missões subsidiárias que devem cumprir as forças armadas da ...
A Bíblia e as Missões
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A Bíblia
e as
Missões
Samuel M. Zwemer
2
ÍNDICE
Dedicatória e Prefácio......................................................................................................3
Introdução.......................................................................................................................4
I A BÍBLIA E AS MISSÕES
O Caráter Missionário das Escrituras....................................................................6
II A IGREJA E AS MISSÕES
Evangelização Mundial, Alvo Supremo e Tarefa da Igreja...................................18
III O PASTOR E AS MISSÕES
Relação Nacional Estratégica do Pastor para com a Evangelização do Mundo....26
IV O ESPIRITO SANTO E AS MISSÕES
A Dotação Divina e sua Liderança nas Missões...................................................35
V O APÓSTOLO PAULO E AS MISSÕES
Características Salientes das Missões Neo-Testamentárias, Exemplificadas por
Paulo..................................................................................................................46
VI A VOLTA DE CRISTO E AS MISSÕES
A verdadeira Perspectiva a alvo do Esforço Missionário......................................62
VII OS HOMENS E AS MISSÕES
Os Elementos Essenciais da Chamada Missionária..............................................80
VIII O DINHEIRO E AS MISSÕES
Luz Bíblica Sobre a Mordomia Missionária.........................................................91
IX A ORAÇÃO E AS MISSÕES................... .......................................................106
X O RAPAZ E AS MISSÕES
Alimentando as Multidões - Uma Parábola Missionária.....................................120
3
Dedicatória
Aos meus ex-alunos
que servem fielmente nos longínquos
campos missionários do mundo,
é oferecido afetuosamente este volume.
Prefácio
O autor está cônscio da existência de uma biblioteca já bastante numerosa que trata do
assunto do caráter missionário e ensino da Bíblia. Um bom número dos mesmos enfileira-se
em suas próprias estantes e tem sido livros com verdadeira apreciação por seus caráter erudito
e alto valor. Teve, pois, de defrontar-se com a pergunta, que sem dúvida assaltou outras
mentes também, se haveria realmente necessidade de outro livro sobre o mesmo tema. E sua
conclusão, após muita meditação e oração, foi que ainda há oportunidade para uma
abordagem sobre o assunto, seguindo-se determinado ponto de vista e uma certa linha de
pensamento, um tanto diferentes do que é seguido por esses outros volumes.
Essa conclusão parece ter sido confirmada por repetidas solicitações, recebidas de
membros de suas ex-classes sobre Missões, de diversos institutos bíblicos, como também de
outros, que se fizeram presentes às preleções em dois seminários e várias conferências
bíblicas, de que o material ali exposto recebesse a forma disponível de um livro.
Não foi fácil encontrar tempo, em meio a outros deveres, para essa tarefa adicional;
mas pouco a pouco os capítulos que se seguem foram preparados, e são agora enviados aos
leitores. Não pretendemos que se trate de uma discussão completa de assunto vital que
abordam, porquanto o autor está perfeitamente consciente das limitações e imperfeições desta
apresentação. Sua única reivindicação é que aquilo que foi escrito foi feito sobre a pressão de
profunda preocupação - que um conceito mais verdadeiro sobre o papel vital das missões,
dentro do propósito e plano divinos, seja de algum modo transmitido à Igreja atual, capaz de
conduzi-la a novos e mais dignos esforços para levar até seu término a tarefa que por Jesus
Cristo foi entregue à Sua Igreja na face da terra, quando de sua incepção, e que constitui o
objetivo mesmo de sua existência, a saber, o anúncio da Mensagem de Salvação a toda a
humanidade.
O autor deseja expressar seu grato tributo à Sra. Jeannette Rorke, sua ex-secretária, tão
devotada e eficiente, pelos seus tão prestativos serviços, tendo datilografado e preparado o
manuscrito inteiro para a sua publicação, e à Srtª Mildred Cook, por sua útil assistência
editorial.
R.H.G
Philadelphia, Pa.
Dezembro de 1945
4
Introdução
Confiamos em que o público evangélico acolherá favoravelmente este novo estudo
sobre um tema antigo, a Bíblia e as Missões. E ainda que um avantajado número de outras
obras tenha sido escrito sobre a questão, conforme também declara o autor em seu prefácio,
há pelo menos duas razões válidas para que recomendemos a este estudo bíblico aos leitores -
razões estas que tendem ser esquecidas em uma época em que os aspectos econômicos e
sociais da mensagem evangélica são algumas vezes exagerados.
Em primeiro lugar, este estudo tem uma teologia explícita. Temos visto manuais sobre
missões que salientam a sociologia, a psicologia, e até mesmo a ética, mas que só apresenta a
teologia de forma condensada. Se o cristianismo evangélico pode ser reduzido, como certo
autor assevera, "a uma bem sucedida comunicação de uma experiência valiosa", então não é
mais necessária a teologia sobre missões. O Novo Testamento, todavia, deixa perfeitamente
claro que o alvo das missões cristãs é o cumprimento de uma ordem divina e de um eterno e
divino propósito, isto é, o testemunho prestado quanto ao fato de Jesus Cristo. A
evangelização do mundo é um projeto não de origem humana, mais divina. A palavra da cruz
era a mensagem dos apóstolos; o poder da cruz era o motivo deles, e a glória da ressurreição
era a sua inspiração e esperança. As missões, tanto nas promessas e profecias do Antigo
Testamento como em seu poder e vitória neo-testamentários, não apresentam um caráter
mundano, mas sim, os sinais de pertencerem a um outro mundo. A expiação pelo pecado e a
vitória sobre o pecado sempre terminam em vitória sobre a morte. Os apóstolos pregavam a
Cristo e Sua ressurreição, que é a garantia de nossa própria ressurreição. O que quer que se
diga a respeito da igreja primitiva, este tanto é verdadeiro, que ela voltou as costas para o
mundo e o rosto para o Senhor, que está prestes a voltar. Seu curso foi guiado não apenas
pelo seu mapa de fé, mas também pela estrela polar de sua esperança.
Em segundo lugar, este estudo aborda uma filosofia básica. O assunto é tratado do
mesmo ângulo que foi assumido pelo Dr. Hendrik Kraemer, da Conferência de Madras, em
seu volume, The Christian Message in a Non Christian Word. O ponto de vista, tanto do Dr.
Glover como o Dr. Kraemer, forma os antípodas de Re-Thinking Missions e do outro livro
do professor William E. Hocking, Living Religions and a World Faith. Ambos quedam-se
admirados perante o fato da revelação final e da finalidade sem par de Jesus Cristo.
O único motivo missionário que não pode ser despedaçado pelas bombas atômicas do
racionalismo e do neo-paganismo, em nossa época, é o mandato apostólico do Novo
Testamento, com todas as suas implicações e sanções. Estas são exibidas neste estudo popular
sobre as missões. Recomendar o cristianismo meramente como o veículo de uma cultura
superior, ou oferecer à Ásia e à África uma partilha maior do que atualmente possuem da
civilização e filosofia ocidentais, é uma tarefa sem esperança, porquanto é observável que as
duas nações da Europa e da Ásia que são as mais progressistas e de mais alto índice de
educação, tem feito o mundo mergulhar no caus e na mais total barbaria da guerra moderna.
Quando são destruídos os alicerces da moral e da fé, que pode fazer o justo? Pode tão
somente levantar-se na força que Deus, dá afim de edificar, mais firmemente do que nunca,
sobre a Rocha dos Séculos. É mister que nos voltemos para a própria Bíblia, em busca de
nosso motivo missionário, de nossa mensagem e de nosso dinamismo. Só na Bíblia
encontramos a origem e o alvo desse empreendimento.
5
O método bíblico é o caminho recomendado e ilustrado nestas páginas. Cada capítulo
encontra sua nota autoritativa na Palavra de Deus. Todos eles se baseiam e apoiam em uma
nova filosofia de missões ou sobre o tipo de ecumenismo que se perde em um ponto de vista
acerca do mundo que se afasta do profundo sendo da necessidade que o mundo tem do
evangelho. De conformidade com a convicção do Dr. Glover, a Palavra de Deus é a única
regra de fé e prática no empreendimento missionário.
Temos lido o manuscrito dessas páginas, com alegria, descobrindo nas mesmas a
virilidade de conceitos aliada à visão clara e ao manuseio de temas difíceis, abordados com
sanidade e santidade. O autor tem desfrutado de longa experiência na China, como
missionário praticante, bem como em sua pátria, em larga e sábia administração missionária.
Não é homem teórico, mas antes, dotado de juízo prático. Quando fala sobre o Espírito Santo
e as missões aborda fatos testemunhados pessoalmente no campo missionário. Quando se
refere à posição suprema do pastor, na empresa missionária, sabe do que está falando. O
capítulo acerca de "A Volta de Cristo e as Missões" é sóbrio e poderoso, e contém uma
advertência para aqueles cuja escatologia pode conduzi-los ao desapontamento - àqueles que,
de atenção voltada para a questão secundária, são como o homem que gastou tanto tempo e
esforço procurando compreender o horário e o itinerário dos trens, na estação da estrada de
ferro, que acabou perdendo o seu trem.
No interesse da grande causa da evangelização do mundo, eis o livro para o momento.
Foi escrito para a época em que vivemos, escrito por alguém que combateu o bom combate e
guardou a fé. Abri suas páginas e julgai por vós mesmos. Cremos que este volume pertence à
terceira categoria da classificação de Francisco Bacen: "Alguns livros devem ser provados,
outros precisam ser devorados, e alguns poucos merecem ser mastigados e digeridos".
Samuel M. Zwemer
Cidade de Nova Iorque
dezembro de 1945.
6
Capítulo I
A BÍBLIA E AS MISSÕES
O Caráter Missionário das Escrituras
Não basta dizermos que estamos "interessados em missões", nem mesmo que estamos
participando da promoção de missões. Muito do interesse e esforço missionário não chega a
ser satisfatório, porque repousa sobre um conceito totalmente inadequado do que seja
realmente o empreendimento missionário. Mera piedade pelos povos que ocupam os campos
missionários, provocada por algum relato comovente sobre a urgente necessidade ou por
alguma instância de cruel sofrimento, não é suficiente, por mais recomendável que seja tal
compaixão. Algo mais profundo e mais lato é necessário para constituir um sólido alicerce
para qualquer esforço missionário digno do nome e permanente.
O empreendimento missionário não é algum conceito ou incumbência humana, não é
algum invento ou planejamento moderno, não é mera filantropia, mesmo considerada como
seu melhor espécime. Não teve origem no cérebro ou no coração de qualquer ser humano,
nem mesmo de Guilherme Carey ou do apóstolo Paulo. Sua fonte é o próprio coração de
Deus. É Jesus Cristo, o grande Missionário de Deus, enviado ao mundo perdido, foi a
revelação suprema de Seu coração e a expressão suprema do Seu amor.
O grande fato isolado no qual todos os verdadeiros pensamentos de Deus encontram
suas raízes, é o fato exposto em João 3:16, que diz: "Deus amou ao mundo de tal maneira que
deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pareça, mas tenha a vida eterna".
Esse versículo é comumente reputado como o texto central do Novo Testamento, o coração
mesmo do evangelho. Por essa razão é que é, igualmente, o texto missionário central.
Juntamente com ele, vários outros textos mui naturalmente se associam, como: "Porquanto
Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo
fosse salvo por ele" (João 3:17); "Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não
impuntado aos homens as suas transgressões" (II Co 5:19); "Ele é a propiciação pelos nossos
pecados, e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro" (I João
2:2); "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (João 1:29).
Os textos bíblicos acima citados, e muitos outros semelhantes aos mesmos, deixam
cristalmente óbvio o fato que a redenção do mundo inteiro foi o grande propósito de Deus
desde o princípio. "...de um só fez toda a raça humana para habitar sobre a face da terra... para
buscarem a Deus se, porventura, tateando o possam achar, bem que não está longe de cada
um de nós" (Atos 17:26,27). Sim, e muito mais ainda, porquanto Ele veio pessoalmente, em
Seu Filho, Jesus Cristo, a fim de "buscar e salvar o que se havia perdido". O evangelho visa e
está adaptado a toda raça, clima e condição da humanidade. O empreendimento conhecido
como missões mundiais, por conseguinte, consiste justamente da execução do propósito e
projeto divino, traçados desde a fundação do mundo. Sua realização é o sublime evento na
direção do qual se move toda a criação, e que constituirá a consumação e a coroa de todas as
relações de Deus com a raça humana.
Se tudo isso é a verdade, deveríamos encontrar muito material, nas Sagradas
Escrituras, abordando o fato; e esse é precisamente o material ali exibido. Em cada página da
Bíblia o pensamento e o plano de Deus, referente à evangelização do mundo, se evidenciam
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claramente. De capa a capa, a Bíblia é um livro missionário; tanto que, conforme alguém já
expressou, ninguém pode extirpar o seu conteúdo missionário sem destruir completamente
esse livro sagrado. Portanto seja isso entendido para sempre, que a autoridade bíblica relativa
às missões de escopo mundial repousa não meramente sobre uma série de textos de prova,
mas antes, sobre o inteiro desígnio e espírito das Escrituras, quando estas revelam a Deus em
Suas relações para com os homens e as nações, e quando traça o desdobramento de Seus
propósitos através dos séculos.
Certo escritor expôs habilmente o caráter missionário essencial da Bíblia,
descrevendo-o como a história da busca do homem por parte de Deus, em contraste patente
com todos os livros sagrados de origem humana, que pretendem exibir a história da busca de
Deus por parte do homem. E segue-se então estas palavras: "Essa divina busca do Criador
através de Sua criatura, começa no primeiro capítulo do livro de Gênesis, e não termina senão
nas palavras finais do Apocalipse. O próprio Deus é visto, dessa maneira, como o primeiro e
maior de todos os missionários, enquanto que a Bíblia toda é vista como a revelação de Suas
sucessivas sondagens na alma humana".
Por conseguinte, passemos a esboçar o propósito e o plano missionários de Deus, os
quais aparecem inequivocamente, e assim podem ser vistos (1) em Gênesis, no Antigo
Testamento, e (2) plenamente revelados no Novo Testamento.
A Idéia Missionária no Antigo Testamento
Apesar de que as missões cristãs, no pleno sentido do termo, tenham começado
somente já no Novo Testamento, não se deve perder de vista o fato que a idéia missionária
também pode ser encontrada em todas as páginas do Antigo Testamento.
Desde a primeira vez em que tratou com Adão e Eva, antes da queda, na qualidade de
progenitores da raça humana, Deus revelou o Seu desígnio de alcance mundial. Disse ao
primeiro casal: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a" (Gênesis 1:28). E
a Noé, quando à raça foi concedido um novo começo, a mesma incumbência foi repetida
(Gênesis 9:1). A propagação, até aos confins da terra, ocupava os pensamentos de Deus.
Todavia, mui estranhamente, a história dos homens, criaturas de Deus, desde então tem sido o
relato de um esforço longo e persistente, quer por ignorância quer por vontade expressa, de
escapar ou de torcer o propósito divino que foi tão claramente declarado.
Esse fato é notavelmente ilustrado no relato da Torre de Babel, conforme aparece no
décimo-primeiro capítulo de Gênesis. Ali vemos um povo que não se esforçava por chegar
aos confins da terra, mas antes, que diziam uns para os outros como se lê no quarto versículo:
"Vinde, edifiquemos para nós uma cidade, e uma torre cujo topo chegue até aos céus, e
tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra". Vê-se,
aqui, que aquilo que Deus desejou que fosse realizado, foi justamente o que os homens
intentaram explicitamente frustrar. Era desígnio do Senhor, embora isso não tivesse sido
ainda revelado com clareza, fazer da raça humana e sua redenção o meio de glorificar a Seu
Filho, a fim de que o nome de Cristo fosse exaltado acima de todo outro nome, "...para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra..." (Filipenses 2:9-
11). Entretanto, eles diziam: "...tornemos célebre o nosso nome...". Nesse incidente, pois,
ficou desvendado que o espírito do egocentrismo e do interesse próprio, que desde então vem
dominando os indivíduos e as nações, e que se tem oposto e servido de empecilho para a
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realização de Seu propósito missionário e para a materialização do domínio universal e glória
de Cristo, foi justamente o que obrigou Deus a interferir, confundindo a linguagem dos
homens e frustrando os seus planos ambiciosos. "Destarte o Senhor os dispersou dali pela
superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade".
Em seguida vemos Deus a escolher um homem, uma família e uma nação - Abraão e
os seus descendentes hebreus. Mas, com que finalidade? com o propósito de derramar
abundantemente sobre eles um afeto exclusivo e egoístico, com paralelo desprezo por todos
os demais homens: Não, mas antes, para que servissem de canal de benção para o mundo
inteiro dos homens: "...em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gênesis 12:3). Essa
promessa, com o seu revelado propósito de eleição, foi posteriormente repetido por duas
vezes mais, a Abraão (Gênesis 18:18; 22:17,18); e confirmado a Isaque (Gênesis 26:2-4) e a
Jacó (Gênesis 18:12-14).
A mesma sugestão pode ser vista na divina mensagem anunciada por intermédio de
Moisés ao povo de Israel, no monte Sinai: "Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha
voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os
povos: porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa" (Êxodo
19:5,6).
O professor W. O. Carver, comentando acerca dessas palavras, escreveu: "Não se deve
esquecer que a terra inteira pertence a Ele, juntamente com todos os seus habitantes. Quanto
Deus acolhe uma tribo em Seu coração, momentaneamente, não é para que os demais homens
sejam olvidados, mas é para que o bem atinja a todos. O Seu alvo era que Israel Lhe servisse
de reino de sacerdotes, uma nação separada para o serviço profético. Mas, quando o sacerdote
e o profeta são uma nação, o povo para quem ministram e para quem profetizam, são as
demais nações".
Desgraçadamente, porém, os judeus tropeçaram no propósito divino, não podendo
discernir o sentido da eleição de Deus, que os escolhera como Sua nação-serva, e
egoísticamente monopolizaram o que estava destinado a servir de bem para toda a
humanidade. Consequentemente, Deus teve de por de lado aquela nação, por algum tempo,
como um fracasso. A história inteira de Israel constitui uma das maiores tragédias da história
humana.
Quanto ao próprio Abraão, ele se destaca como um dentre uma plêiade de notáveis
personagens do Antigo Testamento, que foram exemplos marcantes do espírito e fervor
missionário. Com ele teve início o longo cortejo dos missionários, que atualmente já se
estende através de quatro mil anos. Seu divino chamamento (Gênesis 12:1) fornece um digno
modelo a ser seguido por qualquer missionário moderno, enquanto que seu heróico
livramento das vítimas do ataque desfechado pelo rei Quedorlaomer (Gênesis 14:1-16) e seu
importuno apelo em favor da pecaminosa cidade de Sodoma (Gênesis 18:22,23), são ótimas
instâncias do zelo, coragem e devoção missionários.
José, por semelhante modo, foi um grande missionário, enviando por Deus ao Egito
pagão, e pelo Senhor usado para a salvação física dos milhões de habitantes dessa nação e dos
povos circunvizinhos.
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Em Moisés vemos um verdadeiro líder missionário, treinado e disciplinado por Deus,
para um grande e difícil empreendimento, que exigiu que ele renunciasse às riquezas, à
posição social e aos prazeres mundanos, a fim de dedicar-se, com abnegado abandono, ao
serviço daqueles que tão amargamente testaram seu espírito e zombaram de sua devoção. Tal
como os outros profetas e líderes do Antigo Testamento, ele via apenas nebulosamente aquilo
que o Novo Testamento claramente revela quanto à plenitude da graça de Deus para toda a
humanidade; não obstante, algo da extensão do propósito divino lhe foi dado a conhecer pelo
próprio Deus, nestas palavras: "...tão certo como eu vivo, e como toda a terra se encherá da
glória do Senhor..." (Números 14:21).
Aqui e ali, através dos livros históricos do Antigo Testamento, entrevemos visões
fugazes de alcance mundial dos propósitos graciosos de Deus. Exemplos de Sua beneficência,
para com aqueles que se encontravam fora do redil judaico, são fornecidos nos incidentes
ligados aos profetas Elias e Eliseu, e mediante os quais Jesus repreendeu o orgulho nacional
de Seus conterrâneos de Nazaré (Lucas 4:25-27). Uma mulher gentia, viúva de Sarepta, foi
escolhida por Deus para abrigar e alimentar o Seu servo Elias, em período de fome (I Reis
17:9), enquanto que Naamã, o sírio de Damasco, foi misericordiosamente curado de sua lepra,
por meio do testemunho humilde de uma menina judia que fora tomada cativa, e por meio do
ministério de Eliseu (II Reis 5).
Belamente sugestiva, igualmente, sobre a largura do amor soberano de Deus, é a
inclusão de Raabe, de Jericó, e de Rute, a moabita, ambas mulheres gentias, estranhas ao
pacto divino, na linhagem ancestral do Rei messiânico. O mesmo espírito se faz presente na
oração com que Salomão dedicou o templo de Jerusalém, quando fez apelo em favor do
"...estrangeiro, que não for do teu povo de Israel, porém vier de terras remotas, por amor do
teu nome...ouve tu nos céus, lugar da tua habitação, e faze tudo o que o estrangeiro te pedir, a
fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo
Israel..." (I Rs. 8:41,43). E a resposta divina, foi: "Ouvi a tua oração, e a tua súplica, que
fizeste perante mim" (I Rs. 9:3).
O livro de Ester contém uma fascinante narrativa missionária. Representa uma jovem
mulher, por natureza identificada com uma raça cativa e condenada, mas por uma providência
graciosa elevada a uma posição e privilégio reais. Sua atenção foi chamada para o perigo
iminente e para a inevitável condenação de sua nação, a menos que chegasse pronto e
imediato socorro. Entretanto, a única possibilidade humana de auxílio obviamente dependia
dela mesma, envolvendo um tremendo risco pessoal. Uma momentosa pergunta a
confrontava. Teria ela consideração por sua própria segurança, consolo e vantagem, e fecharia
os olhos para as necessidades de seus compatriotas? Ou a preocupação compassiva pela
humanidade condenada e impotente conquistaria e abafaria todas as considerações egoísticas
e a impeliria à tentativa de libertar o seu povo? Ao enfrentar ela, com toda a seriedade, essas
alternativas, provavelmente não sem grandes lutas íntimas, chegou à decisão acertada, e
recebeu a força e a coragem para tanto necessárias. Lançou-se na brecha aberta, sem dar
atenção a todo custo e perigo em que isso a envolvia, e, mediante sua ação heróica, salvou sua
nação inteira. Trata-se, pois, de um emocionante romance missionário, cuja aplicação para os
crentes da atualidade, e particularmente pela juventude evangélica talentosa e privilegiada, é
tão óbvia que não são necessárias outras palavras para reforçá-la.
Passando daí para o livro dos Salmos, encontramo-los eivados do espírito e da atitude
missionários. Através de todo esse antigo livro de louvores, vê-se uma constante antecipação
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de um Rei que haverá de governar em justiça, e cujo domínio se estenderá até aos próprios
confins da terra. Entre os Salmos que são peculiarmente assinalados pela visão mundial,
encontramos os de números 2, 22, 47, 50, 67, 72 e 96. Tomemos como exemplo o Salmo 2:8,
que diz: "Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua
possessão". Ou então notemos o Salmo 67, cujo primeiro versículo declara: "Seja Deus
gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o seu rosto..." Quão
egoística seria essa oração, se cessasse nesse ponto! Porém, prossegue afim de revelar o
motivo missionário de tal oração, e o resultado de sua resposta - "...para que se conheça na
terra o teu caminho; em todas as nações, a tua salvação" (versículo 2). E seu último versículo
é uma belíssima profecia, que diz: "Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o
temerão".
Outrossim, temos o Salmo 72, com seu resplendente quadro profético sobre a vinda do
glorioso reino de Cristo, do qual Salomão era um tipo - "Domine ele de mar a mar, e desde o
rio até aos confins da terra...e as nações lhe chamem bem-aventurado... Bendito para sempre o
seu glorioso nome, e da sua glória se encha toda a terra" (Versículos 8, 17, 19).
Contudo, talvés os mais ricos ensinamentos missionários do Antigo Testamento sejam
encontrados nos escritos dos profetas, onde uma perspectiva de alcance mundial sempre se
reconhece claramente, até mesmo quando a mensagem central diz respeito a Israel. As
passagens abaixo citadas são apenas algumas dentre as muitas que poderiam ser citadas:
"... pois não há outro Deus senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim. Olhai
para mim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro"
(Isaías 45:21,22). "...também eu te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação
até a extremidade da terra" (Isaías 49:6). "O Senhor desnudou o seu santo braço à vista de
todas as nações; e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus" (Isaías 52:10).
"...porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos" (Isaías 56:7).
"Naquele tempo chamarão a Jerusalém o trono do Senhor; nela se reunirão todas as nações
em nome do Senhor, e já não andarão segundo a dureza de seu coração maligno" (Jeremias
3:17). "Pois a terra se encherá de conhecimento da glória do Senhor, como a águas cobrem o
mar" (Habacuque 2:14). "...farei abalar todas as nações, e as coisas preciosas de todas as
nações, virão, e encherei de glória esta casa, diz o Senhor dos Exércitos" (Ageu 2:7). "Ele
anunciará, paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o Eufrates até às
extremidades da terra" (Zacarias 9:10). "Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande
entre as nações o meu nome; e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertas puras;
porque o meu nome é grande entre as nações, diz o Senhor dos Exércitos" (Malaquias 1:11).
Dois dos profetas, Jonas e Daniel, destacam-se como grandes missionários. A profecia
de Jonas é um livro de missões no estrangeiro, cujo desígnio é mostrar que Deus é o deus dos
gentios, tanto quanto dos judeus. Foi escrito como reprimenda aos judeus, no quadro que
apresenta de uma grande cidade pagã que deu ouvidos ao chamamento de Deus ao
arrependimento, em contraste a Israel, nação favorecida e abençoada por Deus além das
outras nações, mas que fez ouvidos moucos e endureceu a cerviz contra Ele. A narrativa
também serve de ótima ilustração sobre o terno interesse de Deus pelos pagãos e a Sua
paciência no trato com eles. Incidentalmente, fornece-nos o exemplo de um missionário fujão,
cujo mau exemplo, é para temer-se, tem sido seguido por um número excessivamente grande
nos tempos modernos. Não obstante, deve-se notar que finalmente Jonas entrou na linha da
obediência ao Senhor e se tornou um missionário extraordinariamente bem sucedido.
11
Daniel foi outro missionário ao estrangeiro, cuja comissão, que lhe foi divinamente
outorgada, à semelhança do caso do apóstolo Paulo, levou-o à presença de reis e governantes.
Ele deu testemunho sobre Deus nas cortes de quatro monarcas pagãos sucessivos, e isso de
modo tão eficaz que os levou a reconhecerem e a proclamarem seu Deus como o Deus
Altíssimo, cujo reino é universal e eterno. Ele e seus colegas judeus do cativeiro e da
dispersão posterior, foram missionários teístas entre os povos do oriente, bem como no sul da
Europa e no norte da África, até aos próprios tempos de Cristo.
Dessa forma, temos traçado em esboço a idéia missionária através das páginas do
Antigo Testamento, e em cada porção bíblica - nos livros de Moisés, nos livros históricos, nos
salmos e nos escritos dos profetas - temos visto o grande propósito missionário do Senhor e a
universalidade do evangelho e do reino final de Seu Filho. "O Antigo Testamento inteiro vive
em uma atmosfera missionária, e é vivificado com o amor de Deus da terra inteira pelos Seus
filhos".
O Coração Missionário do Novo Testamento
A idéia missionária, que no Antigo Testamento é vista em botão, explode em
completa inflorescência desde o momento em que cruzamos o limiar do Novo Testamento. O
Novo Testamento é missionário de forma sem par e proeminente - o maior volume
missionário jamais produzido. Cada uma de suas seções foi escrito por um missionário, com
o objetivo primário de satisfazer a uma necessidade missionária e de promover a obra
missionária.
Utilizando-nos das palavras do professor W. O. Carver: "Se não tivesse havido
comissão, nem obediência ao seu espírito, não teria havido necessidade dos escritos do Novo
Testamento, nem motivo para produção dos mesmos. Sendo produto de missões, o Novo
Testamento pode ser verdadeiramente interpretado somente à luz da idéia missionária". Ou,
conforme o dizer de um outro escritor: "O Novo Testamento respira as missões, encarna-se
nas missões, e por onde quer que vá cria missões".
Considerando de passagem a significação missionária e o ensino dos diversos livros
do Novo Testamento, comecemos pelos quatro evangelhos. Obviamente esses livros
fornecem a mensagem que ao missionário cabe anunciar. Exibem Jesus como o Cristo, como
o Filho de Deus, como o Salvador do mundo. Particularmente, registram e salientam a morte
e a ressurreição de Cristo como o fundamento da redenção. Paulo, o grande apóstolo aos
gentios, assevera isso claramente, em I Coríntios l5:l-4, onde diz: "Irmãos, venho lembrar-vos
o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também
sois salvos...que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi
sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras". Quão vitalmente importante é,
nestes nossos dias de mudança de ênfase e de idéias lassas, não nos esquecermos da única e
verdadeiramente mensagem para todo autêntico missionário evangélico!
Quando foram escritos os quatro evangelhos, e por quê? Foram escritos quando a
extensão do testemunho evangélico se tornou tão vasto que o mero testemunho oral já não era
adequado. O objetivo dos mesmos foi o de registrar e preservar a legítima mensagem,
tornando-a disponível para os homens que soubessem ler, e essa obra foi efetuada por quatro
evangelistas, selecionados e inspirados por Deus, dentre aqueles que "desde o princípio foram
deles (dos fatos) testemunhas oculares, e ministros da palavra" (Lucas l: l,2).
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Os quatro evangelhos, pois, são documentos ou folhetos missionários, e fazem parte
das Escrituras inspiradas, sendo os precursores de vasto volume de literatura evangélica que
tão destacado e indispensável papel tem desempenhado na obra missionária através de todos
os séculos que se passaram desde então até aos dias presentes. Outrossim, o próprio nome que
trazem indica sua natureza missionária. A palavra "evangelho" significa "boas novas". Porém,
as notícias só podem ser notícias para alguém que ainda não a ouviu, e tais notícias só podem
ser boas para aqueles que as ouvem a tempo e obtêm os seus benefícios. O evangelho, pois, é
o anúncio do perdão estendido a um prisioneiro condenado, é "boas novas" para ele.
Entretanto, se o anúncio de perdão, devido a negligência do mensageiro, só chegar à prisão
algumas horas após a execução do condenado, será considerado uma "boa nova"? Torna-se
evidente, portanto, que o próprio nome "evangelho", que quer dizer "boas novas", implica em
missões de caráter mundial, e que todo aquele que já deu ouvidos às boas novas está investido
da solene responsabilidade de enviá-las imediatamente a todos aqueles a quem elas se
destinam, mas que ainda não as ouviram. A própria essência das boas novas é que elas sejam
anunciadas. O primeiro impulso, em toda a mente sã ao ouvir uma boa notícia, é passá-la para
outros. Assim é que a mensagem cristã se propagou no princípio. André correu a declarar as
boas novas a seu próprio irmão, e Filipe se apressou a relatá-las a Natanael (João l). Pedro e
João enfrentaram a proibição das autoridades do sinédrio, que lhes haviam ordenado
descontinuar a prédica, com a resposta: "...não podemos deixar de falar das coisas que vimos
e ouvimos" (Atos 4:20). Ter-se-iam esquecido os crentes da atualidade que lhes foi confiado
o "evangelho"? (I Tessalonicenses 2:4). Teriam eles perdido aquilo que forma a própria
essência da autêntica fé e discipulado cristãos?
Revertendo ao conteúdo dos evangelhos, descobrimos que nos brindam com a
narrativa da vida de Jesus, o grande missionário que Deus enviou ao mundo. Os anjos foram
os arautos da notícia de Seu nascimento como "boa nova de grande alegria, que o será para
todo o povo", e o idoso Simeão O saudou como "luz para revelação aos gentios, e para glória
do teu povo de Israel". Tanto os ensinamentos como o ministério pessoal de Jesus tiveram
caráter eminentemente missionário. Escutei as Suas palavras: "Deus amou ao mundo de tal
maneira" - "O campo é o mundo" - "Eu sou a luz do mundo" - "E eu, quando for levantado da
terra, atrairei todos a mim mesmo" - "Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim
me convém conduzi-las".
A despeito do fato que, quanto ao Seu ministério pessoal Jesus foi enviado somente às
"ovelhas perdidas da casa de Israel", contudo, o mundo inteiro jamais deixou de ser
vislumbrado por Ele. Seus pensamentos e alvos não eram paroquiais, nem mesmo nacionais,
mas sim, universais. À mulher samaritana Ele se anunciou tanto como o Messias dos judeus
como o Salvador do mundo. E acerca do centurião romano, afirmou: "Em verdade vos afirmo
que nem mesmo em Israel achei fé como esta", e então acrescentou: "Digo-vos que muitos
virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino
dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas". Segundo já foi
mencionado, no início deste capítulo, Cristo relembrou os Seus próprios concidadãos, cheios
de preconceitos, em Nazaré, de que Deus escolhera uma viúva gentílica para alimentar a Elias
o Seu profeta, e que a Sua cura graciosa foi outorgada a Naamã, o sírio. Os milagres e
parábolas de Cristo, igualmente, evidenciam a largura de Sua simpatia e missão. Fez
beneficiários de Seu poder curador e de Sua misericórdia espiritual não apenas aos judeus,
mas também ao centurião romano, à mulher siro fenícia, à mulher samaritana e aos
publicanos. O milagre através do qual alimentou grandes multidões, mediante a multiplicação
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de pães e peixinhos, foi, por si mesmo, uma notável parábola missionária, conforme ficará
explanado em capítulo posterior a este.
Finalmente os evangelhos culminam na Grande Comissão, como o verdadeiro âmago
do Novo Testamento, para o que tudo o mais nos conduz, e do que tudo o mais, depois disso,
nos oriente. Contrastemos a nova comissão com as anteriores comissões limitadas dadas aos
setenta e aos doze: "Ide, fazei discípulos de todas as nações" - "Pregai o evangelho a toda
criatura" - "Sereis minhas testemunhas...até aos confins da terra".
Nas palavras de um distinguido defensor das missões: "Nada está mais profundamente
incrustado no cristianismo do que a sua universalidade...a Grande Comissão contempla a
evangelização do mundo em sua totalidade. Nada menos do que isso responde aos sublimes
conceitos e alvos de seu Autor".
Após os quatro evangelhos segue-se o livro denominado Atos dos Apóstolos, livro
esse que registra de maneira inspirada a obra missionária da Igreja durante a primeira geração
de sua existência. E posto que a presença, a autoridade e a poderosa atuação do Espírito Santo
são maravilhosamente manifestados por todo esse registro sagrado, cremos que o livro de
Atos foi designado por Deus para servir de guia e modelo para todas as gerações posteriores.
Com a devida apreciação sobre o valor de certos compêndios que abordam os princípios e as
práticas missionárias, baseadas em longa e variada experiência em missões passadas e
presentes, é nossa convicção, todavia, que no livro de Atos Deus forneceu à Sua Igreja o
manual par excellence sobre esse assunto, e para todos os séculos. O missionário atual, que se
disponha a meditar e a orar, encontrará nesse volume sagrado um exemplo ou precedente
divinamente proporcionado, para cada tipo de experiência e problema que for chamado a
enfrentar. De conformidade com isso é que determinado escritor refere-se ao livro de Atos
chamando-o de "Manual Missionário autorizado da Igreja".
O próprio nome do livro está de acordo com o seu pensamento. O vocábulo "apóstolo"
(derivado do verbo grego apostello, "eu envio") é sinônimo de missionário (proveniente do
latim mitto - "eu envio"). Apóstolo ou missionário, por conseguinte, é alguém "enviado", e
desse modo o livro de Atos dos Apóstolos bem poderia ser chamado de "Feitos dos
Missionários", e com toda exatidão. E não vale apenas refletirmos sobre o fato que o Senhor,
ao nomear Seus obreiros selecionados de apóstolos, com esse nome definiu a comissão deles?
Não foram enviados como teólogos, ou eclesiásticos, ou filósofos, e, sim, como missionários
("enviados"), como mensageiros, como Suas testemunhas, com o fito de declararem o que
tinham visto, ouvido e experimentado, para tornarem conhecida a redenção que Cristo
preparara para eles e para o mundo inteiro. Essa continua sendo ainda a verdadeira função
bem como o dever primário de todo missionário evangélico, por mais impopular que seja esse
conceito para certos indivíduos atualmente. Aqueles primeiros apóstolos ou missionários
assim concebiam o seu chamamento, porquanto lemos a respeito deles que "todos os dias, no
templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar, e de pregar Jesus, o Cristo" (Atos 5:42).
Seus inimigos sem o saberem prestaram-lhes o mais alto tributo ao clamarem com grande ira:
"...enchestes Jerusalém de vossa doutrina..." (Atos 28), e ao estigmatizarem um grupo
posterior dos mesmos como "Estes que tem transtornado o mundo chegaram também aqui"
(Atos 17:6). Aqueles líderes da primitiva Igreja cristã eram, efetivamente, a própria
encarnação da paixão missionária.
O trecho de Atos 1:8 fornece a nota chave do livro inteiro: "...mas recebereis poder, ao
descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em
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toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra". Esse versículo é, para assim dizer, a
página do índice do livro de Atos, declarando de forma concisa o que se segue
detalhadamente relatado. Primeiramente, portanto, no segundo capítulo, é registrada a descida
do Espírito Santo, no dia de Pentecoste, bem como a dotação com o poder do alto para os
discípulos que se mantinham em atitude de expectativa. O advento do Espírito assinalou o dia
natalício da Igreja Cristã e a inauguração de seu empreendimento missionário. Segue-se,
então, o desdobramento do programa divino, conforme é esboçado no versículo chave, acima
citado. Os capítulos segundo a sétimo, inclusive, se devotam ao testemunho dos discípulos,
prestado "em Jerusalém". Então, nos capítulos oitavo a décimo-segundo, o testemunho deles
se estende a "toda Judéia e Samaria", onde nos são fornecidos vislumbres do ministério de
Pedro na Judéia e de Filipe, em Samaria. Em ambos os casos os efeitos ultrapassam o campo
da ação inicial, como é sempre o caso do testemunho que exanta a Cristo. E assim temos as
narrativas sobre a conversão do eunuco etíope e de Cornélio, em Cessaréia, bem como da
fundação da Igreja de Antioquia.
Nesse ínterim, o inimigo e perseguidor da Igreja, Saulo de Tarso, é maravilhosamente
convertido e comissionado por Cristo, que estava na glória, para ser o apóstolo aos gentios, e
assim a narrativa passa do restrito campo missionário que abarcava Jerusalém, a Judéia e
Samaria, para áreas cada vez mais expansivas. No capítulo décimo-terceiro começa o que
geralmente se chama de empreendimento missionário no estrangeiro, e a esfera do
testemunho evangélico é vista a expandir-se (capítulo 13-28) em círculos cada vez maiores,
chegando até "aos confins da terra". Pedro, Tiago, João, Estevão e Filipe são os salientes
missionários dos primeiros estágios; mas, a começar pelo capítulo décimo-terceiro, no
registro sagrado estes cedem lugar a Paulo, que passou a ser o grande líder, juntamente com
Barnabé e outros obreiros a eles ligados.
O livro de Atos não se encerra a exemplo de outros livros, como uma história
terminada. Pelo contrário, é bruscamente interrompido com o quadro de Paulo em Roma, a
grande metrópole imperial do mundo daquela época, "pregando o reino de Deus, e, com toda
a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo".
Entretanto, esse final é perfeitamente apropriado, porquanto a obra não estava terminada, mas
antes, os "feitos dos missionários" deveriam ter prosseguimento, e assim sucederá até o
próprio fim da era atual.
Depois do livro de Atos temos as epístolas. Ora, que são essas epístolas?
Originalmente foram cartas escritas pelos principais missionários cristãos as igrejas
missionárias locais, que eles haviam fundado, ou para alguns poucos convertidos individuais,
em lugar de visitas pessoais. Tais epístolas abordam questões doutrinárias e de disciplina,
além de outras questões práticas com que as citadas congregações se defrontavam, as quais
bem recentemente se haviam desligado do judaísmo e do paganismo. As três chamadas
epístolas pastorais - primeira e segunda a Timóteo e a de Tito - são cartas de instrução,
encorajamento e cautela, da pena de Paulo, o grande líder e estadista missionário, a seus
colegas mais jovens que haviam sido guindados a posições de grande responsabilidade em
Éfeso e Creta, respectivamente.
Um estudo mais minucioso das epístolas, uma a uma, revelaria distintivas e
impressionantes características missionárias em cada uma delas. Por exemplo, a epístola aos
Hebreus é uma vigorosa apologia missionária destinada a enfrentar as contenções do
judaísmo que serviam de obstáculo, sendo admiravelmente apropriada para o uso dos
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missionários em todos os campos de trabalho e em todas as épocas, já que desdobra o
verdadeiro método de aproximação e de relações com qualquer religião que deva ser
suplantada pelo cristianismo. O espaço, todavia, não nos permite considerar detalhadamente,
neste ponto, as várias epístolas. Basta adicionarmos esta palavra - que enquanto, na
providência de Deus, essas epístolas neo-testamentárias chegaram até nós como parte do
cânon permanente das Escrituras inspiradas, seu verdadeiro sentido só pode ser plenamente
aprendido ao serem lidas e interpretadas à luz de seu caráter original de epístolas ou
documentos missionários.
Finalmente, chegamos ao livro com que se encerra o Novo Testamento, a sublime
visão reveladora denominada de Apocalipse. Foi escrita por um dos missionários primitivos,
no exílio. Banido para a isolada ilha de Patmos, devido à sua fé cristã, João escreveu com a
finalidade de consolar e encorajar aos crentes de seus dias, e que sofriam sob a perseguição
iniciada por um cruel imperador romano e por um governo que tendia por destruir os
frutíferos resultados dos esforços missionários da Igreja primitiva. Tal mensagem, entretanto,
expande-se profeticamente até muito além da geração a que foi originalmente endereçada, e
exibe a consumação final do eterno propósito missionário de Deus, na derrocada de todo
governo e autoridade mundanos que se opõe a Cristo, e na inauguração de Seu supremo e
universal reino. Ouve-se, então, o clamor de um exultante triunfo: "O reino do mundo se
tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos" (Apocalipse
11:15).
E, dessa maneira, o Novo Testamento mostra ser um livro missionário em muito
maior medida do que o Antigo Testamento. Em sua autoria e mensagem, na totalidade de seu
alvo e espírito, em sua própria contextura, quer visto em sua inteireza ou em suas partes
componentes, é uma coleção de livros essencial e enfaticamente missionária.
Tendo desse modo traçado o conceito missionário, através da Bíblia inteira, e tendo
visto a posição central e vital que a evangelização do mundo ocupa na mente e no propósito
de Deus, resta-nos salientar de passagem as claras e importantíssimas implicações que esses
fatos trazem após si. Se o empreendimento missionário provém de Deus, se a pregação do
evangelho ao mundo inteiro é Seu grande desígnio e a suprema atividade de Sua Igreja, então
segue-se que sempre que algum crente individual ou grupo evangélico se opõe as missões, ou
mesmo se mostra indiferente para com o esforço missionário, tal indivíduo ou grupo está fora
de harmonia e sintonia com Deus. Ousamos ir mais além e afirmar, mesmo ao risco de chocar
àqueles que sempre se orgulharam de sua sã ortodoxia doutrinária, que ser alguém não-
missionário é não ser ortodoxo, posto que a aceitação do Novo Testamento, como nossa única
e toda-suficiente regra de fé e prática eqüivale a estar dedicado, por motivo de obediência, aos
seus mandamentos claros e ao seu espírito que em tudo lhe empresta o colorido - e que nos
chama a atenção para as missões de âmbito mundial.
Poderíamos deixar de reconhecer que cada igreja da atualidade é produto de um
empreendimento missionário de ontem? Poderíamos esquecer-nos que os nossos
antepassados eram selvagens rudes e degradados quando o evangelho penetrou na Europa,
vindo da Ásia, por intermédio do apóstolo Paulo, em resposta obediente à visão e à chamada
da Macedônia, e que toda a diferença com que diferimos hoje em dia do que eram então os
nossos ancestrais é apenas o feliz resultado do evangelho, anunciado por missionários fiéis a
Cristo? Outrossim, cada lar evangélico, cada escola de aprendizado, cada hospital, cada
instituição e lei que contribui para o bem estar material e moral das comunidades e da nação
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das quais fazemos parte, segundo pode ser dito em toda a verdade, é fruto desse divino
empreendimento missionário.
Qual é a nossa dívida para com as missões? Ou antes, o que não devemos às missões?
Nesse caso, sigamos os pensamentos de Deus para que sejam nossos também; comprovemos
que realmente nos tornamos partícipes da natureza divina, compartilhando do amor e
compaixão do Pai por toda a humanidade; e sejamos realmente crentes do Novo Testamento,
tornando-nos, como os crentes primitivos, encarnações da paixão missionária, e entregando-
nos ao Senhor como canais para o influxo da graça de Deus em favor do mundo inteiro.
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Capítulo II
A IGREJA E AS MISSÕES
Evangelização mundial, alvo supremo e tarefa da igreja
O livro de Atos dos apóstolos contém o registro inspirado sobre a fundação da Igreja
Cristã e o início de sua vida e ministério, debaixo de liderança do Espírito Santo. Os
primeiros versículos de seu primeiro capítulo fornecem-nos vista dolhos acerca dos contatos e
conferências que Cristo teve com Seus apóstolos selecionados, durante aqueles memorável
período de quarenta dias que medearam entre Sua ressurreição e Sua ascensão. Essa era
última oportunidade de encontrar-se com eles pessoalmente, e de instruí-los e prepará-los
para a liderança humana da Igreja que Ele estava fundando. Certamente que em uma ocasião
como aquela Ele deve ter enfatizado as coisas mais centrais e vitais à nova e sagrada
instituição que deveria trazer o Seu nome e representá-Lo na terra.
Sobre quais assuntos, pois, teria Ele conversado com Seus discípulos? Alguma
resposta a essa pergunta nos é oferecida nos dois versículos da passagem. No segundo
versículo, somos informados que Jesus, por intermédio do Espírito Santo, deu
"mandamentos...aos apóstolos que acolhera", enquanto que no terceiro versículo nos é dito
que Ele lhes falava "das coisas concernentes ao reino de Deus". Mas ambas são declarações
de natureza muito geral, e deixam-nos com grande desejo de saber, se possível, quais coisas,
em particular, Ele teria discutido com os apóstolos.
Quando examinamos cuidadosamente o completo registro inspirado, conforme o
lemos nos capítulos finais dos quatro evangelhos e do primeiro capítulo do livro de Atos,
ficamos impressionados com a descoberta assim feita, que somente uma coisa específica é
mencionada; e essa impressão ainda mais se aprofunda quando encontramos que essa única
coisa a ser definidamente mencionada é registrada não apenas uma vez, mas realmente por
cinco vezes. E que elemento isolado será esse? É a grande Comissão Missionária. Em
Mateus, lemos: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações...E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do
século" (Mateus 28:18-20). Em Marcos: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda
criatura" (Marcos 16:15). Em Lucas: "E que em seu nome se pregasse arrependimento para
remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém" (Lucas 24:47). E em João:
"Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (João 20:21).
Chegando nós ao primeiro capítulo de Atos, encontramos os discípulos ocupados no
que atualmente seria chamado discussão dispensacional. Jesus aparece, e lhes apresentam a
pergunta: "Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?" porém, Ele põe de
lado uma especulação tal como essa, reputando-a irrelevante por enquanto, e pressiona sobre
eles aquilo que, no momento, se revestia de toda a importância: "Não vos compete conhecer
tempos ou épocas que o Pai reservou para a sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder ao
descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em
toda Judéia e Samaria, e até aos confins da terra" (Atos 1:8).
Poderia alguma coisa ser mais significativo do que esse quíntuplo registro da Grande
Comissão, dada pelo Cristo ressurreto aos Seus seguidores, especialmente quando aliado ao
completo silêncio das escrituras acerca de qualquer outra tarefa ou responsabilidade que lhes
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teria sido dada por Cristo, a eles que ficaram incumbidos do lançamento do movimento
cristão? Pode algum crente capaz de pensar deixar de ver que o que mais preocupava a mente
de nosso bendito Senhor, a grande carga que pesava sobre o Seu coração, durante os Seus
últimos dias e até mesmo durante os Seus últimos momentos sobre a terra, era que a
mensagem da redenção, posta em efeito por Sua morte e ressurreição, fosse anunciada ao
mundo inteiro? As últimas palavras a serem registradas acerca do Cristo assunto ao céu,
palavras essas dirigidas aos Seus discípulos, antes que a nuvem O tivesse ocultado de seus
olhos, foram: "...e sereis minhas testemunhas...até aos confins da terra".
Como podemos escapar da mui óbvia conclusão que Cristo fundou a Sua Igreja sobre
a Grande Comissão, como sua carta de incorporação? Segue-se, pois, logicamente, que assim
como qualquer instituição incorporada, sobre a terra, é obrigada a observar estritamente os
termos de sua constituição ou estatutos, pois do contrário perderá imediatamente o direito de
continuar operando, semelhantemente, a Igreja de Cristo, somente enquanto estiver
observando e cumprindo coerentemente as condições de sua divina constituição, entregando-
se fielmente à tarefa do que foi incumbida por Cristo, de anunciar o evangelho ao mundo
inteiro, tem qualquer direito de reter o nome de Cristo ou de reivindicar a promessa de Sua
presença e poder contínuos, do que dependem sua própria vida e trabalho.
Quão freqüentemente ouvimos essa preciosa promessa, "E eis que estou convosco
todos os dias até a consumação do século" citada por crentes e apropriada para consolo dos
mesmos! Jamais nos devemos esquecer, entretanto, que ela está definidamente vinculada ao
mandamento para que os crentes vão e façam discípulos dentre todas as nações; e assim
sendo, somente aqueles crentes que agem em obediência a esse mandato podem reivindicar
com justiça e desfrutar de sua promessa. Similarmente, a promessa do dom do Espírito Santo,
com Seu poder (Atos 1:8), não tem por finalidade meramente a vantagem pessoal dos crentes,
mas foi claramente designada para a tarefa do testemunho cristão perante o mundo inteiro,
pelo que também pertence verdadeiramente apenas àqueles que, de alguma maneira real,
estão cumprindo essa tarefa.
Nada é mais claro, portanto, do que o fato que o empreendimento missionário,
segundo exposto no livro de Atos e concebido pela Igreja apostólica, não era uma questão
secundária, não era assunto dependente de outro, não era meramente uma questão entre
outras, na ordem da importância; mas era antes a coisa primária, o esforço principal, o
objetivo primordial e supremo em vista, que tomava a precedência sobre tudo o mais.
É verdade, naturalmente, que a Igreja primitiva perseverava "na doutrina dos apóstolos
e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2:42). Em outras palavras, a Igreja
contava com sua concentração para adoração e companheirismo, e sua prédica e ensinamento
doutrinário visava a instrução e a edificação dos seus membros, e também tinha suas sagradas
ordenanças - o batismo e a Ceia do Senhor - além de todos os chamados "meios de graça",
para não mencionarmos os seus edifícios e equipamentos materiais. Mas nenhuma dessas
coisas, nem ainda a soma de todas elas, tinha a intenção de ser reputada como a missão da
Igreja, nem em realidade foram assim consideradas. Não formavam por si mesmas um fim,
mas tão somente outros tantos meios para que se chegasse à finalidade precípua. A Igreja não
foi designada para ser um reservatório, sempre a receber e a reter para si própria as bençãos
espirituais do Senhor; pelo contrário, tinha o propósito de ser um canal que distribuísse suas
riquezas espirituais aos outros, em todos os lugares. Sua verdadeira missão era, e deve sempre
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continuar a ser, a mesma que teve o seu Senhor - a de buscar e salvar os perdidos, onde quer
que esses se encontrem, quer nas proximidades quer em terras distantes.
São os crentes, efetivamente, a "luz do mundo", conforme Jesus os chamou? Nesse
caso, certamente não tem por finalidade meramente usufruir dessa luz, tacanhamente
encerrados dentro do confortável farol da Igreja. Antes, convém que brilhem fora, como
luzes, até bem longe, a fim de que os marinheiros que correm perigo, nas ondas furiosas do
mar do pecado, vejam tal luz, sejam orientados e livrados, ficando em segurança.
É a Igreja verdadeiramente um exército de soldados cristãos? Então a sua principal
função é a luta, e não meramente a manutenção do treinamento, da prática de tiro ao alvo e da
parada de vestuários, dentro das barracas do acampamento. Pelo contrário, a Igreja foi
designada como um exército espiritual conquistador, ocupado em uma guerra ofensiva de
escala mundial, a clamar pelos direitos de Cristo e a assisti-lo na realização do seu glorioso
propósito quanto a raça humana inteira. Muito bem faríamos em lembrar que continuamos
vivendo na época da igreja militante; ainda não chegamos aos dias da Igreja triunfante no seu
descanso.
Ora, a veracidade de tudo quanto temos dito será reconhecido se assim o quisermos
admitir, no que se relaciona à Igreja dos dias apostólicos, pintada para nós no livro de Atos,
ou no que diz respeito a Igreja universal em qualquer época ou geração desde então. É a
apresentação de tais verdades como essas, à congregações locais evangélicas da atualidade
com a convicção da consciência e a inspiração de todo o coração, que é o ponto crucial da
questão. Porquanto, enquanto algumas igrejas locais tem apanhado a visão mundial e estão
cooperando nobremente na grande campanha missionária no mundo, essas igrejas, contudo
formam uma minoria tristemente pequena. A grande maioria das igrejas locais jamais foi
tomada de assalto pela autêntica convicção missionária, e assim sendo, ainda não começaram
a mostrar-se à altura do empreendimento que lhes cabe por parte, e que deveriam assumir.
Sem qualquer disposição para as críticas capciosas, segundo cremos, poderíamos
perguntar qual seria a impressão, acerca do principal alvo e objetivo da Igreja cristã, que um
visitante inteligente de nossa terra, ainda que não informado nem crente, teria, ao visitar os
cultos regulares e ao observar as atividades normais de qualquer das grandes igrejas
tipicamente protestantes deste país. Ou, dizendo a mesma coisa de forma ainda mais direta,
que resposta daria o pastor ou os membros liderantes de um bom número dessas
congregações, se fossem francamente interrogados quanto ao objetivo e finalidade reais em
vista. É de temer-se que em não poucas instâncias, tal pergunta provocasse algum embaraço e
produzisse respostas não muito satisfatórias. A julgar por observações regularmente latas,
muitos pastores e igrejas parecem não ter dedicado a essa questão muito pensamento sério.
Levam a efeito reuniões, organizações e atividades de várias espécies, em grande abundância;
a despeito do que não têm qualquer objetivo bem claro ou definidamente controlador. Estão
"tocando para a frente" segundo determinado modelo, em eixos bastantes desgastados pelo
longo uso, ou seguindo apenas uma modalidade de orientação oportunista, e assim os seus
esforços são de pouco rendimento e os resultados alcançados são muito vagos.
Como, poder-se-ia perguntar, pode ser determinado o sucesso de qualquer igreja
evangélica local? Suas realizações devem ser medidas pelo número de membros na lista de
membros, ou pela freqüência aos seus cultos, ou pelos seus relatórios financeiros, ou pela
variedade de suas organizações e atividades? Por melhores e mais corretas que possam ser
20
todas essas coisas, nenhuma delas isoladamente, nem mesmo a combinação de todas, pode ser
considerada como critério seguro de sucesso em uma igreja evangélica. Pois o verdadeiro
sucesso só pode ser a realização de um alvo, o cumprimento de um propósito. Qual, portanto,
é o alvo ou propósito legítimo ou digno de uma igreja evangélica local? Poderíamos fornecer
um bom número de respostas, como, por exemplo, a conquista de almas para Cristo; a
edificação da fé e da experiência cristã de seus membros; o serviço prestado à comunidade
através da elevação da moral, da purificação de sua vida social, e de muitos outros benefícios
dessa categoria. Ninguém dúvida que essas coisas sejam verdadeiras e vitais funções de
qualquer igreja cristã. Não obstante depois de lhes prestarmos a devida vênia, permanece o
fato de pé que todos esses três fatores, quando aplicados de forma meramente local, não
cumprem nem exaurem a idéia neo-testamentária da missão que compete à Igreja. Todos são
propósitos recomendáveis, mas não são suficientemente bons para a Igreja de Cristo.
Qualquer igreja local que seja em realidade aquilo que é de nome - uma igreja cristã -
devido à própria natureza do caso está comprometida perante Cristo a participar lealmente de
sua parte na tarefa da realização de Seu grande plano e propósito no mundo. A igreja local,
como unidade constituinte da Igreja universal, devem compartilhar de seu propósito e missão,
da mesma forma que desfruta de sua vida espiritual. Por conseguinte, é mister que veja suas
relações vitais, que fazem parte de um todo integral, como membro do corpo único de Cristo,
como unidade isolada das forças cristãs combinadas, para que se dedique à grande obra que
Cristo lhe deu, de levar o evangelho a todos os homens. Acresça-se a isso que tal congregação
precisa de conceber sua parte na responsabilidade não como representação em uma minúscula
área definida, com sua aldeia local ou distrito rural, mas, bem pelo contrário, como uma
estreita faixa que circunda o mundo inteiro. Em outras palavras, cada igreja local deveria
projetar-se, de alguma maneira vital, até alcançar o mundo inteiro. Somente na proporção em
que cada unidade individual esteja contribuindo com sua parte é que a Igreja, como um todo,
pode levar a efeito sua comissão e tarefa mundiais.
Extraordinária ilustração sobre essa unidade de alvo e esforços, formada pelo todo em
suas partes constituintes, nos é dada por empresas comerciais como, por exemplo, a Standard
Oil Company, cujo campo de operações se estende, tal como o da Igreja, em suas devidas
proporções, literalmente pelo mundo todo. Suas filiais e agências podem ser encontradas no
interior de um bom número de distantes campos missionários. Porém, onde quer que sejam
encontradas as mesmas, quer na América do Norte, quer na região mais remota do globo,
torna-se logo evidente que o alvo e objetivo delas é um só - existem para vender petróleo.
Visto que esse é o supremo objetivo da organização central nos Estados Unidos da América,
mantendo-se fiel ao seu caráter, essa também é a finalidade perseguida por cada posto, grande
ou pequeno, próximo ou distante, pelo mundo inteiro.
Certo missionário escreveu da Manchúria relatando que viu, em um posto da Standart
Oil, naquele país tão distante, o ambicioso slogan: "Leve a luz a cada canto escuro do
mundo". Não há nesse alvo uma reprimenda e um desafio às Igrejas de Cristo? Pois
confrontamo-nos com o fato que através da Ásia e da África existem milhares de aldeias e
lugarejos onde brilha o querosene vindo do ocidente, mas onde jamais raiou a luz do
evangelho da salvação em Cristo.
Todavia, se ficarmos meramente a deplorar os fatos, isso não nos levará a nenhuma
finalidade útil. O importante é localizar a dificuldade tendo em vista a sua correção. Faz parte
de nossa firme convicção que a dificuldade real jaz dentro das próprias congregações
21
evangélicas, e não nas condições exteriores. Nenhuma pessoa inteligente pode duvidar, por
um momento sequer, que as igrejas Protestantes da América do Norte, por si sós, contam com
amplas forças e recursos para cumprir a Grande Comissão de Cristo dentro dos limites da
presente geração. Temos apenas de meditar sobre os registros da Igreja primitiva para
ficarmos convencidos dessa verdade. Todos os líderes missionários estão prontos para
concordar, segundo penso, com o Dr. João R. Mott, quando ao falar sobre os crentes do
período apostólico, diz mui candidamente: "Fizeram mais para levar a cabo a evangelização
do mundo do que qualquer outra geração posterior". Ora, pois, como fizeram isso? Usaram
eles métodos que não podem ser empregados na atualidade? Possuíam eles algum poder de
que não dispomos atualmente? Perguntas tais como essas só podem ser respondidas
negativamente. O fato é que os crentes primitivos se viam a braços com não poucas
limitações e desvantagens bem decisivas, em comparação com os nossos atuais privilégios.
Quanto ao número, eram exiguamente poucos; financeiramente, eram uns pobretões; seus
meios de transporte eram escassos e inadequados; e nada conheciam acerca de utilidades
modernas como o correio, o telégrafo, o rádio, a televisão, o amplificador, e muitos outros. E
apesar de tão pesadamente limitados, deixaram a Igreja de hoje totalmente para trás, no
tocante a eficiência e às realizações missionárias.
Onde, por conseguinte, jazia o segredo deles? Não devemos procurá-lo no terreno
superficial da matéria, mas sim, no terreno mais profundo das coisas espirituais. A leitura
meditativa do livro de Atos revela, entre outras características distintas da Igreja apostólica, a
separação entre o crente e o mundo, o elevado conceito do discipulado cristão, e claras e
certas convicções da verdade.
A separação entre o crente e o mundo não era do tipo meramente monástico, mas
consistia de real rompimento de relações entre o crente e o mundo, e do real apego a Cristo.
Por um lado, aqueles primitivos crentes haviam passado por uma transformação tão radical
que o mundo e suas atrações haviam sido extirpados dos seus corações, enquanto que novos
interesses, ambições e esperanças haviam tomado o lugar dos mesmos. Por outro lado, o
mundo não tinha mais qualquer utilidade para eles, mas só lhes tratava com o estracismo ou a
perseguição. Assim sendo, conforme Paulo o expressou, os crentes estavam crucificados para
o mundo e o mundo para eles. A Igreja primitiva estava assinalada por seu parentesco com o
outro mundo; assemelhava-se a um exército invasor em terra estranha, sustido por recursos
invisíveis.
Outrossim, era uma Igreja que testemunhava, cujos membros, em sua totalidade,
estavam profundamente imbuídos do espírito missionário. A obra da propagação do
evangelho não foi delegada a um pequeno grupo de obreiros oficializados, mas era
compartilhada pela Igreja inteira. Quando, em resultado da perseguição havida em Jerusalém,
após o martírio de Estevão, os crentes foram "dispersos", lemos que "os que foram dispersos
iam por toda parte pregando a palavra". (O termo aqui traduzido como "pregando",
literalmente é "bisbilhotando"). Quando as doações para o esforço missionário, as igrejas da
Macedônia, apesar de profundamente pobres, "a profunda pobreza deles superabundou em
grande riqueza da sua generosidade". Foi um período de esforços individuais e de
consagração geral à tarefa da proclamação do evangelho. Cada crente considerava-se
pessoalmente um missionário. Não admira, pois, que sob tais condições a obra evangélica
tenha avançado e tenha obtido tão colossais como houve. Sem a menor sombra de dúvida, os
mesmos resultados poderiam acompanhar os esforços das igrejas de hoje em dia, contanto
22
que as mesmas condições fossem satisfeitas. A maravilhosa história da igreja coreana fornece
uma convincente evidência quanto a essa realidade.
Finalmente, a Igreja primitiva pregava as suas crenças, e não as suas dúvidas.
Proclamava a Jesus Cristo como o eterno Filho de Deus, encarnado, crucificado ressuscitado,
assunto ao céu, reinante, que haveria de retornar. Sua mensagem tocava no pecado com sua
penalidade inevitável e terrível, e tocava no homem como pecador em desesperadora
necessidade do Salvador, do arrependimento e de regeneração. Face a face com condições
sociais, morais e políticas, bem como problemas em nada diferentes, em suas raízes, com a
situação atual, nada conhecia sobre algum alegado "evangelho social". Pelo contrário, pregava
a tempo e fora de tempo, sem qualquer apologia por isso, o único evangelho da salvação
pessoal. Em face dessa prédica que do Espírito Santo recebia o seu vigor, não apenas se
salvavam multidões de homens e mulheres, e não apenas eram implantadas igrejas
evangélicas espiritualmente vivas e capazes de se multiplicarem por si mesmas, mas também
a idolatria caía por terra, a escravidão era condenada, a poligamia e outros males sociais se
iam dissipando, e toda a estrutura social e política daquela época foi profundamente afetada.
Sem desejar assumir a atitude dos censuradores, podemos deixar de perceber o
contraste que com isso apresenta a Igreja cristã da atualidade, vista como um todo, no que diz
respeito às características acabadas de mencionar? Em quantos casos numerosos a distinção
entre a Igreja e o mundo quase não pode ser discernida! A profissão cristã, em muitos círculos
é por demais barata e transigente, e sua fraqueza no testemunho cristão corresponde
perfeitamente ao seu barateamento. Nem pode ser dito em verdade que mais do que uma
pequena minoria de crentes professos está imbuída do espírito missionário, demonstrando
qualquer preocupação mais profunda para ganhar almas em sua própria região, além de enviar
o evangelho a outras terras. Infelizmente também, em um número demasiadamente grande de
congregações evangélicas, a mensagem redentora vital de Cristo se faz ausente, e em seu
lugar se prega um espúrio evangelho da melhoria humana, da cultura ética e das máximas
sociais. Os resultados são verdadeiramente trágicos, mas a explicação dos mesmos é
perfeitamente clara. No mundo espiritual, com de resto no mundo natural, colhemos aquilo
que semeamos, e o fruto desejado só pode provir da raiz apropriada.
Citamos um trecho de um apaixonado discurso, feito há algum tempo, por um
distinguido líder eclesiástico, quando da reunião anual de representantes oficiais de sua
denominação: "Por que sucede que o interesse pelas missões no estrangeiro diminui em todos
os quadrantes, e que as doações vão decaindo progressivamente? É porque o povo evangélico
não mais se deixa embalar pela requeimante convicção que os homens em toda parte estão
perdidos sem Cristo. O senso de urgência, de perigo imediato, de crise na salvação,
desapareceu quase inteiramente. Muitos dos nossos pregadores não mais pregam como
homens moribundos. Nossos antepassados criam que os homens de todos os lugares, sem
Cristo, estavam no perigo imediato de se defrontarem com a ira de Deus. Nosso mundo
moderno perdeu quase completamente sua nota de urgência na salvação. Precisamos restaurá-
la... É essa perda de uma poderosa convicção acerca da salvação, e de um desastre tanto
presente quanto futuro, para as almas e para a civilização moderna destituída de Cristo, que
tem cortado os nervos da obrigação e do entusiasmo missionários".
Se pudermos depender de um recenseamento feito há poucos anos passados, o qual
demonstrou que 60.000 igrejas Protestantes dos Estados Unidos da América não
apresentaram um único convertido durante um ano inteiro, e também de uma declaração
23
pública de que dois terços de todas as igrejas e de que três quartos da totalidade de seus
membros nada contribuíram para as missões nacionais ou estrangeiras, então certamente que
uma declaração como essa, feita acima, está solidamente fundamentada e foi dita bem a
tempo, e deve ser acolhida com sofreguidão, no coração, por todo seguidor confessor de
Cristo.
Entretanto, mui felizmente, em contraposição com esses fatos deprimentes e
desapontadores, algumas características mais brilhantes podem ser notadas no quadro.
Através de todos esses anos tem havido algumas congregações locais que se tem mantido
fiéis aos padrões neo-testamentários da vida espiritual e da visão e empreendimento
missionários. A cada dia, até mesmo nos mais negros, Deus tem preservado um remanescente
salvo, de testemunhas fiéis à Sua verdade, como fiéis promotores de Seu programa. Algumas
poucas instâncias serão citadas em nosso próximo capítulo. Acrescente-se a isso o fato
animador que durante as últimas duas ou três décadas muitos crentes individuais ou igrejas
evangélicas têm despertado para a verdadeira visão missionária, e se animaram a atirar-se a
um esforço intenso, a fim de que fosse cumprido o último e grande mandamento de Cristo.
Atualmente, um dos mais promissores sinais é o número sempre crescente de conferências
missionárias que são efetuadas em igrejas locais ou grupos de igrejas, tendo em vista a
conclamação de novos recrutas para os campos estrangeiros, e a estimulação da intercessão
missionária e das doações para a evangelização nacional. Algumas instâncias dessa espécie
poderiam ser citadas e que são realmente marcantes em seus resultados práticos, e mostram
claramente que se ao menos uma proporção moderada das igrejas existentes, para não
falarmos de sua totalidade, recebesse a visão e se concentrasse com todas as sua forças na
tarefa da conquista do mundo inteiro mediante o evangelho, esse fim seria obtido na atual
geração. Que pensamento inspirador e desafiador é esse! Porém, somente um reavivamento
espiritual poderoso, enviado do céu, e não qualquer plano organizacional ou esforço de
promoção, criado pelo homem, pode fazer isso tornar-se uma realidade. Nas inspiradas
palavras do profeta, tudo deve suceder: "Não por força, nem por poder, mas pelo meu
Espírito, diz o Senhor dos Exércitos." Considerando as momentosas e eternas questões
pendentes, nada deveria ser considerado, por todos os verdadeiros membros da Igreja de
Cristo, como mais vital e urgente do que a dedicação pessoal à oração incessante e a
preparação para uma fresca manifestação do maravilhoso poder do Espírito de Deus.
24
Capítulo III
O PASTOR E AS MISSÕES
Relação nacional estratégica do pastor
para com a evangelização do mundo
"A tarefa primordial da Igreja é tornar Jesus Cristo conhecido, obedecido e amado
pela face do mundo". Assim assevera a sentença inicial de um livro intitulado The Pastor and
Modern Missions, escrito há alguns anos pelo Dr. João R. Mott, o bem conhecido líder
missionário. Segue-se, então, a afirmação que a parte mais importante desse empreendimento
jaz no além-mar, e constitui o que se convencionou chamar de empreendimento missionário
no estrangeiro. O autor dessa obra prossegue a fim de dizer que o segredo que capacita a
Igreja nacional a ver, abraçar e levar a efeito essa missão de alcance mundial é o da liderança
apropriada. Essas observações não são menos aplicáveis hoje em dia do que quando foram
feitas, há uma geração atrás. Bem poderiam servir de ponto de partida para a consideração do
tema que temos à frente.
Há muito que é nossa convicção que a chave para o problema missionário, jas,
peculiarmente, nas mãos dos pastores nacionais, posto que eles ocupam o lugar de liderança,
dado por Deus, nas congregações locais, e estão incumbidos da instrução, da inspiração e da
orientação do povo de Deus em sua vida e serviço. A posição dos mesmos se reveste de
grande honra e privilégio, mas também de solene responsabilidade. Há uma indubitável
verdade no antigo adágio que diz: "Qual pastor, tal congregação". Os crentes, em regra geral,
não vão além de seus líderes, quer no conhecimento, no zelo, na consagração ou no sacrifício.
Mas usualmente mostram-se prontos - pelo menos uma boa proporção deles - de seguir um
líder. O pastor, mais do que qualquer outro indivíduo, sem executar os secretários das
missões, tem a rara oportunidade de influenciar o recrutamento para os campos missionários,
de influenciar as orações e as doações missionárias. Todavia, essa influência será exercida e
será eficaz, somente na medida em que ele mesmo houver apanhado a visão missionária,
houver enfrentado honestamente a questão se deve ser um missionário ao estrangeiro, e tiver
a clara convicção da chamada divina para o seu pastorado nacional, concebendo que tal
posição tem o propósito de inspirar e conduzir o seu rebanho a que assuma plenamente sua
legítima participação no desenvolvimento do grande propósito e programa missionário de
Cristo.
Em confirmação à opinião que acabamos de expressar, citamos algumas poucas
sentenças de um dos mais vigorosos dentre certo número de estudos que temos à nossa frente
sobre esse assunto, intitulado Making a Missionary Church, por Stacy R. Warburton, cuja
experiência combinada como missionário no estrangeiro, pastor nacional e diretor-executivo
de uma missão qualificam-no especialmente para o que declara:
"Se a obra missionária das igrejas tiver de ser plenamente
bem sucedida, os líderes das mesmas devem chegar à compreensão
do propósito missionário da Igreja... As missões não ocuparão seu
legítimo lugar no programa das igrejas locais, nem os esforços
missionários das igrejas e denominações obterão seu alvo completo,
enquanto os pastores e outros líderes eclesiásticos não entenderam a
25
obra primária de suas igrejas, que é missões, e do que tudo o mais é
apenas uma parte e preparação... Primariamente, a
responsabilidade repousa sobre o pastor; sua atitude, seus ideais,
seus alvos, seu horizonte intelectual e espiritual, sua interpretação
do evangelho de Jesus e da missão da Igreja, é que inevitavelmente
determinarão os interesses, atividades e realizações de sua
congregação local.
Examinando a presente situação missionária com toda a franqueza, não é uma
acusação terrível contra o grande corpo dos crentes professos que, mil e novecentos anos
depois que Cristo outorgou à Sua Igreja a Grande Comissão, como sua ordem de marcha,
mais da metade da população do mundo atual continue esperando ouvir sobre o único
Salvador? Se buscarmos explicação para esse criminoso fracasso, pelo menos alguns indícios
obteremos na declaração feita pela Sra. H. G. Montgomery, distinguida líder batista do
passado, em seu livro The Preaching Value of Missions, de que "menos de trinta por cento de
todos os membros das igrejas batistas faz todas as doações para as missões, tanto nacionais
como estrangeiras", e que "os homens que ousadamente declaram que não crêem em missões
evangélicas, se encontram entre os fiduciários e diáconos das igrejas". Ora, não há qualquer
razão para acreditar-se que o caso seja essencialmente diferente nas demais denominações.
Este autor então prossegue: "Não é apenas justo atribuir esses defeitos de nossa vida
eclesiástica aos nossos ministros, geralmente falando? Não são eles os nossos líderes
naturais?"
Citamos igualmente as palavras de um proeminente ministro, conforme apresentadas
na obra de Egbert W. Smith, The Desire of All Nations:
"O pastor tem a chave da situação; e não conheço qualquer
pastor de coração dedicado às missões cuja perspectiva missionária
não esteja sempre a manifestar-se em tudo quanto apresenta, nos
seus temas ordinários, no seu púlpito, e cujo zelo não esteja sempre
a revelar-se nas orações que faz do púlpito, e que assim não tenha
gradualmente atraído o seu povo à mais completa simpatia com seu
alvo missionário".
Instâncias inspiradoras da veracidade dessa observação não faltam. Uma das mais
tocantes é a da igreja interiorana do pastor Harma, de Hermansburgo, Alemanha, composta de
artesãos e fazendeiros pobres. Tal foi o contagiante espírito missionário de seu líder que, no
espaço de quarenta anos, a igreja enviou 350 dos seus membros aos campos missionários, e
no final desse período contava com quase catorze mil conversos vivos no além-mar.
O Dr. H.C. Mabie, em uma visita aos campos asiáticos, como secretário da Junta
Batista Missionária do Norte, encontrou doze missionários que haviam sido influenciados por
ele para que se atirassem ao serviço missionário no estrangeiro, durante seus pastorados
anteriores.
O presente escritor, pessoalmente, era um dos doze jovens naquela histórica igreja
evangélica em Toronto, Canadá, os quais foram incendiados pela chama missionária que
queimava no coração de seu pastor, Dr. Samuel H. Kellogg, anteriormente um distinguido
26
missionário na Índia, e todos os quais encontraram seu caminho até algum campo missionário
no estrangeiro.
As igrejas do Dr. A.B. Simpson, da cidade Nova Iorque, e do Dr. A.J. Gordon, de
Boston, nos Estados Unidos da América, homens de bendita memória, foram completamente
revolucionalizadas pela visão missionária e pela paixão pelas almas, que percebiam em seus
pastores, e dali saíram literalmente vintenas de missionários e dezenas e dezenas de milhares
de dólares para que fossem sustentados nos diversos campos missionários.
Um bom número de comovedores exemplos poderia ser citados, de congregações
evangélicas da atualidade, e com as quais estamos intimamente familiarizados, e cuja visão e
zelo missionários tem encontrado expressão tangível na dedicação de seus jovens ao Senhor,
para que sirvam em terras estrangeiras, contribuindo sistematicamente, de todo o coração, e
crendo para que sejam sustentados. Salientar algumas dessas igrejas isoladas, para que a
mencionássemos especialmente, seria cometer uma injustiça para com as demais, pelo que
evitamos fazê-lo. Entretanto, a particularidade que desejamos salientar é que, em cada caso, o
pastor de atitude missionária tem sido o fator mais importante e decisivo, com seu estímulo,
pois foi quem iniciou o programa e obteve assim tão satisfatórios resultados. Essas instâncias
contribuem para mostrar quão infinitamente maiores seriam os resultados, se ao menos mais
pastores compartilhassem dessa visão e convicção missionárias, em verdade. Conforme diz o
autor do livro The Preaching Value of Missions:
"Na vida da igreja, na vida nacional, em todas as questões
importantes, as pessoas anelam por uma liderança poderosa e
inteligente. Em regra, todos estão prontos para segui-la... E posto
que o ministro é o líder oficialmente reconhecido, ninguém mais,
por melhor qualificado que seja, pode assumir o primado enquanto
ele estiver presente. Porém, caso sua liderança seja apenas
nominal, o resultado será uma dupla tragédia, um rebanho sem
pastor e um pastor que é um cão...
Quão comum é ouvir sobre as circunstâncias peculiares que
impedem a uma congregação de fazer qualquer coisa digna de
monta em favor das missões. E quão comum, igualmente, é ver a
mudança de pastores, nessa igreja, ser seguida por um esplêndido
desenvolvimento do espírito, missionário, como se aquelas
circunstâncias peculiares, que serviam de empecilho, não
existissem."
Pelo que já pudemos dizer, destacam-se duas conclusões práticas. Primeiro, o pastor
nacional deve ter a atitude correta para com as missões evangélicas de alcance mundial; e
segunda, deve preparar-se para a tarefa de instruir e liderar a sua congregação.
No tocante à atitude do pastor, citamos as vigorosas observações que, sobre esse
ponto, fez um hábil defensor e exponente das missões:
"O pastor deve ter enfrentado a questão se ele mesmo
deveria ser um missionário no estrangeiro... Muitos pastores
não se sentem em liberdade para tratar com a causa das
missões estrangeiras, devido ao temor secreto que se a
27
verdade viesse a ser conhecida, ele mesmo tivesse o dever de
ser um missionário. Alguns pastores sabem secretamente que
jamais fizeram justiça a essa questão, e portanto evitam o
assunto sempre que podem. Cada jovem que ingressa no
ministério deveria enfrentar com honestidade a questão de
seu dever de atirar-se à obra missionária, resolvendo a
questão honestamente perante Deus. Somente assim pode
permanecer conscientemente em sua terra, para dedicar-se
ao seu trabalho para o Senhor, como se tivesse ido para o
exterior, sob o senso da chamada divina". -- A Study of
Christian Missions, por W. N. Clarke.
É importantíssimo relembrar que a Palavra de Deus não reconhece qualquer distinção
entre missões nacionais e no estrangeiro, mas esses são meros termos de acomodação aos
costumes e convenções humanas. "O campo é o mundo". A tarefa é uma só. A última ordem
de Cristo, estipula: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações... pregai o evangelho a
toda criatura... e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra". Essa Grande Comissão
constitui Suas claras e definidas instruções para a Sua Igreja, relativamente a toda a era
presente. De acordo com isso, cada pastor evangélico deveria considerar-se como um agente
nomeado por Cristo para a evangelização do mundo, para ensinar, para informar, para
orientar, para inspirar o seu rebanho, a fim de que contribua com a mais ampla conta possível
no que respeita ao cumprimento da vontade e do programa de seu Senhor. A convicção e a
paixão missionárias são tão necessárias para o pastor nacional como para o obreiro no
estrangeiro.
No que concerne ao dever que o pastor tem de instruir e orientar a sua congregação,
citamos novamente da obra de W. N. Clarke:
"O pastor que não olha com amplidão de vista para o grande
movimento do cristianismo no mundo, e não está qualificado, pelo
conhecimento, para a tarefa de alistar os crentes na obra atual de
seu Senhor, não está representando verdadeiramente a Cristo
perante o seu rebanho". -- A Study of Christian Missions.
Essa nota é duplamente significativa, porquanto sugere que o interesse e o esforço
missionário devem ser reputados não apenas como necessários para que se atinja e salve as
almas necessitadas em terras distantes, mas também como algo não menos vitalmente
essencial para o desenvolvimento espiritual apropriado dos crentes, na sua igreja nacional. A
vida cristã não será o que deveria ser, mas antes, será estreita e anã, se o alcance de sua
simpatia e serviço se limita a menos que a humanidade inteira. Deveras, para alguém
asseverar que Cristo é uma realidade viva em sua vida, ao mesmo tempo que não se interessa
em fazer algo para que Ele seja conhecido de seus semelhantes, é, claramente, uma
contradição moral. Alguém já disse com toda a razão que "o Cristianismo requer a
propagação perpétua a fim de comprovar seu caráter genuíno".
"A educação completa dos membros da Igreja, no tocante ao
programa mundial de Cristo é essencial para seu mais excelente
desenvolvimento. Não existe assunto mais vasto, mais profundo, mais
capaz de elevar-nos, mais inspirador do que esse grande tema. O
28
pastor comete grave injustiça contra os membros de sua igreja,
portanto, se deixa de conduzi-los a uma relação inteligente e ativa
para com o esforço missionário". The Pastor and Modern Missions.
Desgraçadamente, quantos pastores, se aquilatados pelo padrão estabelecido na
citação acima, têm fracassado miseravelmente em seu dever, tanto para com o mundo ainda
por evangelizar como para com suas próprias congregações nacionais! Se não estivermos
dispostos a apoiar o fracasso dos mesmos, podemos deixar de sentir que uma grande parte da
culpa cabe aos seminários teológicos e outras escolas de treinamento evangélico, já que um
número reduzidíssimo dos mesmos oferece qualquer estudo adequado sobre o assunto da
missão mundial que cabe à Igreja, sendo tal estudo completamente ausente do currículo da
maioria desses institutos. Tal fato é confirmado pelas duas asseverações, abaixo citadas,
tiradas de fontes dignas de confiança:
"Bem poucos (seminários) enfatizam de forma adequada o
propósito missionário fundamental da Igreja. Somente
ocasionalmente algum deles oferece aos seus estudantes uma
pesquisa geral sobre o problema missionário de Igreja... A maioria
dos homens sai dos seminários teológicos para seus respectivos
pastorados com pouquíssimo preparo para a grande tarefa de tornar
suas igrejas em organizações missionárias". -- Making a Missionary
Church.
"Centenas de rapazes emergem dos seminários evangélicos
para serem feitos líderes e pastores de igrejas, mas que não só
ignoram tristemente, mas em realidade são indiferentes; não só são
indiferentes, mas em realidade não tem simpatia; não só não tem
simpatia, mas em realidade são impulsionados pelo senso de
oposição ou hostilidade às missões, tanto nacionais como no
exterior". -- The Preaching Value of Missions.
Esperamos sinceramente que poucos pastores, ou mesmo nenhum, dentre os que lêrem
este tratado, pertença à classe descrita na última citação. Todavia, aventuramo-nos a sugerir
aos pastores que verdadeiramente reconhecem o papel vital e imprescindível do
empreendimento missionário, bem como sua relação pessoal para com o mesmo, alguns
meios e modos práticos mediante os quais poderão desincumbir-se eficazmente de sua
responsabilidade e cumprir o seu ministério nessa conexão.
Primeiramente, é altamente recomendável que cada pastor faça um curso completo de
missão -- incluindo assuntos como História das Missões Evangélicas, Princípios e Práticas
Missionárias, e Religiões Não-Cristãs -- em algum seminário de posição bíblica sólida ou em
algum instituto bíblico. Se as circunstâncias tornarem isso, impraticável, então um curso por
correspondência, de caráter sistemático, deveria ser a alternativa. O pastor também deveria
munir-se de bons e atualizados livros e revistas missionárias, além de freqüentar
ocasionalmente conferências missionárias de espécie correta. Tudo isso com o objetivo de
alimentar o seu próprio fervor missionário e manter-se informado quanto às últimas
novidades acerca da obra missionária.
29
Em seguida, cada pastor deveria iniciar e manter um programa missionário intenso e
sistemático, em sua própria congregação. Para começar, deveria fazer sermões de cunho
missionário. Essas mensagens devem ser feitas primariamente pelo próprio pastor. É um
entrave o hábito de muitos pastores sempre dependerem de outrem quando se trata de
apresentar algum sermão missionário. A desculpa de que é difícil preparar um sermão dessa
espécie, não pode ser comprovada. A Bíblia está eivada de pensamentos missionários, e
qualquer pastor que dedique tempo suficiente ao seu estudo descobrirá rica e atrativa variade
de tópicos missionários. Considerando a importância do assunto das missões, e o lato escopo
e muitos aspectos diferentes desse empreendimento, parece muito razoável apresentar ao
menos uma mensagem missionária, do púlpito, ao menos cada trimestre. E deixai-nos ajuntar
que uma vez que um pastor volte a sua atenção para esse tema, verá que o mesmo se
expandirá extraordinariamente, enquanto que sua leitura sobre assuntos missionários poderá
enriquecer em muito os seus tópicos regulares, apresentados do púlpito, provendo-lhe grande
abundância de relatos ilustrativos sobre o poder de realização do evangelho e da fé, devoção,
coragem, heroísmo e outras qualidades cristãs.
Além disso, os missionários visitantes deveriam receber a oportunidade de se
expressarem perante a congregação. Essas mensagens são muito desejáveis de tempos em
tempos, e, se pertencerem à classe certa, não podem deixar de estimular e revigorar o
interesse missionário. Felizmente, oradores missionários, atualmente, com facilidade se
prestam a esse serviço, na maioria dos lugares.
Outrossim, são vitalmente importantes as reuniões de oração em prol das missões.
Uma dessas reuniões a cada mês, em um dia útil da semana, bem poderia ser devotada à causa
das missões (no estrangeiro, nacionais e locais, todas poderiam ir recebendo atenção, cada
uma por sua vez), quando então pode ser lida correspondência vinda dos campos
missionários, ou dados breves testemunhos ou relatórios, ou podem ser solicitadas orações,
etc. - tudo condutivo a um período de intercessão coletiva, por parte de igreja. Nessa conexão,
o emprego de mapas, gráficos, lemas e literaturas missionária gratuita é muito útil. E nesse
ponto poderíamos recomendar a exibição contínua, quer no auditório quer em qualquer outra
sala de reuniões que exista no edifício da igreja, de um mapa missionário que abarque o
mundo. Esse expediente sempre apresenta a sua própria mensagem. A Bíblia inteira no
púlpito, e o mundo inteiro sobre a parede, são uma excelente combinação. Outra coisa -- e
que nem deveria ser mencionada, pois deveria surgir na mente de todos -- é a oração feita do
púlpito em prol dos campos de trabalho e seus missionários. Infelizmente, nossa experiência
tem sido estar presentes a cultos matutinos nas igrejas de alta posição, e em muitas ocasiões,
em que nenhuma menção se faz da obra ou dos obreiros missionários na oração do pastor.
Certamente que essa é uma grave omissão que deixa transparecer tristemente o quanto o
pastor não aparecia a correta relação que deveria haver entre ele mesmo e seu rebanho e essa
grande e central atividade da Igreja. Felizmente a atitude oposta também pode ser vista em
muitas igrejas, onde o pastor habitualmente conduz sua congregação em intensa intercessão
missionária.
Classes de estudos missionários também são benéficas. Um bom número de
congregações evangélicas tem adotado o plano de efetuar reuniões dessa ordem,
semanalmente, durante os meses de inverno, a cada ano. Uma reunião noturna inteira é
reservada, em que a primeira parte é devotada ao estudo sistemático de algum compêndio
sobre missões, ou sobre algum campo de trabalho, biografia, ou fase especial das missões,
sob liderança capaz, em uma classe ou mais, conforme o caso; enquanto que a última parte da
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reunião é dedicada a um discurso missionário de inspiração, feito por um orador bem
escolhido. Através do conhecimento assim transmitido, um programa dessa qualidade serve
para lançar um fundamento firme para um interesse e esforço missionário inteligente e
contínuo, uma vez apresentada a classe certa de compêndios e oradores, o que é
inquestionavelmente de grande valor.
Acresce que os tópicos missionários, ensinados na Escola Dominical ou na Sociedade
dos Jovens, são de grande utilidade. Planos alternativos a esse são a inclusão periódica de um
tópico missionário no programa de lições da Escola Dominical e no programa de atividades
da Sociedade dos Jovens. Ou, ainda, pode-se dedicar alguns poucos minutos, a cada semana,
para relatar alguma história missionária tocante. Em nenhum outro ambiente a semeadura da
semente missionária se reveste de maior importância, ou está destinada a produzir frutos mais
ricos, do que entre os meninos, as meninas ou jovens da igreja. Cartas e fotografias dos
missionários, ou curiosidades enviadas por eles, e outras coisas semelhantes, são
especialmente úteis nesse particular, e uma boa biblioteca missionária para as crianças e os
jovens deve ser insistentemente recomendada. "O trabalho que ajuda a descobrir, alistar e
treinar candidatos apropriados para o serviço missionário, é não apenas uma das mais graves
responsabilidades do pastor, mas é também sua maior oportunidade isolada de multiplicar sua
própria vida em termos de serviço prestado ao Senhor ".
Finalmente, as contribuições para a obra missionária deveriam ser destacadas. Posto
que um capítulo posterior será devotado a esse tema em geral, tocamos apenas de passagem
neste ponto, em sua relação para com o programa da igreja local. Há uma abundância de
ensinamentos, na Palavra de Deus, acerca dos quais ensinamentos nenhum pastor tem o
direito de ignorar ou negligenciar, embora seja de temer-se que muitos pastores e suas
congregações jamais acolham no coração tais instruções bíblicas. Por esse motivo têm
surgido tantos esquemas mundanos e métodos indignos de "levantar" fundos para as missões,
o que furta das contribuições cristãs o seu autêntico valor aos olhos de Deus, bem como seu
rico reflexo de bênçãos para os doadores. Que substituição inadequada são todos esses
métodos criados pelos homens!
Entre as características vitais, ligadas às contribuições bíblicas, temos os fatos que
devem ser voluntários, sistemáticos, proporcionais, importando em sacrifício e adoração.
Todas essas qualidades, entre outras, são expostas de maneira mui impressionante na segunda
epístola aos Coríntios, capítulos oitavo e nono, I Coríntios l6:2, e outras passagens mais.
É conveniente que cada congregação tenha seu alvo definido em suas contribuições
missionárias, tal como o sustento de seu próprio missionário ou missionários, ou de algum
posto missionário em particular ou objetivo especial; e a sua ambição deveria se estender para
mais além um pouco esse alvo, a cada ano, sempre que possível. Muitos exemplos
impressionantes poderiam ser citados, que falam de admiráveis realizações, nesse sentido,
efetuadas por igrejas ou até mesmo indivíduos. Esses sucessos podem ser explicados pela
consagração e fé dessas igrejas ou indivíduos, bem como pela graça divina da contribuição,
que lhes foi outorgada abundantemente.
Desse modo, temos procurado esboçar alguns meios e modos pelos quais um pastor
local, inspirado pela visão missionária, pode conduzir a sua congregação ao ponto em que os
membros percebam seu alto chamamento e cumpram sua elevada missão em favor de Cristo e
do mundo. Muito mais poderia ser dito se o espaço no-lo permitisse. Basta adicionar que, em
31
última análise, o problema missionário do pastor, em todos os seus aspectos, é um problema
espiritual. À parte de uma vida verdadeiramente espiritual, qualquer ou todas as sugestões
acima oferecidas, teria pouco ou nenhum valor. O poder e a eficiência do empreendimento
missionário no estrangeiro, efetuado por uma igreja, sempre será proporcional à intensidade
de sua vida espiritual.
A única base eficaz de apelo missionário - quer se trate de recrutar candidatos,
solicitar orações ou fundos - é a experiência espiritual e vital daqueles a quem é lançado o
apelo. Por conseguinte, a salvação de almas, mediante a sã prédica do evangelho, e o cultivo
da vida espiritual dos crentes, deveria ser a mais vital consideração de todo pastor. O amor
genuíno a Cristo e a plena rendição a Ele, originados na experiência perceptível de Sua graça
salvadora e santificante, tendem por gerar o zelo e o empreendimento missionários nos
membros das igrejas. Contrariamente, nada poderá estimular e enriquecer mais
verdadeiramente a vida espiritual de qualquer congregação nacional do que seu esforço
altruísta e sob sacrifício, em prol do povo dos campos missionários. "A luz que chega mais
longe é a que brilha mais fortemente na sua origem. Existe aquilo que se propaga, e contudo
aumenta, existe aquilo que se retrai mais que o necessário, mas tende a pobreza. Nenhum
pastor nacional precisa ao menos começar a temer o efeito que poderia exercer sobre a
liberais contribuições em dinheiro, por seus membros, para as missões estrangeiras. Bem pelo
contrario, todos os pastores deveriam regozijar-se abertamente, a cerca dessas demonstrações,
como outros tantos sinais do favor especial de Deus, e como garantia de firmes promessas
sobre maiores bênçãos entesouradas.
32
Capítulo IV
O ESPÍRITO SANTO E AS MISSÕES.
A dotação divina e Sua liderança nas missões
Várias designações têm sido aplicadas ao livro de Atos. Por alguns tem sido chamado
de quinto evangelho, porquanto segue-se, historicamente, aos quatro evangelhos registrados.
Por outros tem sido apontado de Atos de Cristo Assunto, nome esse sugerido pela referência
de Lucas, no versículo de abertura do livro ao seu "primeiro livro... relatando todas as cousas
que Jesus fez e ensinou, até o dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio
do Espírito Santo aos apóstolos que acolhera, foi elevado às alturas", o que deixa subtendido
que este último tratado diz respeito a tudo que Ele continuou a fazer e a ensinar, depois que
foi elevado às alturas. Ainda um outro nome é dado, o de Atos do Espírito Santo. Realmente,
o Dr. A.T. Pierson adota esse título para seu estudo sobre o livro de Atos, e observa na
introdução do mesmo que esse livro sagrado está intimamente vinculado não apenas ao
evangelho de Lucas, por haver sido produzido pela pena do mesmo autor humano, mas
também é "uma seqüência apropriada de tudo quanto há nos quatro livros que o precedem". E
em um outro de seus grandes volumes, intitulado The New Acts of The Apostles, ele fala
como segue: "Em uma palavra, o que o quádruplo evangelho é para Cristo, os Atos dos
Apóstolos é para o Espírito Santo - o relato inspirado de Seu advento, e do nascimento da
Noiva de Cristo; o começo do evangelho da presença e do poder do Espírito; a declaração, em
ordem, daquele supremo segredo de toda vida santa e serviço fiel, isto é, Sua atuação no
íntimo; e, finalmente, o desvendamento de Sua eterna identidade com a Deidade e Sua
proveniência da mesma. Verdadeiramente, esse livro dá os Atos do Espírito Santo".
Quando Cristo estipulou a Grande Comissão, dizendo: "Ide, portanto, fazei discípulos
de todas as nações...", ligou-a com a afirmação imediatamente anterior: "Toda a autoridade
me foi dada no céu e na terra", bem como a certeza de que falou em seguida: "E eis que estou
convosco todos os dias até a consumação do século". Nessa grande e preciosa promessa, Ele
proveu o necessário para a propagação de Sua presença, juntamente com a disseminação das
atividades missionárias de Sua Igreja. Da mesma maneira que estivera em companhia dos
discípulos, em Jerusalém, semelhantemente Ele continua junto daqueles que têm saído
através da Judéia e Samaria, e até às extremidades da terra. Como tem sido cumprida essa
promessa? A resposta é - na pessoa do Espírito Santo. Aos Seus discípulos Jesus esclareceu:
"Convém-vos que eu vá, porque se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se,
porém, eu for, eu vo-lo enviarei" (João 16:7). Mediante a ascensão de Cristo e a descida do
Espírito Santo, Cristo trocou Sua presença física, com os que então eram Seus discípulos em
Jerusalém, pela Sua onipresença espiritual, em companhia dos Seus discípulos de todos os
lugares do mundo. O Espírito Santo tornou-se seu vice-regente na face da terra. Da mesma
maneira que Jesus, estando neste mundo, representava o Pai, igualmente o Espírito Santo
agora é o representante do Filho.
Deve-se observar que em cada uma das cinco declarações da Grande Comissão
(Mateus 28:18-20; Marcos 16:15-20; Lucas 24:46-49; João 2:21,22; e Atos 1:8) faz-se
alguma referência ao Espírito Santo, direta ou indiretamente. Esse fato é de grande
significação. As missões de alcance mundial constituem um empreendimento divino dirigido
não meramente do céu, mas através do Espírito Santo em pessoa, enviado à terra com essa
33
finalidade. E posto que a Ele, compete ser o Comandante-em-chefe dessa grande Campanha,
seu início deve esperar pela Sua chegada.
Estamos habituados a falar sobre uma ordem de Cristo, baixada após a ressurreição - a
Grande Comissão. Em realidade ele baixou duas ordens, a saber, "Ide" e "Não vos ausenteis".
À primeira vista, essas ordens talvez pareçam contraditórias entre si. Em realidade não é
assim, mas se complementam uma à outra. Em ambas se revestem da mesma importância
vital. Se os discípulos tivessem "ido", sem primeiro "esperarem", tal ida teria sido vã. Por
outro lado, caso tivessem ficado a "esperar", sem nunca "ir", tal espera teria sido espúria. Se
alguém manifestar surpresa em face do fato de haver sido ordenado aos primeiros discípulos
que esperassem, em vista dos atuais males e da urgente necessidade do evangelho e da
urgência que sejam conquistadas as almas, a resposta será que, do ponto de vista espiritual,
todos os esforços deles teriam sido inteiramente fúteis sem aquilo que o advento do Espírito
Santo lhes proporcionou. Por conseguinte, foi-lhe tão essencial que não se ausentassem, a
princípio, como foi que depois se fossem. Em outras palavras, as missões evangélicas e o
Pentecoste estavam inseparavelmente relacionados - sendo que o Pentecoste foi a preparação
indispensável para as missões, enquanto que as missões foram o resultado lógico e inevitável
do Pentecoste.
Daremos atenção, primeiramente e de modo breve, à narrativa da vinda do Espírito
Santo, conforme a lemos no segundo capítulo do livro de Atos, antes de discutirmos o
objetivo e o efeito de Sua vinda, no tocante ao empreendimento missionário. A ocasião é
estipulada como "o dia de Pentecoste". A descrição de Lucas sobre a cena é vívida e
profundamente impressionante. Os discípulos, que em número atingiam a "umas cento e vinte
pessoas", tendo continuado em oração e súplica uníssonas, durante dez dias inteiros, "estavam
todos reunidos no mesmo lugar". E então lemos que "...de repente veio do céu um som, como
de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram
distribuídas entre eles, línguas como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos
ficaram cheios do Espírito Santo..."
Com essa finalidade de exibir o efeito espiritual do advento do Espírito sobre aquele
grupo inicial de crentes é que o fato é mencionado. Note-se, todavia, o que sucedeu
imediatamente em seguida - "...e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes
concedia que falassem". Isso eqüivale a dizer que sem tardar começaram, "em Jerusalém", a
obra do testemunho evangélico, que foi o propósito primário em vista do dom do Espírito
Santo. Aquele "dia de Pentecoste" foi o dia do nascimento da Igreja Cristã, bem como a data
da inauguração das missões mundiais que constituem a grande tarefa que Deus deu à Sua
Igreja. E as "outras línguas" encontram sua explicação natural no versículo que aparece logo
após: "Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, de todas as nações
debaixo do céu", e assim sendo, cada indivíduo ouviu a pregação do evangelho em sua
própria língua nativa. Muito próprio - não é verdade? - que Deus houvesse arranjado essa
inauguração justamente no dia em que o mundo inteiro, então conhecido, pudesse estar
ouvindo, representativamente, o evangelho, através da presença providencial, em Jerusalém,
de indivíduos provenientes de todas as nações, próximas ou distantes!
Por assim dizer foi um treinamento preliminar, em miniatura, do grande cometimento
da evangelização do mundo, naquele dia lançado. O Senhor trouxe "o mundo inteiro",
representativamente, aos Seus discípulos aquartelados em Jerusalém, para que ouvisse o
evangelho dos lábios deles, como preparação dos próprios discípulos, para que depois
34
saíssem de Jerusalém e se espalhassem "por todo o mundo", a pregar o "evangelho a toda
criatura".
Nesta altura voltamos a nossa atenção para a relação existente entre o Espírito Santo e
as missões evangélicas. Essa relação, conforme estabelecida no livro de Atos, tem dois
aspectos: (1) a dotação do poder espiritual aos obreiros individuais, e (2) a ordem e orientação
supremas da empresa inteira.
A Dotação do Espírito Santo
Não foi por acidente nem mera coincidência que as missões evangélicas tiveram início
no dia de Pentecoste. De fato, não poderia ter sido de maneira diferente. O Espírito Santo se
fazia necessário, como chama divina capaz de manter fogo na fogueira que produziria o
poder, bem como o sopro vital que incharia as velas capazes de impelirem o navio do
evangelho ao redor do mundo. Impressiona-nos a observação da ordem divina: Cristo subiu ,
o Espírito Santo desceu, e os discípulos saíram. E lemos que "todos ficaram cheios do
Espírito Santo" e imediatamente "passaram a falar" como testemunhas do evangelho. E
segue-se pouco adiante a declaração geral que "iam por toda a parte pregando a palavra"
(Atos 8:4 ). Sem dúvida foi uma questão de causa e efeito.
Porém, também é importantíssimo notar que a relação essencial do Pentecoste para
com as missões é verdadeira não apenas historicamente, mas também na própria experiência
diária. Isso significa que não só as missões cristãs não poderiam ter começado enquanto não
descesse o Espírito, no Pentecoste, mas também que esse tentame não poderia ter continuado,
em qualquer sentido real, sem a contínua presença e poder do Espírito Santo, nos corações e
atividades dos missionários. Outro tanto ocorre até os nossos dias. O desdobramento da
comissão missionária, desde o começo e por todo o caminho até no seu próprio fim, depende
de forma absoluta da manutenção da vida espiritual daqueles que estão incumbidos dessa
magna tarefa.
Sempre que a vida espiritual se torna fria e enfraquecida - quer se trate do crente
individual, da igreja local ou da Igreja universalmente considerada - o zelo e o esforço
missionários, em resultado disso, declinam. Exemplo notável disso foi o período do
imperador Constantino, quando a pureza e a separação da Igreja se perderam, e um dilúvio de
males mundanos e características comprometedoras foi aceito. A isso seguiu-se
inevitavelmente a Idade das Trevas, quando o fogo missionário pentecostal bruxoleava de
modo tão débil sobre o altar que quase se extinguia de todo, e quando a obra missionária de
vários séculos que se seguiram se reduziu aos esforços de alguns poucos indivíduos isolados,
ao invés da Igreja em sua inteireza. Por outro lado, sempre que uma nova efusão do Espírito
tem sido experimentada por um indivíduo, por um grupo ou pela Igreja em geral,
invariavelmente isso é acompanhado por um período de zelo missionário revivificado e por
um esforço missionário muito estimulado. Ilustrações dessa ordem podem ser encontradas ao
longo da história da Igreja. Foi o pietismo, na Alemanha, sob Spener e Francke, que
despertou a Igreja para uma vida espiritual mais profunda e produziu o conde Zinzendorf e o
grande movimento missionário da Morávia.
Também foi o poderoso reavivamento evangélico, sob os irmãos Wesley, que
reavivou o pulso das missões ao estrangeiro na Grã-Bretanha. Foi a fé e o poder que
emanavam da vida piedosa de Hudson Taylor que trouxe à existência a Missão da China
35
Interior, o que Deus tem achado por bem usar como uma das principais agências da
evangelização dos pulsantes milhões da China. Foi o despertamento espiritual, mediante a
visita de Dwight L. Moody a Cambridge, e a ida dos famosos "Sete de Cambridge", para a
China, juntamente com a santa influência daqueles primeiros anos da Convenção Keswick,
que visava o aprofundamento da vida espiritual dos crentes, que provocou o memorável
"Movimento de Avanço" da grande Sociedade Missionária da Igreja. Foi a nova visão de
Deus, e a resultante e nova experiência, nos corações de Jônatas Edwards e de Davi Brainerd,
que os levou a clamarem: "Aqui estou, Senhor, envia-me!"- e que os enviou como chamas
incendiárias que lançaram fogo entre os índios norte-americanos. Poder-se-ia, igualmente,
citar tão poderosos reavivamentos, nos campos missionários, como os que tiveram lugar em
Ongole, no sul da Índia; em Banza Manteke, no Congo Belga, em Hilo, nas ilhas Hawai; e em
Pyeng Yang, na Coréia. E assim podemos seguir, em cada caso, os maravilhosos resultados
que se seguiram, não apenas no tocante a conquista de almas na área local, mas também na
propagação do evangelho por regiões circunvizinhas e mais extensas.
Essas ilustrações todas contribuem para provar que o verdadeiro zelo e a devoção
missionária só podem surgir derivadas de uma vida espiritual autêntica, e, contrariamente,
que o reavivamento espiritual genuíno invariavelmente tem começo em uma preocupação e
esforço missionários revivificados. Desejamos ver o cometimento missionário ser
continuado? Nesse caso, sustentamos a vida espiritual da Igreja. Desejamos ver as operações
nos campos missionários se tornarem mais eficazes? Então cultivemos mais assiduamente a
vida espiritual dos próprios missionários. Desejamos aumentar as cordas de tenda
missionária? Só podemos fazê-lo em segurança fortalecendo proporcionalmente as suas
amarras. Queremos que a causa missionária se propague mais ainda? Para tanto é mister que
primeiramente ela se aprofunde. Não há outro modo de obtermos os resultados almejados.
Escrevemos com profunda convicção sobre a necessidade de testar toda a presente
atividade missionária pelo cânon dos padrões neo-testamentários, "redescobrindo os grandes
princípios básicos em que a Igreja do primeiro século firmou a norma de seu serviço e o
segredo de seu triunfo sobre os poderes das trevas". Não se pode exagerar a importância do
reconhecimento, da busca e do recebimento da dotação ou unção do Espírito Santo, que
transcende a todas as demais qualificações e preparos intelectuais ou outros, para o serviço
missionário eficaz. O piedoso André Murrey foi quem escreveu palavras que nos sondam o
coração como estas: "Se tiver de haver qualquer esperança de trabalharmos à semelhança da
Igreja do Pentecoste, precisaremos de uma nova época em nossas missões. Deverá haver uma
real restauração da vida e do poder pentecostais das igrejas locais nacionais... A Grande
Comissão foi dada em conexão com o Pentecoste, e seu cumprimento dependia inteiramente
do mesmo... a comissão pentecostal só pode ser cumprida por uma Igreja pentecostal, dotada
do poder pentecostal".
Não existe um perigo real de crentes temerem e evitarem qualquer experiência
associada ao termo "Pentecoste", devido aos ensinamentos distorcidos sobre esse tema em
certos círculos, bem como aos lamentáveis excessos e extravagâncias que se cristalizaram em
torno dessa palavra? Porém, faríamos bem em refletir que sempre que há um simulacro, há
também o que é real, do que tal simulacro é apenas uma cópia inferior e barata. Há muito
sentimos menos que satisfação com a suposição complacente, de alguns bons mestres
"ortodoxos", ao combatermos esses pontos de vista extremos e falsos acerca do Pentecoste, os
quais afirmam que por estarmos "no Pentecoste" - ou em outras palavras, porque o Espírito
Santo desceu de uma vez para sempre, conforme está registrado no livro de Atos, a fim de vir
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habitar na Igreja - que esse é o fim de toda questão, e que nenhuma preocupação ou exercício
de alma, por parte do crente individual, é necessária e assim venha a possuir tudo aquilo que a
vinda do Espírito, no Pentecoste, tornou disponível, necessário ou mesmo recomendável para
nós. O mesmo raciocínio, caso aplicado à encarnação, à morte e à ressurreição de Cristo,
certamente nos conduziria às mais falazes conclusões. Não, qualquer suposição dessa espécie
é um erro, e é perigosa. Existe um mundo de diferença entre o nosso estar "no Pentecoste" e
o ter o "Pentecoste em nós". Há em nossos dias uma ortodoxia generalizada que é fria, rígida,
crítica, disposta à controvérsia, mas que em nada contribuiu para a edificação e
enriquecimento espiritual, para a plena rendição a Cristo, e para a paixão da conquista de
almas. Antes, é uma ortodoxia que não produz a autêntica frutificação espiritual. O de que se
precisa é uma ortodoxia vital, cheia de energia, refulgente, uma ortodoxia incendiada pelo
fogo do Espírito Santo.
Dificilmente alguém pensaria que qualquer crente capaz de discernir acusaria o
falecido Dr. A.J. Gordon, de Boston, de não ser ortodoxo ou de pregar pontos de vista
fantásticos sobre o Pentecoste. Não obstante, em seu livro que tanto ilumina e inspira,
intitulado The Holy Spirit and Missions escreve: "Sempre, que em qualquer período da
história da Igreja, um pequeno grupo surgiu de tal modo rendido ao Espírito ao ponto de estar
cheio de Sua presença e ser um instrumento maleável em Suas mãos, então um novo
Pentecoste tem raiado na cristandade, e, em conseqüência do que a Grande Comissão é
novamente publicada; então, havendo uma nova espera, em Jerusalém, no aguardo da dotação
do poder, surge um novo testemunho em favor de Cristo que se estende desde Jerusalém até
aos confins da terra". Em prol de renovações espirituais similares, que tragam a genuína
benção e o poder pentecostais em nossos dias é que bem faríamos em orar.
A Liderança Suprema do Espírito Santo
O livro de Atos revela inequivocamente o fato que o Espírito Santo veio não só com o
propósito de dotar espiritualmente o crente individual, mas igualmente a fim de assumir a
obra coletiva do controle e da direção suprema do movimento cristão em sua inteireza. O
trabalho das missões apostólicas foi um movimento liderado pessoalmente pelo Espírito
Santo. Ele veio para ser o divino Comandante-em-chefe das forças do evangelho e da
campanha de conquista mundial, e desde logo foi reconhecido e estudado como o tal. Sua
vinda proporcionou o caráter divino possuído por cada aspecto desse gigantesco
empreendimento. Os apóstolos corresponderam à Sua liderança e tornaram-se homens novos.
A súbita transformação que houve neles, da dissensão para a unidade, do interesse próprio
para o nivelamento geral, da covardia para a coragem e intrepidez, da fraqueza para o poder,
foi algo simplesmente maravilhoso e inquestionavelmente sobrenatural.
Não podemos tentar apresentar aqui um estudo exaustivo sobre a obra administrativa
do Espírito Santo, mas desejamos chamar atenção para certas instâncias e aspectos da mesma,
conforme nos é revelado no livro de Atos, para que isso sirva de base para estudos
posteriores.
Primeiramente, Ele convence e converte os pecadores. Pensai nas literalmente
centenas de milhares de pessoas, naquela orgulhosa e conservadora cidade de Jerusalém, que
pouco após haver rejeitado violentamente e crucificado vergonhosamente a Jesus, quando
então seus seguidores se espalharam momentaneamente, passou a abraçar abertamente o novo
culto, quando milhares de convertidos eram batizados! E tal fenômeno não foi mera onda de
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emocionalismo, que em breve se extinguiria. Não, mas foi uma obra profunda e contínua da
graça e poder divinos, que se foi disseminando em círculos cada vez mais amplos, entre os
judeus e os gentios igualmente, e que afetou todas as classes sociais, onde quer que a
mensagem do Salvador fosse sendo proclamada. (Ver Atos 2:41; 4:4,32; 5:14; 6:2,7; 9:31,42;
11:21,24; 12:24; 13:44; 14:1; 16:5; 17:4,12; 18:8). No que tange aos resultados
evangelísticos, nenhuma geração subsequente pode comparar-se com os do período coberto
pelo livro de Atos.
Em segundo lugar, o Espírito Santo realiza poderosa operação da graça nos crentes. Se
esse registro de pecadores convictos e convertidos é impressionante, porquanto indica o poder
sobrenatural de Deus em ação, não menos impressionante é o fato que o Espírito Santo
selecionou tão insignificantes e incapazes instrumentos, conferindo-lhes o poder necessário
para tanto. Pensai, por exemplo, em Pedro, homem de coração temeroso, que estremecera
perante o dedo acusador de uma simples criada e assim negou dolorosamente ao seu Senhor,
para, subitamente, transformar-se no apóstolo de coração leonino, que ousou fazer frente à
população de Jerusalém, e até mesmo seu augusto sinédrio, e que intrepidamente os acusou
do assassínio do Príncipe da Vida (2:23; 3:15; 4:8-10). Ou considerai a declaração de que os
três mil que foram arrebanhados para o redil de Cristo, sob a prédica de Pedro, inspirada pelo
Espírito, no dia de Pentecoste, "perseveram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no
partir do pão e nas orações" (2:42).
Ora, quem eram os apóstolos senão um diminuto grupo de pescadores galileus, de
origem obscura, iletrados, sem cultura? E como poderiam eles ter atraído a atenção e ganho o
respeito, mantendo sob seu ensino tão grande e crescente companhia, naquela cidade
cosmopolita, exceto pelo todo-poderoso Espírito de Deus que se manifestava neles e através
deles atuava? O segredo transparece no quarto capítulo, onde encontramos Pedro e João
convocados perante as autoridades judaicas, a fim de serem julgados, e onde puderam
manifestar, através de sua posição denotada e de suas palavras, o espírito e o poder de seu
Senhor, sobre o que está escrito como segue: "ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo
que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado
com Jesus" (4:13). E uma vez mais, no sexto capítulo, lemos a declaração acerca de Estevão,
ao ser ele aprisionado, arrastado para o tribunal e sujeitado a insultos e acusações falsas:
"Todos os que estavam assentados no sinédrio, fitando os olhos em Estevão, viram o seu
rosto com se fosse rosto de anjo" (6:15).
Ainda uma outra evidência da ação do Espírito foi o absolutamente novo padrão de
contribuição monetária, até ali sem precedentes, da parte daqueles primitivos cristãos, e
acerca dos quais foi asseverado que "Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das
coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum... Pois nenhum necessitado havia entre eles,
porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes,
e depositavam aos pés dos apóstolos", como donativos para a causa" (4:32,34,35). Não nos
esqueçamos que todos esses eram judeus, com sua tradicional propensão de adquirir e
amealhar o dinheiro. Verdadeiramente, nada menos que o poder do Espírito poderia ter
conseguido um tal milagre, e isso nos leva a parar e pensar sobre que revolucionário efeito,
sobre a causa missionária atual, até mesmo uma débil aproximação desse padrão de
contribuição, pelos crentes de nossos dias teria.
Em terceiro lugar, admira-nos a disciplina da igreja de Jerusalém. O exemplo (capítulo
5) de condigna punição a que foram sujeitados Ananias e Safira, por causa de sua combinada
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hipocrisia, é realmente solene, e frisa a verdade da santidade de Deus e de Sua Igreja. Um
ponto que não devemos esquecer, entretanto, é que o apóstolo Pedro reconheceu que o
Espírito Santo é o verdadeiro e ativo Líder da Igreja, e que tanto ele mesmo como os demais
apóstolos estavam fielmente subordinados a Ele. Pedro não acusou o casal culpado de terem
mentido a ele mesmo, embora ele tivesse sido a pessoa humana com quem haviam tratado,
mas antes, disse-lhes francamente: "Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo?" e "Por que entrastes em
acordo para tentar o Espírito do Senhor?" (versículo 3 e 9). Para aqueles primitivos apóstolos
o Espírito Santo não era uma mera influência, mas uma pessoa viva e presente, que
administrava ativamente os negócios da Igreja de Cristo. A única disciplina eclesiástica
eficaz, e o único meio legítimo de manter a pureza em qualquer congregação local, é uma tão
manifesta presença do Espírito de Deus, em seu seio, que os crentes genuínos serão atraídos,
enquanto que os falsos professos serão restringidos. Esse foi o duplo efeito do juízo do
Espírito quanto a Ananias e Safira, porquanto lemos que "crescia mais e mais a multidão de
crentes, tanto homens como mulheres, agregados ao Senhor", enquanto que "dos restantes,
ninguém ousava ajuntar-se a eles" ( 5:13,14 ).
Em quarto lugar, o Espírito Santo exerce autoridade e envia trabalhadores aos campos
de trabalho. São registradas diversas instâncias específicas sobre esse aspecto do ministério
do Espírito Santo. Antes de todas temos o caso de Filipe (8:26,29,39), a quem o Espírito
chamou para deixar a Samaria, em meio a uma notável campanha evangelística, a fim de
internar-se no deserto para entrar em contato com um indivíduo isolado, ainda que
representante do continente negro, onde não existia ainda o testemunho do evangelho. Essa
estratégia não era humana, mas divina! Foram-lhe dadas instruções ainda mais minuciosas
sobre a sua tarefa, até que finalmente foi "arrebatado" pelo Espírito, quando essa ficou
completa.
No décimo capítulo de Atos temos o caso de Pedro, a quem o Espírito ordenou de
forma clara que fosse a Cessaréia, em uma missão que deixou perplexo ao próprio apóstolo,
por ser contrária aos seus preconceitos judaicos, mas que estava de conformidade com o
programa missionário do Senhor, a saber, a extensão da mensagem evangélica para que
abarcasse também ao mundo gentílico. Finalmente, no décimo-terceiro capítulo, há a
narrativa do que comumente se denomina de início do "empreendimento missionário" da
Igreja, a tarefa que consistia em levar o evangelho para além de Jerusalém, da Judéia e da
Samaria, "até aos confins da terra". Nesse caso, novamente, a personalidade e a autoridade do
Espírito Santo são destacadas em fulgurante evidência, quando, aos devotados líderes da
igreja local de Antioquia, que se mantinham em oração, Ele disse: "Separai-me agora a
Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado". Em resposta ao Espírito, esses
líderes, após jejum e oração, "...impondo sobre eles as mãos, os despediram". E prossegue o
registro sacro: "Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram..." Dessa forma, temos um belo
quadro sobre a perfeita harmonia e cooperação existentes entre as agências divina e humana,
na ordenação e nomeação de obreiros cristãos. Mais adiante, nesse mesmo décimo-terceiro
capítulos, vemos o mesmo Espírito Santo, que enviara aqueles missionários, agora lhes
proporcionava poder para testemunharem (13:9) e igualmente os sustentava em meio às
provações e à oposição que lhes moviam os homens (13:52).
Em quinto lugar, o Espírito Santo preside sobre os concílios deliberativos. No décimo-
quinto capítulo, vemos o Espírito Santo a presidir sobre a primeira conferência missionária
cristã a ser efetuada no mundo, em Jerusalém, e que tal maneira os orientou nas deliberações
39
tomadas que, quando as ações tomadas foram escritas, dizem como segue: "Pois pareceu bem
ao Espírito Santo e a nós..." (15:28), tal como as atas de uma corporação oficial de atualidade
diriam: "Foi resolvido pelo presidente e pelos membros da reunião, que..."
Nesse caso temos o modelo para todos os concílios eclesiásticos e conferências
missionárias de todas as épocas. Que revolução teria lugar, em muitas assembléias
evangélicas, se o mesmo senso da presença do Espírito fosse realmente sentido, e se tudo
fosse tido e feito sob Seu impulso e debaixo de Seu controle! Com excessiva freqüência as
sessões deliberativas das igrejas e dos agrupamentos missionários tem sido maculadas pela
intrusão de invejas sem razão e por rivalidades amargas, ou enquanto pelo apelo para a
diplomacia mundana e para os expedientes contemporizadores, com o resultado que o
Espírito Santo é entristecido, Sua voz é abafada, e Sua orientação é rejeitada. O Senhor tem
desejado e provido algo infinitamente melhor do que isso para o Seu povo, bastando-lhes para
isso que satisfaçam às condições estipuladas nas Escrituras.
Em sexto lugar, o Espírito Santo restringe e constrange os obreiros cristãos. A
narrativa contida na primeira parte do capítulo décimo-sexto é mais do que impressionante; é
arrebatadora. Um grupo de missionários ativos e devotados, encabeçados por Paulo, deu
início a uma expedição de pregação pela província da Ásia, mas os missionários foram
"impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia". Em vista disso, tentaram
penetrar na Bitínia, "mas o Espírito de Jesus não o permitiu". E então, a Paulo foi
proporcionada a visão do "homem da Macedônia", que os orientou até o campo missionário
da Europa, até então desocupado (16:6-10). Uma solene lição nos é aqui ministrada, no que
concerne à total incapacidade da sabedoria humana, até mesmo de um tão talentoso,
experiente e consagrado estadista missionário como era o apóstolo Paulo, no trabalho das
missões evangélicas. Apesar de que não nos é fornecida nenhuma explicação acerca dessa
ação do Espírito Santo de Deus, não poderíamos considerá-la como um lembrete do princípio
fundamental das missões, de que todos os homens, de todos os rincões, tem a mesma
necessidade, e, por conseguinte, o mesmo direito de ouvirem o evangelho? O Espírito Santo
proibiu o apóstolo Paulo de percorrer pela segunda vez o território da Ásia Menor, que já
havia sido coberto anteriormente, enquanto a Europa não tivesse também a sua oportunidade
de conhecer o Salvador.
Anais missionários posteriores apresentam-nos outros exemplos extraordinários de
restrições e constrangimento por parte do Espírito Santo. Livingstone procurou viajar para a
China, mas Deus não lho permitiu, e enviou-o para a África. O primeiro plano de Guilherme
Carey era ir para os mares do sul, mas Deus guiou-o até à Índia. Adoniram Judson planejava
trabalhar na Índia, mas foi levado para a Birmânia por forças em si mesmas adversárias, mas
que se mostraram providencias. E que o Espírito Santo não incorre em equívocos é
gloriosamente ilustrado pelas carreiras subseqüentes desses grandes pioneiros e generais
missionários.
Em sétimo lugar, o Espírito Santo exerce suprema autoridade eclesiástica. Isso é muito
claramente dito pelo apóstolo Paulo, em seu discurso de despedida, em Mileto, aos anciãos da
igreja de Éfeso: "Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos
constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus..." (20:28). Que solene lembrete, temos
aqui, sobre a suprema autoridade de Cristo, na pessoa do Espírito Santo, sobre todos os
ofícios e funções que pertencem à Sua verdadeira Igreja e causa sobre a face da terra! E que
tremenda necessidade existe de que se ponha ênfase sobre essa verdade, em vista de altas
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pretensões e reivindicações dos episcopados históricos, das instituições eclesiásticas e dos
sistemas sacerdotais do passado e do presente!
Neste capítulo temos meramente passado uma vista dolhos na relação que o Espírito
Santo mantém para com as missões, em vários de seus aspectos; mas esperamos ter tido o
bastante para salientar a importância vital de reconhecer o legítimo direito que Ele tem, como
Aquele que é o único capaz de dotar cada obreiro e testemunha de Cristo com o todo-
essencial poder espiritual para o serviço, como também o Administrador-em-chefe do
movimento missionário em sua totalidade. Que necessidade há de que se O reconheça e
reverencie como tal, de que nos rendamos completamente a Ele, e de que procuremos
constantemente discernir a Sua mente e sermos dirigidos e impulsionados por Ele!
Nos dias que correm muito se ouve falar sobre estratégia, tino político, cooperação, e
coisas semelhantes, no terreno das missões, e muita ênfase é posta sobre organizações e
equipamentos de melhor qualidade, além de orientações e métodos mais conformes à época.
Sem intenção de desprezar essas coisas, todas as quais tem seu merecido lugar e valor,
aventuramo-nos a exprimir o temor que, nessas ênfases oculta-se o sutil perigo de substituir o
dinamismo divino pela mecânica humana, e de tentar levar a efeito a obra missionária de
conformidade com a sabedoria dos homens, ao invés de fazê-lo mediante o poder de Deus.
Desejamos relembrar memorável exemplo desse perigo. Há vários anos passados, foi
lançado um plano de cooperação, em escala gigantesca, visando o fomento das atividades
missionárias, e que tinha um alcance mundial. O orçamento, de tremendas proporções, seria
satisfeito por uma avaliação pro rata de todos os membros constituintes de todas as igrejas,
suplementado pela ajuda que se esperava fosse dada pelos "cidadãos simpatizantes" que ainda
pertenciam ao mundo. Foi estabelecido um grande escritório central, foram formadas
comissões regionais, e concentrações em massa foram levadas a efeito; porém, pouco depois
de um começo promissor, o projeto inteiro ruiu por terra, como que devido ao peso imenso de
que maquinaria por demais complicada. Apesar de que as boas intenções de seus promotores
estavam acima de qualquer dúvida, o esquema simplesmente não estava de acordo com os
princípios e métodos do Senhor, conforme estão revelados na Sua palavra; e assim sendo,
fracassaram redondamente.
Estamos profundamente convencidos de que o segredo da verdadeira benção e
sucesso, nas atividades missionárias, jaz em nível muito mais profundo do que todas as
considerações acima aludidas, e que necessidade primária do momento é o retorno aos
princípios e padrões iniciais, do Novo Testamento. As missões evangélicas não são um
tentame humano, mas antes, um empreendimento sobrenatural e divino, para o qual Deus
proveu poder e liderança sobrenaturais. Cremos firmemente que um maior reconhecimento da
pessoa e do ofício do Espírito Santo, que a disposição maior de prestar-Lhe humilde
deferência, e que o devotamento de maior dose de tempo, esperando em Deus, em oração,
para que se conheça a Sua mente e se seja dotado de Seu poder, e, paralelamente, de menos
tempo dedicado a comissões e conferências, com suas discussões mundanas e trocas de
opiniões humanas, daria em resultado uma poderosa revitalização de todo o movimento
missionário, com suas bênçãos e o progresso disso resultantes, em escala sem precedentes.
Os líderes e obreiros missionários, dos nossos dias, bem fariam em preocupar-se mais
em se atualizarem, no sentido de reverterem, em maior grau, ao alvo e à mensagem centrais
da Igreja primitiva, ao seu evangelismo agressivo, à sua simplicidade e fervor de espírito, ao
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seu poder espiritual, preocupando-se menos, paralelamente a isso, em se modernizarem no
que respeita a organizações, equipamentos, atrações novas, e coisas do mesmo jaez. De volta
aos princípios e à prática missionária do Novo Testamento, de volta a plena benção e ao
completo poder do Pentecoste - essa deveria ser a mais profunda preocupação e petição dos
nossos corações.
A chave do problema missionário é o genuíno reavivamento espiritual dentro da Igreja
de Cristo. Essa é a necessidade suprema de nossos dias, a única coisa que produzirá efeitos
duradouros. Defrontamo-nos com um mundo ainda quase totalmente por evangelizar, e com
uma civilização apenas nominalmente cristã, em nossas pátrias respectivas. Estamos dotados
de uma Igreja destituída de poder, falando-se de modo geral, com manifestações cada vez
mais altissonantes de apostasia no púlpito e com declínio espiritual entre os seus membros.
Defrontamo-nos com a necessidade de forças e recursos cada vez maiores, para enfrentar com
eficácia as oportunidades sem par que existem em quase todos os campos missionários. Não é
este um tempo em que orações incessantes deveriam estar alçando para o céu, rogando um
novo e poderoso derramamento do Espírito de Deus sobre a Sua Igreja, capaz de renovar sua
vida espiritual, revivificar sua visão e paixão missionária, conclamar para os campos da ceifa
que branquejam, a muitos recrutas cristãos talentosos e cheios do Espírito, e capaz de
derramar sobre os crentes nacionais a graça das contribuições e do espírito de intercessão,
para seu sustento material e espiritual? Dessa maneira é que seria novamente liberada a
onipotência de Deus, perante a qual cada obstáculo cairia por terra e cada força opositora se
tornaria inoperante, e aquela tarefa há muito protelada de chegarmos às extremidades da terra,
levando-lhes a mensagem da salvação, poderia então mover-se decisivamente para seu
cumprimento.
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Capítulo V
O APÓSTOLO PAULO E AS MISSÕES
Características salientes das missões neo-testamentárias,
exemplificadas por Paulo.
Se excetuarmos o Senhor Jesus Cristo, o grande missionário de Deus que desceu dos
céus a este mundo, o maior de todos os missionários que já houve, não há que duvidar, foi o
apóstolo Paulo. Isso é verdade se importar o prisma pelo o qual consideremos, quer olhemos
para a extensão de seus labores missionários quer nos voltemos para a intensidade de sua
paixão missionária, quer tomemos em consideração o impacto que exerceu sobre sua própria
geração ou a milenar influência de suas epístolas inspiradas. Os efeitos da vida e do
ministério desse homem, sobre o mundo inteiro, e para todos os tempos, são simplesmente
incalculáveis, e ultrapassam o poder de expressão das palavras.
Deus achou por bem conceder horas assinaladas a Paulo, proporcionando-lhe uma
posição sem paralelo na história missionária. Dois terços de todo o livro de Atos estão
devotados à narração de sua vida e esforços, e, se a autoria paulina da epístola aos Hebreus
for aceita, então catorze dos vintes e sete livros do Novo Testamento chegaram às nossas
mãos através de sua pena inspirada. Posto que Deus dessa maneira destacou esse apóstolo,
pondo-o em proeminência especial, temos boas razões para reservar-lhe um lugar importante
nos nossos pensamentos. E, crendo que Paulo, como missionário, exemplificou as
características mais destacadas do empreendimento missionário cristão, conforme são
ordenadas e exibidas nas páginas do Novo Testamento, propomo-nos, neste ponto, a abordar
algumas dessas características.
Sua Comissão Missionária
No livro de Atos achamos nada menos de três relatos separados da comissão de Paulo,
a saber, nos capítulos nono, vigésimo-segundo e vigésimo-sexto, todos os quais merecem
estudo minucioso. Um dos vários aspectos do caráter sem par da comissão de Paulo, foi o fato
que, quanto o tempo, tal comissão lhe foi dada ao mesmo tempo em que se converteu. Isso
certamente foge muito do comum, conforme a maioria dos missionários sem dúvida esta
pronta a testificar, se sobre isso forem inquiridos. O amargo inimigo de Jesus e cruel
perseguidor de Seus seguidores, que chegava até mesmo a aprisioná-los e entregá-los à morte,
foi subitamente alcançado pelo Cristo glorioso, quando se encontrava no caminho para
Damasco, munido de autoridade, delegada pelos líderes religiosos do judeus, para prender,
amarrar e arrastar para Jerusalém, para serem julgados, os discípulos cristãos que ali ele
pudesse encontrar. Derrubado por terra, ferido pela cegueira, ele ouve uma voz do céu, que
lhe perguntava: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" E então, em resposta a tal pergunta,
ele mesmo interroga: "Quem és tu, Senhor?" E o Senhor lhe responde: "Eu sou Jesus, o
Nazareno, a quem tu persegues". Tremendo e atônito, Saulo clama: "Que farei, Senhor?" E a
essa pergunta a réplica foi: "Levanta-te, entra em Damasco, pois ali te dirão acerca de tudo o
que te é ordenado fazer". A essa voz Saulo levanta-se, ainda sem nada poder enxergar, e pela
mão é conduzido a Damasco. Ali, um certo discípulo de nome Ananias, é enviado pelo
Senhor para tratar com ele. Ananias impõe as mãos sobre Saulo, cuja visão física lhe é
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imediatamente restaurada, e recebe ao Salvador, sendo batizado e ficando cheio do Espírito
Santo.
Essa; em suma, é a narrativa dada por Lucas no vigésimo-segundo capítulo de seu
segundo livro. Na repetição da narrativa de sua própria experiência, já no capítulo vigésimo-
sexto, Paulo declara mais explicitamente as palavras que lhe foram dirigidas por Cristo, do
céu, no tocante à sua comissão missionária, e a essa passagem é que faremos referência um
pouco adiante, ao discutirmos sobre a convicção missionária do grande apóstolo. Seja
observado nesta altura, entretanto, no que tange ao próprio incidente, que aquilo que envolve
a conversão de Paulo é mais simples e ordinário, enquanto que as características
extraordinárias e sem par dizem respeito à sua comissão ao serviço missionário.
No que se referia à sua conversão, um discípulo humilde foi enviado para falar-lhe e
orar com ele, guiando-o à luz, tal como em muitos outros casos de conversão. Porém, as
características totalmente diversas do incidente, a saber, a revelação de Cristo na glória, e Sua
mensagem pessoal a Saulo, parecem estar relacionadas particularmente ao seu chamamento e
comissão divina como apóstolo e testemunha de Cristo entre os gentios. Diferentemente dos
outros apóstolos, Paulo não fora discípulo de Cristo estando o Senhor ainda neste mundo,
nem ouvira dos Seus lábios a Grande Comissão que lhes foi dada antes de Sua ascensão. Nem
lemos que Ananias houvesse entregue a Paulo, em Damasco, uma cópia dessa Grande
Comissão, a qual já fora apresentada perante os demais apóstolos. Tão vital era o papel
ordenado pelo Senhor para Paulo, no grande cometimento da evangelização do mundo, que o
Cristo ressurreto viu ser mais conveniente aparecer-lhe especialmente, vindo da glória, a fim
de transmitir-lhe essa comissão direta e separada. A esse fato é que Paulo se refere
posteriormente, quando escreve aos crentes da Galácia: "Faço-vos, porém, saber, irmãos, que
o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o
aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo" (Gálatas 1:11,12). E outra
vez, para a igreja cristã de Corinto, onde havia certos indivíduos inclinados a por em dúvida o
seu apostolado, escreveu ele: "Não sou porventura livre? não sou apostolo? não vi a Jesus,
nosso Senhor" (I Coríntios 9:1).
Tal, pois, foi a chamada e comissão extraordinárias desse grande apóstolo. E o que
isso implica para nós, no dia de hoje? Devemos nós esperar uma experiência e um
chamamento e comissão similares, como requisito para nosso serviço missionário? Quanto à
sua realidade, inquestionavelmente a resposta é afirmativa, ainda que não quanto a todas as
suas características acompanhantes. Os aspectos sem iguais da comissão de Paulo se
reservavam exclusivamente a ele, e não precisam ser repetidos, e provavelmente jamais o
serão. Todavia, o paralelo espiritual é perfeitamente possível, e nesse sentido deve ser
esperado e buscado. Reveste-se de importância vital que todo homem ou mulher esteja
absolutamente certo da chamada e comissão divinas, antes que se lance à aventura de ir a
qualquer campo missionário. Sem essa certeza, estarão sujeitos ao desencorajamento e à
derrota, perante as dificuldades e testes que certamente serão encontrados. Cada missionário
dos nossos dias precisa do senso do chamamento e da comissão divina, de forma não menos
clara e certa que os de Paulo. E é privilégio de todos os escolhidos pelo Senhor, para tal
serviço, ter tal senso. O Cristo que clamou do céu, na época de Isaías: "A quem enviarei, e
quem há de ir por nós?", e que apareceu e falou a Saulo de Tarso, na estrada de Damasco,
continua revelando-se e falando aos homens, tornando conhecida a Sua vontade e plano para
suas vidas. Não mais o faz de forma visível ou com voz audível, mas antes, através de Sua
Palavra e de Seu Espírito.
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Na China antiga, era costumeiro que cada alto oficial, antes de partir para seu posto de
serviço, fosse a Pequim ter uma entrevista com o imperador, constituindo isso um selo
autoritativo de sua nomeação. Cada missionário da Cruz, semelhantemente, precisa de uma
"audiência" pessoal com Cristo, antes de partir para seu campo de trabalho, quando então
ouvirá de seu Senhor ressurreto e assunto ao céu a mesma mensagem que foi proferida a
Gideão, nos dias antigos: "Vai nessa tua força, e livra a Israel da mão dos midianitas;
porventura não te enviei eu?" Assim comissionado e confirmado em Sua chamada por aquele
que disse "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra", poderá enfrentar, com calma e
espírito imperturbável, cada circunstância ou dificuldade que ocorra.
Assim sucedeu a Paulo, conforme está amplamente atestado no livro de Atos. Quando
se defrontou com feroz oposição em Corinto, "Teve Paulo durante a noite uma visão em que
o Senhor lhe disse: "Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo
e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade" (18:9-10). E outra vez,
quando foi assaltado pela violência da turbamulta, em Jerusalém, e por pouco foi livrado por
um oficial romano e encerrado no castelo, "na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado
dele, disse: Coragem!" certificando-lhe segurança e benção continuada sobre seu ministério
(23:10,11). Mais tarde, quando de sua viagem para Roma, toda esperança humana relativa ao
escape da tempestade se dissipara; mas Paulo foi capaz de levantar-se e exortar aos seus
companheiros de viagem para que tivessem bom ânimo, "Porque", explicou ele, "esta mesma
noite o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo dizendo: "Paulo, não
temas; é preciso que compareças a César, e eis que Deus, por sua graça, te deu todos quantos
navegam contigo" (27:20-25).
Uma das primeiras lições, portanto, que o registro missionário de Paulo nos ensina, é a
importância vital, a todo missionário, tanto hoje como em qualquer outro dia, da certeza
inquebrantável de haver sido comissionado pessoalmente pelo Senhor, para o campo e a
tarefa para o qual se dirige. Sem essa certeza, não ousemos partir; mas com ela podemos
enfrentar, sem temor mas com coragem e confiança, tudo quanto estiver envolvido.
Sua Convicção Missionária
Sublinhando todos os esforços missionários de Paulo havia a intensa convicção de sua
responsabilidade, como crente, de tornar o evangelho conhecido de seus semelhantes, no
máximo de sua habilidade. Essa convicção se baseava na crença firmemente estabelecida da
condição de perdição eterna por parte de todos os homens, à parte da fé em Cristo como
Salvador. Em todas as suas epístolas inspiradas ele expressa repetidamente essa solene
verdade. Apenas algumas poucas, dentre muitas passagens, precisam ser citadas aqui, como
suficientemente conclusivas. Aos Coríntios, escreveu ele: "Mas, se o nosso evangelho ainda
está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto" (II Coríntios 4:3). Por duas vezes
ele se refere aos incrédulos, taxando-os de "os que se perdem" (I Coríntios 1:18; II Coríntios
2:15). Paulo descreveu os pagãos como "inimigos" (de Deus) no entendimento pelas vossas
obras malignas" (Colossenses 1:21); "filhos da ira" (Efésios 2:3); "filhos da desobediência"
(Efésios 2:2 e 5:6); "sem Cristo, separados da comunicação de Israel, e estranhos às alianças
da promessa não tendo esperança, sem Deus no mundo" (Efésios 2:12); e "alheios à vida de
Deus" (Efésios 4:17-19). Em sua epístola aos Romanos ele aborda de forma sistematicamente
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o pecado, segundo pode ser encontrado entre as diversas classes da humanidade, e apresenta
terrível acusação contra o mundo pagão por causa de sua idolatria, grosseira imoralidade e
desafio à luz da natureza e da consciência, que Deus deu a todos os homens, e pronuncia o
veredito final de culpa contra a raça humana inteira - tudo isso em preparação para introdução
do grande plano de redenção que Deus traçou por intermédio de Cristo, um plano de salvação
mediante a simples confiança nEle (capítulo 1-3). E então no décimo capítulo dessa epístola,
apresenta um argumento irretorquível sobre a necessidade da prédica do evangelho, a fim de
que os homens possam ouvir, crer e ser salvos (10:12-15).
Era à base dessa clara e firme persuasão, quanto à condição de perdição dos
incrédulos, em seus pecados, e quanto à completa necessidade do evangelho, como a única
esperança de salvação, que Paulo era impelido pelo avassalador senso de responsabilidade de
tornar Cristo conhecido àqueles que nunca tinham ouvido falar dEle. Essa convicção
missionária, segundo a temos denominado, ele a expressa em suas epístolas através de vários
termos, tais como devedor, encarregado, mordomo, testemunha, embaixador - palavras essas
que tem sondadoras implicações.
Sem tentarmos aqui abordar cada um desses termos, tomemos um deles como
exemplo, a saber, o termo, devedor, segundo é empregado por Paulo, em Romanos 1:14.
Escreve ele: "Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a
ignorantes; por isso, quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós
outros, em Roma". Não disse o apóstolo, "sou um benfeitor"; e menos ainda, "sou um herói".
Não tentava transmitir aos romanos a idéia que ao anunciar-lhes o evangelho, conferia-lhes
um grande favor e demonstrava-lhes uma generosidade de espírito fora de comum. Não, mas
tão somente afirmava ser um homem honesto, e assim sendo, estava pronto para pagar as suas
dívidas. Como que lhes dizia: "Devo-vos o evangelho, e, por isso, estou pronto para esforçar-
me ao máximo a fim de chegar até vós".
Em outras palavras, Paulo via as missões não como caridade, benevolência ou
filantropia, e, sim, como obrigação a desincumbir, como dívida a ser paga. Para ele, o
primeiro apelo das missões se dirigia à consciência cristã, e não meramente aos sentimentos
ou emoções. Por seu exemplo, tanto quanto por seu ensino, ele lançou o alicerce do autêntico
interesse e empenho missionários, sobre a base firme do dever, de responsabilidade. Em uma
de suas epístolas, escreve ele: "Se anuncio o evangelho, não tenho de que me glorificar, pois
sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho! Se o faço de
livre vontade, tenho galardão; mas, se constrangido, é, então, a responsabilidade de
despenseiro que me está confiada" (I Coríntios 9:16,17). Em outras epístolas ele se refere ao
"evangelho da glória do Deus bendito, do qual fui encarregado", e ao fato de haver sido
aprovado "por Deus a ponto de nos confiar ele o evangelho" (I Timóteo 1:11; I
Tessalonicenses 2:4).
Quão radicalmente difere a convicção missionária de Paulo do conceito popular sobre
as missões, e que com freqüência se encontra entre membros de igrejas em nossa época!
Parece que alguns pensam em missões como um mero passatempo, da parte de alguns poucos
indivíduos piedosos que, mui estranhamente, preferem "enterrar-se" em uma terra pagã
qualquer, fechando os próprios olhos para as vantagens pessoais e para as grandes
possibilidades em sua própria terra. Em geral há uma indiferença incrível e uma falta de
interesse que raia pelo absurdo entre os crentes professos, no que toca á tarefa missionária.
Quando muito, a maioria parece considerá-lo como benevolência, como gesto caridoso para
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com as pessoas menos privilegiadas de outras raças, e sobre cujo bem estar espiritual não se
tem a menor responsabilidade, de tal maneira que qualquer coisa que façam em favor delas,
pensem em ser algo meritório, como se fôra algo feito fora de sua esfera de dever.
Entre o ponto de vista de Paulo sobre as missões, para quem isso era uma dívida, e
essa opinião fácil de uma empresa caridosa ou beneficente, existe um mundo de diferença
prática. Uma dívida é algo obrigatório, constitui um direito anterior, e exige o máximo de
esforço e a totalidade de recursos para que o indivíduo se desincumba da mesma. A
benevolência, bem ao contrário, é uma questão secundária, que deve ser encarada com muito
menor seriedade, e que em regra geral requer apenas o tempo vago e o dinheiro extra do
homem benévolo.
Essa breve exposição sobre as convicções missionárias do apóstolo Paulo, leva-nos
face a face com a questão extremamente prática de nossa própria atitude para com as missões,
não meramente por expressões sentimentais, mas por esforço real envidado. Se Paulo era um
devedor, seremos nós menos do que devedores? Foi-lhe dada a responsabilidade, como
despenseiro do evangelho, como mordomo das riquezas espirituais para ser compartilhada por
outros, e não semelhante dada a nós? Será que somente Paulo foi constituído testemunha,
embaixador de Cristo, enquanto que nós estaríamos isentos de comissão similar? Certamente
que o testemunho franco e o exemplo nobre desse grande servo de Cristo deveria impelir
todos os verdadeiros crentes a que reconheçam sua responsabilidade, que Deus lhes outorgou,
e procurem eximir-se da mesma, em favor dos milhões de pecadores que ainda jazem nas
trevas e na sombra da morte.
Sua Mensagem Missionária
Nenhuma característica de Paulo, o missionário, que exemplifique os elementos
essenciais das missões neo-testamentárias, é maior em importância do que a sua mensagem.
Essa mensagem era totalmente distintiva: era o evangelho, as "boas novas" sobre o Salvador
do mundo, que o anjo anunciou na noite de Seu nascimento (Lucas 2:10), o evangelho que
Jesus declarou, ao iniciar o Seu ministério público em Nazaré (Lucas 4:18). Ao escrever para
os Coríntios, Paulo afirmou francamente que "...me enviou Cristo... para pregar o evangelho"
(I Coríntios 1:17), e passou então a definir o evangelho na mais clara e mais explícita
linguagem: "Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no
qual ainda perseverais; por ele também sois salvos... que Cristo morreu pelos nossos pecados,
segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
Escrituras" (I Coríntios 15:1-4). Essa mensagem - a declaração da morte expiatória de Cristo
sobre a cruz e de Sua ressurreição - era o tema constante do apóstolo Paulo, bem como da
Igreja primitiva, conforme está registrado no livro de Atos. Sobre esse evangelho, ele
declarou ousadamente que não se envergonhava do mesmo, posto tratar-se "do poder de Deus
para salvação de todo aquele que cre" (Romanos 1:16), e solenemente advertiu contra um
"outro evangelho", que não é realmente outro evangelho, mas mero simulacro do legítimo
evangelho de Cristo, e adicionou: "Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos
pregue evangelho que vá além daquele que recebeste, seja anátema" (Gálatas 1:6-8).
Sim, Paulo e seus colegas missionários dos tempos do Novo Testamento, eram
"dogmáticos" quanto à sua mensagem. Proclamavam a "Jesus Cristo, e este crucificado", e
testificavam sobre Sua gloriosa ressurreição e Sua exaltação, da parte de Deus, como Príncipe
e Salvador. Semelhantemente, insistiam em fazer do evangelismo direto e agressivo o coração
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e o centro de seu programa missionário. E com toda razão, pois assim fazendo, estavam
apenas pondo em obras as condições específicas da Grande Comissão de Cristo, que diz: "Ide
por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura". Dotados dessa mensagem e desse
método, obtiveram resultados que transcenderam àqueles de qualquer outra geração
subseqüente. Outrossim, todas as maravilhosas transformações morais e espirituais, de
indivíduos, comunidades e tribos, que tem ocorrido desde então, no campo mundial das
missões, tem sido fruto dessa mesma mensagem, desse mesmo evangelismo.
Nas missões modernas, a Coréia tem brilhado como fulgurante exemplo para todos os
demais campos missionários por causa do admirável sucesso do trabalho e do crescimento
fenomenal da Igreja de Cristo naquele país.
Entretanto, qualquer pessoa familiarizada com os fatos poderá deixar de reconhecer
que a inquebrantável fidelidade dos missionários na Coréia ao verdadeiro evangelho, e sua
lealdade, desde o princípio, a uma orientação e programa de evangelismo vigoroso,
concebidos como sua atividade primária, têm sido os principais fatores, debaixo de Deus, na
obtenção dessa rica benção e frutificação. Um proeminente líder evangélico, coreano de
nascimento, dirigindo-se ao Concílio Evangélico Nacional da Coréia, falou como segue: "A
ênfase principal de nosso trabalho deve ser o evangelismo. Regozijamo-nos com o fato que o
evangelho tem mostrado ser o poder de Deus para transformar, purificar e enobrecer as vidas
das multidões coreanas... Acreditamos que a suprema necessidade de nossos dias é que se
saliente novamente a pregação do próprio evangelho, especialmente no que concerne ao
esforço pessoal para conduzir os perdidos a Cristo".
Se o programa apostólico levado a efeito na Coréia, houvesse sido geralmente adotado
em todos os campos missionários, o certo é que os resultados, hoje em dia, seriam
infinitamente maiores do que são, e que os problemas do mundo estariam muito mais
próximos da solução.
Que diversos métodos missionários podem ser empregados corretamente, para
enfrentar as diferentes situações, é abertamente admitido; mas todos esses métodos tem de ser
testados por seu espírito evangelístico e por seu motivo compelidor de ganhar almas para
Cristo e edificá-los na fé em Sua pessoa. Temos a ousadia de afirmar que nenhum missionário
que falhe, de alguma maneira real não tornando conhecido o único evangelho da graça e
poder salvadores de Deus, em Cristo Jesus, pode ser designado com justiça de missionário
cristão, sem importar a sua posição e sem importar o que ele faça para o benefício material,
intelectual ou social dos pagãos. Quando um professo missionário do evangelho, troca o
evangelho por mero anúncio de ensino ético, melhoramento da humanidade e elevação social,
não passa de um farsante, de um provocador de tragédias espiritual, jamais podendo colher
resultados dignos e permanentes.
Ao assim asseverarmos, temos plena consciência de que existem aqueles que teimam
ser necessária uma mensagem de escopo maior do que o do evangelho simples, ser necessário
algo que aborde os problemas políticos, civis, industriais e econômicos. Afiançam-nos que
nos avançados dias da era moderna, a ênfase deveria ser transferida do indivíduo para a
comunidade, e que o serviço social e a difusão de um espírito expansivo de solidariedade
humana acertam mais com as necessidades de nossa época do que a pregação de qualquer
dogma particular. De conformidade com esse ponto de vista, foi cunhada a expressão
"evangelho social", a qual está muito em voga em certos círculos. Deploramos o fato da
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grande palavra "evangelho" receber o sufixo "social", ou qualquer outro adjetivo delimitador,
com a idéia de assim melhorar o termo bíblico, e protestamos energicamente contra isso. O
missionário evangélico autêntico conhece um único evangelho, aquele que foi definido pelo
inspirado apóstolo Paulo. Eles reconhecem plenamente as implicações sociais, industriais,
políticas e todas as demais implicações do evangelho. Mas era sua convicção firme que o
meio mais potente, e de fato o único meio de qualquer valor permanente, de fertilizar essas
diferentes áreas de nossa vida coletiva - a social, a industrial, a política, e todas as outras -
elevando-as para um nível superior e mais puro, e de tornar as relações humanas como devem
ser, na fábrica, na vizinhança ou na nação inteira, é a conquista de indivíduos para a nova
vida que há em Jesus Cristo, o Salvador.
Portanto, a aderência fiel, da parte de todo o missionário da atualidade, à mensagem
missionária de Paulo - "o evangelho" - a qual, segundo ele mesmo declarou com clareza, "não
é segundo o homem", mas foi-lhe ensinada "mediante revelação de Jesus Cristo" (Gálatas
1:11,12), e o retorno a essa mensagem, da parte de qualquer grupo ou indivíduo que dela se
tenha afastado, são as necessidades vitais destes nossos dias.
Sua Ambição Missionária
Essa ambição o apóstolo Paulo expressou como segue, em seu escrito aos romanos:
"...esforçando-me deste modo por pregar o evangelho, não onde Cristo já fôra anunciado, para
não edificar sobre fundamento alheio; antes, como está escrito: Hão de vê-lo aqueles que não
tiveram notícia dele, e compreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito" (Romanos
15:20,21).
Paulo não se contentava meramente em unir-se às fileiras de outros obreiros
evangélicos, nos campos nacionais, onde tantos já se encontravam atarefados. Pois possuía
grande espírito pioneiro, que ansiava por atingir muito além das fronteiras do esforço
existente e das áreas "ocupadas", querendo antes invadir territórios novos com o glorioso
evangelho, a fim de levantar o pendão da cruz em solo virgem, onde o nome de Cristo jamais
fora ouvido. "As regiões além" era o lema desse esplêndido missionário, o dístico desse "bom
soldado de Cristo Jesus", que nunca parou para calcular o quanto lhe custaria esse serviço,
mas que anelava tão somente por "agradar àquele que o alistara como Seu soldado". Que
nobre ambição! Que desafiante exemplo para outros! Oxalá muitos outros jovens crentes o
imitassem!
A história está repleta de casos de elevadas ambições, que chegavam mesmo a ser
paixões consumidoras, de conquista militar e expansão de impérios. Lembramo-nos de um
Alexandre, de um Xerxes, de um Kublai Khan, de Júlio César, de Napoleão, para não
mencionarmos outros de períodos mais recentes. Também houve aqueles que foram
consumidos pela ambição da exploração geográfica. Quantas vidas se perderam, e que
fabulosas somas em dinheiro foram gastas, em expedições para atingir o Polo Norte e o Polo
Sul, ou para escalar até os maiores picos dos Himalaias! Porém, por mais dignas ou indignas
que tenham sido essas diversas aventuras e empreendimentos, todas elas empalidecem em sua
insignificância, perante o sublime alvo e finalidade das missões do cristianismo bíblico - a
expansão das fronteiras do reino celestial, a proclamação do Cristo até as extremidades da
terra, a conquista de milhões de homens e mulheres de infinitas potencialidades, mas que
estão impotentemente mergulhadas no atoleiro do pecado, da degradação e da miséria, com o
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fito de soerguê-las, mediante o conhecimento de um Salvador que nos proporciona uma nova
vida de pureza, de regozijo e de esperança eterna.
É difícil entendermos como a alma da juventude evangélica não requeima de santa
ambição, nascida de uma amorosa lealdade a Cristo e da profunda compaixão pelos perdidos
e pelas multidões que sofrem, a fim de que dediquem os jovens as suas vidas, com todos os
seus talentos e capacidades que Deus lhes outorgou, tendo em vista essa maior e mais nobre
de todas as causas do mundo, isto é, a de pregar o evangelho nas regiões além, onde o nome
de Cristo ainda não foi ouvido. Cada região "desocupada", cada tribo ou comunidade ainda
não evangelizada no mundo de hoje, mais de mil e novecentos anos depois que a Grande
Comissão foi dada, é uma triste repreensão e um opróbrio para o justo nome de Cristo, e
reflete vergonhosamente a incúria da Igreja, que professa lealdade a Ele. As palavras do
Senhor a Israel, anos depois de haverem entrado na terra prometida, são perfeitamente
aplicáveis à Sua igreja de hoje, com referência à "terra prometida" das missões de
conformidade com o dizer de Salmos 2:8, "Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as
extremidades da terra por tua possessão", e de Josué 13:1;18:3: "...ainda muita terra ficou
para se possuir... até quando sereis remissos em passardes para possuir a terra que o Senhor
Deus de vossos pais vos deu?"
Um ex-missionário, nas fronteiras do Tibete, escreveu essas mui impressionantes
palavras: "Os olhos dos crentes deveriam voltar-se tão instintivamente para as terras fechadas
ao evangelho, nesta época missionária, como se voltam os olhos de um exército conquistador
para com os poucos postos avançados do inimigo, que ainda resistem aos vitoriosos e
impedem uma vitória completa, e sem o que o comandante-em-chefe é incapaz de encerrar a
campanha".
Sua Carreira Missionária
A área geográfica coberta pelos labores missionários do apóstolo Paulo é
verdadeiramente assombrosa, e tanto mais quando levamos em consideração os tempos em
que ele viveu. Um breve sumário de suas viagens nos é oferecido no décimo-quinto capítulo
da epístola aos Romanos, onde, após humilde e grata referência à infinita graça de Deus, por
motivo da qual lhe foi confiado o ministério do evangelho entre os gentios, passa o apóstolo a
escrever: "Porque não ousarei discorrer sobre coisa alguma senão daquelas que Cristo fez por
meu intermédio, para conduzir os gentios à obediência, por palavra e por obras, por força de
sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo; de maneira que, desde Jerusalém e
circunvizinhanças, até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo... Essa foi a razão
porque também muitas vezes me senti impedido de visitar-vos (isto é, os de Roma). Mas
agora, não tendo já campo de atividade nestas regiões, e desejando há muito visitar-vos,
penso em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que de passagem estarei
convosco e que para lá seja por vós encaminhando... Mas agora estou de partida para
Jerusalém a serviço dos santos... Tendo, pois, concluído isto, e havendo-lhes consignado este
fruto, passando por vós, irei à Espanha" (versículo 18-28).
Procuremos apreender, preferivelmente com o auxílio de um mapa à nossa frente, a
extensão do território incluído na declaração acima. Primeiramente, "...desde Jerusalém e
circunvizinhanças, até ao Ilírico..." escreveu Paulo. Seu itinerário levou-o em direção ao
norte, desde Jerusalém atravessando a Palestina e a Síria; dali para o noroeste, através das
várias divisões proconsulares da Ásia Menor; então através do mar Egeu até à Macedônia;
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desse ponto à Acaia (Grécia), na direção sul; e, finalmente, para o noroeste novamente, até ao
Ilírico, a região atualmente conhecida pelo nome de Albânia, que fica na margem oriental do
mar Adriático, defronte da Itália. Entretanto, Paulo também mencionou sua esperança
posterior de visitar Roma, e fazer de Roma um degrau para atingir a longínqua Espanha, que
fica nos confins ocidentais da Europa.
No que diz respeito a Roma, sabemos perfeitamente bem que Paulo não apenas atingiu
aquela grande metrópole, mas também passou ali alguns anos, como prisioneiro, e finalmente
sofreu a morte de mártir.
Também há ótimas evidências que apóiam os estudiosos mais cautelosos da Bíblia de
que o apóstolo foi solto após o período de dois anos de encarceramento, tendo permanecido
em liberdade por vários anos, durante o qual tempo revisitou a Ásia Menor e a Macedônia, e
levou a efeito seu longamente desejado propósito de visitar a Espanha. Aceitando isso como
verdade, o escopo dos movimentos e realizações desse único homem, como missionário, é
totalmente sem procedente e sem paralelo em todos os anais das atividades missionárias. Pois
não nos esqueçamos que Paulo viveu muitos séculos antes da existência de qualquer dos
modernos meios de transporte. Em seus dias não havia estrada de ferro, nem navios a vapor,
nem automóveis, nem aviões, nem facilidades de comunicação como o telégrafo, o telefone
ou a televisão. Suas longas viagens por terra eram árduas e fatigantes, feitas em estradas
inadequadas a pé ou em lombos de animais de carga, enquanto que suas viagens marítimas
foram cruas, destituídas de todo conforto, em embarcações lentas, impulsionadas a vela, onde
arriscou a própria vida, como na única instância registrada de uma viagem marítima por ele
feita, no livro de Atos.
Um bem conhecido biógrafo de Paulo, discutindo sobre uma de suas diversas jornadas
missionárias, afirma que "em seus resultados, ultrapassou em muito à expedição de
Alexandre o Grande, quando levou as armas e a civilização gregas até o coração da Ásia, ou à
de César, quando desembarcou nas praias britânicas, ou até mesmo à viagem de Colombo, ao
descobrir o novo mundo. O mundo inteiro passou a ser diferente do que teria sido, por causa
do que Paulo fez enquanto servia a Cristo como missionário no estrangeiro. Tornou todas as
nações suas beneficiárias".
Dentre todos os missionários que tem vivido desde os dias de Paulo, quiçá aqueles que
podem ser considerados como os que mais perto chegam dele, como referência à extensão de
operações e magnitudes de realizações, sejam Francisco Xavier, intenso frade jesuíta do
século XVI, Guilherme Carey que foi à Índia, e que é o "Pai das Missões Modernas", Davi
Livingstone, príncipe dos exploradores e missionários pioneiros da África, e João Guilherme,
"Apóstolo dos Mares do Sul". Porém, muito acima até mesmo desses grandes heróis
missionários, impõe-se a figura sem par e incomparável do apóstolo Paulo.
Seus Sofrimentos Missionários
Parte do desejo de Paulo, em suas orações expresso, e que ele transcreve em
Filipenses 3:10, era "para o (Cristo) conhecer... e a comunhão dos seus sofrimentos..." A
abundante medida em que esse anseio foi satisfeito, é atestado pelas suas experiências
registradas. Tomemos, por exemplo, o impressionante epítome que aparece no décimo-
primeiro capítulo de II Coríntios: "São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda
mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos
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de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um;
fui três vezes fustigado com varas, uma vez apedrejado, em naufrágios três vezes, uma noite e
um dia passei na voragem do mar; em jornadas muitas vezes, em perigos de rios, em perigos
de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em
perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e
fadigas, em vigílias muitas vezes; em fome e sede, em jejuns muitas vezes; em frio e nudez.
Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas
as igrejas" (versículos 23-28).
Outras passagens poderiam ser citadas, tais como I Coríntios 4:9-13 e II Coríntios 4:8-
12, e que nos fornecerem mais algum discernimento nos sofrimentos da carreira missionária
do apóstolo, enquanto que fala bem alto e por si mesmo o fato admirável que metade de todo
o seu período de serviço foi passado na prisão. Chegamos, então, ao clímax de seu longo
registro de sofrimentos, ao encostar a cabeça no tronco, condenado pelo cruel imperador
Nero, e morreu como mártir em prol de Jesus Cristo. Se, para o raciocínio humano, tudo isso
parecesse errôneo e inadequado, notemos que a própria chamada de Paulo ao serviço
missionário foi vazada em termos de sofrimento. As palavras que o Salvador assunto ao céu
dirigiu a Ananias, a respeito de Saulo de Tarso, não foram: "...eu lhe mostrarei quanto lhe
importa realizar...", mas antes, "...eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu
nome..." (Atos 9:16).
Tudo isso serve para corrigir a idéia popular mas totalmente errada, de que o
sofrimento, na vida e labor missionários, deve ser reputado como algo extraordinário e
acidental, pertencente mais à natureza de infortúnio. Apesar de que, segundo o ponto de vista,
isso poderia ser considerado sob tal prisma, a Palavra de Deus revela claramente que o
sofrimento não é nem acidental nem meramente incidental, mas realmente faz parte do
programa traçado quanto às missões, desde o princípio até o fim. Jesus, o "missionário
mundial" de Deus, e maior de todos os sofredores, disse aos Seus discípulos: "Se me
perseguirem a mim, também perseguirão a vós outros" (João 15:20), e novamente: "Eis que
eu vos envio como ovelhas para o meio do lobos" (Mateus 10:16). No livro de Atos, aquele
registro inspirado sobre o início das missões e modelo cristãos, para todas as gerações
subseqüentes, deparamos insultos, violência, perseguição, aprisionamento e martírio
estampados em cada uma de suas páginas, da primeira à última. Essas coisas não eram meras
exceções à regra, mas antes, a norma da experiência missionária dos apóstolos. Aqueles
primeiros missionários evangélicos aceitaram-nas como tal, e também nunca lhes ocorreu
que, por causa de seus sofrimentos e perigos, devessem suspender suas operações ou diminuir
o seu ímpeto evangelístico. Pelo contrário, "eles se retiraram do Sinédrio, regozijando-se por
terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome" (5:41). Quando sua
detenção foi afrouxada pelas autoridades, foram ameaçados, entretanto, pelas mesmas, do que
sofreriam ainda mais violenta punição se não desistissem, a oração que fizeram não visava a
vindicação deles, nem solicitava vingança, nem pediram que ficassem isentos de maiores
maus tratos, mas tão somente rogaram força e coragem para prosseguirem impávidos, como
bons soldados de Cristo, para cumprirem seu ministério, qualquer que fosse o custo que
tivessem de pagar (4:29).
O próprio Paulo, em sua última viagem a Jerusalém, quando lhe foram dadas claras
indicações de que o esperavam "cadeias e tribulações" naquela cidade, respondeu: "...em nada
considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o
ministério que recebi do Senhor Jesus..." (20:24). E, escrevendo posteriormente à igreja de
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Filipenses, disse ele: "Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não
somente de crerdes nele" (Filipenses 1:29).
As missões cristãs, desde os tempos de Paulo tem apresentado um contínuo registro de
sofrimento e sacrifício. As ruínas do milenar Coliseu, em Roma, ainda dá testemunho
silencioso sobre aqueles primitivos mártires, os quais foram lançados à fúria das feras, como
também o fazem as catacumbas, as quais falam das centenas de milhares de crentes fiéis que
buscaram refúgio nas mesmas, na tentativa de escaparem de seus cruéis perseguidores, e que
posteriormente morreram e ali foram sepultados. Se o espaço nos permitisse tanto, uma lista
quase interminável poderia ser dada acerca dos mais recentes arautos da cruz, através do
mundo, cuja obediência à Grande Comissão envolveu para eles tratamento cruel e sofrimento
de todas as modalidades, até o ponto de muitos terem finalmente selado o seu testemunho
com o próprio sangue.
Podemos relembrar o caso de Reimundo Lull, apedrejado até à morte por uma turma
de muçulmanos; de Adoniram Judson, que foi deixado por muito tempo em uma imunda
prisão em Burma; de Livingstone, que suportou dificuldade sem precedentes e a mais amarga
oposição da África; de Mackay, cruelmente perseguido, e de Hanniington, barbaramente
assassinado na Uganda. Lembramo-nos de João William e dos outros mártires de Erromanga,
de Tiago Chalmers, que foi espancado até morrer por um selvagem de Nova Guiné, do bispo
Patteson, que sofreu morte idêntica na Melanésia, e também de Allen Gardine e seus seis
bravos companheiros, que pereceram de fome numa praia desolada da Terra do Fogo. O
fático "Ano dos Boxers", da China, que envolveu o morticínio horrendo de 189 mártires
missionários protestantes, ainda é fato bem vivo na memória de todos. Todos esses são
apenas alguns poucos dentre um exército de nobres homens e mulheres que, na qualidade de
embaixadores de Cristo entre os pagãos, "...mesmo em face da morte, não amaram a própria
vida" (Apocalipse 12:11). Incontáveis outros, que não foram convocados a sofrer o martírio
no sentido literal, não tem sido soldados de Cristo menos valorosos, mantendo-se sempre
firmes e corajosos, através de longos e penosos anos, na extensa linha de batalha das missões,
enfrentando dificuldades, oposições, perigos e provações de toda sorte.
Que diremos em face de tudo isso? Alguns talvez considerem todas essas experiências
adversas apenas como infortúnios inteiramente inevitáveis, ligado à vida missionária, que
devem ser recebidos estóicamente; enquanto que outros chegam ao extremo oposto de repetir
a pergunta de alguém dos tempos antigos: "Qual o propósito deste desperdício?" Um exame
cuidadoso do registro bíblico, contudo, revela o fato que aquilo que chamaríamos de
empecilhos, em realidade foram possessões proveitosas.
Abrindo nossas Bíblias primeiramente no livro de Atos, quase no princípio
encontramos o apedrejamento de Estevão, o primeiro mártir cristão. Esse foi um golpe
desfechado por Satanás, que pretendia esmagar o movimento missionário do evangelho ainda
em sua fase inicial. Porém, bem contrariamente a isso, a chama do evangelho, longe de ser
extinta apenas se dividiu em muitas para rebentar por toda parte. Por isso é que lemos:
"Entrementes os que foram dispersos iam por toda a parte pregando a palavra" (8:4). Em
resultado dessa propagação, creu grande multidão dentre os habitantes da própria Jerusalém, e
a obra de evangelização se disseminou por muitos lugares distantes. Não teria sido bem
possível, de fato, que o martírio de Estevão serviu de primeiro degrau na conversão do futuro
grande apóstolo Paulo? Isso é sugerido pela tocante referência de Paulo, em Atos 22:20,
aquele acontecimento e sua vinculação pessoal ao mesmo. Ficamos a perguntar se Timóteo,
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o mais brilhante convertido e mais leal companheiro de luta, não teria sido fruto do
apedrejamento que o apóstolo sofreu em Listra, a cidade natal de Timóteo. De qualquer
maneira, sabemos que a conversão do carcereiro de Filipenses e de seus familiares resultou
diretamente do castigo de açoites e aprisionamento a que foram sujeitados Paulo e Silas, o
que nos é narrado no capítulo décimo-sexto de Atos. E, quanto mais tarde, o idoso guerreiro
cristão se aproximava de sua morte de mártir, escreveu ele em outra prisão, à congregação
cristã daquela própria cidade de Filipos, que tivera origem com seus sofrimentos, testificando
que "...as coisas que me aconteceram tem antes contribuído para o progresso do evangelho; de
maneira que as minhas cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda a guarda
pretoriana e de todos os demais" (Filipenses 1:12,13 ). O método que Deus usou para que o
evangelho fosse anunciado ao orgulhoso e ímpio imperador de Roma, e a toda a sua corte, foi
utilizar-se dos sofrimentos do Seu missionário, que culminaram com seu martírio.
Citando apenas mais uma outra instância, no livro de Atos, que nos mostra o fruto do
sofrimento, voltando-nos para o décimo-segundo capítulo, que narra o encarceramento de
Pedro e como escapou por um triz, através da oração confiante que solicitava do Senhor o
prosseguimento da obra de evangelização. Ali lemos que Herodes, o perseguidor da Igreja,
"...comido de vermes, expirou", ao mesmo tempo que "...a palavra do Senhor crescia e se
multiplicava". Aqui, uma vez mais, vemos os sofrimentos missionários não meramente
neutralizados por Deus, mas transformados em benção positiva e vantagem para a causa do
Senhor.
Ilustração sobre o papel do sofrimento, no avanço missionário, cobrem milhares de
páginas de toda a história cristã subseqüente, até os tempos presentes. Apenas algumas
poucas podem ser aqui citadas, relacionadas respectivamente aos mares do sul, à África e à
China.
Foi no ano de 1839 que João William, apodado de "Apóstolo dos Mares do Sul", após
uma maravilhosa carreira de evangelização em outras ilhas, desembarcou nas praias da ilha de
Erromanga, ocupada por canibais, somente para ser espancado pelo cacete de um selvagem
brutal. Porém, apenas anos mais tarde, um dos filhos do assassinado foi visto lançando a
pedra fundamental de um templo em memória do mártir, naquela mesma ilha... que outro de
seus filhos pregava o evangelho por causa do qual.... A história das missões evangélicas em
Uganda está repleta de negras tragédias que terminaram por culminar em um glorioso triunfo.
Os primeiros missionários defrontaram-se com feroz oposição, e vários deles, juntamente
com muitos dos seus convertidos, foram brutalmente mortos. Alexandre Mackay, o mais bem
conhecido desses pioneiros, morreu em 1890, perante o adversário, tendo-lhe sido permitido
ver pouco fruto de seus esforços heróicos. Porém, apenas vinte e nove anos depois, duas mil
congregações e uma comunidade evangélica de mais de cem mil pessoas, davam testemunho
à frutificação desses labores que importaram em tanto sacrifício. Em 1919, foi erigida a
catedral de Kampala, o maior templo da África inteira, e quando de sua dedicação ficou
repleto, e mais vinte mil pessoas ficaram do lado de fora, incapazes de acesso ao mesmo. E
dessa forma a Uganda, que antes era chamada de trecho mais negro da África, foi
transformado no seu ponto mais brilhante.
Voltando-nos em seguida para a China, observamos a seqüência depois daquele
morticínio em massa de missionários, assassinados pelos Boxers, em 1900, a que já fizemos
alusão. Quando apenas sete anos mais tarde, foi efetuada em Xangai a Conferência
Centenária das Missões Protestantes da China, descobriu-se que para cada missionário
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martirizado em 1900, mil convertidos haviam sido recebidos nas igrejas evangélicas, e os
resultados visíveis, em termos de convertidos batizados, nos sete anos que se seguiram ao
levante do Boxers, em realidade duplicaram em confronto com as cifras dos noventa e três
anos procedentes daquele mesmo século.
Talvez nenhuma ocorrência missionária, em anos recentes, tenha provocado
sentimentos tão generalizados como o assassínio de João e Isabel Stam, da Missão da China
Interior. Foram capturados e decapitados pelos sanguinários revoltosos comunistas, em 1934.
Amáveis e plenos de promessas como eram suas vidas jovens, sua morte de mártir contribuiu
mais para Cristo e Sua causa, na China, do que qualquer serviço prolongado sobre a terra
poderia ter feito. O que o mundo chamou de tragédia, mas que o biógrafo do casal
acertadamente denominou de triunfo, perceptivelmente avivou o pulso do interesse
missionário, na América do Norte e em outros países, e levou vintenas, se não mesmo
centenas de jovens crentes a se dedicarem ao serviço missionário.
O constantemente repetido refrão de que o sangue dos mártires é a semente da Igreja
tem provado, por milhares de vezes, ser não meramente um chavão, mas, bem ao contrário,
uma verdade viva e pulsante. Por muitas e muitas vezes Deus achou por bem obter grandes
vitórias, nos campos missionários, através da adversidade da oposição amarga e até mesmo
do martírio cruel, e que nos pareceria ser impossível de conseguir por intermédio de meios
que convencionamos chamar de processos normais da obra missionária. Cabe aos seus
servos, portanto, deixar em Suas mãos a escolha, preocupando se eles tão somente em serem
"bons soldados de Cristo Jesus", sempre prontos a glorificá-Lo, quer através da vida ou da
morte, sem importar o que o amor e a sabedoria inerrantes de Deus venham a prescrever para
nós.
Sua Paixão Missionária
Já tivemos ocasião de afirmar, neste capítulo, que os esforços missionários de Paulo
não dependiam de qualquer base sentimental, fraca e hesitante como seria fatalmente, mais
antes, sobre o terreno sólido de uma convicção consciente; e que ele via as missões
evangélicas não como mera filantropia ocasional, mas antes, como uma obrigação
inarredável, que tinha de ser cumprida. Porém, estaria longe da verdade interpretar isso como
uma atitude inflexível e legal da sua parte, despida de quaisquer sentimentos. O apelo das
missões falava não só à sua consciência, mas igualmente ao seu coração. Uma vez convicto
que era devedor a todos os homens, e que lhe competia anunciar-lhes o evangelho, ele
correspondeu de todo o coração, conforme expressa no que escreveu: "...por isso, quanto está
em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma" (Romanos
1:15). Dessa maneira, a convicção missionária amadureceu e se transformou em paixão
missionária, que tomou conta da sua alma e que se extravasava em esforço que raiava pelo
sacrifício.
Escutai as apaixonadas palavras de sua epístola aos Romanos: "Irmãos, a boa vontade
de meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles é para que sejam salvos" (Romanos
10:1); "Digo a verdade em Cristo, não minto... que tenho grande tristeza e incessante dor no
coração; porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus
irmãos, meus compatriotas, segundo a carne" (Romanos 9:1-3). Ou novamente, as suas
palavras aos crentes de Corinto: "Pois o amor de Cristo nos constrange" (II Coríntios 5:14).
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"Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol das vossas almas" (II
Coríntios 12:15).
Conforme exprimem em seus escritos expressões como essas, e muitas outras, o
serviço missionário do grande apóstolo aos gentios era motivado pelo espírito de fervoroso
amor e lealdade a Cristo, seu Senhor e Salvador, bem como de profunda compaixão pelas
almas, por quem Cristo morreu a fim de redimir. Nisso como muitas outras coisas, Paulo
fornece um exemplo que bem que poderia ser seguido por todos os missionários da
atualidade. Sempre há o perigo de nos tornarmos profissionais e quase mecânicos em nosso
serviço cristão, quer nos campos missionários, quer em nossas próprias pátrias, bem como de
pensarmos e agirmos em termo de algum programa ou empreendimento particular, com o
qual estejamos familiarizados, tornando-nos algo parecido como meros dentes úteis das rodas
de uma máquina. Quão necessária é a renovação constante, no coração do crente, do amor
compassivo em favor das almas, e do zelo ardente para as conquistarmos para o Salvador!
Sem isso, nosso ministério certamente fracassará, não obtendo sua mais verdadeira e elevada
finalidade.
A citação que damos a seguir é impressionante por tocar sobre esse fato tão vital. Foi
tirada de uma mensagem entregue perante uma classe de estudantes que treinavam para a
carreira ministerial: "A dificuldade que há no cristianismo atual não é tanto a ignorância
como a indiferença. Perdeu a sua paixão. Encontrareis um elevado tipo de erudição ao vosso
derredor. Os pregadores de hoje em dia ganham em elegância e refinamento em contraste com
os de qualquer outra época, porém, é mister mais do que cultura e eloqüência. Através de
todas as eras, foram as almas apaixonadas que despertaram favoravelmente os homens:
homens de paixão forte, como a de Moisés quando clamou a Deus para que perdoasse o povo
do seu pecado,"ou, se não, risca-me, peço-te, do livro que escreveste"; como a paixão que
havia no coração de Paulo, à meia noite, na prisão interior; como a paixão, nos primeiros anos
do cristianismo, que alimentava as fogueiras da perseguição, jamais considerando a própria
vida como algo de precioso a si mesmo. A paixão prevalece quando o intelecto falha sem a
mesma... Que vossas palavras sejam incandescentes de calor, saídas de um coração em fogo,
abrasadas de amorosa devoção. Que possais ser "Arautos da Paixão!"
"Arautos da Paixão" - que título notável! No entanto, cabe perfeitamente bem ao
apóstolo Paulo, conforme fica abundantemente revelado no livro de Atos e nas epístolas
paulinas. Ora, existem outros, dotados de atitude idêntica, cujos nomes nos sobem à memória.
Ouvimos o conde de Zinzedor a exclamar: "Tenho uma única paixão - Ele, e somente Ele".
Escutamos o clamor de Henrique Martyn, ao saltar pela primeira vez na Índia: "Agora, que eu
requeime em favor de Deus". Sentimos algo da paixão da alma de Livingstone pela África
negra, e suas palavras: "Abrirei um caminho para o interior, ou perecerei"; ou demos ouvido à
expressão similar de Hudson Taylor, pela terra de Sinim, quando escreve: "Sinto como se
fosse impossível a vida, se algo não for realizado na China". E apanhamos algo de férvido
espírito de Davi Brainerd na anotação que fez em seu diário: "Queria gastar a minha vida em
Seu serviço, visando a Sua glória... não me importava sobre onde ou sobre como eu vivia, ou
acerca de quais dificuldades teria de enfrentar, contanto que pudesse ganhar almas para
Cristo".
Este escritor lembra-se vividamente de um grande pregador evangélico de alguns anos
passados, que dava ênfase repetidas a duas palavras, "Visão" e "Paixão", como vocábulos que
expressam dois grandes elementos essenciais ao ministro evangélico. Quão claramente ambas
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essas qualidades são exemplificadas na vida do nobre apóstolo, cuja vida é abordada neste
capítulo! Bem faríamos em ponderar, por conseguinte, acerca de todas as demais
características de seu caráter e carreira missionária, que foram passadas em revista, para que
então dêssemos ouvidos à sua inspirada admoestação, que diz: "Sede meus imitadores, como
também eu sou de Cristo" (I Coríntios 11:1).
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Capitulo VI
A VOLTA DE CRISTO E AS MISSÕES
A verdadeira perspectiva e alvo do esforço missionário
Se tivermos de ter esperança de sucesso, quanto a qualquer empreendimento que
encetemos, desde o começo precisamos de idéias claras sobre a finalidade almejada. Até
mesmo nas coisas ordinárias da vida isso é obviamente verdadeiro. Qual de nós embarcaria
em um trem simplesmente com noção de "ir para algum lugar qualquer?" Não, mas teríamos
alguma localidade definida em mente, bem como uma passagem comprada para esse destino
escolhido. Nem qualquer construtor inteligente poria seus operários a usar o material
acumulado sem primeiramente traçar planos específicos para a estrutura que tem em mente,
sem que primeiro traçasse planos cuidadosamente desenhados. Em outras palavras, o
pensamento correto sempre deve anteceder a ação correta.
Se isso é tão importante, nas atividades menos importantes da vida diária, quão mais
importante não será no que se relaciona ao divino cometimento de proporções gigantescas
que é as missões evangélicas mundiais?! Deus jamais se mostrou vago ou entregue ao acaso,
em Seus planejamentos e realizações; mas sempre é previdente e exato. "...diz o Senhor que
faz estas cousas conhecidas desde séculos" (Atos 15:18). A expressão, "...pelo qual também
fez o universo...", em Hebreus 1:2, e que se refere ao Filho de Deus, mais literalmente
traduzida poderia ser "...pelo qual também construiu as eras...", sugerindo que o Cristo
preexistente foi o grande Arquiteto, não apenas do universo material, mas igualmente das eras
ou dispensações do tempo, encaixando-as na seqüência apropriada para o desdobramento e
realização de Seu único plano e propósito predeterminados, majestosos e eternos.
Para clara compreensão do plano e programa missionário de Deus, naturalmente nos
voltamos primeiramente para a Grande Comissão de Cristo, que constitui a carta direta e
autoritativa de instruções divinas para a Igreja, e em seguida examinamos o livro de Atos
como registro inspirado da inauguração do movimento de evangelização e seu progresso,
durante os seus primeiros trinta anos de existência.
Conforme já tivemos ocasião de mencionar, em capítulo anterior, são repetidas cinco
declarações da Grande Comissão, uma em cada um dos quatro evangelhos, e a quinta no livro
de Atos. Outrossim, deve-se observar que todos os quatros escritores dos evangelhos
vinculam a vinda do Senhor à Grande Comissão, quer direta ou indiretamente. A versão de
Mateus acerca da Grande Comissão inclui a promessa da presença de Cristo com Seus
missionários "até a consumação dos séculos" (28:20). Lucas liga esses dois elementos com
um laço apertado, no primeiro capítulo do livro de Atos. Marcos cita as palavras de Jesus:
"Mas é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações". Tais palavras
fazem parte do discurso proferido no monte das Oliveiras, a respeito de Sua vinda. João, o
único dos escritores sagrados a omitir o discurso do monte das Oliveiras (possivelmente em
vista de fato que haveria de escrever o livro de Apocalipse), refere-se, no entanto, à volta do
Senhor, ao registrar o que disse Jesus a Pedro, acerca de João: "Se eu quero que ele
permaneça até que eu venha, que te importa?"
Voltando-nos, agora, para o livro de Atos, descobrimos que nenhuma declaração
acerca da tarefa atribuída por Cristo à Sua Igreja poderia ser mais claramente direta do que
aquela que há no primeiro capítulo e versículo oitavo: "...mas recebereis poder, ao descer
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sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a
Judéia e Samaria, e até aos confins da terra". Essas foram as últimas palavras registradas que
Cristo proferiu sobre a face da terra, pois lemos que "Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às
alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos". E então, notasse que
imediatamente vêm aquelas palavras: "E, estando eles com os olhos fitos no céu, enquanto
Jesus subia, eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles, e lhes
perguntaram: "Varões galileus, porque estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre
vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o vistes subir" (versículos 9-11).
Aqui vemos íntima e vitalmente unido entre si duas questões significativas: primeira,
a ordem de marcha, dada pelo Senhor ressurreto, à Igreja, para que esta anunciasse o
evangelho ao mundo inteiro; e segunda, o anúncio, feito pelos celestiais mensageiros, de que
Ele retornaria, pessoalmente e de modo visível, tal e qual o tinham visto ir-se embora. Que
essas duas questões - a missão de âmbito mundial da Igreja e a "bendita esperança" do retorno
do Senhor - estão assim intimamente relacionadas uma com a outra, certamente é
complemento óbvio.
O Senhor, ao partir, deixou-nos um programa perfeitamente delineado, uma tarefa
apaixonadora, para que Sua Igreja levasse a efeito durante Sua ausência, e a promessa de Sua
volta foi então adicionada, e disso tudo, a inferência natural é que Ele voltaria quando tal
programa estivesse terminado, quando essa tarefa houvesse sido completada. Outrossim, essa
inferência é confirmada, e a lição recebida nessa passagem se torna ainda mais
impressionante, quando observamos o incidente registrado nos primeiros capítulos desse
versículo, e que levaram à afirmativa da Grande Comissão, por Cristo, no oitavo versículo. O
Senhor ressurreto iniciou com Seus apóstolos tal instrução, quando estes, por assim dizer,
estavam ocupados em uma discussão dispensacional. Perguntaram-lhe: "Senhor, será este o
tempo em que restaures o reino a Israel?" - uma pergunta muito natural para eles fazerem,
como judeus. Mas Sua réplica foi: "Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai
reservou para a sua exclusiva autoridade. Mas ..."Mas, o que? "Mas... sereis minhas
testemunhas até aos confins da terra".
Poderia alguém deixar de ver esse ponto? O Senhor desconsiderou a discussão dos
apóstolos acerca de "tempos ou épocas", como algo irrelevante por enquanto, e frisou
fortemente aquilo que realmente tinha importância vital a saber, que se consagrassem sem
reservas à grande atividade e objetivo primário da Igreja da era presente, ou seja, a
evangelização do mundo inteiro. Não é essa uma palavra bem proveitosa para o povo de Deus
da atualidade, para certos de seus líderes em particular, ordenando-lhes que dêem menos
atenção a "tempos ou épocas", ou noutras palavras, a profundas mas discussões e
controvérsias principalmente acadêmicas, sobre particularidades minuciosas de interpretação
profética, sobre as quais sempre haverá diferenças de opinião, a fim de que devotem mais
tempo e talentos ao aspecto prático do assunto, que consiste em levar até seu término o último
desejo e a última ordem expressos pelo Senhor?
Dois erros poderiam ter sido cometidos pelos discípulos que ouviam a Grande
Comissão dos lábios de Jesus, conforme foi citada acima: (1) tornarem a tarefa pequena
demais, limitando sua atenção exclusivamente a Jerusalém, ou, quando muito, à Judéia e
Samaria, e assim deixando de cumprir a totalidade de suas ordens, que estipulam, "até aos
confins da terra"; ou (2) tornarem a tarefa grande demais, interpretando equivocadamente a
Grande Comissão como se esta só pudesse ser cumprida mediante a conversão do mundo
59
inteiro. De fato, esses dois erros tem prevalecido muito tristemente nas hostes da Igreja, no
decurso dos séculos, o que explica em muito por qual razão não tem sido levada até o seu
término a tarefa real de evangelização e da qual Cristo nos incumbiu.
O primeiro desses erros, que é o de limitar o esforço evangélico a qualquer país ou
região, que constitui apenas uma pequena seção do globo, deve ser considerado como erro das
afeições, e não tanto da inteligência. É aquele egocentrismo, aquele preconceito racial, aquela
fria insensibilidade para com o bem espiritual dos indivíduos que não pertencem à nossa raça
ou povo, ou vizinhança, ou nação, que se refugia por detrás de desculpas tão inadequadas
como "há trabalho suficiente a ser feito aqui mesmo", "os outros tem sua própria religião", e
outras semelhantes.
Podemos observar de passagem que tais argumentos são usualmente apresentados por
pessoas que habitualmente pouco ou nada fazem para disseminar o evangelho, até mesmo em
suas próprias terras, onde vivem. Entretanto, não cai dentro do escopo do presente capítulo
ficarmos a considerar sobre esse erro, pelo que é para o segundo desses dois erros extremos
que voltamos agora a nossa atenção.
Aqueles que reputam que o trabalho que Deus em Cristo comissionou à Igreja é o de
converterem o mundo inteiro através do empreendimento da evangelização - e a verdade é
que existem e continuarão a existir muitos crentes sinceros que defendem essa opinião - não
podem encontrar fundamento para tal crença nas palavras da Grande Comissão, segundo é
expressa em Atos 1:8, onde a ordem simplesmente diz "sereis minhas testemunhas". E nem as
outras quatro declarações da Grande Comissão expressam ou subtendem tal ponto de vista.
Em Mateus, a ordem lê: "...fazei discípulos de todas as nações" (28:19). Em Marcos, lemos:
"pregai o evangelho a toda a criatura..." (16:15), enquanto que as palavras que se seguem,
"Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado", claramente
excluem a idéia que todos aceitarão a mensagem do evangelho e serão salvos. No evangelho
de Lucas, tal declaração aparece nesta forma: "...que em seu nome se pregasse
arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém"
(24:47). Finalmente, João cita Jesus a dizer: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos
enviou" (20:21), palavras essas que declaram identidade entre a missão de Jesus e a de Seus
discípulos, identidade essa que se aplica tanto à mensagem proclamada como ao seu
recebimento. Assim como alguns receberam a mensagem dos lábios de Cristo, enquanto que
outros a rejeitaram, igualmente sucederia no caso dos discípulos.
A leitura cuidadosa dessas quatro diferentes edições da Grande Comissão deveria
deixar claro a qualquer um que a linguagem das mesmas não dá apoio ao ponto de vista que a
tarefa entregue à Igreja visava a conversão de todos os homens. E nem qualquer outra
passagem das Escrituras pode ser citada que, uma vez corretamente interpretada, sustente tal
opinião. O que Cristo realmente impôs foi a proclamação do evangelho ao mundo inteiro, a
fim de que homens de todas as regiões do globo tivessem a oportunidade de ouvi-la e aceitá-
la, e assim fossem salvos. A palavra "testemunhas", empregada em Atos 1:8, bem como em
muitos outros trechos do Novo Testamento, realmente nos fornece a verdadeira chave do
programa missionário do evangelho para esta dispensação. A Igreja foi incumbida não da
tarefa de ganhar o mundo inteiro, mas da de testemunhar ao mundo inteiro; não da
responsabilidade de conduzir todos os homens a Cristo, mas da de anunciar Cristo a todos os
homens. Em outras palavras, o alvo estabelecido para o esforço missionário da Igreja não foi
60
a conversão de todos os pecadores, e sim a pregação do evangelho ao mundo todo. Entre esse
dois objetivos, como é evidente, há uma vasta diferença.
Certa passagem do livro de Atos, talvez mais do que qualquer outra, exibe mais
explicitamente o programa missionário do Novo Testamento - o décimo-quinto capítulo, que
nos dá o relato da primeira conferência missionária da Igreja, em Jerusalém. O motivo
daquela reunião foi a disputa que teve lugar devido ao recebimento dos gentios no seio da
Igreja, sem que tivessem de passar pelo rito judaico da circuncisão. Em defesa dessa ação,
Pedro recitou a emocionante história de como Deus o conduziu à casa de Cornélio e seus
familiares, em Cesaréia, e após o Seu selo de aprovação à aceitação dos gentios, mediante o
batismo a efusão do Espírito, concedidos aos mesmos. Falaram em seguida Barnabé e Paulo,
"que contavam quantos sinais e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios", em
sua recente viagem missionária pela Ásia Menor.
Em vista do exposto, o presidente da conferência, que foi Tiago, manifestou-se como
segue: "Expôs Simão (Pedro) como Deus primeiro visitou os gentios, a fim de constituir
dentre eles um povo para seu nome. Conferem com isto as palavras dos profetas, como está
escrito: Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e,
levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei, para que os demais homens busquem o Senhor, e
todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor que faz estas
coisas conhecidas desde os séculos".
Essa passagem é acima citada em toda a sua extensão por causa de seu vínculo direto
e importante sobre a questão da participação da Igreja no grande programa da conquista do
mundo mediante o evangelho. De conformidade com a declaração de Tiago, esse programa,
no que se relaciona aos gentios, consiste de dois estágios: (1) o estágio eletivo, após a rejeição
de Cristo, quando de Sua primeira vinda, por parte de Israel; e (2) o estágio universal, após a
futura restauração de Israel, que seguir-se-á à segunda vinda de Cristo.
O primeiro estágio, ou fase eletiva, começou com a visita de Pedro a Cornélio e a
aceitação daquele primeiro grupo de gentios na Igreja. Essa foi a ocasião quando "Deus
primeiro visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome", para o
que se utilizou de Pedro como instrumento, e dessa maneira foi aberta a porta da fé aos
gentios, pela vez primeira. Esse estágio eletivo, da visitação gentílica e salvação entre eles,
tem ainda prosseguimento, e assim será até que o Senhor retorne. É no decurso desse período
que a Igreja desempenha seu papel no programa divino das missões. Deus continua, através
de Seus mensageiros missionários, a efetuar Sua visita de âmbito mundial entre as nações,
não com o propósito de converter nacionalidades inteiras nem com a finalidade de inaugurar
agora o milênio de paz e retidão sobre a terra, através da transformação da ordem política e
social no reino de Deus sobre a terra, como muitos se inclinam a crer, mas antes, com o
propósito de "tirar" indivíduos dentre as nações gentílicas, "a fim de constituir dentre eles um
povo para seu nome", povo esse que comporá a Igreja ou Noiva de Cristo, preparada para Sua
volta.
Este novo capítulo, no programa divino, constitui certa interrupção, chamemo-lo
assim, nas relações nacionais de Deus com o povo de Israel, uma espécie de parêntesis na
história judaica, durante o período da história da Igreja - ou seja, o intervalo que medeia entre
a ascensão de Cristo e o Seu segundo advento. Introdução desse período parentético trouxe
perplexidade e dúvidas nas mentes dos líderes da Igreja primitiva, todos os quais eram judeus
então. Naturalmente que reconheciam que tanto os gentios quanto os judeus estavam
61
incluídos na provisão e oferecimento de salvação, preparados por Deus. Essa verdade é
claramente firmada nas Escrituras do Antigo Testamento, fôra confirmada pelo Senhor Jesus,
e o próprio Pedro a declarou, em seu grande sermão do dia de Pentecoste. De fato, além
disso, os gentios já haviam sido acolhidos entre os crentes judeus. Tais convertidos gentios,
todavia, até aquele ponto haviam sido recebidos meramente como prosélitos da fé judaica, e
por causa disso haviam sido sujeitados ao rito judaico da circuncisão. Porém, o que era novo
e estranho, para os líderes judeus do cristianismo, era a idéia de pregar-se o evangelho
diretamente aos gentios, recebendo-os na Igreja em pé de igualdade com os crentes judeus, e
isso independentemente de qualquer conformidade aos ritos e cerimônias do judaísmo.
Um profundo e extenso abismo até ali vinha separando os judeus dos pagãos
gentílicos, e o contato social e religioso com os gentios até então era estritamente proibido
para todos os judeus, sendo-lhes isso rigidamente proibido. A verdade relativa à Igreja,
porém, posteriormente revelada por intermédio do apóstolo Paulo, de que o muro que
separava os crentes judeus dos gentios fôra derrubado, de tal modo que "os gentios são co-
herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por
meio do evangelho" (Efésios 2:14; 3:6), até aquele momento ainda não havia sido
compreendida por Pedro e os demais apóstolos. Por esse motivo é que o Senhor tivera de
prepararar a Pedro para sua visita a Cornélio, derrubando os preconceitos judaicos
firmemente arraigados nele, que doutra maneira teriam tornado repulsivo qualquer contato
social mais íntimo com aquele gentio e sua família, considerados cerimonialmente impuros -
tais preconceitos julgariam esse contato algo totalmente inconcebível. Foi com esse propósito
em mente que Ele deu ao Seu apóstolo judeu aquela visão, no pátio superior da casa, em Jope.
Apesar de que alguns possam reputar o "transe" no qual Pedro caiu, como nada além
de um sonho grotesco, em realidade há evidências de haver sido uma visão simbólica cujo
desígno foi o de ministrar a Pedro um novo entendimento do novo rumo tomado dentro do
programa redentor de Deus para a dispensação ou era da Sua Igreja.
Aquele "objeto" que descia do céu à terra, e que se parecia com "um grande lençol",
repleto de todas as espécies de animais e répteis imundos, e que foi em seguida recolhido
novamente ao céu, serviu de quadro bem vivido sobre a Igreja Cristã. porquanto, não nos
olvidemos disso, a Igreja não era nascida da terra, e, sim, o Corpo Místico de Cristo,
composto tanto de judeus como de gentios, contanto que crentes "nascidos do alto", e unidos
ao Cabeça da Igreja por meio do Espírito de Deus. Não houve Igreja enquanto Cristo não
desceu à terra na pessoa do Espírito Santo, para ser o centro em torno do qual a Igreja se
formaria. Dentro dessa Igreja seriam encerrados dos homens e mulheres purificados que até
então haviam sido impuros, espiritual e moralmente falando (ver, por exemplo, I Coríntios
6:9-11), incluindo aqueles que eram reputados imundos, por serem indivíduos "separados da
comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa". Esse processo de recolhimento e
de inclusão de tais almas, por intermédio de uma proclamação do evangelho de alcance
mundial, terá continuação até que o número dos eleitos fique completo, quanto do
aparecimento do Senhor na glória (I Tessalonicenses 4:17), em vista do qual fato o grupo dos
salvos será arrebatado para o céu, do mesmo modo que o "grande lençol" foi novamente
recolhido ao céu, conforme a visão de Pedro.
Essa brecha, na história nacional judaica, dessa forma, está longe de ser um vácuo em
branco; pelo contrário, é prenhe de significação para o mundo gentílico. Não obstante, longe
de significar a rejeição de Israel, dentro dos propósitos de Deus, as Escrituras deixam
62
perfeitamente claro que, ao completar-se a Igreja ou Corpo de Cristo, bem como o retorno do
Senhor, haverá o reinício do trato gracioso de Deus com Seu povo terreno da antigüidade, aos
quais pertence "a adoção, e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas"
(Romanos 9:4).
Para confirmação dessa ordem, dentro das relações remidoras de Deus para com o
povo de Israel e para com os gentios, temos apenas que examinar a epístola de Paulo aos
Romanos, onde, nos capítulo nono a décimo-primeiro, esse apóstolo estabelece, de forma mui
impressionante, os sucessivos estágios da história espiritual de Israel, e mostra claramente o
efeito de tudo isso sobre o bem estar espiritual do resto da humanidade. Seu raciocínio, em
suma, é como segue. Deus outorgou à nação judaica a promessa do Messias. Essa promessa
foi cumprida e o Messias realmente veio mas Israel, como nação, O rejeitou. Isso não
significou que Deus havia falhado, e nem mesmo que a posição peculiar de Israel, perante
Ele, tivesse deixado de existir. De fato, houve uma parte selecionada, dentro dessa nação, que
aceitou a Cristo, e nessa parte as promessas de Deus tiveram seu cumprimento. Contudo, a
oferta de salvação, da parte de Deus, se ampliou até abarcar a todos os homens, e se os judeus
a rejeitaram, e por esse motivo momentaneamente, foram achados fora do favor de Deus,
enquanto que os gentios a aceitaram e vieram a participar das bênçãos do evangelho, então o
resultado infeliz para os judeus se deveu à sua própria culpa, e não podia ser lançado na conta
de Deus. Acresce, ainda, que os próprios profetas dos judeus, como Oséias e Isaías, haviam
previsto e predito exatamente essa situação (ler, particularmente, Romanos 9:22-33 e 10:12-
21).
Mas é justamente nessa altura que apóstolo o Paulo levanta a questão: "Terá Deus,
porventura, rejeitado o seu povo?" Tal rejeição de Israel, por parte de Deus, deve ser
entendido como algo completo e terminante? Deus teria rejeitado a Israel, como nação, para
sempre? De imediato o apóstolo dissipa qualquer conclusão dessa espécie com um enfático
"De modo nenhum" e passa a mostrar que a rejeição de Israel, mesmo no presente, é apenas
parcial, e que essa rejeição parcial é apenas temporária. Ele aponta para si mesmo, um
israelita salvo, como evidência da existência de um grupo selecionado presente, dentro da
nação. Passa então afirmar uma restauração futura de Israel ao favor divino, deixando ainda
perfeitamente óbvio que Deus tinha um magnificente propósito ao permitir essa rejeição
temporária da nação Israel. Mediante a queda de Israel, grandes riquezas espirituais foram
estendidas ao mundo gentílico; ora, se assim é, então a futura restauração de Israel significará
ainda maiores riquezas.
Citando a precisa declaração do apóstolo, ela diz como segue: "Porque não quero,
irmãos, que ignoreis este mistério... que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja
entrado a plenitude dos gentios" (11:25). "Pergunto, pois: Porventura tropeçaram para que
caíssem? De modo nenhum; mas pela sua transgressão veio a salvação aos gentios, para pô-
los em ciúmes. Ora, se a transgressão deles redundou em riqueza para o mundo, se o seu
abatimento em riqueza para os gentios, quanto mais a sua plenitude!"...Porque, se fato de
terem sido eles rejeitados trouxe reconciliação ao mundo, que será o seu restabelecimento,
senão vida dentre os mortos?" (Romanos 11:11,12,15).
Voltando para o décimo-quinto capítulo do livro de Atos, reiniciamos a consideração
acerca do discurso com que Tiago, oficial presidente do primeiro concílio cristão, encerrou a
discussão sobre a complicada questão do recebimento dos gentios no seio da Igreja. Já
pudemos chamar atenção para os dois estágios das remidoras de Deus para com o mundo
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gentílico, conforme são claramente indicados nas observações de Tiago, e já abordamos o
primeiro desses, o estágio eletivo, iniciado pela visita de Pedro a Cornélio, e que se estenderá
por todo o período da existência da Igreja, até à volta de Cristo. Porém, resta ser notado o
segundo estágio, denominado de estágio universal, porquanto Tiago, após haver asseverado
que "Deus primeiro visitou os gentios, a fim de construir dentre eles um povo para o seu
nome", continuou dizendo: "Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito:
"Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-o
de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e todos os
gentios sobre os quais tem sido invocado e meu nome, diz o Senhor que faz estas coisas
conhecidas desde séculos" (versículos 15 e 16).
A despeito de Tiago haver falado em "profetas", em confirmação às suas palavras, em
realidade citou apenas um deles, a saber, Amós (9:11,12). Afirmava ele que, no fim da
presente fase eletiva da redenção do mundo gentílico, quando, mediante a pregação mundial
do evangelho, a Igreja, composta de todos, quer judeus ou gentios que se voltarem para Cristo
durante esse período, estiver completa, então o Senhor voltará, exatamente conforme
prometeu. Sua vinda será primeiro para arrebatar a Igreja, que é Seu Corpo ou Noiva - um
acontecimento comumente conhecido como arrebatamento da Igreja (I Tessalonicenses
4:16,17), em seguida, por sua vez, para cumprir para Seu povo terreno de Israel, as promessas
que lhe foram feitas nos termos do pacto davídico, que consiste em "reedificar o tabernáculo
caído de Davi", restaurando-os, como nação, à sua própria "terra prometida" e ali
estabelecendo Seu trono e Seu reino milenar sobre eles (Lucas 1:32,33).
Ora, deve-se reconhecer que nem todos os comentadores bíblicos concordam se as
palavras de Amós, citadas por Tiago, cabem dentro da seqüência de eventos aludidos pelo
mesmo Tiago, com referência às relações do Senhor com Israel. A interpretação dessa
passagem parece depender antes de tudo das palavras "cumpridas estas coisas", porquanto
essas palavras não aparecem na passagem citada no livro do profeta Amós, passagem essa
que diz: "Naquele dia levantarei o tabernáculo caído de Davi...". O argumento de Tiago,
entretanto, bem como o contexto inteiro desse trecho do livro de Atos, torna mais natural
interpretar as palavras de Amós (e igualmente as predições dos demais profetas) como apoio
da idéia que seria após o término e arrebatamento da Igreja, que o Senhor cumprirá Sua
promessa aqui mencionada, no tocante à nação de Israel. E não são poucos os comentadores
de nomeada que sustentam esse ponto de vista. Podemos citar aqui apenas um dentre eles, o
professor J.M.Stifler, em seu excelente volume intitulado The Acts the Apostles.
"Quando o discurso de Pedro é esclarecido, e seu sentido é
demonstrado, Tiago apresenta sua citação: "Cumpridas estas coisas,
voltarei", etc. Cumpridas quais coisas? Porquanto o original está no
plural. Após a visitação eletiva de Deus entre as nações, e a criação
da Igreja, por parte Dele. Não estavam em vista os dias posteriores a
Amós, mas sim, os dias posteriores à rejeição de Israel e a sua
desolação, bem como os dias de uma Igreja terminada em seu número.
Porquanto o profeta não usou as palavras "Cumpridas estas coisas".
Parecem pertencer inteiramente a Tiago. Fazem parte de sua
explicação da predição, no tocante ao fato que mostra a que período
elas devem ser aplicadas. Não chegara ainda o tempo para o
cumprimento dessa predição. Quando a Igreja houver atingido a
totalidade de seu número, então o Senhor retornará, depois de visitar
aos gentios, e soerguerá a casa caída de Davi, quando não apenas
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uma parte escolhida meramente, mas todos "os demais homens",
busquem ao Senhor - uma benção que ainda jaz no futuro".
O presente escritor está plenamente de acordo com o ponto de vista assim expresso
por Sitfler, e que também é mantido por outros expositores eruditos. Mas, mesmo que as
palavras de Amós não devam ser desse modo interpretadas, isso de forma alguma contradiz o
programa aqui estabelecido, e que consiste de uma eleição atual dentre todas as nações, para
que seja formado um povo para Seu nome, e que olha para um período futuro, quando "todo o
Israel será salvo". A evidência em favor de tal programa de forma alguma se limita a essa
passagem no livro de Atos, existindo aqueles que apesar de não aceitarem o ponto de vista
aqui adiantado, apegam-se fortemente a esse plano de Deus, que é claramente desenvolvido
nos capítulos nono a décimo-primeiro da epístola aos Romanos, conforme já foi dito, bem
como em outras passagens bíblicas.
Não é nosso propósito seguir o tema desse capítulo além do ponto de arrebatamento
da Igreja, quando da segunda vinda de Cristo. No que toca à ordem de acontecimento, que
então terá lugar sobre a face da terra, há uma vasta divergência de opinião entre os mestres
em assuntos proféticos. Vintenas, se não mesmo centenas de livros, foram escritos sobre estas
questões, e inúmeras discussões e controvérsias são levadas a efeito quanto a várias fases e
detalhes do programa relativo a esse período. Apesar de que reconhecemos quão dignos são
os esforços para que se chegue à compreensão correta de tudo quanto diz respeito à
escatologia, e apesar de termos pessoalmente dedicado tempo e meditação a esse assunto, é de
nossa firme convicção que a questão de suprema importância consiste em discernir que a
tarefa dada por Cristo à Sua Igreja, para que a realize no decurso da presente dispensação, é a
evangelização do mundo inteiro. Isso é revelado de forma inequívoca pela inspirada Palavra
de Deus. E quanto ansiamos por que todos os crentes, que sustentam a preciosa verdade e
compartilham da bendita esperança do retorno do Senhor, ainda que difiram em sua
interpretação acerca de vários detalhes ou acerca da ordem exata dos acontecimentos,
pudessem unir-se em um esforço conjunto, de todo o seu coração, por todos os meios
possíveis, para que fosse cumprida a última ordem de nosso Salvador!
Não nos esqueçamos, nesta altura da discussão, que a Grande Comissão, segundo
expressa em Atos 1:8, é não somente uma ordem, mais também uma profecia, posto que diz:
"...e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra..." Dessa maneira, o evangelho
deverá e realmente será levado até os confins da terra, antes que o Senhor venha para
arrebatar a Sua Igreja. O que terá lugar depois disso, por mais importante que seja, não afetará
necessariamente o nosso dever de terminar a tarefa que nos compete realizar agora.
Poderíamos fazer menção ao ponto de vista sustentado por alguns de que a passagem
de Colossences 1:23 ensina que o evangelho foi pregado ao mundo inteiro, na primeira
geração da Igreja. Entretanto, somos obrigados a reputar essa interpretação da passagem
acima como um exagero forçado. Nossa versão - Edição Revista e Atualizada no Brasil - com
maior exatidão traduz como segue, esse versículo: "...evangelho que ouvistes, e que foi
pregado a toda criatura debaixo do céu..." Declaração similar é a que parece no sexto
versículo do mesmo capítulo: "...palavra da verdade do evangelho, que chegou até vós; como
também em todo o mundo está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós..." O
contexto deixa claro que Paulo não tencionava dizer nesse passo até que ponto o evangelho
tinha sido espalhado, mas simplesmente observava, no decurso de uma exortação aos crentes
de Colossos, que o evangelho que tinham ouvido era o mesmo evangelho que vinha sendo
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pregado por toda a parte - "...a toda criatura...". Esse é o sentido dado a essa passagem bíblica
pelos comentários comuns, em que a expressão dada por algumas versões, "em todo o
mundo", não deve ser tomada literalmente, mas antes, hiperbolicamente, tal como em outras
passagens bíblicas termos gerais como "o mundo" e "a cidade inteira" são utilizadas.
Outrossim, o mundo que os apóstolos conheciam, e que também foi percorrido pelos
apóstolos em suas prédicas, não pode ser inteligentemente reputado como toda a terra
habitada, o que, segundo cremos, o Espírito de Deus sempre teve em mente, como o escopo
da bendita proclamação do evangelho.
Mais ainda, se insistirmos em interpretar literalmente essa passagem da epístola aos
Colossenses, supondo que o evangelho foi efetivamente pregado ao mundo inteiro, naquela
primeira geração dos crentes primitivos, então levanta-se a pergunta: Nesse caso, porque não
chegou ao fim esta dispensação e o Senhor não veio? Na versão de Mateus sobre a Grande
Comissão, Cristo acrescenta a Sua promessa de estar com seus missionários "...todos os dias
até à consumação do século". Ele não retornou ao fim daquela primeira geração de crentes, e
nem mesmo voltou após mil e novecentos anos; e a razão evidente disso é que ainda havia
milhões de seres humanos então, como há bilhões hoje em dia, que jamais ouviram o
evangelho. A implicação mais clara é que "a consumação do século" e o retorno do Senhor
Jesus Cristo coincidirá com o término da tarefa atribuída à Igreja, de testemunhar do
evangelho "até aos confins da terra".
Ainda um outro ponto de vista, que milita infelizmente contra um esforço coletivo e
de todo coração, por parte da verdadeira Igreja de Cristo, para que leve ao seu término, em
nossos dias, a evangelização do mundo, é aquele apresentado por certos talentosos mestres
sobre questões escatológicas, que respeitamos por sua erudição, mais com quem temos de
discordar abertamente, acerca de uma particularidade importantíssima. A despeito de se
apegarem firmemente à vinda do Senhor antes do milênio, contudo, relegam a uma futura
comunidade judaica, subseqüente ao arrebatamento da Igreja, a tarefa de ser proclamado o
evangelho ao mundo inteiro; então, de conformidade com essa posição, tiram da Igreja de
hoje tal responsabilidade. Tais mestres desvinculam qualquer relação entre um testemunho
completado do evangelho, ao mundo inteiro, e o retorno do Senhor. Apesar de alguns dos que
assim ensinam terem atitude missionária, em face de seu amor ao Senhor, o resultado natural,
sobre aqueles que aceitam tal ensinamento e o aplicam com coerência, é que fica decepado o
nervo da preocupação e do esforço missionário. O que a Igreja deixar de fazer, nesta nossa
época, segundo pensam tais expositores, "o remanescente judaico", depois do arrebatamento
da Igreja, haverá de fazer!
Evitamos propositalmente exceder-nos em qualquer discussão a respeito dessa
questão, neste ponto. Embora muito pudesse ser dito, pois é nosso ansioso desejo evitar, tanto
quanto possível, toda controvérsia na defesa que fazemos em favor do empreendimento
missionário. Somente sentimos que devemos dizer este tanto, que acreditamos que a
prodigiosa realização que é atribuída por tais mestres a esse "remanescente judaico", repousa
quase totalmente em meras inferências, não estando estribada em qualquer declaração bíblica
clara e explícita, e que seguindo-se coerentemente essa linha de pensamento, a
responsabilidade que a Igreja foi imposta por Cristo é transferida para outros, e isso
erroneamente e com os mais infelizes resultados.
Ao assim dizermos, não queremos que nos entendam que o programa missionário
inteiro de Deus dependa da Igreja da atualidade, e que nada seja deixada para o período
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futuro, que virá depois do arrebatamento da Igreja. Isso já foi por nós indicado no esboço que
apresentamos no princípio deste capítulo, sobre os dois estágios das relações remidoras com
os gentios. Depois da restauração de Israel, que ocorrerá após a segunda vinda de Cristo e o
arrebatamento da Igreja, e assim através do reino milenar do Messias de Israel, sobre a terra,
Seu povo escolhido e restaurado tornar-se-á uma benção para todas as nações. É justamente a
esse período que se aplicam as palavras de Tiago: "...Para que os demais homens busquem o
Senhor, e todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome". Isso será algo
inteiramente diferente do primeiro estágio eletivo de "chamamento", pois significará que as
nações do mundo, como nações, buscarão ao Senhor, conforme está predito em muitas
passagens do Antigo Testamento. Em Isaías 2:2, lemos: "Nos últimos dias acontecerá que o
monte da casa do Senhor será estabelecido no cume dos montes, e se elevará sobre os
outeiros, e para ele afluirão todos os povos" (cf. Isaías 11:10; 60:5; 66:23; etc.).
Queremos chamar cuidadosamente atenção para este último estágio do programa
divino a fim de dissipar mal-entendidos existentes nas mentes de alguns, com referência ao
chamado ponto de vista pré-milenial do segundo advento. Aqueles que, coerentemente com
essa posição sustentam que o alvo das missões evangelísticas da atualidade não é a conversão
do mundo, mas antes, o testemunho ou evangelização de alcançe mundial, são algumas vezes
acusados de pessimismo por limitarem o poder e as realizações do evangelho de um modo
que é indigno do mesmo. A crítica dessa espécie realmente tem origem na falta de verdadeira
perspectiva quanto à profecia bíblica. Se a presente era ou dispensação fosse a última dentro
do grande esquema de Deus, haveria, verdadeiramente, alguma base para críticas ou dúvidas
dessa modalidade. Mas é necessário que vejamos, conforme já foi dito, que a atual
dispensação não é o estágio final do programa missionário de Deus, mas tão somente o
estágio preliminar, o que será acompanhado por um estágio subseqüente ao segundo advento
do nosso Senhor. Por exemplo, as seguintes profecias, paralelamente a muitas outras,
indubitavelmente terão de ser cumpridas: "Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as
extremidades da terra por tua possessão". (Salmo 2:8). "Domine ele de mar a mar, e desde o
rio até os confins da terra" (Salmos 72:8). "Pois a terra se encherá do conhecimento da glória
do Senhor, como as águas cobrem o mar" (Habacuque 2:14).
Essas promessas, todavia, pertencem não à presente dispensação, mas a uma era
futura, não a este estágio eletivo que visa redimir os gentios, mas ao vindouro estágio
universal. E assim sendo, a diferença que há entre os vários pontos de vista referentes ao
objetivo do esforço missionário, afinal de conta, não consiste tanto de uma discordância
radical quanto ao seu alvo final, mas, pelo contrário, à falta de entendimento comum quanto à
ordem e ao método para que se atinja esse alvo.
Revertendo àquele que não vê qualquer relação essencial entre a obra de
evangelização mundial e o segundo advento de Cristo, tem sido declarado, por um de seus
exponentes, que tal ponto de vista tornaria o advento de Cristo em obra do homem, ao invés
de um ato exclusivo da soberana graça de Deus, sendo argüido que, visto o tempo de Sua
vinda haver sido fixado por Deus desde a eternidade, por conseguinte nada podemos fazer
para retardá-la ou apressá-la. Esse raciocínio, para nós, está longe de ser são ou satisfatório,
porquanto torna os tratos de Deus absolutamente despósitos e despidos de qualquer
consideração pelas atitudes e ações humanas, quer antagônicas quer cooperadoras, e não
podemos crer que assim realmente seja. Reconhecemos reverentemente o Seu senhorio
divino, mas esse senhorio sempre tendeu por fazer uso do homem e dos fatores terrenos na
realização de Seus propósitos. Instância após instância disso poderiam ser citadas nas
Escrituras, tanto quanto na história.
67
Certamente foi um falso conceito da soberania de Deus que impeliu o venerável
moderador daquela memorável reunião de ministros Batistas, em Nottingham, a responder
para Guilherme Carey, o qual havia feito um apelo para que algo fosse feito em favor dos
povos pagãos do mundo, com uma severa reprimenda: "Sente-se, jovem. Você é um
miserável entusiasta ao levantar tal questão. Quando Deus quiser converter os pagãos, falo-á
sem a nossa ajuda". Apesar de ser essa uma verdade indubitável - que a ocasião da volta de
Cristo já foi fixada no eterno conselho de nosso Deus soberano e onisciente, contudo, esse
fato de forma alguma é incompatível com a realização daquele acontecimento, através de
processos e instrumentalidades humanas. De fato, no ponto de vista mais amplo e mais
bíblico sobre a soberania de Deus, esses próprios processos e instrumentalidades foram todos
ordenados por Deus, o qual decreta não somente o fim, mas igualmente os meios. Omitir
estes últimos do plano eterno de Deus equivale a cair em conceitos estreitos e inadequados do
divino senhorio.
Além disso, Deus não considera necessariamente o tempo nos termos arbitrários dos
dias e anos humanos, mas possivelmente em termos das condições e desenvolvimentos que
contribuem para cumprimento de Seu propósito eterno. A "plenitude de tempo", da primeira
vinda do nosso Salvador, foi produzida desse modo, ainda que já houvesse sido fixada dentro
do plano predeterminado por Deus; e o Senhor utilizou-se não somente de servos devotos
Seus, mas igualmente de inimigos orgulhosos e amargos, como instrumentos que levassem ao
término o Seu plano divino. Outro tanto sucederá com referência ao segundo advento do
Salvador. Com freqüência se diz, da parte de certos mestres escatológicos, que todos os
diversos acontecimentos e condições do mundo, preditos nas Escrituras, terão de ocorrer
antes da volta de Cristo ter lugar, e que, por conseguinte, Sua vinda pode ocorrer a qualquer
momento. Permanece o fato, entretanto, que Ele ainda não veio. Não é esse fato motivo de
séria meditação, e não convém considerar se Sua demora se dava ao motivo que a tarefa que
Ele atribuiu aos Seus seguidores ainda não terminou? As Escrituras pintam-No como o Noivo
celestial que descerá para vir buscar Sua Noiva escolhida. Porém, o Noivo certamente não
retornará para uma Noiva incompleta, que assevere que a Noiva ou a Igreja de Cristo compor-
se-á totalmente de santos provenientes das regiões favorecidas onde o evangelho já tem sido
pregado, com a exclusão de muitas das terras ainda por evangelizar.
Um líder evangélico bem conhecido, dotado de grande discernimento, que assevera
firmemente que a segunda vinda do Senhor está inequívocamente vinculada, na Palavra de
Deus com a terminação da tarefa de testemunho evangélico ao mundo inteiro, comenta sobre
a ordem baixada e a profecia em Atos 1:8, como segue: "Se Cristo viesse hoje, então
saberíamos que essa profecia foi cumprida. Porém, visto que Ele ainda não veio, sabemos que
a mesma ainda não teve seu cumprimento, sendo necessário que examinemos todas as partes
da terra ainda não atingidas com o evangelho para que lhe levemos a mensagem divina
imediatamente... O Espírito Santo foi enviado para realizar um grande propósito nesta era. Da
mesma forma que o Senhor Jesus disse ao Pai, "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra
que me confiaste para fazer", semelhantemente o Espírito Santo dirá ao Senhor Jesus,
"Consumei a obra que me deste para fazer".
Quanto ao que constituíra exatamente o cumprimento do testemunho evangélico ao
mundo inteiro, não pretendemos falar em tonalidade dogmática. Na Grande Comissão,
palavras tais como "fazei discípulos de todas as nações", "pregai o evangelho a toda criatura",
"e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra", não deixam dúvidas quanto ao
programa a que a Igreja deve dedicar-se, o qual também deve perseguir sem descanso até que
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o Senhor volte e lhe ponha fim. Porém, quais os diferentes fatores que poderão contribuir para
a realização desse testemunho, e precisamente quando como isso será consumado, são
questões que jazem nas mãos do Senhor, e não nas nossas, Seus servos. Conhecemos
instâncias em que o evangelho tem atingido lugares além de onde os missionários tem ido
pessoalmente, alcance esse efetuado pela página impressa ou por viagens de exploração, ou
por visitas de indivíduos provenientes das "regiões distantes" até lugares onde existem postos
missionários; ou ainda, talvez, de outras maneiras. Casos em foco são a travessia dos afegãs,
baluquis e nepaleses para a Índia, com fins comerciais e outros, e, similarmente, tibetanos e
mongóis que penetram na China. Não obstante, ainda existem populações vastíssimas,
incluindo tribos inteiras, em certas regiões do mundo, que até agora nunca ainda ouviram o
primeiro anúncio do evangelho.
Não deveria essa solene situação, aliada ao fato que o Senhor até o momento não
voltou, impelir a todos os crentes verdadeiros, movidos pelo amor a Ele e ao Seu
aparecimento, bem como pela compaixão em favor daqueles que nunca ouviram falar a Seu
respeito, ao mais intenso esforço possível, visando a extensão imediata do testemunho
evangélico especialmente às fronteiras extremas da terra? Triste é dizê-lo, grandes números
de cristãos professos não mostram a menor preocupação acerca dessa questão. Mais triste,
ainda, é que existem mestres escatológicos bem intencionados que dão pouquíssimo valor às
missões. Grandes conferências proféticas tem sido realizadas onde os vários sinais que
apontam para o próximo retorno de Cristo são citados e exaustivamente discutido, mas onde
nenhuma menção se faz do sinal mais significativo de todos, a saber, o apressamento do
programa missionário que Deus determinou para nossa época. Estamos bem lembrados de um
desses casos particulares, quando ouviamos um sermão que era uma obra prima acerca dos
Sinais da Segunda Vinda de Cristo, no qual, entretanto, nenhuma alusão se fez ao sinal
missionário. Quando, posteriormente, chamamos a atenção do orador para esse fato, pensando
sinceramente que a omissão era devida puramente à falta de tempo (pois a hora já ia
adiantanda), este expressou surpresa e admitiu francamente que não acreditava que as missões
tivessem qualquer vínculo com a volta de Cristo.
De forma nos inclinamos por desprezar sinais como o crescente aumento da
iniqüidade, o levantamento de ditaduras políticas, a perseguição movida contra os judeus, o
desenvolvimento da apostasia religiosa, e assim por diante. Entretanto, queremos chamar
atenção para o fato que essas são questões sobre as quais, a despeito de nossos sentimentos e
de nossa profunda preocupação, nada ou pouco podemos fazer, enquanto que a promoção da
disseminação do evangelho até os confins da terra é algo de que todos os crentes podem ter
uma participação ativa e eficaz.
Até este momento, no presente capítulo, ao procurarmos mostrar o verdadeiro alvo das
missões cristãs da atualidade, e em relação ao empreendimento que visa o segundo advento
de Cristo, a linguagem da Grande Comissão, em suas diversas edições, e, particularmente, o
termo "testemunhas", empregado em Atos 1:8, tem sido a base para nossa discussão sobre o
assunto. O que já foi dito aqui poderia, quiçá, ser considerado como abordagem suficiente.
Entretanto, há um outro vocábulo, comumente empregado nas Escrituras, e que denota o
objetivo das missões, e a referência ao mesmo, neste ponto, cremos nós, poderá contribuir
mais ainda para que se tenha uma clara percepção do propósito e da finalidade em vista. Isso
talvez envolva alguma repetição das declarações que já foram feitas, mas confiamos que não
será feito isso sem proveito. O vocábulo que temos em mente é "ceifa", e os textos em que o
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mesmo ocorre são, por exemplo, João 4:35,38; Mateus 9:37,38; Salmos 126:5,6, que
imediatamente deverão subir à memória do leitor.
É provável que nenhuma outra passagem da Bíblia seja mais freqüentemente citada, em
pregações missionárias, de que o trecho de João 4:35, onde se lê: "Não dizeis vós que ainda
há quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: Erguei os vossos olhos e vede os campos,
pois já branquejam para a ceifa". Estendendo a aplicação dessas palavras de nosso Senhor ao
pequeno grupo de discípulos judeus, a quem se dirigia na Samaria, a fim de incluir a Igreja
em geral, e partindo daquela comunidade local de Sicar para o mundo inteiro da atualidade,
consideremos a natureza da ceifa sobre a qual Ele falou, ou em outras palavras o objetivo da
atual tarefa missionária. Quanto a isso, topamos com dois pontos de vistas largamente
divergente.
Existem aqueles que interpretam a ceifa no sentido final e completo da conversão do
mundo. Segundo essa posição, o cristianismo é concebido como algo que se vai propagando
em círculos concêntricos cada vez maiores de influência, até que, através de um processo
evolutivo constante, não apenas os indivíduos se converterão, mas também comunidades e
nações inteiras, quando a sociedade humana, como um todo será regenerada, os perigos
morais serão dissipados, a política será expurgada de seus males, as guerras serão proibidas, e
as nações serão elevadas aos puros ideais cristãos de conduta, e dessa forma a presente ordem
mundana gradualmente se metamorfoseará no reino de Deus sobre a terra. Esse conceito, mui
naturalmente, exige uma orientação missionária que salienta e põe em primeiro plano a
educação, o serviço social e a industrialização como fatores que contribuem para esse fim.
Há duas objeções sérias a esse ponto de vista de que se pode esperar a conversão do
mundo através dos esforços missionários da Igreja. Primeiramente, essa suposição está
obviamente fora de harmonia com muitas passagens das Escrituras, e, em segundo lugar, não
é sustentada pelos fatos reais do caso.
O Novo Testamento pinta a tendência de nossa dispensação na direção justamente
oposta daquilo que esse ponto de vista advoga. Guerras e rumores de guerra haverão de ter
prosseguimento até o fim. "Mas os homens perversos e impostores irão de mal a pior,
enganando e sendo enganados". "Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis", e essa
declaração (em II Timóteo 3:1) é seguida por uma longa lista de graves males morais e sociais
que prevalecerão nos últimos tempos. Até a vida religiosa mesma se deteriorará em grande
medida, assumindo certa "forma de piedade", mas em que os homens lhe negarão a eficácia
(II Timóteo 3:5), enquanto que a última fase da Igreja professa, na presente dispensação, é a
que corresponde à situação da Igreja de Laodicéia, cuja descrição espiritual é extremamente
patética (Apocalipse 3:14-22). Certamente que o quadro assim fornecido pelas Escrituras está
longa de apresentar um mundo regenerado, ou mesmo um mundo que se encaminhe nessa
direção.
Em segundo lugar, nenhuma pessoa inteligente pode afirmar que percebe tais
desenvolvimentos em nossa atual geração, ou mesmo nas condições que prevalecem na
atualidade, uma tendência para melhores situações sociais, morais e espirituais próprias de
uma utopia. A sociedade está se regenerando? Os padrões morais estão se tornando melhores
ou mais puros? O crime e a delinqüência estão constantemente em declínio? A política está
sendo expurgada de sua borra e de suas práticas corruptas? Não, o oposto extremo de tudo
isso se mostra clara e inequivocamente em evidência.
70
Uma coisa, pelo menos, é clara, que se a ceifa em vista é a conversão do mundo,
então essa ceifa ainda está muito distante, porquanto ninguém pode dizer, com qualquer
aparência de verdade, que os campos missionários do mundo estão, em qualquer lugar,
próximos de uma condição que poderiam ser descritos como "já branquejam para a ceifa",
nesse sentido da palavra. O fato cru que temos à frente, a despeito do encorajador progresso e
dos animadores resultados da obra missionária, é que os pagãos do mundo estão se
multiplicando, por propagação natural, muito mais rapidamente do que os crentes, entre eles,
estão aumentando por regeneração, de tal modo que, proporcionalmente, há muito maior
número de incrédulos, hoje em dia, do que há uma geração atrás. Sendo essa verdade, quão
negra e desencorajadora é a perspectiva para os missionários, se a completa fruição de seus
esforços não puder ser esperada senão dentro de algum tempo, no futuro remoto! É
justamente essa perspectiva sombria, cremos nós, que tem engendrado a indiferença e a apatia
por parte de tão grande secção da Igreja, posto que é apenas natural sentir que, já que a
promoção de um empreendimento só terá atingido o seu alvo dentro de gerações distantes,
não importa realmente se alguém faz muito ou pouco.
Levemos esse argumento um passo mais adiante, porém, considerando o caso de
nossas próprias pátrias, ao invés de levarmos em conta as terras distantes. Tomemos por
exemplo os Estados Unidos da América, que tem gozado do evangelho e dos privilégios do
cristianismo de muitas modalidades durante séculos, e que, assim sendo, encontra-se em
posição infinitamente mais favorecida do que qualquer das terras missionárias. Podemos
apontar para qualquer comunidade, grande ou pequena, nesta pátria norte-americana, onde
cada pessoa já se converteu, e uma cidade completamente evangélica já foi estabelecida?
Tememos que tal localidade não possa ser encontrada. Portanto, se após várias centenas de
anos de oportunidades e esforços evangelísticos, a primeira comunidade dessa espécie ainda
esteja longe de ser encontrada, certamente é evidente que qualquer esperança de conversão do
mundo inteiro, por meio desse processo, deve ser projetado indefinidamente futuro a dentro.
O outro ponto de vista sobre a colheita ou ceifa referida por Jesus, é totalmente
diverso do primeiro. Esse outro ponto de vista reputa essa ceifa não como final e completa no
sentido da conversão de cada pessoa do mundo, mas por assim dizer como uma ceifa de
primícias, de recolhimento de almas vindas de todas as nações, em resultado do testemunho
evangélico pelo mundo inteiro. Ora, de conformidade com esse ponto de vista, seus
defensores fazem do evangelismo e da edificação de igrejas indígenas a sua tarefa principal.
Observemos a ocasião e o pano de fundo dessas palavras citadas de Jesus, a respeito
da ceifa, e que contribui para esclarecer o que Ele tinha em mente. Ele descobrira que a
mulher pecadora, à beira do poço de Jacó, em Sicar, era abordável, disposta a ouvir, aberta
para a convicção espiritual, dotada de coração faminto pela mensagem do evangelho.
Outrossim Ele via por detrás dela a aldeia de Sicar, com seus muitos homens e mulheres
igualmente necessitados, e a possibilidade de chegar até eles, por meio dela, deu-Lhe
esperança de levá-los igualmente ao arrependimento e à salvação. Ali estava uma porta
aberta, uma oportunidade para o testemunho evangélico e para a conquista de almas, para o
que Ele chamou a atenção de seus discípulos, com essas palavras: "Erguei os vossos olhos e
vede os campos, pois já branquejam para a ceifa". Ele via aquelas almas, acessíveis e
impressionáveis, como um campo de cereal amadurecido, uma colheita em potencial,
preparada para a ceifa, e ansiou que Seus discípulos compartilhassem de Sua visão e
preocupação, e se lançassem imediatamente a um esforço denotado para empreenderem tal
colheita, antes que fosse tarde demais. Se os discípulos efetivamente agiram assim, parece
71
duvidoso, devido aos seus escrúpulos judaicos e à sua falta de interesse pelas almas. O
próprio Senhor Jesus, todavia, assim agiu, demorando-se ali por dois dias, com esse
propósito, com o resultado que "muitos creram nele". Não obstante, essa mesma declaração
deixa claramente subentendido que nem todos os habitantes de Sicar confiaram em Jesus e
foram salvos, o que serve para mostrar que Jesus empregou o vocábulo "ceifa" não para
denotar um recolhimento total de almas, mas antes, um recolhimento parcial, como resultado
do empreendimento de evangelização.
Ora, isso ilustra o que o termo "ceifa" tencionava significar, quando aplicado ao
trabalho mais vasto da proclamação do evangelho, na presente dispensação, em escala
mundial. A ordem é que sejamos testemunhas de Cristo "até os confins da terra", com a
finalidade que assim fosse chamado "um povo para o seu nome", o qual se comporia de todas
as nações, perfazendo Seu corpo ou Noiva, para quem Ele voltará um dia. Dessa maneira, a
tarefa de que a Igreja foi incumbida - a evangelização mundial - está vitalmente vinculada à
bendita esperança da segunda vinda do Senhor. E seja notado neste ponto que da mesma
forma que o pensamento de converter o mundo é desanimador, visto que envolve adiamentos
indefinidos até que tal alvo seja atingido, semelhantemente o pensamento do testemunho de
alcance mundial é animador e inspirador, por causa de sua possibilidade prática de ser
efetuado no decurso de uma única geração, a presente. De fato, deveria ser óbvio que essa
tarefa deve ser completada dentro dos limites de alguma geração humana. Por exemplo, a
única geração de crentes que pode evangelizar o mundo de hoje é esta geração de crentes,
pois quando eles passarem, a mesma geração de descrentes também terá passado, e um outro
mundo de homens viverá aqui, falando-se em termos de seus habitantes.
Sem importar que tenha sido verdade que estas gerações anteriores de crentes tiveram
oportunidade de cumprir em sua totalidade a Grande Comissão, também certamente é verdade
que nunca as palavras de nosso Salvador, "os campos... já branquejam para a ceifa",
encontram mais plena e vigorosa aplicação do que em nossa própria época e geração. O efeito
cumulativo de longos e fiéis labores dos missionários do passado, bem como o notável
crescimento e desenvolvimento das igrejas indígenas, tem levado o empreendimento cristão
inteiro a estágio distintamente novo. A atitude dos habitantes e dos governos dos países onde
atuam as missões evangélicas, em sua maior parte tem mudado marcantemente para melhor.
A penetração em regiões anteriormente totalmente não-evangelizadas, por bravos grupos
pioneiros, tem expandido materialmente as fronteiras do reino de Cristo e feito contrair as
áreas ainda não ocupadas pelas missões, neste mundo. O avanço fenomenal, em termos de
meio de transporte, tem posto cada região do globo dentro do alcance fácil de todos. Novas
estradas de ferro e de rodagem têm sido construídas em muitos países, e a admirável
multiplicação de linhas aéreas tem revolucionado as viagens por toda a fase do globo.
Facilidades materiais de toda espécie se têm multiplicado, prestando assim também a sua
ajuda. As transmissões radiofônicas e pela televisão têm sido usadas como método
missionário auxiliar, abrindo as portas para possibilidades quase sem limites. A tradução e a
circulação das Escrituras vêm aumentando progressivamente, até que a Bíblia, em sua
totalidade ou em parte, atualmente é disponível em 1.066 idiomas, enquanto que as
sociedades bíblicas anunciam vendas anuais de 25 milhões de cópias. Por tudo isso, devemos
agradecer fervidamente a Deus.
Apesar de ser verdade que o grande conflito mundial da II Grande Guerra tenha
provocado uma interrupção temporária de atividades normais em alguns campos
missionários, e que tem surgido novos e sérios problemas em todos os lugares, todavia,
72
também é verdade que Deus, de Sua maneira inigualável, tem feito o mal ser transformado
em bem, e tem utilizado a guerra como verdadeira vantagem para as missões, em muitos
aspectos importantíssimos. Espera-se confiantemente que agora, com o término da guerra,
veremos a maior oportunidade para o avanço e recolhimento que a obra missionária já
enfrentou. Que esperança é finalmente inspirada - nesta nossa geração, a tarefa longamente
adiada de levar o evangelho até às próprias extremidades da terra, pode ser realmente efetuada
e levada a um término glorioso, e assim o Senhor Jesus poderá retornar subitamente para
arrebatar Sua Igreja completa, Sua Noiva mui amada!
Mui estranhamente, em alguns círculos tem sido expressa a opinião que, a volta
iminente de Cristo tende a desencorajar as operações missionárias. Nada poderia estar mais
distante da verdade. Pelo contrário, pode-se asseverar que os movimentos mais fervorosos e
agressivos da atividade evangelística e missionária, em nossa geração, tem sido efetuada por
ardentes crentes na "bendita esperança", Moody, Torrey, Chapman, Billy Sunday, e outros
grandes evangelistas do século passado e do dia de hoje, bem como as muitas agências
missionárias inter-denominacionais, que operam no estrangeiro, que são conhecidas como
Missões de Fé, com seus vários milhões de obreiros, todos têm brandido essa grande verdade
e têm sido inspirados e estimulados por ela. O Sr. Moody testificou que quando essa verdade
verdadeiramente o apanhou, e viu que Cristo não voltaria enquanto a última alma que haveria
de completar o número dos eleitos de Deus não fosse salva, isso fê-lo trabalhar três vezes
mais arduamente que antes, pois porventura Deus o usaria para salvador da última alma que
completaria o Corpo de Cristo. Hudson Taylor, fundador da Missão da China Interior,
escreveu: "Se o Senhor voltará em breve, isso não é um motivo eminentemente prático para
que nos atiremos a um maior esforço missionário? Desconheço outro motivo que me tenha
sido tão estimulante". E daí passou a citar várias maneiras práticas em que essa "bendita
esperança" exerceu influência sobre ele, das quais, a última é que lhe proporcionara mais
profundo interesse por propagar o testemunho do evangelho até aos confins mais remotos do
mundo.
Dessa maneira é que temos procurado tornar mais clara a relação vital existente entre
a Grande Comissão dada pelo Senhor e a promessa de Sua volta. O que tem sido dito
certamente investe a obra da evangelização mundial de solene responsabilidade e de
fulgurante inspiração. Poderia alguma coisa ser mais inspiradora, a uma sociedade
missionária, do que a esperança de que talvez lhe seja dado o elevado privilégio de penetrar
na última região não-evangelizada do mundo? Poderia alguma coisa ser mais doce, ao
pioneiro isolado, em algum posto missionário longínquo do campo, do que o pensamento de
talvez ser ele o instrumento usado por Deus para fazer entrar a última alma que completará o
"povo para o seu nome", assim preparando o caminho para o segundo advento do Mestre? E
que poderia estimular o zelo e o sacrifício, nas igrejas nacionais, mais do que perceberem elas
que as suas orações e suas doações para a obra missionária estão contribuindo para essa
grande e gloriosa finalidade? Compartilhamos da "bendita esperança"? Nesse caso,
obedeçamos à última ordem de Cristo. E quando orarmos, "Amém. Vem, Senhor Jesus",
perguntemos a nós mesmos se estamos fazendo tudo quanto Ele espera de nós, para que a
resposta a essa oração se torne uma realidade.
73
Capítulo VII
OS HOMENS E AS MISSÕES
Os elementos essenciais da chamada missionária
Existem três grandes linhas mestras pelas quais se extravasa a energia missionária --
indo, contribuindo e orando. Portanto, há também um tríplice apelo - que homens vão, que
despenseiros contribuam e que sejam feitas orações intercessórias. Voltaremos nossa atenção,
agora, para esses três importantes fatores da obra missionária.
Primeiramente, temos o fator humano. Pode-se conceber que Deus poderia ter
escolhidos os anjos como Seus mensageiros, para que anunciassem o evangelho a um mundo
perdido; e quão alegremente, podemos ter a certeza, ficariam eles por voar por mandato Dele,
a fim de disseminarem o bendito evangelho! Ao disso, todavia, Deus selecionou homens
mortais, proporcionando-lhes a alta honra e o privilégio de serem Seus cooperadores nesse
glorioso projeto.
A palavra que encontramos em Ezequiel 22:30, "Busquei entre eles um homem...", é
um lembrete impressionante de que Deus resolveu fazer do homem um fator importante e
essencial na realização de Seus propósitos divinos, fato esse ao mesmo tempo solene e
inspirador. Naquele caso particular, seguem-se estas tristes palavras: "...mas a ninguém
achei". Como é quase inconcebível que o Deus todo-poderoso, o Criador de todos os homens,
viesse pesquisar entre todas as Suas criaturas humanas, e que o Deus de Israel viesse sondar
entre o Seu povo escolhido, em busca de único indivíduo para ser Seu intermediário em Seu
propósito benévolo para com aquela nação, mas procurasse o mesmo em vão! Infelizmente
esse mesmo episódio se vem repetindo através de todos os séculos desde então, fato esse que
têm sido responsável por adiamentos dolorosamente prolongados, e até mesmo períodos de
inação quase completa, na realização do gracioso desejo e desígnio de um Deus amoroso, o
de reivindicar novamente para Si um mundo que prefere ficar alienado Dele.
Instâncias marcantes, nas quais Deus buscou e usou homens como Seus instrumentos
selecionados, jazem em todas as páginas das Escrituras. A Moisés, na sarça ardente, disse
Ele: "Certamente vi a aflição do meu povo, que está no Egito... por isso desci a fim de livrá-
lo... Vem, agora, e eu te enviarei... para que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito". A
Isaías, clamou o Senhor desde o Seu trono celestial: "A quem enviarei, e quem há de ir por
nós?" A Jonas, o Senhor baixou a ordem: "Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive, e
proclama contra ela a mensagem que eu te digo". Por repetidas vezes, no Antigo Testamento,
lê-se que Ele diz: "...começando de madrugada, lhes enviei os meus servos, os profetas..."
(Jeremias 29:19), com mensagens à Sua rebelde e desviada nação de Israel. Em seguida, o
Novo Testamento fala sobre como o Senhor Jesus enviou primeiramente os doze, e então os
setenta, e, finalmente, como comissionou os apóstolos e a Igreja inteira, após Sua
ressurreição, para que espalhassem as boas novas de Sua salvação.
É evidente que a obra do testemunho evangélico não teve a intenção de ser confinado
por Cristo a qualquer classe selecionada de pessoas que ocupam posições oficiais dentro da
Igreja, mas antes, que isso deve ser compartilhado por todos os crentes, de conformidade com
suas várias capacidades e oportunidades. O trecho de Efésios 4:11, 12 diz que o Cristo
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assunto ao céu "...concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas,
e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos, para o
desempenho do seu serviço, para a edificação do Corpo de Cristo". Essa versão corrigida
dissipa a impressão errada, deixada por algumas versões, como a King James Version, de que
"o ministério" está confinado àqueles que ocupam posições oficiais como apóstolos, profetas,
evangelistas, pastores e mestres, e que os demais membros das igrejas, chamados leigos, não
tem parte na obra de evangelização. Não, esses oficiais tem por função, em suas respectivas
posições, edificar o Corpo de Cristo, ou seja, todos os crentes, liderando-os em um "trabalho
ministerial" coletivo, do qual cada membro de igreja participe.
Em certo sentido, portanto, cada verdadeiro crente, ou membro autêntico do Corpo de
Cristo, é um missionário, um "enviado" que compartilha tanto do privilégio como da
responsabilidade de levar a bom termo a Grande Comissão. Todavia há um outro sentido em
que a palavra "missionário" é geralmente empregada e que designa aqueles que se dedicam de
tempo integral ao serviço de anunciar o evangelho aos outros, e particularmente às terras
estrangeiras, que ainda não foram evangelizadas. É para esse último aspecto do vocábulo
"missionário" que desejamos conduzir os nossos leitores.
Quem é chamado para a obra missionária? Como pode alguma saber se foi chamado
como missionário? Sobre qual base repousa essa decisão? Em outras palavras, de que
realmente consiste o chamamento missionário? Essas perguntas são constantemente feitas por
jovens e fervoros crentes. Temo-las enfrentado repetidamente nos institutos bíblicos, nas
conferências missionárias, e em outras conexões. Todos admitem que são perguntas
importantes, e quando feitas honestamente, reclamam uma consideração cheia de simpatia e
minuciosa. Pois nada poderia ser mais vital, para aqueles que pretendem atirar-se aos campos
missionários do que terem a certeza absoluta da chamada e da liderança do Senhor, ao tomar
esse passo importantíssimo. Sem tal certeza, o indivíduo fica exposto a dúvidas atrozes e a
sutis insinuações instiladas pelo Maligno, ao defrontar-se com as muitas e severas provações
e testes, que são inseparáveis da vida e labor missionário. Citando as palavras de Hudson
Taylor: "O missionário que não tem certeza sobre esse particular, em muitas ocasiões ficará
quase à mercê do grande Adversário. Quando se levantarem as dificuldades, quando estiver
em perigo ou enfermidade, será tentado a levantar a questão que deveria ter sido solucionada
antes de partir de sua terra natal: "Não me encontrarei no lugar errado?"
Todavia, pontos de vista completamente diversos existem, no que toca ao que consiste
a chamada missionária. Parece haver muitos que não tem visão clara quanto a isso, e somos
obrigados a dizer que há muita nebulosidade, ilusão e sentimentos falsos acerca dessa
questão, e, em certas oportunidades, até mesmo evasão e falta de sinceridade. Tentar resolver
a questão à base do fato do indivíduo sentir-se chamado ou não sentir-se chamado, é perder
totalmente o fio da meada. O que, portanto, deve ser considerado a verdadeira natureza e o
correto fundamento da chamada missionária? Não possuímos fórmula mágica ou prescrição
patenteada a oferecer a nossos leitores. Simplesmente nos voltamos quanto a este problema,
como no que respeita a todos os outros, para a Palavra de Deus, em busca de soluções. Nesse
caso, é apenas natural que nos voltemos em particular para o livro de Atos, conforme está
designado e, conforme cremos, seja o manual inspirado, escrito para orientar a Igreja Cristã
em tudo quanto pertence ao seu empreendimento missionário. Sugerimos que na visão e
chamamento da Macedônia, dados ao apóstolo Paulo, Deus nos forneceu um modelo claro e
satisfatório para a chamada missionária da atualidade. Por conseguinte, demos nossa mais
cuidadosa atenção, ao que encontramos registrado no capítulo décimo-sexto do livro de Atos.
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Ninguém pode ler esse capítulo sem ficar impressionado com a notável e
extraordinária natureza do incidente mencionado em os versículos sexto e sétimo. O apóstolo
Paulo, com dois obreiros colegas, encontrava-se em sua segunda jornada missionária, através
da Ásia Menor; e estavam prestes a penetrar na província da Ásia quando, subitamente, o
Espírito Santo lhos "proibiu" isso. Voltando sua atenção para o norte, "tentavam ir para
Bitínia", uma outra província romana, "mas o Espírito de Jesus não o permitiu". Pensai nisso!
Não se compunha de um grupo de preguiçosos negligentes, de crentes mundanos, mas antes,
de obreiros intensos e consagrados, que trabalhavam para o Senhor, e que estavam atarefados
em um viagem de pregação do evangelho. A despeito de tudo, por duas vezes foram
peremptoriamente ordenados a parar, por uma proibição divina.
Que poderia significar tal proibição? Será que não havia mais necessidade, na Ásia e
na Bitínia, e que todos ali já se haviam convertido ao Senhor? Certamente não, conforme é
evidenciado pelo fato que Paulo, posteriormente, foi conduzido pelo próprio Espírito Santo
de volta à Ásia, onde passou dois anos pregando em sua capital, a cidade de Éfeso, e com a
manifesta aprovação e benção do Senhor sobre o seu ministério ali. (Ver capítulo dezenove de
Atos).
O que queria dar a entender o Espírito de Deus, nesse caso, ao fazer aqueles
missionários estacarem no limiar daquela província na ocasião anterior já mencionada? A
inferência é clara, a saber, que Ele queria dar a entender que se deve insistir sobre uma igual
oportunidade de todos ouvirem a mensagem da salvação, sem dar privilégios maiores às
almas de uma área, em detrimento das almas de outras regiões. Paulo se propunha passar
pela segunda vez por um território que já antes cobrira, sem lembrar-se do fato que
justamente do outro lado do mar Egeu havia um grande país, e, de fato, um continente inteiro,
que ainda não tivera sua primeira oportunidade de ouvir o evangelho. Embora fosse o
missionário mais adiantado de sua época, e o maior estadista-missionário de todos os séculos,
e possuísse uma visão missionária verdadeiramente ampla, contudo, nem mesmo ele
levantara os olhos para ver além dos confins de seu próprio continente asiático. Deus teve de
utilizar-se desse meio para expandir mais seu horizonte, levando-o a pensar não meramente
em termos provinciais ou mesmo continentais, mas antes, em termos do mundo inteiro. A
visão do Espírito Santo em muito ultrapassava a de Paulo. Outrossim, Ele previa a posição
dominante que a Europa estava destinada a ter, bem como a poderosa influência que aquele
continente haveria de exercer, nos negócios do mundo inteiro, no futuro; e tudo isso tornava
mas urgente que lhe fosse outorgada a luz do evangelho.
Que admirável ligação encontramos aqui, não apenas para o apóstolo Paulo, porém,
igualmente para todo outro obreiro cristão, e para cada crente evangélico! O Senhor exorta o
Seu povo a que amplie seus horizontes apertados, a enlarguercer suas simpatias estreitas, a
estenderem seus esforços limitados, e a se tornarem crentes de visão mundial, em seus
pensamentos e ações.
Alguém já declarou que ninguém tem o direito de ouvir o evangelho por duas vezes,
enquanto outrem não já o tenho ouvido por uma vez. Isso talvez seja uma afirmação
extremista, e nem é preciso que a tomemos por demais literalmente; todavia, expressa um
princípio verdadeiro que deveria governar a atividade evangélica, porquanto enfatiza o amor
imparcial de Deus por todos os homens, sem importar o clima em que vivam, a raça ou a cor
de sua pele, já que deseja que o Pão da Vida seja distribuído imparcial e igualmente a todos.
Na instância que estamos considerando, Ele ordenou deliberadamente que os missionários
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fizessem alto em sua campanha missionária nacional, digamos assim, enquanto a
negligenciada fase estrangeira, do grande cometimento missionário, não fosse trabalhada.
Cremos que muitos são os casos que o Senhor gostaria de orientar semelhantemente, nos dias
que correm.
O incidente que temos à nossa frente também nos faz lembrar solenemente quão
inadequada é a sabedoria humana, ainda que a mais excelente, para que por ela orientemos
nossa política e operações missionárias. A despeito da liderança notável de Paulo e de sua
madura experiência, bem como de sua total sinceridade de motivos e sua profunda devoção,
naquela conjuntura ele teria dado um passo equivocado, não tivera o fiel Espírito de Deus
instruído e corrigido os seus pensamentos. Quão constantemente os missionários, quer jovens
quer idosos, sem importar seus talentos ou experiências, necessitam de depender, do princípio
ao fim, e em questões de toda a natureza imaginável de uma sabedoria mais alta que a deles
mesmos, esperando humilde e continuamente do Senhor, para que sejam bem orientados!
E então, passando para os versículos oitavo e nono, defrontamo-nos com a solicitação
do "homem da Macedônia", que apareceu ao apóstolo em sua visão. Quem seria esse homem?
Seria um homem real? O apóstolo posteriormente ter-se-ia encontrado com ele, ao chegar a
Macedônia? Essas perguntas tem sido freqüentemente feitas e discutidas. Em nossa opinião, o
homem da Macedônia não era um homem verdadeiro, mas antes, a personificação ou retrato
visual da necessidade espiritual da Macedônia. Da mesma forma que a gravura do George
Washington, projetada momentaneamente sobre uma tela, far-nos-ia lembrar imediatamente
dos Estado Unidos da América, e dos quais ele aparece como um símbolo, semelhantemente,
o aparecimento daquele homem a Paulo, em uma visão, foi o modo por que Deus chamou sua
atenção para a Macedônia, em sua urgente e ainda insatisfeita necessidade espiritual. Ao seu
clamor: "Passa à Macedônia e ajuda-nos", o apóstolo notou um apelo missionário dramático e
arrebatador. A mensagem a Paulo e seus colegas, foi: A MACEDÔNIA PRECISA DO
EVANGELHO. A Macedônia, para dizer a verdade, tinha muito em seu favor, e do que
poderiam seus habitantes ufanar-se com justiça. Tinha sua arte, filosófica e religião gregas;
suas escolas e templos; seus poetas, sábios e oradores. Mas a Macedônia estava sem o
evangelho, sem a mensagem de salvação - necessitava de Jesus Cristo, e o apelo mudo dessa
visão foi: "Tragam-nos o Salvador".
Não são os países pagãos e muçulmanos do mundo atual um paralelo exato da
Macedônia, quanto a esse respeito? A China, o Japão, a Índia e os países, similarmente, têm
muito de notável e de recomendável em sua história nacional, em sua literatura, em suas artes
e em sua indústria, em seu vasto depositório de conhecimento empírico acerca de muitas
coisas. Todavia, estão destituídas do evangelho, da mensagem de salvação, a menos que lhe
levemos a boa nova das terras do ocidente, tão favorecidas por Deus.
A civilização ocidental estará disposta a satisfazer à necessidade espiritual dessas
terras? Certamente que não! Estradas de ferro, automóveis, energia elétrica, máquinas de
costura, canetas-tinteiros, e uma multidão de outros objetos importados do ocidente não
levam aqueles povos um centímetro mais perto da salvação. E apesar do que a introdução de
métodos comerciais mais atualizados do ocidente, ruas mais largas, melhores situações
sanitárias, novos estilos da moda, e muitas conveniências modernas e aparelhos mecânicos de
muitas espécies tenham a vantagem de elevar o padrão de vida, de melhorar as condições
domésticas, de estimular o comércio e de aumentar as oportunidades para ganhar dinheiro e
seguir os prazeres mundanos, essas coisas, por si mesmas, em nada ministram às almas dos
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homens. Outrossim, uma seríssima acusação pode ser lançada contra a civilização ocidental,
devido às vintenas de suas influências maléficas sobre o povo das terras onde operam as
missões, por causa do dilúvio de vícios morais introduzido e do chocante mau exemplo de
muitos que seus representantes tem dado, por sua conduta vergonhosa. É fato triste que
sempre que o ocidente e o oriente se encontram, fora do contato missionário evangélico, o
resultado disso, em suas linhas gerais, tem sido o de contribuírem um para o outro os seus
respectivos vícios, e não as suas virtudes. E se qualquer outra coisa precisa ser dito,
precisamos tão somente apontar para o horrendo espetáculo que a I Grande Guerra e a II
Guerra Mundial deixaram, e que teve a participação das principais nações civilizadas do
mundo, para que todas as nações contemplassem a cena. Não, a civilização ocidental fica
tristemente aquém da altura para que satisfaça à necessidade dos povos pagãos e islâmicos.
A educação satisfará tal necessidade? Aqui, uma vez mais, a resposta tem de ser um
enfático "não". A tentativa para obtenção desse alvo fracassou mui significantemente. Sempre
que os governos ocidentais tem levado a efeito programas educacionais em países sob o seu
controle, mas tem excluído o ensino cristão de seu currículos, o resultado tem sido o de
colocar novas e formidáveis armas nas mãos daqueles que se ressentem de tal império e que
embalam a esperança de derrubá-lo. Há anos passados, um recenseamento religioso de 5 mil
estudantes japoneses, da universidade de Tóquio, efetuado segundo padrões ocidentais, deu
este notável resultado: confucionistas, 6; xintoístas, 8; budistas, 300; cristãos, 30; ateus, l.500;
agnósticos, 3.000. Eis um chocante mais verdadeiro exemplo do que resulta da educação
liberal, quando despida do ensino e da influência dos cristãos genuínos. A mesma coisa é por
demais evidente em nossa própria pátria norte-americana.
Não, nem a civilização, nem a educação, nem qualquer outra coisa que não seja o
evangelho de Cristo pode satisfazer à necessidade fundamental daquelas regiões que em
nossos dias são o paralelo da Macedônia da época do apóstolo. Elas precisam possuir no
coração a Jesus Cristo.
Queremos dar agora, porém, um passo adiante. Dizer que a Macedônia necessitava do
evangelho não é a mesma coisa que dizer que a Macedônia queria o evangelho. Não lemos
que quando Paulo atravessou o mar Egeu e entrou na Macedônia encontrou uma multidão de
almas inquiridoras, esperando ansiosamente por ele na praia, ou mesmo quando entrou na
cidade de Filipos. Nem é essa a experiência dos missionários evangélicos de nossos dias, ao
chegarem a um campo missionário no estrangeiro. Esse fato não nos deve surpreender,
todavia, nem deve ser para nós motivo de desânimo. Como poderiam os macedônios desejar
alguma coisa que nunca tinham ouvido? Assim sendo, o começo da obra missionária, naquele
solo virgem, não foi espetacular, mas pequeno e humilde, e os mensageiros de Deus tiveram
de avançar com paciência, passo a passo, orando constantemente pela orientação do Espírito.
Isso fizeram, e com confiança, certos de que Deus os havia chamado e os guiava, e que, por
conseguinte, sua vinda até ali não seria vã.
Nem foram deixados por muito tempo sem evidências visíveis desse fato, porquanto
se haviam passado apenas uns poucos dias até entraram em contato com Lídia, a quem "o
Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia", e tornou-se a primeira
pessoa européia convertida a Cristo. O Senhor não lança os Seus servos em algum projeto
fútil ou mera aventura. Quando Ele deu a Paulo a visão em Trôade, Seu Espírito já agia na
Macedônia, preparando tudo para sua chegada. Semelhantemente sucede hoje em dia, no caso
de cada missionário que Deus chama e envia. Todo enviado descobre que Deus já fora antes
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dele, preparando o caminho e abrindo os corações de "certos homens e mulheres" para que
recebam sua mensagem, de tal maneira que, mais cedo ou mais tarde, apareçam frutos que
muito o alegram. Esse tanto podemos asseverar, à base de nossa própria experiência e de
outros, em campos missionários pioneiros. E que bendita experiência é sermos o elo de
ligação entre Deus e as almas preciosas do paganismo, cujos corações são abertos por Deus
ao evangelho, e assim servimos de instrumento para conduzi-los à gloriosa luz do evangelho!
Passando a examinar o versículo décimo, descobrimos na reação de Paulo e seus
companheiros que a visão do homem da Macedônia lançou-lhes uma luz bem definida sobre a
questão do chamamento missionário. O versículo diz: "Assim que teve a visão,
imediatamente procuramos partir para aquele destino, concluindo que Deus nos havia
chamado para lhes anunciar o evangelho". Consideremos seus estágios um por um.
"Assim teve a visão..." Isso simplesmente significa, "Assim Deus apresentara à
atenção de Paulo certos fatos para os quais nunca antes voltara os olhos". Ali, em um outro
continente, jazia uma terra que até o momento não tivera a sua primeira oportunidade de
ouvir sobre o único Salvador, enquanto que ele limitava seus esforços e atenção ao povo que
já tinha ouvido esse anúncio. Não que todos os ouvintes da mensagem a tinham aceito, e nem
mesmo que cada indivíduo da Ásia e Bitínia entrou em contato pessoal com os missionários
do evangelho. Mas, pelo menos, até certo ponto haviam sido iluminadas aquelas regiões,
enquanto que nem um único raio de luz do evangelho havia ainda penetrado na Macedônia.
Ora, essa é justamente a "visão" que o Senhor deseja estampar perante o Seu povo atual,
acerca de terras do além-mar, onde milhões e milhões de almas vegetam ainda nas trevas do
paganismo, sem ao menos ouvirem falar em Sua salvação. E não podemos nos desculpar
escudados na ignorância do fato, como Paulo, em certa medida, talvez tivesse podido fazer,
por causa do conhecimento muitíssimo mais vasto que possuímos quanto às condições de
vida de outras partes do mundo, bem como por causa dos melhores meios de transportes
através dos quais podemos atingi-las. Os fatos acerca das nações pagãs da atualidade
conhecemos muito bem, ou podemos aprender prontamente, quando quisermos estudar sobre
as mesmas; e essas fatos tornam-se quais dedos indicadores a apontar qual a nossa
responsabilidade e dever.
"...imediatamente procuramos partir para aquele destino (Macedônia)..." Que
admirável resposta dos missionários a esse chamamento de Deus! Não houve apresentação de
desculpas nem álibis! Não argumentaram à base de "muito trabalho a fazer em nossa própria
terra"! Não se defenderam alicerçados em motivos pessoais, de não poderem eles
abandonarem a pátria procurando assim transferir para outros a responsabilidade da ida! E
quão eternamente gratos a Deus deveríamos ser por tudo isso, e pelo fato que Paulo não foi
"desobediente à visão celestial", mas antes, foi! Poderíamos jamais esquecer que introduzindo
como fez o evangelho na Europa, iniciava ele a iluminação e a transformação espirituais
daquele continente de onde vieram os nossos antepassados, e que a diferença entre o que
somos atualmente e o que eram nossos progenitores pagãos, pode ser atribuída aos trabalhos
pioneiros daquele nobre missionário, o grande apóstolo aos gentios? E então, a menos que
nós, os crentes, nos contentemos em ser conhecidos como ingratos, seguiremos o exemplo de
Paulo, fazendo tudo quanto está ao nosso alcance para levar avante, e com a maior presteza
possível, o bendito evangelho que tem transformado as vidas. Compete-nos anunciar
fervorosamente o evangelho aos continentes cujos povos ainda jazem nas trevas e na sombra
da morte, por nunca lhes ter sido dada a Luz da Vida.
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A linguagem empregada nesse versículo, todavia, exige que lhe dediquemos ainda
mais cuidadoso escrutínio. Notemos a palavra "imediatamente". Fala de uma pronta
obediência à chamada de Deus, sem adiamentos, sem procrastinações, mas antes, a ação
imediata, desde o momento em que Sua voz foi ouvida. Estamos cônscios da possibilidade de
corrermos à frente do Senhor, mas existe o perigo ainda maior de ficarmos para trás, de
deixarmos de realizar aquilo que nos ordenou, assim que a ordem foi baixada. Podemos
relembrar muitos casos trágicos desse fracasso, em que jovens crentes ouviram a chamada de
Deus e tiveram a visão de Seu plano para eles, mas permitiram que uma coisa ou outra os
impedisse de prestarem uma obediência pronta e implícita, com o triste resultado que a visão
se dissipou, perderem toda a espiritualidade, e anos depois sentiam-se tocados pelo remorso,
ao relembrarem da ocasião em que Deus lhes falou, mas em que deixaram de dar ouvidos à
voz de Cristo e agir, assim perdendo as melhores bênçãos que Deus tinha para suas vidas. Se
damos valor às nossas almas, tenhamos o cuidado de não ceder perante a sutil tentação de
procrastinar e adiar, não tomando o primeiro passo definido para avante, ao longo da vereda
que Ele nos revelou.
Seguem-se ainda as palavras "...procuramos partir..." Essa declaração expressa um
propósito genuíno e um esforço honesto para ir, que é tão diferente da passiva "disposição",
que muitos jovens professam possuir, mas que não encaram seriamente a questão nem tomam
qualquer passo prático para que vão. Infelizmente é possível a alguém ser emocionalmente
impulsionado pelo apelo missionário, até o ponto de levantar uma das mãos, como resposta,
mas sem qualquer cristalização do gesto, em propósito definido e avanço. Em não poucos
casos, tememos, esse sinal externo, como resposta, é mero gesto para aliviar os sentimentos
do momento, com a esperança secreta, quiçá, que o Senhor não pressione mais ainda a
questão. A impressão deixada, dessa maneira, é apenas superficial e transitória, e logo
desaparece e é esquecida.
O encontro de dificuldades no caminho daquele que quer pôr em obras a sua resolução
missionária, deveria ser reputado como uma indicação não que o Senhor não queira que
vamos, o que só pode conduzir ao desencorajamento e ao abandono do alvo colimado. Os
obstáculos não são para surpreender, mas antes, já devem ser esperados, sendo tanto a
tentativa do diabo para lançar uma pedra de tropeço como meio utilizado pelo Senhor para
testar nossa sinceridade e vigor de propósito; e desse modo somos preparados para
dificuldades e provações ainda maiores, que teremos fatalmente de enfrentar no campo
missionário.
A sentença seguinte, "...concluindo que Deus nos havia chamado..." é especialmente
significativa. "Concluindo" não é linguagem dos meros sentimentos, mas antes, de um
raciocínio pensativo e lógico. De fato, é quase a linguagem da matemática, que reúne dois
mais dois e calcula o resultado, que inquestionavelmente é quatro. A idéia de algumas
pessoas, de que a chamada missionária pertence ao terreno das emoções, é totalmente errônea.
Naturalmente que Deus pode guiar-nos por meio de nossas emoções. Se Ele assim quiser
fazê-lo, porquanto Ele mesmo nos criou com emoções. Mas com a mesma segurança pode
guiar-nos através de nossa faculdade da razão, quando essa é rendida a Ele. Foi desta última
maneira que Ele orientou o apóstolo Paulo, no caso que estamos considerando. Duas portas
haviam sido fechadas à sua frente, em rápida sucessão, e então veio a visão do homem da
Macedônia, que tão profundamente o impressionou. Ali estava uma grande necessidade, até o
momento ainda por satisfazer, enquanto que a Ásia e a Bitínia, ainda que continuassem em
necessidade, pelo menos já haviam recebido alguma oportunidade de ouvir sobre Cristo.
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Reunindo todos esses fatos, e ponderando sobre os mesmos em oração, Paulo e seus colegas
de trabalho foram levados a concluir (...concluindo...) que a vontade de Deus é que
atravessassem para a Macedônia. Foi uma sã dedução, à base dos fatos, que mentes e
corações plenamente entregues ao Senhor e sob o Seu controle, perceberam. Não estavam
equivocados em seu raciocínio e conclusão, como a seqüência do relato deixou claramente
comprovado.
A verdade que desejamos salientar, e que é esclarecido por esse incidente sobre a
Macedônia, é que o genuíno chamamento missionário repousa sobre a base não dos
sentimentos, e, sim, dos fatos, tal como também a nossa própria salvação. Deveria haver, e de
fato há sentimentos associados a essa chamada, mas tais sentimentos não efetuam a chamada,
nem servem de seu alicerce. Ora, existem dois grandes fatos básicos que subjazem uma
chamada missionária verdadeira e satisfatória, e esses fatos são bem ilustrados pela visão do
homem da Macedônia, que foi dada a Paulo. Pois aquela foi uma visão dupla, que combinou
fatores celestiais e terrenos.
Em primeiro lugar, foi uma benção celestial. Não restam dúvidas quanto a isso. Veio
da parte de Deus, que falou a Paulo e lhe deu certa revelação de Sua vontade, de tal modo que
as palavras do apóstolo, "não fui desobediente à visão celestial" (Atos 26:19), se aplicam a
essa visão tão certamente como àquela visão anterior a que ele aludia, em sua defesa perante
o rei Agripa. O primeiro fator essencial da chamada missionária autêntica é a revelação da
vontade divina. Como se pode obter tal revelação? Teríamos de receber visão similar àquela
de Paulo? Deve-se esperar algum drama espetacular e alguma voz audível vinda do céu? De
maneira alguma. A revelação da vontade divina se encontra na inspirada palavra escrita de
Deus, com a qual nos presenteou, de tal forma que não mais precisamos de uma visitação
especial do alto, tal como a que veio a Paulo. E segundo alguém expressou com essa verdade:
"chamada missionária, agora, não é uma voz, mas um versículo". Conforme temos visto nos
capítulos passados, a Palavra de Deus deixa perfeitamente óbvio que a Sua vontade é que o
evangelho seja anunciado a toda a humanidade, e todo filho de Deus deveria ter o mais
profundo interesse em descobrir, e então cumprir, a parte que lhe foi ordenada nesse grande
empreendimento.
Em segundo lugar, foi uma visão terrena. A Macedônia não era um mito ou fantasia:
era um lugar no mapa. Era um país habitado por pessoas destituídas do evangelho, e que
precisavam do mesmo. Se Paulo ainda não ouvira falar dessa nação, ou se ainda não
considerara em visitá-la, Deus chamou assim sua atenção para ela, tornando-a alvo de seu
interesse pelo momento. Isso nos fornece o segundo fator essencial de todo legítimo
chamamento missionário, que é a revelação da necessidade humana. E como se pode obter tal
revelação? Obviamente familiarizando-nos com os fatos salientes e concernentes às diferentes
regiões do mundo, particularmente no que concerne seu suprimento e necessidade da luz do
evangelho. A facilidade que há de aprender-se esses fatos na atualidade à tão generalizada e
abundante que nenhum crente inteligente pode desculpar-se com razão de permanecer
ignorante deles.
Já se disse acertadamente que "uma necessidade, o conhecimento dessa necessidade, e
a capacidade de satisfazer a essa necessidade é que constituem a chamada". Foi essa lógica
dos fatos que apelou para Keith Falconer, aquele heróico nobre escocês que levou avante a
trilha do evangelho até à "ignorada península" da Arábia. "Enquanto vastos continentes
jazerem ainda envolvidos na quase total escuridão, e centenas de milhões das criaturas
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humanas sofrerem os horrores do paganismo e do islamismo, repousará sobre nós a
responsabilidade de provar que as circunstâncias que Deus nos impôs são justamente as que
nos impedem de irmos para esse campo missionário no estrangeiro". Tiago Gilmour, o bravo
pioneiro entre os nômades da Mongólia, proferiu palavras não menos reforçativas e
convencedoras: "Para mim a questão não era por que ir? Mas antes, por que não ir? Até
mesmo baseado no terreno inferior do bom senso, eu parecia ter sido chamado para a carreira
missionária. Pois o reino não é um campo a ser ceifado? Portanto, julguei ser apenas razoável
buscar o trabalho onde o trabalho era mais abundante, e os obreiros eram mais escassos".
Se juntarmos agora esses dois aspectos da visão do homem da Macedônia, segundo
apresentados nos parágrafos acima, ou seja, o aspecto celestial e o terreno, os fatores divinos
e humanos, encontraremos a base bíblica mais sólida para a verdadeira chamada missionária.
Tal chamamento depende não dos sentimentos, mas de dois grandes fatos: primeiro, o fato da
vontade de Deus, segundo é revelada na Palavra; e em seguida o fato da necessidade humana,
segundo é revelada no mundo. Somente após uma consideração honesta e séria dessas duas
realidades é que qualquer crente pode chegar a uma decisão inteligente e consciente sobre
onde e em que lugar deveria ele encontrar-se, a fim de ajudar no cumprimento da grande
tarefa da Igreja de Cristo sobre a terra, a saber, a pregação do evangelho ao mundo inteiro.
A convocação ao serviço militar fornece-nos uma ilustração conveniente sobre o que
estamos procurando enfatizar, com respeito ao serviço missionário. Este país, quando em
estado de guerra, declara uma convocação geral de seu contigente militar, em termos segundo
os quais todo o homem em idade de servir e em boas condições de saúde fica inscrito para o
serviço ativo no exército. A norma é ir, e não permanecer. Os únicos que tem pleno direito de
isenção são aqueles desqualificados para o serviço no além-mar, ou aqueles que podem servir
melhor à sua nação ficando na própria terra. Exatamente assim deveria suceder no caso da
guerra missionária da Igreja. Em vista da ordem imperativa de Cristo, "IDE", e da
necessidade esmagadoramente maior em campos estrangeiros do que em nossa pátria, a
lealdade a Ele e o amor às almas constituem uma reivindicação compelidora que pesa sobre
os crentes em todos os níveis de idade, saúde e qualificações, e as circunstâncias
providenciais possibilitam-nos responder pessoalmente a esse chamamento, "procurando
partir", enquanto todos os outros devem "ir" através de suas orações e contribuições,
conforme a plena medida de sua capacidade.
Uma palavra mais, talvez, devesse ser adicionada aqui para esclarecer um ponto que a
muitos deixa honestamente perplexos, e que talvez fustigue ainda a mente de alguns de meus
leitores. Tudo quanto foi dito, até este momento, relaciona-se à chamada em geral. Porém,
poderia ser perguntado: "E não devo esperar uma chamada pessoal, para um campo de
trabalho particular? "Nossa resposta é: "Sim, de fato; mas não enquanto não vos tornardes
idôneos para isso". Só podem esperar um chamamento especial aqueles que possam tomar
atitude correta em relação à chamada geral (a Grande Comissão), pondo-se sem reservas à
disposição do Senhor. Tudo é exatamente como no caso da vossa salvação. Não vistes vossos
nomes individuais no convite do evangelho ou na chamada lançada pelo Salvador, mas vistes
a palavra "todo", e, quando respondestes a essa chamada geral e vos apropriaste dela, então o
Espírito Santo particularizou pessoalmente a Sua chamada, e vos deu a certeza da salvação.
Outro tanto sucede quando aceitamos a chamada ou ordem geral da Grande Comissão, e
reconhecemos nossa responsabilidade perante a mesma - então é que nos tornamos idôneos
para receber uma chamada pessoal para algum posto ou campo particular de trabalho. O fato é
que, àquele que se entregou sem reservas ao Senhor, com o desejo único de conhecer a Sua
82
vontade e de preencher a vaga que Ele quer, qualquer que seja e onde quer que seja,
certamente será dada uma orientação firme, e tudo será esclarecido no tempo oportuno, até no
mais infinito detalhe. Ampla certeza sobre essa fato se descobre em Salmos 25:9; 32:8a e
João 7:17, além de muitos outros trechos bíblicos preciosos. Quando podermos dizer em
verdade, juntamente com Eliezer, dos dias antigos: "...estando (eu) no caminho...", então
também poderemos acrescentar, como ele fez: "... o Senhor me guiou..." (Gênesis 24:27).
Nada existe de mais vitalmente importante, para cada um de nós, do que conhecer a
vontade de Deus relativamente à nossa vida; e não pode haver alegria, nem paz, nem
satisfação tão grande como estar alguém perfeitamente dentro dessa vontade, bem como no
lugar apontado por Ele para nós, na bendita obra de levar a mensagem da salvação eterna a
um mundo perdido. "Que farei, Senhor?" (Atos 22:10).
83
Capítulo VIII
O DINHEIRO E AS MISSÕES
Luz bíblica sobre a mordomia missionária
Tendo tratado sobre o fator humano nas missões de evangelização, e tocado na
questão da chamada aos recrutas, passamos a considerar o fator monetário, ou seja, a questão
do sustento financeiro das missões, que tanto o dinheiro como homens é algo necessário, na
tarefa da evangelização do mundo, é algo perfeitamente óbvio. Equipar e enviar missionários
a terras distantes, e sustentá-los ali em suas atividades, é um negócio caro e dispendioso.
Juntamente com apelo de homens e mulheres vão em pessoa, portanto, avulta o apelo,
lançado ao povo do Senhor, em suas pátrias, que vão com a bolsa, isto é, que tornem possível,
mediante a consagração de seus meios financeiros, a ida daqueles que dedicaram suas vidas à
tarefa de anunciar o evangelho às terras distantes ainda são evangelizadas.
Essa necessidade nos defronta como assunto da mordomia cristã, no terreno do
dinheiro e das possessões materiais, tema este que se reveste de grande importância prática,
sobre o qual a Palavra de Deus muito tem a dizer. De fato, todos aqueles que não dedicaram à
questão qualquer pensamento sério, ficarão surpreendidos com a freqüência com que as
Escrituras se referem ao dinheiro. E isso não é de estranhar, mas antes, é apenas natural, posto
que a Palavra de Deus aborda tudo que diz respeito à vida humana, e o dinheiro certamente é
uma dessas coisas.
Começando pelo Antigo Testamento, chegamos antes de tudo ao Salmos 24:1, que
diz: "Ao Senhor pertence a terra, e tudo que nela se contém". Esse versículo, tememos, é com
demasiada freqüência reputado como mero exemplo do espírito poético dos hebreus.
Contudo, precisa ser considerado mais seriamente como declaração de uma realidade literal.
O mundo, com tudo quanto está nele contido, pertence ao Senhor, e Ele jamais abrigou Seus
direitos sobre qualquer porção do mesmo. O mundo não pertence a qualquer nação ou grupo
de nações, nem mesmo aos milionários ou multimilionários. Temos criado o hábito de falar
em termos de possessão de propriedades e objetos pessoais, mas em realidade nenhum
homem possui coisa alguma. Simplesmente nos é concedido usar aquilo que denominamos de
nossas possessões, para o breve período de nossa existência terrena, quando muito, e então
teremos de deixar tudo para trás. "Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa
alguma podemos levar dele" (I Tm. 6:7). É fundamental, para que se compreenda com
exatidão a mordomia cristã, que percebamos e aceitemos essa grande realidade. Somente
devido o favor de Deus todo-poderoso é que possuímos qualquer coisa, e Ele no-la pode tirar
a qualquer momento que assim deseja fazer.
A propósito do que acabamos de dizer, citamos abaixo a observação feita pelo
falecido Dr. A. J. Gordon, sobre as doações às causas evangélicas, em forma de donativos.
Alguns julguem suas palavras como um tanto irônicas, mas são dignas de séria reflexão. "Não
é distintamente asseverado nas Escrituras", escreveu ele, "que todos haveremos de
comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba o que fez através do corpo?
Nesse caso, pois, por que os crentes planejam tão industriosamente que suas melhores
doações só sejam efetuadas depois de terem saído do corpo? Há alguma promessa de galardão
para essa benevolência extra corpus? Muito se louva aos "donativos munificentes", para a
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obra do Senhor, da parte de pessoas que viveram egoisticamente a desfrutar de suas riquezas,
apegando-se às suas possessões materiais enquanto puderam, e somente depois que não mais
podem desfrutar das mesmas é que as "deixaram", para uma causa boa. Em muitos casos, não
seria mais benéfico para a causa em questão, mais agradável para o Senhor, e mais ricamente
abençoado para os próprios doadores, se suas doações, ou uma parte substancial das mesmas,
fossem feitos enquanto ainda viviam?
As relações de Deus com Israel, debaixo da lei mosaica, fornece-nos princípios
permanentes de Seu governo, para todas as épocas. Voltando-nos, por exemplo, para o
vigésimo-quinto capítulo do livro de Levítico, descobrimos Seus regulamentos, claramente
expostos, acerca da relação de Seu povo para com as propriedades, o trabalho prestado, os
juros cobrados, e coisas semelhantes. O versículo vinte e três serve de ponto de partida. Diz o
seguinte: "Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós
sois para mim estrangeiros e peregrinos". Ora, Deus prometera a terra de Canaã a Abraão e
sua descendência para todo o sempre (Gn. 12:7; 13:15; 17:8). Mas foi-lhes dado a entender
que isso não lhes conferia a possessão absoluta, mas tão somente direitos de empréstimos. E
esse fato foi confirmado pelo Senhor através do notável sistema de sabatismos, por Ele
estabelecido - o sétimo dia, a sétima semana, o sétimo mês, o sétimo ano, e finalmente, o ano
qüinquagésimo, ou ano de jubileu, o ano imediatamente depois do sétimo período de sete
anos. As leis concernentes a esses descansos tinham o desígnio de ensinar uma
importantíssima lição sobre a relação em que Deus considera aquilo que os homens chamam
de suas propriedades. Cada israelita era lembrado que a terra que arava pertencia, não a ele
mesmo, mas sim, a Deus. Que o seu tempo igualmente pertencia ao Senhor foi salientado
pelo fato de Deus requerer consagração absoluta a Ele, de cada sétimo dia; e que a terra era
possessão de Deus foi deixado claro por Sua ordem idêntica de que a terra não fosse
trabalhada a cada sétimo ano, mas que fosse deixada a descansar, e que isso também fosse
observado de cinqüenta em cinqüenta anos.
O versículo vinte desse mesmo capítulo antecipa a questão que naturalmente se
levantaria na mente de qualquer israelita, sobre como poderia ele substituir debaixo das
rígidas restrições que foram impostas: "Se disserdes: Que comeremos no ano sétimo, visto
que não havemos de semear nem colher a mesma messe? Então eu vos darei a minha benção
no sexto ano, para que dê fruto por três anos". Dessa maneira prática os hebreus foram
instruídos que "não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de
Deus", além de ter-lhes sido ensinada uma verdade vital para todos os tempos, a saber, que o
âmago de toda verdadeira religião é a confiança implícita em Deus, o que, naturalmente,
assume a jubilosa atitude de obediência a todos os Seus mandamentos e à Sua vontade
revelada.
Outros versículos desse mesmo capítulo estabelecem regulamentações que
governavam a transferência de terras e o labor forçado, devido a dívidas assumidas, além de
regulamentarem os empréstimos aos pobres e os juros que podiam ser cobrados, além de
outras transações próprias de uma comunidade humana. O ponto culminante e mais
impressionante dessa provisão é o ano de jubileu (o qüinquagésimo ano), com sua estipulação
sobre todas as dívidas, contratos de trabalho e transferência de terras, tudo que era cancelado,
e as respectivas propriedades revertiam ao seu plano original de distribuição entre as várias
tribos e famílias, de conformidade com seus números. O efeito visado de todas essas
regulamentações era o de impor uma forte restrição à cobiça natural do homem e sua
insaciável ganância pelas riquezas materiais; era o de manter, tanto quanto possível, uma
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distribuição eqüitativa das propriedades e do dinheiro, impedindo que alguns poucos
acumulassem-nos em excesso, ao custo do empobrecimento da maioria; e era o de inculcar o
sentimento de interesse altruísta e de consideração para com os outros, especialmente no caso
dos pobres e dos desafortunados, a fim de que vissem que o espírito de "piedade com o
contentamento" é um grande "lucro".
Que essas estipulações legais são praticáveis sob as condições da vida moderna, ou
que sejam moralmente obrigatórias até hoje, não exaure a nossa contenção inteira, embora os
legisladores da atualidade muito aproveitariam em ponderar sobre as leis que por Deus foram
dadas a Israel, as quais fornecem os princípios básicos de toda legislação sã para a vida diária,
e, mais particularmente, abordam os problemas continuamente repetidos de uma distribuição
equânime de riquezas e a prevenção de extremos perigosos de riquezas ou pobreza.
Entretanto, o ponto que desejamos frisar é a lição extremamente prática e sondadora
que essas regulamentações, estabelecidas por Deus, para Seu antigo povo de Israel, tem por
finalidade ensinar a todos os crentes de hoje em dia, quanto aos conceitos certos e errados e
ao emprego das possessões materiais, com as quais Ele nos abençoou. Apesar de ser verdade
que não estão os crentes debaixo das leis severas, impostas ao antigo Israel, contudo, devem
ser constrangidos pela lei do Espírito da graça, que age em seus corações, como o foram
aqueles primitivos cristãos logo após o Pentecoste, a respeito do quais lemos que: "Ninguém
considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era
comum" (Atos 4:32), e que depositavam à disposição do Senhor, para promoção de Sua
causa, tudo quanto possuíam.
Passando a examinar o oitavo capítulo do livro de Deuteronômio, descobrimos outra
exortação e advertência, da parte do Senhor, ao Seu povo de Israel, pouco antes de entrarem
na Terra Prometida. Ele passou em revista Suas graciosas relações e efeitos com eles, através
de suas jornadas pelo deserto, e demorou-se a narrar as coisas mais excelentes que os
aguardavam na boa terra a qual os estava levando. Mas foi nessa altura que os advertiu
intensamente sobre o perigo de, chegando eles à prosperidade e às riquezas materiais, e
esquecessem de suas obrigações para com Ele, que é a origem e o doador de todas as suas
bênçãos materiais. "Guarda-te não te esqueças do Senhor teu Deus... para não suceder que,
depois de teres comido e estiveres fartos, depois de haveres edificado boas terras, e morado
nelas... e se aumentar a tua prata a o teu ouro, e ser abundante tudo quanto tens, se eleve o teu
coração e te esqueças do Senhor teu Deus... Não digas, pois, no teu coração: A minha força e
o poder de meu braço me adquiriam estas riquezas" (Vers. 11-18).
Não são essas solenes palavras de advertência tão aplicáveis ao povo atual de Deus, e
tão necessárias como nos dias quando foram dadas pela primeira vez? Quantas são as
instâncias em que crentes, conscientes e féis em seu andar e testemunho em favor de Cristo,
durante os anos de renda modesta, tornaram-se muito menos conscientes fiéis quando seu
padrão financeiro melhorou substancialmente! Muitos que, quando mais pobres, tinham o
cuidado de separar a dízima de seus minguados salários, dedicando-a ao Senhor, embora isso
exigisse rígida economia e autêntico sacrifício, após adquirem riquezas caíram na negligência
e não mais foram dizimistas, posto que as coisas que alimentavam seu orgulho ou prazer
foram absorvendo gradualmente a sua atenção. "A tragédia de quem quer ganhar dinheiro,"
escreveu um observador capaz de pensar, é que se torna uma finalidade em si mesma, ao
invés de ser um meio para que se atinja um fim. Quando o indivíduo começa a multiplicar
riquezas, a questão em vista é se Deus ganhará uma fortuna ou perderá um homem".
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Paralelo ao pensamento expresso nessa passagem de Deuteronômio é o que se lê em
Provérbios 3:9, que diz: "Honra ao Senhor com os teus bens, e com as primícias de toda a tua
renda". Ora, vários são os meios pelos quais um crente, pode dar honra ao seu Senhor - por
sua conduta coerente, por sua fé nas promessas de Deus, por seu zelo no testemunho
evangélico, por suas ações caritativas, e assim por diante. Mas queremos mencionar aqui
ainda um outro modo mui distintivo pelo qual os filhos de Deus podem honrar (ou desonrar)
ao Senhor, a saber, suas relações para com o dinheiro ou seu equivalente em propriedade. É
de temer-se que alguns crentes, que de outras maneiras estão honrando ao Senhor, estejam
falhando nessa esfera particular. Para alguns, o teste do dinheiro parece ser mais severo de
todos.
No texto que acabamos de citar, a admoestação é seguida por uma promessa de
recompensa de natureza material, quando o crente honra a Deus com suas possessões
materiais: "E se encherão fartamente os teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus
lagares". Essa promessa do Antigo Testamento, que garante recompensa material em face da
obediência, não se encontra no Novo Testamento. Os filhos de Deus que vivem sobre a graça
não recebem a garantia de enriquecimento temporal, mas são ensinados a antes darem valor
às riquezas espirituais, e a pôrem suas afeições"...nas coisas lá do alto, não nas que são aqui
da terra..." (Colossenses 3:2).
Há, por exemplo, aquela amável certeza que nos é dada em Tiago 2:5: "Não escolheu
Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele
prometeu aos que o amam?" Não obstante, a verdade é que Deus continua controlando todas
as coisas materiais, e reserva para Si mesmo o direito de conceder, prosperidade financeira a
quem Ele quiser. Em determinadas oportunidades Ele acha por bem outorgar riquezas a certos
de Seus filhos, para que sejam canal de alívio dos santos mais pobres, ou para que sustentem
financeiramente o empreendimento da evangelização, que tanto O observe.
Um exemplo notável desse fato foi o do honrado Alfeu Hardy, de Boston, que usou o
seu dinheiro consagrado para tornar-se amigo e mandar educar um mancebo japonês que
conseguira escapar de sua terra nativa, como passageiro clandestino em uma escuna norte-
americana que se dirigia para Xangai, e dali conseguiu seguir caminho até os Estados Unidos
da América. Desse modo, o Sr. Hardy proveu o Japão com um de seus maiores apóstolos
evangélicos nativos, na pessoa de José Hardy Nessima. Mas esse é apenas um exemplo entre
os muitos crentes que têm honrado ao Senhor com suas posses materiais, e aos quais Deus,
por sua vez, honrou com riquezas crescentes, para serem despendidas em Sua causa, e em Sua
glória.
Outros casos notáveis, em nossos próprios dias, sobem-nos à memória, onde a
habilidade comercial e a capacidade de amealhar dinheiro foram postos à disposição do
Senhor, ao invés de serem usados exclusivamente para vantagem pessoal, de tal modo que
lucros crescentes foram jubilosamente devotados às missões evangélicas, em lugar de serem
gastos em uma casa melhor e luxos adicionais, ou então e acumulados em uma conta bancária
polpuda. Dessa maneira Deus é honrado pelos Seus servos leais, que aprenderam um melhor
modo de juntar tesouros no céu, ao invés de fazê-lo sobre a face da terra.
Examinando em seguida a profecia de Ageu, chegamos àquela mais transpassadora
das declarações com respeito ao dinheiro e sua relação para com o reino de Deus. Ageu 2:8,
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diz: "Minha é a prata, meu é o ouro, diz o Senhor dos Exércitos". Por muitas vezes sem conta
esse versículo é citado como certeza de que um rico Pai celestial fornecerá os fundos
necessários para Seus filhos que Nele confiam e trabalham para Ele. E mui similarmente são
citadas as palavras do Senhor que encontramos em Salmos 50:10. "Pois são meus todos os
animais do bosque, e as alimárias aos milhares sobre as montanhas". Ora, estamos longe de
querer privar qualquer filho necessitado ou servo do Senhor da certeza consoladora de que
Ele suprirá cada necessidade com as riquezas de Seus tesouros sem fim. De fato há um
sentido em que esses textos podem ser legitimamente aplicados dessa forma, de
conformidade com muitas outras passagens bíblicas que dão a mesma certeza e garantia.
O contexto do trecho de Ageu, todavia, mostra claramente o sentido primário, em as
passagens, é totalmente diferente disso. Em ambos os casos as palavras foram dirigidas por
Deus ao Seu povo, em tons não de consolo, mas da mais severa reprimenda.
Considerando a primeira passagem, no livro de Salmos, vemos que Ele protestava
contra a mera forma exterior de adoração, sem o acompanhamento imprescindível do coração.
Israel continuava a oferecer os sacrifícios de animais sobre o altar de Deus, conforme lhe fora
prescrito, ao mesmo tempo que em seus corações e em sua conduta, estavam todos muito
afastados do Senhor. Sob tais condições, esses sacrifícios não eram mais agradáveis, mas
antes, desagradáveis para o Senhor. Ele, portanto, falou com indignação, relembrando-lhes
que Ele não precisava das ofertas materiais que Lhe traziam continuamente: "Se eu tivesse
fome não to diria, pois o mundo é meu, e quanto nele se contem? Acaso como eu carne de
touros? Ou bebo sangue de cabritos?" Por conseguinte, a menos que suas ofertas fossem
acompanhadas de uma adoração genuinamente proveniente no coração, motivada pelo senso
de gratidão, seria melhor que descontinuassem completamente seus sacrifícios materiais.
Além disso, em relação à prata e ao ouro que Deus menciona no livro de Ageu, Ele
não tinha em mente, nessa passagem os abundantes depósitos desses metais preciosos, que
continuam inexplorados nas entranhas da terra ou distribuídos pela face do globo. Pelo
contrário, referia-se à prata e ao ouro na posse daqueles a quem se dirigia, e que
egoisticamente os gastavam em mansões confortáveis ou os entesouravam para o uso futuro,
ao mesmo tempo que negligenciavam a reconstrução do templo de Deus, o qual jazia em
ruínas. "Este povo diz: Não veio ainda o tempo, o tempo em que a casa do Senhor deve ser
edificada". E o Senhor acrescentou: "Acaso é tempo de habitardes vós em casas apaineladas,
enquanto esta casa permanece em ruínas?" Dessa maneira, o Senhor os repreendeu por
reterem egoisticamente, para si mesmos, aquilo que pertencia a Ele e deveria ser utilizado
para Sua adoração e serviço. E daí passa a testificar de Suas bênçãos para que tivessem
colheitas abundantes, as quais passariam a ser retiradas de forma que seus labores se
tornassem vãos, para que não mais prosperassem, mas padecessem necessidade. E segue-se a
exortação que diz: "Considerai o vosso passado... Subi ao monte, trazei madeira e edificai a
casa; dela me agradarei, e serei glorificado, diz o Senhor".
Certamente que a aplicação de todos esses ensinamentos ao povo que se professa
atualmente pertencente a Deus, deve ser perfeitamente clara. Se a prata e o ouro eram de
Deus, nos tempos de Ageu, sem dúvida não o são menos em nossos dias; e, se aqueles que
são seus seguidores professos da atualidade ignoram esse fato, negando-Lhe os Seus direitos,
e dando o primeiro lugar aos seus próprios interesses egoísticos, no que toca ao dinheiro que
por Ele lhes foi confiado, então não devem ficar surpresos quando Ele retirar Suas bênçãos
abundantes deles, permitindo que experimentem sofrimento e perda. Quer essa perda seja de
natureza material quer seja de natureza espiritual, e quer seja experimentada agora ou mais
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tarde, da soberania de Deus é que depende a decisão. Mas o certo é que tal castigo virá de
uma maneira ou de outra. "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que homem
semear, isso também ceifará". (Gl. 6:7). Ainda que esse texto seja usualmente seja citado em
conexão totalmente diversa, não nos devemos esquecer que ocorre dentro de uma passagem
que aborda diretamente o uso do dinheiro. Quão consoladoras, por outro lado, são as garantias
graciosas que o Senhor fez por intermédio de Ageu ao Seu antigo povo, de que restauraria
Sua presença e Sua benção contanto que recebessem Sua repreensão e correspondessem
afirmativamente ao Seu apelo! E o paralelo neo-testamentário é a admoestação de Cristo
contra a ansiedade e a preocupação em vista das necessidades temporais, bem como Sua
promessa acompanhante: "...buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e
todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt. 6:33). Quão admiravelmente o fato de
darmos o "primeiro lugar" às coisas primárias soluciona os problemas humanos, além de
glorificar a Deus!
Uma última passagem do Antigo Testamento, a que queremos fazer alusão, é a de
Malaquias 3:8-10. O pano de fundo da declaração de Malaquias era bastante parecido com a
situação encontrada por Ageu. Aqueles dias se caracterizavam pelo formalismo na vida
religiosa de Israel, e observâncias externas e mecânicas eram a forma habitual de adoração,
ainda que tudo estivesse despido de sinceridade e fervor de espírito, o que é o elemento que
empresta à adoração a sua natureza autêntica. O povo declinava espiritualmente, e os
sacerdotes se corrompiam. Exprimindo isso na linguagem do Novo Testamento,
encontraríamos em II Tm. 3:5: "...tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder".
A parte mais grave e triste acerca do caso era que estavam totalmente inconscientes do fato,
conforme fica evidenciado pela tonalidade de surpresa e indignação com que responderam à
acusação do profeta. Por sete vezes perguntaram eles: "Em que...?" ou expressão semelhante,
quando confrontados pelo profeta, exigindo que ele considerasse seus sacrifícios de animais,
suas ofertas, e sua estrita aderência a todas as regulamentações legais. Que quadro patético
sobre o contentamento com a teoria correta e com a forma ortodoxa de adoração, e até mesmo
orgulho nisso, enquanto que a sua própria condição espiritual era negra, por tanto se terem
desviado de Deus em seu coração e conduta!
É para certa acusação particular de Malaquias contra o povo que queremos chamar a
atenção de nossos leitores, porque refere-se diretamente à questão do dinheiro. "Roubará o
homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas
ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda.
Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-
me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar
sobre vós benção sem medida" (Ml. 3:8-10).
O sistema de dízimos, no antigo povo de Israel, mediante a décima parte de toda a
renda de um indivíduo, quer por aluguel de um terreno quer proveniente do trabalho manual,
deveria ser oferecido ao Senhor, provendo os meios de sustento para o tabernáculo e o
sacerdócio, era a mordomia da época. Mais que isso, porém, servia de meio para ensinar ao
povo de Deus que Ele tinha direitos sobre eles. O oferecimento dos dízimos servia de
reconhecimento do fato que tudo quanto possuíam pertencia a Deus. O Dr. G. Campbell
Morgan, em seu volume sobre Malaquias, salienta que a tradução "o dízimo inteiro", ao invés
de "todos os dízimos", é a preferível. Diz ele que "esta última tradução sugere uma religião
matemática ou mecânica, enquanto que o dízimo inteiro significa não apenas... a forma
externa, porém também a intenção do íntimo...' "Trazei o dízimo inteiro", e trazei-o na forma
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correta; e que isso seja o meio de reconhecermos o amor de Deus". Porém, parece óbvio que
Israel perdeu não só o verdadeiro motivo de suas contribuições, mas também que a
interrupção de suas ofertas fora causada por seu estado de desvio espiritual. Quão
severamente Deus os chamou à ordem, por causa dessa falha, acusando-os violentamente de
furto! Isso certamente mostra a seriedade da questão da contribuição dos próprios bens para o
Senhor e Seu serviço, e Seu povo atual bem faria em ponderar sobre essa questão. O Senhor
revelava-lhes que a infidelidade deles, nessa questão particular isolada, estava se sobressaindo
bem no caminho do derramamento de Suas bênçãos sobre eles. Daí se segue que Sua
reprimenda é acompanhada de um apelo patético e da promessa que se o "dízimo inteiro"
fosse trazido à casa do tesouro, Ele lhes abriria as janelas dos céus e lhes inundaria a terra
com um dilúvio de bênçãos.
É freqüente ouvir-se a citação dessa graciosa promessa em oração, fazendo dela a base
da solicitação que pede o derramamento de bençãos de qualquer natureza. Efetivamente, é
próprio orar nesse sentido, com a condição de ser observada a condição paralela. Mas a
cláusula, "...provai-me nisto...", precisa ser cuidadosamente observada, e particularmente a
palavra chave, "nisto" que se relaciona distintamente ao "dízimo inteiro"; ou, em outras
palavras, à fidelidade de Deus, na distribuição das coisas materiais. Já orastes por um
reavivamento espiritual em vossos próprios corações, ou em favor de alguma igreja ou
agrupamento evangélico em particular? Nesse caso, se a resposta ainda não veio é que deve
haver alguma razão obstaculizadora, porquanto Deus é invariavelmente fiel à Sua Palavra.
Embora a razão possa estar em uma só coisa ou em certo número de coisas, no caso que
temos à frente, o problema consistia de estarem "roubando" de Deus os donativos materiais
que Lhe eram devidos, e pelos quais Ele esperava. Que lição tremenda encerra isso para todo
crente - uma lição que todo pastor evangélico deveria enfatizar sobre as consciências de seu
rebanho!
Antes de deixarmos de lado essa passagem, resta-nos ainda um ponto a considerar. O
texto diz: "...Nos dízimos e nas ofertas..." O dízimo, ou décima parte, não perfazia a
totalidade das doações que a Israel cabia fazer a Jeová, mas tão somente o começo. Em adição
ao dízimo havia várias "ofertas", algumas prescritas e, por conseguinte, obrigatórias, e outras
expontâneas, e por isso mesmo, opcionais. Certo comentador moderado apresentou a
estimativa que as doações totais de um israelita devoto, para o serviço do Senhor, chegavam
não meramente a uma décima parte, mas a três décimas partes. Se essa proporção de seu
dinheiro, quer exigida quer esperada da parte dele, impunha-lhe dificuldades, lembremo-nos
que Aquele que solicitava tal sacrifício não era outro senão o Doador de "toda boa dádiva e
todo dom perfeito" às Suas criaturas, e que Ele era e continua sendo capaz de prover em
abundância, e está disposto a isso, para as necessidades daqueles que O amam, pois Ele
mesmo concede a eles a capacidade de Lhe darem ricamente. O ofertante fiel, portanto, não
tinha necessidade de ficar preocupado, mas podia ter a certeza de que do Senhor lhe adviria a
prosperidade e a provisão para as suas necessidades.
Tendo passado uma vista de olhos, em algumas das muitas passagens do Antigo
Testamento que dizem respeito às contribuições para a obra do Senhor, passamos agora a
examinar a abordagem mais completa sobre o assunto que lhe dedica o Novo Testamento.
Antes de tudo, desfaçamo-nos da idéia, de forma alguma incomum, de que em vista de
estarmos sob a graça, e não debaixo da lei, as exigências impostas àqueles que viviam sob a
antiga dispensação não tem sentido para nós. É idéia errônea. Deus é o mesmo, tanto agora
como naqueles tempos. Seus princípios em nada se alteraram, mas só mudaram Suas
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maneiras de tratar com Seu povo. Atualmente Ele opera não segundo a lei externa da
compulsão, mas pela influência íntima e constrangedora do Seu Espírito. Citando o Dr. G.
Campbell Morgan uma vez mais: "Não imaginemos que por estarmos vivendo em uma
dispensação espiritual não mais estejamos obrigados no que concerne às contribuições
materiais. A nós cabe trazer os dízimos. Não é exatamente o dízimo que Deus pede de nós,
mas é tudo! Podemos ter uma declaração proporcional, se assim o quisermos. Da mesma
forma que a dispensação cristã é superior à judaica, semelhantemente as minhas contribuições
devem ser maiores que a décima parte, e quando tivermos solucionado a primeira proporção,
começaremos a entender a segunda".
A lei real de Deus, relativamente às nossas contribuições, é: "...de graças recebestes,
de graça dai" (Mt. 10:8). Todavia, no Novo Testamento, a contribuição pecuniária não é
deixada aos impulsos ocasionais do indivíduo. Paulo, escrevendo para a congregação de
Corinto, estabeleceu instruções definidas, como segue: "Quanto à coleta para os santos, fazei
vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana cada um de vós
ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade..." (I Co. 16:1,2). Neste passo bíblico
vemos que as contribuições em dinheiro são reputadas parte da adoração do dia do Senhor,
juntamente com a oração e o louvor, e que esta deve ser voluntária e deliberada ("cada um de
vós ponha de parte, em casa"), sistemática ("no primeiro dia da semana") e proporcional
(conforme a sua prosperidade"). Não existe boas razões para que alguém imagine que essa
ordem apostólica não tem mais aplicação para os crentes, devido à passagem do tempo. Os
padrões de Deus são eternos. Seus mandamentos jamais sofrem alteração; e por isso é que
não podem ser ignorados com impunidade.
Voltando-nos para os evangelhos, descobrimos repetidas referências ao dinheiro,
feitas pelo Senhor Jesus. Lemos sobre como, de certa feita, Ele estava "assentado diante do
gazofilácio (tesouro)", observando o povo a depositar as suas ofertas. Se algum crítico vier a
julgar que essa ação não cabia bem a Cristo, que prestes conta a Ele, e não a nós. Permanece
de pé o fato que Jesus assim agiu, e, estamos certos, com motivos plenamente dignos. Não
estará Ele, similarmente, a observar e a tomar nota quando a bandeja de ofertas passa pelo
povo reunido em um templo evangélico, em nossos dias? Perguntamos se faria diferença, no
que é posto na bandeja de ofertas por alguns, se tivessem consciência que os olhos do Senhor
estão fixos neles. Porém, a mais importante lição desse incidente é que Jesus não mediu os
donativos pela quantia contribuída, mas pelo que isso custava aos doadores. Ele observava os
ricos, que davam de sua abundância. Foi nesse momento que chegou uma pobre viúva, e
contribuiu com duas moedinhas insignificantes. Então o Senhor abriu a Sua boca, do tesouro
de ofertas que Lhe haviam sido trazidas. Que disse Ele? "Em verdade vos digo que esta viúva
pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes". Ao assim declarar,
Ele media as dádivas não conforme as balanças humanas, mas conforme as balanças do
santuário; Sua estimativa não se baseava no valor intrínseco das ofertas, mas antes, na medida
de sacrifício que a doação exigia. As ofertas feitas pelos ricos não lhes impunham abnegação:
davam "daquilo que lhes sobrava", e por isso ainda lhes restava muito mais. A viúva, pelo
contrário, voltou para casa sem dinheiro, porquanto "deu tudo o que possuía".
Foi o caráter de sacrifício, do donativo feito pela viúva, que Jesus louvou, e isso se
aplica a todas as doações e a toda forma de serviço que Lhe é prestado. Semelhantemente, ele
louvou a unção de Seus pés por parte de Maria, em Betânia, pois reconhecia o sacrifício
pessoal que isso deve ter significado para ela, uma humilde mulher de aldeia, que teve de
economizar dinheiro por longo tempo de adquirir a libra do valioso ungüento com que Lhe
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ungiu os pés. De outra feita, uma mulher penitente agiu de modo similar, quando Jesus estava
reclinado na casa do fariseu, e quando o Mestre teve ocasião de confrontar a profunda piedade
e devoção dela com a falta de cortesia corriqueira, demonstrada por seu hospedeiro. Ele
recomendou o ministério dela por haver sido impelido pelo amor, e simplesmente
desconsiderou a hospitalidade do fariseu, por haver-se mostrado egoísta e sem sentimentos.
Assim é que o Senhor sempre distingue entre as doações feitas por motivos de vão
exibicionismo, ou por motivos interesseiros, das doações que trazem a marca do verdadeiro
amor e sacrifício.
Jesus, em Suas parábolas e discursos, por várias vezes mencionou o dinheiro. As
parábolas dos talentos e das moedas tratam distintamente desse assunto. A parábola do rico
insensato mostra a loucura da acumulação de bens deste mundo, enquanto que a parábola do
mordomo injusto ensina a lição do uso das riquezas para finalidades celestiais, e não para
propósitos terrenos. No registro sagrado acerca do rico e de Lázaro, bem como acerca do filho
pródigo, o abuso egoístico dilapidador e pecaminoso das riquezas, bem como os horrorosos
resultados que daí certamente surgem, é salientado de forma impressionante. Ao jovem rico,
em que Jesus via tantas características recomendáveis, foi aplicado o teste definitivo das
relações de seu dinheiro para com o discipulado cristão. Não conseguiu ser aprovado nesse
teste, e "retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades". Quantos tem vivido desde
então que, se por um lado são cristãos exemplares em outros aspectos, tem fracassado
miseravelmente perante essa mesma prova!
Além de tudo, temos a palavra de recomendação do Senhor: "Não acumuleis para vós
outros tesouros sobre a terra... mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem
ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam". Os pregadores invariavelmente
emprestam uma interpretação espiritual a esse texto (Mt. 6:19-21), mas não parece haver
razões suficientes para que não o tomemos literalmente, como franco desencorajamento
quanto ao acúmulo egoístico de dinheiro e outros tesouros materiais, da parte dos seguidores
de Cristo. Ainda que Ele não tenha tencionado asseverar tal verdade como severa proibição,
pelo menos foi uma palavra de conselho bondoso e sincero, da parte Daquele que tem no
próprio coração o interesse mais elevado e duradouro deles. Depositar dinheiro nos bancos
terrenos, investir dinheiro e adquirir propriedades, inquestionavelmente tem seus próprios
riscos de perdas ou deterioração. E, mais do que isso, temos a advertência adicional de Jesus:
"...porque onde está o teu tesouro, aí também estará o teu coração". E isso declara o que
muitos tem aprendido apenas muito tarde, e para lamento eterno - que a acumulação de
tesouros terrenos tende por fortemente atrair o coração para longe das coisas pertencentes ao
terreno espiritual, e contribui para o empobrecimento da alma. Quão muito mais proveitoso,
portanto, é o investimento do próprio dinheiro na causa do Senhor, o que é seguido pela
finalidade satisfatória da salvação de almas preciosas e do envio da mensagem evangélica até
às extremidades da terra! Isso é, verdadeiramente, ajuntar tesouros no céu, o que está fora de
toda a possibilidade de dano ou perda, contando ainda com a bênção adicional de rico e
eterno galardão.
Possivelmente o estudo mais completo, do Novo Testamento, sobre o tema das
contribuições cristãs, seja o contido em II Coríntios, nos capítulos oitavo e nono. Segundo
alguém asseverou, temos ali "o grande discurso sobre as contribuições que torna
desnecessário todo outro tratamento sobre esse importante tema". O que provocou a escrita
desses capítulos (isto é, do lado humano) foi o esplêndido exemplo de benevolência cristã
fornecido pelas igrejas da Macedônia. A referência que Paulo faz ao caso deles (8:1-5), foi
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vazada em linguagem notável, quase paradoxal. Testifica ele como "...no meio de muita prova
de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou
em grande riqueza da sua generosidade". Nessa admirável afirmação, fica demonstrado que as
doações feitas por aqueles crentes, era o reverso de toda experiência comum. Deram da
abundância, não de suas riquezas, mas de sua pobreza; e sua disposição ultrapassou sua
capacidade de dar, e não ao contrário. Quão refrigerados nos sentimos com esse testemunho!
O segredo de tudo era a graça de Deus que neles atuava. A palavra "graça" é mencionada por
seis vezes, nesses dois capítulos que tratam da questão das contribuições cristãs. O fato é que
o dar não é um atributo do homem natural, cuja inclinação pende para a direção contrária, de
obter e reter; mas é próprio da graça concedida por Deus. Essa graça fora "concedida às
igrejas da Macedônia", e fora recebida e exibida em alto grau, e isso não apenas o que toca à
questão do dinheiro, mas também o que se referia a questões ainda mais momentosas, como a
de "darem-se a si mesmos primeiro ao Senhor", em ampla rendição e consagração. Os crentes
de Corinto, pois, são exortados a copiarem seu exemplo, para que abundassem também "nesta
graça".
Nesses capítulos há muito material que não podemos abordar, mas que trata do tema
das contribuições cristãs, e tudo se reveste de importância vital para os crentes de hoje em
dia. Se buscamos ansiosamente a perfeição na vida cristã, conforme deve ser a experiência de
todo verdadeiro cristão, temos de entender que essa graça da contribuição, que esse fruto do
Espírito, é essencial para aquela finalidade em meta. Sua ausência é uma mácula patética no
caráter cristão, porquanto não se pode esperar que a bênção de Deus repouse sobre o egoísmo
ou a parcimônia. "Deus ama a quem dá com alegria". Deus vê no tal um reflexo de Seu
próprio amor, que se expressou no "Seu dom indizível", a saber, Seu próprio Filho bem
amado, para ser o nosso Salvador. E Paulo situa em alta plana a contribuição cristã quando
assevera, para os crentes de Corinto, que solicitava suas dádivas a fim de "...provar... a
sinceridade de vosso amor..." (8:8), e então, após mencionar os mensageiros que lhes estava
enviando, acrescenta: "Manifestai, pois, perante as igrejas, a prova do vosso amor e da nossa
exultação a vosso respeito" (8:24). Oxalá, todos os crentes de nossos dias tivessem a
sinceridade de seu amor a Cristo avaliada à base do dinheiro com que contribuem para a Sua
causa!
Existe ainda uma outra passagem que discute sobre a atitude do crente, para com o
dinheiro, e sobre a influência da mesma na causa missionária de Cristo. Referimo-nos ao
sexto capítulo de I Timóteo. Em realidade, esse capítulo contém duas passagens sobre esse
assunto, a saber, os versículos seis a onze e os versículos dezessete a dezenove; e a relação de
uma passagem para com a outra é tão impressionante que recomendamos aos nossos leitores
que os examinem cuidadosamente. Antes já fizemos referência aos versículos sexto e sétimo,
e aqui citamos apenas uma parte dos versículos nono a décimo-primeiro. "Ora, os que querem
ficar ricos caem em tentação e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas,
as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os
males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé, e a si mesmos se atormentaram com muitas
dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas..." aqui temos intensa admoestação,
da parte do veterano missionário, o apóstolo Paulo, a seu colega mais jovem. Timóteo, por
sua própria causa e também para benefício daqueles a quem pudesse vir a ministrar o
evangelho.
Trata-se de solene aviso sobre a ilusão das riquezas. "...os que querem ficar ricos..."
inclui não apenas os que já são realmente ricos, mas também aqueles que desejam ou
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ambicionam sê-lo, aqueles cujo coração almejam a acumulação de dinheiro. Assim sendo,
essa expressão abarca muitos daqueles que não pertencem à classe dos ricos. Não precisamos
buscar muito longe os exemplos do tremendo perigo e das trágicas consequências, aqui
mencionadas, e que seguem essa paixão pelo dinheiro. Tais exemplos formam multidão ao
redor de nós. Quanto à cláusula que se segue imediatamente, trata-se de uma das passagens
bíblicas mais freqüentemente mal citadas. Ouve-se as pessoas dizerem que o dinheiro é a raiz
de todos os males, mas esse texto nada diz nesse sentido. O dinheiro, intrinsecamente, não é
nem bom nem mau. Só é bom ou mau de conformidade com o uso que dele se faz. Se for
egoisticamente utilizado, ou se for prostituído para propósitos indignos e pecaminosos,
poderá então tornar-se realmente "raiz de todos os males". É esse triste fato que conquistou
para o dinheiro o ápode de "ganho imundo". Mas, em contraposição à declaração de Paulo,
pode ser dito, com igual verdade, que o correto emprego do dinheiro, sua consagração a Deus
e sua digna utilização, serve de "raiz de todos os bens". Quão gratos deveriam sentir-se os
filhos de Deus por esse fato, quer lhes tenha o Senhor confiado muito ou pouco dinheiro!
Examinemos, portanto, de passagem, os versículos seguintes que conduzem à segunda
passagem acerca do dinheiro, nesse mesmo capítulo. O apóstolo prossegue com exortações e
incumbências, para seu amado discípulo Timóteo, e então conclui, nos versículos décimo-
quinto e décimo-sexto, com uma bela atribuição de louvor e adoração ao Senhor Jesus Cristo,
e termina com a bênção que diz: "A Ele honra e poder eterno. Amém".
Não há que duvidar que esse parece ter sido o encerramento original da carta do
apóstolo, e a ausência do "Amém" adicional, em algumas versões, como a Revised Version,
em Inglês, e como na própria versão que utilizamos "Edição Revista e Atualizada no Brasil",
da Sociedade Bíblica do Brasil, no fim do último versículo (vers. 21) confirme esse
pensamento. Parece que Paulo, tendo terminado sua epístola, estava pronto para despachá-la
quando foi constrangido a abri-la de novo a fim de acrescentar mais uma fervorosa
admoestação. Qual o tema desse importante sobrescrito? Diz respeito à relação do crente
para com o dinheiro. O que ele adiciona é parcialmente uma repetição do que já escrevera, o
que empresta à sua ação uma dupla significação, indicando a importância vital que ele dava à
questão em consideração, bem como a preocupação de seu coração a respeito da mesma.
Escutai, pois, as palavras do seu sobrescrito: "Exorta aos ricos do presente século que
não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em
Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento, que pratiquem o bem,
sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir, que acumulem para si
mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira
vida."
Que impressionante palavra é essa para os que manuseiam com a prata e o ouro do
Senhor! Não diz: "Congratulai aqueles que são ricos"; e também não diz: "Invejai-os", e nem
mesmo "Criticai-os". Tudo isso é fácil de fazer, e por isso mesmo é feito com freqüência.
Não, mas pelo contrário diz: "Exorta aos ricos..."- mostra-te compreensivo, sê fiel no caso
deles, e, na qualidade de legítimo ministro de Cristo busca ser motivo de benção a eles,
mostrando-lhes, por um lado, o bendito privilégio de haverem sido recebedores de riquezas, e
as possibilidades sem limites de usarem-nas para a glória do Senhor e para o avanço de Sua
obra, que consiste da disseminação do evangelho, e por outro lado, o perigo e a
responsabilidade em que se encontram os ricos. Essa inspirada admoestação não impõe sobre
os pastores a sagrada responsabilidade de advertirem os ricos de seu rebanho, e sobre todos os
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crentes o dever e o privilégio de orarem por tais irmãos na fé, para que lhes seja concedida a
graça de serem fieis àquilo que foram encarregados - "...que pratiquem o bem, sejam ricos de
boa obras, generosos em dar e prontos a repartir...", e assim alcancem a finalidade mais alta
das riquezas que Deus lhes outorgou.
Muito mais tem a palavra de Deus a dizer a respeito do dinheiro, mas as passagens
citadas servirão para indicar algo de sua importância, para a mente de Deus e para a vida de
Seu povo, o que mostra sua conexão vital à tarefa de evangelização do mundo. Que a ida dos
missionários depende das contribuições para as missões é auto-evidente. Durante as duas
últimas guerras mundiais, nossa geração ouviu apelos diários, e em alguns casos, a cada hora,
para que apoiassem as gigantescas operações militares, no além-mar, através da compra de
bônus de guerra. Um lema familiar, durante a I Grande Guerra, foi: "Se você não pode ir,
então dê. Se você não pode combater pessoalmente, então faça seu dinheiro lutar". Isso
expressa perfeitamente o drama das missões de âmbito mundial. Olhando a questão de certo
ponto de vista, que embora, admita-se, não sendo o principal é extremamente necessário, cada
missionário enviado, cada campo penetrado, cada posto missionário inaugurado, cada alma
ganha para Cristo, é uma questão de cruzeiros e centavos. O empreendimento pertence não
apenas para os missionários postados no estrangeiro, mas à Igreja em sua totalidade; e cada
membro dessa Igreja foi incumbido de uma parte em sua responsabilidade. E a isso
acrescentamos que cada qual foi favorecido com uma parte de seu alto privilégio.
É esse aspecto do privilégio que nós gostamos de frisar. O apóstolo Paulo batia
repetidamente sobre essa particularidade, ao mesmo tempo que pressionava fielmente sobre o
lado da nossa responsabilidade. Ele exultava na alta honra que lhe fora conferida de ser um
missionário, de ser um embaixador em nome de Jesus Cristo. À igreja cristã em Éfeso,
escreveu: "A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o
evangelho das insondáveis riquezas de Cristo". E essa é apenas uma dentre as diversas
afirmações similares, que se encontram em seus escritos. Esse elevado privilégio, no entanto,
não está confinado àqueles cujo papel é o de irem. Pertence não àqueles que, incapazes de
irem em pessoa, desincumbem-se fielmente de sua parte, contribuindo. Pois, ao contribuírem
com o resultado de seus labores, físicos ou intelectuais, estão realmente contribuindo com sua
própria vida, e o Senhor aceita a oferta dos mesmos como tal, prometendo-lhes igual
recompensa que aquela que será conferida aos que forem pessoalmente ao campo de luta.
Assim é que Davi tratava com os seus leais seguidores. A norma por ele usada: "Porque, qual
é a parte dos que desceram à peleja, tal será a parte dos que ficaram com a bagagem;
receberão partes iguais" (I Sm. 30:24). Os crentes que davam com abundância e alegria, em
Filipos, souberam pelo apóstolo que suas ofertas eram como um "aroma suave, como
sacrifício aceitável e aprazível a Deus" (Fl. 4:18). Que consolo e inspiração devem ter sido
essas palavras de aprovação, quando as leram, sabendo que, por motivo de seus donativos em
dinheiro, eram reputados plenos sócios de Paulo e de outros, que dedicavam seu tempo e
energia à obra da propagação do evangelho! O mesmo consolo e inspiração pertence a todos
os crentes da atualidade, que apanharam a visão da verdadeira relação entre o dinheiro e o
reino de Deus, e estão acompanhando o exemplo dos dadivosos crentes da Macedônia.
A necessidade de recursos para a obra missionária vem sendo corretamente salientada,
mas a necessidade de contribuintes para a obra missionária não deve ser frisada com menor
ênfase, mas, talvez, ainda mais intensamente. Temos sabido de casos em que jovens bem
qualificados se tem oferecido para o serviço missionário no estrangeiro, apenas para que lhe
seja retrucado que suas igrejas estão financeiramente despreparadas para enviá-los. Algo de
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horrendamente errado e entristecedor para Deus existe em uma situação assim. Quando o
Espírito Santo têm livre curso, sempre que chama um recruta para que vá, aqueles que tem as
chaves das gavetas do tesouro do Rei, na qualidade de Seus fiéis despenseiros, serão
impulsionados a liberar os fundos capazes de enviá-los e sustentá-los. A desculpa de
inaptidão financeira não tem base, conforme tem sido amplamente provado por aquelas
igrejas locais ou indivíduos que tiveram a visão missionária e se levantaram para cumprir a
tarefa.
Há uma certa controvérsia entre o Senhor e Satanás, tanto no que respeita ao dinheiro
como no que tange a outras coisas. O Senhor apela para o Seu povo, para que sustente a Sua
causa missionária, enquanto que o diabo cria toda sorte de embaraços que impeçam os crentes
de atender ao Senhor. E, se por um lado, tenta os indivíduos mundanos a que malbaratem o
seu dinheiro em coisas intrinsecamente más, por outro lado se utiliza de outras táticas no caso
dos crentes, e ilude-os para que façam despesas de dinheiro com várias coisas que aumentam
seu orgulho e usem egoisticamente o seu dinheiro, o qual, se fosse entregue à causa
missionária, significaria a salvação de almas e o enriquecimento espiritual dos doadores,
quanto ao tempo e a eternidade.
A terminação da tarefa de evangelização do mundo, dentro da atual geração, segundo
asseguramos, é perfeitamente praticável através de uma Igreja que se mostre à altura das
condições estabelecidas por Deus. Mas isso jamais será conseguido sem sacrifício, e isso pela
razão muito simples que Deus jamais tencionou que fosse conseguido de outra maneira.
Aquele que lançou o alicerce desse cometimento, com o sacrifício de Seu Filho mui amado,
deseja que o mesmo tenha prosseguimento e seja terminado por meio de sacrifício. O
sacrifício, afinal, é a própria alma das missões evangélicas. O alto custo, para aqueles que se
atiram para a frente de batalha, é perfeitamente evidente, expressando-se em trabalho árduo,
sofrimento paciente e constante, e, em muitos casos, morte e martírio. Deus, entretanto, não
possui padrões diferentes para aqueles que querem ir e para aqueles que ficam. Estes últimos
devem manifestar o mesmo grau de consagração, envidando os mesmos esforços e fazendo os
mesmos sacrifícios que aqueles que vão. A lista vermelha do sacrifício deveria ser a partilha
de todos, nessa grande obra em favor de Cristo, sem importar onde e qual seja o campo de
trabalho de cada um. É justamente isso que empresta valor a todo o serviço que prestamos a
ele. Porém, depois do Calvário, o que seria digno de ser chamado de sacrifício? Pode alguma
coisa ser reputada preciosa demais, para que não seja dada a Jesus Cristo?
Quão significativo é o fato que no próprio local onde Abraão fez o sacrifício supremo
de oferecer a Isaque, e onde, posteriormente, Davi trouxe o preço total da compra da eira de
Araúna, para as suas ofertas queimadas a Jeová, recusando-se a aceitá-la como presente, e
negando assim a oferecer, como disse ele, "ao Senhor meu Deus holocaustos que não me
custem nada" (II Sm. 24:24), ali mesmo foi que o glorioso templo de Salomão foi alguns anos
mais tarde erigido em honra ao Senhor Deus! Por semelhante modo, o templo vivo de Deus,
composto daquela grande multidão de almas redimidas, dentre todas as nações, mediante o
precioso sangue derramado no Calvário, será levado até seu estado completo através das
ofertas de vida e de dinheiro, que importam em sacrifício, pelos seguidores do Cordeiro,
constrangidos pelo amor.
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Capítulo lX
A ORAÇÃO E AS MISSÕES
A vital posição da intercessão missionária
O terceiro fator das missões evangélicas, o que exige a nossa atenção, é a oração.
Apesar de que a oração aparece em último lugar, na ordem de nossa presente discussão, de
forma alguma ela é o elemento de menor importância. Pelo contrário, corretamente
concebida, a oração é o primeiro e mais poderoso fator de todos, especialmente em vista do
fato que a mais vital consideração, nas missões evangélicas, não é método, nem dinheiro e
nem mesmo homens, mas é o próprio Deus e Sua poderosa operação, e é sempre a oração,
mas que qualquer outra coisa, que traz a nós a revelação de Deus e deslancha a Sua atuação.
Deve-se dizer em seguida que a oração jamais serve de substituição aceitável para a
ida, no caso daqueles que estão qualificados e são capazes de irem. Em outras palavras, ir,
contribuir e orar não são três alternativas, uma das quais o crente individual possa selecionar
como sua participação, de conformidade com sua preferência. E nem qualquer quantidade de
contribuição ou oração pode cumprir a Grande Comissão de evangelizar o mundo, a menos
que sejam acompanhadas pela ida pessoal. A ordem do Senhor estipula: "Ide, pregai!" "A fé
vem pela pregação e a pregação pela palavra de Deus". "E como ouvirão se não há quem
pregue?" Todavia, aqueles que não podem "ir" pessoalmente, pelo menos podem "ir" através
de suas orações. Outrossim, aqueles que vão em pessoa não tem em menor dose o privilégio
de compartilharem do ministério de oração, encontrando no mesmo uma das fases mais vitais
e eficazes de seu trabalho no campo.
Mas a verdade é que as orações, desacompanhadas da pregação, nunca podem realizar
a obra missionária, sendo igualmente verdadeiro que a pregação desacompanhada da oração
nada pode fazer. Deus reuniu essas duas coisas, em Sua Palavra, e elas são inseparáveis.
Lemos, no livro de Atos, como os primeiros apóstolos resolveram quanto à nomeação dos
diáconos, para que estes cuidassem das questões seculares da igreja, a fim de que eles
mesmos pudessem está mais livres para se dedicarem a um ministério espiritual mais direto; e
as palavras dos apóstolos, foram: "...e quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao
ministério da palavra" (Atos 6:4). Aqui são mencionados os dois grandes elementos do
ministério cristão, a oração e a pregação, e de tal modo a ficar indicado claramente que devem
ser usadas coordenadamente, como paralelos iguais. Quantos existem que consideram a
prédica como algo infinitamente mais importante no ministério cristão, enquanto que a
oração, para eles, é apenas um acréscimo suplementar, uma espécie de "auxílio à pregação"!
Mas não é assim que ensina a Palavra de Deus, nesse passo bíblico. Os dois elementos, e a
oração e a pregação, são postas no mesmo nível, e a eles são dados a mesma importância e
valor: de fato, se qualquer significação existe na ordem em que as palavras inspiradas
aparecem, então a oração teria a precedência, por ter sido mencionada em primeiro lugar. Em
realidade, todavia, essas duas coisas se complementam mutuamente, não sendo dois
ministérios distintos, mas antes, dois aspectos essenciais de um único ministério. A oração
faz parte da função sacerdotal, em que o sacerdote aparecia perante Deus em defesa dos
homens, enquanto que a pregação é função profética, comparecendo perante os homens em
defesa de Deus, a fim de proclamar Sua Palavra de Vida e implorar que aceitem a mesma.
Qualquer desses aspectos ministeriais estaria incompleto sem o outro.
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É mister que os missionários vão às terras remotas e preguem aos pagãos, mas os seus
esforços não obterão plena frutificação se não for o apoio das intercessões eficazes, levadas a
efeito na igreja local do missionário. Paulo, o príncipe dos missionários, apelava
continuamente às igrejas, para que orassem em favor dele. Ouvi seu apelo aos crentes de
Tessalônica: "Finalmente, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague, e
seja glorificada..." (I Ts. 3:1). O apóstolo pregava fielmente essa Palavra, e no poder do
Espírito, segundo ele declarou por várias vezes; não obstante, o mais pleno efeito de sua
prédica dependia das orações confiantes feitas por outros. Novamente, à igreja de Corinto, ele
testificava sobre o admirável livramento com que o Senhor o livrou da morte, na Ásia, após o
que acrescenta: "...ajudando-nos também vós, com as vossas orações a nosso favor..." (II Co.
1:11). Que preciosa unidade entre os missionários, no exterior, e as igrejas nacionais, é
expressa por essas passagens, e quão inspirador é isso aos crentes de atitude missionária - que
as suas orações são um fator vital para o sucesso no esforço daqueles que os representam no
campo de trabalho missionário!
O tema da oração é vastíssimo. Percorre cada uma das páginas das Sagradas
Escrituras. Pode-se observar trinta menções à oração, somente no livro de Atos, uma
impressionante indicação do lugar que era conferido à oração, na Igreja primitiva e seu
programa missionário. Muitos volumes tem sido escritos sobre esse assunto, e longe de
termos aqui o propósito de tentar qualquer abordagem exaustiva sobre a questão, o nosso alvo
é simplesmente o de destacar o papel vital e indispensável que a oração ocupa no trabalho
missionário, referindo-nos a algumas poucas dentre as muitas passagens da Palavra que
tratam sobre a oração, e dentre as muitas instâncias da atuação de Deus, por intermédio da
oração, no terreno missionário.
Dois aspectos distintos da oração são exibidos na Palavra, e tem papel preponderante
na vida de todos os autênticos missionários evangélicos, e, em realidade, de todos os crentes
dotados de pendor espiritual. Esses aspectos são, respectivamente, o devocional e o
intercessório.
1. A oração devocional. Trata-se da comunhão com Deus, um desenvolvimento santo
e íntimo no companheirismo com o Senhor, cultivado por períodos regulares de espera Nele,
em adoração e calma meditação acerca de Sua Palavra. O livro de Salmos abunda em
passagens que ilustram esse aspecto da oração, ainda que seu supremo exemplo seja o próprio
Senhor Jesus, cuja comunhão com o Pai, durante toda a Sua existência terrena, foi
inquebrantável e intensamente real. Jesus foi homem de oração, ou, mais corretamente, O
homem de oração. Sua vida começou, teve prosseguimento e terminou em oração. Limitado
como é o registro de Sua carreira terrena, inclui, porém, vistas d'olhos impressionantes sobre
Sua vida de oração. Vemo-Lo a orar quando de Seu batismo, na tentação no deserto, no
monte da transfiguração, à beira do túmulo de Lázaro, no jardim do Getsêmani, na cruz do
Calvário. Ele orou em público e em particular. Passava noites inteiras a orar sozinho, e uma
dessas ocasiões antes de escolher os dozes apóstolos. Após um típico e fatigante dia de
ministério em Cafarnaum, em um sábado, segundo é descrito no primeiro capítulo do
evangelho de Marcos, na manhã seguinte, "tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para
um lugar deserto, e ali orava" (Mc. 1:35). Jesus não sabia viver sem a comunhão regular com
Seu Pai. Para Ele, a oração era essencial para o sustento de Sua vida espiritual, para
reabastecimento de Seu poder espiritual, tão abundantemente dispensado em Seu ministério
para com os outros. Ele podia passar sem alimentos, sem o repouso do sono, e sem muitas
outras coisas, mas não sem a oração. Isso Ele tinha que ter a qualquer custo, posto ser o canal
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de companheirismo constante com o Pai, de Quem Ele dependia de forma absoluta em tudo
quanto dizia respeito à Sua vida e ao Seu serviço neste mundo. Suas próprias palavras
testificam sobre esse fato: "O Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que
vir fazer o Pai" (Jo. 5:19). "As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o
Pai que permanece em mim, faz as suas obras" (Jo. 14:10).
Ora, se o próprio Filho de Deus sentiu tão profunda necessidade da oração devocional
diária, qual não será a presunção da parte de qualquer missionário humano, ou da parte de
qualquer outro obreiro evangélico, ao tentar passar sem ela! As palavras que lemos em I João
2:6 se aplicam com justiça a essa situação: "...aquele que diz que permanece nele, esse deve
também andar assim como ele andou". Sim, a oração é a preparação essencial para o serviço
cristão, porquanto é através da comunhão e do contato secreto com o Senhor que Ele
desvenda, revela e proporciona a Sua própria Pessoa a nós, e que a vida da Videira flui
livremente por intermédio dos ramos, permitindo-lhes produzir fruto (Jo. 15:4,5). Sem
dúvida, muito da superficialidade da experiência cristã e da debilidade do serviço cristão se
deve à pobreza da vida de oração.
Os homens que mais vitórias obtiveram para o nome de Deus foram sempre homens
de oração. João Wesley costumava passar ao menos duas horas diárias, em oração. Samuel
Rutherford levantava-se às três da madrugada a fim de esperar em Deus. João Fletcher,
segundo se dizia, havia chegado a manchar as paredes de seu aposento com o hálito de suas
orações. Os maiores missionários do evangelho tem sido uniformemente, homens de oração.
Os nomes de Davi Brainerd e Henrique Martyn salientam-se entre as estrelas mais brilhantes
na cúpula dos heróis missionários, por causa da profunda influência que exerceram, tanto em
sua própria geração como na subsequente. Mas essa influência era devida primariamente não
aos seus labores ativos, porquanto faleceram quando tinham apenas vinte e nove a trinta e um
anos de vida, respectivamente. Pelo contrário, tal influência se devia à profundidade da vida
de oração de ambos, com o efeito resultante do caráter santo que demonstravam. E quem
pode medir realmente o efeito sobre milhares de almas, na Índia, bem como pelo no mundo
inteiro, da vida de oração sem igual de "Praying Hyde"?
Adonirão Judson, um dos maiores filhos da América que se tornaram missionários
evangélicos, era enfático em sua insistência acerca da oração. Escreveu ele: "Sê resoluto em
oração. Dispõe-te a qualquer sacrifício para mantê-la considera que o tempo é curto e que
negócios e companheiros não podem ter a permissão de ti roubarem o teu Deus". Esse foi o
homem que impressionou poderosamente um grande império, para que meditasse em Cristo,
e que lançou alicerces firmes e profundos do reino de Deus, em Burma. Hudson Taylor, antes
de qualquer outra coisa, era homem de oração. Ele vivia na presença consciente do Senhor, e
constante comunhão com ele, o que se lhes tornara tão necessário e natural como a própria
respiração. A Missão da China interior, que ele fundou, nasceu na oração, e desde então a
oração tem sido sua respiração vital.
A lista dos homens que encontraram no coração o segredo de suas próprias bençãos
mais altas e seu poder para o serviço poderia ser continuada indefinidamente. Mas aqueles
que foram mencionados bastam para ilustrar e enfatizar tanto a necessidade absoluta como o
bendito resultado da prática habitual da oração devocional, por parte daqueles que almejam
ser autênticos missionários enviados pelo Senhor, quer no campo estrangeiro quer em suas
próprias pátrias. Citando aquele pequeno mais perscrutador volume, Preacher and Prayer, por
E.M. Bondus: "O de que a Igreja necessita hoje em dia não é de maquinaria organizacional
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mais vasta ou melhor, mas de homens que o Espírito Santo possa usar - homens de oração,
homens poderosos em oração. O Espírito Santo não se manifesta por meio de métodos, mas
por intermédio de homens. Ele não cai sobre maquinária, mas sobre homens. Ele não unge
planos, mas homens - homens de oração".
A manutenção de hábitos regulares de orações devocionais, com períodos certos
(juntamente com a meditação em torno da Bíblia), da parte dos missionários nos campos de
trabalho, certamente não é fácil. A falta de solidão, em habitações coletivas, a pressão dos
múltiplos deveres, a atmosfera opressiva do paganismo circundante - todas essas coisas são
forças desviadoras e denigridoras e que precisam ser enfrentadas. Não obstante, a suprema
importância da salvaguarda e nutrição da vida espiritual do missionário, através desses meios
essenciais, e dos quais devem depender toda a sua continua vitória, influência para Cristo e
serviço mais eficaz, torna imperativo que ele não permita que qualquer coisa interfira com
seus períodos determinados e freqüentes de companheirismo com o Senhor.
2. A oração intercessória. Esta é em muito diferente da oração devocional. Esta última
é extremamente real e preciosa, e sua importância vital já foi salientada. Todavia, temos de
relembrar que a oração não é mero companheirismo com Deus; é também cooperação com
Deus, um ministério definido e agressivo, uma sociedade com Deus no cumprimento de Sua
vontade e de Seus propósitos divinos no mundo. A oração, portanto, é mais do que simples
preparação para o serviço; é o poder no desempenho do serviço - sim, e até mais do que isso,
a oração é o próprio serviço.
Entre as muitas passagens bíblicas que estabelecem firmemente esse aspecto da
oração, aquela para qual desejaríamos chamar atenção especial é a ultima cláusula de Tiago
5:16. Nem as versões inglesas ou em língua portuguesa apresentam o original grego em toda
sua força, pelo que nos aventuramos aqui a apresentar o equivalente, em português, da última
edição do Novo Testamento em chinês, altamente recomendável por sua exatidão. O texto,
assim sendo diria: "A energia empregada pela oração fervorosa de um homem reto produz
notáveis resultados", ou "faz sucederem coisas poderosas". Essa tradução tem o mérito de
frisar a verdade que a oração é uma energia vital, uma grande força dinâmica, que a oração
libera energia, e faz coisas sucederem, externas para aquele que ora.
Estamos cônscios que alguns indivíduos levantarão objeção a esse conceito de oração,
e que sua contenção é que, posto o universo ser que governado por certas leis fixas e
inalteráveis, é, portanto, inconcebível que qualquer mero homem, através de sua oração, seja
capaz de interferir nessas leis fixas. Tais objetores perdem de vista o importante fato que a
oração, em si mesma, é uma das leis fixas de Deus, e que Deus determinou efetuar muitas
coisas por intermédio da oração de Seus filhos. Quando esse fato é reconhecido, logo será
visto que não é o homem que ora, e sim, aquele que não ora, que interfere com as leis fixas de
Deus, por haver deixado de cooperar com Deus, para que sejam realizadas aquelas coisas que
ele desejava por em obras através de Sua lei da oração.
Uma ilustração que nos ajuda admiravelmente a aclarar esse ponto é a da força da
eletricidade. Seria a eletricidade algo destituído de existência, até duas ou três gerações atrás?
Ou afirmaria alguém existir mais eletricidade no mundo atual do que há cem anos passados?
No entanto, quão boquiabertos e incrédulos ficariam os nossos bisavós se pudessem
contemplar as múltiplas formas de aplicação da eletricidade nestes nossos dias. Dirigimos
nossos veículos e trens, iluminamos e aquecemos os nossos lares, cozinhamos nosso
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alimento, lavamos nossas roupas, e fazemos uma infinidade de outras coisas, utilizando-nos
da energia elétrica. Haveríamos de concluir, pois, que os homens da presente geração
violaram alguma lei da natureza por haverem produzido esses aparelhos elétricos novos e
estranhos? De maneira alguma! Simplesmente descobriram uma força latente, que sempre
existiu, mas que até então não era compreendida ou utilizada; e, ao descobrirem e
empregarem essa energia, conseguiram realizar coisas que nem eram sonhadas pelas gerações
anteriores.
Semelhantemente, a oração é uma poderosíssima força dinâmica e espiritual, mas que
igualmente estivera oculta, ainda por descobrir, apenas latente - um poder desconhecido para
muitos. Contudo, certos santos que tem vivido em comunhão suficientemente íntima com
Deus, chegaram a aprender esses segredo, com o resultado que puderam aproveitar-se de seu
poder místico, o qual capacitou a obterem resultados de que os outros nem pensavam.
Se mais provas ainda forem necessárias para apoiar a asseveração que a oração faz
acontecerem coisas externas para aquele que ora, que a "Oração Muda as Coisas", no dizer do
dito popular, então o incidente que citamos imediatamente abaixo, e que também aparece no
texto da epístola de Tiago, deverá suprir essa comprovação. Trata-se da história de Elias,
segundo é relatada no primeiro livro dos Reis. Antes de tudo, para nosso próprio
encorajamento, somos informados que Elias era "...homem semelhante a nós, sujeito aos
mesmos sentimentos..." ou, em outras palavras, não era um prodígio, nem um super-homem,
mas tão somente uma pessoa de carne e sangue como nós mesmos, sem quaisquer poderes
inerentes a ele mesmo, sem quaisquer recursos humanos que nós mesmos não possuamos
também. Segue-se, então, o relato de seu encontro com Acabe, e de como lhe anunciou a seca
iminente que o Senhor enviaria como castigo contra o ímpio rei e sua nação pecaminosa.
Mas a declaração de Tiago vai além da narrativa que lemos no Antigo Testamento,
pois passa a afirmar que a seca que perdurou por três anos e meio, bem como a chuva que
regou a terra depois disso, não foram meramente preditas por Elias, mas em realidade foram
produzidas por sua oração: "...e (Elias) orou com instância para que não chovesse... e ... não
choveu. E orou de novo e o céu deu chuva". Aqui, pois, temos o caso de um homem que se
mantinha em sintonia tão harmoniosa com Deus, que podia compreender o pensamento de
Deus, dar a esse pensamento a forma de oração, e assim tornar-se o meio usado pelo Senhor
para realização de Seus propósitos divinos.
E esse casa real não deve ser reputado como exceção à regra das operações de Deus,
porquanto outros exemplos similares podem ser encontrados em muitas passagens da Palavra
escrita. Fazemos alusão a Abraão, ao pleitear em favor de Sodoma; a Moisés, que intercedeu
intensamente, no monte, em prol do murmurador e teimoso povo de Israel; a Daniel, ao
prostar-se à beira de rio, suplicando pelos cativos de sua raça; a Neemias, ao interceder
persistentemente pelo seu povo, chegando a impelir o coração de um monarca pagão a
decretar a patrocinar a reconstrução da Cidade Santa de Jerusalém, e que frustrou os planos
astuciosos e homicidas, dos inimigos de Israel, que pretendiam obstruir o projeto. Todas essas
são outras tantas ilustrações da impressionante verdade que Deus escolhe a utilização da
oração com um de Seus meios para a realização de Seus planos e propósitos no mundo.
Uma outra particularidade a notar, acerca dessas instâncias de intercessão, é que não
diziam respeito meramente a questões pequenas de natureza pessoal ou local. Em cada caso
eram questões comunitárias, nacionais ou mesmo internacionais, de vasta importância, que
101
estavam envolvidas. Não obstante, tais homens não foram alistados entre os grandes
estadistas reconhecidos de seus tempos: não passavam de homens humildes, postados em
segundo plano, dois dos quais eme realidade eram cativos em terras estrangeiras, e um outro,
um aldeão que vivia na obscuridade. Entretanto, eram estadistas na mais excelsa corte, a dos
céus, homens poderosos em oração; e Deus, que governa supremamente sobre todas as
questões dos homens e das nações, dava ouvido a seus clamores, e fez realmente da
intercessão deles o eixo em torno do qual se envolviam questões momentosas, nacionais e
internacionais. Em verdade, suas orações "liberavam energia" e "produziam resultados
notáveis".
Em nenhum outro campo da atividade humana o primado e o poder da oração tem
sido mais abundantemente demostrados como no terreno das missões. Referimo-nos ao
Pentecoste como o ponto de partida ou inauguração das missões evangélicas. Não nos
devemos esquecer, todavia, que o cenáculo em Jerusalém, onde se encontrava a piedosa
companhia dos discípulos, que prosseguiram em oração e súplica unânime por dez dias, foi a
preparação necessária, do lado humano, para o Pentecoste. E assim sendo, pode-se datar
coerentemente o início das missões evangélicas desde que teve início aquele prolongado culto
de oração. O empreendimento missionário nasceu na oração, e sua história subsequente
inteira tem sido o registro de orações respondidas pelo Senhor.
O livro de atos é o grande compêndio sobre a oração. A oração permeava a vida da
Igreja daquele período, e saturava seus planos e atividades. Duas instâncias, registradas nos
capítulos quarto e décimo-segundo, são positivamente dramáticas. Uma delas foi a reunião de
oração efetuada ao serem libertados os dois apóstolos que haviam sido aprisionados por
pregarem em Jerusalém, e que haviam sido ameaçados de mais severo castigo se repetissem a
ofensa. A oração que o grupo de discípulos fez não é menos notável pelo que não pediu do
que pelo que pediu. Não solicitou vingança nem vindicação, nem isenção de mais
perseguições, mas antes, graça para que se mantivessem firmes e tivessem a coragem de
continuar a qualquer custo, e solicitou que o grande poder de Deus acompanhasse os seus
esforços. E qual foi o resultado disso? "Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam
reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra de
Deus... Com grande poder os apóstolos davam o testemunho da ressurreição do Senhor Jesus,
e em todos eles haviam abundante graça". A outra ocasião foi quando do encarceramento de
Pedro, quanto esteve a pique de ser executado. Depois de descreverem a situação estremente
crítica, dizem as Escrituras, "...mas havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor
dele". Em face disso houve o maravilhosos livramento do servo de Deus, e sua chegada súbita
à casa de Maria, "...onde muitas pessoas estavam congregadas e oravam". Uma outra
impressionante passagem, no capítulo décimo terceiro desse mesmo livro, pinta os piedosos
líderes da igreja de Antioquia ao esperarem no Senhor. Os quais receberam Sua orientação
direta quanto à escolha de dois irmãos que saíssem do seu meio como missionários, então -
"...jejuando e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram". Contudo esses são
apenas pontos mais luminosos de uma torrente e sucessão continua de respostas às orações
dos crentes, de que consiste o livro de Atos. Verdadeiramente, no dizer de Neesima do Japão,
a Igreja primitiva "avança sobre seus joelhos".
Paulo, o maior de todos os missionários humanos, mostrava-se mais extraordinário
quando em oração. Desde o primeiro momento de sua nova vida em Cristo, quando o recado
dado a Ananias, acerca dele, foi "...pois ele está orando", viveu e se moveu no terreno da
oração. Qualquer consideração digna, quanto ao registro de suas orações, haveria de requerer
102
um volume inteiro. Mas, posto que nosso alvo presente é apenas o de destacarmos a ligação
que há entre a oração e as missões de evangelização, referino-emos a apenas dois textos
paulinos que ilustram essa verdade. Um desses textos ocorre naquela notável passagem,
Efésios 6:10-20, que descreve o combate Cristão. Apesar de que muitos interpretam esse
versículos como aplicáveis à luta defensiva do crente contra os seus inimigos espirituais, há
longo tempo sustentamos que só se revestem de seu mais pleno sentido quando aplicados à
grande guerra ofensiva levada a efeito pelo soldado do evangelho contra as poderosas hostes
de satanás que se opõem de modo encarniçado ao progresso da causa de Cristo.
Em outras palavras, essa passagem exibe o conflito missionário em sua significação
mais verdadeira e solene. A luta não é meramente contra "carne e sangue", ou contra a
ignorância, a superstição, a antipatia social, e coisas que tais, e nem mesmo contra os pagãos;
mas é contra "...os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso,
contra as forças espirituais do mal , nas regiões celestes". Em outras palavras, o verdadeiro
adversário é um exército altamente organizado, poderoso e desesperadamente tenaz de
espíritos malignos, controlados e dirigidos pelo próprio Satanás, e postos em pé de guerra
contra os mensageiros evangélicos de Cristo, quando estes procuram penetrar em áreas sobre
as quais há muito os espíritos imundos exerceram domínio indisputável. Ao missionário do
evangelho cabe não subestimar a força do inimigo que enfrenta; pelo contrário, é admoestado
a tomar de "toda a armadura de Deus", como sua única esperança de ser capaz de "resistir ao
dia mau" e permanecer inabalável. Essa armadura é então descrita detalhadamente - o cinto, a
couraça, o calçado, o escudo, o capacete e a espada. A significação espiritual de cada uma
dessas peças da armadura se tem tornado familiar mediante a exposição freqüente dessa
passagem. Mas, a particularidade que exige mais atenção, e que geralmente não tem sido
conferida a essa ordem inteira do armamento cristão, é que ela conduz e tem seu clímax na
arma "de toda oração e súplica". Moffatt traduz como segue a esse versículo: "Orando a todo
tempo no Espírito, com toda modalidade de oração e rogo sede vivos a isso, dai-lhe atenção
incessante, intercedendo em prol de todos os santos em prol de mim (de Paulo, o missionário)
também, para que me seja permitido falar e abrir os lábios a fim de expor, completa e
livremente, aquele segredo desvendado do evangelho, por causa do qual sou mantido em
custódia, como seu enviado. Orai para que eu tenha a liberdade de declará-lo como devo".
Que tremendo apelo para que se façam intercessões a favor dos missionários vemos
nessas pungentes palavras do grande apóstolo, palavras originadas em sua própria convicção
e experiência de que a oração, o tipo de oração ali referido, é a mais poderosa arma que o
homem pode brandir para derrotar esses poderes satânicos, e para que o evangelho triunfe nas
terras ainda dominadas pelo paganismo! Se fosse mera questão de enfrentar a idéias falsas, os
preconceitos, ou a hostilidade de "carne e sangue" dos seres humanos, o missionário poderia
embalar a esperança que sua atitude amigável, seus argumentos sólidos e uma persuasão cheia
de tato poderiam corresponder à situação. Mas, a fim de defrontar-se com as forças espirituais
invisíveis mas terrivelmente reais e maliciosas que se postam por detrás desses seres
humanos, forças essas que cegam suas mentes, calejam seus corações e os mantêm sob sua
manopla mortal - isso é algo vastamente diferente. Essas forças opositoras só podem ser
enfrentadas e vencidas através da arma espiritual de "toda oração e súplica", que se
aproximada ousadamente do trono de Deus e solicita a "operação de Seu grande poder" contra
os iníquos adversários espirituais. Graças damos a Deus que essa arma faz parte de "toda a
armadura de Deus", providenciada pelo Senhor para o soldado da cruz, e que se lhe torna
disponível mediante a fé apropriadora. Embora em si mesmo não seja adversário à altura para
103
o diabo, contudo, à semelhança do arcanjo Miguel (conforme está registrado na epístola de
Judas), pode dizer movido pela fé: "O Senhor te repreenda", e assim efetivamente sucederá.
A outra passagem acerca da oração, nos escritos de Paulo, e para qual desejamos
chamar a atenção dos nossos leitores, é a de Romanos l5:30-32, a qual diz: "Rogo-vos, pois,
irmãos... que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor, para que eu me veja
livre dos rebeldes que vivem na Judéia, e que este meu serviço em Jerusalém seja bem aceitos
pelos santos; a fim de que, ao visitar-vos, pela vontade de Deus, chegue à vossa presença com
alegria, e possa recrear-me convosco". Essa é uma profundíssima passagem bíblica.
Apresenta dois grandes pensamentos: l) a maneira e 2) o assunto das orações do próprio
Paulo, bem como das orações de apoio, daqueles para quem escreveu. Quanto à maneira, as
palavras "luteis juntamente comigo" significam "agonizeis juntamente comigo", e é a mais
vigorosa de todas as palavras que, no Novo Testamento, expressam a oração. Somente em
duas outras instâncias é esse vocábulo usado nessa conexão, a saber, em Colossenses 4:12,
onde Epafras aparece com alguém que "se esforça (agoniza) sobremaneira, continuamente,
por vós, nas orações", e em Lucas 22:44 (em sua forma substantivada), que diz respeito a
nosso bendito Senhor, e onde acha-se registrado que "estando em agonia, orava mais
intensamente". Essa expressão serve para destacar a natureza intensa da intercessão
missionária autêntica. Não se trata de uma empresa fácil, mas de um labor que exaure as
forças, um verdadeiro parto de alma, e que desgasta pesadamente nossas energias. Citando
Hudson Taylor: "Se tivermos meramente de orar, como um exercício agradável, mas nada
experimentarmos da vigilância e exaustão em oração, não faremos descer as bençãos como é
de nosso dever. Não estaremos apoiando os nossos missionários, os quais são avassalados
pelas trevas invasoras do paganismo. Sempre será verdade que aquilo que custa pouco, vale
pouco". E então, no que respeita ao assunto das orações solicitadas pelo apóstolo, podem-se
observar três objetivos específicos - que fosse livrados dos adversários na Judéia, que seu
ministério fosse bem acolhido pelos santos de Jerusalém, e que pudesse chegar a Roma em
segurança e com regozijo espiritual. Ora, a leitura dos capítulos vigésimo-primeiro a
vigésimo-sétimo, inclusive, do livro de Atos, serve de comentário acerca desses três pedidos
de oração, bem como de legítimo fortificante espiritual, posto que podemos acompanhar as
resposta completas a todas as três solicitações, em meio a uma teia de esforços desesperados
de Satanás, para frustrá-las.
Desde o Pentecoste e o apóstolo Paulo, até os nossos próprios dias, através dos
séculos, a história missionária do evangelho tem sido a narrativa de orações respondidas.
Cada nova arrancada do empreendimento missionário tem sido resultado da oração confiante.
Cada novo tentame missionário tem sido possuído e abençoado por Deus a partir da
germinação da semente plantada pelo divino Espírito nos corações dos santos que oram.
O empreendimento missionário organizado começou na Alemanha e na Dinamarca
um século antes do que ocorreu na Inglaterra. Originou-se diretamente do movimento
reavivador conhecido como pietismo, sob a liderança piedosa de Spener e Franck, e estava
profundamente arraigado na oração. Assim surgiu a Missão de Halle e Dinamarca, que visava
a conquista da Índia, e também o mais bem conhecido movimento dos morávios, encabeçado
pelo santo conte de Zinzedorf. Foi lançado um estabelecimento em Herrunht ("Vigia do
Senhor"), e que se tornou centro da fraternidade morávia, e onde a vida de oração se
desenvolveu em tal efusão de zelo missionário que tornou, aquele pequeno grupo; bem como
a longa linha de devotados missionários que saíram do mesmo até aos confins da terra, uma
das maravilhas da época da Igreja.
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A comunidade de Herrnhut, por sua vez, exerceu distinta influência sobre os líderes
do metodismo, na Inglaterra, onde, no princípio do século XVIII, irrompeu notável
reavivamento da oração, em favor dos pagãos do mundo inteiro, grandemente estimulado
também pelo poderoso apelo lançado por Roberto Millar, da Escócia, o qual apresentava a
oração como a principal de todas as medidas necessárias à conversão dos pagãos. Em 1744,
circulou largamente um apelo para que se fizessem orações constantes e uníssonas, e em 1746
foi enviado à América do Norte um memorial, convidando a todos os crentes dali que se
aliassem no mesmo esforço conjunto. Essa mensagem levou Jônatas Edwards a pregar um
sermão que não só despertou a muitos, deste lado ocidental do oceano Atlântico, a fazerem
orações mais sinceras, mas que também provou ser uma da maiores influências que foram
exercidas sobre o coração de Guilherme Carey, da Inglaterra, tendo, assim, contribuído para o
início do moderno período de missões.
Os fatos pertinentes aos inícios dessa nova era de missões evangélicas são por demais
conhecidas para que tenham de ser repisados. Também não é nosso objetivo demorarmo-nos
sobre o próprio registro, mas simplesmente em torno do fator vital da oração, na realização
desse alvo. No que respeita à Grã-Bretanha, Guilherme Carey é universalmente reconhecido
como "Pai das Missões Evangélicas Modernas", e o mesmo título pode ser aplicado com
justiça a Samuel J. Mills, no que se refere aos Estados Unidos da América. Ninguém pode ler
a biografia de qualquer deles sem sentir-se profundamente comovido. Kettering, na Inglaterra,
onde foi fundada a primeira Sociedade Missionária Batista, em l792, e a "reunião de orações
de Haystack", de l806, no Colégio Williams, nos Estados Unidos da América, sempre serão
reputados os berços das modernas missões evangélicas. Porém, foi nos corações de Carey e
Wills, e através de seu trabalho de alma e de forte luta em oração, que realmente nasceu esse
grande cometimento em favor de Cristo e do mundo. Com a mesma dose de razão pode-se
dizer que a Missão da China Interior e que a Missão Gossner, da Índia, duas notáveis
"Missões de Fé", nasceram nos corações e através das orações intensíssimas de seus
respectivos fundadores, isto é, Hudson Taylor, da Inglaterra, e o pastor Gossner, da
Alemanha. A vida de oração do primeiro desses dois já foi mencionada. Quando a Gossner,
que sozinho enviou l44 missionários, já se disse: "Ele levantou orando as paredes de um
hospital e elevou os corações das enfermeiras; orando, ele trouxe à realidade postos
missionários, e conduziu missionários à fé... A oração era a sua atmosfera: não sabia viver
sem ela".
Todos os poderosos despertamentos espirituais que constituem o cume dos anais
missionários, tem tido suas raízes na oração. O avivamento que teve lugar nas ilhas do Havaí,
e que se tornou conhecido como "O Grande Despertamento", e que prosseguiu de l837 a l843,
começou nos corações dos próprios missionários. Ao reunirem-se para as suas reuniões
anuais, em l835 e em l836, o que para eles envolvia, no caso de alguns, seis semanas de
viagem cansativa, em embarcações primitivas e imundas, "foram poderosamente impelidos à
oração, e ficaram tão profundamente impressionados com a necessidade do derramamento do
Espírito, que preparam um pungente apelo à suas igrejas nacionais, exortando aos crentes de
toda parte a que se unissem com eles em oração, rogando pelo batismo do alto". Em breve
viram sinais inequívocos do aprofundamento do interesse pelas questões espirituais. E então,
no ano de l837, o reavivamento se propagou como fogo por toda ilha, de tal maneira que os
missionários trabalhavam dia e noite, com multidões de almas inquiridoras. Em certo dia
memorável, em Hilo, l.705 pessoas foram batizadas por Tito Coan, e, no espaço de seis anos,
27.000 convertidos haviam sido recebidos na igreja.
105
O relato do grande reavivamento entre os párias de língua telugu, na Índia, está
vitalmente ligado à "Colina do culto de oração", uma alta colina que dá frente para a aldeia de
Ôngole. Um casal de missionários, juntamente com três auxiliares indianos, de igual atitude
mental, e que estavam em torneio de pregação, foram constrangidos a passar a última noite do
ano de l853 no alto daquela colina, em oração em favor do campo telegu, o qual, após muitos
anos de trabalho árduo e fiel, produzira apenas alguns escassos frutos. Por mais de uma vez a
junta missionária, na sede nacional, tinha chegado ao ponto de abandonar tal campo, e foi
somente em vista dos apelos fervorosos dos próprios missionários que isso não se
concretizara. Justamente no primeiro dia do novo ano que raiava, uma doce sensação de
confiança de que as suas orações haviam sido respondidas, invadiu seus corações. Ainda teve
de ser enfrentado um longo período de provação, mas gradualmente a oposição se foi
desfazendo, a maré começou a virar e, finalmente, um poderoso derramamento do Espírito
Santo trouxe uma multidão de almas para o reino de Deus. Em um único dia, em Ongole, no
ano de l878, 2.222 pessoas foram batizadas, e mais outras 8.000 almas, dentro das próximas
seis semanas, e a igreja dali se tornou a maior congregação evangélica do mundo.Uma nota
adicional e interessante é que "o Governo da Índia reconhecer o poder emanado da Colina do
culto de Oração, doando o cume à missão, para que fosse utilizado como memorial e local de
reuniões".
Talvez o maior de todos os reavivamentos, nos campos evangélicos missionários,
tenha ocorrido na Coréia, nos anos de l905 a l907, quando uma das mais colossais
manifestações do poder de Deus, na história inteira da Igreja de Cristo, teve lugar. Varreu a
terra inteira da Coréia e cruzou as fronteiras para a Mandchúria e a China. Limpou e purificou
a igreja, trazendo a todos os seus membros um senso avassalador da monstruosidade do
pecado. Incendiou os crentes com uma nova paixão em busca dos perdidos, grandes números
dos quais foram feridos por pungente convicção, tendo sido levados a aceitar a Cristo.
Preparou o caminho para o "Movimento do Milhão de Almas", que foi vigorosamente
efetuado durante anos. Tal como os demais reavivamentos, esse também começou com
orações, primeiramente por um grupo de obreiros evangélicos da Coréia oriental, onde se
sentiram os primeiros movimentos do Espírito, e posteriormente em Pyeng Yang, no
ocidente, que se transformou no centro do "Grande Reavivamento". Durante meses, antes
desse despertamento, os missionários daquele posto avançado tiveram reuniões diárias de
oração, rogando o poderoso derramamento do Espírito de Deus. Finalmente rompeu o dilúvio
de bençãos celestiais sobre uma grande assembléia de obreiros e crentes coreanos, reunidos
para orarem na grande Igreja Central da cidade, liderados por um humilde, mas piedoso
evangelista coreano.
Uma seqüência do reavivamento coreano foi a prolongada e vasta série de cultos
reavivados e muito abençoados na China, efetuada pelo Dr. Jônatas Goforth, que visitara a
Coréia e vira a poderosa atuação do Senhor naquele país. No que toca às orações, como fator
importante nesse movimento de reavivamento, este digno testemunho foi posteriormente
dado pelo Dr. Goforth: "Quando cheguei à Inglaterra, conheci uma grande santa de Deus.
Falamos sobre o reavivamento na China, e ela me forneceu certas datas em que Deus a tinha
pressionado especialmente para orar. Fiquei quase aturdido ao examinar essas datas e
descobrir que eram exatamente as datas dos dias em que Deus operava poderosamente na
Mandchúria e na China... Creio que chegará o dia quando toda a história íntima daquele
reavivamento será desvendada, e ficará então demonstrado que não foi aquele que agora vos
106
fala, mas alguns dos santos ocultos de Deus, muito longe, mas em comunhão de oração com
Ele, que mais contribuíram para a realização do mesmo".
Outras instâncias, inúmeras e emocionantes, da admirável operação do Espírito de
Deus, em grande variedade de formas, como resultados diretos da oração, são por demais
numerosas para serem aqui enumeradas. À nossa frente, neste instante, há meia dúzia de
volumes repletos de registros similares, em diferentes campos missionários. Somente a
história da Missão da China Interior fornece grande riqueza de notáveis exemplos de
respostas dadas às orações dos crentes. Tomemos, por exemplo, o Apelo que rogava setenta
novos missionários, concebido em uma conferência de oração, do Sr. Taylor e de uma dúzia
de colegas obreiros, em l880, quando todo pessoal da missão, nessa época, orçava apenas em
cem pessoas. Após dias de oração coletiva a Deus, todos os corações foram tomados pela
certeza mais inabalável da resposta, de tal modo que antes de se dividirem, organizaram um
culto de ação de graças e louvor, pelos setenta novos missionários, recebidos pela fé. Veio
então o Apelo por cem missionários, que fossem enviados em l887, e que foi expedido após
prolongada oração, por todos os membros da missão, e que se encontravam no campo
missionário. Tão confiante se mostrava o Sr. Taylor, de que Deus ouvira e respondera a esse
pedido, que observou: "Se me mostrassem a fotografia de todos os cem missionários, tirada
na China, eu não poderia ter mais certeza do tenho agora". Em ambos os casos, o número
completo que foi solicitado ao Senhor, chegou à China dentro do período especificado, e
também todo o dinheiro necessário para o equipamento e as passagens foi suprido. E o que
talvez seja ainda mais admirável é que a oração especial do Sr. Taylor, no caso dos cem
missionários solicitados, de que o Senhor tivesse por bem enviar os fundos necessários em
partilhas pequenas, mas polpudas, para diminuir o trabalho extra da parte de pessoal de
escritório, já tão sobrecarregado de trabalho, foi literalmente respondida - e as onze mil libras
requeridas foram recebidas em exatamente onze donativos.
Mas esses são apenas uma amostra de centenas de respostas às orações, nessa única
missão e campo missionário. Em muitas outras instâncias, igualmente, encontramos tais
respostas não meramente no que tange aos suprimentos financeiros, mas também no que
respeita a livramentos assinalados do perigo e da morte, cura física, intervenção divina em
período de fome, enchentes, pestilências, levantes populares, armadilhas e ataques por parte
de nativos hostis, além de outras contingências de toda espécie e forma concebível.
Desejando mais pesquisa sobre esse assunto, que tem por dividendos um grande
enriquecimento espiritual para quem quiser lançar-se às mesmas, sugeriríamos aos nossos
leitores que examinassem as experiências de João G. Paton e seus colegas de trabalho
evangélico nas Novas Hébridas; de Livingstone e Moffatt na África; de Gardiner e Grubb na
América do Sul; de Hans Egede e Grenfell no extremo norte, entre muitos outros. Igualmente
notáveis são as maravilhosas respostas às orações e as manifestações de poder e bençãos do
Senhor sobre as vidas e ministérios de obreiros evangélicos nativos, tais como Pandita
Ramabai e Sadhu Sundar Sinngh, da Índia; o pastor Hsi e Ting Li Mei, da China; Neesima,
do Japão, e um exército de outros bem conhecidos heróis do ocidente, que igualmente
aprenderam o segredo da oração que prevalece. "Um dos maiores milagres e demonstração da
evidência do cristianismo é a vida de oração dos crentes orientais, há pouco convertidos à
Cristo. Em todas essas multidões da Índia, da China, do Japão, da África e das ilhas do
Pacífico, encontramos o mesmo fenômeno - eles oram". Esse testemunho, prestado por um
escritor evangélico de nomeada, que escreveu sobre a obra missionária, encontra constante
ilustração nos dias inteiros de oração e jejum, freqüentemente observados pelos numerosos
grupos de chineses evangélicos, durante os anos em que sua nação sofria em face da guerra e
107
da invasão japonesa. A atmosfera espiritual dessas concentrações, e as fervorosas orações ali
apresentadas ao Senhor, serviam de reminiscências dos dias historiados no livro de Atos.
Se é verdade tudo quanto foi dito acerca do poder e das realizações da oração, não será
isso então um novo desafio a todo crente apegar-se a seu sublime privilégio de cooperar com
Deus, mediante a oração, o que, mais do que qualquer outra coisa, libera Seu grande poder?
Dizemos "todo crente" propositalmente, pois a oração missionária, diferentemente do ir e do
contribuir, é algo de que qualquer filho de Deus pode participar. Nem todos podem ir, pois
essa ida requer qualificações e treinamento especiais. Nem todos podem contribuir, pelo
menos com quantias liberais, por causa de recursos limitados. Mas, todos podem orar. O
mais humilde crente, que talvez não tenha talentos nem dotes para aparecer em público, o
iletrado, e até mesmo o crente aprisionado a um leito de enfermidade, pode participar desse
mais alto e mais poderoso ministério da intercessão. De fato, alguns dos maiores intercessores
missionários têm estado entre o último grupo mencionado, e esses tem transformado seu
aposento constante em salões de audiência na presença do Rei, e, através do trono da graça, se
tem projetado até muito além do alcance de qualquer pregador, tocando e exercendo
influência favorável a Cristo até às próprias extremidades da terra.
Agradecemos fervorosamente a Deus por todos os intercessores fiéis e suas orações.
Tem servido de meio que Deus tem usado para irromper barreiras, para mudar os corações de
reis e governantes, escancarando portas, conclamando obreiros, liberando os fundos
necessários para sustentá-los, proporcionando poder notável às suas prédicas, abrandando
corações endurecidos e levando-os à convicção de pecado, transformando a ameaça de derrota
em vitória, na hora de maior crise - tudo isso e muito mais. Mas o de que se necessita é de
uma multidão mais de tais intercessores, sim, para que a Igreja inteira seja levada a prostar-se
de joelhos, sob a carga pesada da mais profunda preocupação e pelo senso restaurado da
responsabilidade. Certo livro sobre esse assunto traz o título: "DINAMITE DE DEUS;
Alterando o Mundo com a Oração". E a Introdução do livro diz: "A oração é um alto
explosivo. Despedaça a penha, mas também libera grandes energias construtivas". E
acrescenta: "O maior problema das missões no estrangeiro jaz na sede pátria... Desenvolver-
se-á a vida espiritual das igrejas nacionais de tal modo que apoie o peso da colossal estrutura
no estrangeiro? ...A resposta se encontra na oração - na oração que leve ao serviço e ao
sacrifício".
As citações transcritas abaixo, tiradas de outras fontes, não são menos pertinentes, e
muito perscrutadoras:
"Quando a Igreja por-se a orar com a mesma seriedade e
intensidades de propósitos que tem devotado a outras formas de esforço
cristão, então verá vir com poder o Reino de Deus".
Relatório da Conferência Missionária de Edinburgo.
"Quando a vida de oração do povo de Deus passa a ser a
característica dominante da experiência cristã, então o poder de Deus
varre a terra com as vitórias da graça".
Howard Agnew Johnston.
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"O poder da oração jamais foi experimentado em toda a sua
capacidade, em qualquer congregação. Se quisermos ver grandes
maravilhas da graça e do poder divinos, atuando no lugar da fraqueza,
do fracasso e do desapontamento, então que a Igreja inteira responda ao
permanente desafio de Deus: "Invoca-me, e te responderei; anunciar-te-
ei coisas grandes e ocultas, que não sabes".
J. Hudson Taylor.
Indelevelmente gravadas em nossa memória estarão para sempre as palavras do Dr. A.
C. Dixon, em um sermão que pregou há alguns anos passados. Diziam mais ou menos como
segue: "Quando dependemos de organizações, obtemos o que as organizações podem fazer;
quando dependemos da educação, obtemos o que a educação pode fazer; quando dependemos
da eloquência, obtemos o que a eloquência pode fazer. E assim por diante. Porém, quando
dependemos da oração, obtemos o que Deus pode fazer". Certamente que isso é o de que
necessitamos, acima de qualquer outra coisa - do que só Deus pode fazer. E, segundo
acreditamos, isso é o que desejam ansiosamente muitos dentre o povo de Deus. E então, essa
necessidade, esse desejo, tornar-se-á uma experiência real e gloriosa, a saber, quando à oração
for dado o legítimo lugar que ela deve ter, na vida cristã e no serviço missionário. "Senhor,
ensina-nos a ORAR".
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Capítulo X
O "RAPAZ" E AS MISSÕES
Alimentando as multidões - uma parábola missionária
Em nosso capítulo inicial, o caráter missionário dos ensinos e do ministério de Jesus,
conforme exibido nos quatro evangelhos, foi mencionado. Neste capítulo de encerramento,
propomo-nos considerar um milagre particular de Cristo, o qual constituiu uma ilustração
extraordinária e sem par de alguns dos princípios fundamentais das missões evangélicas.
Trata-se do milagre da multiplicação dos pães para os cinco mil homens.
A importância que o Espírito Santo, que inspirou a escrita da Bíblia Sagrada, atribui a
esse milagre, é indicado pelo fato de haver escolhido outorgar-nos quatro versões do mesmo,
uma em cada um dos quatro evangelhos. Isso só aconteceu com pouquíssimos incidentes de
Sua vida inteira, e não sucede no caso de nenhum dos Seus milagres. Por exemplo, não
encontramos quatro registros do nascimento de Jesus, nem de Seu batismo, tentação,
transfiguração, ou ascensão, nem de uma só de Suas parábolas, de Suas orações ou de Seus
discursos. São poucos os acontecimentos sobre os quais temos quatro registros, a saber, Sua
agonia no jardim do Getsêmani, Seu julgamento e condenação, Sua morte, sepultamento e
ressurreição, e , finalmente, Sua Grande Comissão.
Não nos impressiona o fato que, juntamente com essas grandes e notáveis ocorrências,
que são reputadas como as próprias verdades fundamentais sobre as quais repousa a fé
evangélica, quatro registros também tenham sido escritos a respeito desse milagre em
particular? Tal repetição, não há que duvidar, não pode deixar de ter grande significação, e
cremos que a razão disso é que esse incidente é mais do que simplesmente mais um dentre os
muitos milagres de Cristo: é igualmente uma parábola. Uma parábola sobre que? perguntaria
alguém. Uma parábola acerca das missões, replicamos. Cremos que quando Jesus partiu
aquele pão material, para saciar a fome física da multidão, naquela noite, à beira do mar da
Galiléia, Ele tinha em mente as multidões infinitamente mais numerosas de homens e
mulheres, por todo o mundo, e através dos séculos, que morrem de fome não por falta de
alimento material, mas por falta do Pão da Vida, e que Ele operou aquele milagre não apenas
para satisfazer a fome física dos que estavam à Sua frente, mas igualmente para desdobrar, na
presença de Seus discípulos, daquele época e de todas as épocas subsequentes, o princípio e o
método divino de oferecer o evangelho da salvação aos milhões que perecem na terra. Por
essa razão preferimos considerar esse incidente como uma parábola, ou, se quiserdes, como
um milagre ilustrativo.
Esse incidente fornece muito ensino precioso que, infelizmente, não podemos abordar;
porém, não nos esquecendo da aplicação missionária, desejamos dirigir a atenção para três
declarações feitas acerca de Jesus, e para os pensamentos sugeridos pelas mesmas. É dito
sobre Ele primeiramente, que Ele viu; em seguida, que sentiu; e, finalmente, que agiu. O que
Ele viu sugere visão; o que Ele sentiu, sugere compaixão; e o que Ele fez, sugere
consagração. Três grandes lições missionárias, dessa maneira, destacam-se salientemente
nessa parábola missionária: (1) a necessidade de visão; (2) a necessidade de compaixão; (3) a
necessidade de ação consagrada.
A Necessidade de Visão
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O pensamento de visão atravessa a Bíblia inteira. A Abraão Deus concedeu uma visão
da terra prometida, dizendo-lhe: "Ergue os olhos e olha... porque toda essa terra que vês, eu ta
darei a ti e à tua descendência, para sempre" (Gênesis 13:14,15). Esse foi um apelo para que
Abraão discernisse e se apropriasse
* O vocábulo grego, paidarion, usado em João 6:9, é o diminutivo de pais,
e sua mais literal tradução seria "rapazinho".
das bençãos que lhe eram divinamente oferecidas. A Jó, Isaías, e a João, na ilha de Patmos, o
Senhor outorgou uma exaltada visão sobre Ele mesmo, com profundos resultados espirituais
para cada um deles. Essa passagem, entretanto, refere-se à visão sobre a multidão necessitada.
"Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão..." Ele enxergou numerosa multidão de
pessoas famintas. Nisso, infelizmente, Ele fazia grande contraste com Seus discípulos,
porquanto não elevaram também sua visão, e por isso não compartilharam da mesma
impressão que Ele. Nesses discípulos não vemos um reflexo perfeito de grande número dos
professos seguidores de Cristo, hoje em dia?
Em primeiro lugar, a visão deles era egoísta. Tinham acabado de terminar uma
campanha distante, e tinham se retirado, em companhia de Jesus, para um lugar tranqüilo,
para um período de descanso e companheirismo, quando sua solidão foi subitamente
interrompida por uma turba inquieta de pessoas inquiridoras. Mui evidentemente se
ressentiram da intrusão. Certamente que preferiam ficar a sós com o Mestre, em doce
comunhão com Ele. Quantas e quantas vezes o egoísmo tem sido responsável pelo fracasso da
Igreja, através de toda a sua história, esquecendo-se assim de cumprir a Comissão que o
Senhor lhe deu! Há um egoísmo pessoal, que leva em conta apenas seu próprio conforto, bem
estar e indulgência, mas que nunca eleva os olhos para contemplar igualmente as
necessidades alheias. Há um egoísmo religioso, representado em templos caríssimos, adornos
resplandecentes, ritual elaborado, música fina e decorações florais, ou, ainda, em ambições
denominacionais, que insistem em implantar diversas congregações, cada qual com apenas
um punhado de freqüentadores, e a maioria dos mesmos a lutar por pagar as despesas, em
pequenas comunidades onde uma única congregação seria amplamente suficiente. Há um
egoísmo espiritual, se assim podemos defini-lo, que se ufana em conhecer a verdade bíblica
melhor que os outros, e cuja glória reside numa ortodoxia fria e morta, e que se envolve nas
vestes da auto-complacência, mas jamais se abaixa para estender uma mão ajudadora a
pecadores caídos e necessitados. Até mesmo as conferências bíblicas podem tornar-se
egoísticas, quando despidas de toda atitude altruísta no que tange às questões evangelísticas
ou missionárias.
Além disso, a visão dos discípulos caracterizava-se pelo preconceito. Tratava-se do
mesmo grupo que de certa feita Jesus levou a Samaria, que ficava distante da província deles,
e também de sua moradia e de seus familiares, e ordenou que levantassem os olhos ali e
contemplavam um campo maduro para a ceifa do empreendimento missionário, entre os
samaritanos desprezados, que pelos judeus eram reputados como desprezíveis. Com essa
visão manchada pelo preconceito tem persistido até mesma nas terras favorecidas do
ocidente, até mesmo entre os cristãos professos, manifestando-se na forma de orgulho sob
muitas modalidades: orgulho de raça, de erudição, de privilégio, de riquezas, de poder, e
muito mais! Nós, os anglo-saxônicos, temos dificuldades especiais em nos despirmos
totalmente da noção profundamente arraigada que somos superiores a outras raças e que
somos feitos de um estofo em tudo superior ao dos orientais. As linhas de Kipling, "Contudo,
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o oriente é o oriente, e o ocidente é o ocidente, e os dois nunca se encontrarão como gêmeos",
são citadas como se fizessem parte das Escrituras Sagradas. Tais palavras, naturalmente,
subentendem imensa superioridade do homem ocidental sobre o homem oriental, e, mais
ainda, que as diferenças entre os dois tipos constituem um abismo que jamais poderá ser
transposto. A falácia dessa asseveração é desmascarada na Palavra de Deus, a qual assegura
que "...de um só (Deus) fez toda raça humana para habitar sobre toda a face da terra..." (Atos
17:26); e a unidade e solidariedade da raça humana, assim afirmada, é confirmada por todo
viajante honesto e pensante que percorra o mundo. Apesar de que possam ser observadas
certas diferenças de fisionomia, linguagem, vestuário, costumes e modo de viver, todas essas
coisas são meramente superficiais, e quando penetramos debaixo da pele, descobrimos que
todos os homens são fundamentalmente idênticos. Todos os homens amam e odeiam. Todos
conhecem a tristeza e a alegria. Acima de tudo, todos pecam, e, por conseguinte, todos
precisam do mesmo Salvador.
Quanto ao tolo sentimento de superioridade do homem ocidental, seria conveniente
que se aprofundasse um pouco mais nos séculos passados a fim de notar as condições de seus
antepassados "ocidentais", da Europa, antes que o evangelho houvesse penetrado no
continente europeu, trazido por missionários "orientais", relembrando, assim, que o
cristianismo se originou na Ásia, e não na Europa, e, muito menos, na América. Não,
qualquer superioridade de que nos possamos ufanar, sobre os povos orientais, não é inerente
em nós, mas deve ser atribuída às influências elevadoras e às grandes vantagens de toda sorte,
que nos tem sido conferidas pelo evangelho. Não houvesse aquele "homem da Macedônia"
chamado apóstolo Paulo para a Europa, mas antes, fosse a visão de um homem da Índia, da
China ou de algum outro país oriental, e, na providência de Deus o cristianismo ter-se-ia
propagado para o oriente, espraiando-se pela Ásia, ao invés de tê-lo feito para o ocidente,
espalhando-se pela Europa, e tudo ter-se-ia transformado, com o resultado que hoje
estaríamos envolvidos nas trevas e degradação do paganismo, enquanto que os asiáticos
estariam se aquecendo sob a luz do evangelho, com suas multiformes bençãos espirituais e
materiais. Outrossim, há testemunho missionário abundante sobre o fato que, em muitos
casos, os convertidos das terras pagãs em muito ultrapassam o crente médio ocidental em seu
desenvolvimento espiritual, e no seu serviço devotado e eficaz na causa do Senhor e de seus
semelhantes. Assim sendo, bem faríamos em reconhecer, juntamente com Paulo, que "sou o
que sou" exclusivamente pela graça de Deus, providenciando por estarmos fazendo tanto para
a sua elevação e salvação como esperaríamos que os asiáticos estariam fazendo, se a situação
fosse invertida.
Acresce, ainda, que a visão dos discípulos era distorcida. Imaginavam que o interesse
de Deus e Seus propósitos começavam e terminavam com os judeus, ignorando
completamente os gentios. Porém, não tem muitos crentes ocidentais a mesma visão míope,
no que tange aos demais homens? De forma alguma é incomum ouvir membros de igrejas
evangélicas protestarem contra o envio de nossos melhores jovens, de ambos os sexos, para
os países estrangeiros, sob a alegação de que "precisamos deles aqui mesmo" ou que
"primeiramente deveríamos converter a América", e coisas do mesmo jaez. Que falta total de
entendimento quanto à mente e aos planos Daquele que disse: "Deus amou o mundo de tal
maneira...", "O campo é o mundo...", "Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda
criatura"!
Mas uma tão distorcida visão não apenas está errada; também é absolutamente fútil e
sem esperança. Que tem realizado, de conformidade com suas próprias propostas? Tem o
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cristianismo, na América do Norte ou em qualquer outra região mais bem iluminada,
prosperado e evoluído pela política que consiste em concentrar todos os esforços em si
mesmo, ocultando a luz do evangelho das terras que dela necessitam, e necessitam dela
desesperadamente? Tem qualquer desses pais iluminados sido "convertido" no sentido
evangélico mais verdadeiro da palavra, ou tem sido obtido qualquer progresso substancial em
direção a esse alvo? A única resposta honesta e possível é "Não", e o triste fato é que a
tendência tem sido sempre na direção oposta. A luz, quando concedida por Deus, se não for
seguida, transforma-se em trevas. Por isso que disse o Senhor Jesus: "Portanto, caso a luz que
em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!" Que "há ainda um trabalho a fazer aqui
mesmo", conforme teimam em dizer aqueles dotados de uma visão distorcida e egoísta, é
perfeitamente verdadeiro. E, seja adicionado, sempre haverá mais e mais trabalho a fazer, em
nossa própria pátria, enquanto o programa estabelecido por Cristo, em Sua Grande Comissão,
for ignorado e tratado com indiferença. Outrossim, talvez se trate de um trabalho que
provavelmente nunca teria de ter sido feito, se a igreja houvesse seguido com mais fidelidade
às suas ordens específicas de marcha.
A história dos filhos de Israel e dos tratos de Deus com eles, fornece-nos muitas e
incisivas lições, quanto à Igreja da atualidade, e determinado incidente parece caber dentro do
caso que estamos a discutir. Quando os israelitas juntaram o maná, no deserto, pela primeira
vez, houve alguns deles que recolheram o maná de maneira egoística, com o resultado que
bichou e ficou estragado. Não é essa uma comparação muito agradável; mas é nossa crença
que a Alta Crítica e o Modernismo desabrido, que tem invadido a Igreja qual dilúvio, nestes
nossos últimos dias, e que só produzem uma aflitiva confusão, nada são senão os bichos que
se desenvolveram no maná recolhido do evangelho, e que não foi distribuído. Se a Igreja
tivesse continuado atirando-se aos campos, conforme lhe foi ordenado fazer, e se tivesse
distribuído mais fielmente o maná do evangelho às multidões famintas e negligenciadas de
outras regiões do globo, esse maná ter-se-ia conservado fresco e saudável, isento de heresias e
excentricidade. Não teria criado esses vermes, e teria sido poupado do tremendo prejuízo e
perda que essas excrescências têm trazido.
Este último pensamento conduz à interessante questão que pergunta como aqueles
pães e aqueles peixes foram multiplicados a ponto de alimentarem a "cinco" mil homens,
além das mulheres e das crianças. Nossa própria convicção é que não foram multiplicados
enquanto ainda estavam nas mãos de Jesus, pois obviamente Ele não poderia ter segurado
entre as mãos tanto alimento de uma vez só. Pela mesma razão evidente, o milagre da
multiplicação não pode ter ocorrido enquanto os pães e peixinhos permaneciam nas mãos dos
doze discípulos. Cremos que ocorreu no instante exato e no ato de serem dados pelos
discípulos, quando lhes pareceu estarem entregando o último pedaço que possuíam. Ao
continuarem a fazê-lo, em obediência implícita, seu suprimento se foi multiplicando,
enquanto que, se tivessem cessado a distribuição, em qualquer conjuntura, ou tivessem
esquecido qualquer grupo de pessoas famintas, a multiplicação teria terminado abruptamente.
"A quem dá liberalmente ainda se lhe acrescenta mais e mais, ao que retém mais do que é
justo, ser-lhe-á em pura perda" (Provérbios 11:24). Essa norma espiritual e moral continua em
operação.
Que desgraça que a Igreja, em tão grande proporção, perdeu sua visão missionária
original, não mantendo os olhos na circunferência do círculo, isto é, os "confins da terra"! E,
segundo a medida em que tem deixado de pressionar para avante, a fim de abarcar o mundo
inteiro, nessa mesma proporção lhe tem sido negadas as bençãos do Senhor, e o milagre do
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Seu poder de maravilhas e de aumento tem cessado de manifestar-se. Ouve-se dizer que as
igrejas estão financeiramente embaraçadas, não sendo capazes de atingir seu alvo final.
Aventuramo-nos a dizer que, caso fosse investigada a causa, descobrir-se-ia que essas igrejas
ou perderam ou nunca tiveram a visão evangelística e missionária para que quisessem
expandir o seu alcance. Como pode qualquer congregação evangélica reivindicar ou esperar a
benção do Senhor, ao mesmo tempo que negligencia o próprio objetivo por causa do qual foi
criada? Que interesse teria Deus em ajudar qualquer congregação a "atingir o seu alvo", se
este começa e termina em si mesma? Ainda precisamos ver qualquer congregação evangélica
verdadeiramente missionária a braços com dificuldades financeiras. Continua sendo verdade
que quando o povo do Senhor busca primeiramente o Reino de Deus e a Sua justiça, todas
essas coisas necessárias lhes são acrescentadas.
Oxalá recebêssemos uma visão nova, clara, arrebatadora, que envolvesse o mundo
inteiro, dado a toda a Igreja de Cristo, e que constrangesse a todos os crentes a levantarem os
olhos e contemplarem, sem egoísmo, para muito além de seus próprios interesses e limites
estreitos e locais, compartilhando do interesse que Salvador tem pelos corações e pelas almas
de todos os homens! "Não havendo profecia o povo se corrompe..." (Provérbios 29:18). Quão
literal e tragicamente se tem isso cumprido! Pensai sobre o tremendo fato que, mil e
novecentos anos depois de Jesus Cristo haver morrido na cruz, "pelos pecados do mundo
inteiro", centenas de milhões continuam vivendo e morrendo sem nunca ouvirem uma única
verdade acerca Dele! Meditai sobre aquelas áreas vastíssimas e contínuas, no âmago de três
continentes onde operam os missionários, a África, a Ásia e a América do Sul, onde a tarefa
da evangelização não meramente precisa ser terminada, mas onde até esta data tão avançada
nem bem começou ainda! Pensai sobre os milhares de dialetos tribais que não contam ainda
com o Livro da Vida, porquanto ainda não foi traduzido! E as forças missionárias existentes
pouco mais tem feito além de arranhar a fímbria do campo missionário necessitado, e que já
chamamos de "ocupada". A imensa proporção da tarefa ainda por terminar, mesmo nesta
época avançada, é simplesmente estonteante. E como pode, alguém que já experimentou as
bênçãos da salvação de Cristo, contemplar essa situação sem ficar profundamente convicto e
interessado, ultrapassa o nosso entendimento. A primeira grande lição de milagre ilustrativo
que estamos considerando é a necessidade de visão missionária.
A Necessidade de Compaixão
Lemos que quando Jesus Cristo levantou os olhos e contemplou a grande multidão, "...
compadeceu-se deles..." Não foi abalado apenas momentaneamente por uma compaixão
passageira, da modalidade que muitos sentem quando alguma peça teatral emocionante ou
filme tocante é visto por eles, para em seguida darem de ombros com a exclamação: "Oh, que
coisa horrível!" mas que logo em seguida podem olvidar totalmente, dirigindo-se para suas
casas ou suas atividades num redemoinho de satisfação. Não, a compaixão de Jesus era tudo
menos isso: Jesus "compadeceu-se deles". A palavra "compaixão" é um termo muito
sugestivo. Literalmente significa "sofrer juntamente com", e esse é precisamente o sentido
dessa passagem, usada para descrever os sentimentos de Jesus. Ele efetivamente sofria em
Sua compaixão pelos homens. Seu coração sangrava e se quebrantava de tristeza perante a
humanidade pecaminosa. Foi chamado de "homem de dores e que sabe o que é padecer"
justamente por haver tomado sobre Si mesmo as tristezas e aflições alheias, vicáriamente,
sobre a Sua cruz. Mas, igualmente, por haver simpatizado com os sofredores, durante todo o
percurso de Seu caminho até à cruz. Conforme a excelente descrição de Isaías, "Em toda a
angústia deles foi ele angustiado..." (Isaías 63:9). Sua compaixão O abalou até as mais
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íntimas profundezas de Sua alma, impelindo-O à ação. Ele jamais cerrou o coração para
qualquer pedido de ajuda.
A declaração aqui feita acerca de Jesus é repetida em Mateus 9:36, exatamente com as
mesmas palavras: "Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e
exaustas como ovelhas que não tem pastor". Note-se, na segunda metade dessa declaração, o
motivo pelo qual se compadecia das multidões. E também essa descrição das multidões,
segundo Ele as via. "Estavam... exaustas" - por causa das cargas pesadas por demais para que
as suportassem. E estavam "aflitas". Esta última palavra, no original grego, literalmente
traduzida seria "derrubadas por terra", e tem o sentido secundário de crueldade e opressão.
Eram "como ovelhas que não tem pastor" - um quadro verdadeiramente patético, porquanto as
ovelhas, dentre todos os animais, são os mais indefesos e dependentes, sem qualquer arma de
defesa e sem o instinto de correta orientação, pelo que precisam de orientação, de proteção, e
de alimentos dados por um pastor bondoso.
Apesar de que as multidões de nossas próprias nações até certo ponto correspondem a
essa descrição, os ululantes milhões dos países pagãos e muçulmanos correspondem à mesma
de maneira muito mais exata. De fato, depois de haver alguém vivido em terras como a China
e a Índia, esse vocabulário, "multidões", parece encontrar somente ali o seu verdadeiro
significado, e em nenhum outro lugar mais. A visão das turbas que repentinamente invadem
os mercados e os bazares, os teatros ao ar livre e as festas de fundo religioso, ou enquanto
marcham em intermináveis cortejos pelas ruas das cidades, jamais pode ser esquecida. E com
que mágica exatidão a linguagem de nossos textos as descreve!
Estão "exaustas" - sob a carga opressiva da mais abjeta pobreza, do labor incessante e
sem descanso, do peso da aflição física, sem o alívio de qualquer auxílio médico ou cirúrgico,
e da falta de centenas de outras características que iluminam e abençoam os lares e as
comunidades dos países onde resplandece o evangelho e torna a vida mais alegre e digna de
ser vivida.
Estão "aflitas" - pelas forças da injustiça, da crueldade e da opressão. São vítimas
permanentes da ganância e de oficiais sem consciência, que lhes impõem impostos
escorchantes, além de outras exigências ilegítimas. Milhões de criaturas humanas têm sofrido
horrores às mãos de bandidos brutais e de forças invasoras ímpias e sem escrúpulos. Jamais
poderá ser contada toda a história da angústia e do mais negro desespero que se ocultam por
detrás da portas dos lares onde a poligamia e a escravidão doméstica reinam sem qualquer
freio.
A Palavra de Deus declara que "...os lugares tenebrosos da terra estão cheios de
moradas de violência" (Salmos 74:20), e que "...o coração dos perversos é cruel" ( provérbios
12:10). E quão admiravelmente são confirmadas essas declarações bíblicas, pelos fatos reais e
pelas condições, em uma hoste de testemunhos dignos de confiança! A escravidão, a
feitiçaria, as castas hindus, e o ópio, tudo contribui para cobrar altos juros em termos de vidas
humanas. Diz-se que o número de vítimas da medicina fetichista da África, atinge cerca de
quatro milhões de indivíduos evenenados por ano. Tão horrível é a vida de 27 milhões de
viúvas crianças na Índia, que muitas pequenas sofredoras aproveitem-se da escuridão da noite
para escaparem de seus vigias e terminarem a existência suicidando-se dentro de algum poço
profundo. Os estragos causados pelo ópio, na China, a despeito de todos os esforços,
envidados nos últimos anos, para banir essa maldita droga, deterioram para sempre, no reino
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físico e moral, a incontáveis milhares por ano. Eis uma ligeira amostra de feridas abertas no
paganismo, e que clamam em voz alta por alguma cura - pela cura que somente o evangelho é
capaz de efetuar.
São " como ovelhas que não têm pastor". Essa afirmativa relaciona-se
primordialmente à sua situação de abandono espiritual, posto que Jesus Cristo é o único Bom
Pastor e Salvador das almas. " Todos quantos vieram antes de mim", declarou Ele, "são
ladrões e salteadores" ( João 10:8). Aqui temos, em verdade, a definição das religiões do
oriente e da África, juntamente com seus cabeças. Temos a ousadia de assim asseverar, a
despeito do relatório ilusório, apresentado por certos "médicos de almas", que a si mesmos se
nomearam tais, idos dos nossos países ocidentais, os quais, há poucos anos atrás, após
fazerem uma viagem mundial de inspeção missionária, no extremo oriente - a qual, de resto,
foi extremamente superficial - trouxeram o "veredito" que as religiões étnicas são "outros
tantos caminhos para Deus", paralelamente ao cristianismo. Esses aconselharam que os
missionários evangélicos se aliassem "aos líderes das várias crenças étnicas, em uma
inquirição comum pela verdade e pelo caminho ideal de vida". Qualquer pessoa inteligente,
familiarizada com essas religiões e seu caráter real e modo de operar só pode atribuir tal
pronunciamento ou à mais vergonhosa ignorância ou à mais patética desonestidade - a menos,
realmente, que seja apresentado um conceito de cristianismo em tudo diferente e inferior
daquele que o Novo Testamento expõe. E isso em face do fato que qualquer que tenha sido o
caráter e os motivos de seus fundadores, esses cultos, tal e qual existem atualmente, não
contêm o mais ínfimo vestígio de graça ou poder salvadores. Suas doutrinas são falsas, suas
práticas são corruptas, e seu líderes são cegos guias de cegos, e muitos deles são personagens
de imoralidade notória, parasitas da sociedade, que exploram e vitimam os adoradores que
vão aos seus santuários da mentira.
O quadro das multidões dos países pagãos e islamitas, assim sendo, é horrendamente
negro e trágico, repleto de miséria temporal e degradação, de torpeza moral, e de ilusões e
desilusões espirituais. É sobre essa cena que os olhos do Filho do homem se fixam, quando
olha dos céus à terra; e certamente que Ele não sente menor compaixão - mas certamente
mais ainda - por essas multidões ainda mais vastas que aquelas com qem esteve en contato
nos dias de Sua carne. E não deveria compartilhar dessa Sua compaixão todos os Seus
autênticos seguidores? Não obstante, existem crentes professos que parecem totalmente
destituídos de compaixão ou interesse, e que põe de lado a questão dos pagãos com uma
observação toda casual, como: "Oh, mas eles tem sua própria religião, e essa é boa bastante
para eles". Tais palavras são o equivalente moderno do que os discípulos disseram:
"Despede-os para que, passando pelos campos ao redor e pelas aldeias, comprem para si o
que comer" (Mc. 6.36). Essa sugestão dos discípulos era sincera, não estais de acordo? Mas,
quanto a nós, tememos muito que não era tão sincera assim. Porquanto,se os campose as
aldeias ao redor pudessem fornece-lhes o alimento necessário, Jesus e Seus discípulos teriam
tido consciência disso.
Não, mas a sugestão dos discípulos foi impelida antes pelo desejo egoístico de se desfazerem
de um problema difícil e trabalhoso. Observe-se, por outro lado, como o Senhor Jesus lançou
de volta sobre eles a responsabilidade que tanto queriam evitar, retrucando severamente:
"Não precisam retirar-se, dai-lhes vós mesmo de comer" (Mt. 14.16). E não é de forma
diferente que Ele replica aos modernos descendentes daqueles discípulos os quais procuram
evitar toda a responsabilidade que tem pelos incrédulos de nossos dias, com essa conversa
frouxa que fala na "religião dos pagãos", que lhes parece "suficientemente boas para eles".
Gostariam tais murmuradores de estarem acorrentados pelos ritos e costumes vis e
escravizadores que acabamos de mencionar com respeito aos cultos do paganismo atual?
Não, as religiões étnicas não são "boas bastante" para ninguém. As pobres almas
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aprisionadas às mesmas, em lugar de pão receberem pedra, e ao invés de um ovo, se lhes é
oferecido um escorpião, no dizer de Cristo. Somente o Senhor Jesus é o Pão da Vida, e o
evangelho é o único remédio para o pecado, quer esteja em vista a América do Sul ou a
África. Temos em mão esse Pão, esse remédio, e nosso Mestre vive a repetir para nós as
mesmas palavras que dirigiu aos Seus discípulos: "Não precisam retirar-se, dai-lhes vós
mesmos de comer".
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A Necessidade de Ação Consagrada
Jesus não somente via ou sentia; mas também agia. As emoções jamais foram
substitutas satisfatórias da ação. A única compaixão real, e que tem valor, é aquela que se
derrama de alguma forma material, através de algum esforço prático, que visa a libertação das
almas perdidas.
Notemos, cuidadosamente, todavia como Ele agiu, e aprendamos a lição que Ele
desejava ensinar-nos. Vemo-Lo de pé, entre os Seus discípulos, com o coração a bater com o
intenso desejo de absorverem sua atitude mental e de agirem juntamente com Ele. Disse
então o Senhor a Filipe: "Onde compraremos pães para lhes dar de comer?" (Jo. 6.5). Não
havia qualquer incerteza em Sua própria mente, mas Ele "dizia isto para o experimentar;
porque ele bem sabia o que estava para fazer". Notai tais palavras. Jesus não ficou
embaraçado com a situação, porquanto jamais ficou desorientado ao enfrentar qualquer
situação. Ele já tinha um plano para alimentar, aquelas multidões famintas, contanto que seus
discípulos correspondessem favoravelmente ao mesmo e cooperassem. E Ele sempre se
mostrou à plena altura do problema da evangelização do mundo, contanto que tenha plenos
direitos nos corações de Seu povo. Quão desapontado deve ter ficado o Senhor, entretanto,
quando Filipe, na presença Daquele que é o Senhor de toda a criação, que é o o Cristo
onipotente, a Quem já vira curar os enfermos e até mesmo ressuscitar aos mortos, falhou tão
miseravelmente de contar com esse poder, e começou a calcular mui humanamente que nem
"duzentos denários de pão" bastariam para que cada qual recebesse apenas um pedaçinho!
Apesar de não desejarmos acusar mui duramente a Filipe, não podemos evitar de fazer
a observação sobre a notável descoberta feita por seus cálculos laboriosos, a saber, que certa
quantia de dinheiro não seria suficiente para dar a cada indivíduo daquela multidão "o seu
pedaço" - o bastante para despertar o paladar e aumentar o senso de fome, e sem chegar a
satisfazê-la. Jamais chegou ao ponto de descobrir que soma seria suficiente; e dessa forma
uma sugestão não foi positiva, mas apenas negativa. Quando muito era apenas uma proposta
inadequada e contemporizadora, e, assim sendo, avultou como tipo de muitos esquemas
humanitários, sociais e políticos que tem sido traçados, e que continuam sendo
experimentados, para satisfazer às necessidades do mundo. Filipe incorreu no fatal equívoco
de deixar o Senhor Jesus fora de seus cálculos, e o mesmo vem sido repetido por um número
infinito de vezes, até os nossos próprios tempos. Nenhum esquema, porém, quer se trate da
Liga das Nações Unidas, de alguma conferência de paz, ou de qualquer outra organização ou
estrutura, por maior e imponente que seja, jamais conseguirá solucionar os problemas do
mundo, enquanto Jesus Cristo não for reconhecido e enquanto Seus princípios norteadores e
Seu poder sejam ignorados. Todos os esforços meramente humanos estão condenados ao
fracasso.
No incidente que estamos considerando, André é mencionado em seguida. Este
aproximou-se um pouco mais do pensamento de Jesus, quando disse: "está aí um rapaz que
tem cinco pães de cevada e dois peixinhos". É verdade que ele quase desvirtua
completamente essa sugestão promissora, ao acrescentar, "mas isto que é para tanta gente?"
(Jo. 6.9). Entretanto, o Senhor anulou esse infeliz "mas", e apresentou prontamente a palavra
certa: "Fazei o povo assentar-se", o que equivale a dizer: "Você acertou em cheio, André.
Agora, vamos trabalhar". Por que tiramos essa conclusão? Assim fazemos porque sempre foi
atitude divina o trabalhar por intermédio de homens, e a apresentação do rapazinho, por
André, estava de conformidade com esse plano. Os homens usam métodos, mas Deus prefere
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empregar homens. Em Sua maravilhosa economia Ele tem preferido, graciosamente, associar
os homens a Si mesmo, usando o fator humano na realização de Seus propósitos. Ele achou
por bem condescender em usar aquele rapazinho, e seu parco suprimento de alimentos, como
meio para alimentar tão vasta multidão. Jesus e o rapazinho cooperaram, e fizeram juntos a
obra. Se alguém levantar objeção a essa afirmativa, e protestar que Jesus poderia ter feito
tudo sozinho, sem a participação do rapaz, nossa resposta é que simplesmente Ele não a
realizou sem o jovem. Não há que duvidar que foi o poder de Jesus que operou aquele
grande milagre, mas com a mesma certeza foi o lanche do rapaz que serviu de meio para sua
execução.
Ora, esse rapazinho destaca-se como exemplo de consagração. Quem era o jovem?
Como chegou ali? Os pães e os peixinhos que trouxe, haviam sido preparados para seu
próprio consumo? Ou seriam antes mercadorias que ele trouxera para vender? Todas essas
perguntas não passam de comentários extremamentes expeculativos. A Palavra de Deus,
entretanto, não nos dá resposta para qualquer delas, e portanto, não sabemos nem precisamos
saber tais respostas. O que realmente sabemos é que "Jesus tomou os pães" do rapazinho, e,
com eles, alimentou a multidão. E também podemos estar certos de que Jesus não se
apropiou arbitrariamente dos pães e peixinhos do rapaz - isso teria uma atitude estranha da
parte do Senhor. O rapaz certamente os ofereceu a Jesus, e Ele os aceitou.
Que dia inesquecível foi aquele para o rapazinho! Ao acordar-se maquela manhã,
nem sonhava em ouvir o maior de todos os pregadores, e nem calculava o que aquele dia
reservava para ele. Porém, teve a oportunidade áurea de dar ao Senhor Jesus o que trazia
consigo; o rapazinho anuiu e o deu, e o Senhor Jesus aceitou a dádiva, multiplicou-a por Seu
poder divino, e tornou-a meio de suprir a necessidade de alimentação de mais de cinco mil
pessoas famintas. Quão impressionante é toda essa cena - e tanto mais quando refletimos
sobre a escolha alternativa que o jovem pôde fazer! Ele poderia ter reservado exclusivamente
para si o consumo dos pães e peixinhos que trouxera, e a maioria das pessoas sem dúvida
teria agido exatamente dessa maneira. Mas isso teria significado satisfazer o apetite apenas
por algumas horas, e então nunca jamais teríamos ouvido falar do tal rapazinho. Felizmente
preferiu o caminho melhor, de ceder ao Senhor o pouco que tinha, e assim se fez sócio de
Cristo, ministrando o alimento necessário aos outros. Tendo testemunhado o resultado de sua
atitude correta naquele dia, e rememorizando o acontecido através dos dias e anos que se
seguiram em sua vida, que alegria e satisfação deve ter tido, em vista de haver sido assim
usado pelo Cristo onipotente, para abençoar os seus semelhantes!
O registro sobre o rapaz e seu lanche não terminou naquele dia, porquanto essa
narrativa vem sendo contada a cada geração desde então, e pelo mundo inteiro, e incontáveis
exércitos de homens e mulheres tem sido impelidos a oferecer suas vidas e seus bens
materiais ao mesmo Senhor, como se fossem pães para serem quebrados e multiplicados pelo
Seu grande poder, para alimentar as multidões famintas pelo Pão da Vida. Estamos
lembrados de como essa ocorrência penetrou fundo em nossos corações, na juventude, com
convicção e inspiração, levando-nos a render a vida e a nos dedicarmos Àquele que, sendo
antes o Homem da Galiléia, é a agora Cristo na glória, para que fosse usado sempre e de
qualquer modo que Ele visse ser conveniente, para a expansão de Sua mensagem remidora a
um mundo perdido. Vintenas de outros nomes nossos conhecidos sobem-nos à memória, os
quais foram, similarmente, impulsionados a seguirem o exemplo do rapazinho, pondo-se
inteiramente à disposição do Mestre, para esse mesmo propósito. Em cada caso Ele tem
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aceito o presente oferecido, sem importar se muito ou pouco, e o tem multiplicado cem vezes
mais, para a salvação de muitas almas preciosas, e para enriquecimento espiritual dos
doadores, mais do que as palavras são capazes de expressar.
A longa lista, que aparece nas Escrituras, acerca de pessoas sem importância, que
Deus tem achado por bem usar como Seus instrumentos escolhidos, é verdadeiramente
impressionantes. Lembramo-nos do "menino Samuel", que foi utilizado como porta-voz de
Deus perante o sacerdote Eli. Lembremo-nos de Davi, o mais novo de todos os filhos de
Jessé, mas que era preferido do Senhor acima de todos os seus irmãos, e relembramos como
posteriormente abateu o gigantesco guerreiro, Golias, "com uma funda e uma pedrinha".
Lembremo-nos de Gideão, o qual protestou, dizendo "Eis que minha família é a mais pobre
em Manassés, e eu o menor da casa de meu pai" (Jz. 6.15), mas como derrotou totalmente o
fortíssimo exército midianita, com um ridículo contigente de trezentos homens, armados
apenas de trombetas e vasos vazios. Lembremo-nos, igualmente, da "menina" que revelou ao
grande Naamã da Síria, da existência do verdadeiro Deus e Seu profeta, e assim Naamã foi
curado de sua lepra; ou então da viúva de Sarepta, cujo "pequeno vaso de azeite" foi o meio
usado por Deus para sustentar a vida do profeta Elias por muitos dias. O "aguilhão de bois"
de Sangar, e a "queixada de jumento" de Sansão, foi outras "coisinhas" insignificantes que
Deus condescendeu em usar. Também não nos podemos olvidar do "jumentinho" que levou
Jesus em Sua entrada triunfal em Jerusalém. Outrossim, essas coisas não são reputadas
excepcionais, no que respeita ao modo de Deus operar, mas antes, são consideradas instâncias
típicas, conforme também sua Palavra nos revela: "...Deus escolheu as coisas loucas...as
coisas fracas...as coisas humildes...as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada
as que são a fim que ninguém se vanglorie na presença de Deus" (I Co. 1.27).
Que encorajamento, pois, é outorgado àqueles que pertencem ao povo do Senhor e que
porventura possuam menos talentos ou meios mais escassos para oferecer em Seu serviço!
Os anais missionários estão repletos de exemplos de homens e mulheres que nasceram em
lares humildes, que se criaram com vantagens mínimas e que no começo de suas carreiras
missionárias deram mostras de serem apenas material ordinário e comum "de todos os dias",
mas que, no serviço com Cristo e para Ele, se desenvolveram maravilhosamente e subiram até
excelsas alturas. Basta mencionar, como ilustrações de fato, Guilherme Carey, o sapateiro
remendão, Roberto Morrison, o fabricante de botas, Davi Livingstone, o fiandeiro de algodão,
e Maria Slessor, a pobre operária de fábrica, cujos nomes, atualmente, destacam-se de forma
conspícua entre os maiores nomes da história missionária do mundo. "O pouco é muito com
a participação de Deus".
Desconhece-se qualquer coisa, mais inspirador que o fato revelado nas Escrituras e
ilustrado no incidente à frente - que o Senhor tormou o homem necessário para Si mesmo, no
cumprimento de Deus grandes propósitos no mundo. A idéia não é que o homem seja
inerentemente necessário, mas tão somente que Deus, em Sua soberania, resolveu torná-lo
assim necessário. Segundo já tivemos oportunidade de dizer, Jesus poderia ter alimentado a
multidão sem o recurso do rapazinho, mas preferiu não fazer assim. Exprimindo o mesmo
pensamento de outra maneira, e empregando outra imagem bíblica, que estabelece a relação
entre os crentes e Cristo, nesta era da Igreja, que ainda é mais íntima e vital que aquela que
havia nos dias do rapazinho, voltando-nos para duas metáforas bem conhecidas do Novo
Testamento. Primeiramente, Jesus disse: "Eu sou a videira, vós os ramos" (Jo.15.5). Ora,
sabemos perfeitamente que o ramo necessita da videira como fonte essencial de sua vida.
Mas, é igualmente verdadeiro que a videira precisa de seus ramos, porquanto somente através
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deles é que pode produzir seus frutos. Em segundo lugar, a figura do corpo humano é
também usada, e desse corpo Cristo é a cabeça, enquanto que os crentes são os membros.
Essa figura expressa a profunda verdade da unidade orgânica de todo crente verdadeiro com
Ele. Os crentes estão vital e inseparavelmente ligados a Ele, e, de fato, fazem parte Dele.
Segue-se, conclusivamente, que da mesma forma que a cabeça de nosso corpo humano só
pode levar a efeito a sua vontade e finalidade através da reação favorável e cooperação de
seus vários membros, assim também Cristo, o glorioso Cabeça da Igreja, que é Seu Corpo, só
pode cumprir Seu gracioso desejo e desígnio relativos à humanidade quando os membros
desse Corpo rendem-se para se tornarem instrumentos por meio de quem Ele pode operar de
modo desimpedido e eficaz. Em Seus comotimentos missionários alguns membros precisam
ser Seus olhos para ver, outros, seus pés para ir, Sua língua para falar, Suas mãos para servir.
A lição que o Senhor Jesus almeja ensinar hoje em dia a Seus seguidores, por
intermédio dessa parábola missionária, da multiplicação dos pães para os cinco mil homens, é
inequivocavelmente clara. Ele resolveu precisar daquele rapazinho a fim de que fosse Seu
sócio naquele milagre de misericórdia. Cristo esperou que o jovem Lhe oferecesse seus pães
e seus peixinhos, e então manifestou o Seu poder divino, não independentemente, mas através
daquela oferta cedida. Semelhantemente, Ele tem resolvido precisar daqueles que,
atualmente, são Seus discípulos professos, para que sejam Seus sócios voluntários nessa
grande obra de propagação de Seu evangelho pelo mundo todo. "...e sereis minhas
testemunhas...até os confins da terra..." (At.1.8).
Cristo precisa de alguns para que Vão. É altíssima honra e privilégio incalculável ser
embaixador Seu, Sua testemunha, perante os povos desafortunados e além-mar. Em muito
transcende todas as outras chamadas, e é o maior investimento da vida que jamais foi
oferecido aos homens.
Cristo precisa de todos para que Dêem. Porquanto todos podem dar algo, embora nem
todos possam fazê-lo na mesma medida. Que consolo deveria ser , para aqueles que não
podem ir em pessoa, se puderem participar com suas contribuições, a fim de que outros
possam ir! Oxalá muitos mais dos filhos de Deus pudessem obter uma visão mais elevada do
dinheiro, não como algo meramente para satisfazer aos prazeres pecaminosos ou como
adorno, mas algo para investir na conquista de almas como gemas preciosas para a coroa de
Seu adorno, no dia glorioso de Seu aparecimento!
Cristo precisa de todos para que Orem. Está escrito na Palavra que Deus "viu que não
havia ajudador algum, e maravilhou-se de que não houvesse um intercessor..." (Is.59.16). O
Senhor deve continuar maravilhado pela falta de muito maior número de intercessores, posto
que o caminho para o Trono da Graça foi pavimentado com suas maravilhosas promessas
relativas à oração. O triste queixume do profeta Isaías, perante Deus, é que "já ninguém há
que invoque o teu nome, que se desperte, e te detenha" (Is.64.7). As portas da oportunidade
de pregar o evangelho, em certos campos missionários, fecham-se ocasionalmente, mas a
porta para a sala do trono do céu nunca se cerra, para essa forma mais santa e poderosa de
serviço missionário, e da qual todos, e não meramente alguns, podem participar. Oxalá
houvesse mais crentes que se dedicassem à oração, e assim impulsionassem a mão que move
o mundo, fazendo descer a salvação!
Em conclusão, queremos dizer mais uma palavra. O relato da distribuição de pães,
segundo registado no evangelho de Mateus (14.19), diz: "Depois, tendo partido os pães, deu-
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os aos discípulos, e estes, às multidões". Três palavras se salientam - Pães, Discípulos,
Multidões. Observei-as cuidadosamente, a ordem que aparecem, e a relação entre elas. Ora,
onde encontramos os discípulos? Entre os pães e as multidões. Como os pães chegaram às
multidões? Foram distribuídos por meio dos discípulos; e somente assim, pois Jesus não fez
pessoalmente a distribuição, mas através das mãos dos discípulos. Nesse ponto está
encerrada uma verdade vital importantíssima, nessa parábola missionária. Quando o bendito
Filho de Deus veio a este mundo, desde a glória, assumiu pessoalmente a responsabilidade
por um mundo perdido. Dirigiu-se resolutamente à cruz, e ali ofereceu-se como sacrifício
expiatório pelos pecados do mundo. "Está consumado!", foi Seu grito de triunfo, ao render o
espírito. Então ressuscitou dentre os mortos e voltou para os céus. Porém antes de partir para
a glória, convocou Seus poucos discípulos fundadores, ao redor de Si, no monte das
Oliveiras, e incumbiu-os do que chamamos da Grande Comissão. E disse-lhes palavras nesse
sentido: "Meus irmãos, fiz a Minha parte, provendo a salvação para o mundo todo. Vossa
parte, agora, é a de levar a mensagem de salvação a toda a criatura, sendo assim Minhas
testemunhas até os confins da terra". Em outras palavras, e empregando a linguagem de
nossa parábola missionária, o Cristo ressurreto pôs nas dos Seus discípulos os "pães", o Pão
da Vida, para a distribuição entre as "multidões" perdidas da humanidade. Transferiu a eles a
responsabilidade que até então pesava sobre Si mesmo.
Essa responsabilidade de anunciar o Salvador ao mundo inteiro tem sido transmitida
de uma geração a outra de crentes, através dos séculos, e agora ela cabe a nós. Tais como os
discípulos antigos, estamos entre os pães e as multidões, e isso só pode ser feito de duas
maneiras - ou como obstrucionistas, negando os pães às multidões, devido à nossa
indiferença, egoísmo e preguiça; ou então como auxiliares leais de Cristo, a levar os pães da
vida de Suas mãos para as multidões. Temos de encontrar nossa posição em uma outra
dessas duas categorias - não existe uma terceira possibilidade. Que essa solene verdade nos
transpasse a consciência e nos comova o coração, convencendo-nos de nosso dever, e
persuadindo-nos quanto mais alto privilégio que há, ou seja, o de cumprirmos a sagrada
incumbência que foi conferida à Igreja, bem como a cada membro individual desse Corpo de
Cristo - levando o Pão da Vida, com toda a presteza possível, às multidões de almas que estão
moribundas por falta dele.
FIM