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 A  NG UA PORTUGUESA NO BRASIL  (1) Ataliba T. de Castilho A  h ist ri d a  L í ngua Portuguesa no Brasil  e por se fazer. Focalizado  e dramatizado  o problema pelos  r ânco s, seguiram-se diversos estudos, uns apaixonados, outros deso rientados, no mais das vezes entregues  à repetição  esté  das soluções propostas pelos precursores nesta  m atéri a. Escrever sobre  a  L í ngua Portuguesa no Brasil  é ,  assim, en- fileirar interminàvelmente pontos de interrogação, donde solici tar-se empenhadamente ao leitor se  v á a outras partes, caso  o título deste artigo lhe haja, de  i í cio ,  sugerido algumas afirma ções  po eráv eis. Qualquer  a das condições  e influências novas que  o português encontrou no Brasil  terá de principiar pelo exame dos falares  i nd ge nas,  da imigração africana  e  europ a,  desen volvimento da população, focos de influência, numa palavra, pela  h ist externa da  L í ngua Portuguesa no Brasil (2). Tais condições, predominantemente de ordem  de gráfi ca, se resumem em três fatores: a) O colono português. A colonização do Brasil data de 1532, quando vieram para c á portugueses de todas as partes da  m ópo e.  Este  é um fa to que faz vacilar  a teoria de alguns AA., segundo os quais de- (1 )  O assunto deste artigo foi  o tema  d a Aula Inaugural proferida pelo autor no Salão Nobre  da Faculdade de Filosofia, Ciências  e Letras d e Marilia,  a 8 d e  m ar ço de 1962. Despido das  ca rac d e exposição oral  e enriquecido com notas bi bliográficas,  nem por isso perdeu  o trabalho seu  a r d e  cir cu ns tân cia. <2) Bom trabalho  d e  se talvez  o primeiro  a reunir dados para uma his tória externa da Lingua Portuguesa no Brasil  é  o de Serafim da Silva Neto — Introdução ao estudo da  ng ua portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Depar tamento  d e Imprensa Nacional, 1951. Cf.  p. 6:  "Este livrinho pretende ser ligeiro resumo da  história externa da  ng ua portuguesa no Brasil".

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  • A LNGUA PORTUGUESA NO BRASIL (1)

    Ataliba T. de Castilho

    A histria da Lngua Portuguesa no Brasil est por se fazer.

    Focalizado e dramatizado o problema pelos romnticos, seguiram-se diversos estudos, uns apaixonados, outros deso-rientados, no mais das vezes entregues repetio estril das solues propostas pelos precursores nesta matria.

    Escrever sobre a Lngua Portuguesa no Brasil , assim, en-fileirar interminvelmente pontos de interrogao, donde solici-tar-se empenhadamente ao leitor se v a outras partes, caso o ttulo deste artigo lhe haja, de incio, sugerido algumas afirma-es ponderveis.

    Qualquer anlise das condies e influncias novas que o portugus encontrou no Brasil ter de principiar pelo exame dos falares indgenas, da imigrao africana e europia, desen-volvimento da populao, focos de influncia, numa palavra, pela histria externa da Lngua Portuguesa no Brasil (2).

    Tais condies, predominantemente de ordem demogrfica, se resumem em trs fatores:

    a) O colono portugus. A colonizao do Brasil data de 1532, quando vieram para

    c portugueses de todas as partes da metrpole. Este um fa-to que faz vacilar a teoria de alguns AA., segundo os quais de-

    (1) O assunto deste artigo foi o tema da Aula Inaugural proferida pelo autor no Salo Nobre da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Marilia, a 8 de maro de 1962. Despido das caractersticas de exposio oral e enriquecido com notas bi-bliogrficas, nem por isso perdeu o trabalho seu ar de circunstncia.

  • terminadas regies portuguesas tiveram uma influncia mais visvel sobre a lngua do Brasil (3).

    Esses colonos trouxeram um portugus de feio arcaica, matizado de diferenas regionais (que nunca foram muito pro-fundas), logo desvanecidas no grande cadinho americano da in-terao lingstica.

    b) Os aloglotas, isto , aqueles que deixaram sua ln-gua para falar portugus.

    Primeiramente, refiram-se os ndios, superiores em nmero aos mais aloglotas, cuja influncia, porm, ateve-se quase que somente ao lxico.

    Aps os primeiros contactos entre os ndios e os portu-gueses, estes aprenderam a lngua queles (vejam-se as compo-sies em tupi e a gramtica do Pe . Anchieta), seguindo-se uma fase de bilingismo, at que, finalmente, o portugus passou a dominar, a partir do see. XVIII.

    Os africanos desde 1442 eram levados a Portugal, tendo ha-vido, por essa razo, quem supusesse a influncia africana j no portugus de Portugal .

    Trazidos para o Brasil em nmero de cinco milhes, num trfico que se estendeu de 1538 a 1855, eram eles compreendi-dos em dois grandes grupos: os ladinos, que vinham falando o portugus, lngua geral na costa africana durante os sculos XV, XVI e XVII, e os boais, que s conheciam a algaravia ptria (nag ou ioruba, quimbundo).

    (3) Fala-se, por exemplo, numa influncia aoriana no portugus de Santa Ca-tarina; a atestao dessa possibilidade est condicionada i feitura de es-tudos dialetolgicos de parte a parte. Cf. Bolo, Manuel de Paiva "Bra-silelrismos. Problemas de mtodo", in Brasilia, vol. Ill , Coimbra, 1948, 89-73 (com bibliografia); idem "O Congresso de Florianpolis" (Primeiro Con-gresso de Histria Catarinense Comemorativo do Segundo Centenrio da Co-lonizao Aoriana), In Brasilia, vol. V, Coimbra, 1950, 603-667. Laytano, Dante de "O Portugus de Aores na consolidao moral do domnio lu-sitano no Extremo Sul do Brasil", in Congresso do Mundo Portugus, 1940, vol. X, tomo II, pp. 341-356, especialmente pp. 354-355. O problema preo-cupou tambm os estudiosos do espanhol americano, sobre o qual se fazia incidir uma forte influncia andaluza, que no mais se aceita hoje. Cf. Alonso, Amado Estdios Lingsticos. Madrid, Editorial Gredos, 1953, pp. 7-72.

  • Tm-se levado conta de tupinismos e africanismos muitas peculiaridades fonticas, morfolgicas e sintticas do portugus do Brasil (4). So afirmaes tanto mais perigosas quanto se-reconhece a escassez de nosso conhecimento das lnguas ame-ricanas c africanas. Alm do mais, comparando-se as listas das influncias tupis e africanas que se tm coligido, muitas coin-cidncias nos saltam vista, o que evidencia tratar-se de fen-menos devidos aprendizagem defeituosa do portugus por parte daqueles alaglotas. o que nos ensina Serafim da Sil-va Neto (5).

    c) O terceiro fator de ordem demogrfica so os imi-grantes, que comearam a se deslocar para o Brasil a partir do sculo XIX. So italianos,, alemes e japoneses; sua influncia, se existe, ser possivelmente muito transitria, pois que tais contingentes vieram encontrar o portugus j consolidado e es-tabelecido no Brasil, capaz, portanto, de assimil-la e neutrali-, t-la (6).

    A esses fatores de ordem populacional podemos, agora, acrescentar um de ordem poltica, a vinda da famlia real em 1808, responsvel pela diviso da histria externa da Lngua Portuguesa no Brasil em dois grandes quadros:

    I . Dos primrdios da colonizao at o see. XVIII, em que a linguagem brasileira tomou trs matizes: o portugus

    (4) Para tupinismos, veja Bueno, F . da Silveira "Influncia do tupi no por-tugus do Brasil", in Jornal de Filologia, vol. I n. 2, So Paulo, 1891, 109-120.Monteiro, Clvia Portugus tf Enropa e Portugus da Amrica, >.* ed., Rio de Janeiro, Livraria Acadmica, 1969, pp. 75-136. Ribeiro, Joaquim Histria da Romanisaao 4 Amrica. Rio de Janeiro, MEC, 1959, pp . 194-224. Silva Neto, Serafim da Introduo, ed. cit. , pp. 121 e ss. Melo, Gladstone C. de A lngua de Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Agir Edi-tora, 1946, pp. 33-58. Ayrosa, Plnio "Subsdios para o estudo da influn-cia do tupi na fonologla portuguesa", in Anais do Primeiro Congresso da Lngua Nacional Cantada, Sfte Paulo, Departamento de Cultura, 1938, pp. 681-696. Para africanismoi: Bueno, F . da Silveira "Influncias das lnguas africanas no portugus do Brasil", in Jornal de Filologia, vol II, a. 3, 217-231, So Paulo, 1954. Mendona, Renato A influncia africana no por-tugus do Brasil, 3.* ed., Porto, Livraria Figueirinbas, 1948. Silva Neto, Serafim da ibid., p . 1X1 e ss.

    (5) op. cit., p . 129.

  • falado na costa, por brancos e descendentes, um crioulo ou se-micrioulo de ndios e negros, e a lngua geral (tupi), falada por mamelucos e brancos em seus contactos com estes e com os n-dios.

    I I . Chegado D. Joo VI, procede-se europeizao do pas, ao mesmo tempo que se desenvolvem os grandes n-cleos urbanos; em conseqncia, opem-se os falares urbanos aos rurais e criam-se zonas de influncia lingstica, que so as cidades. a segunda fase da Lngua Portuguesa no Brasil (7).

    Temos, assim, esboado por alto a histria externa do por-tugus no Brasil. Vejamos, a seguir, como e quando se tomou conscincia do problema da lngua brasileira.

    Caberia ao Romantismo mobilizar a conscincia nacional para esse problema. No lhe faltavam ttulos para isso; relem-bre-se o sentimento romntico de auto-afirmao e antilusita-nismo que levou nossos principais AA. da poca a uma oposi-o ao esprito colonial, em que se via subservincia cultural e mental Europa. Subservincia que, no setor lingstico, te-ria forado os escritores brasileiros a uma humilhante imitao de seus pares da metrpole.

    Contra isto se insurgiu o Romantismo, aparelhando-se de-vidamente com o pensamento lingstico da poca. Veio-lhe a calhar, maravilha, o naturalismo lingstico de Max Mller, Hovelacque e Whitney (8). Tais AA., excluindo o esprito hu-

    (7) Vimos seguindo, no tracejamento deste quadro, as lies de Serafim da Silva Neto, op. cit . , cap. "As trs fases da histria da Lingua Portuguesa no Brasil".

    (8) "No h ramo da histria que se aproxime tanto das cincias naturais quan-to a Lingstica... uma aglomerao de sons que chegam a formar uma pa-lavra quase uma entidade objetiva tanto quanto um plipo ou um fssil. Pode-se deposit-la sobre uma folha de papel, como uma planta num herbrio, para examin-la vontade".

    w h l t n e y La vie du langage, p. 256, apud Sil-vio Elia O problema da lngua brasileira, 2 . a ed. Rio de Janeiro, INL, 1961, p. 2-5. Leia-se ainda: "Les langues une fois nes, Ton peut dire qu'elles en-trant aussitt dans leur priode hlstorique, en entendant par l que leur d-veloppement se trouve soumis d'ores et dj l'arbitraire et aux fantaisies de ceux que les parlent. Ce serait l une erreur. Le dveloppement des langues est, avant tout, determine, et le cours de leur vie ne saurait, par une inadmissible derogation aux lois naturelles, chapper aux necessites communes tout ce qui vit". Hovelacque, A. La Linguistlque, 4me| d. Paris, Librairie Schleicher Frres, s/d, pp. 9-10.

  • mano no processo da elaborao lingstica, afirmavam a inde-pendncia da lngua em relao ao homem, entendendo-a como organismo regido por leis prprias de evoluo, infalveis em seu determinismo cego. Era o positivismo lingstico.

    Coerentes com esse pensamento, acreditavam os romnti-cos que, assim como do latim sara o portugus, assim este, nas plagas americanas, geraria o brasileiro (9) .

    O primeiro trabalho terico a respeito, informa-nos Joo Ribeiro (10), se deve a Domingos Borges de Barros, Visconde de Pedra Branca, que o publicou num atlas francs de 1826. Depois, em 1879, Jos Jorge Paranhos da Silva publica o seu O idoma do hodierno Portugal comparado com o do Brasil.

    Jos de Alencar tem sido colocado testa dos qua afirmam a brasilidade de nossa lngua, o que no certo. Demonstrou-o cabalmente Gladstone Chaves de Melo, em estudo apenso sua edio de Iracema (11), Para Jos de Alencar, lngua brasi-leira o mesmo que uso brasileiro do portugus.

    Coube assim ao Romantismo a afirmao primeira da bra-silidade de nossa linguagem, brasilidade essa que atingiu o esti-lo e no a lngua.

    O balano definitivo da contribuio romntica carac-terizao do estilo brasileiro est por ser dado. tarefa de que s nos poderemos desincumbir aps o estudo monogrfico de nossos principais AA., estudo em que suas inovaes fossem sondadas (12).

    (9) Leia-se Jo io Salom Quelroga: "Dizem-me que sou acusado por deturpar a linguagem portuguesa. Mais de uma vez tenho escrito que compondo para o povo de meu pas, fao estudo e direi garbo, de escrever em linguagem bra-sileira. Se isso deturpar a lngua portuguesa, devo ser excomungado pelos fariseus luso-brasileiros. Escrevo em nosso idioma, que luso-bundo-guaranl". Cf. Castello, Jos A. Textos que interessam Histria do Romantismo. So Paulo, Comisso Estadual de Literatura, 1960, p . 34.

    (10) Ribeiro, Joo A lngua nacional, 2. ed. ed. So Paulo, Companhia Editora Nacional, 1933, p . 27 ss.

    (11) Melo, Gladstone, C. de Iracema. Rio de Janeiro, INL, 19411. (12) O trabalho de Herbert Parentes Fortes ("A lngua e o Estilo do Romantis-

    mo, especialmente em Gonalves Dias e Jos de Alencar", ln Anais do Con-gresso Brasileiro de Lngua Verncula, Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1957, vol. II, pp. 258-305), infelizmente, no corresponde s esperanas acena-das pelo ttulo.

  • O Parnasianismo e o Simbolismo foram reacionrios no que diz respeito questo da lngua brasileira. Pelo menos trs pontos nos levam a essa concluso.

    Primeiramente, Machado de Assis, embora reconhecendo o carter mutvel das lnguas e a divergncia entre os escri-tores brasileiros quanto ao cultivo da lngua literria, acon-selha, no obstante, a leitura dos clssicos como fonte de en-riquecimento da expresso literria

  • J o primeiro sinal de alarma fora dado por Graa Ara-nha; lembre-se seu projeto de um dicionrio expungido de to-dos os portuguesismos e que acolhesse todos os vocbulos e fra-ses da linguagem corrente brasileira, impropriamente chama-dos "brasileirismos" (16). A apresentao desse projeto Aca-mia Brasileira de Letras valeu-lhe o rompimento com ela, ban-deando-se o A. para os modernistas, que ento ensaiavam o vo.

    Tambm a contribuio do Modernismo no foi, at agora, suficientemente estabelecida. Daqui a cautela que deve reves-tir qualquer afirmao a respeito. De qualquer forma, pode-remos resumi-la em dois tpicos:

    a) O Modernismo diminuiu a distncia entre a ln-gua falada e a lngua escrita, graas ao aproveitamento e valo-rizao do regionalismo, sua tecla predileta (17).

    necessrio, aqui, opor duas figuras importantes no Mo-dernismo brasileiro, pertencentes s duas fases desse movimen-to.

    Mrio de Andrade, da primeira fase, recolheu elementos da lngua corrente culta e inculta; a isto, acrescentou regiona-lismo oriundos de todos os quadrantes do pas, notando-se for-tes doses do dialeto caipira. Assim, num esforo evidente de criar uma linguagem literria brasileira, por oposio lin-guagem lusitanizante, ento em voga (18), terminou por r e -digir em portugus rebarbativo, de assimilao difcil, no obs-tante as expresses e construes familiares com que topamos,, vez e outra.

    Daqui o ostracismo em que caiu Macunama. Guimares Rosa, escritor da segunda fase, fz da lingua-

    gem popular dos vaqueiros das Gerais um ponto de partida, de onde se encaminhou para uma mistura harmoniosa de latinis-(16) Cf. Esprito Moderno. SSo Paulo, Cia. Grfica Editora Monteiro Lobato, 1925,

    pp. 49-51. (17) 6 verdade que o aproveitamento do regionalismo como Ingrediente apresen-

    tava, por vezes, um Inconveniente: que o A., para ser entendido, se via. constrangido a apensar um glossrio, como se v em Valdomiro Silveira (Os Caboclos) e Jos Amrico de Almeida (A Bagaceira).

    (18) Cf. Macunama. Rio de Janeiro, Livraria Jos Olympio Editora, 1937; p . 135: "Macunama aproveitava a espera se aperfeioando nas duas lnguas da- terra,, o brasileiro falado e o portugus escrito".

  • nos, arcasmos e indianismos. Numa etapa mais profunda de elaborao formal, Guimares Rosa viria a apelar para a cons-cincia etimolgica do leitor, exagerando tendncias latentes na linguagem do povo. Assim, aproveitando-se da lgica popu-lar que v em satisfa e paixa o "grau positivo" de satisfao e paixo, criou formas como de supto, de rempe, acampo (19).

    b) O Modernismo alou importncia de estilo nacio-nal o que era antes considerado erro, ignorncia de brasileiros. Tornaram-se comuns na literatura construes como bater de com fora, andar de a p, ir na festa, no tem ningum aqui, etc.

    Esta, porventura, ter sido a maior contribuio do Mo-dernismo na busca de um sentido brasileiro da Lngua Portu-guesa. Sentido esse tanto mais de se buscar, quanto se contra-pem as dezenas de milhes de brasileiros aos milhes de por-tugueses. (19a).

    J no domnio do ps-modernismo, mais dois fatos concor-teram para que se agitasse a questo da lngua brasileira.

    O primeiro foi desencadeado pelo vereador Francisco Trot-ta , que props Cmara Municipal do Distrito Federal, em 1935, projeto de lei segundo o qual nossos compndios didti-cos deveriam trazer a indicao "lngua brasileira" quando es-tudassem o idioma nacional.

    O projeto, embora vetado pelo Prefeito Pedro Ernesto, transformou-se em lei para, mais tarde, virar letra morta, por-que se descobriu que legislava em assunto da competncia exclusiva do governo federal (20).

    Em seguida, Monteiro Lobato declara que "assim como o portugus saiu do latim, pela corrupo popular desta lngua, o brasileiro est saindo do portugus" (21). A afirmao, que (19) Cf. Proena, M. Cavalcanti "Alguns aspectos formais de Grande Serto:

    Veredas", in Revista do Livro, n. S, Rio de Janeiro, 1957, 37-54. (19a) Diz Herbert Parentes Fortes: "A alma brasileira est em toda a nossa lngua

    ( . . . ) isto que temos de reconhecer de dentro do erro brasileiro do portu-gus". Cf. Filosofia da Linguagem. Rio de Janeiro, Edies GRD, 1956, p . 139 (cap. "O senUdo do erro brasileiro do portugus").

    (20) Cf. Nascentes, A. Estudos Filolgicos, 1. srie. Rio de Janeiro, Livraria Civilizao Brasileira S/A, 1939, pp. 51-60.

  • pode ser filiada ao naturalismo lingstico, , no obstante, mais cautelosa (Mo brasileiro est saindo"), conforme observou Bar-bosa Lima (22).

    Enquanto na literatura os escritores clamavam pela neces-sidade duma expresso literria prpria, no campo da gram-tica diversos autores buscavam fixar as caractersticas diferen-ciadoras da lngua de Portugal e do Brasil, agrupando brasilei-rismos, conceituados como peculiaridades do portugus ameri-cano que contrastam com o portugus europeu (23). Paiva Bo-lo rene e discute tais brasileirismos em seu trabalho j cita-do, e que passamos a resumir (24).

    Na fontica: mudana do -e final para -i: gnti, fnti; reduo dos ditongos ei e ou para e : pexe, oro; mudana de I para r: marvado; supresso do -r final: and, come; passagem da palatal lh a i: mui, fiyo.

    O A. lembra que todos esses fenmenos so encontrados em Portugal, respectivamente no Algarves, na Beira Baixa, Minho, alguns distritos portugueses e em Arrifes e Olivena. Lembraremos que a supresso do -r final e a palatizao do lh so fenmenos romnicos: cf. fr. aimer, filie.

    Na morfologia, aponta-se a perda do -s indicador de plural, que passa a ser figurado pelo determinante (exemplo: duas rez nova), e a simplificao das flexes verbais (eu lovo, tu lova, le lova, ns lova, eles lova) . Trata-se de tendncia geral das lnguas simplificao da morfologia, fato j observado no francs e ingls.

  • i I Lembra-se, ainda a forma verbal hai ("hai tempo que no

    chove"); trata-se de formao arcaica (resultado de habere -f-ibi), e romnica (cf. fr. y avoir e ital. esserci).

    Na sintaxe: uso do pronome pessoal em funo objetiva direta:

    "vi le"; emprego de ter por haver: "hoje tem aula"; construo de verbos de movimento como preposio

    em: "vou na feira"; imperativo negativo na forma de indicativo: "no faz

    isso"; colocao pronominal diversa da portuguesa.

    Quanto aos trs primeiros tpicos, trata-se de arcasmos conservados no Brasil. O emprego do indicativo pelo subjunti-vo nas ordens negativas no apangio nosso: foi encontrado at em Camilo Castelo Branco. O problema da colocao prono-minal, verdadeiro cavalo de batalha, se resume nisto: a lngua antiga, que herdamos no see. XVI, no tinha a disciplina da atual no que tange ao assunto em epgrafe; por outro lado, a colocao pronominal uma questo de entonao: os pronomes que so tonos em Portugal so tnicos no Brasil, donde pode-rem vir testa da orao, como em "me d um livro". Said Ali encaminhou a soluo do problema (25).

    De um modo geral, poda-se afirmar que, at aqui, o cole-cionamento de brasileirismos tem padecido duma falha de m-todo consistente em se ignorarem as diversas camadas que cons-tituem o idioma. Quem da classe mdia usaria palavras como mui, marvado? Ainda que, de um lado, dissessem l um "no tinha mais peixes no mercado", de outro, os componentes des-sa classe jamais diriam "ns vai", ou "comprei duas casa". preciso, ento, fixar as caractersticas da linguagem corrente falada, prpria da classe mdia, da linguagem popular, prat i -cada pelas classes mais modestas, e da lngua escrita (26). (15) Said Ali, H . Dificuldades da Lngua Portuguesa, 5. ed. Rio de Janeiro,

    Livraria Acadmica, 1957, p . 51 e ss. (26) Silva Neto, S. da op. cit., p . 15.

  • A desconsiderao desses estratos lingsticos levou di-versos autores a compararem fatos da linguagem popular brasi-leira aos da fala corrente de Portugal, e vice-versa, donde o aparecimento de diferenas particularmente impressionantes (27).

    Descontando-se tais "diferenas", ficam-nos o lxico e a lngua falada em que realmente se pode documentar um abra-sileiramento da Lngua Portuguesa.

    No setor do lxico, extensa foi a contribuio tupi e afri-cana, especialmente aquela, que ora por 10.000 vocbulos re-partidos pela toponmia e onomstica brasileiras. Acrescentem-se, ainda, os nomes de vegetais e animais.

    Faltam-nos estudos srios que levantassem a totalidade da contribuio tupi e africana Lngua Portuguesa, atravs da busca em dicionrios e repertrios lxicos regionais.

    Mais modesta se mostrou a contribuio africana, circuns-crita a 250 vocbulos, pouco mais ou menos.

    Realmente, tomando-se um dicionrio etimolgico como o de Jos Pedro Machado (28), salta vista a amplitude da cola-borao indgena; abrindo-se ao acaso aquele glossrio, e to-mando cinco pginas de cada vez, obtivemos o seguinte re-sultado:

    tupinismos: acapit, acapora, acapu, acar, acaremb, acari, acau, cari, cariboca, carij, carim, carioca, caris, caur, caripir, cariri, pa-nema.

    africanismos: acar, acarimb, pango.

    Descontando-se acari e caris, variantes de cari e carijs (a palavra acar, se do tupi, significa espcie de peixe, se do africano, bolo de feijo), temos uma relao de quinze tupinis-

    (27) Bolo, M. de Paiva op. cit., p . 66. (28) Hachado, Jos Pedro Dicionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa. Lisboa,

    Editorial Confluncia, 1956, ss. vv.

  • mos para trs africanismos, o que nos oferece uma proporo de cinco tupinismos para cada africanismo (29).

    Quanto lngua falada, s poder ser suficientemente co-nhecida em seus aspectos regionais aps o levantamento de nos-sos falares e conseqente confeco de um atlas lingstico. obra que vem ultimamente preocupando os meios filolgicos brasileiros sem que, at agora, frutificasse como deve; chega-ram-nos, recentemente, escassas referncias a um Atlas Lin-gstico da Bahia, que estaria sendo impresso.

    No tocante a este ponto, parece pacfico o tom arcaizante do portugus do Brasil. O fato ainda no foi cabalmente expli-cado pela Lingstica, suspeitando-se apenas que as lnguas, uma vez esgalhadas ao seu tronco e trazidas a novas condies ecolgicas, detm sua fora evolutiva, arcaizando-se. Foi o que ocorreu aos falares brasileiros em que se reconhece uma funda-mentao quinhentista insofismvel. Vejam-se os inmeros arcasmos correntes na boca do povo, quer vocabulares (filo-somia, embigo, formento, craro, alembrar, auga, causo (hist-ria),fiza, luita, fruita, inorncia, agardecer, escuitar, ermo, saluo, somana, sojigar, alifante, menh), quer expressionais, estes bastante corrompidos: amoque ( = a modos que), prumode ( = por amor de), etc. (30).

    Em concluso, provado o matiz brasileiro de nossa lingua-gem falada, e sendo a lngua literria a utilizao artstica da-quela, por essa razo tambm o estilo literrio brasileiro dever ser diferenado.

    (29) Daqui entenderem alguns que s h braslleirisinos lexicais. No se infira, contudo, que o enriquecimento do lxico portugus na Amrica autorize a existncia de uma lngua brasileira. Basta ponderarmos que h dois gran-des grupos de vocbulos: palavras lexicogrficas, que encerram um sentido, e palavras gramaticais, Instrumentos utilizados na indicao das diversas relaes sintticas (preposies, conjunes, pronomes, etc.) Apenas os ins-trumentos gramaticais do lingua sua feio; em nosso caso, notrio o lusitanlsmo de tais partculas.

    (30) Para o estudo da conservao de arcasmos no portugus do Brasil, consul-tar: Spalding, W. "A linguagem popular brasileira, especialmente do Rio Grande do Sul e o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende", in Anais do Congresso Brasileiro de Lngua Verncula. Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1956, vol. I, pp. 334-377. Ribeiro, Joaquim Histria da Romatli-xa&o da Amrica, ed. cit. , pp. 47-83. Amaral, Amadeu O dialeto cai-pira, 2. ed. So Paulo, Editora Anhambi Ltda., 1955, pp . 55-58.

  • Esta ordem de idias nos leva ao ltimo tpico deste arti-go, o estado atual da questo da Lngua Portuguesa no Brasil, em que diremos algo sobre a lngua falada e a lngua literria brasileira.

    O estudo da lngua falada tem conduzido dialetologia e considerao da pronncia brasileira, campos que ainda no produziram o que deles se espera.

    Em 1901 Jos Leite de Vasconcelos enquadrou a Lngua do Brasil entre os dialetos d'alem mar (31), o que veio ferir os me-lindres do nativismo ptrio. Tudo decorreu, porm, de mal-en-tendido: nada h de pejorativo no vocbulo, mormente se con-siderarmos que Leite de Vasconcelos o aplicou ao prprio Por-tugal.

    Define-se dialeto modernamente como um conjunto de iso-glossas (linhas que unem pontos de mesma caracterstica lin-gstica.; . Preferem outros um critrio prtico para sua defini-o: falam dialetos diferentes os indivduos que tm dificulda-des para se entender, mas que sentem um fundo lingstico comum.

    Tanto num sentido como-jioutro, o que h no Brasil so falares, isto , variantes regiol.ais duma mesma lngua que per-mitem aos falantes um contacts fcil, embora se perceba trata-rem-se de pessoas de locais diversos (32).

    Amadeu Amaral foi quem lanou as bases da dialetologia brasileira, com o seu O Dialeto Caipira. Seguiram-se Antenor Nascentes, que dividiu o falar brasileiro em seis subfalares,

    (SI) Vasconcelos, Jos Leite de Esquisse d'une dialectologle portugaise. Paris, AUIattd fc Cie., 1901, p . 29.

    (32) Para conceltuao de dialeto e falar, cf. Bolo, M. de Paiva, op. cit. , 10-17; Silva Neto, S. da Manual de Filologia Portuguesa, 2. ed. Rio de Janeiro, Livraria Acadmica, 1957, pp. 209-214. Quando se fala em Dialeto-logia, no ae pode ignorar a importncia da Geografia Lingstica, seu ver-dadeiro mtodo. Cf. Ella, Silvio Orientaes da Lingstica Moderna. Rio de Janeiro, Livraria Acadmica, 1955, pp. 97-118.

  • reunidos em dois grandes grupos, o do Norte e o do Sul, Mrio Marroquina e outros (33).

    De um modo geral, pode-se dizer que faltaram a esses tra-balhos a documentao rigorosa que apenas o inqurito lings-tico pode propiciar.

    Em conseqncia, todas as concluses a que se chegou de-vem ser encaradas com certa reserva, conquanto se possa adian-tar a existncia duma unidade de caractersticas entre os di-versos falares brasileiros (34).

    Por outro lado, muito se pode esperar da aplicao das mo-dernas tcnicas de pesquisas dialetolgica, sendo sintomticas a fundao do Centro de Estudos de Dialectologia Brasileira, em 1953, e a realizao do Primeiro Congresso Brasileiro de Dialer tologia e Etnografia, em 1958 (35).

    O estudo da pronncia brasileira, de todos, o mais descu-rado (36); afirma-se que nosso falar arrastado, adocicado e

    (33) Nascentes, A. O linguajar carioca, 2. ed. Rio de Janeiro, Edio da "Organiaafio Simes", 1953, pp. 25-26. Marroquim, M. A lngua do Nor-deste (Alagoas e Pernambuco). So Paulo Companhia Editora Nacional, 1934. Teixeira, Jos A. "O falar mineiro", In Reviste do Arquivo Municipal; vol XLV, So Paulo, 1938, 5-100. Carvalho, Jos Mesquita de "Traos ge-rais do linguajar nacional no Estado do Rio Grande do Sul", in Anais 4o Primeiro Congresso da Lngua Nacional Cantada, >d. cit. , pp. 639-646. Paes, Dr. Elpdio Ferreira "Alguns aspectos da font a sul-riograndense", ibid., pp. 363-429. Lavtano, Dante de "Notas de linguagem sul-riograndense", ibid., pp. 343-360. Muricy, General Jos C. da Silva "Algumas vozes do Paran do Extremo Oeste", ibid., pp. 575-586. Silveira, Graoo "Alguns traos do dialeto caipira e do subdialeto da Ribeira", ibid., pp . 505-610. pp'. 327-340. Salles, Antnio "Coisas do nosso falar [Cear}", ibid., pp . 3U-316. Seraine, Florival "Contribuio ao estudo da pronncia cearense", ibid., pp. 439-184. Vieira, Gastfio "Subsdio para o estudo da lngua nacional no Par", ibid., pp . 498402. Vidal, Ademar " 0 subdialeto do Nordeste [Pa-raba]", ibid., pp. 283-294.

    (34) Silva Neto, Serafim da . Introduo ao estudo da Lngua Portuguesa no Brasil, ed. cit., pp. 175-185.

    (35) Para a pesquisa dialetolgica, consultar: Silva Neto, S. da Guia para es-tudos dialetolgicos. Faculdade Catarinense de Filosofia, Publicaes do Centro de Estudos Filolglcos, n. 4. Florianpolis, 1955. Bolo, M. de Paiva O estudo dos dialectos e falares portugueses (um inqurito lingstico). Coimbra, 1942. Sobre a fundao do Centro de Estudos de Dialectologia Bra-sileira: Revista Brasileira de Filologia, vol. I, tomo 1, Rio de Janeiro, 1955, 8345. Sobre o I Congresso Brasileiro de Dialetologla e Etnografia: Ibrida, n.o 2, Rio de Janeiro, 1959, 157-161.

    (36) H um manual de pronncia para estrangeiros de Cindido Juc Filho A pronuncia brasileira. Rio de Janeiro, Coeditora Braslica, 1939. E, de Rui Afonso, a "Padronizao da prosdia brasileira", publicada nos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Lngua Falada no Teatro. Rio de Janeiro, MEC, 1958.

  • mais lento que o de Portugal; vimos a conseqncia sinttica dessa elocuo mais suave e de timbre mais claro quando nos reportamos snclise pronominal brasileira.

    Outros, escudados em declaraes de gramticos portugue-ses do see. XVI, aproximam nossa pronncia portuguesa de quinhentos. A primeira tarefa, neste sentido, seria determinar a pronncia padro; em 1937 o Primeiro Congresso de Lngua Nacional Cantada proclamou a carioca como tal . No caso par-ticular da entonao, s poderamos chegar a resultados aceit-veis atravs dum bom laboratrio de fontica experimental (37).

    No se pense que estudos dialetolgicos e de pronncia esgotaro todas as sugestes que nos oferece a lngua falada. Isso porque ficam espera de considerao, ainda, as diversas camadas de que se compe; tambm aqui se observa a carncia quase absoluta de monografias em torno da lngua falada cul-ta, popular, familiar, sem contar a gria e outros falares gru-pais.

    Longe estamos de poder admirar a brasilidade de nossa lngua falada em todas as suas facetas!

    Dissemos linhas atrs qur a lngua literria a utilizao artstica da lngua falada. Procuramos estabelecer, na oportur nidade, a diferena de comportamento entre o escritor colonial e o romntico ou ps-romntico; para o primeiro, fugir aos c-nones literrios portugueses era demrito e desdouro; para o segundo, vantagem que ansiosamente buscava. Tudo uma ques-to de modo de ver as coisas.

    A lngua literria brasileira, refletindo uma lngua falada diferenada da portuguesa, tem de, forosamente, possuir per-

  • sonalidade prpria. A Estilstica lingstica determinar o grau de brasilidade de nossa lngua literria (38).

    de todos aceite que a partir do Romantismo consolidou-se o estilo brasileiro da Lngua Portuguesa, o que por algum tem-po se julgou atabalhoadamente tratar-se de lngua brasileira, re-cm-nascida do portugus.

    Pois bem, o exame detido dos estilos individuais dar-nos- a configurao geral do estilo brasileiro, e o reconhecimento da "vitria paulatina do sentido brasileiro da linguagem", pon-to de vista defendido por Herbert Parentes Fortes (39). A pri-meira tarefa consistiria, por certo, em se coligirem os princi-pais livros de texto (40), a partir dos quais se provar concre-tamente a lusitanidade essencial de nossa lngua, enriquecida com a brasilidade do nosso estilo.

    (38) Veja-se nosso artigo "Estilstica", neste nmero. Para o estudo da lngua literria brasileira, consultar: Cmara Jr . , J . Matoso "A lngua literria", in A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro, Editorial Sul Americana S.A., 1995, vol. I, tomo 1, pp. 101-111. Montello, Josu "A lngua literria no Brasil", in Brasilia, vol. X, Coimbra 1958, 289-307.

    (39) Cf. Filosofia da Linguagem, ed.. cit., p . 149. Ainda no se avaliou devida-mente a contribuio de Herbert Parentes Fortes para a compreenso do problema do estila brasileiro da Lngua Portuguesa. Sua obra, de publica-o pstuma, compreende os seguintes ttulos: Filosofia da Linguagem, 1956; A lngua que falamos e A questo da lngua brasileira, 1957; Euclides, o es-tillzador de nossa, histria, 1958.

    (40) Maciel Pinheiro comeou este trabalho com a publicao da "Bibliografia do linguajar brasileiro", iniciada no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), edi-o de 26/6/1957.