A ARTE COMO PERSEGUIÇÃO DO TEMPO: ressonâncias entre Cortázar e Deleuze
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8/20/2019 A ARTE COMO PERSEGUIÇÃO DO TEMPO: ressonâncias entre Cortázar e Deleuze
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A ARTE COMO PERSEGUIÇÃO DO TEMPO:
ressonâncias entre Cortázar e Deleuze
Mariano Dai!
Fazer. Fazer algo, fazer o bem, fazer pipi, fazer hora: a ação em todas assuas complicações. Contudo, por trás de toda e qualquer ação, haviasempre um protesto, pois todo fazer significava sair de para chegar a, oumover algo para que fiasse aqui e não ali, ou entrar numa determinadacasa em vez de entrar ou não entrar na casa ao lado, significando isso queem qualquer ato havia sempre a confissão de uma falha, de algo ainda nãofeito e que era poss!vel fazer, o protesto tácito diante da cont!nua evid"nciada falha, da mesmice, da imbecilidade do presente. #creditar que a ação pudesse culminar ou que a soma das ações pudesse realmente equivaler auma vida digna desse nome era uma ilusão de moralista. $ais valia a pena
renunciar, pois a ren%ncia & ação era o pr'prio protesto, e não a suamáscara.
"ulio Cortázar, ( )ogo da amarelinha
#uatro senti!os car!eais: te$%o& $'sica& Cortázar e Deleuze
( *empo não suporta ser marcado como se fosse gado.
Carroll, #lice no pa!s das maravilhas
Quando colocamos o CD no aparelho de som e ouvimos as notas que Charlie “Bird” Parker
soprou em seu sax numa noite inspirada de 19!, somos imediatamente remetidos do s"culo
##$ para a aurora do %e%op. &pesar do 'asc(nio que essa via)em nos causa, experimentamos
apenas uma ilus*ria volta no tempo proporcionada pela tecnolo)ia de re)istro e reprodu+o
sonora. Por"m, outro 'en-meno temporal, mais %anal e paradoxalmente mais 'antstico,
acontece quando ouvimos as notas de “/over man” )ravadas naquela noite. &o ouvir uma nota
musical somos remetidos para o passado pela mem*ria das notas que a antecederam e domesmo modo somos remetidos para o 'uturo pela expectativa da nota que vir a se)uir. 0*
assim, remetidos pela nota que est a soar, simultaneamente para o passado e para o 'uturo, a
msica pode criar uma sensa+o art(stica pela sucesso de sons. 2ossa 'rui+o musical se d
pela ciso temporal. Por outro lado, a produ+o das notas no sax de Charlie Parker tam%"m
envolve uma complexidade temporal. 3ntre sua concep+o no c"re%ro de Bird, seu impulso nos
msculos de Bird e sua resson4ncia sonora h uma coordena+o de 'un+5es que 'a6 a msica
voar e a%olir qualquer sentido de presente. 7ma nota no " soprada sem que a se)uinte este8a
sendo conce%ida no c"re%ro de Bird. as qual a dist4ncia entre uma nota e outra, em que ponto
uma nota se distin)ue da outra se o que ouvimos " um cont(nuo musical, uma 'rase mel*dica
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aparentemente sem sil:ncios; Bird quer encontrar a dist4ncia in'initesimal, e paradoxalmente
in'inita, entre duas notas< 'a6 com que uma nota avance so%re a anterior, quer colar uma nota
na outra, quer 'undi=las, sintetizá+las. as o msico tam%"m alon)a as notas at" certo limiar ou
ento produ6 apenas 'ra)mentos de notas que 'ormam um emaranhado de sons insti)antes,
an)ustiantes. > a an)stia do perseguidor incansvel. Bird quer se instalar “entre” as notaspara encontrar seu se)redo, levar ao limite a pot:ncia de extrair sensa+5es do sax. ? que ele
perse)ue, tal como um 'il*so'o, " a ess:ncia do tempo envolvida na msica. Quer encontrar o
tempo em estado puro, quer nos mostrar o tempo e esta sua tare'a " exaustiva, insana,
enlouquecedora. Por isso mesmo estamos a ouvi=lo na verti)em de uma revela+o que apenas
se vislum%ra mas no pode se esta%elecer em de'initivo. Pensamos ento< " para isso que serve
a arte, esse monumento @ perse)ui+o do ine'vel, esse 'ra)mento de realidade que
perse)uimos com 'or+as impensveis. > para isso que colocamos o CD de Charlie Parker no
aparelho de som, que nos sentamos em 'rente ao aparelho e esquecemos a )ua do ca'"'ervendo no 'o)o, esquecemos as queixas de sade dos parentes e dos ami)os, esquecemos
as contas a pa)ar e, principalmente, esquecemos de n*s mesmos. De nosso 'r)il eu e nosso
ro%usto e)o. Aa6emos com que Bird nos d: esse peda+o de mundo em que podemos pressentir
o in'inito do tempo. as no o 'a6emos para 'u)ir do mundo com suas )uas 'ervendo, suas
ma6elas por curar, suas contas por pa)ar. &o contrrio, ouvimos Bird para sentir o real mais de
perto< tal como o pr*prio Bird ao tocar, n*s o ouvimos no porque 'u)imos de al)o, mas porque
%uscamos al)o. &l)o como a vida, como o mundo, como o tempo.
Da mesma 'orma, lemos Cort6ar para ter acesso ao miolo do mundo ou a oitenta mundos em
um s* dia. Para sermos 8o)ados no tempo. 2o podemos ler Cort6ar apenas como um
entretenimento, porque nada em sua literatura nos tra6 consolo ou apenas pra6er, nada
permanece tranqilo ao nosso redor ao terminarmos de ler uma o%ra sua. udo adquire uma
t:nue atmos'era de suspei+o. ?s o%8etos podem exi%ir uma 'ria volitiva, os espa+os podem
cindir e nos en)olir, o passado vivido ou no pode se 'undir ao presente, um duplo miservel
pode sur)ir para nos reivindicar a consci:ncia, um persona)em pode estar @s nossas costas
com um punhal na mo. 0e o mundo nos parecia uma rocha, ap*s ler Cort6ar o mundo nos
parece um quei8o su(+o ou uma )elatina, talve6 uma %a%a. 0ua tare'a " nos mostrar a estranha
porosidade do mundo, " nos 8o)ar no mundo. 3 ele o 'a6 de tal 'orma que passamos a querer
mais mundo, mais arte.
?s interessados em literatura a ponto de lerem cr(tica literria, se8a por )enu(no interesse ou
por dever pro'issional, muitas ve6es constatam, com pesar, o contraste entre a qualidade
literria das o%ras de 'ic+o e de cr(tica. > particularmente penoso sair de um texto em que
a%undam qualidades po"ticas e penetrar em uma cr(tica est"ril ou entediante. Por isso torna=se
)rati'icante para estes leitores quando se deparam com textos cr(ticos inteli)entes eestimulantes, e mais )rati'icante ainda quando encontram na pr*pria o%ra de 'ic+o discuss5es
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te*ricas que 'a+am as ve6es de cr(tica. 3ste ltimo " o caso de “? perse)uidor” de Cort6ar em
que o persona)em narrador " um cr(tico musical. &o relatar o conv(vio com um )enial
saxo'onista de 8a66, cu8a %io)ra'ia aca%ara de pu%licar, o narrador=cr(tico re'lete so%re
pro%lemas est"ticos e comenta a maneira ca*tica de viver, as id"ias con'usas e os del(rios
recorrentes de seu %io)ra'ado. &trav"s da tensão entre as perspectivas do cr(tico e do artista,Cort6ar constr*i uma primorosa o%ra de 'ic+o em que o centro de 'or+a da arte musical e
por extenso de toda )rande arte sur)e em sua rica complexidade, com destaque para a
'ascinante caracter(stica de 'a6er proli'erar os paradoxos. Con'orme di6 de maneira hesitante
EohnnF Go persona)em saxo'onistaH so%re a msica, a arte nos tira do tempo, ou melhor, nos
p5e no tempo. “as ento " preciso crer que esse tempo no tem nada a ver com... %em, com
a )ente, vamos di6er.iIiJ” &rriscamos acrescentar que este " o tempo inumano, di'erente do
tempo crono=l*)ico cotidiano, demasiado humano, com sua 'lecha passadoK'uturo re)ular e
inexorvel. > o tempo puro que a o%ra de arte nos 'a6 entrever ou no qual a o%ra tem o podernos inserir.
as qual o estatuto da rela+o entre o tempo e a arte; > pertinente reclamar a necessidade e a
import4ncia desta rela+o; &l"m de 'ruir )rati'icado a o%ra corta6ariana o leitorKpesquisador "
tentado a comparar as concep+5es te*ricas que seus persona)ens ela%oram com as concep+5es
de arte que circulam na contemporaneidade, %em como com as pr*prias re'lex5es te*ricas
presentes nos diversos ensaios de Cort6ar. Desta 'orma, contaminados pelo esp(rito
perscrutador da realidade do saxo'onista EohnnF Carter, nos propomos a esta%elecer um dilo)o
entre a pro%lemati6a+o do tempo, em 'un+o da %usca art(stica, que Cort6ar coloca
principalmente em “? perse)uidor” e a mesma pro%lemati6a+o que encontramos na 'iloso'ia de
Lilles Deleu6e. &creditamos ser 'rut('ero o es'or+o de pensar tal articula+o em virtude das
inmeras possi%ilidades de ler Cort6ar atrav"s de Deleu6e, e vice=versa, das inmeras
comunica+5es que as o%ras apresentam. Deste o%8etivo resultam quatro sentidos principais que
determinam sendas de pesquisa pr*prias< a obra de Cortázar Ge seus cr(ticosH, a filosofia de
illes -eleuze Ge seus comentadoresH, o tema do tempo e a questo da m%sica Gcom destaque
para o 8a66H. 3stes quatro sentidos cardeais acoplam=se de modo a en'ocar temas mais
espec('icos tais como o tempo em Cort6ar e em Deleu6e e a msica tam%"m em am%os, mas
possuem um centro de conver):ncia onde se encontra a idia de arte. Por"m, muitos outros
temas correlatos e a'inidades entre os dois pensadores sur)iro ao lon)o desta 8ornada ao
centro da arte e do tempo. Messaltamos que a convoca+o do pensamento de Deleu6e implica a
cola%ora+o de Fli uattari , cu8a parceria produ6iu o%ras @s quais recorreremos ao lon)o do
tra8eto.
O (antástico co$o )entre*reali!a!e+
( que mais me revolta a mania das eplicações, o /ogos compreendido eclusivamente como verbo.Cortázar, ( )ogo da amarelinha
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Parece=nos interessante que a via)em no se inicie pelo texto que pretendemos privile)iar, mas
que passemos antes por territ*rios vi6inhos, por outros contos e por textos te*ricos de Cort6ar.
Do volume intitulado 0alise de cron'pio destacamos vrios ensaios nos quais so en'ocadas ascaracter(sticas do sentimento de insu'ici:ncia do real e suas rela+5es com a arte de cria+o
po"tica. 3m “Do sentimento de no estar de todo” e em “Do sentimento do 'antstico” o
escritor critica a cren+a do homem contempor4neo na realidade tal qual " apreendida pelos
sentidos< certo realismo amplamente disseminado, que s* no " de todo in):nuo devido @
circula+o de in'orma+5es hist*ricas e 'ilos*'icas. &s fissuras da realidade, que esporadicamente
'usti)am a cren+a na esta%ilidade e na coer:ncia do real, so devidamente cimentadas pela
dispersiva conviv:ncia cotidiana, restrin)indo a relev4ncia daquelas 'issuras a al)o meramente
extraordinrio. 0e)undo Cort6ar “esse homem " um in):nuo realista mais do que um realistain):nuoiiIiiJ” pois, ante o 'en-meno excepcional renuncia a inda)=lo. > 8ustamente do desa'io,
do est(mulo rece%ido pelo estranhamento que o mundo nos reserva, que o artista retira a 'or+a
que o 'a6 criar<
0e por poeta entendermos 'uncionalmente o que escreve poemas, a
ra6o para que os escreva Gno se discute a qualidadeH nasce de que
seu estranhamento como pessoa suscita sempre um mecanismo dechallenge and responseN assim, cada ve6 que o poeta " sens(vel @ sua
lateralidade, @ sua situa+o extr(nseca numa realidade aparentemente
intr(nseca, rea)e poeticamente I...J, escreve poemas que so como
petri'ica+5es desse estranhamento, o que o poeta v: ou sente em
lu)ar de, ou ao lado de, ou por %aixo de, ou ao contrrio de,
remetendo este de ao que os demais v:em tal como cr:em que ", sem
deslocamento nem cr(tica interna.iiiIiiiJ
? mesmo mecanismo aconteceria com o 'il*so'o, em%ora este tenha 'ins diversos dos do poeta.
2a esteira desta po"tica, Cort6ar a'irma que todo )rande poema ativa e potenciali6a a
estranheza perante o mundo atrav"s da aceita+o da “6ona intersticial”. al a%ertura nos
'ornece uma primeira aproxima+o com a 'iloso'ia de Deleu6e em que as 'issuras do real, a
ciso entre o plano dos si)ni'icados e dos si)ni'icantes situa=se na ):nese dos paradoxos do
pensamento e da arte. & perspectiva intersticial encontra=se na %ase da concep+o deleu6eana
da arte uma ve6 que o “entre” possi%ilita a expresso do princ(pio de incessante trans'orma+odas coisas, ou se8a, do devir incessante do mundo. & 6ona intersticial para Cort6ar corresponde
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ao intervalo entre a realidade propriamente dita e uma outra realidade mais sutil, enquanto que
para Deleu6e o interst(cio sur)e entre os estados de trans'orma+o de toda e qualquer coisa.
Parece=nos, entretanto, que o privil")io em am%as est"ticas de uma 6ona 'ronteiri+a, de um
limite impalpvel, aponta para a'inidades importantes entre elas. De 'ato, veremos ao lon)o
deste ensaio como muitos pontos em comum entre os dois pensadores t:m ori)em nestaperspectiva intersticial ou a ela podem ser remetidos. &l"m disso, " importante ressaltar desde
8 que o o%8etivo deste tra%alho no " identi'icar um pensamento ao outro mas mostrar como
um pode potenciali6ar o outro, em am%os os sentidos. Meprodu6imos a se)uir outro trecho do
ensaio 8 citado em que Cort6ar nos revela aspectos do seu processo criativo que respaldam a
teoria acerca da 6ona intersticial da qual o poeta constr*i suas cria+5es<
uito do que tenho escrito ordena=se so% o si)no da excentricidade,
posto que entre viver e escrever nunca admiti uma clara di'eren+aN se
vivendo che)o a dissimular uma participa+o parcial em minha
circunst4ncia, por outro lado no posso ne)=la no que escrevo uma
ve6 que precisamente escrevo por no estar ou por estar a meias.
3screvo por 'al:ncia, por deslocamentoN e como escrevo de um
interst(cio, estou sempre convidando que outros procurem os seus e
olhem por eles o 8ardim onde as rvores t:m 'rutos que so, por certo,
pedras preciosas.ivIivJ
& id"ia de que a literatura parte de um sentimento de fal"ncia da realidade e opera um efeito
de estranhamento que restitui esta 'al:ncia para o leitor " plenamente recorrente na est"tica de
Cort6ar. Dentro desta perspectiva um dos temas que mais e'etivamente propicia o
estranhamento " a desordem do tempo cotidiano. Cort6ar explorou as possi%ilidades de
viv:ncia de novas ordens do tempo em muitos de seus contos %reves. 3scolhemos para
exempli'icar tal en'oque so%re o tempo uma narrativa que se encontra no mesmo volume de “?
perse)uidor”.
? conto “&s %a%as do dia%o”, adaptado para o cinema por &ntonioni com o t(tulo de “BloO up”,
parece=nos colocar a questo dos paradoxos temporais de 'orma particularmente interessante,
uma ve6 que ali a bifurcação do tempo encontra=se estreitamente relacionada ao pro%lema da
pr*pria narrativa, @ impossi%ilidade de se narrar de uma perspectiva pessoal um evento que
su%verte a dita normalidade. E nos primeiros par)ra'os o narrador evidencia a impossi%ilidade
de enuncia+o dos eventos< “2unca se sa%er como isto deve ser contado,...v
IvJ” Quem podercontar uma hist*ria em que o narrador morre e no morre, em que a mesma cena pode ser
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vista como desenrolando=se de duas 'ormas distintas; alve6 as mquinas, diretamente
envolvidas na narra+o=acontecimento, a mquina de escrever e a mquina 'oto)r'ica
GC*ntaxH, pudessem contar com mais 'idelidade a estranha hist*ria. as tam%"m o morto Gno=
mortoH pode narrar sua perspectiva da hist*ria que implica o desdo%rar=se do tempo ou o
retorno dos eventos so% a marca tr)ica da di'eren+a. e8amos as linhas %sicas do enredo.
Mo%erto ichel, o narrador=prota)onista do conto, " um tradutor 'ranco=chileno que, ao sair de
seu apartamento em Paris para 'oto)ra'ar amadoristicamente o movimento das ruas, presencia
uma cena envolvendo tr:s persona)ens. ? tradutor='ot*)ra'o encontra @ ponta da ilha de 0aint=
/ouis uma %ela mulher loura sedu6indo um assustado adolescente, a cena lhe parece insti)ante
e ele tira uma 'oto do casal. &o perce%er que 'oi 'oto)ra'ada, a mulher avan+a indi)nada para o
'ot*)ra'o exi)indo que ele lhe d: o 'ilme enquanto o adolescente sai de cena quase correndo.
2este instante um homem, que estava lendo 8ornal dentro de um carro estacionado ali perto,sai do carro e se 8unta @ mulher para pression=lo a entre)ar o 'ilme. Mo%erto responde @
solicita+o com um sorriso e deixa local mantendo o 'ilme consi)o.
2os dias que se se)uem ao epis*dio, Mo%erto amplia vrias ve6es a 'oto do casal e cola=a na
parede do quarto onde tra%alha em suas tradu+5es. 3nquanto 'a6 seu tra%alho, “a cada tantos
minutos”, er)ue a ca%e+a e olha para a 'oto sentindo=se na exata perspectiva de quando tirou a
'oto. as eis que Mo%erto v: a mo da mulher se 'echar e a partir da( tudo na 'oto se
movimenta< a cena se repete mas desta ve6 ele perce%e que na verdade a mulher sedu6 o
adolescente para entre)=lo ao homem. 2este retorno da cena de rua que se passa na parede
do quarto de Mo%erto, como se 'osse um 'ilme policial, o adolescente conse)ue escapar
novamente mas desta ve6 o 'ot*)ra'o=narrador no escapa ileso< termina assassinado,
imo%ili6ado, contemplando as nuvens e os pssaros atrav"s do ret4n)ulo na parede. Meprodu6ir
os eventos deste conto da maneira como 'i6emos " exatamente o que no se deveria e no se
poderia 'a6er. 2a narra+o do conto h uma hesitação e uma ambig1idade que se perdem neste
tipo de reprodu+o. ?ra o 'ot*)ra'o narra na primeira pessoa, ora o conto " narrado na terceira
pessoa e Mo%erto ichel " um persona)em que tem seus movimentos vistos de fora. & narrativa
" a pr*pria pro%lemati6a+o da maneira de narrar um evento quando 'alham simultaneamente
as certe6as da coer:ncia do su8eito e da sucessividade dos acontecimentos na ordem do tempo.
0e insistimos aqui em reprodu6ir o enredo deste conto, 'oi para mostrar como o tempo
cronol*)ico entra em colapso no universo 'antstico de Cort6ar. ? presente da narrativa " to
'also como o passado narrado. ? pr*prio narrador revela a inconsist:ncia da temporalidade<
“&)ora mesmo Gque palavra, agora, que mentira estpidaH.viIviJ” ? suposto retorno da cena que
se passa na 'oto)ra'ia, com sua conseq:ncia 'atal para o 'ot*)ra'o, cria uma condi+o de
impossi%ilidade de seu acontecimento< se a 'oto)ra'ia revela a verdade de que o 'ot*)ra'o 'oi
morto ap*s tirar a 'oto, como esta poderia ter sido revelada, ampliada e colocada na parede doquarto para revelar a verdade; 0* nos resta crer que am%as as vers5es so verdadeiras ou
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am%as 'alsas, que os dois desdo%ramentos da cena aconteceram em tempos e lu)ares
di'erentes Gna manh de domin)o na ilha de 0aint=/ouis e dias depois no apartamento de
Mo%ertoH ou que am%as aconteceram num mesmo tempo e lu)ar indeterminados, talve6 entre
um tempo e outro, entre uma verso e outra. ( que importa a subversão da ordem da
consci"ncia e o estranhamento que esta perspectiva intersticial promove . ? acontecimento nose passa de acordo com as leis do %om senso e da '(sica clssica, ou se8a, o%servado por uma
consci:ncia intencional precisamente re)ulada, mas con'orme uma meta'(sica em que o tempo
se encontra 'ora dos eixos e a consci:ncia presa das incerte6as. & ra6o Gcomo lo)os, palavraH
se v: insu'iciente para co%rir as sutile6as da realidade e recorre aos paradoxos, @s
am%i)idades da lin)ua)em.
Davi &rri)ucci Er., em excepcional estudo da o%ra de Cort6ar, comentando a hesita+o que o
narrador apresenta no in(cio do conto e a solu+o de incorporar esta hesita+o no 4m%ito dodiscurso, 'ormula de maneira precisa tal pro%lemtica<
rata=se, evidentemente, de uma solu+o ir-nica< a enuncia+o sobre
um paradoxo torna=se ela pr*pria paradoxal, mantendo tam%"m at" o
'im o estranhamento do leitor, colocado em contato direto com o
pro%lema da estrutura+o do texto. ? carter paradoxal e, por isso
mesmo, desconcertante, da enuncia+o resulta da ado+o de um 'oconarrativo dplice, o que permite a oscila+o am%()ua e ir-nica entre
perspectivas contradit*rias.viiIviiJ
“&s %a%as do dia%o” " um conto exemplar do estilo corta6ariano porque a pro%lemtica da
narrativa encontra=se implicada na atmos'era 'antstica do enredo. Para Cort6ar, o conto curto
assemelha=se a um poema ou a uma 'oto)ra'ia uma ve6 que todos os elementos encontram=se
comprometidos na economia que %usca distender ao mximo a tenso ou incrementar aintensidade das sensa+5es expressas. Para o escritor, “a ):nese do conto e do poema ",
contudo, a mesma, nasce de um repentino estranhamento, de um deslocar+se que altera o
re)ime normalR da consci:nciaviiiIviiiJ”. &l"m disso, a e'iccia e o sentido do conto dependem de
valores caracter(sticos do poema Ge do 8a66H< “a tenso, o ritmo, a pulsa+o interna, o
imprevisto dentro de par4metros pr"=vistos, essa liberdade fatal que no admite altera+o sem
uma perda irreparvelixIixJ”. 3ste tipo de conto, a narrativa curta, " %astante a'eito ao
sentimento do 'antstico ou, pelo menos, requer um tema excepcional, al)o que 'uncione como
um !mã, que atraia toda uma rede de rela+5es e permita uma abertura para 'ora da pr*pria
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narrativa. Desta 'orma, o tempo e o espa+o “t:m de estar como que condensados, su%metidos
a uma alta presso espiritual e 'ormal para provocar essa a%erturaR xIxJ”
al propriedade, de remeter a al)o maior que a parte en'ocada, caracteri6a a narrativa como
'antstica e " sempre por uma força capa6 de provocar certo deslocamento que o 'antsticoexerce sua e'iccia. Cort6ar recorre @ concep+o de ponto vlico, em uma passa)em de ictor
Su)o, para descrever o sentimento do 'antstico< trata=se do ponto de conver):ncia de todas
as 'or+as dispersas no velame de um navio. &ssim tam%"m “o 'antstico 'or+a uma crosta
aparente, e por isso lem%ra o ponto v"licoN h al)o que encosta o om%ro para nos tirar dos
eixos.xiIxiJ” Aoi em virtude desta li)a+o 'avorvel, entre a 'orma do conto curto e o tema
'antstico, que autor utili6ou amplamente esta '*rmula. e8amos como o pr*prio escritor exp5e
as ra65es para o exerc(cio deste ):nero<
Quase todos os contos que escrevi pertencem ao ):nero chamado
'antstico por 'alta de um nome melhor, e se op5em a esse 'also
realismo que consiste em crer que todas as coisas podem ser
descritas e explicadas como dava por assentado o otimismo 'ilos*'ico
e cient('ico do s"culo #$$$, isto ", dentro de um mundo re)ido mais
ou menos harmoniosamente por um sistema de leis, de princ(pios, de
rela+5es de causa e e'eito, de psicolo)ias de'inidas, de )eo)ra'ias%em carto)ra'adas. 2o meu caso, a suspeita de outra ordem mais
secreta e menos comunicvel, e a 'ecunda desco%erta de &l'red
EarrF, para quem o verdadeiro estudo da realidade no residia nas
leis, mas nas exce+5es a essas leis, 'oram al)uns dos princ(pios
orientadores da minha %usca pessoal de uma literatura @ mar)em de
todo realismo demasiado in):nuo.xiiIxiiJ
3nvolvendo direta ou indiretamente a su%verso da ordem temporal podemos citar ainda os
contos curtos< “&s armas secretasxiiiIxiiiJ”, “DistantexivIxivJ” e “odos os 'o)os o 'o)oxvIxvJ”. &
tentativa de superar certo realismo cienti'icista, to em vo)a neste 'inal do s"culo ## e in(cio do
s"culo ##$ como uma das caracter(sticas da dita p*s=modernidade 8 se encontrava
presente na 'amosa ironia machadiana %em como na 'iloso'ia demolidora de 2iet6sche. Serdeiro
desse )osto 'ilos*'ico su%versivo, empenhado na )uerrilha 'ilos*'ica contra a tradi+o ocidental,
meta'(sica e cienti'icista, Deleu6e desenvolve uma o%ra que nos parece '"rtil para pensar a arte
contempor4nea. Privile)iaremos neste tra%alho sua inusitada a%orda)em do tempo que nospossi%ilitar o dilo)o com Cort6ar. &ssim, em nossa via)em, cu8o territ*rio de destino " “?
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perse)uidor”, 'aremos mais uma passa)em pelo territ*rio vi6inho da 'iloso'ia 'rancesa
contempor4nea antes de tomarmos o rumo 'inal.
Rizo$a te$%oral
2esse instante gigantesco, vi milhões de atos agradáveis ou atrozes3 nenhum me assombrou mais que ofato de todos ocuparem o mesmo ponto, sem superposição e sem transpar"ncia.,or-es, ( #leph
? pro%lema do tempo se encontra no cerne do pensamento deleu6eano e uma a%orda)em que
visa discutir suas implica+5es em o%ra literria requer recortes espec('icos. Destacaremos ento
tr:s aspectos do tempo em Deleu6e que nos parecem, tendo em vista nosso o%8etivo, mais
pro'(cuos< &ion o tempo no cronol*)ico, ):nese dos paradoxos, como discutido em /'gica do
sentidoN o conceito de ima)em=cristal, como aparece em Cinema 44: # imagem+tempoN e o
conceito de ritornelo, ela%orado em $il plat5s e ( que a filosofia6 , as duas ltimas o%ras
escritas em parceria com A"lix Luattari.
3m /'gica do sentido, Deleu6e reali6a um res)ate da l*)ica dos incorporais da 'iloso'ia
est*ica l*)ica dos acontecimentos como 'en-menos de super'(cie , 'a6endo a articula+o
desta com a o%ra de /eOis Carroll. & din4mica do acontecimento, que no se det"m nunca no
presente, mas remete sempre ao passado e ao 'uturo, " um dos 'ocos )eradores dos paradoxosno encontro do plano si)ni'icante da lin)ua)em com o plano si)ni'icado das coisas. ?
acontecimento " um efeito que " expresso por um ver%o no in'initivo. 3nquanto a l*)ica
aristot"lica preocupa=se com as proposi+5es que atri%uem uma qualidade a uma coisa, do tipo
“a rvore " verde”, a l*)ica est*ica preocupa=se com as proposi+5es que enunciam
acontecimentos, tais como “a rvore verde8a” . ? acontecimento incorporal, o verde8ar, " um
atri%uto que d o sentido da cor na rvore e no existe 'ora da proposi+o que o enuncia. 2o "
uma qualidade sens(vel como a cor verde. erde8ar " um acontecimento que no se det"m, tal
como o crescer< ", concomitantemente, estar maior que no passado e menor que no'uturoxviIxviJ.
3sta insta%ilidade na enuncia+o dos acontecimentos aponta uma primeira 'issura na
8un+o do plano da idealidade com o plano das coisas. “? acontecimento " coextensivo ao devir
e o devir, por sua ve6, " coextensivo @ lin)ua)emN I...J ? paradoxo aparece como destitui+o da
pro'undidade, exi%i+o dos acontecimentos na super'(cie, desdo%ramento da lin)ua)em ao
lon)o deste limite.xviiIxviiJ” $sto si)ni'ica que o devir , princ(pio de incessante di'erencia+o,
encontra nos paradoxos da lin)ua)em a expresso de seus e'eitos e " atrav"s deles que a
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lin)ua)em pode ser levada ao seu limite< ponto em que a literatura encarna sua pot:ncia mas,
ao mesmo tempo, depara=se com a som%ra de sua destrui+o.
& inadequa+o tam%"m aparece na rela+o entre os nomes e as coisas desi)nadas por
eles. Quando se de'ine que tal nome desi)na tal coisa, esta de'ini+o necessita de uma outraque a sustente, )erando uma s"rie in'inita de de'ini+5es. 0* ar%itrariamente pode=se colocar um
termo ori)inal nesta s"rie que a 'a+a estancar. 3ste paradoo da regressão ou da proliferação
indefinida aparece na l*)ica so% di'erentes 'ormas e " reprodu6ido por Carroll no texto “? que a
tartaru)a disse a &quilesxviiiIxviiiJ”. ?s c"ticos tam%"m se ap*iam neste pro%lema l*)ico para
impu)nar qualquer 8u(6o a%soluto, como se v: no se)undo tropo de &)ripa. ? re'erido tropo
mostra que, ao re'erendar uma a'irma+o por meio de um ar)umento, pode=se exi)ir uma nova
demonstra+o que prove este ar)umento, e assim por diante, ao in'initoxixIxixJ. 3ste tipo de
paradoxo implica o conceito de in'inito que 8 tra6 consi)o propriedades paradoxais.
Desta 'orma o paradoo encontra+se no centro do pensamento. De 'ato, como di6
Deleu6e, seria preciso ser muito simpl*rio para crer que o pensamento se 'a6 por atos simples,
claros para si mesmo e que no envolve as pot:ncias paradoxais do inconsciente. 0* podemos
acusar os paradoxos de recrea+5es do esp(rito quando so iniciativas levianas do pensamento e
“no quando os consideramos como a Paixo do pensamentoR, desco%rindo o que no pode ser
seno pensado, o que no pode ser seno 'alado, que " tam%"m o ine'vel e o impensvel,
a6io mental, &ionxxIxxJ”. #ion " o tempo super'icial dos acontecimentos incorporais tomado em
sua rela+o com o devir< remete ao passado e ao 'uturo simultaneamente. Contrap5e=se a ele
Cronos, que representa o tempo tomado em sua rela+o com o presente vasto e pro'undo, e
que transcorre atrav"s da 'lecha homo):nea e inexorvel do tempo< do passado para o 'uturo
um tempo locali6vel, espaciali6ado. Peter Pl Pel%art, em sua anlise da questo do tempo na
'iloso'ia de Deleu6e, sinteti6a do se)uinte modo a distin+o entre os dois conceitos de tempo<
“Cronos " o tempo da medida ou da pro'undidade desmedida, ao passo que &ion " o da
super'(cie. Cronos exprime a a+o dos corpos, das qualidades corporais, das causas, &ion " o
lu)ar dos acontecimentos incorporais, dos atri%utos, dos e'eitos.xxiIxxiJ”
& principal conseq:ncia desta associa+o entre o tempo e os paradoxos do devir reside
na sua capacidade de 'a6er 'rente ao plano da opinio, da doa e da ima)em do pensamento
como reco)ni+o. 2o plano da doa circulam o bom senso, como sentido correto, dire+o nica
das coisas, e o senso comum, como reconhecimento do mesmo na es'era dos su8eitos e dos
o%8etos. ? paradoxo su%verte a am%os ao a'irmar simultaneamente vrias dire+5es. Mecorremos
ao mencionado texto de Peter Pl Pel%art para esclarecer essa opera+o que os paradoxos do
tempo implicam.
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? paradoxo su%verte a dire+o da 'lecha do tempo ao a%olir o princ(pio
da dire+o nica, mas so%retudo coloca em xeque o presente que lhe
serve de par4metro, presente em que aquela se ancora ou do qual ela
parte. ? paradoxo 'urta=se ao presente e esquiva=o, instalando na
diviso in'inita do instante e a'irmando concomitantemente os vriossentidos, numa temporalidade centr('u)a, multilinear. I...J KK &o
a'irmar ao mesmo tempo mltiplos sentidos, vrias dire+5es, sua
coexist:ncia insupervel, o paradoxo sa%ota a reco)ni+o e seus
postulados impl(citos, a identidade do su8eito que reconhece, a
perman:ncia do o%8eto reconhecido, a mensura+o e limita+o das
qualidades a ele atri%u(das, e reintrodu6 o devir=louco que a
reco)ni+o se encarre)ava de proscrever.xxiiIxxiiJ
? estranho estatuto do tempo em /'gica do sentido, como ):nese dos paradoxos e
como 'issura entre os planos da idealidade e das coisas, parece=nos muito pr*ximo da
concep+o 'antstica da realidade em Cort6ar. ? tempo conce%ido desta 'orma a'ina=se
per'eitamente com a su%verso da ordem temporal de “&s %a%as do dia%o”, %em como com as
diversas insta%ilidades da su%8etividade que se propa)am pela o%ra corta6ariana. Como vimos,
o in)resso na insta%ilidade temporal implica tam%"m o convite @ insta%ilidade dos su8eitos e dos
o%8etos< " o mundo como um todo, em sua percep+o cotidiana, que se torna instvel eestranho, puro devir.
3m seus livros so%re o cinema, Deleu6e parte da concep+o de tempo em Ber)son como
duração, tomando=a como princ(pio de diferenciação. 2esta perspectiva, o tempo no pode ser
dividido em instantes, ou se8a, no se pode extrair da dura+o os instantes que a comp5e como
se 'ossem pontos pelos quais se passa, como se a dura+o 'osse uma tra8et*ria espaciali6ada
em que os pontos pudessem ser assinalveis. 3xatamente por isso o tempo " tomado como
dura+o< um %loco compacto que sup5e o sur)imento de diferença. 0e)undo Deleu6e, “da
pr*pria dura+o, ou do tempo, podemos a'irmar que " o todo das rela+5es xxiiiIxxiiiJ”. as esse
todo " a%erto, altera=se constantemente. “? todo se cria e no pra de se criar numa outra
dimenso sem partes, como aquilo que leva o con8unto de um estado qualitativo a outro, como
o puro devir incessante que passa por esses estados.xxivIxxivJ”
am%"m nesta concep+o o tempo s* pode ser pensado atrav"s de paradoxos, uma ve6
que o presente de uma ima)em atual coeiste com seu passado virtual. 2o h ima)em ou
o%8eto puramente atual sem que uma “nuvem” de virtualidade o envolva. > atrav"s dessa
virtualidade Gmem*riaH que envolve o o%8eto perce%ido que ele pode ser reconhecido. “odoatual rodeia=se de uma n"voa de o%8etos virtuais.xxvIxxvJ” Cria=se ento um circuito em que a
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percep+o alimenta a sua mem*ria Gima)em=lem%ran+a, para Ber)sonH e esta se pro8eta so%re
o o%8eto perce%ido, uma perse)uindo a outra. 2este circuito, que " capa6 de detectar a
di'eren+a de qualidade dos estados, 'orma=se o tempo como dura+o. 3sse processo, al"m de
nos mostrar o paradoxo que preside a concep+o do tempo como dura+o, tam%"m possi%ilita a
a%orda)em do mecanismo de coalesc:ncia entre o atual e o virtual, do mecanismo de ):neseda imagem+cristal . Deleu6e o descreve da se)uinte maneira<
as, em todos os casos, a distin+o entre o virtual e o atual
corresponde @ ciso mais 'undamental do empo, quando ele avan+a
di'erenciando=se se)undo duas )randes vias< 'a6er passar o presente e
conservar o passado. I...J ?s dois aspectos do tempo, a ima)em atual
do presente que passa e a ima)em virtual do passado que se
conserva, distin)uem=se na atuali6a+o, tendo simultaneamente um
limite inassinalvel, mas intercam%iam=se na cristali6a+o at" se
tornarem indiscern(veis, cada um apropriando=se do papel do outro.xxvi
IxxviJ
> a partir deste mecanismo que Deleu6e desenvolve o conceito de ima)em=cristal. rata=
se, 8ustamente, da situa+o em que as ima)ens atual e virtual aproximam=se de tal 'orma que
se tornam indiscern!veis, embora ainda conservem as caracter!sticas que a distinguem, pois a
ima)em=cristal " exatamente aquela em que o circuito atual=virtual se 'echa ao mximo sem
entrar em colapso, mantendo sua altern7ncia 'undamental. 7ma ve6 que o passado virtual e o
presente atual intercam%iam=se intermitentemente at" se tornarem indiscern(veis, o e'eito que
sur)e da ima)em=cristal " a emer):ncia do pr'prio tempo como ciso entre passado e
presente. ?s dois sur)em simultaneamente, con'undem=se mas mant"m suas caracter(sticas e,
por isso mesmo, deixam vislum%rar o tempo. ranscrevemos o texto de Deleu6e para a%ordar
esse conceito paradoxal<
? que constitui a ima)em=cristal " a opera+o mais 'undamental do
tempo< 8 que o passado no se constitui depois do presente que ele
'oi, mas ao mesmo tempo, " preciso que o tempo se desdo%re a cada
instante em presente e passado, que por nature6a di'erem um do
outro, I...J > preciso que o tempo se cinda ao mesmo tempo em que
se a'irma ou desenrola< ele se cinde em dois 8atos dissim"tricos, um
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'a6endo passar todo o presente, e o outro conservando todo o
passado. ? tempo consiste nessa ciso, e " ela, " ele que se v: no
cristal. & ima)em=cristal no " o tempo, mas vemos o tempo no
cristal.xxviiIxxviiJ
? cristal se encontra no limite de coalesc"ncia, de indiscernibilidade. ?u como escreve
Deleu6e< “& ima)em=cristal " certamente o ponto de indiscerni%ilidade de duas ima)ens
distintas, a atual e a virtual, enquanto o que vemos no cristal " o tempo em pessoa, um pouco
de tempo em estado puro, a distin+o mesma entre as duas ima)ens que nunca aca%a de se
reconstituir.xxviiiIxxviiiJ” 3m seu estudo so%re cinema, Deleu6e a'irma que o cristal revela uma
ima)em=tempo direta, e no mais uma ima)em indireta do tempo que decorresse do
movimento, extraindo da( conseq:ncias importantes para a est"tica do cinema. Certamenteuma “cena” similar em literatura, com todas as adapta+5es que o conceito exi)e, poderia ser
til a um estudo da est"tica literria. 3ntretanto, no pretendemos desenvolver neste tra%alho
tal classe de adapta+o. ? que nos chama a aten+o no conceito " a implica+o de tempo e
est"tica so% a ")ide do paradoxo. 3sta con8un+o, por si s*, nos remete @ literatura de Cort6ar
e @ sua o%ra cr(tica. 0e a coalesc:ncia de percep+o e mem*ria Gnarra+o concomitante no
passado e no presenteH pode resultar em um e'eito est"tico expressivo, em que se vislum%re o
tempo puro, certamente este " um dos e'eitos da escrita corta6ariana.
? conceito de cristal do tempo, como veremos, li)a=se ao conceito de ritornelo, que
passamos a investi)ar. ? ritornelo, por sua ve6, envolve uma s"rie de conceitos que comp5em a
geofilosofia de Deleu6e e Luattari, e esta, com seus estratos Gplat-sH e seus movimentos
relativos @ terra, coloca=se como uma alternativa ao pensamento para a dicotomia su8eito e
o%8eto. odo desdo%ramento conceitual envolvendo as rela+5es entre a terra e os territ*rios
sur)e como o es'or+o no sentido de superar a mencionada dicotomia. ? conceito de territ'rio
est intimamente relacionado ao conceito de agenciamento e, em um en'oque voltado para a
est"tica, tam%"m podemos relacion=lo ao conceito de ritornelo um estri%ilho, uma 'rase
mel*dica que se repete envolvendo as 'or+as do espa+o ao redor. Constituir um territ*rio ou
promover uma territorialização si)ni'ica entrar em a)enciamento com 'or+as espa+o=temporais
que nos rodeiam, da( que o ritornelo, como o canto dos pssaros, visa esta%elecer uma rela+o
de 'or+as com o territ*rio.
3sta%elecemos uma marca territorial Guma assinaturaH quando promovemos uma
interven+o nas 'or+as do mundo para impor uma dist4ncia cr(tica, 'a6endo nascer assim meios
e ritmos. 3ste a)enciamento das 'or+as da terra para constituir meios e ritmos expressivos tem
as caracter(sticas de um ritornelo. Deleu6e e Luattari chamam de ritornelo “todo con8unto demat"rias de expresso que tra+a um territ*rio, e que se desenvolve em motivos e paisa)ens
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territoriaisxxixIxxixJ”. > como o canto e a encena+o Gqualidades expressivasH de um pssaro que
constitui seu territ*rio. “& territoriali6a+o " o ato do ritmo tornado expressivo, ou dos
componentes de meios tornados qualitativos.xxxIxxxJ” ? 'ator territoriali6ante se mani'esta pelo
“devir+epressivo”, pelo ritornelo< as qualidades expressivas que se repetem como num
estri%ilho. Portanto, o territ'rio )á um efeito da arteT ? primeiro ato do artista " o de constituirum territ*rio atrav"s de uma marca, de uma placa, de uma assinatura. 3nto, a qualidade
expressiva implica posse e " anterior a esta.xxxiIxxxiJ as ser que %asta 'undar um territ*rio
atrav"s de qualidades expressivas para criar uma o%ra de arte; 0er que a arte come+a e
termina no movimento de territoriali6a+o;
“? territ*rio ", ele pr*prio, lu)ar de passa)em. ? territ*rio " o primeiro
a)enciamento, a primeira coisa que 'a6 a)enciamento, o a)enciamento " antes territorial. as
como ele 8 no estaria atravessando outra coisa, outros a)enciamentos;xxxii
IxxxiiJ” Com esta'ormula+o os autores su)erem que um a)enciamento territorial no se sedimenta nunca de
'orma constante. & 'un+o de desterritorialização implica o a%ando do territ*rio, a linha de 'u)a
n-made. &ssim o ritornelo territoriali6ante implica meios e ritmos, enquanto que a
desterritoriali6a+o envolve motivos e contrapontos. ? a)enciamento territorial, na verdade,
no " separvel das linhas ou coe'icientes de desterritoriali6a+o, das 'u)as, das passa)ens e
das altern4ncias para outros a)enciamentos.
Con'orme os autores, o ritornelo " um conceito eminentemente sonoro, devido @ maior
pot:ncia de desterritoriali6a+o que o som possui so%re os demais materiais xxxiiiIxxxiiiJ. 3sta
concep+o possui a'inidade com o pensamento niet6scheano, que atri%u(a @ msica uma
pot:ncia de dissolu+o dionis(aca superior. 3ntretanto, Deleu6e e Luattari ressaltam que esta
qualidade do som no torna a msica superior @s outras artes, mas con'ere=lhe a caracter(stica
notvel de tanto mais se a'inar quanto mais se desterritoriali6a. &pesar do privil")io da msica
no conceito de ritornelo, este pode ser aplicado a qualquer mani'esta+o art(stica. ? ritornelo,
esta a+o eminentemente est"tica, " como um “cristal de espa+o=tempo”< a)e so%re o que o
rodeia, extraindo das 'or+as “vi%ra+5es variadas, decomposi+5es, pro8e+5es e
trans'orma+5esxxxivIxxxivJ”. 3le tem uma função catal!tica de aumentar a velocidade das trocas,
de asse)urar intera+5es entre os elementos e de 'ormar massas or)ani6adas. 3le fabrica tempoN
ou melhor, ele " tempo implicado, uma ve6 que catalisa os acontecimentos e os presenti'ica.
Eustamente por catali6ar os acontecimentos o ritornelo produ6 di'eren+a, ou se8a, implica o
tempo.
? ritornelo con8u)a todos estes 'atores numa verdadeira 'pera maqu!nica. alve6 se8a
necessrio ao artista passar pelo ritornelo territorial ou de a)enciamento para desterritoriali6=
lo, coloc=lo em 'u)a, e, ento, che)ar ao “)rande ritornelo maquinado c*smicoxxxv
IxxxvJ”, poisna desterritorialização envolvem=se no apenas as 'or+as do caos e da terra, mas as 'or+as do
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cosmo. ? ritornelo, esta a+o que envolve as 'or+as do mundo G'or+as do caos, da terra e do
cosmoH apresenta, novamente, a caracter(stica de con8u)ar epressão esttica e 'a%rica+o,
presenti'ica+o ou exi%i+o do tempo, com a vanta)em para nosso estudo, de possuir estreita
li)a+o com a msica. &qui, no seio da )eo'iloso'ia, torna=se mais clara a convoca+o de todo
tipo de 'or+a e a import4ncia de a'ec+5es e a'etos ou da “conaturalidade a'etiva xxxviIxxxviJ” como queria Cort6ar.
&trav"s dos conceitos de &ion, ima)em=cristal e ritornelo vimos concep+5es do tempo na
o%ra de Deleu6e que o apresentam sempre de 'orma paradoxal e contrria @ no+o do senso
comum, de que o tempo possui uma ordem homo):nea e constante. Das pro%lemati6a+5es
extra(mos uma no+o mais 'lex(vel do tempo, como uma multiplicidade. &s conex5es temporais
podem se dar das mais variadas maneiras, tal como num rizoma em que as rela+5es no so
simplesmente ar%orescentes, hierrquicas, mas podem se dar em todas as dire+5es e sentidos.ranscrevemos a se)uir o que escreve Peter Pl Pel%art, na introdu+o do seu tra%alho, a
respeito da multiplicidade ri6omtica que o tempo apresenta na o%ra de Deleu6e.
3m Deleu6e, ao inv"s de uma linha do tempo, temos um emaranhado
do tempoN em ve6 de um fluo do tempo, veremos sur)ir uma massa
de tempoN em lu)ar de um rio do tempo, um labirinto do tempo. ?u
ainda, no mais um c!rculo do tempo, por"m um turbilhão, 8 no umaordem do tempo, mas variação in'inita, nem mesmo uma forma do
tempo, mas um tempo informal , plástico. Com isto estar(amos mais
pr*ximos, sem dvida, de um tempo da alucinação do que uma
consci"ncia do tempo.xxxviiIxxxviiJ
Deleu6e promove uma li%era+o do tempo, retomando a exclama+o de Samlet, (
tempo está fora dos eiosT uitos dos termos que quali'icam o tempo em Deleu6e nos remetemde imediato @ o%ra de Cort6ar< o emaranhado, a massa, o la%irinto, o tur%ilho, a varia+o, o
plstico e a alucina+o 'antstica, %em como a multiplicidade. > 8ustamente so% a 'orma de um
labirinto ou de uma esp"cie de ri6oma que Davi &rri)ucci Er. v: a re'erida o%ra< “ista no
con8unto a o%ra de Eulio Cort6ar parece tra+ar o itinerrio la%ir(ntico de uma %usca incessante.”
3, mais adiante, su)ere o que si)ni'ica criticar tal o%ra< “Penetrar no la%irinto< desmontar e
remontar o tra+ado, em %usca do sentido de um pro8eto que " um %uscar permanente. 7ma
lin)ua)em @ ca+a de outra lin)ua)em que 8 se %usca e enrodilha num complexo tra+ado.xxxviii
IxxxviiiJ” &penas para real+ar a proximidade dos dois pensamentos, leiamos o que Cort6arescreve em sua po"tica< “odo verso " encantamento, por mais livre e inocente que se o'ere+a,
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" cria+o de um tempo, de um estar 'ora do ha%itual, uma imposi+o de elementos.” & 'u)a do
ha%itual, da doa, atrav"s da cria+o de um tempo e da convoca+o e doa+o de mltiplos
elementos, vem ao encontro da est"tica deleu6eana. S, sem dvida, uma s"rie de
resson4ncias entre os dois pensamentos, de tal 'orma que a discusso dessas resson4ncias 8
se coloca por si s* como um desa'io. &l"m disso, essa no+o ri6omtica do tempo no seencontra apenas em Deleu6e, mas sur)e em al)uns pensadores contempor4neos como uma
alternativa do pensamento. Meprodu6imos a se)uir a constata+o desta tend:ncia por Pel%art.
Dos vrios autores contempor4neos que colocam em xeque a
representa+o linear do tempo, um dos que o enunciou de maneira
mais su)estiva 'oi ichel 0erres. Di6 ele< o tempo " paradoxal, ele se
do%ra, se torce, " uma variedade que seria preciso comparar a uma
chama num %raseiro, aqui cortada, ali vertical, m*vel, inesperada. I...J
? tempo tem pontos de parada, rupturas, po+os, chamin"s de
acelera+o 'ulminante, ras)amentos, lacunas, tudo numa composi+o
aleat*ria, numa esp"cie de desordem, ao menos vis(vel.xxxixIxxxixJ
isitados os territ*rios vi6inhos do conto=curto='antstico de Cort6ar e do tempo
ri6omtico de Deleu6e, tomamos 'inalmente o rumo do terreno sonoro do 8a66, esse ritornelo
maqu(nico e alucinante, territ*rio de 'u)as e desterritoriali6a+5es constantes.
Cr.tica& (issura& !estrui/0o
Conhecer o segredo do tempo das paiões, dessa espcie de tempo musical que rege seu batimentoharm5nico,...Artau! , “7m atletismo a'etivo”
?s contos curtos de Cort6ar 'a6em com que se8amos su)ados por atmos'eras
estranhas, que se8amos imersos em um clima alucinat*rio em que podemos experimentar
diretamente a insta%ilidade da ordem normal cotidiana. ? autor quer nos 'a6er experimentar o
pr*prio “sentimento do 'antstico”, que ele por sua ve6 experimentou ao “incorporar” o conto
antes de escrev:=lo. 3ntretanto, no primoroso conto “? perse)uidor”, Cort6ar no adota a
narrativa curta nem lan+a mo dos recursos do conto 'antstico. 2a edi+o %rasileira o conto
ocupa cinqenta e cinco p)inasN trata=se mais propriamente de uma novela. Bruno, o narrador,
no se deixa envolver por nenhum clima de excepcionalidade, descreve suas impress5es da
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msica, do pensamento e da vida do saxo'onista EohnnF Carter de 'orma realista, deixando que
o estranhamento decorra apenas do que procede do msico. &inda assim, exceto pelas
per'ormances musicais do saxo'onista, que o cr(tico=narrador admira e curte, as id"ias que
EohnnF tenta comunicar e seu comportamento exc:ntrico so criticados e @s ve6es
ridiculari6ados pela narrativa. as " exatamente destas id"ias e comportamentos do msico edas impress5es que Bruno colhe das per'ormances musicais de EohnnF que Cort6ar extrai os
e'eitos literrios do conto e ser deles tam%"m que procuraremos extrair as resson4ncias com
a 'iloso'ia de Deleu6e.
3m “? perse)uidor” Cort6ar no quer vencer por 8noc8+out como nos contos curtos,
mas ir acumulando pontos com o envolvimento do leitor na dial"tica arteKcr(tica. ? tom
despretensioso das con'iss5es de Bruno 'a6 com que o leitor v, pouco a pouco, tomando parte
na discusso est"tica que se desenrola atrav"s da narrativa. Quest5es como as rela+5es entre aarte de um lado e do outro lado o mercado, a cr!tica, a vida, a busca metaf!sica e o tempo
atravessam as re'lex5es e os testemunhos de Bruno, sem que conclus5es a%solutas se8am
impostas ao leitor.
3m%ora se8a reconhecido como um ):nio do sax, EohnnF Carter no conse)ue viver em
%oa situa+o 'inanceira. 3xplorado pelas )ravadoras e pelos empresrios, o msico vive em
hot"is %aratos, nem sempre pode se alimentar %em e, quando perde o sax no metr- de Paris,
no tem recursos para comprar outro instrumento. > o seu %i*)ra'o quem providencia o
empr"stimo de um saxo'one para que EohnnF possa cumprir o contrato e se apresentar em uma
casa noturna. ?s pro%lemas rotineiros e 'inanceiros no t:m )rande import4ncia para o msico<
o que ele quer " se)uir em sua %usca meta'(sica de uma msica capa6 de sacudir o esp(rito, de
nos arrancar do marasmo cotidiano e nos 8o)ar na viv:ncia de sensa+5es intensas. 0e EohnnF
tem pro%lemas 'inanceiros, se seu talento no " recompensado 'inanceiramente, isto no 'a6
dele um 'racassado, porque sua ra6o de viver encontra=se nesta %usca espiritual e no numa
consa)ra+o 'utilmente vaidosa ou num %em=estar con'ortvel mas va6io. ? pr*prio narrador, a
partir da audi+o de uma per'ormance )enial do msico Ga )rava+o de “&morous”H, se d conta
que havia se en)anado quanto @ situa+o estereotipada de ):nio perse)uido e in8usti+ado que
havia tra+ado na %io)ra'ia<
> curioso, 'oi preciso escutar isso, em%ora tudo conver)isse para isso,
para #morous, para que eu entendesse que EohnnF no " uma v(tima,
no " um perse)uido como todo mundo acha, como eu mesmo dei a
entender em minha %io)ra'ia Galis, a edi+o em in)l:s aca%a de sair e
vende como coca=colaH. &)ora sei que no " assim, que EohnnF
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perse)ue em ve6 de ser perse)uido, que tudo que est lhe
acontecendo na vida so a6ares do ca+ador e no do animal acossado.
2in)u"m pode sa%er o que EohnnF perse)ue, mas " assim, est a(, em
#morous, na maconha, em seus a%surdos discursos so%re tantas
coisas, nas reca(das, no livrinho de DFlan homas, em todo po%re=dia%o que " EohnnF e que o en)randece e o converte num a%surdo
vivente, num ca+ador sem %ra+os e sem pernas, numa le%re que corre
atrs de um ti)re que dorme. Gp. 1U9H
? pro%lema de EohnnF, assim como o pro%lema da van)uarda do 8a66, da )rande arte de uma
'orma )eral e da literatura de uma 'orma particular, como Cort6ar a entende, no " a %usca de
con'orto material nem a %usca de satis'a+o or)4nica, sensual, hedonista ou a %usca deentretenimento para aliviar as tens5es da vida. ? que o msico quer tam%"m no " 'u)ir da
realidade atrav"s da msica, no se trata de reali6ar uma arte escapista que pur)ue os terrores
da exist:ncia. ? pro%lema de EohnnF, ao contrrio, " atin)ir as camadas mais pro'undas da
realidade mesma, " a busca metaf!sica de sensa+5es que nos d:em acesso @s aberturas, @s
fissuras do mundo, que os h%itos cotidianos tendem a ocultar. Davi &rri)ucci caracteri6a com
propriedade, em muitas passa)ens de seu livro so%re Cort6ar, esta perse)ui+o incansvel do
artista<
/in)ua)em com (mpetos de morder a realidade, a msica " aqui uma
lin)ua)em do dese8o, do dese8o que no se satis'a6 nunca, que
perse)ue sempre, que se arrisca na %usca incessante at" a %eira da
desinte)ra+o. & narrativa " o itinerrio dessa %usca encarnada no
homem=artista EohnnF Carter, que no separa a arte do plano da
exist:ncia e assim se arrisca a si mesmo no 8o)o da inven+o 'a6endo
do sax alto um verdadeiro instrumento na perse)ui+o de um tema
que, para ele, " vital.xlIxlJ
&o se entre)ar @ %usca espiritual o artista passa a vivenciar uma situa+o limite que amea+a
destru(=lo. Para Deleu6e h um compromisso entre a %usca art(stica de um limite incorporal na
super'(cie da lin)ua)em Gsuper'(cie em que ocorrem os acontecimentos ideais, incorporais,
con'orme re'erimos na p)ina 1UH e a viv:ncia corporal deste limite, desta 'issura, como um
processo de demoli+o. ? prot*tipo literrio deste processo " a 'rase de Ait6)erald no romance # fissura Ghe crack upH< “oda vida ", o%viamente, um processo de demoli+o. xliIxliJ” 2este
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sentido, o 'il*so'o questiona se seria poss(vel querer o acontecimento incorporal sem aceitar a
e'etua+o do acontecimento no pr*prio corpo. “0e existe a 'issura na super'(cie, como evitar
que a vida pro'unda se trans'orme em empresa de demoli+o e se torne tal, o%viamenteR; xlii
IxliiJ” Do mesmo modo que a lin)ua)em da arte de van)uarda arrisca=se at" muito pr*ximo da
autodestrui+o Gdo sil:ncioH, a incorpora+o desta atitude radical tende a levar a sade doartista @ fronteira da destrui+o de sua vida. ?s artistas teriam al)o de mrtires< o'erecem suas
vidas para arrancar as sensa+5es est"ticas do plano das opini5es ha%ituais, para nos doar seus
monumentos. as autodestrui+o, tanto da o%ra como da vida, si)ni'ica o sil:ncio e, portanto, o
'racasso. ? pro%lema ento, de 'ato, encontra=se na questo do limite, " preciso criar e viver a
partir deste limite em que um passo a mais implica o sil:ncio e um passo a menos implica o
'racasso art(stico, a 'raque6a da o%ra. Deleu6e equaciona o pro%lema com preciso.
0e per)untamos por que no %astaria a sade, por que a 'issura "
dese8vel " porque, talve6, nunca pensamos a no ser por ela e so%re
suas %ordas e que tudo o que 'oi %om e )rande na humanidade entra e
sai por ela, em pessoas prontas a se destruir a si mesmas e que "
antes a morte do que a sade que se nos prop5em. I...J > verdade que
a 'issura no " nada se no compromete o corpo, mas ela no cessa
menos de ser e de valer quando con'unde sua linha com a outra linha
no interior do corpo. 2o se pode di6e=lo de antemo, " preciso
arriscar permanecendo o mais tempo poss(vel, no perder de vista a
)rande sade. 2o se apreende a verdade eterna do acontecimento a
no ser que o acontecimento se inscreva tam%"m na carneN mas cada
ve6 devemos duplicar esta e'etua+o dolorosa por uma contra=
e'etua+o que a limita, a representa, a trans'i)ura.xliiiIxliiiJ
& grande sa%de " a concep+o niet6scheana de uma vida ativa e criativa com intensa atividade
espiritual. Deleu6e e Luattari destacam, como paradi)ma desta postura 'rente a vida, o mesmo
persona)em em quem Cort6ar identi'ica as verdadeiras qualidades do poeta< &ntonin &rtaud. >
tam%"m dele que Deleu6e e Luattari extraem o conceito de um exerc(cio espiritual que
caracteri6a o artista criador< uma esp"cie de “atletismo a'etivo”. Devido @ postura radical que
assumem, artistas e 'il*so'os “t:m 'reqentemente uma saude6inha 'r)il”, porque “viram na
vida al)o de )rande demais para qualquer um, de )rande demais para eles, e que p-s neles a
marca discreta da mortexlivIxlivJ”.
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& presen+a da cr!tica no interior da 'ic+o " caracter(stica marcante da o%ra de Cort6ar. 7m dos
recursos utili6ados pelo escritor em “? perse)uidor” " o contraste entre as posturas do msico e
do cr(tico=narrador. 3m%ora Bruno se8a sens(vel o su'iciente para compreender a )rande6a das
interpreta+5es de EohnnF e para identi'icar seus momentos mais inspirados, o cr(tico=narrador
procura no se deixar envolver pelo universo decadente que a vida, as o%sess5es e asalucina+5es do msico representam 'rente ao seu pr*prio universo de sucesso pro'issional e
'inanceiro. Maramente ele leva a s"rio os discursos de EohnnF. & %io)ra'ia que escreveu " 'iel @
ima)em de EohnnF como um espelho, mas re'lete apenas parcialmente a personalidade do
msico. 3m%ora trace um “sistema est"tico” do 8a66 e exponha as ra(6es ne)ras do bebop, 'alta
na %io)ra'ia o essencial de EohnnF< sua busca metaf!sica incessante, sua tentativa de abrir uma
brecha na realidade atravs da m%sica. /o)o nas primeiras p)inas do conto o narrador
reconhece a posi+o de in'erioridade que a atividade cr(tica representa 'rente @ cria+o art(stica<
0ou um cr(tico de 8a66 sens(vel o su'iciente para compreender
minhas limita+5es, e perce%o que o que estou pensando est por
%aixo do plano onde o coitado do EohnnF tenta avan+ar com suas
'rases truncadas, seus suspiros, suas raivas s%itas e seus prantos.
3le no se importa nem um pouco que eu o ache )enial, e nunca se
envaideceu por sua msica estar muito al"m do que seus
companheiros tocam. Penso com triste6a que ele est no princ(pio de
seu sax, enquanto eu vivo o%ri)ado a me con'ormar com o 'inal. 3le
" a %oca e eu a orelha, para no di6er que ele " a %oca e eu o... odo
cr(tico, ai, " o triste 'inal de al)o que come+ou como sa%or, como
del(cia de morder e mascar. Gp. VWH
Davi &rri)ucci Er. considera a presen+a da cr(tica no interior da 'ic+o corta6ariana como uma
esp"cie de devir=camaleoxlvIxlvJ, como um instinto assassino em que o camaleo curva=se
so%re si mesmo e morde o pr*prio ra%o. Partidrio de uma est"tica da inven+o radical e
permanente, Cort6ar incorpora a cr(tica no seio da 'ic+o como estrat")ia de colocar a cria+o
e a cr(tica no plano do pensamento, de fazer da arte um lugar do pensamento sobre a arte,
sempre so% a ")ide da inven+o. e8amos como &rri)ucci Er. 'ormula esta caracter(stica
corta6ariana.
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uitas das id"ias cr(ticas que podem ocorrer diante de )rande parte
da o%ra de Cort6ar aparecem declaradas de antemo na sua pr*pria
estrutura e dela 'a6em parte. & narrativa envolve a cr(tica e at"
mesmo cont"m uma po"tica expl(cita. ? texto, escorpi-nico, se
autocritica, revelando=se. I...J 2a verdade, a pro%lemtica da o%ra,que ca%e @ cr(tica discutir, se trans'orma em )rande parte aqui na
presen+a pro%lemtica da cr(tica no espa+o antes reservado apenas @
cria+o. 7m dos pro%lemas 'undamentais que coloca a o%ra de
Cort6ar passa a ser exatamente o da presen+a, muitas ve6es
as'ixiante, da cr(tica no interior da narrativa.xlviIxlviJ
? que a cr(tica, por ser apenas uma atividade racional, pode deixar escapar, assim como Brunodeixa escapar em sua %io)ra'ia, " a relação da arte com a busca metaf!sica de aspectos sutis da
realidade, ou se8a, " a aptido art(stica para acessar a complexidade do mundo, que a ci:ncia,
atrav"s da percep+o intencional Gpor"m parcialH, no permite. esmo no impre)nando o
conto com atmos'era 'antstica, Cort6ar lan+a mo dos elementos e das id"ias que perpassam
seus contos 'antsticos para associar em “? perse)uidor” a %usca meta'(sica do real com a
per'ormance art(stica, sendo que tal associa+o implica a questo do tempo como 'ator comum.
2o centro da pro%lemtica das 'issuras da realidade, de sua “porosidade”, encontra=se o tempo
como ):nese dos paradoxosN paralelamente, na cria+o art(stica Gprincipalmente na msicaH, "o tempo que se destaca como princ(pio 'ormal da o%ra de arte. 3sta centralidade do tempo que
o conto de Cort6ar su)ere Gtalve6 possamos di6er, explicitaH, corro%orada e complexi'icada pelo
pensamento de Deleu6e, constitui tam%"m o motivo central do presente ensaio. & discusso
desenvolvida tem por o%8etivo, principalmente, en'ocar a questo do tempo como uma esp"cie
de elo entre o sentimento de 'al:ncia da realidade cotidiana e a cria+o art(stica.
Ritornelo 1azz.stico: "o2nn3 no cristal !o te$%o
$ost people don9t realize that most of hat the; hear come out of a man9s horn < the; are )ust eperiences.4t ma; be the beaut; of the eather. # nice loo8 of a mountain. # nice breath of fresh air.C2arlie Par4er, em entrevista a Eohn c/ellan, 8unhoK19XY
Cort6ar coloca um msico de 8a66 como prota)onista de seu conto porque este ):nero musical,
com seus contrapontos e improvisos, representa para ele a ess:ncia da cria+o art(stica como
inven+o permanente. ais uma ve6 recorremos @ ampla pesquisa de Davi &rri)ucci Er. para
precisar a 'un+o que o 8a66 exerce na o%ra de Cort6ar. &l"m do conto pelo qual estamosvia8ando, &rri)ucci encontra 'artas re'er:ncias ao 8a66 em ( )ogo da amarelinha e /a vuelta al
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dia en ochenta mundos, sem contar os depoimentos so%re os msicos /ouis &rmstron) e
Cli''ord BroOn inclu(dos na 0alise de cron'pio. Baseado nestas passa)ens, o ensa(sta %rasileiro
conclui que o 8a66 'unciona como “uma esp"cie de via de acessoR, de intercesso, de a%ertura,
en'im, @ qual se entre)am os perse)uidoresxlviiIxlviiJ”, movidos pela 4nsia de atin)irem a
verdadeira realidade ou de se con='undiremR com a totalidade do real. > 'la)rante a a%und4nciade pontes, portas, )alerias, passa)ens que con'erem tal “porosidade” ao espa+o 'iccional de
Cort6ar.
0e)undo &rri)ucci, o “8a66 se escoa pelos interst(cios do mundo corta6ariano, levando a outra
coisaxlviiiIxlviiiJ”, e esta propriedade se deve @ experi:ncia radical que o 8a66 reali6a com a
lin)ua)em musical. Da( o elo)io dos ta8es que Cort6ar 'a6 em /a vuelta al dia en ochenta
mundos. ?s ta8es so as diversas )rava+5es de um mesmo tema que as %andas de 8a66 'a6em
para che)ar ao produto 'inal, @ sele+o dos ta8es que comp5em o disco a ser lan+ado nomercado. Para Cort6ar, os ta8es possuem um valor em si mesmos, independentemente de
terem sido selecionados para o disco ou no. Possuem uma sin)ularidade que lhes d
autonomia, sendo di'erentes dos ensaios que so reali6ados visando uma 'utura per'ei+o. ?
que h de melhor na literatura seriam tam%"m os ta8es, os riscos impl(citos na execu+o, a
mar)em de peri)o que excita. Por isso Cort6ar a'irma que )ostaria de escrever apenas
ta8es li IxlixJ.
& partir desta con'isso de Cort6ar, &rri)ucci pode identi'icar que “o 8a66 e a literatura
aparecem como duas modalidades de uma mesma lin)ua)em lIlJ”< a lin)ua)em da busca, em
que cada experi:ncia " uma nova invenção do mesmo tema. “7ma inven+o consciente de si
mesma, que inte)ra a pr*pria cr(tica, desnuda os pr*prios 'racassos e sa%e que sua )rande6a
resultar da insist:ncia na perse)ui+o.liIliJ” & prima6ia dos ta8es implica a valori6a+o da
intui+o criadora e da per'ormance sin)ular do artista. 0o% a perspectiva meta'(sica, 8a66 e
literatura seriam canais privile)iados de acesso @ realidade. Meprodu6imos a se)uir um lon)o e
preciso trecho do tra%alho de Davi &rri)ucci Er., so%re as 'un+5es da msica e da literatura, que
nos parece apontar para o caminho que estamos tra+ando e contri%uir em muito para o o%8etivo
deste ensaio.
isto como lin)ua)em de %usca e re%elio, o 8a66 adquire uma
'un+o desautomati6adora da percep+o do mundo e, nesta medida,
trans'orma=se num instrumento de inda)a+o meta'(sica. Que%rando
os h%itos perceptivos, desmascara o mundo, revela o real. KK
Procedendo por analo)ia com o 8a66, a lin)ua)em literria torna=se
tam%"m, para Cort6ar, uma lin)ua)em capa6 de sondar a realidade,
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o'erecer a%ertura para outros mundos, participa+o de outra coisa
para al"m do mundo sens(vel, numa id:ntica 'orma de inven+o
reveladora. 3sta atitude diante da lin)ua)em literria aponta para
uma a'inidade )en"tica que irmanaria o 8a66 @ poesia, no sentido
amplo e ori)inal de cria+o, I...J &o atin)ir o pice da inven+o, alin)ua)em musical atin)e tam%"m o ponto extremo do risco, @
mar)em do a%ismo, uma 'ul)ura+o instant4nea, amea+ada pela
dissolu+o no caos, num equil(%rio precrio, o ponto mais pr*ximo do
a%soluto a que aspira.liiIliiJ
0e o ta8e Ga per'ormanceH aparece como o modo de cria+o mais aut:ntico e o 8a66 como
lin)ua)em art(stica privile)iada, o persona)em=saxo'onista EohnnF Carter, com sua o%sessopelo tempo, sur)e como prot*tipo do ):nio criador, do incansvel perse)uidor. Davi &rri)ucci
nos mostra os elementos que vinculam o prota)onista de “? perse)uidor” ao msico Charlie
Parker. & )l*ria e os percal+os por que passa o persona)em so muito pr*ximos das re'er:ncias
%io)r'icas de Bird, a quem, inclusive, o conto " dedicado. ? nome do persona)em seria
composto por partes dos nomes de dois 'amosos saxo'onistas que precederam Charlie Parker<
EohnnF Sod)es e BennF Carter. ? nome do persona)em possui semelhan+as com o de Bird, o
diminutivo do prenome CharlieKEohnnF e a sonoridade do so%renome ParkerKCarter. &l"m disso
o nome do persona)em possui as mesmas iniciais do autor, E. C.liii
IliiiJ.
? epis*dio da )rava+o de “&morous” por EohnnF, semelhante ao que se sucedeu na )rava+o
de “/over man” em 19W por Charlie Parker, revela a an)stia de perse)uidor do persona)em.
EohnnF che)a para a )rava+o com duas horas de atraso e sem “a menor vontade de tocar”.
as, depois de 'alar por lon)o tempo so%re alucina+5es com “campos de urnas” e de espalhar
'olhas pelo cho do estdio, assente em )ravar al)uma coisa. 0e)undo o msico &rt BoucaFa
que participou da )rava+o e narra o epis*dio a Bruno, EohnnF “desanda a tocar de um 8eito
que, 8uro, nunca havia ouvido, 8amais”.Gp. 1UUH 3ntretanto, ap*s tr:s minutos o saxo'onista
solta uma nota atravessada e pra de tocar. erminada a )rava+o di6 que “tudo tinha ido para
os dia%os, e que aquela )rava+o no servia para nada”Gp. 1U1H, no poderia ser divul)ada.
Lrava um outro tema, “0treptomicFne”, que sai, se)undo &rt, “muito melhor e ao mesmo
tempo muito pior”Gp. 1U1H, porque " uma )rava+o impecvel mas sem o 'uror com que EohnnF
havia impre)nado “&morous”. Quando che)a ao hotel EohnnF tem uma crise nervosa< tenta
incendiar o quarto, corre nu pelos corredores e aca%a hospitali6ado e preso.
&o ouvir a )rava+o de “&morous”, Bruno compreende porque EohnnF no quer que a msica
se8a lan+ada< perce%e=se claramente as 'alhas do sopro nos 'inais de 'rases, principalmente “aselva)em queda 'inal”, que pareceu a Bruno “um cora+o que se arre%enta, uma 'aca entrando
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em um po”.Gp. 1U9H as o cr(tico v: nesta impreciso t"cnica uma %ele6a arre%atadora, pois
expressa a sofreguidão da perse)ui+o do msico<
EohnnF no perce%eria o que para n*s era terrivelmente %elo, a
ansiedade que %usca sa(da nessa improvisa+o cheia de 'u)as em
todas as dire+5es, de interro)a+o, de desesperado a)itar de mos.
EohnnF no pode compreender Gporque o que para ele " 'racasso
para n*s parece um caminho, ou pelo menos o ind(cio de um
caminhoH que &morous vai 'icar como um dos maiores momentos do
8a66. ? artista que existe nele vai 'icar 'ren"tico de raiva toda ve6
que ouvir esse arremedo de seu dese8o, de tudo que quis di6er
enquanto lutava, cam%aleando, deixando escapar a saliva da %oca
8unto com a msica, mais que nunca so6inho diante do que
perse)ue, do que mais 'o)e dele quanto mais ele perse)ue. Gp. 1U9H
& força de EohnnF vem de sua entrega & busca metaf!sica. 3m vrias passa)ens do conto, como
o trecho acima citado, 'ica muito claro que, em%ora Bruno re8eite o universo decadente de seu
%io)ra'ado, compreende e valori6a a %usca art(stica de EohnnF. Durante um concerto “na sala
PleFel” o cr(tico ra%isca anota+5es acerca do saxo'onista, “so%re um 8oelho nos intervalos”, sem
o compromisso de que estas venham a contri%uir para a cr(tica que escrever no dia se)uinte
para o “Ea66 Sot”. /ivre da o%ri)a+o de emitir um parecer com a o%8etividade t"cnica da cr(tica
musical, Bruno analisa o que est por trs da 'achada de “):nio musical” de EohnnF, ou se8a, o
outro EohnnF que realmente interessa. ? que h de mais aut:ntico em EohnnF, seu estilo, " a
recusa da satis'a+o imediata, " a lin)ua)em que os msicos esto levando @s %ltimas
conseq:ncias Gcomo sa%emos, o %e%opH. “3sse 8a66 dispensa todo erotismo 'cil, todo
Oa)nerianismo, di)amos assim, para situar=se num plano aparentemente solto onde a msica
'ica em a%soluta li%erdade, assim como a pintura su%tra(da ao representativo 'ica em li%erdade
para no ser nada al"m de pintura.”Gp. 9VH 3sta msica, que Bruno “)ostaria de chamar de
meta'(sica”, parece servir a EohnnF em sua tentativa de “morder a realidade que lhe escapa
todos os dias”.Gp. 99H 3 Bruno perce%e que o caminho de EohnnF s* poderia ser o da
perse)ui+o in'inita<
e8o ali o alto paradoxo de seu estilo, sua a)ressiva e'iccia. $ncapa6
de se satis'a6er, vale como um est(mulo cont(nuo, uma constru+o
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in'inita cu8o pra6er no est no arremate e sim na reitera+o
exploradora, no empre)o das 'aculdades que deixam atrs o
imediatamente humano sem perder a humanidade. I...J EohnnF no se
move num mundo de a%stra+5es como n*sN por isso sua msica I...J
no tem nada de a%strata. I...J 0uas conquistas so como um sonho,esquece delas ao despertar, quando os aplausos o tra6em de volta, ele
que anda to lon)e vivendo seu quarto de hora de um minuto e meio.
Gp. 99H
3m sua %usca insacivel, EohnnF encontra=se imerso no tempo. Penetrar na porosidade do
mundo " extrair o tempo puro, o tempo plástico de EohnnF em que quin6e minutos ca%em em
um minuto e meio. 2o " @ toa que a maior o%sesso de EohnnF " o mist"rio do tempo, que sua4nsia em morder a realidade associa=se inevitavelmente @ imerso no tempo. Como o pr*prio
EohnnF di6, desde que tocou seu primeiro sax a msica o punha no tempoN di6 ainda que a
m%sica o a)uda um pouco a compreender o assunto do tempo . Gp. VU=V1H Bruno revela que
desde que conheceu EohnnF o tema do tempo o preocupa e que viu poucos homens
preocupados “daquele 8eito por tudo que se re'ere ao tempo”. Melata que presenciou um ensaio
de EohnnF com iles Davis e outros msicos em 9 ou XU em que ocoreu um epis*dio
interessante. 2as palavras do narrador<
“3 8ustamente naquele momento, quando EohnnF estava perdido em
sua ale)ria, de repente deixou de tocar e soltando um murro no nada
disse< 3stou tocando isso amanhR, e os rapa6es 'icaram perplexos, s*
uns dois ou tr:s se)uiram os compassos, como um trem que demora a
parar, e EohnnF %atia na testa e repetia< 3u 8 toquei isso amanh, "
horr(vel, iles, eu 8 toquei isso amanhR, e no conse)uiram tir=lo
dessa, I...J Gp. Z9H
Passado, presente e 'uturo misturam=se na via)em temporal de EohnnF promovida,
principalmente, pela msica. 3la tem o poder de transporte no tempo, con'orme o msico a
perce%e< “3u perce%i quando comecei a tocar que entrava num elevador, mas era um elevador
do tempo, se " que voc: me entende.”Gp. VW=WYH Para EohnnF, o tempo possui uma estranha
elasticidadeN propriedade que nos lem%ra a id"ia deleu6eana do tempo como uma massa
plstica. ? msico experimenta esta elasticidade quando via8a de metr-, pois o que ele “v:” mentalmente entre duas esta+5es levaria uns quin6e minutos para acontecer e no entanto a
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via)em entre as duas esta+5es dura exatamente um minuto e meio. “ia8ar de metr- " como
estar metido em um rel*)io”Gp. VZH e por isso permite constatar a insta%ilidade do tempo,
permite desco%rir que existe outro tempo di'erente daquele que " marcado pelos rel*)ios.
? dese8o de EohnnF " viver apenas nesses momentos, como quando est tocando e o tempomuda. & msica de EohnnF, o %e%op, tem a 'un+o de uma ima)em=cristal< torna indiscern(veis
a “ima)em virtual” do tema mel*dico e a “ima)em atual” dos solos de sax que evoluem ao
redor do tema, e nesta opera+o " o tempo que se “visuali6a” atrav"s do cristal, o mist"rio de
tempo que se cinde em presente e passado. ema e solo permanecem distintos mas participam
de uma coalesc:ncia, de uma 'uso, que os torna indiscern(veis. & fleibilidade, a rapidez
vertiginosa, a ousadia formal e o poder de s!ntese so qualidades sempre re'eridas quando se
trata de descrever o %e%op. “? que caracteri6ava o %e%op, para o ouvinte da "poca, era a sua
incr(vel 'lexi%ilidade e a sua condu+o mel*dica extremamente nervosa. &s 'rases eram to)eis que pareciam apenas 'ra)mentos. oda nota desnecessria era deixada de lado. udo 'oi
redu6ido e comprimido ao extremo.livIlivJ” Quando se trata de 'alar do estilo de Bird, as
quest5es do tempo e dos limites so sempre a%ordadas< “Dominando todas as tonalidades,
todos os dedilhados, mesmo os mais acro%ticos, pode tradu6ir em tempo realR um discurso
complexo e coerente, num tempo verti)inoso.lvIlvJ” 0eu apelido, apesar de no ter se ori)inado
da msica, re'lete 'ielmente seu estilo< “v-o caprichoso em torno de uma linha mel*dica, por
ve6es mal su)erida mas sempre estendida para um o%8etivo lon)(nquo, que se a'asta para o
hori6onte todos os limites previs(veis do improvisolviIlviJ”.
Do mesmo modo que " poss(vel esta%elecer uma li)a+o entre a o%sesso de EohnnF pelo
tempo e a sua msica perse)uidora atrav"s do conceito de ima)em=cristal, tam%"m " poss(vel
'a6:=lo atrav"s do conceito de ritornelo, que, como dissemos, relaciona=se intimamente com a
id"ia de cristal do tempo. &o concentrar=se em seus solos verti)inosos EohnnFKCharlie 'a6
conver)ir no cristal sonoro as 'or+as espa+o=temporais G'or+as do caos, da terra e do cosmoH,
promove uma s(ntese dos acontecimentos atrav"s das qualidades expressivas, 'a%ricando assim
o tempo puro. ? que se ouve nos solos de CarterKParker " o tempo implicado na m%sica, o
tempo plástico, paradoal , que atravessa a porosidade do mundo. rata=se de um ritornelo
altamente desterritorializado em que as 'or+as do cosmo promovem a linha de 'u)a do tema
central< a cada volta o tema se enrola em nova espiral, cada volta do tema Gou estri%ilhoH se d
pela di'eren+a, " o retorno da di'eren+a que implica a dura+o, o tempo. ? territ*rio do tema,
da melodia, " reiteradamente desterritoriali6ado pelos solos de sax que comp5em um ritornelo
c*smico e mant"m a plat"ia ma)neti6ada, 'ora do tempo, ou melhor, imersa no tempo puro. &
rela+o temaKsolo pode ser assimilada @ rela+o motivoKcontraponto produ6idas pelo ritornelo
desterritoriali6ante, con'orme Deleu6e e Luattari a entendem. Davi &rri)ucci tam%"m relaciona
a questo do tempo com a per'ormance de EohnnF
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De 'ato, perse)uindo uma realidade di)na do nome, o instrumento de
EohnnF " muito mais que um instrumento musicalN " um sax contra o
tempo, esse tema o%sessivo para o )azzman. I...J 2a verdade,soprando o sax, EohnnF conse)ue vislum%rar um universo poroso, uma
realidade=espon8a, o mundo figuaral < constela+5es simult4neas que ele,
“as ve6es, I...J procura descrever numa lin)ua)em estilha+ada, ca*tica
e, na apar:ncia, incoerente. & msica lhe concede a viv:ncia
passa)eira de um tempo que " uma ne)a+o do tempo e que, depois,
ca(do em si mesmo, ele tenta recuperar em vo pela dro)a.lviiIlviiJ
ais adiante o ensa(sta recoloca a questo destacando a impossi%ilidade da lin)ua)em racional
de dar conta das experi:ncias de su%verso do tempo e a aura m(stica, por"m no reli)iosa,
que envolve estas experi:ncias<
3ssa experi:ncia ins*lita de um tempo diverso ou mesmo da anula+o
do tempo, que EohnnF conse)ue viver so%retudo atrav"s da msica,
con'ere, evidentemente, uma import4ncia vital aos momentos em queo artista, a%andonando=se inteiramente @ improvisa+o, %usca acesso
ao que, depois, no conse)ue explicar em termos racionais. 0o
verdadeiros momentos epi'4nicos, de intensa e pro'unda revela+o
espiritual, como os dos m(sticos, em%ora o pr*prio )azzman deixe claro
que sua %usca nada tem a ver com o Deus de Bruno.lviiiIlviiiJ
& centralidade da msica, mais especi'icamente do 8a66, no conto “? perse)uidor”, quepretende alcan+ar a pro%lemtica de toda )rande arte, " plenamente 8usti'icada tanto pela
tradi+o 'ilos*'ica quanto pela recente 'iloso'ia da msica. 3ncontramos o privil")io da msica,
s* para citar al)uns autores importantes, em Se)el Gpara quem a msica diri)e=se @ mais
pro'unda interioridade su%8etivaH, em 0chopenhauer Gpara quem a msica " expresso direta da
ontadeH, em 2iet6sche Gpara quem a msica est estreitamente li)ada ao impulso dionis(aco,
que tem prima6ia na ori)em da tra)"dia )re)aH, em Deleu6e e Luattari Gpara quem a msica
possui a caracter(stica de tanto mais se a'inar quanto mais se desterritoriali6aH. & rela+o da
msica com a questo do tempo, por sua ve6, tem sido o%8eto de estudo em tra%alhos recentes.Liovanni Piana, atrav"s de um exame 'enomenol*)ico, che)a @ 'ormula+o de que o som " um
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ob)eto temporal , conce%ido como um processo, uma duração fenomenol'gica. Para explicitar o
carter essencialmente temporal do som, Piana escreve<
2a dura+o do som o que se acaba " 8ustamente a duração, pois o
in(cio e o 'im t:m um sentido %asicamente temporal. ? som passa mas
no envelhece. ermina, mas no se destr*i. ? tempo " a condi+o, no
sentido mais 'orte, do seu existir, como se o som contivesse em si
pr*prio a necessidade do tempo, de maneira que se poderia a'irmar
que o pr*prio existir do som " como se 'osse feito de tempo.lixIlixJ
ais pr*ximo ainda da questo paradoxal do tempo, presente no pensamento de Ber)son e de
Deleu6e, encontra=se o pro%lema da continuidade do som na msica. 2a “sucesso de 'rases
que passam uma ap*s a outra” o som " um evento, um “avan+ar ultrapassando”, na concep+o
de Piana. 3ste movimento envolve o som virtual com o som atual de modo que “a escuta do
som " tensa, e ela " tensa na medida em que " atra!da pela tensão temporal que pertence ao
pr*prio somlxIlxJ”. & atra+o e a tenso que presidem a escuta de um continuum sonoro
decorrem do paradoxo temporal< o presente atual da audi+o coexiste com o passado virtual do
que 8 'oi ouvido. ? sentido da msica, seu poder de a'eto, " extra(do do e'eito pro8etado pela
coexist:ncia presenteKpassado. & dura+o, o tempo, aparece pela produ+o da di'eren+a em um
todo a%erto. S estreita li)a+o tam%"m entre a '(sica e a meta'(sica do som. Para re'erendar o
poder de a'eto e conhecimento da msica, podemos citar a interessante o%ra do msico e
literato %rasileiro Eos" i)uel [isnik, ( som e o sentido. [isnik reconhece que “entre os
o%8etos '(sicos, o som " o que mais se presta a cria+5es meta'(sicas lxiIlxiJ” e dentre as diversas
perspectivas que o autor empre)a em seu texto destacamos aqui a do valor m)ico da msica,
que se a'ina per'eitamente @ concep+o corta6ariana de sonda)em da realidade atrav"s da arte.
& msica, sendo uma ordem que se constr*i de sons, em perp"tua
apari+o e desapari+o, escapa @ es'era tan)(vel e se presta @
identi'ica+o com uma outra ordem do real< isso 'a6 com que se tenha
atri%u(do a ela, nas mais di'erentes culturas, as pr*prias propriedades
do esp(rito. ? som tem um poder mediador, herm"tico< " o elo
comunicante do mundo material com o mundo espiritual e invis(vel. ?
seu valor de uso m)ico reside exatamente nisto< os sons or)ani6ados
nos in'ormam so%re a estrutura oculta da mat"ria no que ela tem de
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animado. G2o h como ne)ar que h nisso um modo de conhecimento
e de sonda)em de camadas sutis da realidade.HlxiiIlxiiJ
Podemos tam%"m encontrar em [isnik uma correla+o entre tempo e msica que corro%ora a
especula+o de Deleu6e e de Corta6ar a respeito da su%verso da consci:ncia e da ordem do
tempo<
Desi)uais e pulsantes, os sons nos remetem no seu vai=e=vem ao
tempo sucessivo e linear mas tam%"m a um outro tempo ausente,
virtual, espiral, circular ou in'orme, e em todo caso no cronol*)ico,
que su)ere um contraponto entre o tempo da consci:ncia e o no=
tempo do inconsciente. exendo nessas dimens5es, a msica no
re'ere nem nomeia coisas vis(veis, I...J atravessa certas redes
de'ensivas que a consci:ncia e a lin)ua)em cristali6ada op5em @ sua
a+o e toca em pontos de li)a+o e'etivos do mental e do corporal, do
intelectual e do a'etivo.lxiiiIlxiiiJ
? poder m)ico de ir direto @ ess:ncia das coisas, ao ser mesmo, que Cort6ar atri%ui ao poeta
quando o compara ao ma)o primitivo Gpr"=l*)icoH em “Por uma po"tica” encontra ento, pela
via 'ilos*'ica, uma sistemati6a+o que lhe d mais consist:ncia. 2o re'erido texto o escritor
de'ende que a “msica ver%al”, ou se8a, a palavra po"tica, " um “ato catrtico” pelo qual a
met'ora, a ima)em se li%erta da si)ni'ica+o para assumir a ess:ncia dos o%8etos atrav"s de
um “tr4nsito ine'vellxivIlxivJ”. 3ntretanto, a teori6a+o e mesmo a 'ic+o de Cort6ar, ao su)erir
a exist:ncia de um outro mundo que no o mundo aparente e ao 'alar em ess:ncia ou ser das
coisas, coloca o pro%lema da transcend:ncia, ou se8a, sua preocupa+o com a %usca meta'(sica
pode ser interpretada como a %usca do conhecimento de um mundo transcendente. > como
compreende Davi &rri)ucci para quem Cort6ar, ao explorar a dimenso primitiva do 8o)o,
“procura dar @ sua po"tica uma dimenso transcendentelxvIlxvJ”. 2este sentido as concep+5es
de mundo, de arte e mesmo de pensamento deleu6eanas e corta6arianas seriam
completamente diver)entes, uma ve6 que para Deleu6e " sempre atrav"s da iman:ncia que se
pode pensar a 'or+a do mundo e da arte e a pot:ncia do pr*prio pensamento.
Te$%o !e i$an5ncia
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2este momento moderno, não nos contentamos mais em pensar a iman"ncia a um transcendente, quer+se pensar a transcend"ncia no interior do imanente, e da iman"ncia que se espera uma ruptura.Deleuze e Guattari, ( que a filosofia6
& tra8et*ria deste ensaio essa via)em pelos insti)antes territ*rios deleu6eano e corta6ariano
poderia parecer uma hist*ria de 'ic+o cient('ica em que o 'inal 'osse um verdadeiro anticl(max
caso nos limitssemos @ interpreta+o transcendente de &rri)ucci e constatssemos que os
territ*rios visitados no eram sequer vi6inhos< ainda assim a via)em teria sido vlida mas o
'inal um tanto desinteressante 'rente aos diversos pontos em que, durante o percurso, os dois
pensamentos enriqueceram=se mutuamente. &creditamos que tam%"m na questo da
iman:ncia, neste ponto vlico Gponto onde a 'or+a do pensamento " capa6 de nos tirar do
prumoH, podemos encontrar resson4ncias que asse)uram a conver):ncia dos territ*rios.
3m primeiro lu)ar, " importante ressaltar mais uma ve6 que nosso o%8etivo no " identi'icar opensamento de Cort6ar ao de Deleu6e, mas investi)ar as possi%ilidades de dilo)o, as
passa)ens e as potenciali6a+5es de uma o%ra na outra. Certamente EohnnF Carter “corpori'ica”
certos aspectos da 'iloso'ia de Deleu6e, enriquecendo=a. Da mesma 'orma, a 'iloso'ia da
iman:ncia de Deleu6e, com sua din4mica de a)enciamentos, 'ornece aos “cron*pios” Gseriam
crono=*pios, ou aqueles em que o tempo " delirante, do *pio; lxviIlxviJH corta6arianos e @ toda
literatura de Cort6ar um renovado valor est"tico. Ailoso'ia e cr(tica literria so corpos te*ricos
que mant:m uma rela+o tensa e nem sempre proveitosa. Buscamos, aqui, apenas a
possi%ilidade de um dilo)o estimulante.
&o lon)o do tra%alho insistimos em mostrar como a preocupa+o da literatura de Cort6ar "
com a realidade mesma, se8a ela uma so%re=realidade ou uma entre=realidade, e apresente
caracter(sticas da est"tica surrealista. 2este sentido, quando 'alamos em “outra realidade” no
implica um mundo transcendente nos moldes plat-nicos, mas a entendemos como aspectos
sutis da realidade que a percep+o ha%itual no pode captar. > compreens(vel que pensemos em
tais aspectos sutis como a “verdadeira realidade” uma ve6 que sua percep+o se d como uma
revela+o. as " certo que a realidade, dentro da perspectiva corta6ariana, tem que ser
pensada como um todo aberto e tal concep+o no " menos verdadeira na 'iloso'ia deleu6eana.
? que se v: pelas 'issuras do mundo " a pr*pria realidade que se apresenta de 'orma
di'erenciada em sua multiplicidade. &par:ncia e ess:ncia seriam aspectos di'erentes de uma
mesma realidade< o campo de iman"ncia no qual estamos inseridos.
& cr(tica de Cort6ar ao “in):nuo realismo” visa, principalmente, a percep+o automati6ada, e
por isso mesmo rasa, do cotidiano e @ pretensiosa percep+o cient('ica que se alia ao senso
comum e ao %om senso para 'ormatar uma realidade paci'icada, re)ular e coerentemente
racional. > o pr*prio racionalismo cientificista Ge otimistaH da contemporaneidade Gou o que deleso%rou ap*s a se)unda )uerra mund