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Teoria e prática da burocracia estatal* Flavio Tojal** Wagner Carvalho*** "Sill duda, aquí se encuelllra ellllícleo fillldamelltal dei problema de la 'reforma administrativa', ya que ai intentar prol/loverse la separacióII entre política y administración y la efectiva subordinación dei aparato 1I0rl/l(/(il'O dei Estado, no se hace sin inducir infinitos mecanismos de conducta adaptativa que illlentan resolver las frecuelltes contradiciones entre los criterios de racionalidad política e racionalidad técnica que, altemalÍl'amellte, guían las decisiones burocráticas. .. Oscar Oszlak Sumário: I. Correntes teóricas sobre burocracia; 2. O caso brasileiro. Palavras-chave: burocracia; Estado moderno; reforma do Estado. Este artigo apresenta os principais marcos teóricos que pretendem explicar a dinâmica da burocracia, caracterizando sua participação nos diversos processos de dominação que se veriticam no surgimento e desenvolvimento do Estado moderno. O artigo dis- cute o papel contraditório desempenhado pela burocracia ao adotar uma lógica racional e analisa a evolução da burocracia no Brasil a partir dos anos 30. Os autores destacam algumas questões referentes ao papel do Estado e ao crescimento do seu quadro buro- crático, relacionando-as ao debate atual sobre a reforma do Estado. Theory and practice Df state bureaucracy This article presents the most important theoretical landmarks that have intended to explain the dynamics fo bureaucracy, characterizing its role in different domination processes that took place during the birth and development of the modern State. The authors discuss the contradictory role played by bureaucracy when it adopts a rational logic, and analyze the evolution of bureaucracy in Brazil since the 30's. They bring out a few questions about the State's role and the growth of its bureaucratic staft". relating these issues to the current debate about State reformo 1. Correntes teóricas sobre burocracia Conceituação A burocracia continua sendo, apesar do muito que se escreveu e que ainda se produz sobre o tema, uma categoria mal-definida. Ainda que seja muito discutida * Artigo recebido em maio e aceito em seI. 1996, tendo sido desenvolvido para o Programa de Pes- quisa em Reforma do Estado e Governança da EBAPIFGV, sob a coordenação da prof-! Sonia F1eury. ** Mestre em administração pública pela EBAP/FGY. *** Analista do Banco Central do Brasil e mestrando em administração pública pela EBAPIFGV. RAP RIO DE JANEIRO )1(1):50-68, JAN.lFEV. 1997

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O artigo apresenta uma discussão sobre sociologia e América Latina.

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  • Teoria e prtica da burocracia estatal* Flavio Tojal** Wagner Carvalho***

    "Sill duda, aqu se encuelllra ellllcleo fillldamelltal dei problema de la 'reforma administrativa', ya que ai intentar prol/loverse la separaciII entre poltica y administracin y la efectiva subordinacin dei aparato 1I0rl/l(/(il'O dei Estado,

    no se hace sin inducir infinitos mecanismos de conducta adaptativa que illlentan resolver las frecuelltes

    contradiciones entre los criterios de racionalidad poltica e racionalidad tcnica que, altemall'amellte, guan las

    decisiones burocrticas . .. Oscar Oszlak

    Sumrio: I. Correntes tericas sobre burocracia; 2. O caso brasileiro. Palavras-chave: burocracia; Estado moderno; reforma do Estado.

    Este artigo apresenta os principais marcos tericos que pretendem explicar a dinmica da burocracia, caracterizando sua participao nos diversos processos de dominao que se veriticam no surgimento e desenvolvimento do Estado moderno. O artigo dis-cute o papel contraditrio desempenhado pela burocracia ao adotar uma lgica racional e analisa a evoluo da burocracia no Brasil a partir dos anos 30. Os autores destacam algumas questes referentes ao papel do Estado e ao crescimento do seu quadro buro-crtico, relacionando-as ao debate atual sobre a reforma do Estado.

    Theory and practice Df state bureaucracy This article presents the most important theoretical landmarks that have intended to explain the dynamics fo bureaucracy, characterizing its role in different domination processes that took place during the birth and development of the modern State. The authors discuss the contradictory role played by bureaucracy when it adopts a rational logic, and analyze the evolution of bureaucracy in Brazil since the 30's. They bring out a few questions about the State's role and the growth of its bureaucratic staft". relating these issues to the current debate about State reformo

    1. Correntes tericas sobre burocracia

    Conceituao

    A burocracia continua sendo, apesar do muito que se escreveu e que ainda se produz sobre o tema, uma categoria mal-definida. Ainda que seja muito discutida * Artigo recebido em maio e aceito em seI. 1996, tendo sido desenvolvido para o Programa de Pes-quisa em Reforma do Estado e Governana da EBAPIFGV, sob a coordenao da prof-! Sonia F1eury. ** Mestre em administrao pblica pela EBAP/FGY. *** Analista do Banco Central do Brasil e mestrando em administrao pblica pela EBAPIFGV.

    RAP RIO DE JANEIRO )1(1):50-68, JAN.lFEV. 1997

  • no nvel popular, segundo uma concepo bastante negativa, significando reino do papelrio, da morosidade, da ineficincia, os diversos estudiosos que aborda-ram seus mltiplos aspectos tm dificuldades em propor ou reconhecer um con-ceito ou uma classificao que abarque todas essas caractersticas.

    Segundo Girglioli (1986: 124), o termo "burocracia" foi empregado pela pri-meira vez em meados do sculo XVIII pelo economista fisiocrtico Vincent de Gournay, visando a identificar o segm.ento de funcionrios da administrao do Estado absolutista francs, sob a tutela e dependncia do soberano. De origem fi-siocrtica, o termo no poderia deixar de, desde o incio, incluir uma forte conotao negativa.

    A partir da, a expresso se difunde e se populariza, chegando at os nossos dias para indicar, criticamente, a proliferao de normas, de ritualismo, de forma-lismos, tanto em instituies governamentais quanto nas privadas.

    Esta seo procurar, a partir de uma atualizao bibliogrfica, descrever e analisar os diversos enfoques que os autores utilizaram para explicar e entender o fenmeno burocrtico. Utilizando basicamente a linha de raciocnio seguida por Lefort, distingue duas correntes tericas. A primeira reconhece o fenmeno como uma categoria desprovida de autonomia, e que, apesar de sua legitimidade social e poltica, estruturalmente dependente de outras categorias da sociedade. Neste sentido, a burocracia no constitui uma classe. Dentro desta vertente, podemos es-tudar a contribuio de Hegel, Marx, Lnin, Trotski, e o desenvolvimento do pen-samento marxista atual. Em outra direo, mas inclusos na mesma acepo, esto os estudos de Max Weber, que se destacam tanto no contexto da sociologia do po-der-dominao, quanto por sua marcante influncia sobre o pensamento adminis-trativo ocidental, focado na eficincia e eficcia do processo produtivo manifesto nas diversas abordagens da teoria organizacional.

    A segunda linha terica v a burocracia dotada de autonomia, de poder, cons-tituindo uma classe: seja na forma como se costumava reconhecer no regime da antiga Unio Sovitica, onde a burocracia do partido passou a dominar todos os meios e nveis de vida, como uma verdadeira classe dominante, seja pelo fenme-no que se passou a tratar como burocratizao do modo de vida, caracterizado no trabalho, pela hierarquia e estabilidade do emprego, e na dinmica social, pela ho-mogeneizao dos procedimentos. De qualquer forma, esta percepo assinala que o fenmeno burocrtico possui uma dinmica e lgica prprias, capazes de se estender sobre toda a sociedade.

    Ao cruzarmos este caminho com a caracterizao proposta por Oszlak (1984:251-307), que distingue uma concepo terica histrico-estrutural, que abrange tanto a anlise marxista quanto a weberiana, e uma concepo organiza-tiva, onde localiza as contribuies das diversas abordagens administrativas, no pretendemos utilizar simplesmente um esquema didtico, mas sim uma forma ex-plicativo-analtica, que propicie o alcance de nossos objetivos.

    No mero didatismo que faz tanto Lefort como Oszlak aproximarem Weber dos tericos marxistas. Se o trabalho de Weber foi aproveitado pelas correntes

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  • tericas que privilegiaram uma abordagem organizacional que passa ao largo da luta de classes, no menos verdade que Weber reconhecera a administrao como o cenrio adequado para a apropriao da dominao. A releitura weberiana somada anlise marxista pode certamente fornecer-nos elementos para um en-tendimento mais abrangente do nosso objeto.

    o Estado moderno e o surgimento do fenmeno burocrtico

    Ao propormos uma caracterizao para o Estado moderno recorreremos a uma comparao que, se no original nem prpria, continua sendo vlida: para a democracia grega o Estado representava algo concreto, como um lugar de con-vvio e do exerccio pleno da vida poltica dos cidados. O que caracteriza o Es-tado moderno justamente o contrrio: algo abstrato e, segundo Hegel (Torres 1989:25), pode existir, inclusive a despeito da vontade dos indivduos: "pode for-mar-se um Estado mesmo se os indivduos que o vierem a integrar no tiverem qualquer ligao do ponto de vista dos costumes, da cultura, da lngua ou mesmo da religio".

    A todo esse processo Hegel denomina exteriorizao, ou seja, o Estado des-liga-se da sociedade, separa-se dela, e este o significado do termo "abstrao do Estado": entendido como a separao, autonomia e especializao de um centro de poder com relao ao corpo de cidados, com o Estado surgindo agora de ma-neira exterior e at mesmo contra a vontade dos indivduos, adquirindo uma ca-racterstica coativa que tanto se lhe observa.

    Ademais, tal mudana mostra que: a) a liberdade passa a ser entendida como individual, sendo praticada na rea reservada s atividades privadas de carter so-cial; b) a cidadania se rarefez, "limitando-se participao espordica na eleio de parlamentares e governantes, de sorte que, perdido na multido, o indivduo j quase no percebe a influncia que exerce" (Torres, 1989:30), ou seja, a cidadania torna-se abstrata.

    Considerando-se a cidadania dessa forma, bem como a irreversibilidade do processo, qualquer que seja a engenharia de institucionalizao do Estado, este vem para tentar diminuir o gap que se formou a partir da sepao "pblico-priva-do" e "poltico-econmico".

    tambm a partir das dicotomias poltico-econmico e pblico-privado, que localizamos em nossa anlise o surgimento do fenmeno burocrtico. Antes de procedermos a uma anlise mais profunda dessa afirmao, procuraremos carac-terizar melhor a questo do surgimento do Estado. Torres (1989:46) reconhece trs razes que possibilitaram o advento do Estado moderno:

    a) nascimento da idia de "soberania", significando aqui o afastamento do prn-cipe das redes de vassalagem medieval, a fixao de fronteiras geogrficas, o centralismo governamental e a consolidao e crescente afirmao do poder do rei frente nobreza e Igreja; a conseqncia imediata e importante da soberania

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  • real foi o ressurgimento de um espao pblico, notoriamente abolido durante a Idade Mdia, mesmo que tal fato no tenha provocado o ressurgimento da cida-dania; neste caso, o vassalo perde terreno para o sdito;

    b) "despatrimonializao" do poder, significando a substituio das rendas senhoriais por impostos, que passam a ser a base da despesa governamental; isto ocorre nos trs planos da vida civil, ou seja, no jurdico, pela separao entre o direito pblico e o direito privado; no plano administrativo, pelo surgimento da burocracia racional, e no plano financeiro, pela demarcao entre os recursos e bens estatais e aqueles de propriedade do governante;

    c) surgimento da "despersonalizao" do poder real, mediado pela consolidao do princpio da sucesso dinstica, segundo o qual a lei o fundamento da suces-so real; o soberano feito para obedecer s leis, ou seja, o poder perde o carter divino, intrnseco pessoa do rei.

    A partir dessas constataes, Torres (1989) sustenta que a contraface da abs-trao do Estado o surgimento da democracia representativa, justamente apoia-da nas trs razes acima.

    o fenmeno burocrtico e a crtica marxista

    Retomando nossa perspectiva analtica, passamos a estudar o fenmeno buro-crtico de acordo com os diversos tericos da tradio marxista. A concepo uni-versalista que Hegel l tinha do Estado naturalmente foi determinante na forma como visualizava a burocracia. Esta, na sua perspectiva idealista, encarnava o "in-teresse geral". A burocracia, na concepo hegeliana, era aquela instncia que fa-zia parte de uma estrutura tripartite e servia de elo entre a sociedade civil e o Estado. A funo bsica era de conciliao: mediar o interesse geral do Estado (in-teresse desde j universal) e os interesses particulares das corporaes privadas. Hegel, coerentemente, da mesma forma que via a realidade do Estado como estru-tura perfeita e superior sociedade civil, visualizava a burocracia como uma clas-se social universal, desprovida de poder poltico.

    Se para Hegel o Estado era eterno, no histrico, e envolvia uma relao justa e tica entre os elementos da sociedade, para Marx o Estado s poderia ser vi sua-Iizado em um contexto histrico e dentro de uma concepo materialista: "No o Estado que molda a sociedade mas a sociedade que molda o Estado. A socieda-de, por sua vez, se molda pelo modo dominante de produo e das relaes de pro-duo inerentes a esse modo" (Carnoy, 1988:6).

    J "Para Hegel, o Estado realidade moral, como sntese do substancial e do particular, contm o inte-resse enquanto tal, que sua substncia, deduzindo-se, ento, ser o Estado a instncia suprema que elimina todas as particularidades no seio de sua unidade" (Tragtemberg, 1977:22).

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  • Alm disto, e em contraste com Hegel, para Marx o Estado, emergindo das relaes de produo, era a expresso da luta de classes, sendo um instrumento de dominao de classes na sociedade capitalista, mais exatamente um instrumento da classe mais poderosa, a classe dominante.

    Mais tarde, ao analisar a burocracia francesa da poca de Lus Bonaparte, Marx (Oszlak, 1984:302)2 a descreve como um "exrcito de funcionrios tota-lizando meio milho", e a caracteriza como "tremendo corpo de parasitas capaz de envolver com sua teia o corpo da sociedade", j vislumbrando sua capaci-dade de voltar-se contra o Estado, ameaar o poder parlamentar e a prpria bur-guesia.

    As posteriores contribuies de Lnin e Trotski (Lefort, 1984:51) seguiram as mesmas linhas: para Lnin a burocracia um corpo parasita sobre a sociedade burguesa, origina-se na contradio interna que divide a sociedade e recrutada nas camadas mdias e inferiores da sociedade, recrutamento este separa uma parte de seus membros do restante do povo, ligando-o classe dominante. Ao mesmo tempo, Lnin sustentava que em uma sociedade socialista a extino do Estado conduziria a uma extino do seu aparelho burocrtico.

    Trotski sustentava que a existncia da burocracia no altera a natureza das re-laes de produo e, por isso, no pode se constituir em classe, sendo, na situao da Unio Sovitica, uma formao eminentemente parasitria, que o povo poderia expulsar no momento em que ela se revelasse ineficiente, como se expulsa um ge-rente incompetente.

    A principal crtica que se faz teoria marxista clssica em relao burocra-cia decorre da prpria concepo de Estado que tm seus tericos. Sendo o Estado um aparelho de dominao a servio da classe dominante, numa sociedade socia-lista, onde inexista a propriedade privada e desaparea a dominao, o Estado no ter mais razo de existncia. Esta lgica conduziu a que no se prestasse a devida ateno ao Estado ou que no se produzisse uma teoria de Estado marxista. Da mesma forma, a burocracia no foi devidamente estudada, ficando sem resposta questes como (Lefort, 1984:23):

    a) Sendo a burocracia um corpo social estratificado, em que nvel se situa o poder dos burocratas?

    b) Ela , neste aspecto, uma espcie de vertedouro dos partidos polticos?

    c) Ela possui um "princpio prprio de proliferao"?

    2 Esta anlise liga-se situao da Frana de Lus Bonaparte, onde o Executivo sustentava-se em dupla base: Assemblia Nacional e burocracia. Com o enfrentamento dessas duas instncias, o Executivo sai fortalecido juntamente com sua burocracia, em detrimento da burguesia e do Parla-mento. Ver, tambm, Marx.

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  • d) Ao converter-se em burocrata, ao ser recrutado, a pessoa continua a pertencer sua classe originria?

    e) Essas pessoas mudam de mentalidade, sem mudar de classe?

    Tais questes no so objeto de estudo dos autores clssicos. atravs da an-lise do Estado de estudiosos do marxismo moderno, como Gramsci e Poulantzas, que chegamos a um conceito ampliado de Estado, e questes como essas podem ser consideradas luz da teoria marxista atual.

    A contribuio de Max Weber ao estudo sobre fenmeno burocrtico

    A burocracia constitui aquela instncia administrativa que apresenta grande afinidade com o tipo legal-racional de dominao, devidamente problematizado e evidenciado por Max Weber.

    Este distingue o fenmeno "poder" de "dominao": "Poder significa toda probabilidade de impor a prpria vontade numa relao social, mesmo contra re-sistncias, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. Dominao a proba-bilidade de encontrar obedincia a uma ordem de determinado contedo, entre determinadas pessoas indicveis" (Weber, 1991 :33).

    O significado fornecido e entendido para "poder" bem mais abrangente que o de "dominao", mas a preocupao de Weber estava focada no aspecto do "man-do" e da obedincia. No Estado feudal e absolutista, o soberano ou senhor detinha o poder indiscriminado sobre os seus vassalos. Os aspectos j abordados sobre o ad-vento da "soberania", da "despersonificao" do poder e da "despatrimonializao" fornecem a chave para o entendimento dessa preocupao weberiana relacionada ao aspecto de dominao. A partir desse momento histrico, foi necessrio criar outros mecanismos que garantissem a obedincia ao rei, j que este no mais dispunha do poder absoluto e tambm ele prprio estava sob o mando da lei.

    Os tipos puros ideais propostos por Weber - dominaes de carter carism-tico, tradicional e racional - acompanham a mesma linha de raciocnio e tm como eixo fundamental a presena do Estado e o advento de um espao pblico e da cidadania. Mesmo no estando explcito este relacionamento, podemos referi-lo: "o senhor legal tpico, o 'superior', enquanto ordena e, com isso, manda, obe-dece por sua parte ordem impessoal pela qual orienta suas disposies; isto se aplica tambm ao senhor legal que no 'funcionrio pblico', por exemplo, o presidente eleito de um Estado. ( ... ) que - como se costuma express-lo - quem obedece s o faz como membro da associao e s obedece 'ao direito'; como membro de uma unio, comunidade, igreja; no Estado: como cidado" (Weber, 1991:142).

    Em outra situao, Weber sincroniza e relaciona diretamente as duas situa-es, ao afirmar que o desenvolvimento e crescimento da burocracia constituam a "clula germinativa do moderno Estado ocidental" (Weber, 199 I: 146). Ele ex-

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  • pressou desde cedo sua preocupao com o processo de burocratizao, entendido como a exarcerbao das prticas democrticas, ou seja: quem que exerce a do-minao sobre a burocracia? Segundo Weber (1991: 146), o saber, o conheci-mento, a hierarquia dos saberes adquiridos formalmente, que garantiria essa dominao.

    A burocracia tende sempre a reforar seu status quo, a crescer, a ramificar-se: seja na complexidade e na assuno de novas tarefas, seja na perspectiva perma-nente de fazer desenvolver a empresa ou instituio. De acordo com Lefort (1984: 143), " a identificao do burocrata com a empresa a que est ligado uma mediao natural na conscincia que o grupo adquire de sua prpria identidade". Em outras palavras, se a burocracia no possui uma atividade econmica prpria, sua lgica , ento, assumir como seus os objetivos da organizao.

    Weber assevera que o desenvolvimento pleno da burocracia ocorre quando os setores da economia natural so eliminados, ou seja, na plena dominncia capita-lista. Alm disto, o desenvolvimento da democracia permite a administrao ra-cional atravs de funcionrios annimos - consagrados a tarefas de alcance universal -, substituindo uma administrao patriarcal e a sincronizao entre a burocracia e o processo de racionalizao capitalista. Baseado nessas assertivas, Weber (1991: 147) afirma que a administrao racional-burocrtica mais ade-quada para o modo de produo capitalista, j que a subordinao de todas as ati-vidades a uma determinada finalidade racional objetiva coincide com a racionalidade econmica do capitalismo industrial. Ou seja, existe uma dupla re-lao: se o capitalismo exige uma administrao racional, a burocracia, por sua vez, necessita dos recursos do capitalismo para se manter e desenvolver.

    A burocracia como classe

    Nas duas acepes anteriores (pensamento marxista tradicional e pensamento weberiano), o trao marcante da burocracia era sua no-autonomia prpria. A questo oferece uma face analtica bastante distinta quando passamos a analisar a forma que o fenmeno burocrtico apresentou na ex-Unio Sovitica. L, segun-do Lefort (1984:44), mesmo com o desaparecimento da propriedade privada, os operrios continuaram sendo classe explorada, j que no detinham a gesto da produo, sendo meros executores. Desta forma, persistiu a oposio capital/tra-balho, o que configura, por si, pelo menos a presena de duas classes sociais: uma dominante, exploradora, e outra dominada, explorada.

    Uma caracterstica bsica da burocracia como classe dominante que ela no exerce uma atividade profissional e econmica privada, como o faz a burguesia. Ela dominante porque depende do Estado, que mantm a hierarquia social. Nes-ta condio, ela se esfora por conseguir um domnio ampliado de todos os setores da sociedade, nos fazendo lembrar um sistema de dominao total.

    A grande dificuldade terica, segundo Lefort (1984:47), que a burocracia s se torna uma classe quando se faz dominante e ao se fazer dominante continua a

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  • depender do Estado, j que no dispe de uma determinao ou lugar de classe, como o possuem a burguesia e a classe operria. Mesmo dominante, a burocracia continua a depender de uma atividade poltica de unificao. Ela no constitui uma categoria econmica, mas sim um sistema de dominao, sendo esta indeter-minao o principal obstculo terico para sua definio.

    A diviso social do trabalho e a autonomia burocrtica

    A determinao do que entendemos por diviso social do trabalho remonta delimitao, por Marx, da classe operria, a qual se caracteriza por ser despos-suda dos meios de produo: "Todo trabalhador produtivo trabalhador assala-riado, o que no significa que todo trabalhador assalariado seja um trabalhador produtivo" (Poulantzas, 1975:228).

    A dificuldade de entendimento desta definio pode ser amenizada se com-preendermos o que seja "trabalho produtivo". Poulantzas esclarece que o "traba-lho produtivo" varia de uma situao histrica para outra, s podendo ser devidamente entendido no contexto de condies sociais determinadas. Est, pois, relacionado a um determinado modo de produo (escravista, feudal, capitalista etc.) e s relaes de explorao impostas e subentendidas por tal modo de produ-o.

    No se deve entender da que o "trabalho produtivo" seja um resultado con-creto ou material do trabalho, nem est ligado natureza do produto nem ao ren-dimento prprio do trabalho. O que caracteriza o "trabalho produtivo", em um determinado "modo de produo", a gerao de um excedente que origina a re-lao de explorao dominante neste modo. No capitalismo, o trabalho produtivo aquele que produz diretamente a mais-valia, que valoriza o capital (Poulantzas, 1975:229).

    Neste sentido, o trabalho decorrente do comrcio, dos escritrios, e dos ban-cos no produtivo: ele no produz a mais-valia, e, portanto, seus trabalhadores no pertencem classe operria. Este seria um capital circulatrio: o comerciante no produz qualquer valor, mas usufrui e participa do lucro decorrente da mais-valia produzida pelo capital produtivo. Seus trabalhadores so explorados, aju-dam na reduo dos custos para a realizao da mais-valia, mas nem por isso so produtivos.

    Esta questo importante para definirmos a participao dos agentes do Es-tado e seus funcionrios na diviso social do trabalho. Por esse ngulo de anlise, tal camada social no seria produtiva. Ela paga pelos impostos que, por sua vez, so a expresso prpria da distribuio da mais-valia.

    Outro fator relevante a crescente importncia da cincia e tecnologia no mundo moderno, principalmente da informtica, gerando afirmaes de que a ci-ncia se tornou fora produtiva central da sociedade (Poulantzas, 1975:240). Mas apesar da importncia do trabalho cientfico ser enorme, isto no suficiente para torn-lo produtivo: o trabalho da cincia no intervm diretamente no processo de

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  • produo material, mas sim nas aplicaes tecnolgicas, desta forma diferencian-do e afastando-se do trabalho direto (Poulantzas, 1975:241).

    Basicamente, o processo de trabalho pode ser entendido como trabalho ma-nual e trabalho intelectual. Esta diviso, que perpassar a anlise, daqui por dian-te, do fenmeno burocrtico, est assentada basicamente nas relaes ideolgicas influentes na diviso social do trabalho.

    Uma primeira questo a ser esclarecida a respeito do que se entende por "in-telectual". Para Gramsci (Poulantzas, 1975:274), os intelectuais so "funcionrios da ideologia". No constituem classe, mas guardam uma pertinncia de c1asse-os intelectuais da classe operria, da classe burguesa. Da anlise gramsciana de-corre o alargamento do conceito de intelectual, do mesmo modo que o seu concei-to de aparelho ideolgico e de hegemonia alargou o entendimento a respeito do Estado.

    Poulantzas (1975:274) amplia ainda mais esse conceito: "No so somente os intelectuais, como categoria social, que cumprem o trabalho intelectual, ou, antes, que se situam do lado do trabalho intelectual: os intelectuais como categoria social especfica so somente um produto da diviso trabalho intelectual/ trabalho ma-nual que os ultrapassa de longe ".

    Evidentemente, no podemos nos contentar com uma diviso do tipo "traba-lho manual trabalho feito com as mos e trabalho intelectual o realizado com o crebro".

    Esta diviso denota o elemento poltico-ideolgico posto a servio da domi-nao, que deseja fazer crer que os operrios so bestializados e incapazes de atuar intelectualmente - ideologia esta que impregnou todo um ramo da teoria organizacional -, impondo e legitimando uma superioridade do "saber" sobre toda uma classe trabalhadora. Gramsci (Poulantzas, 1975:275) esclarece: "no existe atividade humana em que se possa excluir toda interveno intelectual e se-parar 0/701110 faber do /701110 sapiens". Em seguida, afirma lapidarmente: "Todos os homens so intelectuais, mas nem todos os homens tm, na sociedade, a funo de intelectual".

    A diviso trabalho intelectual/trabalho manual assenta-se em um investi-mento ideolgico em favor de uma diviso entre os que detm o conhecimento v-lido e os que no o possuem e so impedidos de acess-lo. Neste sentido, esta diviso do processo de trabalho uma tcnica de excluso social, bastante estabe-lecida e ampliada nos dias atuais.

    O fenmeno burocrtico, em especial a burocracia estatal, retira parte consi-dervel de sua autonomia e de seu poder relativo do contedo dessa valorizao poltico-ideolgica do seu trabalho. Como tal, o trabalho burocrtico considera-do superior ao trabalho produtivo do operrio, porque possui o monoplio e o se-gredo do saber. Para efetivar essa dominao burocrtica, lana-se mo de um conjunto de smbolos ideolgicos (forma de falar, de escrever, de postar-se etc.) que so utilizados para assentar e legitimar a separao e a hierarquizao dentro da prpria burocracia e sobre a classe operria. O trabalho manual, por outro lado,

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  • considerado simples trabalho manual, que requer menos investimentos, menos conhecimentos, menos aptides.

    A moderna contribuio da teoria marxista

    A atual anlise marxista no reconhece o carter de classe nem de setor de classe para a burocracia, mas procura entender que ela pode vir a adquirir uma cer-ta autonomia e um agir em seu prprio interesse, contra alguns dos interesses da classe dominante, adquirindo uma autonomia relativa.

    Lefort (1984: 18) v a burocracia como "um corpo especial na sociedade", porque sua funo manter a ordem estabelecida e seu fim significa o fim da do-minao burguesa e porque no uma classe nem setor de classe, ou seja, depen-de, para sua ao, dos verdadeiros agentes histricos, as classes sociais em luta.

    Passamos a estudar ento o processo de burocratizao a partir do advento do capitalismo monopolista, que, segundo Poulantzas (1975), provoca a perda do Po-der Legislativo e o aumento das prerrogativas do Poder Executivo e do aparato bu-rocrtico-administrativo.

    O lugar e o papel do Parlamento eram concebidos como voltados para a edi-o de leis e normas gerais e universais, j que ele representava o smbolo da von-tade geral. Poulantzas nota que a crescente multiplicidade de problemas econmicos, sociais e polticos que o Estado passou a acumular exigiu modifica-es nesse relacionamento. Vemos, ento, o Executivo cada vez normalizando mais, editando mais leis, em detrimento do Legislativo. De uma legitimao ba-seada na crena da vontade geral que representava o Parlamento, atingimos uma legitimao assentada em uma racionalidade instrumental da eficcia, da presteza e da neutralidade, representada agora, em nome do Executivo, pelo quadro admi-nistrativo burocrtico.

    Ao longo do tempo ocorreu uma cristalizao dos poderes e influncias hege-mnicas dos diversos setores do capital monopolista no seio da burocracia estatal. Ela ento se constituiu em representante legtima dos interesses monopolistas. Nesta rede de relacionamentos consegue transmutar, de forma ideolgica, os in-teresses monopolistas em "interesse geral", "interesse do povo" e "interesse na-cional". Logicamente, todos os setores no-hegemnicos da sociedade tambm fazem parte e afirmam suas posies na prpria burocracia estatal, influenciando no processo poltico. nessa dinmica de disputa entre as diversas classes (e mes-mo no seu interior) e atores polticos, que a burocracia assume sua autonomia re-lativa, e, dependendo da correlao de foras que participam do enfrentamento entre tais classes e atores, a autonomia ou poder pode ser maior ou menor.

    Sob esta forma de dominao do Executivo e condensao das foras sociais no aparelho burocrtico, emergem os procedimentos administrativos baseados no sigilo, no segredo profissional, nas obrigaes de discrio profissional. Este comportamento, analisado como disfuno administrativa por uma corrente de tericos ligados administrao pblica, esconde o papel mais importante que de-

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  • sempenha a segredo burocrtico: "a emergncia, como dispositivo dominante do Estado como centro privilegiado de elaborao de decises polticas, da burocra-cia administrativa e governamental que, por sua prpria formao, corporifica por excelncia a distncia entre dirigentes e dirigidos e a estanquizao do poder dian-te de um controle democrtico" (Lefort, 1984:262).

    Essa tendncia conduz, no pensamento de Poulantzas (1975:268-9), a uma s-rie de evolues que provocam considerveis modificaes no processo da demo-cracia representativa, originando um estatismo autoritrio. Este estatismo autoritrio, cuja figura mtica a personalizao do poder em um presidente da Repblica, coloca os cidados contra a administrao, j que o canal de participa-o propiciado pelos partidos j no mais funciona, j que tambm os partidos es-to presos mesma lgica de dominao: ou se submetem administrao ou devem renunciar a todo acesso a ela.

    Procuramos, ao longo dessa anlise, caracterizar os principais marcos tericos que procuraram explicar a dinmica da burocracia e de sua participao nos diver-sos processos de dominao que ocorreram durante o surgimento e desenvolvi-mento do Estado moderno. Verificamos que, a partir de um entendimento do carter histrico do Estado, tambm a burocracia reveste-se desta mesma caracte-rstica: no existe assim "uma burocracia" com traos bem delimitados, mas sim burocracias com traos e caractersticas que variam de acordo com o grau de de-senvolvimento e as necessidades do Estado do qual participam e servem.

    A maior questo terica foi a caracterizao da burocracia a partir do enten-dimento dela constituir ou no uma classe. Essa preocupao dominou a discusso at o final dos anos 80. Com o desaparecimento da Unio Sovitica e das grandes mudanas polticas, tecnolgicas e sociais que se impuseram para o final de scu-lo, gerou-se um vazio na discusso terica. Neste cenrio de mudanas e de inde-finies, onde os caminhos, funes e determinaes polticas para o Estado ainda se acham em construo, parece-nos pouco relevante realimentar a discusso so-bre o carter de classe da burocracia.

    Interessa-nos mais apontar para o papel contraditrio desempenhado por ela: ao mesmo tempo em que est ligada ao Estado e ao processo de dominao, sendo parte do processo de dominao capitalista, adota procedimentos, formas e mto-dos bastante diversos quele tipo de dominao. E se aceitarmos que uma das fon-tes de legitimao do poder do Estado continuar a ser voto popular secreto, e a forma de sua concretizao a democracia representativa, poderemos vislumbrar, na segunda assertiva da contradio citada, uma funo primordial para a burocra-cia: na sua racionalidade, imparcialidade, hierarquia, ela propiciaria o ideal da ge-neralidade e da abstrao desse Estado, sendo a contraface dessa funo a garantia dos processos polticos e sociais voltados para a manuteno e desenvolvimento da cidadania ocidental.

    Tendo a burocracia este carter histrico, variando sua lgica de atuao de acordo com o desenvolvimento do Estado, com o modo de produo adotado e em um mesmo modo de produo, dentro de seus diversos estgios, procuraremos, na

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  • prxima seo, contribuir para tal debate, retratando a burocracia brasileira: sua formao, desenvolvimento, lgica de atuao e perspectivas futuras.

    2. O caso brasileiro

    Evoluo

    No Brasil, o desenvolvimento da burocracia se d segundo uma dinmica que no foge muito das construes tericas que trataram do assunto em outros pases, porm algumas peculiaridades se fazem notar. O papel do Estado e dos seus qua-dros administrativos sofre uma grande transformao, assumindo real significado e carter de ator poltico a partir dos anos 30. At aquele perodo, o pas era con-duzido por uma restrita elite que detinha o poder poltico - ento privilgio da-queles que detinham o poder econmico -, apoiada, basicamente, na cultura e comrcio do caf. Apesar de o governo ser definido atravs de eleies, as mes-mas no podiam ser consideradas exatamente como eleies livres. Prevalecia o chamado voto de cabresto, onde a opo do eleitor era ditada pela preferncia do patro, seu empregador ou dono da terra. Alm do direito de voto ser restrito, no sendo, portanto, de todos, as apuraes tambm no eram confiveis e, assim, confundiam-se os interesses particulares da elite agrria com os do Estado. O que significava dizer que o Estado era, ento, propriedade de alguns poucos e que a noo de pblico no tinha qualquer significado para a maior parte da populao. Da mesma forma, o pessoal que compunha os quadros de funcionrios pblicos, os burocratas, sendo escolhido segundo critrios e interesses restritos, no alcan-ava um perfeito entendimento da separao entre as dimenses de pblico e pri-vado, adotando como lgica de ao servir queles senhores que lhe haviam propiciado a condio de funcionrio do Estado.

    Portanto, se no havia pblico, no havia separao entre pblico e privado, no havia cidado, mas servidor de algum patro. Assim, o conceito de nao per-manecia bastante limitado e, na realidade, confundido com o Estado territorial. Como conseqncia, tambm era limitada a idia de direito, cidadania e interesse comum. Na prtica, o que havia eram alguns poucos senhores e seus prprios in-teresses comuns, as terras destes mesmos senhores e seus empregados. A dimen-so "povo" no tinha muito significado, o mesmo ocorrendo com relao s suas aspiraes e necessidades, no sendo, portanto, preciso um aparelho de Estado que atendesse s suas demandas. O que havia era um Estado bastante restrito, ca-bendo aos oligarcas o suprimento da maior parte das necessidades da populao, como tambm o seu controle.

    Sendo as eleies simblicas, o que valia realmente eram os acordos realiza-dos pela elite agrria. Dominavam o cenrio poltico, principalmente, os estados de Minas Gerais e So Paulo, cabendo aos dois alternarem-se na ocupao da pre-sidncia da Repblica a cada perodo de governo, caracterizando um sistema que

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  • era federativo apenas no nome e caf com leite na prtica. Utilizando os conceitos de Weber (1991) sobre dominao, o que existia no pas era uma sociedade estru-turada atravs de um sistema de dominao patrimonialista com um reduzido apa-relho burocrtico, de maneira geral escolhido de dentro das relaes de parentesco ou amizade dos herdeiros do poder. Mesmo aps o perodo do Imprio, permane-cia atravessada na lgica de ao do Estado a cultura clientelista de se relacionar, favorecendo os chamados amigos do rei.

    Do restrito quadro de funcionrios, apenas os militares, responsveis pela ins-talao da prpria Repblica, destoavam, ao menos em parte, deste esquema po-ltico que determinava o funcionamento do Estado, sendo eles tambm os promotores dos movimentos que se iniciaram a partir dos primeiros anos da dca-da de 20 e que culminaram com a profunda transformao do Estado deflagrada com a Revoluo de 30. Assim, aps dcadas de controle hegemnico, a oligar-quia agroexportadora, fracionada e debilitada pela reduo do seu poder econmi-co, conseqncia da crise que atingia o mundo capitalista, defenestrada de grande parte do seu poder poltico.

    Com o fim da Repblica Velha, instaurava-se um novo tipo de Estado que pa-rece se aproximar da idia de Re~ publica, agora no sentido de coisa pblica. Este Estado, singularizado pela autonomia que desenvolve a partir da mediao das questes de interesse das fraes dominantes que j no possuem hegemonia, co-loca-se acima do conjunto da sociedade e encontra sua fonte de legitimidade nas massas populares urbanas. O Estado que, anteriormente, era mediado na sua rela-o com a populao atravs do patro, agora se apresenta diretamente ao povo, construindo e promovendo uma democracia das massas e um conjunto de profun-das mudanas estruturais (Draibe, 1985:21-2).

    No conjunto das transformaes que ocorrem a partir da Revoluo de 30, tem incio a construo da nao, da igualdade e dos direitos do cidado, do inte-resse comum, do aparelho social e das polticas dirigidas ao interesse do trabalha-dor urbano e da indstria. O Estado que se transformava, utilizando novamente os conceitos de Weber, mostrava traos de um sistema racional-legal com aparato burocrtico. Seguia-se sua implantao a montagem de aparelhos para a elabo-rao e implementao de polticas, a criao de carreiras tcnicas e a classifica-o de cargos para o exerccio das atividades do servio pblico. Porm, a velha oligarquia agrria, mesmo enfraquecida e sem consenso, ainda se mostrava pre-sente como importante ator poltico e principal fornecedora do apoio poltico e dos recursos materiais necessrios reestruturao do Estado. Assim, permane-ciam, ainda, as relaes cliente listas como trao importante do sistema poltico que vinha sendo implementado pelos novos governantes dentro do novo Estado (Gouva, 1994:79-80). Dessa forma, reproduzia-se a relao de clientelas que permanecia atravessada na cultura poltica do Estado e da nao que se formava.

    O novo Estado assumia, ainda, o papel de promotor do processo de indus-trializao do pas, conduzindo um projeto de desenvolvimento que deveria per-mitir sua reinsero no ambiente externo em outras bases. Promovia-se o

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  • caminho da transformao do Brasil agroexportador em Brasil potncia indus-trial. Com isso, desenvolveu-se dentro do Estado, apoiado nos interesses da na-o, a montagem de um aparato tcnico centralizado para regulao econmica e ao direta na produo, determinando a formao de uma burocracia deten-tora de um conhecimento tcnico e especializado dirigido para a realizao do projeto industrializante.

    O custo poltico para a aceitao, por parte das elites, da hegemonia de idias que colocavam o Estado como organizador da sociedade e construtor da economia nacional no se restringia apenas ao clientelismo, mas inclua uma forma de pacto sociopoltico que lhe garantia poder suficiente para assumir a sua condio auto-ritria (Fiori, 1993:7-8). Dessa maneira, mesmo durante o perodo autoritrio -1937-45 - em que o novo Estado se toma o Estado Novo, como tambm na d-cada de 50, em meio ao grande movimento de expanso e diferenciao da inds-tria promovido pelo Estado atravs do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, ainda vigia uma poltica clientelista que caracterizava o sistema po-ltico democrtico brasileiro (Fiori, 1993:9).

    Segmentaes dentro do Estado

    Com a dinmica desenvolvimentista, formava-se no interior do Estado uma burocracia profissionalizada, com conhecimento tcnico e capacitao para dar seqncia ao projeto industrializante, que ganhou impulso a partir da dcada de 50 at se completar no incio dos anos 80. A expanso do Estado nesse perodo adquire caractersticas singulares, principalmente a partir de 1964, quando se ini-cia mais um perodo de regime autoritrio. Observava-se, ento, um crescimento significativo do setor pblico, que, apenas durante o regime militar, implantou 302 novas empresas estatais. Alm disso, vigorava um sistema jurdico precrio sobre as instituies e relaes sociais emergentes e sobre a estrutura administra-tiva do Estado, que se dividia em administrao direta e indireta, central e descen-tralizada (Martins, 1985:43).

    Da mesma forma que ocoreu com os grupos executivos o perodo Juscelino, desenvolvia-se no Estado uma burocracia paralela que era dirigida para os seg-mentos econmico e produtivo, os quais estavam, em parte, situados na esfera da administrao indireta, onde podiam conduzir a estratgia de governo de expan-so industrial menos sujeitos s presses polticas que recaam sobre a adminis-trao direta.

    Entre as revolues de 30 e de 64, foi conduzida a construo institucional do sistema financeiro nacional e formada uma nova burocracia que ocuparia posio de destaque nos processos de elaborao e execuo das polticas econmicas dos diversos governos do perodo, na conduo das finanas pblicas e na sua reestru-turao institucional, que inclua: o Banco do Brasil; a seo de estudos econmi-cos do Ministrio da Fazenda, criada em 1934; o Departamento de Administrao do Servio Pblico - Dasp, criado em 1937; a Superintendncia da Moeda e do

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  • Crdito - Sumoc, criada em 1945; a Assessoria Econmica da Presidncia da Repblica, criada em 1951; o Banco Nacional de Desenvolvimento - BNDE, criado em 1952; a Superintendncia para o Desenvolvimento do Nordeste - Su-dene, criada em 1959. Entre os principais nomes que surgiam com a nova elite bu-rocrtica e que, apesar de algumas diferenas de pensamento, comeariam a determinar os rumos da economia do pas, figuravam: Eugnio Gudin, Luiz Si-mes Lopes, Octavio Gouva de Bulhes e Celso Furtado, alm de um conjunto de seguidores que, em boa parte, continuariam influindo na poltica econmica mesmo aps 1964 (Gouva, 1994:85-7).

    Ao mesmo tempo, era formado e desenvolvido um outro segmento, o setor produtivo do Estado e sua diferenciada burocracia, para alguns autores o "execu-tivo das empresas pblicas" (Gouva, 1994). A meio caminho da lgica de ao da administrao direta e da lgica empresarial, este conjunto mantinha um certo distanciamento do Estado e uma identidade hbrida de, simultaneamente, promo-tor e ator do processo de desenvolvimento, caracterizando as vinculaes entre os projetos poltico e desenvolvimentista do Estado. Promovia-se o crescimento in-dustrial ao mesmo tempo em que se legitimava, atravs desta ao, a expanso da face empresarial do Estado de desenvolvimento capitalista, condio necessria considerando-se que os recursos para isto eram oriundos de poupana forada da sociedade (Martins, 1985:60).

    Em conseqncia, o setor produtivo estatal se submetia adoo de certos procedimentos fundamentais para a viabilizao do projeto em curso, obtendo maior autonomia e se colocando prximo do modelo de empresa privada capita-lista, o que acabou facilitando sua ao na mediao das relaes entre os capitais nacional e estrangeiro. Assim, a partir do incio da sua formao, com a criao da Companhia Siderrgica Nacional e da VaIe do Rio Doce, ainda no primeiro pe-rodo de governo de Vargas, o aparelho de produo vai se expandir significativa-mente at o final da dcada de 70, sendo um dos maiores destaques a criao da Petrobras, em 1953, bem como a polarizao poltica que se gerou em tomo da questo do petrleo.

    Essa situao de imbricamento entre estatal e empresarial favorecia as or-ganizaes do setor produtivo estatal que, pela condio de rgos do Estado, se capacitavam a receber substanciais aportes de recursos pblicos necessrios ao desempenho das suas atribuies. Por outro lado, a proximidade do setor privado, necessria ao de mediao dos capitais nacional e estrangeiro fun-damentais para conduzir o pas ao estgio de capitalismo industrial, fazia com que as empresas do setor e suas burocracias fossem adquirindo parte da racio-nalidade predominante nas organizaes privadas e entre seus executivos. Se-ria mesmo esta bifacialidade do setor produtivo estatal que lhe permitiria permanecer quase invulnervel " eroso da imagem convencional de parasi-tismo e ineficincia, freqentemente argida a respeito das agncias estatais provedoras de servios, em especial servios pblicos de natureza social" (AI-veal, 1994:43-4).

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  • A burocracia e a questo da reforma de Estado

    Durante meio sculo - de 1930 a 1980 -, tempo em que se promoveu a in-dustrializao do Brasil, o Estado esteve presente como o principal ator do pro-cesso de construo, conseguindo sempre ampliar sua autonomia e participao na economia. Enquanto existiram disponibilidade de recursos e crdito externo, o Estado financiou e sustentou seu projeto poltico, obtendo o apoio das elites em troca da estatizao dos custos privados da industrializao, configurando uma si-tuao onde, cada vez mais, eram reduzidos os espaos para a adoo de uma es-tratgia autnoma por parte do Estado que pudesse dar conta das crises econmicas que foram sendo produzidas ao longo desse perodo. Como observou Fiori (1993: 14), " s coube ao Estado a sada de 'fugir para a frente' ( ... )".

    Com relao sua burocracia e aos anis burocrticos que conectavam a ao estatal aos interesses privados atravs de uma rede de cumplicidades pes-soais, que permitia que parte da burocracia pudesse ser capturada pelo sistema de interesses das empresas privadas, desenvolvia-se umjogo poltico em tomo de in-teresses objetivos - econmicos e de poder -, porm limitados, na medida em que a fragmentao no nvel do bloco no poder deve tambm ser limitada, de for-ma a garantir a sua hegemonia. Desse modo, o grau de liberdade para que os seg-mentos burocrticos pudessem desenvolver projetos polticos autnomos variava em funo da possibilidade de coincidncia destes mesmos projetos com os obje-tivos do Estado desenvolvimentista. Ou seja, os acordos e alianas pessoais eram possveis, desde que dentro dos objetivos pactuados, pelo Estado e os capitais pri-vado e estrangeiro, que caracterizavam o Estado de desenvolvimento capitalista (Cardoso, 1975: 182-3).

    Com a crise financeira internacional do incio da dcada de 80, verificaram-se os primeiros sinais de enfraquecimento do pacto desenvolvimentista, que pou-co antes havia sido retomado vigorosamente pelo governo Geisel, refletindo-se na falncia fiscal do Estado e em perda do apoio do empresariado. Naquele momento ficava, ainda, demonstrada a fragilidade da gigantesca estrutura industrial desen-volvida pelo projeto estatal, a qual, apesar do porte e da diversificao, no pos-sua sustentao financeira nem tecnolgica.

    Por um lado, a debilidade do pacto reduzia mais ainda o poder necessrio por parte do Estado para a promoo de uma poltica de estabilizao, haja vista que a aceitao por parte do empresariado do intervencionismo estatal s ocorria em funo de "uma 'proteo' que teve como efeito, no plano institucional, o que al-guns chamaram de 'cartorializao' e outros de 'privatizao' do Estado e da 'or-dem' ( ... )" (Fiori, 1993:23). Por outro lado, agravava-se mais ainda a situao do pas, que aliava a sua crise financeira a uma crise poltica que, disfarada pelo pro-cesso que se chamou de transio democrtica, transformava o esgotamento do regime autoritrio em ingovernabilidade crnica, dando termo a uma forma de re-gime poltico, porm sem destituir seus atores. Portanto, como no houvera um rompimento do pacto entre Estado e capitais, apenas o seu enfraquecimento, con-

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  • tinuara os mesmos atores ocupando a arena poltica, porm a ideologia do desen-volvimentismo de Estado precisava ceder lugar a um iderio que reduzisse a participao estatal na economia, ou seja, um pensamento mais liberalizante que deveria considerar, inclusive, uma reorganizao da estrutura estatal e, conse-qentemente, uma transformao nos seus segmentos burocrticos.

    Assim, devido incapacidade do perodo Sarney, que sucedeu o ltimo go-verno do ciclo autoritrio de 1964 a 1985, mas ainda no fora eleito pela via direta, no se obteve condies para o desenvolvimento de uma sada poltico-econmica para o pas, sendo postergada para as gestes dos presidentes Collor e Itamar, onde se inicia um processo de reforma nos aparelhos de Estado, incluindo um pro-grama de privatizao, e nos quadros burocrticos, determinando demisses de funcionrios e movimentaes entre integrantes da elite burocrtica.

    Encerrada a gesto Itamar e empossado o atual presidente, Fernando Henri-que Cardoso, prossegue o processo de reestruturao do Estado e aprofundamento das proposies de reduo do intervencionismo estatal. Em linhas gerais, a rees-truturao que vem sendo conduzida pelo governo, sob a orientao do ministro Bresser Pereira, mantm como eixo a defesa da coisa pblica - Res publica -procurando marcar a separao entre pblico e privado, entre Estado e mercado. Como fundamentos, tem-se que tal defesa deve ser conduzida de maneira buro-crtica e democrtica e que a administrao pblica deve evoluir do modo patri-monialista para o burocrtico e, finalmente, para o gerencial.

    Ainda sobre a proposta do governo, este ltimo estgio de evoluo, buro-crtico para gerencial, teria como principais efeitos o estabelecimento de con-troles a posteriori, o aumento da autonomia da administrao e a visualizao do cidado como cliente e no mais como contribuinte. Dessa forma, entre os setores fundamentais do Estad03 os ncleos estratgicos e as atividades funda-mentais seguiriam um tipo de administrao pblica misto burocrtico e geren-ciaI, enquanto os demais setores passariam a adotar uma forma de administrao

    3 Segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, verso 3, de 10 seI. 1995, o Estado estaria dividido em setores fundamentais. da seguinte forma:

    a) ncleos estratgicos - so o setor que edita leis, define as polticas pblicas e cobra o seu cum-primento; so exemplos a presidncia, os ministrios, o Judicirio e o Legislativo;

    b) atividades fundamentais - so o setor em que so prestados servios que s o Estado pode rea-lizar; so os servios em que se exerce o poder extroverso do Estado, o poder de regulamentar, fis-calizar, subsidiar; so exemplos a previdncia social e servio de desemprego e o servio unificado de sade;

    c) servios competitivos - correspodem ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizaes pblicas no-estatais e privadas; as instituies desse setor no possuem o poder de Estado; so exemplos as universidades, hospitais, centros de pesquisa e museus;

    d) produo de bens e servios para o mercado - corresponde rea de atuao das empresas, sendo este setor caracterizado pelas atividades econmicas voltadas para o lucro que ainda perma-necem no aparelho do Estado; so exemplos as estatais do setor de infra-estrutura.

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  • pblica predominantemente gerencial, caracterizando formas de propriedades pblicas no-estatais.

    Mesmo seguindo um ritmo no muito acelerado e enfrentando algumas bar-reiras polticas, a reestruturao do Estado prossegue no seu desenvolvimento. Apesar de ainda estar presente no cenrio poltico a maior parte dos atores do pe-rodo autoritrio, exceto os prprios militares, consegue-se produzir, finalmente, ao menos na aparncia e com algum custo para a classe mdia e para a balana comercial, uma certa estabilidade poltico-econmica. Em paralelo, no conjunto dessas mudanas, transformam-se de maneira diversa e ainda no explicada os segmentos burocrticos, uma vez que a reestruturao do Estado e o redimensio-namento da sua capacidade de influncia no se produzem de maneira homognea em todos os aparelhos, o que dificulta a compreenso da lgica de ao da buro-cracia enquanto ela prpria opera como sujeito e objeto no processo de sua rees-truturao e de reorganizao da sua rea de atuao.

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