A BOA FÉ OBJETIVA NO CONTEXTO DE UM PROCESSO … · A BOA FÉ OBJETIVA NO CONTEXTO DE UM PROCESSO...
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A BOA FÉ OBJETIVA NO CONTEXTO DE UM PROCESSO CIVIL COOPERATIVO À LUZ DO CPC BRASILEIRO E PORTUGUÊS.
HAROLDO LOURENÇO Advogado e consultor jurídico no RJ.
Sócio-Administrador do escritório Lourenço Advogados. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC) e ICPC
(Instituto Carioca de Processo Civil). Mestre e Doutorando em Direito na UNESA.
Mestre na Universidad de Jaén (Espanha). Pós-graduado em Direito Processual Civil (UFF).
Pós-graduado em Processo Constitucional (UERJ). Professor de Direito Processual Civil na Pós-Graduação e na EMERJ, FEMPERJ,
EMERJ e FESUDEPERJ.
Sumário: 1. Introdução. 2. Algumas considerações sobre o neoprocessualismo e as novas dogmáticas interpretativas. 3. Algumas premissas sobre o princípio da boa fé
objetiva processual. 3.1. Boa fé, cooperação e direito obrigacional. 3.2. Algumas aplicações da boa fé objetiva no processo civil brasileiro. 4. Sobre o princípio da cooperação. 4.1. Princípio da Cooperação no Direito Português. 4.1.1. Algumas
considerações sobre a doutrina de Teixeira de Souza. 4.1.2. Algumas considerações sobre a doutrina de Paula Costa e Silva. 4.1.3. Algumas considerações sobre a doutrina de Lebre de Freitas. 4.1.4. Algumas considerações sobre a doutrina de Mariana França Gouveia e Luis Correia de Mendonça. 4.2. Considerações na doutrina nacional sobre o princípio da cooperação. 4.2.1. Um novo modelo de direito processual. 4.2.2. Eficácia
normativa do princípio da cooperação. 4.2.3. Princípio da cooperação como uma cláusula geral. 4.2.4. Cláusulas gerais processuais. 4.2.5. Princípio da Cooperação e o
Devido Processo Legal. 5. Algumas aplicações da cooperação no processo civil brasileiro. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente artigo, elaborado no curso de mestrado da UNESA, para conclusão da disciplina grupo institucional de pesquisa em Direito Processual Civil Comparado (Brasil-Portugal), propõe uma reflexão acerca do impacto do princípio da cooperação na atividade jurisdicional e no processo civil. O princípio da cooperação não encontra previsão expressa no processo civil brasileiro, diferentemente do processo civil português, tem sua origem na conjugação dos princípios da boa-fé objetiva e do contraditório, pois, no processo, sempre deve haver um diálogo à luz da boa-fé. O dever de cooperação não é apenas das partes, mas, também, e no mesmo nível de importância, incide sobre o juiz. No presente estudo se analisa a doutrina nacional e portuguesa sobre o tema, os precedentes brasileiros existentes sobre a boa fé objetiva, questionando a extensão do dever de cooperação do juiz no processo, sobretudo, acerca dos seus deveres de esclarecimento, de consulta, de proteção ou prevenção e de auxílio. Palavras-chave: Princípio boa fé processual. Princípio Cooperação. Processo civil brasileiro e português.
1. Introdução.
O sistema processual civil, principalmente no que se refere à
instrumentalização do direito privado, qualifica-se a partir da profundidade e da
extensão conferida ao princípio da autonomia privada, identificando-se pela articulação
dos princípios do dispositivo e do inquisitório e, consequente, em última instância ao
princípio da cooperação.
Costuma-se identificar dois modelos de estruturação do processo: um
modelo adversarial e um inquisitorial. No primeiro há a marca da disputa, um conflito
entre dois adversários diante de um órgão jurisdicional relativamente passivo, com
função principal de decidir. No segundo há uma pesquisa oficial, sendo o órgão
jurisdicional grande protagonista do processo. No primeiro, os protagonistas são as
partes (princípio dispositivo), no segundo o protragonista é o órgão jurisdicional
(princípio inquisitivo).
Não há sistema totalmente dispositivo ou totalmente inquisitivo, há uma
predominância, fruto da combinação dos dois sistemas. O modelo dispositivo reflete
regimes não autoritários, politicamente mais liberais, o modelo inquisitivo reflete
regimes autoritários, intervencionistas, contudo, isso nem sempre corresponde à
realidade, eis que é possível um processo dispositivo que não seja democrático.
Ocorre, contudo, que atualmente a doutrina afirma existir um terceiro
modelo, denominado de cooperativo, bem como tal modelo, pelo menos no plano
legislativo, teria sido consagrado no art. 266°, 1 do CPC Português, in verbis:
“ARTIGO 266º - Princípio da cooperação (alterado pelo Decreto-Lei n.º
180/96, de 25 de Setembro) 1 - Na condução e intervenção no processo,
devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes
cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a
justa composição do litígio.”
Como se percebe foi consagrado expressamente o princípio da cooperação,
que seria um consectário da boa fé processual, na acepção objetiva, não havendo em
solo brasileiro diploma, ao menos, semelhante.
No campo doutrinário português, na pouca doutrina que discute o tema,
questiona-se a amplitude e extensão de tal princípio, como de abordará, pois pode ser
analisado como uma cláusula geral com eficácia perceptiva direta, gerando situações
jurídicas atípicas ou princípio, cujas reflexões dependem de concretização positivada,
excluindo posições jurídicas sem previsão legal expressa.
Na doutrina nacional, que também escreveu muito pouco sobre o tema, há
àqueles que entendem que haveria um novo modelo, que redimensionaria inúmeros
princípios constitucionais, como o contraditório, devido processo legal e a
solidariedade. Nesse contexto, há autores que discutem a fonte normativa do sub-
princípio da boa fé objetiva e da cooperação.
Outro ponto que abordaremos é a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos
sujeitos de diálogo processual, não mais com um mero espectador do duelo das partes,
portanto, como subordinado à boa fé objetiva e à cooperação, tema muito polêmico no
campo doutrinário nacional e internacional, bem como na jurisprudência nacional.
Em todo esse contexto, cumpre ainda registrar que no Brasil estamos em um
período de transição, em pleno debate sobre um Novo CPC e, nesse sentido, a proposta
de um direito processual civil contemporâneo deve ser compreendido da relação entre o
direito processual e a teoria do direito (eficácia normativa dos princípios e cláusulas
gerais), o direito constitucional (direito fundamental a um processo equitativo) e o
direito privado (boa fé e cooperação obrigacional), o que se buscará analisar.
2. Algumas considerações sobre o neoprocessualismo e as novas dogmáticas
interpretativas.
Gradualmente, a lei deixou de ser o centro do ordenamento jurídico e
algumas mudanças fundamentais podem ser apontadas: (i) ênfase ao princípios em vez
de regras; (ii) ponderação no lugar de subsunção; (iii) justiça particular em vez de
justiça geral; (iv) Poder Judiciário em vez de Poder Executivo ou Legislativo; (v)
Constituição em substituição à lei.1
Nesse contexto, a Constituição passou a ser o ponto de partida para a
interpretação e a argumentação jurídica, assumindo um caráter fundamental na
construção de um neoprocessualismo.2 A partir do momento em que se contemplaram
amplos direitos e garantias, tornaram-se constitucionais os mais importantes
fundamentos dos direitos material e processual, criando a denominada
constitucionalização do direito infraconstitucional. Desse modo, alterou-se,
radicalmente, o modo de construção (exegese) da norma jurídica.
A lei (e sua visão codificada do século XIX) perdeu sua posição central
como fonte do direito e passou a ser subordinada à Constituição, não valendo, por si só,
mas somente se em conformidade com a Constituição e, especialmente, se adequada aos
direitos fundamentais. A função dos juízes, pois, ao contrário do que desenvolvia
Giuseppe Chiovenda, no início do século XX, deixou de ser apenas atuar (declarar) a
vontade concreta da lei e assumiu o caráter constitucional, possibilitando, a partir da
judicial review, o controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos.
Atualmente, já se fala que a jurisdição é uma atividade criativa da norma
jurídica no caso concreto, bem como se cria, muitas vezes, a própria regra abstrata que
deve regular o caso concreto.3 Deve-se deixar de lado a opinião de que o Poder
Judiciário só exerce a função de legislador negativo, para compreender que ele
concretiza o ordenamento jurídico diante do caso concreto.4-5
1 ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica de Direito de Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, jan.-mar. 2009. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em. 26 abr. 2010. 2 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... cit., p. 1-44; MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais cit. 3 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. I. p. 70. 4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 34. 5 No mesmo sentido, imprescindível leitura de: MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 94-97, o qual clama para que o estudioso, com serenidade, discuta o problema da criação judicial do direito, enumerando várias proposições em sua defesa.
O direito fundamental de acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV,
da CF, significa o direito à ordem jurídica justa.6 Assim, a designação “acesso à justiça”
não se limita apenas à mera admissão ao processo ou à possibilidade de ingresso em
juízo, mas, ao contrário, essa expressão deve ser interpretada extensivamente,
compreendendo a noção ampla do acesso à ordem jurídica justa, que abrange: (i) o
ingresso em juízo; (ii) a observância das garantias compreendidas na cláusula do devido
processo legal; (iii) a participação dialética na formação do convencimento do juiz, que
irá julgar a causa (efetividade do contraditório); (iv) a adequada e tempestiva análise,
pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo (decisão justa e
motivada); (v) a construção de técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos
materiais (instrumentalidade do processo e efetividade dos direitos).7
Assim, para uma perfeita compreensão de acesso à ordem jurídica justa, faz-
se necessário o conjunto de garantias e dos princípios constitucionais fundamentais ao
direito processual, o qual se insere no denominado direito fundamental ao processo
justo.
Nesse conjunto de garantias e princípios constitucionais processuais se
incluem o direito de ação, a ampla defesa, a igualdade e o contraditório efetivo, o juiz
natural, a publicidade dos atos processuais, da independência e imparcialidade do juiz, a
motivação das decisões judiciais, a possibilidade de controle recursal das decisões etc.
Desse modo, pode-se afirmar que o direito ao processo justo é sinônimo do direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada.
Essa constitucionalização dos direitos e garantias processuais se torna
relevante, pois, além de retirar o Código de Processo da centralidade do ordenamento
processual, fenômeno designado de descodificação, ressalta o caráter publicístico do
processo. O Direito processual está, atualmente, divorciado da visão privatista,
deixando de ser um mecanismo de utilização pessoal, para ser visto como um meio de
realização da justiça.
6 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.). Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 135. 7CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... cit., p. 25.
Nessa linha, sobressai o neoprocessualimo, termo polissêmico, como
interessante função didática de remeter imediatamente ao neoconstitucionalismo. Sendo
a tutela jurisdicional um direito fundamental (art. 5°, XXXV, da CF/1988), devendo ser
prestada de modo efetivo, célere e adequado (art. 5°, LXXVIII, da CF/1988), há uma
vinculação do legislador, do administrador e do juiz, pois os direitos fundamentais
possuem uma dimensão objetiva, constituindo um conjunto de valores básicos e
diretivos da ação positiva do Estado.8 Como cediço, os direitos fundamentais geram
influência sobre todo o ordenamento, servindo de norte para a ação de todos os poderes
constituídos.9
Assim, a construção de técnicas processuais hábeis a tutelar direitos
materiais tornou-se o grande desafio do legislador e do juiz na concretização do direito à
tutela jurisdicional adequada. Aquilo que depender do processo civil, da técnica
processual, deve ser solucionado de modo adequado.
Nesse contexto, alguns pontos assumem grande relevância: o princípio da
adequação do procedimento à causa; pensar na tutela de interesses coletivos, pois o
CPC foi idealizado em uma visão individualista, bastando consultar o seu art. 6° (que
disciplina que a regra é ir a juízo em nome próprio, na defesa de direito próprio) e art.
472 (limites subjetivos da coisa julgada material); a melhor distribuição do tempo como
um ônus a ser dosado de forma isonômica entre as partes; a aproximação da cognição à
execução, incentivando poderes de efetivação da decisão, como o previsto no art. 461, §
5°, do CPC (princípio da atipicidade dos meios executivos);10 a ampliação das
chamadas cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, superando o princípio
da congruência (art. 128 c/c o art. 460), permitindo-se, mesmo sem pedido expresso,
que o juiz aplique o meio necessário à efetividade da tutela jurisdicional.
Nesse sentido, o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo servem de
suporte crítico para a construção não somente de “novas” teorias e práticas, mas,
8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998. p. 140. 9 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso... cit., p. 266. 10 Tais poderes, por óbvio não podem ser desmedidos, para não gerar arbitrariedade, devendo ser controlado pela proporcionalidade: (i) deve ser adequado (compatibilizando-se com o ordenamento); (i) deve ser necessário (deve ser indagado se há outro meio menos oneroso); (iii) as vantagens da adoção do meio executivo devem se sobrepor às desvantagens (cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista de Processo, v. 127, p. 54-74.
sobretudo para a construção de técnicas que torne mais efetiva, rápida e adequada a
prestação jurisdicional.
3. Algumas premissas sobre o princípio da boa fé objetiva processual.
Os sujeitos do processo, compreendendo todos aqueles que de qualquer
forma participam do processo, inclusive o órgão jurisdicional, devem comportar-se de
acordo com a boa fé, entendida de forma objetiva, como uma norma de conduta,
consagrando a boa fé processual, essa, contudo, não costuma ser a análise realizada pelo
processualistas, incluindo somente as partes nesse rol.11
A vinculação do Estado-juiz ao dever de boa fé seria um reflexo do
princípio que o Estado, tout court, deve agir de acordo com a boa fé e, pois, de maneira
leal e com proteção à confiança.
O princípio da boa fé extrai-se de uma cláusula geral processual12, diante da
infinidade de situações que podem surgir ao longo do processo, tornando pouco eficaz
qualquer enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal.
Não se pode confundir princípio (norma) da boa fé com a exigência de boa
fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais. A boa fé
subjetiva é o elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A
boa fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar
situações jurídicas ativas e passivas. Distingue-se princípio da boa fé e o estado ou
situação de boa fé. Não existe princípio da boa fé subjetiva.
11 Nesse sentido, incluído somente as partes, procuradores e todos aqueles que, de qualquer forma, intervêm no processo, como o Ministério Público, os advogados privados e públicos o perito etc., contudo, não se refere ao órgão jurisdicional: NERY Jr., NELSON ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 207. 12 Sobre cláusulas gerais processuais: DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas Gerais Processuais. Fonte: www.frediedidier.com.br, acessado em 24.06.2012.
A consagração do princípio da boa-fé processual foi resultado de uma
expansão da exigência de boa-fé do direito privado para o direito público. Na verdade, a
boa-fé objetiva expandiu-se para todos os ramos do Direito, mesmo os “não civis”.13-14
A boa-fé objetiva é norma de conduta, impondo e proibindo
comportamentos, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Relaciona-se com a
honestidade, lealdade e probidade com a qual a pessoa condiciona o seu modo de agir. É
uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento
praticado, no sentido de não fraudar ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé,
tampouco guarda qualquer relação no fato da ciência que o sujeito possui da realidade.
A boa fé processual é resultado da expansão da exigência de boa fé do
direito privado ao direito público. A jurisprudência alemã entendeu aplicável o §242 do
Código Civil Alemão (BGB) também ao direito processual civil e penal. O STF15 já
decidiu que o processo penal também é regido pelo princípio da boa fé, como forma de
impedir comportamentos abusivos.
Assim, sempre que exista vínculo jurídico, as pessoas envolvidas estão
obrigadas a não frustrar a confiança razoável do outro, devendo comportar-se como se
pode esperar de uma pessoa de boa fé, não podendo ser diferente nas relações
processuais.
Na Alemanha, no inicio do século XX, já se chegou a dizer que o direito
processual impede qualquer apelo à boa fé ou lealdade e os comportamentos processuais
são “livres da moralidade”.
A boa fé atuaria mediante a aplicação de dois subprincípios ou princípios
mediantes: a) proteção da confiança, pelo qual se protege ao sujeito que foi levado a
acreditar em certo estado de coisas; b) prevalência da materialidade subjacente, em
combate ao formalismo, para resolver problemas concretos.
13 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil cit., p. 46-47. 14 O STF já admitiu que o processo penal também é regido pelo princípio da boa-fé objetiva: STF, HC 92.012/SP, 2ª T., rel. Min. Ellen Gracie, j.10.06.2008. 15 STF, 2ª T., HC 92.012/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado 10.06.2008.
A doutrina alemã agrupou quatro casos de aplicação da boa fé ao processo:
a) proibição de criar dolosamente posições processuais, agindo de má fé; b) proibição
do venire contra factum proprium; c) proibição ao abuso de poderes processuais; d)
supressio, perda de poderes processuais em razão do seu não-exercício por tempo
suficiente para incutir no outro sujeito a confiança legítima de que esse poder não mais
seria exercido.
A proteção da boa-fé objetiva é um valor importantíssimo, também
conteúdo do interesse público, que, no caso concreto, deve ser ponderado com o valor
segurança jurídica, a que servem as formas processuais.
Há, assim, uma fonte normativa da proibição do exercício inadmissível de
posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica do “abuso do
direito” processual, desrespeito a boa fé objetiva, que se caracteriza independentemente
de a atuação do sujeito processual estar fundada na má fé. Implica, portanto, o dever do
sujeito processual não atuar imbuído de má fé, considerada como fato que compõe o
suporte fático de alguns ilícitos processuais; eis a relação existente entre a boa fé
processual objetiva e subjetiva. O princípio da boa fé processual, que, além de mais
amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má fé.
O princípio da boa fé é fonte do princípio da cooperação, impondo deveres
de cooperação entre os sujeitos do processo. Mesmo se não houvesse previsão expressa
na legislação infraconstitucional, o princípio da boa fé processual poderia ser extraído
de outros princípios constitucionais, encarada como conteúdo de outros direitos
fundamentais.
Há quem veja o princípio da solidariedade (art. 3°, I da CF/88), como
BRUNELA VINCENZI16 e CRISTIANO CHAVES DE FARIAS17, onde haveria um
dever de não quebrar a confiança e de não agir com deslealdade. Há, ainda, quem veja
como um desdobramento da dignidade da pessoa humana, como NELSON
ROSENVALD.18
16 VICENZI, Brunela Vieira de. A boa fé no processo civil. São Paulo: Atjas, 2003, p. 163. 17 Assim, também, FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil – teoria geral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 475. 18 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 186 e segs.
Já para MENEZES CORDEIRO19, decorreria da igualdade, pois a pessoa
que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser vista se não tivesse
confiado: seria tratar o diferente de modo igual.
ANTONIO CABRAL20 entende que o fundamento seria o contraditório,
que não é apenas fonte de direitos processuais, mas também de deveres, pois
proporciona aos litigantes o direito de influenciar na decisão, mas também tem uma
finalidade de colaboração com o exercício da jurisdição, bem como não pode ser
exercido ilimitadamente: o respeito a boa fé objetiva é justamente um desses limites.
Por fim, JOAN PICO21 afirma que a boa fé compõe a cláusula do devido processo legal,
limitando o exercício do direito de defesa, como forma de proteção do direito à tutela
efetiva, do próprio direito de defesa da parte contrária e do direito a um processo com
todas as garantias, na eloquente expressão “devido processo leal”.
GILMAR MENDES22, já afirmou, em alguns julgados, que a cláusula do
devido processo legal exige um processo leal e pautado na boa fé, afirmando que a boa
fé atinge a todos os sujeitos processuais, não apenas as partes. Posição adotada por
DIDIER23, justamente por ser o devido processo legal uma cláusula geral, garantia do
fair trial, due process of law e frequente nos países do common law, até porque, as
garantias de um processo devido, são garantias contra abuso de direitos/poderes
processuais.
Continua o mestre baiano, afirmando ser mais fácil a argumentação da
existência de um dever geral de boa fé como conteúdo do devido processo legal, pois,
para um processo ser devido, giusto, como dizem os italianos, equitativo, como dizem
os portugueses, precisa ser ético e leal, não podendo ser aceito um processo pautado em
comportamentos desleais ou antiéticos.
19 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Litigância de má fé, abuso de direito de acção e culpa “in agendo”. Coimbra: Almedina, 2006, p. 51. 20 CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa fé processual objetiva. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2005, n. 126, p. 63. 21 JUNOY, Joan Pico i. El debido processo leal. Revista Peruana de Derecho Procesal. Lima: Palestra, 2006, v. 9, p. 346. 22 STF, 2ª T., RE 464.963-2/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14.02.2006. 23 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 88.
ANTONIO CABRAL, afirma não ser necessária a remissão à cláusula geral
da boa fé para a solução dos problemas decorrentes dos comportamentos processuais
antiéticos, pois o contraditório, igualdade e o direito ao fair trial já seriam suficientes,
rebatido por DIDIER, afirmando que a consagração expressa nas constituições brasileira
e portuguesa do devido processo legal/processo equitativo é um indicativo de que a
experiência do common law, no particular do desenvolvimento do princípio da boa fé
processual a partir do devido processo legal, pode ser extremamente útil.
O CPC brasileiro consagra uma norma geral que impõe o comportamento de
acordo com a boa fé (art. 14, II do CPC), norma extraída de uma cláusula geral
dispositivo que não se relaciona com a boa fé subjetiva, ou seja, independe de boas ou
más intenções.
À época do CPC de 1973, não havia domínio doutrinário sobre a boa fé,
assim, a evolução do pensamento jurídico brasileiro, permite que se encare o texto
normativo sob o enfoque da boa fé no processo, afinal texto não se confunde com
norma.
ÁVILA24 já demonstrava que é possível texto sem norma, bem como norma
sem texto. Norma é o produto da interpretação do sistema normativo, o sentido
construído a partir da interpretação sistemática dos textos normativos. Os textos são o
objeto da interpretação, a norma o seu resultado. Não há, por exemplo, dispositivo que
preveja o princípio da segurança jurídica, bem como a proteção de Deus não gera
nenhuma norma, por fim, um dispositivo pode produzir mais de uma norma, como a
exigência de lei, que consagra o princípio da legalidade, tipicidade, proibição
regulamentos independentes etc. Exemplo da “proibição de biquíni”, proibir biquínis
pequenos ou nudismo.
No CPC português há texto que serve de suporte ao princípio da boa fé, art.
266°-A, afirmando que “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de
cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.” O artigo seria um pouco
estranho, pois pode gerar a conclusão de que o órgão jurisdicional não tem o dever de
24 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7ª ed. São Paulo: Malheiros ED, 2007, p. 30.
observar a boa fé, não obstante ser a sequência do artigo que consagra a cooperação,
expressamente previsto aos magistrados. Assim, se todos tem o dever de cooperar, é
porque todos têm o dever de comprotar-se de acordo com a boa fé.
De igual modo, a Constituição Portuguesa, coincidentemente no art. 266°, 2,
afirma que todos os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à boa fé. De
igual modo, o art. 8° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos portugueses
consagra, expressamente, o princípio da cooperação e da boa fé processual.
No art. 37 da CRFB/88, a boa fé poderia ser extraída da moralidade
administrativa.
Assim, no processo cooperativo, modelo de processo do Direito português,
impõe-se a observância do princípio da boa fé por todos os sujeitos do processo,
inclusive o órgão jurisdicional, que devem agir com lealdade e em observância a
confiança legítima.
3.1. Boa fé, cooperação e direito obrigacional.
A boa fé incide nas relações jurídicas principalmente do surgimento de
deveres diversos do dever principal de cumprir a obrigação. No direito das obrigações,
pois essa deve ser encarada como um complexo de situações jurídicas, não como uma
simples relação entre credor e devedor. A obrigação é um processo.
Há deveres principais (ou primários) e deveres acidentais (ou secundários).
O dever principal é o adimplemento, contudo, no seu entorno surgem deveres
secundários, que se dividem em autônomos e anexos.
Os deveres autônomos podem ser o dever de indenizar pelo inadimplemento
absoluto, que é substituto do principal, e o dever de indenizar pela mora, que é paralelo.
Os deveres anexos podem ser de prestação (visa gerar condições para que o dever
principal seja adimplido, como transportar a coisa com segurança, no contrato de
compra e venda) ou de cooperação (funda-se na boa fé e serve para garantir uma
efetivação leal e correta da prestação, independentemente da vontade dos negociantes,
não gerando danos ao credor ou excessivo sacrifício ao devedor).
O dever de cooperação visa assegurar o adimplemento leal da obrigação, de
forma transparente e cooperativa, não cabendo enumeração ou descrição definitiva, pois
assumem contornos que o desenrolar da vida venha se manifestar. Tal dever pode ser
imputado ao credor. Divide-se em dever de esclarecimento, lealdade e proteção.
Assim, convém que a doutrina processual não ignore que o direito
processual não prescinde do desenvolvimento do direito obrigacional. No âmbito
obrigacional os deveres de cooperação orbitam o cumprimento da prestação, já no
ambito processual, giram em torno da solução do objeto litigioso, com justiça e
brevidade, como disposto no art. 266°, 1 do CPC português.
A influência do direito civil é nítida, exigindo um conhecimento da
evolução da teoria do abuso de direito, a qual reflete de maneira intrínseca no direito
processual civil, principalmente no que se refere aos seguintes institutos:
a) Venire contra factum proprium: Nesse caso, o contratante assume determinado
comportamento o qual é posteriormente contrariado por outro comportamento seu. A
locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em
contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. A proibição
de comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) é
modalidade de abuso de direito que surge da violação ao princípio da confiança,
decorrente da função integrativa da boa-fé objetiva (CC, art. 422).25 Há farta aplicação
jurisprudencial do instituto no STJ.26
“Na proibição do venire incorre quem exerce posição jurídica em
contradição com o comportamento exercido anteriormente, verificando-se a
25 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil – teoria geral. 3ª ed., cit., p. 474. Além de outros autores citados no texto, ver, também, relacionando o “venire” com a cláusula geral de da boa-fé objetiva, CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 742-770; PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 267-269. 26 STJ, REsp 1.175.675/RS, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.08.2011. Precedentes citados: REsp 765.105-TO, DJ 30.10.2006, e REsp 1.117.633-RO, DJe 26.03.2010.
ocorrência de dois comportamentos de uma mesma pessoa, diferidos no
tempo, sendo o primeiro (o factum proprium) contrariado pelo segundo.
Consiste, pois, numa vedação genérica à deslealdade...”.27
A ideia de preclusão lógica é a tradução, no campo do direito processual,
do princípio do nemo potest venire contra factum proprium28.
b) Supressio ou verwirkung, da doutrina alemã, consiste na redução do conteúdo
obrigacional pela inércia de uma das partes em exercer direito ou faculdades, gerando
na outra legítima expectativa. A inércia qualificada de uma das partes gera na outra a
expectativa legítima (diante das circunstâncias) de que a faculdade ou direito não será
exercido. Assim, se uma das partes vem se comportando ao longo da vida contratual de
determinada maneira, certas atitudes que poderiam ser exigidas originalmente não mais
poderão o ser, justamente por ter se criado uma expectativa de que aquelas disposições
iniciais não mais poderiam ser exigidas daquela forma inicialmente prevista;
c) Surrectio: ao contrário da supressio, representa uma ampliação do conteúdo
obrigacional. Aqui, a atitude de uma das partes gera na outra a expectativa de direito ou
faculdade não pactuada. Geralmente, exige-se certo lapso de tempo, que pode variar
caso a caso, durante o qual se atua uma situação jurídica em tudo semelhante ao direito
subjetivo que vai surgir; requer-se uma conjunção objetiva de fatores que constituem
novo direito; impõe-se a ausência de previsões negativas que impeçam a surrectio;
d) Tu quoque: A locução significa “tu também” e representa as situações nas quais
a parte vem a exigir algo que também foi por ela descumprido ou negligenciado. Em
síntese, a parte não pode exigir de outrem comportamento que ela própria não observou;
e) Teoria do adimplemento substancial: Em certos casos, se o contrato já foi
adimplido substancialmente, não se permite a resolução, com a perda do que foi
realizado pelo devedor, mas se atribui um direito de indenização ao credor etc. 27 “A ilicitude derivada do exercício contraditório de um direito: o renascer do venire contra factum proprium”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2004, n. 376, p. 110. A autora identifica, didaticamente, os cinco pressupostos para a caracterização do “comportamento contraditório”: “Além da existência de duas condutas (ou comportamentos concludentes) de uma mesma pessoa (ou de quem a represente ou suceda), a segunda contrariando a primeira, é preciso que: a) haja identidade de partes, ainda que por vínculo de sucessão ou representação; b) a situação contraditória se produza em uma mesma situação jurídica ou entre situações jurídicas estreitamente coligadas; c) a primeira conduta (factum proprium) tenha um significado social minimamente unívoco, a ser averiguado segundo as circunstâncias; d) que o factum proprium seja suscetível de criar fundada confiança na parte que alega o prejuízo, confiança essa a ser averiguada segundo as circunstâncias, os usos aceitos pelo comércio jurídico, a boa-fé, os bons costumes ou o fim econômico-social do negócio. É ainda requerido: e) o caráter ‘vinculante’ do factum proprium, no sentido de ser um comportamento ocorrido no âmbito de determinada situação jurídica que afete uma esfera de interesse alheia, de tal modo que tenha induzido (ou possa ter induzido) a outra parte a confiar que tal conduta fosse índice ou definição de uma certa atitude do seu parceiro frente a essa mesma situação jurídica”. (cit., p. 121.) “O venire contra factum proprium pode derivar de um comportamento comissivo ou omissivo”, lembra Cristiano Chaves de Farias (Direito civil – teoria geral. 3ª ed., cit., p. 476.) 28 MARTINS-COSTA, Judith. “A ilicitude derivada do exercício contraditório de um direito: o renascer do venire contra factum proprium”, cit., p. 119-120.
Cumpre registrar que, nos termos do Enunciado 412 e 414 da V Jornada do
CJF, todos esses institutos são concreções da boa-fé objetiva, extraídos do art. 187 do
CC/2002:
“Enunciado 412 da V Jornada do CJF: Art. 187. As diversas hipóteses de
exercício inadmissível de uma situação jurídica subjetiva, tais como
supressio, tu quoque, surrectio e venire contra factum proprium, são
concreções da boa-fé objetiva.”
“Enunciado 414 da V Jornada CJF: Art. 187. A cláusula geral do art. 187 do
Código Civil tem fundamento constitucional nos princípios da
solidariedade, devido processo legal e proteção da confiança e aplica-se a
todos os ramos do direito.”
3.2. Algumas aplicações da boa fé objetiva no processo civil brasileiro.
Uma boa aplicação do princípio da boa-fé objetiva está na sanção processual
aplicada ao recorrente, ainda que este seja o vencedor da demanda, pois o réu também
tem interesse no deslinde do feito.29
De igual modo, em nome da lealdade e da boa-fé, deverá o juiz impedir
genericamente a fraude processual, com a criação dolosa de posições processuais como
o requerimento doloso de citação por edital, a atuação dolosa do órgão jurisdicional (art.
133, II, do CPC) ou, nas hipóteses do art. 17, I, II, III e IV do CPC, que se traduzem na
litigância de má-fé com a presença do elemento subjetivo. Há, contudo, hipóteses em
que há o elemento objetivo: incisos V, VI, e VII do mesmo artigo.30
Outro caso é a aplicação do princípio da menor onerosidade. O art. 620 do
CPC protege a boa-fé objetiva e não, somente, a dignidade do executado, impedindo o 29 STJ, EDcl nos EDcl no REsp 764.735, 4ª T., rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 04.02.2011. 30 Nesse sentido, MOREIRA, José Carlos Barbosa. A responsabilidade das partes por dano processual no direito brasileiro. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 26.
abuso do direito pelo credor que, sem qualquer vantagem, se vale de meio executivo
mais danoso ao executado. É uma cláusula geral, que serve para impedir o abuso do
direito pelo exequente.
O STF já reconheceu abuso do direito de recorrer por qualificar-se como
conduta incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual,
conduzindo a aplicação da multa do art. 538, parágrafo único, do CPC.31
A proibição do venire contra factum proprium,32 como no caso da parte que
vem a juízo pedindo a homologação de sua desistência em recorrer e, no prazo recursal,
interpõe recurso (art. 503, parágrafo único, do CPC), bem como a invalidação do ato
cujo defeito deu causa (art. 243 do CPC), busca o direito de produzir a prova do fato
confessado (ao confessar, a parte perde o direito de produzir prova do fato confessado).
Também há preclusão lógica em relação ao magistrado33. Dá-se, por
exemplo, quando o juiz concede uma tutela antecipada com base em abuso do direito de
defesa, o que é incompatível com uma recusa em condenar o réu por litigância de má fé
com base no mesmo comportamento tido por abusivo. Também não se permite que o
magistrado, no julgamento antecipado da lide, conclua pela improcedência, sob o
fundamento de que o autor não provou o alegado. Se o magistrado convoca os autos
para julgamento antecipado, é porque entende provados os fatos alegados. A sentença
de improcedência por falta de prova, em julgamento antecipado da lide, além de violar o
dever de lealdade processual, a boa-fé objetiva, que orienta a relação entre os sujeitos
processuais, e o princípio da cooperação, poderá ser invalidada por ofensa à garantia do
contraditório, em sua dimensão de direito à prova34.
Importante que se perceba que a preclusão lógica está intimamente ligada à
vedação ao venire contra factum proprium (regra que proíbe o comportamento
contraditório), inerente à cláusula geral de proteção da boa-fé. Considera-se ilícito o
31 STF, 2ª T., AI AgR ED ED 586710/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 21.11.2006. 32 “A proibição de comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) é modalidade de abuso de direito que surge da violação ao princípio da confiança – decorrente da função integrativa da boa-fé objetiva (CC, art. 422)” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil – Teoria geral. 3. ed., cit., p. 474). 33 Admitindo a preclusão lógica para o juiz, corretamente, NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Preclusões para o juiz. São Paulo: Método, 2005, p. 42-46. 34 Neste sentido, no STJ, 3a T., REsp 649.191/SC, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. Em 19.08.2004, publicado no DJ de 13.09.2004, p. 241; 1a T., REsp n. 443.171/SC, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 10.02.2004, publicado no DJ de 25.02.2004, p. 101.
comportamento contraditório, por ofender os princípios da lealdade processual
(princípio da confiança ou proteção) e da boa-fé objetiva.
Quando a parte ou o magistrado adota um comportamento que contrarie
comportamento anterior, atua de forma desleal, frustrando expectativas legítimas de
outros sujeitos processuais. Comportando-se o sujeito em um sentido, cria fundada
confiança na contraparte — confiança essa a ser averiguada segundo as circunstâncias,
os usos aceitos pelo comércio jurídico, a boa-fé, os bons costumes ou o fim econômico-
social do negócio —, não podendo, depois, adotar um comportamento totalmente
contraditório, o que quebra a confiança gerada e revela ardil, deslealdade, evasão. Trata-
se de lição velha, embora aplicada, aqui, com outros termos.
A preclusão não é efeito do comportamento contraditório (ilícito); a
preclusão incide sobre o comportamento contraditório, impedindo que ele produza
qualquer efeito. A prática de um ato processual implica a impossibilidade de praticar um
outro ato com ele logicamente incompatível. A preclusão lógica, então, é consequência
da prática do primeiro ato, e não do ato contraditório.35
Um bom precedente do STJ,36 em que se aplicou a vedação à prática de atos
contraditórios, admitiu como válida a citação de pessoa jurídica encaminhada para sua
caixa postal. A relatora apontou que é pacífico no STJ que a citação pelo correio de
pessoa jurídica é válida, mesmo que o funcionário que receba a correspondência não
tenha poderes expressos para isso. Ponderou, ainda, que se a ré não informa em suas
correspondências aos clientes o seu endereço, disponibilizando apenas telefones das
centrais de atendimento e a caixa postal para a qual foi remetido o aviso de recebimento
(AR), provavelmente para dificultar o recebimento de citações e tornar inválidas as
realizadas em outros endereços, mostra-se suficiente tal comunicação para eventuais
reclamações do consumidor.
Outra decisão que aplicou o venire no processo civil, inclusive para o órgão
jurisdicional, foi o caso de decisão publicada durante a suspensão do feito homologada
judicial, não se podendo cogitar, por conseguinte, do início da contagem do prazo 35 DIDIER Jr., Fredie. Alguns aspectos da aplicação da proibição do venire contra factum proprium no processo civil. Fonte: www.frediedidier.com.br, acessado em 24 de junho de 2012. 36 STJ, REsp 981.887/RS, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.03.2010.
recursal enquanto paralisada a marcha do processo. Ademais, ao homologar a
convenção pela suspensão do processo, o Judiciário criou nos jurisdicionados a legítima
expectativa de que o processo só voltaria a tramitar após o termo final do prazo
convencionado, portanto, não se mostraria razoável que, logo em seguida, fosse
praticado ato processual de ofício – publicação de decisão – e ele fosse considerado
termo inicial do prazo recursal, pois se caracterizaria a prática de atos contraditórios,
havendo violação da máxima nemo potest venire contra factum proprium.37
Relevante hipótese legal de aplicação da proibição em comento encontra-se
no art. 745-A do CPC, como um estímulo ao cumprimento espontâneo da obrigação.
Caso o executado opte pelo parcelamento, depositando no mínimo 30% do montante
executado, inclusive custas e honorários advocatícios, o restante da dívida poderá ser
pago em parcelas mensais sucessivas, em número não superior a seis, acrescidas de
juros e correção monetária. O não pagamento implica o vencimento antecipado de todas
as demais, além de multa de 10% sobre o valor das prestações não pagas. A opção do
executado pelo exercício deste direito é comportamento que impede o ajuizamento de
futuros embargos à execução, para a discussão de qualquer fato até aquele momento
ocorrido, pois seria comportamento contraditório.
A proibição de abuso de poderes processuais, como na decisão que autorizar
a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, em virtude do abuso do direito de
defesa (art. 273, II) ou do abuso do direito de recorrer (art. 17, VII, do CPC).
A proibição da supressio pode ser extraída do poder do juiz de controlar a
admissibilidade do processo, se não o fez durante certo tempo, que levasse os demais
sujeitos do processo a acreditar que o processo estava regular.
Vemos nessa hipótese a adoção da teoria da asserção, a qual assegura que
depois de admitida a demanda, não é recomendável uma extinção do processo sem
resolução de mérito, pois haveria um desserviço ao Judiciário, bem como ao
jurisdicionado, como será abordado mais detalhadamente no capítulo sobre a teoria da
ação.
37 STJ, 1ª T., REsp 1.306.463-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 4/9/2012. Precedentes citados: REsp 1.116.574-ES, DJe 27/4/2011, e RMS 29.356-RJ, DJe 13/10/2009. REsp 1.306.463-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 4/9/2012.
Há, ainda, quem sustente existir supressio em relação ao direito do cônjuge,
ascendente ou descendente de remir o bem (resgate), na hipótese de um bem hipotecado
ser transferido a terceiro ou ao exequente, diante da contradição existente entre a
revogação do art.787 do CPC e a manutenção da vigência do art. 1.482. O não-exercício
do direito de adjudicar é conduta que implica a perda do direito de remir, até como
forma de proteger a boa-fé do terceiro adquirente, que tem a expectativa de não ser
surpreendido com o resgate do bem que acabara de adquirir. É uma espécie de
supressio38 (Verwirkung, para os alemães) de direito processual, por ser interpretação
que visa tutelar a confiança e, portanto, a boa-fé objetiva. O direito do membro da
família, doravante, deverá ser exercido nos moldes do art. 685-A, CPC.39
A teoria do adimplemento substancial pode ser aplicada no âmbito do
direito processual, como na hipótese do § 2º do art. 511 do CPC, pois preparo
insuficiente é preparo feito. O legislador atentou que interposto o recurso e feito o
preparo em valor menor do que o devido, a inadmissibilidade é sanção drástica demais.
A invalidação do recurso, no caso, é um caso típico de exercício inadmissível de um
poder jurídico processual. Mais consentânea com a boa-fé é a necessária intimação do
recorrente para proceder ao complemento do valor devido.
Protege-se, aqui, ainda que em outro contexto, situação semelhante àquela
protegida pela teoria do adimplemento substancial. O poder de invalidar (situação
jurídica ativa) o recurso com preparo insuficiente é, aqui, limitado pela boa-fé.
De igual modo, o inadimplemento é um dos pressupostos para a instauração
do procedimento executivo (art. 580 do CPC), porém, constatado o inadimplemento
mínimo pode o órgão jurisdicional recusar a tomada de medidas executivas mais
38 Sobre o tema, amplamente, CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 797-836. É especialmente importante a consulta à nota 571, na p. 803, em que o autor examina a supressio no Processo Civil, fazendo uma resenha da bibliografia e da jurisprudência alemã em derredor do assunto. No final da nota, o autor conclui: “Mas no Direito Português, e dada a existência de toda uma teia rígida de prazos processuais, dobrada por um prazo supletivo geral – art. 153.o CPC – não é de introduzir a ideia de supressio processual: os poderes das partes vão sendo precludidos ao longo do processo e o recurso é sempre via indicada para apreciar as irregularidades do tribunal”. Conforme se pode perceber do nosso texto, admitimos a possibilidade de existência de supressio processual. É possível, imaginar, também, a possibilidade de supressio de um poder jurisdicional. Por exemplo: será que o magistrado que admitiu a demanda, no saneador, determinou e colheu inúmeras provas, pode, tempos depois, entender que falta ao procedimento um requisito de admissibilidade? Não haveria, aí, em razão do lapso de tempo, uma supressio do poder de controlar a regularidade do processo, em homenagem à confiança, à cooperação e à boa-fé objetiva? Parece-nos que sim. Só que esse tema deve ser objeto de outro ensaio. 39 DIDIER Jr., Fredie. Direito de adjudicar e direito de remir: confronto do art. 685-A, § 2º, Código de Processo Civil, com o art. 1.482 do Código Civil. Fonte: www.frediedidier.com.br, acessado em 09.05.2011.
drásticas, como a busca e apreensão do bem, por exemplo. Neste sentido, já decidiu o
STJ que, em execução de contrato de alienação fiduciária em garantia, entendeu correta
a decisão judicial que se recusou a determinar a busca e apreensão liminar do bem
alienado, tendo em vista a insignificância do inadimplemento. Em sentido semelhante,
já se impediu a decretação de falência, em razão da pequena monta da dívida. O
entendimento jurisprudencial repercutiu na nova Lei de Falências (art. 94, I, da Lei
11.101/2005).
Outro ponto, considerando-se substancialmente adimplida a prestação, o
direito à resolução converte-se em outra situação jurídica ativa (direito à indenização, p.
ex.), de modo a garantir a permanência do negócio jurídico. Assim, não apenas a
resolução do negócio pode ser impedida pela aplicação dessa teoria, derivada da
aplicação do princípio da boa-fé, pode-se, por exemplo, cogitar da extinção da exceção
substancial de contrato não cumprido (outra situação jurídica ativa): a parte não poderia
negar-se a cumprir a sua prestação, se a contraprestação tiver sido substancialmente
adimplida.
O princípio de atuação de acordo com a boa-fé é a fonte normativa da
proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais. A cláusula geral
de boa-fé objetiva processual impede que o sujeito atue no processo imbuído de má-fé.
Nesse sentido, por exemplo, o STJ40 acolheu ação rescisória em um caso de
nítida violação à boa-fé objetiva, pois as partes haviam feito um acordo extrajudicial,
em que uma delas se comprometeu a desistir de uma demanda se a outra parte doasse
um imóvel a alguém. Não obstante a prestação de doação tenha sido substancialmente
adimplida, a parte autora não desistiu do processo. A parte ré do processo originário,
aquela que se comprometera a doar o imóvel, deixou de defender-se no processo, na
crença de que o acordo já tinha sido cumprido. Foi reconhecida a sua revelia e
decretados todos os seus efeitos. Houve sentença de procedência de todos os pedidos
formulados, não obstante o acordo.
Destarte, o STJ entendeu que a sentença fora resultado de um
comportamento indevido da parte autora, que injustificadamente não cumpriu a sua 40 STJ, 4ª T., REsp 656.103/DF, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 12.12.2006, DJ 26.02.2007, p. 595.
prestação: desistir do processo. Aplicou-se a teoria do adimplemento substancial, que é
manifestação da boa-fé objetiva, pois, no caso, considerou-se que a obrigação de doar
fora substancialmente adimplida, o que impediria a alegação de exceção de contrato não
cumprido pela parte autora, que se comprometera a desistir do processo.
Não se exigiu a demonstração de qualquer elemento subjetivo, como a má-
fé ou o dolo para a configuração da hipótese de rescindibilidade; houve um
comportamento objetivamente reprovável da parte autora, contrário aos padrões de
comportamento ético impostos pelo princípio da boa-fé processual.
Conforme analisado, percebemos que o abuso do direito e, especificamente,
o abuso processual, é situação que admite ao magistrado atuar de ofício, em qualquer
tempo ou grau de jurisdição, não necessitando de requerimento da parte ou do
Ministério Público, já que se trata de matéria de ordem pública.
Por fim, atualmente muito se questiona se o órgão jurisdicional estaria
sujeito à boa fé objetiva e os seus efeitos anexos, redefinindo inclusive o modelo de
processo, passando a ser adotado um modelo cooperativo41, havendo precedentes no
STJ aplicando, expressamente, o venire contra factum proprium no processo civil, bem
como ao órgão jurisdicionais, como na hipótese de se ter homologado uma convenção
para suspensão do processo e, posteriormente, a serventia publicar decisão iniciando um
prazo recursal.42
4. Sobre o princípio da cooperação.
A partir do momento que se adota a boa fé objetiva como uma cláusula
geral aplicável a diversos ramos do direito, entre eles o processo civil, por
consequência, seus deveres anexos (como o venire contra factum proprium, supressio
etc) também são aplicáveis como demonstrado acima. Cremos, contudo, que não
41 DIDIER Jr., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª ed., 2010. 42 STJ, 1ª T., REsp 1.306.463/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 4/9/2012 (Informativo 503). Precedentes citados: REsp 1.116.574-ES, DJe 27/4/2011, e RMS 29.356-RJ, DJe 13/10/2009.
somente esses deveres anexos são aplicáveis, mas subprincípios decorrente da boa fé
objetiva, como o da cooperação, gera inúmeras e fortes influências no processo.
Tema muito pouco debatido na doutrina nacional e internacional, surgido da
junção dos princípios do contraditório e da boa fé objetiva, o princípio da cooperação
determina que todos têm o dever de cooperar para a justa composição do litígio. O
magistrado deve adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos
do processo, esclarecendo suas dúvidas, solicitando esclarecimentos, dando orientações.
O processo deve ser um produto de atividade cooperativa, cada qual com as suas
funções, mas todos com o objetivo comum que é a solução do objeto litigioso43.
Sua aplicação impede ou dificulta a declaração de nulidades, bem como a
prolação de juízos de inadmissibilidade gerando, portanto, deveres para o magistrado,
como o de consulta, esclarecimento e prevenção, contudo o tema não é pacífico e
merece uma investigação profunda da doutrina nacional e internacional.
Uma das principais consequências da adoção deste princípio é a
revalorização da lealdade processual (e, portanto, da boa-fé objetiva), que passa a ser
atributo inerente ao diálogo do contraditório. Além disso, o princípio da cooperação
impõe que o magistrado também deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva,
inserindo-se no contraditório.
O princípio da cooperação e o princípio que veda o venire contra factum
proprium relacionam-se na medida em que compõe o conteúdo da cláusula geral da
proteção da boa-fé objetiva na relação jurídica processual. A boa-fé objetiva é norma de
conduta que colore e qualifica o contraditório. A proibição de comportar-se
contrariamente a comportamento anterior é uma de suas nuances.44
4.1. Princípio da Cooperação no Direito Português.
43 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Editora Jus Podivm. 11ª Ed. v. I. p. 50-51. 44 DIDIER Jr., Fredie. Alguns aspectos da aplicação da proibição do venire contra factum proprium no processo civil. Fonte: www.frediedidier.com.br, acessado em 24 de junho de 2012.
O CPC português é reconhecidamente um dos mais importantes diplomas
legislativos, segundo a tradição romana-germânica (civil law).
Poucos doutrinadores portugueses se debruçaram sobre o texto do art. 266°,
1 do CPC Português, não obstante ter sido introduzido em setembro de 1996, não
havendo monografias publicadas sobre o tema. As abordagens mais relevantes foram
realizadas, em obras sistemáticas de Miguel Teixeira de Souza e Lebre de Freitas, ou
incidentalmente a outros trabalhos, como o de Ana Paula Costa e Silva.
4.1.1. Algumas considerações sobre a doutrina de Teixeira de Souza.
Miguel Teixeira de Sousa45, talvez a doutrina mais influente sobre o
assunto, afirma que o princípio da cooperação seria para coadunar a “estrutura e os fins
do processo civil com os princípios do Estado Social de direito e garantir a legitimação
externa às decisões”, compondo, assim, uma linha essencial do processo civil de cunho
social.
No que se refere às partes, a cooperação assenta-se no dever de litigância de
boa fé (art. 266°-A), onde sua infração pode decorrer tanto de um comportamento de má
fé, como de uma infração à boa fé objetiva, bem como se estenderia ao direito
probatório.
Incluíndo o órgão jurisdicional no contexto da cooperação, afirma o autor
que o processo se tornaria uma “comunidade de trabalho”, onde as partes e o tribunal
são responsáveis pelo resultado do processo. Nesse contexto, haveria quatro aspectos,
que não seriam extraídos diretamente do art. 266°, 1, mas da incidência de regras
específicas: (i) dever de esclarecimento; (ii) dever de consulta; (iii) dever de prevenção;
(iv) dever de auxílio.
45 SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2ª ed. Lisboa: Lex, 1997, p. 62.
O dever de esclarecimento consiste no dever do tribunal esclarecer junto das
partes quanto às dúvidas que tenha sobre suas alegações, pedidos ou posições em
juízo46, evitando decisões equivocadas ou apressadas. Assim, por exemplo, eventual
dúvida sobre o preenchimento de um requisito processual de validade, não deve ser
determinando imediatamente a consequência processual para esse ilícito processual,
bem como não se deve indeferir de imediato a petição inicial, sem antes pedir
esclarecimentos.
Cremos que o dever de esclarecimento, quando concretizado, favorece a
igualdade de armas no processo civil, pois diante de fatos não esclarecidos não pode o
magistrado adotar o cômodo entendimento de aplicação do ônus da prova, inclusive
determinando a produção probatória de ofício.
A concepção moderna do processo civil exige um juiz ativo e participativo,
tendo o magistrado o poder-dever de proceder ao esclarecimento de fatos e alegações
ambíguas, de consultar as partes e, até mesmo, de preveni-las acerca dos riscos do seu
comportamento. O juiz tem, pois, o dever de esclarecer os fatos do litígio e de provocar
as partes a trazerem para os autos as informações e provas necessárias à solução do
conflito.47
DIDIER48 afirma, além das explanações de TEIXERA DE SOUSA, que o
dever de esclarecimento incide, ainda, na necessidade de esclarecer o pronunciamento
para as partes, como se extrairia da necessidade de motivação. Assim, a motivação seria
uma concretização da cooperação já há muito positivada.
O art. 511°, 2 do CPC Português permite às partes reclamarem contra
decisão que de modo obscuro selecione a matéria de fato a ser objeto de atividade
instrutória, bem como o 653°, 4, permite reclamar de decisões colegiadas obscuras. Há,
ainda, o 669°, 1, a, que autoriza a qualquer das partes requerer o esclarecimento de
46 GRASSI, Lúcio. Cognição processual civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2003, n. 06, p. 50, afirmando ser possível extrai esse dever dos arts. 130, 131, 339, 340, I do CPC. 47 Lúcio Grassi de Gouvea. Cognição Processual Civil: Atividade Dialética e Cooperação Intersubjetiva na Busca da Verdade Real. In: Fredie Didier Jr. (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 2007, p. 183. 48 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 16.
obscuridades ou ambiguidades, algo semelhante aos embargos de declaração brasileiro,
previsto no art. 535, I do nosso CPC.
Pelo dever de consulta, que teria um cunho assistencial, não pode o
magistrado decidir com base em questão de fato ou de direito sem que as partes sobre
elas se manifestem, ainda que seja possível sua análise de ofício.
Embora TEIXERA DE SOUSA não faça essa abordagem, é imprescindível
relacionar o dever em comento com o princípio do contraditório49, pois a concretização
do princípio da cooperação é também uma concretização do princípio do contraditório,
assegurando aos litigantes o poder de influenciar a solução da controvérsia.
No que se refere à prevenção teria o magistrado a incumbência de apontar as
deficiências das postulações das partes, convidando ao aperfeiçoamento dos seus
articulados (arts. 508°, 1, “b” e 508°-A, 1, “c”) ou das conclusões das suas alegações de
recurso (arts. 690°, 4, e 701°, 1).
Para TEIXERA DE SOUSA o dever de prevenção tem um âmbito mais
amplo, valendo para todas as situações em que o êxito da ação a favor de qualquer das
partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. Seriam quatro áreas de
atuação do dever de prevenção: (i) explicitação de pedidos pouco claros; (ii) o caráter
lacunar da exposição dos fatos relevantes; (iii) a necessidade de adequar o pedido
formulado à situação concreta; (iv) sugestão de uma certa atuação pela parte. Assim,
seria possível sugerir a especificação de um pedido indeterminado, de parcelas de um
montante que só é globalmente indicado, de lacunas na descrição de um fato,
esclarecimento se a parte desistiu do depoimento de uma testemunha ou apenas
esqueceu, provocar a intervenção de um terceiro.
49 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. Revista de Direito Processual Civil. Curitiba: Gênesis, 2003, n. 27, p. 28-29. DIDIER Jr., Fredie. Princípio do contraditório: aspectos práticos. Revista de Direito Processual Civil. Curitiba: Gêneses, 2003, n. 29, p. 510. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório. Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Roberto dos Santos Bedaque e José Rogério Cruz e Tucci (coord.). São Paulo: RT, 2002, p. 39-42. GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2005, n. 24, p. 76-77.
TEIXERA DE SOUSA adota a compreensão do dever de prevenção do
Direito alemão, destoando do restante de sua análise, identificando um dever geral de
prevenção, o que é aderido por DIDIER.50
No Brasil a prevenção é consagrada no art. 284 e 616 do CPC, não
permitindo o indeferimento liminar, bem como sucessivas emendas, constituíndo-se em
verdadeiro direito subjetivo do autor,51 bem como o art. 295, V do CPC, permitindo
adaptar o procedimento, na hipótese da escolha equivocada.
Como se percebe, o deve de consulta evita decisões precipitadas ou
equivocadas, bem como decisões surpresas, eis que as partes irão discutir acerca das
possibilidades de solução.
Por fim, há o dever de auxílio, onde o tribunal deve auxiliar as partes na
superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades
ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais, cabendo ao magistrado, sempre que
possível, remover o obstáculo, como na forma dos arts. 266°, 4 (remover obstáculo à
obtenção de um documento ou informação), 519°-A, 1 (superação da confidencialidade
de dados para apuração de situação economica) e 837°,1 do CPC português (agente de
execução).
No que se refere às consequências do desrespeito às regras que concretizam
o princípio da cooperação, haveria previsões “fechadas”, que não deixariam qualquer
margem de apreciação à sua verificação, e as “abertas”, que conferem ao tribunal certa
dose de discricionariedade, como na utilização de conceitos jurídicos indeterminados
(“manifesta desnecessidade”, prevista no n° 3, do art. 3° do CPC português).
Havendo desrespeito a regras consagradas em tipos abertos fechados haverá
invalidade processual, do contrário, havendo ofensa a regras consagradas em tipos
abertos, não haverá qualquer sanção.
50 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 20. 51 STJ, REsp 951.040/RS (DJ de 07.02.2008); REsp 901.695/PR (DJ de 02.03.2007); REsp 866.388/RS (DJ de 14.12.2006); REsp 827.289/RS (DJ de 26.06.2006).
DIDIER52 critica TEIXERA DE SOUSA quando esse último afirma que por
serem previsões “fechadas”, não deixariam qualquer margem de apreciação à sua
verificação, não haveria discrionariedade judicial.
Não haveria discricionariedade judicial nos casos onde o enunciado
normativo é composto por conceitos jurídicos indeterminados, mas a consequência
jurídica é predeterminada pelo legislador, pois não se conferem opções ao juiz. Cabe,
contudo, falar em discricionariedade judicial nos casos de cláusula geral e,
especificadamente em razão do princípio da cooperação, parece que se pode falar em
discricionariedade judicial se ele for compreendido como uma cláusula geral, posição de
DIDIER.
Teresa Wambier53 afirma que não há discricionariedade nos casos de
aplicação de normas que contêm conceitos vagos, tampouco nos casos de cláusulas
gerais, pois não seria possível o controle judicial. Para a autora a discricionariedade é
insuscetível de controle, do que discorda DIDIER54, pois haveria controle sob aspectos
formais, como falta de motivação ou competência, ou aspectos substanciais, como
irrazoabilidade.
4.1.2. Algumas considerações sobre a doutrina de Paula Costa e Silva.
O art. 266°, 1 do CPC português foi analisado pela autora55 em sua tese de
doutoramento, apesar da analise ter sido incidental, merecendo destaque a sua
interpretação sobre a eficácia normativa do princípio da cooperação, afirmando que
“reflete-se nas imputações de situações jurídicas aos diversos intervenientes
processuais, que visam uma atuação colaborante ao longo do processo”, portanto,
aplicável ao juiz.
52 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 21. 53 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A desvinculação da ideia de discricionariedade administrativa e liberdade do juiz. Teoria do Processo – panorana doutrinário mundial. Fredie Didier Jr. e Eduardo Jordão (coord.) Salvador: Editora Jus Podium, 2008, p. 947-960. 54 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 22, nota 19. 55 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo – o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios do acto postulativo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, n. 410-418, p. 590 e segs.
Haveria no princípio da cooperação um modelo processual relativamente à
realização da justiça, ou seja, seria um elemento definidor do modelo processual civil
português. Cumpre, contudo, registrar que a autora não admite a aplicação direta do
aludido princípio, pois seriam necessárias manifestações tópicas do legislador que
concretizasse o seu conteúdo.
A autora vale-se da concepção teórica de CLAUS-WILHELM CANARIS56,
para o qual os princípios não seriam normas e, assim, necessitariam para a sua
realização de concretização através de subprincípios e de valorações singulares com
conteúdo material próprio. Enfim, não seria suscetível de aplicação imediata.
Assim, o dever de prevenção, corolário do princípio da cooperação, poderia,
em tese, justificar a existência de um dever de o tribunal indicar à parte o erro na
qualificação jurídica dos fatos, à semelhança do direito alemão, contudo, no CPC
português, não haveria essa abrangência, pois não teria sido consagrado como cláusula
geral, tendo sido previsto para uma situação específica: a complementação ou
clarificação na exposição da matéria de fato (art. 508°, 1, b).
Por fim, a autora analisa a consequência pela violação do princípio da
cooperação, exposto no ilícito processual delimitado no art. 456°, 2, c do CPC
português:
4.1.3. Algumas considerações sobre a doutrina de Lebre de Freitas.
Para o autor57 o princípio da cooperação é uma “trave mestra do processo
civil moderno”, que geraria uma comunidade de trabalho entre as partes e o tribunal
para a realização das funções processuais.
56 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3ª ed. Antonio Menezes Cordeiro (trad.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 96. 57 FREITAS, José Lebre. Introdução ao processo civil – conceito e princípios gerais. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 168.
Haveria duas consequências: indenização e multa. A violação por ato
culposo, que torne impossível a produção da prova pela contraparte que tenha o
respecttivo ônus, resulta a inversão do ônus da prova (art. 519°, 2 do CPC português).
Defende o autor uma dimensão material e formal. Na primeira hipótese a
cooperação apontaria para a verdade sobre a matéria fática e, assim, facilitaria a
obtenção da justa composição do litígio, seriam exemplos o art. 519°, 1 que afirma ser
dever da parte e do terceiro de colaborar na descoberta da verdade, ressalvados os
direitos fundamentais, integridade, intimidade e sigilo, bem como o 266°, 2 e 3, onde há
o dever de esclarecimento, imputando ao juiz o poder de ouvir as partes e seus
representantes e o dever das partes de colaborar e prestar esclarecimentos. Em Portugal
haveria poderes do juiz e deveres das partes, diferentemente da Alemanha, onde haveria
deveres do juiz.
Como se percebe tal tese não é adotada por DIDIER e MIGUEL
TEIXEIRA, pois afirmam que os magistrados possuem o dever de cooperação.
Na segunda hipótese, a cooperação serve para a justa composição do litígio
seja realizar no menor tempo possível, sem dilações indevidas. O art. 266°, 4, o
magistrado deve providenciar a remoção de obstáculo ao cumprimento de um ônus
processual. O autor não analisa o art. 266°, 1, não extraíndo suas consequências
normativas.
4.1.4. Algumas considerações sobre a doutrina de Mariana França Gouveia e Luis
Correia de Mendonça.
MARIANA FRANÇA58 reputa difícil definir o modelo processual civil de
Portugal, em razão do princípio da cooperação, pois pode refletir um processo
autoritário (inquisitivo) ou seria um novo arquétipo de processo civil, concluindo ser a
cooperação um novo modelo. A cooperação acentuaria os deveres das partes,
58 GOUVEIA, Marina França. Os poderes do juiz cível na acção declarativa. Julgar. Lisboa: Associação sindical dos juízes portugueses, 2007, n. 1, p. 51.
reforçando o aspecto autoritário do processo, contudo, quando se acentua os deveres do
juiz, mitiga-se essa concepção. No que se refere aos deveres das partes, afirma que o seu
desrespeito caracteriza litigancia de má fé, apenável com multa (art. 456°, 2, c),
realçando a íntima relação entre boa fé e cooperação. No que se refere ao órgão
jurisdicional, afirma gerar um feixe de deveres, sem, contudo, distrincha-los, como
igualdades com as partes, séria preocupação com o litígio, intelegibilidade de suas
decisões.
MENDONÇA59, em contraponto, entende que seria a consagração de um
processo civil autoritário, justamente por seguir a linha do garantismo processual,
chegando a ironizar como que as partes irão cooperar entre si dentro de um processo,
onde as mesmas estão em posições extremadas, com estratégias distintas e, aplicar a
cooperação, seria imaginar que o juiz iria levar as partes para passear de mãos dadas em
um jardim.
O autor segue a linha de JUAN MONTERO AROCA (Espanha),
denominado no Brasil por BARBOSA MOREIRA60 de neoprivatismo processual, pois a
própria discussão da boa fé no processo seria um traço do autoritarismo. Segundo
AROCA, adotar a cooperação seria negar ao cidadão o direito de “pelear” pelo que
acreditam com as armas criadas pelo ordenamento.
DIDIER61 critica, pois o dever de cooperação tem um sentido dogmático,
não tendo nada a ver com a transformação o processo em um diálogo de lordes ingleses,
pelo contrário, busca tonar o processo mais leal ou menos bárbaro luta por tais
interesses.
De igual modo, ratifica seus argumentos, sustentando que até na guerra a
proteção da boa fé objetiva se impõe, pois o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal
Penal Internacional, reputa crime de guerra (art. 8°, 2, “b”, vi e vii, adotado no Brasil
por meio do Decreto n° 4.388/02, vi) a “Matar ou ferir um combatente que tenha
59 MENDONÇA, Luis Correia de. O virus autoritário. Julgar. Lisboa: Associação sindical dos juizes portugueses, 2007, n. 1, p. 86 e segs. 60 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O neoprivatismo no processo civil. Leituras complementares de Processo civil. 7ª ed. Salvador: Editora Jus Podium, 2009, p. 309-320. 61 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 33-34.
deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender, se tenha
incondicionalmente rendido;” e “Utilizar indevidamente uma bandeira de trégua, a
bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações
Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando
deste modo a morte ou ferimentos graves;”.
Observe-se que condutas abusivas, que ferem a ética da guerra, como
hastear bandeira branca, incentivando o avanço das tropas adversárias para emboscada,
nada mais é do que venire contra factum proprium, intolerável mesmo na guerra.
LEONARDO GRECO62 afirma que, bem aplicado, a cooperação serve
adequadamente a um processo civil liberal, por proteger direitos subjetivos dos
litigantes.
4.2. Considerações na doutrina nacional sobre o princípio da cooperação.
4.2.1. Um novo modelo de direito processual.
Segundo DIDIER o art. 266°, 1 do CPC português depende de uma nova
postura metodológica, com a redefinição de algumas premissas e a utilização de outros
repositórios teóricos. Há nesse artigo um novo modelo de direito processual, que deve
ser analisado a luz da eficácia normativa das normas-princípios, bem como da adoção
das cláusulas gerais, do devido processo legal (processo equitativo), boa fé, inclusive
nas relações obrigacionais, o que não é abordado pela doutrina portuguesa.
O processo é organizado através da distribuição de funções aos sujeitos
processuais, onde cada um exerce um papel, mais ou menos relevante, na instauração,
desenvolvimento e conclusão do processo. Como mencionado, geralmente o processo se
estrutura no modelo adversarial e inquisitorial, onde no primeiro prevalece a disputa das
partes, diante do órgão jurisdicional relativamente passivo, com função precípua de 62 GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, n. 164, p. 49.
decidir, no segundo o órgão jurisdicional grande protagonista do processo, exercendo
atividade investigativa e de pesquisa. No primeiro, os protagonistas são as partes
(princípio dispositivo), no segundo o protragonista é o órgão jurisdicional (princípio
inquisittivo), ostentando maiores poderes.
BARBOSA MOREIRA63 já dismitificou a distinção que se pretendeu
estabelecer entre o processo penal e o processo civil no que concerne ao conjunto de
poderes atribuídos ao juiz, que seria mais intenso naquele do que nesse, o que não se
justifica mais. De igual modo, há quem relacione o processo adversarial ao common law
e o processo inquisitivo ao civil law, o que é correto, contudo, não se pode ignorar as
profundas influências recíprocas que esses sistemas vêm causando um no outro, o que
torna mais difícil a diferenciação64.
A dispositividade e a inquisitoriedade podem se manisfestar vários temas:
instauração do processo; produção das provas; delimitação do objeto litigioso; análise
das questões de fato e de direito; recursos etc. Nada impede que em um momento o
legislador adote o dispositivo, como na fixação do objeto litigioso (art. 128, 263, 460 do
CPC) ou do efeito devolutivo na horizontal (art. 515 do CPC), e em outro adote o
inquisitivo, como na produção probatória (art. 130 do CPC).
Nesse sentido, percebe-se que não há um sistema puramente inquisitorial ou
adversarial, há uma predominância, fruto da combinação dos dois sistemas. É fato que o
sistema dispositivo, onde prevalece à atividade das partes, reflete regimes não
autoritários, politicamente mais liberais, o modelo inquisitivo reflete regimes
autoritários, intervencionistas, contudo, isso nem sempre corresponde à realidade, eis
que é possível um processo dispositivo que não seja democrático.
DANIEL MITIDIERO65 afirma haver um terceiro modelo de processo civil:
o cooperativo e o CPC português consagraria um novo modelo de direito processual,
justamente por não existir texto normativo no direito estrangeiro, o que não é uma
63 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Processo civil e processo penal: mão e contramão?. Temas de direito processual – sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 201-215. 64 Sobre as influências do sistema de precedentes no ordenamento nacional: LOURENÇO, Haroldo. Precedente Judicial como Fonte do Direito: algumas considerações sob a ótica do Novo CPC. Revista Eletrônica - ISSN 2236-8981 - Volume 1. N. 6. DEZEMBRO DE 2011 – Temas atuais de processo civil, p. 38-65. 65 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. São Paulo: RT, 2009, p. 81.
coincidência. Esse modelo seria um redimensionamento do princípio do contraditório,
com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos de diálogo processual, não
mais com um mero espectador do duelo das partes. O contraditório volta a ser
valorizado como instrumento indispensável ao aprimoramento da decisão judicial, não
como regra formal para que a decisão seja válida.
A condução do processo não é determinada pela vontade das partes,
tampouco inquisitorial pelo órgão jurisdicional, em posição assimétrica em relação às
partes. Busca-se uma condução cooperativa do processo, sem protagonismos66.
Assimetria, aqui, é usada no sentido de que a posição do juiz não é
composta apenas por poderes processuais, distinta das partes que é recheada de ônus e
deveres. O devido processo legal e o Estado de Direito imputam ao juiz uma séria de
deveres (deveres-poderes), que o fazem também sujeito do contraditório. Assimetria
significa, apenas, que o órgão jurisdicional tem uma função exclusiva: decidir, o poder
jurisdicional.
Nos sistemas clássicos prevalece a boa fé subjetiva, exigida exclusivamente
das partes, chegando ao ponto do Estado iludir as partes a fim de obter a verdade. No
sistema novo o processo é equitativo, justo e devido, tendo a legislação portuguesa dado
enorme passo na consolidação dessa nova fase, inclusive a frente da legislação alemã,
de onde inegavelmente buscou inspiração.
O princípio da cooperação exige, pois, um juiz mais ativo, situado no centro
da controvérsia, o que, ao invés de causar um distanciamento com as partes e entre elas,
vai buscar restabelecer o caráter isonômico do processo, ou, ao menos, conseguir um
ponto de equilíbrio. Impende ressaltar que esse objetivo, dentro de uma perspectiva não
autoritária do papel do juiz e mais contemporânea em relação à divisão do trabalho entre
o juiz e as partes, somente pode ser alcançado por meio do fortalecimento dos poderes
das partes, com sua participação mais ativa e leal no processo, de modo a contribuir
mais efetivamente à formação da decisão judicial, com ampla colaboração tanto na
pesquisa dos fatos como na valorização jurídica da causa.67
66 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. cit., p. 27. 67 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. cit., p. 253.
A faculdade de as partes pronunciarem-se ativamente no processo dificulta
o arbítrio judicial e exclui o tratamento da parte como simples objeto do processo,
garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e construtivo com vistas ao escorreito
desenvolvimento do processo, apresentando antes da decisão a argumentação acerca de
suas razões. O contraditório desponta, aqui, como o concreto exercício do direito de
defesa para fins de formação do convencimento do juiz, atuando, assim, como anteparo
à lacunosidade ou insuficiência da sua cognição e demonstrando o inafastável caráter
dialético do processo.
4.2.2. Eficácia normativa do princípio da cooperação.
Como visto, na doutrina portuguesa prevalece o entendimento de que a
eficácia do princípio da cooperação depende de concretização legislativa, não tendo
aplicação direta, não sendo uma norma jurídica propriamente dita, não obstante de não
ser esse o entendimento prevalente no Brasil.
Princípio é espécie normativa68, estabelecendo um fim a ser atingido: no
caso, o processo cooperativo, dialógico e leal. Essa espécie normativa visa um
determinado “estado das coisas”, e esse fim somente pode ser alcançado com
determinados comportamentos, “esses comportamentos passam a constrituir
necessidades práticas sem cujos efeitos a progressiva promoção do fim não se realiza”.
Enfim, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de
comportamentos a ele necessários.
O princípio pode atuar de forma direta ou indireta. Há a primeira na atuação
sem intermediação ou interposição de um outro (sub-)princípio ou regra. Nesse plano,
há uma função integrativa, permitindo agregar elementos não previstos em
subprincípios ou regras, pois, a despeito da ausência de previsão normativa expressa de
68 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2006, p. 78-79. BARROSO, Luis Roberto (org.). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 59-102.
um comportamento necessário à obtenção do estado de coisas almejado, o princípio irá
garanti-lo.
A eficácia direta tem influência direta no presente estudo, pois, para a
transformação do processo em uma “comunidade de trabalho”, estado de coisas que o
princípio da cooperação busca promover, que deve ser buscando até por meios atípicos,
desde que conforme ao sistema jurídico. A inexistência de regras que delimitam e/ou
esclareça o conteúdo do princípio da cooperação não é obstáculo intransponível. Mesmo
não havendo regras que imputem ao órgão jurisdicional o dever de manter-se coerente
com os seus próprios comportamentos, protegendo as partes contra eventual venire
contra factum proprium do órgão julgador, o princípio da cooperação garante o meio
(imputação de uma situação jurídica passiva) necessário à obtenção do fim almejado (o
processo cooperativo).
ÁVILA69, exemplificando, afirma que na hipótese do legislador criar um
procedimento sem a previsão para que uma parte se manifeste sobre as alegações da
outra, deverá ser assegurado o direito de defesa, por força do princípio do devido
processo legal. A mesma lógica deve ser aplicada ao princípio da cooperação, pois a
ausência de regra legal não deve ser obstáculo à sua eficácia, preenchendo os vazios
normativos.
O princípio da cooperação torna devidos os comportamentos necessários à
obtenção de um processo leal e cooperativo, portanto, é possível se cogitar de situações
jurídicas processuais atípicas decorrentes da eficácia direta com função integrativa do
princípio da cooperação.
Podo ocorrer, ainda, de existir regras de intermediação, meios típicos,
determinados por subprincípios ou por regras jurídicas, que delimitam o exercício do
poder e, assim, conter a arbitrariedade da autoridade jurisdicional, na construção da
solução do caso que lhe for submetido. Nessas hipóteses haverá a eficácia indireta do
princípio e essas normas servem de ponte.
69 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 97.
O princípio da cooperação pode ser considerado sub-princípio, uma norma
menos ampla, que se relaciona com outro princípio mais amplo. Noutro giro, pode ser
considerado sobreprincípio, comparado com normas menos amplas.
Os subprincípios exercem função definitória em relação aos sobreprincípios,
criando uma maior precisão do comando estabelecido por esses últimos. O princípio da
cooperação é um subprincípio do devido processo legal, bem como da boa fé
processual. Cumpre registrar que os princípios não tem pretensão de exclusividade, pois
um processo cooperativo pode ser resultado de diversos princípios70.
De igual modo, a função definitória delimita o comportamento que deverá
ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios. Assim, o
órgão jurisdicional deve dar oportunidade para a manifestação sobre questão de fato ou
de direito relevante para o julgamento da causa, mesmo se de conhecimento oficioso.
Esclarece-se, assim, que o princípio da cooperação impõe o dever de consulta (art. 3°, 3
do CPC português).
Há, ainda, uma função interpretativa sobre as normas construídas a partir de
textos normativos expressos. As normas que delimitam expressamente o princípio da
cooperação, não tornam supérfluo ou anódino o art. 266°, 1 do CPC Português, pois
todos os demais textos devem ser interpretados conforme o princípio da cooperação,
não podendo impedí-lo ou dificultar a realização do fim almejado.
Por fim, há uma função bloqueadora, servindo para justificar a não
aplicação de textos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado das
coisas que se busca promover. Assim, o princípio da cooperação serve para fundamentar
a não aplicação de dispositivos normativos que permitissem condutas não cooperativas,
como não esclarecer uma decisão.
O CPC brasileiro contém regras semelhantes a praticamente todas as regras
que concretizam o princípio da cooperação no direito protuguês. Há regras brasileiras
que não correspondem a regras portuguesas, assim como a recíproca é verdadeira. Não
70 Nessa linha, ratificando que os princípios não tem pretensão de exclusividade, a boa fé, visto como sobreprincípio, pode ser visto como subprincípio do devido processo legal ou da segurança jurídica ou da dignidade da pessoa humana.
há, porém, no direito brasileiro, um texto normativo que consagra expressamente o
princípio da cooperação, devendo ser extraído do devido processo legal, da boa fé, do
contraditório e da solidariedade.
O princípio da cooperação se sujeita a colisão com demais princípios,
devendo ser aplicada a razoabilidade e proporcionalidade.
4.2.3. Princípio da cooperação como uma cláusula geral.
Cláusula geral é espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese
fática) é composto de termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado.
Há uma indeterminação em ambos os extremos da estrutura lógica normativa71. A
definição, contudo, não é unânime. CLÁUDIA LIMA MARQUES afirma que há
cláusula geral, ainda que haja determinação da consequência jurídica, como ocorre com
o art. 51, IV do CDC, em virtude da abertura do tipo normativo72.
A cláusula geral é uma técnica legislativa que, intencionalmente usa uma
linguagem aberta, com ampla extensão no campo semântico, dirigida ao juiz de modo a
conferir-lhe competência para que, à vista do caso concreto, crie, complemente ou
desenvolva normas jurídicas com elementos que podem estar fora do sistema, os quais
fundamentarão a decisão.
É uma técnica que permite a abertura do sistema jurídico a valores ainda não
expressamente protegidos legislativamente, permitindo a sistematização e permanente
ressistematização no ordenamento positivo, que se contropõe à técnica casuística. Não
há sistema totalmente estruturado em cláusulas gerais, pois haveria a perene sensação de
insegurança, tampouco sistema totalmente casuístico, pois seria rígido e fechado, não
adequado a vida contemporânea.
71 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 303-306. 72 MARQUES, Cláudia Lima. Boa fé nos serviços bancários, financeiros, de crédito e securitários e o Código de Defesa do Consumidor: informação, cooperação e renegociação?. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2002, n. 43, p. 228-232.
A característica dos sistemas contemporâneos é a harmonização dos
enunciados normativos de ambas as espécies. O sistema de cláusulas gerais reforça o
poder criativo do juiz, tendo que participar ainda mais ativamente na construção do
ordenamento jurídico, a partir da solução de problemas concretos que lhe são
submetidos.
O método da subsunção do fato ao enunciado normativo, próprio de textos
normativos típicos e fechados, revela-se insuficiente para a aplicação de cláusulas
gerais, pois essas exigem concretização. O juiz não tem que generalizar o caso, tem que
individualizar até certo ponto o critério, não se esgotando na subsunção. O direito passa
a ser construído a posteriori, em uma mescla de indução e dedução, realizando justiça
no caso concreto, revelando-se como “pontos de erupção da equidade”.
As cláusulas gerais constitutíram uma concessão do positivismo à auto-
responsabilidade dos juízes e a uma ética social transpositiva. A sua introdução no
sistema de civil law aproximou-o ao commow law, pois a construção jurisprudencial do
direito é uma das princiapais marcas73.
Uma das técnicas de compreensão e aplicação das cláusulas gerais é o
“método grupo de casos”, desenvolvidos por juristas germânicos e aplicado na
arrumação das hipóteses de aplicação do princípio da boa fé processual, reforçando a
função do precedente judicial na concretização das normas gerais, inclusive das
cláusulas gerais. Assim, compara-se o caso a ser decidido com os casos isolados que
integram um grupo de casos já julgados sobre determinada norma, havendo identidade
fático-normativa entre os casos, será possível agregar o novo caso ao grupo já
consolidado e, no que toca a fundamentação, bastará à indicação de que pertence ao
grupo, em um reaproveitamento das razões já expendidas nas hipóteses assemelhadas.
Há, portanto, a reiteração da aplicação de uma mesma ratio decidendi
(núcleo do precedente judicial), dando especificidade ao conteúdo normativo de uma
cláusula geral, sem esvaziá-la. A cláusula geral se torna um elemento de conexão,
73 No sentido da aproximação do sistema da civil law ao sistema da common law: LOURENÇO, Haroldo. Precedente Judicial como Fonte do Direito: algumas considerações sob a ótica do Novo CPC. Revista Eletrônica - ISSN 2236-8981 - Volume 1. N. 6. DEZEMBRO DE 2011 – Temas atuais de processo civil, p. 38-65.
permitindo o magistrado fundamentar sua decisão em casos precedentemente julgados.
A vagueza normativa é esclarecida paulatinamente pelas decisões judiciais.
DIDIER74 afirma que o agrupamento de casos não é perfeito, obviamente.
Há casos julgados em época com contexto social muito diverso, pode ser que ainda não
haja casos passíveis de comparação e, por fim, pode gerar um retorno ao método da
subsunção exclusiva, impedindo o desenvolvimento social.
Há outros elementos que, ao lado dos precedentes, servem à concretização
das cláusulas gerais. A observância da finalidade concreta da norma é um dos elementos
imprescindíveis na concretização de uma clásula geral. O método teleológio de
compreensão das normas, não obstante tenha as suas dificuldades, não pode ser
ignorado.
Outro elemento é a pré-compreensão do aplicador a respeito dos elementos
do enunciado normativo, não podendo ignorar o consenso social estabelecido a respeito
de determinadas circunstâncias que devem ser examinadas. As práticas negociais de
agricultores de uma região, significa um comportamenteo socialmente havido como
honesto, um standard que serve de parâmetro para compreensão das cláusulas gerais.
Podem, ainda, ser controladas por razões formais (incompetência do órgão
julgador ou falta de fundamentação), quer por razões substanciais (má compreensão da
cláusula geral). As cláusulas gerais trazem consigo um sério risco de insegurança
jurídica, pois possibilita o juiz fazer valer a parcialidade, valorações pessoais,
arrebatamento jusnaturalista ou tendências moralizantes do mesmo gênero, contra letra
e contra o espírito na ordem jurídica. Por outro lado, o uso inadequado pelo legislador
atribui ao juiz uma responsabilidade social que não é a do seu ofício. Há o perigo da
“fuga para as cláusulas gerais”.
Por fim, cláusula geral é um texto jurídico, princípio é norma, sendo
institutos que operam em níveis diferentes do fenômeno normativo. A norma jurídica é
produto da interpretação do um texto jurídico, ou seja, interpretam-se textos jurídicos
74 DIDIER Jr., Fredie. Fundamento do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra Editora, 1ª Ed., p. 61.
para se verificar qual norma deles pode ser extraída. Um princípio pode ser extraído de
uma cláusula geral, o que costuma acontecer, mas a cláusula geral é texto que pode
servir de suporte para o surgimento de uma regra. Da cláusula geral do devido processo
legal é possível, por exemplo, se extrai a regra de que a decisão judicial deve ser
motivada.
Nesse sentido, em suma, não não há legislação composta apenas por
cláusulas gerais, bem como a aplicação de cláusulas gerais não dispensa sólida
fundamentação pelo órgão julgador, para um controle formal e substancial e o método
da concretização é o mais adequado para aplicação das cláusulas gerais, mesmo
necessitando de aprimoramento teórico, com observância dos precedentes judiciais, da
finalidade concreta da norma, da pré-compreensão, da valoração dos resultados da
decisão e do consenso como fundamento parcial da decisão.
4.2.4. Cláusulas gerais processuais.
As cláusulas gerais desenvolveram-se, inicialmente, no âmbito do Direito
Privado como, por exemplo, por meio da boa fé, função social da propriedade e função
social do contrato. Ultimamente, contudo, tais cláusulas têm sido adotadas no Direito
processual, em virtude da necessidade de normas flexíveis que permitam atender às
especiais circunstâncias do caso concreto. O devido processo legal ou processo
equitativo é o principal e mais vetusto exemplo de cláusula geral processual.
No CPC Brasileiro há uma série de exemplos de cláusulas gerais: (i) poder
geral de efetivação (art. 461 §5° do CPC); (ii) poder geral de cautela (art. 798 do CPC);
(iii) menor onerosidade da atividade executiva (art. 620 do CPC); (iv) dever geral de
boa fé (art. 14, II do CPC); (v) publicidade do edital de hasta pública (art. 687 §2° do
CPC); (vi) juízo de equidade na jurisdição voluntária (art. 1.109 do CPC) etc. No CPC
Português: (i) adequação formal (art. 265°-A); (ii) acesso à justiça efetiva, tempestiva e
adequada (art. 2°, 1 e 2); (iii) igualdade entre as partes (art. 266°, 1) etc. O art. 266°, 1
do CPC português, que consagra a cooperação, é outro exemplo de cláusula geral.
O CPC português está na vanguarda mundial, pois é estruturado em
cláusulas gerais, dispostas no início da codificação, formando o prólogo indispensável à
compreensão do direito processual, diferentemente do CPC brasileiro, onde as cláusulas
gerais aparecem soltas, sem preocupação sistemática, produto de inúmeras reformas
legislativas que desestruturam o sistema organizado por BUZAID.
A produção doutrinária e jurisprudencial sobre as cláusulas gerais são quase
que infinitas, notadamente na Alemanha. Assim, a compreensão do princípio da
cooperação do Direito português não pode prescindir de todas essas conquistas,
justamente para se perceber que o desrespeito do princípio da cooperação não precisam
ser típicas: pode-se construir o efeito jurídico mais adequado ao caso concreto, eis que é
possível gerar invalidade, preclusão (até mesmo supressio), dever de indenizar, direito a
tutela inibitória, sanção disciplinar etc.
A sanção ao abuso de direito, por exemplo, deverá ser feita em função e de
acordo com as circunstâncias específicas do comportamento concretamente assumido
pelo titular do direito.
4.2.5. Princípio da Cooperação e o Devido Processo Legal.
O Direito Processual está se constitucionalizando, características do Direito
contemporâneo, o que pode ser observados em duas dimensões.
Inicialmente houve uma incorporação aos textos constitucionais de normas
processuais, inclusive com direitos fundamentais, o que se percebem em praticamente
todas as constituições ocidentais posteriores à Segunda Guerra, bem como em tratados
internacionais de direitos humanos, como a Convenção Europeia de Direitos do Homem
(art. 6°, 1) e o Pacto de São José da Costa Rica (art. 8°). Os principais exemplos são os
direitos fundamentais ao processo jurisdicional devido ou equitativo e todos os seus
corolários (contraditório, juiz natural, proibição de prova ilícita etc.).
Noutro giro, a doutrina passou a examinar as normas processuais
infraconstitucionais como concretizadoras das disposições constitucionais, valendo-se
do repertório teórico desenvolvido pelos constitucionalistas, intensificando o diálogo
entre constitucionalistas e processualistas, com avanços recíprocos, como o ocorrido na
jurisdição constitucional.
O exame do princípio da cooperação enquadra-se nessa tendência, devendo
ser analisado junto com a Constituição da República portuguesa. O art. 20, n° 4, a
cooperação é definidora do modelo do “processo equitativo” português, onde assegura
uma decisão em prazo razoável e processo equitativo, em sintonia como o art. 266°, 1
do CPC Português, que é bem claro no objetivo de brevidade e eficácia a justa
composição do litígio.
O devido processo legal, cláusula geral, foi ampliado ao longo da história,
eis que existe há séculos (desde 1354 d.C., Eduardo III, rei da Inglaterra), bem como ao
Édito de Conrado II, Decreto Feudal Alemão de 1037 d.C., que inspirou a Carta Magna
de 1215. Óbvio que, o que se entendia como devido no século XIV não foi o que se
entendeu no século XX, tampouco o que se entende devido atualmente. Enfim,
inegavelmente há um acúmulo histórico a respeito da compreensão do devido processo
legal que não pode ser ignorado.
Assim, não se pode desconsiderar o contraditório ou a razoável duração do
processo, justamente por se proibir o retrocesso. Esse longo período não esvazia essa
cláusula geral, que permanece útil e em vigor, o que demonstra ser uma obra
eternamente em progresso, permitindo mobilidade e abertura do sistema jurídico. A sua
generalidade garante longevidade.
Nesse sentido, a estruturação de um processo leal e cooperativo parece ser
uma nova etapa na concretização do conteúdo do devido processo legal. A cooperação
obrigacional é corolário do princípio da boa fé, devendo aquele ser interpretado em uma
perspectiva sintática, relação entre as normas, tratando-se de um subprincípio derivado
do sobreprincípio da boa fé, que tem aptidão para gerar situações ativas e passivas
atípicas.
5. Algumas aplicações da cooperação no processo civil brasileiro.
Apesar de ainda ser incipiente, há vários momentos onde a legislação
processual civil consagra a cooperação, geralmente entre as partes, somente em alguns
momentos direcionando deveres ao órgão jurisdicional.
O magistrado tem o dever de consultar as partes sobre ponto relevante e que
até então havia sido ignorado, assegurando que as partes possam influenciar na solução
da controvérsia. Como cabe ao magistrado a investigação oficiosa dos requisitos de
admissibilidade do processo (art. 267 §3° do CPC), contudo, carecendo o processo de
algum dos seus requisitos, antes do magistrado extinguir o processo deverá ouvir as
partes, intimando-as. A possibilidade de conhecer uma matéria sem provocação não se
confunde com a possibilidade de conhecê-la sem o contraditório das partes.
De igual modo, antes do indeferimento da petição inicial, posto que foi
detectado um defeito na mesma, o magistrado deverá dar a parte a oportunidade de
corrigi-la, mesmo que depois do prazo para emenda (art. 295, V do CPC), o que
inclusive já é consagrado no STJ, afirmando que o prazo para emenda da petição inicial
é um dilatório, ou seja, admitindo a emenda extemporânea.75
O juiz tem o dever de esclarecer suas manifestações que porventura sejam
obscuras, bem como de pedir esclarecimento às partes ou outros participantes do
processo, sempre que necessário, seja por má formação das frases, má exposição das
ideias, ou mesmo por falha de impressão, para a formação segura de sua cognição.
Há, ainda, o dever de prevenção ou proteção, eis que se o juiz se deparar
com algum defeito processual, tem o dever de apontar a falha e a forma como deverá ser
corrigida ou sanada. O dever de prevenção encontra-se consagrado no art. 284 e 616 do
CPC, garantindo ao demandante o direito de emendar a petição inicial, ainda que várias
vezes, para a correção do defeito.
75 STJ, 2ª Sç., REsp 1.133.689/PE, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 28/3/2012. Precedentes citados: REsp 871.661-RS, DJ 11/6/2007, e REsp 827.242-DF, DJe 1º/12/2008.
Com a reforma do processo de execução (2005/2006), um preciso caso de
aplicação do princípio da cooperação foi inserido. Exige-se do credor, tanto na execução
extrajudicial (art. 614, II), como no cumprimento de sentença (art. 475-B), a
apresentação de uma memória atualizada e discriminada do cálculo e, simetricamente,
exige-se do executado, caso alegue em suas respectivas defesas excesso de execução,
que apresente, do mesmo modo, memória do cálculo, cooperando, assim, com o
julgamento (art. 475-L §2° e art. 739-A §5°).
No mesmo giro, percebe-se que o legislador reformista passa, expressa e
indubitavelmente, a exigir uma conduta de mais comprometimento e de colaboração do
executado para com a efetividade da prestação jurisdicional e celeridade do desfecho da
lide fixando, por outro lado, meios de reprimenda às atitudes que se mostrem contrárias
a tais interesses.
Com efeito, a nova norma segue a orientação ideológica, já disposta
anteriormente em outras leis que ultimamente alteraram o processo de conhecimento no
CPC, de exigir um comportamento leal e ético das partes, principalmente do
demandado, coibindo, ainda que pontualmente, atos que importem procrastinação ou
alongamento desarrazoado ou indevido do tempo do processo executivo, impedindo que
ele se torne, na prática, instrumento de tortura da parte que tem crédito a receber e de
desprestígio da própria atividade jurisdicional estatal.76
Nesse sentido, o art. 740, parágrafo único, quando passa a impor multa para
o caso de apresentação de embargos do executado com intuito manifestamente
protelatório. O art. 745-A §2° quando comina, no caso de inadimplência de pedido de
pagamento parcelado, multa sobre o valor das prestações não pagas, sem prejuízo de
vedação à oposição de embargos. De igual modo, o mencionado 745-A consagra um
nítido caso de venire contra factum proprium, eis que proposto o parcelamento se esta
praticando ato incompatível com a conduta de, posteriormente, se oferecer embargos do
executado.
76 Nesse sentido: CARPENA, Márcio Louzada. Da não apresentação de bens passíveis de penhora e das multas. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1071.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2011.
Outro caso de dever de cooperação é encontrado nos arts. 652 §3°, 600, IV e
601, eis que se o executado não nomear bens, depois de intimado, suportará multa de
até vinte por cento sobre o valor do crédito, por afronta à dignidade da justiça.
6. Conclusão.
O desenvolvimento do princípio da cooperação depende da análise teórica e
jurisprudencial do common law e do civil law: devido processo legal e criatividade
judicial, temas intimamente relacionados ao primeiro; bem como princípio da boa fé e
cooperação obrigacional, construções do segundo, especialmente na Alemanha.
Os problemas da boa fé são solucionados nos EUA pela cláusula do devido
processo legal, na Alemanha, pela expansão do § 242 do BGB aos “dominíos não
civis”, e assim sucessivamente.
Muitas vezes a discussão doutrinária é meramente terminológica. A ilicitude
do comportamento contraditório na Alemanha foi resolvido pelo desenvolvimento do
venire contra factum proprium; na Espanha e na Argentina, pela doutrina de los actos
proprios; nos países do common law, pelo estoppel.
O sistema jurídico brasileiro tem um direito constitucional de inspiração
estadunidense, um direito infraconstitucional inspirado na família romano-germânica
(França, Alemanha e Itália, basicamente), controle de constitucionalidade difuso
(judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco), há inúmeras
codificações legislativas (civil law) e, simultaneamente, constrói-se um sistema de
valorização dos precedentes, inspirado no sistema da common law, temos um direito
privado estruturado de acordo com o modelo do direito romano, de cunho
individualista, temos um microssitema de direitos coletivos dos mais avançados e
complexos do mundo, que é uma marca do sistema common law; enfim, não há
preconceitos jurídicos no Brasil, busca inspiração nos mais variados modelos
estangeiros.
Existe farta produção doutrinária e jurisprudencial sobre devido processo
legal e boa fé objetiva, recentemente, boa produção sobre cláusulas gerais e eficácia
normativa dos princípios, proporcionando um lastro cultural que permite o
desenvolvimento do princípio da cooperação, contudo, tais institutos não são
aprofundados na análise processual.
Cremos, sinceramente, que o boa fé processual é aplicável a todos os que
participam da relação jurídica processual, bem como ao magistrado, exigindo uma
cooperação e um processo baseado no diálogo.
Em Portugal o direito privado é fortemente influenciado pela tradição
européia continental, mas a Constituição consagrou o processo equitativo, contudo, a
doutrina reputa o art. 266°, 1 uma norma programática, com reduzida eficácia
normativa.
Por fim, o princípio da cooperação consagrado no art. 266°, 1 do CPC
português: (i) é uma cláusula geral, que concretiza um novo modelo de processo
equitativo; (ii) é um subprincípio do devido processo legal e da boa fé processual; (iii)
independe de regras específicas para a sua concretização; (iv) é fonte direta de situações
jurídicas ativas e passivas, típicas e atípicas, para todos os sujeitos processuais,
inclusive para o órgão jurisdicional.
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