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 Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 7, n. 1 – pp. 49-66, 2012 ¹ Mestranda em E ducação pela Universidade Federal de L avras(UFLA). [email protected] ² Professora de Eduação na Universidade Federal de Lavras (UFLA). [email protected] Formação de professores na área de Educação Ambien tal: uma análise dos anais da ANPEd (2009-2011)  Júlia de Moura Martins Gui marães ¹  Jacqueline Magalhães Alv es ² Resumo:  O presente trabalho buscou levantar como a formação de professores em Educação Ambiental (EA) tem sido abordada nas últimas reuniões da  Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), de modo a tecer um diálogo desde o horizonte interpretativo da hermenêutica filosófica. Procedeu-se à leitura de todos os resumos publicados pelo Grupo de Trabalho 22 nos encontros nacionais da  ANPEd em 2009, 2010 e 2011, a partir dos quais foram selecionados sete textos completos. Empregou-se o método de análise de conteúdo, por meio do qual foram identificadas as seguintes categorias: Críticas ao reducionismo da EA; EA crítica como possibilidade de superação da EA  vigente; Experiências de EA mediadas pela pesquisa-ação; e Desafios na operacionalização da legislação que institui a EA. Concluiu-se que essas temáticas refletem o quanto os pesquisadores que se ocupam da formação docente em EA estão preocupados em denunciar a situação atual do educador ambiental. Palavras-chave:  Formação docente. Hermenêutica. Educação Ambiental Crítica. Teacher education in the field of Environmental Education: an analysis of ANPEd proceedings (2009-2011)  Abstract:  This study aimed to survey how teacher education in Environmental Education (EE) has been addressed in the last meetings of the National  Association of Graduate Studies and Research in Education (ANPEd), in order to weave a dialogue based on the interpretive horizon of philosophical hermeneutics. All abstracts published by Work Group 22 at  ANPEd national meetings in 2009, 2010 and 2011 were read and then

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  • Pesquisa em Educao Ambiental, vol. 7, n. 1 pp. 49-66, 2012

    Mestranda em Educao pela Universidade Federal de Lavras(UFLA). [email protected] Professora de Eduao na Universidade Federal de Lavras (UFLA). [email protected]

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    Formao de professores na rea de Educao Ambiental: uma anlise dos anais da ANPEd

    (2009-2011)

    Jlia de Moura Martins Guimares Jacqueline Magalhes Alves

    Resumo: O presente trabalho buscou levantar como a formao de professores em Educao Ambiental (EA) tem sido abordada nas ltimas reunies da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), de modo a tecer um dilogo desde o horizonte interpretativo da hermenutica filosfica. Procedeu-se leitura de todos os resumos publicados pelo Grupo de Trabalho 22 nos encontros nacionais da ANPEd em 2009, 2010 e 2011, a partir dos quais foram selecionados sete textos completos. Empregou-se o mtodo de anlise de contedo, por meio do qual foram identificadas as seguintes categorias: Crticas ao reducionismo da EA; EA crtica como possibilidade de superao da EA vigente; Experincias de EA mediadas pela pesquisa-ao; e Desafios na operacionalizao da legislao que institui a EA. Concluiu-se que essas temticas refletem o quanto os pesquisadores que se ocupam da formao docente em EA esto preocupados em denunciar a situao atual do educador ambiental.

    Palavras-chave: Formao docente. Hermenutica. Educao Ambiental Crtica.

    Teacher education in the field of Environmental Education: an analysis of ANPEd proceedings (2009-2011)

    Abstract: This study aimed to survey how teacher education in Environmental Education (EE) has been addressed in the last meetings of the National Association of Graduate Studies and Research in Education (ANPEd), in order to weave a dialogue based on the interpretive horizon of philosophical hermeneutics. All abstracts published by Work Group 22 at ANPEd national meetings in 2009, 2010 and 2011 were read and then

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    seven full texts were selected. Using the content analysis method, we identified the following categories: Criticism of EE reductionism; Critical EE as a possibility of overcoming the current EE; EE experiences mediated by action research; and Operational challenges in the legislation that establishes EE. It was concluded that these themes reflect the extent to which researchers that work with teacher education in EE are concerned about denouncing the current situation of environmental educators.

    Keywords: Teacher education. Hermeneutics. Critical Environmental Education.

    Introduo

    Desde 1999, quando a Lei n 9.795, que institui a Poltica Nacional de

    Educao Ambiental, foi decretada no Brasil, a Educao Ambiental (EA) tem ganhado mais visibilidade, passando a ser amplamente discutida nos espaos formais e no formais de educao do Pas. Isso passa a ficar mais evidente a partir de 2001, com a realizao do I Encontro de Pesquisa em Educao Ambiental (EPEA), seguido do surgimento da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS) no ano seguinte e da criao, em 2003, de um grupo de estudos sobre o tema Educao Ambiental na Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd). Esse grupo de estudos vigorou durante dois anos e, a partir de 2005, obteve o status de grupo de trabalho, tambm conhecido como GT 22 (CARVALHO; FARIAS, 2010).

    A Poltica Nacional de Educao Ambiental (PNEA) foi criada para desenvolver e orientar aes no mbito da EA envolvendo instituies que atuam na educao formal, como as escolas pblicas e privadas e os espaos de educao no formal, englobando os meios de comunicao de massa, organizaes no governamentais e empresas. Entre as linhas de atuao, ressalta a necessidade de preparar e formar pessoas que possam viabilizar as aes previstas, apontando a incorporao da dimenso ambiental na formao, especializao e atualizao dos educadores de todos os nveis e modalidades de ensino (BRASIL, 1999, p. 2) como ferramenta fundamental na efetivao prtica da Educao Ambiental. Portanto, a incluso de contedos ambientais na formao de educadores, alm da relevncia por sua dimenso tica e cidad, possui, atravs da PNEA, legitimao jurdica, configurando-se como uma temtica de estudo e pesquisa de extrema importncia.

    O reconhecimento da relevncia desse assunto tem sido ressaltado por pesquisadores da rea. Carvalho e Farias (2010), em levantamento sobre o que tem sido produzido em EA na ltima dcada, apontam a categoria EA na

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    formao de professores/educadores como expressiva, j que figurou entre as cinco temticas mais discutidas entre 2001 e 2009, considerando-se os trabalhos apresentados nos encontros da ANPEd e ANPPAS e nos EPEAs ao longo do referido perodo.

    Tendo em conta essas consideraes, o objetivo do presente artigo consiste em fazer um levantamento de como a temtica da formao de professores/educadores em EA tem sido abordada pelos trabalhos publicados no GT 22 das reunies nacionais da ANPEd no ltimo trinio (2009-2011). Witter (2005) destaca a importncia de trabalhos que analisam a produo cientfica de uma rea especfica como os de reviso de literatura por contriburem para o desenvolvimento da cincia, uma vez que permitem a

    avaliao dos saberes produzidos em determinado campo do conhecimento, apontando a quantidade e a qualidade do que tem sido produzido de relevante, bem como os problemas e lacunas.

    A escolha pelas publicaes da ANPEd deve-se ao reconhecimento que essa organizao possui no Pas. Segundo Carvalho e Farias (2010, p. 1):

    A ANPEd a associao cientfica mais antiga e prestigiada em Educao no Brasil e desde 1976 congrega associados em mbito nacional. Seu objetivo a consolidao do ensino de ps-graduao e da pesquisa educacional no pas. Atualmente, as Reunies da ANPEd so consideradas pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) eventos Qualis Internacional A na rea de Educao. Ao longo dos anos, esta associao tem se projetado como um importante frum de debates das questes cientficas e polticas da rea, tornando-se referncia para acompanhamento da produo brasileira no campo educacional.

    A fim de estabelecer um dilogo com os resultados dos trabalhos levantados no presente estudo, nos reportaremos Educao Ambiental Hermenutica (CARVALHO; GRN, 2005), abordagem que se situa no campo terico da hermenutica filosfica. Tal perspectiva concebe o meio ambiente enquanto campo complexo das relaes entre natureza e sociedade (CARVALHO; GRN, 2005, p. 4) e explicita a necessidade de construirmos uma relao ecolgica entre seres humanos e Natureza. Essa relao pressupe no estarmos fora da Natureza, como afirmava Descartes, nem totalmente imersos nela, conforme postulam algumas leituras da Ecologia Profunda. Em outras palavras, a hermenutica implica uma relao de encontro e participao entre a natureza e ns, seres humanos, a partir da qual ambos nos constitumos e somos transformados (GRN, 1996).

    A perspectiva hermenutica enxerga o ambiente atravs de uma via compreensiva/interpretativa, que leva em conta a historicidade das questes ambientais e a produo dos sentidos nelas imbricados em lugar de concepes

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    explicativas, reducionistas e objetificadoras da natureza (CARVALHO; GRN, 2005). Nessa abordagem, figura uma educao ambiental compreensiva desde a dimenso do engajamento como pertencimento ao mundo, em contraponto externalidade que configura o mundo como objeto de um sujeito fora dele (CARVALHO; GRN; AVANZI, 2009, p. 2).

    Trata-se de um referencial terico de posicionamento crtico visualizado na oposio que estabelece ciso humano-ambiente, herana da tica antropocntrica instaurada com a modernidade. Essa viso centrada no homem presumia que a libertao da humanidade se daria com o advento da cincia moderna fundamentada pelas filosofias de Galileu, Bacon e Descartes , paradigma que pressupunha que o ser humano s poderia ser livre se conhecesse a realidade, e, para obter esse conhecimento, seria necessrio distanciar-se dela. a partir de ento que o homem passa a se enxergar como indivduo independente em relao ao meio e autossuficiente, modo de ser que se sustenta em atitudes de dominao e objetificao da natureza (GRN, 1996).

    Considerando que a atribuio principal do educador ambiental reside na mediao da relao entre sujeito e ambiente, sendo este designado como seu meio social e natural (MATOS, 2009), defendemos a necessidade de se problematizar cada vez mais a formao de professores/educadores no mbito da EA. Essa problematizao deve englobar diferentes nveis, como o mapeamento de polticas e prticas de EA que tm sido desenvolvidas, o investimento que tem sido feito em programas de formao inicial e continuada e a investigao de quais os referenciais que subsidiam esses variados contextos formativos.

    Procedimentos metodolgicos

    A elaborao deste artigo partiu da leitura dos resumos de todos os

    trabalhos do GT 22 publicados nos anais eletrnicos das Reunies Nacionais da ANPEd dos anos de 2009, 2010 e 2011. Em seguida, fizemos a seleo dos artigos cujos resumos mencionavam a formao de professores/educadores na rea de Educao Ambiental. Seguindo esse critrio, foram analisados, ao todo, 44 resumos: dos cinco trabalhos publicados em 2009 nenhum foi selecionado, dos 21 trabalhos publicados em 2010 quatro foram escolhidos e dos 18 trabalhos publicados em 2011 trs se enquadraram na temtica em foco. Desse modo, foram selecionados sete artigos para um estudo mais detalhado.

    A explorao dos artigos escolhidos foi realizada empregando-se o mtodo de anlise de contedo. Procedeu-se a uma leitura cuidadosa do material selecionado, de modo que os elementos semelhantes entre si pudessem ser organizados em categorias. A anlise por categorias foi dividida em trs fases: 1) pr-anlise, 2) explorao do material ou codificao e, por fim, 3) tratamento,

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    inferncia e interpretao dos resultados (BARDIN, 2004).

    A execuo desse processo permitiu a sistematizao de quatro categorias: Crticas ao reducionismo da EA, EA Crtica como possibilidade de superao da EA vigente, Experincias de EA mediadas pela pesquisa-ao e Desafios na operacionalizao da legislao que institui a EA. A organizao em categorias permitiu a visualizao de como a temtica formao de professores/educadores em EA tem sido desenvolvida pelos pesquisadores, ou seja, quais so as principais preocupaes destacadas pelos autores que tm estudado o assunto nos ltimos anos.

    Resultados e discusso Com base nas categorias identificadas, observou-se que a temtica Crticas ao

    reducionismo da EA ressaltada em cinco trabalhos (71,4%), EA Crtica como possibilidade de superao da EA vigente o foco de quatro trabalhos (57,1%), Experincias de EA mediadas pela pesquisa-ao podem ser identificadas em dois trabalhos (28,6%) e trs foram os trabalhos que realaram a questo dos Desafios na operacionalizao da legislao que institui a EA (42,8%). A seguir, cada categoria ser apresentada e discutida de forma detalhada.

    Crticas ao reducionismo da EA Nessa categoria, observaram-se discusses sobre a prevalncia de uma

    Educao Ambiental ingnua e fragmentada nos diversos nveis de ensino e tentativas de tecer crticas ao reducionismo da EA, observando-se as relaes que esse referencial de EA possui com o sistema capitalista, a mercantilizao da educao e o paradigma cientificista que ainda orienta a sociedade na contemporaneidade. Na verdade, muito do que se tem feito com o nome de Educao Ambiental sequer pode ser considerado como tal, visto que:

    A Educao Ambiental surge no Brasil e no mundo Ocidental de modo geral a partir da constatao de que a educao deveria ser capaz de reorientar as premissas do agir humano em sua relao com o meio ambiente. Muitas especulaes tm sido feitas no sentido de definir o que educao ambiental e quais so seus objetivos. A julgar por alguns dos ltimos Congressos a tnica parece ser mesmo a diversidade de enfoques. Isso muito bom para um campo de estudos que j esteve beira de ser transformado em uma disciplina de educao ambiental. Se aprovada, essa proposta monodisciplinar e reducionista

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    traria srios prejuzos para o desenvolvimento da educao ambiental. (GRN, 2003, p. 1).

    Porm, mesmo com a orientao de que no se deve reduzir a EA ao ensino de prticas sustentveis isoladas e descontextualizadas do agir humano como um todo, os textos investigados mostram que tal orientao tem sido ignorada em muitas situaes.

    Aquino (2010) discute a predominncia de uma viso fragmentada e descontextualizada dos saberes no mbito da educao formal, atribuindo essa questo organizao disciplinar dos currculos dos cursos de formao de professores. A autora tambm enfatiza que somente uma formao docente de qualidade pode oferecer condies para que o professor construa uma leitura crtica do mundo, de modo que, se quisermos que o professor promova situaes em que o aluno estruture suas ideias, analise seus prprios processos de pensamento, resolva problemas, necessrio que o professor, em sua trajetria de formao, tambm tenha vivenciado estas experincias (AQUINO, 2010, p. 8).

    Assim, apesar de haver uma preocupao dos educadores no que diz respeito contemplao da EA no ensino, as questes ambientais nos currculos das escolas no so tratadas de forma transversal e integrada, prevalecendo prticas pontuais e fragmentadas. Diante desse panorama, Aquino (2010) evidencia a importncia de que uma EA, em seu sentido estrito, seja incorporada na formao de professores como requisito para a efetivao das questes ambientais no currculo escolar.

    Segundo Figueiredo e Silva (2010), apesar de muito se discutir a respeito dos avanos na formao docente, esta ainda apresenta caractersticas reprodutivistas e tecnicistas, o conhecimento centrado na figura do professor em uma situao de dominao e submisso, a formao voltada para as demandas do mercado e a fragmentao dos contedos. corriqueiro notar que, quando presente na formao acadmica, a dimenso socioambiental veiculada por meio de propostas e aes descontextualizadas, embasadas por uma lgica cartesiana e mecanicista, pautada pela desvinculao entre as questes ambientais e as relaes humanas.

    De maneira semelhante, Rodrigues e Guimares (2010) reconhecem que a maioria das prticas de EA sustentada por uma perspectiva conservadora, que confunde a Educao Ambiental com ensino de ecologia ou com a descrio dos problemas ambientais; apesar de professores com boas intenes, no h aprofundamento da reflexo em consonncia com as prticas [...] (GUIMARES, 2005 apud RODRIGUES; GUIMARES, 2010, p. 7).

    Silva (2010), ao discutir a formao do educador ambiental oferecida em cursos de ps-graduao lato sensu em EA, questiona a qualidade de tais cursos, uma vez que no h uma lei que obrigue uma avaliao formal de especializaes

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    lato sensu basta que a instituio de ensino superior que as oferea tenha autorizao para funcionar. Nesse sentido, o autor aponta que a falta de critrios que atestem a qualidade desse tipo de curso tem contribudo fortemente para a denominada mercantilizao da educao, fenmeno que trata a educao como mero produto.

    Em relao aos cursos com temtica socioambiental, essa tendncia ainda mais clara, dada a dimenso mercadolgica da palavra sustentabilidade no cenrio socioeconmico atual, onde o ecologicamente correto se transforma em reforo positivo para a construo de marcas, fortalecimento de imagens das indstrias, mascarando assim a inconsistncia do capitalismo como ideologia norteadora de uma sustentabilidade socioambiental (SILVA, 2010, p. 1). A educao mediada por essa tendncia, alm de mercado rentvel para o capital financeiro, configura-se, de maneira disfarada, como replicadora de ideologias que orientam interesses privados e mercantis sobre a sociedade.

    Ao atentarem para as concepes que professores da educao bsica possuem em relao EA, Tozoni-Reis, Teixeira e Maia (2011) identificaram o predomnio de concepes baseadas em representaes superficiais e difusas acerca do ambiente e da EA. Isso tambm se reflete na prtica docente, que fica reduzida a [sic] busca emprica de informaes, materiais didticos, recursos humanos e condies de infraestrutura da escola, secundarizando a dimenso intelectual mais sofisticada da prxis educativa escolar (TOZONI-REIS; TEIXEIRA; MAIA, 2011, p. 5). Aliada a essa questo, a partir do referido estudo, os autores constataram que as principais fontes em que os educadores buscam informaes sobre a temtica ambiental so revistas no cientficas e internet, comunicaes cujos contedos geralmente so superficiais e pouco elaborados. Artigos cientficos e demais tipos de publicaes acadmicas corresponderam a menos de 1% das fontes mais consultadas.

    O reducionismo da EA, de acordo com a perspectiva hermenutica, constitui uma viso objetivadora, onde interpretar o ambiente seria capt-lo em sua realidade factual, descrever suas leis, mecanismos e funcionamento (CARVALHO; GRN, 2005, p. 3, destaque dos autores). Em oposio a essa concepo mecanicista, a EA hermenutica pauta-se pela possibilidade de compreender o meio ambiente de variadas maneiras, as quais dependem da dimenso histrica e dos sentidos produzidos e compartilhados pelo grupo de pessoas que habitam simultaneamente uma mesma regio (CARVALHO; GRN, 2005).

    A diversidade de menes ao reducionismo da Educao Ambiental constatada nos artigos estudados pode ser compreendida a partir do fato de que, conforme aponta Grn (1996), a educao, at a dcada de 1970, nunca tinha se preocupado de fato com a questo socioambiental, poca em que o planeta

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    comeou a perceber os impactos da degradao ambiental gerada pelas atividades humanas. Foi a partir da Primeira Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente, ocorrida em Estocolmo no ano de 1972, que a Educao Ambiental comeou a ganhar destaque.

    Desde ento, com o objetivo de reverter a crise ambiental que temos vivenciado, Educao soma-se o adjetivo Ambiental. Nesse sentido, se considerarmos que a principal motivao de se adjetivar a educao com a palavra ambiental repousa nos problemas ambientais desencadeados pelos prprios seres humanos e que, antes disso, o ambiente sequer era uma preocupao para a educao, constata-se que a Educao Ambiental carece de embasamento epistemolgico, sendo orientada pela epistemologia do pensamento cientfico moderno, a qual se sustenta na ciso entre natureza e cultura (GRN, 1996).

    Portanto, a constatao de que a EA vigente em grande parte da sociedade reducionista e fragmentada no constitui novidade para os pesquisadores da rea. De acordo com Grn (1996, p. 55):

    Apesar de que uma ateno considervel tem sido dada emergncia da

    educao ambiental, raras so as preocupaes a respeito das bases conceituais e epistemolgicas sobre as quais ela dever se desenvolver. Temos, assim, um problema srio. Estamos em dificuldades para encontrar uma linguagem ou abordagem que nos capacite a falar e compreender as vrias dimenses da crise ecolgica. Existe hoje uma impossibilidade radical de promover uma educao ambiental.

    Na medida em que o referencial epistemolgico constitui a base de um pensamento, entendemos que, sem uma fundamentao desse carter, qualquer conhecimento tende a ficar restrito superficialidade. Assim, a questo do reducionismo da EA configura-se, essencialmente, como um problema de ordem epistemolgica. Esse panorama evidencia a importncia de que a EA seja orientada por um paradigma diferente do que prope a racionalidade cartesiana, questo que nos remete abordagem hermenutica, por privilegiar uma viso ecolgica do ser humano e da natureza.

    Em consonncia com a necessidade de uma EA que abarque o ser humano em sua complexidade, o pensamento hermenutico busca desconstruir as dualidades interno/externo e sujeito/ambiente, na direo do que poderamos chamar de uma epistemologia compreensiva, cuja orientao ecolgica evidencia-se no reconhecimento das relaes simtricas com o ambiente [...] (CARVALHO; GRN; AVANZI, 2009, p. 2).

    EA Crtica como possibilidade de superao da EA vigente

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    Essa categoria apresenta as contribuies que o referencial terico da

    Educao Ambiental Crtica (EA Crtica) fundamentada na Pedagogia Crtica oferecem para a EA. Por se tratar de uma proposta libertadora e comprometida com a transformao e ressignificao dos valores individualistas, problematiza a forma desarticulada como a EA tem sido desenvolvida e aponta a EA Crtica como possibilidade de superao da EA vigente. Desse modo, em muito se assemelha categoria anterior, visto que parte da problematizao de como a EA tem sido colocada em prtica.

    Lima e Galiazzi (2011) apontam o paradigma societrio atual, orientado por uma subjetividade capitalstica e marcado por profundas desigualdades sociais, como responsvel pelas mazelas da situao ambiental vigente. Ressaltam que somente a partir de uma problematizao crtica desse modo de vida possvel pensar em alternativas para se transformar essa realidade. Apresentam a EA, fundamentada numa viso crtica, como importante nesse processo, visto que, ao questionar, entre outros aspectos, as relaes entre a sociedade e a natureza, a EA fornece subsdios para a compreenso de como essas relaes ocorreram no percurso histrico da humanidade, bem como de seus condicionantes (LIMA; GALIAZZI, 2011, p. 1).

    De maneira semelhante, Rodrigues e Guimares (2010) tambm apontam as relaes estreitas existentes entre os problemas ambientais e o modo de produo capitalista, que incita, cada vez mais, um consumo desenfreado. Diante desse problema, sinalizam a necessidade de transformao desse padro societrio, levando o foco para a Educao Ambiental e para uma formao de educadores que seja crtica e que contemple, nessa perspectiva, uma EA emancipatria, j que a atuao desses sujeitos fundamental na dinamizao dos processos de transformaes socioambientais.

    Rodrigues e Guimares (2010) ressaltam tambm que a EA no deve ser entendida como a responsvel pela resoluo dos problemas ambientais. Em consonncia com essa afirmao, Grn (1996) questiona se o mbito educacional capaz de dar conta da problemtica socioambiental, a qual, antes de qualquer coisa, faz parte de uma crise da cultura ocidental instaurada pelos modos de ser e estar no mundo orientados pelo sistema capitalista vigente.

    Tambm chamando a ateno para os problemas relacionados com o sistema capitalista, Silva (2010) problematiza a formao de especialistas em Educao Ambiental partindo do referencial da EA Crtica, devido ao seu potencial emancipatrio e transformador das questes socioambientais vigentes. Em sua investigao, o autor constatou que na maioria das IES privadas que atuam numa lgica de formao do profissional para o mercado de trabalho em vez de articular o ensino com a pesquisa e a extenso a questo mercantil

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    sobrepe-se questo da formao crtica. Silva (2010) aponta ainda que, apesar de todos os cursos de especializao

    em EA pesquisados declararem-se inseridos em uma perspectiva crtica de EA, a anlise dos objetivos voltados para a capacitao para o mercado de trabalho e do conjunto de disciplinas revelou o contrrio, visto que a maioria dos cursos possua componentes curriculares coniventes com a lgica mercantil. Questes como a abrangncia do pblico-alvo e o no aprofundamento nos diversos campos de ao da EA tambm foram problemas detectados pelo autor.

    Figueiredo e Silva (2010), partindo do referencial terico freireano, apontam como alternativa s formaes docentes de bases essencialmente cientificistas e tecnicistas reconfigurar as diretrizes reprodutivistas em uma dinmica dialgica, relacional e, portanto, contextualizada; descentralizar a figura do professor e apontar a dinmica relacional como centro dos processos; sair da lgica opressora e subalterna para vislumbrar uma formao libertadora (FIGUEIREDO; SILVA, 2010, p. 1). Os autores utilizam, como referncias para a discusso de uma proposta de formao docente crtica e reflexiva para o trabalho com a EA, conceitos-chave presentes em diversas obras de Paulo Freire, como humanizao, politicidade, reflexo, pesquisa, dialogicidade e dinmica relacional.

    Do mesmo modo, ao relatarem as contribuies que a EA Crtica pode oferecer formao de educadores ambientais, Rodrigues e Guimares (2010) assinalam princpios da pedagogia freireana, como a no dicotomizao da dade docncia/discncia e o ensinar pautado pela pesquisa, criticidade, tica, coerncia, dialogicidade, autorreflexo crtica, capacidade de ler a complexidade do mundo; abertura para o novo para transformar o presente, no reproduzindo o passado; participao na organizao e na presso para que o novo surja (GUIMARES, 2004, p. 136 apud RODRIGUES; GUIMARES, 2010, p. 10).

    Nesse sentido, a Educao Ambiental configura-se como campo de disputa entre uma EA conservadora, embalada pela racionalidade dominante, e a EA Crtica, de carter poltico, democrtico e transformador. Esta tem o papel de resistir ao paradigma cientificista e mecanicista, no qual vigora uma viso dicotmica, separando o ser humano do meio ambiente, colocando-o como entidade central e hierarquicamente superior. Essa viso, atravs de mecanismos ideologizantes, direciona para uma compreenso nica e neutra de mundo, cujo carter cientificista deslegitima os saberes dos grupos populares (RODRIGUES; GUIMARES, 2010).

    A perspectiva hermenutica da EA, na medida em que se apoia na concepo de que ns nos constitumos no movimento de compreenso/interpretao da realidade que nos cerca, tambm compartilha pressupostos da EA Crtica. Carvalho e Grn (2005, p. 3) confirmam isso ao proporem que o educador ambiental atue como intrprete, estando o sujeito-

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    intrprete diante de um mundo-texto, mergulhado na polissemia e na aventura de produzir sentidos, a partir do seu horizonte histrico. Evidenciam, portanto, a condio de abertura em que o sujeito que se posiciona como intrprete do mundo se encontra, visto que a cada novo contato com o mundo reinterpreta a realidade, a qual se encontra passvel de constante ressignificao.

    Esse posicionamento de base interpretativa concebido pela hermenutica filosfica vai ao encontro do referencial freireano, podendo ser visualizado no sujeito crtico, dialgico e consciente, que busca a emancipao e a libertao na relao de abertura que estabelece com o seu ambiente-mundo, partindo da problematizao da prpria realidade.

    Experincias de EA mediadas pela pesquisa-ao Essa categoria revela como experincias de EA mediadas pela pesquisa-ao

    podem contribuir para a efetivao de uma EA voltada para a prxis, sustentando-se no constante dilogo entre ao, reflexo e ao transformadora. Como a pesquisa-ao uma modalidade investigativa que pressupe uma compreenso crtica da realidade, cabe ressaltar as aproximaes que as formulaes tericas dessa categoria apresentam com a categoria EA Crtica como possibilidade de superao da EA vigente.

    Lima e Galiazzi (2011) relatam a experincia da Roda de Formao, grupo de formao permanente de professores cuja metodologia baseou-se na pesquisa-ao participante. A realizao de uma Roda de Formao faz meno aos crculos de cultura, proposta de formao coletiva idealizada por Paulo Freire na dcada de 1960 para a alfabetizao de adultos.

    A Roda de Formao salientada pelas autoras como espao privilegiado para se efetivar uma Educao Ambiental baseada na prxis, no dilogo e na participao ativa dos sujeitos. Nesse sentido, levando em considerao a prpria realidade, numa atitude de valorizao da dimenso histrica de cada sujeito, bem como das diferenas individuais entre os participantes, que os saberes socioambientais so construdos e significados. A Roda de Formao tem o principal objetivo de proporcionar aos participantes uma leitura crtica da realidade e, em consonncia com os princpios socioambientais, problematizar e transformar a configurao da relao sociedade-natureza (LIMA; GALIAZZI, 2011).

    Em relato de experincia sobre a insero de projetos de Educao Ambiental em um programa de formao continuada de professores, Santos (2011) aponta que a utilizao da metodologia da pesquisa-ao mostrou-se muito eficiente, na medida em que prope uma compreenso para alm do

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    estudo de questes ambientais. O conhecimento no dado, tampouco transmitido; construdo pelos sujeitos a partir das prprias experincias em relao s suas realidades socioambientais. A identificao, compreenso e o solucionamento de questes ambientais locais constituem o foco do processo, exigindo a participao ativa dos atores e contribuindo para a formao cidad de sujeitos crticos e transformadores, na medida em que se tornam professores pesquisadores.

    A partir das possibilidades vislumbradas por esse trabalho, a autora indica que educadores crticos e reflexivos, com uma postura interdisciplinar, construtivista e comunicacional, capazes de compreender as relaes entre sociedade e ambiente (SANTOS, 2011, p. 1), so essenciais para o trabalho com a temtica socioambiental na escola, apontando a relevncia de professores que utilizam a pesquisa como possibilidade de reflexo, elaborao crtica e transformao da prpria prtica docente.

    Assim, esses professores pesquisadores, ao atuarem na realidade escolar e social como sujeitos da prxis, num movimento dialtico entre as esferas da ao e da reflexo, de certo modo estariam praticando uma espcie de pesquisa-ao, que no mbito da docncia se caracterizaria como pesquisa-ensino. Esta, considerada uma modalidade da pesquisa-ao, constitui uma prtica docente crtica, na medida em que leva o professor a um constante questionamento de sua prtica, sendo essa reflexo uma atividade propulsora para a melhoria e a inovao das prticas pedaggicas (SANTOS, 2011).

    Diante dessas consideraes, pode-se constatar que a pesquisa-ao, enquanto interveno baseada na prxis, compartilha pressupostos da perspectiva hermenutica. Segundo Carvalho e Grn (2005, p. 3):

    Esta perspectiva [hermenutica] implica ainda [a] recusa da dicotomia entre

    o plano do pensamento e o da ao. Os sentidos produzidos por meio da linguagem so a condio de possibilidade do agir no mundo. No h ao possvel num vcuo de sentido. Toda ao decorre de certa compreenso/interpretao de algo que faz sentido. Num universo habitado por inmeras chaves de sentido. Desta forma, assim como interpretar no seria um ato pstumo e complementar compreenso, agir no corresponderia conseqncia enquanto desdobramento, ato segundo ou posterior reflexo mas a ao estaria implicada no ato mesmo de compreender/interpretar.

    O carter hermenutico-compreensivo da pesquisa-ao se evidencia na

    medida em que as relaes experienciadas nesse contexto permitem uma construo mtua dos sentidos da ao, da compreenso/interpretao do mundo e da experincia vivida (CARVALHO; GRN; AVANZI, 2009, p. 5). A atitude de abertura inerente a esse modo de investigao coincide com uma

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    postura compreensiva, destituda de certezas e marcada pela imprevisibilidade do encontro, os riscos do jogo, a primazia da pergunta sobre a resposta, desde uma relao de pertencimento com o que se d a conhecer (CARVALHO; GRN; AVANZI, 2009, p. 8).

    Desafios na operacionalizao da legislao que institui a EA

    Essa categoria apresenta os avanos que a legislao j alcanou ao prever

    que se contemple a dimenso ambiental em todos os nveis de ensino de maneira integrada, tendo em vista um enfoque transdisciplinar. Por outro lado, mostra que pouco se tem feito para que o cumprimento da lei seja efetivo, apontando que h muitos desafios na operacionalizao da legislao que institui a EA.

    Aquino (2010) realizou um estudo que investigou como professores do Ensino Fundamental de escolas pblicas de um municpio do interior da Bahia articulam os contedos que permeiam a questo ambiental no cotidiano da organizao curricular. A pesquisa evidenciou que os professores tm dificuldades em cumprir a determinao legal de inserir a EA nos currculos, visto que reclamaram dos equvocos da poltica educacional, que cria leis para revolucionar a educao, mas na prtica mantm estruturas que no passam de fbricas de analfabetos (AQUINO, 2010, p. 7). Alm dessas dificuldades, tais educadores declararam haver carncia de uma boa formao, embora tais problemas no os impeam de inserir os saberes ambientais no cotidiano da escola.

    Figueiredo e Silva (2010) discutem sobre o histrico da insero da EA na formao docente e de nvel superior. Apontam que, j em 1977, recomendaes contidas no documento resultante da Conferncia Intergovernamental sobre EA, ocorrida em Tbilisi, apresentam a preocupao de inserir a EA no mbito da formao de professores.

    Ainda de acordo com Figueiredo e Silva (2010), no Brasil, em 1981, a instituio da Poltica Nacional de Meio Ambiente, atravs da Lei n 6.938, tambm demonstra a necessidade de incluso da EA em todos os nveis de ensino. Em 1992, na ECO-Rio, a aprovao da Carta Brasileira para a Educao Ambiental que recomenda a insero da dimenso ambiental nos currculos como forma de viabilizar a EA no nvel superior reitera a urgncia em se considerar a EA em todos os cursos superiores. Porm, somente com a decretao da Lei n 9.795/99 houve de fato uma determinao legal da incluso da EA nos currculos de todas as modalidades de ensino, sendo determinado no Artigo 11 que a dimenso ambiental deve constar dos currculos de formao de professores, em todos os nveis e em todas as disciplinas (BRASIL, 1999, p. 3).

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    Apesar dos aparatos legais que determinam a incluso da EA no sistema de ensino, os autores concluem que, na prtica, a formao de professores carece de uma compreenso crtica e reflexiva sobre a temtica socioambiental. As Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduao em Pedagogia no apontam referncias expressas EA e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formao de Professores da Educao Bsica nem fazem referncia EA como temtica necessria (FIGUEIREDO; SILVA, 2010).

    Tozoni-Reis, Teixeira e Maia (2011) apontam que a lei que institui a EA na educao formal, ainda que reforada por polticas pblicas de insero da questo socioambiental nos diferentes nveis de ensino, no constitui garantia da presena da EA na educao escolar de forma significativa. Os autores atribuem esse problema aos obstculos enfrentados pelos professores, entre eles a falta de recursos didticos, infraestrutura e (in)formao adequada, o que dificulta a insero da EA nos currculos escolares.

    A partir da anlise da redao da Lei n 9.795/99 (BRASIL, 1999), de modo geral, o que se pode constatar que pressupostos da EA Crtica e da perspectiva hermenutica discutidos ao longo deste artigo so contemplados. A Educao Ambiental conceituada considerando-se valores democrticos, participativos e construdos coletivamente. As dimenses da criticidade, da diversidade cultural, da tica, da cidadania e a necessidade de a EA ser desenvolvida de forma articulada e integrada, vetando-se sua implementao nos currculos como disciplina isolada, tambm esto presentes no documento. Nesse sentido, considerando que a dimenso ambiental tem sido reduzida a sinnimo de natureza e a EA, em grande parte das escolas, apesar de constar nos currculos, restringe-se a prticas isoladas em disciplinas especficas, constata-se que, de fato, a lei no est sendo cumprida.

    Ao chamar a ateno para o fato de que a referida lei designa que a EA deve ser amplamente contemplada em todos os nveis de ensino, Grn (2003, p. 1-2) afirma que a tarefa de cumprir com as demandas e expectativas geradas por essa nova situao torna necessrio o debate filosfico sobre a emergncia da Natureza no currculo. Essa constatao de Grn remete-nos a uma questo tica fundamental, que envolve no apenas a discusso sobre o emergir da natureza nos contextos educativos mas tambm o posicionamento dos sujeitos perante essa nova conjuntura.

    Nesse sentido, cabe nos reportarmos ao pensamento de Rolnik (1994) no que diz respeito ao homem da moral e ao homem da tica que nos habitam. O mbito moral corresponderia ao aspecto de nossa subjetividade que se manifesta no plano visvel, sendo responsvel por identificar e discernir os cdigos, os valores e as regras da sociedade, estando a servio da manuteno da ordem, da estabilidade e do equilbrio. J a dimenso tica seria aquela que transita no invisvel e que, por isso, escuta as inquietantes reverberaes das diferenas que

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    se engendram em nosso inconsciente e a partir da nos leva a tomar decises que permitem a encarnao de tais diferenas em um novo modo de existncia [] (ROLNIK, 1994, p. 166). Assim, em contraponto ao homem da moral, cuja atividade giraria em torno de manter-nos a salvo do desconhecido, o homem da tica assumiria um modo de ser marcado pela abertura s diferenas e adeso ao caos e experincia de encontro com a alteridade.

    Essa reflexo sobre a moral e a tica torna-se fundamental no debate da regulamentao jurdica da EA, visto que a lei, por si mesma, no produz adeso e eficcia. Somente quando se compreende a importncia do que ela tutela ou disciplina, captando seu sentido educativo, que ela pode ser transformadora de valores, atitudes e das relaes sociais (LIPAI; LAYRARGUES; PEDRO, 2007, p. 31). De um horizonte hermenutico, isso implica pensar que o aflorar do homem da tica torna-se cada vez mais necessrio para que consigamos atribuir sentido norma instituda, incorporando-a de forma significativa em nossa experincia. Em outras palavras, devemos superar uma subjetividade que se restrinja ao homem da moral (ROLNIK, 1994), do contrrio, corremos o risco de ensaiarmos atitudes mecnicas de mero cumprimento da lei sem uma reflexo sobre o sentido de sua existncia.

    Consideraes finais

    O esforo de tecer um dilogo entre a hermenutica e os resultados

    encontrados neste estudo emergiu da possibilidade de encontro que a prpria perspectiva hermenutica dispe. Encontro no sentido de estabelecimento de uma relao autntica, implicando uma atitude de lanar-se na experincia, pautada pelo reconhecimento de que s possvel existir no encontro com o outro. Nessa abordagem, vislumbra-se uma EA capaz de romper com concepes educativas orientadas pelo paradigma de ciso humano/natureza, obstculo epistemolgico que se situa no cerne da crise ambiental da contemporaneidade.

    Em relao aos subtemas que compuseram o presente trabalho, cabe ressaltar que, apesar de estarem divididos em quatro categorias para organizar e facilitar a compreenso, todos esto intimamente relacionados e compem uma totalidade que no deve ser compreendida de forma fragmentada. Alis, como foi amplamente discutido at aqui, a compartimentao dos saberes em EA no desejvel, visto que contribui para a concepo acrtica e ilusria de que o ser humano encontra-se separado do meio onde vive.

    Ao centrarmos este estudo na temtica formao de professores/educadores em EA e depararmo-nos com as categorias Crticas ao reducionismo da EA, EA Crtica como possibilidade de superao da EA vigente,

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    Experincias de EA mediadas pela pesquisa-ao e Desafios na operacionalizao da legislao que institui a EA, pudemos perceber, por meio dos prprios ttulos das categorias, o quanto os pesquisadores que se ocupam da temtica-foco esto preocupados em denunciar a situao atual do educador ambiental. Consideramos que tal inquietao se deve, principalmente, porque um professor mal formado dificilmente se torna capaz de abordar a EA de forma profcua com seus estudantes, os quais, por sua vez, perdem a oportunidade de entrar em contato com um conhecimento reflexivo e transformador.

    Destacamos, portanto, a necessidade de se continuar investindo na produo de conhecimento sobre a formao de educadores aptos a trabalhar os saberes socioambientais, visto que, quanto mais se discutem e se comunicam os conhecimentos produzidos, mais rapidamente eles se tornam acessveis, podendo cumprir sua funo social de contribuir para o avano do campo de estudos em questo. Ressaltamos, por fim, a hermenutica filosfica como horizonte de compreenso favorvel construo de uma Educao Ambiental comprometida com as dimenses histrica, poltica e cultural do ser humano, possibilitando que o homem da tica seja constantemente revelado. Referncias

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