A Boa Mesa Dos Celtas - Alegria e Sustento Dos Guerreiros
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ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO ANTIGO
&
VIII JORNADA DE HISTÓRIA ANTIGA
2009
Prof. Mestranda Renata Macedo Maia da Silva
Orientadora: Prof. Drª Maria Regina Candido
A boa mesa dos celtas: alegria e sustento dos guerreiros
Três mortes que são melhores do que a vida:
a morte de um salmão, a morte de um porco gordo,
a morte de um salteador.
Tríade irlandesa nº92
Introdução
O Mediterrâneo na antiguidade era cenário de diversos laços comerciais, conflitos,
bem como movimentos migratórios que ajudaram a construir identidades, comportamentos
e paisagens e entre eles, a alimentação. Comer bem fazia e ainda faz parte das vivências
das elites, entretanto o gosto e o conceito do que era bom e importante poderia variar
segundo a região e grupo social. Os hábitos alimentares de um povo sugerem um conjunto
de valores que norteiam a vida como um todo, passando pelas questões religiosas e de
poder. A elite guerreira celta tinha seus banquetes, momentos de alegria e prazer entre as
batalhas que em certa medida assemelhavam-se aos de Gregos e Romanos. Aqui
apresentamos alguns destes hábitos a fim levantar características distintas entre romanos e
celtas.
Inicialmente é preciso esclarecer que este é um dos desdobramentos de nossa
pesquisa em que tentamos traçar um panorama geral dos hábitos alimentares celtas que
foram bastante mesclados aos de outros povos devido à larga extensão de terras por onde
distribuíam-se as comunidades de chefia celtas por volta do séc.I a.C até IId.C. De
qualquer maneira, como é comum nos estudos célticos, vez por outra é preciso recorrer às
permanências em documentos grafados mais tardiamente. Em cada região existiram itens e
hábitos que se destacaram, entretanto houve elementos que sempre estiveram presentes nas
comunidades célticas demonstrando um elo de ligação entre estes grupos.
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A História da Alimentação não é propriamente um enfoque novo e justamente por
isso é motivo de questionamentos. Qual o interesse no estudo da alimentação na
antiguidade? O que traz de novo para que possa enriquecer a vida humana no século XXI?
Há que se pensar que o trabalho científico não encerra-se apenas na catalogação,
listagem e descrição de descobertas, mas num campo de experimentação - neste caso
comparada- que possibilita reflexão sobre formas e modos de vida e sua relação com o
ambiente. Neste rol encontram-se também os contatos entre humanos. Nosso tempo é
marcado pela profunda distancia entre os que têm a oportunidade de alimentar-se e os que
sentem fome. Ainda entre os que comem alimentos altamente processados e os que comem
alimentos mais perto do que seriam naturais e /ou orgânicos. Desta maneira é enriquecedor
analisar as mudanças em relação aos alimentos e as formas de legitimação de poder em
torno dos mesmos.
Muitos outros fatores da comensalidade celta ainda poderiam ser explorados como
as faianças e todo o conjunto de utensílios presentes, bem como um maior aprofundamento
nos hábitos alimentares determinando valores nutricionais. Estes fatores não foram
selecionados por hora neste artigo, embora apresentem um campo apaixonante.
Para analisar a alimentação na cultura celta durante a antiguidade é preciso recuar
um pouco no tempo a fim de compreender que mudanças estruturais ocorreram na vida
comunitária humana.
A trajetória do homem e seus alimentos
Durante o paleolítico as caçadas já são em certa medida planejadas com uma ação
anterior de caráter ritualístico e posterior organização para aproveitamento total de partes
da presa como carne, gordura, tendões, couro etc... A carne estocada era conservada por
secagem, defumação, congelamento em subsolo ou lagos. Depois esta carne era consumida
seca ou reidratada através de fervura feita em recipientes de cascas de madeira ou couro,
levada ao fogo diretamente ou dentro de bolsas estomacais de animais. Havia ainda a
alternativa dos assados utilizando como espetos os próprios ossos de animais (PERLÈS in
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FLANDRIN & MONTANARI,1998:46). Isso não significa que estes homens não se
alimentassem de cereais.
No Neolítico existe uma mudança lenta em diferentes partes do mundo que vai
transformando as comunidades caçadoras- pescadoras e coletoras em assentamentos de
fazendeiros que conseguem manejo e domesticação da agricultura (BROTHWELL &
BROTHWELL,1967:40).
Tais assentamentos inicialmente eram campos abertos próximos aos locais onde
haveria as colheitas (TANNAHILL,1988:20-21). Há pouco tempo uma descoberta
arqueológica demonstrou como estes homens já gozavam de técnicas e habilidades para
tratar o resultado destas colheitas; na Jordânia próximo ao Mar Morto, um silo com três
metros de diâmetro, para armazenamento de grãos, contava com piso elevado prevendo
melhor aeração e a ação dos roedores. Tal construção pode ser entendida como uma real
compreensão a respeito do potencial de vegetais por parte dos humanos dos primeiros
assentamentos. Estes grupos teriam vivido entre 15.000 e 12.800 anos atrás1.
A cozinha dos celtas e dos outros
Papas e sopas
Com o passar do tempo, os grupos humanos que já traziam os conhecimentos de
manejo e processos relacionados à criação de animais e cultivo de plantas e cereais, vão
adotando dietas com características próprias de cada região. Na Europa a alimentação fica
baseada em duas linhas: ao norte com cereais, carne de animais domésticos e recursos
silvestres; na região do mediterrâneo apenas carnes de boi, carneiro, cereais tranformados
em pães e leguminosas. Peixes e frutos d‟água eram também utilizados nas duas áreas. Os
cereais eram usados em papas e acredita-se que as primeiras sopas tenham iniciado-se nas
regiões mais frias para reposição de gorduras (PERLÈS in FLANDRIN& MONTANARI,
1998:50-51). Estas papas do tipo porridge (espécie de pirão escaldado) fazem parte da
dieta de ingleses, escoceses e irlandeses até hoje (TANNAHILL,1988:24). Papas e sopas
utilizando cereais como: aveia, cevada, sarraceno e leguminosas como lentilhas, grão de
1 Reportagem de Katherine Harmon na revista Scientific American a partir de estudos da National
Academy of Sciences.
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bico e tremoços eram presentes entre celtas, variando em algumas regiões. O Dagda, O
Todo Pai que aparece na mitologia celta, possuía o caldeirão da abundância onde a
comida- especialmente mingaus- nunca faltava e podia nutrir continuamente a tribo. Este
tipo de alimento não era muito apreciado nas elites greco-romanas, eram consideradas
comidas de bárbaros. O Puls, um cozido cartaginês ficou muito difundido na Hispânia. Era
nutritivo, mas ironizado em comédia por Plauto. De toda forma a aveia oriunda da região
da Dinamarca, Alemanha e Suíça expandiu-se através das levas migratórias da cultura La
Tene servindo além de papas e sopas, também para pães, mas ao que parece eram
consideradas por gregos e romanos como forragem (BROTHWELL &
BROTHWELL,1967:106-107).
Da Caça à Criação
Desde o principio a cozinha vinha demonstrando ser não apenas uma reposição de
necessidades nutricionais, mas também expressão de opções culturais e ou reflexo das
relações de poder (oferecimentos, sujeição, pertença comum). Dentro disto, as atividades
cerimoniais. Sendo, portanto, um traço de identidade e nas comemorações e reuniões, um
traço de etnicidade. Apesar da domesticação de animais e da agricultura, as comunidades
européias, especialmente as celtas mantêm o hábito da caça, sendo as espécies mais
valorizadas javalis e cervos. “A não domesticação do cervo constitui uma verdadeira opção
sócio-cultural, e sua transplantação para fora de seus territórios de origem, confirma a
importância ideológica do „mundo selvagem” (PERLÈS in FLANDRIN& MONTANARI,
1998:52). O valor da caça mantém-se como elemento fundamental para as sociedades de
chefia que constituem aquilo que se chama, para forma de estudo – Mundo Celta. A
atividade caçadora é além de uma forma de pertença, mobilidade social. É justamente
através dela e do combate que são demonstrados valores masculinos que definem ou
confirmam a chefia. Muitas destas caças apresentavam dupla função: sacrificial/ritualística
e função alimentar; dentre elas destacam-se como já dissemos acima os cervos e gamos por
sua atribuição de força e virilidade e por simbolizar o Rei das Florestas. O boi e a vaca
representavam o deleite, o primeiro era associado à agricultura e à cura e ambos à realeza.
O cavalo que seria ligado às altas posições e muitas vezes aparece em ritos funerários uma
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parte de seu corpo. O Javali que significava ferocidade, guerra, caça e hospitalidade, pois
servido em banquete alimentava a muitos, pois tem baixo teor de gordura2. Era também a
mais cara para os romanos servida assada, ensopada ou ao forno, sempre servida com um
molho (GIRALT I ESTEVE,1990:81). O cão a passagem para o “Outro Mundo”, o fato de
aparecer como interdito no mito de Cú Chulainn demonstra que ele era servido não só em
banquetes cerimoniais como também para degustação, embora fosse um companheiro
inseparável nas caçadas e de grande estima3. A Incisão rupestre do Vale de Camonica,
Alpes Italianos, demonstra que este seria um local sagrado no neolítico, continuando a ser
durante a era do bronze em função da caça. Consequente esta atividade continua a
constituir fonte de alimentação para a tribo dos Camunni citados por Estrabão (Geografia,
IV). Geralmente o preparo das carnes era feito ensopado como guisado com coentro,
cominho,e muitos outros temperos como o vinagre e o sal (Athenaeus: Os
Deipnosophistas, VI) que era extraído em de toda região céltica desde o neolítico
(BROTHWELL & BROTHWELL,1967:167-168). A cebola gaulesa era também exportada
para os romanos. Todos os ingredientes eram colocados em caldeirões que deviam ferver
por horas até que a carne estivesse tenra.
O Rito de Ar-Tarbhfhess, o sono do boi nas terras do Eirin, hoje Irlanda, era com a
finalidade de escolher o rei. Consistia em um indivíduo escolhido, após a morte do boi,
comer uma parte da carne e um caldo desta carne. Após isso, ele dormiria e sonharia com a
pessoa que deveria ser o rei (GREEN,1997:52). Consistia num rito alimentar de natureza
sagrada e é possível que este guisado levasse como ingrediente algum elemento
alucinógeno, um tipo de fungo ou erva que induzisse ao sono.
A dieta das tribos da Britânia era parecida com a dos gauleses, porém mais simples.
Em De Bello Gallico, Júlio César falando sobre as tribos desta região diz: “Não era
permitido aos Britânios comerem lebre, galinha, nem pato; mas criavam-no por prazer
seu”. (César,B.G: V,12) Tais animais provavelmente eram sagrados às divindades locais
das quais certamente uma era Lugh o deus guerreiro relacionado à luz solar e também às
2 Verificar dados na tabela nutricional em anexo. Dados da Confraria Gastronômica Sabor e 3 Observe-se o Carro votivo de Mérida que encontra-se no Museu de Antiguidades Nacionais, Paris.
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habilidades artesanais, que nomeava a cidade de Londinium, na Britania e da de
Lugdunum na Gália. Os romanos associavam-no à uma divindade celta, provavelmente
Lugh seria o deus Mercúrio que na estatuária galo-romana aparecia acompanhado muitas
vezes por um galo como demonstra o baixo-relevo de Mercurio e Rosmerta que encontra-
se no Gloucester City Museum, na Inglaterra. Havia então uma clara seleção dos alimentos
sagrados e não sagrados. Em algumas regiões estes alimentos sagrados poderiam estar
vinculados a momentos que antecediam o banquete dos mortais como acontecia na
Mesopotâmia (JOANNÈS in FLANDRIN& MONTANARI,1998:64).
As caças menores lebres e coelhos abundantes na Hispânia, castor e marta eram
uma forma de divertimento e compunham também a mesa. Aves como gralha, grou e
pardais, cisnes e pombas também eram apreciadas entre os romanos (GIRALT I
ESTEVE,1990:96) e ao que parece entre gauleses também. O deus caçador aparece em
escultura carregando uma lebre da região de Touget, Gers na França e estatuetas de
pombas foram encontradas em santuários curativos gauleses sempre em números pares
(GREEN,1997:113;85-86). Para os romanos a caça era um valor bárbaro, mais um
exotismo para servir aos convivas do que um interesse romano (BUSTAMANTE:4).
Entre os gregos alimentos cozidos eram associados à civilidade sendo um valor
étnico. A comensalidade era um mérito e possuía natureza simbólica, entre celtas também;
para aqueles o estrangeiro tinha direito a um anfitrião e em Deipnosophistas – O Jantar dos
Professores ou Filósofos - são elencados os valores e hábitos, bem como os avisos daquilo
que não se devia fazer; entre estes as etiquetas eram diferentes permitindo que comessem
antes dos convidados (VI, 36). No banquete interagiam os homens gregos e estrangeiros,
os deuses presentes através da arte e simbolizados nos alimentos, cortesãs, escravos e ainda
os animais vivos (XIII). Eles julgavam como Heródoto que, tanto mais para a extremidade
da terra4 mais exóticos e diferentes eram os homens em aparência e costumes e um dos
traços descritos por Hipócrates para bárbaro seria o fato de desconhecerem a domesticação
da agricultura (WOORTMANN, 2000:7-8; 11-13). Athenaeus citando Polybius conta que
4 Levar em consideração o mapa antigo construído por Heródoto;Uma terra ovalada com o Pontus Euxinus
ao centro e o “mundo civilizado ao centro, nas extremidades da terra os ambientes exóticos como:Celtas,
Hiperbóreos, Citas, Índia, Persas e Etíopes.
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na Lusitania, região reconhecidamente celtibera, o clima era propício para a agricultura e
para a pastagem fazendo com que os preços de animais e de outros gêneros alimentícios
fossem bons. Ele cita porco gordo, ovelhas, parelhas de bois e novilhos, bem como peixes
de qualidade e beleza superiores a de outros mares. Fala também em figos, aspargos5, trigo
e cevada (Os Deipnosophistas, VIII).
O porco era um alimento extremamente apreciado pelos romanos, por isso mesmo
eles apreciavam muito a charcutaria gaulesa. Nas Gálias sabiam defumar, salgar e fazer
embutidos; Posteriormente esses alimentos processados eram exportados para províncias
distantes romanas. As peças mais apreciadas eram vulva e teta de porca, e fígado de porco
engordado com figos secos e mel (BROTHWELL & BROTHWELL, 1967:46). O fígado
era recomendado por Apícius entre os romanos e eles sabiam prepará-lo de quinze modos
diferentes. Estes animais e outros também eram criados livremente pelos celtas
alimentando-se de bolotas e dividiam com os humanos o interesse por elas.
Pães de Bolotas, nozes e outros pães
As bolotas são frutos do carvalho, do sobreiro e da azinheira que agradavam muito
aos celtas de uma maneira geral. Aparecem em contos, mitos e nos textos clássicos.
Proporcionavam tanto alimento para a criação como já citado anteriormente, como
proviam farinha, especialmente entre os celtiberos. Amargas ou doces davam o pão aos
povos celtíberos e gauleses. As amargas precisavam de branqueamento a fim de eliminar o
gosto forte e a coloração dos taninos. “Durante dois terços do ano, os castrejos alimentam-
se de bolotas, que secam e trituram e, depois, moem para fazer pão, que conservam por
muito tempo” (Estrabão Geografia III, 7).
As receitas6 ainda sobrevivem atualmente em Portugal e muitas pessoas têm
ocupado-se em voltar a colher as bolotas a fim de preservar este patrimônio cultural
imaterial.
5 “A palavra espargo tem origem grega e siginifica qualquer rebento tenro colhido e consumido quando
muito jovem(...) o termo aplicava-se também ao brócolis (...) conhecidos como‟espargos italianos‟ em sua
introdução na Inglaterra” BROTHWELL,Don;BROTHWELL,Patrícia.A Alimentação na Antiguidade.Lisboa: Verbo,1971.
6 O Pão de Bolotas - Descascar bolotas doces e pô-las de molho vários dias, mudando a água.Não cessar até
que os taninos deixem de tingir a água de vermelho. Moer na mó à romana para obter a farinha. Seguir
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A avelã um tipo de noz, era considerada sagrada. Não só o fruto como a madeira da
aveleira. Eram conhecidas como noz da sabedoria, das quais quem comia partilhava do
conhecimento, como no “Mito do Salmão do Conhecimento”; o número de pintas de um
salmão era o indicativo de quantas nozes tinha consumido (MACKILLOP,2004:265).
Quando a aveleira estava sem folhas dizia-se que era um mau agouro e caídas sobre o leite
o envenenariam e a árvore serviria de pouso aos abutres. Era considerado um prenúncio de
morte. Variados tipos de nozes e as castanhas também eram incorporados aos pratos,
fazendo parte de bolos, pães e pequenos doces.
Outros pães também tinham seu lugar de honra, entre os gauleses centeio, cevada e
aveia eram pães mais simples. Entre os celto-lígures, da região de Massília, eram feitos
outros tipos que eram de luxo levando na massa leite e óleo de oliva. Blosmilios- com
formato quadriculado; Hemiaton – em forma de meia lua; Kollabes – enrolados como
brioches.
Ainda de origem massaliota, faziam o Phtóis –feito de queijo fresco amassado com
farinha fina; Itrion – uma bolinha de farinha de cevada e mel, cozido na água enrolado em
papiro;Thion – uma massa de farinha de aveia, queijo fresco com, gemas de ovos, banha de
porco, amêndoas e passas, enrolado em folha de figueira e cozido em água fervente;
depois, retiradas as folhas jogado no mel; Encris – bolo de farinha de sarraceno, azeite e
mel. (TERNANT,2006[? ]:42)
O Bannock, da tradição irlandesa era um pão achatado e redondo em que
aparentemente torrava-se anteriormente o trigo. Este era um hábito ligado aos festivais de
verão narrados mais à frente.
Leite e derivados
Anunciando o fim do inverno, o festival que era dedicado à deusa Brigit, aludia à
nutrição, ao leite como alimento sagrado na vida celta. Era também conhecido como o dia
dos bezerros virem mamar (Óimelc), o dia da luz, Imbolc; Após o cristianismo, este evento
receita comum pondo água, sal e fermento. Acrescentar mel e frutas secas;o uso de azeite é um dado romano na
região.
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na Irlanda recebe novo nome: Candelemas ou Candelária passando a ter ligação com a
Virgem Maria e Brigit passa a ser Santa Brígida.
O leite e o queijo faziam parte integrante da alimentação celta, especialmente nos
grupos que viviam nas Ilhas de Ierné e Albion, hoje Irlanda e Inglaterra. Podemos perceber
no mito da “Trágica morte de Cú Roi Mac Daire” que a fartura de leite e sua importância
eram grandes nesta região. Quando o caldeirão cheio de leite é comparado à três cabeças
de gado e à própria princesa em valor. No texto: “A Violenta Morte de Maebd ” o jovem
Fuirbaide mata a rainha Maedb tacando-lhe o pedaço de queijo que comia na fronte,
vingando sua mãe. A mitologia demonstra a produção de queijo duro na região. Estrabão
conta que os celtiberos na Hispania consumiam manteiga ao invés de óleo de oliva, embora
nestas terras houvesse condições favoráveis para o cultivo das oliveiras. Gregos e romanos
também consumiam leite fermentado em diferentes texturas: oxygala, sólido tendo sido
tirado o soro três vezes antes da salga; schiston, como indicação médica e melca, fluido
colocado em recipientes com vinagre em ebulição e à noite guardados em local quente.
Este último era servido com liquamen, sal, azeite, pimenta e sementes de coentro
(BROTHWELL & BROTHWELL,1967:57). As variações entre queijos mais macios e os
duros está relacionada ao grau de umidade retida no processo de cura e quanto mais duros
mais fácil de conservar em temperatura ambiente. É possível que os queijos frescos na
antiguidade levassem uma carga de sal maior do que hoje em dia quando podemos contar
com acondicionamento em refrigeração.
Tais queijos frescos ou de cura eram consumidos por estes povos, puros, com pão,
em massas e também adicionados aos pratos. Era uma forma de poder estocar um alimento
herdado das primeiras domesticações do neolítico e poderiam ser do leite de vacas, ovelhas
e cabras mais comumente. Principalmente a manteiga seria uma forma de preservar o
alimento antes que o homem conseguisse extrair leite da criação por todo o ano
(TANNAHILL,1988:29). Para seu preparo contavam com recipientes perfurados feitos em
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terracota ou vime que deixavam escorrer o soro7. O leite também era usado na manufatura
de bolos, doces ou como elemento de ligação nos molhos (GIRALTI I ESTEVE,:83).
Peixes, moluscos e o garum
Diversos peixes e outras espécies marinhas faziam parte da dieta de celtas
especialmente gauleses, além de romanos e gregos. Dourado, Tainha, Atum, Moréia,
Espadarte, Anchova, Arraia, Polvo, Lulas e Salmões. Este último figura em diferentes
mitos do mundo celta e germânico, evidenciando a troca entre povos vizinhos. São
diversas as transformações em forma de salmão ou alusões à questão da inteligência e
sabedoria. O dourado cozido com ameixas e vinagre era um prato finíssimo, assim como a
enguia salgada e preparada ensopada. Mariscos e lagostas também eram apreciados
(TERNANT,2006[? ]:43).
Ainda eram consumidas na Hispania romana, outras espécies de moluscos como
Sépia servida ao vinagrete ou cozidas em seu próprio corante natural (GIRALT I ESTEVE,
1990:74).
As culturas de ostras eram conhecidas pelos romanos sendo levados para a Britania,
certamente também devem ter feito parte da dieta dos gauleses. Os peixes e moluscos eram
servidos picados ou em forma de almôndegas, acompanhados de diferentes molhos como o
nosso conhecido vinagrete, adicionando-se mel, orégano e/ou com garum (GIRALT I
ESTEVE,1990:96). Com sobras e vísceras de peixes associadas a diferentes moluscos era
feito o garum ou liquamen.Uma maceração em sal com filtragem e armazenamento. Era
uma produção comercial, com grandes espaços destinados a isso como mostra o sítio de
Tarifa, na Espanha.Os tanques comunicavam-se diretamente com o mar Havia uma
variação no preparo: oenogarum com vinho e especiarias; hydrogarum com água e
oxygarum com vinagre (BROTHWELL & BROTHWELL,1967:168-169) (GIRALT I
ESTEVE,1990:96). Era um tempero usado em diferentes receitas e de odor forte. O garum
fazia parte da dieta dos soldados romanos, mas também de celtas, após os enfrentamentos
nas Gallias e o avanço das tropas romanas até as ilhas britânicas e na península ibérica. Na
7 Referência destas formas a partir de desenhos de O.Keller e R.C.Bosanquet em formato de balde
perfurado e caneca perfurada referentes a romanos e gregos respectivamente em BROTHWELL,Don;BROTHWELL,Patrícia.A Alimentação na Antiguidade.Lisboa: Verbo,1971,p:55;59.
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rota de mercadores que cultuavam a deusa Nehalennia em direção a Ganuenta e Ara
Ubiorum, na Germania inferior haviam aqueles que levavam o molho de peixe
(GREEN,2003:11) que nada mais era do que o garum. Acompanhava carnes, era
ingrediente de molhos e usado no tempero de cogumelos.
Cogumelos e trufas eram muito apreciados por romanos e celtas, fazem parte de um
costume antigo as coletas e muitos tipos podem ser recolhidos entre a variedade de
vegetação. As propriedades vitamínicas são variadas e equivalem nutricionalmente aos
legumes e são inferiores aos peixes. Em Roma eram temperados com garum, mencionado
acima, pimenta, mel. Cozidos e grelhados era consumidos e ao que parece as trufas é que
eram apreciadas por gregos (BROTHWELL & BROTHWELL,1967:91-99).
As Bebidas, os Banquetes e Festivais
Os festivais celtas eram relacionados ao seu calendário cíclico. Forma antiga pagã
de compreender o seguir do tempo. Eram um momento de fartura, compreendendo-se que
nem sempre a natureza, apesar de domesticada, atende aos anseios humanos. Basicamente
se dividiam em dois momentos principais: um representando o frio e a escuridão e o outro
a luz e o calor. O primeiro, o Samhain ou Samonios marcando a metade escura, pois o dia
e o ano começavam assim. Era um tempo de recolhimento já com as carnes salgadas e as
peles tratadas para enfrentar as dificuldades. O Beltane, o Cetsamhaim ou Beltaine início
do Verão e da atividade pastoril. Consistia em uma espécie de encorajamento para que o
sol penetrasse a terra. Dedicado a Belenus segundo Miranda Green (1997:42). Para James
MacKillop (2004:39) um tempo de começar novas coisas, de comer o Bannock, mas não
necessariamente associado a este deus. Certa tradição aponta, segundo ele, que aquele que
tirasse o pedaço com a tisna preta nesta época, poderia ser atirado ao fogo ou esquartejado,
homem ou mulher.
Nos festivais de Lugh, Lughnasad, eram celebradas as colheitas e jogos para os
guerreiros, a salga das carnes e o anuncio do declínio suave da luz trazendo o outono.
Também compreendendo Lugh como mestre das artes o festival é dedicado aos artesãos e a
comemoração do casamento de Tailtu a mãe adotiva de Lugh. É provável que casamentos
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fossem comemorados nesta data e alianças feitas por uniões exogamicas. A fartura
permeava a festa e em festivais da luz celtas, a fogueira estava presente. Esta era a festa
também associada à colheita das bagas, consideradas sagradas, associadas ao Outro
Mundo.
Num banquete grego, a base seria um bolo de cevada, vinho, um pedaço de carne
ensopado (WILKINS & HILL,2006:59). Este costume foi seguido também por romanos e
celtas, menos por difusão cultural que por hábitos sociais desenvolvidos desde o neolítico.
A ritualística do banquete grego era servir todas as iguarias aos reis convidados em iguais
porções de forma moderada de modo que aquilo que eles não tivessem tocado na hora
poderia ser levado para casa. Também podiam dividir em porções iguais entre servos e
soldados e outros acompanhantes da comitiva (idem:26).
Entre as bebidas apreciadas por celtas estavam o vinho de maçã ou Pomatum. O
processo pelo qual era feito na verdade é um estágio anterior ao vinagre de maçã. Faz-se a
extração do suco e côa-se. Depois, reserva-se com açúcar ou mel misturado ao fermento
biológico de pão (levedura). O recipiente deve ser lacrado com uma saída para o oxigênio
na água, estará pronto em dez dias8. Igualmente consumiam o vinho de pêra de nome
Piratum. As outras bebidas de produção celta eram o zythos ou a cerveja produzida da
cevada citados por Diodoro Sículos ( V:26) e também Ale, uma bebida fermentada a base
de malte e lúpulus. Esta última está presente na mitologia celta sendo consumida
desenfreadamente por Cú Chullain, Angus, Conn e também associada ao deus de nome
Brâg venerado posteriormente pelos romanos e associado a Marte. Isto remete ao fato de
celtas terem um rito de beber antes das batalhas (MACKILLOP,2004:12-
13;51)(HORNSEY,2003:157-158). As evidências arqueológicas para a fabricação de
cervejas datam do período da cultura Hallsttat e do início do período da cultura La Tène,
ou seja, entre 2.400 ou 2.600 anos atrás. A corma ou Kourmi citada pelo médico grego
Dioscorides era um tipo de bebida também a base de cevada que segundo ele dava um suco
ruim e afetava a musculatura provocando, além disso, dores de cabeça
8 O biólogo Estêvão Zilioli ensina no programa Globo Repórter a fazer vinagre de maçã e no curso do
processo assinala o momento em que está pronto o vinho de maçã. http://grep.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGC0-2703-20159-3-328483,00.html .
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(HORNSEY,2003:159). O fato é que acostumados a beber o vinho misturado à água para
não embriagarem-se, os gregos não compreendiam e nem acostumavam-se a um tipo de
bebida de sabor diferenciado e forte. Na região da Lusitania conta-nos Ateneu, que o clima
era propício para criação, frutas e flores e que havia peixes em abundancia, com isto os
preços da cevada, trigo e novilhos era bastante em conta favorecendo a fartura
(Deiphnosofistas,VIII). Ainda demonstra a preferência grega por uma bebida de nome
Nectar que seria produzida na Lidia, uma infusão de vinho com flores perfumadas e favos
de mel, que tinha além de fragrância doçura e que Anaxadrides a elegia como comida dos
deuses (idem, II). Os três dias das Anthesterias celebravam a etnicidade grega com o
vinho, um momento de congraçamento entre as instancias relembrando ritos de alegria e
tristeza, nascimento e morte, a ambivalência dionisíaca. O vinho como elemento
importante de unidade social e posteriormente como elemento catalisador de forças e de
aceitação. O romano e o celta assim como outros, podem ser aceitos no banquete grego
pelo vinho.
Em De Bello Gallico (IV,2) Júlio César relata que os suevos proibiam a entrada de
vinho em suas terras, pois atribuíam a esta bebida a efeminação dos homens e uma certa
alteração no humor. Diodoro Sículos ( V:26) afirma que os gauleses exageravam no uso do
vinho entrando em estado de loucura e que eles costumavam beber a água com que
limpavam seus favos de mel. Provavelmente referindo-se ao uso da bebida conhecida
como hidromel. Tal bebida agradava aos celtas e era também consumida pelos vizinhos
germanos que a acreditavam bebida dos deuses. Consistia na fermentação do mel
formando uma espuma denominada mosto, que posteriormente era acrescentada a uma
parte maior de mel com água; nesta fase a bebida não deveria receber oxigênio. Dadas as
condições de temperatura em 20º o hidromel estaria pronto em quarenta dias. Uma receita
do século V de Rutlius Palladius, entretanto, afirmava que crianças deviam mexer durante
cinco horas seguidas para que o hidromel atingisse seu teor de bebida (TERNANT,
2006[?]:43).“Há no hidromel riqueza em sais minerais, fósforo, magnésio e cálcio. Além
disso, o hidromel possui teor de frutose duas vezes maior que de glicose, sendo a frutose
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um tipo de açúcar menos agressivo9”. Anteriormente ao desenvolvimento da cultura do
vinho este também fora o modo usual de bebidas entre romanos e de muitos outros povos,
conhecido nas terras célticas como honey ale e mead (TANNAHILL,1988:29).
Os perfumes variados das frutas frescas ou em passas como a uva e a ameixa, os
pomos dourados citados nos mitos dos Jardins da Hespérides, bem como as peras e maçãs
cotadas também entre os celtas como frutas sagradas relacionadas à Ilha de Avalon, o mel
e tantos outros aromas enchiam os ambientes. As frutas e doces serviam para interligar os
diferentes pratos que eram servidos.
A postura dos comensais nos banquetes gregos inicialmente eram sentados em
cadeiras, os divans reclinados ou triclínios foram um dado advindo do mundo romano. Os
celtas tinham uma maneira peculiar de aproveitar as delícias oferecidas:
“Bebem também cerveja. Para o vinho têm solo
escasso e, se o conseguem, de pronto o gastam
fazendo banquetes com suas famílias. Em lugar
de azeite, empregam manteiga. Tomam suas
comidas sentados, tendo ao redor da parede
bancos de pedra. Dão a liderança aos de mais
idade e categoría social [mais elevada]. A
comida se serve em círculo”.
(Estrabão,Geografia III,7)
A forma do celta portar-se em um banquete era quase que sempre recriminada pelos
historiadores clássicos, pois os valores que permeavam estas sociedades diferiam em
alguns pontos. Sentar-se ao chão, sobre juncos ou peles era a forma comum para do
guerreiro celta, seus anciãos e sacerdotes partilharem o alimento. Neste mesmo livro de
Estrabão podemos ver a presença das mulheres com seus vestidos floridos dançando com
9 O Prof.Evandir Oliveira do departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Alagoas/
UFAL desenvolveu uma pesquisa a partir de 1997 para sanar um problema com a produção de mel. As abelhas da
região ao invés de produzirem o mel a partir de floradas estavam nutrindo-se diretmente da cana-de-açúcar e a produção tinha dificuldades de aceitação no comércio.Entre outras coisas ele passou a pesquisar o hidromel.
Disponível em: http://maceio.wordpress.com/category/comida/ acesso em: junho de 2009.
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os homens de mãos dadas ao som de flautas e cornetas. Outro dado interessante é o fato de
ser claramente a narrativa de um grupo familiar. São as esposas que dançam e neste mesmo
documento o grego cita os casamentos monogâmicos.
Os jantares gregos eram uma prova de status, “um insulto aos famintos”
(TANNAHILL,1988:69), eram também dedicados à música e ao amor. Ateneu nos fala em
jantares afrodisíacos (Os Deipnosophistas,IV), da beleza de Laís de Hyccara e de como a
deusa Venus apareceu para ela dizendo que seria cortejada por muitos homens (idem
XII,54). Igualmente os banquetes dos romanos eram também de excessiva fartura, estes
entregavam-se mais ao exagero do que os gregos uma vez que possuíam o consagrado
vomitorium que permitia após a alimentação excessiva uma saída reservada para tal
(CORDÁS & CLAUDINO,2002:5). Este exagero entretanto não sempre uma marca
romana, os textos clássicos evocam um tempo onde se portavam diante do banquete
parcimoniosamente e “seguindo os costumes gregos escolhiam o magister ou rex bibende”
que regulava as dosagens e a mistura com água, o vinho sem água era para serviços
religiosos.(BUSTAMANTE:5). A todos era oferecido vinho, pães enormes, carnes assadas,
defumadas e cozidas e que os sofás dos Etruscos luxuosos eram bordados e além de
beberem em taças de prata seus escravos eram vestidos com roupas caras (Os
Deipnosophistas,IV).
A respeito dos celtas, Ateneu ainda acrescenta: “E entre os bárbaros, os celtas
também, apesar de terem as mulheres muito belas, desfrutavam mais dos rapazes, tanto que
alguns deles têm dois amantes para dormir em suas camas de peles de animal” (Os
Deipnosophistas, XIII). Em outra passagem ele demonstra como Luernius ofereceu um
banquete com mesas de comidas que duraram vários dias, onde todos poderiam servir-se
livremente e que satisfeito com as canções do bardo ele atirou-lhe ouro.(idemIV). O hábito
de beber e brindar em círculo, com o líder ao centro, acompanhado de um parasita,
demonstra a relação de poder dentro da esfera social. A rodada da taça fosse de faiança em
prata ou outro material, em homenagem aos deuses ia sempre oferecida pela mão direita e
recebida também pela direita em sinal de hospitalidade (idem); este hábito figura os laços
necessários para a manutenção da ordem interna, das chefias e do bom fluir da
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comunidade.Tais laços eram ratificados no entrelaçar dos braços ao passar e receber as
bebidas.
Degustação
Foram feitos por nós, pequenos experimentos com a culinária celta a fim de
compreender as diferenças em texturas e sabores que nos distanciam destes povos. E a
partir destas vivências foi possível começar a perceber a sensorialidade destes momentos
de banquetes e festivais bem como obter um esboço do imaginário social em relação aos
alimentos.
Em duas ocasiões fizemos o porco, uma parte escolhida de lombo com pouca
gordura e temperado com cebolas, sal e cominho. A primeira vez usando a tecnologia da
pressão fez com que o alimento ficasse tenro rapidamente absorvendo melhor os temperos.
Da segunda vez não usamos a tecnologia da pressão e a carne precisou ficar por muito
tempo até que se tornasse macia. Mesmo não utilizando o fogo rudimentar o processo de
cozimento tornou-se lento e a textura da carne diferente.
Após uma aula sobre os itens alimentares desta cultura propusemos uma degustação
simples na semana seguinte que seria a última do curso. Foram oferecidas peras, maçãs e o
suco de maçã e uma pequena porção de hidromel, apenas para prova. Também o porco
acima mencionado, cogumelos, azeitonas, queijo fresco, pães de centeio, aveia, mel e uvas
passa. Ainda preparamos uma variação do Thion de origem massaliotaque não levava
cérebro de porco, nem era enrolada em folhas de figueira por não termos conseguido estes
ingredientes. Enrolamos com folhas de repolho branqueadas como alguns árabes preparam
enroladinhos. O resto do procedimento foi igual. Fizemos em duas apresentações: bolinhos
pequenos e o bolo grande no formato de um Bannock. A mesa ficou bonita e o aroma
agradável. Não foi possível fazer uma rodada celta com as bebidas, pois como prevenção
do contagio da gripe suína preferimos servir em copos descartáveis e individuais.
A reação foi curiosa, pois todos perguntavam frente ao prato que tinha formato de
Bannock se seriam sacrificados ao fim do “banquete” rindo. Preferiram, entretanto,
degustar esta versão do Thion aos bolinhos individuais enrolados em repolho. O lombo de
porco foi apreciado por alguns. O hidromel foi mais apreciado por homens que fizeram
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brindes. Um rapaz disse que apesar de gostar da cultura celta, em termos de alimentação
naquela época ele estaria mal, pois nada lhe apeteceu. Uma pessoa quando anunciado o
momento da degustação, agradeceu e não quis participar.
É interessante assinalar que as observações foram de forma assistemática, a ocasião
era mais de confraternização do que uma experimentação nos moldes clássicos científicos.
O objetivo era vivenciar a alegria dos guerreiros ao fim de uma jornada com a degustação,
processo usual no meio educacional e utilizado no Museu de Alésia. O ambiente estava
propício, pois a última aula tinha sido sobre musicalidade e danças célticas, a recepção na
cultura popular da Irlanda e outros países de herança celta.
O que pudemos retirar desta experiência foram alguns indícios apenas e é algo que
pretendemos repetir em outras ambientações. Os sabores que temos hoje são bastante
diferenciados dos da antiguidade, a começar pelo sal. As pessoas dão preferências aos
alimentos industrializados e algumas rejeitam coisas fortemente condimentadas. A
sensação de doce também modificou-se, pois alimentos industrializados com açúcar
refinado é que são o padrão atual para este conceito e não o mel. A textura dos Thions
enrolados individualmente ficou diferente, mais semelhante a pudins do que o feito em
formato de bolo, este ficou mais seco. Não havia na receita indicativos muito claros para
formato e quantidade. Isso nos fez seguir o método do ensaio e erro com auxílio dos
familiares anteriormente à degustação. A experimentação proposta por nós foi anunciada
na semana anterior ao evento, importante salientar que todos os participantes, uma média
de quinze pessoas eram maiores de idade, foram convidados e apesar das observações dos
sabores, todos que participaram deste momento acharam válido. Ninguém queixou-se
posteriormente.
Considerações finais
Os banquetes celtas, assim como o de gregos e romanos seguiam princípios de
religiosidade, legitimação de poder e estabelecimento de laços. Diferiam em etiquetas, na
decoração e no sentido dos ritos. Eram momentos de extrapolação onde escravos e
subalternos partilhavam a comida com os homens de posição social elevada.
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A manutenção dos pratos de caça, mesmo após a domesticação de animais é um ato
simbólico que marca a possibilidade de mobilidade social, uma vez que o valor masculino
era medido em caçadas, atuação em batalhas e combates singulares. A simbologia de
hospitalidade frente o javali evidencia-se no fato de em média o animal apresentar 280kg
de carne e baixo teor de gordura alimentando muitas pessoas em um banquete com maior
aproveitamento de carne.
Os sacerdotes gozavam de estima e prestígio, uma vez que a figura do parasita
tinha a primazia de sentar ao lado do guerreiro mais valoroso. Os hábitos alimentares
variavam segundo a região, mantendo interditos e condições de regionalidade. Na
península, entre os Hibernos, era mais usada a manteiga que o óleo da oliva por exemplo.
Apesar de muitas receitas garimpadas terem alto teor de gordura, a utilização de cereais
parece ser maior e principalmente entre os mais simples no caso dos celtas.
Embora tenhamos usado o gás de cozinha e não a lenha para o preparo dos
alimentos, foi para nós uma empreitada de muitas horas com ajuda de mais duas pessoas.
Isto nos leva a crer que para organizar um banquete celta seriam necessárias muitas
pessoas envolvendo escravos e possíveis voluntários movidos pela característica
ritualística destas festas.
Nos festivais celtas e situações de banquetes o simbolismo se fortalece na escolha
dos alimentos, sua transformação e modo de servir. Na sagração ritual da descida digestiva
o ato de comer para além de nutrir-se, como atividade cultural e social. A ratificação das
relações e a experimentação do prazer de saborear, dançar e amar livremente são uma
faceta importante da etnicidade celta.
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Julio César-De Bello Gallico tradução : Francisco Sotero dos Reis. Ediouro
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Antropologia 227. Departamento de Antropologia Instituto de Ciências Sociais
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Referências eletrônicas:
http://emedix.uol.com.br/dia/ali003_1f_salmaodefumado.php
Saber do Sabor http://www.osaberdosabor.com.br/doc/2009-04-24-Wladmir.pdf
Anexo
Tabela 1 Nutricional do Saber Sabor- Confraria gastronômica
100 g de carne Calorias Gorduras (g) Colesterol (mg) Proteína (mg)
Javali 160 2,8 45 22
Cervo 159 3,3 66 25
Frango (peito) 159 3,4 83 31
Peru 154 3,4 68 29
Salmão 138 5,7 39 20
Carneiro 178 7,6 83 25
Boi ( magra) 214 9,7 92 31
Vitela 213 10,3 125 26
Porco (magra) 219 10,6 101 29
Os dados da javali acima correspondem a uma média aproximada em relação a tabela apresentada pelos
pesquisadores da UNESP, divulgados nas notas sobre lipídios, proteínas e gordura considerando três tipos
de javali.Ao lado de cada coluna a margem de erro.
Notas de pesquisa completa disponível em:
http://www.uco.es/organiza/servicios/publica/az/php/img/web/06_17_39_17NotaLipideoLui.pdf
Tabela 2. Teores de proteína, colesterol e lipídio totais encontrados na carne de javali (pernil) dos três grupos genéticos. (Lipid, protein and cholesterol levels found in meat of wild boars
(Sus scrofa scrofa) of different genetic groups). Grupos genéticos Proteína (%) Colesterol (mg/100g) Lipídio (%) 2n=36 21,77a ± 2,95 (11) 29,60b ± 6,650 (5) 2,56a ± 1,26 (11) 2n=37 21,41a ± 2,56 (16) 62,58a ± 17,56 (8) 3,19a ± 1,51 (16) 2n=38 20,64a ± 2,12 (12) 28,94b ± 5,30 (4) 3,15a ± 0,93 (12)
()=Número de animais; Letras iguais, na coluna, não diferem (p>0,05) estatisticamente (teste de Tukey).