A Caminho da Acreditação - Autenticação · de reconhecimento de competência e contribuirá...
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A Caminho da Acreditação
Laboratório de Dosimetria Individual de Radiação Externa, do
Instituto Tecnológico e Nuclear
Ana Maria Gonçalves Calado
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Química
Júri
Presidente: Prof. João Salvador Fernandes
Orientadores:
Prof.ª Maria das Mercedes Leote Esquível
Dr. João Henrique Garcia Alves
Vogal: Prof.ª Maria de Fátima Coelho Soares Rosa
Novembro de 2009
i
Agradecimentos
A todos os colaboradores do DIRE que me acolheram e me ensinaram em que consiste todo o
trabalho do laboratório.
Aos colegas do LMRI, Luís Santos e João Cardoso, sem cuja colaboração e dedicação não teria sido
possível a realização de todos os ensaios necessários à validação do método.
Em especial ao Dr. João Alves, que desde o primeiro dia se empenhou na minha inserção no grupo
de trabalho e na minha formação na técnica de medida, e que sempre me incentivou a realizar este
trabalho de mestrado, contribuindo com toda a sua experiência e conhecimento e com muita
disponibilidade para tirar dúvidas e rever esta tese.
À Professora Mercedes Esquível, que contribuiu com as suas revisões que em muito ajudaram a
organizar ideias.
A todos os colegas do ITN que de uma ou outra forma me apoiaram.
À minha família e amigos que estiveram por perto durante todas as fases mais cansativas e difíceis.
ii
Resumo
A presente tese reúne o trabalho desenvolvido para apresentar a candidatura do Laboratório de
Dosimetria Individual de Radiação Externa (DIRE), da Unidade de Protecção e Segurança
Radiológica (UPSR) do Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), para acreditação, de acordo com a
norma NP EN ISO/IEC 17025:2005.
Definiu-se o âmbito da acreditação: Determinação de Hp(10) e Hp(0,07) com dosímetros de corpo
inteiro, por termoluminescência, de acordo com o procedimento interno baseado no Decreto-Lei
nº 167/2002, de 18 de Julho e adaptado da norma IEC 61066:2006.
Desenvolveu-se todo o trabalho de validação do método de medida respondendo a todos os
requisitos de Decreto-Lei n.º 167/2002, seguindo a metodologia descrita na norma IEC 61066:2006.
A validação do método está descrita em todo o Capítulo 6 e, para o âmbito definido, compreende:
definição das grandezas de medida;
definição da dose mínima mensurável;
verificação do domínio de medida;
análise da linearidade do sistema;
estudo da dependência energética;
estudo da dependência direccional;
análise da reprodutibilidade dos resultados;
estudo do efeito de fading;
análise de resultados de intercomparações laboratoriais;
cálculo da incerteza associada à medida;
análise da influência das condições ambientais nos resultados dos ensaios.
Elaboraram-se os procedimentos técnicos e de gestão, instruções de trabalho, matriz de
competências e outros documentos necessários à implementação de um Sistema de Gestão da
Qualidade, de acordo com a norma NP EN ISO/IEC 17025:2005. Terminou-se este trabalho com a
elaboração do Manual da Qualidade do DIRE.
Palavras-chave: Sistemas da qualidade, validação de método, dosimetria individual,
termoluminescência.
iii
Abstract The present thesis summarizes all the work that has been done to prepare the External Radiation
Individual Monitoring Laboratory (DIRE), of the Radiological Protection and Safety Unit (UPSR), at the
Nuclear and Technological Institute (ITN-Portugal) towards accreditation, according to ISO/IEC
17025:2005.
The accreditation scope was defined as: Determination of Hp(10) and Hp(0,07) using whole body
thermoluminescence dosemeters in accordance with an internal procedure, based on the Decree
nr. 167/2002 18th July and adapted from the IEC 61066:2006 standard.
All the work for measuring method validation was developed following all requisites of the above
mentioned decree according to the methodology described in IEC 61066:2006.
The method validation is described in Chapter 6 and for the pre-defined scope includes:
measurement quantities definition
definition of the minimum measurable dose (detection threshold)
measurements’ range
system’s linearity study
energy dependence study
directional dependence study
results’ reproducibility
fading effect study
laboratory intercomparison results analysis
measurement uncertainty calculation
environmental conditions’ influence on the tests results.
Technical and management procedures, working instructions, competency definition table and other
documents necessary for the implementation of the Quality Management System, were written in
accordance with ISO/IEC 17025:2005. At the end, the DIRE Quality Manual was created.
Key-words: Quality management systems, method validation, individual monitoring,
thermoluminescence.
iv
Índice
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 1
1. ENQUADRAMENTO, LEGISLAÇÃO E NORMAS ............................................................................. 3
1.1 Monitorização da Quantidade de Radiação ...................................................................................... 3
Porquê monitorizar a quantidade de radiação a que a população activa está exposta? ....................... 3
1.2 Legislação Reguladora e Normas ..................................................................................................... 4
2. GRANDEZAS E UNIDADES EM PROTECÇÃO RADIOLÓGICA ..................................................... 7
2.1 Grandezas Físicas Básicas ............................................................................................................... 7
2.2 Grandezas de Protecção ................................................................................................................... 8
2.3 Grandezas Operacionais ................................................................................................................. 10
3. PRINCÍPIOS DA TERMOLUMINESCÊNCIA ................................................................................... 12
3.1 Modelo simplificado que descreve o fenómeno da termoluminescência ........................................ 13
3.2 Termoluminescência do TLD-100 ................................................................................................... 14
3.3 Supralinearidade do TLD-100 ......................................................................................................... 16
4. SISTEMA DE MEDIDA ..................................................................................................................... 18
4.1 Dosímetro ........................................................................................................................................ 18
4.2 Sistema de leitura ............................................................................................................................ 19
5. REQUISITOS DE GESTÃO ............................................................................................................. 24
6. VALIDAÇÃO DO MÉTODO DE ENSAIO A ACREDITAR................................................................ 25
7. MANUAL DA QUALIDADE ............................................................................................................... 53
8. REQUISITOS TÉCNICOS ................................................................................................................ 54
9. CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 56
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 57
ANEXO A ............................................................................................................................................... 60
ANEXO B ............................................................................................................................................... 65
ANEXO C............................................................................................................................................... 93
v
Índice de Figuras
Figura 1 - Fantomas standard. .............................................................................................................. 10
Figura 2 - Modelo simples de dois níveis. ............................................................................................. 14
Figura 3 - Estrutura de dipolos formada pelos pares impureza-lacuna: Mg2+
- Li vacancy. .................. 15
Figura 4 – Curva de termoluminescência do LiF:Mg,Ti. ....................................................................... 16
Figura 5 - Emissão de termoluminescência do TLD-100 em função da dose. ..................................... 17
Figura 6 - Porta-dosímetro Harshaw 8814 e cartão Type LF0110 Blue. .............................................. 18
Figura 7 - Porta-dosímetro Harshaw 8814, cartão Type LF0110 Blue, interior do porta-dosímetro. .... 18
Figura 8 - Leitores Harshaw 6600 e respectivos computadores dedicados. ........................................ 19
Figura 9 - Interior de um leitor Harshaw 6600 ....................................................................................... 20
vi
Índice de Tabelas
Tabela 1 - Factores de ponderação wR segundo o ICRP 60, 1991 e ICRP 103, 2007. ......................... 8
Tabela 2 - Factores de ponderação wT , segundo o ICRP 60, 1991 e ICRP 103, 2007. ........................ 9
vii
Abreviaturas
AIEA (IAEA, do Inglês) Agência Internacional de Energia Atómica
BEV Bundesamt fur Eich- und Vermessungswesen
CIEMAT Centro de Investigaciones Energéticas, Medioambientales y Tecnológicas
DL Decreto-Lei
DGS Direcção-Geral de Saúde
DIRE Dosimetria Individual de Radiação Externa
ECC Element Correction Coefficient
EURADOS European Radiation Dosimetry Group
IT Instrução de Trabalho
ICRP International Commission on Radiological Protection
ICRU International Commission on Radiation Units and Measurements
gU Generic units
IEC International Electrotechnical Commission
ISO International Organization for Standardization
ITN Instituto Tecnológico e Nuclear
LMRI Laboratório de Metrologia das Radiações Ionizantes
N Cartão Nulo (não irradiado)
ppm parte por milhão
PEPAP Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública
PMMA Polimetilmetacrilato
PG Procedimento de Gestão
PT Procedimento Técnico
QC Quality Control Card
RCF Reader Calibration Factor
RCD Registo Central de Doses
SGQ Sistema de Gestão da Qualidade
SI Sistema Internacional de Unidades
TL Termoluminescência
viii
TLD-100 Designação comercial de thermoluminescence dosemeter de LiF:Mg,Ti
TTP Time Temperature Profile
UPSR Unidade de Protecção e Segurança Radiológica
1
Introdução
A presente tese reúne o trabalho desenvolvido com o intuito de preparar o Laboratório de Dosimetria
Individual de Radiação Externa (DIRE), da Unidade de Protecção e Segurança Radiológica (UPSR)
do Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), para a acreditação, de acordo com a norma
NP EN ISO/IEC 17025:2005.
Em qualquer empresa é necessário compreender a importância da implementação dum sistema de
gestão da qualidade (SGQ) para que este seja implementado de forma a servir a empresa e a
melhorar os seus resultados.
Muitas empresas deparam-se com a exigência dos seus clientes de ter um sistema de gestão da
qualidade reconhecido oficialmente: certificado ou acreditado.
A obtenção duma garantia em relação a um fornecedor de bens ou serviços é, hoje em dia, vista
como a melhor forma de ter o controlo de todos os passos a montante da empresa.
Devido ao dinamismo do mercado, facilmente uma empresa se vê nas duas posições: a de
fornecedor e a de cliente. Na óptica de qualquer cliente, tudo o que tiver controlo ou reconhecimento
por parte de entidades credíveis externas à empresa, nacionais ou estrangeiras, será sempre mais
bem visto, mais apetecível, mais seguro, numa palavra: melhor. Assim, cada vez mais empresas
recorrem a este reconhecimento externo como forma de angariar e manter clientes: ser um
fornecedor certificado ou acreditado (conforme o caso) tem cada vez mais valor.
Um SGQ devidamente implementado traz transparência porque torna todos os processos claros:
Regula responsabilidades e autoridades claramente;
Estabelece como tarefas devem ser executadas e como estas interagem;
Define os recursos necessários: financeiros, humanos, equipamento, infra-estruturas,
técnicas, métodos.
Deste modo muitas empresas recorrem à implementação dum SGQ reconhecido, de acordo com um
determinado referencial ISO, como ferramenta de marketing: o mesmo produto ou serviço fornecido
por uma empresa não reconhecida será considerado menos fiável.
Há duas maneiras de obter o referido reconhecimento: a certificação e a acreditação, e ambas podem
existir numa mesma empresa:
A certificação é o procedimento através do qual uma entidade dá garantia escrita de
que um produto, processo ou serviço cumpre os requisitos específicos definidos pela
Organização.
A acreditação é o processo através do qual um órgão competente reconhece
formalmente que um organismo ou pessoa é competente para desempenhar tarefas
específicas [22].
Definidos os dois tipos de reconhecimento, facilmente se compreende que para os laboratórios o
mais importante é a acreditação, podendo esta abranger um ou mais laboratórios duma empresa, um
2
ou mais métodos num laboratório, etc., e podendo co-existir com a certificação. Além de todas
vantagens e reconhecimentos que um SGQ traz à empresa, a acreditação, e em particular de acordo
com a NP EN ISO/IEC 17025:2005, é sinónimo de que o laboratório demonstrou a sua competência
técnica, assegurando-se assim a qualidade dos resultados reportados ao cliente.
O DIRE faz a monitorização de trabalhadores profissionalmente expostos a radiações ionizantes,
quanto ao equivalente de dose individual de radiação (externa) recebido no decorrer da sua
actividade profissional.
No caso do DIRE a acreditação com base no referencial NP EN ISO 17025:2005, é importante a nível
de reconhecimento de competência e contribuirá para a optimização de processos e a convergência
para um sistema, todo ele, harmonioso e consequentemente mais fácil de gerir.
A presente Tese descreve o trabalho realizado no DIRE no âmbito do Programa de Estágios
Profissionais na Administração Pública (PEPAP) e nos últimos oito meses. O trabalho é composto
por:
Levantamento da situação no laboratório face aos requisitos da Norma;
Actualização e informatização da documentação e dados existentes, nomeadamente:
Legislação e outros documentos de referência; artigos científicos e relatórios internos do ITN
já publicados sobre a actividade do laboratório);
Elaboração de Procedimentos;
Validação do método.
3
1. Enquadramento, Legislação e Normas
1.1 Monitorização da Quantidade de Radiação
Porquê monitorizar a quantidade de radiação a que a população activa está exposta?
A monitorização contínua dos trabalhadores profissionalmente expostos a radiações ionizantes é
importante e obrigatória, para a implementação dum plano de protecção radiológica nas instalações e
para avaliação das condições de higiene, saúde e segurança no trabalho, cujos parâmetros são
regidos Decreto-Lei n.º 222/2008, que substituiu o Decreto Regulamentar n.º 9/90. Além dos
benefícios já apresentados anteriormente, a monitorização de indivíduos profissionalmente expostos
a radiações ionizantes traz os seguintes benefícios [10]:
Demonstra que as boas práticas no local de trabalho estão a ser aplicadas, o que indica que
a supervisão, a formação e as práticas implementadas são as adequadas;
Demonstra que a estimativa de exposição dos trabalhadores à radiação está dentro dos
limites legais;
Demonstra que as técnicas utilizadas são avaliadas tendo em conta a relação risco de
exposição a radiações versus benefício da actividade;
Há uma avaliação das doses recebidas em caso de acidente;
Dá motivação adicional aos colaboradores para reduzirem a sua exposição, cumprindo as
boas práticas e utilizando o equipamento de segurança;
Fornece dados que podem ser utilizados com fins médicos, ou como base para estudos
epidemiológicos (ou em caso de acidentes graves).
O DIRE faz a monitorização de trabalhadores profissionalmente expostos a radiações ionizantes no
seu ambiente de trabalho. A monitorização é feita com o auxílio de um dosímetro pessoal e
intransmissível que é usado pelo trabalhador no peito, ou na barriga no caso de se tratar duma
mulher grávida [12, 14, 23, 25]. A cada trabalhador são atribuídos dois dosímetros que são avaliados
mensalmente, ou seja, enquanto um está a ser usado, o outro é enviado ao DIRE para avaliação. O
dosímetro está sempre exposto ao mesmo ambiente que o trabalhador e tem na sua estrutura
material sensível à radiação. Esse material simula a estrutura dos tecidos humanos o mais
aproximadamente possível no que respeita à absorção/difusão da energia da radiação e recebe a
mesma radiação que o trabalhador – este material denomina-se tecido-equivalente (vide Capítulo 2).
O dosímetro é composto pelo conjunto do material sensível à radiação (detector) e da estrutura que o
suporta, que contém a filtração adequada à determinação das grandezas operacionais que se
pretende medir (vide Capítulo 2).
O uso de dosímetro não é uma medida preventiva mas sim uma medida de protecção. Atendendo a
que a avaliação da dose é feita à posteriori este tipo de dosímetro é designado por dosímetro
passivo. Para prevenir maior exposição, quando se sabe que o risco desta ocorrer é alto, devem
usar-se dosímetros capazes de fazer uma medição imediata da taxa de dose e/ou da dose
acumulada num dado intervalo de tempo: estes dosímetros dispõem geralmente de um dispositivo
4
que alerte o trabalhador, como por exemplo um sinal sonoro - estes equipamentos são dosímetros
activos.
O dosímetro é de uso individual e é usado durante um período de controlo. Ao fim desse período é
substituído conseguindo-se em laboratório, fazer uma medida da quantidade de radiação a que o
trabalhador esteve exposto. O relatório é enviado à empresa, junto com uma informação que
caracteriza a situação radiológica do trabalhador, devendo ser comunicada ao trabalhador.
Os valores obtidos conduzem a valores de exposição que permitem avaliar sobre a adequação dos
meios de protecção, sua validade e eventualmente sobre a ocorrência de acidentes e suas
consequências. Conduzem também por vezes à detecção de comportamentos não seguros por parte
dos trabalhadores ou à conclusão de que os equipamentos de protecção não são correctamente
usados, diagnosticando-se assim necessidades de formação e sensibilização.
1.2 Legislação Reguladora e Normas
O aparecimento de legislação em Portugal tem por base, em grande parte, de recomendações de
organismos estrangeiros. A International Commission on Radiological Protection (ICRP) define
princípios de protecção e segurança radiológica que vão sendo adoptados por diversas entidades
internacionais, como a Comissão Europeia e a Agência Internacional de Energia Atómica – AIEA -
(por exemplo, ICRP 60, ICRP 103). Por exemplo, a adopção dos princípios e filosofia de Protecção e
Segurança Radiológica da ICRP publicados no ICRP 60 em 1991 [23], deu origem à Directiva
96/29/Euratom (Normas de segurança de base relativas à protecção sanitária da população e dos
trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes [12]) publicada pela União
Europeia, bem como à SS115 [21] (International Basic Safety Standards for Protection Against
Ionising Radiation and for the Safety of Radiation Sources) publicada pela AIEA.
Em 2007, a ICRP publicou as novas recomendações [25] encontrando-se as duas publicações acima
mencionadas ([12], [21]), neste momento, em processo de revisão. Outro documento de orientação
sobre como implementar os princípios de protecção radiológica são as Recomendações Técnicas
como EUR 14852 EN – Technical recommendations for monitoring individuals occupationally exposed
to external radiation [10] cuja revisão RP 160 foi publicada em Outubro de 2009, [11].
A ICRP e a International Commission on Radiation Units and Measurements (ICRU) definem
grandezas e unidades importantes em protecção radiológica, analisando todas as problemáticas
associadas à medida e dosimetria; o sistema de grandezas e unidades é praticamente aceite por
todos os Estados permitindo uma harmonização de práticas e procedimentos.
No que diz respeito a normas internacionais, a International Organization for Standardization (ISO) e
a International Electrotechnical Commision (IEC) são as organizações de referência que têm
produzido normas no domínio da dosimetria de radiações: sobre campos de radiação de referência,
equipamentos e metodologia de medida, etc..
As Directivas da União Europeia têm que ser transpostas para legislação nacional. As três Directivas
com interesse para a dosimetria individual são:
5
Directiva 96/29/Euratom, de 13 de Maio de 1996 – Directiva dos trabalhadores e membros do
público:
- Normas de segurança de base relativas à protecção sanitária da população e dos
trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes.
Directiva 90/641/Euratom de 4 de Dezembro de 1990 – Directiva dos Trabalhadores
Externos.
- Princípios quanto à protecção dos trabalhadores externos sujeitos ao risco de radiações
ionizantes durante a intervenção numa zona controlada.
Directiva 97/43/Euratom de 30 de Junho de 1997 – Directiva do paciente:
- Protecção da saúde das pessoas contra os perigos resultantes de radiações ionizantes em
exposições radiológicas médicas.
A Directiva 96/29/Euratom tem vindo a ser transposta para legislação nacional através de vários
Decretos-Lei respectivamente:
Decreto-Lei n.º 165/2002, 17 Julho – estabelece a criação do Registo Central de Doses e sua
actualização, princípios gerais de protecção radiológica;
Decreto-Lei n.º 167/2002, 18 Julho – define regras relativas ao licenciamento e
funcionamento de entidades que desenvolvem actividades de protecção radiológica, define
trabalhador exposto, Categoria A e B, obrigatoriedade de reportar à Direcção-Geral de Saúde
(DGS) as doses superiores a 2 mSv;
Decreto-Lei n.º 174/2002, 18 Julho – estabelece regras de intervenção em caso de
emergências radiológicas;
Decreto-Lei n.º 180/2002, 8 Agosto – estabelece regras relativas à protecção da saúde contra
exposição a radiações ionizantes em exposições radiológicas médicas;
Decreto-Lei n.º 139/2005, 17 Agosto – define a composição e as competências da Comissão
Independente para a Protecção Radiológica e Segurança Nuclear;
Decreto-Lei n.º 140/2005, 17 Agosto – estabelece os valores de dispensa de declaração de
práticas que envolvam radiações ionizantes;
Decreto-Lei n.º 222/2008, 17 Novembro – estabelece as normas de segurança base em
protecção radiológica, define trabalhador exposto, Categoria A e B;
Decreto-Lei n.º 227/2008, 25 Novembro – define a qualificação profissional em protecção
radiológica.
A Directiva 97/43/Euratom foi transposta para legislação nacional pelo Decreto-Lei n.º 180/2002, de 8
de Agosto.
O Decreto-Lei n.º 222/2008 contém as definições das grandezas de protecção e operacionais (vide
Capítulo 2), limites de dose, princípios de protecção radiológica, e outros elementos importantes para
a dosimetria individual efectuada no DIRE.
De acordo com o Decreto-Lei:
6
“O limite de dose efectiva para os trabalhadores expostos é fixado em 100 mSv por um
período de cinco anos consecutivos, na condição desse valor não ultrapassar uma dose efectiva
máxima de 50 mSv em cada ano.”
“O limite de dose equivalente para a pele é fixado em 500 mSv por ano;”
O Decreto-Lei n.º 222/2008 define ainda duas categorias de trabalhadores expostos (o Decreto-Lei
nº 167/2002 já definia), de acordo com a probabilidade destes receberem doses efectivas superiores
a 6 mSv por ano (Categoria A), ou uma dose equivalente superior a três décimos dos limites anuais
previstos. Os restantes trabalhadores expostos não classificados como sendo de Categoria A são
considerados de Categoria B.
Do mesmo modo, as zonas de trabalho são classificadas como “zonas controladas” ou “zonas
vigiadas” conforme, os trabalhadores estejam sujeitos a receber uma dose equivalente superior a três
décimos dos limites anuais previstos (trabalhadores de Categoria A), ou sujeitos a ter uma dose
equivalente superior a uma décima dos limites anuais previstos (Categoria B), respectivamente.
Para Categoria A o controlo individual sistemático da dose de radiação recebida deve ser feito
mensalmente. Para Categoria B o controlo a realizar é o suficiente para demonstrar que estão bem
classificados, trimestral.
O Decreto-Lei n.º 167/2002 define as condições de licenciamento das entidades que realizam
dosimetria individual, os requisitos técnicos para a medida das grandezas operacionais e as
obrigações das entidades relativamente à Direcção-Geral de Saúde (DGS) e ao Registo Central de
Doses (RCD).
Este Decreto-Lei n.º 167/2002 contém os requisitos legais para validar o método usado no DIRE. O
mesmo decreto recomenda a utilização das normas ISO 4037 para a definição dos feixes, fantomas e
grandezas em condições de referência. Como, não fornece informação sobre como fazer os testes ao
sistema de medida seguiu-se a metodologia descrita na ISO/IEC 61066:2006 e na literatura.
A norma de referência para a dosimetria de corpo inteiro por termoluminescência é a norma ISO/IEC
61066:2006 - Thermoluminescence dosimetry systems for personal and environmental monitoring.
7
2. Grandezas e Unidades em Protecção Radiológica
A dosimetria individual de radiação externa é uma medida de protecção radiológica. O objectivo da
dosimetria individual de radiações é a determinação do equivalente de dose individual de radiação
absorvida (Hp(d)) num ponto específico dum dado meio. O equivalente de dose é a grandeza que vai
ser usada para estimar a dose efectiva ou a dose equivalente num órgão ou tecido.
As grandezas dosimétricas básicas definem, a quantidade de energia que um feixe de radiação
ionizante deposita num determinado material ou tecido. Deste modo, em dosimetria individual o que
se avalia é a quantidade de dose absorvida por um tecido ou órgão após a sua exposição a radiação
ionizante.
Há várias entidades internacionais que analisam e definem as principais grandezas e unidades
usadas em protecção radiológica, como foi referido no Capítulo 1, das quais se destacam a ICRU, a
ICRP, a Agência Internacional de Energia Atómica (Safety Standards) e a Comissão Europeia
(recomendações técnicas).
Desde a publicação do Report 60 do ICRP em 1991 [23], as grandezas de protecção radiológica
dividem-se em três tipos:
as grandezas físicas básicas;
as grandezas limitadoras ou de protecção;
as grandezas operacionais.
2.1 Grandezas Físicas Básicas
As grandezas físicas básicas são universalmente aceites para caracterizar um feixe de radiação; são
definidas para qualquer ponto desse feixe e exprimem-se em unidades fornecidas por padrões. São
três grandezas:
- Fluência, Ф (quantidade de partículas por unidade de área, que atravessa um plano
perpendicular ao feixe (em m-2
))
- Kerma (kinetic energy per unit mass), K (em J.kg
-1 ou Gy)
- Dose Absorvida, D (em J.kg
-1 ou Gy)
Estas grandezas têm existência física, estão bem definidas e são realizadas em laboratório de
metrologia em condições de referência [10]. No entanto, não podem ser usadas para efeitos de
limitação de doses porque um mesmo valor de dose devido a radiações diferentes dá origem a
diferentes efeitos biológicos porque, órgãos e tecidos diferentes apresentam também diferentes
radiosensibilidades.
Para superar este problema a ICRP (desde 1991), recomenda a utilização das grandezas: Dose
Equivalente num tecido ou órgão HT, e Dose Efectiva, E.
8
2.2 Grandezas de Protecção
A Dose Equivalente num órgão ou tecido T (em Sievert, Sv) é calculada a partir da dose absorvida
nesse órgão e tem em conta o tipo de partícula que atinge o órgão ou tecido (sendo necessário dar
uma ponderação a cada tipo de partícula). A Dose Equivalente, HT, relaciona-se com as grandezas
físicas básicas, (com a Dose Absorvida, D) da seguinte forma:
𝐻T = 𝑤𝑅𝐷𝑇,𝑅𝑅 (1)
onde, DT,R é a dose absorvida média no tecido ou órgão T devido à exposição à radiação R e wR é o
factor de ponderação da radiação (independente do tipo de tecido).
Tabela 1 - Factores de ponderação wR segundo o ICRP 60, 1991 e ICRP 103, 2007.
Tipo de radiação wR
ICRP 60 (1991) ICRP 103 (2007)
Fotões 1 1
Electrões e muões 1 1
Neutrões
< 10 keV 5
(equações 2 e 3)
10 keV a 100 keV 10
>100 keV a 2 MeV 20
>2 MeV a 20 MeV 10
>20 MeV 5
Protões, excluindo protões de recúo, energia> 2
MeV 5 2
Partículas alfa, fragmentos de fissão e núcleos
pesados 20 20
No ICRP 60, os valores de wR para neutrões estão definidos por intervalos de energia:
𝑤𝑅 = 5,0 + 17,0 𝑒𝑥𝑝 − 𝑙𝑛 2𝐸𝑛
2
6 (2)
No ICRP 103, os valores de wR para neutrões são definidos pela seguinte função:
𝑤𝑅 =
2,5 + 18,2 𝑒
−[ln (𝐸𝑛 )]2
6 , 𝐸𝑛 < 1 𝑀𝑒𝑉
5,0 + 17,0 𝑒− ln 2𝐸𝑛 2
6 , 1 𝑀𝑒𝑉 ≤ 𝐸𝑛 ≤ 50 𝑀𝑒𝑉
2,5 + 3,25 𝑒−[ln (0,04𝐸𝑛 )]2
6 , 𝐸𝑛 > 50 𝑀𝑒𝑉
(3)
9
Para se ter em conta a dose em todos os tipos de tecidos ou órgãos utiliza-se a Dose Efectiva (Sv).
De acordo com o DL 167, Dose efectiva (E) é a soma das doses equivalentes ponderadas em todos
os tecidos e órgãos do corpo. Neste caso a ponderação é feita para cada órgão ou tipo de tecido [22,
23, 26]. A Dose Efectiva, E, relaciona-se com as grandezas físicas básicas da seguinte forma:
𝐸 = 𝑤T𝐻TT (4)
onde wT é o factor de ponderação do tecido exposto à radiação.
Tabela 2 - Factores de ponderação wT , segundo o ICRP 60, 1991 e ICRP 103, 2007.
Tecido ou órgão wT
ICRP 60 (1991) ICRP 103 (2007)
Gónadas 0,20 0,08
Medula 0,12 0,12
Cólon 0,12 0,12
Pulmão 0,12 0,12
Estômago 0,12 0,12
Bexiga 0,05 0,04
Mama 0,05 0,12
Fígado 0,05 0,04
Esófago 0,05 0,04
Tiróide 0,05 0,04
Pele 0,01 0,01
Superfície óssea 0,01 0,01
Cérebro -- 0,01
Glândulas salivares -- 0,01
Restantes 0,05 0,12*
*Os tecidos restantes no ICRP 103 (2007) são 15: tecido adiposo, glândulas supra-renais, tecido conjuntivo, vias
aéreas extra-toráxicas, vesícula biliar, parede do coração, rins, gânglios linfáticos, músculos, pâncreas, próstata,
parede interior do estômago, baço, timo e colo do útero.
Os factores de ponderação são obtidos de estudos epidemiológicos de indução de neoplasias e
outros dados experimentais, factores genéticos, etc., que são difíceis de definir.
Como não é possível medir a dose absorvida em cada tipo de tecido ou órgão, nem em relação a
cada tipo de radiação, estas grandezas não são mensuráveis na prática.
Em suma, as duas grandezas de protecção têm apenas existência teórica, não são mensuráveis [20].
No entanto, é em termos destas grandezas que se estabelecem os limites de dose propostos pela
ICRP e adoptados na legislação.
10
2.3 Grandezas Operacionais
Uma vez que os limites de dose propostos pela ICRP e adoptados na legislação estão definidos em
termos de Dose Equivalente (HT) e Dose Efectiva (E) a ICRU propôs e definiu as grandezas
operacionais, obtidas a partir das grandezas físicas básicas através de factores de conversão bem
definidos, que permitem estimar as grandezas de protecção.
2.3.1 Monitorização individual de radiação
Para a dosimetria individual de radiação externa a grandeza operacional que se utiliza é o
Equivalente de Dose Individual, Hp(d).
Na definição desta grandeza é necessário ter em conta as receptor present conditions, ou seja, a
estrutura receptora em termos de geometria e composição. Por esta razão foi definido o tecido ICRU
e estruturas receptoras standard designadas por fantomas: um fantoma simula o trabalhador e é
usado nas calibrações. Para a irradiação de dosímetros individuais para calibrações é necessário ter
condições de irradiação de referência. Os fantomas, reproduzem a retrodispersão e absorção de
radiação semelhante à do corpo humano pela sua composição e estrutura, consoante a zona do
corpo em que a radiação incide: os fantomas standards são de PMMA, polimetilmetacrilato (ρ = 1,19
gcm-3
, 8,05% H (m/m), 59,99% C (m/m) e 31,96% O (m/m)), e existem três para simular várias zonas
do corpo humano, consoante o tipo de dosímetro que se pretende utilizar [20, 26, 29], como se pode
ver na figura 1.
Figura 1 - Fantomas standard, [20].
O fantoma (a) é o que simula o tronco humano: é um contentor de PMMA com 30 x 30 cm x 15 cm
cheio de água e cuja parede frontal tem a espessura de 2,5 mm, enquanto as outras têm 10 mm. O
fantoma cilíndrico (b) simula as pernas e os braços (para dosímetros de tornozelo ou de pulso –
cilindro cheio de água de 73 mm de diâmetro, 300 mm de comprimento, parede lateral de 2,5 mm de
espessura e extremos de 10 mm de espessura), enquanto o último (c) simula os dedos (mais utilizado
em dosimetria de extremidades – tem 19 mm de diâmetro de PMMA e 300 mm de comprimento).
11
Estes fantomas bem como todas as condições de irradiação de referência estão definidos na série
ISO 4037 (1, 2 e 3) e os factores de conversão entre as grandezas operacionais e as físicas só
podem ser utilizados se todas condições de referência forem respeitadas, o que inclui os fantomas
serem os adequados.
A monitorização de radiação externa feita no DIRE com dosímetros de corpo inteiro, consiste na
determinação de duas grandezas: Hp(10) e Hp(0,07). Assim consideram-se normalmente duas
profundidades d, 10 mm e 0,07 mm: para radiação penetrante à profundidade de 10 mm e para
radiação pouco penetrante à profundidade de 0,07 mm. As duas grandezas são medidas em
simultâneo pois o dosímetro tem dois detectores sob a filtração adequada à medida de Hp(10) e de
Hp(0,07).
Assim, as grandezas que importa ter relacionadas com as grandezas físicas básicas e cuja
rastreabilidade ao Sistema Internacional (SI) é indispensável são Hp(10) e Hp(0,07), pois são as
grandezas reportadas ao cliente quando é emitido o relatório; a unidade do Sistema Internacional
para Hp(d) é o Sievert (Sv).
O DIRE tem como fornecedor do serviço de calibração o Laboratório de Metrologia das Radiações
Ionizantes (LMRI) do ITN que tem os padrões rastreáveis ao SI.
12
3. Princípios da Termoluminescência
A técnica de medida usada no DIRE baseia-se na dosimetria por termoluminescência. A
termoluminescência é uma propriedade exibida por alguns materiais semi-condutores ou isolantes
que absorvem a energia da radiação ionizante que neles incide e a retêm até que lhes seja elevada a
temperatura acima de valores bastante superiores à temperatura ambiente. Nessa altura, libertam
energia sob a forma de radiação, com um comprimento de onda na região do visível.
Como a própria etimologia da palavra indica, quando a temperatura (termo) é elevada acima de um
determinado valor, que é conhecido e característico do material, este emite luz na gama do visível –
torna-se luminescente. A quantidade de luz emitida é proporcional à dose de radiação absorvida
aquando da exposição, propriedade que torna estes materiais susceptíveis de serem utilizados como
dosímetros de radiações.
Os materiais termoluminescentes são normalmente isoladores ou semicondutores, naturais ou
sintéticos. A síntese de tais materiais permite obviamente a sua manipulação, ou seja, a adição
propositada e controlada de impurezas durante o processo de crescimento, de forma a optimizar as
suas propriedades (por exemplo, maior sensibilidade, emissão retardada em função da temperatura,
etc.), conforme a aplicação a que se destinam.
No caso da termoluminescência, o crescimento dos cristais do material é acompanhado pela
introdução de impurezas chamadas dopantes, em quantidades da ordem dos ppm. A introdução
destas impurezas altera a estrutura do cristal introduzindo defeitos, devido aos diferentes raios
atómicos, da impureza relativamente aos átomos que constituem a rede cristalina, dando origem à
criação de estados de energia com interesse para a técnica, que não existiriam no material puro. O
material detector usado no DIRE é o LiF:Mg,Ti, comercialmente designado TLD-100, produzido e
comercializado pela Thermo Electron Corporation (antigamente Harshaw - Solon, Ohio, EUA).
Numa rede cristalina os electrões situados nas camadas mais exteriores dos átomos da rede
encontram-se em orbitais, designadas por orbitais cristalinas, às quais correspondem bandas de
energia. As bandas são zonas em que os electrões se encontram, havendo entre si zonas de
separação “proibidas” aos electrões; a banda completa mais exterior designa-se por banda de
valência. Nos materiais isolantes e semicondutores, que são os que apresentam propriedades
termoluminescentes (TL), a banda de valência está cheia. A banda imediatamente a seguir é a banda
de condução e está vazia; a separação entre estas duas bandas constitui um hiato.
A adição controlada de impurezas pode dar origem ao aparecimento de estados de energia na região
do hiato passando a estar acessíveis aos portadores de carga.
Quando o material TL é exposto a radiação absorve energia, e a interacção desta com a matéria
origina a formação de pares “electrão-buraco” que se deslocam na rede. Estes pares “electrão-
buraco”, portadores de carga, podem ficar retidos nesses estados quando a exposição à radiação for
suprimida – a característica importante do material TL é permanecer neste estado “alterado” (pela
radiação) à temperatura ambiente. Uma vez que o material TL seja sujeito a um aquecimento
controlado, os electrões retidos passam a ter energia suficiente para se libertarem e deixarem o
13
estado criado pela exposição à radiação, ou seja: a luminescência requer excitação da amostra para
que esta fique num estado metaestável. Durante o ciclo de aquecimento há energia suficiente para
que os electrões se encontrem com buracos em centros de recombinação e quando este processo
acontece há emissão de energia sob a forma de radiação, geralmente com comprimento de onda na
gama do visível, e liberta-se um fotão – fotão de termoluminescência. Esta emissão de radiação
visível é captada pelo equipamento de medida, em que é feito o ciclo de aquecimento do material TL,
e como já foi referido é proporcional à radiação a que o material havia sido exposto.
O ciclo de aquecimento é feito até temperaturas que são função do material em uso, bem como a
taxa de aquecimento e arrefecimento subsequente, e o intervalo de tempo entre a excitação da
amostra e a emissão do fotão depende da temperatura a que o material é elevado.
Assim para se ter termoluminescência são necessárias duas etapas:
- exposição à radiação
- aquecimento controlado.
Durante a exposição o material é excitado, absorve e retém energia, ficando alterado. Na segunda
etapa o material é novamente excitado e dá-se a recombinação dos electrões com os buracos,
libertando-se energia com a emissão de fotões de termoluminescência. À intensidade de radiação
emitida em função da temperatura chama-se curva de termoluminescência do material – Glow curve
[1, 31]. O ciclo controlado de aquecimento do material, em que este emite radiação visível
proporcional àquela que absorveu durante a exposição a radiação ionizante, é vulgarmente
denominado por “leitura”.
3.1 Modelo simplificado que descreve o fenómeno da termoluminescência
A presença de impurezas na rede cristalina leva à existência de distorções da rede que tem de se
adaptar a um elemento de raio atómico e orbitais de valência diferentes (com diferentes
preenchimentos) [35]. Estas distorções constituem defeitos que podem conduzir ao aumento ou
diminuição do hiato de energia entre a banda de valência e a banda de condução do cristal, conforme
a rede sofra contracções ou dilatações para acomodar os átomos da(s) impureza(s), ou podem ainda
conduzir ao aparecimento de níveis de energia que se localizam na região do hiato. Assim, aparecem
armadilhas acessíveis aos portadores de carga (e que só existem porque o cristal não é puro)
localizadas na região do hiato de energias, como descreve de forma simples a figura 2.
14
Figura 2 - Modelo simples de dois níveis [31].
Conforme se pode observar na figura 2, quando há irradiação com absorção de energia Ea = (hϑ)a
superior à largura do hiato, os electrões excitados passam da banda de valência para a banda de
condução (transição 1 na figura) e criam-se dois portadores livres: electrões na banda de condução e
buracos na banda de valência.
No caso dos materiais termoluminescentes existem outros níveis de energia permitidos além das
duas bandas; o estado T é uma armadilha para electrões e o estado R é uma armadilha para
buracos, pelo que constitui um centro de recombinação. Ambos os estados não existiriam no cristal
perfeito, em que a inexistência de impurezas implicaria a inexistência de níveis de energia na região
do hiato.
Enquanto o material é irradiado a recombinação dá-se maioritariamente entre os estados T e R que
existem entre as duas bandas devido às impurezas do cristal, pois a recombinação entre as duas
bandas é mais difícil de ocorrer devido à largura do hiato.
Durante a leitura, o material é aquecido e dá-se a recombinação entre os buracos retidos em R
(transição 5) e os electrões provenientes da banda de condução (transição 4): se a recombinação for
radiativa há emissão dum fotão de luminescência de energia Ee = (hϑ)e.
Este é um modelo simples que descreve a interacção da radiação com a matéria e as alterações na
estrutura electrónica do material, que explicam o fenómeno complexo que é a termoluminescência
[31].
3.2 Termoluminescência do TLD-100
A maior parte dos materiais termoluminescentes são halogenetos alcalinos dopados com impurezas
activadoras da sua capacidade TL, isto é: as impurezas são introduzidas propositadamente durante o
crescimento do cristal. Materiais comuns em dosimetria pelas suas características TL são os da
família do fluoreto de lítio (LiF:Mg,Ti, LiF:Mg,Na, LiF:Mg,Cu,P) mas também do fluoreto de cálcio
(CaF2:Mn, CaF2:Dy), como por exemplo os derivados da fluorite natural brasileira (CaF2:NaCl).
15
No DIRE o material TL utilizado é o LiF:Mg,Ti – TLD 100 - que é produzido e comercializado num
cartão com dois sensores, pela Harshaw Bicron, com o código Type LF0110 Blue.
O TLD 100 é composto por LiF dopado com cerca de 180 ppm de Mg, 10 ppm de Ti e contendo a
concentração isotópica natural do lítio.
A introdução de magnésio no material provoca uma redistribuição na rede para que o cristal se
mantenha neutro, ou seja, o Mg2+
é incorporado na rede e surgem lacunas catiónicas que são
ausências de Li+, fazendo-se assim a compensação de cargas, figura 3 - formam-se pares “impureza-
lacuna” [35, 36].
Figura 3 - Estrutura de dipolos formada pelos pares impureza-lacuna: Mg2+- Li vacancy [31].
Estes pares formam depois agregados mais estáveis (dímeros e trímeros) deslocando-se na rede. O
papel geralmente atribuído ao Magnésio (Mg) na rede é o de captar/reter electrões excitados durante
a irradiação: constitui uma armadilha.
Do mesmo modo que o Mg, o Titânio (Ti) também é incorporado na rede formando pares “impureza-
lacuna” com o Li+ mas como o Ti tem estado de oxidação +3 ou +4 a compensação de cargas pode
ainda ser feita pela associação a iões O2-
, a iões OH- (ou combinações destes) ocupando posições
substitucionais do F-. O mais frequente, de acordo com [1, 13, 35, 36], são os complexos
titânio-hidroxilo. O papel que tem sido atribuído ao Ti é o de centro de recombinação.
Como foi descrito no modelo para a termoluminescência, existem sempre pares armadilha-centro de
recombinação luminescente, e são atribuídas aos pares Mg as armadilhas que contribuem para a
termoluminescência (Trapping Centres) e aos complexos Ti(OH)n os centros de recombinação
luminescente (Luminescence Centres) importantes para a emissão de termoluminescência.
No intervalo de temperatura entre a temperatura ambiente e 300ºC, a curva de termoluminescência
(intensidade de radiação emitida em função da temperatura) do TLD 100 apresenta cerca de seis
picos. O pico I aparece a cerca de 65ºC, o pico II a 120ºC, o pico III a 160ºC, o pico IV a 195ºC, o pico
V a 210ºC e o pico VI a 275ºC. Estes valores variam com a taxa de aquecimento utilizada pelo que
sofrem deslocamentos com a variação das condições em que é feito o ciclo de leitura.
16
Figura 4 – Curva de termoluminescência do LiF:Mg,Ti [31].
O pico I não se visualiza na figura 4 porque desaparece rapidamente, e o pico II tem comportamento
semelhante.
Os picos com mais interesse para a dosimetria são os III, IV e V porque a temperatura do seu
máximo lhes confere maior estabilidade térmica. São também os picos para os quais existe maior
proporcionalidade directa entre a área e/ou a intensidade do pico e a dose de radiação a que o
material foi exposto.
O comprimento de onda da emissão TL situa-se no azul e corresponde ao pico V a maior intensidade,
para λ = 420nm.
A intensidade relativa de cada pico varia com a taxa de aquecimento usada na leitura, dos
tratamentos de regeneração do material, da dose e do tipo de radiação usados pelo que, ao
estabelecer os parâmetros do ciclo de leitura se pode manipular/deslocar os valores de temperatura
para os quais aparece cada pico consoante o que tem mais interesse para a aplicação, que neste
caso é a dosimetria. No presente trabalho o tratamento de regeneração do material consiste em
submetê-lo a um ou mais ciclos iguais ao ciclo de leitura.
3.3 Supralinearidade do TLD-100
Ao fazer o estudo da resposta TL do LiF:Mg,Ti (equivalente de dose obtido) versus dose
convencionada (com que se irradia o dosímetro em condições de referência) obtém-se uma recta
com um bom ajuste (vide Capítulo 5). Este ajuste linear pode ser ainda melhor se for dividido em
duas zonas, uma para doses mais baixas (0,1 mSv – 1 Sv) e outra para doses altas (1 Sv - 5 Sv), em
que cada uma das equações apresenta um coeficiente de correlação ainda mais próximo da unidade.
A existência destas zonas é típica do TLD-100: zona linear e supralinear como se pode ver na figura
5.
17
Figura 5 - Emissão de termoluminescência do TLD-100 em função da dose [31].
A termoluminescência emitida pelo TLD-100 apresenta proporcionalidade directa com a dose
absorvida, sendo esta proporcionalidade representada pela recta que vai da origem até D1. Para
doses superiores a D1, a proporcionalidade mantém-se mas com um declive superior correspondente
a uma maior eficiência da emissão do material TL - zona de supralinearidade característica do TLD-
100.
Continuando a aumentar a dose de radiação recebida, inicia-se uma região de perda de
proporcionalidade – zona de sublinearidade - seguida de rápida saturação do material TL (para doses
superiores a D2) [3]. Atingida a saturação, o material perde as suas propriedades pois a radiação
induziu defeitos irreversíveis e o material deixa de poder ser usado como dosímetro.
18
4. Sistema de Medida
O sistema de dosimetria do DIRE baseia-se em dois equipamentos essenciais: o dosímetro e o(s)
leitor(es).
4.1 Dosímetro
O dosímetro é constituído por duas peças de igual importância para a medida: porta-dosímetro
Harshaw 8814 dentro do qual se encontra o cartão Type LF0110 Blue [16]. O cartão é o suporte que
contém dois cristais de LiF:Mg,Ti (TLD-100) e que está identificado com um número e respectivo
código de barras único (vide figura 7).
Figura 6 - Porta-dosímetro Harshaw 8814 e cartão Type LF0110 Blue.
Figura 7 - Porta-dosímetro Harshaw 8814, cartão Type LF0110 Blue, interior do porta-dosímetro.
Os cristais de LiF:Mg,Ti, estão assinalados na figura 7 com círculos vermelhos, e têm
aproximadamente 3 x 3 x 0,3 mm3 (observam-se facilmente por serem os dois quadrados brancos);
Cartão de alumínio que contém os detectores
revestidos a teflon
Porta-dosímetro
Filtro para Hp(10)
Filtro para Hp(0,07)
N.º e código de barras
Identificação: N.º Instalação
Utilizador
Filtro para Hp(10) visto do interior do porta-dosímetro
19
as duas posições da esquerda que são transparentes poderiam ter também detectores caso se
pretendesse. O porta-dosímetro tem dois tipos de filtros: um de espessura adequada (10 mm de
material tecido equivalente) para a medida de Hp(10), assinalado nas figuras 6 e 7 visto do lado de
fora e de dentro respectivamente, e outro de mylar revestido a alumínio, para a medida de Hp(0,07),
que se visualiza melhor na figura 6.
4.2 Sistema de leitura
O sistema de medida do DIRE consiste em dois leitores Harshaw Bicron 6600E (figura 8). Um dos
leitores contém um irradiador interno Harshaw Bicron NE com fonte de 90
Sr/90
Y. Este irradiador é
interno mas amovível, podendo operar num ou noutro leitor, conforme necessário. O irradiador é
utilizado para a realização de alguns testes ao sistema e para a preparação de cartões de verificação,
[16], para controlo de qualidade das leituras, como descrito no GDR_DIRE_PT_06, em anexo. A
calibração deste irradiador (de acordo com o GDR_DIRE_PT_08) é feita com os dosímetros de
calibração dos leitores [16].
Figura 8 - Leitores Harshaw 6600 e respectivos computadores dedicados.
A constituição do leitor está ilustrada na figura 9 onde as peças mais importantes estão identificadas.
O leitor é constituído por um sistema de aquecimento (11) acoplado a um sistema de detecção de luz
composto por um par de fotomultiplicadores (3). O sistema de aquecimento é necessário para fazer o
ciclo de aquecimento dos detectores segundo o perfil de temperatura e taxa de aquecimento
(TTP - Time Temperature Profile) adequado ao ciclo de leitura; o aquecimento é feito com um fluxo de
azoto quente com pureza de 99,99%.
O fotomultiplicador permite a leitura de dois detectores em simultâneo e com perfis de aquecimento
diferentes se necessário (nos canais numerados de (i) a (iv)). Atendendo à configuração do cartão,
apenas são usados dois detectores e o perfil de aquecimento é igual para ambos, uma vez que são
os dois cristais de LiF,Mg,Ti; os outros dois canais de leitura são colocados em off. Assim, os canais
20
usados para a leitura dos cartões Type LF0110 Blue são o (ii) e o (iii) pela sua localização no cartão e
segundo o manual do software e do equipamento.
Os detectores estão inseridos num cartão metálico colocado no carregador (4a), para leitura ou
irradiação. O transportador recolhe o cartão e leva-o para a posição de leitura ou de irradiação e,
após a operação ser realizada, volta a trazer o cartão para o carregador em que estão os cartões já
processados (4b) [16].
Cada leitor está ligado a um computador dedicado, com software de comunicação próprio e
concebido pela Harshaw (NetREMS e/ou WinREMS) para o controlo do ciclo de aquecimento dos
leitores e, consequentemente, dos ciclos de leitura e anneal (e irradiação) e ainda para o registo das
leituras, dos ciclos de anneal, resultados do controlo de qualidade electrónico diário (Daily QC) [16] e
ainda com outras funcionalidades que neste momento não estão em uso.
Figura 9 - Interior de um leitor Harshaw 6600; 1 - Unidade de controlo; 2 – Irradiador; 3 – Fotomultiplicador; 4 - Carregadores: 4a – cartões para leitura, 4b – cartões já processados; 5 - Porta de controlo dos potenciómetros de alta tensão; 6 - Bloco que suporta os carregadores; 7 - Porta frontal apoiada no respectivo suporte; 8 - Gaveta de cartões rejeitados; 9 - Leitor de código de barras; 10 - Suporte das lentes do fotomultiplicador; 11 - Circuito de azoto.
1 2 3 4b 4a
7 10 9 8 5
11
6
56
9. Conclusão
Após a realização do estágio PEPAP, e após os últimos oito meses em que foram realizados mais
ensaios e criados mais documentos, resta fazer um ponto da situação do DIRE face ao processo de
candidatura para acreditação de acordo com a NP EN ISO/IEC 17025:2005.
Tendo trabalhado neste laboratório e tendo conseguido, em conjunto com o Dr. João Alves
(Responsável Técnico e da Qualidade), reunir muita informação anterior a este processo de
implementação do SGQ, criar pontos de armazenamento de dados primários e de muitos documentos
na rede informática do ITN será necessário continuar a perseverar na criação/codificação de alguns
impressos e criar hábitos de uso das ferramentas criadas.
O principal desafio, penso que será a formação do pessoal com sensibilização e consciencialização
das mais-valias que o SGQ traz ao DIRE.
O ensaio dos itens já era executado como se descreve nos procedimentos técnicos agora
formalizados por escrito, pelo que em termos de trabalho técnico não há mudanças a implementar: o
DIRE já possuía uma rotina de trabalho bem implementada.
O SGQ do DIRE está já bastante estruturado sendo apenas necessário rever alguns impressos e
documentos que já estão identificados que poderão ser optimizados; os documentos principais estão
prontos pelo que o DIRE pode formalizar a sua candidatura para acreditação.
Fica o desafio de melhorar continuamente…
57
Bibliografia
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58
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