português –
dentre os quais se pode citar, por exemplo, o uso do presente pelo futuro do presente, para
criar o efeito de sentido de certeza – que, segundo ele, tornam explícito o fato de que “o
tempo é pura construção do enunciador” (p. 191), é efeito de sentido produzido na e pela
enunciação.
A revisão da literatura linguística a respeito da categoria verbal de tempo evidenciou
que, ao tratar do tema, grande parte dos autores defende a importância de se retomar a
proposta do filósofo e lógico Hans Reichenbach, publicada no final da década de 1940 em
obra intitulada Elementos da lógica simbólica. Segundo Ilari (1997), nesse livro
Reichenbach faz uma minuciosa descrição das propriedades lógicas das línguas naturais e,
ao tratar do verbo, defende que a característica central dos morfemas de tempo é a
capacidade de estabelecer uma relação cronológica entre três momentos relevantes para sua
compreensão: (i) o momento da fala ou enunciação (MF); (ii) o momento da realização da
ação expressa pelo verbo (ME); (iii) o momento de referência (MR), entendido como um
ponto a partir do qual é estabelecida a relação entre o momento de fala e o momento do
evento.
Ilari (2008) defende que, para explicar a referência temporal, não basta distinguir
momento de evento (de ação) e momento de fala; o momento de referência também é
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importante, principalmente, para alguns tempos verbais como o pretérito mais-que-perfeito e
futuro do pretérito, pois, para esses tempos o cálculo da referência faz-se em duas etapas: de
um lado, estabelece-se uma relação cronológica entre momento de fala e momento de
referência, e, de outro, entre momento de referência e momento do evento. Conforme será
mostrado na seção seguinte, a descrição dos tempos verbais do português que é apresentada
nos livros didáticos leva em consideração somente o momento da ação e o momento da
fala4, o que resulta em uma caracterização confusa, principalmente no que diz respeito ao
futuro do pretérito.
Para Ilari (2008), o reconhecimento da existência dos três diferentes momentos
propostos por Reinchenbach permite ainda que se resolva algumas ambiguidades de
aplicação dos adjuntos de tempo e se compreenda melhor a noção de perfectividade e as
condições a que obedecem as combinações bem formadas de adjuntos temporais e tempos
do verbo. Somando-se a isso, Fiorin (1996) demonstra que as alterações resultantes da
transposição do discurso direto para o discurso indireto são decorrentes do fato de que,
quando é feita a transposição para o discurso indireto, há uma alteração do momento de
referência.
Neste trabalho, focaremos a descrição dos tempos verbais do português nos livros
didáticos destinados ao Ensino Médio, atentando para a problemática que resulta o fato de
essa descrição ser predominantemente formal e ancorada apenas no momento da enunciação.
Reconhecemos, entretanto, que outros pontos relacionados ao tempo verbal – tais como a
relação entre adjuntos de tempo e tempos do verbo, as transformações das marcas temporais
na transposição do discurso direto para o discurso indireto (mencionadas anteriormente), a
relação temporal que se estabelece entre oração principal e oração subordinada e a descrição
dos conectivos de tempo do português – merecem ser exploradas em estudos posteriores.
2. Descrição e análise
2.1. Similaridades encontradas quanto à abordagem do tempo verbal
Apresentaremos, nesta seção, considerações a respeito das similaridades encontradas
entre os diferentes livros didáticos que constituem o corpus de nosso estudo, quanto ao
tratamento dado ao verbo e, principalmente, ao tempo verbal.
4 Abaurre (2008) considera a existência de um ponto de referência, mas esse é tomado como correspondente ao
momento de fala.
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Conforme adiantado, nos materiais didáticos analisados, pudemos observar que o
tratamento dado ao verbo é predominantemente formal, em virtude da preocupação
excessiva com os aspectos morfológicos e da quase exclusão dos aspectos semânticos
importantes para a abordagem dessa classe. Tal questão fica evidente na definição de verbo
encontrada em alguns dos livros didáticos, dentre as quais se pode citar a oferecida por
Amaral et al. (2005), segundo a qual “verbo é a palavra variável em número, pessoa, tempo
e voz.” (p. 487).
Assim como a definição, também a descrição do verbo nos livros didáticos
analisados é predominantemente (ou quase que exclusivamente) formal, haja vista as longas
listas de conjugação verbal que ocupam a maior parte das páginas dedicadas ao tema no
material analisado. Logo, o tratamento dado ao tempo verbal não poderia ser diferente;
predomina uma descrição formal, da qual resulta a falsa impressão de que há uma
correspondência absoluta entre flexão verbal e referência temporal. Assim, o pretérito, por
exemplo, é descrito nos livros didáticos analisados como o “tempo que indica a ocorrência
de um fato anterior ao momento em que se fala” (CAMPEDELLI e SOUZA, 2000, p. 486),
descrição simplista, que desconsidera os usos que o falante pode fazer da língua a depender
de sua necessidade comunicativa, já que, conforme atesta Fiorin (1996), o pretérito
imperfeito, por exemplo, pode ser utilizado com valor de presente, futuro do presente ,
futuro do pretérito, entre outros..
Além disso, de acordo com essa abordagem morfológica do tempo verbal, as
desinências -rei, -rás, -rá, -remos, -reis e –rão, correspondentes ao tempo verbal futuro do
presente, por exemplo, indicam sempre relação de posterioridade. Esse conceito não é
necessariamente verdadeiro, pois, segundo Fiorin (1996), o futuro do presente pode indicar
também relações de simultaneidade e anterioridade quando há a neutralização desse tempo
verbal, como podemos observar nos seguintes exemplos nos quais o emprego do futuro do
pretérito tem o valor de presente e pretérito, respectivamente: “Por onde andará agora a
alma de dona Eufrásia, que morreu durante um gélido inverno gaúcho, sem nunca sequer ter
mordiscado o fruto do amor (VGP, p. 14)”; “[...] o Realismo [...] é a negação mesma do
princípio da arte. [...] Um poeta, V. Hugo, dirá que há um limite intranscendível entre a
realidade, segundo a arte, e a realidade, segundo a natureza (MA, v. 3, p. 813)”. (FIORIN,
1996, p. 198-200)
Verificamos ainda que, em geral, na maioria dos livros didáticos analisados, o
momento de referência não é considerado ou é implicitamente tomado como correspondente
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ao momento de fala, salvo no material elaborado por Abaurre e Pontara (2008) em que a
associação entre o momento de referência e o momento de fala é explicitada quando a autora
define a noção de tempo:
Tomando-se como ponto de referência o momento da enunciação, os fatos
expressos pelo verbo podem referir-se a um momento presente (o momento em
que se fala), a um momento passado ou pretérito (anterior ao momento em que se
fala), ou ainda a um momento futuro (posterior ao momento em que se fala). (p.
277).
Essa abordagem dificulta o entendimento dos alunos sobre as relações temporais
estabelecidas pelos verbos, principalmente, no que se refere à compreensão dos tempos
verbais futuro do pretérito e pretérito mais-que-perfeito, já que, nesses casos, há, de um lado,
uma relação cronológica entre momento de fala e momento de referência, e, de outro, entre
momento de referência e momento de evento. O entendimento desses três momentos é
importante para que o aluno compreenda as relações de anterioridade, simultaneidade e
posterioridade estabelecidas pelos tempos verbais. Vejamos o exemplo a seguir do emprego
do tempo verbal futuro do pretérito:
Ele disse que João voltaria. ⇒ MR→ ME ← MF
Nesse enunciado, dizer é o momento de referência, que é anterior ao evento João
voltar, e esses dois momentos são anteriores ao momento de fala. Considerando essa
abordagem, notamos que as definições de futuro do pretérito trazidas nos livros didáticos são
confusas justamente por não considerarem o momento de referência, como podemos
perceber nas seguintes definições de Abaurre e Pontara (2008, p. 281) e Campedelli e Souza
(2000, p. 490), respectivamente: “Refere-se a um fato futuro, que pode ocorrer ou não,
relacionado a um fato passado”; “indica o fato que ainda irá acontecer, relacionado com um
fato passado” (grifos nossos). Essas definições bem como outras apresentadas nos livros
didáticos analisados nada ou pouco dizem a respeito do tempo verbal futuro do pretérito e
das relações por ele implicadas.
Outro ponto recorrente encontrado está na associação feita entre as noções de tempo
e aspecto nas definições dos tempos verbais trazidas pelos materiais didáticos, como
podemos notar na definição de pretérito perfeito dada por Cereja e Magalhães (2005, p.
144): “pretérito perfeito: transmite a idéia de uma ação completamente concluída”.
Verificamos que a noção de tempo pretérito e as relações semânticas implicadas por esse
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tempo verbal são desconsideradas, restringindo-se a definição do pretérito perfeito a uma de
suas características, o aspecto perfectivo. Com isso, verificamos que essa associação entre as
concepções de tempo e aspecto privilegia o aspecto em detrimento da descrição dos tempos
verbais em si, o que impede a compreensão do aluno do tempo verbal em sua dimensão
cronológica e discursiva, trazendo prejuízos à aprendizagem dessa categoria.
Com base nos aspectos acima descritos, podemos concluir que o tratamento dado ao
tempo verbal nos livros didáticos analisados, por se deter exclusivamente nos aspectos
formais ou morfológicos, não considera as relações semânticas estabelecidas pelos
diferentes tempos verbais e, consequentemente, o conhecimento dos alunos sobre a sua
própria língua, o que pode ser observado, inclusive, nos exercícios propostos pelos materiais
didáticos, que requerem, em sua maior parte, a depreensão mecânica das estruturas e a
classificação dos tempos verbais. Constatamos que, embora esses exercícios apresentem
anúncios, charges, quadrinhos e contos nos quais se observa o uso da língua, o que
representaria um aspecto positivo, as relações semânticas existentes e o uso que se faz dos
diferentes tempos verbais são desconsiderados.
Em suma, podemos afirmar que os livros didáticos analisados não problematizam as
relações temporais aliadas ao contexto de uso e às necessidades comunicativas dos falantes.5
2.2. Algumas diferenças na abordagem da categoria tempo verbal
Nesta seção, focalizaremos a descrição dos pontos divergentes levantados na análise
dos livros didáticos quanto à abordagem da categoria tempo verbal.
Um primeiro aspecto divergente da abordagem dessa categoria verificado entre os
livros didáticos está na consideração da possibilidade de neutralização – tal como proposto
por Fiorin (1996) – de alguns tempos verbais feita por Abaurre e Pontara (2008, p.278-279)
e Amaral et al. (2005, p.169). As autoras mencionam, no momento em que tratam do tempo
presente, os possíveis valores assumidos por esse tempo, a saber: o valor de futuro, o
chamado “presente histórico” e o presente omnitemporal ou gnômico. Contudo, percebemos
que a abordagem dessas neutralizações é superficial e restringe-se ao tempo presente.
5 Convém ressaltar que, nos Cadernos do Estado da 1ª série do Ensino Médio, o tempo verbal só é abordado
mais aprofundadamente no segundo volume. Essa abordagem, entretanto, destoa da empreendida nos livros
didáticos analisados, pois, conforme será mostrado na seção seguinte, o estudo dos tempos verbais é articulado
a contextos de uso e os exercícios propostos visam à reflexão sobre os efeitos decorrentes do uso de um ou
outro tempo verbal.
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O livro didático elaborado por Cereja e Magalhães (2005) também procura abordar os
tempos verbais em sua dimensão semântica quando reserva, no capítulo destinado ao
tratamento dos verbos, uma seção denominada “Semântica e Interação do verbo”, na qual se
pressuporia uma abordagem diferenciada da presente até então no capítulo. Contudo,
observamos, pelos exercícios propostos nessa seção, uma continuidade da abordagem formal
apresentada ao longo do capítulo. Apenas no primeiro exercício há uma tentativa de
abordagem do verbo, especificamente do modo verbal Subjuntivo, considerando os
possíveis sentidos assumidos por ele no uso da linguagem para além dos tradicionalmente
conhecidos.
A abordagem dos tempos verbais apresentada no segundo volume do Caderno do
Estado da 1ª série do Ensino Médio representa uma alternativa interessante de trabalho com
o tema, em que tanto aspectos morfológicos quanto aspectos semânticos são levados em
consideração. Os exercícios propostos pelo material exploram as diferentes relações
estabelecidas – simultaneidade, anterioridade e posterioridade - entre os tempos verbais em
diferentes gêneros textuais e abordam os efeitos de sentido resultantes do uso de
determinado tempo verbal. Trata-se de uma proposta que destoa por completo da encontrada
nos livros didáticos e merece ser mais atentamente analisada.
De um modo geral, pudemos observar, pela análise dos livros didáticos selecionados
para o estudo da categoria tempo verbal, aspectos que confirmaram as nossas expectativas
quanto ao tratamento dado a essa categoria. Verificamos que a abordagem dos tempos
verbais nos materiais didáticos, dos quais apenas o Caderno do Estado é exceção, é
predominantemente formal, uma vez que estabelece uma relação direta entre flexão e
referência temporal, tomando essas noções como similares quando, na verdade, conforme
nos aponta Ilari (2008), trata-se de conceitos distintos. Constatamos também que a
desconsideração do momento de referência na abordagem do tempo verbal dificulta o
entendimento dessa categoria, haja vista as definições confusas trazidas pelos livros
didáticos como foi demonstrado, o que resulta em um tratamento bastante simplista.
A constatação dessa problemática no tratamento da categoria tempo verbal nos leva a
propor possíveis encaminhamentos que possibilitem uma abordagem mais significativa
dessa categoria, considerando, sobretudo, as relações semânticas implicadas pelos tempos
verbais, viés que acreditamos ser fundamental para a compreensão dos tempos verbais em
Português.
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3. Encaminhamentos: da crítica à busca por soluções
Com a análise empreendida foi possível comprovar que, de modo geral, os materiais
didáticos oferecidos a alunos da rede pública de ensino apresentam incoerências semânticas
na descrição dos tempos verbais do português e pouco exploram esse conteúdo gramatical,
restringindo-se a uma abordagem simplista, como demonstrado anteriormente.
Dessa constatação resulta a necessidade de se apontar sugestões de novos
direcionamentos para o ensino do tempo verbal, em especial, para turmas de Ensino Médio,
tendo em vista que alunos dessa faixa etária já apresentam uma capacidade maior de
abstração, necessária para a compreensão e sistematização do funcionamento da língua.
Primeiramente, seria necessário deixar claro aos alunos que o tempo verbal não
corresponde exatamente ao tempo cronológico, como bem lembra Koch (1987) ao comentar
a obra do linguista alemão Harald Weinrich, que será retomada pouco adiante nesta seção.
Dessa forma, o tempo verbal presente não se relaciona apenas com o tempo cronológico do
“agora” e o mesmo vale para os tempos verbais pretérito e futuro, que não se relacionam
apenas com “passado” e com “amanhã”, respectivamente.
Como foi antecipado na primeira seção deste trabalho, um eficiente usuário da língua
é capaz de se deslocar na linha do tempo, fazendo uso de tempos verbais diferentes em uma
mesma situação, a fim de obter distintos efeitos. Sendo assim, é possível considerar que o
aluno de Ensino Médio é um usuário eficiente de sua língua materna, no sentido em que
utiliza, mesmo que inconscientemente, um tempo verbal diferente daquele relacionado à
priori a certo momento do tempo cronológico para provocar um determinado efeito. A essa
flexibilidade existente entre os tempos verbais é atribuído o nome de “neutralização”.
Um exemplo de neutralização, que pode ser acrescido aos outros já apontados neste
artigo, é o do emprego do tempo verbal pretérito imperfeito ao invés do futuro do presente
quando, nas brincadeiras infantis, como exemplifica Fiorin (1996), um fato futuro é
imaginado e se torna real na fala, permanecendo real também no futuro: “Eu estava doente e
você chamava o doutor” (p. 220). Esse exemplo, além de demonstrar o funcionamento da
neutralização temporal, comprova o quão próxima ela está do cotidiano dos alunos, o que
comprova ser um grande prejuízo para o ensino ignorar sua existência, como o fazem muitos
materiais didáticos.
Dessa forma, faz-se necessário voltar a atenção do ensino de tempo verbal também
para as possíveis neutralizações, que, como comentado, acontecem em grande número na
língua, já que Fiorin (1996) apresenta em seu texto noventa possibilidades de neutralização.
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Esse grande número de possibilidades exigiria, pelo menos a princípio, a feitura de um
recorte, selecionando os casos de neutralização que são mais frequentes, mais utilizados
pelos alunos.
Para o trabalho com os casos de neutralização, contudo, é importante que o aluno já
esteja familiarizado com as relações primeiras estabelecidas pelos tempos verbais, o que
também exige uma reformulação dos materiais didáticos, uma vez que eles pecam não
apenas pelo fato de serem pouco abrangentes da problemática, mas também por serem
incoerentes, como já comprovado. Essa realidade sugere a necessidade de se trabalhar,
também em sala de aula, com os três momentos propostos por Reichenbach, a fim de os
alunos compreenderem as relações existentes em cada tempo verbal, para, assim, ampliar o
estudo, mostrando como se dá o funcionamento daquilo que ele já realiza com a língua em
seu cotidiano intuitivamente.
Após o trabalho com cada tempo verbal, talvez fosse interessante, ainda, trabalhar
com tempos verbais da maneira proposta por Weinrich (KOCH, 2003), em que os tempos
verbais são divididos entre o “mundo comentado” e o “mundo narrado”, isto é, a cada
mundo são associados tempos verbais distintos: pretéritos mais-que-perfeito, perfeito
simples e imperfeito e futuro do pretérito a este e pretérito perfeito simples e composto,
presente e futuro do presente àquele. A utilização de um tempo verbal tipicamente
pertencente a certo mundo em outro, provoca alterações de sentido que mereceriam ser
exploradas na escola e que, talvez, fossem um caminho mais prático para o tratamento da
neutralização temporal.
Essa ideia não é uma inovação total, uma vez que aparecem, no segundo volume do
Caderno do Estado para a primeira série do Ensino Médio, exercícios que exploram, dentre
outras coisas, os efeitos provocados pela utilização do tempo verbal presente, típico do
“mundo comentado”, em narrativas (“mundo narrado”), o que, dentre outros efeitos, permite
uma aproximação do leitor àquilo que está sendo narrado.
É interessante ressaltar ainda o que Koch (1987) comenta a respeito do uso do tempo
verbal presente em textos como resumo de filmes, por exemplo. Segundo a autora, o tempo
verbal presente é preferido em detrimento do tempo pretérito na tipologia textual resumo de
filmes, pois o resumo “[…] serve de base, habitualmente, para se fazer a crítica – isto é,
comentar a obra ou para facilitar a outros essa tarefa.” (p. 39). Desse modo, a inserção de
um tempo por excelência do “mundo comentado”, como o é o tempo presente, nessa
tipologia textual (resumo de filme) que se refere a um texto do “mundo narrado” (filme), faz
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com que o resumo não seja um simples recontar, mas, sim, um comentar acerca de um
narrar.
Assim, é possível sugerir uma atividade em que o professor peça, por exemplo, para
seus alunos resumirem um filme a que tenham gostado de assistir, a fim de que, a partir da
produção dos alunos, a neutralização do tempo verbal e seus efeitos possam ser explorados.
Nesse sentido, é interessante a escolha por trabalhar não com qualquer texto, mas, sim, com
os textos produzidos pelos próprios alunos, pois isso facilita a sua conscientização para o
fato de que sabem utilizar a língua e o que apenas lhes falta é reconhecer o funcionamento
dessa língua.
Para concluir esta seção, é válido organizar as ideias apresentadas. Propõe-se com
este estudo, que o ensino do tempo verbal seja repensado, levando em consideração as
seguintes questões:
(i) A distinção existente entre tempo cronológico e tempo verbal;
(ii) A distinção existente entre flexão verbal e referência temporal;
(iii)A importância de se trabalhar com os três momentos propostos por Reichenbach;
(iv) A importância de se trabalhar com os tempos verbais articulados a diferentes tipos de
texto e contextos de uso, para, posteriormente, mostrar os efeitos de sentido
acarretados pela neutralização de determinado tempo verbal.
Essas são sugestões válidas para se tentar alcançar um ensino de tempos verbais que
valorize mais os aspectos semânticos e que seja mais coerente e completo no que diz
respeito àquilo a que este artigo se comprometeu a analisar.
Para demonstrar que é possível desenvolver em sala de aula uma abordagem mais
significativa do tempo verbal, defendida ao longo do artigo, é descrita a seguir uma proposta
de aula desenvolvida pelas autoras deste trabalho, que pode servir como exemplo do que foi
proposto até agora.
A proposta foi elaborada para ser desenvolvida em uma aula dupla aplicada no 1º ano
do ensino médio e se concentra no uso do presente histórico. Com a finalidade de trabalhar
tal modalidade de presente, é utilizada a narrativa histórica Os fundadores, de Eduardo
Galeano.
Primeiramente, como chamada de atenção, é escrita na lousa uma citação da
narrativa. Tal citação serve como instrumento para que o professor, por meio de
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questionamentos acerca da frase destacada, ative o conhecimento prévio dos alunos quanto
ao contexto em que a sentença poderia ser empregada e por quê.
Em seguida, é feita a leitura do texto mencionado, após a qual o professor
questionaria os alunos sobre que tipo de texto acabaram de ler e o que nele contém, ao que
os alunos devem chegar à conclusão, com a ajuda do docente, de que se trata do gênero
narrativa histórica.
Em seguida, os alunos devem identificar que tempo verbal é predominante na
narrativa e por que é empregado no texto. Pede-se, então, que eles verifiquem se existe
algum tempo verbal que destoa do todo, neste caso, verificariam que é o tempo presente.
Após os alunos chegarem à conclusão de que o presente foi usado no texto narrativo, é
indagado qual o efeito de sentido resultante de tal uso.
Depois de chegar a uma conclusão com os alunos sobre a escolha pelo presente, é
explicado que esse uso do presente com valor de pretérito corresponde ao que se chama de
presente histórico. É necessário atentar, então, para o fato de que a marcação morfológica
não tem relação restrita com o momento de enunciação, já que as ações/estado de coisas que
apresentam a marcação de presente não têm relação, neste caso, com o momento em que se
enunciam os fatos, mas sim com o momento das ações (momento de evento) a que o texto
faz referência.
A partir dessa aula, em que são expostos os tempos verbais comumente utilizados em
narrativas históricas, é possível pedir para que os alunos desenvolvam uma narrativa, como
Eduardo Galeano fez, ao recontar o descobrimento da América Latina, em que reportem a
chegada das embarcações portuguesas ao Brasil.
Como sugestão de tarefa, vale propor que os alunos busquem exemplos de uso do
presente com valor de futuro, preparando-os, assim, para a próxima aula, em que esses usos
seriam estudados..
A avaliação da classe é feita por meio da participação dos alunos nas discussões
propostas e na produção da narrativa histórica por eles.
4. Considerações finais
Discutimos, no decorrer deste trabalho, algumas questões que evidenciam a ausência
de uma abordagem efetiva no ensino do verbo, mais especificamente, dos tempos verbais. O
primeiro aspecto destacado corresponde à valorização, pelos materiais didáticos analisados,
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do estudo da flexão verbal no aprendizado dos tempos verbais em detrimento das relações
semânticas implicadas no uso dos verbos. Tal valorização decorre do tratamento
predominantemente formal e simplista dado ao verbo que restringe seu uso à relação entre
flexão morfológica e referência temporal.
Outro ponto discutido refere-se à desconsideração do momento de referência no
tratamento do tempo verbal. Verificamos que, na maioria dos materiais didáticos estudados,
o momento de referência é tomado como correspondente ao momento da enunciação, o que,
conforme apresentado, acarreta prejuízos à aprendizagem dos tempos verbais no que
concerne à compreensão das relações cronológicas estabelecidas pelos verbos.
A desconsideração do conhecimento linguístico pressuposto do aluno foi outro aspecto
abordado ao longo do trabalho. A abordagem da categoria tempo verbal centrada quase que
exclusivamente na morfologia não inclui os usos reais da língua e as necessidades
comunicativas que os alunos, como falantes do português, apresentam.
Nesse sentido, acreditamos ser importante a consideração das relações semânticas no
ensino dos verbos, em especial, dos tempos verbais. Desse modo, o ensino da categoria
tempo verbal deveria aliar a atual abordagem, centrada nas estruturas morfológicas, à
abordagem semântica proposta por esse artigo, que considera, além dos aspectos já
mencionados, as diferentes situações discursivas em que os tempos verbais estão presentes,
contribuindo para a expressão da intencionalidade dos falantes.
Convém ressaltarmos que a proposta aqui apresentada não defende a exclusão do
ensino dos tempos verbais no seu sentido primeiro, como já é exposto nos livros didáticos.
Consideramos relevante que o sentido primeiro de cada tempo verbal seja o ponto de partida
para o posterior ensino das diferentes manifestações de sentido encontradas no cotidiano dos
alunos, atentando para as neutralizações temporais já mencionadas neste trabalho.
O último ponto a ser destacado diz respeito à importância do papel do professor no
processo de aprendizagem dos tempos verbais. É essencial que o professor utilize
criticamente os materiais didáticos a sua disposição, de modo que selecione
satisfatoriamente a abordagem a ser desenvolvida com os alunos, considerando as limitações
e inadequações presentes nesses livros. Por esse motivo, escolhemos como base para a
proposta de aula, apresentada na seção anterior, o texto Os fundadores, que está presente no
livro didático de Abaurre e Pontara, a fim de mostrar que é possível fazer um bom trabalho a
partir do que está à disposição do professor.
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