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O uso de aloenxertos na cirurgia ortopédica teve início com

MacEwen, em 1880, utilizando um enxerto ósseo de cadáver

(BOLANO apud SHELTON et al., 1998), porém a sua introdução nas

cirurgias reconstrutivas do joelho deu-se apenas em 1981, com

SHINO et al. (1984) e NOYES et al. (1990). Os trabalhos pioneiros

destes cirurgiões aliados à ampliação do conhecimento científico

dos métodos de conservação dos tecidos e da imunologia dos

enxertos alógenos permitiu o desenvolvimento dos bancos de

tecidos modernos, que oferecem tecidos preservados e

esterilizados com técnicas que garantem a manutenção das

propriedades mecânicas e baixos riscos de transmissão de doenças.

Os Estados Unidos têm atualmente 53 bancos de tecidos, que são

controlados por uma associação que normatiza todos os processos

envolvidos no manuseio dos tecidos alógenos, desde a captação

dos enxertos até a utilização no paciente, para garantir a qualidade

e esterilidade (VANGSNESS, 1996). Sabemos que no Brasil a

realidade ainda não é a mesma, mas temos em alguns serviços,

incluindo o IOT-HCFMUSP, condições de captação, armazenamento

e esterilização semelhantes aos padrões americanos, o que torna

possível seu uso pelo ortopedista credenciado a estes serviços.

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Nossa motivação para o presente estudo foi avaliar o

comportamento biomecânico dos tendões dos músculos tibial

anterior e posterior, para sugerir sua utilização como alternativa

possível nos casos de instabilidade ligamentar do joelho, em que o

uso de aloenxertos seja considerado.

O uso de aloenxertos nas cirurgias reconstrutivas do joelho

oferece algumas vantagens em relação aos enxertos autógenos:

• Representa menor agressão cirúrgica, pois seu uso torna

desnecessária a retirada de tecidos normais do paciente para

utilizá-los como enxerto (PINKOWSKI, 1996).

• Diminui o tempo total de operação e do uso do torniquete,

uma vez que o enxerto é preparado antes do paciente ser

anestesiado (DISTEFANO, 1993).

• Não compromete o mecanismo extensor ou flexor do joelho

(DISTEFANO, 1993).

• Permite o uso de um número ilimitado de enxertos, de

variados tipos e tamanhos, no caso das lesões ligamentares

múltiplas.

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• Aloenxertos podem ser armazenados por tempo prolongado

(VANGSNESS, 1996).

• Provoca menor incidência de dor anterior no joelho e de

artrofibrose (GRAF et al., 1988; SACHS et al., 1989).

• Evita a ocorrência das situações mórbidas possíveis com o uso

de enxertos autógenos, como: fratura da patela, tendinite

patelar, rupturas tendíneas (patelar ou quadricipital) e

fraqueza do quadríceps pós-operatória (DISTEFANO, 1993).

• Os estudos clínicos preliminares, com seguimento de cinco e

sete anos, demonstram que os resultados funcionais das

reconstruções do LCA feitas com aloenxertos são semelhantes

aos das realizadas com enxertos autógenos (SHINO, 1986;

ANDREWS, 1994; NOYES, 1996).

A utilização destes tecidos também envolve alguns

problemas:

! O processo para a retirada, a esterilização e o armazenamento

dos tecidos alógenos pressupõe a existência de um banco de

tecidos aparelhado e de pessoal treinado para o manuseio

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deste tipo de material, resultando em custo elevado. Apenas

para servir de exemplo, um enxerto de ligamento da patela de

um banco de tecidos americano custa cerca de 800 dólares; o

de tendão calcâneo custa 615 dólares (VANGSNESS, 1996).

! Embora remota, existe a possibilidade de transmissão de

doenças que podem ser veiculadas pelo enxerto, mesmo

depois de esterilizados. O uso de enxertos alógenos sem

qualquer tipo de teste oferece um risco estimado de

transmissão do HIV de 1:161 e com os testes feitos nos

bancos de tecidos este risco cai para 1:667600 (BUCK, 1989).

ASSELMEIER et al. (1993) relatam um caso de transmissão do

HIV através de tecido ósseo alógeno extraído de um indivíduo

que encontrava-se no período de janela imunológica da

infecção. A esterilização com óxido de etileno pode provocar

efusão crônica do joelho (JACKSON, 1990) e a radiação Gama

em doses elevadas, capaz de eliminar todos os tipos de vírus

(acima de 3 MRad) altera as propriedades biomecânicas dos

tecidos que contêm colágeno (FIDELER, 1994; GIBBONS, 1991

e BUTLER, 1987).

! O processo da integração de um enxerto alógeno leva cerca de

uma vez e meia o tempo necessário para a integração de um

enxerto autógeno (JACKSON et al., 1993). Tal fato não está

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totalmente compreendido, mas acredita-se que envolva uma

resposta imunológica a antígenos de histocompatibilidade

presentes na superfície das células existentes nos enxertos

(NOYES, 1990). INDELICATO et al. (1990) e PINKOWSKI et al.

(1996) demonstram que tendões frescos provocam resposta

imune mais acentuada do que tendões congelados a -80°C ou

liofilizados.

! Alguns autores (PEREIRA, 1991a; SHINO, 1984; RASMUSSEN,

1994; FIDELER, 1995) relatam uma diminuição da resistência

máxima e da rigidez dos enxertos decorrente dos métodos de

esterilização (radiação Gama) e de conservação.

! Há relatos da ocorrência aumentada de alargamento dos

túneis ósseos com o uso de enxertos alógenos, embora este

fato não esteja relacionado com prejuízo funcional do joelho

submetido à reconstrução do LCA (FAHEY, 1994).

! Ainda há um número relativamente pequeno de estudos

clínicos comparativos que comprovem a eficácia e segurança

dos enxertos alógenos.

De acordo com SHINO et al.(1984), para que um tendão

alógeno possa substituir o LCA com sucesso, ele deve apresentar

baixa imunogenicidade e força suficiente para não romper durante

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ou depois da implantação. Deve ainda ser precocemente

revascularizado e ser capaz de sofrer remodelação em resposta às

solicitações mecânicas fisiológicas; não deve ser degradado

biologicamente e deve ser estritamente estéril.

5.1 - Material de experimentação

Tendo em vista nosso objetivo de estudar o comportamento

mecânico de possíveis substitutos do LCA para o tratamento da

instabilidade do joelho em seres humanos, pareceu-nos evidente

utilizar como material de experimentação tendões extraídos de

cadáveres humanos. Os estudos biomecânicos realizados em

animais têm sido utilizados principalmente na avaliação dos

processos envolvidos na integração do enxerto (VIIDIK; LEWIN,

1966; MATTHEWS; ELLIS, 1968; MICHELINI, 1984; SHINO, 1984;

ARNOCZKY, 1986; PEREIRA, 1991a e 1991b; DREZ, 1991;

JACKSON, 1993; GOERTZEN, 1994), em que o sacrifício do animal

se faz necessário para avaliar padrões histológicos evolutivos ou

comparar testes biomecânicos realizados nas diversas fases da

integração do enxerto.

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Em seu trabalho clássico, NOYES et al. (1984) avaliam as

propriedades biomecânicas de nove substitutos dos ligamentos

cruzados em grupos de tamanhos variáveis, entre seis e 17

espécimes humanos. No nosso meio, os trabalhos biomecânicos

utilizam amostras semelhantes à nossa casuística, com exceção de

HERNANDEZ (1994) e MÜLLER (1998), que utilizam 25 pares de

joelhos nos seus estudos; SILVARES (2001) utiliza 19 joelhos e

GÓRIOS (2000) utiliza 20 joelhos.

Com a finalidade de tornar nossa amostra a mais homogênea

possível, o que permite uma análise estatística com menor número

de variáveis, escolhemos apenas cadáveres do sexo masculino, que

serviram como doadores dos tendões estudados. Também optamos

por trabalhar com cadáveres com idade média de 45,2 anos, de

forma a minimizar interferências de possíveis alterações das

estruturas estudadas relacionadas ao envelhecimento ou à

imaturidade do sistema músculo-esquelético. Além disso, o grupo

etário utilizado concentra a maior parte dos indivíduos sujeitos à

reconstrução ligamentar do joelho nos dias de hoje (JARVELA,

2001; PETERSON, 2001).

NOYES et al. (1976) comparam as propriedades mecânicas

dos ligamentos cruzados anteriores de dois grupos com faixas

etárias distintas (grupo I – 16 a 26 anos e grupo II – 48 a 86 anos)

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e concluem que existe uma diminuição significativa da resistência

máxima e da rigidez dos ligamentos no grupo de idade mais

avançada. BLEVINS et al. (1994), em contrapartida, demonstram

que em cadáveres doadores de enxerto de LP com até 54 anos de

idade, o aumento desta não altera a resistência máxima à tensão.

FLAHIFF et al. (1995) e ROSSI et al. (1990) também não

encontram em seus estudos alterações das propriedades

biomecânicas relacionadas com a idade. Não foi possível a

utilização de uma amostra mais jovem tendo em vista as

características inerentes ao Serviço de Verificação de Óbitos da

Capital, que realiza necropsias em cadáveres que, na sua maioria,

foram a óbito em decorrência de doenças crônicas. Os indivíduos

mais jovens e sem antecedentes mórbidos, que vão a óbito por

motivo de violência, objeto ideal para nosso estudo, são

encaminhados ao IML e não estão disponíveis para pesquisa

científica.

Não houve preocupação na seleção de variáveis como raça,

peso e altura, por não termos encontrado na literatura nenhum

dado que sugerisse a influência de tais variáveis nas propriedades

mecânicas dos tecidos humanos.

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5.2 - Conservação do material

Nosso material é proveniente de cadáveres que foram

armazenados em câmara frigorífica à temperatura de 4°C. O tempo

decorrido entre a constatação do óbito e a obtenção das peças

utilizadas neste estudo variou de 48 a 96 horas, obedecendo às

normas de retirada de peças anatômicas vigentes no SVOC.

A forma de conservação das peças anatômicas previamente

ao estudo mecânico justifica-se pela necessidade de se comparar

as possíveis alterações biomecânicas sofridas pelos tendões

armazenados à temperatura de conservação utilizada pelos bancos

de tecidos, que é de aproximadamente -80°C. Dividimos, portanto,

nossa amostra em dois grupos de tendões que foram armazenados

distintamente. Tendo em vista a dificuldade de se realizar um

experimento desta natureza em material fresco, nos baseamos em

estudos biomecânicos semelhantes (FUKUBAYASHI, 1982;

HERNANDEZ, 1994), que também congelam seu material a –20°C

e relatam não haver alterações das propriedades biomecânicas a

esta temperatura em relação aos tecidos frescos. Comparamos,

deste modo, o grupo de tendões congelado a -20°C com o grupo

congelado a -86°C.

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5.3 - Preparo e medição das peças anatômicas

Utilizamos o equipamento ilustrado na Figura 3 para tornar a

área de secção transversa do tendão trapezoidal, para facilitar seu

cálculo e possibilitar medidas mais precisas. Previamente aos

nossos estudos, realizamos algumas medidas das áreas de secção

transversa do TA e TP e constatamos que a porção central do

tendão compreendia a região de maior área e por este motivo ela

foi escolhida para as nossas mensurações.

Na extremidade da haste metálica que pressiona o

paralelepípedo de acrílico situado sobre o tendão a ser medido,

colocou-se um peso de 48 g, que exercia pressão entre as placas

acrílicas a uma distância de 70 mm do eixo de rotação da haste.

Com estes dados, foi possível o cálculo da pressão exercida sobre o

tendão, a partir do conhecimento do momento da força exercida

pelo peso da extremidade da haste dividido pela área de aplicação

da força, cujo valor final foi de 0,18 Megapascal (1,8 x 105 N.m-2).

Sabemos que a área de secção transversa de uma estrutura

depende da pressão aplicada sobre ela, de forma que adotamos

este peso com base no clássico trabalho biomecânico de NOYES

(1976), que utiliza uma pressão de 0,12 MPa para medição da área

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de secção transversa do LCA. Embora o método ideal para a

medição da área de secção dos tendões seja o micrômetro a laser

(WOO et al., 1990), não pudemos utilizá-lo pela indisponibilidade

no nosso laboratório.

Não consideramos importante para o nosso trabalho a

medida do comprimento dos tendões, pois todos eles

apresentavam mais do que 22 cm, medida suficiente para

confecção de um enxerto duplo na reconstrução do LCA. O

alongamento absoluto sofrido pelo tendão submetido à tração foi

medido a partir da porção do mesmo que encontrava-se presa às

garras metálicas da máquina de ensaios, que era de

aproximadamente 40 mm, e que foi medida com paquímetro

imediatamente antes de cada ensaio mecânico.

Observamos que as áreas de secção transversa dos tendões

dos músculos tibiais posteriores são significativamente maiores do

que a dos tibiais anteriores, independentemente do tipo de

congelamento realizado, o que acreditamos tratar-se de uma

característica anatômica destes tendões, naturalmente mais

espessos do que os tibiais anteriores. Também observamos que as

áreas de secção transversa dos tendões congelados a -86°C são

significativamente maiores do que as dos tendões frescos.

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Observando o quadro 2, que compara os resultados da área

de secção transversa do TA e TP com os resultados do LCA, LP e

SMT existentes na literatura, podemos afirmar que os valores do

TA e TP são semelhantes aos do LCA e do SMT duplo, praticamente

duas vezes maiores do que o SMT único e cerca de duas vezes

menores do que o LP e o SMT quádruplo, o que nos permite dizer

que uma preparação de enxerto duplicado de TA ou TP (ou mesmo

a associação TA - TP) aparenta ser a conformação mais indicada

para a substituição do LCA, tendo em vista os valores das áreas

dos substitutos já consagrados pelo uso.

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QUADRO 2 - COMPARAÇÃO DOS VALORES RELATIVOS ÀS ÁREAS DE

SECÇÃO TRANSVERSA DO TA E TP COM OS VALORES

RELATIVOS AO SMT, LCA E LP ENCONTRADOS NA

LITERATURA

Tendões Área de secçãotransversa [mm²]

TA -20°C 27,40

TA -86°C 29,06

TP -20°C 30,08

TP -86°C 32,84

SMT único (NOYES et al.,1984) 14,0

SMT único (MCKERNAN et al., 1994) 13,6

SMT único (HAMNER et al., 1999) 10,8

SMT duplo (SILVARES, 2001) 26,0

SMT quádruplo (WILSON et al.,1999) 56,3

LCA (SILVARES, 2001) 34,0

LP 10 mm (SILVARES, 2001) 37,0

LP 10 mm (MÜLLER, 1998) 52,3

LP 10 mm (WILSON et al., 1999) 44,6

LCA = ligamento cruzado anterior; SMT = tendão do músculo semitendíneo; TA= tendão do músculo tibial anterior; TP = tendão do músculo tibial posterior

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5.4 - Fixação dos corpos de prova

A distância entre as duas garras foi por nós estabelecida em

4 cm, por ser um valor aproximado do comprimento do LCA (31 a

39 mm – GIRGIS, 1975; 38,0 ± 2,9 mm - SILVARES, 2001). Desta

forma, realizamos o ensaio de tração com uma porção dos tendões

semelhante àquela que ficaria submetida à solicitação mecânica no

ambiente intra-articular quando fossem utilizados na reconstrução

ligamentar de joelho. As garras metálicas foram posicionadas de

forma que a porção central dos tendões, previamente marcada com

caneta Codman® para a medição da sua área, foi submetida ao

ensaio de tração.

Observamos nos nossos testes que a ruptura dos tendões

submetidos à tração sempre ocorreu na transição tendão-garra,

ora distal, ora proximal, aleatoriamente, levando-nos a crer que

em todos os casos o valor da carga máxima suportada pela

estrutura foi subestimado. Acreditamos que a fixação dos tendões

com as garras tenha criado uma região de concentração de

estresse sobre o tendão na transição tendão-garra, provocando a

ruptura antes que fosse atingido o ponto de resistência máxima.

Entendemos que a manutenção das inserções ósseas favorece os

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testes mecânicos de tendões e ligamentos, por permitir uma

transição menos abrupta das tensões transmitidas através dos

tecidos. Porém, em vista das dificuldades técnicas de se testar o TA

e o TP juntamente com suas múltiplas origens e inserções,

optamos pela fixação por garras, a despeito desta desvantagem.

Devemos também considerar que mesmo quando são utilizadas

preparações contendo origens e inserções ósseas, torna-se difícil

testar simultaneamente todas as fibras que compõem uma

estrutura tendínea ou ligamentar, que, por possuírem uma

orientação espacial assimétrica de fibras colágenas, apresentam

grupos de fibras que estão tensos enquanto outros encontram-se

relaxados, dependendo da direção de aplicação de carga durante a

realização dos testes (SMITH, 1993).

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5.5 - Ensaios mecânicos

Os ensaios mecânicos deste estudo foram realizados na

Máquina Universal de Ensaios Mecânicos Kratos®, que é uma

máquina eletromecânica e, embora permita grande precisão dos

resultados, devemos considerar que foi desenvolvida para testes

mecânicos em estruturas homogêneas e isotrópicas, como os

metais. Nosso estudo foi realizado com tendões, que são estruturas

viscoelásticas (anisotrópicas) e por esta razão possuem

propriedades mecânicas particulares. Em geral, em um tendão

normal, 20% do volume total é formado por células (fibroblastos) e

os 80% restantes são formados pela matriz extracelular. Esta

última, por sua vez, é constituída em sua maior parte por água

(70%) e em menor parte por substâncias sólidas, entre elas o

colágeno tipo I, a elastina e a substância amorfa (proteoglicanas,

glicoproteínas, proteínas plasmáticas e outras pequenas

moléculas). Desta forma, estruturas fluidas e sólidas em um

arranjo assimétrico entram na composição estrutural do tendão, o

que explica seu comportamento mecânico peculiar.

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A principal característica mecânica de uma estrutura

viscoelástica é que a deformação resultante da aplicação de uma

carga varia dependendo da velocidade com que se aplica a carga.

Ao aplicarmos uma carga a uma velocidade alta, há um

armazenamento maior de energia por parte do tendão e este

requer mais força para sua ruptura, sofrendo maior alongamento.

Nas baixas velocidades de aplicação de carga, os tendões sofrem

menor alongamento e rompem com cargas menores (KENNEDY et

al., 1976). Também são propriedades das estruturas viscoelásticas

o relaxamento à tensão, a histerese e o arrastamento (“creep”).

O relaxamento à tensão é a propriedade segundo a qual uma

estrutura viscoelástica mantida tracionada em comprimento

constante, ao longo do tempo, necessita de menor tração para

manter o mesmo comprimento, atingindo eventualmente um

estado de equilíbrio. Tal fato decorre da equalização dos gradientes

de pressão hidrostática interna e externa da estrutura, conforme

estudo feito por GÓRIOS (2000), neste Instituto.

O arrastamento (“creep” – tradução de HERNANDEZ, 1994)

consiste em manter esta estrutura sob tração constante e

observar, ao longo do tempo, um alongamento da mesma. Quando

uma estrutura viscoelástica é submetida a um ciclo de aplicações

de carga, ao observarmos o gráfico carga-deformação, notamos

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que as regiões não lineares do gráfico seguem trajetos diferentes

durante o carregamento e o descarregamento, o que é chamado de

histerese. A distância entre estas curvas, e a respectiva área

medida entre elas, representa a energia perdida durante o ciclo. Ao

se repetirem os ciclos de carga, nota-se que as duas curvas

tendem a se aproximar, pela propriedade de relaxamento à tensão

já descrita, tornando a energia perdida por ciclo cada vez menor.

5.5.1 - Velocidade de aplicação da carga

Ao testarmos mecanicamente estruturas viscoelásticas, como

os tendões no presente estudo, a velocidade de aplicação de carga

tem fundamental importância, conforme já discutimos. KENNEDY et

al. (1976) em estudo das estruturas ligamentares do joelho,

utilizam em seus ensaios velocidades de aplicação de carga de 125

mm/min e 500 mm/min, concluindo que a resistência máxima é

maior nos ensaios realizados com a maior velocidade.

SMITH et al. (1993) classificam as velocidades de aplicação

de carga nos ensaios mecânicos em três grupos: lenta (0,18

mm/min), média (18 mm/min) e rápida (6780 mm/min).

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Utilizamos no nosso estudo uma velocidade de aplicação de carga

de 20 mm/min, considerada média, semelhante aos trabalhos

biomecânicos realizados no nosso meio (PEREIRA, 1991a;

HERNANDEZ, 1994). MÜLLER (1998) e SILVARES (2001) realizam

seus testes aplicando velocidade de 30 mm/min.

A escolha da velocidade ideal de um ensaio mecânico ainda é

um assunto controverso na literatura. Teoricamente, no nosso

estudo, deveríamos aplicar às estruturas testadas uma velocidade

semelhante àquela sofrida pelos ligamentos do joelho durante as

atividades de vida diária em que ocorrem as lesões ligamentares,

para avaliar os tendões em situações de solicitação mecânica o

mais próximas possível do que ocorreria no interior do joelho

quando fossem utilizados como substitutos do LCA. Este é um dado

que obviamente não temos, em vista da impossibilidade de se

realizar testes mecânicos “in vivo”. Desta maneira, adotamos a

velocidade utilizada em outros testes biomecânicos semelhantes,

considerada por alguns autores como a mais segura para a

realização de ensaios (MÜLLER, 1998; SILVARES, 2001).

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5.5.2 - Diagrama carga-deformação

Foi obtido, de cada um dos ensaios mecânicos de tração, um

gráfico carga-deformação, que tornou possível nossa análise

biomecânica. A Figura 10 representa o diagrama carga-

alongamento referente ao teste mecânico de uma das amostras do

tendão do músculo tibial anterior congelado a -20°C.

Inicialmente, com pequenos valores de carga, observamos no

gráfico uma fase não linear ascendente, chamada fase de

acomodação, onde as fibras colágenas que compõem o tendão

estão sendo recrutadas e a tração está sendo gradualmente

distribuída entre elas de forma homogênea. Em seguida,

observamos um trecho linear, chamado fase elástica, onde existe

correspondência entre os níveis de carga aplicada e a deformação

sofrida pela estrutura. Neste fase, calcula-se o coeficiente de

rigidez da estrutura através da tangente da curva, que representa

o quanto uma estrutura elástica se deforma com a aplicação de

uma carga. Ao final da fase linear (ou elástica), atingimos a fase

plástica, onde a deformação sofrida pela estrutura não é mais

reversível com a retirada da carga. O ponto máximo da curva é o

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limite de resistência, representando a carga máxima suportada

pela estrutura.

Deformação [mm]2220181614121086420

Forç

a [N

]

714.66

678.93

643.19

607.46

571.73

535.99

500.26

464.53

428.8

393.06

357.33

321.6

285.86

250.13

214.4

178.66

142.93

107.2

71.47

35.73

FIGURA 10 - GRÁFICO CARGA [N]-DEFORMAÇÃO [mm] REFERENTE AO

ENSAIO MECÂNICO DA AMOSTRA DE NÚMERO 13 (TA

CONGELADO A -20°C)

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5.5.3 - Propriedades mecânicas e estruturais

A curva carga-deformação obtida a partir dos ensaios

mecânicos nos fornece as propriedades estruturais do material

estudado, que são a carga máxima, o coeficiente de rigidez e a

deformação máxima. Estas propriedades referem-se à estrutura

anatômica como um todo, como pode ser exemplificado por um

conjunto fêmur-LCA-tíbia, conforme foi descrito por SMITH et al.

(1993) e CABAUD et al. (1983).

Através do cálculo da área de secção transversa dos tendões

podemos calcular uma propriedade mecânica ou material, que é o

módulo de elasticidade. Consideramos importante trabalhar com

esta propriedade da estrutura, tendo em vista termos realizado

estudo com tendões que não mais são estruturas anatômicas

originais, dotadas de origem e inserção, opinião corroborada por

MCKERNAN et al. (1995), FLAHIFF et al. (1995) e WILSON et al.

(1999).

Resolvemos comparar os dados obtidos no nosso estudo com

os dados biomecânicos existentes na literatura referentes ao LCA,

ao terço central do LP e ao SMT, com o objetivo de eventualmente

propor uma nova opção de enxerto nas operações para

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______________________________________________________Discussão 81

reconstrução ligamentar de joelho. Para tanto, nos valemos dos

trabalhos biomecânicos de NOYES et al. (1976 e 1984), COOPER et

al. (1993), HERNANDEZ (1994); FLAHIFF et al. (1995); MATAVA;

HUTTON (1995); MÜLLER (1998); WILSON et al. (1999) e

SILVARES (2001). O LP e o SMT foram escolhidos para a

comparação por representarem enxertos utilizados nas operações

para reconstrução ligamentar de joelho e seu uso já ter sido

clinicamente consagrado ao longo das últimas décadas. Não

poderíamos também deixar de compará-los biomecanicamente ao

LCA, pois é na sua substituição que desejamos propor a utilização

do objeto deste nosso estudo. Consideramos desnecessária a

realização de novos testes mecânicos com o LCA, o LP e o SMT dos

cadáveres de onde obtivemos nosso material, tendo em vista o

número expressivo de estudos desta natureza que já foram

realizados em todo o mundo e também no nosso meio

(HERNANDEZ, 1994; MÜLLER, 1998; SILVARES, 2001), o que nos

faz crer que as propriedades biomecânicas destes tecidos

encontram-se bem estabelecidas na literatura.

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5.5.4 - Resistência máxima

Observamos que as resistências máximas do TP (1079 N a -

20°C e 1065 N a -86°C) são significativamente maiores do que as

do TA (945 N a -20°C e 947 N a -86°C), independentemente do

método de congelamento utilizado. Conforme relatamos

anteriormente, encontramos valores da área de secção transversa

do TP superiores aos do TA, o que nos leva a crer que estes

tendões, sendo naturalmente mais espessos, também devem ser

mais resistentes. Também concluímos que a forma de

armazenamento não altera significativamente as resistências

máximas do TA ou do TP, o que corrobora as conclusões de DREZ

et al. (1991) e INDELICATO et al. (1990).

NOYES et al. (1984) encontram os seguintes valores de

resistência máxima nos seus testes biomecânicos: terço central do

LP (14 mm de largura)- 2900 N; SMT isolado – 1216 N; LCA –

1725 N. COOPER et al. (1993) testam LP com três espessuras

diferentes (7 mm, 10 mm e 15 mm), encontrando valores de

resistência do LP de 4389 N (15 mm), 2977 N (10 mm) e 2238 N

(7 mm). FLAHIFF et al. (1995), em testes utilizando os 13 mm

centrais do LP, encontram valores médios de resistência máxima

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de 3424 N. WILSON et al. (1999), em testes de LP com 10 mm de

espessura e SMT e G em conformação dupla, encontram valores

médios de resistência máxima de, respectivamente, 1784 N e 2421

N (Quadro 3).

QUADRO 3 – COMPARAÇÃO DOS VALORES DA RESISTÊNCIA MÁXIMA E

DA VELOCIDADE DE APLICAÇÃO DE CARGA COM OS

OBSERVADOS EM OUTROS ESTUDOS BIOMECÂNICOS

ESTRUTURA TESTADARESISTÊNCIAMÁXIMA [N]

VELOCIDADE DEAPLICAÇÃO DA

CARGA [mm/min]

TA (-20°C) 945 ± 257 20

TA (-86°C) 947 ± 200 20

TP (-20°C) 1079 ± 158 20

TP (-86°C) 1065 ± 196 20

LP 14 mm (NOYES et al.,1984) 2900 ± 260 3000

LP 10 mm (COOPER et al., 1993) 2977 ± 516 3000

LP 10 mm (MÜLLER, 1998) 1461 ± 448 30

LP 10 mm (SILVARES, 2001) 2369 ± 560 30

LP 13,2 mm (FLAHIFF et al., 1995) 3424 ± 668 300

LP 10 mm(WILSON et al., 1999) 1784 ± 580 2250

LP 9,6 mm (MATAVA & HUTTON,1995)

1411 ± 574 2736

LCA (SILVARES, 2001) 875 ± 266 30

LCA (HERNANDEZ, 1994) 955 20

LCA (NOYES et al., 1984) 1725 ± 269 3000

SMT único (NOYES et al.,1984) 1216 ± 50 3000

SMT triplo (SILVARES, 2001) 988 ± 203 30

SMT quádruplo (WILSON,1999) 2422 ± 538 2250

LCA = ligamento cruzado anterior; LP = ligamento da patela; TA = tendão domúsculo tibial anterior; TP = tendão do músculo tibial posterior; SMT = tendãodo músculo semitendíneo

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A análise do quadro anterior nos permite afirmar que a

resistência máxima dos tendões que estudamos aproxima-se da

resistência máxima do LCA nos estudos de HERNANDEZ (1994) e

SILVARES (2001) e do SMT triplo no estudo de SILVARES (2001).

Os valores da resistência máxima referentes ao terço central do LP

mostram-se uniformemente maiores daqueles que obtivemos. No

entanto, se considerarmos a confecção de um enxerto duplicado de

TA ou TP (ou a associação TA-TP), podemos atingir valores de

resistência máxima próximos aos do LP, da ordem de 2000 N, uma

vez que a duplicação do enxerto pressupõe um incremento de

resistência que atinge valores próximos de 100%. Entendemos que

os valores encontrados nos diferentes estudos devam ser

comparados entre si com alguma reserva, pois são utilizadas

diferentes velocidades de aplicação de carga, o que sabidamente

interfere nos resultados de carga máxima, bem como diferentes

metodologias de ensaio, pois alguns autores testam apenas os

ligamentos, sem as inserções ósseas, enquanto outros testam os

ligamentos ou enxertos presos às suas inserções ósseas, o que

evidentemente resulta em diferença nos resultados. Além disso,

utilizam grupos de tamanhos distintos, com faixas etárias e

métodos de armazenamento diferentes entre si.

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De qualquer modo, nosso estudo utilizou a velocidade de

aplicação de carga mais lenta, o que teoricamente incluiu nos

nossos dados um viés direcionado à subestimação dos resultados

(KENNEDY, 1976). Além disso, as rupturas dos nossos tendões

ocorreram em todos os casos na transição tendão-garra, o que

certamente demonstra mais uma subestimação da resistência

máxima medida nos ensaios.

5.5.5 - Rigidez e módulo de elasticidade

“A rigidez é a propriedade estrutural de um enxerto ou

ligamento que representa a proporção direta entre a força aplicada

e o alongamento observado” (NOYES et al., 1994). O módulo de

elasticidade é a proporção direta entre a tensão aplicada à

estrutura (força dividida pela área) e a deformação relativa ao

comprimento original observada no trecho linear (elástico) da

curva tensão-alongamento relativo (ANEXOS 1 e 2).

Podemos afirmar que ambas as propriedades são análogas,

sendo o módulo de elasticidade uma medida mais precisa, pois leva

em conta a área da estrutura testada, sendo portanto uma

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propriedade denominada material, considerada mais fidedigna por

SMITH et al. (1993) e FIDELER et al. (1995). Observamos como

resultados dos nossos testes que há um aumento significativo da

rigidez do TA congelado a -86°C (149 N/mm) quando comparado

com o TA congelado a -20°C (110 N/mm), fato não observado com o

TP. Também observamos uma diminuição do módulo de elasticidade

do TP congelado a -86°C (165 MPa) quando comparado com o TP

congelado a -20°C (201 MPa), o que não ocorre com o TA.

Comparando-se TA e TP congelados a -86°C, notamos que o TA

apresenta o módulo de elasticidade significativamente maior do

que o TP (191 MPa versus 165 MPa), fato que não ocorre nos

tendões congelados a -20°C. Tais dados não permitem nenhuma

conclusão objetiva a respeito do coeficiente de rigidez e do módulo

de elasticidade das estruturas testadas.

Ao compararmos os valores do módulo de elasticidade e da

rigidez do TA e TP com a literatura (Quadros 4 e 5), observamos

que, na média, nossos valores aproximam-se dos valores do LCA e

do SMT triplo, sendo significativamente menores do que o LP (uma

vez e meia a duas vezes). Estes dados nos parecem lógicos, tendo

em vista o comportamento mais elástico destas estruturas

tendíneas longas em relação ao terço central do LP, que é um

tendão curto e largo.

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QUADRO 4 - COMPARAÇÃO DOS VALORES DO MÓDULO DE

ELASTICIDADE DO TA E TP, MEDIDO EM MEGAPASCAL,

COM OS OBSERVADOS EM OUTROS ESTUDOS

BIOMECÂNICOS PARA LCA, LP E SMT

Estrutura testada Módulo de elasticidade[MPa]

TA (-20°C) 217

TA (-86°C) 201

TP (-20°C) 191

TP (-86°C) 165

LP 10 mm (MÜLLER, 1998) 366 ± 94

LP 10 mm (SILVARES, 2001) 426 ± 77

LP 13,2 mm (FLAHIFF et al., 1995) 340 ± 97

LP 10 mm(WILSON et al., 1999) 225

LCA (SILVARES, 2001) 195 ± 46

SMT triplo (SILVARES, 2001) 163 ± 48

SMT quádruplo (WILSON et al.,1999) 145

LCA = ligamento cruzado anterior; LP = ligamento da patela; TA = tendão domúsculo tibial anterior; TP = tendão do músculo tibial posterior; SMT = tendãodo músculo semitendíneo

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QUADRO 5 – COMPARAÇÃO DOS VALORES DE RIGIDEZ DO TA E TP,

MEDIDA EM N/MM, COM OS OBSERVADOS EM OUTROS

ESTUDOS BIOMECÂNICOS PARA LCA, LP E SMT

Estrutura testada Rigidez [N/mm]

TA (-20°C) 110

TA (-86°C) 117

TP (-20°C) 149

TP (-86°C) 119

LCA de jovens (NOYES et al., 1976) 182 ± 56

LCA de idosos (NOYES et al., 1976) 129 ± 39

LP 10 mm (COOPER et al., 1993) 424 ± 67

LP 10 mm(WILSON et al., 1999) 210

SMT quádruplo (WILSON et al.,1999) 238

LCA = ligamento cruzado anterior; LP = ligamento da patela; TA = tendão domúsculo tibial anterior; TP = tendão do músculo tibial posterior; SMT = tendãodo músculo semitendíneo

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5.5.6 - Alongamento máximo relativo

O alongamento máximo relativo representa a razão entre a

deformação sofrida pela estrutura no ponto de resistência máxima

e o seu comprimento inicial, nos permitindo avaliar o quanto uma

estrutura se deforma antes da sua ruptura, sendo uma inferência

indireta da elasticidade desta estrutura. Os valores observados

para o TA e o TP nos mostram que eles situam-se entre 24,3% e

29,3%, semelhantes aos valores do LCA, superiores ao LP e

inferiores ao do SMT encontrados em outros estudos biomecânicos.

Desta maneira, o TA e o TP situam-se em uma posição

intermediária em relação ao alongamento relativo entre os dois

substitutos já consagrados do LCA.

Observamos ainda que o alongamento máximo relativo do TP

congelado a -86°C é significativamente maior do que o TA

congelado à mesma temperatura (Quadro 6).

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QUADRO 6 - COMPARAÇÃO DOS VALORES DE ALONGAMENTO MÁXIMO

RELATIVO DO TA E TP, MEDIDO EM PORCENTAGEM, COM

OS OBSERVADOS EM OUTROS ESTUDOS BIOMECÂNICOS

PARA LCA, LP E SMT

Estrutura testadaAlongamento Máximo

Relativo [%]

TA (-20°C) 24,2 ± 7,5

TA (-86°C) 26,3 ± 3,2

TP (-20°C) 25,5 ± 7,9

TP (-86°C) 29,3 ± 6,3

LP 10 mm (SILVARES, 2001) 19 ± 4,9

LP 10 mm (MÜLLER, 1998) 14 ± 5

LP 10 mm (COOPER et al., 1993) 15,8 a 19,7

LP 10 mm(WILSON et al., 1999) 25

LP 14 mm (NOYES et al.,1984) 12

LCA (SILVARES, 2001) 21 ± 3,4

SMT quádruplo (WILSON, 1999) 33

SMT triplo (SILVARES, 2001) 35 ± 6,9

LCA = ligamento cruzado anterior; LP = ligamento da patela; TA = tendão domúsculo tibial anterior; TP = tendão do músculo tibial posterior; SMT = tendãodo músculo semitendíneo

Podemos observar que o congelamento a -86°C não altera de

forma significativa as propriedades mecânicas dos tendões

estudados, o que nos permite concluir que o armazenamento em

bancos de tecidos a esta temperatura é uma prática

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aparentemente desprovida de conseqüências danosas à

biomecânica dos enxertos.

Através da comparação dos valores referentes às

características mecânicas do TA e TP obtidos no nosso estudo com

os existentes na literatura, acreditamos estar frente a dois

possíveis substitutos do LCA nas operações para reconstrução

ligamentar em que a utilização de aloenxertos seja considerada.

O uso dos aloenxertos nas cirurgias reconstrutivas do joelho

constitui uma prática que vem sendo realizada por diversos

cirurgiões em todo o mundo há alguns anos (INDELICATO, 1990;

GOERTZEN, 1994; STRINGHAM, 1996; ZIJL, 2000) e os resultados

apresentados até o momento sugerem que seu uso torne-se mais

freqüente com os avanços que estão ocorrendo na compreensão

dos mecanismos imunológicos envolvidos na integração do enxerto

e nos processos de esterilização que possam torná-los isentos de

risco na transmissão de doenças.

Embora tenhamos no Brasil alguns bancos de tecidos capazes

de armazenar e preparar enxertos para utilização como substitutos

do LCA, sabemos que esta prática ainda não é comum entre os

cirurgiões de joelho do nosso meio, seja pelo desconhecimento dos

resultados obtidos no resto do mundo, seja pelo receio de expor os

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______________________________________________________Discussão 92

pacientes ao risco de uma contaminação viral, ou eventualmente

pela baixa aceitação deste tipo de técnica pelos próprios pacientes,

por considerá-la arriscada ou muito nova. Não queremos,

obviamente, sugerir o uso indiscriminado de aloenxertos nas

cirurgias de joelho, inclusive acreditamos atualmente tratar-se de

indicação de exceção, porém o estudo da biomecânica dos enxertos

alógenos pode nos oferecer alternativas quando a necessidade do

uso deste tipo de enxerto se impuser.

O que, em última análise, resulta do nosso estudo, é a

proposta de uma nova possibilidade de utilização dos aloenxertos

nas reconstruções ligamentares do joelho. Consideramos

importantes outros estudos biomecânicos testando a influência dos

métodos de esterilização nas propriedades mecânicas dos enxertos,

bem como estudos de outros tendões que eventualmente possam

ser utilizados de maneira semelhante.