A Bíblia e as Missões

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A Bíblia e as Missões Samuel M. Zwemer

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Livro relacionado a missões cristã(Não existe mais esse livro para vender)Autor Samuel M. Zewer

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Page 1: A Bíblia e as Missões

A Bíblia

e as

Missões

Samuel M. Zwemer

Page 2: A Bíblia e as Missões

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ÍNDICE

Dedicatória e Prefácio......................................................................................................3

Introdução.......................................................................................................................4

I A BÍBLIA E AS MISSÕES

O Caráter Missionário das Escrituras....................................................................6

II A IGREJA E AS MISSÕES

Evangelização Mundial, Alvo Supremo e Tarefa da Igreja...................................18

III O PASTOR E AS MISSÕES

Relação Nacional Estratégica do Pastor para com a Evangelização do Mundo....26

IV O ESPIRITO SANTO E AS MISSÕES

A Dotação Divina e sua Liderança nas Missões...................................................35

V O APÓSTOLO PAULO E AS MISSÕES

Características Salientes das Missões Neo-Testamentárias, Exemplificadas por

Paulo..................................................................................................................46

VI A VOLTA DE CRISTO E AS MISSÕES

A verdadeira Perspectiva a alvo do Esforço Missionário......................................62

VII OS HOMENS E AS MISSÕES

Os Elementos Essenciais da Chamada Missionária..............................................80

VIII O DINHEIRO E AS MISSÕES

Luz Bíblica Sobre a Mordomia Missionária.........................................................91

IX A ORAÇÃO E AS MISSÕES................... .......................................................106

X O RAPAZ E AS MISSÕES

Alimentando as Multidões - Uma Parábola Missionária.....................................120

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Dedicatória

Aos meus ex-alunos

que servem fielmente nos longínquos

campos missionários do mundo,

é oferecido afetuosamente este volume.

Prefácio

O autor está cônscio da existência de uma biblioteca já bastante numerosa que trata do

assunto do caráter missionário e ensino da Bíblia. Um bom número dos mesmos enfileira-se

em suas próprias estantes e tem sido livros com verdadeira apreciação por seus caráter erudito

e alto valor. Teve, pois, de defrontar-se com a pergunta, que sem dúvida assaltou outras

mentes também, se haveria realmente necessidade de outro livro sobre o mesmo tema. E sua

conclusão, após muita meditação e oração, foi que ainda há oportunidade para uma

abordagem sobre o assunto, seguindo-se determinado ponto de vista e uma certa linha de

pensamento, um tanto diferentes do que é seguido por esses outros volumes.

Essa conclusão parece ter sido confirmada por repetidas solicitações, recebidas de

membros de suas ex-classes sobre Missões, de diversos institutos bíblicos, como também de

outros, que se fizeram presentes às preleções em dois seminários e várias conferências

bíblicas, de que o material ali exposto recebesse a forma disponível de um livro.

Não foi fácil encontrar tempo, em meio a outros deveres, para essa tarefa adicional;

mas pouco a pouco os capítulos que se seguem foram preparados, e são agora enviados aos

leitores. Não pretendemos que se trate de uma discussão completa de assunto vital que

abordam, porquanto o autor está perfeitamente consciente das limitações e imperfeições desta

apresentação. Sua única reivindicação é que aquilo que foi escrito foi feito sobre a pressão de

profunda preocupação - que um conceito mais verdadeiro sobre o papel vital das missões,

dentro do propósito e plano divinos, seja de algum modo transmitido à Igreja atual, capaz de

conduzi-la a novos e mais dignos esforços para levar até seu término a tarefa que por Jesus

Cristo foi entregue à Sua Igreja na face da terra, quando de sua incepção, e que constitui o

objetivo mesmo de sua existência, a saber, o anúncio da Mensagem de Salvação a toda a

humanidade.

O autor deseja expressar seu grato tributo à Sra. Jeannette Rorke, sua ex-secretária, tão

devotada e eficiente, pelos seus tão prestativos serviços, tendo datilografado e preparado o

manuscrito inteiro para a sua publicação, e à Srtª Mildred Cook, por sua útil assistência

editorial.

R.H.G

Philadelphia, Pa.

Dezembro de 1945

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Introdução

Confiamos em que o público evangélico acolherá favoravelmente este novo estudo

sobre um tema antigo, a Bíblia e as Missões. E ainda que um avantajado número de outras

obras tenha sido escrito sobre a questão, conforme também declara o autor em seu prefácio,

há pelo menos duas razões válidas para que recomendemos a este estudo bíblico aos leitores -

razões estas que tendem ser esquecidas em uma época em que os aspectos econômicos e

sociais da mensagem evangélica são algumas vezes exagerados.

Em primeiro lugar, este estudo tem uma teologia explícita. Temos visto manuais sobre

missões que salientam a sociologia, a psicologia, e até mesmo a ética, mas que só apresenta a

teologia de forma condensada. Se o cristianismo evangélico pode ser reduzido, como certo

autor assevera, "a uma bem sucedida comunicação de uma experiência valiosa", então não é

mais necessária a teologia sobre missões. O Novo Testamento, todavia, deixa perfeitamente

claro que o alvo das missões cristãs é o cumprimento de uma ordem divina e de um eterno e

divino propósito, isto é, o testemunho prestado quanto ao fato de Jesus Cristo. A

evangelização do mundo é um projeto não de origem humana, mais divina. A palavra da cruz

era a mensagem dos apóstolos; o poder da cruz era o motivo deles, e a glória da ressurreição

era a sua inspiração e esperança. As missões, tanto nas promessas e profecias do Antigo

Testamento como em seu poder e vitória neo-testamentários, não apresentam um caráter

mundano, mas sim, os sinais de pertencerem a um outro mundo. A expiação pelo pecado e a

vitória sobre o pecado sempre terminam em vitória sobre a morte. Os apóstolos pregavam a

Cristo e Sua ressurreição, que é a garantia de nossa própria ressurreição. O que quer que se

diga a respeito da igreja primitiva, este tanto é verdadeiro, que ela voltou as costas para o

mundo e o rosto para o Senhor, que está prestes a voltar. Seu curso foi guiado não apenas

pelo seu mapa de fé, mas também pela estrela polar de sua esperança.

Em segundo lugar, este estudo aborda uma filosofia básica. O assunto é tratado do

mesmo ângulo que foi assumido pelo Dr. Hendrik Kraemer, da Conferência de Madras, em

seu volume, The Christian Message in a Non Christian Word. O ponto de vista, tanto do Dr.

Glover como o Dr. Kraemer, forma os antípodas de Re-Thinking Missions e do outro livro

do professor William E. Hocking, Living Religions and a World Faith. Ambos quedam-se

admirados perante o fato da revelação final e da finalidade sem par de Jesus Cristo.

O único motivo missionário que não pode ser despedaçado pelas bombas atômicas do

racionalismo e do neo-paganismo, em nossa época, é o mandato apostólico do Novo

Testamento, com todas as suas implicações e sanções. Estas são exibidas neste estudo popular

sobre as missões. Recomendar o cristianismo meramente como o veículo de uma cultura

superior, ou oferecer à Ásia e à África uma partilha maior do que atualmente possuem da

civilização e filosofia ocidentais, é uma tarefa sem esperança, porquanto é observável que as

duas nações da Europa e da Ásia que são as mais progressistas e de mais alto índice de

educação, tem feito o mundo mergulhar no caus e na mais total barbaria da guerra moderna.

Quando são destruídos os alicerces da moral e da fé, que pode fazer o justo? Pode tão

somente levantar-se na força que Deus, dá afim de edificar, mais firmemente do que nunca,

sobre a Rocha dos Séculos. É mister que nos voltemos para a própria Bíblia, em busca de

nosso motivo missionário, de nossa mensagem e de nosso dinamismo. Só na Bíblia

encontramos a origem e o alvo desse empreendimento.

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O método bíblico é o caminho recomendado e ilustrado nestas páginas. Cada capítulo

encontra sua nota autoritativa na Palavra de Deus. Todos eles se baseiam e apoiam em uma

nova filosofia de missões ou sobre o tipo de ecumenismo que se perde em um ponto de vista

acerca do mundo que se afasta do profundo sendo da necessidade que o mundo tem do

evangelho. De conformidade com a convicção do Dr. Glover, a Palavra de Deus é a única

regra de fé e prática no empreendimento missionário.

Temos lido o manuscrito dessas páginas, com alegria, descobrindo nas mesmas a

virilidade de conceitos aliada à visão clara e ao manuseio de temas difíceis, abordados com

sanidade e santidade. O autor tem desfrutado de longa experiência na China, como

missionário praticante, bem como em sua pátria, em larga e sábia administração missionária.

Não é homem teórico, mas antes, dotado de juízo prático. Quando fala sobre o Espírito Santo

e as missões aborda fatos testemunhados pessoalmente no campo missionário. Quando se

refere à posição suprema do pastor, na empresa missionária, sabe do que está falando. O

capítulo acerca de "A Volta de Cristo e as Missões" é sóbrio e poderoso, e contém uma

advertência para aqueles cuja escatologia pode conduzi-los ao desapontamento - àqueles que,

de atenção voltada para a questão secundária, são como o homem que gastou tanto tempo e

esforço procurando compreender o horário e o itinerário dos trens, na estação da estrada de

ferro, que acabou perdendo o seu trem.

No interesse da grande causa da evangelização do mundo, eis o livro para o momento.

Foi escrito para a época em que vivemos, escrito por alguém que combateu o bom combate e

guardou a fé. Abri suas páginas e julgai por vós mesmos. Cremos que este volume pertence à

terceira categoria da classificação de Francisco Bacen: "Alguns livros devem ser provados,

outros precisam ser devorados, e alguns poucos merecem ser mastigados e digeridos".

Samuel M. Zwemer

Cidade de Nova Iorque

dezembro de 1945.

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Capítulo I

A BÍBLIA E AS MISSÕES

O Caráter Missionário das Escrituras

Não basta dizermos que estamos "interessados em missões", nem mesmo que estamos

participando da promoção de missões. Muito do interesse e esforço missionário não chega a

ser satisfatório, porque repousa sobre um conceito totalmente inadequado do que seja

realmente o empreendimento missionário. Mera piedade pelos povos que ocupam os campos

missionários, provocada por algum relato comovente sobre a urgente necessidade ou por

alguma instância de cruel sofrimento, não é suficiente, por mais recomendável que seja tal

compaixão. Algo mais profundo e mais lato é necessário para constituir um sólido alicerce

para qualquer esforço missionário digno do nome e permanente.

O empreendimento missionário não é algum conceito ou incumbência humana, não é

algum invento ou planejamento moderno, não é mera filantropia, mesmo considerada como

seu melhor espécime. Não teve origem no cérebro ou no coração de qualquer ser humano,

nem mesmo de Guilherme Carey ou do apóstolo Paulo. Sua fonte é o próprio coração de

Deus. É Jesus Cristo, o grande Missionário de Deus, enviado ao mundo perdido, foi a

revelação suprema de Seu coração e a expressão suprema do Seu amor.

O grande fato isolado no qual todos os verdadeiros pensamentos de Deus encontram

suas raízes, é o fato exposto em João 3:16, que diz: "Deus amou ao mundo de tal maneira que

deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pareça, mas tenha a vida eterna".

Esse versículo é comumente reputado como o texto central do Novo Testamento, o coração

mesmo do evangelho. Por essa razão é que é, igualmente, o texto missionário central.

Juntamente com ele, vários outros textos mui naturalmente se associam, como: "Porquanto

Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo

fosse salvo por ele" (João 3:17); "Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não

impuntado aos homens as suas transgressões" (II Co 5:19); "Ele é a propiciação pelos nossos

pecados, e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro" (I João

2:2); "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (João 1:29).

Os textos bíblicos acima citados, e muitos outros semelhantes aos mesmos, deixam

cristalmente óbvio o fato que a redenção do mundo inteiro foi o grande propósito de Deus

desde o princípio. "...de um só fez toda a raça humana para habitar sobre a face da terra... para

buscarem a Deus se, porventura, tateando o possam achar, bem que não está longe de cada

um de nós" (Atos 17:26,27). Sim, e muito mais ainda, porquanto Ele veio pessoalmente, em

Seu Filho, Jesus Cristo, a fim de "buscar e salvar o que se havia perdido". O evangelho visa e

está adaptado a toda raça, clima e condição da humanidade. O empreendimento conhecido

como missões mundiais, por conseguinte, consiste justamente da execução do propósito e

projeto divino, traçados desde a fundação do mundo. Sua realização é o sublime evento na

direção do qual se move toda a criação, e que constituirá a consumação e a coroa de todas as

relações de Deus com a raça humana.

Se tudo isso é a verdade, deveríamos encontrar muito material, nas Sagradas

Escrituras, abordando o fato; e esse é precisamente o material ali exibido. Em cada página da

Bíblia o pensamento e o plano de Deus, referente à evangelização do mundo, se evidenciam

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claramente. De capa a capa, a Bíblia é um livro missionário; tanto que, conforme alguém já

expressou, ninguém pode extirpar o seu conteúdo missionário sem destruir completamente

esse livro sagrado. Portanto seja isso entendido para sempre, que a autoridade bíblica relativa

às missões de escopo mundial repousa não meramente sobre uma série de textos de prova,

mas antes, sobre o inteiro desígnio e espírito das Escrituras, quando estas revelam a Deus em

Suas relações para com os homens e as nações, e quando traça o desdobramento de Seus

propósitos através dos séculos.

Certo escritor expôs habilmente o caráter missionário essencial da Bíblia,

descrevendo-o como a história da busca do homem por parte de Deus, em contraste patente

com todos os livros sagrados de origem humana, que pretendem exibir a história da busca de

Deus por parte do homem. E segue-se então estas palavras: "Essa divina busca do Criador

através de Sua criatura, começa no primeiro capítulo do livro de Gênesis, e não termina senão

nas palavras finais do Apocalipse. O próprio Deus é visto, dessa maneira, como o primeiro e

maior de todos os missionários, enquanto que a Bíblia toda é vista como a revelação de Suas

sucessivas sondagens na alma humana".

Por conseguinte, passemos a esboçar o propósito e o plano missionários de Deus, os

quais aparecem inequivocamente, e assim podem ser vistos (1) em Gênesis, no Antigo

Testamento, e (2) plenamente revelados no Novo Testamento.

A Idéia Missionária no Antigo Testamento

Apesar de que as missões cristãs, no pleno sentido do termo, tenham começado

somente já no Novo Testamento, não se deve perder de vista o fato que a idéia missionária

também pode ser encontrada em todas as páginas do Antigo Testamento.

Desde a primeira vez em que tratou com Adão e Eva, antes da queda, na qualidade de

progenitores da raça humana, Deus revelou o Seu desígnio de alcance mundial. Disse ao

primeiro casal: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a" (Gênesis 1:28). E

a Noé, quando à raça foi concedido um novo começo, a mesma incumbência foi repetida

(Gênesis 9:1). A propagação, até aos confins da terra, ocupava os pensamentos de Deus.

Todavia, mui estranhamente, a história dos homens, criaturas de Deus, desde então tem sido o

relato de um esforço longo e persistente, quer por ignorância quer por vontade expressa, de

escapar ou de torcer o propósito divino que foi tão claramente declarado.

Esse fato é notavelmente ilustrado no relato da Torre de Babel, conforme aparece no

décimo-primeiro capítulo de Gênesis. Ali vemos um povo que não se esforçava por chegar

aos confins da terra, mas antes, que diziam uns para os outros como se lê no quarto versículo:

"Vinde, edifiquemos para nós uma cidade, e uma torre cujo topo chegue até aos céus, e

tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra". Vê-se,

aqui, que aquilo que Deus desejou que fosse realizado, foi justamente o que os homens

intentaram explicitamente frustrar. Era desígnio do Senhor, embora isso não tivesse sido

ainda revelado com clareza, fazer da raça humana e sua redenção o meio de glorificar a Seu

Filho, a fim de que o nome de Cristo fosse exaltado acima de todo outro nome, "...para que ao

nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra..." (Filipenses 2:9-

11). Entretanto, eles diziam: "...tornemos célebre o nosso nome...". Nesse incidente, pois,

ficou desvendado que o espírito do egocentrismo e do interesse próprio, que desde então vem

dominando os indivíduos e as nações, e que se tem oposto e servido de empecilho para a

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realização de Seu propósito missionário e para a materialização do domínio universal e glória

de Cristo, foi justamente o que obrigou Deus a interferir, confundindo a linguagem dos

homens e frustrando os seus planos ambiciosos. "Destarte o Senhor os dispersou dali pela

superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade".

Em seguida vemos Deus a escolher um homem, uma família e uma nação - Abraão e

os seus descendentes hebreus. Mas, com que finalidade? com o propósito de derramar

abundantemente sobre eles um afeto exclusivo e egoístico, com paralelo desprezo por todos

os demais homens: Não, mas antes, para que servissem de canal de benção para o mundo

inteiro dos homens: "...em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gênesis 12:3). Essa

promessa, com o seu revelado propósito de eleição, foi posteriormente repetido por duas

vezes mais, a Abraão (Gênesis 18:18; 22:17,18); e confirmado a Isaque (Gênesis 26:2-4) e a

Jacó (Gênesis 18:12-14).

A mesma sugestão pode ser vista na divina mensagem anunciada por intermédio de

Moisés ao povo de Israel, no monte Sinai: "Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha

voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os

povos: porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa" (Êxodo

19:5,6).

O professor W. O. Carver, comentando acerca dessas palavras, escreveu: "Não se deve

esquecer que a terra inteira pertence a Ele, juntamente com todos os seus habitantes. Quanto

Deus acolhe uma tribo em Seu coração, momentaneamente, não é para que os demais homens

sejam olvidados, mas é para que o bem atinja a todos. O Seu alvo era que Israel Lhe servisse

de reino de sacerdotes, uma nação separada para o serviço profético. Mas, quando o sacerdote

e o profeta são uma nação, o povo para quem ministram e para quem profetizam, são as

demais nações".

Desgraçadamente, porém, os judeus tropeçaram no propósito divino, não podendo

discernir o sentido da eleição de Deus, que os escolhera como Sua nação-serva, e

egoísticamente monopolizaram o que estava destinado a servir de bem para toda a

humanidade. Consequentemente, Deus teve de por de lado aquela nação, por algum tempo,

como um fracasso. A história inteira de Israel constitui uma das maiores tragédias da história

humana.

Quanto ao próprio Abraão, ele se destaca como um dentre uma plêiade de notáveis

personagens do Antigo Testamento, que foram exemplos marcantes do espírito e fervor

missionário. Com ele teve início o longo cortejo dos missionários, que atualmente já se

estende através de quatro mil anos. Seu divino chamamento (Gênesis 12:1) fornece um digno

modelo a ser seguido por qualquer missionário moderno, enquanto que seu heróico

livramento das vítimas do ataque desfechado pelo rei Quedorlaomer (Gênesis 14:1-16) e seu

importuno apelo em favor da pecaminosa cidade de Sodoma (Gênesis 18:22,23), são ótimas

instâncias do zelo, coragem e devoção missionários.

José, por semelhante modo, foi um grande missionário, enviando por Deus ao Egito

pagão, e pelo Senhor usado para a salvação física dos milhões de habitantes dessa nação e dos

povos circunvizinhos.

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Em Moisés vemos um verdadeiro líder missionário, treinado e disciplinado por Deus,

para um grande e difícil empreendimento, que exigiu que ele renunciasse às riquezas, à

posição social e aos prazeres mundanos, a fim de dedicar-se, com abnegado abandono, ao

serviço daqueles que tão amargamente testaram seu espírito e zombaram de sua devoção. Tal

como os outros profetas e líderes do Antigo Testamento, ele via apenas nebulosamente aquilo

que o Novo Testamento claramente revela quanto à plenitude da graça de Deus para toda a

humanidade; não obstante, algo da extensão do propósito divino lhe foi dado a conhecer pelo

próprio Deus, nestas palavras: "...tão certo como eu vivo, e como toda a terra se encherá da

glória do Senhor..." (Números 14:21).

Aqui e ali, através dos livros históricos do Antigo Testamento, entrevemos visões

fugazes de alcance mundial dos propósitos graciosos de Deus. Exemplos de Sua beneficência,

para com aqueles que se encontravam fora do redil judaico, são fornecidos nos incidentes

ligados aos profetas Elias e Eliseu, e mediante os quais Jesus repreendeu o orgulho nacional

de Seus conterrâneos de Nazaré (Lucas 4:25-27). Uma mulher gentia, viúva de Sarepta, foi

escolhida por Deus para abrigar e alimentar o Seu servo Elias, em período de fome (I Reis

17:9), enquanto que Naamã, o sírio de Damasco, foi misericordiosamente curado de sua lepra,

por meio do testemunho humilde de uma menina judia que fora tomada cativa, e por meio do

ministério de Eliseu (II Reis 5).

Belamente sugestiva, igualmente, sobre a largura do amor soberano de Deus, é a

inclusão de Raabe, de Jericó, e de Rute, a moabita, ambas mulheres gentias, estranhas ao

pacto divino, na linhagem ancestral do Rei messiânico. O mesmo espírito se faz presente na

oração com que Salomão dedicou o templo de Jerusalém, quando fez apelo em favor do

"...estrangeiro, que não for do teu povo de Israel, porém vier de terras remotas, por amor do

teu nome...ouve tu nos céus, lugar da tua habitação, e faze tudo o que o estrangeiro te pedir, a

fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo

Israel..." (I Rs. 8:41,43). E a resposta divina, foi: "Ouvi a tua oração, e a tua súplica, que

fizeste perante mim" (I Rs. 9:3).

O livro de Ester contém uma fascinante narrativa missionária. Representa uma jovem

mulher, por natureza identificada com uma raça cativa e condenada, mas por uma providência

graciosa elevada a uma posição e privilégio reais. Sua atenção foi chamada para o perigo

iminente e para a inevitável condenação de sua nação, a menos que chegasse pronto e

imediato socorro. Entretanto, a única possibilidade humana de auxílio obviamente dependia

dela mesma, envolvendo um tremendo risco pessoal. Uma momentosa pergunta a

confrontava. Teria ela consideração por sua própria segurança, consolo e vantagem, e fecharia

os olhos para as necessidades de seus compatriotas? Ou a preocupação compassiva pela

humanidade condenada e impotente conquistaria e abafaria todas as considerações egoísticas

e a impeliria à tentativa de libertar o seu povo? Ao enfrentar ela, com toda a seriedade, essas

alternativas, provavelmente não sem grandes lutas íntimas, chegou à decisão acertada, e

recebeu a força e a coragem para tanto necessárias. Lançou-se na brecha aberta, sem dar

atenção a todo custo e perigo em que isso a envolvia, e, mediante sua ação heróica, salvou sua

nação inteira. Trata-se, pois, de um emocionante romance missionário, cuja aplicação para os

crentes da atualidade, e particularmente pela juventude evangélica talentosa e privilegiada, é

tão óbvia que não são necessárias outras palavras para reforçá-la.

Passando daí para o livro dos Salmos, encontramo-los eivados do espírito e da atitude

missionários. Através de todo esse antigo livro de louvores, vê-se uma constante antecipação

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de um Rei que haverá de governar em justiça, e cujo domínio se estenderá até aos próprios

confins da terra. Entre os Salmos que são peculiarmente assinalados pela visão mundial,

encontramos os de números 2, 22, 47, 50, 67, 72 e 96. Tomemos como exemplo o Salmo 2:8,

que diz: "Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua

possessão". Ou então notemos o Salmo 67, cujo primeiro versículo declara: "Seja Deus

gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o seu rosto..." Quão

egoística seria essa oração, se cessasse nesse ponto! Porém, prossegue afim de revelar o

motivo missionário de tal oração, e o resultado de sua resposta - "...para que se conheça na

terra o teu caminho; em todas as nações, a tua salvação" (versículo 2). E seu último versículo

é uma belíssima profecia, que diz: "Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o

temerão".

Outrossim, temos o Salmo 72, com seu resplendente quadro profético sobre a vinda do

glorioso reino de Cristo, do qual Salomão era um tipo - "Domine ele de mar a mar, e desde o

rio até aos confins da terra...e as nações lhe chamem bem-aventurado... Bendito para sempre o

seu glorioso nome, e da sua glória se encha toda a terra" (Versículos 8, 17, 19).

Contudo, talvés os mais ricos ensinamentos missionários do Antigo Testamento sejam

encontrados nos escritos dos profetas, onde uma perspectiva de alcance mundial sempre se

reconhece claramente, até mesmo quando a mensagem central diz respeito a Israel. As

passagens abaixo citadas são apenas algumas dentre as muitas que poderiam ser citadas:

"... pois não há outro Deus senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim. Olhai

para mim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro"

(Isaías 45:21,22). "...também eu te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação

até a extremidade da terra" (Isaías 49:6). "O Senhor desnudou o seu santo braço à vista de

todas as nações; e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus" (Isaías 52:10).

"...porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos" (Isaías 56:7).

"Naquele tempo chamarão a Jerusalém o trono do Senhor; nela se reunirão todas as nações

em nome do Senhor, e já não andarão segundo a dureza de seu coração maligno" (Jeremias

3:17). "Pois a terra se encherá de conhecimento da glória do Senhor, como a águas cobrem o

mar" (Habacuque 2:14). "...farei abalar todas as nações, e as coisas preciosas de todas as

nações, virão, e encherei de glória esta casa, diz o Senhor dos Exércitos" (Ageu 2:7). "Ele

anunciará, paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o Eufrates até às

extremidades da terra" (Zacarias 9:10). "Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande

entre as nações o meu nome; e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertas puras;

porque o meu nome é grande entre as nações, diz o Senhor dos Exércitos" (Malaquias 1:11).

Dois dos profetas, Jonas e Daniel, destacam-se como grandes missionários. A profecia

de Jonas é um livro de missões no estrangeiro, cujo desígnio é mostrar que Deus é o deus dos

gentios, tanto quanto dos judeus. Foi escrito como reprimenda aos judeus, no quadro que

apresenta de uma grande cidade pagã que deu ouvidos ao chamamento de Deus ao

arrependimento, em contraste a Israel, nação favorecida e abençoada por Deus além das

outras nações, mas que fez ouvidos moucos e endureceu a cerviz contra Ele. A narrativa

também serve de ótima ilustração sobre o terno interesse de Deus pelos pagãos e a Sua

paciência no trato com eles. Incidentalmente, fornece-nos o exemplo de um missionário fujão,

cujo mau exemplo, é para temer-se, tem sido seguido por um número excessivamente grande

nos tempos modernos. Não obstante, deve-se notar que finalmente Jonas entrou na linha da

obediência ao Senhor e se tornou um missionário extraordinariamente bem sucedido.

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Daniel foi outro missionário ao estrangeiro, cuja comissão, que lhe foi divinamente

outorgada, à semelhança do caso do apóstolo Paulo, levou-o à presença de reis e governantes.

Ele deu testemunho sobre Deus nas cortes de quatro monarcas pagãos sucessivos, e isso de

modo tão eficaz que os levou a reconhecerem e a proclamarem seu Deus como o Deus

Altíssimo, cujo reino é universal e eterno. Ele e seus colegas judeus do cativeiro e da

dispersão posterior, foram missionários teístas entre os povos do oriente, bem como no sul da

Europa e no norte da África, até aos próprios tempos de Cristo.

Dessa forma, temos traçado em esboço a idéia missionária através das páginas do

Antigo Testamento, e em cada porção bíblica - nos livros de Moisés, nos livros históricos, nos

salmos e nos escritos dos profetas - temos visto o grande propósito missionário do Senhor e a

universalidade do evangelho e do reino final de Seu Filho. "O Antigo Testamento inteiro vive

em uma atmosfera missionária, e é vivificado com o amor de Deus da terra inteira pelos Seus

filhos".

O Coração Missionário do Novo Testamento

A idéia missionária, que no Antigo Testamento é vista em botão, explode em

completa inflorescência desde o momento em que cruzamos o limiar do Novo Testamento. O

Novo Testamento é missionário de forma sem par e proeminente - o maior volume

missionário jamais produzido. Cada uma de suas seções foi escrito por um missionário, com

o objetivo primário de satisfazer a uma necessidade missionária e de promover a obra

missionária.

Utilizando-nos das palavras do professor W. O. Carver: "Se não tivesse havido

comissão, nem obediência ao seu espírito, não teria havido necessidade dos escritos do Novo

Testamento, nem motivo para produção dos mesmos. Sendo produto de missões, o Novo

Testamento pode ser verdadeiramente interpretado somente à luz da idéia missionária". Ou,

conforme o dizer de um outro escritor: "O Novo Testamento respira as missões, encarna-se

nas missões, e por onde quer que vá cria missões".

Considerando de passagem a significação missionária e o ensino dos diversos livros

do Novo Testamento, comecemos pelos quatro evangelhos. Obviamente esses livros

fornecem a mensagem que ao missionário cabe anunciar. Exibem Jesus como o Cristo, como

o Filho de Deus, como o Salvador do mundo. Particularmente, registram e salientam a morte

e a ressurreição de Cristo como o fundamento da redenção. Paulo, o grande apóstolo aos

gentios, assevera isso claramente, em I Coríntios l5:l-4, onde diz: "Irmãos, venho lembrar-vos

o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também

sois salvos...que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi

sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras". Quão vitalmente importante é,

nestes nossos dias de mudança de ênfase e de idéias lassas, não nos esquecermos da única e

verdadeiramente mensagem para todo autêntico missionário evangélico!

Quando foram escritos os quatro evangelhos, e por quê? Foram escritos quando a

extensão do testemunho evangélico se tornou tão vasto que o mero testemunho oral já não era

adequado. O objetivo dos mesmos foi o de registrar e preservar a legítima mensagem,

tornando-a disponível para os homens que soubessem ler, e essa obra foi efetuada por quatro

evangelistas, selecionados e inspirados por Deus, dentre aqueles que "desde o princípio foram

deles (dos fatos) testemunhas oculares, e ministros da palavra" (Lucas l: l,2).

Page 12: A Bíblia e as Missões

12

Os quatro evangelhos, pois, são documentos ou folhetos missionários, e fazem parte

das Escrituras inspiradas, sendo os precursores de vasto volume de literatura evangélica que

tão destacado e indispensável papel tem desempenhado na obra missionária através de todos

os séculos que se passaram desde então até aos dias presentes. Outrossim, o próprio nome que

trazem indica sua natureza missionária. A palavra "evangelho" significa "boas novas". Porém,

as notícias só podem ser notícias para alguém que ainda não a ouviu, e tais notícias só podem

ser boas para aqueles que as ouvem a tempo e obtêm os seus benefícios. O evangelho, pois, é

o anúncio do perdão estendido a um prisioneiro condenado, é "boas novas" para ele.

Entretanto, se o anúncio de perdão, devido a negligência do mensageiro, só chegar à prisão

algumas horas após a execução do condenado, será considerado uma "boa nova"? Torna-se

evidente, portanto, que o próprio nome "evangelho", que quer dizer "boas novas", implica em

missões de caráter mundial, e que todo aquele que já deu ouvidos às boas novas está investido

da solene responsabilidade de enviá-las imediatamente a todos aqueles a quem elas se

destinam, mas que ainda não as ouviram. A própria essência das boas novas é que elas sejam

anunciadas. O primeiro impulso, em toda a mente sã ao ouvir uma boa notícia, é passá-la para

outros. Assim é que a mensagem cristã se propagou no princípio. André correu a declarar as

boas novas a seu próprio irmão, e Filipe se apressou a relatá-las a Natanael (João l). Pedro e

João enfrentaram a proibição das autoridades do sinédrio, que lhes haviam ordenado

descontinuar a prédica, com a resposta: "...não podemos deixar de falar das coisas que vimos

e ouvimos" (Atos 4:20). Ter-se-iam esquecido os crentes da atualidade que lhes foi confiado

o "evangelho"? (I Tessalonicenses 2:4). Teriam eles perdido aquilo que forma a própria

essência da autêntica fé e discipulado cristãos?

Revertendo ao conteúdo dos evangelhos, descobrimos que nos brindam com a

narrativa da vida de Jesus, o grande missionário que Deus enviou ao mundo. Os anjos foram

os arautos da notícia de Seu nascimento como "boa nova de grande alegria, que o será para

todo o povo", e o idoso Simeão O saudou como "luz para revelação aos gentios, e para glória

do teu povo de Israel". Tanto os ensinamentos como o ministério pessoal de Jesus tiveram

caráter eminentemente missionário. Escutei as Suas palavras: "Deus amou ao mundo de tal

maneira" - "O campo é o mundo" - "Eu sou a luz do mundo" - "E eu, quando for levantado da

terra, atrairei todos a mim mesmo" - "Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim

me convém conduzi-las".

A despeito do fato que, quanto ao Seu ministério pessoal Jesus foi enviado somente às

"ovelhas perdidas da casa de Israel", contudo, o mundo inteiro jamais deixou de ser

vislumbrado por Ele. Seus pensamentos e alvos não eram paroquiais, nem mesmo nacionais,

mas sim, universais. À mulher samaritana Ele se anunciou tanto como o Messias dos judeus

como o Salvador do mundo. E acerca do centurião romano, afirmou: "Em verdade vos afirmo

que nem mesmo em Israel achei fé como esta", e então acrescentou: "Digo-vos que muitos

virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino

dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas". Segundo já foi

mencionado, no início deste capítulo, Cristo relembrou os Seus próprios concidadãos, cheios

de preconceitos, em Nazaré, de que Deus escolhera uma viúva gentílica para alimentar a Elias

o Seu profeta, e que a Sua cura graciosa foi outorgada a Naamã, o sírio. Os milagres e

parábolas de Cristo, igualmente, evidenciam a largura de Sua simpatia e missão. Fez

beneficiários de Seu poder curador e de Sua misericórdia espiritual não apenas aos judeus,

mas também ao centurião romano, à mulher siro fenícia, à mulher samaritana e aos

publicanos. O milagre através do qual alimentou grandes multidões, mediante a multiplicação

Page 13: A Bíblia e as Missões

13

de pães e peixinhos, foi, por si mesmo, uma notável parábola missionária, conforme ficará

explanado em capítulo posterior a este.

Finalmente os evangelhos culminam na Grande Comissão, como o verdadeiro âmago

do Novo Testamento, para o que tudo o mais nos conduz, e do que tudo o mais, depois disso,

nos oriente. Contrastemos a nova comissão com as anteriores comissões limitadas dadas aos

setenta e aos doze: "Ide, fazei discípulos de todas as nações" - "Pregai o evangelho a toda

criatura" - "Sereis minhas testemunhas...até aos confins da terra".

Nas palavras de um distinguido defensor das missões: "Nada está mais profundamente

incrustado no cristianismo do que a sua universalidade...a Grande Comissão contempla a

evangelização do mundo em sua totalidade. Nada menos do que isso responde aos sublimes

conceitos e alvos de seu Autor".

Após os quatro evangelhos segue-se o livro denominado Atos dos Apóstolos, livro

esse que registra de maneira inspirada a obra missionária da Igreja durante a primeira geração

de sua existência. E posto que a presença, a autoridade e a poderosa atuação do Espírito Santo

são maravilhosamente manifestados por todo esse registro sagrado, cremos que o livro de

Atos foi designado por Deus para servir de guia e modelo para todas as gerações posteriores.

Com a devida apreciação sobre o valor de certos compêndios que abordam os princípios e as

práticas missionárias, baseadas em longa e variada experiência em missões passadas e

presentes, é nossa convicção, todavia, que no livro de Atos Deus forneceu à Sua Igreja o

manual par excellence sobre esse assunto, e para todos os séculos. O missionário atual, que se

disponha a meditar e a orar, encontrará nesse volume sagrado um exemplo ou precedente

divinamente proporcionado, para cada tipo de experiência e problema que for chamado a

enfrentar. De conformidade com isso é que determinado escritor refere-se ao livro de Atos

chamando-o de "Manual Missionário autorizado da Igreja".

O próprio nome do livro está de acordo com o seu pensamento. O vocábulo "apóstolo"

(derivado do verbo grego apostello, "eu envio") é sinônimo de missionário (proveniente do

latim mitto - "eu envio"). Apóstolo ou missionário, por conseguinte, é alguém "enviado", e

desse modo o livro de Atos dos Apóstolos bem poderia ser chamado de "Feitos dos

Missionários", e com toda exatidão. E não vale apenas refletirmos sobre o fato que o Senhor,

ao nomear Seus obreiros selecionados de apóstolos, com esse nome definiu a comissão deles?

Não foram enviados como teólogos, ou eclesiásticos, ou filósofos, e, sim, como missionários

("enviados"), como mensageiros, como Suas testemunhas, com o fito de declararem o que

tinham visto, ouvido e experimentado, para tornarem conhecida a redenção que Cristo

preparara para eles e para o mundo inteiro. Essa continua sendo ainda a verdadeira função

bem como o dever primário de todo missionário evangélico, por mais impopular que seja esse

conceito para certos indivíduos atualmente. Aqueles primeiros apóstolos ou missionários

assim concebiam o seu chamamento, porquanto lemos a respeito deles que "todos os dias, no

templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar, e de pregar Jesus, o Cristo" (Atos 5:42).

Seus inimigos sem o saberem prestaram-lhes o mais alto tributo ao clamarem com grande ira:

"...enchestes Jerusalém de vossa doutrina..." (Atos 28), e ao estigmatizarem um grupo

posterior dos mesmos como "Estes que tem transtornado o mundo chegaram também aqui"

(Atos 17:6). Aqueles líderes da primitiva Igreja cristã eram, efetivamente, a própria

encarnação da paixão missionária.

O trecho de Atos 1:8 fornece a nota chave do livro inteiro: "...mas recebereis poder, ao

descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em

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toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra". Esse versículo é, para assim dizer, a

página do índice do livro de Atos, declarando de forma concisa o que se segue

detalhadamente relatado. Primeiramente, portanto, no segundo capítulo, é registrada a descida

do Espírito Santo, no dia de Pentecoste, bem como a dotação com o poder do alto para os

discípulos que se mantinham em atitude de expectativa. O advento do Espírito assinalou o dia

natalício da Igreja Cristã e a inauguração de seu empreendimento missionário. Segue-se,

então, o desdobramento do programa divino, conforme é esboçado no versículo chave, acima

citado. Os capítulos segundo a sétimo, inclusive, se devotam ao testemunho dos discípulos,

prestado "em Jerusalém". Então, nos capítulos oitavo a décimo-segundo, o testemunho deles

se estende a "toda Judéia e Samaria", onde nos são fornecidos vislumbres do ministério de

Pedro na Judéia e de Filipe, em Samaria. Em ambos os casos os efeitos ultrapassam o campo

da ação inicial, como é sempre o caso do testemunho que exanta a Cristo. E assim temos as

narrativas sobre a conversão do eunuco etíope e de Cornélio, em Cessaréia, bem como da

fundação da Igreja de Antioquia.

Nesse ínterim, o inimigo e perseguidor da Igreja, Saulo de Tarso, é maravilhosamente

convertido e comissionado por Cristo, que estava na glória, para ser o apóstolo aos gentios, e

assim a narrativa passa do restrito campo missionário que abarcava Jerusalém, a Judéia e

Samaria, para áreas cada vez mais expansivas. No capítulo décimo-terceiro começa o que

geralmente se chama de empreendimento missionário no estrangeiro, e a esfera do

testemunho evangélico é vista a expandir-se (capítulo 13-28) em círculos cada vez maiores,

chegando até "aos confins da terra". Pedro, Tiago, João, Estevão e Filipe são os salientes

missionários dos primeiros estágios; mas, a começar pelo capítulo décimo-terceiro, no

registro sagrado estes cedem lugar a Paulo, que passou a ser o grande líder, juntamente com

Barnabé e outros obreiros a eles ligados.

O livro de Atos não se encerra a exemplo de outros livros, como uma história

terminada. Pelo contrário, é bruscamente interrompido com o quadro de Paulo em Roma, a

grande metrópole imperial do mundo daquela época, "pregando o reino de Deus, e, com toda

a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo".

Entretanto, esse final é perfeitamente apropriado, porquanto a obra não estava terminada, mas

antes, os "feitos dos missionários" deveriam ter prosseguimento, e assim sucederá até o

próprio fim da era atual.

Depois do livro de Atos temos as epístolas. Ora, que são essas epístolas?

Originalmente foram cartas escritas pelos principais missionários cristãos as igrejas

missionárias locais, que eles haviam fundado, ou para alguns poucos convertidos individuais,

em lugar de visitas pessoais. Tais epístolas abordam questões doutrinárias e de disciplina,

além de outras questões práticas com que as citadas congregações se defrontavam, as quais

bem recentemente se haviam desligado do judaísmo e do paganismo. As três chamadas

epístolas pastorais - primeira e segunda a Timóteo e a de Tito - são cartas de instrução,

encorajamento e cautela, da pena de Paulo, o grande líder e estadista missionário, a seus

colegas mais jovens que haviam sido guindados a posições de grande responsabilidade em

Éfeso e Creta, respectivamente.

Um estudo mais minucioso das epístolas, uma a uma, revelaria distintivas e

impressionantes características missionárias em cada uma delas. Por exemplo, a epístola aos

Hebreus é uma vigorosa apologia missionária destinada a enfrentar as contenções do

judaísmo que serviam de obstáculo, sendo admiravelmente apropriada para o uso dos

Page 15: A Bíblia e as Missões

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missionários em todos os campos de trabalho e em todas as épocas, já que desdobra o

verdadeiro método de aproximação e de relações com qualquer religião que deva ser

suplantada pelo cristianismo. O espaço, todavia, não nos permite considerar detalhadamente,

neste ponto, as várias epístolas. Basta adicionarmos esta palavra - que enquanto, na

providência de Deus, essas epístolas neo-testamentárias chegaram até nós como parte do

cânon permanente das Escrituras inspiradas, seu verdadeiro sentido só pode ser plenamente

aprendido ao serem lidas e interpretadas à luz de seu caráter original de epístolas ou

documentos missionários.

Finalmente, chegamos ao livro com que se encerra o Novo Testamento, a sublime

visão reveladora denominada de Apocalipse. Foi escrita por um dos missionários primitivos,

no exílio. Banido para a isolada ilha de Patmos, devido à sua fé cristã, João escreveu com a

finalidade de consolar e encorajar aos crentes de seus dias, e que sofriam sob a perseguição

iniciada por um cruel imperador romano e por um governo que tendia por destruir os

frutíferos resultados dos esforços missionários da Igreja primitiva. Tal mensagem, entretanto,

expande-se profeticamente até muito além da geração a que foi originalmente endereçada, e

exibe a consumação final do eterno propósito missionário de Deus, na derrocada de todo

governo e autoridade mundanos que se opõe a Cristo, e na inauguração de Seu supremo e

universal reino. Ouve-se, então, o clamor de um exultante triunfo: "O reino do mundo se

tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos" (Apocalipse

11:15).

E, dessa maneira, o Novo Testamento mostra ser um livro missionário em muito

maior medida do que o Antigo Testamento. Em sua autoria e mensagem, na totalidade de seu

alvo e espírito, em sua própria contextura, quer visto em sua inteireza ou em suas partes

componentes, é uma coleção de livros essencial e enfaticamente missionária.

Tendo desse modo traçado o conceito missionário, através da Bíblia inteira, e tendo

visto a posição central e vital que a evangelização do mundo ocupa na mente e no propósito

de Deus, resta-nos salientar de passagem as claras e importantíssimas implicações que esses

fatos trazem após si. Se o empreendimento missionário provém de Deus, se a pregação do

evangelho ao mundo inteiro é Seu grande desígnio e a suprema atividade de Sua Igreja, então

segue-se que sempre que algum crente individual ou grupo evangélico se opõe as missões, ou

mesmo se mostra indiferente para com o esforço missionário, tal indivíduo ou grupo está fora

de harmonia e sintonia com Deus. Ousamos ir mais além e afirmar, mesmo ao risco de chocar

àqueles que sempre se orgulharam de sua sã ortodoxia doutrinária, que ser alguém não-

missionário é não ser ortodoxo, posto que a aceitação do Novo Testamento, como nossa única

e toda-suficiente regra de fé e prática eqüivale a estar dedicado, por motivo de obediência, aos

seus mandamentos claros e ao seu espírito que em tudo lhe empresta o colorido - e que nos

chama a atenção para as missões de âmbito mundial.

Poderíamos deixar de reconhecer que cada igreja da atualidade é produto de um

empreendimento missionário de ontem? Poderíamos esquecer-nos que os nossos

antepassados eram selvagens rudes e degradados quando o evangelho penetrou na Europa,

vindo da Ásia, por intermédio do apóstolo Paulo, em resposta obediente à visão e à chamada

da Macedônia, e que toda a diferença com que diferimos hoje em dia do que eram então os

nossos ancestrais é apenas o feliz resultado do evangelho, anunciado por missionários fiéis a

Cristo? Outrossim, cada lar evangélico, cada escola de aprendizado, cada hospital, cada

instituição e lei que contribui para o bem estar material e moral das comunidades e da nação

Page 16: A Bíblia e as Missões

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das quais fazemos parte, segundo pode ser dito em toda a verdade, é fruto desse divino

empreendimento missionário.

Qual é a nossa dívida para com as missões? Ou antes, o que não devemos às missões?

Nesse caso, sigamos os pensamentos de Deus para que sejam nossos também; comprovemos

que realmente nos tornamos partícipes da natureza divina, compartilhando do amor e

compaixão do Pai por toda a humanidade; e sejamos realmente crentes do Novo Testamento,

tornando-nos, como os crentes primitivos, encarnações da paixão missionária, e entregando-

nos ao Senhor como canais para o influxo da graça de Deus em favor do mundo inteiro.

Page 17: A Bíblia e as Missões

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Capítulo II

A IGREJA E AS MISSÕES

Evangelização mundial, alvo supremo e tarefa da igreja

O livro de Atos dos apóstolos contém o registro inspirado sobre a fundação da Igreja

Cristã e o início de sua vida e ministério, debaixo de liderança do Espírito Santo. Os

primeiros versículos de seu primeiro capítulo fornecem-nos vista dolhos acerca dos contatos e

conferências que Cristo teve com Seus apóstolos selecionados, durante aqueles memorável

período de quarenta dias que medearam entre Sua ressurreição e Sua ascensão. Essa era

última oportunidade de encontrar-se com eles pessoalmente, e de instruí-los e prepará-los

para a liderança humana da Igreja que Ele estava fundando. Certamente que em uma ocasião

como aquela Ele deve ter enfatizado as coisas mais centrais e vitais à nova e sagrada

instituição que deveria trazer o Seu nome e representá-Lo na terra.

Sobre quais assuntos, pois, teria Ele conversado com Seus discípulos? Alguma

resposta a essa pergunta nos é oferecida nos dois versículos da passagem. No segundo

versículo, somos informados que Jesus, por intermédio do Espírito Santo, deu

"mandamentos...aos apóstolos que acolhera", enquanto que no terceiro versículo nos é dito

que Ele lhes falava "das coisas concernentes ao reino de Deus". Mas ambas são declarações

de natureza muito geral, e deixam-nos com grande desejo de saber, se possível, quais coisas,

em particular, Ele teria discutido com os apóstolos.

Quando examinamos cuidadosamente o completo registro inspirado, conforme o

lemos nos capítulos finais dos quatro evangelhos e do primeiro capítulo do livro de Atos,

ficamos impressionados com a descoberta assim feita, que somente uma coisa específica é

mencionada; e essa impressão ainda mais se aprofunda quando encontramos que essa única

coisa a ser definidamente mencionada é registrada não apenas uma vez, mas realmente por

cinco vezes. E que elemento isolado será esse? É a grande Comissão Missionária. Em

Mateus, lemos: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei

discípulos de todas as nações...E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do

século" (Mateus 28:18-20). Em Marcos: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda

criatura" (Marcos 16:15). Em Lucas: "E que em seu nome se pregasse arrependimento para

remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém" (Lucas 24:47). E em João:

"Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (João 20:21).

Chegando nós ao primeiro capítulo de Atos, encontramos os discípulos ocupados no

que atualmente seria chamado discussão dispensacional. Jesus aparece, e lhes apresentam a

pergunta: "Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?" porém, Ele põe de

lado uma especulação tal como essa, reputando-a irrelevante por enquanto, e pressiona sobre

eles aquilo que, no momento, se revestia de toda a importância: "Não vos compete conhecer

tempos ou épocas que o Pai reservou para a sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder ao

descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em

toda Judéia e Samaria, e até aos confins da terra" (Atos 1:8).

Poderia alguma coisa ser mais significativo do que esse quíntuplo registro da Grande

Comissão, dada pelo Cristo ressurreto aos Seus seguidores, especialmente quando aliado ao

completo silêncio das escrituras acerca de qualquer outra tarefa ou responsabilidade que lhes

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18

teria sido dada por Cristo, a eles que ficaram incumbidos do lançamento do movimento

cristão? Pode algum crente capaz de pensar deixar de ver que o que mais preocupava a mente

de nosso bendito Senhor, a grande carga que pesava sobre o Seu coração, durante os Seus

últimos dias e até mesmo durante os Seus últimos momentos sobre a terra, era que a

mensagem da redenção, posta em efeito por Sua morte e ressurreição, fosse anunciada ao

mundo inteiro? As últimas palavras a serem registradas acerca do Cristo assunto ao céu,

palavras essas dirigidas aos Seus discípulos, antes que a nuvem O tivesse ocultado de seus

olhos, foram: "...e sereis minhas testemunhas...até aos confins da terra".

Como podemos escapar da mui óbvia conclusão que Cristo fundou a Sua Igreja sobre

a Grande Comissão, como sua carta de incorporação? Segue-se, pois, logicamente, que assim

como qualquer instituição incorporada, sobre a terra, é obrigada a observar estritamente os

termos de sua constituição ou estatutos, pois do contrário perderá imediatamente o direito de

continuar operando, semelhantemente, a Igreja de Cristo, somente enquanto estiver

observando e cumprindo coerentemente as condições de sua divina constituição, entregando-

se fielmente à tarefa do que foi incumbida por Cristo, de anunciar o evangelho ao mundo

inteiro, tem qualquer direito de reter o nome de Cristo ou de reivindicar a promessa de Sua

presença e poder contínuos, do que dependem sua própria vida e trabalho.

Quão freqüentemente ouvimos essa preciosa promessa, "E eis que estou convosco

todos os dias até a consumação do século" citada por crentes e apropriada para consolo dos

mesmos! Jamais nos devemos esquecer, entretanto, que ela está definidamente vinculada ao

mandamento para que os crentes vão e façam discípulos dentre todas as nações; e assim

sendo, somente aqueles crentes que agem em obediência a esse mandato podem reivindicar

com justiça e desfrutar de sua promessa. Similarmente, a promessa do dom do Espírito Santo,

com Seu poder (Atos 1:8), não tem por finalidade meramente a vantagem pessoal dos crentes,

mas foi claramente designada para a tarefa do testemunho cristão perante o mundo inteiro,

pelo que também pertence verdadeiramente apenas àqueles que, de alguma maneira real,

estão cumprindo essa tarefa.

Nada é mais claro, portanto, do que o fato que o empreendimento missionário,

segundo exposto no livro de Atos e concebido pela Igreja apostólica, não era uma questão

secundária, não era assunto dependente de outro, não era meramente uma questão entre

outras, na ordem da importância; mas era antes a coisa primária, o esforço principal, o

objetivo primordial e supremo em vista, que tomava a precedência sobre tudo o mais.

É verdade, naturalmente, que a Igreja primitiva perseverava "na doutrina dos apóstolos

e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2:42). Em outras palavras, a Igreja

contava com sua concentração para adoração e companheirismo, e sua prédica e ensinamento

doutrinário visava a instrução e a edificação dos seus membros, e também tinha suas sagradas

ordenanças - o batismo e a Ceia do Senhor - além de todos os chamados "meios de graça",

para não mencionarmos os seus edifícios e equipamentos materiais. Mas nenhuma dessas

coisas, nem ainda a soma de todas elas, tinha a intenção de ser reputada como a missão da

Igreja, nem em realidade foram assim consideradas. Não formavam por si mesmas um fim,

mas tão somente outros tantos meios para que se chegasse à finalidade precípua. A Igreja não

foi designada para ser um reservatório, sempre a receber e a reter para si própria as bençãos

espirituais do Senhor; pelo contrário, tinha o propósito de ser um canal que distribuísse suas

riquezas espirituais aos outros, em todos os lugares. Sua verdadeira missão era, e deve sempre

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continuar a ser, a mesma que teve o seu Senhor - a de buscar e salvar os perdidos, onde quer

que esses se encontrem, quer nas proximidades quer em terras distantes.

São os crentes, efetivamente, a "luz do mundo", conforme Jesus os chamou? Nesse

caso, certamente não tem por finalidade meramente usufruir dessa luz, tacanhamente

encerrados dentro do confortável farol da Igreja. Antes, convém que brilhem fora, como

luzes, até bem longe, a fim de que os marinheiros que correm perigo, nas ondas furiosas do

mar do pecado, vejam tal luz, sejam orientados e livrados, ficando em segurança.

É a Igreja verdadeiramente um exército de soldados cristãos? Então a sua principal

função é a luta, e não meramente a manutenção do treinamento, da prática de tiro ao alvo e da

parada de vestuários, dentro das barracas do acampamento. Pelo contrário, a Igreja foi

designada como um exército espiritual conquistador, ocupado em uma guerra ofensiva de

escala mundial, a clamar pelos direitos de Cristo e a assisti-lo na realização do seu glorioso

propósito quanto a raça humana inteira. Muito bem faríamos em lembrar que continuamos

vivendo na época da igreja militante; ainda não chegamos aos dias da Igreja triunfante no seu

descanso.

Ora, a veracidade de tudo quanto temos dito será reconhecido se assim o quisermos

admitir, no que se relaciona à Igreja dos dias apostólicos, pintada para nós no livro de Atos,

ou no que diz respeito a Igreja universal em qualquer época ou geração desde então. É a

apresentação de tais verdades como essas, à congregações locais evangélicas da atualidade

com a convicção da consciência e a inspiração de todo o coração, que é o ponto crucial da

questão. Porquanto, enquanto algumas igrejas locais tem apanhado a visão mundial e estão

cooperando nobremente na grande campanha missionária no mundo, essas igrejas, contudo

formam uma minoria tristemente pequena. A grande maioria das igrejas locais jamais foi

tomada de assalto pela autêntica convicção missionária, e assim sendo, ainda não começaram

a mostrar-se à altura do empreendimento que lhes cabe por parte, e que deveriam assumir.

Sem qualquer disposição para as críticas capciosas, segundo cremos, poderíamos

perguntar qual seria a impressão, acerca do principal alvo e objetivo da Igreja cristã, que um

visitante inteligente de nossa terra, ainda que não informado nem crente, teria, ao visitar os

cultos regulares e ao observar as atividades normais de qualquer das grandes igrejas

tipicamente protestantes deste país. Ou, dizendo a mesma coisa de forma ainda mais direta,

que resposta daria o pastor ou os membros liderantes de um bom número dessas

congregações, se fossem francamente interrogados quanto ao objetivo e finalidade reais em

vista. É de temer-se que em não poucas instâncias, tal pergunta provocasse algum embaraço e

produzisse respostas não muito satisfatórias. A julgar por observações regularmente latas,

muitos pastores e igrejas parecem não ter dedicado a essa questão muito pensamento sério.

Levam a efeito reuniões, organizações e atividades de várias espécies, em grande abundância;

a despeito do que não têm qualquer objetivo bem claro ou definidamente controlador. Estão

"tocando para a frente" segundo determinado modelo, em eixos bastantes desgastados pelo

longo uso, ou seguindo apenas uma modalidade de orientação oportunista, e assim os seus

esforços são de pouco rendimento e os resultados alcançados são muito vagos.

Como, poder-se-ia perguntar, pode ser determinado o sucesso de qualquer igreja

evangélica local? Suas realizações devem ser medidas pelo número de membros na lista de

membros, ou pela freqüência aos seus cultos, ou pelos seus relatórios financeiros, ou pela

variedade de suas organizações e atividades? Por melhores e mais corretas que possam ser

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todas essas coisas, nenhuma delas isoladamente, nem mesmo a combinação de todas, pode ser

considerada como critério seguro de sucesso em uma igreja evangélica. Pois o verdadeiro

sucesso só pode ser a realização de um alvo, o cumprimento de um propósito. Qual, portanto,

é o alvo ou propósito legítimo ou digno de uma igreja evangélica local? Poderíamos fornecer

um bom número de respostas, como, por exemplo, a conquista de almas para Cristo; a

edificação da fé e da experiência cristã de seus membros; o serviço prestado à comunidade

através da elevação da moral, da purificação de sua vida social, e de muitos outros benefícios

dessa categoria. Ninguém dúvida que essas coisas sejam verdadeiras e vitais funções de

qualquer igreja cristã. Não obstante depois de lhes prestarmos a devida vênia, permanece o

fato de pé que todos esses três fatores, quando aplicados de forma meramente local, não

cumprem nem exaurem a idéia neo-testamentária da missão que compete à Igreja. Todos são

propósitos recomendáveis, mas não são suficientemente bons para a Igreja de Cristo.

Qualquer igreja local que seja em realidade aquilo que é de nome - uma igreja cristã -

devido à própria natureza do caso está comprometida perante Cristo a participar lealmente de

sua parte na tarefa da realização de Seu grande plano e propósito no mundo. A igreja local,

como unidade constituinte da Igreja universal, devem compartilhar de seu propósito e missão,

da mesma forma que desfruta de sua vida espiritual. Por conseguinte, é mister que veja suas

relações vitais, que fazem parte de um todo integral, como membro do corpo único de Cristo,

como unidade isolada das forças cristãs combinadas, para que se dedique à grande obra que

Cristo lhe deu, de levar o evangelho a todos os homens. Acresça-se a isso que tal congregação

precisa de conceber sua parte na responsabilidade não como representação em uma minúscula

área definida, com sua aldeia local ou distrito rural, mas, bem pelo contrário, como uma

estreita faixa que circunda o mundo inteiro. Em outras palavras, cada igreja local deveria

projetar-se, de alguma maneira vital, até alcançar o mundo inteiro. Somente na proporção em

que cada unidade individual esteja contribuindo com sua parte é que a Igreja, como um todo,

pode levar a efeito sua comissão e tarefa mundiais.

Extraordinária ilustração sobre essa unidade de alvo e esforços, formada pelo todo em

suas partes constituintes, nos é dada por empresas comerciais como, por exemplo, a Standard

Oil Company, cujo campo de operações se estende, tal como o da Igreja, em suas devidas

proporções, literalmente pelo mundo todo. Suas filiais e agências podem ser encontradas no

interior de um bom número de distantes campos missionários. Porém, onde quer que sejam

encontradas as mesmas, quer na América do Norte, quer na região mais remota do globo,

torna-se logo evidente que o alvo e objetivo delas é um só - existem para vender petróleo.

Visto que esse é o supremo objetivo da organização central nos Estados Unidos da América,

mantendo-se fiel ao seu caráter, essa também é a finalidade perseguida por cada posto, grande

ou pequeno, próximo ou distante, pelo mundo inteiro.

Certo missionário escreveu da Manchúria relatando que viu, em um posto da Standart

Oil, naquele país tão distante, o ambicioso slogan: "Leve a luz a cada canto escuro do

mundo". Não há nesse alvo uma reprimenda e um desafio às Igrejas de Cristo? Pois

confrontamo-nos com o fato que através da Ásia e da África existem milhares de aldeias e

lugarejos onde brilha o querosene vindo do ocidente, mas onde jamais raiou a luz do

evangelho da salvação em Cristo.

Todavia, se ficarmos meramente a deplorar os fatos, isso não nos levará a nenhuma

finalidade útil. O importante é localizar a dificuldade tendo em vista a sua correção. Faz parte

de nossa firme convicção que a dificuldade real jaz dentro das próprias congregações

Page 21: A Bíblia e as Missões

21

evangélicas, e não nas condições exteriores. Nenhuma pessoa inteligente pode duvidar, por

um momento sequer, que as igrejas Protestantes da América do Norte, por si sós, contam com

amplas forças e recursos para cumprir a Grande Comissão de Cristo dentro dos limites da

presente geração. Temos apenas de meditar sobre os registros da Igreja primitiva para

ficarmos convencidos dessa verdade. Todos os líderes missionários estão prontos para

concordar, segundo penso, com o Dr. João R. Mott, quando ao falar sobre os crentes do

período apostólico, diz mui candidamente: "Fizeram mais para levar a cabo a evangelização

do mundo do que qualquer outra geração posterior". Ora, pois, como fizeram isso? Usaram

eles métodos que não podem ser empregados na atualidade? Possuíam eles algum poder de

que não dispomos atualmente? Perguntas tais como essas só podem ser respondidas

negativamente. O fato é que os crentes primitivos se viam a braços com não poucas

limitações e desvantagens bem decisivas, em comparação com os nossos atuais privilégios.

Quanto ao número, eram exiguamente poucos; financeiramente, eram uns pobretões; seus

meios de transporte eram escassos e inadequados; e nada conheciam acerca de utilidades

modernas como o correio, o telégrafo, o rádio, a televisão, o amplificador, e muitos outros. E

apesar de tão pesadamente limitados, deixaram a Igreja de hoje totalmente para trás, no

tocante a eficiência e às realizações missionárias.

Onde, por conseguinte, jazia o segredo deles? Não devemos procurá-lo no terreno

superficial da matéria, mas sim, no terreno mais profundo das coisas espirituais. A leitura

meditativa do livro de Atos revela, entre outras características distintas da Igreja apostólica, a

separação entre o crente e o mundo, o elevado conceito do discipulado cristão, e claras e

certas convicções da verdade.

A separação entre o crente e o mundo não era do tipo meramente monástico, mas

consistia de real rompimento de relações entre o crente e o mundo, e do real apego a Cristo.

Por um lado, aqueles primitivos crentes haviam passado por uma transformação tão radical

que o mundo e suas atrações haviam sido extirpados dos seus corações, enquanto que novos

interesses, ambições e esperanças haviam tomado o lugar dos mesmos. Por outro lado, o

mundo não tinha mais qualquer utilidade para eles, mas só lhes tratava com o estracismo ou a

perseguição. Assim sendo, conforme Paulo o expressou, os crentes estavam crucificados para

o mundo e o mundo para eles. A Igreja primitiva estava assinalada por seu parentesco com o

outro mundo; assemelhava-se a um exército invasor em terra estranha, sustido por recursos

invisíveis.

Outrossim, era uma Igreja que testemunhava, cujos membros, em sua totalidade,

estavam profundamente imbuídos do espírito missionário. A obra da propagação do

evangelho não foi delegada a um pequeno grupo de obreiros oficializados, mas era

compartilhada pela Igreja inteira. Quando, em resultado da perseguição havida em Jerusalém,

após o martírio de Estevão, os crentes foram "dispersos", lemos que "os que foram dispersos

iam por toda parte pregando a palavra". (O termo aqui traduzido como "pregando",

literalmente é "bisbilhotando"). Quando as doações para o esforço missionário, as igrejas da

Macedônia, apesar de profundamente pobres, "a profunda pobreza deles superabundou em

grande riqueza da sua generosidade". Foi um período de esforços individuais e de

consagração geral à tarefa da proclamação do evangelho. Cada crente considerava-se

pessoalmente um missionário. Não admira, pois, que sob tais condições a obra evangélica

tenha avançado e tenha obtido tão colossais como houve. Sem a menor sombra de dúvida, os

mesmos resultados poderiam acompanhar os esforços das igrejas de hoje em dia, contanto

Page 22: A Bíblia e as Missões

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que as mesmas condições fossem satisfeitas. A maravilhosa história da igreja coreana fornece

uma convincente evidência quanto a essa realidade.

Finalmente, a Igreja primitiva pregava as suas crenças, e não as suas dúvidas.

Proclamava a Jesus Cristo como o eterno Filho de Deus, encarnado, crucificado ressuscitado,

assunto ao céu, reinante, que haveria de retornar. Sua mensagem tocava no pecado com sua

penalidade inevitável e terrível, e tocava no homem como pecador em desesperadora

necessidade do Salvador, do arrependimento e de regeneração. Face a face com condições

sociais, morais e políticas, bem como problemas em nada diferentes, em suas raízes, com a

situação atual, nada conhecia sobre algum alegado "evangelho social". Pelo contrário, pregava

a tempo e fora de tempo, sem qualquer apologia por isso, o único evangelho da salvação

pessoal. Em face dessa prédica que do Espírito Santo recebia o seu vigor, não apenas se

salvavam multidões de homens e mulheres, e não apenas eram implantadas igrejas

evangélicas espiritualmente vivas e capazes de se multiplicarem por si mesmas, mas também

a idolatria caía por terra, a escravidão era condenada, a poligamia e outros males sociais se

iam dissipando, e toda a estrutura social e política daquela época foi profundamente afetada.

Sem desejar assumir a atitude dos censuradores, podemos deixar de perceber o

contraste que com isso apresenta a Igreja cristã da atualidade, vista como um todo, no que diz

respeito às características acabadas de mencionar? Em quantos casos numerosos a distinção

entre a Igreja e o mundo quase não pode ser discernida! A profissão cristã, em muitos círculos

é por demais barata e transigente, e sua fraqueza no testemunho cristão corresponde

perfeitamente ao seu barateamento. Nem pode ser dito em verdade que mais do que uma

pequena minoria de crentes professos está imbuída do espírito missionário, demonstrando

qualquer preocupação mais profunda para ganhar almas em sua própria região, além de enviar

o evangelho a outras terras. Infelizmente também, em um número demasiadamente grande de

congregações evangélicas, a mensagem redentora vital de Cristo se faz ausente, e em seu

lugar se prega um espúrio evangelho da melhoria humana, da cultura ética e das máximas

sociais. Os resultados são verdadeiramente trágicos, mas a explicação dos mesmos é

perfeitamente clara. No mundo espiritual, com de resto no mundo natural, colhemos aquilo

que semeamos, e o fruto desejado só pode provir da raiz apropriada.

Citamos um trecho de um apaixonado discurso, feito há algum tempo, por um

distinguido líder eclesiástico, quando da reunião anual de representantes oficiais de sua

denominação: "Por que sucede que o interesse pelas missões no estrangeiro diminui em todos

os quadrantes, e que as doações vão decaindo progressivamente? É porque o povo evangélico

não mais se deixa embalar pela requeimante convicção que os homens em toda parte estão

perdidos sem Cristo. O senso de urgência, de perigo imediato, de crise na salvação,

desapareceu quase inteiramente. Muitos dos nossos pregadores não mais pregam como

homens moribundos. Nossos antepassados criam que os homens de todos os lugares, sem

Cristo, estavam no perigo imediato de se defrontarem com a ira de Deus. Nosso mundo

moderno perdeu quase completamente sua nota de urgência na salvação. Precisamos restaurá-

la... É essa perda de uma poderosa convicção acerca da salvação, e de um desastre tanto

presente quanto futuro, para as almas e para a civilização moderna destituída de Cristo, que

tem cortado os nervos da obrigação e do entusiasmo missionários".

Se pudermos depender de um recenseamento feito há poucos anos passados, o qual

demonstrou que 60.000 igrejas Protestantes dos Estados Unidos da América não

apresentaram um único convertido durante um ano inteiro, e também de uma declaração

Page 23: A Bíblia e as Missões

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pública de que dois terços de todas as igrejas e de que três quartos da totalidade de seus

membros nada contribuíram para as missões nacionais ou estrangeiras, então certamente que

uma declaração como essa, feita acima, está solidamente fundamentada e foi dita bem a

tempo, e deve ser acolhida com sofreguidão, no coração, por todo seguidor confessor de

Cristo.

Entretanto, mui felizmente, em contraposição com esses fatos deprimentes e

desapontadores, algumas características mais brilhantes podem ser notadas no quadro.

Através de todos esses anos tem havido algumas congregações locais que se tem mantido

fiéis aos padrões neo-testamentários da vida espiritual e da visão e empreendimento

missionários. A cada dia, até mesmo nos mais negros, Deus tem preservado um remanescente

salvo, de testemunhas fiéis à Sua verdade, como fiéis promotores de Seu programa. Algumas

poucas instâncias serão citadas em nosso próximo capítulo. Acrescente-se a isso o fato

animador que durante as últimas duas ou três décadas muitos crentes individuais ou igrejas

evangélicas têm despertado para a verdadeira visão missionária, e se animaram a atirar-se a

um esforço intenso, a fim de que fosse cumprido o último e grande mandamento de Cristo.

Atualmente, um dos mais promissores sinais é o número sempre crescente de conferências

missionárias que são efetuadas em igrejas locais ou grupos de igrejas, tendo em vista a

conclamação de novos recrutas para os campos estrangeiros, e a estimulação da intercessão

missionária e das doações para a evangelização nacional. Algumas instâncias dessa espécie

poderiam ser citadas e que são realmente marcantes em seus resultados práticos, e mostram

claramente que se ao menos uma proporção moderada das igrejas existentes, para não

falarmos de sua totalidade, recebesse a visão e se concentrasse com todas as sua forças na

tarefa da conquista do mundo inteiro mediante o evangelho, esse fim seria obtido na atual

geração. Que pensamento inspirador e desafiador é esse! Porém, somente um reavivamento

espiritual poderoso, enviado do céu, e não qualquer plano organizacional ou esforço de

promoção, criado pelo homem, pode fazer isso tornar-se uma realidade. Nas inspiradas

palavras do profeta, tudo deve suceder: "Não por força, nem por poder, mas pelo meu

Espírito, diz o Senhor dos Exércitos." Considerando as momentosas e eternas questões

pendentes, nada deveria ser considerado, por todos os verdadeiros membros da Igreja de

Cristo, como mais vital e urgente do que a dedicação pessoal à oração incessante e a

preparação para uma fresca manifestação do maravilhoso poder do Espírito de Deus.

Page 24: A Bíblia e as Missões

24

Capítulo III

O PASTOR E AS MISSÕES

Relação nacional estratégica do pastor

para com a evangelização do mundo

"A tarefa primordial da Igreja é tornar Jesus Cristo conhecido, obedecido e amado

pela face do mundo". Assim assevera a sentença inicial de um livro intitulado The Pastor and

Modern Missions, escrito há alguns anos pelo Dr. João R. Mott, o bem conhecido líder

missionário. Segue-se, então, a afirmação que a parte mais importante desse empreendimento

jaz no além-mar, e constitui o que se convencionou chamar de empreendimento missionário

no estrangeiro. O autor dessa obra prossegue a fim de dizer que o segredo que capacita a

Igreja nacional a ver, abraçar e levar a efeito essa missão de alcance mundial é o da liderança

apropriada. Essas observações não são menos aplicáveis hoje em dia do que quando foram

feitas, há uma geração atrás. Bem poderiam servir de ponto de partida para a consideração do

tema que temos à frente.

Há muito que é nossa convicção que a chave para o problema missionário, jas,

peculiarmente, nas mãos dos pastores nacionais, posto que eles ocupam o lugar de liderança,

dado por Deus, nas congregações locais, e estão incumbidos da instrução, da inspiração e da

orientação do povo de Deus em sua vida e serviço. A posição dos mesmos se reveste de

grande honra e privilégio, mas também de solene responsabilidade. Há uma indubitável

verdade no antigo adágio que diz: "Qual pastor, tal congregação". Os crentes, em regra geral,

não vão além de seus líderes, quer no conhecimento, no zelo, na consagração ou no sacrifício.

Mas usualmente mostram-se prontos - pelo menos uma boa proporção deles - de seguir um

líder. O pastor, mais do que qualquer outro indivíduo, sem executar os secretários das

missões, tem a rara oportunidade de influenciar o recrutamento para os campos missionários,

de influenciar as orações e as doações missionárias. Todavia, essa influência será exercida e

será eficaz, somente na medida em que ele mesmo houver apanhado a visão missionária,

houver enfrentado honestamente a questão se deve ser um missionário ao estrangeiro, e tiver

a clara convicção da chamada divina para o seu pastorado nacional, concebendo que tal

posição tem o propósito de inspirar e conduzir o seu rebanho a que assuma plenamente sua

legítima participação no desenvolvimento do grande propósito e programa missionário de

Cristo.

Em confirmação à opinião que acabamos de expressar, citamos algumas poucas

sentenças de um dos mais vigorosos dentre certo número de estudos que temos à nossa frente

sobre esse assunto, intitulado Making a Missionary Church, por Stacy R. Warburton, cuja

experiência combinada como missionário no estrangeiro, pastor nacional e diretor-executivo

de uma missão qualificam-no especialmente para o que declara:

"Se a obra missionária das igrejas tiver de ser plenamente

bem sucedida, os líderes das mesmas devem chegar à compreensão

do propósito missionário da Igreja... As missões não ocuparão seu

legítimo lugar no programa das igrejas locais, nem os esforços

missionários das igrejas e denominações obterão seu alvo completo,

enquanto os pastores e outros líderes eclesiásticos não entenderam a

Page 25: A Bíblia e as Missões

25

obra primária de suas igrejas, que é missões, e do que tudo o mais é

apenas uma parte e preparação... Primariamente, a

responsabilidade repousa sobre o pastor; sua atitude, seus ideais,

seus alvos, seu horizonte intelectual e espiritual, sua interpretação

do evangelho de Jesus e da missão da Igreja, é que inevitavelmente

determinarão os interesses, atividades e realizações de sua

congregação local.

Examinando a presente situação missionária com toda a franqueza, não é uma

acusação terrível contra o grande corpo dos crentes professos que, mil e novecentos anos

depois que Cristo outorgou à Sua Igreja a Grande Comissão, como sua ordem de marcha,

mais da metade da população do mundo atual continue esperando ouvir sobre o único

Salvador? Se buscarmos explicação para esse criminoso fracasso, pelo menos alguns indícios

obteremos na declaração feita pela Sra. H. G. Montgomery, distinguida líder batista do

passado, em seu livro The Preaching Value of Missions, de que "menos de trinta por cento de

todos os membros das igrejas batistas faz todas as doações para as missões, tanto nacionais

como estrangeiras", e que "os homens que ousadamente declaram que não crêem em missões

evangélicas, se encontram entre os fiduciários e diáconos das igrejas". Ora, não há qualquer

razão para acreditar-se que o caso seja essencialmente diferente nas demais denominações.

Este autor então prossegue: "Não é apenas justo atribuir esses defeitos de nossa vida

eclesiástica aos nossos ministros, geralmente falando? Não são eles os nossos líderes

naturais?"

Citamos igualmente as palavras de um proeminente ministro, conforme apresentadas

na obra de Egbert W. Smith, The Desire of All Nations:

"O pastor tem a chave da situação; e não conheço qualquer

pastor de coração dedicado às missões cuja perspectiva missionária

não esteja sempre a manifestar-se em tudo quanto apresenta, nos

seus temas ordinários, no seu púlpito, e cujo zelo não esteja sempre

a revelar-se nas orações que faz do púlpito, e que assim não tenha

gradualmente atraído o seu povo à mais completa simpatia com seu

alvo missionário".

Instâncias inspiradoras da veracidade dessa observação não faltam. Uma das mais

tocantes é a da igreja interiorana do pastor Harma, de Hermansburgo, Alemanha, composta de

artesãos e fazendeiros pobres. Tal foi o contagiante espírito missionário de seu líder que, no

espaço de quarenta anos, a igreja enviou 350 dos seus membros aos campos missionários, e

no final desse período contava com quase catorze mil conversos vivos no além-mar.

O Dr. H.C. Mabie, em uma visita aos campos asiáticos, como secretário da Junta

Batista Missionária do Norte, encontrou doze missionários que haviam sido influenciados por

ele para que se atirassem ao serviço missionário no estrangeiro, durante seus pastorados

anteriores.

O presente escritor, pessoalmente, era um dos doze jovens naquela histórica igreja

evangélica em Toronto, Canadá, os quais foram incendiados pela chama missionária que

queimava no coração de seu pastor, Dr. Samuel H. Kellogg, anteriormente um distinguido

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26

missionário na Índia, e todos os quais encontraram seu caminho até algum campo missionário

no estrangeiro.

As igrejas do Dr. A.B. Simpson, da cidade Nova Iorque, e do Dr. A.J. Gordon, de

Boston, nos Estados Unidos da América, homens de bendita memória, foram completamente

revolucionalizadas pela visão missionária e pela paixão pelas almas, que percebiam em seus

pastores, e dali saíram literalmente vintenas de missionários e dezenas e dezenas de milhares

de dólares para que fossem sustentados nos diversos campos missionários.

Um bom número de comovedores exemplos poderia ser citados, de congregações

evangélicas da atualidade, e com as quais estamos intimamente familiarizados, e cuja visão e

zelo missionários tem encontrado expressão tangível na dedicação de seus jovens ao Senhor,

para que sirvam em terras estrangeiras, contribuindo sistematicamente, de todo o coração, e

crendo para que sejam sustentados. Salientar algumas dessas igrejas isoladas, para que a

mencionássemos especialmente, seria cometer uma injustiça para com as demais, pelo que

evitamos fazê-lo. Entretanto, a particularidade que desejamos salientar é que, em cada caso, o

pastor de atitude missionária tem sido o fator mais importante e decisivo, com seu estímulo,

pois foi quem iniciou o programa e obteve assim tão satisfatórios resultados. Essas instâncias

contribuem para mostrar quão infinitamente maiores seriam os resultados, se ao menos mais

pastores compartilhassem dessa visão e convicção missionárias, em verdade. Conforme diz o

autor do livro The Preaching Value of Missions:

"Na vida da igreja, na vida nacional, em todas as questões

importantes, as pessoas anelam por uma liderança poderosa e

inteligente. Em regra, todos estão prontos para segui-la... E posto

que o ministro é o líder oficialmente reconhecido, ninguém mais,

por melhor qualificado que seja, pode assumir o primado enquanto

ele estiver presente. Porém, caso sua liderança seja apenas

nominal, o resultado será uma dupla tragédia, um rebanho sem

pastor e um pastor que é um cão...

Quão comum é ouvir sobre as circunstâncias peculiares que

impedem a uma congregação de fazer qualquer coisa digna de

monta em favor das missões. E quão comum, igualmente, é ver a

mudança de pastores, nessa igreja, ser seguida por um esplêndido

desenvolvimento do espírito, missionário, como se aquelas

circunstâncias peculiares, que serviam de empecilho, não

existissem."

Pelo que já pudemos dizer, destacam-se duas conclusões práticas. Primeiro, o pastor

nacional deve ter a atitude correta para com as missões evangélicas de alcance mundial; e

segunda, deve preparar-se para a tarefa de instruir e liderar a sua congregação.

No tocante à atitude do pastor, citamos as vigorosas observações que, sobre esse

ponto, fez um hábil defensor e exponente das missões:

"O pastor deve ter enfrentado a questão se ele mesmo

deveria ser um missionário no estrangeiro... Muitos pastores

não se sentem em liberdade para tratar com a causa das

missões estrangeiras, devido ao temor secreto que se a

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27

verdade viesse a ser conhecida, ele mesmo tivesse o dever de

ser um missionário. Alguns pastores sabem secretamente que

jamais fizeram justiça a essa questão, e portanto evitam o

assunto sempre que podem. Cada jovem que ingressa no

ministério deveria enfrentar com honestidade a questão de

seu dever de atirar-se à obra missionária, resolvendo a

questão honestamente perante Deus. Somente assim pode

permanecer conscientemente em sua terra, para dedicar-se

ao seu trabalho para o Senhor, como se tivesse ido para o

exterior, sob o senso da chamada divina". -- A Study of

Christian Missions, por W. N. Clarke.

É importantíssimo relembrar que a Palavra de Deus não reconhece qualquer distinção

entre missões nacionais e no estrangeiro, mas esses são meros termos de acomodação aos

costumes e convenções humanas. "O campo é o mundo". A tarefa é uma só. A última ordem

de Cristo, estipula: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações... pregai o evangelho a

toda criatura... e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra". Essa Grande Comissão

constitui Suas claras e definidas instruções para a Sua Igreja, relativamente a toda a era

presente. De acordo com isso, cada pastor evangélico deveria considerar-se como um agente

nomeado por Cristo para a evangelização do mundo, para ensinar, para informar, para

orientar, para inspirar o seu rebanho, a fim de que contribua com a mais ampla conta possível

no que respeita ao cumprimento da vontade e do programa de seu Senhor. A convicção e a

paixão missionárias são tão necessárias para o pastor nacional como para o obreiro no

estrangeiro.

No que concerne ao dever que o pastor tem de instruir e orientar a sua congregação,

citamos novamente da obra de W. N. Clarke:

"O pastor que não olha com amplidão de vista para o grande

movimento do cristianismo no mundo, e não está qualificado, pelo

conhecimento, para a tarefa de alistar os crentes na obra atual de

seu Senhor, não está representando verdadeiramente a Cristo

perante o seu rebanho". -- A Study of Christian Missions.

Essa nota é duplamente significativa, porquanto sugere que o interesse e o esforço

missionário devem ser reputados não apenas como necessários para que se atinja e salve as

almas necessitadas em terras distantes, mas também como algo não menos vitalmente

essencial para o desenvolvimento espiritual apropriado dos crentes, na sua igreja nacional. A

vida cristã não será o que deveria ser, mas antes, será estreita e anã, se o alcance de sua

simpatia e serviço se limita a menos que a humanidade inteira. Deveras, para alguém

asseverar que Cristo é uma realidade viva em sua vida, ao mesmo tempo que não se interessa

em fazer algo para que Ele seja conhecido de seus semelhantes, é, claramente, uma

contradição moral. Alguém já disse com toda a razão que "o Cristianismo requer a

propagação perpétua a fim de comprovar seu caráter genuíno".

"A educação completa dos membros da Igreja, no tocante ao

programa mundial de Cristo é essencial para seu mais excelente

desenvolvimento. Não existe assunto mais vasto, mais profundo, mais

capaz de elevar-nos, mais inspirador do que esse grande tema. O

Page 28: A Bíblia e as Missões

28

pastor comete grave injustiça contra os membros de sua igreja,

portanto, se deixa de conduzi-los a uma relação inteligente e ativa

para com o esforço missionário". The Pastor and Modern Missions.

Desgraçadamente, quantos pastores, se aquilatados pelo padrão estabelecido na

citação acima, têm fracassado miseravelmente em seu dever, tanto para com o mundo ainda

por evangelizar como para com suas próprias congregações nacionais! Se não estivermos

dispostos a apoiar o fracasso dos mesmos, podemos deixar de sentir que uma grande parte da

culpa cabe aos seminários teológicos e outras escolas de treinamento evangélico, já que um

número reduzidíssimo dos mesmos oferece qualquer estudo adequado sobre o assunto da

missão mundial que cabe à Igreja, sendo tal estudo completamente ausente do currículo da

maioria desses institutos. Tal fato é confirmado pelas duas asseverações, abaixo citadas,

tiradas de fontes dignas de confiança:

"Bem poucos (seminários) enfatizam de forma adequada o

propósito missionário fundamental da Igreja. Somente

ocasionalmente algum deles oferece aos seus estudantes uma

pesquisa geral sobre o problema missionário de Igreja... A maioria

dos homens sai dos seminários teológicos para seus respectivos

pastorados com pouquíssimo preparo para a grande tarefa de tornar

suas igrejas em organizações missionárias". -- Making a Missionary

Church.

"Centenas de rapazes emergem dos seminários evangélicos

para serem feitos líderes e pastores de igrejas, mas que não só

ignoram tristemente, mas em realidade são indiferentes; não só são

indiferentes, mas em realidade não tem simpatia; não só não tem

simpatia, mas em realidade são impulsionados pelo senso de

oposição ou hostilidade às missões, tanto nacionais como no

exterior". -- The Preaching Value of Missions.

Esperamos sinceramente que poucos pastores, ou mesmo nenhum, dentre os que lêrem

este tratado, pertença à classe descrita na última citação. Todavia, aventuramo-nos a sugerir

aos pastores que verdadeiramente reconhecem o papel vital e imprescindível do

empreendimento missionário, bem como sua relação pessoal para com o mesmo, alguns

meios e modos práticos mediante os quais poderão desincumbir-se eficazmente de sua

responsabilidade e cumprir o seu ministério nessa conexão.

Primeiramente, é altamente recomendável que cada pastor faça um curso completo de

missão -- incluindo assuntos como História das Missões Evangélicas, Princípios e Práticas

Missionárias, e Religiões Não-Cristãs -- em algum seminário de posição bíblica sólida ou em

algum instituto bíblico. Se as circunstâncias tornarem isso, impraticável, então um curso por

correspondência, de caráter sistemático, deveria ser a alternativa. O pastor também deveria

munir-se de bons e atualizados livros e revistas missionárias, além de freqüentar

ocasionalmente conferências missionárias de espécie correta. Tudo isso com o objetivo de

alimentar o seu próprio fervor missionário e manter-se informado quanto às últimas

novidades acerca da obra missionária.

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29

Em seguida, cada pastor deveria iniciar e manter um programa missionário intenso e

sistemático, em sua própria congregação. Para começar, deveria fazer sermões de cunho

missionário. Essas mensagens devem ser feitas primariamente pelo próprio pastor. É um

entrave o hábito de muitos pastores sempre dependerem de outrem quando se trata de

apresentar algum sermão missionário. A desculpa de que é difícil preparar um sermão dessa

espécie, não pode ser comprovada. A Bíblia está eivada de pensamentos missionários, e

qualquer pastor que dedique tempo suficiente ao seu estudo descobrirá rica e atrativa variade

de tópicos missionários. Considerando a importância do assunto das missões, e o lato escopo

e muitos aspectos diferentes desse empreendimento, parece muito razoável apresentar ao

menos uma mensagem missionária, do púlpito, ao menos cada trimestre. E deixai-nos ajuntar

que uma vez que um pastor volte a sua atenção para esse tema, verá que o mesmo se

expandirá extraordinariamente, enquanto que sua leitura sobre assuntos missionários poderá

enriquecer em muito os seus tópicos regulares, apresentados do púlpito, provendo-lhe grande

abundância de relatos ilustrativos sobre o poder de realização do evangelho e da fé, devoção,

coragem, heroísmo e outras qualidades cristãs.

Além disso, os missionários visitantes deveriam receber a oportunidade de se

expressarem perante a congregação. Essas mensagens são muito desejáveis de tempos em

tempos, e, se pertencerem à classe certa, não podem deixar de estimular e revigorar o

interesse missionário. Felizmente, oradores missionários, atualmente, com facilidade se

prestam a esse serviço, na maioria dos lugares.

Outrossim, são vitalmente importantes as reuniões de oração em prol das missões.

Uma dessas reuniões a cada mês, em um dia útil da semana, bem poderia ser devotada à causa

das missões (no estrangeiro, nacionais e locais, todas poderiam ir recebendo atenção, cada

uma por sua vez), quando então pode ser lida correspondência vinda dos campos

missionários, ou dados breves testemunhos ou relatórios, ou podem ser solicitadas orações,

etc. - tudo condutivo a um período de intercessão coletiva, por parte de igreja. Nessa conexão,

o emprego de mapas, gráficos, lemas e literaturas missionária gratuita é muito útil. E nesse

ponto poderíamos recomendar a exibição contínua, quer no auditório quer em qualquer outra

sala de reuniões que exista no edifício da igreja, de um mapa missionário que abarque o

mundo. Esse expediente sempre apresenta a sua própria mensagem. A Bíblia inteira no

púlpito, e o mundo inteiro sobre a parede, são uma excelente combinação. Outra coisa -- e

que nem deveria ser mencionada, pois deveria surgir na mente de todos -- é a oração feita do

púlpito em prol dos campos de trabalho e seus missionários. Infelizmente, nossa experiência

tem sido estar presentes a cultos matutinos nas igrejas de alta posição, e em muitas ocasiões,

em que nenhuma menção se faz da obra ou dos obreiros missionários na oração do pastor.

Certamente que essa é uma grave omissão que deixa transparecer tristemente o quanto o

pastor não aparecia a correta relação que deveria haver entre ele mesmo e seu rebanho e essa

grande e central atividade da Igreja. Felizmente a atitude oposta também pode ser vista em

muitas igrejas, onde o pastor habitualmente conduz sua congregação em intensa intercessão

missionária.

Classes de estudos missionários também são benéficas. Um bom número de

congregações evangélicas tem adotado o plano de efetuar reuniões dessa ordem,

semanalmente, durante os meses de inverno, a cada ano. Uma reunião noturna inteira é

reservada, em que a primeira parte é devotada ao estudo sistemático de algum compêndio

sobre missões, ou sobre algum campo de trabalho, biografia, ou fase especial das missões,

sob liderança capaz, em uma classe ou mais, conforme o caso; enquanto que a última parte da

Page 30: A Bíblia e as Missões

30

reunião é dedicada a um discurso missionário de inspiração, feito por um orador bem

escolhido. Através do conhecimento assim transmitido, um programa dessa qualidade serve

para lançar um fundamento firme para um interesse e esforço missionário inteligente e

contínuo, uma vez apresentada a classe certa de compêndios e oradores, o que é

inquestionavelmente de grande valor.

Acresce que os tópicos missionários, ensinados na Escola Dominical ou na Sociedade

dos Jovens, são de grande utilidade. Planos alternativos a esse são a inclusão periódica de um

tópico missionário no programa de lições da Escola Dominical e no programa de atividades

da Sociedade dos Jovens. Ou, ainda, pode-se dedicar alguns poucos minutos, a cada semana,

para relatar alguma história missionária tocante. Em nenhum outro ambiente a semeadura da

semente missionária se reveste de maior importância, ou está destinada a produzir frutos mais

ricos, do que entre os meninos, as meninas ou jovens da igreja. Cartas e fotografias dos

missionários, ou curiosidades enviadas por eles, e outras coisas semelhantes, são

especialmente úteis nesse particular, e uma boa biblioteca missionária para as crianças e os

jovens deve ser insistentemente recomendada. "O trabalho que ajuda a descobrir, alistar e

treinar candidatos apropriados para o serviço missionário, é não apenas uma das mais graves

responsabilidades do pastor, mas é também sua maior oportunidade isolada de multiplicar sua

própria vida em termos de serviço prestado ao Senhor ".

Finalmente, as contribuições para a obra missionária deveriam ser destacadas. Posto

que um capítulo posterior será devotado a esse tema em geral, tocamos apenas de passagem

neste ponto, em sua relação para com o programa da igreja local. Há uma abundância de

ensinamentos, na Palavra de Deus, acerca dos quais ensinamentos nenhum pastor tem o

direito de ignorar ou negligenciar, embora seja de temer-se que muitos pastores e suas

congregações jamais acolham no coração tais instruções bíblicas. Por esse motivo têm

surgido tantos esquemas mundanos e métodos indignos de "levantar" fundos para as missões,

o que furta das contribuições cristãs o seu autêntico valor aos olhos de Deus, bem como seu

rico reflexo de bênçãos para os doadores. Que substituição inadequada são todos esses

métodos criados pelos homens!

Entre as características vitais, ligadas às contribuições bíblicas, temos os fatos que

devem ser voluntários, sistemáticos, proporcionais, importando em sacrifício e adoração.

Todas essas qualidades, entre outras, são expostas de maneira mui impressionante na segunda

epístola aos Coríntios, capítulos oitavo e nono, I Coríntios l6:2, e outras passagens mais.

É conveniente que cada congregação tenha seu alvo definido em suas contribuições

missionárias, tal como o sustento de seu próprio missionário ou missionários, ou de algum

posto missionário em particular ou objetivo especial; e a sua ambição deveria se estender para

mais além um pouco esse alvo, a cada ano, sempre que possível. Muitos exemplos

impressionantes poderiam ser citados, que falam de admiráveis realizações, nesse sentido,

efetuadas por igrejas ou até mesmo indivíduos. Esses sucessos podem ser explicados pela

consagração e fé dessas igrejas ou indivíduos, bem como pela graça divina da contribuição,

que lhes foi outorgada abundantemente.

Desse modo, temos procurado esboçar alguns meios e modos pelos quais um pastor

local, inspirado pela visão missionária, pode conduzir a sua congregação ao ponto em que os

membros percebam seu alto chamamento e cumpram sua elevada missão em favor de Cristo e

do mundo. Muito mais poderia ser dito se o espaço no-lo permitisse. Basta adicionar que, em

Page 31: A Bíblia e as Missões

31

última análise, o problema missionário do pastor, em todos os seus aspectos, é um problema

espiritual. À parte de uma vida verdadeiramente espiritual, qualquer ou todas as sugestões

acima oferecidas, teria pouco ou nenhum valor. O poder e a eficiência do empreendimento

missionário no estrangeiro, efetuado por uma igreja, sempre será proporcional à intensidade

de sua vida espiritual.

A única base eficaz de apelo missionário - quer se trate de recrutar candidatos,

solicitar orações ou fundos - é a experiência espiritual e vital daqueles a quem é lançado o

apelo. Por conseguinte, a salvação de almas, mediante a sã prédica do evangelho, e o cultivo

da vida espiritual dos crentes, deveria ser a mais vital consideração de todo pastor. O amor

genuíno a Cristo e a plena rendição a Ele, originados na experiência perceptível de Sua graça

salvadora e santificante, tendem por gerar o zelo e o empreendimento missionários nos

membros das igrejas. Contrariamente, nada poderá estimular e enriquecer mais

verdadeiramente a vida espiritual de qualquer congregação nacional do que seu esforço

altruísta e sob sacrifício, em prol do povo dos campos missionários. "A luz que chega mais

longe é a que brilha mais fortemente na sua origem. Existe aquilo que se propaga, e contudo

aumenta, existe aquilo que se retrai mais que o necessário, mas tende a pobreza. Nenhum

pastor nacional precisa ao menos começar a temer o efeito que poderia exercer sobre a

liberais contribuições em dinheiro, por seus membros, para as missões estrangeiras. Bem pelo

contrario, todos os pastores deveriam regozijar-se abertamente, a cerca dessas demonstrações,

como outros tantos sinais do favor especial de Deus, e como garantia de firmes promessas

sobre maiores bênçãos entesouradas.

Page 32: A Bíblia e as Missões

32

Capítulo IV

O ESPÍRITO SANTO E AS MISSÕES.

A dotação divina e Sua liderança nas missões

Várias designações têm sido aplicadas ao livro de Atos. Por alguns tem sido chamado

de quinto evangelho, porquanto segue-se, historicamente, aos quatro evangelhos registrados.

Por outros tem sido apontado de Atos de Cristo Assunto, nome esse sugerido pela referência

de Lucas, no versículo de abertura do livro ao seu "primeiro livro... relatando todas as cousas

que Jesus fez e ensinou, até o dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio

do Espírito Santo aos apóstolos que acolhera, foi elevado às alturas", o que deixa subtendido

que este último tratado diz respeito a tudo que Ele continuou a fazer e a ensinar, depois que

foi elevado às alturas. Ainda um outro nome é dado, o de Atos do Espírito Santo. Realmente,

o Dr. A.T. Pierson adota esse título para seu estudo sobre o livro de Atos, e observa na

introdução do mesmo que esse livro sagrado está intimamente vinculado não apenas ao

evangelho de Lucas, por haver sido produzido pela pena do mesmo autor humano, mas

também é "uma seqüência apropriada de tudo quanto há nos quatro livros que o precedem". E

em um outro de seus grandes volumes, intitulado The New Acts of The Apostles, ele fala

como segue: "Em uma palavra, o que o quádruplo evangelho é para Cristo, os Atos dos

Apóstolos é para o Espírito Santo - o relato inspirado de Seu advento, e do nascimento da

Noiva de Cristo; o começo do evangelho da presença e do poder do Espírito; a declaração, em

ordem, daquele supremo segredo de toda vida santa e serviço fiel, isto é, Sua atuação no

íntimo; e, finalmente, o desvendamento de Sua eterna identidade com a Deidade e Sua

proveniência da mesma. Verdadeiramente, esse livro dá os Atos do Espírito Santo".

Quando Cristo estipulou a Grande Comissão, dizendo: "Ide, portanto, fazei discípulos

de todas as nações...", ligou-a com a afirmação imediatamente anterior: "Toda a autoridade

me foi dada no céu e na terra", bem como a certeza de que falou em seguida: "E eis que estou

convosco todos os dias até a consumação do século". Nessa grande e preciosa promessa, Ele

proveu o necessário para a propagação de Sua presença, juntamente com a disseminação das

atividades missionárias de Sua Igreja. Da mesma maneira que estivera em companhia dos

discípulos, em Jerusalém, semelhantemente Ele continua junto daqueles que têm saído

através da Judéia e Samaria, e até às extremidades da terra. Como tem sido cumprida essa

promessa? A resposta é - na pessoa do Espírito Santo. Aos Seus discípulos Jesus esclareceu:

"Convém-vos que eu vá, porque se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se,

porém, eu for, eu vo-lo enviarei" (João 16:7). Mediante a ascensão de Cristo e a descida do

Espírito Santo, Cristo trocou Sua presença física, com os que então eram Seus discípulos em

Jerusalém, pela Sua onipresença espiritual, em companhia dos Seus discípulos de todos os

lugares do mundo. O Espírito Santo tornou-se seu vice-regente na face da terra. Da mesma

maneira que Jesus, estando neste mundo, representava o Pai, igualmente o Espírito Santo

agora é o representante do Filho.

Deve-se observar que em cada uma das cinco declarações da Grande Comissão

(Mateus 28:18-20; Marcos 16:15-20; Lucas 24:46-49; João 2:21,22; e Atos 1:8) faz-se

alguma referência ao Espírito Santo, direta ou indiretamente. Esse fato é de grande

significação. As missões de alcance mundial constituem um empreendimento divino dirigido

não meramente do céu, mas através do Espírito Santo em pessoa, enviado à terra com essa

Page 33: A Bíblia e as Missões

33

finalidade. E posto que a Ele, compete ser o Comandante-em-chefe dessa grande Campanha,

seu início deve esperar pela Sua chegada.

Estamos habituados a falar sobre uma ordem de Cristo, baixada após a ressurreição - a

Grande Comissão. Em realidade ele baixou duas ordens, a saber, "Ide" e "Não vos ausenteis".

À primeira vista, essas ordens talvez pareçam contraditórias entre si. Em realidade não é

assim, mas se complementam uma à outra. Em ambas se revestem da mesma importância

vital. Se os discípulos tivessem "ido", sem primeiro "esperarem", tal ida teria sido vã. Por

outro lado, caso tivessem ficado a "esperar", sem nunca "ir", tal espera teria sido espúria. Se

alguém manifestar surpresa em face do fato de haver sido ordenado aos primeiros discípulos

que esperassem, em vista dos atuais males e da urgente necessidade do evangelho e da

urgência que sejam conquistadas as almas, a resposta será que, do ponto de vista espiritual,

todos os esforços deles teriam sido inteiramente fúteis sem aquilo que o advento do Espírito

Santo lhes proporcionou. Por conseguinte, foi-lhe tão essencial que não se ausentassem, a

princípio, como foi que depois se fossem. Em outras palavras, as missões evangélicas e o

Pentecoste estavam inseparavelmente relacionados - sendo que o Pentecoste foi a preparação

indispensável para as missões, enquanto que as missões foram o resultado lógico e inevitável

do Pentecoste.

Daremos atenção, primeiramente e de modo breve, à narrativa da vinda do Espírito

Santo, conforme a lemos no segundo capítulo do livro de Atos, antes de discutirmos o

objetivo e o efeito de Sua vinda, no tocante ao empreendimento missionário. A ocasião é

estipulada como "o dia de Pentecoste". A descrição de Lucas sobre a cena é vívida e

profundamente impressionante. Os discípulos, que em número atingiam a "umas cento e vinte

pessoas", tendo continuado em oração e súplica uníssonas, durante dez dias inteiros, "estavam

todos reunidos no mesmo lugar". E então lemos que "...de repente veio do céu um som, como

de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram

distribuídas entre eles, línguas como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos

ficaram cheios do Espírito Santo..."

Com essa finalidade de exibir o efeito espiritual do advento do Espírito sobre aquele

grupo inicial de crentes é que o fato é mencionado. Note-se, todavia, o que sucedeu

imediatamente em seguida - "...e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes

concedia que falassem". Isso eqüivale a dizer que sem tardar começaram, "em Jerusalém", a

obra do testemunho evangélico, que foi o propósito primário em vista do dom do Espírito

Santo. Aquele "dia de Pentecoste" foi o dia do nascimento da Igreja Cristã, bem como a data

da inauguração das missões mundiais que constituem a grande tarefa que Deus deu à Sua

Igreja. E as "outras línguas" encontram sua explicação natural no versículo que aparece logo

após: "Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, de todas as nações

debaixo do céu", e assim sendo, cada indivíduo ouviu a pregação do evangelho em sua

própria língua nativa. Muito próprio - não é verdade? - que Deus houvesse arranjado essa

inauguração justamente no dia em que o mundo inteiro, então conhecido, pudesse estar

ouvindo, representativamente, o evangelho, através da presença providencial, em Jerusalém,

de indivíduos provenientes de todas as nações, próximas ou distantes!

Por assim dizer foi um treinamento preliminar, em miniatura, do grande cometimento

da evangelização do mundo, naquele dia lançado. O Senhor trouxe "o mundo inteiro",

representativamente, aos Seus discípulos aquartelados em Jerusalém, para que ouvisse o

evangelho dos lábios deles, como preparação dos próprios discípulos, para que depois

Page 34: A Bíblia e as Missões

34

saíssem de Jerusalém e se espalhassem "por todo o mundo", a pregar o "evangelho a toda

criatura".

Nesta altura voltamos a nossa atenção para a relação existente entre o Espírito Santo e

as missões evangélicas. Essa relação, conforme estabelecida no livro de Atos, tem dois

aspectos: (1) a dotação do poder espiritual aos obreiros individuais, e (2) a ordem e orientação

supremas da empresa inteira.

A Dotação do Espírito Santo

Não foi por acidente nem mera coincidência que as missões evangélicas tiveram início

no dia de Pentecoste. De fato, não poderia ter sido de maneira diferente. O Espírito Santo se

fazia necessário, como chama divina capaz de manter fogo na fogueira que produziria o

poder, bem como o sopro vital que incharia as velas capazes de impelirem o navio do

evangelho ao redor do mundo. Impressiona-nos a observação da ordem divina: Cristo subiu ,

o Espírito Santo desceu, e os discípulos saíram. E lemos que "todos ficaram cheios do

Espírito Santo" e imediatamente "passaram a falar" como testemunhas do evangelho. E

segue-se pouco adiante a declaração geral que "iam por toda a parte pregando a palavra"

(Atos 8:4 ). Sem dúvida foi uma questão de causa e efeito.

Porém, também é importantíssimo notar que a relação essencial do Pentecoste para

com as missões é verdadeira não apenas historicamente, mas também na própria experiência

diária. Isso significa que não só as missões cristãs não poderiam ter começado enquanto não

descesse o Espírito, no Pentecoste, mas também que esse tentame não poderia ter continuado,

em qualquer sentido real, sem a contínua presença e poder do Espírito Santo, nos corações e

atividades dos missionários. Outro tanto ocorre até os nossos dias. O desdobramento da

comissão missionária, desde o começo e por todo o caminho até no seu próprio fim, depende

de forma absoluta da manutenção da vida espiritual daqueles que estão incumbidos dessa

magna tarefa.

Sempre que a vida espiritual se torna fria e enfraquecida - quer se trate do crente

individual, da igreja local ou da Igreja universalmente considerada - o zelo e o esforço

missionários, em resultado disso, declinam. Exemplo notável disso foi o período do

imperador Constantino, quando a pureza e a separação da Igreja se perderam, e um dilúvio de

males mundanos e características comprometedoras foi aceito. A isso seguiu-se

inevitavelmente a Idade das Trevas, quando o fogo missionário pentecostal bruxoleava de

modo tão débil sobre o altar que quase se extinguia de todo, e quando a obra missionária de

vários séculos que se seguiram se reduziu aos esforços de alguns poucos indivíduos isolados,

ao invés da Igreja em sua inteireza. Por outro lado, sempre que uma nova efusão do Espírito

tem sido experimentada por um indivíduo, por um grupo ou pela Igreja em geral,

invariavelmente isso é acompanhado por um período de zelo missionário revivificado e por

um esforço missionário muito estimulado. Ilustrações dessa ordem podem ser encontradas ao

longo da história da Igreja. Foi o pietismo, na Alemanha, sob Spener e Francke, que

despertou a Igreja para uma vida espiritual mais profunda e produziu o conde Zinzendorf e o

grande movimento missionário da Morávia.

Também foi o poderoso reavivamento evangélico, sob os irmãos Wesley, que

reavivou o pulso das missões ao estrangeiro na Grã-Bretanha. Foi a fé e o poder que

emanavam da vida piedosa de Hudson Taylor que trouxe à existência a Missão da China

Page 35: A Bíblia e as Missões

35

Interior, o que Deus tem achado por bem usar como uma das principais agências da

evangelização dos pulsantes milhões da China. Foi o despertamento espiritual, mediante a

visita de Dwight L. Moody a Cambridge, e a ida dos famosos "Sete de Cambridge", para a

China, juntamente com a santa influência daqueles primeiros anos da Convenção Keswick,

que visava o aprofundamento da vida espiritual dos crentes, que provocou o memorável

"Movimento de Avanço" da grande Sociedade Missionária da Igreja. Foi a nova visão de

Deus, e a resultante e nova experiência, nos corações de Jônatas Edwards e de Davi Brainerd,

que os levou a clamarem: "Aqui estou, Senhor, envia-me!"- e que os enviou como chamas

incendiárias que lançaram fogo entre os índios norte-americanos. Poder-se-ia, igualmente,

citar tão poderosos reavivamentos, nos campos missionários, como os que tiveram lugar em

Ongole, no sul da Índia; em Banza Manteke, no Congo Belga, em Hilo, nas ilhas Hawai; e em

Pyeng Yang, na Coréia. E assim podemos seguir, em cada caso, os maravilhosos resultados

que se seguiram, não apenas no tocante a conquista de almas na área local, mas também na

propagação do evangelho por regiões circunvizinhas e mais extensas.

Essas ilustrações todas contribuem para provar que o verdadeiro zelo e a devoção

missionária só podem surgir derivadas de uma vida espiritual autêntica, e, contrariamente,

que o reavivamento espiritual genuíno invariavelmente tem começo em uma preocupação e

esforço missionários revivificados. Desejamos ver o cometimento missionário ser

continuado? Nesse caso, sustentamos a vida espiritual da Igreja. Desejamos ver as operações

nos campos missionários se tornarem mais eficazes? Então cultivemos mais assiduamente a

vida espiritual dos próprios missionários. Desejamos aumentar as cordas de tenda

missionária? Só podemos fazê-lo em segurança fortalecendo proporcionalmente as suas

amarras. Queremos que a causa missionária se propague mais ainda? Para tanto é mister que

primeiramente ela se aprofunde. Não há outro modo de obtermos os resultados almejados.

Escrevemos com profunda convicção sobre a necessidade de testar toda a presente

atividade missionária pelo cânon dos padrões neo-testamentários, "redescobrindo os grandes

princípios básicos em que a Igreja do primeiro século firmou a norma de seu serviço e o

segredo de seu triunfo sobre os poderes das trevas". Não se pode exagerar a importância do

reconhecimento, da busca e do recebimento da dotação ou unção do Espírito Santo, que

transcende a todas as demais qualificações e preparos intelectuais ou outros, para o serviço

missionário eficaz. O piedoso André Murrey foi quem escreveu palavras que nos sondam o

coração como estas: "Se tiver de haver qualquer esperança de trabalharmos à semelhança da

Igreja do Pentecoste, precisaremos de uma nova época em nossas missões. Deverá haver uma

real restauração da vida e do poder pentecostais das igrejas locais nacionais... A Grande

Comissão foi dada em conexão com o Pentecoste, e seu cumprimento dependia inteiramente

do mesmo... a comissão pentecostal só pode ser cumprida por uma Igreja pentecostal, dotada

do poder pentecostal".

Não existe um perigo real de crentes temerem e evitarem qualquer experiência

associada ao termo "Pentecoste", devido aos ensinamentos distorcidos sobre esse tema em

certos círculos, bem como aos lamentáveis excessos e extravagâncias que se cristalizaram em

torno dessa palavra? Porém, faríamos bem em refletir que sempre que há um simulacro, há

também o que é real, do que tal simulacro é apenas uma cópia inferior e barata. Há muito

sentimos menos que satisfação com a suposição complacente, de alguns bons mestres

"ortodoxos", ao combatermos esses pontos de vista extremos e falsos acerca do Pentecoste, os

quais afirmam que por estarmos "no Pentecoste" - ou em outras palavras, porque o Espírito

Santo desceu de uma vez para sempre, conforme está registrado no livro de Atos, a fim de vir

Page 36: A Bíblia e as Missões

36

habitar na Igreja - que esse é o fim de toda questão, e que nenhuma preocupação ou exercício

de alma, por parte do crente individual, é necessária e assim venha a possuir tudo aquilo que a

vinda do Espírito, no Pentecoste, tornou disponível, necessário ou mesmo recomendável para

nós. O mesmo raciocínio, caso aplicado à encarnação, à morte e à ressurreição de Cristo,

certamente nos conduziria às mais falazes conclusões. Não, qualquer suposição dessa espécie

é um erro, e é perigosa. Existe um mundo de diferença entre o nosso estar "no Pentecoste" e

o ter o "Pentecoste em nós". Há em nossos dias uma ortodoxia generalizada que é fria, rígida,

crítica, disposta à controvérsia, mas que em nada contribuiu para a edificação e

enriquecimento espiritual, para a plena rendição a Cristo, e para a paixão da conquista de

almas. Antes, é uma ortodoxia que não produz a autêntica frutificação espiritual. O de que se

precisa é uma ortodoxia vital, cheia de energia, refulgente, uma ortodoxia incendiada pelo

fogo do Espírito Santo.

Dificilmente alguém pensaria que qualquer crente capaz de discernir acusaria o

falecido Dr. A.J. Gordon, de Boston, de não ser ortodoxo ou de pregar pontos de vista

fantásticos sobre o Pentecoste. Não obstante, em seu livro que tanto ilumina e inspira,

intitulado The Holy Spirit and Missions escreve: "Sempre, que em qualquer período da

história da Igreja, um pequeno grupo surgiu de tal modo rendido ao Espírito ao ponto de estar

cheio de Sua presença e ser um instrumento maleável em Suas mãos, então um novo

Pentecoste tem raiado na cristandade, e, em conseqüência do que a Grande Comissão é

novamente publicada; então, havendo uma nova espera, em Jerusalém, no aguardo da dotação

do poder, surge um novo testemunho em favor de Cristo que se estende desde Jerusalém até

aos confins da terra". Em prol de renovações espirituais similares, que tragam a genuína

benção e o poder pentecostais em nossos dias é que bem faríamos em orar.

A Liderança Suprema do Espírito Santo

O livro de Atos revela inequivocamente o fato que o Espírito Santo veio não só com o

propósito de dotar espiritualmente o crente individual, mas igualmente a fim de assumir a

obra coletiva do controle e da direção suprema do movimento cristão em sua inteireza. O

trabalho das missões apostólicas foi um movimento liderado pessoalmente pelo Espírito

Santo. Ele veio para ser o divino Comandante-em-chefe das forças do evangelho e da

campanha de conquista mundial, e desde logo foi reconhecido e estudado como o tal. Sua

vinda proporcionou o caráter divino possuído por cada aspecto desse gigantesco

empreendimento. Os apóstolos corresponderam à Sua liderança e tornaram-se homens novos.

A súbita transformação que houve neles, da dissensão para a unidade, do interesse próprio

para o nivelamento geral, da covardia para a coragem e intrepidez, da fraqueza para o poder,

foi algo simplesmente maravilhoso e inquestionavelmente sobrenatural.

Não podemos tentar apresentar aqui um estudo exaustivo sobre a obra administrativa

do Espírito Santo, mas desejamos chamar atenção para certas instâncias e aspectos da mesma,

conforme nos é revelado no livro de Atos, para que isso sirva de base para estudos

posteriores.

Primeiramente, Ele convence e converte os pecadores. Pensai nas literalmente

centenas de milhares de pessoas, naquela orgulhosa e conservadora cidade de Jerusalém, que

pouco após haver rejeitado violentamente e crucificado vergonhosamente a Jesus, quando

então seus seguidores se espalharam momentaneamente, passou a abraçar abertamente o novo

culto, quando milhares de convertidos eram batizados! E tal fenômeno não foi mera onda de

Page 37: A Bíblia e as Missões

37

emocionalismo, que em breve se extinguiria. Não, mas foi uma obra profunda e contínua da

graça e poder divinos, que se foi disseminando em círculos cada vez mais amplos, entre os

judeus e os gentios igualmente, e que afetou todas as classes sociais, onde quer que a

mensagem do Salvador fosse sendo proclamada. (Ver Atos 2:41; 4:4,32; 5:14; 6:2,7; 9:31,42;

11:21,24; 12:24; 13:44; 14:1; 16:5; 17:4,12; 18:8). No que tange aos resultados

evangelísticos, nenhuma geração subsequente pode comparar-se com os do período coberto

pelo livro de Atos.

Em segundo lugar, o Espírito Santo realiza poderosa operação da graça nos crentes. Se

esse registro de pecadores convictos e convertidos é impressionante, porquanto indica o poder

sobrenatural de Deus em ação, não menos impressionante é o fato que o Espírito Santo

selecionou tão insignificantes e incapazes instrumentos, conferindo-lhes o poder necessário

para tanto. Pensai, por exemplo, em Pedro, homem de coração temeroso, que estremecera

perante o dedo acusador de uma simples criada e assim negou dolorosamente ao seu Senhor,

para, subitamente, transformar-se no apóstolo de coração leonino, que ousou fazer frente à

população de Jerusalém, e até mesmo seu augusto sinédrio, e que intrepidamente os acusou

do assassínio do Príncipe da Vida (2:23; 3:15; 4:8-10). Ou considerai a declaração de que os

três mil que foram arrebanhados para o redil de Cristo, sob a prédica de Pedro, inspirada pelo

Espírito, no dia de Pentecoste, "perseveram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no

partir do pão e nas orações" (2:42).

Ora, quem eram os apóstolos senão um diminuto grupo de pescadores galileus, de

origem obscura, iletrados, sem cultura? E como poderiam eles ter atraído a atenção e ganho o

respeito, mantendo sob seu ensino tão grande e crescente companhia, naquela cidade

cosmopolita, exceto pelo todo-poderoso Espírito de Deus que se manifestava neles e através

deles atuava? O segredo transparece no quarto capítulo, onde encontramos Pedro e João

convocados perante as autoridades judaicas, a fim de serem julgados, e onde puderam

manifestar, através de sua posição denotada e de suas palavras, o espírito e o poder de seu

Senhor, sobre o que está escrito como segue: "ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo

que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado

com Jesus" (4:13). E uma vez mais, no sexto capítulo, lemos a declaração acerca de Estevão,

ao ser ele aprisionado, arrastado para o tribunal e sujeitado a insultos e acusações falsas:

"Todos os que estavam assentados no sinédrio, fitando os olhos em Estevão, viram o seu

rosto com se fosse rosto de anjo" (6:15).

Ainda uma outra evidência da ação do Espírito foi o absolutamente novo padrão de

contribuição monetária, até ali sem precedentes, da parte daqueles primitivos cristãos, e

acerca dos quais foi asseverado que "Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das

coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum... Pois nenhum necessitado havia entre eles,

porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes,

e depositavam aos pés dos apóstolos", como donativos para a causa" (4:32,34,35). Não nos

esqueçamos que todos esses eram judeus, com sua tradicional propensão de adquirir e

amealhar o dinheiro. Verdadeiramente, nada menos que o poder do Espírito poderia ter

conseguido um tal milagre, e isso nos leva a parar e pensar sobre que revolucionário efeito,

sobre a causa missionária atual, até mesmo uma débil aproximação desse padrão de

contribuição, pelos crentes de nossos dias teria.

Em terceiro lugar, admira-nos a disciplina da igreja de Jerusalém. O exemplo (capítulo

5) de condigna punição a que foram sujeitados Ananias e Safira, por causa de sua combinada

Page 38: A Bíblia e as Missões

38

hipocrisia, é realmente solene, e frisa a verdade da santidade de Deus e de Sua Igreja. Um

ponto que não devemos esquecer, entretanto, é que o apóstolo Pedro reconheceu que o

Espírito Santo é o verdadeiro e ativo Líder da Igreja, e que tanto ele mesmo como os demais

apóstolos estavam fielmente subordinados a Ele. Pedro não acusou o casal culpado de terem

mentido a ele mesmo, embora ele tivesse sido a pessoa humana com quem haviam tratado,

mas antes, disse-lhes francamente: "Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que

mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo?" e "Por que entrastes em

acordo para tentar o Espírito do Senhor?" (versículo 3 e 9). Para aqueles primitivos apóstolos

o Espírito Santo não era uma mera influência, mas uma pessoa viva e presente, que

administrava ativamente os negócios da Igreja de Cristo. A única disciplina eclesiástica

eficaz, e o único meio legítimo de manter a pureza em qualquer congregação local, é uma tão

manifesta presença do Espírito de Deus, em seu seio, que os crentes genuínos serão atraídos,

enquanto que os falsos professos serão restringidos. Esse foi o duplo efeito do juízo do

Espírito quanto a Ananias e Safira, porquanto lemos que "crescia mais e mais a multidão de

crentes, tanto homens como mulheres, agregados ao Senhor", enquanto que "dos restantes,

ninguém ousava ajuntar-se a eles" ( 5:13,14 ).

Em quarto lugar, o Espírito Santo exerce autoridade e envia trabalhadores aos campos

de trabalho. São registradas diversas instâncias específicas sobre esse aspecto do ministério

do Espírito Santo. Antes de todas temos o caso de Filipe (8:26,29,39), a quem o Espírito

chamou para deixar a Samaria, em meio a uma notável campanha evangelística, a fim de

internar-se no deserto para entrar em contato com um indivíduo isolado, ainda que

representante do continente negro, onde não existia ainda o testemunho do evangelho. Essa

estratégia não era humana, mas divina! Foram-lhe dadas instruções ainda mais minuciosas

sobre a sua tarefa, até que finalmente foi "arrebatado" pelo Espírito, quando essa ficou

completa.

No décimo capítulo de Atos temos o caso de Pedro, a quem o Espírito ordenou de

forma clara que fosse a Cessaréia, em uma missão que deixou perplexo ao próprio apóstolo,

por ser contrária aos seus preconceitos judaicos, mas que estava de conformidade com o

programa missionário do Senhor, a saber, a extensão da mensagem evangélica para que

abarcasse também ao mundo gentílico. Finalmente, no décimo-terceiro capítulo, há a

narrativa do que comumente se denomina de início do "empreendimento missionário" da

Igreja, a tarefa que consistia em levar o evangelho para além de Jerusalém, da Judéia e da

Samaria, "até aos confins da terra". Nesse caso, novamente, a personalidade e a autoridade do

Espírito Santo são destacadas em fulgurante evidência, quando, aos devotados líderes da

igreja local de Antioquia, que se mantinham em oração, Ele disse: "Separai-me agora a

Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado". Em resposta ao Espírito, esses

líderes, após jejum e oração, "...impondo sobre eles as mãos, os despediram". E prossegue o

registro sacro: "Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram..." Dessa forma, temos um belo

quadro sobre a perfeita harmonia e cooperação existentes entre as agências divina e humana,

na ordenação e nomeação de obreiros cristãos. Mais adiante, nesse mesmo décimo-terceiro

capítulos, vemos o mesmo Espírito Santo, que enviara aqueles missionários, agora lhes

proporcionava poder para testemunharem (13:9) e igualmente os sustentava em meio às

provações e à oposição que lhes moviam os homens (13:52).

Em quinto lugar, o Espírito Santo preside sobre os concílios deliberativos. No décimo-

quinto capítulo, vemos o Espírito Santo a presidir sobre a primeira conferência missionária

cristã a ser efetuada no mundo, em Jerusalém, e que tal maneira os orientou nas deliberações

Page 39: A Bíblia e as Missões

39

tomadas que, quando as ações tomadas foram escritas, dizem como segue: "Pois pareceu bem

ao Espírito Santo e a nós..." (15:28), tal como as atas de uma corporação oficial de atualidade

diriam: "Foi resolvido pelo presidente e pelos membros da reunião, que..."

Nesse caso temos o modelo para todos os concílios eclesiásticos e conferências

missionárias de todas as épocas. Que revolução teria lugar, em muitas assembléias

evangélicas, se o mesmo senso da presença do Espírito fosse realmente sentido, e se tudo

fosse tido e feito sob Seu impulso e debaixo de Seu controle! Com excessiva freqüência as

sessões deliberativas das igrejas e dos agrupamentos missionários tem sido maculadas pela

intrusão de invejas sem razão e por rivalidades amargas, ou enquanto pelo apelo para a

diplomacia mundana e para os expedientes contemporizadores, com o resultado que o

Espírito Santo é entristecido, Sua voz é abafada, e Sua orientação é rejeitada. O Senhor tem

desejado e provido algo infinitamente melhor do que isso para o Seu povo, bastando-lhes para

isso que satisfaçam às condições estipuladas nas Escrituras.

Em sexto lugar, o Espírito Santo restringe e constrange os obreiros cristãos. A

narrativa contida na primeira parte do capítulo décimo-sexto é mais do que impressionante; é

arrebatadora. Um grupo de missionários ativos e devotados, encabeçados por Paulo, deu

início a uma expedição de pregação pela província da Ásia, mas os missionários foram

"impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia". Em vista disso, tentaram

penetrar na Bitínia, "mas o Espírito de Jesus não o permitiu". E então, a Paulo foi

proporcionada a visão do "homem da Macedônia", que os orientou até o campo missionário

da Europa, até então desocupado (16:6-10). Uma solene lição nos é aqui ministrada, no que

concerne à total incapacidade da sabedoria humana, até mesmo de um tão talentoso,

experiente e consagrado estadista missionário como era o apóstolo Paulo, no trabalho das

missões evangélicas. Apesar de que não nos é fornecida nenhuma explicação acerca dessa

ação do Espírito Santo de Deus, não poderíamos considerá-la como um lembrete do princípio

fundamental das missões, de que todos os homens, de todos os rincões, tem a mesma

necessidade, e, por conseguinte, o mesmo direito de ouvirem o evangelho? O Espírito Santo

proibiu o apóstolo Paulo de percorrer pela segunda vez o território da Ásia Menor, que já

havia sido coberto anteriormente, enquanto a Europa não tivesse também a sua oportunidade

de conhecer o Salvador.

Anais missionários posteriores apresentam-nos outros exemplos extraordinários de

restrições e constrangimento por parte do Espírito Santo. Livingstone procurou viajar para a

China, mas Deus não lho permitiu, e enviou-o para a África. O primeiro plano de Guilherme

Carey era ir para os mares do sul, mas Deus guiou-o até à Índia. Adoniram Judson planejava

trabalhar na Índia, mas foi levado para a Birmânia por forças em si mesmas adversárias, mas

que se mostraram providencias. E que o Espírito Santo não incorre em equívocos é

gloriosamente ilustrado pelas carreiras subseqüentes desses grandes pioneiros e generais

missionários.

Em sétimo lugar, o Espírito Santo exerce suprema autoridade eclesiástica. Isso é muito

claramente dito pelo apóstolo Paulo, em seu discurso de despedida, em Mileto, aos anciãos da

igreja de Éfeso: "Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos

constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus..." (20:28). Que solene lembrete, temos

aqui, sobre a suprema autoridade de Cristo, na pessoa do Espírito Santo, sobre todos os

ofícios e funções que pertencem à Sua verdadeira Igreja e causa sobre a face da terra! E que

tremenda necessidade existe de que se ponha ênfase sobre essa verdade, em vista de altas

Page 40: A Bíblia e as Missões

40

pretensões e reivindicações dos episcopados históricos, das instituições eclesiásticas e dos

sistemas sacerdotais do passado e do presente!

Neste capítulo temos meramente passado uma vista dolhos na relação que o Espírito

Santo mantém para com as missões, em vários de seus aspectos; mas esperamos ter tido o

bastante para salientar a importância vital de reconhecer o legítimo direito que Ele tem, como

Aquele que é o único capaz de dotar cada obreiro e testemunha de Cristo com o todo-

essencial poder espiritual para o serviço, como também o Administrador-em-chefe do

movimento missionário em sua totalidade. Que necessidade há de que se O reconheça e

reverencie como tal, de que nos rendamos completamente a Ele, e de que procuremos

constantemente discernir a Sua mente e sermos dirigidos e impulsionados por Ele!

Nos dias que correm muito se ouve falar sobre estratégia, tino político, cooperação, e

coisas semelhantes, no terreno das missões, e muita ênfase é posta sobre organizações e

equipamentos de melhor qualidade, além de orientações e métodos mais conformes à época.

Sem intenção de desprezar essas coisas, todas as quais tem seu merecido lugar e valor,

aventuramo-nos a exprimir o temor que, nessas ênfases oculta-se o sutil perigo de substituir o

dinamismo divino pela mecânica humana, e de tentar levar a efeito a obra missionária de

conformidade com a sabedoria dos homens, ao invés de fazê-lo mediante o poder de Deus.

Desejamos relembrar memorável exemplo desse perigo. Há vários anos passados, foi

lançado um plano de cooperação, em escala gigantesca, visando o fomento das atividades

missionárias, e que tinha um alcance mundial. O orçamento, de tremendas proporções, seria

satisfeito por uma avaliação pro rata de todos os membros constituintes de todas as igrejas,

suplementado pela ajuda que se esperava fosse dada pelos "cidadãos simpatizantes" que ainda

pertenciam ao mundo. Foi estabelecido um grande escritório central, foram formadas

comissões regionais, e concentrações em massa foram levadas a efeito; porém, pouco depois

de um começo promissor, o projeto inteiro ruiu por terra, como que devido ao peso imenso de

que maquinaria por demais complicada. Apesar de que as boas intenções de seus promotores

estavam acima de qualquer dúvida, o esquema simplesmente não estava de acordo com os

princípios e métodos do Senhor, conforme estão revelados na Sua palavra; e assim sendo,

fracassaram redondamente.

Estamos profundamente convencidos de que o segredo da verdadeira benção e

sucesso, nas atividades missionárias, jaz em nível muito mais profundo do que todas as

considerações acima aludidas, e que necessidade primária do momento é o retorno aos

princípios e padrões iniciais, do Novo Testamento. As missões evangélicas não são um

tentame humano, mas antes, um empreendimento sobrenatural e divino, para o qual Deus

proveu poder e liderança sobrenaturais. Cremos firmemente que um maior reconhecimento da

pessoa e do ofício do Espírito Santo, que a disposição maior de prestar-Lhe humilde

deferência, e que o devotamento de maior dose de tempo, esperando em Deus, em oração,

para que se conheça a Sua mente e se seja dotado de Seu poder, e, paralelamente, de menos

tempo dedicado a comissões e conferências, com suas discussões mundanas e trocas de

opiniões humanas, daria em resultado uma poderosa revitalização de todo o movimento

missionário, com suas bênçãos e o progresso disso resultantes, em escala sem precedentes.

Os líderes e obreiros missionários, dos nossos dias, bem fariam em preocupar-se mais

em se atualizarem, no sentido de reverterem, em maior grau, ao alvo e à mensagem centrais

da Igreja primitiva, ao seu evangelismo agressivo, à sua simplicidade e fervor de espírito, ao

Page 41: A Bíblia e as Missões

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seu poder espiritual, preocupando-se menos, paralelamente a isso, em se modernizarem no

que respeita a organizações, equipamentos, atrações novas, e coisas do mesmo jaez. De volta

aos princípios e à prática missionária do Novo Testamento, de volta a plena benção e ao

completo poder do Pentecoste - essa deveria ser a mais profunda preocupação e petição dos

nossos corações.

A chave do problema missionário é o genuíno reavivamento espiritual dentro da Igreja

de Cristo. Essa é a necessidade suprema de nossos dias, a única coisa que produzirá efeitos

duradouros. Defrontamo-nos com um mundo ainda quase totalmente por evangelizar, e com

uma civilização apenas nominalmente cristã, em nossas pátrias respectivas. Estamos dotados

de uma Igreja destituída de poder, falando-se de modo geral, com manifestações cada vez

mais altissonantes de apostasia no púlpito e com declínio espiritual entre os seus membros.

Defrontamo-nos com a necessidade de forças e recursos cada vez maiores, para enfrentar com

eficácia as oportunidades sem par que existem em quase todos os campos missionários. Não é

este um tempo em que orações incessantes deveriam estar alçando para o céu, rogando um

novo e poderoso derramamento do Espírito de Deus sobre a Sua Igreja, capaz de renovar sua

vida espiritual, revivificar sua visão e paixão missionária, conclamar para os campos da ceifa

que branquejam, a muitos recrutas cristãos talentosos e cheios do Espírito, e capaz de

derramar sobre os crentes nacionais a graça das contribuições e do espírito de intercessão,

para seu sustento material e espiritual? Dessa maneira é que seria novamente liberada a

onipotência de Deus, perante a qual cada obstáculo cairia por terra e cada força opositora se

tornaria inoperante, e aquela tarefa há muito protelada de chegarmos às extremidades da terra,

levando-lhes a mensagem da salvação, poderia então mover-se decisivamente para seu

cumprimento.

Page 42: A Bíblia e as Missões

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Capítulo V

O APÓSTOLO PAULO E AS MISSÕES

Características salientes das missões neo-testamentárias,

exemplificadas por Paulo.

Se excetuarmos o Senhor Jesus Cristo, o grande missionário de Deus que desceu dos

céus a este mundo, o maior de todos os missionários que já houve, não há que duvidar, foi o

apóstolo Paulo. Isso é verdade se importar o prisma pelo o qual consideremos, quer olhemos

para a extensão de seus labores missionários quer nos voltemos para a intensidade de sua

paixão missionária, quer tomemos em consideração o impacto que exerceu sobre sua própria

geração ou a milenar influência de suas epístolas inspiradas. Os efeitos da vida e do

ministério desse homem, sobre o mundo inteiro, e para todos os tempos, são simplesmente

incalculáveis, e ultrapassam o poder de expressão das palavras.

Deus achou por bem conceder horas assinaladas a Paulo, proporcionando-lhe uma

posição sem paralelo na história missionária. Dois terços de todo o livro de Atos estão

devotados à narração de sua vida e esforços, e, se a autoria paulina da epístola aos Hebreus

for aceita, então catorze dos vintes e sete livros do Novo Testamento chegaram às nossas

mãos através de sua pena inspirada. Posto que Deus dessa maneira destacou esse apóstolo,

pondo-o em proeminência especial, temos boas razões para reservar-lhe um lugar importante

nos nossos pensamentos. E, crendo que Paulo, como missionário, exemplificou as

características mais destacadas do empreendimento missionário cristão, conforme são

ordenadas e exibidas nas páginas do Novo Testamento, propomo-nos, neste ponto, a abordar

algumas dessas características.

Sua Comissão Missionária

No livro de Atos achamos nada menos de três relatos separados da comissão de Paulo,

a saber, nos capítulos nono, vigésimo-segundo e vigésimo-sexto, todos os quais merecem

estudo minucioso. Um dos vários aspectos do caráter sem par da comissão de Paulo, foi o fato

que, quanto o tempo, tal comissão lhe foi dada ao mesmo tempo em que se converteu. Isso

certamente foge muito do comum, conforme a maioria dos missionários sem dúvida esta

pronta a testificar, se sobre isso forem inquiridos. O amargo inimigo de Jesus e cruel

perseguidor de Seus seguidores, que chegava até mesmo a aprisioná-los e entregá-los à morte,

foi subitamente alcançado pelo Cristo glorioso, quando se encontrava no caminho para

Damasco, munido de autoridade, delegada pelos líderes religiosos do judeus, para prender,

amarrar e arrastar para Jerusalém, para serem julgados, os discípulos cristãos que ali ele

pudesse encontrar. Derrubado por terra, ferido pela cegueira, ele ouve uma voz do céu, que

lhe perguntava: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" E então, em resposta a tal pergunta,

ele mesmo interroga: "Quem és tu, Senhor?" E o Senhor lhe responde: "Eu sou Jesus, o

Nazareno, a quem tu persegues". Tremendo e atônito, Saulo clama: "Que farei, Senhor?" E a

essa pergunta a réplica foi: "Levanta-te, entra em Damasco, pois ali te dirão acerca de tudo o

que te é ordenado fazer". A essa voz Saulo levanta-se, ainda sem nada poder enxergar, e pela

mão é conduzido a Damasco. Ali, um certo discípulo de nome Ananias, é enviado pelo

Senhor para tratar com ele. Ananias impõe as mãos sobre Saulo, cuja visão física lhe é

Page 43: A Bíblia e as Missões

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imediatamente restaurada, e recebe ao Salvador, sendo batizado e ficando cheio do Espírito

Santo.

Essa; em suma, é a narrativa dada por Lucas no vigésimo-segundo capítulo de seu

segundo livro. Na repetição da narrativa de sua própria experiência, já no capítulo vigésimo-

sexto, Paulo declara mais explicitamente as palavras que lhe foram dirigidas por Cristo, do

céu, no tocante à sua comissão missionária, e a essa passagem é que faremos referência um

pouco adiante, ao discutirmos sobre a convicção missionária do grande apóstolo. Seja

observado nesta altura, entretanto, no que tange ao próprio incidente, que aquilo que envolve

a conversão de Paulo é mais simples e ordinário, enquanto que as características

extraordinárias e sem par dizem respeito à sua comissão ao serviço missionário.

No que se referia à sua conversão, um discípulo humilde foi enviado para falar-lhe e

orar com ele, guiando-o à luz, tal como em muitos outros casos de conversão. Porém, as

características totalmente diversas do incidente, a saber, a revelação de Cristo na glória, e Sua

mensagem pessoal a Saulo, parecem estar relacionadas particularmente ao seu chamamento e

comissão divina como apóstolo e testemunha de Cristo entre os gentios. Diferentemente dos

outros apóstolos, Paulo não fora discípulo de Cristo estando o Senhor ainda neste mundo,

nem ouvira dos Seus lábios a Grande Comissão que lhes foi dada antes de Sua ascensão. Nem

lemos que Ananias houvesse entregue a Paulo, em Damasco, uma cópia dessa Grande

Comissão, a qual já fora apresentada perante os demais apóstolos. Tão vital era o papel

ordenado pelo Senhor para Paulo, no grande cometimento da evangelização do mundo, que o

Cristo ressurreto viu ser mais conveniente aparecer-lhe especialmente, vindo da glória, a fim

de transmitir-lhe essa comissão direta e separada. A esse fato é que Paulo se refere

posteriormente, quando escreve aos crentes da Galácia: "Faço-vos, porém, saber, irmãos, que

o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o

aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo" (Gálatas 1:11,12). E outra

vez, para a igreja cristã de Corinto, onde havia certos indivíduos inclinados a por em dúvida o

seu apostolado, escreveu ele: "Não sou porventura livre? não sou apostolo? não vi a Jesus,

nosso Senhor" (I Coríntios 9:1).

Tal, pois, foi a chamada e comissão extraordinárias desse grande apóstolo. E o que

isso implica para nós, no dia de hoje? Devemos nós esperar uma experiência e um

chamamento e comissão similares, como requisito para nosso serviço missionário? Quanto à

sua realidade, inquestionavelmente a resposta é afirmativa, ainda que não quanto a todas as

suas características acompanhantes. Os aspectos sem iguais da comissão de Paulo se

reservavam exclusivamente a ele, e não precisam ser repetidos, e provavelmente jamais o

serão. Todavia, o paralelo espiritual é perfeitamente possível, e nesse sentido deve ser

esperado e buscado. Reveste-se de importância vital que todo homem ou mulher esteja

absolutamente certo da chamada e comissão divinas, antes que se lance à aventura de ir a

qualquer campo missionário. Sem essa certeza, estarão sujeitos ao desencorajamento e à

derrota, perante as dificuldades e testes que certamente serão encontrados. Cada missionário

dos nossos dias precisa do senso do chamamento e da comissão divina, de forma não menos

clara e certa que os de Paulo. E é privilégio de todos os escolhidos pelo Senhor, para tal

serviço, ter tal senso. O Cristo que clamou do céu, na época de Isaías: "A quem enviarei, e

quem há de ir por nós?", e que apareceu e falou a Saulo de Tarso, na estrada de Damasco,

continua revelando-se e falando aos homens, tornando conhecida a Sua vontade e plano para

suas vidas. Não mais o faz de forma visível ou com voz audível, mas antes, através de Sua

Palavra e de Seu Espírito.

Page 44: A Bíblia e as Missões

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Na China antiga, era costumeiro que cada alto oficial, antes de partir para seu posto de

serviço, fosse a Pequim ter uma entrevista com o imperador, constituindo isso um selo

autoritativo de sua nomeação. Cada missionário da Cruz, semelhantemente, precisa de uma

"audiência" pessoal com Cristo, antes de partir para seu campo de trabalho, quando então

ouvirá de seu Senhor ressurreto e assunto ao céu a mesma mensagem que foi proferida a

Gideão, nos dias antigos: "Vai nessa tua força, e livra a Israel da mão dos midianitas;

porventura não te enviei eu?" Assim comissionado e confirmado em Sua chamada por aquele

que disse "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra", poderá enfrentar, com calma e

espírito imperturbável, cada circunstância ou dificuldade que ocorra.

Assim sucedeu a Paulo, conforme está amplamente atestado no livro de Atos. Quando

se defrontou com feroz oposição em Corinto, "Teve Paulo durante a noite uma visão em que

o Senhor lhe disse: "Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo

e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade" (18:9-10). E outra vez,

quando foi assaltado pela violência da turbamulta, em Jerusalém, e por pouco foi livrado por

um oficial romano e encerrado no castelo, "na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado

dele, disse: Coragem!" certificando-lhe segurança e benção continuada sobre seu ministério

(23:10,11). Mais tarde, quando de sua viagem para Roma, toda esperança humana relativa ao

escape da tempestade se dissipara; mas Paulo foi capaz de levantar-se e exortar aos seus

companheiros de viagem para que tivessem bom ânimo, "Porque", explicou ele, "esta mesma

noite o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo dizendo: "Paulo, não

temas; é preciso que compareças a César, e eis que Deus, por sua graça, te deu todos quantos

navegam contigo" (27:20-25).

Uma das primeiras lições, portanto, que o registro missionário de Paulo nos ensina, é a

importância vital, a todo missionário, tanto hoje como em qualquer outro dia, da certeza

inquebrantável de haver sido comissionado pessoalmente pelo Senhor, para o campo e a

tarefa para o qual se dirige. Sem essa certeza, não ousemos partir; mas com ela podemos

enfrentar, sem temor mas com coragem e confiança, tudo quanto estiver envolvido.

Sua Convicção Missionária

Sublinhando todos os esforços missionários de Paulo havia a intensa convicção de sua

responsabilidade, como crente, de tornar o evangelho conhecido de seus semelhantes, no

máximo de sua habilidade. Essa convicção se baseava na crença firmemente estabelecida da

condição de perdição eterna por parte de todos os homens, à parte da fé em Cristo como

Salvador. Em todas as suas epístolas inspiradas ele expressa repetidamente essa solene

verdade. Apenas algumas poucas, dentre muitas passagens, precisam ser citadas aqui, como

suficientemente conclusivas. Aos Coríntios, escreveu ele: "Mas, se o nosso evangelho ainda

está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto" (II Coríntios 4:3). Por duas vezes

ele se refere aos incrédulos, taxando-os de "os que se perdem" (I Coríntios 1:18; II Coríntios

2:15). Paulo descreveu os pagãos como "inimigos" (de Deus) no entendimento pelas vossas

obras malignas" (Colossenses 1:21); "filhos da ira" (Efésios 2:3); "filhos da desobediência"

(Efésios 2:2 e 5:6); "sem Cristo, separados da comunicação de Israel, e estranhos às alianças

da promessa não tendo esperança, sem Deus no mundo" (Efésios 2:12); e "alheios à vida de

Deus" (Efésios 4:17-19). Em sua epístola aos Romanos ele aborda de forma sistematicamente

Page 45: A Bíblia e as Missões

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o pecado, segundo pode ser encontrado entre as diversas classes da humanidade, e apresenta

terrível acusação contra o mundo pagão por causa de sua idolatria, grosseira imoralidade e

desafio à luz da natureza e da consciência, que Deus deu a todos os homens, e pronuncia o

veredito final de culpa contra a raça humana inteira - tudo isso em preparação para introdução

do grande plano de redenção que Deus traçou por intermédio de Cristo, um plano de salvação

mediante a simples confiança nEle (capítulo 1-3). E então no décimo capítulo dessa epístola,

apresenta um argumento irretorquível sobre a necessidade da prédica do evangelho, a fim de

que os homens possam ouvir, crer e ser salvos (10:12-15).

Era à base dessa clara e firme persuasão, quanto à condição de perdição dos

incrédulos, em seus pecados, e quanto à completa necessidade do evangelho, como a única

esperança de salvação, que Paulo era impelido pelo avassalador senso de responsabilidade de

tornar Cristo conhecido àqueles que nunca tinham ouvido falar dEle. Essa convicção

missionária, segundo a temos denominado, ele a expressa em suas epístolas através de vários

termos, tais como devedor, encarregado, mordomo, testemunha, embaixador - palavras essas

que tem sondadoras implicações.

Sem tentarmos aqui abordar cada um desses termos, tomemos um deles como

exemplo, a saber, o termo, devedor, segundo é empregado por Paulo, em Romanos 1:14.

Escreve ele: "Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a

ignorantes; por isso, quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós

outros, em Roma". Não disse o apóstolo, "sou um benfeitor"; e menos ainda, "sou um herói".

Não tentava transmitir aos romanos a idéia que ao anunciar-lhes o evangelho, conferia-lhes

um grande favor e demonstrava-lhes uma generosidade de espírito fora de comum. Não, mas

tão somente afirmava ser um homem honesto, e assim sendo, estava pronto para pagar as suas

dívidas. Como que lhes dizia: "Devo-vos o evangelho, e, por isso, estou pronto para esforçar-

me ao máximo a fim de chegar até vós".

Em outras palavras, Paulo via as missões não como caridade, benevolência ou

filantropia, e, sim, como obrigação a desincumbir, como dívida a ser paga. Para ele, o

primeiro apelo das missões se dirigia à consciência cristã, e não meramente aos sentimentos

ou emoções. Por seu exemplo, tanto quanto por seu ensino, ele lançou o alicerce do autêntico

interesse e empenho missionários, sobre a base firme do dever, de responsabilidade. Em uma

de suas epístolas, escreve ele: "Se anuncio o evangelho, não tenho de que me glorificar, pois

sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho! Se o faço de

livre vontade, tenho galardão; mas, se constrangido, é, então, a responsabilidade de

despenseiro que me está confiada" (I Coríntios 9:16,17). Em outras epístolas ele se refere ao

"evangelho da glória do Deus bendito, do qual fui encarregado", e ao fato de haver sido

aprovado "por Deus a ponto de nos confiar ele o evangelho" (I Timóteo 1:11; I

Tessalonicenses 2:4).

Quão radicalmente difere a convicção missionária de Paulo do conceito popular sobre

as missões, e que com freqüência se encontra entre membros de igrejas em nossa época!

Parece que alguns pensam em missões como um mero passatempo, da parte de alguns poucos

indivíduos piedosos que, mui estranhamente, preferem "enterrar-se" em uma terra pagã

qualquer, fechando os próprios olhos para as vantagens pessoais e para as grandes

possibilidades em sua própria terra. Em geral há uma indiferença incrível e uma falta de

interesse que raia pelo absurdo entre os crentes professos, no que toca á tarefa missionária.

Quando muito, a maioria parece considerá-lo como benevolência, como gesto caridoso para

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com as pessoas menos privilegiadas de outras raças, e sobre cujo bem estar espiritual não se

tem a menor responsabilidade, de tal maneira que qualquer coisa que façam em favor delas,

pensem em ser algo meritório, como se fôra algo feito fora de sua esfera de dever.

Entre o ponto de vista de Paulo sobre as missões, para quem isso era uma dívida, e

essa opinião fácil de uma empresa caridosa ou beneficente, existe um mundo de diferença

prática. Uma dívida é algo obrigatório, constitui um direito anterior, e exige o máximo de

esforço e a totalidade de recursos para que o indivíduo se desincumba da mesma. A

benevolência, bem ao contrário, é uma questão secundária, que deve ser encarada com muito

menor seriedade, e que em regra geral requer apenas o tempo vago e o dinheiro extra do

homem benévolo.

Essa breve exposição sobre as convicções missionárias do apóstolo Paulo, leva-nos

face a face com a questão extremamente prática de nossa própria atitude para com as missões,

não meramente por expressões sentimentais, mas por esforço real envidado. Se Paulo era um

devedor, seremos nós menos do que devedores? Foi-lhe dada a responsabilidade, como

despenseiro do evangelho, como mordomo das riquezas espirituais para ser compartilhada por

outros, e não semelhante dada a nós? Será que somente Paulo foi constituído testemunha,

embaixador de Cristo, enquanto que nós estaríamos isentos de comissão similar? Certamente

que o testemunho franco e o exemplo nobre desse grande servo de Cristo deveria impelir

todos os verdadeiros crentes a que reconheçam sua responsabilidade, que Deus lhes outorgou,

e procurem eximir-se da mesma, em favor dos milhões de pecadores que ainda jazem nas

trevas e na sombra da morte.

Sua Mensagem Missionária

Nenhuma característica de Paulo, o missionário, que exemplifique os elementos

essenciais das missões neo-testamentárias, é maior em importância do que a sua mensagem.

Essa mensagem era totalmente distintiva: era o evangelho, as "boas novas" sobre o Salvador

do mundo, que o anjo anunciou na noite de Seu nascimento (Lucas 2:10), o evangelho que

Jesus declarou, ao iniciar o Seu ministério público em Nazaré (Lucas 4:18). Ao escrever para

os Coríntios, Paulo afirmou francamente que "...me enviou Cristo... para pregar o evangelho"

(I Coríntios 1:17), e passou então a definir o evangelho na mais clara e mais explícita

linguagem: "Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no

qual ainda perseverais; por ele também sois salvos... que Cristo morreu pelos nossos pecados,

segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as

Escrituras" (I Coríntios 15:1-4). Essa mensagem - a declaração da morte expiatória de Cristo

sobre a cruz e de Sua ressurreição - era o tema constante do apóstolo Paulo, bem como da

Igreja primitiva, conforme está registrado no livro de Atos. Sobre esse evangelho, ele

declarou ousadamente que não se envergonhava do mesmo, posto tratar-se "do poder de Deus

para salvação de todo aquele que cre" (Romanos 1:16), e solenemente advertiu contra um

"outro evangelho", que não é realmente outro evangelho, mas mero simulacro do legítimo

evangelho de Cristo, e adicionou: "Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos

pregue evangelho que vá além daquele que recebeste, seja anátema" (Gálatas 1:6-8).

Sim, Paulo e seus colegas missionários dos tempos do Novo Testamento, eram

"dogmáticos" quanto à sua mensagem. Proclamavam a "Jesus Cristo, e este crucificado", e

testificavam sobre Sua gloriosa ressurreição e Sua exaltação, da parte de Deus, como Príncipe

e Salvador. Semelhantemente, insistiam em fazer do evangelismo direto e agressivo o coração

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e o centro de seu programa missionário. E com toda razão, pois assim fazendo, estavam

apenas pondo em obras as condições específicas da Grande Comissão de Cristo, que diz: "Ide

por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura". Dotados dessa mensagem e desse

método, obtiveram resultados que transcenderam àqueles de qualquer outra geração

subseqüente. Outrossim, todas as maravilhosas transformações morais e espirituais, de

indivíduos, comunidades e tribos, que tem ocorrido desde então, no campo mundial das

missões, tem sido fruto dessa mesma mensagem, desse mesmo evangelismo.

Nas missões modernas, a Coréia tem brilhado como fulgurante exemplo para todos os

demais campos missionários por causa do admirável sucesso do trabalho e do crescimento

fenomenal da Igreja de Cristo naquele país.

Entretanto, qualquer pessoa familiarizada com os fatos poderá deixar de reconhecer

que a inquebrantável fidelidade dos missionários na Coréia ao verdadeiro evangelho, e sua

lealdade, desde o princípio, a uma orientação e programa de evangelismo vigoroso,

concebidos como sua atividade primária, têm sido os principais fatores, debaixo de Deus, na

obtenção dessa rica benção e frutificação. Um proeminente líder evangélico, coreano de

nascimento, dirigindo-se ao Concílio Evangélico Nacional da Coréia, falou como segue: "A

ênfase principal de nosso trabalho deve ser o evangelismo. Regozijamo-nos com o fato que o

evangelho tem mostrado ser o poder de Deus para transformar, purificar e enobrecer as vidas

das multidões coreanas... Acreditamos que a suprema necessidade de nossos dias é que se

saliente novamente a pregação do próprio evangelho, especialmente no que concerne ao

esforço pessoal para conduzir os perdidos a Cristo".

Se o programa apostólico levado a efeito na Coréia, houvesse sido geralmente adotado

em todos os campos missionários, o certo é que os resultados, hoje em dia, seriam

infinitamente maiores do que são, e que os problemas do mundo estariam muito mais

próximos da solução.

Que diversos métodos missionários podem ser empregados corretamente, para

enfrentar as diferentes situações, é abertamente admitido; mas todos esses métodos tem de ser

testados por seu espírito evangelístico e por seu motivo compelidor de ganhar almas para

Cristo e edificá-los na fé em Sua pessoa. Temos a ousadia de afirmar que nenhum missionário

que falhe, de alguma maneira real não tornando conhecido o único evangelho da graça e

poder salvadores de Deus, em Cristo Jesus, pode ser designado com justiça de missionário

cristão, sem importar a sua posição e sem importar o que ele faça para o benefício material,

intelectual ou social dos pagãos. Quando um professo missionário do evangelho, troca o

evangelho por mero anúncio de ensino ético, melhoramento da humanidade e elevação social,

não passa de um farsante, de um provocador de tragédias espiritual, jamais podendo colher

resultados dignos e permanentes.

Ao assim asseverarmos, temos plena consciência de que existem aqueles que teimam

ser necessária uma mensagem de escopo maior do que o do evangelho simples, ser necessário

algo que aborde os problemas políticos, civis, industriais e econômicos. Afiançam-nos que

nos avançados dias da era moderna, a ênfase deveria ser transferida do indivíduo para a

comunidade, e que o serviço social e a difusão de um espírito expansivo de solidariedade

humana acertam mais com as necessidades de nossa época do que a pregação de qualquer

dogma particular. De conformidade com esse ponto de vista, foi cunhada a expressão

"evangelho social", a qual está muito em voga em certos círculos. Deploramos o fato da

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grande palavra "evangelho" receber o sufixo "social", ou qualquer outro adjetivo delimitador,

com a idéia de assim melhorar o termo bíblico, e protestamos energicamente contra isso. O

missionário evangélico autêntico conhece um único evangelho, aquele que foi definido pelo

inspirado apóstolo Paulo. Eles reconhecem plenamente as implicações sociais, industriais,

políticas e todas as demais implicações do evangelho. Mas era sua convicção firme que o

meio mais potente, e de fato o único meio de qualquer valor permanente, de fertilizar essas

diferentes áreas de nossa vida coletiva - a social, a industrial, a política, e todas as outras -

elevando-as para um nível superior e mais puro, e de tornar as relações humanas como devem

ser, na fábrica, na vizinhança ou na nação inteira, é a conquista de indivíduos para a nova

vida que há em Jesus Cristo, o Salvador.

Portanto, a aderência fiel, da parte de todo o missionário da atualidade, à mensagem

missionária de Paulo - "o evangelho" - a qual, segundo ele mesmo declarou com clareza, "não

é segundo o homem", mas foi-lhe ensinada "mediante revelação de Jesus Cristo" (Gálatas

1:11,12), e o retorno a essa mensagem, da parte de qualquer grupo ou indivíduo que dela se

tenha afastado, são as necessidades vitais destes nossos dias.

Sua Ambição Missionária

Essa ambição o apóstolo Paulo expressou como segue, em seu escrito aos romanos:

"...esforçando-me deste modo por pregar o evangelho, não onde Cristo já fôra anunciado, para

não edificar sobre fundamento alheio; antes, como está escrito: Hão de vê-lo aqueles que não

tiveram notícia dele, e compreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito" (Romanos

15:20,21).

Paulo não se contentava meramente em unir-se às fileiras de outros obreiros

evangélicos, nos campos nacionais, onde tantos já se encontravam atarefados. Pois possuía

grande espírito pioneiro, que ansiava por atingir muito além das fronteiras do esforço

existente e das áreas "ocupadas", querendo antes invadir territórios novos com o glorioso

evangelho, a fim de levantar o pendão da cruz em solo virgem, onde o nome de Cristo jamais

fora ouvido. "As regiões além" era o lema desse esplêndido missionário, o dístico desse "bom

soldado de Cristo Jesus", que nunca parou para calcular o quanto lhe custaria esse serviço,

mas que anelava tão somente por "agradar àquele que o alistara como Seu soldado". Que

nobre ambição! Que desafiante exemplo para outros! Oxalá muitos outros jovens crentes o

imitassem!

A história está repleta de casos de elevadas ambições, que chegavam mesmo a ser

paixões consumidoras, de conquista militar e expansão de impérios. Lembramo-nos de um

Alexandre, de um Xerxes, de um Kublai Khan, de Júlio César, de Napoleão, para não

mencionarmos outros de períodos mais recentes. Também houve aqueles que foram

consumidos pela ambição da exploração geográfica. Quantas vidas se perderam, e que

fabulosas somas em dinheiro foram gastas, em expedições para atingir o Polo Norte e o Polo

Sul, ou para escalar até os maiores picos dos Himalaias! Porém, por mais dignas ou indignas

que tenham sido essas diversas aventuras e empreendimentos, todas elas empalidecem em sua

insignificância, perante o sublime alvo e finalidade das missões do cristianismo bíblico - a

expansão das fronteiras do reino celestial, a proclamação do Cristo até as extremidades da

terra, a conquista de milhões de homens e mulheres de infinitas potencialidades, mas que

estão impotentemente mergulhadas no atoleiro do pecado, da degradação e da miséria, com o

Page 49: A Bíblia e as Missões

49

fito de soerguê-las, mediante o conhecimento de um Salvador que nos proporciona uma nova

vida de pureza, de regozijo e de esperança eterna.

É difícil entendermos como a alma da juventude evangélica não requeima de santa

ambição, nascida de uma amorosa lealdade a Cristo e da profunda compaixão pelos perdidos

e pelas multidões que sofrem, a fim de que dediquem os jovens as suas vidas, com todos os

seus talentos e capacidades que Deus lhes outorgou, tendo em vista essa maior e mais nobre

de todas as causas do mundo, isto é, a de pregar o evangelho nas regiões além, onde o nome

de Cristo ainda não foi ouvido. Cada região "desocupada", cada tribo ou comunidade ainda

não evangelizada no mundo de hoje, mais de mil e novecentos anos depois que a Grande

Comissão foi dada, é uma triste repreensão e um opróbrio para o justo nome de Cristo, e

reflete vergonhosamente a incúria da Igreja, que professa lealdade a Ele. As palavras do

Senhor a Israel, anos depois de haverem entrado na terra prometida, são perfeitamente

aplicáveis à Sua igreja de hoje, com referência à "terra prometida" das missões de

conformidade com o dizer de Salmos 2:8, "Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as

extremidades da terra por tua possessão", e de Josué 13:1;18:3: "...ainda muita terra ficou

para se possuir... até quando sereis remissos em passardes para possuir a terra que o Senhor

Deus de vossos pais vos deu?"

Um ex-missionário, nas fronteiras do Tibete, escreveu essas mui impressionantes

palavras: "Os olhos dos crentes deveriam voltar-se tão instintivamente para as terras fechadas

ao evangelho, nesta época missionária, como se voltam os olhos de um exército conquistador

para com os poucos postos avançados do inimigo, que ainda resistem aos vitoriosos e

impedem uma vitória completa, e sem o que o comandante-em-chefe é incapaz de encerrar a

campanha".

Sua Carreira Missionária

A área geográfica coberta pelos labores missionários do apóstolo Paulo é

verdadeiramente assombrosa, e tanto mais quando levamos em consideração os tempos em

que ele viveu. Um breve sumário de suas viagens nos é oferecido no décimo-quinto capítulo

da epístola aos Romanos, onde, após humilde e grata referência à infinita graça de Deus, por

motivo da qual lhe foi confiado o ministério do evangelho entre os gentios, passa o apóstolo a

escrever: "Porque não ousarei discorrer sobre coisa alguma senão daquelas que Cristo fez por

meu intermédio, para conduzir os gentios à obediência, por palavra e por obras, por força de

sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo; de maneira que, desde Jerusalém e

circunvizinhanças, até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo... Essa foi a razão

porque também muitas vezes me senti impedido de visitar-vos (isto é, os de Roma). Mas

agora, não tendo já campo de atividade nestas regiões, e desejando há muito visitar-vos,

penso em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que de passagem estarei

convosco e que para lá seja por vós encaminhando... Mas agora estou de partida para

Jerusalém a serviço dos santos... Tendo, pois, concluído isto, e havendo-lhes consignado este

fruto, passando por vós, irei à Espanha" (versículo 18-28).

Procuremos apreender, preferivelmente com o auxílio de um mapa à nossa frente, a

extensão do território incluído na declaração acima. Primeiramente, "...desde Jerusalém e

circunvizinhanças, até ao Ilírico..." escreveu Paulo. Seu itinerário levou-o em direção ao

norte, desde Jerusalém atravessando a Palestina e a Síria; dali para o noroeste, através das

várias divisões proconsulares da Ásia Menor; então através do mar Egeu até à Macedônia;

Page 50: A Bíblia e as Missões

50

desse ponto à Acaia (Grécia), na direção sul; e, finalmente, para o noroeste novamente, até ao

Ilírico, a região atualmente conhecida pelo nome de Albânia, que fica na margem oriental do

mar Adriático, defronte da Itália. Entretanto, Paulo também mencionou sua esperança

posterior de visitar Roma, e fazer de Roma um degrau para atingir a longínqua Espanha, que

fica nos confins ocidentais da Europa.

No que diz respeito a Roma, sabemos perfeitamente bem que Paulo não apenas atingiu

aquela grande metrópole, mas também passou ali alguns anos, como prisioneiro, e finalmente

sofreu a morte de mártir.

Também há ótimas evidências que apóiam os estudiosos mais cautelosos da Bíblia de

que o apóstolo foi solto após o período de dois anos de encarceramento, tendo permanecido

em liberdade por vários anos, durante o qual tempo revisitou a Ásia Menor e a Macedônia, e

levou a efeito seu longamente desejado propósito de visitar a Espanha. Aceitando isso como

verdade, o escopo dos movimentos e realizações desse único homem, como missionário, é

totalmente sem procedente e sem paralelo em todos os anais das atividades missionárias. Pois

não nos esqueçamos que Paulo viveu muitos séculos antes da existência de qualquer dos

modernos meios de transporte. Em seus dias não havia estrada de ferro, nem navios a vapor,

nem automóveis, nem aviões, nem facilidades de comunicação como o telégrafo, o telefone

ou a televisão. Suas longas viagens por terra eram árduas e fatigantes, feitas em estradas

inadequadas a pé ou em lombos de animais de carga, enquanto que suas viagens marítimas

foram cruas, destituídas de todo conforto, em embarcações lentas, impulsionadas a vela, onde

arriscou a própria vida, como na única instância registrada de uma viagem marítima por ele

feita, no livro de Atos.

Um bem conhecido biógrafo de Paulo, discutindo sobre uma de suas diversas jornadas

missionárias, afirma que "em seus resultados, ultrapassou em muito à expedição de

Alexandre o Grande, quando levou as armas e a civilização gregas até o coração da Ásia, ou à

de César, quando desembarcou nas praias britânicas, ou até mesmo à viagem de Colombo, ao

descobrir o novo mundo. O mundo inteiro passou a ser diferente do que teria sido, por causa

do que Paulo fez enquanto servia a Cristo como missionário no estrangeiro. Tornou todas as

nações suas beneficiárias".

Dentre todos os missionários que tem vivido desde os dias de Paulo, quiçá aqueles que

podem ser considerados como os que mais perto chegam dele, como referência à extensão de

operações e magnitudes de realizações, sejam Francisco Xavier, intenso frade jesuíta do

século XVI, Guilherme Carey que foi à Índia, e que é o "Pai das Missões Modernas", Davi

Livingstone, príncipe dos exploradores e missionários pioneiros da África, e João Guilherme,

"Apóstolo dos Mares do Sul". Porém, muito acima até mesmo desses grandes heróis

missionários, impõe-se a figura sem par e incomparável do apóstolo Paulo.

Seus Sofrimentos Missionários

Parte do desejo de Paulo, em suas orações expresso, e que ele transcreve em

Filipenses 3:10, era "para o (Cristo) conhecer... e a comunhão dos seus sofrimentos..." A

abundante medida em que esse anseio foi satisfeito, é atestado pelas suas experiências

registradas. Tomemos, por exemplo, o impressionante epítome que aparece no décimo-

primeiro capítulo de II Coríntios: "São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda

mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos

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de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um;

fui três vezes fustigado com varas, uma vez apedrejado, em naufrágios três vezes, uma noite e

um dia passei na voragem do mar; em jornadas muitas vezes, em perigos de rios, em perigos

de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em

perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e

fadigas, em vigílias muitas vezes; em fome e sede, em jejuns muitas vezes; em frio e nudez.

Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas

as igrejas" (versículos 23-28).

Outras passagens poderiam ser citadas, tais como I Coríntios 4:9-13 e II Coríntios 4:8-

12, e que nos fornecerem mais algum discernimento nos sofrimentos da carreira missionária

do apóstolo, enquanto que fala bem alto e por si mesmo o fato admirável que metade de todo

o seu período de serviço foi passado na prisão. Chegamos, então, ao clímax de seu longo

registro de sofrimentos, ao encostar a cabeça no tronco, condenado pelo cruel imperador

Nero, e morreu como mártir em prol de Jesus Cristo. Se, para o raciocínio humano, tudo isso

parecesse errôneo e inadequado, notemos que a própria chamada de Paulo ao serviço

missionário foi vazada em termos de sofrimento. As palavras que o Salvador assunto ao céu

dirigiu a Ananias, a respeito de Saulo de Tarso, não foram: "...eu lhe mostrarei quanto lhe

importa realizar...", mas antes, "...eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu

nome..." (Atos 9:16).

Tudo isso serve para corrigir a idéia popular mas totalmente errada, de que o

sofrimento, na vida e labor missionários, deve ser reputado como algo extraordinário e

acidental, pertencente mais à natureza de infortúnio. Apesar de que, segundo o ponto de vista,

isso poderia ser considerado sob tal prisma, a Palavra de Deus revela claramente que o

sofrimento não é nem acidental nem meramente incidental, mas realmente faz parte do

programa traçado quanto às missões, desde o princípio até o fim. Jesus, o "missionário

mundial" de Deus, e maior de todos os sofredores, disse aos Seus discípulos: "Se me

perseguirem a mim, também perseguirão a vós outros" (João 15:20), e novamente: "Eis que

eu vos envio como ovelhas para o meio do lobos" (Mateus 10:16). No livro de Atos, aquele

registro inspirado sobre o início das missões e modelo cristãos, para todas as gerações

subseqüentes, deparamos insultos, violência, perseguição, aprisionamento e martírio

estampados em cada uma de suas páginas, da primeira à última. Essas coisas não eram meras

exceções à regra, mas antes, a norma da experiência missionária dos apóstolos. Aqueles

primeiros missionários evangélicos aceitaram-nas como tal, e também nunca lhes ocorreu

que, por causa de seus sofrimentos e perigos, devessem suspender suas operações ou diminuir

o seu ímpeto evangelístico. Pelo contrário, "eles se retiraram do Sinédrio, regozijando-se por

terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome" (5:41). Quando sua

detenção foi afrouxada pelas autoridades, foram ameaçados, entretanto, pelas mesmas, do que

sofreriam ainda mais violenta punição se não desistissem, a oração que fizeram não visava a

vindicação deles, nem solicitava vingança, nem pediram que ficassem isentos de maiores

maus tratos, mas tão somente rogaram força e coragem para prosseguirem impávidos, como

bons soldados de Cristo, para cumprirem seu ministério, qualquer que fosse o custo que

tivessem de pagar (4:29).

O próprio Paulo, em sua última viagem a Jerusalém, quando lhe foram dadas claras

indicações de que o esperavam "cadeias e tribulações" naquela cidade, respondeu: "...em nada

considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o

ministério que recebi do Senhor Jesus..." (20:24). E, escrevendo posteriormente à igreja de

Page 52: A Bíblia e as Missões

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Filipenses, disse ele: "Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não

somente de crerdes nele" (Filipenses 1:29).

As missões cristãs, desde os tempos de Paulo tem apresentado um contínuo registro de

sofrimento e sacrifício. As ruínas do milenar Coliseu, em Roma, ainda dá testemunho

silencioso sobre aqueles primitivos mártires, os quais foram lançados à fúria das feras, como

também o fazem as catacumbas, as quais falam das centenas de milhares de crentes fiéis que

buscaram refúgio nas mesmas, na tentativa de escaparem de seus cruéis perseguidores, e que

posteriormente morreram e ali foram sepultados. Se o espaço nos permitisse tanto, uma lista

quase interminável poderia ser dada acerca dos mais recentes arautos da cruz, através do

mundo, cuja obediência à Grande Comissão envolveu para eles tratamento cruel e sofrimento

de todas as modalidades, até o ponto de muitos terem finalmente selado o seu testemunho

com o próprio sangue.

Podemos relembrar o caso de Reimundo Lull, apedrejado até à morte por uma turma

de muçulmanos; de Adoniram Judson, que foi deixado por muito tempo em uma imunda

prisão em Burma; de Livingstone, que suportou dificuldade sem precedentes e a mais amarga

oposição da África; de Mackay, cruelmente perseguido, e de Hanniington, barbaramente

assassinado na Uganda. Lembramo-nos de João William e dos outros mártires de Erromanga,

de Tiago Chalmers, que foi espancado até morrer por um selvagem de Nova Guiné, do bispo

Patteson, que sofreu morte idêntica na Melanésia, e também de Allen Gardine e seus seis

bravos companheiros, que pereceram de fome numa praia desolada da Terra do Fogo. O

fático "Ano dos Boxers", da China, que envolveu o morticínio horrendo de 189 mártires

missionários protestantes, ainda é fato bem vivo na memória de todos. Todos esses são

apenas alguns poucos dentre um exército de nobres homens e mulheres que, na qualidade de

embaixadores de Cristo entre os pagãos, "...mesmo em face da morte, não amaram a própria

vida" (Apocalipse 12:11). Incontáveis outros, que não foram convocados a sofrer o martírio

no sentido literal, não tem sido soldados de Cristo menos valorosos, mantendo-se sempre

firmes e corajosos, através de longos e penosos anos, na extensa linha de batalha das missões,

enfrentando dificuldades, oposições, perigos e provações de toda sorte.

Que diremos em face de tudo isso? Alguns talvez considerem todas essas experiências

adversas apenas como infortúnios inteiramente inevitáveis, ligado à vida missionária, que

devem ser recebidos estóicamente; enquanto que outros chegam ao extremo oposto de repetir

a pergunta de alguém dos tempos antigos: "Qual o propósito deste desperdício?" Um exame

cuidadoso do registro bíblico, contudo, revela o fato que aquilo que chamaríamos de

empecilhos, em realidade foram possessões proveitosas.

Abrindo nossas Bíblias primeiramente no livro de Atos, quase no princípio

encontramos o apedrejamento de Estevão, o primeiro mártir cristão. Esse foi um golpe

desfechado por Satanás, que pretendia esmagar o movimento missionário do evangelho ainda

em sua fase inicial. Porém, bem contrariamente a isso, a chama do evangelho, longe de ser

extinta apenas se dividiu em muitas para rebentar por toda parte. Por isso é que lemos:

"Entrementes os que foram dispersos iam por toda a parte pregando a palavra" (8:4). Em

resultado dessa propagação, creu grande multidão dentre os habitantes da própria Jerusalém, e

a obra de evangelização se disseminou por muitos lugares distantes. Não teria sido bem

possível, de fato, que o martírio de Estevão serviu de primeiro degrau na conversão do futuro

grande apóstolo Paulo? Isso é sugerido pela tocante referência de Paulo, em Atos 22:20,

aquele acontecimento e sua vinculação pessoal ao mesmo. Ficamos a perguntar se Timóteo,

Page 53: A Bíblia e as Missões

53

o mais brilhante convertido e mais leal companheiro de luta, não teria sido fruto do

apedrejamento que o apóstolo sofreu em Listra, a cidade natal de Timóteo. De qualquer

maneira, sabemos que a conversão do carcereiro de Filipenses e de seus familiares resultou

diretamente do castigo de açoites e aprisionamento a que foram sujeitados Paulo e Silas, o

que nos é narrado no capítulo décimo-sexto de Atos. E, quanto mais tarde, o idoso guerreiro

cristão se aproximava de sua morte de mártir, escreveu ele em outra prisão, à congregação

cristã daquela própria cidade de Filipos, que tivera origem com seus sofrimentos, testificando

que "...as coisas que me aconteceram tem antes contribuído para o progresso do evangelho; de

maneira que as minhas cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda a guarda

pretoriana e de todos os demais" (Filipenses 1:12,13 ). O método que Deus usou para que o

evangelho fosse anunciado ao orgulhoso e ímpio imperador de Roma, e a toda a sua corte, foi

utilizar-se dos sofrimentos do Seu missionário, que culminaram com seu martírio.

Citando apenas mais uma outra instância, no livro de Atos, que nos mostra o fruto do

sofrimento, voltando-nos para o décimo-segundo capítulo, que narra o encarceramento de

Pedro e como escapou por um triz, através da oração confiante que solicitava do Senhor o

prosseguimento da obra de evangelização. Ali lemos que Herodes, o perseguidor da Igreja,

"...comido de vermes, expirou", ao mesmo tempo que "...a palavra do Senhor crescia e se

multiplicava". Aqui, uma vez mais, vemos os sofrimentos missionários não meramente

neutralizados por Deus, mas transformados em benção positiva e vantagem para a causa do

Senhor.

Ilustração sobre o papel do sofrimento, no avanço missionário, cobrem milhares de

páginas de toda a história cristã subseqüente, até os tempos presentes. Apenas algumas

poucas podem ser aqui citadas, relacionadas respectivamente aos mares do sul, à África e à

China.

Foi no ano de 1839 que João William, apodado de "Apóstolo dos Mares do Sul", após

uma maravilhosa carreira de evangelização em outras ilhas, desembarcou nas praias da ilha de

Erromanga, ocupada por canibais, somente para ser espancado pelo cacete de um selvagem

brutal. Porém, apenas anos mais tarde, um dos filhos do assassinado foi visto lançando a

pedra fundamental de um templo em memória do mártir, naquela mesma ilha... que outro de

seus filhos pregava o evangelho por causa do qual.... A história das missões evangélicas em

Uganda está repleta de negras tragédias que terminaram por culminar em um glorioso triunfo.

Os primeiros missionários defrontaram-se com feroz oposição, e vários deles, juntamente

com muitos dos seus convertidos, foram brutalmente mortos. Alexandre Mackay, o mais bem

conhecido desses pioneiros, morreu em 1890, perante o adversário, tendo-lhe sido permitido

ver pouco fruto de seus esforços heróicos. Porém, apenas vinte e nove anos depois, duas mil

congregações e uma comunidade evangélica de mais de cem mil pessoas, davam testemunho

à frutificação desses labores que importaram em tanto sacrifício. Em 1919, foi erigida a

catedral de Kampala, o maior templo da África inteira, e quando de sua dedicação ficou

repleto, e mais vinte mil pessoas ficaram do lado de fora, incapazes de acesso ao mesmo. E

dessa forma a Uganda, que antes era chamada de trecho mais negro da África, foi

transformado no seu ponto mais brilhante.

Voltando-nos em seguida para a China, observamos a seqüência depois daquele

morticínio em massa de missionários, assassinados pelos Boxers, em 1900, a que já fizemos

alusão. Quando apenas sete anos mais tarde, foi efetuada em Xangai a Conferência

Centenária das Missões Protestantes da China, descobriu-se que para cada missionário

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martirizado em 1900, mil convertidos haviam sido recebidos nas igrejas evangélicas, e os

resultados visíveis, em termos de convertidos batizados, nos sete anos que se seguiram ao

levante do Boxers, em realidade duplicaram em confronto com as cifras dos noventa e três

anos procedentes daquele mesmo século.

Talvez nenhuma ocorrência missionária, em anos recentes, tenha provocado

sentimentos tão generalizados como o assassínio de João e Isabel Stam, da Missão da China

Interior. Foram capturados e decapitados pelos sanguinários revoltosos comunistas, em 1934.

Amáveis e plenos de promessas como eram suas vidas jovens, sua morte de mártir contribuiu

mais para Cristo e Sua causa, na China, do que qualquer serviço prolongado sobre a terra

poderia ter feito. O que o mundo chamou de tragédia, mas que o biógrafo do casal

acertadamente denominou de triunfo, perceptivelmente avivou o pulso do interesse

missionário, na América do Norte e em outros países, e levou vintenas, se não mesmo

centenas de jovens crentes a se dedicarem ao serviço missionário.

O constantemente repetido refrão de que o sangue dos mártires é a semente da Igreja

tem provado, por milhares de vezes, ser não meramente um chavão, mas, bem ao contrário,

uma verdade viva e pulsante. Por muitas e muitas vezes Deus achou por bem obter grandes

vitórias, nos campos missionários, através da adversidade da oposição amarga e até mesmo

do martírio cruel, e que nos pareceria ser impossível de conseguir por intermédio de meios

que convencionamos chamar de processos normais da obra missionária. Cabe aos seus

servos, portanto, deixar em Suas mãos a escolha, preocupando se eles tão somente em serem

"bons soldados de Cristo Jesus", sempre prontos a glorificá-Lo, quer através da vida ou da

morte, sem importar o que o amor e a sabedoria inerrantes de Deus venham a prescrever para

nós.

Sua Paixão Missionária

Já tivemos ocasião de afirmar, neste capítulo, que os esforços missionários de Paulo

não dependiam de qualquer base sentimental, fraca e hesitante como seria fatalmente, mais

antes, sobre o terreno sólido de uma convicção consciente; e que ele via as missões

evangélicas não como mera filantropia ocasional, mas antes, como uma obrigação

inarredável, que tinha de ser cumprida. Porém, estaria longe da verdade interpretar isso como

uma atitude inflexível e legal da sua parte, despida de quaisquer sentimentos. O apelo das

missões falava não só à sua consciência, mas igualmente ao seu coração. Uma vez convicto

que era devedor a todos os homens, e que lhe competia anunciar-lhes o evangelho, ele

correspondeu de todo o coração, conforme expressa no que escreveu: "...por isso, quanto está

em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma" (Romanos

1:15). Dessa maneira, a convicção missionária amadureceu e se transformou em paixão

missionária, que tomou conta da sua alma e que se extravasava em esforço que raiava pelo

sacrifício.

Escutai as apaixonadas palavras de sua epístola aos Romanos: "Irmãos, a boa vontade

de meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles é para que sejam salvos" (Romanos

10:1); "Digo a verdade em Cristo, não minto... que tenho grande tristeza e incessante dor no

coração; porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus

irmãos, meus compatriotas, segundo a carne" (Romanos 9:1-3). Ou novamente, as suas

palavras aos crentes de Corinto: "Pois o amor de Cristo nos constrange" (II Coríntios 5:14).

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"Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol das vossas almas" (II

Coríntios 12:15).

Conforme exprimem em seus escritos expressões como essas, e muitas outras, o

serviço missionário do grande apóstolo aos gentios era motivado pelo espírito de fervoroso

amor e lealdade a Cristo, seu Senhor e Salvador, bem como de profunda compaixão pelas

almas, por quem Cristo morreu a fim de redimir. Nisso como muitas outras coisas, Paulo

fornece um exemplo que bem que poderia ser seguido por todos os missionários da

atualidade. Sempre há o perigo de nos tornarmos profissionais e quase mecânicos em nosso

serviço cristão, quer nos campos missionários, quer em nossas próprias pátrias, bem como de

pensarmos e agirmos em termo de algum programa ou empreendimento particular, com o

qual estejamos familiarizados, tornando-nos algo parecido como meros dentes úteis das rodas

de uma máquina. Quão necessária é a renovação constante, no coração do crente, do amor

compassivo em favor das almas, e do zelo ardente para as conquistarmos para o Salvador!

Sem isso, nosso ministério certamente fracassará, não obtendo sua mais verdadeira e elevada

finalidade.

A citação que damos a seguir é impressionante por tocar sobre esse fato tão vital. Foi

tirada de uma mensagem entregue perante uma classe de estudantes que treinavam para a

carreira ministerial: "A dificuldade que há no cristianismo atual não é tanto a ignorância

como a indiferença. Perdeu a sua paixão. Encontrareis um elevado tipo de erudição ao vosso

derredor. Os pregadores de hoje em dia ganham em elegância e refinamento em contraste com

os de qualquer outra época, porém, é mister mais do que cultura e eloqüência. Através de

todas as eras, foram as almas apaixonadas que despertaram favoravelmente os homens:

homens de paixão forte, como a de Moisés quando clamou a Deus para que perdoasse o povo

do seu pecado,"ou, se não, risca-me, peço-te, do livro que escreveste"; como a paixão que

havia no coração de Paulo, à meia noite, na prisão interior; como a paixão, nos primeiros anos

do cristianismo, que alimentava as fogueiras da perseguição, jamais considerando a própria

vida como algo de precioso a si mesmo. A paixão prevalece quando o intelecto falha sem a

mesma... Que vossas palavras sejam incandescentes de calor, saídas de um coração em fogo,

abrasadas de amorosa devoção. Que possais ser "Arautos da Paixão!"

"Arautos da Paixão" - que título notável! No entanto, cabe perfeitamente bem ao

apóstolo Paulo, conforme fica abundantemente revelado no livro de Atos e nas epístolas

paulinas. Ora, existem outros, dotados de atitude idêntica, cujos nomes nos sobem à memória.

Ouvimos o conde de Zinzedor a exclamar: "Tenho uma única paixão - Ele, e somente Ele".

Escutamos o clamor de Henrique Martyn, ao saltar pela primeira vez na Índia: "Agora, que eu

requeime em favor de Deus". Sentimos algo da paixão da alma de Livingstone pela África

negra, e suas palavras: "Abrirei um caminho para o interior, ou perecerei"; ou demos ouvido à

expressão similar de Hudson Taylor, pela terra de Sinim, quando escreve: "Sinto como se

fosse impossível a vida, se algo não for realizado na China". E apanhamos algo de férvido

espírito de Davi Brainerd na anotação que fez em seu diário: "Queria gastar a minha vida em

Seu serviço, visando a Sua glória... não me importava sobre onde ou sobre como eu vivia, ou

acerca de quais dificuldades teria de enfrentar, contanto que pudesse ganhar almas para

Cristo".

Este escritor lembra-se vividamente de um grande pregador evangélico de alguns anos

passados, que dava ênfase repetidas a duas palavras, "Visão" e "Paixão", como vocábulos que

expressam dois grandes elementos essenciais ao ministro evangélico. Quão claramente ambas

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essas qualidades são exemplificadas na vida do nobre apóstolo, cuja vida é abordada neste

capítulo! Bem faríamos em ponderar, por conseguinte, acerca de todas as demais

características de seu caráter e carreira missionária, que foram passadas em revista, para que

então dêssemos ouvidos à sua inspirada admoestação, que diz: "Sede meus imitadores, como

também eu sou de Cristo" (I Coríntios 11:1).

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Capitulo VI

A VOLTA DE CRISTO E AS MISSÕES

A verdadeira perspectiva e alvo do esforço missionário

Se tivermos de ter esperança de sucesso, quanto a qualquer empreendimento que

encetemos, desde o começo precisamos de idéias claras sobre a finalidade almejada. Até

mesmo nas coisas ordinárias da vida isso é obviamente verdadeiro. Qual de nós embarcaria

em um trem simplesmente com noção de "ir para algum lugar qualquer?" Não, mas teríamos

alguma localidade definida em mente, bem como uma passagem comprada para esse destino

escolhido. Nem qualquer construtor inteligente poria seus operários a usar o material

acumulado sem primeiramente traçar planos específicos para a estrutura que tem em mente,

sem que primeiro traçasse planos cuidadosamente desenhados. Em outras palavras, o

pensamento correto sempre deve anteceder a ação correta.

Se isso é tão importante, nas atividades menos importantes da vida diária, quão mais

importante não será no que se relaciona ao divino cometimento de proporções gigantescas

que é as missões evangélicas mundiais?! Deus jamais se mostrou vago ou entregue ao acaso,

em Seus planejamentos e realizações; mas sempre é previdente e exato. "...diz o Senhor que

faz estas cousas conhecidas desde séculos" (Atos 15:18). A expressão, "...pelo qual também

fez o universo...", em Hebreus 1:2, e que se refere ao Filho de Deus, mais literalmente

traduzida poderia ser "...pelo qual também construiu as eras...", sugerindo que o Cristo

preexistente foi o grande Arquiteto, não apenas do universo material, mas igualmente das eras

ou dispensações do tempo, encaixando-as na seqüência apropriada para o desdobramento e

realização de Seu único plano e propósito predeterminados, majestosos e eternos.

Para clara compreensão do plano e programa missionário de Deus, naturalmente nos

voltamos primeiramente para a Grande Comissão de Cristo, que constitui a carta direta e

autoritativa de instruções divinas para a Igreja, e em seguida examinamos o livro de Atos

como registro inspirado da inauguração do movimento de evangelização e seu progresso,

durante os seus primeiros trinta anos de existência.

Conforme já tivemos ocasião de mencionar, em capítulo anterior, são repetidas cinco

declarações da Grande Comissão, uma em cada um dos quatro evangelhos, e a quinta no livro

de Atos. Outrossim, deve-se observar que todos os quatros escritores dos evangelhos

vinculam a vinda do Senhor à Grande Comissão, quer direta ou indiretamente. A versão de

Mateus acerca da Grande Comissão inclui a promessa da presença de Cristo com Seus

missionários "até a consumação dos séculos" (28:20). Lucas liga esses dois elementos com

um laço apertado, no primeiro capítulo do livro de Atos. Marcos cita as palavras de Jesus:

"Mas é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações". Tais palavras

fazem parte do discurso proferido no monte das Oliveiras, a respeito de Sua vinda. João, o

único dos escritores sagrados a omitir o discurso do monte das Oliveiras (possivelmente em

vista de fato que haveria de escrever o livro de Apocalipse), refere-se, no entanto, à volta do

Senhor, ao registrar o que disse Jesus a Pedro, acerca de João: "Se eu quero que ele

permaneça até que eu venha, que te importa?"

Voltando-nos, agora, para o livro de Atos, descobrimos que nenhuma declaração

acerca da tarefa atribuída por Cristo à Sua Igreja poderia ser mais claramente direta do que

aquela que há no primeiro capítulo e versículo oitavo: "...mas recebereis poder, ao descer

Page 58: A Bíblia e as Missões

58

sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a

Judéia e Samaria, e até aos confins da terra". Essas foram as últimas palavras registradas que

Cristo proferiu sobre a face da terra, pois lemos que "Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às

alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos". E então, notasse que

imediatamente vêm aquelas palavras: "E, estando eles com os olhos fitos no céu, enquanto

Jesus subia, eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles, e lhes

perguntaram: "Varões galileus, porque estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre

vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o vistes subir" (versículos 9-11).

Aqui vemos íntima e vitalmente unido entre si duas questões significativas: primeira,

a ordem de marcha, dada pelo Senhor ressurreto, à Igreja, para que esta anunciasse o

evangelho ao mundo inteiro; e segunda, o anúncio, feito pelos celestiais mensageiros, de que

Ele retornaria, pessoalmente e de modo visível, tal e qual o tinham visto ir-se embora. Que

essas duas questões - a missão de âmbito mundial da Igreja e a "bendita esperança" do retorno

do Senhor - estão assim intimamente relacionadas uma com a outra, certamente é

complemento óbvio.

O Senhor, ao partir, deixou-nos um programa perfeitamente delineado, uma tarefa

apaixonadora, para que Sua Igreja levasse a efeito durante Sua ausência, e a promessa de Sua

volta foi então adicionada, e disso tudo, a inferência natural é que Ele voltaria quando tal

programa estivesse terminado, quando essa tarefa houvesse sido completada. Outrossim, essa

inferência é confirmada, e a lição recebida nessa passagem se torna ainda mais

impressionante, quando observamos o incidente registrado nos primeiros capítulos desse

versículo, e que levaram à afirmativa da Grande Comissão, por Cristo, no oitavo versículo. O

Senhor ressurreto iniciou com Seus apóstolos tal instrução, quando estes, por assim dizer,

estavam ocupados em uma discussão dispensacional. Perguntaram-lhe: "Senhor, será este o

tempo em que restaures o reino a Israel?" - uma pergunta muito natural para eles fazerem,

como judeus. Mas Sua réplica foi: "Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai

reservou para a sua exclusiva autoridade. Mas ..."Mas, o que? "Mas... sereis minhas

testemunhas até aos confins da terra".

Poderia alguém deixar de ver esse ponto? O Senhor desconsiderou a discussão dos

apóstolos acerca de "tempos ou épocas", como algo irrelevante por enquanto, e frisou

fortemente aquilo que realmente tinha importância vital a saber, que se consagrassem sem

reservas à grande atividade e objetivo primário da Igreja da era presente, ou seja, a

evangelização do mundo inteiro. Não é essa uma palavra bem proveitosa para o povo de Deus

da atualidade, para certos de seus líderes em particular, ordenando-lhes que dêem menos

atenção a "tempos ou épocas", ou noutras palavras, a profundas mas discussões e

controvérsias principalmente acadêmicas, sobre particularidades minuciosas de interpretação

profética, sobre as quais sempre haverá diferenças de opinião, a fim de que devotem mais

tempo e talentos ao aspecto prático do assunto, que consiste em levar até seu término o último

desejo e a última ordem expressos pelo Senhor?

Dois erros poderiam ter sido cometidos pelos discípulos que ouviam a Grande

Comissão dos lábios de Jesus, conforme foi citada acima: (1) tornarem a tarefa pequena

demais, limitando sua atenção exclusivamente a Jerusalém, ou, quando muito, à Judéia e

Samaria, e assim deixando de cumprir a totalidade de suas ordens, que estipulam, "até aos

confins da terra"; ou (2) tornarem a tarefa grande demais, interpretando equivocadamente a

Grande Comissão como se esta só pudesse ser cumprida mediante a conversão do mundo

Page 59: A Bíblia e as Missões

59

inteiro. De fato, esses dois erros tem prevalecido muito tristemente nas hostes da Igreja, no

decurso dos séculos, o que explica em muito por qual razão não tem sido levada até o seu

término a tarefa real de evangelização e da qual Cristo nos incumbiu.

O primeiro desses erros, que é o de limitar o esforço evangélico a qualquer país ou

região, que constitui apenas uma pequena seção do globo, deve ser considerado como erro das

afeições, e não tanto da inteligência. É aquele egocentrismo, aquele preconceito racial, aquela

fria insensibilidade para com o bem espiritual dos indivíduos que não pertencem à nossa raça

ou povo, ou vizinhança, ou nação, que se refugia por detrás de desculpas tão inadequadas

como "há trabalho suficiente a ser feito aqui mesmo", "os outros tem sua própria religião", e

outras semelhantes.

Podemos observar de passagem que tais argumentos são usualmente apresentados por

pessoas que habitualmente pouco ou nada fazem para disseminar o evangelho, até mesmo em

suas próprias terras, onde vivem. Entretanto, não cai dentro do escopo do presente capítulo

ficarmos a considerar sobre esse erro, pelo que é para o segundo desses dois erros extremos

que voltamos agora a nossa atenção.

Aqueles que reputam que o trabalho que Deus em Cristo comissionou à Igreja é o de

converterem o mundo inteiro através do empreendimento da evangelização - e a verdade é

que existem e continuarão a existir muitos crentes sinceros que defendem essa opinião - não

podem encontrar fundamento para tal crença nas palavras da Grande Comissão, segundo é

expressa em Atos 1:8, onde a ordem simplesmente diz "sereis minhas testemunhas". E nem as

outras quatro declarações da Grande Comissão expressam ou subtendem tal ponto de vista.

Em Mateus, a ordem lê: "...fazei discípulos de todas as nações" (28:19). Em Marcos, lemos:

"pregai o evangelho a toda a criatura..." (16:15), enquanto que as palavras que se seguem,

"Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado", claramente

excluem a idéia que todos aceitarão a mensagem do evangelho e serão salvos. No evangelho

de Lucas, tal declaração aparece nesta forma: "...que em seu nome se pregasse

arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém"

(24:47). Finalmente, João cita Jesus a dizer: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos

enviou" (20:21), palavras essas que declaram identidade entre a missão de Jesus e a de Seus

discípulos, identidade essa que se aplica tanto à mensagem proclamada como ao seu

recebimento. Assim como alguns receberam a mensagem dos lábios de Cristo, enquanto que

outros a rejeitaram, igualmente sucederia no caso dos discípulos.

A leitura cuidadosa dessas quatro diferentes edições da Grande Comissão deveria

deixar claro a qualquer um que a linguagem das mesmas não dá apoio ao ponto de vista que a

tarefa entregue à Igreja visava a conversão de todos os homens. E nem qualquer outra

passagem das Escrituras pode ser citada que, uma vez corretamente interpretada, sustente tal

opinião. O que Cristo realmente impôs foi a proclamação do evangelho ao mundo inteiro, a

fim de que homens de todas as regiões do globo tivessem a oportunidade de ouvi-la e aceitá-

la, e assim fossem salvos. A palavra "testemunhas", empregada em Atos 1:8, bem como em

muitos outros trechos do Novo Testamento, realmente nos fornece a verdadeira chave do

programa missionário do evangelho para esta dispensação. A Igreja foi incumbida não da

tarefa de ganhar o mundo inteiro, mas da de testemunhar ao mundo inteiro; não da

responsabilidade de conduzir todos os homens a Cristo, mas da de anunciar Cristo a todos os

homens. Em outras palavras, o alvo estabelecido para o esforço missionário da Igreja não foi

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a conversão de todos os pecadores, e sim a pregação do evangelho ao mundo todo. Entre esse

dois objetivos, como é evidente, há uma vasta diferença.

Certa passagem do livro de Atos, talvez mais do que qualquer outra, exibe mais

explicitamente o programa missionário do Novo Testamento - o décimo-quinto capítulo, que

nos dá o relato da primeira conferência missionária da Igreja, em Jerusalém. O motivo

daquela reunião foi a disputa que teve lugar devido ao recebimento dos gentios no seio da

Igreja, sem que tivessem de passar pelo rito judaico da circuncisão. Em defesa dessa ação,

Pedro recitou a emocionante história de como Deus o conduziu à casa de Cornélio e seus

familiares, em Cesaréia, e após o Seu selo de aprovação à aceitação dos gentios, mediante o

batismo a efusão do Espírito, concedidos aos mesmos. Falaram em seguida Barnabé e Paulo,

"que contavam quantos sinais e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios", em

sua recente viagem missionária pela Ásia Menor.

Em vista do exposto, o presidente da conferência, que foi Tiago, manifestou-se como

segue: "Expôs Simão (Pedro) como Deus primeiro visitou os gentios, a fim de constituir

dentre eles um povo para seu nome. Conferem com isto as palavras dos profetas, como está

escrito: Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e,

levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei, para que os demais homens busquem o Senhor, e

todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor que faz estas

coisas conhecidas desde os séculos".

Essa passagem é acima citada em toda a sua extensão por causa de seu vínculo direto

e importante sobre a questão da participação da Igreja no grande programa da conquista do

mundo mediante o evangelho. De conformidade com a declaração de Tiago, esse programa,

no que se relaciona aos gentios, consiste de dois estágios: (1) o estágio eletivo, após a rejeição

de Cristo, quando de Sua primeira vinda, por parte de Israel; e (2) o estágio universal, após a

futura restauração de Israel, que seguir-se-á à segunda vinda de Cristo.

O primeiro estágio, ou fase eletiva, começou com a visita de Pedro a Cornélio e a

aceitação daquele primeiro grupo de gentios na Igreja. Essa foi a ocasião quando "Deus

primeiro visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome", para o

que se utilizou de Pedro como instrumento, e dessa maneira foi aberta a porta da fé aos

gentios, pela vez primeira. Esse estágio eletivo, da visitação gentílica e salvação entre eles,

tem ainda prosseguimento, e assim será até que o Senhor retorne. É no decurso desse período

que a Igreja desempenha seu papel no programa divino das missões. Deus continua, através

de Seus mensageiros missionários, a efetuar Sua visita de âmbito mundial entre as nações,

não com o propósito de converter nacionalidades inteiras nem com a finalidade de inaugurar

agora o milênio de paz e retidão sobre a terra, através da transformação da ordem política e

social no reino de Deus sobre a terra, como muitos se inclinam a crer, mas antes, com o

propósito de "tirar" indivíduos dentre as nações gentílicas, "a fim de constituir dentre eles um

povo para seu nome", povo esse que comporá a Igreja ou Noiva de Cristo, preparada para Sua

volta.

Este novo capítulo, no programa divino, constitui certa interrupção, chamemo-lo

assim, nas relações nacionais de Deus com o povo de Israel, uma espécie de parêntesis na

história judaica, durante o período da história da Igreja - ou seja, o intervalo que medeia entre

a ascensão de Cristo e o Seu segundo advento. Introdução desse período parentético trouxe

perplexidade e dúvidas nas mentes dos líderes da Igreja primitiva, todos os quais eram judeus

então. Naturalmente que reconheciam que tanto os gentios quanto os judeus estavam

Page 61: A Bíblia e as Missões

61

incluídos na provisão e oferecimento de salvação, preparados por Deus. Essa verdade é

claramente firmada nas Escrituras do Antigo Testamento, fôra confirmada pelo Senhor Jesus,

e o próprio Pedro a declarou, em seu grande sermão do dia de Pentecoste. De fato, além

disso, os gentios já haviam sido acolhidos entre os crentes judeus. Tais convertidos gentios,

todavia, até aquele ponto haviam sido recebidos meramente como prosélitos da fé judaica, e

por causa disso haviam sido sujeitados ao rito judaico da circuncisão. Porém, o que era novo

e estranho, para os líderes judeus do cristianismo, era a idéia de pregar-se o evangelho

diretamente aos gentios, recebendo-os na Igreja em pé de igualdade com os crentes judeus, e

isso independentemente de qualquer conformidade aos ritos e cerimônias do judaísmo.

Um profundo e extenso abismo até ali vinha separando os judeus dos pagãos

gentílicos, e o contato social e religioso com os gentios até então era estritamente proibido

para todos os judeus, sendo-lhes isso rigidamente proibido. A verdade relativa à Igreja,

porém, posteriormente revelada por intermédio do apóstolo Paulo, de que o muro que

separava os crentes judeus dos gentios fôra derrubado, de tal modo que "os gentios são co-

herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por

meio do evangelho" (Efésios 2:14; 3:6), até aquele momento ainda não havia sido

compreendida por Pedro e os demais apóstolos. Por esse motivo é que o Senhor tivera de

prepararar a Pedro para sua visita a Cornélio, derrubando os preconceitos judaicos

firmemente arraigados nele, que doutra maneira teriam tornado repulsivo qualquer contato

social mais íntimo com aquele gentio e sua família, considerados cerimonialmente impuros -

tais preconceitos julgariam esse contato algo totalmente inconcebível. Foi com esse propósito

em mente que Ele deu ao Seu apóstolo judeu aquela visão, no pátio superior da casa, em Jope.

Apesar de que alguns possam reputar o "transe" no qual Pedro caiu, como nada além

de um sonho grotesco, em realidade há evidências de haver sido uma visão simbólica cujo

desígno foi o de ministrar a Pedro um novo entendimento do novo rumo tomado dentro do

programa redentor de Deus para a dispensação ou era da Sua Igreja.

Aquele "objeto" que descia do céu à terra, e que se parecia com "um grande lençol",

repleto de todas as espécies de animais e répteis imundos, e que foi em seguida recolhido

novamente ao céu, serviu de quadro bem vivido sobre a Igreja Cristã. porquanto, não nos

olvidemos disso, a Igreja não era nascida da terra, e, sim, o Corpo Místico de Cristo,

composto tanto de judeus como de gentios, contanto que crentes "nascidos do alto", e unidos

ao Cabeça da Igreja por meio do Espírito de Deus. Não houve Igreja enquanto Cristo não

desceu à terra na pessoa do Espírito Santo, para ser o centro em torno do qual a Igreja se

formaria. Dentro dessa Igreja seriam encerrados dos homens e mulheres purificados que até

então haviam sido impuros, espiritual e moralmente falando (ver, por exemplo, I Coríntios

6:9-11), incluindo aqueles que eram reputados imundos, por serem indivíduos "separados da

comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa". Esse processo de recolhimento e

de inclusão de tais almas, por intermédio de uma proclamação do evangelho de alcance

mundial, terá continuação até que o número dos eleitos fique completo, quanto do

aparecimento do Senhor na glória (I Tessalonicenses 4:17), em vista do qual fato o grupo dos

salvos será arrebatado para o céu, do mesmo modo que o "grande lençol" foi novamente

recolhido ao céu, conforme a visão de Pedro.

Essa brecha, na história nacional judaica, dessa forma, está longe de ser um vácuo em

branco; pelo contrário, é prenhe de significação para o mundo gentílico. Não obstante, longe

de significar a rejeição de Israel, dentro dos propósitos de Deus, as Escrituras deixam

Page 62: A Bíblia e as Missões

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perfeitamente claro que, ao completar-se a Igreja ou Corpo de Cristo, bem como o retorno do

Senhor, haverá o reinício do trato gracioso de Deus com Seu povo terreno da antigüidade, aos

quais pertence "a adoção, e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas"

(Romanos 9:4).

Para confirmação dessa ordem, dentro das relações remidoras de Deus para com o

povo de Israel e para com os gentios, temos apenas que examinar a epístola de Paulo aos

Romanos, onde, nos capítulo nono a décimo-primeiro, esse apóstolo estabelece, de forma mui

impressionante, os sucessivos estágios da história espiritual de Israel, e mostra claramente o

efeito de tudo isso sobre o bem estar espiritual do resto da humanidade. Seu raciocínio, em

suma, é como segue. Deus outorgou à nação judaica a promessa do Messias. Essa promessa

foi cumprida e o Messias realmente veio mas Israel, como nação, O rejeitou. Isso não

significou que Deus havia falhado, e nem mesmo que a posição peculiar de Israel, perante

Ele, tivesse deixado de existir. De fato, houve uma parte selecionada, dentro dessa nação, que

aceitou a Cristo, e nessa parte as promessas de Deus tiveram seu cumprimento. Contudo, a

oferta de salvação, da parte de Deus, se ampliou até abarcar a todos os homens, e se os judeus

a rejeitaram, e por esse motivo momentaneamente, foram achados fora do favor de Deus,

enquanto que os gentios a aceitaram e vieram a participar das bênçãos do evangelho, então o

resultado infeliz para os judeus se deveu à sua própria culpa, e não podia ser lançado na conta

de Deus. Acresce, ainda, que os próprios profetas dos judeus, como Oséias e Isaías, haviam

previsto e predito exatamente essa situação (ler, particularmente, Romanos 9:22-33 e 10:12-

21).

Mas é justamente nessa altura que apóstolo o Paulo levanta a questão: "Terá Deus,

porventura, rejeitado o seu povo?" Tal rejeição de Israel, por parte de Deus, deve ser

entendido como algo completo e terminante? Deus teria rejeitado a Israel, como nação, para

sempre? De imediato o apóstolo dissipa qualquer conclusão dessa espécie com um enfático

"De modo nenhum" e passa a mostrar que a rejeição de Israel, mesmo no presente, é apenas

parcial, e que essa rejeição parcial é apenas temporária. Ele aponta para si mesmo, um

israelita salvo, como evidência da existência de um grupo selecionado presente, dentro da

nação. Passa então afirmar uma restauração futura de Israel ao favor divino, deixando ainda

perfeitamente óbvio que Deus tinha um magnificente propósito ao permitir essa rejeição

temporária da nação Israel. Mediante a queda de Israel, grandes riquezas espirituais foram

estendidas ao mundo gentílico; ora, se assim é, então a futura restauração de Israel significará

ainda maiores riquezas.

Citando a precisa declaração do apóstolo, ela diz como segue: "Porque não quero,

irmãos, que ignoreis este mistério... que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja

entrado a plenitude dos gentios" (11:25). "Pergunto, pois: Porventura tropeçaram para que

caíssem? De modo nenhum; mas pela sua transgressão veio a salvação aos gentios, para pô-

los em ciúmes. Ora, se a transgressão deles redundou em riqueza para o mundo, se o seu

abatimento em riqueza para os gentios, quanto mais a sua plenitude!"...Porque, se fato de

terem sido eles rejeitados trouxe reconciliação ao mundo, que será o seu restabelecimento,

senão vida dentre os mortos?" (Romanos 11:11,12,15).

Voltando para o décimo-quinto capítulo do livro de Atos, reiniciamos a consideração

acerca do discurso com que Tiago, oficial presidente do primeiro concílio cristão, encerrou a

discussão sobre a complicada questão do recebimento dos gentios no seio da Igreja. Já

pudemos chamar atenção para os dois estágios das remidoras de Deus para com o mundo

Page 63: A Bíblia e as Missões

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gentílico, conforme são claramente indicados nas observações de Tiago, e já abordamos o

primeiro desses, o estágio eletivo, iniciado pela visita de Pedro a Cornélio, e que se estenderá

por todo o período da existência da Igreja, até à volta de Cristo. Porém, resta ser notado o

segundo estágio, denominado de estágio universal, porquanto Tiago, após haver asseverado

que "Deus primeiro visitou os gentios, a fim de construir dentre eles um povo para o seu

nome", continuou dizendo: "Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito:

"Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-o

de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e todos os

gentios sobre os quais tem sido invocado e meu nome, diz o Senhor que faz estas coisas

conhecidas desde séculos" (versículos 15 e 16).

A despeito de Tiago haver falado em "profetas", em confirmação às suas palavras, em

realidade citou apenas um deles, a saber, Amós (9:11,12). Afirmava ele que, no fim da

presente fase eletiva da redenção do mundo gentílico, quando, mediante a pregação mundial

do evangelho, a Igreja, composta de todos, quer judeus ou gentios que se voltarem para Cristo

durante esse período, estiver completa, então o Senhor voltará, exatamente conforme

prometeu. Sua vinda será primeiro para arrebatar a Igreja, que é Seu Corpo ou Noiva - um

acontecimento comumente conhecido como arrebatamento da Igreja (I Tessalonicenses

4:16,17), em seguida, por sua vez, para cumprir para Seu povo terreno de Israel, as promessas

que lhe foram feitas nos termos do pacto davídico, que consiste em "reedificar o tabernáculo

caído de Davi", restaurando-os, como nação, à sua própria "terra prometida" e ali

estabelecendo Seu trono e Seu reino milenar sobre eles (Lucas 1:32,33).

Ora, deve-se reconhecer que nem todos os comentadores bíblicos concordam se as

palavras de Amós, citadas por Tiago, cabem dentro da seqüência de eventos aludidos pelo

mesmo Tiago, com referência às relações do Senhor com Israel. A interpretação dessa

passagem parece depender antes de tudo das palavras "cumpridas estas coisas", porquanto

essas palavras não aparecem na passagem citada no livro do profeta Amós, passagem essa

que diz: "Naquele dia levantarei o tabernáculo caído de Davi...". O argumento de Tiago,

entretanto, bem como o contexto inteiro desse trecho do livro de Atos, torna mais natural

interpretar as palavras de Amós (e igualmente as predições dos demais profetas) como apoio

da idéia que seria após o término e arrebatamento da Igreja, que o Senhor cumprirá Sua

promessa aqui mencionada, no tocante à nação de Israel. E não são poucos os comentadores

de nomeada que sustentam esse ponto de vista. Podemos citar aqui apenas um dentre eles, o

professor J.M.Stifler, em seu excelente volume intitulado The Acts the Apostles.

"Quando o discurso de Pedro é esclarecido, e seu sentido é

demonstrado, Tiago apresenta sua citação: "Cumpridas estas coisas,

voltarei", etc. Cumpridas quais coisas? Porquanto o original está no

plural. Após a visitação eletiva de Deus entre as nações, e a criação

da Igreja, por parte Dele. Não estavam em vista os dias posteriores a

Amós, mas sim, os dias posteriores à rejeição de Israel e a sua

desolação, bem como os dias de uma Igreja terminada em seu número.

Porquanto o profeta não usou as palavras "Cumpridas estas coisas".

Parecem pertencer inteiramente a Tiago. Fazem parte de sua

explicação da predição, no tocante ao fato que mostra a que período

elas devem ser aplicadas. Não chegara ainda o tempo para o

cumprimento dessa predição. Quando a Igreja houver atingido a

totalidade de seu número, então o Senhor retornará, depois de visitar

aos gentios, e soerguerá a casa caída de Davi, quando não apenas

Page 64: A Bíblia e as Missões

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uma parte escolhida meramente, mas todos "os demais homens",

busquem ao Senhor - uma benção que ainda jaz no futuro".

O presente escritor está plenamente de acordo com o ponto de vista assim expresso

por Sitfler, e que também é mantido por outros expositores eruditos. Mas, mesmo que as

palavras de Amós não devam ser desse modo interpretadas, isso de forma alguma contradiz o

programa aqui estabelecido, e que consiste de uma eleição atual dentre todas as nações, para

que seja formado um povo para Seu nome, e que olha para um período futuro, quando "todo o

Israel será salvo". A evidência em favor de tal programa de forma alguma se limita a essa

passagem no livro de Atos, existindo aqueles que apesar de não aceitarem o ponto de vista

aqui adiantado, apegam-se fortemente a esse plano de Deus, que é claramente desenvolvido

nos capítulos nono a décimo-primeiro da epístola aos Romanos, conforme já foi dito, bem

como em outras passagens bíblicas.

Não é nosso propósito seguir o tema desse capítulo além do ponto de arrebatamento

da Igreja, quando da segunda vinda de Cristo. No que toca à ordem de acontecimento, que

então terá lugar sobre a face da terra, há uma vasta divergência de opinião entre os mestres

em assuntos proféticos. Vintenas, se não mesmo centenas de livros, foram escritos sobre estas

questões, e inúmeras discussões e controvérsias são levadas a efeito quanto a várias fases e

detalhes do programa relativo a esse período. Apesar de que reconhecemos quão dignos são

os esforços para que se chegue à compreensão correta de tudo quanto diz respeito à

escatologia, e apesar de termos pessoalmente dedicado tempo e meditação a esse assunto, é de

nossa firme convicção que a questão de suprema importância consiste em discernir que a

tarefa dada por Cristo à Sua Igreja, para que a realize no decurso da presente dispensação, é a

evangelização do mundo inteiro. Isso é revelado de forma inequívoca pela inspirada Palavra

de Deus. E quanto ansiamos por que todos os crentes, que sustentam a preciosa verdade e

compartilham da bendita esperança do retorno do Senhor, ainda que difiram em sua

interpretação acerca de vários detalhes ou acerca da ordem exata dos acontecimentos,

pudessem unir-se em um esforço conjunto, de todo o seu coração, por todos os meios

possíveis, para que fosse cumprida a última ordem de nosso Salvador!

Não nos esqueçamos, nesta altura da discussão, que a Grande Comissão, segundo

expressa em Atos 1:8, é não somente uma ordem, mais também uma profecia, posto que diz:

"...e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra..." Dessa maneira, o evangelho

deverá e realmente será levado até os confins da terra, antes que o Senhor venha para

arrebatar a Sua Igreja. O que terá lugar depois disso, por mais importante que seja, não afetará

necessariamente o nosso dever de terminar a tarefa que nos compete realizar agora.

Poderíamos fazer menção ao ponto de vista sustentado por alguns de que a passagem

de Colossences 1:23 ensina que o evangelho foi pregado ao mundo inteiro, na primeira

geração da Igreja. Entretanto, somos obrigados a reputar essa interpretação da passagem

acima como um exagero forçado. Nossa versão - Edição Revista e Atualizada no Brasil - com

maior exatidão traduz como segue, esse versículo: "...evangelho que ouvistes, e que foi

pregado a toda criatura debaixo do céu..." Declaração similar é a que parece no sexto

versículo do mesmo capítulo: "...palavra da verdade do evangelho, que chegou até vós; como

também em todo o mundo está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós..." O

contexto deixa claro que Paulo não tencionava dizer nesse passo até que ponto o evangelho

tinha sido espalhado, mas simplesmente observava, no decurso de uma exortação aos crentes

de Colossos, que o evangelho que tinham ouvido era o mesmo evangelho que vinha sendo

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65

pregado por toda a parte - "...a toda criatura...". Esse é o sentido dado a essa passagem bíblica

pelos comentários comuns, em que a expressão dada por algumas versões, "em todo o

mundo", não deve ser tomada literalmente, mas antes, hiperbolicamente, tal como em outras

passagens bíblicas termos gerais como "o mundo" e "a cidade inteira" são utilizadas.

Outrossim, o mundo que os apóstolos conheciam, e que também foi percorrido pelos

apóstolos em suas prédicas, não pode ser inteligentemente reputado como toda a terra

habitada, o que, segundo cremos, o Espírito de Deus sempre teve em mente, como o escopo

da bendita proclamação do evangelho.

Mais ainda, se insistirmos em interpretar literalmente essa passagem da epístola aos

Colossenses, supondo que o evangelho foi efetivamente pregado ao mundo inteiro, naquela

primeira geração dos crentes primitivos, então levanta-se a pergunta: Nesse caso, porque não

chegou ao fim esta dispensação e o Senhor não veio? Na versão de Mateus sobre a Grande

Comissão, Cristo acrescenta a Sua promessa de estar com seus missionários "...todos os dias

até à consumação do século". Ele não retornou ao fim daquela primeira geração de crentes, e

nem mesmo voltou após mil e novecentos anos; e a razão evidente disso é que ainda havia

milhões de seres humanos então, como há bilhões hoje em dia, que jamais ouviram o

evangelho. A implicação mais clara é que "a consumação do século" e o retorno do Senhor

Jesus Cristo coincidirá com o término da tarefa atribuída à Igreja, de testemunhar do

evangelho "até aos confins da terra".

Ainda um outro ponto de vista, que milita infelizmente contra um esforço coletivo e

de todo coração, por parte da verdadeira Igreja de Cristo, para que leve ao seu término, em

nossos dias, a evangelização do mundo, é aquele apresentado por certos talentosos mestres

sobre questões escatológicas, que respeitamos por sua erudição, mais com quem temos de

discordar abertamente, acerca de uma particularidade importantíssima. A despeito de se

apegarem firmemente à vinda do Senhor antes do milênio, contudo, relegam a uma futura

comunidade judaica, subseqüente ao arrebatamento da Igreja, a tarefa de ser proclamado o

evangelho ao mundo inteiro; então, de conformidade com essa posição, tiram da Igreja de

hoje tal responsabilidade. Tais mestres desvinculam qualquer relação entre um testemunho

completado do evangelho, ao mundo inteiro, e o retorno do Senhor. Apesar de alguns dos que

assim ensinam terem atitude missionária, em face de seu amor ao Senhor, o resultado natural,

sobre aqueles que aceitam tal ensinamento e o aplicam com coerência, é que fica decepado o

nervo da preocupação e do esforço missionário. O que a Igreja deixar de fazer, nesta nossa

época, segundo pensam tais expositores, "o remanescente judaico", depois do arrebatamento

da Igreja, haverá de fazer!

Evitamos propositalmente exceder-nos em qualquer discussão a respeito dessa

questão, neste ponto. Embora muito pudesse ser dito, pois é nosso ansioso desejo evitar, tanto

quanto possível, toda controvérsia na defesa que fazemos em favor do empreendimento

missionário. Somente sentimos que devemos dizer este tanto, que acreditamos que a

prodigiosa realização que é atribuída por tais mestres a esse "remanescente judaico", repousa

quase totalmente em meras inferências, não estando estribada em qualquer declaração bíblica

clara e explícita, e que seguindo-se coerentemente essa linha de pensamento, a

responsabilidade que a Igreja foi imposta por Cristo é transferida para outros, e isso

erroneamente e com os mais infelizes resultados.

Ao assim dizermos, não queremos que nos entendam que o programa missionário

inteiro de Deus dependa da Igreja da atualidade, e que nada seja deixada para o período

Page 66: A Bíblia e as Missões

66

futuro, que virá depois do arrebatamento da Igreja. Isso já foi por nós indicado no esboço que

apresentamos no princípio deste capítulo, sobre os dois estágios das relações remidoras com

os gentios. Depois da restauração de Israel, que ocorrerá após a segunda vinda de Cristo e o

arrebatamento da Igreja, e assim através do reino milenar do Messias de Israel, sobre a terra,

Seu povo escolhido e restaurado tornar-se-á uma benção para todas as nações. É justamente a

esse período que se aplicam as palavras de Tiago: "...Para que os demais homens busquem o

Senhor, e todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome". Isso será algo

inteiramente diferente do primeiro estágio eletivo de "chamamento", pois significará que as

nações do mundo, como nações, buscarão ao Senhor, conforme está predito em muitas

passagens do Antigo Testamento. Em Isaías 2:2, lemos: "Nos últimos dias acontecerá que o

monte da casa do Senhor será estabelecido no cume dos montes, e se elevará sobre os

outeiros, e para ele afluirão todos os povos" (cf. Isaías 11:10; 60:5; 66:23; etc.).

Queremos chamar cuidadosamente atenção para este último estágio do programa

divino a fim de dissipar mal-entendidos existentes nas mentes de alguns, com referência ao

chamado ponto de vista pré-milenial do segundo advento. Aqueles que, coerentemente com

essa posição sustentam que o alvo das missões evangelísticas da atualidade não é a conversão

do mundo, mas antes, o testemunho ou evangelização de alcançe mundial, são algumas vezes

acusados de pessimismo por limitarem o poder e as realizações do evangelho de um modo

que é indigno do mesmo. A crítica dessa espécie realmente tem origem na falta de verdadeira

perspectiva quanto à profecia bíblica. Se a presente era ou dispensação fosse a última dentro

do grande esquema de Deus, haveria, verdadeiramente, alguma base para críticas ou dúvidas

dessa modalidade. Mas é necessário que vejamos, conforme já foi dito, que a atual

dispensação não é o estágio final do programa missionário de Deus, mas tão somente o

estágio preliminar, o que será acompanhado por um estágio subseqüente ao segundo advento

do nosso Senhor. Por exemplo, as seguintes profecias, paralelamente a muitas outras,

indubitavelmente terão de ser cumpridas: "Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as

extremidades da terra por tua possessão". (Salmo 2:8). "Domine ele de mar a mar, e desde o

rio até os confins da terra" (Salmos 72:8). "Pois a terra se encherá do conhecimento da glória

do Senhor, como as águas cobrem o mar" (Habacuque 2:14).

Essas promessas, todavia, pertencem não à presente dispensação, mas a uma era

futura, não a este estágio eletivo que visa redimir os gentios, mas ao vindouro estágio

universal. E assim sendo, a diferença que há entre os vários pontos de vista referentes ao

objetivo do esforço missionário, afinal de conta, não consiste tanto de uma discordância

radical quanto ao seu alvo final, mas, pelo contrário, à falta de entendimento comum quanto à

ordem e ao método para que se atinja esse alvo.

Revertendo àquele que não vê qualquer relação essencial entre a obra de

evangelização mundial e o segundo advento de Cristo, tem sido declarado, por um de seus

exponentes, que tal ponto de vista tornaria o advento de Cristo em obra do homem, ao invés

de um ato exclusivo da soberana graça de Deus, sendo argüido que, visto o tempo de Sua

vinda haver sido fixado por Deus desde a eternidade, por conseguinte nada podemos fazer

para retardá-la ou apressá-la. Esse raciocínio, para nós, está longe de ser são ou satisfatório,

porquanto torna os tratos de Deus absolutamente despósitos e despidos de qualquer

consideração pelas atitudes e ações humanas, quer antagônicas quer cooperadoras, e não

podemos crer que assim realmente seja. Reconhecemos reverentemente o Seu senhorio

divino, mas esse senhorio sempre tendeu por fazer uso do homem e dos fatores terrenos na

realização de Seus propósitos. Instância após instância disso poderiam ser citadas nas

Escrituras, tanto quanto na história.

Page 67: A Bíblia e as Missões

67

Certamente foi um falso conceito da soberania de Deus que impeliu o venerável

moderador daquela memorável reunião de ministros Batistas, em Nottingham, a responder

para Guilherme Carey, o qual havia feito um apelo para que algo fosse feito em favor dos

povos pagãos do mundo, com uma severa reprimenda: "Sente-se, jovem. Você é um

miserável entusiasta ao levantar tal questão. Quando Deus quiser converter os pagãos, falo-á

sem a nossa ajuda". Apesar de ser essa uma verdade indubitável - que a ocasião da volta de

Cristo já foi fixada no eterno conselho de nosso Deus soberano e onisciente, contudo, esse

fato de forma alguma é incompatível com a realização daquele acontecimento, através de

processos e instrumentalidades humanas. De fato, no ponto de vista mais amplo e mais

bíblico sobre a soberania de Deus, esses próprios processos e instrumentalidades foram todos

ordenados por Deus, o qual decreta não somente o fim, mas igualmente os meios. Omitir

estes últimos do plano eterno de Deus equivale a cair em conceitos estreitos e inadequados do

divino senhorio.

Além disso, Deus não considera necessariamente o tempo nos termos arbitrários dos

dias e anos humanos, mas possivelmente em termos das condições e desenvolvimentos que

contribuem para cumprimento de Seu propósito eterno. A "plenitude de tempo", da primeira

vinda do nosso Salvador, foi produzida desse modo, ainda que já houvesse sido fixada dentro

do plano predeterminado por Deus; e o Senhor utilizou-se não somente de servos devotos

Seus, mas igualmente de inimigos orgulhosos e amargos, como instrumentos que levassem ao

término o Seu plano divino. Outro tanto sucederá com referência ao segundo advento do

Salvador. Com freqüência se diz, da parte de certos mestres escatológicos, que todos os

diversos acontecimentos e condições do mundo, preditos nas Escrituras, terão de ocorrer

antes da volta de Cristo ter lugar, e que, por conseguinte, Sua vinda pode ocorrer a qualquer

momento. Permanece o fato, entretanto, que Ele ainda não veio. Não é esse fato motivo de

séria meditação, e não convém considerar se Sua demora se dava ao motivo que a tarefa que

Ele atribuiu aos Seus seguidores ainda não terminou? As Escrituras pintam-No como o Noivo

celestial que descerá para vir buscar Sua Noiva escolhida. Porém, o Noivo certamente não

retornará para uma Noiva incompleta, que assevere que a Noiva ou a Igreja de Cristo compor-

se-á totalmente de santos provenientes das regiões favorecidas onde o evangelho já tem sido

pregado, com a exclusão de muitas das terras ainda por evangelizar.

Um líder evangélico bem conhecido, dotado de grande discernimento, que assevera

firmemente que a segunda vinda do Senhor está inequívocamente vinculada, na Palavra de

Deus com a terminação da tarefa de testemunho evangélico ao mundo inteiro, comenta sobre

a ordem baixada e a profecia em Atos 1:8, como segue: "Se Cristo viesse hoje, então

saberíamos que essa profecia foi cumprida. Porém, visto que Ele ainda não veio, sabemos que

a mesma ainda não teve seu cumprimento, sendo necessário que examinemos todas as partes

da terra ainda não atingidas com o evangelho para que lhe levemos a mensagem divina

imediatamente... O Espírito Santo foi enviado para realizar um grande propósito nesta era. Da

mesma forma que o Senhor Jesus disse ao Pai, "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra

que me confiaste para fazer", semelhantemente o Espírito Santo dirá ao Senhor Jesus,

"Consumei a obra que me deste para fazer".

Quanto ao que constituíra exatamente o cumprimento do testemunho evangélico ao

mundo inteiro, não pretendemos falar em tonalidade dogmática. Na Grande Comissão,

palavras tais como "fazei discípulos de todas as nações", "pregai o evangelho a toda criatura",

"e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra", não deixam dúvidas quanto ao

programa a que a Igreja deve dedicar-se, o qual também deve perseguir sem descanso até que

Page 68: A Bíblia e as Missões

68

o Senhor volte e lhe ponha fim. Porém, quais os diferentes fatores que poderão contribuir para

a realização desse testemunho, e precisamente quando como isso será consumado, são

questões que jazem nas mãos do Senhor, e não nas nossas, Seus servos. Conhecemos

instâncias em que o evangelho tem atingido lugares além de onde os missionários tem ido

pessoalmente, alcance esse efetuado pela página impressa ou por viagens de exploração, ou

por visitas de indivíduos provenientes das "regiões distantes" até lugares onde existem postos

missionários; ou ainda, talvez, de outras maneiras. Casos em foco são a travessia dos afegãs,

baluquis e nepaleses para a Índia, com fins comerciais e outros, e, similarmente, tibetanos e

mongóis que penetram na China. Não obstante, ainda existem populações vastíssimas,

incluindo tribos inteiras, em certas regiões do mundo, que até agora nunca ainda ouviram o

primeiro anúncio do evangelho.

Não deveria essa solene situação, aliada ao fato que o Senhor até o momento não

voltou, impelir a todos os crentes verdadeiros, movidos pelo amor a Ele e ao Seu

aparecimento, bem como pela compaixão em favor daqueles que nunca ouviram falar a Seu

respeito, ao mais intenso esforço possível, visando a extensão imediata do testemunho

evangélico especialmente às fronteiras extremas da terra? Triste é dizê-lo, grandes números

de cristãos professos não mostram a menor preocupação acerca dessa questão. Mais triste,

ainda, é que existem mestres escatológicos bem intencionados que dão pouquíssimo valor às

missões. Grandes conferências proféticas tem sido realizadas onde os vários sinais que

apontam para o próximo retorno de Cristo são citados e exaustivamente discutido, mas onde

nenhuma menção se faz do sinal mais significativo de todos, a saber, o apressamento do

programa missionário que Deus determinou para nossa época. Estamos bem lembrados de um

desses casos particulares, quando ouviamos um sermão que era uma obra prima acerca dos

Sinais da Segunda Vinda de Cristo, no qual, entretanto, nenhuma alusão se fez ao sinal

missionário. Quando, posteriormente, chamamos a atenção do orador para esse fato, pensando

sinceramente que a omissão era devida puramente à falta de tempo (pois a hora já ia

adiantanda), este expressou surpresa e admitiu francamente que não acreditava que as missões

tivessem qualquer vínculo com a volta de Cristo.

De forma nos inclinamos por desprezar sinais como o crescente aumento da

iniqüidade, o levantamento de ditaduras políticas, a perseguição movida contra os judeus, o

desenvolvimento da apostasia religiosa, e assim por diante. Entretanto, queremos chamar

atenção para o fato que essas são questões sobre as quais, a despeito de nossos sentimentos e

de nossa profunda preocupação, nada ou pouco podemos fazer, enquanto que a promoção da

disseminação do evangelho até os confins da terra é algo de que todos os crentes podem ter

uma participação ativa e eficaz.

Até este momento, no presente capítulo, ao procurarmos mostrar o verdadeiro alvo das

missões cristãs da atualidade, e em relação ao empreendimento que visa o segundo advento

de Cristo, a linguagem da Grande Comissão, em suas diversas edições, e, particularmente, o

termo "testemunhas", empregado em Atos 1:8, tem sido a base para nossa discussão sobre o

assunto. O que já foi dito aqui poderia, quiçá, ser considerado como abordagem suficiente.

Entretanto, há um outro vocábulo, comumente empregado nas Escrituras, e que denota o

objetivo das missões, e a referência ao mesmo, neste ponto, cremos nós, poderá contribuir

mais ainda para que se tenha uma clara percepção do propósito e da finalidade em vista. Isso

talvez envolva alguma repetição das declarações que já foram feitas, mas confiamos que não

será feito isso sem proveito. O vocábulo que temos em mente é "ceifa", e os textos em que o

Page 69: A Bíblia e as Missões

69

mesmo ocorre são, por exemplo, João 4:35,38; Mateus 9:37,38; Salmos 126:5,6, que

imediatamente deverão subir à memória do leitor.

É provável que nenhuma outra passagem da Bíblia seja mais freqüentemente citada, em

pregações missionárias, de que o trecho de João 4:35, onde se lê: "Não dizeis vós que ainda

há quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: Erguei os vossos olhos e vede os campos,

pois já branquejam para a ceifa". Estendendo a aplicação dessas palavras de nosso Senhor ao

pequeno grupo de discípulos judeus, a quem se dirigia na Samaria, a fim de incluir a Igreja

em geral, e partindo daquela comunidade local de Sicar para o mundo inteiro da atualidade,

consideremos a natureza da ceifa sobre a qual Ele falou, ou em outras palavras o objetivo da

atual tarefa missionária. Quanto a isso, topamos com dois pontos de vistas largamente

divergente.

Existem aqueles que interpretam a ceifa no sentido final e completo da conversão do

mundo. Segundo essa posição, o cristianismo é concebido como algo que se vai propagando

em círculos concêntricos cada vez maiores de influência, até que, através de um processo

evolutivo constante, não apenas os indivíduos se converterão, mas também comunidades e

nações inteiras, quando a sociedade humana, como um todo será regenerada, os perigos

morais serão dissipados, a política será expurgada de seus males, as guerras serão proibidas, e

as nações serão elevadas aos puros ideais cristãos de conduta, e dessa forma a presente ordem

mundana gradualmente se metamorfoseará no reino de Deus sobre a terra. Esse conceito, mui

naturalmente, exige uma orientação missionária que salienta e põe em primeiro plano a

educação, o serviço social e a industrialização como fatores que contribuem para esse fim.

Há duas objeções sérias a esse ponto de vista de que se pode esperar a conversão do

mundo através dos esforços missionários da Igreja. Primeiramente, essa suposição está

obviamente fora de harmonia com muitas passagens das Escrituras, e, em segundo lugar, não

é sustentada pelos fatos reais do caso.

O Novo Testamento pinta a tendência de nossa dispensação na direção justamente

oposta daquilo que esse ponto de vista advoga. Guerras e rumores de guerra haverão de ter

prosseguimento até o fim. "Mas os homens perversos e impostores irão de mal a pior,

enganando e sendo enganados". "Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis", e essa

declaração (em II Timóteo 3:1) é seguida por uma longa lista de graves males morais e sociais

que prevalecerão nos últimos tempos. Até a vida religiosa mesma se deteriorará em grande

medida, assumindo certa "forma de piedade", mas em que os homens lhe negarão a eficácia

(II Timóteo 3:5), enquanto que a última fase da Igreja professa, na presente dispensação, é a

que corresponde à situação da Igreja de Laodicéia, cuja descrição espiritual é extremamente

patética (Apocalipse 3:14-22). Certamente que o quadro assim fornecido pelas Escrituras está

longa de apresentar um mundo regenerado, ou mesmo um mundo que se encaminhe nessa

direção.

Em segundo lugar, nenhuma pessoa inteligente pode afirmar que percebe tais

desenvolvimentos em nossa atual geração, ou mesmo nas condições que prevalecem na

atualidade, uma tendência para melhores situações sociais, morais e espirituais próprias de

uma utopia. A sociedade está se regenerando? Os padrões morais estão se tornando melhores

ou mais puros? O crime e a delinqüência estão constantemente em declínio? A política está

sendo expurgada de sua borra e de suas práticas corruptas? Não, o oposto extremo de tudo

isso se mostra clara e inequivocamente em evidência.

Page 70: A Bíblia e as Missões

70

Uma coisa, pelo menos, é clara, que se a ceifa em vista é a conversão do mundo,

então essa ceifa ainda está muito distante, porquanto ninguém pode dizer, com qualquer

aparência de verdade, que os campos missionários do mundo estão, em qualquer lugar,

próximos de uma condição que poderiam ser descritos como "já branquejam para a ceifa",

nesse sentido da palavra. O fato cru que temos à frente, a despeito do encorajador progresso e

dos animadores resultados da obra missionária, é que os pagãos do mundo estão se

multiplicando, por propagação natural, muito mais rapidamente do que os crentes, entre eles,

estão aumentando por regeneração, de tal modo que, proporcionalmente, há muito maior

número de incrédulos, hoje em dia, do que há uma geração atrás. Sendo essa verdade, quão

negra e desencorajadora é a perspectiva para os missionários, se a completa fruição de seus

esforços não puder ser esperada senão dentro de algum tempo, no futuro remoto! É

justamente essa perspectiva sombria, cremos nós, que tem engendrado a indiferença e a apatia

por parte de tão grande secção da Igreja, posto que é apenas natural sentir que, já que a

promoção de um empreendimento só terá atingido o seu alvo dentro de gerações distantes,

não importa realmente se alguém faz muito ou pouco.

Levemos esse argumento um passo mais adiante, porém, considerando o caso de

nossas próprias pátrias, ao invés de levarmos em conta as terras distantes. Tomemos por

exemplo os Estados Unidos da América, que tem gozado do evangelho e dos privilégios do

cristianismo de muitas modalidades durante séculos, e que, assim sendo, encontra-se em

posição infinitamente mais favorecida do que qualquer das terras missionárias. Podemos

apontar para qualquer comunidade, grande ou pequena, nesta pátria norte-americana, onde

cada pessoa já se converteu, e uma cidade completamente evangélica já foi estabelecida?

Tememos que tal localidade não possa ser encontrada. Portanto, se após várias centenas de

anos de oportunidades e esforços evangelísticos, a primeira comunidade dessa espécie ainda

esteja longe de ser encontrada, certamente é evidente que qualquer esperança de conversão do

mundo inteiro, por meio desse processo, deve ser projetado indefinidamente futuro a dentro.

O outro ponto de vista sobre a colheita ou ceifa referida por Jesus, é totalmente

diverso do primeiro. Esse outro ponto de vista reputa essa ceifa não como final e completa no

sentido da conversão de cada pessoa do mundo, mas por assim dizer como uma ceifa de

primícias, de recolhimento de almas vindas de todas as nações, em resultado do testemunho

evangélico pelo mundo inteiro. Ora, de conformidade com esse ponto de vista, seus

defensores fazem do evangelismo e da edificação de igrejas indígenas a sua tarefa principal.

Observemos a ocasião e o pano de fundo dessas palavras citadas de Jesus, a respeito

da ceifa, e que contribui para esclarecer o que Ele tinha em mente. Ele descobrira que a

mulher pecadora, à beira do poço de Jacó, em Sicar, era abordável, disposta a ouvir, aberta

para a convicção espiritual, dotada de coração faminto pela mensagem do evangelho.

Outrossim Ele via por detrás dela a aldeia de Sicar, com seus muitos homens e mulheres

igualmente necessitados, e a possibilidade de chegar até eles, por meio dela, deu-Lhe

esperança de levá-los igualmente ao arrependimento e à salvação. Ali estava uma porta

aberta, uma oportunidade para o testemunho evangélico e para a conquista de almas, para o

que Ele chamou a atenção de seus discípulos, com essas palavras: "Erguei os vossos olhos e

vede os campos, pois já branquejam para a ceifa". Ele via aquelas almas, acessíveis e

impressionáveis, como um campo de cereal amadurecido, uma colheita em potencial,

preparada para a ceifa, e ansiou que Seus discípulos compartilhassem de Sua visão e

preocupação, e se lançassem imediatamente a um esforço denotado para empreenderem tal

colheita, antes que fosse tarde demais. Se os discípulos efetivamente agiram assim, parece

Page 71: A Bíblia e as Missões

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duvidoso, devido aos seus escrúpulos judaicos e à sua falta de interesse pelas almas. O

próprio Senhor Jesus, todavia, assim agiu, demorando-se ali por dois dias, com esse

propósito, com o resultado que "muitos creram nele". Não obstante, essa mesma declaração

deixa claramente subentendido que nem todos os habitantes de Sicar confiaram em Jesus e

foram salvos, o que serve para mostrar que Jesus empregou o vocábulo "ceifa" não para

denotar um recolhimento total de almas, mas antes, um recolhimento parcial, como resultado

do empreendimento de evangelização.

Ora, isso ilustra o que o termo "ceifa" tencionava significar, quando aplicado ao

trabalho mais vasto da proclamação do evangelho, na presente dispensação, em escala

mundial. A ordem é que sejamos testemunhas de Cristo "até os confins da terra", com a

finalidade que assim fosse chamado "um povo para o seu nome", o qual se comporia de todas

as nações, perfazendo Seu corpo ou Noiva, para quem Ele voltará um dia. Dessa maneira, a

tarefa de que a Igreja foi incumbida - a evangelização mundial - está vitalmente vinculada à

bendita esperança da segunda vinda do Senhor. E seja notado neste ponto que da mesma

forma que o pensamento de converter o mundo é desanimador, visto que envolve adiamentos

indefinidos até que tal alvo seja atingido, semelhantemente o pensamento do testemunho de

alcance mundial é animador e inspirador, por causa de sua possibilidade prática de ser

efetuado no decurso de uma única geração, a presente. De fato, deveria ser óbvio que essa

tarefa deve ser completada dentro dos limites de alguma geração humana. Por exemplo, a

única geração de crentes que pode evangelizar o mundo de hoje é esta geração de crentes,

pois quando eles passarem, a mesma geração de descrentes também terá passado, e um outro

mundo de homens viverá aqui, falando-se em termos de seus habitantes.

Sem importar que tenha sido verdade que estas gerações anteriores de crentes tiveram

oportunidade de cumprir em sua totalidade a Grande Comissão, também certamente é verdade

que nunca as palavras de nosso Salvador, "os campos... já branquejam para a ceifa",

encontram mais plena e vigorosa aplicação do que em nossa própria época e geração. O efeito

cumulativo de longos e fiéis labores dos missionários do passado, bem como o notável

crescimento e desenvolvimento das igrejas indígenas, tem levado o empreendimento cristão

inteiro a estágio distintamente novo. A atitude dos habitantes e dos governos dos países onde

atuam as missões evangélicas, em sua maior parte tem mudado marcantemente para melhor.

A penetração em regiões anteriormente totalmente não-evangelizadas, por bravos grupos

pioneiros, tem expandido materialmente as fronteiras do reino de Cristo e feito contrair as

áreas ainda não ocupadas pelas missões, neste mundo. O avanço fenomenal, em termos de

meio de transporte, tem posto cada região do globo dentro do alcance fácil de todos. Novas

estradas de ferro e de rodagem têm sido construídas em muitos países, e a admirável

multiplicação de linhas aéreas tem revolucionado as viagens por toda a fase do globo.

Facilidades materiais de toda espécie se têm multiplicado, prestando assim também a sua

ajuda. As transmissões radiofônicas e pela televisão têm sido usadas como método

missionário auxiliar, abrindo as portas para possibilidades quase sem limites. A tradução e a

circulação das Escrituras vêm aumentando progressivamente, até que a Bíblia, em sua

totalidade ou em parte, atualmente é disponível em 1.066 idiomas, enquanto que as

sociedades bíblicas anunciam vendas anuais de 25 milhões de cópias. Por tudo isso, devemos

agradecer fervidamente a Deus.

Apesar de ser verdade que o grande conflito mundial da II Grande Guerra tenha

provocado uma interrupção temporária de atividades normais em alguns campos

missionários, e que tem surgido novos e sérios problemas em todos os lugares, todavia,

Page 72: A Bíblia e as Missões

72

também é verdade que Deus, de Sua maneira inigualável, tem feito o mal ser transformado

em bem, e tem utilizado a guerra como verdadeira vantagem para as missões, em muitos

aspectos importantíssimos. Espera-se confiantemente que agora, com o término da guerra,

veremos a maior oportunidade para o avanço e recolhimento que a obra missionária já

enfrentou. Que esperança é finalmente inspirada - nesta nossa geração, a tarefa longamente

adiada de levar o evangelho até às próprias extremidades da terra, pode ser realmente efetuada

e levada a um término glorioso, e assim o Senhor Jesus poderá retornar subitamente para

arrebatar Sua Igreja completa, Sua Noiva mui amada!

Mui estranhamente, em alguns círculos tem sido expressa a opinião que, a volta

iminente de Cristo tende a desencorajar as operações missionárias. Nada poderia estar mais

distante da verdade. Pelo contrário, pode-se asseverar que os movimentos mais fervorosos e

agressivos da atividade evangelística e missionária, em nossa geração, tem sido efetuada por

ardentes crentes na "bendita esperança", Moody, Torrey, Chapman, Billy Sunday, e outros

grandes evangelistas do século passado e do dia de hoje, bem como as muitas agências

missionárias inter-denominacionais, que operam no estrangeiro, que são conhecidas como

Missões de Fé, com seus vários milhões de obreiros, todos têm brandido essa grande verdade

e têm sido inspirados e estimulados por ela. O Sr. Moody testificou que quando essa verdade

verdadeiramente o apanhou, e viu que Cristo não voltaria enquanto a última alma que haveria

de completar o número dos eleitos de Deus não fosse salva, isso fê-lo trabalhar três vezes

mais arduamente que antes, pois porventura Deus o usaria para salvador da última alma que

completaria o Corpo de Cristo. Hudson Taylor, fundador da Missão da China Interior,

escreveu: "Se o Senhor voltará em breve, isso não é um motivo eminentemente prático para

que nos atiremos a um maior esforço missionário? Desconheço outro motivo que me tenha

sido tão estimulante". E daí passou a citar várias maneiras práticas em que essa "bendita

esperança" exerceu influência sobre ele, das quais, a última é que lhe proporcionara mais

profundo interesse por propagar o testemunho do evangelho até aos confins mais remotos do

mundo.

Dessa maneira é que temos procurado tornar mais clara a relação vital existente entre

a Grande Comissão dada pelo Senhor e a promessa de Sua volta. O que tem sido dito

certamente investe a obra da evangelização mundial de solene responsabilidade e de

fulgurante inspiração. Poderia alguma coisa ser mais inspiradora, a uma sociedade

missionária, do que a esperança de que talvez lhe seja dado o elevado privilégio de penetrar

na última região não-evangelizada do mundo? Poderia alguma coisa ser mais doce, ao

pioneiro isolado, em algum posto missionário longínquo do campo, do que o pensamento de

talvez ser ele o instrumento usado por Deus para fazer entrar a última alma que completará o

"povo para o seu nome", assim preparando o caminho para o segundo advento do Mestre? E

que poderia estimular o zelo e o sacrifício, nas igrejas nacionais, mais do que perceberem elas

que as suas orações e suas doações para a obra missionária estão contribuindo para essa

grande e gloriosa finalidade? Compartilhamos da "bendita esperança"? Nesse caso,

obedeçamos à última ordem de Cristo. E quando orarmos, "Amém. Vem, Senhor Jesus",

perguntemos a nós mesmos se estamos fazendo tudo quanto Ele espera de nós, para que a

resposta a essa oração se torne uma realidade.

Page 73: A Bíblia e as Missões

73

Capítulo VII

OS HOMENS E AS MISSÕES

Os elementos essenciais da chamada missionária

Existem três grandes linhas mestras pelas quais se extravasa a energia missionária --

indo, contribuindo e orando. Portanto, há também um tríplice apelo - que homens vão, que

despenseiros contribuam e que sejam feitas orações intercessórias. Voltaremos nossa atenção,

agora, para esses três importantes fatores da obra missionária.

Primeiramente, temos o fator humano. Pode-se conceber que Deus poderia ter

escolhidos os anjos como Seus mensageiros, para que anunciassem o evangelho a um mundo

perdido; e quão alegremente, podemos ter a certeza, ficariam eles por voar por mandato Dele,

a fim de disseminarem o bendito evangelho! Ao disso, todavia, Deus selecionou homens

mortais, proporcionando-lhes a alta honra e o privilégio de serem Seus cooperadores nesse

glorioso projeto.

A palavra que encontramos em Ezequiel 22:30, "Busquei entre eles um homem...", é

um lembrete impressionante de que Deus resolveu fazer do homem um fator importante e

essencial na realização de Seus propósitos divinos, fato esse ao mesmo tempo solene e

inspirador. Naquele caso particular, seguem-se estas tristes palavras: "...mas a ninguém

achei". Como é quase inconcebível que o Deus todo-poderoso, o Criador de todos os homens,

viesse pesquisar entre todas as Suas criaturas humanas, e que o Deus de Israel viesse sondar

entre o Seu povo escolhido, em busca de único indivíduo para ser Seu intermediário em Seu

propósito benévolo para com aquela nação, mas procurasse o mesmo em vão! Infelizmente

esse mesmo episódio se vem repetindo através de todos os séculos desde então, fato esse que

têm sido responsável por adiamentos dolorosamente prolongados, e até mesmo períodos de

inação quase completa, na realização do gracioso desejo e desígnio de um Deus amoroso, o

de reivindicar novamente para Si um mundo que prefere ficar alienado Dele.

Instâncias marcantes, nas quais Deus buscou e usou homens como Seus instrumentos

selecionados, jazem em todas as páginas das Escrituras. A Moisés, na sarça ardente, disse

Ele: "Certamente vi a aflição do meu povo, que está no Egito... por isso desci a fim de livrá-

lo... Vem, agora, e eu te enviarei... para que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito". A

Isaías, clamou o Senhor desde o Seu trono celestial: "A quem enviarei, e quem há de ir por

nós?" A Jonas, o Senhor baixou a ordem: "Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive, e

proclama contra ela a mensagem que eu te digo". Por repetidas vezes, no Antigo Testamento,

lê-se que Ele diz: "...começando de madrugada, lhes enviei os meus servos, os profetas..."

(Jeremias 29:19), com mensagens à Sua rebelde e desviada nação de Israel. Em seguida, o

Novo Testamento fala sobre como o Senhor Jesus enviou primeiramente os doze, e então os

setenta, e, finalmente, como comissionou os apóstolos e a Igreja inteira, após Sua

ressurreição, para que espalhassem as boas novas de Sua salvação.

É evidente que a obra do testemunho evangélico não teve a intenção de ser confinado

por Cristo a qualquer classe selecionada de pessoas que ocupam posições oficiais dentro da

Igreja, mas antes, que isso deve ser compartilhado por todos os crentes, de conformidade com

suas várias capacidades e oportunidades. O trecho de Efésios 4:11, 12 diz que o Cristo

Page 74: A Bíblia e as Missões

74

assunto ao céu "...concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas,

e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos, para o

desempenho do seu serviço, para a edificação do Corpo de Cristo". Essa versão corrigida

dissipa a impressão errada, deixada por algumas versões, como a King James Version, de que

"o ministério" está confinado àqueles que ocupam posições oficiais como apóstolos, profetas,

evangelistas, pastores e mestres, e que os demais membros das igrejas, chamados leigos, não

tem parte na obra de evangelização. Não, esses oficiais tem por função, em suas respectivas

posições, edificar o Corpo de Cristo, ou seja, todos os crentes, liderando-os em um "trabalho

ministerial" coletivo, do qual cada membro de igreja participe.

Em certo sentido, portanto, cada verdadeiro crente, ou membro autêntico do Corpo de

Cristo, é um missionário, um "enviado" que compartilha tanto do privilégio como da

responsabilidade de levar a bom termo a Grande Comissão. Todavia há um outro sentido em

que a palavra "missionário" é geralmente empregada e que designa aqueles que se dedicam de

tempo integral ao serviço de anunciar o evangelho aos outros, e particularmente às terras

estrangeiras, que ainda não foram evangelizadas. É para esse último aspecto do vocábulo

"missionário" que desejamos conduzir os nossos leitores.

Quem é chamado para a obra missionária? Como pode alguma saber se foi chamado

como missionário? Sobre qual base repousa essa decisão? Em outras palavras, de que

realmente consiste o chamamento missionário? Essas perguntas são constantemente feitas por

jovens e fervoros crentes. Temo-las enfrentado repetidamente nos institutos bíblicos, nas

conferências missionárias, e em outras conexões. Todos admitem que são perguntas

importantes, e quando feitas honestamente, reclamam uma consideração cheia de simpatia e

minuciosa. Pois nada poderia ser mais vital, para aqueles que pretendem atirar-se aos campos

missionários do que terem a certeza absoluta da chamada e da liderança do Senhor, ao tomar

esse passo importantíssimo. Sem tal certeza, o indivíduo fica exposto a dúvidas atrozes e a

sutis insinuações instiladas pelo Maligno, ao defrontar-se com as muitas e severas provações

e testes, que são inseparáveis da vida e labor missionário. Citando as palavras de Hudson

Taylor: "O missionário que não tem certeza sobre esse particular, em muitas ocasiões ficará

quase à mercê do grande Adversário. Quando se levantarem as dificuldades, quando estiver

em perigo ou enfermidade, será tentado a levantar a questão que deveria ter sido solucionada

antes de partir de sua terra natal: "Não me encontrarei no lugar errado?"

Todavia, pontos de vista completamente diversos existem, no que toca ao que consiste

a chamada missionária. Parece haver muitos que não tem visão clara quanto a isso, e somos

obrigados a dizer que há muita nebulosidade, ilusão e sentimentos falsos acerca dessa

questão, e, em certas oportunidades, até mesmo evasão e falta de sinceridade. Tentar resolver

a questão à base do fato do indivíduo sentir-se chamado ou não sentir-se chamado, é perder

totalmente o fio da meada. O que, portanto, deve ser considerado a verdadeira natureza e o

correto fundamento da chamada missionária? Não possuímos fórmula mágica ou prescrição

patenteada a oferecer a nossos leitores. Simplesmente nos voltamos quanto a este problema,

como no que respeita a todos os outros, para a Palavra de Deus, em busca de soluções. Nesse

caso, é apenas natural que nos voltemos em particular para o livro de Atos, conforme está

designado e, conforme cremos, seja o manual inspirado, escrito para orientar a Igreja Cristã

em tudo quanto pertence ao seu empreendimento missionário. Sugerimos que na visão e

chamamento da Macedônia, dados ao apóstolo Paulo, Deus nos forneceu um modelo claro e

satisfatório para a chamada missionária da atualidade. Por conseguinte, demos nossa mais

cuidadosa atenção, ao que encontramos registrado no capítulo décimo-sexto do livro de Atos.

Page 75: A Bíblia e as Missões

75

Ninguém pode ler esse capítulo sem ficar impressionado com a notável e

extraordinária natureza do incidente mencionado em os versículos sexto e sétimo. O apóstolo

Paulo, com dois obreiros colegas, encontrava-se em sua segunda jornada missionária, através

da Ásia Menor; e estavam prestes a penetrar na província da Ásia quando, subitamente, o

Espírito Santo lhos "proibiu" isso. Voltando sua atenção para o norte, "tentavam ir para

Bitínia", uma outra província romana, "mas o Espírito de Jesus não o permitiu". Pensai nisso!

Não se compunha de um grupo de preguiçosos negligentes, de crentes mundanos, mas antes,

de obreiros intensos e consagrados, que trabalhavam para o Senhor, e que estavam atarefados

em um viagem de pregação do evangelho. A despeito de tudo, por duas vezes foram

peremptoriamente ordenados a parar, por uma proibição divina.

Que poderia significar tal proibição? Será que não havia mais necessidade, na Ásia e

na Bitínia, e que todos ali já se haviam convertido ao Senhor? Certamente não, conforme é

evidenciado pelo fato que Paulo, posteriormente, foi conduzido pelo próprio Espírito Santo

de volta à Ásia, onde passou dois anos pregando em sua capital, a cidade de Éfeso, e com a

manifesta aprovação e benção do Senhor sobre o seu ministério ali. (Ver capítulo dezenove de

Atos).

O que queria dar a entender o Espírito de Deus, nesse caso, ao fazer aqueles

missionários estacarem no limiar daquela província na ocasião anterior já mencionada? A

inferência é clara, a saber, que Ele queria dar a entender que se deve insistir sobre uma igual

oportunidade de todos ouvirem a mensagem da salvação, sem dar privilégios maiores às

almas de uma área, em detrimento das almas de outras regiões. Paulo se propunha passar

pela segunda vez por um território que já antes cobrira, sem lembrar-se do fato que

justamente do outro lado do mar Egeu havia um grande país, e, de fato, um continente inteiro,

que ainda não tivera sua primeira oportunidade de ouvir o evangelho. Embora fosse o

missionário mais adiantado de sua época, e o maior estadista-missionário de todos os séculos,

e possuísse uma visão missionária verdadeiramente ampla, contudo, nem mesmo ele

levantara os olhos para ver além dos confins de seu próprio continente asiático. Deus teve de

utilizar-se desse meio para expandir mais seu horizonte, levando-o a pensar não meramente

em termos provinciais ou mesmo continentais, mas antes, em termos do mundo inteiro. A

visão do Espírito Santo em muito ultrapassava a de Paulo. Outrossim, Ele previa a posição

dominante que a Europa estava destinada a ter, bem como a poderosa influência que aquele

continente haveria de exercer, nos negócios do mundo inteiro, no futuro; e tudo isso tornava

mas urgente que lhe fosse outorgada a luz do evangelho.

Que admirável ligação encontramos aqui, não apenas para o apóstolo Paulo, porém,

igualmente para todo outro obreiro cristão, e para cada crente evangélico! O Senhor exorta o

Seu povo a que amplie seus horizontes apertados, a enlarguercer suas simpatias estreitas, a

estenderem seus esforços limitados, e a se tornarem crentes de visão mundial, em seus

pensamentos e ações.

Alguém já declarou que ninguém tem o direito de ouvir o evangelho por duas vezes,

enquanto outrem não já o tenho ouvido por uma vez. Isso talvez seja uma afirmação

extremista, e nem é preciso que a tomemos por demais literalmente; todavia, expressa um

princípio verdadeiro que deveria governar a atividade evangélica, porquanto enfatiza o amor

imparcial de Deus por todos os homens, sem importar o clima em que vivam, a raça ou a cor

de sua pele, já que deseja que o Pão da Vida seja distribuído imparcial e igualmente a todos.

Na instância que estamos considerando, Ele ordenou deliberadamente que os missionários

Page 76: A Bíblia e as Missões

76

fizessem alto em sua campanha missionária nacional, digamos assim, enquanto a

negligenciada fase estrangeira, do grande cometimento missionário, não fosse trabalhada.

Cremos que muitos são os casos que o Senhor gostaria de orientar semelhantemente, nos dias

que correm.

O incidente que temos à nossa frente também nos faz lembrar solenemente quão

inadequada é a sabedoria humana, ainda que a mais excelente, para que por ela orientemos

nossa política e operações missionárias. A despeito da liderança notável de Paulo e de sua

madura experiência, bem como de sua total sinceridade de motivos e sua profunda devoção,

naquela conjuntura ele teria dado um passo equivocado, não tivera o fiel Espírito de Deus

instruído e corrigido os seus pensamentos. Quão constantemente os missionários, quer jovens

quer idosos, sem importar seus talentos ou experiências, necessitam de depender, do princípio

ao fim, e em questões de toda a natureza imaginável de uma sabedoria mais alta que a deles

mesmos, esperando humilde e continuamente do Senhor, para que sejam bem orientados!

E então, passando para os versículos oitavo e nono, defrontamo-nos com a solicitação

do "homem da Macedônia", que apareceu ao apóstolo em sua visão. Quem seria esse homem?

Seria um homem real? O apóstolo posteriormente ter-se-ia encontrado com ele, ao chegar a

Macedônia? Essas perguntas tem sido freqüentemente feitas e discutidas. Em nossa opinião, o

homem da Macedônia não era um homem verdadeiro, mas antes, a personificação ou retrato

visual da necessidade espiritual da Macedônia. Da mesma forma que a gravura do George

Washington, projetada momentaneamente sobre uma tela, far-nos-ia lembrar imediatamente

dos Estado Unidos da América, e dos quais ele aparece como um símbolo, semelhantemente,

o aparecimento daquele homem a Paulo, em uma visão, foi o modo por que Deus chamou sua

atenção para a Macedônia, em sua urgente e ainda insatisfeita necessidade espiritual. Ao seu

clamor: "Passa à Macedônia e ajuda-nos", o apóstolo notou um apelo missionário dramático e

arrebatador. A mensagem a Paulo e seus colegas, foi: A MACEDÔNIA PRECISA DO

EVANGELHO. A Macedônia, para dizer a verdade, tinha muito em seu favor, e do que

poderiam seus habitantes ufanar-se com justiça. Tinha sua arte, filosófica e religião gregas;

suas escolas e templos; seus poetas, sábios e oradores. Mas a Macedônia estava sem o

evangelho, sem a mensagem de salvação - necessitava de Jesus Cristo, e o apelo mudo dessa

visão foi: "Tragam-nos o Salvador".

Não são os países pagãos e muçulmanos do mundo atual um paralelo exato da

Macedônia, quanto a esse respeito? A China, o Japão, a Índia e os países, similarmente, têm

muito de notável e de recomendável em sua história nacional, em sua literatura, em suas artes

e em sua indústria, em seu vasto depositório de conhecimento empírico acerca de muitas

coisas. Todavia, estão destituídas do evangelho, da mensagem de salvação, a menos que lhe

levemos a boa nova das terras do ocidente, tão favorecidas por Deus.

A civilização ocidental estará disposta a satisfazer à necessidade espiritual dessas

terras? Certamente que não! Estradas de ferro, automóveis, energia elétrica, máquinas de

costura, canetas-tinteiros, e uma multidão de outros objetos importados do ocidente não

levam aqueles povos um centímetro mais perto da salvação. E apesar do que a introdução de

métodos comerciais mais atualizados do ocidente, ruas mais largas, melhores situações

sanitárias, novos estilos da moda, e muitas conveniências modernas e aparelhos mecânicos de

muitas espécies tenham a vantagem de elevar o padrão de vida, de melhorar as condições

domésticas, de estimular o comércio e de aumentar as oportunidades para ganhar dinheiro e

seguir os prazeres mundanos, essas coisas, por si mesmas, em nada ministram às almas dos

Page 77: A Bíblia e as Missões

77

homens. Outrossim, uma seríssima acusação pode ser lançada contra a civilização ocidental,

devido às vintenas de suas influências maléficas sobre o povo das terras onde operam as

missões, por causa do dilúvio de vícios morais introduzido e do chocante mau exemplo de

muitos que seus representantes tem dado, por sua conduta vergonhosa. É fato triste que

sempre que o ocidente e o oriente se encontram, fora do contato missionário evangélico, o

resultado disso, em suas linhas gerais, tem sido o de contribuírem um para o outro os seus

respectivos vícios, e não as suas virtudes. E se qualquer outra coisa precisa ser dito,

precisamos tão somente apontar para o horrendo espetáculo que a I Grande Guerra e a II

Guerra Mundial deixaram, e que teve a participação das principais nações civilizadas do

mundo, para que todas as nações contemplassem a cena. Não, a civilização ocidental fica

tristemente aquém da altura para que satisfaça à necessidade dos povos pagãos e islâmicos.

A educação satisfará tal necessidade? Aqui, uma vez mais, a resposta tem de ser um

enfático "não". A tentativa para obtenção desse alvo fracassou mui significantemente. Sempre

que os governos ocidentais tem levado a efeito programas educacionais em países sob o seu

controle, mas tem excluído o ensino cristão de seu currículos, o resultado tem sido o de

colocar novas e formidáveis armas nas mãos daqueles que se ressentem de tal império e que

embalam a esperança de derrubá-lo. Há anos passados, um recenseamento religioso de 5 mil

estudantes japoneses, da universidade de Tóquio, efetuado segundo padrões ocidentais, deu

este notável resultado: confucionistas, 6; xintoístas, 8; budistas, 300; cristãos, 30; ateus, l.500;

agnósticos, 3.000. Eis um chocante mais verdadeiro exemplo do que resulta da educação

liberal, quando despida do ensino e da influência dos cristãos genuínos. A mesma coisa é por

demais evidente em nossa própria pátria norte-americana.

Não, nem a civilização, nem a educação, nem qualquer outra coisa que não seja o

evangelho de Cristo pode satisfazer à necessidade fundamental daquelas regiões que em

nossos dias são o paralelo da Macedônia da época do apóstolo. Elas precisam possuir no

coração a Jesus Cristo.

Queremos dar agora, porém, um passo adiante. Dizer que a Macedônia necessitava do

evangelho não é a mesma coisa que dizer que a Macedônia queria o evangelho. Não lemos

que quando Paulo atravessou o mar Egeu e entrou na Macedônia encontrou uma multidão de

almas inquiridoras, esperando ansiosamente por ele na praia, ou mesmo quando entrou na

cidade de Filipos. Nem é essa a experiência dos missionários evangélicos de nossos dias, ao

chegarem a um campo missionário no estrangeiro. Esse fato não nos deve surpreender,

todavia, nem deve ser para nós motivo de desânimo. Como poderiam os macedônios desejar

alguma coisa que nunca tinham ouvido? Assim sendo, o começo da obra missionária, naquele

solo virgem, não foi espetacular, mas pequeno e humilde, e os mensageiros de Deus tiveram

de avançar com paciência, passo a passo, orando constantemente pela orientação do Espírito.

Isso fizeram, e com confiança, certos de que Deus os havia chamado e os guiava, e que, por

conseguinte, sua vinda até ali não seria vã.

Nem foram deixados por muito tempo sem evidências visíveis desse fato, porquanto

se haviam passado apenas uns poucos dias até entraram em contato com Lídia, a quem "o

Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia", e tornou-se a primeira

pessoa européia convertida a Cristo. O Senhor não lança os Seus servos em algum projeto

fútil ou mera aventura. Quando Ele deu a Paulo a visão em Trôade, Seu Espírito já agia na

Macedônia, preparando tudo para sua chegada. Semelhantemente sucede hoje em dia, no caso

de cada missionário que Deus chama e envia. Todo enviado descobre que Deus já fora antes

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78

dele, preparando o caminho e abrindo os corações de "certos homens e mulheres" para que

recebam sua mensagem, de tal maneira que, mais cedo ou mais tarde, apareçam frutos que

muito o alegram. Esse tanto podemos asseverar, à base de nossa própria experiência e de

outros, em campos missionários pioneiros. E que bendita experiência é sermos o elo de

ligação entre Deus e as almas preciosas do paganismo, cujos corações são abertos por Deus

ao evangelho, e assim servimos de instrumento para conduzi-los à gloriosa luz do evangelho!

Passando a examinar o versículo décimo, descobrimos na reação de Paulo e seus

companheiros que a visão do homem da Macedônia lançou-lhes uma luz bem definida sobre a

questão do chamamento missionário. O versículo diz: "Assim que teve a visão,

imediatamente procuramos partir para aquele destino, concluindo que Deus nos havia

chamado para lhes anunciar o evangelho". Consideremos seus estágios um por um.

"Assim teve a visão..." Isso simplesmente significa, "Assim Deus apresentara à

atenção de Paulo certos fatos para os quais nunca antes voltara os olhos". Ali, em um outro

continente, jazia uma terra que até o momento não tivera a sua primeira oportunidade de

ouvir sobre o único Salvador, enquanto que ele limitava seus esforços e atenção ao povo que

já tinha ouvido esse anúncio. Não que todos os ouvintes da mensagem a tinham aceito, e nem

mesmo que cada indivíduo da Ásia e Bitínia entrou em contato pessoal com os missionários

do evangelho. Mas, pelo menos, até certo ponto haviam sido iluminadas aquelas regiões,

enquanto que nem um único raio de luz do evangelho havia ainda penetrado na Macedônia.

Ora, essa é justamente a "visão" que o Senhor deseja estampar perante o Seu povo atual,

acerca de terras do além-mar, onde milhões e milhões de almas vegetam ainda nas trevas do

paganismo, sem ao menos ouvirem falar em Sua salvação. E não podemos nos desculpar

escudados na ignorância do fato, como Paulo, em certa medida, talvez tivesse podido fazer,

por causa do conhecimento muitíssimo mais vasto que possuímos quanto às condições de

vida de outras partes do mundo, bem como por causa dos melhores meios de transportes

através dos quais podemos atingi-las. Os fatos acerca das nações pagãs da atualidade

conhecemos muito bem, ou podemos aprender prontamente, quando quisermos estudar sobre

as mesmas; e essas fatos tornam-se quais dedos indicadores a apontar qual a nossa

responsabilidade e dever.

"...imediatamente procuramos partir para aquele destino (Macedônia)..." Que

admirável resposta dos missionários a esse chamamento de Deus! Não houve apresentação de

desculpas nem álibis! Não argumentaram à base de "muito trabalho a fazer em nossa própria

terra"! Não se defenderam alicerçados em motivos pessoais, de não poderem eles

abandonarem a pátria procurando assim transferir para outros a responsabilidade da ida! E

quão eternamente gratos a Deus deveríamos ser por tudo isso, e pelo fato que Paulo não foi

"desobediente à visão celestial", mas antes, foi! Poderíamos jamais esquecer que introduzindo

como fez o evangelho na Europa, iniciava ele a iluminação e a transformação espirituais

daquele continente de onde vieram os nossos antepassados, e que a diferença entre o que

somos atualmente e o que eram nossos progenitores pagãos, pode ser atribuída aos trabalhos

pioneiros daquele nobre missionário, o grande apóstolo aos gentios? E então, a menos que

nós, os crentes, nos contentemos em ser conhecidos como ingratos, seguiremos o exemplo de

Paulo, fazendo tudo quanto está ao nosso alcance para levar avante, e com a maior presteza

possível, o bendito evangelho que tem transformado as vidas. Compete-nos anunciar

fervorosamente o evangelho aos continentes cujos povos ainda jazem nas trevas e na sombra

da morte, por nunca lhes ter sido dada a Luz da Vida.

Page 79: A Bíblia e as Missões

79

A linguagem empregada nesse versículo, todavia, exige que lhe dediquemos ainda

mais cuidadoso escrutínio. Notemos a palavra "imediatamente". Fala de uma pronta

obediência à chamada de Deus, sem adiamentos, sem procrastinações, mas antes, a ação

imediata, desde o momento em que Sua voz foi ouvida. Estamos cônscios da possibilidade de

corrermos à frente do Senhor, mas existe o perigo ainda maior de ficarmos para trás, de

deixarmos de realizar aquilo que nos ordenou, assim que a ordem foi baixada. Podemos

relembrar muitos casos trágicos desse fracasso, em que jovens crentes ouviram a chamada de

Deus e tiveram a visão de Seu plano para eles, mas permitiram que uma coisa ou outra os

impedisse de prestarem uma obediência pronta e implícita, com o triste resultado que a visão

se dissipou, perderem toda a espiritualidade, e anos depois sentiam-se tocados pelo remorso,

ao relembrarem da ocasião em que Deus lhes falou, mas em que deixaram de dar ouvidos à

voz de Cristo e agir, assim perdendo as melhores bênçãos que Deus tinha para suas vidas. Se

damos valor às nossas almas, tenhamos o cuidado de não ceder perante a sutil tentação de

procrastinar e adiar, não tomando o primeiro passo definido para avante, ao longo da vereda

que Ele nos revelou.

Seguem-se ainda as palavras "...procuramos partir..." Essa declaração expressa um

propósito genuíno e um esforço honesto para ir, que é tão diferente da passiva "disposição",

que muitos jovens professam possuir, mas que não encaram seriamente a questão nem tomam

qualquer passo prático para que vão. Infelizmente é possível a alguém ser emocionalmente

impulsionado pelo apelo missionário, até o ponto de levantar uma das mãos, como resposta,

mas sem qualquer cristalização do gesto, em propósito definido e avanço. Em não poucos

casos, tememos, esse sinal externo, como resposta, é mero gesto para aliviar os sentimentos

do momento, com a esperança secreta, quiçá, que o Senhor não pressione mais ainda a

questão. A impressão deixada, dessa maneira, é apenas superficial e transitória, e logo

desaparece e é esquecida.

O encontro de dificuldades no caminho daquele que quer pôr em obras a sua resolução

missionária, deveria ser reputado como uma indicação não que o Senhor não queira que

vamos, o que só pode conduzir ao desencorajamento e ao abandono do alvo colimado. Os

obstáculos não são para surpreender, mas antes, já devem ser esperados, sendo tanto a

tentativa do diabo para lançar uma pedra de tropeço como meio utilizado pelo Senhor para

testar nossa sinceridade e vigor de propósito; e desse modo somos preparados para

dificuldades e provações ainda maiores, que teremos fatalmente de enfrentar no campo

missionário.

A sentença seguinte, "...concluindo que Deus nos havia chamado..." é especialmente

significativa. "Concluindo" não é linguagem dos meros sentimentos, mas antes, de um

raciocínio pensativo e lógico. De fato, é quase a linguagem da matemática, que reúne dois

mais dois e calcula o resultado, que inquestionavelmente é quatro. A idéia de algumas

pessoas, de que a chamada missionária pertence ao terreno das emoções, é totalmente errônea.

Naturalmente que Deus pode guiar-nos por meio de nossas emoções. Se Ele assim quiser

fazê-lo, porquanto Ele mesmo nos criou com emoções. Mas com a mesma segurança pode

guiar-nos através de nossa faculdade da razão, quando essa é rendida a Ele. Foi desta última

maneira que Ele orientou o apóstolo Paulo, no caso que estamos considerando. Duas portas

haviam sido fechadas à sua frente, em rápida sucessão, e então veio a visão do homem da

Macedônia, que tão profundamente o impressionou. Ali estava uma grande necessidade, até o

momento ainda por satisfazer, enquanto que a Ásia e a Bitínia, ainda que continuassem em

necessidade, pelo menos já haviam recebido alguma oportunidade de ouvir sobre Cristo.

Page 80: A Bíblia e as Missões

80

Reunindo todos esses fatos, e ponderando sobre os mesmos em oração, Paulo e seus colegas

de trabalho foram levados a concluir (...concluindo...) que a vontade de Deus é que

atravessassem para a Macedônia. Foi uma sã dedução, à base dos fatos, que mentes e

corações plenamente entregues ao Senhor e sob o Seu controle, perceberam. Não estavam

equivocados em seu raciocínio e conclusão, como a seqüência do relato deixou claramente

comprovado.

A verdade que desejamos salientar, e que é esclarecido por esse incidente sobre a

Macedônia, é que o genuíno chamamento missionário repousa sobre a base não dos

sentimentos, e, sim, dos fatos, tal como também a nossa própria salvação. Deveria haver, e de

fato há sentimentos associados a essa chamada, mas tais sentimentos não efetuam a chamada,

nem servem de seu alicerce. Ora, existem dois grandes fatos básicos que subjazem uma

chamada missionária verdadeira e satisfatória, e esses fatos são bem ilustrados pela visão do

homem da Macedônia, que foi dada a Paulo. Pois aquela foi uma visão dupla, que combinou

fatores celestiais e terrenos.

Em primeiro lugar, foi uma benção celestial. Não restam dúvidas quanto a isso. Veio

da parte de Deus, que falou a Paulo e lhe deu certa revelação de Sua vontade, de tal modo que

as palavras do apóstolo, "não fui desobediente à visão celestial" (Atos 26:19), se aplicam a

essa visão tão certamente como àquela visão anterior a que ele aludia, em sua defesa perante

o rei Agripa. O primeiro fator essencial da chamada missionária autêntica é a revelação da

vontade divina. Como se pode obter tal revelação? Teríamos de receber visão similar àquela

de Paulo? Deve-se esperar algum drama espetacular e alguma voz audível vinda do céu? De

maneira alguma. A revelação da vontade divina se encontra na inspirada palavra escrita de

Deus, com a qual nos presenteou, de tal forma que não mais precisamos de uma visitação

especial do alto, tal como a que veio a Paulo. E segundo alguém expressou com essa verdade:

"chamada missionária, agora, não é uma voz, mas um versículo". Conforme temos visto nos

capítulos passados, a Palavra de Deus deixa perfeitamente óbvio que a Sua vontade é que o

evangelho seja anunciado a toda a humanidade, e todo filho de Deus deveria ter o mais

profundo interesse em descobrir, e então cumprir, a parte que lhe foi ordenada nesse grande

empreendimento.

Em segundo lugar, foi uma visão terrena. A Macedônia não era um mito ou fantasia:

era um lugar no mapa. Era um país habitado por pessoas destituídas do evangelho, e que

precisavam do mesmo. Se Paulo ainda não ouvira falar dessa nação, ou se ainda não

considerara em visitá-la, Deus chamou assim sua atenção para ela, tornando-a alvo de seu

interesse pelo momento. Isso nos fornece o segundo fator essencial de todo legítimo

chamamento missionário, que é a revelação da necessidade humana. E como se pode obter tal

revelação? Obviamente familiarizando-nos com os fatos salientes e concernentes às diferentes

regiões do mundo, particularmente no que concerne seu suprimento e necessidade da luz do

evangelho. A facilidade que há de aprender-se esses fatos na atualidade à tão generalizada e

abundante que nenhum crente inteligente pode desculpar-se com razão de permanecer

ignorante deles.

Já se disse acertadamente que "uma necessidade, o conhecimento dessa necessidade, e

a capacidade de satisfazer a essa necessidade é que constituem a chamada". Foi essa lógica

dos fatos que apelou para Keith Falconer, aquele heróico nobre escocês que levou avante a

trilha do evangelho até à "ignorada península" da Arábia. "Enquanto vastos continentes

jazerem ainda envolvidos na quase total escuridão, e centenas de milhões das criaturas

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humanas sofrerem os horrores do paganismo e do islamismo, repousará sobre nós a

responsabilidade de provar que as circunstâncias que Deus nos impôs são justamente as que

nos impedem de irmos para esse campo missionário no estrangeiro". Tiago Gilmour, o bravo

pioneiro entre os nômades da Mongólia, proferiu palavras não menos reforçativas e

convencedoras: "Para mim a questão não era por que ir? Mas antes, por que não ir? Até

mesmo baseado no terreno inferior do bom senso, eu parecia ter sido chamado para a carreira

missionária. Pois o reino não é um campo a ser ceifado? Portanto, julguei ser apenas razoável

buscar o trabalho onde o trabalho era mais abundante, e os obreiros eram mais escassos".

Se juntarmos agora esses dois aspectos da visão do homem da Macedônia, segundo

apresentados nos parágrafos acima, ou seja, o aspecto celestial e o terreno, os fatores divinos

e humanos, encontraremos a base bíblica mais sólida para a verdadeira chamada missionária.

Tal chamamento depende não dos sentimentos, mas de dois grandes fatos: primeiro, o fato da

vontade de Deus, segundo é revelada na Palavra; e em seguida o fato da necessidade humana,

segundo é revelada no mundo. Somente após uma consideração honesta e séria dessas duas

realidades é que qualquer crente pode chegar a uma decisão inteligente e consciente sobre

onde e em que lugar deveria ele encontrar-se, a fim de ajudar no cumprimento da grande

tarefa da Igreja de Cristo sobre a terra, a saber, a pregação do evangelho ao mundo inteiro.

A convocação ao serviço militar fornece-nos uma ilustração conveniente sobre o que

estamos procurando enfatizar, com respeito ao serviço missionário. Este país, quando em

estado de guerra, declara uma convocação geral de seu contigente militar, em termos segundo

os quais todo o homem em idade de servir e em boas condições de saúde fica inscrito para o

serviço ativo no exército. A norma é ir, e não permanecer. Os únicos que tem pleno direito de

isenção são aqueles desqualificados para o serviço no além-mar, ou aqueles que podem servir

melhor à sua nação ficando na própria terra. Exatamente assim deveria suceder no caso da

guerra missionária da Igreja. Em vista da ordem imperativa de Cristo, "IDE", e da

necessidade esmagadoramente maior em campos estrangeiros do que em nossa pátria, a

lealdade a Ele e o amor às almas constituem uma reivindicação compelidora que pesa sobre

os crentes em todos os níveis de idade, saúde e qualificações, e as circunstâncias

providenciais possibilitam-nos responder pessoalmente a esse chamamento, "procurando

partir", enquanto todos os outros devem "ir" através de suas orações e contribuições,

conforme a plena medida de sua capacidade.

Uma palavra mais, talvez, devesse ser adicionada aqui para esclarecer um ponto que a

muitos deixa honestamente perplexos, e que talvez fustigue ainda a mente de alguns de meus

leitores. Tudo quanto foi dito, até este momento, relaciona-se à chamada em geral. Porém,

poderia ser perguntado: "E não devo esperar uma chamada pessoal, para um campo de

trabalho particular? "Nossa resposta é: "Sim, de fato; mas não enquanto não vos tornardes

idôneos para isso". Só podem esperar um chamamento especial aqueles que possam tomar

atitude correta em relação à chamada geral (a Grande Comissão), pondo-se sem reservas à

disposição do Senhor. Tudo é exatamente como no caso da vossa salvação. Não vistes vossos

nomes individuais no convite do evangelho ou na chamada lançada pelo Salvador, mas vistes

a palavra "todo", e, quando respondestes a essa chamada geral e vos apropriaste dela, então o

Espírito Santo particularizou pessoalmente a Sua chamada, e vos deu a certeza da salvação.

Outro tanto sucede quando aceitamos a chamada ou ordem geral da Grande Comissão, e

reconhecemos nossa responsabilidade perante a mesma - então é que nos tornamos idôneos

para receber uma chamada pessoal para algum posto ou campo particular de trabalho. O fato é

que, àquele que se entregou sem reservas ao Senhor, com o desejo único de conhecer a Sua

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vontade e de preencher a vaga que Ele quer, qualquer que seja e onde quer que seja,

certamente será dada uma orientação firme, e tudo será esclarecido no tempo oportuno, até no

mais infinito detalhe. Ampla certeza sobre essa fato se descobre em Salmos 25:9; 32:8a e

João 7:17, além de muitos outros trechos bíblicos preciosos. Quando podermos dizer em

verdade, juntamente com Eliezer, dos dias antigos: "...estando (eu) no caminho...", então

também poderemos acrescentar, como ele fez: "... o Senhor me guiou..." (Gênesis 24:27).

Nada existe de mais vitalmente importante, para cada um de nós, do que conhecer a

vontade de Deus relativamente à nossa vida; e não pode haver alegria, nem paz, nem

satisfação tão grande como estar alguém perfeitamente dentro dessa vontade, bem como no

lugar apontado por Ele para nós, na bendita obra de levar a mensagem da salvação eterna a

um mundo perdido. "Que farei, Senhor?" (Atos 22:10).

Page 83: A Bíblia e as Missões

83

Capítulo VIII

O DINHEIRO E AS MISSÕES

Luz bíblica sobre a mordomia missionária

Tendo tratado sobre o fator humano nas missões de evangelização, e tocado na

questão da chamada aos recrutas, passamos a considerar o fator monetário, ou seja, a questão

do sustento financeiro das missões, que tanto o dinheiro como homens é algo necessário, na

tarefa da evangelização do mundo, é algo perfeitamente óbvio. Equipar e enviar missionários

a terras distantes, e sustentá-los ali em suas atividades, é um negócio caro e dispendioso.

Juntamente com apelo de homens e mulheres vão em pessoa, portanto, avulta o apelo,

lançado ao povo do Senhor, em suas pátrias, que vão com a bolsa, isto é, que tornem possível,

mediante a consagração de seus meios financeiros, a ida daqueles que dedicaram suas vidas à

tarefa de anunciar o evangelho às terras distantes ainda são evangelizadas.

Essa necessidade nos defronta como assunto da mordomia cristã, no terreno do

dinheiro e das possessões materiais, tema este que se reveste de grande importância prática,

sobre o qual a Palavra de Deus muito tem a dizer. De fato, todos aqueles que não dedicaram à

questão qualquer pensamento sério, ficarão surpreendidos com a freqüência com que as

Escrituras se referem ao dinheiro. E isso não é de estranhar, mas antes, é apenas natural, posto

que a Palavra de Deus aborda tudo que diz respeito à vida humana, e o dinheiro certamente é

uma dessas coisas.

Começando pelo Antigo Testamento, chegamos antes de tudo ao Salmos 24:1, que

diz: "Ao Senhor pertence a terra, e tudo que nela se contém". Esse versículo, tememos, é com

demasiada freqüência reputado como mero exemplo do espírito poético dos hebreus.

Contudo, precisa ser considerado mais seriamente como declaração de uma realidade literal.

O mundo, com tudo quanto está nele contido, pertence ao Senhor, e Ele jamais abrigou Seus

direitos sobre qualquer porção do mesmo. O mundo não pertence a qualquer nação ou grupo

de nações, nem mesmo aos milionários ou multimilionários. Temos criado o hábito de falar

em termos de possessão de propriedades e objetos pessoais, mas em realidade nenhum

homem possui coisa alguma. Simplesmente nos é concedido usar aquilo que denominamos de

nossas possessões, para o breve período de nossa existência terrena, quando muito, e então

teremos de deixar tudo para trás. "Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa

alguma podemos levar dele" (I Tm. 6:7). É fundamental, para que se compreenda com

exatidão a mordomia cristã, que percebamos e aceitemos essa grande realidade. Somente

devido o favor de Deus todo-poderoso é que possuímos qualquer coisa, e Ele no-la pode tirar

a qualquer momento que assim deseja fazer.

A propósito do que acabamos de dizer, citamos abaixo a observação feita pelo

falecido Dr. A. J. Gordon, sobre as doações às causas evangélicas, em forma de donativos.

Alguns julguem suas palavras como um tanto irônicas, mas são dignas de séria reflexão. "Não

é distintamente asseverado nas Escrituras", escreveu ele, "que todos haveremos de

comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba o que fez através do corpo?

Nesse caso, pois, por que os crentes planejam tão industriosamente que suas melhores

doações só sejam efetuadas depois de terem saído do corpo? Há alguma promessa de galardão

para essa benevolência extra corpus? Muito se louva aos "donativos munificentes", para a

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obra do Senhor, da parte de pessoas que viveram egoisticamente a desfrutar de suas riquezas,

apegando-se às suas possessões materiais enquanto puderam, e somente depois que não mais

podem desfrutar das mesmas é que as "deixaram", para uma causa boa. Em muitos casos, não

seria mais benéfico para a causa em questão, mais agradável para o Senhor, e mais ricamente

abençoado para os próprios doadores, se suas doações, ou uma parte substancial das mesmas,

fossem feitos enquanto ainda viviam?

As relações de Deus com Israel, debaixo da lei mosaica, fornece-nos princípios

permanentes de Seu governo, para todas as épocas. Voltando-nos, por exemplo, para o

vigésimo-quinto capítulo do livro de Levítico, descobrimos Seus regulamentos, claramente

expostos, acerca da relação de Seu povo para com as propriedades, o trabalho prestado, os

juros cobrados, e coisas semelhantes. O versículo vinte e três serve de ponto de partida. Diz o

seguinte: "Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós

sois para mim estrangeiros e peregrinos". Ora, Deus prometera a terra de Canaã a Abraão e

sua descendência para todo o sempre (Gn. 12:7; 13:15; 17:8). Mas foi-lhes dado a entender

que isso não lhes conferia a possessão absoluta, mas tão somente direitos de empréstimos. E

esse fato foi confirmado pelo Senhor através do notável sistema de sabatismos, por Ele

estabelecido - o sétimo dia, a sétima semana, o sétimo mês, o sétimo ano, e finalmente, o ano

qüinquagésimo, ou ano de jubileu, o ano imediatamente depois do sétimo período de sete

anos. As leis concernentes a esses descansos tinham o desígnio de ensinar uma

importantíssima lição sobre a relação em que Deus considera aquilo que os homens chamam

de suas propriedades. Cada israelita era lembrado que a terra que arava pertencia, não a ele

mesmo, mas sim, a Deus. Que o seu tempo igualmente pertencia ao Senhor foi salientado

pelo fato de Deus requerer consagração absoluta a Ele, de cada sétimo dia; e que a terra era

possessão de Deus foi deixado claro por Sua ordem idêntica de que a terra não fosse

trabalhada a cada sétimo ano, mas que fosse deixada a descansar, e que isso também fosse

observado de cinqüenta em cinqüenta anos.

O versículo vinte desse mesmo capítulo antecipa a questão que naturalmente se

levantaria na mente de qualquer israelita, sobre como poderia ele substituir debaixo das

rígidas restrições que foram impostas: "Se disserdes: Que comeremos no ano sétimo, visto

que não havemos de semear nem colher a mesma messe? Então eu vos darei a minha benção

no sexto ano, para que dê fruto por três anos". Dessa maneira prática os hebreus foram

instruídos que "não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de

Deus", além de ter-lhes sido ensinada uma verdade vital para todos os tempos, a saber, que o

âmago de toda verdadeira religião é a confiança implícita em Deus, o que, naturalmente,

assume a jubilosa atitude de obediência a todos os Seus mandamentos e à Sua vontade

revelada.

Outros versículos desse mesmo capítulo estabelecem regulamentações que

governavam a transferência de terras e o labor forçado, devido a dívidas assumidas, além de

regulamentarem os empréstimos aos pobres e os juros que podiam ser cobrados, além de

outras transações próprias de uma comunidade humana. O ponto culminante e mais

impressionante dessa provisão é o ano de jubileu (o qüinquagésimo ano), com sua estipulação

sobre todas as dívidas, contratos de trabalho e transferência de terras, tudo que era cancelado,

e as respectivas propriedades revertiam ao seu plano original de distribuição entre as várias

tribos e famílias, de conformidade com seus números. O efeito visado de todas essas

regulamentações era o de impor uma forte restrição à cobiça natural do homem e sua

insaciável ganância pelas riquezas materiais; era o de manter, tanto quanto possível, uma

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distribuição eqüitativa das propriedades e do dinheiro, impedindo que alguns poucos

acumulassem-nos em excesso, ao custo do empobrecimento da maioria; e era o de inculcar o

sentimento de interesse altruísta e de consideração para com os outros, especialmente no caso

dos pobres e dos desafortunados, a fim de que vissem que o espírito de "piedade com o

contentamento" é um grande "lucro".

Que essas estipulações legais são praticáveis sob as condições da vida moderna, ou

que sejam moralmente obrigatórias até hoje, não exaure a nossa contenção inteira, embora os

legisladores da atualidade muito aproveitariam em ponderar sobre as leis que por Deus foram

dadas a Israel, as quais fornecem os princípios básicos de toda legislação sã para a vida diária,

e, mais particularmente, abordam os problemas continuamente repetidos de uma distribuição

equânime de riquezas e a prevenção de extremos perigosos de riquezas ou pobreza.

Entretanto, o ponto que desejamos frisar é a lição extremamente prática e sondadora

que essas regulamentações, estabelecidas por Deus, para Seu antigo povo de Israel, tem por

finalidade ensinar a todos os crentes de hoje em dia, quanto aos conceitos certos e errados e

ao emprego das possessões materiais, com as quais Ele nos abençoou. Apesar de ser verdade

que não estão os crentes debaixo das leis severas, impostas ao antigo Israel, contudo, devem

ser constrangidos pela lei do Espírito da graça, que age em seus corações, como o foram

aqueles primitivos cristãos logo após o Pentecoste, a respeito do quais lemos que: "Ninguém

considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era

comum" (Atos 4:32), e que depositavam à disposição do Senhor, para promoção de Sua

causa, tudo quanto possuíam.

Passando a examinar o oitavo capítulo do livro de Deuteronômio, descobrimos outra

exortação e advertência, da parte do Senhor, ao Seu povo de Israel, pouco antes de entrarem

na Terra Prometida. Ele passou em revista Suas graciosas relações e efeitos com eles, através

de suas jornadas pelo deserto, e demorou-se a narrar as coisas mais excelentes que os

aguardavam na boa terra a qual os estava levando. Mas foi nessa altura que os advertiu

intensamente sobre o perigo de, chegando eles à prosperidade e às riquezas materiais, e

esquecessem de suas obrigações para com Ele, que é a origem e o doador de todas as suas

bênçãos materiais. "Guarda-te não te esqueças do Senhor teu Deus... para não suceder que,

depois de teres comido e estiveres fartos, depois de haveres edificado boas terras, e morado

nelas... e se aumentar a tua prata a o teu ouro, e ser abundante tudo quanto tens, se eleve o teu

coração e te esqueças do Senhor teu Deus... Não digas, pois, no teu coração: A minha força e

o poder de meu braço me adquiriam estas riquezas" (Vers. 11-18).

Não são essas solenes palavras de advertência tão aplicáveis ao povo atual de Deus, e

tão necessárias como nos dias quando foram dadas pela primeira vez? Quantas são as

instâncias em que crentes, conscientes e féis em seu andar e testemunho em favor de Cristo,

durante os anos de renda modesta, tornaram-se muito menos conscientes fiéis quando seu

padrão financeiro melhorou substancialmente! Muitos que, quando mais pobres, tinham o

cuidado de separar a dízima de seus minguados salários, dedicando-a ao Senhor, embora isso

exigisse rígida economia e autêntico sacrifício, após adquirem riquezas caíram na negligência

e não mais foram dizimistas, posto que as coisas que alimentavam seu orgulho ou prazer

foram absorvendo gradualmente a sua atenção. "A tragédia de quem quer ganhar dinheiro,"

escreveu um observador capaz de pensar, é que se torna uma finalidade em si mesma, ao

invés de ser um meio para que se atinja um fim. Quando o indivíduo começa a multiplicar

riquezas, a questão em vista é se Deus ganhará uma fortuna ou perderá um homem".

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Paralelo ao pensamento expresso nessa passagem de Deuteronômio é o que se lê em

Provérbios 3:9, que diz: "Honra ao Senhor com os teus bens, e com as primícias de toda a tua

renda". Ora, vários são os meios pelos quais um crente, pode dar honra ao seu Senhor - por

sua conduta coerente, por sua fé nas promessas de Deus, por seu zelo no testemunho

evangélico, por suas ações caritativas, e assim por diante. Mas queremos mencionar aqui

ainda um outro modo mui distintivo pelo qual os filhos de Deus podem honrar (ou desonrar)

ao Senhor, a saber, suas relações para com o dinheiro ou seu equivalente em propriedade. É

de temer-se que alguns crentes, que de outras maneiras estão honrando ao Senhor, estejam

falhando nessa esfera particular. Para alguns, o teste do dinheiro parece ser mais severo de

todos.

No texto que acabamos de citar, a admoestação é seguida por uma promessa de

recompensa de natureza material, quando o crente honra a Deus com suas possessões

materiais: "E se encherão fartamente os teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus

lagares". Essa promessa do Antigo Testamento, que garante recompensa material em face da

obediência, não se encontra no Novo Testamento. Os filhos de Deus que vivem sobre a graça

não recebem a garantia de enriquecimento temporal, mas são ensinados a antes darem valor

às riquezas espirituais, e a pôrem suas afeições"...nas coisas lá do alto, não nas que são aqui

da terra..." (Colossenses 3:2).

Há, por exemplo, aquela amável certeza que nos é dada em Tiago 2:5: "Não escolheu

Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele

prometeu aos que o amam?" Não obstante, a verdade é que Deus continua controlando todas

as coisas materiais, e reserva para Si mesmo o direito de conceder, prosperidade financeira a

quem Ele quiser. Em determinadas oportunidades Ele acha por bem outorgar riquezas a certos

de Seus filhos, para que sejam canal de alívio dos santos mais pobres, ou para que sustentem

financeiramente o empreendimento da evangelização, que tanto O observe.

Um exemplo notável desse fato foi o do honrado Alfeu Hardy, de Boston, que usou o

seu dinheiro consagrado para tornar-se amigo e mandar educar um mancebo japonês que

conseguira escapar de sua terra nativa, como passageiro clandestino em uma escuna norte-

americana que se dirigia para Xangai, e dali conseguiu seguir caminho até os Estados Unidos

da América. Desse modo, o Sr. Hardy proveu o Japão com um de seus maiores apóstolos

evangélicos nativos, na pessoa de José Hardy Nessima. Mas esse é apenas um exemplo entre

os muitos crentes que têm honrado ao Senhor com suas posses materiais, e aos quais Deus,

por sua vez, honrou com riquezas crescentes, para serem despendidas em Sua causa, e em Sua

glória.

Outros casos notáveis, em nossos próprios dias, sobem-nos à memória, onde a

habilidade comercial e a capacidade de amealhar dinheiro foram postos à disposição do

Senhor, ao invés de serem usados exclusivamente para vantagem pessoal, de tal modo que

lucros crescentes foram jubilosamente devotados às missões evangélicas, em lugar de serem

gastos em uma casa melhor e luxos adicionais, ou então e acumulados em uma conta bancária

polpuda. Dessa maneira Deus é honrado pelos Seus servos leais, que aprenderam um melhor

modo de juntar tesouros no céu, ao invés de fazê-lo sobre a face da terra.

Examinando em seguida a profecia de Ageu, chegamos àquela mais transpassadora

das declarações com respeito ao dinheiro e sua relação para com o reino de Deus. Ageu 2:8,

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diz: "Minha é a prata, meu é o ouro, diz o Senhor dos Exércitos". Por muitas vezes sem conta

esse versículo é citado como certeza de que um rico Pai celestial fornecerá os fundos

necessários para Seus filhos que Nele confiam e trabalham para Ele. E mui similarmente são

citadas as palavras do Senhor que encontramos em Salmos 50:10. "Pois são meus todos os

animais do bosque, e as alimárias aos milhares sobre as montanhas". Ora, estamos longe de

querer privar qualquer filho necessitado ou servo do Senhor da certeza consoladora de que

Ele suprirá cada necessidade com as riquezas de Seus tesouros sem fim. De fato há um

sentido em que esses textos podem ser legitimamente aplicados dessa forma, de

conformidade com muitas outras passagens bíblicas que dão a mesma certeza e garantia.

O contexto do trecho de Ageu, todavia, mostra claramente o sentido primário, em as

passagens, é totalmente diferente disso. Em ambos os casos as palavras foram dirigidas por

Deus ao Seu povo, em tons não de consolo, mas da mais severa reprimenda.

Considerando a primeira passagem, no livro de Salmos, vemos que Ele protestava

contra a mera forma exterior de adoração, sem o acompanhamento imprescindível do coração.

Israel continuava a oferecer os sacrifícios de animais sobre o altar de Deus, conforme lhe fora

prescrito, ao mesmo tempo que em seus corações e em sua conduta, estavam todos muito

afastados do Senhor. Sob tais condições, esses sacrifícios não eram mais agradáveis, mas

antes, desagradáveis para o Senhor. Ele, portanto, falou com indignação, relembrando-lhes

que Ele não precisava das ofertas materiais que Lhe traziam continuamente: "Se eu tivesse

fome não to diria, pois o mundo é meu, e quanto nele se contem? Acaso como eu carne de

touros? Ou bebo sangue de cabritos?" Por conseguinte, a menos que suas ofertas fossem

acompanhadas de uma adoração genuinamente proveniente no coração, motivada pelo senso

de gratidão, seria melhor que descontinuassem completamente seus sacrifícios materiais.

Além disso, em relação à prata e ao ouro que Deus menciona no livro de Ageu, Ele

não tinha em mente, nessa passagem os abundantes depósitos desses metais preciosos, que

continuam inexplorados nas entranhas da terra ou distribuídos pela face do globo. Pelo

contrário, referia-se à prata e ao ouro na posse daqueles a quem se dirigia, e que

egoisticamente os gastavam em mansões confortáveis ou os entesouravam para o uso futuro,

ao mesmo tempo que negligenciavam a reconstrução do templo de Deus, o qual jazia em

ruínas. "Este povo diz: Não veio ainda o tempo, o tempo em que a casa do Senhor deve ser

edificada". E o Senhor acrescentou: "Acaso é tempo de habitardes vós em casas apaineladas,

enquanto esta casa permanece em ruínas?" Dessa maneira, o Senhor os repreendeu por

reterem egoisticamente, para si mesmos, aquilo que pertencia a Ele e deveria ser utilizado

para Sua adoração e serviço. E daí passa a testificar de Suas bênçãos para que tivessem

colheitas abundantes, as quais passariam a ser retiradas de forma que seus labores se

tornassem vãos, para que não mais prosperassem, mas padecessem necessidade. E segue-se a

exortação que diz: "Considerai o vosso passado... Subi ao monte, trazei madeira e edificai a

casa; dela me agradarei, e serei glorificado, diz o Senhor".

Certamente que a aplicação de todos esses ensinamentos ao povo que se professa

atualmente pertencente a Deus, deve ser perfeitamente clara. Se a prata e o ouro eram de

Deus, nos tempos de Ageu, sem dúvida não o são menos em nossos dias; e, se aqueles que

são seus seguidores professos da atualidade ignoram esse fato, negando-Lhe os Seus direitos,

e dando o primeiro lugar aos seus próprios interesses egoísticos, no que toca ao dinheiro que

por Ele lhes foi confiado, então não devem ficar surpresos quando Ele retirar Suas bênçãos

abundantes deles, permitindo que experimentem sofrimento e perda. Quer essa perda seja de

natureza material quer seja de natureza espiritual, e quer seja experimentada agora ou mais

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tarde, da soberania de Deus é que depende a decisão. Mas o certo é que tal castigo virá de

uma maneira ou de outra. "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que homem

semear, isso também ceifará". (Gl. 6:7). Ainda que esse texto seja usualmente seja citado em

conexão totalmente diversa, não nos devemos esquecer que ocorre dentro de uma passagem

que aborda diretamente o uso do dinheiro. Quão consoladoras, por outro lado, são as garantias

graciosas que o Senhor fez por intermédio de Ageu ao Seu antigo povo, de que restauraria

Sua presença e Sua benção contanto que recebessem Sua repreensão e correspondessem

afirmativamente ao Seu apelo! E o paralelo neo-testamentário é a admoestação de Cristo

contra a ansiedade e a preocupação em vista das necessidades temporais, bem como Sua

promessa acompanhante: "...buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e

todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt. 6:33). Quão admiravelmente o fato de

darmos o "primeiro lugar" às coisas primárias soluciona os problemas humanos, além de

glorificar a Deus!

Uma última passagem do Antigo Testamento, a que queremos fazer alusão, é a de

Malaquias 3:8-10. O pano de fundo da declaração de Malaquias era bastante parecido com a

situação encontrada por Ageu. Aqueles dias se caracterizavam pelo formalismo na vida

religiosa de Israel, e observâncias externas e mecânicas eram a forma habitual de adoração,

ainda que tudo estivesse despido de sinceridade e fervor de espírito, o que é o elemento que

empresta à adoração a sua natureza autêntica. O povo declinava espiritualmente, e os

sacerdotes se corrompiam. Exprimindo isso na linguagem do Novo Testamento,

encontraríamos em II Tm. 3:5: "...tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder".

A parte mais grave e triste acerca do caso era que estavam totalmente inconscientes do fato,

conforme fica evidenciado pela tonalidade de surpresa e indignação com que responderam à

acusação do profeta. Por sete vezes perguntaram eles: "Em que...?" ou expressão semelhante,

quando confrontados pelo profeta, exigindo que ele considerasse seus sacrifícios de animais,

suas ofertas, e sua estrita aderência a todas as regulamentações legais. Que quadro patético

sobre o contentamento com a teoria correta e com a forma ortodoxa de adoração, e até mesmo

orgulho nisso, enquanto que a sua própria condição espiritual era negra, por tanto se terem

desviado de Deus em seu coração e conduta!

É para certa acusação particular de Malaquias contra o povo que queremos chamar a

atenção de nossos leitores, porque refere-se diretamente à questão do dinheiro. "Roubará o

homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas

ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda.

Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-

me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar

sobre vós benção sem medida" (Ml. 3:8-10).

O sistema de dízimos, no antigo povo de Israel, mediante a décima parte de toda a

renda de um indivíduo, quer por aluguel de um terreno quer proveniente do trabalho manual,

deveria ser oferecido ao Senhor, provendo os meios de sustento para o tabernáculo e o

sacerdócio, era a mordomia da época. Mais que isso, porém, servia de meio para ensinar ao

povo de Deus que Ele tinha direitos sobre eles. O oferecimento dos dízimos servia de

reconhecimento do fato que tudo quanto possuíam pertencia a Deus. O Dr. G. Campbell

Morgan, em seu volume sobre Malaquias, salienta que a tradução "o dízimo inteiro", ao invés

de "todos os dízimos", é a preferível. Diz ele que "esta última tradução sugere uma religião

matemática ou mecânica, enquanto que o dízimo inteiro significa não apenas... a forma

externa, porém também a intenção do íntimo...' "Trazei o dízimo inteiro", e trazei-o na forma

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correta; e que isso seja o meio de reconhecermos o amor de Deus". Porém, parece óbvio que

Israel perdeu não só o verdadeiro motivo de suas contribuições, mas também que a

interrupção de suas ofertas fora causada por seu estado de desvio espiritual. Quão

severamente Deus os chamou à ordem, por causa dessa falha, acusando-os violentamente de

furto! Isso certamente mostra a seriedade da questão da contribuição dos próprios bens para o

Senhor e Seu serviço, e Seu povo atual bem faria em ponderar sobre essa questão. O Senhor

revelava-lhes que a infidelidade deles, nessa questão particular isolada, estava se sobressaindo

bem no caminho do derramamento de Suas bênçãos sobre eles. Daí se segue que Sua

reprimenda é acompanhada de um apelo patético e da promessa que se o "dízimo inteiro"

fosse trazido à casa do tesouro, Ele lhes abriria as janelas dos céus e lhes inundaria a terra

com um dilúvio de bênçãos.

É freqüente ouvir-se a citação dessa graciosa promessa em oração, fazendo dela a base

da solicitação que pede o derramamento de bençãos de qualquer natureza. Efetivamente, é

próprio orar nesse sentido, com a condição de ser observada a condição paralela. Mas a

cláusula, "...provai-me nisto...", precisa ser cuidadosamente observada, e particularmente a

palavra chave, "nisto" que se relaciona distintamente ao "dízimo inteiro"; ou, em outras

palavras, à fidelidade de Deus, na distribuição das coisas materiais. Já orastes por um

reavivamento espiritual em vossos próprios corações, ou em favor de alguma igreja ou

agrupamento evangélico em particular? Nesse caso, se a resposta ainda não veio é que deve

haver alguma razão obstaculizadora, porquanto Deus é invariavelmente fiel à Sua Palavra.

Embora a razão possa estar em uma só coisa ou em certo número de coisas, no caso que

temos à frente, o problema consistia de estarem "roubando" de Deus os donativos materiais

que Lhe eram devidos, e pelos quais Ele esperava. Que lição tremenda encerra isso para todo

crente - uma lição que todo pastor evangélico deveria enfatizar sobre as consciências de seu

rebanho!

Antes de deixarmos de lado essa passagem, resta-nos ainda um ponto a considerar. O

texto diz: "...Nos dízimos e nas ofertas..." O dízimo, ou décima parte, não perfazia a

totalidade das doações que a Israel cabia fazer a Jeová, mas tão somente o começo. Em adição

ao dízimo havia várias "ofertas", algumas prescritas e, por conseguinte, obrigatórias, e outras

expontâneas, e por isso mesmo, opcionais. Certo comentador moderado apresentou a

estimativa que as doações totais de um israelita devoto, para o serviço do Senhor, chegavam

não meramente a uma décima parte, mas a três décimas partes. Se essa proporção de seu

dinheiro, quer exigida quer esperada da parte dele, impunha-lhe dificuldades, lembremo-nos

que Aquele que solicitava tal sacrifício não era outro senão o Doador de "toda boa dádiva e

todo dom perfeito" às Suas criaturas, e que Ele era e continua sendo capaz de prover em

abundância, e está disposto a isso, para as necessidades daqueles que O amam, pois Ele

mesmo concede a eles a capacidade de Lhe darem ricamente. O ofertante fiel, portanto, não

tinha necessidade de ficar preocupado, mas podia ter a certeza de que do Senhor lhe adviria a

prosperidade e a provisão para as suas necessidades.

Tendo passado uma vista de olhos, em algumas das muitas passagens do Antigo

Testamento que dizem respeito às contribuições para a obra do Senhor, passamos agora a

examinar a abordagem mais completa sobre o assunto que lhe dedica o Novo Testamento.

Antes de tudo, desfaçamo-nos da idéia, de forma alguma incomum, de que em vista de

estarmos sob a graça, e não debaixo da lei, as exigências impostas àqueles que viviam sob a

antiga dispensação não tem sentido para nós. É idéia errônea. Deus é o mesmo, tanto agora

como naqueles tempos. Seus princípios em nada se alteraram, mas só mudaram Suas

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maneiras de tratar com Seu povo. Atualmente Ele opera não segundo a lei externa da

compulsão, mas pela influência íntima e constrangedora do Seu Espírito. Citando o Dr. G.

Campbell Morgan uma vez mais: "Não imaginemos que por estarmos vivendo em uma

dispensação espiritual não mais estejamos obrigados no que concerne às contribuições

materiais. A nós cabe trazer os dízimos. Não é exatamente o dízimo que Deus pede de nós,

mas é tudo! Podemos ter uma declaração proporcional, se assim o quisermos. Da mesma

forma que a dispensação cristã é superior à judaica, semelhantemente as minhas contribuições

devem ser maiores que a décima parte, e quando tivermos solucionado a primeira proporção,

começaremos a entender a segunda".

A lei real de Deus, relativamente às nossas contribuições, é: "...de graças recebestes,

de graça dai" (Mt. 10:8). Todavia, no Novo Testamento, a contribuição pecuniária não é

deixada aos impulsos ocasionais do indivíduo. Paulo, escrevendo para a congregação de

Corinto, estabeleceu instruções definidas, como segue: "Quanto à coleta para os santos, fazei

vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana cada um de vós

ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade..." (I Co. 16:1,2). Neste passo bíblico

vemos que as contribuições em dinheiro são reputadas parte da adoração do dia do Senhor,

juntamente com a oração e o louvor, e que esta deve ser voluntária e deliberada ("cada um de

vós ponha de parte, em casa"), sistemática ("no primeiro dia da semana") e proporcional

(conforme a sua prosperidade"). Não existe boas razões para que alguém imagine que essa

ordem apostólica não tem mais aplicação para os crentes, devido à passagem do tempo. Os

padrões de Deus são eternos. Seus mandamentos jamais sofrem alteração; e por isso é que

não podem ser ignorados com impunidade.

Voltando-nos para os evangelhos, descobrimos repetidas referências ao dinheiro,

feitas pelo Senhor Jesus. Lemos sobre como, de certa feita, Ele estava "assentado diante do

gazofilácio (tesouro)", observando o povo a depositar as suas ofertas. Se algum crítico vier a

julgar que essa ação não cabia bem a Cristo, que prestes conta a Ele, e não a nós. Permanece

de pé o fato que Jesus assim agiu, e, estamos certos, com motivos plenamente dignos. Não

estará Ele, similarmente, a observar e a tomar nota quando a bandeja de ofertas passa pelo

povo reunido em um templo evangélico, em nossos dias? Perguntamos se faria diferença, no

que é posto na bandeja de ofertas por alguns, se tivessem consciência que os olhos do Senhor

estão fixos neles. Porém, a mais importante lição desse incidente é que Jesus não mediu os

donativos pela quantia contribuída, mas pelo que isso custava aos doadores. Ele observava os

ricos, que davam de sua abundância. Foi nesse momento que chegou uma pobre viúva, e

contribuiu com duas moedinhas insignificantes. Então o Senhor abriu a Sua boca, do tesouro

de ofertas que Lhe haviam sido trazidas. Que disse Ele? "Em verdade vos digo que esta viúva

pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes". Ao assim declarar,

Ele media as dádivas não conforme as balanças humanas, mas conforme as balanças do

santuário; Sua estimativa não se baseava no valor intrínseco das ofertas, mas antes, na medida

de sacrifício que a doação exigia. As ofertas feitas pelos ricos não lhes impunham abnegação:

davam "daquilo que lhes sobrava", e por isso ainda lhes restava muito mais. A viúva, pelo

contrário, voltou para casa sem dinheiro, porquanto "deu tudo o que possuía".

Foi o caráter de sacrifício, do donativo feito pela viúva, que Jesus louvou, e isso se

aplica a todas as doações e a toda forma de serviço que Lhe é prestado. Semelhantemente, ele

louvou a unção de Seus pés por parte de Maria, em Betânia, pois reconhecia o sacrifício

pessoal que isso deve ter significado para ela, uma humilde mulher de aldeia, que teve de

economizar dinheiro por longo tempo de adquirir a libra do valioso ungüento com que Lhe

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91

ungiu os pés. De outra feita, uma mulher penitente agiu de modo similar, quando Jesus estava

reclinado na casa do fariseu, e quando o Mestre teve ocasião de confrontar a profunda piedade

e devoção dela com a falta de cortesia corriqueira, demonstrada por seu hospedeiro. Ele

recomendou o ministério dela por haver sido impelido pelo amor, e simplesmente

desconsiderou a hospitalidade do fariseu, por haver-se mostrado egoísta e sem sentimentos.

Assim é que o Senhor sempre distingue entre as doações feitas por motivos de vão

exibicionismo, ou por motivos interesseiros, das doações que trazem a marca do verdadeiro

amor e sacrifício.

Jesus, em Suas parábolas e discursos, por várias vezes mencionou o dinheiro. As

parábolas dos talentos e das moedas tratam distintamente desse assunto. A parábola do rico

insensato mostra a loucura da acumulação de bens deste mundo, enquanto que a parábola do

mordomo injusto ensina a lição do uso das riquezas para finalidades celestiais, e não para

propósitos terrenos. No registro sagrado acerca do rico e de Lázaro, bem como acerca do filho

pródigo, o abuso egoístico dilapidador e pecaminoso das riquezas, bem como os horrorosos

resultados que daí certamente surgem, é salientado de forma impressionante. Ao jovem rico,

em que Jesus via tantas características recomendáveis, foi aplicado o teste definitivo das

relações de seu dinheiro para com o discipulado cristão. Não conseguiu ser aprovado nesse

teste, e "retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades". Quantos tem vivido desde

então que, se por um lado são cristãos exemplares em outros aspectos, tem fracassado

miseravelmente perante essa mesma prova!

Além de tudo, temos a palavra de recomendação do Senhor: "Não acumuleis para vós

outros tesouros sobre a terra... mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem

ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam". Os pregadores invariavelmente

emprestam uma interpretação espiritual a esse texto (Mt. 6:19-21), mas não parece haver

razões suficientes para que não o tomemos literalmente, como franco desencorajamento

quanto ao acúmulo egoístico de dinheiro e outros tesouros materiais, da parte dos seguidores

de Cristo. Ainda que Ele não tenha tencionado asseverar tal verdade como severa proibição,

pelo menos foi uma palavra de conselho bondoso e sincero, da parte Daquele que tem no

próprio coração o interesse mais elevado e duradouro deles. Depositar dinheiro nos bancos

terrenos, investir dinheiro e adquirir propriedades, inquestionavelmente tem seus próprios

riscos de perdas ou deterioração. E, mais do que isso, temos a advertência adicional de Jesus:

"...porque onde está o teu tesouro, aí também estará o teu coração". E isso declara o que

muitos tem aprendido apenas muito tarde, e para lamento eterno - que a acumulação de

tesouros terrenos tende por fortemente atrair o coração para longe das coisas pertencentes ao

terreno espiritual, e contribui para o empobrecimento da alma. Quão muito mais proveitoso,

portanto, é o investimento do próprio dinheiro na causa do Senhor, o que é seguido pela

finalidade satisfatória da salvação de almas preciosas e do envio da mensagem evangélica até

às extremidades da terra! Isso é, verdadeiramente, ajuntar tesouros no céu, o que está fora de

toda a possibilidade de dano ou perda, contando ainda com a bênção adicional de rico e

eterno galardão.

Possivelmente o estudo mais completo, do Novo Testamento, sobre o tema das

contribuições cristãs, seja o contido em II Coríntios, nos capítulos oitavo e nono. Segundo

alguém asseverou, temos ali "o grande discurso sobre as contribuições que torna

desnecessário todo outro tratamento sobre esse importante tema". O que provocou a escrita

desses capítulos (isto é, do lado humano) foi o esplêndido exemplo de benevolência cristã

fornecido pelas igrejas da Macedônia. A referência que Paulo faz ao caso deles (8:1-5), foi

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vazada em linguagem notável, quase paradoxal. Testifica ele como "...no meio de muita prova

de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou

em grande riqueza da sua generosidade". Nessa admirável afirmação, fica demonstrado que as

doações feitas por aqueles crentes, era o reverso de toda experiência comum. Deram da

abundância, não de suas riquezas, mas de sua pobreza; e sua disposição ultrapassou sua

capacidade de dar, e não ao contrário. Quão refrigerados nos sentimos com esse testemunho!

O segredo de tudo era a graça de Deus que neles atuava. A palavra "graça" é mencionada por

seis vezes, nesses dois capítulos que tratam da questão das contribuições cristãs. O fato é que

o dar não é um atributo do homem natural, cuja inclinação pende para a direção contrária, de

obter e reter; mas é próprio da graça concedida por Deus. Essa graça fora "concedida às

igrejas da Macedônia", e fora recebida e exibida em alto grau, e isso não apenas o que toca à

questão do dinheiro, mas também o que se referia a questões ainda mais momentosas, como a

de "darem-se a si mesmos primeiro ao Senhor", em ampla rendição e consagração. Os crentes

de Corinto, pois, são exortados a copiarem seu exemplo, para que abundassem também "nesta

graça".

Nesses capítulos há muito material que não podemos abordar, mas que trata do tema

das contribuições cristãs, e tudo se reveste de importância vital para os crentes de hoje em

dia. Se buscamos ansiosamente a perfeição na vida cristã, conforme deve ser a experiência de

todo verdadeiro cristão, temos de entender que essa graça da contribuição, que esse fruto do

Espírito, é essencial para aquela finalidade em meta. Sua ausência é uma mácula patética no

caráter cristão, porquanto não se pode esperar que a bênção de Deus repouse sobre o egoísmo

ou a parcimônia. "Deus ama a quem dá com alegria". Deus vê no tal um reflexo de Seu

próprio amor, que se expressou no "Seu dom indizível", a saber, Seu próprio Filho bem

amado, para ser o nosso Salvador. E Paulo situa em alta plana a contribuição cristã quando

assevera, para os crentes de Corinto, que solicitava suas dádivas a fim de "...provar... a

sinceridade de vosso amor..." (8:8), e então, após mencionar os mensageiros que lhes estava

enviando, acrescenta: "Manifestai, pois, perante as igrejas, a prova do vosso amor e da nossa

exultação a vosso respeito" (8:24). Oxalá, todos os crentes de nossos dias tivessem a

sinceridade de seu amor a Cristo avaliada à base do dinheiro com que contribuem para a Sua

causa!

Existe ainda uma outra passagem que discute sobre a atitude do crente, para com o

dinheiro, e sobre a influência da mesma na causa missionária de Cristo. Referimo-nos ao

sexto capítulo de I Timóteo. Em realidade, esse capítulo contém duas passagens sobre esse

assunto, a saber, os versículos seis a onze e os versículos dezessete a dezenove; e a relação de

uma passagem para com a outra é tão impressionante que recomendamos aos nossos leitores

que os examinem cuidadosamente. Antes já fizemos referência aos versículos sexto e sétimo,

e aqui citamos apenas uma parte dos versículos nono a décimo-primeiro. "Ora, os que querem

ficar ricos caem em tentação e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas,

as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os

males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé, e a si mesmos se atormentaram com muitas

dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas..." aqui temos intensa admoestação,

da parte do veterano missionário, o apóstolo Paulo, a seu colega mais jovem. Timóteo, por

sua própria causa e também para benefício daqueles a quem pudesse vir a ministrar o

evangelho.

Trata-se de solene aviso sobre a ilusão das riquezas. "...os que querem ficar ricos..."

inclui não apenas os que já são realmente ricos, mas também aqueles que desejam ou

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ambicionam sê-lo, aqueles cujo coração almejam a acumulação de dinheiro. Assim sendo,

essa expressão abarca muitos daqueles que não pertencem à classe dos ricos. Não precisamos

buscar muito longe os exemplos do tremendo perigo e das trágicas consequências, aqui

mencionadas, e que seguem essa paixão pelo dinheiro. Tais exemplos formam multidão ao

redor de nós. Quanto à cláusula que se segue imediatamente, trata-se de uma das passagens

bíblicas mais freqüentemente mal citadas. Ouve-se as pessoas dizerem que o dinheiro é a raiz

de todos os males, mas esse texto nada diz nesse sentido. O dinheiro, intrinsecamente, não é

nem bom nem mau. Só é bom ou mau de conformidade com o uso que dele se faz. Se for

egoisticamente utilizado, ou se for prostituído para propósitos indignos e pecaminosos,

poderá então tornar-se realmente "raiz de todos os males". É esse triste fato que conquistou

para o dinheiro o ápode de "ganho imundo". Mas, em contraposição à declaração de Paulo,

pode ser dito, com igual verdade, que o correto emprego do dinheiro, sua consagração a Deus

e sua digna utilização, serve de "raiz de todos os bens". Quão gratos deveriam sentir-se os

filhos de Deus por esse fato, quer lhes tenha o Senhor confiado muito ou pouco dinheiro!

Examinemos, portanto, de passagem, os versículos seguintes que conduzem à segunda

passagem acerca do dinheiro, nesse mesmo capítulo. O apóstolo prossegue com exortações e

incumbências, para seu amado discípulo Timóteo, e então conclui, nos versículos décimo-

quinto e décimo-sexto, com uma bela atribuição de louvor e adoração ao Senhor Jesus Cristo,

e termina com a bênção que diz: "A Ele honra e poder eterno. Amém".

Não há que duvidar que esse parece ter sido o encerramento original da carta do

apóstolo, e a ausência do "Amém" adicional, em algumas versões, como a Revised Version,

em Inglês, e como na própria versão que utilizamos "Edição Revista e Atualizada no Brasil",

da Sociedade Bíblica do Brasil, no fim do último versículo (vers. 21) confirme esse

pensamento. Parece que Paulo, tendo terminado sua epístola, estava pronto para despachá-la

quando foi constrangido a abri-la de novo a fim de acrescentar mais uma fervorosa

admoestação. Qual o tema desse importante sobrescrito? Diz respeito à relação do crente

para com o dinheiro. O que ele adiciona é parcialmente uma repetição do que já escrevera, o

que empresta à sua ação uma dupla significação, indicando a importância vital que ele dava à

questão em consideração, bem como a preocupação de seu coração a respeito da mesma.

Escutai, pois, as palavras do seu sobrescrito: "Exorta aos ricos do presente século que

não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em

Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento, que pratiquem o bem,

sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir, que acumulem para si

mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira

vida."

Que impressionante palavra é essa para os que manuseiam com a prata e o ouro do

Senhor! Não diz: "Congratulai aqueles que são ricos"; e também não diz: "Invejai-os", e nem

mesmo "Criticai-os". Tudo isso é fácil de fazer, e por isso mesmo é feito com freqüência.

Não, mas pelo contrário diz: "Exorta aos ricos..."- mostra-te compreensivo, sê fiel no caso

deles, e, na qualidade de legítimo ministro de Cristo busca ser motivo de benção a eles,

mostrando-lhes, por um lado, o bendito privilégio de haverem sido recebedores de riquezas, e

as possibilidades sem limites de usarem-nas para a glória do Senhor e para o avanço de Sua

obra, que consiste da disseminação do evangelho, e por outro lado, o perigo e a

responsabilidade em que se encontram os ricos. Essa inspirada admoestação não impõe sobre

os pastores a sagrada responsabilidade de advertirem os ricos de seu rebanho, e sobre todos os

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crentes o dever e o privilégio de orarem por tais irmãos na fé, para que lhes seja concedida a

graça de serem fieis àquilo que foram encarregados - "...que pratiquem o bem, sejam ricos de

boa obras, generosos em dar e prontos a repartir...", e assim alcancem a finalidade mais alta

das riquezas que Deus lhes outorgou.

Muito mais tem a palavra de Deus a dizer a respeito do dinheiro, mas as passagens

citadas servirão para indicar algo de sua importância, para a mente de Deus e para a vida de

Seu povo, o que mostra sua conexão vital à tarefa de evangelização do mundo. Que a ida dos

missionários depende das contribuições para as missões é auto-evidente. Durante as duas

últimas guerras mundiais, nossa geração ouviu apelos diários, e em alguns casos, a cada hora,

para que apoiassem as gigantescas operações militares, no além-mar, através da compra de

bônus de guerra. Um lema familiar, durante a I Grande Guerra, foi: "Se você não pode ir,

então dê. Se você não pode combater pessoalmente, então faça seu dinheiro lutar". Isso

expressa perfeitamente o drama das missões de âmbito mundial. Olhando a questão de certo

ponto de vista, que embora, admita-se, não sendo o principal é extremamente necessário, cada

missionário enviado, cada campo penetrado, cada posto missionário inaugurado, cada alma

ganha para Cristo, é uma questão de cruzeiros e centavos. O empreendimento pertence não

apenas para os missionários postados no estrangeiro, mas à Igreja em sua totalidade; e cada

membro dessa Igreja foi incumbido de uma parte em sua responsabilidade. E a isso

acrescentamos que cada qual foi favorecido com uma parte de seu alto privilégio.

É esse aspecto do privilégio que nós gostamos de frisar. O apóstolo Paulo batia

repetidamente sobre essa particularidade, ao mesmo tempo que pressionava fielmente sobre o

lado da nossa responsabilidade. Ele exultava na alta honra que lhe fora conferida de ser um

missionário, de ser um embaixador em nome de Jesus Cristo. À igreja cristã em Éfeso,

escreveu: "A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o

evangelho das insondáveis riquezas de Cristo". E essa é apenas uma dentre as diversas

afirmações similares, que se encontram em seus escritos. Esse elevado privilégio, no entanto,

não está confinado àqueles cujo papel é o de irem. Pertence não àqueles que, incapazes de

irem em pessoa, desincumbem-se fielmente de sua parte, contribuindo. Pois, ao contribuírem

com o resultado de seus labores, físicos ou intelectuais, estão realmente contribuindo com sua

própria vida, e o Senhor aceita a oferta dos mesmos como tal, prometendo-lhes igual

recompensa que aquela que será conferida aos que forem pessoalmente ao campo de luta.

Assim é que Davi tratava com os seus leais seguidores. A norma por ele usada: "Porque, qual

é a parte dos que desceram à peleja, tal será a parte dos que ficaram com a bagagem;

receberão partes iguais" (I Sm. 30:24). Os crentes que davam com abundância e alegria, em

Filipos, souberam pelo apóstolo que suas ofertas eram como um "aroma suave, como

sacrifício aceitável e aprazível a Deus" (Fl. 4:18). Que consolo e inspiração devem ter sido

essas palavras de aprovação, quando as leram, sabendo que, por motivo de seus donativos em

dinheiro, eram reputados plenos sócios de Paulo e de outros, que dedicavam seu tempo e

energia à obra da propagação do evangelho! O mesmo consolo e inspiração pertence a todos

os crentes da atualidade, que apanharam a visão da verdadeira relação entre o dinheiro e o

reino de Deus, e estão acompanhando o exemplo dos dadivosos crentes da Macedônia.

A necessidade de recursos para a obra missionária vem sendo corretamente salientada,

mas a necessidade de contribuintes para a obra missionária não deve ser frisada com menor

ênfase, mas, talvez, ainda mais intensamente. Temos sabido de casos em que jovens bem

qualificados se tem oferecido para o serviço missionário no estrangeiro, apenas para que lhe

seja retrucado que suas igrejas estão financeiramente despreparadas para enviá-los. Algo de

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horrendamente errado e entristecedor para Deus existe em uma situação assim. Quando o

Espírito Santo têm livre curso, sempre que chama um recruta para que vá, aqueles que tem as

chaves das gavetas do tesouro do Rei, na qualidade de Seus fiéis despenseiros, serão

impulsionados a liberar os fundos capazes de enviá-los e sustentá-los. A desculpa de

inaptidão financeira não tem base, conforme tem sido amplamente provado por aquelas

igrejas locais ou indivíduos que tiveram a visão missionária e se levantaram para cumprir a

tarefa.

Há uma certa controvérsia entre o Senhor e Satanás, tanto no que respeita ao dinheiro

como no que tange a outras coisas. O Senhor apela para o Seu povo, para que sustente a Sua

causa missionária, enquanto que o diabo cria toda sorte de embaraços que impeçam os crentes

de atender ao Senhor. E, se por um lado, tenta os indivíduos mundanos a que malbaratem o

seu dinheiro em coisas intrinsecamente más, por outro lado se utiliza de outras táticas no caso

dos crentes, e ilude-os para que façam despesas de dinheiro com várias coisas que aumentam

seu orgulho e usem egoisticamente o seu dinheiro, o qual, se fosse entregue à causa

missionária, significaria a salvação de almas e o enriquecimento espiritual dos doadores,

quanto ao tempo e a eternidade.

A terminação da tarefa de evangelização do mundo, dentro da atual geração, segundo

asseguramos, é perfeitamente praticável através de uma Igreja que se mostre à altura das

condições estabelecidas por Deus. Mas isso jamais será conseguido sem sacrifício, e isso pela

razão muito simples que Deus jamais tencionou que fosse conseguido de outra maneira.

Aquele que lançou o alicerce desse cometimento, com o sacrifício de Seu Filho mui amado,

deseja que o mesmo tenha prosseguimento e seja terminado por meio de sacrifício. O

sacrifício, afinal, é a própria alma das missões evangélicas. O alto custo, para aqueles que se

atiram para a frente de batalha, é perfeitamente evidente, expressando-se em trabalho árduo,

sofrimento paciente e constante, e, em muitos casos, morte e martírio. Deus, entretanto, não

possui padrões diferentes para aqueles que querem ir e para aqueles que ficam. Estes últimos

devem manifestar o mesmo grau de consagração, envidando os mesmos esforços e fazendo os

mesmos sacrifícios que aqueles que vão. A lista vermelha do sacrifício deveria ser a partilha

de todos, nessa grande obra em favor de Cristo, sem importar onde e qual seja o campo de

trabalho de cada um. É justamente isso que empresta valor a todo o serviço que prestamos a

ele. Porém, depois do Calvário, o que seria digno de ser chamado de sacrifício? Pode alguma

coisa ser reputada preciosa demais, para que não seja dada a Jesus Cristo?

Quão significativo é o fato que no próprio local onde Abraão fez o sacrifício supremo

de oferecer a Isaque, e onde, posteriormente, Davi trouxe o preço total da compra da eira de

Araúna, para as suas ofertas queimadas a Jeová, recusando-se a aceitá-la como presente, e

negando assim a oferecer, como disse ele, "ao Senhor meu Deus holocaustos que não me

custem nada" (II Sm. 24:24), ali mesmo foi que o glorioso templo de Salomão foi alguns anos

mais tarde erigido em honra ao Senhor Deus! Por semelhante modo, o templo vivo de Deus,

composto daquela grande multidão de almas redimidas, dentre todas as nações, mediante o

precioso sangue derramado no Calvário, será levado até seu estado completo através das

ofertas de vida e de dinheiro, que importam em sacrifício, pelos seguidores do Cordeiro,

constrangidos pelo amor.

Page 96: A Bíblia e as Missões

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Capítulo lX

A ORAÇÃO E AS MISSÕES

A vital posição da intercessão missionária

O terceiro fator das missões evangélicas, o que exige a nossa atenção, é a oração.

Apesar de que a oração aparece em último lugar, na ordem de nossa presente discussão, de

forma alguma ela é o elemento de menor importância. Pelo contrário, corretamente

concebida, a oração é o primeiro e mais poderoso fator de todos, especialmente em vista do

fato que a mais vital consideração, nas missões evangélicas, não é método, nem dinheiro e

nem mesmo homens, mas é o próprio Deus e Sua poderosa operação, e é sempre a oração,

mas que qualquer outra coisa, que traz a nós a revelação de Deus e deslancha a Sua atuação.

Deve-se dizer em seguida que a oração jamais serve de substituição aceitável para a

ida, no caso daqueles que estão qualificados e são capazes de irem. Em outras palavras, ir,

contribuir e orar não são três alternativas, uma das quais o crente individual possa selecionar

como sua participação, de conformidade com sua preferência. E nem qualquer quantidade de

contribuição ou oração pode cumprir a Grande Comissão de evangelizar o mundo, a menos

que sejam acompanhadas pela ida pessoal. A ordem do Senhor estipula: "Ide, pregai!" "A fé

vem pela pregação e a pregação pela palavra de Deus". "E como ouvirão se não há quem

pregue?" Todavia, aqueles que não podem "ir" pessoalmente, pelo menos podem "ir" através

de suas orações. Outrossim, aqueles que vão em pessoa não tem em menor dose o privilégio

de compartilharem do ministério de oração, encontrando no mesmo uma das fases mais vitais

e eficazes de seu trabalho no campo.

Mas a verdade é que as orações, desacompanhadas da pregação, nunca podem realizar

a obra missionária, sendo igualmente verdadeiro que a pregação desacompanhada da oração

nada pode fazer. Deus reuniu essas duas coisas, em Sua Palavra, e elas são inseparáveis.

Lemos, no livro de Atos, como os primeiros apóstolos resolveram quanto à nomeação dos

diáconos, para que estes cuidassem das questões seculares da igreja, a fim de que eles

mesmos pudessem está mais livres para se dedicarem a um ministério espiritual mais direto; e

as palavras dos apóstolos, foram: "...e quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao

ministério da palavra" (Atos 6:4). Aqui são mencionados os dois grandes elementos do

ministério cristão, a oração e a pregação, e de tal modo a ficar indicado claramente que devem

ser usadas coordenadamente, como paralelos iguais. Quantos existem que consideram a

prédica como algo infinitamente mais importante no ministério cristão, enquanto que a

oração, para eles, é apenas um acréscimo suplementar, uma espécie de "auxílio à pregação"!

Mas não é assim que ensina a Palavra de Deus, nesse passo bíblico. Os dois elementos, e a

oração e a pregação, são postas no mesmo nível, e a eles são dados a mesma importância e

valor: de fato, se qualquer significação existe na ordem em que as palavras inspiradas

aparecem, então a oração teria a precedência, por ter sido mencionada em primeiro lugar. Em

realidade, todavia, essas duas coisas se complementam mutuamente, não sendo dois

ministérios distintos, mas antes, dois aspectos essenciais de um único ministério. A oração

faz parte da função sacerdotal, em que o sacerdote aparecia perante Deus em defesa dos

homens, enquanto que a pregação é função profética, comparecendo perante os homens em

defesa de Deus, a fim de proclamar Sua Palavra de Vida e implorar que aceitem a mesma.

Qualquer desses aspectos ministeriais estaria incompleto sem o outro.

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É mister que os missionários vão às terras remotas e preguem aos pagãos, mas os seus

esforços não obterão plena frutificação se não for o apoio das intercessões eficazes, levadas a

efeito na igreja local do missionário. Paulo, o príncipe dos missionários, apelava

continuamente às igrejas, para que orassem em favor dele. Ouvi seu apelo aos crentes de

Tessalônica: "Finalmente, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague, e

seja glorificada..." (I Ts. 3:1). O apóstolo pregava fielmente essa Palavra, e no poder do

Espírito, segundo ele declarou por várias vezes; não obstante, o mais pleno efeito de sua

prédica dependia das orações confiantes feitas por outros. Novamente, à igreja de Corinto, ele

testificava sobre o admirável livramento com que o Senhor o livrou da morte, na Ásia, após o

que acrescenta: "...ajudando-nos também vós, com as vossas orações a nosso favor..." (II Co.

1:11). Que preciosa unidade entre os missionários, no exterior, e as igrejas nacionais, é

expressa por essas passagens, e quão inspirador é isso aos crentes de atitude missionária - que

as suas orações são um fator vital para o sucesso no esforço daqueles que os representam no

campo de trabalho missionário!

O tema da oração é vastíssimo. Percorre cada uma das páginas das Sagradas

Escrituras. Pode-se observar trinta menções à oração, somente no livro de Atos, uma

impressionante indicação do lugar que era conferido à oração, na Igreja primitiva e seu

programa missionário. Muitos volumes tem sido escritos sobre esse assunto, e longe de

termos aqui o propósito de tentar qualquer abordagem exaustiva sobre a questão, o nosso alvo

é simplesmente o de destacar o papel vital e indispensável que a oração ocupa no trabalho

missionário, referindo-nos a algumas poucas dentre as muitas passagens da Palavra que

tratam sobre a oração, e dentre as muitas instâncias da atuação de Deus, por intermédio da

oração, no terreno missionário.

Dois aspectos distintos da oração são exibidos na Palavra, e tem papel preponderante

na vida de todos os autênticos missionários evangélicos, e, em realidade, de todos os crentes

dotados de pendor espiritual. Esses aspectos são, respectivamente, o devocional e o

intercessório.

1. A oração devocional. Trata-se da comunhão com Deus, um desenvolvimento santo

e íntimo no companheirismo com o Senhor, cultivado por períodos regulares de espera Nele,

em adoração e calma meditação acerca de Sua Palavra. O livro de Salmos abunda em

passagens que ilustram esse aspecto da oração, ainda que seu supremo exemplo seja o próprio

Senhor Jesus, cuja comunhão com o Pai, durante toda a Sua existência terrena, foi

inquebrantável e intensamente real. Jesus foi homem de oração, ou, mais corretamente, O

homem de oração. Sua vida começou, teve prosseguimento e terminou em oração. Limitado

como é o registro de Sua carreira terrena, inclui, porém, vistas d'olhos impressionantes sobre

Sua vida de oração. Vemo-Lo a orar quando de Seu batismo, na tentação no deserto, no

monte da transfiguração, à beira do túmulo de Lázaro, no jardim do Getsêmani, na cruz do

Calvário. Ele orou em público e em particular. Passava noites inteiras a orar sozinho, e uma

dessas ocasiões antes de escolher os dozes apóstolos. Após um típico e fatigante dia de

ministério em Cafarnaum, em um sábado, segundo é descrito no primeiro capítulo do

evangelho de Marcos, na manhã seguinte, "tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para

um lugar deserto, e ali orava" (Mc. 1:35). Jesus não sabia viver sem a comunhão regular com

Seu Pai. Para Ele, a oração era essencial para o sustento de Sua vida espiritual, para

reabastecimento de Seu poder espiritual, tão abundantemente dispensado em Seu ministério

para com os outros. Ele podia passar sem alimentos, sem o repouso do sono, e sem muitas

outras coisas, mas não sem a oração. Isso Ele tinha que ter a qualquer custo, posto ser o canal

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de companheirismo constante com o Pai, de Quem Ele dependia de forma absoluta em tudo

quanto dizia respeito à Sua vida e ao Seu serviço neste mundo. Suas próprias palavras

testificam sobre esse fato: "O Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que

vir fazer o Pai" (Jo. 5:19). "As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o

Pai que permanece em mim, faz as suas obras" (Jo. 14:10).

Ora, se o próprio Filho de Deus sentiu tão profunda necessidade da oração devocional

diária, qual não será a presunção da parte de qualquer missionário humano, ou da parte de

qualquer outro obreiro evangélico, ao tentar passar sem ela! As palavras que lemos em I João

2:6 se aplicam com justiça a essa situação: "...aquele que diz que permanece nele, esse deve

também andar assim como ele andou". Sim, a oração é a preparação essencial para o serviço

cristão, porquanto é através da comunhão e do contato secreto com o Senhor que Ele

desvenda, revela e proporciona a Sua própria Pessoa a nós, e que a vida da Videira flui

livremente por intermédio dos ramos, permitindo-lhes produzir fruto (Jo. 15:4,5). Sem

dúvida, muito da superficialidade da experiência cristã e da debilidade do serviço cristão se

deve à pobreza da vida de oração.

Os homens que mais vitórias obtiveram para o nome de Deus foram sempre homens

de oração. João Wesley costumava passar ao menos duas horas diárias, em oração. Samuel

Rutherford levantava-se às três da madrugada a fim de esperar em Deus. João Fletcher,

segundo se dizia, havia chegado a manchar as paredes de seu aposento com o hálito de suas

orações. Os maiores missionários do evangelho tem sido uniformemente, homens de oração.

Os nomes de Davi Brainerd e Henrique Martyn salientam-se entre as estrelas mais brilhantes

na cúpula dos heróis missionários, por causa da profunda influência que exerceram, tanto em

sua própria geração como na subsequente. Mas essa influência era devida primariamente não

aos seus labores ativos, porquanto faleceram quando tinham apenas vinte e nove a trinta e um

anos de vida, respectivamente. Pelo contrário, tal influência se devia à profundidade da vida

de oração de ambos, com o efeito resultante do caráter santo que demonstravam. E quem

pode medir realmente o efeito sobre milhares de almas, na Índia, bem como pelo no mundo

inteiro, da vida de oração sem igual de "Praying Hyde"?

Adonirão Judson, um dos maiores filhos da América que se tornaram missionários

evangélicos, era enfático em sua insistência acerca da oração. Escreveu ele: "Sê resoluto em

oração. Dispõe-te a qualquer sacrifício para mantê-la considera que o tempo é curto e que

negócios e companheiros não podem ter a permissão de ti roubarem o teu Deus". Esse foi o

homem que impressionou poderosamente um grande império, para que meditasse em Cristo,

e que lançou alicerces firmes e profundos do reino de Deus, em Burma. Hudson Taylor, antes

de qualquer outra coisa, era homem de oração. Ele vivia na presença consciente do Senhor, e

constante comunhão com ele, o que se lhes tornara tão necessário e natural como a própria

respiração. A Missão da China interior, que ele fundou, nasceu na oração, e desde então a

oração tem sido sua respiração vital.

A lista dos homens que encontraram no coração o segredo de suas próprias bençãos

mais altas e seu poder para o serviço poderia ser continuada indefinidamente. Mas aqueles

que foram mencionados bastam para ilustrar e enfatizar tanto a necessidade absoluta como o

bendito resultado da prática habitual da oração devocional, por parte daqueles que almejam

ser autênticos missionários enviados pelo Senhor, quer no campo estrangeiro quer em suas

próprias pátrias. Citando aquele pequeno mais perscrutador volume, Preacher and Prayer, por

E.M. Bondus: "O de que a Igreja necessita hoje em dia não é de maquinaria organizacional

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99

mais vasta ou melhor, mas de homens que o Espírito Santo possa usar - homens de oração,

homens poderosos em oração. O Espírito Santo não se manifesta por meio de métodos, mas

por intermédio de homens. Ele não cai sobre maquinária, mas sobre homens. Ele não unge

planos, mas homens - homens de oração".

A manutenção de hábitos regulares de orações devocionais, com períodos certos

(juntamente com a meditação em torno da Bíblia), da parte dos missionários nos campos de

trabalho, certamente não é fácil. A falta de solidão, em habitações coletivas, a pressão dos

múltiplos deveres, a atmosfera opressiva do paganismo circundante - todas essas coisas são

forças desviadoras e denigridoras e que precisam ser enfrentadas. Não obstante, a suprema

importância da salvaguarda e nutrição da vida espiritual do missionário, através desses meios

essenciais, e dos quais devem depender toda a sua continua vitória, influência para Cristo e

serviço mais eficaz, torna imperativo que ele não permita que qualquer coisa interfira com

seus períodos determinados e freqüentes de companheirismo com o Senhor.

2. A oração intercessória. Esta é em muito diferente da oração devocional. Esta última

é extremamente real e preciosa, e sua importância vital já foi salientada. Todavia, temos de

relembrar que a oração não é mero companheirismo com Deus; é também cooperação com

Deus, um ministério definido e agressivo, uma sociedade com Deus no cumprimento de Sua

vontade e de Seus propósitos divinos no mundo. A oração, portanto, é mais do que simples

preparação para o serviço; é o poder no desempenho do serviço - sim, e até mais do que isso,

a oração é o próprio serviço.

Entre as muitas passagens bíblicas que estabelecem firmemente esse aspecto da

oração, aquela para qual desejaríamos chamar atenção especial é a ultima cláusula de Tiago

5:16. Nem as versões inglesas ou em língua portuguesa apresentam o original grego em toda

sua força, pelo que nos aventuramos aqui a apresentar o equivalente, em português, da última

edição do Novo Testamento em chinês, altamente recomendável por sua exatidão. O texto,

assim sendo diria: "A energia empregada pela oração fervorosa de um homem reto produz

notáveis resultados", ou "faz sucederem coisas poderosas". Essa tradução tem o mérito de

frisar a verdade que a oração é uma energia vital, uma grande força dinâmica, que a oração

libera energia, e faz coisas sucederem, externas para aquele que ora.

Estamos cônscios que alguns indivíduos levantarão objeção a esse conceito de oração,

e que sua contenção é que, posto o universo ser que governado por certas leis fixas e

inalteráveis, é, portanto, inconcebível que qualquer mero homem, através de sua oração, seja

capaz de interferir nessas leis fixas. Tais objetores perdem de vista o importante fato que a

oração, em si mesma, é uma das leis fixas de Deus, e que Deus determinou efetuar muitas

coisas por intermédio da oração de Seus filhos. Quando esse fato é reconhecido, logo será

visto que não é o homem que ora, e sim, aquele que não ora, que interfere com as leis fixas de

Deus, por haver deixado de cooperar com Deus, para que sejam realizadas aquelas coisas que

ele desejava por em obras através de Sua lei da oração.

Uma ilustração que nos ajuda admiravelmente a aclarar esse ponto é a da força da

eletricidade. Seria a eletricidade algo destituído de existência, até duas ou três gerações atrás?

Ou afirmaria alguém existir mais eletricidade no mundo atual do que há cem anos passados?

No entanto, quão boquiabertos e incrédulos ficariam os nossos bisavós se pudessem

contemplar as múltiplas formas de aplicação da eletricidade nestes nossos dias. Dirigimos

nossos veículos e trens, iluminamos e aquecemos os nossos lares, cozinhamos nosso

Page 100: A Bíblia e as Missões

100

alimento, lavamos nossas roupas, e fazemos uma infinidade de outras coisas, utilizando-nos

da energia elétrica. Haveríamos de concluir, pois, que os homens da presente geração

violaram alguma lei da natureza por haverem produzido esses aparelhos elétricos novos e

estranhos? De maneira alguma! Simplesmente descobriram uma força latente, que sempre

existiu, mas que até então não era compreendida ou utilizada; e, ao descobrirem e

empregarem essa energia, conseguiram realizar coisas que nem eram sonhadas pelas gerações

anteriores.

Semelhantemente, a oração é uma poderosíssima força dinâmica e espiritual, mas que

igualmente estivera oculta, ainda por descobrir, apenas latente - um poder desconhecido para

muitos. Contudo, certos santos que tem vivido em comunhão suficientemente íntima com

Deus, chegaram a aprender esses segredo, com o resultado que puderam aproveitar-se de seu

poder místico, o qual capacitou a obterem resultados de que os outros nem pensavam.

Se mais provas ainda forem necessárias para apoiar a asseveração que a oração faz

acontecerem coisas externas para aquele que ora, que a "Oração Muda as Coisas", no dizer do

dito popular, então o incidente que citamos imediatamente abaixo, e que também aparece no

texto da epístola de Tiago, deverá suprir essa comprovação. Trata-se da história de Elias,

segundo é relatada no primeiro livro dos Reis. Antes de tudo, para nosso próprio

encorajamento, somos informados que Elias era "...homem semelhante a nós, sujeito aos

mesmos sentimentos..." ou, em outras palavras, não era um prodígio, nem um super-homem,

mas tão somente uma pessoa de carne e sangue como nós mesmos, sem quaisquer poderes

inerentes a ele mesmo, sem quaisquer recursos humanos que nós mesmos não possuamos

também. Segue-se, então, o relato de seu encontro com Acabe, e de como lhe anunciou a seca

iminente que o Senhor enviaria como castigo contra o ímpio rei e sua nação pecaminosa.

Mas a declaração de Tiago vai além da narrativa que lemos no Antigo Testamento,

pois passa a afirmar que a seca que perdurou por três anos e meio, bem como a chuva que

regou a terra depois disso, não foram meramente preditas por Elias, mas em realidade foram

produzidas por sua oração: "...e (Elias) orou com instância para que não chovesse... e ... não

choveu. E orou de novo e o céu deu chuva". Aqui, pois, temos o caso de um homem que se

mantinha em sintonia tão harmoniosa com Deus, que podia compreender o pensamento de

Deus, dar a esse pensamento a forma de oração, e assim tornar-se o meio usado pelo Senhor

para realização de Seus propósitos divinos.

E esse casa real não deve ser reputado como exceção à regra das operações de Deus,

porquanto outros exemplos similares podem ser encontrados em muitas passagens da Palavra

escrita. Fazemos alusão a Abraão, ao pleitear em favor de Sodoma; a Moisés, que intercedeu

intensamente, no monte, em prol do murmurador e teimoso povo de Israel; a Daniel, ao

prostar-se à beira de rio, suplicando pelos cativos de sua raça; a Neemias, ao interceder

persistentemente pelo seu povo, chegando a impelir o coração de um monarca pagão a

decretar a patrocinar a reconstrução da Cidade Santa de Jerusalém, e que frustrou os planos

astuciosos e homicidas, dos inimigos de Israel, que pretendiam obstruir o projeto. Todas essas

são outras tantas ilustrações da impressionante verdade que Deus escolhe a utilização da

oração com um de Seus meios para a realização de Seus planos e propósitos no mundo.

Uma outra particularidade a notar, acerca dessas instâncias de intercessão, é que não

diziam respeito meramente a questões pequenas de natureza pessoal ou local. Em cada caso

eram questões comunitárias, nacionais ou mesmo internacionais, de vasta importância, que

Page 101: A Bíblia e as Missões

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estavam envolvidas. Não obstante, tais homens não foram alistados entre os grandes

estadistas reconhecidos de seus tempos: não passavam de homens humildes, postados em

segundo plano, dois dos quais eme realidade eram cativos em terras estrangeiras, e um outro,

um aldeão que vivia na obscuridade. Entretanto, eram estadistas na mais excelsa corte, a dos

céus, homens poderosos em oração; e Deus, que governa supremamente sobre todas as

questões dos homens e das nações, dava ouvido a seus clamores, e fez realmente da

intercessão deles o eixo em torno do qual se envolviam questões momentosas, nacionais e

internacionais. Em verdade, suas orações "liberavam energia" e "produziam resultados

notáveis".

Em nenhum outro campo da atividade humana o primado e o poder da oração tem

sido mais abundantemente demostrados como no terreno das missões. Referimo-nos ao

Pentecoste como o ponto de partida ou inauguração das missões evangélicas. Não nos

devemos esquecer, todavia, que o cenáculo em Jerusalém, onde se encontrava a piedosa

companhia dos discípulos, que prosseguiram em oração e súplica unânime por dez dias, foi a

preparação necessária, do lado humano, para o Pentecoste. E assim sendo, pode-se datar

coerentemente o início das missões evangélicas desde que teve início aquele prolongado culto

de oração. O empreendimento missionário nasceu na oração, e sua história subsequente

inteira tem sido o registro de orações respondidas pelo Senhor.

O livro de atos é o grande compêndio sobre a oração. A oração permeava a vida da

Igreja daquele período, e saturava seus planos e atividades. Duas instâncias, registradas nos

capítulos quarto e décimo-segundo, são positivamente dramáticas. Uma delas foi a reunião de

oração efetuada ao serem libertados os dois apóstolos que haviam sido aprisionados por

pregarem em Jerusalém, e que haviam sido ameaçados de mais severo castigo se repetissem a

ofensa. A oração que o grupo de discípulos fez não é menos notável pelo que não pediu do

que pelo que pediu. Não solicitou vingança nem vindicação, nem isenção de mais

perseguições, mas antes, graça para que se mantivessem firmes e tivessem a coragem de

continuar a qualquer custo, e solicitou que o grande poder de Deus acompanhasse os seus

esforços. E qual foi o resultado disso? "Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam

reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra de

Deus... Com grande poder os apóstolos davam o testemunho da ressurreição do Senhor Jesus,

e em todos eles haviam abundante graça". A outra ocasião foi quando do encarceramento de

Pedro, quanto esteve a pique de ser executado. Depois de descreverem a situação estremente

crítica, dizem as Escrituras, "...mas havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor

dele". Em face disso houve o maravilhosos livramento do servo de Deus, e sua chegada súbita

à casa de Maria, "...onde muitas pessoas estavam congregadas e oravam". Uma outra

impressionante passagem, no capítulo décimo terceiro desse mesmo livro, pinta os piedosos

líderes da igreja de Antioquia ao esperarem no Senhor. Os quais receberam Sua orientação

direta quanto à escolha de dois irmãos que saíssem do seu meio como missionários, então -

"...jejuando e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram". Contudo esses são

apenas pontos mais luminosos de uma torrente e sucessão continua de respostas às orações

dos crentes, de que consiste o livro de Atos. Verdadeiramente, no dizer de Neesima do Japão,

a Igreja primitiva "avança sobre seus joelhos".

Paulo, o maior de todos os missionários humanos, mostrava-se mais extraordinário

quando em oração. Desde o primeiro momento de sua nova vida em Cristo, quando o recado

dado a Ananias, acerca dele, foi "...pois ele está orando", viveu e se moveu no terreno da

oração. Qualquer consideração digna, quanto ao registro de suas orações, haveria de requerer

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um volume inteiro. Mas, posto que nosso alvo presente é apenas o de destacarmos a ligação

que há entre a oração e as missões de evangelização, referino-emos a apenas dois textos

paulinos que ilustram essa verdade. Um desses textos ocorre naquela notável passagem,

Efésios 6:10-20, que descreve o combate Cristão. Apesar de que muitos interpretam esse

versículos como aplicáveis à luta defensiva do crente contra os seus inimigos espirituais, há

longo tempo sustentamos que só se revestem de seu mais pleno sentido quando aplicados à

grande guerra ofensiva levada a efeito pelo soldado do evangelho contra as poderosas hostes

de satanás que se opõem de modo encarniçado ao progresso da causa de Cristo.

Em outras palavras, essa passagem exibe o conflito missionário em sua significação

mais verdadeira e solene. A luta não é meramente contra "carne e sangue", ou contra a

ignorância, a superstição, a antipatia social, e coisas que tais, e nem mesmo contra os pagãos;

mas é contra "...os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso,

contra as forças espirituais do mal , nas regiões celestes". Em outras palavras, o verdadeiro

adversário é um exército altamente organizado, poderoso e desesperadamente tenaz de

espíritos malignos, controlados e dirigidos pelo próprio Satanás, e postos em pé de guerra

contra os mensageiros evangélicos de Cristo, quando estes procuram penetrar em áreas sobre

as quais há muito os espíritos imundos exerceram domínio indisputável. Ao missionário do

evangelho cabe não subestimar a força do inimigo que enfrenta; pelo contrário, é admoestado

a tomar de "toda a armadura de Deus", como sua única esperança de ser capaz de "resistir ao

dia mau" e permanecer inabalável. Essa armadura é então descrita detalhadamente - o cinto, a

couraça, o calçado, o escudo, o capacete e a espada. A significação espiritual de cada uma

dessas peças da armadura se tem tornado familiar mediante a exposição freqüente dessa

passagem. Mas, a particularidade que exige mais atenção, e que geralmente não tem sido

conferida a essa ordem inteira do armamento cristão, é que ela conduz e tem seu clímax na

arma "de toda oração e súplica". Moffatt traduz como segue a esse versículo: "Orando a todo

tempo no Espírito, com toda modalidade de oração e rogo sede vivos a isso, dai-lhe atenção

incessante, intercedendo em prol de todos os santos em prol de mim (de Paulo, o missionário)

também, para que me seja permitido falar e abrir os lábios a fim de expor, completa e

livremente, aquele segredo desvendado do evangelho, por causa do qual sou mantido em

custódia, como seu enviado. Orai para que eu tenha a liberdade de declará-lo como devo".

Que tremendo apelo para que se façam intercessões a favor dos missionários vemos

nessas pungentes palavras do grande apóstolo, palavras originadas em sua própria convicção

e experiência de que a oração, o tipo de oração ali referido, é a mais poderosa arma que o

homem pode brandir para derrotar esses poderes satânicos, e para que o evangelho triunfe nas

terras ainda dominadas pelo paganismo! Se fosse mera questão de enfrentar a idéias falsas, os

preconceitos, ou a hostilidade de "carne e sangue" dos seres humanos, o missionário poderia

embalar a esperança que sua atitude amigável, seus argumentos sólidos e uma persuasão cheia

de tato poderiam corresponder à situação. Mas, a fim de defrontar-se com as forças espirituais

invisíveis mas terrivelmente reais e maliciosas que se postam por detrás desses seres

humanos, forças essas que cegam suas mentes, calejam seus corações e os mantêm sob sua

manopla mortal - isso é algo vastamente diferente. Essas forças opositoras só podem ser

enfrentadas e vencidas através da arma espiritual de "toda oração e súplica", que se

aproximada ousadamente do trono de Deus e solicita a "operação de Seu grande poder" contra

os iníquos adversários espirituais. Graças damos a Deus que essa arma faz parte de "toda a

armadura de Deus", providenciada pelo Senhor para o soldado da cruz, e que se lhe torna

disponível mediante a fé apropriadora. Embora em si mesmo não seja adversário à altura para

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103

o diabo, contudo, à semelhança do arcanjo Miguel (conforme está registrado na epístola de

Judas), pode dizer movido pela fé: "O Senhor te repreenda", e assim efetivamente sucederá.

A outra passagem acerca da oração, nos escritos de Paulo, e para qual desejamos

chamar a atenção dos nossos leitores, é a de Romanos l5:30-32, a qual diz: "Rogo-vos, pois,

irmãos... que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor, para que eu me veja

livre dos rebeldes que vivem na Judéia, e que este meu serviço em Jerusalém seja bem aceitos

pelos santos; a fim de que, ao visitar-vos, pela vontade de Deus, chegue à vossa presença com

alegria, e possa recrear-me convosco". Essa é uma profundíssima passagem bíblica.

Apresenta dois grandes pensamentos: l) a maneira e 2) o assunto das orações do próprio

Paulo, bem como das orações de apoio, daqueles para quem escreveu. Quanto à maneira, as

palavras "luteis juntamente comigo" significam "agonizeis juntamente comigo", e é a mais

vigorosa de todas as palavras que, no Novo Testamento, expressam a oração. Somente em

duas outras instâncias é esse vocábulo usado nessa conexão, a saber, em Colossenses 4:12,

onde Epafras aparece com alguém que "se esforça (agoniza) sobremaneira, continuamente,

por vós, nas orações", e em Lucas 22:44 (em sua forma substantivada), que diz respeito a

nosso bendito Senhor, e onde acha-se registrado que "estando em agonia, orava mais

intensamente". Essa expressão serve para destacar a natureza intensa da intercessão

missionária autêntica. Não se trata de uma empresa fácil, mas de um labor que exaure as

forças, um verdadeiro parto de alma, e que desgasta pesadamente nossas energias. Citando

Hudson Taylor: "Se tivermos meramente de orar, como um exercício agradável, mas nada

experimentarmos da vigilância e exaustão em oração, não faremos descer as bençãos como é

de nosso dever. Não estaremos apoiando os nossos missionários, os quais são avassalados

pelas trevas invasoras do paganismo. Sempre será verdade que aquilo que custa pouco, vale

pouco". E então, no que respeita ao assunto das orações solicitadas pelo apóstolo, podem-se

observar três objetivos específicos - que fosse livrados dos adversários na Judéia, que seu

ministério fosse bem acolhido pelos santos de Jerusalém, e que pudesse chegar a Roma em

segurança e com regozijo espiritual. Ora, a leitura dos capítulos vigésimo-primeiro a

vigésimo-sétimo, inclusive, do livro de Atos, serve de comentário acerca desses três pedidos

de oração, bem como de legítimo fortificante espiritual, posto que podemos acompanhar as

resposta completas a todas as três solicitações, em meio a uma teia de esforços desesperados

de Satanás, para frustrá-las.

Desde o Pentecoste e o apóstolo Paulo, até os nossos próprios dias, através dos

séculos, a história missionária do evangelho tem sido a narrativa de orações respondidas.

Cada nova arrancada do empreendimento missionário tem sido resultado da oração confiante.

Cada novo tentame missionário tem sido possuído e abençoado por Deus a partir da

germinação da semente plantada pelo divino Espírito nos corações dos santos que oram.

O empreendimento missionário organizado começou na Alemanha e na Dinamarca

um século antes do que ocorreu na Inglaterra. Originou-se diretamente do movimento

reavivador conhecido como pietismo, sob a liderança piedosa de Spener e Franck, e estava

profundamente arraigado na oração. Assim surgiu a Missão de Halle e Dinamarca, que visava

a conquista da Índia, e também o mais bem conhecido movimento dos morávios, encabeçado

pelo santo conte de Zinzedorf. Foi lançado um estabelecimento em Herrunht ("Vigia do

Senhor"), e que se tornou centro da fraternidade morávia, e onde a vida de oração se

desenvolveu em tal efusão de zelo missionário que tornou, aquele pequeno grupo; bem como

a longa linha de devotados missionários que saíram do mesmo até aos confins da terra, uma

das maravilhas da época da Igreja.

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A comunidade de Herrnhut, por sua vez, exerceu distinta influência sobre os líderes

do metodismo, na Inglaterra, onde, no princípio do século XVIII, irrompeu notável

reavivamento da oração, em favor dos pagãos do mundo inteiro, grandemente estimulado

também pelo poderoso apelo lançado por Roberto Millar, da Escócia, o qual apresentava a

oração como a principal de todas as medidas necessárias à conversão dos pagãos. Em 1744,

circulou largamente um apelo para que se fizessem orações constantes e uníssonas, e em 1746

foi enviado à América do Norte um memorial, convidando a todos os crentes dali que se

aliassem no mesmo esforço conjunto. Essa mensagem levou Jônatas Edwards a pregar um

sermão que não só despertou a muitos, deste lado ocidental do oceano Atlântico, a fazerem

orações mais sinceras, mas que também provou ser uma da maiores influências que foram

exercidas sobre o coração de Guilherme Carey, da Inglaterra, tendo, assim, contribuído para o

início do moderno período de missões.

Os fatos pertinentes aos inícios dessa nova era de missões evangélicas são por demais

conhecidas para que tenham de ser repisados. Também não é nosso objetivo demorarmo-nos

sobre o próprio registro, mas simplesmente em torno do fator vital da oração, na realização

desse alvo. No que respeita à Grã-Bretanha, Guilherme Carey é universalmente reconhecido

como "Pai das Missões Evangélicas Modernas", e o mesmo título pode ser aplicado com

justiça a Samuel J. Mills, no que se refere aos Estados Unidos da América. Ninguém pode ler

a biografia de qualquer deles sem sentir-se profundamente comovido. Kettering, na Inglaterra,

onde foi fundada a primeira Sociedade Missionária Batista, em l792, e a "reunião de orações

de Haystack", de l806, no Colégio Williams, nos Estados Unidos da América, sempre serão

reputados os berços das modernas missões evangélicas. Porém, foi nos corações de Carey e

Wills, e através de seu trabalho de alma e de forte luta em oração, que realmente nasceu esse

grande cometimento em favor de Cristo e do mundo. Com a mesma dose de razão pode-se

dizer que a Missão da China Interior e que a Missão Gossner, da Índia, duas notáveis

"Missões de Fé", nasceram nos corações e através das orações intensíssimas de seus

respectivos fundadores, isto é, Hudson Taylor, da Inglaterra, e o pastor Gossner, da

Alemanha. A vida de oração do primeiro desses dois já foi mencionada. Quando a Gossner,

que sozinho enviou l44 missionários, já se disse: "Ele levantou orando as paredes de um

hospital e elevou os corações das enfermeiras; orando, ele trouxe à realidade postos

missionários, e conduziu missionários à fé... A oração era a sua atmosfera: não sabia viver

sem ela".

Todos os poderosos despertamentos espirituais que constituem o cume dos anais

missionários, tem tido suas raízes na oração. O avivamento que teve lugar nas ilhas do Havaí,

e que se tornou conhecido como "O Grande Despertamento", e que prosseguiu de l837 a l843,

começou nos corações dos próprios missionários. Ao reunirem-se para as suas reuniões

anuais, em l835 e em l836, o que para eles envolvia, no caso de alguns, seis semanas de

viagem cansativa, em embarcações primitivas e imundas, "foram poderosamente impelidos à

oração, e ficaram tão profundamente impressionados com a necessidade do derramamento do

Espírito, que preparam um pungente apelo à suas igrejas nacionais, exortando aos crentes de

toda parte a que se unissem com eles em oração, rogando pelo batismo do alto". Em breve

viram sinais inequívocos do aprofundamento do interesse pelas questões espirituais. E então,

no ano de l837, o reavivamento se propagou como fogo por toda ilha, de tal maneira que os

missionários trabalhavam dia e noite, com multidões de almas inquiridoras. Em certo dia

memorável, em Hilo, l.705 pessoas foram batizadas por Tito Coan, e, no espaço de seis anos,

27.000 convertidos haviam sido recebidos na igreja.

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O relato do grande reavivamento entre os párias de língua telugu, na Índia, está

vitalmente ligado à "Colina do culto de oração", uma alta colina que dá frente para a aldeia de

Ôngole. Um casal de missionários, juntamente com três auxiliares indianos, de igual atitude

mental, e que estavam em torneio de pregação, foram constrangidos a passar a última noite do

ano de l853 no alto daquela colina, em oração em favor do campo telegu, o qual, após muitos

anos de trabalho árduo e fiel, produzira apenas alguns escassos frutos. Por mais de uma vez a

junta missionária, na sede nacional, tinha chegado ao ponto de abandonar tal campo, e foi

somente em vista dos apelos fervorosos dos próprios missionários que isso não se

concretizara. Justamente no primeiro dia do novo ano que raiava, uma doce sensação de

confiança de que as suas orações haviam sido respondidas, invadiu seus corações. Ainda teve

de ser enfrentado um longo período de provação, mas gradualmente a oposição se foi

desfazendo, a maré começou a virar e, finalmente, um poderoso derramamento do Espírito

Santo trouxe uma multidão de almas para o reino de Deus. Em um único dia, em Ongole, no

ano de l878, 2.222 pessoas foram batizadas, e mais outras 8.000 almas, dentro das próximas

seis semanas, e a igreja dali se tornou a maior congregação evangélica do mundo.Uma nota

adicional e interessante é que "o Governo da Índia reconhecer o poder emanado da Colina do

culto de Oração, doando o cume à missão, para que fosse utilizado como memorial e local de

reuniões".

Talvez o maior de todos os reavivamentos, nos campos evangélicos missionários,

tenha ocorrido na Coréia, nos anos de l905 a l907, quando uma das mais colossais

manifestações do poder de Deus, na história inteira da Igreja de Cristo, teve lugar. Varreu a

terra inteira da Coréia e cruzou as fronteiras para a Mandchúria e a China. Limpou e purificou

a igreja, trazendo a todos os seus membros um senso avassalador da monstruosidade do

pecado. Incendiou os crentes com uma nova paixão em busca dos perdidos, grandes números

dos quais foram feridos por pungente convicção, tendo sido levados a aceitar a Cristo.

Preparou o caminho para o "Movimento do Milhão de Almas", que foi vigorosamente

efetuado durante anos. Tal como os demais reavivamentos, esse também começou com

orações, primeiramente por um grupo de obreiros evangélicos da Coréia oriental, onde se

sentiram os primeiros movimentos do Espírito, e posteriormente em Pyeng Yang, no

ocidente, que se transformou no centro do "Grande Reavivamento". Durante meses, antes

desse despertamento, os missionários daquele posto avançado tiveram reuniões diárias de

oração, rogando o poderoso derramamento do Espírito de Deus. Finalmente rompeu o dilúvio

de bençãos celestiais sobre uma grande assembléia de obreiros e crentes coreanos, reunidos

para orarem na grande Igreja Central da cidade, liderados por um humilde, mas piedoso

evangelista coreano.

Uma seqüência do reavivamento coreano foi a prolongada e vasta série de cultos

reavivados e muito abençoados na China, efetuada pelo Dr. Jônatas Goforth, que visitara a

Coréia e vira a poderosa atuação do Senhor naquele país. No que toca às orações, como fator

importante nesse movimento de reavivamento, este digno testemunho foi posteriormente

dado pelo Dr. Goforth: "Quando cheguei à Inglaterra, conheci uma grande santa de Deus.

Falamos sobre o reavivamento na China, e ela me forneceu certas datas em que Deus a tinha

pressionado especialmente para orar. Fiquei quase aturdido ao examinar essas datas e

descobrir que eram exatamente as datas dos dias em que Deus operava poderosamente na

Mandchúria e na China... Creio que chegará o dia quando toda a história íntima daquele

reavivamento será desvendada, e ficará então demonstrado que não foi aquele que agora vos

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fala, mas alguns dos santos ocultos de Deus, muito longe, mas em comunhão de oração com

Ele, que mais contribuíram para a realização do mesmo".

Outras instâncias, inúmeras e emocionantes, da admirável operação do Espírito de

Deus, em grande variedade de formas, como resultados diretos da oração, são por demais

numerosas para serem aqui enumeradas. À nossa frente, neste instante, há meia dúzia de

volumes repletos de registros similares, em diferentes campos missionários. Somente a

história da Missão da China Interior fornece grande riqueza de notáveis exemplos de

respostas dadas às orações dos crentes. Tomemos, por exemplo, o Apelo que rogava setenta

novos missionários, concebido em uma conferência de oração, do Sr. Taylor e de uma dúzia

de colegas obreiros, em l880, quando todo pessoal da missão, nessa época, orçava apenas em

cem pessoas. Após dias de oração coletiva a Deus, todos os corações foram tomados pela

certeza mais inabalável da resposta, de tal modo que antes de se dividirem, organizaram um

culto de ação de graças e louvor, pelos setenta novos missionários, recebidos pela fé. Veio

então o Apelo por cem missionários, que fossem enviados em l887, e que foi expedido após

prolongada oração, por todos os membros da missão, e que se encontravam no campo

missionário. Tão confiante se mostrava o Sr. Taylor, de que Deus ouvira e respondera a esse

pedido, que observou: "Se me mostrassem a fotografia de todos os cem missionários, tirada

na China, eu não poderia ter mais certeza do tenho agora". Em ambos os casos, o número

completo que foi solicitado ao Senhor, chegou à China dentro do período especificado, e

também todo o dinheiro necessário para o equipamento e as passagens foi suprido. E o que

talvez seja ainda mais admirável é que a oração especial do Sr. Taylor, no caso dos cem

missionários solicitados, de que o Senhor tivesse por bem enviar os fundos necessários em

partilhas pequenas, mas polpudas, para diminuir o trabalho extra da parte de pessoal de

escritório, já tão sobrecarregado de trabalho, foi literalmente respondida - e as onze mil libras

requeridas foram recebidas em exatamente onze donativos.

Mas esses são apenas uma amostra de centenas de respostas às orações, nessa única

missão e campo missionário. Em muitas outras instâncias, igualmente, encontramos tais

respostas não meramente no que tange aos suprimentos financeiros, mas também no que

respeita a livramentos assinalados do perigo e da morte, cura física, intervenção divina em

período de fome, enchentes, pestilências, levantes populares, armadilhas e ataques por parte

de nativos hostis, além de outras contingências de toda espécie e forma concebível.

Desejando mais pesquisa sobre esse assunto, que tem por dividendos um grande

enriquecimento espiritual para quem quiser lançar-se às mesmas, sugeriríamos aos nossos

leitores que examinassem as experiências de João G. Paton e seus colegas de trabalho

evangélico nas Novas Hébridas; de Livingstone e Moffatt na África; de Gardiner e Grubb na

América do Sul; de Hans Egede e Grenfell no extremo norte, entre muitos outros. Igualmente

notáveis são as maravilhosas respostas às orações e as manifestações de poder e bençãos do

Senhor sobre as vidas e ministérios de obreiros evangélicos nativos, tais como Pandita

Ramabai e Sadhu Sundar Sinngh, da Índia; o pastor Hsi e Ting Li Mei, da China; Neesima,

do Japão, e um exército de outros bem conhecidos heróis do ocidente, que igualmente

aprenderam o segredo da oração que prevalece. "Um dos maiores milagres e demonstração da

evidência do cristianismo é a vida de oração dos crentes orientais, há pouco convertidos à

Cristo. Em todas essas multidões da Índia, da China, do Japão, da África e das ilhas do

Pacífico, encontramos o mesmo fenômeno - eles oram". Esse testemunho, prestado por um

escritor evangélico de nomeada, que escreveu sobre a obra missionária, encontra constante

ilustração nos dias inteiros de oração e jejum, freqüentemente observados pelos numerosos

grupos de chineses evangélicos, durante os anos em que sua nação sofria em face da guerra e

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107

da invasão japonesa. A atmosfera espiritual dessas concentrações, e as fervorosas orações ali

apresentadas ao Senhor, serviam de reminiscências dos dias historiados no livro de Atos.

Se é verdade tudo quanto foi dito acerca do poder e das realizações da oração, não será

isso então um novo desafio a todo crente apegar-se a seu sublime privilégio de cooperar com

Deus, mediante a oração, o que, mais do que qualquer outra coisa, libera Seu grande poder?

Dizemos "todo crente" propositalmente, pois a oração missionária, diferentemente do ir e do

contribuir, é algo de que qualquer filho de Deus pode participar. Nem todos podem ir, pois

essa ida requer qualificações e treinamento especiais. Nem todos podem contribuir, pelo

menos com quantias liberais, por causa de recursos limitados. Mas, todos podem orar. O

mais humilde crente, que talvez não tenha talentos nem dotes para aparecer em público, o

iletrado, e até mesmo o crente aprisionado a um leito de enfermidade, pode participar desse

mais alto e mais poderoso ministério da intercessão. De fato, alguns dos maiores intercessores

missionários têm estado entre o último grupo mencionado, e esses tem transformado seu

aposento constante em salões de audiência na presença do Rei, e, através do trono da graça, se

tem projetado até muito além do alcance de qualquer pregador, tocando e exercendo

influência favorável a Cristo até às próprias extremidades da terra.

Agradecemos fervorosamente a Deus por todos os intercessores fiéis e suas orações.

Tem servido de meio que Deus tem usado para irromper barreiras, para mudar os corações de

reis e governantes, escancarando portas, conclamando obreiros, liberando os fundos

necessários para sustentá-los, proporcionando poder notável às suas prédicas, abrandando

corações endurecidos e levando-os à convicção de pecado, transformando a ameaça de derrota

em vitória, na hora de maior crise - tudo isso e muito mais. Mas o de que se necessita é de

uma multidão mais de tais intercessores, sim, para que a Igreja inteira seja levada a prostar-se

de joelhos, sob a carga pesada da mais profunda preocupação e pelo senso restaurado da

responsabilidade. Certo livro sobre esse assunto traz o título: "DINAMITE DE DEUS;

Alterando o Mundo com a Oração". E a Introdução do livro diz: "A oração é um alto

explosivo. Despedaça a penha, mas também libera grandes energias construtivas". E

acrescenta: "O maior problema das missões no estrangeiro jaz na sede pátria... Desenvolver-

se-á a vida espiritual das igrejas nacionais de tal modo que apoie o peso da colossal estrutura

no estrangeiro? ...A resposta se encontra na oração - na oração que leve ao serviço e ao

sacrifício".

As citações transcritas abaixo, tiradas de outras fontes, não são menos pertinentes, e

muito perscrutadoras:

"Quando a Igreja por-se a orar com a mesma seriedade e

intensidades de propósitos que tem devotado a outras formas de esforço

cristão, então verá vir com poder o Reino de Deus".

Relatório da Conferência Missionária de Edinburgo.

"Quando a vida de oração do povo de Deus passa a ser a

característica dominante da experiência cristã, então o poder de Deus

varre a terra com as vitórias da graça".

Howard Agnew Johnston.

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108

"O poder da oração jamais foi experimentado em toda a sua

capacidade, em qualquer congregação. Se quisermos ver grandes

maravilhas da graça e do poder divinos, atuando no lugar da fraqueza,

do fracasso e do desapontamento, então que a Igreja inteira responda ao

permanente desafio de Deus: "Invoca-me, e te responderei; anunciar-te-

ei coisas grandes e ocultas, que não sabes".

J. Hudson Taylor.

Indelevelmente gravadas em nossa memória estarão para sempre as palavras do Dr. A.

C. Dixon, em um sermão que pregou há alguns anos passados. Diziam mais ou menos como

segue: "Quando dependemos de organizações, obtemos o que as organizações podem fazer;

quando dependemos da educação, obtemos o que a educação pode fazer; quando dependemos

da eloquência, obtemos o que a eloquência pode fazer. E assim por diante. Porém, quando

dependemos da oração, obtemos o que Deus pode fazer". Certamente que isso é o de que

necessitamos, acima de qualquer outra coisa - do que só Deus pode fazer. E, segundo

acreditamos, isso é o que desejam ansiosamente muitos dentre o povo de Deus. E então, essa

necessidade, esse desejo, tornar-se-á uma experiência real e gloriosa, a saber, quando à oração

for dado o legítimo lugar que ela deve ter, na vida cristã e no serviço missionário. "Senhor,

ensina-nos a ORAR".

Page 109: A Bíblia e as Missões

109

Capítulo X

O "RAPAZ" E AS MISSÕES

Alimentando as multidões - uma parábola missionária

Em nosso capítulo inicial, o caráter missionário dos ensinos e do ministério de Jesus,

conforme exibido nos quatro evangelhos, foi mencionado. Neste capítulo de encerramento,

propomo-nos considerar um milagre particular de Cristo, o qual constituiu uma ilustração

extraordinária e sem par de alguns dos princípios fundamentais das missões evangélicas.

Trata-se do milagre da multiplicação dos pães para os cinco mil homens.

A importância que o Espírito Santo, que inspirou a escrita da Bíblia Sagrada, atribui a

esse milagre, é indicado pelo fato de haver escolhido outorgar-nos quatro versões do mesmo,

uma em cada um dos quatro evangelhos. Isso só aconteceu com pouquíssimos incidentes de

Sua vida inteira, e não sucede no caso de nenhum dos Seus milagres. Por exemplo, não

encontramos quatro registros do nascimento de Jesus, nem de Seu batismo, tentação,

transfiguração, ou ascensão, nem de uma só de Suas parábolas, de Suas orações ou de Seus

discursos. São poucos os acontecimentos sobre os quais temos quatro registros, a saber, Sua

agonia no jardim do Getsêmani, Seu julgamento e condenação, Sua morte, sepultamento e

ressurreição, e , finalmente, Sua Grande Comissão.

Não nos impressiona o fato que, juntamente com essas grandes e notáveis ocorrências,

que são reputadas como as próprias verdades fundamentais sobre as quais repousa a fé

evangélica, quatro registros também tenham sido escritos a respeito desse milagre em

particular? Tal repetição, não há que duvidar, não pode deixar de ter grande significação, e

cremos que a razão disso é que esse incidente é mais do que simplesmente mais um dentre os

muitos milagres de Cristo: é igualmente uma parábola. Uma parábola sobre que? perguntaria

alguém. Uma parábola acerca das missões, replicamos. Cremos que quando Jesus partiu

aquele pão material, para saciar a fome física da multidão, naquela noite, à beira do mar da

Galiléia, Ele tinha em mente as multidões infinitamente mais numerosas de homens e

mulheres, por todo o mundo, e através dos séculos, que morrem de fome não por falta de

alimento material, mas por falta do Pão da Vida, e que Ele operou aquele milagre não apenas

para satisfazer a fome física dos que estavam à Sua frente, mas igualmente para desdobrar, na

presença de Seus discípulos, daquele época e de todas as épocas subsequentes, o princípio e o

método divino de oferecer o evangelho da salvação aos milhões que perecem na terra. Por

essa razão preferimos considerar esse incidente como uma parábola, ou, se quiserdes, como

um milagre ilustrativo.

Esse incidente fornece muito ensino precioso que, infelizmente, não podemos abordar;

porém, não nos esquecendo da aplicação missionária, desejamos dirigir a atenção para três

declarações feitas acerca de Jesus, e para os pensamentos sugeridos pelas mesmas. É dito

sobre Ele primeiramente, que Ele viu; em seguida, que sentiu; e, finalmente, que agiu. O que

Ele viu sugere visão; o que Ele sentiu, sugere compaixão; e o que Ele fez, sugere

consagração. Três grandes lições missionárias, dessa maneira, destacam-se salientemente

nessa parábola missionária: (1) a necessidade de visão; (2) a necessidade de compaixão; (3) a

necessidade de ação consagrada.

A Necessidade de Visão

Page 110: A Bíblia e as Missões

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O pensamento de visão atravessa a Bíblia inteira. A Abraão Deus concedeu uma visão

da terra prometida, dizendo-lhe: "Ergue os olhos e olha... porque toda essa terra que vês, eu ta

darei a ti e à tua descendência, para sempre" (Gênesis 13:14,15). Esse foi um apelo para que

Abraão discernisse e se apropriasse

* O vocábulo grego, paidarion, usado em João 6:9, é o diminutivo de pais,

e sua mais literal tradução seria "rapazinho".

das bençãos que lhe eram divinamente oferecidas. A Jó, Isaías, e a João, na ilha de Patmos, o

Senhor outorgou uma exaltada visão sobre Ele mesmo, com profundos resultados espirituais

para cada um deles. Essa passagem, entretanto, refere-se à visão sobre a multidão necessitada.

"Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão..." Ele enxergou numerosa multidão de

pessoas famintas. Nisso, infelizmente, Ele fazia grande contraste com Seus discípulos,

porquanto não elevaram também sua visão, e por isso não compartilharam da mesma

impressão que Ele. Nesses discípulos não vemos um reflexo perfeito de grande número dos

professos seguidores de Cristo, hoje em dia?

Em primeiro lugar, a visão deles era egoísta. Tinham acabado de terminar uma

campanha distante, e tinham se retirado, em companhia de Jesus, para um lugar tranqüilo,

para um período de descanso e companheirismo, quando sua solidão foi subitamente

interrompida por uma turba inquieta de pessoas inquiridoras. Mui evidentemente se

ressentiram da intrusão. Certamente que preferiam ficar a sós com o Mestre, em doce

comunhão com Ele. Quantas e quantas vezes o egoísmo tem sido responsável pelo fracasso da

Igreja, através de toda a sua história, esquecendo-se assim de cumprir a Comissão que o

Senhor lhe deu! Há um egoísmo pessoal, que leva em conta apenas seu próprio conforto, bem

estar e indulgência, mas que nunca eleva os olhos para contemplar igualmente as

necessidades alheias. Há um egoísmo religioso, representado em templos caríssimos, adornos

resplandecentes, ritual elaborado, música fina e decorações florais, ou, ainda, em ambições

denominacionais, que insistem em implantar diversas congregações, cada qual com apenas

um punhado de freqüentadores, e a maioria dos mesmos a lutar por pagar as despesas, em

pequenas comunidades onde uma única congregação seria amplamente suficiente. Há um

egoísmo espiritual, se assim podemos defini-lo, que se ufana em conhecer a verdade bíblica

melhor que os outros, e cuja glória reside numa ortodoxia fria e morta, e que se envolve nas

vestes da auto-complacência, mas jamais se abaixa para estender uma mão ajudadora a

pecadores caídos e necessitados. Até mesmo as conferências bíblicas podem tornar-se

egoísticas, quando despidas de toda atitude altruísta no que tange às questões evangelísticas

ou missionárias.

Além disso, a visão dos discípulos caracterizava-se pelo preconceito. Tratava-se do

mesmo grupo que de certa feita Jesus levou a Samaria, que ficava distante da província deles,

e também de sua moradia e de seus familiares, e ordenou que levantassem os olhos ali e

contemplavam um campo maduro para a ceifa do empreendimento missionário, entre os

samaritanos desprezados, que pelos judeus eram reputados como desprezíveis. Com essa

visão manchada pelo preconceito tem persistido até mesma nas terras favorecidas do

ocidente, até mesmo entre os cristãos professos, manifestando-se na forma de orgulho sob

muitas modalidades: orgulho de raça, de erudição, de privilégio, de riquezas, de poder, e

muito mais! Nós, os anglo-saxônicos, temos dificuldades especiais em nos despirmos

totalmente da noção profundamente arraigada que somos superiores a outras raças e que

somos feitos de um estofo em tudo superior ao dos orientais. As linhas de Kipling, "Contudo,

Page 111: A Bíblia e as Missões

111

o oriente é o oriente, e o ocidente é o ocidente, e os dois nunca se encontrarão como gêmeos",

são citadas como se fizessem parte das Escrituras Sagradas. Tais palavras, naturalmente,

subentendem imensa superioridade do homem ocidental sobre o homem oriental, e, mais

ainda, que as diferenças entre os dois tipos constituem um abismo que jamais poderá ser

transposto. A falácia dessa asseveração é desmascarada na Palavra de Deus, a qual assegura

que "...de um só (Deus) fez toda raça humana para habitar sobre toda a face da terra..." (Atos

17:26); e a unidade e solidariedade da raça humana, assim afirmada, é confirmada por todo

viajante honesto e pensante que percorra o mundo. Apesar de que possam ser observadas

certas diferenças de fisionomia, linguagem, vestuário, costumes e modo de viver, todas essas

coisas são meramente superficiais, e quando penetramos debaixo da pele, descobrimos que

todos os homens são fundamentalmente idênticos. Todos os homens amam e odeiam. Todos

conhecem a tristeza e a alegria. Acima de tudo, todos pecam, e, por conseguinte, todos

precisam do mesmo Salvador.

Quanto ao tolo sentimento de superioridade do homem ocidental, seria conveniente

que se aprofundasse um pouco mais nos séculos passados a fim de notar as condições de seus

antepassados "ocidentais", da Europa, antes que o evangelho houvesse penetrado no

continente europeu, trazido por missionários "orientais", relembrando, assim, que o

cristianismo se originou na Ásia, e não na Europa, e, muito menos, na América. Não,

qualquer superioridade de que nos possamos ufanar, sobre os povos orientais, não é inerente

em nós, mas deve ser atribuída às influências elevadoras e às grandes vantagens de toda sorte,

que nos tem sido conferidas pelo evangelho. Não houvesse aquele "homem da Macedônia"

chamado apóstolo Paulo para a Europa, mas antes, fosse a visão de um homem da Índia, da

China ou de algum outro país oriental, e, na providência de Deus o cristianismo ter-se-ia

propagado para o oriente, espraiando-se pela Ásia, ao invés de tê-lo feito para o ocidente,

espalhando-se pela Europa, e tudo ter-se-ia transformado, com o resultado que hoje

estaríamos envolvidos nas trevas e degradação do paganismo, enquanto que os asiáticos

estariam se aquecendo sob a luz do evangelho, com suas multiformes bençãos espirituais e

materiais. Outrossim, há testemunho missionário abundante sobre o fato que, em muitos

casos, os convertidos das terras pagãs em muito ultrapassam o crente médio ocidental em seu

desenvolvimento espiritual, e no seu serviço devotado e eficaz na causa do Senhor e de seus

semelhantes. Assim sendo, bem faríamos em reconhecer, juntamente com Paulo, que "sou o

que sou" exclusivamente pela graça de Deus, providenciando por estarmos fazendo tanto para

a sua elevação e salvação como esperaríamos que os asiáticos estariam fazendo, se a situação

fosse invertida.

Acresce, ainda, que a visão dos discípulos era distorcida. Imaginavam que o interesse

de Deus e Seus propósitos começavam e terminavam com os judeus, ignorando

completamente os gentios. Porém, não tem muitos crentes ocidentais a mesma visão míope,

no que tange aos demais homens? De forma alguma é incomum ouvir membros de igrejas

evangélicas protestarem contra o envio de nossos melhores jovens, de ambos os sexos, para

os países estrangeiros, sob a alegação de que "precisamos deles aqui mesmo" ou que

"primeiramente deveríamos converter a América", e coisas do mesmo jaez. Que falta total de

entendimento quanto à mente e aos planos Daquele que disse: "Deus amou o mundo de tal

maneira...", "O campo é o mundo...", "Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda

criatura"!

Mas uma tão distorcida visão não apenas está errada; também é absolutamente fútil e

sem esperança. Que tem realizado, de conformidade com suas próprias propostas? Tem o

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cristianismo, na América do Norte ou em qualquer outra região mais bem iluminada,

prosperado e evoluído pela política que consiste em concentrar todos os esforços em si

mesmo, ocultando a luz do evangelho das terras que dela necessitam, e necessitam dela

desesperadamente? Tem qualquer desses pais iluminados sido "convertido" no sentido

evangélico mais verdadeiro da palavra, ou tem sido obtido qualquer progresso substancial em

direção a esse alvo? A única resposta honesta e possível é "Não", e o triste fato é que a

tendência tem sido sempre na direção oposta. A luz, quando concedida por Deus, se não for

seguida, transforma-se em trevas. Por isso que disse o Senhor Jesus: "Portanto, caso a luz que

em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!" Que "há ainda um trabalho a fazer aqui

mesmo", conforme teimam em dizer aqueles dotados de uma visão distorcida e egoísta, é

perfeitamente verdadeiro. E, seja adicionado, sempre haverá mais e mais trabalho a fazer, em

nossa própria pátria, enquanto o programa estabelecido por Cristo, em Sua Grande Comissão,

for ignorado e tratado com indiferença. Outrossim, talvez se trate de um trabalho que

provavelmente nunca teria de ter sido feito, se a igreja houvesse seguido com mais fidelidade

às suas ordens específicas de marcha.

A história dos filhos de Israel e dos tratos de Deus com eles, fornece-nos muitas e

incisivas lições, quanto à Igreja da atualidade, e determinado incidente parece caber dentro do

caso que estamos a discutir. Quando os israelitas juntaram o maná, no deserto, pela primeira

vez, houve alguns deles que recolheram o maná de maneira egoística, com o resultado que

bichou e ficou estragado. Não é essa uma comparação muito agradável; mas é nossa crença

que a Alta Crítica e o Modernismo desabrido, que tem invadido a Igreja qual dilúvio, nestes

nossos últimos dias, e que só produzem uma aflitiva confusão, nada são senão os bichos que

se desenvolveram no maná recolhido do evangelho, e que não foi distribuído. Se a Igreja

tivesse continuado atirando-se aos campos, conforme lhe foi ordenado fazer, e se tivesse

distribuído mais fielmente o maná do evangelho às multidões famintas e negligenciadas de

outras regiões do globo, esse maná ter-se-ia conservado fresco e saudável, isento de heresias e

excentricidade. Não teria criado esses vermes, e teria sido poupado do tremendo prejuízo e

perda que essas excrescências têm trazido.

Este último pensamento conduz à interessante questão que pergunta como aqueles

pães e aqueles peixes foram multiplicados a ponto de alimentarem a "cinco" mil homens,

além das mulheres e das crianças. Nossa própria convicção é que não foram multiplicados

enquanto ainda estavam nas mãos de Jesus, pois obviamente Ele não poderia ter segurado

entre as mãos tanto alimento de uma vez só. Pela mesma razão evidente, o milagre da

multiplicação não pode ter ocorrido enquanto os pães e peixinhos permaneciam nas mãos dos

doze discípulos. Cremos que ocorreu no instante exato e no ato de serem dados pelos

discípulos, quando lhes pareceu estarem entregando o último pedaço que possuíam. Ao

continuarem a fazê-lo, em obediência implícita, seu suprimento se foi multiplicando,

enquanto que, se tivessem cessado a distribuição, em qualquer conjuntura, ou tivessem

esquecido qualquer grupo de pessoas famintas, a multiplicação teria terminado abruptamente.

"A quem dá liberalmente ainda se lhe acrescenta mais e mais, ao que retém mais do que é

justo, ser-lhe-á em pura perda" (Provérbios 11:24). Essa norma espiritual e moral continua em

operação.

Que desgraça que a Igreja, em tão grande proporção, perdeu sua visão missionária

original, não mantendo os olhos na circunferência do círculo, isto é, os "confins da terra"! E,

segundo a medida em que tem deixado de pressionar para avante, a fim de abarcar o mundo

inteiro, nessa mesma proporção lhe tem sido negadas as bençãos do Senhor, e o milagre do

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113

Seu poder de maravilhas e de aumento tem cessado de manifestar-se. Ouve-se dizer que as

igrejas estão financeiramente embaraçadas, não sendo capazes de atingir seu alvo final.

Aventuramo-nos a dizer que, caso fosse investigada a causa, descobrir-se-ia que essas igrejas

ou perderam ou nunca tiveram a visão evangelística e missionária para que quisessem

expandir o seu alcance. Como pode qualquer congregação evangélica reivindicar ou esperar a

benção do Senhor, ao mesmo tempo que negligencia o próprio objetivo por causa do qual foi

criada? Que interesse teria Deus em ajudar qualquer congregação a "atingir o seu alvo", se

este começa e termina em si mesma? Ainda precisamos ver qualquer congregação evangélica

verdadeiramente missionária a braços com dificuldades financeiras. Continua sendo verdade

que quando o povo do Senhor busca primeiramente o Reino de Deus e a Sua justiça, todas

essas coisas necessárias lhes são acrescentadas.

Oxalá recebêssemos uma visão nova, clara, arrebatadora, que envolvesse o mundo

inteiro, dado a toda a Igreja de Cristo, e que constrangesse a todos os crentes a levantarem os

olhos e contemplarem, sem egoísmo, para muito além de seus próprios interesses e limites

estreitos e locais, compartilhando do interesse que Salvador tem pelos corações e pelas almas

de todos os homens! "Não havendo profecia o povo se corrompe..." (Provérbios 29:18). Quão

literal e tragicamente se tem isso cumprido! Pensai sobre o tremendo fato que, mil e

novecentos anos depois de Jesus Cristo haver morrido na cruz, "pelos pecados do mundo

inteiro", centenas de milhões continuam vivendo e morrendo sem nunca ouvirem uma única

verdade acerca Dele! Meditai sobre aquelas áreas vastíssimas e contínuas, no âmago de três

continentes onde operam os missionários, a África, a Ásia e a América do Sul, onde a tarefa

da evangelização não meramente precisa ser terminada, mas onde até esta data tão avançada

nem bem começou ainda! Pensai sobre os milhares de dialetos tribais que não contam ainda

com o Livro da Vida, porquanto ainda não foi traduzido! E as forças missionárias existentes

pouco mais tem feito além de arranhar a fímbria do campo missionário necessitado, e que já

chamamos de "ocupada". A imensa proporção da tarefa ainda por terminar, mesmo nesta

época avançada, é simplesmente estonteante. E como pode, alguém que já experimentou as

bênçãos da salvação de Cristo, contemplar essa situação sem ficar profundamente convicto e

interessado, ultrapassa o nosso entendimento. A primeira grande lição de milagre ilustrativo

que estamos considerando é a necessidade de visão missionária.

A Necessidade de Compaixão

Lemos que quando Jesus Cristo levantou os olhos e contemplou a grande multidão, "...

compadeceu-se deles..." Não foi abalado apenas momentaneamente por uma compaixão

passageira, da modalidade que muitos sentem quando alguma peça teatral emocionante ou

filme tocante é visto por eles, para em seguida darem de ombros com a exclamação: "Oh, que

coisa horrível!" mas que logo em seguida podem olvidar totalmente, dirigindo-se para suas

casas ou suas atividades num redemoinho de satisfação. Não, a compaixão de Jesus era tudo

menos isso: Jesus "compadeceu-se deles". A palavra "compaixão" é um termo muito

sugestivo. Literalmente significa "sofrer juntamente com", e esse é precisamente o sentido

dessa passagem, usada para descrever os sentimentos de Jesus. Ele efetivamente sofria em

Sua compaixão pelos homens. Seu coração sangrava e se quebrantava de tristeza perante a

humanidade pecaminosa. Foi chamado de "homem de dores e que sabe o que é padecer"

justamente por haver tomado sobre Si mesmo as tristezas e aflições alheias, vicáriamente,

sobre a Sua cruz. Mas, igualmente, por haver simpatizado com os sofredores, durante todo o

percurso de Seu caminho até à cruz. Conforme a excelente descrição de Isaías, "Em toda a

angústia deles foi ele angustiado..." (Isaías 63:9). Sua compaixão O abalou até as mais

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íntimas profundezas de Sua alma, impelindo-O à ação. Ele jamais cerrou o coração para

qualquer pedido de ajuda.

A declaração aqui feita acerca de Jesus é repetida em Mateus 9:36, exatamente com as

mesmas palavras: "Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e

exaustas como ovelhas que não tem pastor". Note-se, na segunda metade dessa declaração, o

motivo pelo qual se compadecia das multidões. E também essa descrição das multidões,

segundo Ele as via. "Estavam... exaustas" - por causa das cargas pesadas por demais para que

as suportassem. E estavam "aflitas". Esta última palavra, no original grego, literalmente

traduzida seria "derrubadas por terra", e tem o sentido secundário de crueldade e opressão.

Eram "como ovelhas que não tem pastor" - um quadro verdadeiramente patético, porquanto as

ovelhas, dentre todos os animais, são os mais indefesos e dependentes, sem qualquer arma de

defesa e sem o instinto de correta orientação, pelo que precisam de orientação, de proteção, e

de alimentos dados por um pastor bondoso.

Apesar de que as multidões de nossas próprias nações até certo ponto correspondem a

essa descrição, os ululantes milhões dos países pagãos e muçulmanos correspondem à mesma

de maneira muito mais exata. De fato, depois de haver alguém vivido em terras como a China

e a Índia, esse vocabulário, "multidões", parece encontrar somente ali o seu verdadeiro

significado, e em nenhum outro lugar mais. A visão das turbas que repentinamente invadem

os mercados e os bazares, os teatros ao ar livre e as festas de fundo religioso, ou enquanto

marcham em intermináveis cortejos pelas ruas das cidades, jamais pode ser esquecida. E com

que mágica exatidão a linguagem de nossos textos as descreve!

Estão "exaustas" - sob a carga opressiva da mais abjeta pobreza, do labor incessante e

sem descanso, do peso da aflição física, sem o alívio de qualquer auxílio médico ou cirúrgico,

e da falta de centenas de outras características que iluminam e abençoam os lares e as

comunidades dos países onde resplandece o evangelho e torna a vida mais alegre e digna de

ser vivida.

Estão "aflitas" - pelas forças da injustiça, da crueldade e da opressão. São vítimas

permanentes da ganância e de oficiais sem consciência, que lhes impõem impostos

escorchantes, além de outras exigências ilegítimas. Milhões de criaturas humanas têm sofrido

horrores às mãos de bandidos brutais e de forças invasoras ímpias e sem escrúpulos. Jamais

poderá ser contada toda a história da angústia e do mais negro desespero que se ocultam por

detrás da portas dos lares onde a poligamia e a escravidão doméstica reinam sem qualquer

freio.

A Palavra de Deus declara que "...os lugares tenebrosos da terra estão cheios de

moradas de violência" (Salmos 74:20), e que "...o coração dos perversos é cruel" ( provérbios

12:10). E quão admiravelmente são confirmadas essas declarações bíblicas, pelos fatos reais e

pelas condições, em uma hoste de testemunhos dignos de confiança! A escravidão, a

feitiçaria, as castas hindus, e o ópio, tudo contribui para cobrar altos juros em termos de vidas

humanas. Diz-se que o número de vítimas da medicina fetichista da África, atinge cerca de

quatro milhões de indivíduos evenenados por ano. Tão horrível é a vida de 27 milhões de

viúvas crianças na Índia, que muitas pequenas sofredoras aproveitem-se da escuridão da noite

para escaparem de seus vigias e terminarem a existência suicidando-se dentro de algum poço

profundo. Os estragos causados pelo ópio, na China, a despeito de todos os esforços,

envidados nos últimos anos, para banir essa maldita droga, deterioram para sempre, no reino

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físico e moral, a incontáveis milhares por ano. Eis uma ligeira amostra de feridas abertas no

paganismo, e que clamam em voz alta por alguma cura - pela cura que somente o evangelho é

capaz de efetuar.

São " como ovelhas que não têm pastor". Essa afirmativa relaciona-se

primordialmente à sua situação de abandono espiritual, posto que Jesus Cristo é o único Bom

Pastor e Salvador das almas. " Todos quantos vieram antes de mim", declarou Ele, "são

ladrões e salteadores" ( João 10:8). Aqui temos, em verdade, a definição das religiões do

oriente e da África, juntamente com seus cabeças. Temos a ousadia de assim asseverar, a

despeito do relatório ilusório, apresentado por certos "médicos de almas", que a si mesmos se

nomearam tais, idos dos nossos países ocidentais, os quais, há poucos anos atrás, após

fazerem uma viagem mundial de inspeção missionária, no extremo oriente - a qual, de resto,

foi extremamente superficial - trouxeram o "veredito" que as religiões étnicas são "outros

tantos caminhos para Deus", paralelamente ao cristianismo. Esses aconselharam que os

missionários evangélicos se aliassem "aos líderes das várias crenças étnicas, em uma

inquirição comum pela verdade e pelo caminho ideal de vida". Qualquer pessoa inteligente,

familiarizada com essas religiões e seu caráter real e modo de operar só pode atribuir tal

pronunciamento ou à mais vergonhosa ignorância ou à mais patética desonestidade - a menos,

realmente, que seja apresentado um conceito de cristianismo em tudo diferente e inferior

daquele que o Novo Testamento expõe. E isso em face do fato que qualquer que tenha sido o

caráter e os motivos de seus fundadores, esses cultos, tal e qual existem atualmente, não

contêm o mais ínfimo vestígio de graça ou poder salvadores. Suas doutrinas são falsas, suas

práticas são corruptas, e seu líderes são cegos guias de cegos, e muitos deles são personagens

de imoralidade notória, parasitas da sociedade, que exploram e vitimam os adoradores que

vão aos seus santuários da mentira.

O quadro das multidões dos países pagãos e islamitas, assim sendo, é horrendamente

negro e trágico, repleto de miséria temporal e degradação, de torpeza moral, e de ilusões e

desilusões espirituais. É sobre essa cena que os olhos do Filho do homem se fixam, quando

olha dos céus à terra; e certamente que Ele não sente menor compaixão - mas certamente

mais ainda - por essas multidões ainda mais vastas que aquelas com qem esteve en contato

nos dias de Sua carne. E não deveria compartilhar dessa Sua compaixão todos os Seus

autênticos seguidores? Não obstante, existem crentes professos que parecem totalmente

destituídos de compaixão ou interesse, e que põe de lado a questão dos pagãos com uma

observação toda casual, como: "Oh, mas eles tem sua própria religião, e essa é boa bastante

para eles". Tais palavras são o equivalente moderno do que os discípulos disseram:

"Despede-os para que, passando pelos campos ao redor e pelas aldeias, comprem para si o

que comer" (Mc. 6.36). Essa sugestão dos discípulos era sincera, não estais de acordo? Mas,

quanto a nós, tememos muito que não era tão sincera assim. Porquanto,se os campose as

aldeias ao redor pudessem fornece-lhes o alimento necessário, Jesus e Seus discípulos teriam

tido consciência disso.

Não, mas a sugestão dos discípulos foi impelida antes pelo desejo egoístico de se desfazerem

de um problema difícil e trabalhoso. Observe-se, por outro lado, como o Senhor Jesus lançou

de volta sobre eles a responsabilidade que tanto queriam evitar, retrucando severamente:

"Não precisam retirar-se, dai-lhes vós mesmo de comer" (Mt. 14.16). E não é de forma

diferente que Ele replica aos modernos descendentes daqueles discípulos os quais procuram

evitar toda a responsabilidade que tem pelos incrédulos de nossos dias, com essa conversa

frouxa que fala na "religião dos pagãos", que lhes parece "suficientemente boas para eles".

Gostariam tais murmuradores de estarem acorrentados pelos ritos e costumes vis e

escravizadores que acabamos de mencionar com respeito aos cultos do paganismo atual?

Não, as religiões étnicas não são "boas bastante" para ninguém. As pobres almas

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116

aprisionadas às mesmas, em lugar de pão receberem pedra, e ao invés de um ovo, se lhes é

oferecido um escorpião, no dizer de Cristo. Somente o Senhor Jesus é o Pão da Vida, e o

evangelho é o único remédio para o pecado, quer esteja em vista a América do Sul ou a

África. Temos em mão esse Pão, esse remédio, e nosso Mestre vive a repetir para nós as

mesmas palavras que dirigiu aos Seus discípulos: "Não precisam retirar-se, dai-lhes vós

mesmos de comer".

Page 117: A Bíblia e as Missões

117

A Necessidade de Ação Consagrada

Jesus não somente via ou sentia; mas também agia. As emoções jamais foram

substitutas satisfatórias da ação. A única compaixão real, e que tem valor, é aquela que se

derrama de alguma forma material, através de algum esforço prático, que visa a libertação das

almas perdidas.

Notemos, cuidadosamente, todavia como Ele agiu, e aprendamos a lição que Ele

desejava ensinar-nos. Vemo-Lo de pé, entre os Seus discípulos, com o coração a bater com o

intenso desejo de absorverem sua atitude mental e de agirem juntamente com Ele. Disse

então o Senhor a Filipe: "Onde compraremos pães para lhes dar de comer?" (Jo. 6.5). Não

havia qualquer incerteza em Sua própria mente, mas Ele "dizia isto para o experimentar;

porque ele bem sabia o que estava para fazer". Notai tais palavras. Jesus não ficou

embaraçado com a situação, porquanto jamais ficou desorientado ao enfrentar qualquer

situação. Ele já tinha um plano para alimentar, aquelas multidões famintas, contanto que seus

discípulos correspondessem favoravelmente ao mesmo e cooperassem. E Ele sempre se

mostrou à plena altura do problema da evangelização do mundo, contanto que tenha plenos

direitos nos corações de Seu povo. Quão desapontado deve ter ficado o Senhor, entretanto,

quando Filipe, na presença Daquele que é o Senhor de toda a criação, que é o o Cristo

onipotente, a Quem já vira curar os enfermos e até mesmo ressuscitar aos mortos, falhou tão

miseravelmente de contar com esse poder, e começou a calcular mui humanamente que nem

"duzentos denários de pão" bastariam para que cada qual recebesse apenas um pedaçinho!

Apesar de não desejarmos acusar mui duramente a Filipe, não podemos evitar de fazer

a observação sobre a notável descoberta feita por seus cálculos laboriosos, a saber, que certa

quantia de dinheiro não seria suficiente para dar a cada indivíduo daquela multidão "o seu

pedaço" - o bastante para despertar o paladar e aumentar o senso de fome, e sem chegar a

satisfazê-la. Jamais chegou ao ponto de descobrir que soma seria suficiente; e dessa forma

uma sugestão não foi positiva, mas apenas negativa. Quando muito era apenas uma proposta

inadequada e contemporizadora, e, assim sendo, avultou como tipo de muitos esquemas

humanitários, sociais e políticos que tem sido traçados, e que continuam sendo

experimentados, para satisfazer às necessidades do mundo. Filipe incorreu no fatal equívoco

de deixar o Senhor Jesus fora de seus cálculos, e o mesmo vem sido repetido por um número

infinito de vezes, até os nossos próprios tempos. Nenhum esquema, porém, quer se trate da

Liga das Nações Unidas, de alguma conferência de paz, ou de qualquer outra organização ou

estrutura, por maior e imponente que seja, jamais conseguirá solucionar os problemas do

mundo, enquanto Jesus Cristo não for reconhecido e enquanto Seus princípios norteadores e

Seu poder sejam ignorados. Todos os esforços meramente humanos estão condenados ao

fracasso.

No incidente que estamos considerando, André é mencionado em seguida. Este

aproximou-se um pouco mais do pensamento de Jesus, quando disse: "está aí um rapaz que

tem cinco pães de cevada e dois peixinhos". É verdade que ele quase desvirtua

completamente essa sugestão promissora, ao acrescentar, "mas isto que é para tanta gente?"

(Jo. 6.9). Entretanto, o Senhor anulou esse infeliz "mas", e apresentou prontamente a palavra

certa: "Fazei o povo assentar-se", o que equivale a dizer: "Você acertou em cheio, André.

Agora, vamos trabalhar". Por que tiramos essa conclusão? Assim fazemos porque sempre foi

atitude divina o trabalhar por intermédio de homens, e a apresentação do rapazinho, por

André, estava de conformidade com esse plano. Os homens usam métodos, mas Deus prefere

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empregar homens. Em Sua maravilhosa economia Ele tem preferido, graciosamente, associar

os homens a Si mesmo, usando o fator humano na realização de Seus propósitos. Ele achou

por bem condescender em usar aquele rapazinho, e seu parco suprimento de alimentos, como

meio para alimentar tão vasta multidão. Jesus e o rapazinho cooperaram, e fizeram juntos a

obra. Se alguém levantar objeção a essa afirmativa, e protestar que Jesus poderia ter feito

tudo sozinho, sem a participação do rapaz, nossa resposta é que simplesmente Ele não a

realizou sem o jovem. Não há que duvidar que foi o poder de Jesus que operou aquele

grande milagre, mas com a mesma certeza foi o lanche do rapaz que serviu de meio para sua

execução.

Ora, esse rapazinho destaca-se como exemplo de consagração. Quem era o jovem?

Como chegou ali? Os pães e os peixinhos que trouxe, haviam sido preparados para seu

próprio consumo? Ou seriam antes mercadorias que ele trouxera para vender? Todas essas

perguntas não passam de comentários extremamentes expeculativos. A Palavra de Deus,

entretanto, não nos dá resposta para qualquer delas, e portanto, não sabemos nem precisamos

saber tais respostas. O que realmente sabemos é que "Jesus tomou os pães" do rapazinho, e,

com eles, alimentou a multidão. E também podemos estar certos de que Jesus não se

apropiou arbitrariamente dos pães e peixinhos do rapaz - isso teria uma atitude estranha da

parte do Senhor. O rapaz certamente os ofereceu a Jesus, e Ele os aceitou.

Que dia inesquecível foi aquele para o rapazinho! Ao acordar-se maquela manhã,

nem sonhava em ouvir o maior de todos os pregadores, e nem calculava o que aquele dia

reservava para ele. Porém, teve a oportunidade áurea de dar ao Senhor Jesus o que trazia

consigo; o rapazinho anuiu e o deu, e o Senhor Jesus aceitou a dádiva, multiplicou-a por Seu

poder divino, e tornou-a meio de suprir a necessidade de alimentação de mais de cinco mil

pessoas famintas. Quão impressionante é toda essa cena - e tanto mais quando refletimos

sobre a escolha alternativa que o jovem pôde fazer! Ele poderia ter reservado exclusivamente

para si o consumo dos pães e peixinhos que trouxera, e a maioria das pessoas sem dúvida

teria agido exatamente dessa maneira. Mas isso teria significado satisfazer o apetite apenas

por algumas horas, e então nunca jamais teríamos ouvido falar do tal rapazinho. Felizmente

preferiu o caminho melhor, de ceder ao Senhor o pouco que tinha, e assim se fez sócio de

Cristo, ministrando o alimento necessário aos outros. Tendo testemunhado o resultado de sua

atitude correta naquele dia, e rememorizando o acontecido através dos dias e anos que se

seguiram em sua vida, que alegria e satisfação deve ter tido, em vista de haver sido assim

usado pelo Cristo onipotente, para abençoar os seus semelhantes!

O registro sobre o rapaz e seu lanche não terminou naquele dia, porquanto essa

narrativa vem sendo contada a cada geração desde então, e pelo mundo inteiro, e incontáveis

exércitos de homens e mulheres tem sido impelidos a oferecer suas vidas e seus bens

materiais ao mesmo Senhor, como se fossem pães para serem quebrados e multiplicados pelo

Seu grande poder, para alimentar as multidões famintas pelo Pão da Vida. Estamos

lembrados de como essa ocorrência penetrou fundo em nossos corações, na juventude, com

convicção e inspiração, levando-nos a render a vida e a nos dedicarmos Àquele que, sendo

antes o Homem da Galiléia, é a agora Cristo na glória, para que fosse usado sempre e de

qualquer modo que Ele visse ser conveniente, para a expansão de Sua mensagem remidora a

um mundo perdido. Vintenas de outros nomes nossos conhecidos sobem-nos à memória, os

quais foram, similarmente, impulsionados a seguirem o exemplo do rapazinho, pondo-se

inteiramente à disposição do Mestre, para esse mesmo propósito. Em cada caso Ele tem

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aceito o presente oferecido, sem importar se muito ou pouco, e o tem multiplicado cem vezes

mais, para a salvação de muitas almas preciosas, e para enriquecimento espiritual dos

doadores, mais do que as palavras são capazes de expressar.

A longa lista, que aparece nas Escrituras, acerca de pessoas sem importância, que

Deus tem achado por bem usar como Seus instrumentos escolhidos, é verdadeiramente

impressionantes. Lembramo-nos do "menino Samuel", que foi utilizado como porta-voz de

Deus perante o sacerdote Eli. Lembremo-nos de Davi, o mais novo de todos os filhos de

Jessé, mas que era preferido do Senhor acima de todos os seus irmãos, e relembramos como

posteriormente abateu o gigantesco guerreiro, Golias, "com uma funda e uma pedrinha".

Lembremo-nos de Gideão, o qual protestou, dizendo "Eis que minha família é a mais pobre

em Manassés, e eu o menor da casa de meu pai" (Jz. 6.15), mas como derrotou totalmente o

fortíssimo exército midianita, com um ridículo contigente de trezentos homens, armados

apenas de trombetas e vasos vazios. Lembremo-nos, igualmente, da "menina" que revelou ao

grande Naamã da Síria, da existência do verdadeiro Deus e Seu profeta, e assim Naamã foi

curado de sua lepra; ou então da viúva de Sarepta, cujo "pequeno vaso de azeite" foi o meio

usado por Deus para sustentar a vida do profeta Elias por muitos dias. O "aguilhão de bois"

de Sangar, e a "queixada de jumento" de Sansão, foi outras "coisinhas" insignificantes que

Deus condescendeu em usar. Também não nos podemos olvidar do "jumentinho" que levou

Jesus em Sua entrada triunfal em Jerusalém. Outrossim, essas coisas não são reputadas

excepcionais, no que respeita ao modo de Deus operar, mas antes, são consideradas instâncias

típicas, conforme também sua Palavra nos revela: "...Deus escolheu as coisas loucas...as

coisas fracas...as coisas humildes...as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada

as que são a fim que ninguém se vanglorie na presença de Deus" (I Co. 1.27).

Que encorajamento, pois, é outorgado àqueles que pertencem ao povo do Senhor e que

porventura possuam menos talentos ou meios mais escassos para oferecer em Seu serviço!

Os anais missionários estão repletos de exemplos de homens e mulheres que nasceram em

lares humildes, que se criaram com vantagens mínimas e que no começo de suas carreiras

missionárias deram mostras de serem apenas material ordinário e comum "de todos os dias",

mas que, no serviço com Cristo e para Ele, se desenvolveram maravilhosamente e subiram até

excelsas alturas. Basta mencionar, como ilustrações de fato, Guilherme Carey, o sapateiro

remendão, Roberto Morrison, o fabricante de botas, Davi Livingstone, o fiandeiro de algodão,

e Maria Slessor, a pobre operária de fábrica, cujos nomes, atualmente, destacam-se de forma

conspícua entre os maiores nomes da história missionária do mundo. "O pouco é muito com

a participação de Deus".

Desconhece-se qualquer coisa, mais inspirador que o fato revelado nas Escrituras e

ilustrado no incidente à frente - que o Senhor tormou o homem necessário para Si mesmo, no

cumprimento de Deus grandes propósitos no mundo. A idéia não é que o homem seja

inerentemente necessário, mas tão somente que Deus, em Sua soberania, resolveu torná-lo

assim necessário. Segundo já tivemos oportunidade de dizer, Jesus poderia ter alimentado a

multidão sem o recurso do rapazinho, mas preferiu não fazer assim. Exprimindo o mesmo

pensamento de outra maneira, e empregando outra imagem bíblica, que estabelece a relação

entre os crentes e Cristo, nesta era da Igreja, que ainda é mais íntima e vital que aquela que

havia nos dias do rapazinho, voltando-nos para duas metáforas bem conhecidas do Novo

Testamento. Primeiramente, Jesus disse: "Eu sou a videira, vós os ramos" (Jo.15.5). Ora,

sabemos perfeitamente que o ramo necessita da videira como fonte essencial de sua vida.

Mas, é igualmente verdadeiro que a videira precisa de seus ramos, porquanto somente através

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deles é que pode produzir seus frutos. Em segundo lugar, a figura do corpo humano é

também usada, e desse corpo Cristo é a cabeça, enquanto que os crentes são os membros.

Essa figura expressa a profunda verdade da unidade orgânica de todo crente verdadeiro com

Ele. Os crentes estão vital e inseparavelmente ligados a Ele, e, de fato, fazem parte Dele.

Segue-se, conclusivamente, que da mesma forma que a cabeça de nosso corpo humano só

pode levar a efeito a sua vontade e finalidade através da reação favorável e cooperação de

seus vários membros, assim também Cristo, o glorioso Cabeça da Igreja, que é Seu Corpo, só

pode cumprir Seu gracioso desejo e desígnio relativos à humanidade quando os membros

desse Corpo rendem-se para se tornarem instrumentos por meio de quem Ele pode operar de

modo desimpedido e eficaz. Em Seus comotimentos missionários alguns membros precisam

ser Seus olhos para ver, outros, seus pés para ir, Sua língua para falar, Suas mãos para servir.

A lição que o Senhor Jesus almeja ensinar hoje em dia a Seus seguidores, por

intermédio dessa parábola missionária, da multiplicação dos pães para os cinco mil homens, é

inequivocavelmente clara. Ele resolveu precisar daquele rapazinho a fim de que fosse Seu

sócio naquele milagre de misericórdia. Cristo esperou que o jovem Lhe oferecesse seus pães

e seus peixinhos, e então manifestou o Seu poder divino, não independentemente, mas através

daquela oferta cedida. Semelhantemente, Ele tem resolvido precisar daqueles que,

atualmente, são Seus discípulos professos, para que sejam Seus sócios voluntários nessa

grande obra de propagação de Seu evangelho pelo mundo todo. "...e sereis minhas

testemunhas...até os confins da terra..." (At.1.8).

Cristo precisa de alguns para que Vão. É altíssima honra e privilégio incalculável ser

embaixador Seu, Sua testemunha, perante os povos desafortunados e além-mar. Em muito

transcende todas as outras chamadas, e é o maior investimento da vida que jamais foi

oferecido aos homens.

Cristo precisa de todos para que Dêem. Porquanto todos podem dar algo, embora nem

todos possam fazê-lo na mesma medida. Que consolo deveria ser , para aqueles que não

podem ir em pessoa, se puderem participar com suas contribuições, a fim de que outros

possam ir! Oxalá muitos mais dos filhos de Deus pudessem obter uma visão mais elevada do

dinheiro, não como algo meramente para satisfazer aos prazeres pecaminosos ou como

adorno, mas algo para investir na conquista de almas como gemas preciosas para a coroa de

Seu adorno, no dia glorioso de Seu aparecimento!

Cristo precisa de todos para que Orem. Está escrito na Palavra que Deus "viu que não

havia ajudador algum, e maravilhou-se de que não houvesse um intercessor..." (Is.59.16). O

Senhor deve continuar maravilhado pela falta de muito maior número de intercessores, posto

que o caminho para o Trono da Graça foi pavimentado com suas maravilhosas promessas

relativas à oração. O triste queixume do profeta Isaías, perante Deus, é que "já ninguém há

que invoque o teu nome, que se desperte, e te detenha" (Is.64.7). As portas da oportunidade

de pregar o evangelho, em certos campos missionários, fecham-se ocasionalmente, mas a

porta para a sala do trono do céu nunca se cerra, para essa forma mais santa e poderosa de

serviço missionário, e da qual todos, e não meramente alguns, podem participar. Oxalá

houvesse mais crentes que se dedicassem à oração, e assim impulsionassem a mão que move

o mundo, fazendo descer a salvação!

Em conclusão, queremos dizer mais uma palavra. O relato da distribuição de pães,

segundo registado no evangelho de Mateus (14.19), diz: "Depois, tendo partido os pães, deu-

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os aos discípulos, e estes, às multidões". Três palavras se salientam - Pães, Discípulos,

Multidões. Observei-as cuidadosamente, a ordem que aparecem, e a relação entre elas. Ora,

onde encontramos os discípulos? Entre os pães e as multidões. Como os pães chegaram às

multidões? Foram distribuídos por meio dos discípulos; e somente assim, pois Jesus não fez

pessoalmente a distribuição, mas através das mãos dos discípulos. Nesse ponto está

encerrada uma verdade vital importantíssima, nessa parábola missionária. Quando o bendito

Filho de Deus veio a este mundo, desde a glória, assumiu pessoalmente a responsabilidade

por um mundo perdido. Dirigiu-se resolutamente à cruz, e ali ofereceu-se como sacrifício

expiatório pelos pecados do mundo. "Está consumado!", foi Seu grito de triunfo, ao render o

espírito. Então ressuscitou dentre os mortos e voltou para os céus. Porém antes de partir para

a glória, convocou Seus poucos discípulos fundadores, ao redor de Si, no monte das

Oliveiras, e incumbiu-os do que chamamos da Grande Comissão. E disse-lhes palavras nesse

sentido: "Meus irmãos, fiz a Minha parte, provendo a salvação para o mundo todo. Vossa

parte, agora, é a de levar a mensagem de salvação a toda a criatura, sendo assim Minhas

testemunhas até os confins da terra". Em outras palavras, e empregando a linguagem de

nossa parábola missionária, o Cristo ressurreto pôs nas dos Seus discípulos os "pães", o Pão

da Vida, para a distribuição entre as "multidões" perdidas da humanidade. Transferiu a eles a

responsabilidade que até então pesava sobre Si mesmo.

Essa responsabilidade de anunciar o Salvador ao mundo inteiro tem sido transmitida

de uma geração a outra de crentes, através dos séculos, e agora ela cabe a nós. Tais como os

discípulos antigos, estamos entre os pães e as multidões, e isso só pode ser feito de duas

maneiras - ou como obstrucionistas, negando os pães às multidões, devido à nossa

indiferença, egoísmo e preguiça; ou então como auxiliares leais de Cristo, a levar os pães da

vida de Suas mãos para as multidões. Temos de encontrar nossa posição em uma outra

dessas duas categorias - não existe uma terceira possibilidade. Que essa solene verdade nos

transpasse a consciência e nos comova o coração, convencendo-nos de nosso dever, e

persuadindo-nos quanto mais alto privilégio que há, ou seja, o de cumprirmos a sagrada

incumbência que foi conferida à Igreja, bem como a cada membro individual desse Corpo de

Cristo - levando o Pão da Vida, com toda a presteza possível, às multidões de almas que estão

moribundas por falta dele.

FIM