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    Por Polticas Democrticas de Comunicao(adaptao de texto original apresentado como iderio reconstruo do Frum Nacional pela Democratizaoda Comunicao, em 2001)

    Murilo Ramos, Israel Bayma, Dioclcio Luz

    1. Introduo: o Direito ComunicaoAs foras democrticas e populares hoje, quando postas diante do desafio

    urgente de buscar uma cada vez maior democratizao dos meios de comunicao,precisam atentar para o fato bsico de que a comunicao portadora de um novodireito social, o direito comunicao, que podemos considerar de quarta gerao,

    mas que est ainda muito longe de ser reconhecido como tal.

    Comecemos recordando que os direitos civis - aqueles que dizem respeito

    personalidade do indivduo (liberdade pessoal, de pensamento, de religio, de reunioe liberdade econmica) podem ser chamados de direitos de primeira gerao. Sodireitos que obrigam o Estado a uma atitude de renncia, de absteno diante doscidados, quase no exato momento em que ele se formava, na esteira das revolues

    burguesas, entre os sculos XVII e XVIII.J os direitos polticos (liberdade de associao nos partidos, direitos eleitorais)

    esto ligados formao do Estado democrtico representativo e implicam umaliberdade ativa, uma participao dos cidados na determinao dos objetivos polticosdo Estado, e podem ser chamados de direitos de segunda gerao, contemporneos,no sculo XIX, de um capitalismo que vivia a emergncia da sua fase industrial.

    Por outro lado, os direitos sociais (direito ao trabalho, assistncia, ao estudo, tutela da sade, liberdade da misria e do medo), maturados pelas novas exigncias dasociedade industrial, implicam, por seu lado, um comportamento ativo por parte doEstado ao garantir aos cidados uma situao de certeza. So direitos de terceiragerao, imbricados com a emergncia e o auge do Estado-Providncia, entre o fimdo sculo XIX at os anos sessenta do sculo XX.

    Como vemos, a informao na forma de liberdade de pensamento, deexpresso, de culto e de reunio - enquanto insumo fundamental para a cidadania faz

    parte da primeira gerao dos direitos humanos e pode ser encontrada j na gnese damodernidade ocidental. Ela gestou, no entanto, um direito humano restritivo,

    traduzido contemporaneamente no direito que temos, nas democracias representativasde massa, de ser informados direito que, reconheamos, tende a ser, fora dasditaduras e dos regimes autoritrios, muitas vezes extremamente amplo. Mas, por maisamplo que possa ser, ser sempre insuficiente.

    Foi por isto que, entre os anos sessenta e setenta do sculo XX, sob os auspciosda Unesco, rgo das Naes Unidas, que trata da educao, cincia e cultura, emergiurica discusso sobre a comunicao e seu papel para o fortalecimento da democracia.O momento alto dessa discusso apesar das polmicas que a questo sempreengendrou1 - foi o lanamento, em 1980, pela Unesco, do relatrio da comisso

    presidida pelo jurista e jornalista irlands, Sean MacBride, intitulado Um Mundo e

    1Ver Murilo Csar Ramos, As Polticas Nacionais de Comunicao e a Crise dos Paradigmas. Textos deCultura e Comunicao, No. 27, 1o./92, pp. 45-50

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    Muitas Vozes comunicao e informao na nossa poca,2publicado no Brasil trs

    anos depois.Um vasto, denso e instigante documento, ainda que contraditrio em muitos

    pontos, por conta da heterogeneidade poltico-ideolgica dos membros da comisso dealto nvel que o escreveu, o Relatrio MacBride, como tambm ficou conhecido, athoje o mais completo relato j produzido sobre a importncia da comunicao nacontemporaneidade.

    Lamentavelmente, ele sucumbiria, como sucumbiu a prpria Unesco no quetocava s questes de comunicao, ao cerco imposto pelos Estados Unidos e pelaInglaterra, cujos governantes, Ronald Reagan e Margareth Thatcher, no incio dadcada de 80, comandaram a retirada de seus pases daquele rgo das Naes Unidas.Para o pensamento neoliberal, que ento comeava seu perodo de hegemonia, eraabsurdo se pensar a comunicao na tica de polticas nacionais, como mais absurdoainda era pensar a comunicao como um direito mais amplo do que o consagrado,mas restritivo, direito informao, do qual beneficiava-se fundamentalmente aimprensa, enquanto instituio, e seus proprietrios privados, enquanto agentes

    privilegiados de projeo de poder sobre as sociedades.No entanto, neste final de dcada, e de sculo, quando presenciamos um

    perodo de extraordinrios avanos tecnolgicos no mundo da informao e dacomunicao, quando a digitalizao da informao e a convergncia que ela

    possibilita de suportes tcnicos, de contedos e de servios da qual a manifestaomais evidente a Internet enquanto rede mundial de comunicaes por computadores,e o World Wide Web enquanto interface amigvel dos indivduos com a rede -, nos fazcrer cada vez mais em uma sociedade da informao e da comunicao enquanto novaforma de organizao hegemnica no capitalismo, em oposio a uma sociedade

    industrial em declnio, torna-se imperativo retomar o debate sobre o direito comunicao enquanto um novo direito humano fundamental. Um direito social dequarta gerao, aquele, quem sabe, mais adequado para amparar, nas sociedades dainformao e da comunicao, nossas inesgotveis expectativas de avano crescenteda democracia da igualdade em todo o mundo.

    No intuito de fortalecer essa argumentao, recorramos ao Relatrio MacBride,transcrevendo alguns de seus trechos essenciais:

    Hoje em dia se considera que a comunicao um aspecto dos direitos

    humanos. Mas esse direito cada vez mais concebido como o direito de comunicar,

    passando-se por cima do direito de receber comunicao ou de ser informado.Acredita-se que a comunicao seja um processo bidirecional, cujos participantes

    individuais ou coletivos mantm um dilogo democrtico e equilibrado. Essa idia

    de dilogo, contraposta de monlogo, a prpria base de muitas das idias atuais6

    que levam ao reconhecimento de novos direitos humanos.

    2Unesco, Um Mundo e Muitas Vozes comunicao e informao na nossa poca . Rio de Janeiro: Editorada Fundao Getlio Vargas, 1983.

    6O que ocorre freqentemente sob o rtulo de comunicao pouco mais que um autoritrio monlogo, nointeresse do iniciador do processo. No se emprega a retroalimentao para dar uma oportunidade de autnticodilogo. O receptor das mensagens passivo e submisso, pois quase no lhe do oportunidades proporcionais deagir com verdadeiro e livre emissor; seu papel essencial consiste em escutar e obedecer (...) Uma relao socialto vertical, assimtrica e quase autoritria constitui, na minha opinio, um exemplo antidemocrtico decomunicao (...) devemos ser capazes de construir um conceito novo de comunicao. Um modelo humanizado,

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    O direito comunicao7 constitui um prolongamento lgico do progresso

    constante em direo liberdade e democracia. Em todas as pocas histricas, o

    homem lutou para se libertar dos poderes que o dominavam, independentemente de

    que fossem polticos, econmicos, sociais ou religiosos, e que tentavam impedir a

    comunicao. Graas apenas a alguns esforos fervorosos e infatigveis, os povos

    conseguiram a liberdade de palavra, de imprensa e de informao. Hoje em dia,

    prossegue a luta por estender os direitos humanos e conseguir com que o mundo das

    comunicaes seja mais democrtico que agora. Mas, na atual fase da luta, intervm

    novos aspectos do conceito fundamental de liberdade. A exigncia de circulao de

    dupla direo, de intercmbio livre e de possibilidades de acesso e participao do

    nova dimenso qualitativa s liberdades conquistadas sucessivamente no passado.8A

    idia do direito a comunicar eleva todo o debate sobre a livre circulao a um nvel

    superior e oferece a perspectiva de tir-lo, prometendo tir-lo do beco sem sada onde

    se manteve durante os ltimos trinta anos.

    Entretanto, a idia do direito comunicao no recebeu ainda sua forma

    definitiva, nem o seu contedo pleno. Longe de ser j - como parecem desejar alguns -

    um princpio bem estabelecido, cujas conseqncias lgicas poderiam ser deduzidas a

    partir de agora, ainda est na fase em que as pessoas refletem sobre todas as suas

    implicaes e continuam a enriquec-lo. Somente depois de ter explorado, na Unesco

    e nas numerosas organizaes no-governamentais interessadas, todas as aplicaes

    possveis dessa hiptese que a comunidade internacional poder decidir qual o seu

    valor intrnseco. Ter-se- que reconhecer, ou que rejeitar, a existncia de um direito

    novo, que poderia ser somado aos direitos do homem j adquiridos, e no substitu-

    los. Por isso, apresentamos uma formulao desse direito, que indica a diversidade

    dos seus elementos e o esprito que o inspira: Todo mundo tem o direito decomunicar. Os elementos que integram esse direito fundamental do homem so os

    seguintes, sem que sejam de modo algum limitativos: a) o direito de reunio, de

    discusso, de participao e outros direitos de associao; b) o direito de fazer

    perguntas, de ser informado, de informar e outros direitos de informao; c) o direito

    no elitista, democrtico e no-mercantil (Luis Ramiro Beltrn, Colombia, Desarrolo rural y comunicacinsocial: relaciones y estrategias. Simpsio Internacional Cornell-Ciat, New York, Cornell University, March1974)7Comentrio do Sr. S. Losev:: O direito comunicao no um direito internacional reconhecido, nem noplano nacional, nem no internacional. Por conseguinte, no deveria ser examinado to amplamente, nemabordado desse modo em nosso relatrio.8Um dos primeiros promotores do direito comunicao, Jean DArcy, delineou as etapas sucessivas quepoderiam facilitar sua adoo: Na poca da gora e do foro, na poca da comunicao interpessoal direta, surgeprimeiro conceito bsico para todo o progresso humano e para toda civilizao a liberdade de opinio (...) Osurgimento da imprensa, que foi o primeiro dos meios de expresso de massa, provocou, pela sua prpriaexpanso e contra as prerrogativas de controles reais ou religiosas, o conceito correlato de liberdade de expresso(...) O sculo dezenove, que presenciou o extraordinrio desenvolvimento da grande imprensa, caracterizou-sepor lutas constantes em prol da liberdade (...) A chegada sucessiva de outros meios de comunicao de massas cinema, rdio, televiso da mesma forma que o abuso de todas as propagandas em vspera de guerra,demonstraram rapidamente a necessidade e a possibilidade de um direito mais preciso, porm mais extenso, asaber, o de procurar, receber e difundir as informao e idias sem considerao de fronteiras (...) ou porqualquer procedimento. Hoje em dia parece possvel um novo passo adiante: o direito do homem comunicao, derivado de nossas ltimas vitrias sobre o tempo e o espao, da mesma forma que da nossa maisclara percepo do fenmeno da comunicao (...) Atualmente, vemos que engloba todas as liberdades, mas quealm disso traz, , tanto para os indivduos quanto para as sociedades, os conceitos de acesso, de participao, decorrente bilateral de informao, que so todas elas necessrias, como percebemos hoje, para o desenvolvimentoharmonioso do homem e da humanidade. (Le droit de lhomme communiquer, Documento n 39, da CIC).

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    cultura, o direito de escolher, o direito proteo da vida privada e outros direitos

    relativos ao desenvolvimento do indivduo. Para garantir o direito de comunicar seria

    preciso dedicar todos os recursos tecnolgicos de comunicao a atender s

    necessidades da humanidade a esse respeito.9Achamos que esse enfoque oferece a

    perspectiva de um progresso da democratizao da comunicao em todos os planos,

    internacional, nacional, local e individual.

    A reivindicao de uma democratizao da comunicao tem conotaes

    vrias, muitas alm das que se costuma acreditar. Compreende evidentemente o

    fornecimento de meios mais numerosos e mais variados a um maior nmero de

    pessoas, mas no se pode reduzir simplesmente a alguns aspectos quantitativos a um

    suplemento de material. Implica um acesso maior do pblico aos meios de

    comunicao existentes, mas o acesso apenas um dos aspectos da democratizao.

    Significa tambm algumas possibilidades maiores para as naes, as foras

    polticas, as comunidades culturais, as entidades econmicas e os grupos sociais de

    intercambiar informaes num maior plano de igualdade, sem um domnio sobre os

    elementos mais fracos e sem discriminaes contra ningum. Em outras palavras,

    implica uma mudana de perspectiva. Sem dvida se requer uma informao mais

    abundante, procedente de uma pluralidade de fontes, mas se no houver

    possibilidades de reciprocidade, a comunicao no ser realmente democrtica. Sem

    uma circulao de duplo sentido entre os participantes, sem a existncia de vrias

    fontes de informao que permitam uma seleo maior, sem o desenvolvimento das

    oportunidades de cada indivduo para tomar certas decises baseadas no

    conhecimento completo de fatos heterclitos e de alguns pontos de vista divergentes,

    sem uma maior participao dos leitores, dos espectadores e dos ouvintes na adoo

    de decises e na constituio dos programas dos meios de comunicao social, a

    verdadeira democratizao no chegar a ser uma realidade.

    2. Comunicao e Polticas PblicasA primeira e fundamental conseqncia de se reconhecer o direito

    comunicao o reconhecimento de que ela precisa ser colocada no mesmo patamardas polticas pblicas essenciais; nivelando-a educao, sade, alimentao,saneamento, trabalho, segurana, entre outras.

    Mas, como bem expresso em documento fundador do Laboratrio de PolticasPblicas (LPP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (ver

    http://www2.uerj.br/lpp), na medida em que o mercado no reconhece direitos, afuno central que ele vai assumindo na reformulao das relaes econmicas esociais representa uma transformao do que era direito em um bem negocivel nomercado. Assim, de direitos universais os direitos educao e sade passaram a sermercadorias e, concomitantemente, o Estado deixou de desempenhar seu papel deafirmao de direitos, para, ao contrrio, centrando-se em polticas dedesregulamentao, abrir espaos para a mercantilizao crescente das polticassociais.

    O capitalismo no aceita comunicao como poltica pblica. Justamenteporque a comunicao entendida na ideologia liberal das sociedades de mercado

    como a principal garantidora e, mesmo, alavancadora da liberdade de mercado. O9Esta citao foi tirada do documentoAn emergent communication policy science: content, rights, problems andmethods, de L.S. Harms, Departament of Communication, Hawaii University, Honolulu.

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    capitalismo advoga a teoria do livro fluxo da informao,segundo a qual toda ao doEstado sobre os meios de comunicao torna-se automaticamente uma ao censria e,

    por isso, uma ameaa a todos os direitos e a toda liberdade. uma falcia,considerando que o principal agente censrio num sistema capitalista so os meios decomunicao que ele detm.

    Portanto, um dos maiores desafios na luta por um Estado democrticocontemporneo o resgate do espao pblico como espao formador das polticassociais mediante a incluso crescente de todos os atores sociais. Justamente no espao

    pblico que, no capitalismo, quase inteiramente constitudo pelos meios decomunicao, a maioria desses atores sociais encontra-se hoje quase que totalmenteexcluda.

    Em suma, s possvel conceber polticas sociais democrticas, amplamentedebatidas pela sociedade no espao pblico, inclusive as polticas de comunicao, seconcomitantemente houver uma democratizao crescente desse espao pblicomediante polticas democrticas de comunicao. Eis um crculo vicioso que precisaser quebrado.