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VIRGINIUS DA GAMA E MELO

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VIRGINIUS DA GAMA E MELO

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SÉRIE HISTÓRICACopyrigh 2000 © A União - Superintendência de Imprensa e Editora José Edmilson Rodrigues

Maria de Fátima Coutinho

ESTADO DA PARAÍBA . "

José Targino MaranhãoGovernadorRoberto de Sousa Paulinos/ice-GoocnuidorRoosevelt VitaSecretârio-Chefe da Casa Civil do GovernadorLuiz Augusto Crispim , ,Secretário Extraordinário de Comunicação lnsiitucionalCarlos Alberto Pinto MangueiraSecretário da Educação e CnlturaSecretário Adjunto da EducaçãoFrancisco de Soles CaudêncioFrancisco Pereira da Silva JúniorSub-Secretário de Cultura

VIRGINIUS DA GAMA E MELOA UNIÃO - Superintendência de Imprensa e Editora

SuperintendenteRui Cezar de Vasconcelos LeitãoDiretor AdministrativoRaimundo Paioa Gadelha FilhoDiretor TécnicoNelson Coelho da SilvaDiretor OperacionalFrancisco Pontes da Silva

SÉRIE HISTÓRICA

Coordenação Geral do Projeto:Jornalista Neison Coelho da Silva

Produzido nas oficinas gráficasd 'A UNlAo - Superintendência de lmprensa e Editora

A UNIÃOEditora

Execução:Jornalista ltVilliam Costa

Digitação Eletrônica:Marconi Porto

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AGRADECIMENTOS

Ao Dr Amaury Vasconcelos, pela bibliografia concedida.Ao Professor Pontes da Silva, pelas informações.

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APRESENTAÇÃO

A ndaram muito bem os autores desta Plaquete, quando aointegrá-Ia na SÉRLE HISTÓRICA - NOMES DO SÉCULO, afirmaramque há uma necessidade irresistivel de se reler Virginius daGama e Melo. A Paraiba tem essa divida, por todas as suasgerações. A repercussão de sua obra literária tem sido maisforte, longe de nossas fronteiras. Não obstante essa quaseindiferença conterrânea, há uma unanimidade nacional quan-to ao mérito literário de sua grande obra, como romancista ecritico das nossas letras. Claro, que dessa unanimidade par-ticipamos todos nós, conterrâneos ou não.

Não houve. por essas razões, quem não aplaudisse TEM-

PO DE VINGAl"\lÇA e A VÍTIMA GERAL. Esses romances de Virginiusda Gama e Meio são definitivos, no processo de julgamentode sua obra literária. Seus pendores literários foram além dacriação intelectual. Exercera a Critica Literária com a auto-ridade dos maiores deste País. Nada ficou a dever aos gran-des mestres desse dificil mister

Fui seu contemporâneo no Conselho Estadual de Cultu-ra. Não somente eu, modesto professor, como todos os que alitinham assento, experimentávamos o sentimento da admira-ção mais profunda, quando Virginius da Gama e Meio falavasobre temas literários da Pauta. Nesse período, conheci osoriginais de A VÍTIMA GERAL, exibidos pelo Autor, como umgrande troféu. Chegou a ler partes do Romance. O encanta-mento foi geral.

Outra lembrança forte que guardei do grande Escritor:quando escrevente no Cartório do 10 Oficio de Campina Gran-de, recebi-o várias vezes no acompanhamento de processosciveis e criminais, de que era advogado, quando se iniciou na

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viaa forense. Minha condição de escrevente me obrigava atranscrever iniciais e contestações das várias Ações em trami-tação no Cartório. E nessa época, valia a pena ler petiçõesdos advogados de então. Eram peças primorosas, quanto aoconteúdo e à forma. Virginius da Gama e Melo era disputadonessas leituras, sobretudo por mim, que já havia escolhido oCurso de Direito para a minha vida universitária. Notabilizou-se, também, no Tribunal do Júri em Campina Grande. Grandeorador, capaz de arrebatar grandes vitórias com gestos de re-conhecida eloqüência e argumentos definitivamente convincen-tes. Fui um dos seus privilegiados ouvintes, nesse período de Csua vida, em que buscou se firmar na advocacia, ao lado dosseus tios Manoel, Acácio e Argemiro de Figueiredo.

Natural que a vida intelectual o arrebatasse, mesmo semas seduções dos generosos honorários advocaticios. Teria queser, o que foi: um Escritor. Como tal, foi consagrado, aqui ealhures. E é dessa glória que ainda se alimenta sua Memória.

Os Autores, José Edmilson Rodrigues e Maria de FátimaCoutinho, dentro da angústia do espaço que lhe deram, sou-beram sintetizar uma imensa e profunda obra literária, que,certamente, atingirá seus reais objetivos, qual seja, chamar aatenção das novas gerações paraibanas para a dimensãodo Escritor, que foi Virginius da Gama e MeIo.

Essa Releitura do grande Escritor paraibano, Virginiusda Gama e Melo, será o grande resultado desse volume daSÉRIE I-lISTÓRICA NOMES DO SÉCULO, de que têm sido responsá-veis o Governador José Targino Maranhão e todos quantosfazem o centenário JORNAL A UNIÃO.

EVALDO GONÇALVES

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intelectual de imaginares e de multiplicidade nos créditos queensaiou. Ele, o homem, o boêmio, que tinha sempre, em sua dire-ção, a posição reta de si mesmo, de controle ao analisar denso ecom clareza a sua luz literária, pulverizada no dia-a-dia e na artedo fazer ensaístico, atuando nos momentos de vários estados dacultura e das artes, caminho a que se destinou.

A contemporaneidade na linguagem disciplinada é notada naprosa apurada e na crítica, com maturidade transparente ao longode manipulações sem vícios, porém bem estudada; esse é o seumovimento e o seu instante de originalidade, como forma de ilus-tração ao artista que lhe desembolsa como uma fonte natural.Desenvolvendo critérios e tentativas visíveis na realização racio-nal dos merecidos estudos quando do momento de transmitir nasidéias, nas imagens, nas sugestões relacionadas ao romance; àcrônica, na transmissão do cotidiano em uma linguagem objetiva;à crítica, ao teatro, ao conjunto intelectual por ele desenvolvido ede significado de boa expressão, associado a seu tempo poético eboêmio. É concebível e constante a captação dos atos e das in-corporações fortaleci das de sua época nas visuais imagens conti-das em seus escritos. Menciono no romance TEMPO DE VINGANÇAa história e a desenvoltura, a sutileza da ironia revestida na intimi-dade dos movimentos claros e sem disfarces, enfocando um esta-do de relações humanas conflitantes, dentro de uma atmosferapolítica de realismo da revolução de trinta.

É na versão da história que começa a anunciação manifesta-da dentro de uma narrativa onisciente, como forma de apresenta-ção, ao dar margens aos elementos que vão se mostrando durantea leitura e o discurso claro, com imagens precisas e com capaci-dade moral e intelectual, na astúcia e destreza na técnica literária,numa caracterização imposta com recurso natural. Virginius, de-talhador, evidencia no discurso caracteres de tensão e emoçõesdiversas, numa produção construtiva de Iiteralidade

- "Os estampidos roucos, abafados, ruídos longínquos, orapróximos. Estremecido ao travesseiro, o pano branco, frio; o ca-misolão pendendo nas pernas quando se levantara estremunhado

Pelo quarto, pela sala, nos corredores, os vultos ciciantes dos pa-rentes. Aproximados às janelas, encorajando-se às portas entrea-bertas, por vezes e instantes. Viu-os todos azuis e cinzas alvejan-do-se nos trajes que se douravam um tanto quando passava umbonde - o ruído dos ferros chocados no clarão circulante. Obonde - amplo, poderoso, grande, sonoro, desvendando a rua, asárvores, as pessoas, o mundo".

Os estampidos espaçados, roucos, ora dois, ora três, um ape-nas - intervalo. De longe em longe mais fortes, encadeados. (TEMPO

DE VINGANÇA,p.l )É na continuidade que surge o espaço para o receio, o medo,

a agressão, a ambigüidade ... Do político e da sociologia, na suavisão em TElvlPO DE VINGANÇA,o sentimento de conteúdo socialtem, no desenrolar, o desejo e a contemplação poética e subjeti-vidade na trama. Na comunicação que funciona gratificante estáo investimento do romancista na sua narrativa dialética, tal comose produz:

" En1 breve a luz estaria desvendando a manhã, o diaexpondo as feridas da noite". (P.8)

"Talvez mortos. Feridos. Espancados. As hordas iam e vi-nham caçando nas ruas, depredando, incendiando as casas. Sa-queavam. E sucediam-se os espancamentos, as brutalidades, eviolência pura e simples". (P.8)

Virginius, o homem e sua literatura, a importância contextualde seus trabalhos ensaísticos, o poder de experiência, seu examede tirocínio rápido e determinada apresentação, na desenvolturado espaço literário curto, de tratado sucinto e analítico; essa é aprova da exercitação e do seu ensaiar. Ainda há o contista, oconferencista, o cronista, evoluído num painel de idéias, cujas vo-zes são o emocional-real e a linguagem de toque universal. Ho-mem de letras, dedicado e de grande vocação, colaborador emrevistas e suplementos literários com reconhecido valor.

O escritor Virginius da Gama e Meio, dotado de grande ilus-tração na arte de colocar-se diante do histórico, em "Tempo deVingança", transforma a atmosfera de perseguição e violência,

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em um painel de acontecimentos trágicos, de instantes grosseiros,rudes e de barbárie num romance de cunho político que narra,ficcionando, a luta entre os perrés e os liberais, correligionáriosdos partidos políticos da época, numa elaborada plasticidade dointelectual no escrever.

Virginius, penetrando no tempo da criação, no fazer das for-mulações artístico-teórico-literárias, no romance no ensaio na, ,criação e exercício à crítica, na novela, aí está o narrador impulsi-onando as ações de atos fortes, e de expressões vivas apresen-tando um quadro receptivo, com firmeza literária. A VÍTIMAGE-RAL,seu segundo romance, profundo, denota personagens reais,dando particularidade de conhecimento às pessoas citadas comqualidade e consciência de caráter, individualizando cada perso-nagem. Romance de tema social, de corrupção, de denúncia einteresses no jogo do poder.

Há um momento, em A VÍTIMAGERAL,narrado de maneiralírica, que lembra pura poesia: c c ..• O chefe girou a cadeira para olado de Ramiro. Olhou o trecho do jardim. Não viu as roseirasvibrantes de vermelho, a grama ainda molhada de orvalho comose estivesse salpicada de vidro moído, brilhando, o trecho da ruaem descida ..." (p. 4). Obra póstuma, que valeu-lhe o prêmio deFicção da Fundação Cultural do Distrito Federal (1972).

Noutra parte não menos diferente na sua narrativa, re-mete o discurso de maneira hilária, manifestada no trecho:"... -- Mestre Ramiro quando chegou lá foi logo se aban-cando como se fosse dono da casa. Quem me contou foi Eve-rardo. Botou a mulher de um lado, o marido do outro, e sen-tou-se no meio, defronte da janela para todo mundo ver. Eve-rardo e outros passaram pela calçada, olhando para dentroumas duas vezes, e não se agüentaram. Na terceira vez, grita-ram para dentro -- "Corno safado!" E correram. Mestre Ra-miro ainda saiu para a calçada, de revólver em punho, dizen-do que atirava, não admitia aquelas ofensas à sua comadre,uma senhora respeitável. E o marido se pegou com MestreRamiro -- Se acalme, meu compadre! Se acalme, meu compa-

dre! Isso não é de hoje! Estou acostumado com as calúniasdessa gente! Estava acostumado mesmo. Mas Mestre Ramirocustou a se acomodar, deu trabalho, estava valente.

Mendonça, desta vez, sorriu aberto:-- Cabra bom danado! (Pgs. 61/62).A Paraíba conheceu Virginius da Gama e Melo atuante na

literatura, desempenhando uma linguagem importante e espalhan-do expressões com aspectos e identidades peculiares de escritordenso, forte, de visão humanista e de estética retocada; consultorde cinema, no filme MENINODE ENGENHO,pesquisador e colabora-dor de documentários.

Ficou a imagem do homem/escritor, personagem de bonsmomentos, dos repentes, de fácil trato e considerado "poeta" en-tre os amigos. Vestia-se à sua maneira, sem a menor vaidade naindumentária, segundo algumas pessoas de sua convivência.

O autor Virginius transcende o histórico e mostra claro comoum amanhecer a narratividade de seus romances, de suas históri-as em geral, reconstituindo, através das letras, a concatenaçãonas aberturas e nos desfechos de cada idéia assentada e transfor-mada no viver do cotidiano nas histórias das massas.

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UM AUTO-RETRATO

Virginius em carta enviada ao escritor Gilberto Amado data-da de 18/01/1961, registrava, talvez sem nem perceber, a sua au-tobiografia. Sem pretensões de imortalidade, deixava para a pos-teridade um auto-retrato em que se mostrava por inteiro; sua vidade menino, as ausências mais intimas as influências recebidas' opeso de pertencer a LU11afamília tradicional; uma certa tendênciaà rebeldia. .

"Nasci a 19 de outubro de 1923, João Pessoa, de família tra-dicional. neto de governadores e senadores - Gama e Melo _mas gente empobrecida. Filho único, não cheguei a conhecer mãe- vagas lembranças - perdi-a no primeiro ano de vida. Pai mes-mo, pouco conheci. Era telegrafista e não residia conosco, querdizer aqui em João Pessoa. Fui criado por avô e tias solteironas _tudo isso há de ter concorrido para certa rebeldia ou marginalismoque sempre me acompanhou na vida.

VIRGINIUS E A CRíTICA

"Só há lima coisa importantepara a crítica literária-

é compreender a obra criticada.Não precisa o crítico elogiar nem atacar:

Ao analisar; compreendendo, ele dirá tudo.E o leitor compreenderá também ".

A epígrafe introdutória desse estudo representa o conceitode Virgínius sobre a crítica literária. A neutralidade parece ser osegredo para o sucesso de um grande crítico.

Virginius, o crítico literário, perpassou a obra de escritorescomo José Américo, Gilberto Freyre, Zé Lins, Graciliano, RaulPompéia e vários outros. Em seus ensaios críticos percebe-se essapreocupação em não tomar partido, em entender a obra em suaplenitude, em deixar o leitor livre da influência do crítico.

Muitas vezes, foi mal interpretado por colegas jornalistas, crí-ticos e intelectuais que não compreendiam esse posicionamentode neutralidade, fato que para alguns parecia até descaso com averdadeira arte literária. Entretanto, essa figura ímpar das letrasparaibanas via cada obra em sua época, em seu contexto. Daíafirma que: "cada geografia e cada tempo tem uma versão pró-pria. O importante é saber imaginá-Ias".

Em se tratando da obra A BAGACEIRA, do também paraibanoJosé Américo, Virginius aponta elementos que se contrapõem ao"já dito" dos mais renomados críticos de nosso país em relação àobra citada.

Para o crítico paraibano, A BAGACEIRA não foi um "marco" doromance moderno, vez que nem a forma, nem o estilo, nem a

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caracterização dos personagens trazem o "novo". Segundo Virgi-nus. a obra se transforma em marco por trazer à luz um novoromancista. E categórico, declara: "Tão velho se apresentava oromance ainda hoje considerado "revolucionário", que, em plenareviravolta lingüistica, logo no prefácio, se negava a qualquer so-lecismo por isso, até estilisticamente, um romance clássico.

Como se pode constatar, Virginius é um crítico forte e corajo-so. Toca em figura consagrada e respeitada nas letras e na políti-ca brasileira. Para ele, José Américo foi beneficiado pela benevo-lência de críticos que viam no escritor o político - à época desta-cava-se no cenário nacional - e vice-versa. Faltou à crítica aimparcialidade. Com isso, não se quer diminuir a grandeza da obrae do escritor. O crítico paraibano deixou-nos em seu legado literá-rio, uma reflexão sobre esse "marco" introdutório da prosa mo-dernista brasileira dos anos trinta. Por ser ponto de partida, essanarrativa deveria ser espelho para tantas outras. Entretanto, iso-lou-se, tornou-se única.

Em 21/1O/56, era publicado no JORNALDOCOMÉRCIO,texto como título "A religiosidade de José Lins do Rego, parte de uma sériecrítica que Virgínius publicava sobre a obra do escritor paraibanoem apreço.

Zélins expressava uma religiosidade voltada para o medieva-lismo. O bem e o mal costuram sua obra como um todo. Fruto deuma região resistente às mudanças, a obra exprime a realidadecortante, a visão de mundo de um povo cuja religião se mesclavacom um catolicismo exacerbado e uma cultura frouxa, influênciade outras crenças e do próprio meio.

"O despertar de sua consciência religiosa é o rebatedo pecado. Desse pecado que, vindo do corpo, seria a pró-pria negação da divindade, pelo que haveria de podero-samente vivo e latejante nele. As quedas sucessivas o fa-zem quase gritar homericamente pela vinda, pelo apoio deDeus. Alma que se debate, pungentemente e agoniadamen-te, na lama do pecado, de quem se quer libertar como me-tido num inferno ".

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, ,

Essa visão medievalista é recriada em seus personagens, queembora não professem o "catolicismo" vigente, inconscientemen-te a ele se apegam como tábua de salvação. Lembremos do Cel.José Paulino, duro e austero mas em tudo colocando um "se Deusquiser". Em Carlos de Melo, esse dualismo Bem e Mal angustia edesespera o personagem durante toda sua vida. A velha Sinhazi-nha é a prática viva do mascaramento religioso, não fazendo dis-tinção entre o chicote e o rosário. Tanto rezava quanto judiava dasnegrinhas que a serviam.

Em todas as obras de Zélins, do ciclo da cana-de-açucar àsdemais narrativas, a religiosidade se faz uma constante, emboracomo já dito, de forma utilitária.

Datado de 27111155, o JORNALDOCOMÉRCIO,publica o comen-tário crítico de Virginius sobre a obra de Graciliano Ramos.

"A aridez do espirito, o estilo seco, preciso, cortante,duma parcimônia vocabular torturante, vinha das coisas vis-tas, sentidas e vividas. De memória, se faz toda sua obra.Dificil distinguir onde a realidade transparente se esbate paradar lugar à invenção. Uma força primeira centraliza todo oseu espírito e orienta sua posição diante dos homens e dascoisas - a terra".

Terra e homem em simbiose, um alimentando o outro, um viven-do do outro. Assim é a escritura de Graciliano seca e árida como aterra em que nasceu. Assim, também, são seus personagens, homensrudes e fortes, verdadeiros filhos de uma natureza causticante e inós-pita. Entretanto, percebe-se vez por outra, essa dureza ser quebrada,rachada como o solo nordestino e daí brotar o homem que se escondedos próprios sentimentos, que se envergonha de expressar uma dorque sente e que o humilha. E como a terra ao receber às bênçãos daschuvas, ele se entrega em verdadeira catarse.

Segundo Virginius, a obra de Graciliano é memorialista, lem-branças e reminiscências se entrelaçam entre o real e o ficcional,construindo um urdidura de fios inseparáveis

Dentre os muitos escritores "premiados" com os ensaios críti-cos de Virginius, chamamos atenção para Olavo Bilac, radicalmen-

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te endeusado por uns e execrado por outros. O crítico paraibano,como lhe é peculiar, vê Bilac sem extremismo. Vê - poeta em seutempo, em seu contexto, nem enaltece nem condena.

"Contra Olavo Bilac. parnarsiano, em relação aos movi-mentos entre os quais se intercala, isto é, o romantismo e omodernismo, o que se pode dizer é que tem os defeitos desuas virtudes; ora virtudes de reação como frieza da forma,ora virtudes de construção como apuro da mesma forma.

Há, além disso, de um ponto de vista social, da vida literá-ria mesma, tão confundida com a vida político-social naqueletempo, a fascinante trajetória de sua biografia - homem desalões, viagens anuais à Europa, boêmia excitante em certafase, conferencista nonabilissimo, poeta de imenso prestígiopopular e crítico. Endeusamento em vida e que se continuoupor longo período póstumo, foi sua atmosfera natural, inclusi-ve pela eleição de "príncipe dos poetas brasileiros"

Bilac, se pecado teve, foi defender a Arte pela Arte, idealparnasiano:

"Ora (direis) ouvir estrelas" CertoPerdeste o senso! E eu vos direis, no entanto,Que, para ouvi-Ias, muita vez despertoE abro as janelas, pálido de espanto ..E eu vos direi; "Amai para entedê-laslPois só quem ama pode ter ouvidoCapaz de ouvir e de entender estrelas. "

Bilac, apesar desse subjetivismo-lírico de "ouvir estrelas",versou sobre a sensualidade da mulher dentro dos princípios daestética greco-latina e consequentemente pamasiana. Virginiuschama-o de poeta do "strip-tease".

Mais um gesto ... e, vagarosa,Dos ombros solta, a camisaPelo seu corpo, amorosaE sensualmente, desliza

"Torce, aprimora, alteia, limaA frase; e: enfimJ' "'

No verso de ouro engasta a rima,Como um rubimAssim procedo. Minha penaSegue esta norma,Por te servir, Deusa serena,Serena Forma. "

O ventre que, como a neve,Firme e alvíssimo se arqueiaE apenas em baixo um leveBuço dourado sombreia;"

O)

Virginius finaliza seu ensaio citando Gilberto Amado queafirma sobre Bilac: "A sua poesia reflete todos os aspectos dotemperamento do autor: facilidade, leveza, bom censo, bom gos-to, objetividade descritiva, horizonte circunscrito ao ambiente visual(nada de além, de infinito, de sonho, de pensamento, de alma, depoesia no alte sentido), ainda que haja de se lhe reconhecer finu-ra e sobriedade de tom, e, como fundo, como substância essen-cial dela, nutrindo-a e dando-lhe feição característica a única -, ,uma sensualidade material, violenta e direta, sensualidade sexu-al, frisemos bem".

Entretanto, toda essa exaltação à Arte é quebrada pelos tra-ços românticos, presentes em um de seus mais belos poemas -"Via Láctea", como a romper com o racionalismo e a objetividadeparnasiana.

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Deduz-se, portanto, que a racionalidade parnasiana sobrepu-ja a subjetividade romântica; a razão sobrepõe-se ao coração; vidae obra entrelaçam-se, cruzam-se entremeiam-se, completam-se.formando um tecido único e coeso.

( .. )

estado anímico que envolve os personagens, visão concreta de umarealidade, captada pela sensibilidade do artista (o narrador).

Ao referir-se às obras do segundo ciclo, Virginius ressalta"a predominância da linha reta. indicadora da racionalida-de, da imparcialidade. "

Para ele, do ponto de vista das personagens, os dois gruposem apreço apresentam, traços distintos. Os romancistas do pri-meiro momento, com exceção, de alguns, transmutam-se em seuspersonagens. Já os romancistas .do segundo momento não seauto-projetam nos personagens, fato que, para o crítico, "per-dem, portanto, os novos romancistas do Nordeste, desvincu-lando-se de suas personagens, aquele sentido impressionis-ta, ale ti vo, projecional, que criara a atmosfera romanescado autores de 1930."

Talvez, motivados por um sentimento de escassez, os roman-cistas da geração de 30 tenham abusado de determinadas cores.De José Lins a Graciliano, deste a José América, de América aJorge Amado e Raquel de Queiroz, o cromatismo se faz presenteatravés da ausência do colorido. O uso excessivo do vermelho, dolaranja, do cinza, do sol escaldante, aparece muitas vezes de formamonótona e fria. Lembremos de "Vidas Secas" em que o vazio dacor é preenchido pelo cinza da paisagem ressequida, sem vida. Emobras como A BAGACEIRA,MEUSVERDESANos e DOIDINHo,o usoabusivo do vermelho tem a monotonia do espaço quebrado pelaassociação erótica sugerida através do discurso.

Ao referir-se a presença cromática nas obras da segundafase, Virginius assim se posiciona:

"Nos romancistas da segunda fase diminui largamente ocromatismo. Em Jáder de Carvalho, em Josué Monte llo, emGastão de Holanda. Indicar-se-ia que são romances urba-nos. evidentemente são provocados pelas perspectivas cro-máticas das áreas rurais, como acontecia nos romances daprimeira fase. É exato. Mas convém notar que mesmo numromance político do Recife, em o MOLEQUERICARDO,José Unsdo Rego usou dos recursos cromáticos exaustivamente e as

Em "O romance nordestino de 1928 a 1961". Virginius sepropõe a analisar, interpretar, comparar e relatar a influência dacrítica em relação a obra e escritores nordestinos no transcorrerde quatro décadas.

Para Virginius, os anos 30 correspondem ao início de nossalíngua literária. A língua tão desejada por Mário de Andrade, Ban-deira e tantos outros, modernistas de 22. - Principia-se, então, a"língua brasileira" defendida por Menotti deI Picchia, fruto damiscigenação de raças e de um meio bastante peculiar.

Entretanto, não se quer aqui afirmar que os escritores nor-destinos abominassem ou fugissem à norma de Portugal. Não setrata disso. O fato se dá pela introdução do discurso, local, nodiscurso da narrativa. Fala-se de nordeste através de uma línguaespecífica de uma região e de um determinado povo.

Fala-se de miséria, de seca, de exploração, com a língua por-tuguesa carregada de "brasileira, refletida no temário e naposição desses romancistas voltados para uma atitude críticatanto literária quanto política e social".

Ainda sobre os romances da chamada geração de 30, Virginiuschama a atenção para o "expressionismo" e "impressionismo" comofios entrelaçadores dessas narrativas. Muitos são os exemplos cita-dos pelo crítico em obras como A BAGACElRA,BANGÜÊ,MENlNODEENGENHOSe outros. Entretanto, gostariamos de ressaltar, as cenasque abrem e fecham A BAGACElRA- a chegada cíclica dos retiran-tes. A descrição desses espectros vivos e o grotesco das imagens,transmitem sinestesicamente ao leitor, a visão expressionista do nar-rador. A este, não importa o belo, o estético, o feio O ponto alto está,justamente, no registro dessa expressão, da autenticidade da cena, do

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suas páginas sobre o Mangue e o Canavial são das coisasmais versáteis e coloridas que já tivemos em literatura brasi-leira. Sem dúvida que à modificação movimentação cromáti-ca, mas, acaso as cidades de hoje possuirão menos coloridosque as áreas rurais ou muito mais?

Como conclusão, Virginius ressalta que as fases de 30 e de60 representam momentos específicos do romance nordestino.

"De romances que obedeceram e atenderam às orientaçõesda crítica literária brasileira e também à crítica político-socialdas respectivas épocas, como produtos artísticos, são transfigu-rações de pensamentos críticos. Na primeira fase examinavamcom afetividade a realidade brasileira, através da realidade nor-destina, e acenavam com a língua nacional, desejada há tantotempo, e para a qual eram predestinados histórico, social, cultu-ral e economicamente ...

O segundo momento, surge quando o Nordeste se integra noritmo de desenvolvimento nacional, précapitaliza-se, e sob a influ-ência da nova crítica político-social modifica a sua temática, decerto modo, embora permaneça prisioneiro daquelas fidelidadesde terra, raça, tempo-situação regional.

Diante de estudos tão interessantes, verificamos o quão ur-gente as academias precisam explorar junto a alunos de Letras,de Sociologia, de Direito e das áreas afins, os estudos virginianos.

Quando da morte de Virginius, Ipojuca Pontes, em artigo pu-blicado em O NORTE,13/08/1975, declara:

"A morte de Virginius da Gama e Melo não terá nada dedolorosa se a geração que com ele tudo aprendeu não trairsuas lições de grandeza humana e generosidade. O conheci-mento da alma humana, da própria humanidade, não mata nin-guém. Nem morre. Que eu saiba, somos uma pequena legião. "

VIRGINIUS, OBJETO DA CRíTICA

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Muitos são os olhares que se voltam para Virginius, ensaísta,romancista dramaturgo e critico ...

Segundo a crítica literária Prof'. Elizabeth Marinheiro, a fer-tilidade intelectual deVirginius abrange as mais diversificadas áreasdo conhecimento. No cinema foi consultor, roteirista, pesquisador,diretor. Foi cronista e articulista em diversos periódicos da Paraí-ba. Em toda a ensaística virginiana a Prof Elizabeth chama aatenção para uma invariante: "a verdadeira compreensão da obraanalisada. Nem elogios, nem ataques: a leitura do exegeta valen-do como iluminadas recriações."

Muito embora Virginius tenha atuado em diferentes camposda arte, é como crítico que ali se destaca e se sobrepõe, cabendo-lhe o título de professor de muitos e consagrados críticos da Para-íba, hoje.

Ainda na concepção da referida professora, .'urge, portan-to, o estudo crítico da ficção de Virginius da Gama e Melo. Épreciso que a universidade paraibana ponha Tempo de Vin-gança e A Vítima Geral nos conteúdos programáticos da gra-duação e pós-graduação. E que as salas e cadeiras de leitu-ra passem a incluir textos virginianos no rol de suas pesqui-sas e abordagens A Paraiba não é só Lins do Rego e JoséAmérico. A literatura paraibana será maior com José Vieira,Gonzaga Rodrigues, Severino Ramos, Polibio Alves, AldoLopes, Hildeberto e Virginius da Gama e Me/o, inquestiona-velmente. "

Gilberto Freire, em comentário "acerca de O ALEXANDRINO"Olavo Bilac, assim se refere a Virginius:

I'

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"O brilho literário que vem distinguindo, cada vez mais,esse crítico brasileiro, e que nele não é o brilho da retóricamas o da arte do analista penetrante e lúcido, quer de idéias,quer de estilo, ele próprio, sobre a língua portuguesa."

Já, José Américo ao ser indagado e solicitado por Juarez daGama Batista, a expressar-se sobre Virginius-escritor, assim, po-sicionou-se:

"Sempre considerei Virginius um crítico por excelência.Infelizmente ele cultivou pouco essa aptidão. Detinha todasas qualidades para a análise: argúcia, observação e o con-ceito da critica moderna mais imperativa ... Foi também cro-nista de primeira ordem.

A crônica de Virginius era diferente, não somente peloestilo, múltiplo e atraente, como pela imaginação. -Era umaespécie de novela em que criava personagens que, sendo ima-ginários davam a impressão de ser de sua intimidade. Movi-mentava tudo como se estivesse dentro de uma realidade. "

Paulo Melo em NOTAINTRODUTÓRIAda obra publicada apósa morte de Virginius, O ROMANCENORDESTINO& OUTROSENSAIOS,assim se refere ao grande menestrel, como era cognominadopelos amigos:

"Virginius, enquanto colaborador dos principais Suple-mentos Literários do Nordeste, tornou-se um crítico respeitá-vel e admirado. Era na região uma voz que não só promovia,como definia uma posição critica sobre o que era publicado.Tomava conhecimento da literatura nacional e estrangeiraem todas as suas manifestações e latitudes.. Há no pensa-mento de Virginius uma inquietação com os desafios do sub-desenvolvimento. É neste mundo de conflitos, dramas e so-nhos, presente na obra ficcional e ensaistica, é possível umarelação tanto emocional e política, como humana e sedutora,pois assim era a sua personalidade e assim a sua convivênciacom as pessoas.

VIRGINIUS EA VíTIMA GERAL

"Digo: o mal não está na saída nemna chegada, ele se dispõe para a

gente é no meio da travessia ".GUIMARÃES ROSA

A VÍTIMAGERAL,obra deVirginius premiada em 1972, lembraas obras neo-realistas do Regionalismo de 30 em que a animaliza-ção do homem, a politicagem e a miséria aparecem como práticasdo cotidiano da época.

Logo nas primeiras páginas, o leitor é colocado nas ruas e nodia a dia de uma cidade do interior onde os acordos políticos, osapadrinhamentos e a camuflagem das questões públicas são abor-dadas, retratando o caos político-administrativo reinante na cidade.

Como afínna Guimarães Rosa na epígrafe acima transcrita,"o mal não está na saída nem na chegada ... " é na travessia dotexto que o leitor constata as denúncias, a violência e criação dos"heróis" mitifícados pelo povo. Observe-se no fragmento a seguir,quando o narrador relata a morte de Moacir, heroifícado pelo povo.

- Quer que telefone de novo a Queiroga, Dr. Silveira?- Não, não precisa não. Melhor ficar ouvindo as notíci-

as. E foi o que fizeram ele, Mendonça, Boaventura, Aristar-co, Mamede. Quando o rádio anunciou que a operação iaser iniciada, cada um mandou Hortêncio avisar nas respecti-vas casas que iam demorar. Era mais de meia noite. O café jáfora servido várias vezes. E Dr. Silveira mandou preparar umlanche. Em dormir, ninguém falava. Mendonça, desde que ~

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mais forte, mais nítido, não era mais de hospital que vinha, era doestúdio. E a música triste ouvia-se lenta, logo interrompida pelavoz clara, nítida e forte, que surgiu depois solene e comovida:

- A IU.oIO BORBOREMA cumpre o doloroso dever ..Despertaram todos duma vez. Quase não ouviram o res-

to. Também foi rápido e logo entrou a música fúnebre, inter-rompida de novo para novamente:

- A IU.oIO BORBOREMA cumpre o doloroso dever ...O dia levantava-se de todo na hora em que morria Moa-

cir. As igrejas estavam cheias, o povo rezando por ele. Commais razão, agora. Mendonça sentiu vontade de ter o céupor cima. Saiu para o pátio, no frio da manhã, escapando aolonge o resto da noite, fugindo o escuro na claridade viva enova. Quando se voltou para a casa, viu Dr Silveira junto àporta, do lado de fora, a mão sobre os cabelos louros dafilhinha mais nova, já acordada, destacando-se num fundode céu azul e branco, forte, firme e vivo.

O povo, que já estava rezando, agora enterraria seusmortos. E Mendonça precisava ir para casa, pensar no em-prego dos dinheiros que tinha no cofre, os primeiros, os pri-meiros, depois viriam outros.

A morte de Moacir faz parte da trama política, única forma,talvez, de sufocar o escândalo provocado pelas acusações feitaspor ele à administração municipal.

Dentre as muitas formas de corrupção denunciadas no dis-curso do narrado r, a animalização do eleitor, encurralado no dia daeleição, choca o leitor pela frieza e desumanidade. A descrição dofato, lembra-nos as cenas históricas de centenas de judeus enfilei-rados, sem saber que a morte é o destino que os espera. Emborade forma simbólica, esses nordestinos caminham, também, para amorte de seus direitos, de sua liberdade. Comparados a animaistangidos para o matadouro, nem se apercebem do que lhes estásendo usurpado.

"A pobreza do povo era imensa e eles nada podiam fazerPior que a pobreza do povo, seria a pobreza dele, Mendonça.

conversa morrera, mantinha-se de olhos fechados numa pol-trona larga. Dr. Silveira, silencioso, junto do birâ. Boaventu-ra, já cansado, cochilava. Mamede era quem conservava orádio ligado, ouvindo as notícias. Foram para a mesa do lan-.che e ele ficou ali esperando. Quando voltaram, desalentadoMamede lhes disse:

- Aquilo mesmo. Eles não deram mais nada. Continua aoperação. O locutor diz que a fila de doadores de sanguecomeça no hospital e vai até a Praça da Bandeira. Todo mun-do quer dar sangue para Moacir A operação, até agora nãose sabe como vai.

Duas horas e as noticias eram as mesmas. Três horas, asmesmas. Ainda não haviam terminado. Quatro horas, as mes-mas. Dr. Silveira dormia. Jv!endonça, idem. Boaventura, essenem se falava, roncava agora a sono solto. Mamede continu-ava no rádio. O povo também continuava na frente do hospi-tal, informava o rádio. Aristarco roncava.

A claridade invadindo a sala, foi acordando todos, estre-munhados, às quatro horas e pouco. Havia ainda muita som-bra negra no céu, além, na rua, mas a luz já se punha novapelos espaços vazios. Entrava na sala, acordava Dr. Silveira.Ainda sonolento, viu o dia raiando. Um dia de luz leve, coan-do-se devagar entre as sombras escuras. Mendonça andouum pouco. Boaventura perguntava:

- Alguma coisa?- Até agora, nada. Ainda não terminou a operação.Dr Silve ira consultou o relógio:- Uma operação de quase 5 horas. E esse homem ain-

da vivo.- Ainda. E a operação está quase terminando - conti-

nuou Mendonça - O locutor disse que as igrejas passaram anoite abertas e sempre cheias. Todo mundo rezando paraMoacir se salvar.

- Todo mundo rezando ... - repetia Dr Silvetra.Nessa hora, exatamente, mudou o tom da rádio. Tornou-se

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Havia fome, fome larga, constante, fome de todos, de ve-lhos, de mulheres, de homens, de meninos. Não havia melho-res nem piores. Eram todos iguais. Os de cima, sem nada po-der fazer, a não ser para eles próprios, os de baixo apontan-do as falhas do governo, a inutilidade do governo, mas aca-so subissem, iriam fazer as mesmas coisas, iriam sofrer a mes-ma inutilidade, a mesma incapacidade, a impossibilidade derealizar alguma coisa em beneficio do povo A caridade, asinstituições de caridade haviam tido dois mil anos para resol-ver o problema social. O governo não atingia o cem e da ques-tão primitivamente milenar: a fome. E os homens precisavamviver. O mundo estava cansado de tanto sofrimento. de tantafome. O homem tinha um compromisso com a espécie, um com-promisso com o semelhante.

Não sabia como Dr. Silveira encontrava tanta força desinceridade, tanta veemência, para convencer o povo noscomércios, nas promessas longas, discutindo os problemas dariqueza, da pecuária, da agricultura, do comércio, interes-sando o humilde, o povo faminto, que jamais receberia qual-quer beneficio real, efetivo, dessa força em progresso. E dis-tribuíam máquinas, distribuíam roupas, meios quilos de car-ne ao povo faminto nas épocas de necessidade.

Era pior a caridade compulsória, permanente. humilhan-te. a continuação do domínio da fome: era a compra do voto,da consciência, corno diziam os adversários comprando damesma maneira. Havia os que eram mais baratos, os que vi-nham dos campos, das fazendas próximas. Vinham no dia daeleição. em caminhões preparados com antecedência. Chega-vam e eram postos em cercados, isolados até a hora da vota-ção. Seguiam aos grupos de dez, votavam em grupos de dez.Iam pela rua marcialmente, ajuntados, tangidos pelos caboseleitorais, dois na frente, dois atrás. Fosse a hora que fosse,votavam com fome. Depois de cumprido o "dever cívico" eramencaminhados para os armazéns de longas mesas e bancoscompridos. O caldeirão de feijão, a carne cozida, as sacas de

farinha. as colheres servindo de garfos e facas. E a disputapara serem servidos rápido. Os pratos quase não se lavavam,mergulhados numa lata d 'água imunda. O voto era secreto,mas antes da entrada no curral, curral aberto, à luz do dia,tapado por cercas de varas. o eleitor era revistado. Antes dogrupo de dez sair para a secção eleitoral recebia a chapa. Narua não tinham contato com ninguém, o gado humano escolhi-do a dedo, encaminhado com toda segurança para a defesada "consciência cívica" da "bravura democrática ", que elesproclamavam, com toda ênfase, nos comícios.

A seca, o grande flagclo que assola a região nordestina eespecificamente a Paraíba, é usada pelos políticos como fonte deenriquecimento particular, num total desperdício das verbas públi-cas e em desrespeito ao povo. Assim relata o narrador:

- Sempre [ui contra a localização do açude. Eles fize-ram primeiro por vaidade, para todo mundo ver o açude gran-de, imenso, as obras do DNOCS, para quem passasse pelaestrada. Em segundo soube depois - foi que o dinheiro cor-reu à vontade. Aquelas terras foram indenizadas por um lu-cro fabuloso e as águas da bacia só atingem os terrenos dosamigos dos Caldas. Foi um aproveitamento dos grandes. Essaturma, seu Mendonça, é terrível. Agora uma obra daquelas,francamente, faz pena, não se justifica um sacrificio desse.Devia-se encontrar um jeito para acabar com essa saliniza-ção e salvar o açude. Agora, aquelas beleza d'água, inteira-

. mente inútil, atestando nossa incapacidade. Incapacidade não,desonestidade.

- Um absurdo Dr. Silveira. E o que acontece em Soleda-de. dizem que está acontecendo em toda parte. Esses açudesnão servem para nada. Coisas grandiosas para se ver, massem nenhuma finalidade, sem nenhum resultado prático, semnada que Justifique o gasto de dinheiro que foi feito ali. Éuma coisa mesmo de fazer pena. Esses açudões abandona-dos, água a valer, juntada para quê?

Mendonça mastigava o queijo e a canjica. Já não se in-

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teressava por essa discussão eterna sobre a política das ObrasContra as Secas. Ouvira-a centenas de vezes. Em todo cantoera a mesma coisa. Os açudes enormes, feitos para enrique-cer uns poucos, em época de seca, as estradas que não enri-queciam A ou B, a titulo de auxilio aos jlagelados, explora-dos no que ganhavam e também no barracão.

Como se pode constatar, a tessitura narrativa é entrelaçadapelas mais diversas falcatruas, as quais vão traçando um perfil doambiente político ideológico que predominava à época.

Embora muitos sejam os personagens presentes na obra, opoder, representado por seus líderes mais expressivos, é o perso-nagem principal. Na ânsia e na busca de alcançá-lo, os homens sedigladiam, se amesquinham, se degradam e delatam ... Como con-seqüência, ficam para o povo, VÍTIMAGERALdo sistema, a miséria,a fome, a descrença.

O final da narrativa lembra VIDASSECASde Graciliano. Amiséria é cíclica; o homem encurralado. A morte de Moacir servi-rá apenas para a criação de mais um mito. Esta não terá forçatransformadora capaz de provocar as mudanças necessárias, fi-cando o povo à mercê da própria sorte.

Estarrecido, o leitor fecha o livro com a sensação de vazio ede impotência mas, sobretudo com o sentimento de revolta aotomar consciência da veracidade do texto, se compararmos comos desmandos políticos atuais.

Faz-se necessário ressaltar que o narrador virginiano, nessaobra, é conhecedor e participante da situação. Embora busque aimpessoalidade, percebe-se que ele, narrador, não consegue ficarimparcial diante dos acontecimentos, não permitindo que as dife-rentes vozes sociais que costuram a narrativa se manifestem. Estassão apenas pano de fundo, sujeitos passivos e amarfos. A únicavoz que se escuta é a do poder.

Desta fonna, o espírito denunciador que em princípio se ma-nifesta no narrador é apagado pelo autaritarismo de uma únicavoz. O discurso acusatório do narrador serve apenas como más-cara de uma possível transformação do "status quo".

Ressalte-se, ainda, a atemporalidade e anespacialidade daobra. A cidade interiorana representada no texto de trinta anosatrás é o espelho de tantas outras cidades, em diferentes épocas eatualmente, em nosso país.

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DEIXAS E APANHADOS

vam ao redor do mesmo e se punham a rezar, achando que aquelaseria a última homenagem prestada ao intelectual paraibano .

.Para os amigos que com ele conviveram, Virginius era umacriatura humana inesgotável. Tratava a todos indistintamente, con-vivendo como pessoa pública e política com os mais diferentespartidos.

Como diria José Paulo Paes, Virginius relacionava-se bemcom "gregos e baianos."Virginius da Gama e MeIo, formado em Direito pela Faculda-

de de Ciências Jurídicas de Recife-Pe, iniciou sua vida profissio-nal em Campina Grande. Depois de uma passagem pelo Sertãoparaibano, fixou residência em João Pessoa, tomando-se profes-sor da Universidade Federal da Paraíba.

Crítico literário de forma marcante, romancista e iniciante naarte teatral, escreveu a peça MODELAÇÃO.Entretanto, esta peça,nunca foi encenada.

Admirado por muitos, que faziam literatura neste País, umleitor apaixonado das obras nacionais e intemacionais, como sediz no popular "muito conversado."

Como professor era uma pessoa fraterna, amiga, sempre aju-dando ao máximo, seus alunos.

De hábitos boêmios, fumante fervoroso e bebedor muitasvezes incoerente, incorrigível, era uma pessoa assediada por to-dos em João Pessoa e mantinha relações de amizade em todas asclasses sociais.

Entre suas amizades citamos a de um elemento conhecidopor MOCIDADE,para quem Virginius sempre patrocinava bebidas etira-gostos. A citação se deve ao fato de alguns acreditarem serMOCIDADEum indivíduo genial enquanto outros simplesmente o ti-nham como "doido".

Fato pitoresco sobre Virginius: conta-se que certa vez achava-se o mesmo todo vestido de branco e em total estado de embria-guez no Cassino da Lagoa. Aconselhado por amigos, retirou-se dointerior e, ousando-se, de simplicidade, deitou-se no Jardim, comose estivesse morto, chamando a atenção dos transeuntes que para-

(...)

Em Recife, escrevia no Diário de Pemambuco e ao cair datarde sempre visitava a Faculdade de Direito para encontrar-secom alguns amigos e dirigiam-se ao costumeiro bar "Savoy" parabebericar e tomar (canja) sopa de galinha.

(...)

Segundo alguns familiares, Virginius teve sua data de nasci-mento alterada para que pudesse ser matriculado no curso secun-dário, tão jovem completou, ele, o curso primário.

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À GUISA DE CONCLUSÃO

estado, não só para as academias mas, sobretudo, para o ensi-no médio, propiciando aos adolescentes de nosso estado o co-nhecimento de autores locais.

Talvez, o sangue político, por parte dos familiares paternose matemos, tenha feito de Virginius o escritor, o crítico e o hu-manista que ele foi. As causas sociais incomodavam-lhe tanto,que seus romances parecem peças reais, relatos de amigos evizinhos, os quais nem questionamos. O caráter documental ex-presso pelo narrado r virginiano, conhecedor e testemunha dahistória que relata, contagia o leitor influenciando sobremaneirana recepção da obra.

Como ensaísta, observa-se em Virginius, a preocupação noaprofundamento dos temas, no apuro das idéias, fato que se evi-dencia na erudição discursiva de seus textos. Conciso, meticulo-so, objetivo, qual parnasiano no labor da "arte pela arte", o textovirginiano é fonte segura para estudantes e pesquisadores da áreade humanas.

A rigidez crítica com que analisou diferentes autores de nos-sa literatura reflete o profissional responsável, a competência in-telectual, o conhecimento apurado, o cuidado, o zelo com que pe-netrava no texto alheio.

Homem de formação humanística, jamais se deixou influen-ciar por sentimentos pessoais quando avaliava uma' obra e seuautor. Buscava, sim, a impessoalidade, a justiça e a parcimôniacomo fontes motivadoras de sua crítica.

Desta forma, é pretensão dos autores desse trabalho, pos-sibilitar a (re) leitura das obras virginianas, e consequentemen-te, o surgimento de novos trabalhos sobre este autor; atrairalunos e pesquisadores para o universo temático desse parai-bano tão pouco conhecido e explorado em nossas escolas; tra-zer a obra de Virginius e de tantos outros autores do nosso

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ApÊNDICEPRÊMIOS RECEBIDOS

CRONOLOGIAOUTRAS OBRAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PRÊMIOS RECEBIDOSICONOGRAFIA

196 5 - Prêmios: "Carlos Laet" da Academia Brasileira de Letras e Universidade Federal da Paraíba - O ALEXANDRINO(Olavo Bilac)

1966 - Prêmio "Serviço Nacional do Teatro". A MODELAÇÃO.

1968 - Prêmio de romance "José Lins do Rego" do Instituto Nacional do Livro, sob o título A TRANSFORMAÇÃOeassinado com o pseudônimo ACAPULCO.Tempo de vingança.

1972 - Prêmio "Ficção da Fundação Cultural do DistritoFederal", com o pseudônimo NlLOGOGUE.A VÍTIMAGERAL.

1975 - Prêmio "Manoel Antônio de Almeida" da Secreta-ria de Educação e Cultura da Guanabara, sob o títuloA VOTAÇÃOcom o pseudônimo ROCHAVAZNUMANCIA.A VÍTIMAGERAL.

S.d. - "Prêmio Academia Paulista de Letras" - A CAMPM1IA.- "Prêmio Paulo Setúbal" do Conselho Estadual de SãoPaulo. Campus Épico e Lírico do Cavaleiro de Tatuí.- Finalista do "Prêmio Walmap. Objetos Impuros.- Prêmio de "Ficção Governo do Distrito Federal, com opseudônimo OLIVEIRA DE PASCOAIS. Terrarias Eternais.

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OUTRAS OBRASCRONOLOGIA BIBLIOGRÁFICA

1962 - Antagonismo e Paisagem - José Lins do RegoJoão Pessoa: A Imprensa, 1962 - Série "Plaquetes".

S.d.- A Campanha (Inédito). Estava sendo preparado para sereditado pela UFPB.

1964 - Caxias - João Pessoa: Imprensa Oficial. 1962 - Introdução: Antagonismos e Paisagens. In: REGO, JoséLins do. Pureza. 78 ed. Rio de Janeiro: José Olympio.

1965 - O ALEXANDRINO(Olavo Bilac). João Pessoa: Im-prensa Universitária, UFPB, 1965.- Atualidade de Epitácio. Campina Grande; Faculdadede Ciências Econômicas (Mimeografado).

1966 - Prefácio Contos de Tiziu. In: FARIA, Nelson. Tiziu. 2a

ed. Rio de Janeiro: José Olympio.

1966 - A Modelação, Rio de Janeiro: Campanha Nacio-nal de Teatro, MMC.

S.d. - Apresentação. In: ALMEIDA, José Américo de.Discursos do seu Tempo. 3" ed. João Pessoas: INTERPLAN- Editorial.

1968 - Os Seres. João Pessoa; UFPB. (Mimeografado) 1973 - Introdução. In: SÁTYRO, Emani. O Quadro Negro. Riode Janeiro: José Olympio.- Campus Épico e Lírico do Cavaleiro de Tatuí.- Objetos Impuros. (Inédito)- A paisagem em José Lins do Rego- TERRARIASETERNAIS(INÉDITO)COMO PSEUDÔNIMOOLI-VEIRA DE PASCOAIS

1970 - Tempo de Vingança. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira.

1975 - A Vitima Geral. Rio de Janeiro: José Olímpio,Brasília INL, MEC.

1980 - O Romance nordestino e Outros ensaios. João Pessoa:Ed. Universitária, UFPB.- Estudos Críticos I; Zé Américo - Freyre - Zé Lins- Graciliano. João Pessoa: Ed. Universitária.- Estudos Críticos lI; Cony - Pompéia - Figueiredo- Proença - Zé Conde - Moacir C. Lopes- Montello. João Pessoa: Ed. Universitária, UFPB.

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" ..,Aniversário de Virginius da Gama e Meio 1973. José América presenteia-lhe ovinho de cem anos

Virginius da Gama e Meio e Raimundo Asfora

Aniversário de Virginius da Gama e Meio 1973. José América de Almeida eCarlos Augusto de Carvalho na residência do romancista de A BAGACEIRA Virginius da Gama e Meio e Wills Leal

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Fundaçâo<Casa de José ArnérieoJOÃO PESSOA·PB

1991Virginius da Gama e Meio

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NOTA SOBRE OS AUTORES

José Edmilson Rodrigues, advogado, poeta e ensaísta, co-autor do livro Memorial Urbano de Campina Grande. João Pes-soa: A União Editora, 1996. Paraíba - Nomes do Século. SérieHistórica. N°ll. Raymúndo Asfora, Fragmento da Fala e Resso-nância Histórica. João Pessoa: A União Editora, 2000. Cançõesde Amor e a Poética das Possibilidades, em Ronaldo Cunha Lima.Campina Grande: Editora Cultura Nordestina, 2000.

Maria de Fátima Coutinho de Sousa, professora de lín-gua Portuguesa, mestra em Ciências da Sociedade, prof", de Lite-ratura Brasileira, membro do Conselho Editorial da Revista es-criptum, (1999), membro do Conselho Editorial do Curso de Le-tras. UEPB, Jornal Escriptus (1994), Revisora das Cartilhas doNAPEP (Núcleo de Pesquisa em Educação Popular (1992/1993)