2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/4_periodo/literatura... ·...

48
2 a edição | Nead - UPE 2010

Transcript of 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/4_periodo/literatura... ·...

2a edição | Nead - UPE 2010

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Silva, Luciana Marinho Fernandes da

Letras: literatura brasileira I / Luciana Marinho Fernandes da Silva.- Recife: UPE/NEAD, 2010.

48 p. il.

ISBN

1. Literatura brasileira. 2. Literatura - História. 3. Literatura brasileira – Estudo e ensino. I. Universidade de Pernambuco - UPE. II. Título.

S586l

CDU 869.0(81)(091)

Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

Reitor

Vice-Reitor

Pró-Reitor Administrativo

Pró-Reitor de Planejamento

Pró-Reitor de Graduação

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello

Prof. José Thomaz Medeiros Correia

Prof. Béda Barkokébas Jr.

Profa. Izabel Cristina de Avelar Silva

Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim

Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

Assessora da Coordenação Geral

Coordenação de Curso

Coordenação Pedagógica

Coordenação de Revisão Gramatical

Administração do Ambiente

Coordenação de Design e Produção

Equipe de design

Coordenação de suporte

EDIÇÃo 2010

Prof. Renato Medeiros de Moraes

Prof. Walmir Soares da Silva Júnior

Profa. Waldete Arantes

Profa. Silvania Núbia Chagas

Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira LimaProfa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

Profa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa Lopes.

José Alexandro Viana Fonseca

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRodrigo Sotero

Afonso BioneProf. Jáuvaro Carneiro Leão

5

Literatura BrasiLeira iProfa. Luciana marinho Fernandes da silva

Carga Horária | 60 horas

ementa

Estudo da Literatura Brasileira. Da era colonial ao romantismo (poema e prosa). Análise de obras fundamentais, tendo em vista os aspectos formal e histórico-social. Prática de produção literária.

OBjetivO GeraL

Identificar as características históricas, sociais e estéticas dos textos de informa-ção e das manifestações da literatura e da pintura do período colonial ao Roman-tismo.

apresentaçãO da discipLina

Caros leitores, vamos dar início aos estudos de nossa Literatura Brasileira. Va-mos fazer um percurso que começa no tempo primordial de nossa formação cultural e segue até o Romantismo. Para entendermos as obras literárias e, mais especificamente, as produzidas nos séculos da colonização do Brasil, é necessário compreendermos relações entre literatura e sociedade. Nesse sentido, o contexto socio-histórico é relevante não só para termos uma visão do que acontecia no meio social, na época em que as obras foram escritas mas também para verificar-mos como aspectos externos à obra se tornam elementos internos desta.

Compreendemos, assim, que a literatura, como qualquer outro discurso, traz as marcas de seu contexto de produção. Por isso, é fundamental termos conhe-cimento da interação entre aspectos culturais, históricos e estéticos, a fim de realizarmos uma visão crítica dos textos. Para enriquecer nossa leitura e mostrar o diálogo entre as artes, selecionamos pinturas representativas de cada período estudado. Com isso, leitores, vocês poderão perceber como características de um mesmo movimento aparecem em sistemas de signos diferentes, nesse caso, o linguístico e o pictórico.

A fim de aprofundarmos o conteúdo, serão feitas indicações de textos comple-mentares em fontes diversas — como livros, filmes, sites —, propostas atividades de estudo bem como realizadas videoconferências para estabelecermos uma co-municação interativa, uma conversa de “mão-dupla”. É importante vocês lerem com atenção os objetivos gerais da disciplina e os específicos de cada etapa de nosso conteúdo para que vocês possam avaliar se, à medida que os estudos avan-çam, estão alcançando as metas propostas.

Então... Mãos à obra e bons estudos!

7Capítulo 1 77Capítulo 1

OBjetivOs específicOs

• Estabelecerrelaçõesentrealiteraturadeinformaçãoeosaspectoshistóricose culturais da época.

• Identificarascaracterísticastemáticaseformaisdoteatrodosjesuítas.

intrOduçãO

O primeiro capítulo de nossos estudos sobre a Literatura Brasileira se reporta aos primórdios de nossa formação cultural, aos textos fundadores de nossa cultura. Nessas obras, foram registradas as primeiras impressões que os conquistadores e os colonizadores tiveram da terra e dos nativos que aqui encontraram. Destaca-mos para análise dois textos fundamentais dessa tradição: a Carta de Pero Vaz de Caminha e o Auto de São Lourenço, do jesuíta José de Anchieta.

1. cOntextO HistóricO-cuLturaL

O período colonial compreende os séculos XVI, XVII e XVIII da história do Bra-sil, os quais correspondem, no campo das letras, ao Quinhentismo, ao Barroco, ao Arcadismo e ao Pré-Romantismo. Que aspecto principal marca as representa-ções do homem e da terra nesses períodos? Como bem aponta Bosi (1994, p.12), o nativismo marca a perspectiva ideológica do período colonial, tal qual o nacio-nalismo marca a perspectiva ideológica após a independência do país, portanto, a partir do Romantismo.

Os primeiros textos que compõem a nossa tradição nas letras são denominados de literatura de informação. Mas... toda literatura nos informa algo, não? Vamos imaginar que os autores desses primeiros escritos não tinham intencionalidade artística. Não havia aqui a classe dos escritores de literatura nem um público para consumi-la. A vida na colônia foi insípida notadamente nos primeiros séculos. Os religiosos formavam a única vertente que se caracterizava por uma atividade intelectual. Somavam-se a eles, a classe dos proprietários rurais e a escravaria. Os ruralistas chegaram com interesse no apossamento da terra e no enriquecimento.

Então, como se configurava a situação comunicativa? Quem escrevia o quê, para quem e por quê?

A literatura de informação apresenta as primeiras impressões das paisagens na-tural e humana, registradas pelo olhar do estrangeiro ao se deparar com a terra paradisíaca e seus habitantes. São textos escritos com a finalidade de atender

Os primórdiOsProfa. Luciana marinho Fernandes da silva

Carga Horária | 15 horas

8 Capítulo 1

objetivos políticos, religiosos, econômicos. As crô-nicas dos viajantes, os textos informativos dos mis-sionários e as peças teatrais dos jesuítas fazem par-te desse legado. A Carta de Pero Vaz de Caminha inaugura essa tradição. Posteriormente, destacam-se o Diário de Navegação, de Pero Lopes e Sousa, datado de 1530; o Diálogo sobre a Conversão dos Gentios, de Padre Manuel da Nóbrega, datado de 1557; o Tratado da Terra do Brasil, de Pero Ma-galhães Gandavo, datado de 1576; os Tratados da Terra e da Gente do Brasil, de Fernão Cardim, sem data precisa; o Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, datado de 1587; os Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão, datado de 1618 e a História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, datado de 1627.

Portanto, esses textos foram construídos a partir da perspectiva do colonizador. Constituem a funda-ção de nossa história literária na medida em que, quando o circuito da comunicação artística passou a existir, os escritores reconheceram nesses textos bases para a reflexão e a elaboração de uma litera-tura representativa de nossa identidade nacional, por serem as primeiras referências sobre a terra e os nativos. Salientamos, nesse sentido, o interes-se dos modernistas de 22 em visitar as obras dos cronistas quinhentistas, buscando a nossa origem.

Como surge, nesse contexto, o nativismo, uma vez que a relação de exploração da metrópole

para a colônia se sobrepunha ao sentimento de cuidar da terra e do povo que aqui foi

encontrado?

No século XVI, Portugal se encontrava impregna-do pela mentalidade do pensamento humanista. Munidos desse ideário, os portugueses chegam ao Brasil para cumprir objetivos econômicos, políti-cos e religiosos da expansão e exploração mercanti-listas bem como da cristianização. Vamos lembrar que, nesse período, o poder estava centralizado na aliança do Estado com a Igreja. A Igreja, por sua vez, vivia uma posição dualista, a saber: apoiar o processo expansionista de busca de riquezas em novas terras, associado à expansão do império reli-gioso e, ao mesmo tempo, assistir à escravização e à matança indígenas colocarem, em xeque, os ideais humanistas e cristãos.

Nas relações internas da Igreja, o dualismo será marcado pela posição contrária à política de co-

lonização assumida pela Companhia de Jesus. Ao priorizar a catequização, motivada pela ideia de que as almas indígenas precisavam ser salvas, a Companhia de Jesus defende os índios do proces-so violento, que representou a colonização para a cultura desses povos. O nativismo surge, nesse pri-meiro momento, atrelado a essa posição dos jesuí-tas. A resistência dos jesuítas ao ideário do coloni-zador caracterizará a postura dessa ordem religiosa até 1759, quando o Marquês do Pombal intervém, expulsando a Companhia de Jesus do território português. Em 1760, ela é expulsa do Brasil.

A importância da tradição religiosa para a forma-ção cultural do Brasil colonial é fundamental e dominante, haja vista que a Igreja ficou responsá-vel pela administração do ensino, adquirindo este um direcionamento religioso até o século XVIII. Quando chegaram ao Brasil, em 1549, no atual estado da Bahia, os jesuítas iniciaram os trabalhos de catequização, erguendo instituições de ensino. Ao deixarem o país, já tinham fundado colégios por vários pontos do litoral, da região Sul à região Nordeste. Destacaram-se nomes como Manuel da Nóbrega, José de Anchieta, Vicente Pires, Leonar-do Nunes.

Na ausência de ensino superior leigo, os brasileiros viajavam para Portugal a fim de adquirirem instru-ção. Logo, voltavam para o Brasil com a menta-lidade formada pelos valores e crenças da cultura europeia, especificamente da portuguesa. Isso cola-borou para a instauração de duas tendências con-flitantes, presentes nos primeiros séculos de nossas letras, uma que teve como ponto de referência a Europa, e a outra que procurava edificar uma tra-dição local, como aponta Coutinho (1980, p. 35):

Dada a contingência de nação colonizada por europeus, os portugueses, e em virtude da ausência de uma tradição autóctone que pudesse servir-nos como passado útil, a evo-lução de nossa literatura foi uma luta entre uma tradição importada e a busca de uma nova tradição de cunho local ou nativo. Esse conflito das relações entre a Europa e a América, esse esforço de criação de uma tradição local em substituição à antiga tradição européia, marcam a dinâmi-ca da literatura desde os momentos ou expressões iniciais

na Colônia.

Com o intuito de catequizar os índios, os jesuítas cooperaram para a construção de uma tradição lo-cal ao introduzirem, em seus textos, vocabulário, costumes, crenças indígenas. É importante não es-quecer que as imagens dos índios presentes nessas

9Capítulo 1

obras provêm das interpretações que os religiosos construíram a partir do que presenciaram, tendo em vista seus valores de homens brancos, católicos, europeus.

Podemos considerar que, ao descreverem e valo-rarem os índios e seus costumes, os jesuítas nos deixaram um acervo precioso o qual nos leva a co-nhecer mais a mentalidade dos missionários que entraram em contato com os nativos do que pro-priamente a mentalidade destes. Assim, vale-nos o ditado: “Quando João fala de Pedro, conhecemos mais João do que Pedro”. Destacam-se, nesse em-preendimento missionário, as figuras de Pe. Ma-nuel da Nóbrega e de Pe. Anchieta, com obras fun-damentais como Diálogo sobre a Conversão do Gentio, datado de 1557, de Nóbrega; e os autos, como o Auto das Onze Mil Virgens, datado de 1583, de Anchieta.

Uma outra nuance do sentimento nativista é ob-servada na prosa dos cronistas e viajantes portu-gueses, na qual a natureza aparece de forma exu-berante, e a terra, próspera. Traz as marcas do olhar deslumbrado diante do exótico. No caso dos jesuítas, o nativismo direcionou-se para a missão catequizadora e a defesa do nativo, como vimos an-teriormente; no caso dos cronistas e dos viajantes, direcionou-se para o interesse do colonizador em usufruir as riquezas naturais da terra conquistada e em registrar o que ameaçava o projeto expansionis-ta, como as invasões estrangeiras. Assim, os escri-tos e relatos tiveram orientações diferentes.

Nos dois próximos tópicos deste capítulo, analisa-remos a Carta de Pero Vaz de Caminha, datada de 1º de maio de 1500, e o Auto de São Lourenço, de José de Anchieta, de 1583. Observaremos como os índios são representados de maneira diferente em cada um desses textos, uma vez que o contexto de produção e a intencionalidade de seus autores atendem a fins distintos.

2. O primeirO reGistrO dO OLHar estranGeirO: a carta de caminHa A Carta de Caminha inaugura o acervo de textos de informação que registra relatos e descrições da terra e dos aborígines nos primeiros séculos de co-lonização. São testemunhos históricos dos conta-

tos iniciais entre europeus e americanos bem como das relações travadas quando o processo de assen-tamento na nova terra já havia sido instaurado. Destacam-se, na Carta, a visão de mundo do es-trangeiro, os valores, as crenças, expectativas deste ao se confrontar com uma cultura bastante dife-rente da cultura europeia no século XVI. Podemos verificar, na citação de Bosi (1994, p. 14), alguns aspectos que caracterizam a escrita de Caminha e situam a Carta no contexto dos gêneros textuais da época:

O que para a nossa história significou uma autêntica cer-tidão de nascimento, a Carta de Caminha a D. Manuel, dando notícia da terra achada, insere-se em um gênero copiosamente representado durante o século XV, em Por-tugal e Espanha: a literatura de viagens. Espírito observa-dor, ingenuidade (no sentido de um realismo sem pregas) e uma transparente ideologia mercantilista, batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval, eis os caracteres que saltam à primeira leitura da Carta e dão sua medida como documento histórico.

A literatura de viagem é o gênero que mais se destacou em Portugal, no século XVI, estando de acordo com o contexto sócio-histórico do ex-pansionismo mercantilista e religioso das grandes viagens marítimas. São exemplos dessa literatura os “livros de navegação”, os diários de bordo, as correspondências.

O texto de Caminha pertence ao gênero epistolar, contudo dialoga com outro gênero, o diário. Traz as marcas da estrutura de carta, como a saudação ao Rei D. Manuel, seu ilustre interlocutor, no iní-cio, e o fechamento com a despedida e a assinatu-ra do emissor, no fim. Todavia, ao direcionar-se à narração dos acontecimentos da viagem de Pedro Álvares Cabral, com minúcia de datas e numa se-quência cronológica, o texto adquire características de diário.

A Carta de Caminha, longe de ser um documento cujo objetivo é o de descrever os fatos da viagem com distanciamento emocional e imparcialidade, revela os sentimentos e as impressões do emissor diante de uma paisagem natural exuberante e de uma paisagem humana que se mostra exótica aos seus olhos. Em relação aos elementos textuais que marcam a interação de Caminha com o seu inter-locutor, podemos verificar o jogo retórico e persua-sivo de quem busca dar validade ao próprio discur-so bem como o tom de quem presta servilmente um trabalho:

10 Capítulo 1

Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim igual-mente os outros capitães escrevam a Vossa Alteza dando notícias do achamento desta Vossa terra nova, que agora nesta navegação se achou, não deixarei de também eu dar minha conta disso a Vossa Alteza, fazendo como melhor me for possível, ainda que — para o bem contar e falar — o saiba pior que todos. Queira porém Vossa Alteza tomar minha ignorância por boa vontade, e creia que certamente nada porei aqui, para embelezar nem para enfeiar, mais do

que vi e me pareceu.

Podemos perceber, nas palavras de Caminha, a fal-sa modéstia para quem mantinha o posto de escri-vão da armada de Cabral e um certo tom de quem quer se mostrar servil ao Rei, especialmente nesses fragmentos:

“Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim igual-mente os outros capitães escrevam a Vossa Alteza dando notícias do achamento desta Vossa terra nova [...] não dei-xarei de também eu dar minha conta disso a Vossa Alteza”, “[...] fazendo como melhor me for possível, ainda que —

para o bem contar e falar — o saiba pior que todos”

e ainda

“Queira, porém, Vossa Alteza tomar minha ignorância por boa vontade”. A fim de dar confiança às suas palavras, Caminha afirma a veracidade delas: “creia que certamente nada porei aqui, para embelezar nem para enfeiar, mais do

que vi e me pareceu”.

Também identificamos, nesse primeiro parágrafo da Carta, um sinal do objetivo imperialista da ex-pansão marítima portuguesa. Quando Caminha, ao se dirigir ao Rei D. Manuel, utiliza o pronome possessivo “vossa” na expressão “Vossa terra nova” aponta a relação de posse que caracterizará a re-lação metrópole e colônia. Imperialismo que, ao longo da colonização, transformará o olhar admi-rado e curioso desse primeiro observador da ter-ra paradisíaca em ações violentas que terão como consequência a fuga de índios para o interior do país numa tentativa de evitar o extermínio do qual a maioria foi vítima.

Os índios descritos por Caminha são seres amisto-sos, de fácil contato — dificultado apenas pelo não entendimento linguístico — e inocentes: “Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes co-brisse as suas vergonhas. Traziam nas mãos arcos e setas. Vinham todos rijamente em direção ao ba-tel. Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles assim fizeram”. Esta é uma das pas-

sagens da carta, na qual o olhar do colonizador se apresenta impregnado de seus valores culturais ao se referir aos modos e costumes dos nativos, nesse caso, ao se referir à genitália como “vergonhas”. Mais adiante, afirma:

“Andam nus, sem coberta alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão

inocentes como quando mostram o rosto”.

Caminha descreve os índios como obedientes ao comando de Nicolau Coelho, dado importante a ser comunicado ao Rei, uma vez que havia o inte-resse de achar riquezas em terra firme, e o compor-tamento amistoso dos nativos facilitaria o empre-endimento. A atenção voltada à reação dos índios é verificada em outras passagens: “Um deles trazia um arco e seis ou sete flechas; e na praia andavam muitos com seus arcos e flechas, porém deles não fizeram uso em nenhum momento”.

O encontro do português com os índios america-nos representou um choque cultural para ambas as partes, embora tenha sido a cultura dominada a que sofreu o processo violento de perda de identi-dade e de dizimação de povos. Na Carta, há mar-cas da tentativa, feita por Caminha, de apreender a cultura indígena por meio da comparação entre elementos de sua própria cultura e da cultura que lhe é estranha. Compara, assim, os trajes de um nativo à imagem de São Sebastião: “Esse que o agasalhara era já de idade e andava por galanteria cheio de penas pegadas pelo corpo, de tal maneira que parecia um São Sebastião cheio de flechas”.

A busca por especiarias e trocas comerciais me-nos custosas levou a armada de Vasco da Gama a empreender a primeira viagem de Portugal às Índias, no final do século XV. Motivou igualmen-te a viagem comandada por Cabral, cujo destino culminou no Brasil. O interesse mercantilista de usufruir os bens da terra é registrado ao longo das descrições de Caminha. O desejo de desfrutar de um proveito ilimitado, contido na célebre expres-são do escrivão de que aqui se plantando tudo dá, é verificado também no interesse de encontrar ouro. Assim Caminha descreve a comunicação en-tre um índio interessado nas contas que lhe foram mostradas pelo Capitão:

Depois tirou-as e com elas envolveu os braços e acenava para a terra e logo para as contas e para o colar do Capitão, como querendo dizer que dariam ouro por aquilo. Nós as-

11Capítulo 1

sim o traduzíamos porque era o nosso maior desejo... Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isso nós não desejávamos compreender, porque tal coisa não aceitaríamos fazer.

O interesse mercantilista e as estratégias de apro-ximação podem ser reconhecidos nos fragmentos a seguir:

“Ninguém não lhe deve falar rijo, porque então logo se esquivam; para bem os amansar é preciso que tudo se passe

como eles querem”.

E, no final da Carta, sobre o proveito da terra:

Nela até agora não pudemos saber se haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem o vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperador como Entre-Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.... As águas são muitas e infin-das. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-

la, tudo dará nela, por causa dos frutos que tem...

Não podemos esquecer que, aliado ao projeto de expansão econômica, havia o de expansão religio-sa. As descrições de Caminha quanto ao compor-tamento receptivo dos índios nos momentos em que os tripulantes da armada apresentavam-lhes elementos da cultura católica se repetem ao longo da Carta. Também fica evidente o sentimento de superioridade do português ao descrever suas im-pressões quanto aos nativos.

Não há esforço dos brancos para, despojando-se de seus valores, tentar compreender a cultura dos pardos. Antes, encontramos uma dificuldade de pensar o diferente, que culmina no sentimento de superioridade do português ao avaliar o modo de vida dos nativos. O que é compreensível, tendo em vista o período histórico do Renascimento com o seu ideal humanista de crença na evolução do ho-mem através da ciência e da razão. Aos olhos do homem renascentista, a cultura indígena represen-tava atraso. A essa postura de se colocar superior perante a cultura de outros grupos ou povos, os an-tropólogos dão o nome de etnocentrismo. Obser-vemos, pois, o comentário de Caminha em relação a dois índios que receberam presentes do Capitão da frota:

Os outros dois que o Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já foi dito, nunca mais aqui apareceram, fatos que induzem a pensar que se trate de gente bestial e de pouco saber, por isso mesmo tão esquiva. Mas apesar de

tudo isso, andam bem curados e muito limpos. E naquilo sempre mais me convenço que são como aves ou animais montesinhos....

Caminha, antes de se despedir do Rei D. Manuel, finaliza suas opiniões sobre a terra e seu povo, enaltecendo a expansão da cristandade como o fim último das conquistas do império português: “Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar essa gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza deve lançar”.

Contudo, os anos que separam a Carta de Cami-nha do início da colonização, que se deu por volta de 1530, são anos que vão anteceder à mudança do olhar extasiado diante da natureza paradisíaca e da inocência dos índios para o olhar desumano, orientado para a cobiça e o interesse pelo lucro. Como aponta Castro (2007, p. 125-126), a comu-nicação gentil que fora conquistada entre autócto-ne e conquistador, apresentada na Carta de Cami-nha, será substituída pela brutalidade imperialista:

O paraíso modifica-se lentamente. Modifica-se a vida. O claro imediato sentido da existência se vê superado pela convicção colonizadora e imperialista. Até mesmo o co-lonizador — antes ingenuamente feliz — perde a visão do paraíso. As palavras do escrivão do Porto Seguro são esque-cidas, e o espírito de alegria não voa mais sobre homens e coisas... Será um longo tempo de penumbra, a noite bra-sileira, quando brancos, pretos, amarelos e vermelhos se confundem na comoção de um plasma ainda inominado: que hoje é a expulsão do indígena para longes terras ou morte deles; amanhã, a entrada do navio negreiro com a doçura do africano que chega para ser consumido na vio-lência do trabalho sem dignidade....

3. teatrO reLiGiOsO dOs jesuítas: ancHieta

Entre a Carta de Caminha e as prosas dos jesuítas transcorreram cerca de 50 anos. Se, no primeiro, o espírito do conquistador era ingênuo e prático, no segundo, havia o objetivo de cumprir os interesses da Companhia de Jesus, ou seja, a catequese do gentio e o ensino. Na tentativa de cumprir o seu programa humanístico, os jesuítas discordavam frequentemente dos portugueses colonizadores. Em seus escritos, encontraremos descrição da pai-sagem natural e das relações estabelecidas entre os índios, os colonos e os religiosos, na sociedade que começava a se formar.

12 Capítulo 1

Anchieta destaca-se entre os jesuítas pelo modelo de linguagem de seus escritos, nos quais se salienta a dimensão mística de sua obra aliada à pedagó-gica e doutrinária. Seus escritos se realizaram em diversos gêneros, tais como o teatro, a poesia épica e a religiosa. Assim, eram para serem representa-dos e declamados. A linguagem de suas obras se caracterizava pela simplicidade em função de seu público: os índios no processo de catequização e os colonos. Considerando seus interlocutores e o contexto religioso, fez uso de vários idiomas, como o português, o tupi-guarani, o espanhol e o latim.

Contudo, é importante atentarmos para o ponto de vista de Moreau (2003, p. 19), segundo o qual, tanto o colonizador quanto os jesuítas propunham intervenções no modo de vida indígena, que se ca-racterizavam pela violência. Assim, os textos

....evidenciam que a carência do Bem católico quando o padre e sua verdade universal inventam uma alma para o corpo classificado, no ato, como “gentil”, “inconstante”, “selvagem” e “bárbaro”, é suplementada no século XVI por duas espécies de intervenção. Ambas são violentas pelo mero fato de serem intervenções, embora se pudesse pensar que têm violências de espécies e intensidades diver-sas. Genericamente, a intervenção dos que afirmam que o índio é um “cão”, um “porco”, um “bárbaro” e um “escre-vo por natureza”, propondo o extermínio e a escravidão; e a intervenção dos que defendem que é “humano”, mas “selvagem”, e que deve ser salvo para Deus por meio da verdadeira fé que o integra como subordinado, escravo ou plebeu, ao corpo místico do reino português.

O Auto de São Lourenço, escrito por Anchieta e encenado em 1583, é uma peça composta por 5 atos, cujo objetivo é o de induzir ao amor e temor a Deus. Centralizado no martírio de São Lourenço ao morrer queimado, o Auto representa a luta do Bem contra o Mal. Após a morte de São Lourenço, três demônios tentam destruir a aldeia indígena. Anchieta traça semelhanças entre os demônios da igreja Católica e os demônios do universo indíge-na, a saber, Guaixará, Aimberê e Saravaia. Esses de-mônios são nomes de índios Tamoios. Os Tamoios defenderam os franceses contra os portugueses.

Os demônios, com o intuito de destruir a aldeia, valorizam os costumes indígenas, como o de beber cauim e o de fumar, a fim de criar desavenças e discórdias na tribo. Assim, Anchieta aproxima os costumes indígenas de forças maléficas. São Lou-renço, aliado a São Sebastião, salva a aldeia de tal invasão demoníaca. Por fim, anjos aconselham os

indígenas a terem confiança em São Lourenço e nos preceitos católicos.

Com um enredo maniqueísta, Anchieta procura dominar o gentil ideologicamente, desvalorizando seus costumes em prol dos costumes portugueses. Dessa forma, é pela boca do demônio Guaixará que os valores indígenas são degradados:

Guaixará sou chamadoMeu costume é o bem viver.Que não seja constrangido O prazer, nem abolido.Quero as tabas acenderCom meu fogo preferido.Boa medida é beber Cauim até vomitar.Isso é jeito de gozarA vida, e se recomendaA quem queira aproveitar.

Mais adiante:

Valente é quem se embriagaE todo cauim entornaE a luta então se consagra.Que bom costume é bailar!Adornar-se, andar pintado,Tingir penas, empenado Fumar e curandeirar,Andar de negro pintado.

Assim, no discurso maniqueísta criado por Anchie-ta, é pela “boca do mal” que os costumes indígenas são valorizados. O outro demônio, Aimbirê, tam-bém profere a degradação dos modos e valores dos nativos, como o do adorno, da dança, da bebida:

Fui a Tabas vigiar,Nas serras de Norte a SulNosso povo visitar.Ao me ver regozijaram,Bebemos dias inteiros.Adornaram-se festeiros.Me abraçaram, me hospedaram,Das leis de Deus estrangeiros.Enfim, confraternizamos.Ao ver seu comportamento,Tranqüilizei-me. Ó portento!Vícios de todos os ramosTem seus corações por dentro.

Na peça, forma-se um jogo de valores no qual a perdição está com os demônios, e a salvação, com os jesuítas, missionários de Deus. Logo, para se aproximar da salvação, os indígenas têm que abrir

13Capítulo 1

mão de suas crenças, caso contrário são devasta-dos. Assim continua Aimbirê:

Usarei de igual destrezaPara arrastar outras presasNesta guerra pouco santa.O povo TupinambáQue em Paraguaçu morava,E que de Deus se afastava,Deles hoje um só não há,Todos a nós se entregaram....Todos os Tamoios foram Jazer queimando no inferno.Mas há alguns que ao Padre EternoFiéis, nesta aldeia moram,Livres do nosso caderno.Estes maus TermiminósNosso trabalho destrói.

Em outro fragmento, o demônio Guaixará deixa clara a ideia de que quem não tem devoção a Deus cai nas malhas do Diabo, ao fazer referência aos índios:

Por certo aqueles cristãosNão rebeldes não seriam.Mas esses que aqui estãoDesprezam a devoçãoE a Deus não reverenciam.Vais ver como em nossos laçosCaem logo esses malvados!De nossos dons confiados,As almas cederam passoPara andar do nosso lado.

É recorrente na peça a degradação do cauim, bebi-da presente nos rituais indígenas. É na fala do de-mônio Saravaia que o cauim será exaltado, quando aquele se dirige a Guaixará. Este diz que deixará Saravaia transportar os índios aprisionados. Dessa forma, o elemento indígena é associado ao diabo:

Irei onde me carregues.E agradeço que me entreguesEncargo tão desejado.Como Saravaia sou,Aos índios que me alieiEnfim aprisionarei.E neste barco eu vouDe cauim me embriagarei.

Mais adiante, o cauim será apontado por Saravaia como uma bebida que debilita os índios, deixan-do-os vulneráveis às artimanhas do diabo:

Forte estavaE os rapazes beberrõesQue pervertem esta aldeia,Caíam de cara cheia.Velhos, velhas, mocetõesQue o cauim desnorteia.

Ou ainda na fala do demônio Aimbirê:

Bebam cauim a seu jeito,Como completos sandeusAo cauim rendem seu preito.Esse cauim é que tolheSua graça espiritual.Perdidos no bacanalSeus espíritos se encolhem No nosso laço fatal.

A seguir, nas falas do demônio Aimbirê e de São Lourenço, respectivamente, podemos verificar a re-presentação do índio como alma perdida e o papel da igreja de receber os arrependidos e salvá-los:

E nem sequer raciocinamQue é o inferno que cultuam.

São Lourenço:

Mas existe a confissão,Bem remédio para a cura.Na comunhão se depuraDa mais funda perdiçãoA alma que o bem procura.Se depois de arrependidosOs índios vão confessarDizendo: Quero trilharo caminho dos remidos”.— O padre os vai abençoar.

O quinto e último ato representa a dança dos doze meninos que ocorre na procissão de São Louren-ço. Nesse momento, São Lourenço é louvado em detrimento dos “vícios”, dos “rituais mágicos” que, ao longo da peça, foram colocados no plano das crenças indígenas. Assim, no fragmento abaixo, ve-rificamos o Bem, sintetizado na figura dos santos, vencer o mal, sintetizado na figura dos demônios com seus costumes indígenas:

Nós confiamos em ti,Lourenço santificado,Que nos guardes preservadosDos inimigos aquiDos vícios já desligadosNos pajés não crendo mais,Em suas danças rituais,

14 Capítulo 1

Nem em seus mágicos cuidados.

A partir de quais aspectos podemos estabelecer re-lações de convergência entre os dois textos lidos por nós como representantes das duas tradições, a da literatura de informação, com a Carta de Cami-nha, e a prosa jesuítica com o Auto de São Louren-ço? Em ambos, existe a negação da existência de religião na sociedade indígena. Assim, enquanto textos representantes da expansão da cristanda-de, os índios são representados como perdidos e necessitados de conversão. A inocência do índio de Caminha é substituído pelo nativo pressiona-do pelas forças do mal e que precisa dos missio-nários e santos católicos para ser salvos. Escritos em momentos distintos e com intenções comuni-cativas também distintas, esses textos revelarão as teias discursivas nas quais foram concebidos. Em Caminha, a amistosidade e a boa recepção dos ín-dios ao simbolismo católico compõem as interpre-tações criadas pela necessidade do observador de assim conceber. Em Anchieta, um conhecimento mais aprofundado da cultura dos povos nativos já fora empreendido. Diferentemente da perspectiva de Caminha, na visão dos missionários, há forças a serem combatidas — as da magia, do vício — com a força da revelação cristã. Em ambos, o povo nativo não foi conhecido numa perspectiva que conside-rasse os seus valores, a sua cultura. Foram criadas imagens e metáforas dos índios, enquanto as suas tribos estavam sendo dizimadas e, assim, para sem-pre sua cultura seria irrecuperável.

atividades | 1. Selecione um autoindianista de José de Anchieta e teça um comentário crítico sobre a representação do índio na obra. Utilize pas-sagens desta para reforçar seu ponto de vista.

referÊncias

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

_____. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das letras, 2008.

CASTRO, Sílvio. A carta de Pero Vaz de Cami-nha. Porto Alegre: L&PM, 2007.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

MOREAU, Filipe Eduardo. Os índios nas cartas de Nóbrega e Anchieta. São Paulo: Annablu-me, 2003.

GLOssÁriO

Nativismo - tendência a se valorizar o que é nativo, natu-ral da terra, em detrimento do que é estrangeiro, ou vem de fora da região valorizada.

autóctoNe - que tem sua origem na terra onde se encon-tra, não provém de importação ou imigração. Nativo.

resumO

Tanto a literatura de informação quanto a literatura dos jesuítas surgem com fi-nalidades diferentes e, a princípio, não artísticas. As crônicas de viajantes, os textos informativos dos missionários e as peças teatrais dos jesuítas compõem o acervo da literatura produzida nos primeiros momentos da colonização do Brasil, objetivando, por um lado, cate-quizar os índios; por outro lado, infor-mar acontecimentos e descrever aspec-tos locais para a corte portuguesa.

SAIBA MAIS!

Livros: História do Amor no Brasil, de

Mary del Priori.

15Capítulo 2Capítulo 2

O BarrOcO

OBjetivOs específicOs

•Estabelecerrelaçõesentrealiteraturabarrocaeosaspectoshistóricosecul-turais de sua época.

• IdentificarcaracterísticasdoBarroconaliteraturaenapintura.

intrOduçãO

Vamos iniciar os estudos sobre o Barroco, momento em que se busca fundir duas visões de mundo, presentes em dois momentos históricos distintos, a saber, a Idade Média com a concepção teocêntrica da realidade e o Renascimento com a concepção antropocêntrica. Destacamos, para análise, obras dos dois autores mais importantes desse período na literatura brasileira: poemas lírico-amorosos, irônicos e satíricos de Gregório de Matos e Sermões de Padre Antônio Vieira.

1. cOntextO HistóricO-cuLturaL

Durante o século XVII, no Brasil, o processo de colonização continuava a operar sob a regência da exploração das terras brasileiras, da escravidão e das atividades dos jesuítas. Não havendo, portanto, grandes mudanças no cenário histórico. Vale ressaltar que ainda se delineava a formação de uma sociedade no Brasil e, consequentemente, a estruturação de um cenário literário e artístico, digno de ser chamado de nacional. Compreensível, já que essa estruturação é um processo que necessita de desenvolvimento contínuo e de tempo para atingir níveis capa-zes de representar a cultura de um povo.

Contudo, esse desenvolvimento tomava rumos com a inserção do Brasil, no sé-culo XVI, na rota do mercantilismo — prática econômica que visava à expansão de trocas de comércio, alargando as áreas geográficas por meio das viagens ma-rítimas. Nessa perspectiva, algumas alterações foram ocorrendo na colônia, de forma que “a economia fechada, reduzida a áreas diminutas, ilhada em torno de mercados próximos, iria sendo aceleradamente liquidada na medida em que o mercantilismo alastrava os seus efeitos”. (SODRÉ, 1995, p. 32).

E quanto ao Barroco? Para melhor compreendermos esse período histórico-cultu-ral no Brasil, será preciso, primeiramente, voltarmos ao século XVI em Portugal. Nessa época, Portugal vivia sob o Movimento da Contra-Reforma, que se base-ava, especificamente, numa resposta da Igreja Católica à Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero.

Profa. Luciana marinho Fernandes da silvaCarga Horária | 15 horas

16 Capítulo 2

A Reforma Protestante sugeria mudanças em vá-rios pontos da Doutrina da Igreja Católica e tinha como princípios os chamados “Cinco Solas”: Sola fide (somente a fé), Sola scriptura (somente a escri-tura), Solus Christus (somente Cristo), Sola gratia (somente a graça) e Soli Deo gloria (graça somente a Deus). Dentre os aspectos requisitados pela Re-forma, estavam: a interpretação livre da Bíblia, e não aquela elaborada apenas à maneira dos padres; os cultos religiosos em língua nacional, contrapon-do-se às missas celebradas apenas em latim, e a efi-cácia das indulgências.

Diante do “perigo” que representava a Reforma Protestante, devido à ameaça do esfacelamento e da decadência da própria Igreja Católica, esta iniciou então a Contra-Reforma. Seu marco foi o Concílio de Trento (1545-1563), no qual os seus representantes, convocados pelo Papa Paulo III, re-elaboraram os preceitos da Igreja, dando início a uma verdadeira ação contra o avanço do Protes-tantismo.

Para reforçar os dogmas do Catolicismo, foram tomadas várias medidas, entre elas: a criação do Index Librorum Prohibitorum (espécie de lista de livros proibidos pela Igreja Católica), a retoma-da e a reorganização do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), a manutenção do celibato, a superio-ridade do Papa sobre os demais representantes da Igreja e a proibição de venda de indulgências (ato questionado pela Reforma Protestante).

Chegamos a um aspecto importante que irá interes-sar particularmente a nossa compreensão do Bar-roco no Brasil: a presença da Companhia de Jesus, fundada em 1534, no contexto da Contra-Reforma Católica. Como sabemos, os Jesuítas tinham como objetivo primordial divulgar, por meio da cateque-se e do ensino, a ideologia e o conjunto de crenças da Igreja Católica. A vinda dessa ordem religiosa para o Brasil está, portanto, diretamente ligada à Contra-Reforma Católica na metrópole e terá um papel fundamental na constituição do Barroco na colônia. Assim Castello (1999, pág. 82) nos situa a relevância da Companhia de Jesus no contexto do Barroco no Brasil:

É de relativa fortuna, com acentuada importância nos três séculos de nossa formação colonial, dado o papel que a Igreja representou neste período, destacadamente a Com-panhia de Jesus, a contar de Anchieta. Sendo então a oratória religiosa o púlpito católico um dos veículos mais

combativos e de grande poder de irradiação e influência da parenética jesuítica, da qual o Pe. Antônio Vieira seria, no século XVII, não só o seu principal expositor em língua portuguesa, como igualmente o seu maior modelo.

No Período Colonial, portanto, os jesuítas tiveram um papel fundamental na formação intelectual do Brasil. Os jesuítas foram, de fato, o primeiro grupo de intelectuais a trazer conhecimento de além-mar e dar início, em terras brasileiras, ao contato com o pensamento e a produção cultural de Portugal. Embora pregassem o conhecimento por meio da catequese, o primeiro passo já estava dado: o des-pertar do interesse pelas letras. Vejamos o que nos diz Sodré (1995, p. 55):

Pela sua formação e pela finalidade de seu mister, os pa-dres eram dotados de indiscutíveis condições intelectuais, que empregavam, na medida do possível, na tarefa da cate-quese. Empregaram-nas em particular no ensino, que lhes pertenceu por largo período como monopólio, e em que tiveram, mesmo quando ao lado de outros elementos, um

papel de singular destaque.

E, em seguida:

Nos Colégios, o Ratio Estudiorum fazia homens letrados e casuístas. Não concorriam as ciências com as letras. (...) Sendo a maior parte dos seus professores homens letrados, os educandos julgavam-se em ilustrada academia com eles. As Humanidades, culminando em Teologia, revestidas do Latim, tendendo à religião, por fim transcendente, habitu-avam as ‘classes’ (e ‘clássicos’ foram os autores lidos) à con-templação da beleza literária, à meditação da velha poesia,

ao sentimento da moral antiga.

Enquanto o Brasil vivia seus dias de colonização, especificamente no século XVI, em Portugal vivia-se o período do Renascimento. Paralelamente, no contexto cultural, a literatura portuguesa passava por momentos áureos de intensa produção artís-tica de poesia épica, lírico-amorosa e a literatura de viagens, proveniente dos descobrimentos marí-timos. Dentre as características do Renascimento, estão:

a) O Antropocentrismo: o homem como centro, racional, capaz de explicar fenômenos à sua volta.

b) O Racionalismo: a razão é a base do conheci-mento.

c) O Humanismo: a valorização das ações huma-

17Capítulo 2

nas e dos valores morais. Para o humanista, os seres humanos são responsáveis pela criação desses valores, entrando assim em contradição com o pensamento religioso, que afirma que Deus é o criador desses valores.

d) O Hedonismo: valorização dos prazeres senso-riais.

e) O Individualismo: o homem capaz de esco-lher, de tomar decisões e de ser responsável pela condução de sua vida.

f) Inspiração na Antiguidade Clássica: visitação à cultura greco-latina. Daí o termo Classicis-mo.

O período do Renascimento durou, em Portugal, até fins do século XVI. Com a chegada do século seguinte, foram se delineando novas concepções a respeito do Homem e do seu meio. Com o decor-rer dos acontecimentos históricos, principalmente no âmbito religioso, nasce uma crise espiritual no seio do ser humano. O homem já não é mais se-nhor absoluto. Ele agora vive em conflito, em con-tradição. Está criado o universo do Barroco.

2. a estética BarrOca: pintura e Literatura

A necessidade do homem de traduzir em palavras, imagens, sons e formas, trabalhando significante e significado numa harmonia singular, seja em gru-po ou em completa solidão, faz surgir o objeto da arte. Os aspectos de um determinado período lite-rário e artístico, analisados no conjunto das obras produzidas no decorrer de um peculiar momento histórico, manifestam “(...) o itinerário de ascensão e descensão do homem na sua ânsia de dar lingua-gem e expressão estética à sua consciência de si e do mundo” (ÁVILA, 1994, p. 24-25).

O período do Barroco, como veremos, teve uma grande importância na história da literatura e da arte. A estética barroca — definindo estética como o exercício da sensorialidade, que, segundo Bau-mgarten (in ANDRADE, 1997, p. 57), engloba a “comparticipação das faculdades intelectuais e das faculdades sensíveis” — revela o espírito do homem mergulhado na contradição e no dualismo. Resul-tado de um período em que se chocavam ideais

cristãos medievais, deflagrados pela Contra-Refor-ma, e o que fora herdado do espírito renascentista, o homem barroco se viu entre o céu e a terra, entre o claro e o escuro, entre a matéria e o espírito.

O homem renascentista se via senhor de todos os mares, iluminado pela certeza da razão, pleno na sua capacidade de agir e escolher. Esses valores fo-ram postos em xeque ao tombar a convicção de que tudo não estava tão nitidamente definido.

Vejamos este quadro comparativo:

Podemos analisar algumas características desses dois períodos, comparando duas pinturas repre-sentativas de cada época. A primeira, “O Nasci-mento de Vênus” (1483), de Botticelli, é uma obra renascentista, com tema clássico da mitologia ro-mana: a deusa Vênus emergindo do mar como mu-lher adulta. Alguns acreditam que não tenha sido intencional, mas esta obra causa um efeito de pa-ganismo, ou seja, a ausência de pecado ou de mal absoluto e a divindade em união e equilíbrio com a Natureza. A segunda, “Invocação de São Mateus” (1600), de Caravaggio, nitidamente com tema re-ligioso cristão, retrata a passagem do Evangelho de Mateus (Mateus 9:9), que diz: “Partindo Jesus dali, viu sentado na coletoria um homem chamado Mateus: e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu.”. Notemos, leitores, que a tela barroca contrasta o tom das cores entre o claro e o escuro, o que não ocorre na pintura renascentista.

RENASCIMENTO BARROCO

O Homem é o centro do Universo (Antropocentrismo)

Homem X Deus: choque entre as vi-sões antropocêntrica e teocêntrica.

Equilíbrio Matéria X Espírito

Racionalismo Fé X Razão

Paganismo Cristianismo

Influência da cultura clássica

Morbidez

Procura pela clareza Interesse por ra-ciocínio complexo, complicado, obscu-ro, empregado em parábolas e narrati-vas bíblicas

Idealização amoro-sa; neoplatonismo; Sensualismo.

Sensualismo e sentimento de culpa cristão

18 Capítulo 2

No Brasil, um artista plástico que ganhou destaque em nosso Barroco tardio, pois aqui este período al-cançou o seu apogeu no século XVIII, foi o mineiro Manuel da Costa Ataíde (1762-1830). Nascido em Mariana, cidade próxima a Ouro Preto, Mestre Ataíde ornamentou igrejas com pinturas religiosas de altís-simo valor para a história do barroco brasileiro. O seu trabalho mais representativo está na Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, Minas Gerais. O forro desta igreja foi pintado com riqueza de detalhes. Observando a imagem, podemos notar o efeito causado pelas colunas que sustentam a imagem central da Virgem Maria. Temos a “sensação” de que o teto é mais amplo e de que os elementos pintados integram a extensão da igreja. Nesta mesma igreja, são encontrados também os trabalhos de outro artista barroco importante, a saber, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814). Nascido em Vila Rica, atual Ouro Preto, Aleijadinho, com suas esculturas e trabalhos arquitetônicos, enriqueceu ainda mais a Igreja de São Francisco de Assis, uma vez que foi ele quem planejou e esculpiu toda a igreja, apenas a pintura do forro pertence ao Mestre Ataíde.

Por meio do elemento visual, formas, cores, ima-gens, o trabalho artístico bem elaborado nas igrejas católicas exercia a função de atrair mais fiéis. Se-guindo as palavras de Ávila (1994, p. 28): (...) a pre-ocupação visualizadora do barroco (...) era persua-sória, encantatória, buscava prender pelos olhos, transmitir quase sempre uma mensagem religiosa e dela convencer o espectador (...).

Vamos agora, caros leitores, explanar sobre as ca-racterísticas do Barroco na literatura. No âmbito da estética da linguagem literária, os autores do Barroco usaram amplamente o recurso das figuras

de linguagem, como, por exemplo, a metáfora, a antítese, o paradoxo, a hipérbole e a sinestesia. Tais figuras traduziam o conflito existencial do homem barroco, que cultuava o dualismo e o contraste. O gosto pelo rebuscamento e detalhismo das palavras era um artifício usado para expressar a ideia de que o sentido de tudo estava ainda para ser descoberto. Daí também a literatura barroca, especialmente a poesia, trazer consigo um elemento de surpresa e de novidade.

Dois estilos literários conhecidamente intrínsecos ao Barroco foram:

Figura 1: O Nascimento de Vênus, de Botticelli.

Font

e: re

nasc

imen

to-a

l.blo

gspo

t.com

Figura 2: Invocação de São Mateus, de Caravaggio

Font

e: e

liesc

reve

ndon

o.bl

ogsp

ot.c

om

Figura 3: Igreja de São Francisco de Assis, Mestre Ataíde e Aleijadinho.

Font

e: b

ethc

ruz.

blog

spot

.com

Figura 4: Igreja de São Francisco de Assis, Mestre Ataíde e Aleijadinho.

Font

e: g

foru

m.tv

19Capítulo 2

1. O Cultismo: caracterizado pelo jogo de pala-vras, auxiliado pelo exagero no uso de figu-ras de linguagem. Conhecido também como Gongorismo, devido à influência do poeta es-panhol Luís de Gôngora.

2. O Conceptismo: estilo marcado pelo jogo no plano das ideias; apreensão do objeto pela bus-ca de seu sentido, de sua essência. Explorava a lógica e a inteligência no jogo do significado das coisas. Uso do silogismo e do sofisma, ele-mentos da lógica. Enquanto que no silogismo, temos a exposição de duas premissas para se chegar a uma conclusão dada como verdadei-ra, no sofisma, utiliza-se de argumentos para se chegar a uma conclusão falsa, inaceitável. Este estilo é conhecido também como Queve-dismo, termo vindo do nome de outro poeta espanhol, Antônio de Quevedo.

Vejamos um poema de Luís de Gôngora:

rOsa vã

Ontem nasceste, e morres amanhã.A teu ser tão fugaz quem lhe deu vida?Para viver tão pouco estás luzida,e para não ser nada, tão louçã?

Se te enganou a formosura vã,bem depressa a verás desiludida,porque em tua beleza está escondidaa ocasião de morte temporã.

Quando te corte uma robusta mão,que é lei da agricultura permitidagrosseiro alento acabará tua sorte.

Não saias, rosa, aguarda-te um vilão.Adia teu nascer para esta vida,que teu ser antecipas para a morte.

As antíteses do nascimento e da morte, do ontem e do amanhã, o questionamento de quem terá dado a vida à rosa - origem divina ou natural? -, a visão efêmera da vida, inversões sintáticas que dão dina-mismo à apreensão e à compreensão do significa-do dos versos, vida e morte presentes, lado a lado, no mesmo ser, são algumas características barrocas que encontramos neste poema de Gôngora e que dialogam com os questionamentos materializados nas cores sóbrias e no jogo de luz e sombra que marcam a pintura nesse movimento.

Deixamos, então, uma mensagem aos leitores in-teressados em mergulhar a fundo, neste univer-so: será de um valor incomensurável percorrer os caminhos da “(...) perplexidade existencial do homem barroco, pressionado pelas forças de his-toricidade, pelos elementos de uma religiosidade angustiante e buscando desesperadamente anular, de algum modo, a sua consciência dilemática dian-te do inexorável ‘espetáculo que passa”. (ÁVILA, 1994, p. 30)

3. pOesia LíricO-amOrOsa e satírica: GreGóriO de matOs

Gregório de Matos Guerra é o grande representan-te da poesia barroca no Brasil. Filho da elite co-lonial baiana, estudou Direito em Coimbra, onde recebeu influência literária de Gôngora e Quevedo bem como do pensamento humanista do século XVII. Sua produção artística expressa a tensão proveniente da tentativa de conciliar a fé medie-val com a razão renascentista. Sendo o poeta que melhor representa o barroco brasileiro, sua obra é caracterizada pelo culto do contraste, tensão in-terior, rebuscado jogo de palavras, riqueza no uso de figuras como hipérboles, antíteses, hipérbatos, numa visão em que a relação do homem com o mundo ocorre por meio do conflito e, frequente-mente, do sofrimento.

Contudo, como ressalta Castello (1999, p. 79), é no confronto das tendências de sua obra lírica e satírica que encontraremos a maior expressividade da poética barroca, colocando-o assim em desta-que no cenário literário:

Oporia, assim, a expressão lírica, amorosa e religiosa do mais alto nível e inspiração à agressão e ao deboche da sá-tira social e individual. Sua glória se fez de satírico, mas pelo confronto contrastivo desta expressão poética com a lírica amorosa e religiosa que ele deve ser projetado como

o maior poeta barroco da língua portuguesa.

Na prosa, a literatura dos jesuítas mais uma vez se destaca, tendo como principal representante o Padre Antônio Vieira. Na poesia, Gregório de Ma-tos quase se salienta sozinho, caso não houvesse a presença de Manuel Botelho de Oliveira. Este, na obra Música do Parnaso, compilou sua obra poética. Também não podemos esquecer a obra que cronologicamente inicia o Barroco no Brasil, a épica Prosopopéia, de Bento Teixeira. Contudo,

20 Capítulo 2

a tentativa de escrever uma epopeia à semelhança de Os Lusíadas, mas sem o sentimento de contar os feitos de nosso povo, do herói brasileiro, levou Bosi (1994:36) a afirmar:

A imitação de Os Lusíadas é assídua, desde a estrutura até o uso de chavões da mitologia e dos torneios sintáticos. O que há de não-português (mas não diria de brasileiro) no poemeto, como a “Descrição do Recife de Pernambuco”, “Olinda celebrada” e o canto dos feitos de Albuquerque Coelho, entra a título de louvação da terra enquanto co-lônia, parecendo precoce a atribuição de um sentimento

nativista...”.

Assim, podemos afirmar que a literatura colonial, representada pelos cronistas, por Gregório e por Vieira, é a fonte principal para compreendermos os valores e a organização social dessa época.

Para além da classificação geral de dividir a obra de Gregório em poesia lírica, satírica e religiosa, Wisnik (2009) detalha os nuances dessa produção, dividindo os três grupos dessa forma:

1. Poesia de circunstância (satírica e encomiásti-ca);

2. Poesia amorosa (lírica e erótico-irônica); e

3. Poesia religiosa. Coube à poesia satírica ser a produção de maior destaque do poeta baiano.

A poética d’O Boca do Inferno, assim chamado por causa de suas palavras debochadas e denuncia-tivas, é marcada pela moral contrarreformista, na qual o espaço terreno é o espaço da perdição. Por meio da sátira política, ele irá expressar uma visão de mundo condenado pela corrupção do homem:

Que falta nesta cidade? Verdade.Que mais por sua desonra? Honra.Falta mais que se lhe ponha? Vergonha.

Ou ainda:

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:Quem mais limpo se faz tem mais carepa;Com sua língua, ao nobre o vil decepa:O velhaco maior sempre tem capa.

A Bahia, retomada em várias poesias de Gregório, iguala-se, por vezes, ao mundo, sendo assim uma figura metonímica deste. A organização racional clássica da realidade e do pensamento é substitu-

ída por uma concepção conturbada do mundo, que se constitui também, na poesia, por meio dos hipérbatos, ou seja, das inversões da ordem sintáti-ca. Como podemos observar no primeiro verso do segundo fragmento acima, a ordem direta “O que mais rapa é mais rico neste mundo” é invertida para “Neste mundo é mais rico o que mais rapa”. A inversão de valores encontra, assim, representa-ção formal nas inversões dos termos do verso.

Então, o Barroco caracteriza-se por um rompimen-to com o Clássico? Não... Vamos entender em quais aspectos eles se aproximam e se distanciam. Conserva-se no Barroco a imitação da natureza e dos antigos que marca a estética neoclássica dos renascentistas. Existe a retomada da alvura do cromatismo clássico por meio do uso de palavras, como neve e branco. Contudo, o bucolismo lumi-noso greco-latino adquire no Barroco cores sotur-nas e, por vezes, contrastivas no jogo de luz e som-bra, mostrando a imersão do homem na atmosfera conflituosa da época. A ênfase dada ao movimento é alcançada por meio da representação dinâmica da natureza e dos sentimentos, contrapondo-se à representação estática dos clássicos. O dinamismo na seleção dos verbos e do vocabulário é marca da estética barroca, principalmente no modo de pro-vocar as dimensões sensoriais do receptor da obra de arte, literária ou pictórica.

Observemos abaixo o poema lírico-amoroso de Gregório de Matos, construído na forma clássica do soneto:

Ardor em coração firme nascido;Pranto por belos olhos derramado;Incêndio em mares de água disfarçado;Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que em um peito abrasas escondido;Tu, que em um rosto corres desatado;Quando fogo, em cristais aprisionado;Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente?Se és neve, como queimas por porfia?Mas ai! Que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,Como quis, que aqui fosse a neve ardente,Permitiu parecesse a chama fria.

O tema do soneto é o sofrimento amoroso. A pri-meira quadra apresenta a ideia a ser desenvolvida

21Capítulo 2

ao longo do poema. Sem nomear o sentimento, o eu lírico apresenta imagens contraditórias que tencionam o sofrimento amoroso: “Incêndio em mares de água disfarçado” e “Rio de neve em fogo convertido”. As imagens paradoxais conferem in-tensidade ao sentimento e revela o embate entre razão e emoção, uma vez que a forma clássica e fixa do soneto não contém a explosão do sofrimento amoroso. Este é exacerbado por meio do transbor-damento de sentidos gerado pela junção de contrá-rios. O jogo do “ser” e do “parecer” é verificado na imagem da água, elemento da superfície, disfarçan-do o incêndio, representação do interior do poeta, do ardor que vive seu coração.

A segunda quadra se inicia com a evocação do in-terlocutor por meio do pronome pessoal “Tu” que, somado ao tempo presente dos verbos — “abrasas” e “corres” —, contribui para intensificar o senti-mento conturbado do eu lírico, presentificando-o. O efeito sonoro dos dois últimos versos é alcança-do através do paralelismo sintático, ou seja, da uti-lização da mesma estrutura sintática. Novamente o confronto entre o “ser” e o “parecer” é revelado no verso “Tu, que em meu peito abrasas escondido”, mostrando o conflito vivido entre o que o eu-lírico sente e o impedimento, sem motivo aparente, de revelá-lo.

O primeiro terceto é constituído da ideia central do soneto, quando a emoção cede à razão. Neste momento, o eu lírico questiona a contradição dos sentimentos, revelando a atuação da razão: “Se és fogo como passas brandamente?” e “Se és neve, como queimas por porfia?”, ou seja, se és fogo, como és brando? Se és neve, como queimas? As-sim, encontramos a tendência barroca para o fu-sionismo, nesse caso, a fusão da neve com o fogo, do frio com o quente. A mitologia clássica também se faz presente por meio da referência a Eros, ao “Amor”. Este tem sua força garantida por meio da personificação, ou seja, da atribuição de vida e aspectos humanos a ele: “...andou o Amor em ti prudente”.

O segundo terceto, ou seja, a última estrofe do po-ema revela-nos que, no jogo barroco entre emoção e razão, a primeira predomina. O eu-lírico se vê subjugado pelo conflito e sofrimento amoroso. Novamente o embate ser/parecer é o “tempero da tirania”, caracterizado pelo choque dos contrários neve/ardente e chama/fria e pelo trocadilho, uma vez que o par lógico seria neve/fria e chama/ar-

dente. Assim, temos a exaltação da paixão, repre-sentada pela imagem do fogo, e o seu refreamento, representado pela imagem da neve, bem ao estilo barroco.

Já na vertente erótico-irônica de sua poesia, Gregó-rio de Matos mobiliza um campo semântico diver-so do evocado na poesia lírico-amorosa. Naquela, a linguagem utilizada se contrapõe à do discurso oficial, havendo um rebaixamento de categorias socialmente superiores, como as das instituições governamental e religiosa.

Observemos o poema abaixo dirigido “A uma Frei-ra que lhe Mandou um Mimo de Doces”:

Senhora minha: se de tais clausurasTantos doces mandais a uma formiga,Que esperais vós agora que vos diga,Se não forem muchíssimas doçuras?

Eu esperei de amor outras venturas:Mas ei-lo vai, tudo o que é dar obriga,Ou já seja um favor, ou uma figa,Da vossa mão são tudo ambrosias puras.

O vosso doce a todos diz: “Comei-me”,De cheiroso, perfeito e asseado,E eu, por gosto lhe dar, comi e fartei-me.

Em este se acabado irá recado,E se vos parecer glutão, sofrei-meEnquanto vos não peço outro bocado.

Na primeira estrofe, o eu-poético procura salva-guardar a sua imagem, defendendo a posição dele: o que a freira esperava ao oferecer doce a uma for-miga, senão que a formiga comesse o doce? Dessa forma, defende a atitude dele como consequência da provocação da freira. Também salvaguarda a sua imagem ao dirigir-se a uma entidade religiosa com o pronome de tratamento “Senhora”. Contudo, o distanciamento é desconstruído por meio do riso provocado pelo tom irônico do poema, especial-mente por meio da antítese figurativa utilizada pelo eu-poético: “formiga”, bicho pequeno, e “Se-nhora” freira, entidade sagrada.

Como poderia não receber ambrosias puras — ali-mento da imortalidade, alimento dos deuses e bál-samo para curar chagas — oferecidas por uma freira? Ao utilizar a expressão hiperbólica “Da vossa mão são tudo ambrosias puras”, no segundo quarteto, o eu-poético também se exime do pecado, uma vez

22 Capítulo 2

que tudo por ele aceito foi da ordem dos deuses.

No primeiro terceto, a ideia central do poema é reforçada quando o eu-poético mais uma vez salva-guarda sua imagem: se o “doce” da freira a todos diz “comei-me”, por que uma “formiga” não pode-ria aceitar tal convite? O eu-poético comeu o doce até fartar-se, segundo ele, para dar gosto à freira e não a si mesmo! Mais uma vez salvaguarda a ima-gem dele. No segundo terceto, existe a conclusão do soneto, na qual é anunciada a situação em que o eu-poético, após fartar-se com o doce, encontra-se: se porventura parecer guloso para a freira, repri-me-se, enquanto não pede outro pedaço de doce.

Num outro soneto, destinado à mesma freira e se-gundo a mesma situação, o eu-poético assim con-clui o poema:

Não sofro esses reveses da ventura,Mas antes prosseguindo o começadoA chave lhe hei de pôr na fechadura.

Percebemos que o olhar irônico de Gregório apre-senta correspondências com a noção de discurso carnavalizado e com a estética do realismo grotesco, apresentadas por Bakhtin (2008). Primeiramente, há o rebaixamento da figura da freira, quando esta é representada como a que seduz e se entrega aos prazeres da carne, logo o sagrado e o profano são nivelados. Dessa forma, desaparece a ordem hierár-quica e, juntamente com ela, as leis e as proibições.

Há também o rebaixamento do próprio sentimen-to amoroso, uma vez que a conjunção amorosa fica reduzida à imagem material “A chave lhe hei de pôr na fechadura”. Essa imagem dialoga com a concepção de amor representada em outro poema de Gregório de Matos, intitulado “Definição do Amor”. O autor assim conclui o poema:

O Amor é finalmenteUm embaraço de pernas,Uma união de barrigas,Um breve tremor de artérias.

Uma confusão de bocas,Uma batalha de veias,Um reboliço de ancas,Quem diz outra coisa, é besta.

Gregório de Matos define o amor enquanto mani-festação sensorial, da ordem terrena e não celestial. Por conseguinte, rompe com a visão clássica do

amor, que compreende este enquanto meio para a elevação espiritual do homem e superação dos ape-los carnais, como tão bem defendeu Platão. Em outros poemas erótico-irônicos, Gregório de Ma-tos se afasta do discurso oficial por meio de uma seleção vocabular vulgar. Novamente realizando o rebaixamento do sagrado, ele se refere à conjunção carnal dessa forma:

Busco uma Freira que me desentupaA via que o desuso às vezes tapa.

Vale ressaltar que o discurso amoroso em Gregório de Matos é um discurso socialmente constituído. No livro História do amor no Brasil, Priore (2005) mostra que a ética sexual era rigorosa na época colonial, havendo uma dissociação entre amor e sexo, alma e corpo, influenciada principalmente pelo discurso religioso. Essa dissociação é bem ve-rificada na poesia amorosa do Boca do Inferno.

4. prOsa reLiGiOsa: pe. antôniO vieira

O Barroco, enquanto manifestação, que tem sua base ideológica na Contra-Reforma Católica, en-contra sua maior expressão da prosa na oratória religiosa. Nesse contexto, Padre Antônio Vieira é destaque quase absoluto, se não fosse a presença literária de outros jesuítas, cuja prosa não se ele-vou à expressão de Vieira. Nascido em Portugal, na cidade de Lisboa, Vieira veio para o Brasil com poucos anos de vida, retornando a Portugal algu-mas vezes. Proferiu seus sermões tanto na colônia quanto na metrópole. Autor de uma obra vasta, escreveu sermões, relatórios, opúsculos de exegese profética, cartas.

Padre Vieira teve uma atuação polêmica dentro da Igreja. Exímio orador de formação humanística, torna-se defensor do judeu convertido ou cristão-novo e do índio. Por causa do primeiro, é perse-guido pela Inquisição em Portugal, por causa do segundo, é perseguido pelos colonos no Brasil. Uma vez que o papa concedia grandes poderes aos reis católicos a fim de minar a expansão do pensa-mento reformista, contrapor-se ao projeto político e colonialista do rei de Portugal era, numa certa medida, contrapor-se à Igreja.

Para contextualizarmos melhor a atuação desse no-

23Capítulo 2

tável jesuíta, vamos ler, com atenção, a citação de Domingues (2001, p. 44-45):

Na época colonial, a Igreja do Brasil foi marcada por duas posições conflitantes: a posição sacerdotal, em que cum-pria a sua missão profética, e a posição política, em que se tornava justificadora da dominação. Na primeira posição — a profética —a Igreja era “a reveladora de Deus na face do outro” e assumia o papel de protetora dos oprimidos con-tra os poderosos; na segunda — a política —, ao contrário, a Igreja, não podendo, ela mesma vencer os poderosos, unia-se a eles, num mesmo programa de dominação.

Nessa perspectiva, Vieira se dividia em várias ten-dências discursivas: a doutrinária, por meio da pregação do evangelho; a soteriológica, por meio da salvação das almas e a universalista, por meio da propagação da religião cristã. Essas tendências vão se cruzar nos inúmeros sermões de Vieira. O sermão é o gênero em que a expressividade retóri-ca e lógico-argumentativa de Vieira se avultam de maneira notável, revelando a genialidade do autor. Os sermões do padre jesuíta estão estruturados em três partes, a saber: o prólogo (tema, sequência evangélica, intróito, plano do sermão, invocação, dedicatória); o argumento (corpo do sermão) e a peroração (resumo, exortação).

O religioso e o político se cruzam, de forma exem-plar, em Vieira. No Sermão da Primeira Domin-ga da Quaresma (1653), o discurso soteriológico funciona a favor do índio, uma vez que Vieira aponta a libertação dos nativos como condição da salvação da alma dos colonos. No Sermão de Santo Antônio (1654), Vieira direciona suas críticas, em tom satírico, aos vícios dos colonos e às atitudes destes que dificultam a missão evangelizadora do padre em relação aos indígenas. No Sermão da Se-xagéssima (1655), um dos mais citados pela exem-plaridade, Vieira discorre sobre a arte de pregar, argumentando que a corrupção na terra se deve aos pregadores que pregam a verdade sagrada ou nos ouvintes que não querem receber a verdade. Está implícita no Sermão a crítica aos dominica-nos, ordem concorrente dos jesuítas.

É com o Sermão do Mandato (1645) que Viei-ra organiza um dos discursos mais belos sobre o amor. Partindo da tese central de que “O principal intento do Evangelho foi o de mostrar a ciência de Cristo, e o principal intento de Cristo, mostrar a ignorância dos homens” (VIEIRA, 2003, p.45), Vieira afirma que só Cristo amou porque amou finamente, com ciência, razão, e defende que o ho-

mem não ama porque comete quatro ignorâncias, a saber: desconhecer a si mesmo, desconhecer o objeto amado, desconhecer o amor e desconhecer a finalidade do amor:

Quatro ignorâncias podem concorrer em um amante, que diminuem muito a perfeição e o merecimento de seu amor: Ou porque não conhece a si; ou porque não conhe-ce a quem amava; ou porque não conhecesse o amor; ou

porque não conhecesse o fim onde há de parar, amando.

(VIEIRA, 2003, p.51)

Já Cristo amou finamente e com ciência, porque

Conhecia-se a si, porque “sabia que não era menos que Deus, Filho do Eterno Padre”: Sciens quia a Deo exivit. Co-nhecia a quem amava, porque sabia quão ingratos eram os homens, e quão cruéis haviam de ser para com ele: Sciebat enim quisnam esset, que traderet eum. Conhecia o amor, e bem à custa de seu coração, pela larga experiência do que tinha amado: Cum dilexisset suos. Conhecia, finalmente, o fim em que havia de parar, amando, que era a morte, e tal morte: Sciens quia venit hora ejus. E que conhecendo-se Cristo a si, conhecendo a quem amava, conhecendo o amor e conhecendo o fim cruel em que havia de parar,

amando; amasse contudo?! Grande excesso de amor!

(VIEIRA, 2003, p.52)

Observemos, pois, que a concepção de amor em Padre Vieira se difere da concepção de Gregório de Matos apresentada anteriormente. Assim, o jesuíta concebe o amor:

Tudo conquista o amor quando conquista uma alma; po-rém o primeiro rendido é o entendimento.... Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimen-to. Nunca houve enfermidade no coração, que não hou-vesse fraqueza de juízo.... E como o primeiro efeito ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isso que vulgarmente se chama amor, tem mais partes com a ignorância; e quantas partes têm de ignorân-cia, tantas lhe faltam de amor.

(VIEIRA, 2003, p.48)

Enquanto em Gregório de Matos o amor é uma manifestação sensorial, dos apelos da carne, e, segundo ele, quem diz o contrário é “besta”; em Vieira, o homem se torna bestial, ignorante quan-do perde a ciência, o entendimento, e se entrega ao amor que o cega, ao amor que é expressão dos sentidos e não da razão.

Em Padre Vieira, o dualismo barroco está construí-

24 Capítulo 2

do por meio da dicotomia entre o mundo material, dos sentidos, e o mundo imaterial, da razão, do en-tendimento; entre o homem, ignorante, e Cristo, que detém a ciência, porque ama verdadeiramente. Em Gregório de Matos, o dualismo Barroco tam-bém se expressa entre o desejo de gozar o mundo, por meio do prazer sensorial, e o sentimento de culpa por fazê-lo, levando o pecador a pedir perdão por meio dos poemas religiosos.

resumO

O Barroco foi um movimento de cunho eminentemente religioso, que abordou o homem em conflito existencial, divi-dido entre os valores de uma visão de mundo teocêntrica e uma visão antro-pocêntrica. O rebuscamento linguístico e o uso exacerbado de figuras, como a hipérbole e a antítese, são caracterís-ticas desse estilo. Movimento artístico, que se contrapõe ao equilíbrio e à har-monia clássica, baseia-se no culto dos contrários, no sombrio, nas reflexões acerca da morte, no jogo de luz e som-bra para melhor sensibilizar o receptor de sua arte.

SAIBA MAIS!

Livros: • OBocadoInferno,deA

naMiranda

Filmes: • AsBruxasdeSalem,de

NicholasHytner.

• ArainhaMargot,dePatriceChéreau;

• Caravaggio,deDerekJarman;

• Moçacombrincodepérola,dePeterWe-

bber;

atividades | Selecione um soneto reli-gioso de Gregório de Matos e estabeleça rela-ção com o Sermão do Mandato, de Padre An-tônio Vieira, quanto à concepção de homem que esses textos veiculam.Escolha uma pintura do período Barroco e analise suas características.

referÊncias

ANDRADE, Janilto. Com a marca da vida. Reci-fe, Edição do autor, 1997.

ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do bar-roco I. 3. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994.

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Ida-de Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Brasília: Unb, 2008.

BEUTTENMÜLLER, Alberto. Viagem pela arte brasileira. São Paulo: Aquariana, 2002.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasilei-ra: origens e unidade. Vol 1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1968.

PRIORE, Mary del. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

TIRAPELI, Percival. Arte colonial: barroco e ro-cocó. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.

VIEIRA, Antonio. Sermão do Bom Ladrão e outros Sermões escolhidos. São Paulo: Landy, 2003.

25Capítulo 2

WISNIK, José Miguel. Poemas Escolhidos: Gre-gório de Matos. São Paulo: Cultrix, 2009.

GLOssÁriO

aNtítese: Figura pela qual se destaca a oposição entre duas palavras ou ideia.

Hipérbato: Inversão da ordem natural das palavras ou das orações.

Hipérbole: Figura que exagera intensamente a verdade das coisas.

27Capítulo 3Capítulo 3

O arcadismO

OBjetivOs específicOs

• Estabelecerrelaçõesentrealiteraturaárcadeeosaspectoshistóricosecultu-rais de sua época;

• IdentificarcaracterísticasdoNeoclassicismonaliteraturaenapintura.

intrOduçãO

Será abordado, neste capítulo, o último movimento literário da era colonial no Brasil: o Arcadismo. Considerações importantes acerca da história, da cultura, das influências europeias ampliarão nosso conhecimento, a fim de melhor in-terpretarmos as manifestações artísticas brasileiras do século XVIII, período em que ainda se formava uma sociedade urbana no Brasil, e a necessidade de uma expressão artística própria era preocupação dos escritores.

1. cOntextO HistóricO-cuLturaL

Continuando nossos estudos sobre a literatura brasileira, chegamos agora ao terceiro e último movimento do período colonial: o Arcadismo. Quando um movimento surge e alcança seu auge, abrem-se inevitavelmente as portas para novas concepções e manifestações, criando-se novos estilos artísticos. Dizemos inevitavelmente, porque o ciclo das mudanças históricas cede arcabouços neces-sários ao homem para manifestar, por meio de expressões artísticas ou não, os novos valores que despontam. E por que, amigos leitores, existe a necessidade da renovação? É o que iremos ver ao confrontarmos o período anterior, o Barroco, com as novas tendências do então século XVIII.

Como vimos anteriormente, a época do Barroco foi também marcada pelo do-mínio das concepções religiosas que resultaram num conflito existencial, expres-sado nos contrastes e na linguagem rebuscada e figurada. Com uma Europa mer-gulhada no obscurantismo da Era Barroca, surgem defensores de novas ideias, tanto no plano filosófico quanto no plano social. Um fato marcante no século em questão foi a ascensão da burguesia, iniciada desde o século XVI com o Mer-cantilismo. Apesar de o Mercantilismo ser um empreendimento econômico dos poderes monárquicos, ao mesmo tempo, ele favorecia o enriquecimento da bur-guesia, pois, com o Mercantilismo, vieram, por exemplo, melhorias nas estrutu-ras dos portos (as expansões marítimas), o desenvolvimento comercial, e assim pôde a burguesia concentrar mais riqueza de capital. Essa classe social, que se dedicava especialmente ao comércio de mercadorias, ao ocupar um espaço maior na sociedade e despontar como a nova classe consumidora, passou a ter papel

Profa. Luciana marinho Fernandes da silvaCarga Horária | 15 horas

28 Capítulo 3

importante nas decisões históricas que se seguiam: a Revolução Inglesa (1688), a Revolução America-na (1776) e a Revolução Francesa (1789). Esta úl-tima tem maior destaque nos nossos estudos, por ser representativa da queda do absolutismo com a participação efetiva da burguesia.

No século XVIII, a França, país absolutista na épo-ca, vivenciava um momento extremamente grave: a revolta dos trabalhadores, camponeses e os chama-dos burgueses contra as injustiças sociais, econô-micas e ideológicas. Tendo o rei poder absoluto em todas as decisões políticas e econômicas, o povo não podia opinar nas decisões, submetendo-se ao fato de ter que pagar altos impostos e de viver em condições precárias, enquanto o clero e a nobreza viviam no luxo e na riqueza. Apesar de a burguesia viver em melhores condições econômicas, ela rei-vindicava maiores poderes políticos e maior liber-dade para comercializar. O marco principal da Re-volução Francesa foi a “Queda da Bastilha”, prisão construída em 1370 e para onde eram mandados aqueles que eram contra o regime. Com a inten-ção de tomar o poder, o povo, comandado pela burguesia, invadiu a Bastilha em 14 de julho de 1789, libertando os presos políticos. Entretanto, em 26 de agosto do mesmo ano, estava aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Elaborada sob os ideais iluministas, nesta consta-vam, dentre outros, o direito à liberdade, à igualda-de perante a lei, à inviolabilidade da propriedade privada e ao direito de liberdade de expressão. A Revolução Francesa é vista como o marco do fim da Idade Moderna e o início da Idade Contem-porânea, pois, a partir dela, estava consolidado o início da era capitalista.

Se a Revolução Francesa obteve destaque no aspec-to político e social, foram os pensadores iluminis-tas que ganharam êxito no campo filosófico. Entre as principais características do Iluminismo, está a concepção da razão como meio para retirar o ho-mem do obscurantismo. Notadamente conhecido como o “Século das Luzes”, o século XVIII será dominado pelo pensamento racional, que ilumina-rá os caminhos para o conhecimento e a verdade. Os avanços científicos nas leis da física de Isaac Newton, por exemplo, influenciaram categorica-mente o pensamento iluminista, pois, segundo as teorias de Newton, o mundo material era regido por leis naturais, passíveis de serem explicadas, in-dependentemente das concepções de cunho reli-gioso. O intelecto era, portanto, capaz de explicar

os fenômenos do universo. Esta maneira de “ver” e compreender atingiu também o campo das rela-ções sociais, da política e da economia. Críticas à visão teocêntrica e à intolerância religiosa recoloca-vam o homem no centro, reativando assim ideais já levantados no Renascimento. Os principais pen-sadores iluministas foram: Jean Jacques Rousseau, Voltaire, Montesquieu e John Locke. O pensamen-to iluminista permeava várias áreas, da ciência à filosofia, da política às artes.

Em Portugal, o Marquês de Pombal torna-se pri-meiro-ministro e representante do reinado de Dom José I (1750-1777). Reformas foram implan-tadas pelo Marquês de Pombal e, dentre elas, ga-nham destaques para nossos estudos a expulsão dos jesuítas e a reforma no ensino. Em 1746, ain-da no reinado de D. João V, Luís Antônio Verney publica o “Verdadeiro Método de Estudar”. Obra inspirada no racionalismo francês, apenas com as reformas empreendidas pelo Marquês de Pombal, ganhará destaque na luta contra o monopólio dos jesuítas sobre o ensino. A eclosão da “perseguição” pombalina aos jesuítas será em 1759, com a expul-são destes de Portugal e de seus domínios. Como afirma Coutinho (1968, pág. 160):

Com a expulsão dos jesuítas (1759), as reformas de Pombal no Brasil, a ruptura do monopólio comercial, houve um largo surto de curiosidade pelo país, por parte de cientistas estrangeiros e nacionais. A voga da ciência, típica do sécu-

lo, contaminou a vida na Colônia.

No Brasil, segundo Sodré (1995, p. 99), o fato ver-dadeiramente significativo que iria trazer uma mo-dificação na estrutura da sociedade colonial foi “o aparecimento da atividade mineradora”. A trans-formação não seria oriunda de uma economia lo-cal, rica na concentração de riquezas e de lucros, mas de uma modificação nas próprias relações de trabalho. Vejamos, leitores, o que nos diz o autor a respeito do processo do mercado interno:

Se a zona mineradora nos apresenta crises de fome que denunciam a unilateralidade da exploração que nela tem lugar, o adensamento humano que polariza obriga a uma circulação comercial interna de relativa importância.

(SODRÉ, 1995, p. 101)

Novas possibilidades de produção e de consumo ganham força. Na nova divisão de trabalho, o es-cravo já não é o único trabalhador. E mais adiante prossegue Sodré (1995, p. 102):

29Capítulo 3

A circulação interna de mercadorias (...) começa a propor-cionar espaço ao trabalho livre ao mesmo tempo que cria as primeiras condições para o estabelecimento de uma vida urbana que até então tinha sido impossível. O comércio

urbano não só se desenvolve como começa a ter um papel.

Mas não menos importantes foram as crises que surgiam em nosso cenário desencadeadas pela ex-tração do ouro como, por exemplo, o movimento da Inconfidência Mineira (1789), em Minas Ge-rais, que teve papel importante na história do Bra-sil. Com a grande extração, o minério começara a diminuir, mas a taxação dos impostos continuava exorbitante, e aqueles que não conseguiam pagar a dívida eram cobrados de maneira violenta pelas autoridades portuguesas.

Como era comum no século XVIII a elite colonial enviar seus filhos à Europa para fins de formação educacional, muitos deles voltaram à colônia em-bebidos pelo pensamento iluminista de liberdade e igualdade. Um grupo de poetas, profissionais li-berais, mineradores e fazendeiros se reuniu com o propósito de se rebelar contra os abusos da do-minação portuguesa. O final desse movimento, como é sabido de todos, resultou em fracasso com a traição de Joaquim Silvério dos Reis, fazendeiro e proprietário de minas, levando à condenação à forca de Joaquim Francisco da Silva Xavier, o Ti-radentes, e ao exílio, outros integrantes, como foi o caso do poeta árcade Tomás Antônio Gonzaga. Participaram, também, os escritores árcades Alva-renga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa. Ape-sar das limitações, com esse movimento, nascia o sonho da independência, ainda geograficamente restrito, mas que soaria pelo país como um grito de liberdade.

2. a estética dO arcadismO: pintura e Literatura

Não é incomum encontrarmos a assertiva de que o Arcadismo foi a expressão da burguesia. Como vimos, o século XVIII foi notadamente marcado pelas ideias iluministas e pela ascensão da classe burguesa. No contexto das expressões artísticas, a insatisfação da burguesia foi traduzida por aspec-tos que viriam de encontro ao estilo anterior, o Barroco. O modo luxuoso de vida dos nobres e do clero fora contestado por temas da vida simples e humilde, como aponta Coutinho (1968, p. 160):

Assim a revolução mental processa-se contra a escolástica decadente e convencional em nome da cultura científica. Domina a época um tom polêmico, irreligioso, anticlerical, racionalista, procurando incorporar a ciência natural e a técnica, dando relevo ao método científico, à claridade ra-cionalista. Combate as contorcidas expressões barrocas em

favor da linguagem direta e simples.

Os artistas árcades reavivaram tendências do Clas-sicismo que figuravam em harmonia com o século vigente, como o Antropocentrismo e o Racionalis-mo, contrapondo às tendências barrocas e religio-sas. Vejamos este quadro comparativo nos aspectos do conteúdo e da forma:

Na pintura neoclássica, os temas religiosos são abandonados em função do favorecimento de temas do cotidiano, mitológicos e históricos, de preferência aos que remontem à Antiguidade. A preocupação com a verossimilhança das represen-tações, ou seja, a arte como “retrato” ou cópia da natureza, era regra geral para que se pudesse chegar à beleza das coisas pela estética e pelo intelecto,

BARROCO ARCADISMO

Influenciado pela Contra-Reforma

Ideias apoiadas no Iluminismo

Antropocentrismo X Teocentrismo

Antropocentrismo

Interesse por raciocínios complexos

Procura pela clareza das ideias

Oposição entre mun-do material e mundo espiritual: razão e fé

Racionalismo Procura pelo equilíbrio

Cristianismo Paganism Elementos da cultura greco-latina

Restabelecimento da fé religiosa medieval

Retorno aos clássicos renascentistas

Morbidez Busca da beleza na vida bucólicaPastoralismo

Vocabulário culto Vocabulário simples

Propensão para as inversões e constru-ções complexas

Ordem direta e simplicidade da linguagem

Preferência pela linguagem figurada

Quase não há uso de figuras de linguagem

30 Capítulo 3

capazes de extrair toda a imperfeição. A beleza não reside na natureza, mas, na observação do modelo da arte clássica. A obra Reflexões sobre a beleza e o bom gosto na pintura, de Anton Raphael Men-gs, publicada em 1762, foi um verdadeiro manu-al na educação para a pintura neoclássica. Mengs defendia as seguintes regras: “cuidar da verossimi-lhança das representações; dar a cada corpo sua fórmula particular, de maneira clara e simples, sem detalhes acessórios; buscar a verdade em tudo, inclusive e em particular, nos gestos, nos elementos singulares, nas cores, nas luzes e som-bras, que não apresentem fortes contrastes; com a verdade, pode-se obter a graça, a que se subordina a beleza” (In Mirabent, 1991, p. 47).

cisa do espaço. Percebe-se também que as cores são harmônicas e bem definidas para que não apresen-tem superposições. Esta obra, com a sugestão de um ato heroico a favor da pátria, representava bem o momento da revolução que estava para aconte-cer. Vejamos agora a obra A Apoteose de Homero (1827), do pintor francês Jean-Auguste Dominique Ingres, discípulo de Jacques-Louis David. Este qua-dro, de tema histórico, é uma homenagem ao po-eta grego Homero, sendo coroado como um deus, simbolizando a cultura helênica. Observemos o culto aos clássicos numa composição clara, equili-brada em suas formas e cores, com traços definidos e sem contrastes de luz e sombra.

Na literatura, o tema constante da vida campestre e bucólica, direcionada para uma concepção da Na-tureza como cenário adequado ao refúgio, leva o árcade ao paraíso sem contrastes ou conflitos. A re-alização da vida atinge seu auge numa região de so-nho, longe da civilização, que permite ao homem viver em harmonia. Como especulou Coutinho (1968, p. 165), esta busca do “paraíso campestre” não deixa de evidenciar um contraste entre a reali-dade e o sonho, pois essa paisagem idílica é perme-ada de idealismos. Sob o mito do bom selvagem, de Rousseau, o árcade vê-se livre para atender aos seus desejos em comunhão com a natureza, viven-do de maneira simples, longe da civilização que o corrompe. Mas não nos enganemos, caros leitores, ao falarmos em contraste. A dualidade barroca tra-duz um estado de conflito de opostos que englo-ba a influência religiosa de caráter dogmático, já o contraste o ideal (vida campestre) x o real (vida social) não traz consigo a carga teocêntrica.

Vejamos este comentário de Antônio Cândido (in Bosi, 1997, p. 64):

A poesia pastoral, como ‘tema’, talvez esteja vinculada ao desenvolvimento da cultura urbana, que, opondo as linhas artificiais da cidade à paisagem natural, transforma o cam-po num bem perdido, que encarna facilmente os senti-mentos de frustração. Os desajustamentos da convivência social se explicam pela perda vida anterior, e o campo sur-ge como cenário de uma perdida euforia. A sua evocação equilibra idealmente a angústia de viver, associada à vida presente, dando acesso aos mitos retrospectivos da idade de ouro. Em pleno prestígio da existência citadina, os ho-mens sonham com ele à maneira de uma felicidade passa-da, forjando a convenção da ‘naturalidade’ como forma

ideal de relação humana.

A obra “Arte Poética”, do português Francisco José

Jacques-Louis David, pintor francês, foi um dos grandes representantes do neoclassicismo, que fortaleceu as teorias de Mengs. Em sua obra O Ju-ramento dos Horácios (1784), a temática da luta pela nação – os homens que lutam com armas – remonta à Antiguidade e nos oferece a precisão da linha com traços definidos e rígidos, dando um aspecto monumental aos personagens e à cena. A harmonia no cenário também pode ser vista entre as arcadas e os personagens, numa composição pre-

Figura 1: O Juramento dos Horácios, de Jacques-Louis David.

Font

e: Im

agem

do

site

: art

igod

bras

il.co

m.b

r

Figura 2: A Apoteose de Homero, de Jean-Auguste Dominique Ingres.

Font

e: Im

agem

do

site

: fflc

h.us

p.br

31Capítulo 3

Freire (Cândido Lusitano), publicada em 1748, se tornou marco da estética neoclássica em Portugal e inspirou a formação da Arcádia Lusitana (1756) em Lisboa, além de influenciar diretamente os nossos poetas árcades brasileiros. Arcádia era a denominação dada às academias literárias onde se reuniam poetas e escritores para a produção de uma literatura tipicamente neoclássica e contra a estética barroca. O termo Arcádia remonta à len-dária região da Grécia antiga, habitada por pasto-res que viviam em simplicidade, num ambiente idílico, feliz e harmônico. Em 1774, a Arcádia Lu-sitana foi extinta, mas, em 1776, foi reaberta com o nome Nova Arcádia. Entretanto em 1794, veio a se extinguir definitivamente.

No Brasil, os escritores que obtiveram destaque fo-ram os do eixo mineiro: Cláudio Manuel da Costa, Basílio da Gama, Santa Rita Durão, Alvarenga Pei-xoto, Tomás Antônio Gonzaga e Silva Alvarenga. Dos árcades brasileiros, o único a pertencer real-mente a uma Arcádia foi Basílio da Gama, filiado à Arcádia romana. Como, em terras brasileiras, não se formou uma Arcádia propriamente dita, nossos poetas e escritores deste período foram denomi-nados, por Alberto Faria (in Coutinho, 1968, p. 167), de “árcades sem arcádias”. Com a formação de algumas comunidades, a exemplo, Bahia, Minas e Rio de Janeiro, foram se formando, no período do século XVIII do ainda vigente barroco brasilei-ro, as chamadas academias, onde os “mais letra-dos” se reuniam para celebrações religiosas, sessões literárias, ou mesmo, para “engrandecer os feitos de autoridades coloniais” (BOSI, 1995, p. 54): “As academias e os atos acadêmicos significam que a Colônia já dispunha, na primeira metade do sé-culo XVIII, de razoável consciência grupal. E em-bora se tenham restringido a imitar os sestros da Europa barroca, já puderam nutrir-se da história local (...)”. (1995, p. 57). A apreciação da história local coincidirá com o fim do período colonial e manifestará um passo significativo na produção li-terária brasileira.

3. a pOesia LíricO-amOrOsa: cLÁudiO manueL da cOsta e tOmÁs antôniO GOnzaGa

Com o Arcadismo, chegamos a um momento fun-damental da literatura brasileira: o momento em que podemos considerá-la enquanto “sistema”. E

o que isso significa? Vamos lá... É importante lem-brarmos que, nos primórdios de nossa literatura, ganharam destaque os textos dos jesuítas, especial-mente os teatrais. Vimos que as peças eram feitas com o intuito catequizador, para um público deter-minado, em que o nativo era destaque.

No Barroco, novamente a presença dos jesuítas é crucial, e o Padre Antônio Vieira é a figura mais representativa no âmbito religioso. Fora das pro-duções religiosas, Gregório de Matos Guerra é o escritor, que se ergue como uma das vozes poéticas mais importantes do barroco em língua portugue-sa. Contudo, Gregório de Matos só foi lido efeti-vamente no período do Romantismo Brasileiro. Até então, ele não figurava no contexto literário brasileiro, porque este não existia enquanto um conjunto de elementos que engloba, no mínimo, o escritor, o texto e o público.

Em função disso, Cândido (1993, p. 23) distingue “literatura propriamente dita” de “manifestações literárias”:

[...] convém principiar distinguindo manifestações literá-rias de literatura propriamente dita, considerada aqui um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Es-ses denominadores são, além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza so-cial e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles, distinguem-se: a existên-cia de um conjunto de produtores literários mais ou me-nos conscientes de seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem o qual a obra não vive, um mecanismo transmissor[...]

Nesse sentido, a literatura brasileira propriamente dita se inicia com o Arcadismo, tendo em vista que a produção de Gregório de Matos está inserida no campo das “manifestações literárias”, pois faltava a presença de um público leitor constituído. Assim, a literatura brasileira começou a se formar com a produção poética de Cláudio Manuel da Costa e dos escritores árcades, segundo Cândido. Com isso, a obra de Gregório de Matos não tem seu va-lor diminuído, apenas não podemos considerá-la pertencente a um sistema literário no momento em que fora concebida.

Cláudio Manuel da Costa, de pseudônimo Glau-ceste Satúrnio, é o poeta, que inicia o Arcadismo no Brasil com a publicação de Obras Poéticas

32 Capítulo 3

(1768). Formado em Direito pela faculdade de Coimbra, irá revelar o choque entre a sua formação europeia e Neoclássica e o seu sentimento pátrio, quando confronta o bucolismo do cenário natural português com o cenário da natureza americana de um país tropical. Envolve-se com a Inconfidência Mineira, sendo preso e, após denunciar seus com-panheiros, é encontrado morto na cela da prisão.

Pertencente ao primeiro momento do Arcadismo brasileiro, alguns de seus textos nos trazem a retó-rica barroca.

Observemos o soneto abaixo:

Sonha em torrentes d’água o que abrasadoNa sede ardente está. Sonha em riquezaAquele que no horror de uma pobreza Anda sempre infeliz, sempre vexado.Assim na agitação de meu cuidadoDe um contínuo delírio esta alma presaQuando é tudo rigor, tudo aspereza,Me finjo no prazer de um doce estado.

Que importa, pois, que a idéia alívios cobre,Se apesar desta ingrata aleivosia,Quanto mais rico estou, estou mais pobre.

O soneto é permeado de dualismos, tais como água e fogo (“Sonha em torrentes d’água o que abrasado/Na sede ardente está”), riqueza e po-breza (“...Sonha em riqueza/Aquele que no hor-ror de uma pobreza/Anda sempre infeliz...”), real e ideal (“Quando é tudo rigor, tudo aspereza/Me finjo no prazer de um doce estado”) bem como a exploração dos sentidos, por exemplo o do tato em “abrasado” na primeira estrofe e “fria” no final da terceira estrofe.

Vale ressaltar que a expressão “sede ardente” reme-te à junção das “torrentes d’água” com a “brasa”, de “abrasado”. Intensificando o jogo de opostos, uma ideia paradoxal fecha o soneto com chave de ouro: “Quanto mais rico estou, estou mais pobre”. Assim, percebemos que o eu-poético e os elemen-tos da natureza são configurados em desequilíbrio (“De um contínuo delírio esta alma presa”). A tranquilidade, a harmonia, a serenidade do “eu”, em pensamentos e sentimentos, valorizados no Ar-cadismo não se configuram no soneto.

Em outro soneto de Cláudio Manuel da Costa, podemos verificar a característica árcade de criar contrapontos entre cidade e campo, valorizando o

último. Esses contrapontos não devem ser confun-didos com dualismos provindos do estado desar-mônico do eu-poético; ao contrário, pois temos, então, um discurso bem articulado em defesa da vida no campo e de suas relações:

Quem deixa o trato pastoril, amado,Pela ingrata, civil correspondência,Ou desconhece o rosto da violência,Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladadosNo gênio do pastor, o da inocência!E que mal é no trato, e na aparênciaVer sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;Aqui sempre a traição seu rosto encobre;Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;Aqui quanto se observa, é variedade:Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

Percebemos que o contraponto criado tem funda-mentos morais, de forma que vemos retratado o campo como o lugar em que o homem não se cor-rompeu, apresentando este um caráter exemplar e bons sentimentos (“No gênio do pastor, o da ino-cência!”; “Ali respira amor sinceridade”); a cidade, entretanto, é representada como o lugar da perdi-ção moral (“Ver sempre o cortesão dissimulado!”; “Aqui sempre a traição seu rosto encobre”).

Outro escritor de destaque em nosso Arcadismo é Tomás Antônio Gonzaga. Autor que traz em sua obra tanto a dimensão lírico-amorosa, como no belo poema Marília de Dirceu, quanto à dimen-são satírica, como nos poemas contidos nas Cartas Chilenas. Escritor em que a relação da vida com a arte é estreita, tem nas Cartas um meio de tecer críticas mordazes ao Governador de Vila Rica, Luiz da Cunha Menezes. Nos poemas, Gonzaga aparece com o pseudônimo Critilo, tem como interlocutor Doroteu e como foco, as críticas a Fanfarrão Mi-nésio, no caso Meneses. Esses poemas circularam anonimamente, tendo sua autoria sido descoberta apenas no século XX.

Verifiquemos, pois, um fragmento de Marília de Dirceu (Parte I – Lira II):

Na sua face mimosa,Marília, estão misturadasPurpúreas folhas de rosa,

33Capítulo 3

Brancas folhas de jasmim.Dos rubins mais preciososOs seus beiços são formados;Os seus dentes delicadosSão pedaços de marfim.

No fragmento acima, podemos perceber a idea-lização da mulher em uma beleza inatingível por meio da exploração dos elementos da natureza e das pedras preciosas mais nobres, dos quais o rosto de Marília é composto. Assim, a beleza de Marília, que transcende a dimensão do humano, é um re-flexo da beleza eterna, ideal.

No final dessa lira, chegamos à seguinte descober-ta: Marília é mais bela do que o deus do Amor, o Cupido! Este é uma cópia da beleza infinda de Marília:

Tu, Marília, agora vendoDe Amor o lindo retrato,Contigo estarás dizendo,Que é este o retrato teu.Sim, Marília, a cópia é tua,Que Cupido é Deus suposto:Se há Cupido, é só teu rosto,Que ele foi quem me venceu.

O eu-poético, ao fazer o retrato de Marília superar, em beleza, o de um deus, o do Amor, relaciona a paixão amorosa à espiritualidade e, portanto, en-contramos mais uma característica do amor neo-clássico: a busca pela sublimação do amor físico em prol do amor casto, livre dos apelos carnais.

Contudo, os poemas de Marília de Dirceu não são todos modelos da estética neoclássica. Na primeira parte da obra, Gonzaga expõe seu amor pela Ma-rília por meio dos moldes árcades, como podemos perceber nos primeiros versos da Lira I (Parte I):

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,Que viva de guardar alheio gado,De tosco trato, de expressões grosseiro,Dos frios gelos e dos sóis queimado.Tenho próprio casal e nele assisto;Dá-me vinho, fruta, legume, azeite;Das brancas ovelhinhas tiro o leite,E mais as finas lãs, de que me visto.Graças, Marília bela!Graças, à minha Estrela!

A primeira parte dessa obra fora escrita antes de Gonzaga ser preso por três anos em função de seu envolvimento com a Inconfidência Mineira. Ve-

mos o equilíbrio racional, o gosto pela vida simples e natural (“Dá-me vinho, fruta, legume, azeite/Das brancas ovelhinha tiro o leite”). O mesmo não se dá na segunda parte da obra, escrita enquanto Gonzaga estava preso. Nos poemas dessa parte, o tema da morte, a tristeza, o ar soturno se destacam, fazendo com que a retórica neoclássica perca a for-ça, e as tendências pré-românticas se configurem.

Vejamos a Lira XIX:

Nesta triste masmorraDe um semivivo corpo sepultura,Inda, Marília, adoroTua formosura.Amor na minha idéia te retrata,Busca extremoso que eu assim resistaÀ dor imensa, que me cerca e mata.[...]Conheço a ilusão minha;A violência da mágoa não suporto;Foge-me a vista e caio,Não sei se vivo ou morto.Enternece-me Amor de estrago tanto;Reclina-me no peito, e com mão ternaMe limpa os olhos do salgado pranto.

Chama a atenção, também, como elemento res-ponsável pela tendência pré-romântica do poema, a Razão ceder à Emoção (“A violência da mágoa não suporto/ Foge-me a vista e caio/Não sei se vivo ou morto”) de forma que o eu-poético, diante da dor, perde os sentidos. Contudo, o Amor — e não a Razão — será a força capaz de trazer vida ao eu-poético. Encontramos, nos versos, a ideia do amor eterno, do amor que transcende as adversida-des e os limites da condição humana. Sentimento persistente, de força inabalável, sobrepõe-se à dor, aliviando-a. Sua força é tão grande, que ele é per-sonificado no poema (“Reclina-me no peito, e com mão terna/Me limpa os olhos do salgado pranto”).

4. a pOesia épica: BasíLiO da Gama

O Uraguai (1769), poema épico, que dá destaque ao seu autor no cenário setecentista, teve como in-fluência direta o épico português Os Lusíadas, de Camões, para reportar à história do Brasil colônia. Trata-se de uma obra, cujo extrato ideológico se constitui numa sátira aos jesuítas, em convergência com o discurso político do Marquês do Pombal, responsável pela expulsão dessa ordem religiosa do território português.

34 Capítulo 3

Os cinco cantos de O Uraguai foram escritos em versos brancos e decassílabos heroicos e sáficos. O teor lírico da obra levou Bosi (1997, p. 65) a afir-mar que a estrutura do poema é mais lírico-narra-tiva do que épica. Compreendemos essa afirmação de Bosi, principalmente se destacamos o Canto IV, episódio que narra a morte de Lindóia, num diá-logo intertextual com o episódio da morte de Inês de Castro n’Os Lusíadas, Canto III.

Lindóia está destinada, pelo chefe jesuíta Balda, a ser entregue a Baldeta para consumarem casamen-to. Fiel ao seu amor a Cacambo e com o intuito de evitar o indesejável, Lindóia se suicida ao deixar-se picar por uma cobra na densa e triste floresta:

Este lugar delicioso e triste,Cansada de viver, tinha escolhidoPara morrer a mísera Lindóia.Lá reclinada, como que dormia,Na branda relva e nas mimosas flores,Tinha a face na mão, e a mão no troncoDe um fúnebre cipreste, que espalhavaMelancólica sombra. Mais de pertoDescobrem que se enrola no seu corpoVerde serpente, e lhe passeia, e cingePescoço e braços, e lhe lambe o seio.Fogem de a ver assim, sobressaltados,E param cheios de temor ao longe;E nem se atrevem a chamá-la, e tememQue desperte assustada, e irrite o monstro,E fuja, e apresse no fugir a morte.Porém o destro Caitutu, que tremeDo perigo da irmã, sem mais demoraDobrou as pontas do arco, e quis três vezesSoltar o tiro, e vacilou três vezesEntre a ira e o temor. Enfim sacodeO arco e faz voar a aguda seta,Que toca o peito de Lindóia, e fereA serpente na testa, e a boca e os dentesDeixou cravados no vizinho tronco.Açouta o campo co’a ligeira caudaO irado monstro, e em tortuosos girosSe enrosca no cipreste, e verte envoltoEm negro sangue o lívido veneno.Leva nos braços a infeliz LindóiaO desgraçado irmão, que ao despertá-laConhece, com que dor! no frio rostoOs sinais do veneno, e vê feridoPelo dente sutil o brando peito.Os olhos, em que Amor reinava, um dia,Cheios de morte; e muda aquela línguaQue ao surdo vento e aos ecos tantas vezesContou a larga história de seus males.

O épico termina com o massacre dos índios pelas tropas luso-espanholas. Contudo, a culpa do mas-sacre é atribuída aos jesuítas numa convergência do ideário pombalino com o ideário da obra.

resumO

O Arcadismo foi um movimento, que abarcou a temática da vida simples no campo, do retorno à Natureza. A clare-za e a simplicidade linguísticas na arte também foram a tônica desse movimen-to. O racionalismo e o antropocentris-mo foram preceitos, que marcaram a época e que nortearam os rumos das sociedades. O retorno às ideias clássi-cas e às obras greco-latinas fez do Ar-cadismo um movimento especificamen-te baseado na imitação e na concepção de que há um ‘modelo’ a se seguir.

SAIBA MAIS!

Filmes: Xica da Silva, de Cacá Diegues; Amadeus, de

MilosForman;AMissão,deRolandJoffé;Li-

gações perigosas, de Stephen Frears.

atividades | 1. Escolha uma canção contemporânea na qual você identifica características do Arcadismo. Escreva um texto justificando a sua escolha.

2. Escolha uma pintura do período Neoclássi-co em que a natureza esteja bem representada. Escolha um poema bucólico de Cláudio Ma-nuel da Costa. Compare as duas obras, estabe-lecendo aproximações entre elas.

35Capítulo 3

referÊncias

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasilei-ra: origens e unidade, Vol. 1. São Paulo: Edito-ra da Universidade de São Paulo, 1999.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil, Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1968.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura bra-sileira. 3. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1997.

MIRABENT, Isabel Coll. Saber ver a arte neo-clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

GLOssÁriO

ilumiNismo - corrente filosófica que tinha como caracte-rística primeira pôr a razão como dirigente de todas as ações humanas.

bucólico - o que está relacionado à vida no campo; estilo de vida que busca a simplicidade e a pureza.

37Capítulo 4Capítulo 4

O rOmantismO

OBjetivOs específicOs

• Estabelecer relações entre a literatura romântica e os aspectos histórico ecultural de sua época;

• IdentificarcaracterísticasdoRomantismonaliteraturaenapintura.

intrOduçãO

Neste capítulo, abordaremos o movimento literário do Romantismo acompanha-do dos seus aspectos históricos nacionais e estrangeiros bem como das caracterís-ticas de sua manifestação artística na literatura e na pintura, das teorias filosófi-cas que influenciaram este movimento e da análise de alguns dos escritores que mais se destacaram no Brasil.

1. cOntextO HistóricO-cuLturaL

Começaremos agora, caros leitores, a embarcar em um universo peculiar na his-tória da cultura ocidental que nos fará viajar por novos terrenos. O período ao qual chamamos Romantismo nos reserva um mergulho em águas profundas e um passeio pelo labirinto da imaginação humana. Mas, vamos por partes! Pri-meiramente, relembremos aspectos do movimento anterior, o Arcadismo, que irão fazer parte de nossos estudos acerca deste novo período literário e artístico.

Como vimos, o Arcadismo foi marcado pela cultura neoclássica e pelo avanço em várias áreas da ciência e do conhecimento, reverenciando, assim, o racio-nalismo. As transformações ocorridas nos aspectos econômico e mercadológico favoreceram a ascensão da classe burguesa, modificando as relações de trabalho. O desenvolvimento comercial e urbano viria a modificar as linhas de produção na medida em que se necessitava de mais fábricas, e novas tecnologias foram se acrescentando ao trabalho, impulsionando o crescimento das indústrias. Fatos que comporiam a chamada Revolução Industrial, na Inglaterra, em 1750, ali-cerçada pela Revolução Inglesa de 1688. A Revolução Industrial modificou as relações comerciais ao estimular o consumo e trouxe um novo modo de compor-tamento nas relações humanas.

Todos os setores das principais atividades do homem em sua luta econômica participaram, de certo modo, na Revolução Industrial, que, no seu todo, representou uma conjuntura em que as crescentes disponibilidades de terra, mão-de-obra e capital favoreciam a grande expansão in-dustrial. À medida que os novos inventos se impõem e solucionam os entraves técnicos da pro-dução, desencadeia-se uma verdadeira caudal de aperfeiçoamentos industriais, que procuram

Profa. Luciana marinho Fernandes da silvaCarga Horária | 15 horas

38 Capítulo 4

incrementar a produção e baratear o custo da mercadoria, ampliando e estimulando o mercado de consumo. (FAL-BEL in GUISNBURG, 1993, pág. 28)

Posteriormente à Revolução Industrial, ocorreu a Revolução Americana, em 1776,

“provocada pela imposição inglesa, proibindo a colônia de além-mar de comerciar com qualquer outro país que não fosse a metrópole, ou seja, a imposição de um comércio unilateral e exclusivo que limitava a colônia e beneficiava a

metrópole” (FALBEL in GUISNBURG, 1993, p. 30).

Essa Revolução teve seu quinhão de importância na história do século XVIII, na medida em que al-terou as relações com a sua metrópole, a Inglaterra, remodelando o perfil deste país diante da econo-mia europeia, e, consequentemente, levou à In-dependência Americana. De fato, essa Revolução serviu de modelo e estímulo para as revoluções que viriam a ocorrer em outros continentes, a exemplo, a Revolução Francesa.

Visto que já explanamos, no capítulo anterior, o contexto que precedeu a Revolução Francesa, avancemos ao momento que se sucedeu a ela. Os acontecimentos que favoreceram o sucesso da Re-volução e, por conseguinte, a Declaração dos Di-reitos do Homem e do Cidadão trouxeram consigo paradoxos sociais complexos. Os ideais de Liberda-de e Igualdade, amplamente defendidos e conquis-tados juridicamente pelos revolucionários, foram vistos e vivenciados com uma cisão no âmago de seu significado. Aquilo que deveria ser palco de uma nova ordem social transformou-se em caos e insatisfação coletiva:

“A Revolução Francesa, ainda que abolisse os direitos e as instituições feudais, não aboliu a desigualdade entre os ho-

mens.” (FALBEL in GUISNBURG, 1993, p. 35).

Assim como a França enfrentava problemas rela-cionados ao direito de propriedade, a Inglaterra já vinha enfrentando conflitos sociais oriundos da Revolução Industrial e do capitalismo:

Da escravidão na Antiguidade à nova escravidão, poucas eram as diferenças, mesmo se do ângulo jurídico-legal o trabalhador agora não fosse propriedade do empregador ou do industrial. Na realidade, a dependência do operário sob o aspecto financeiro, muitas vezes, era tal que o peso das dívidas o levava a ficar inteiramente ao dispor de seu patrão.

(FALBEL in GUISNBURG, 1993, p. 29)

Os problemas trabalhistas começavam a surgir, e o cenário de más condições de vida e miséria cami-nhavam lado a lado, com a abundância de capital e riqueza. Não foi à toa que os ideais socialistas che-gariam em meio às crises provindas de um regime de produção caótico, conceituado pelo liberalismo econômico.

Se este era o contexto histórico – fins do século XVIII - naquelas regiões europeias que mais interes-sam aos estudos aqui propostos, no Brasil, o nosso interesse se volta precisamente ao início do século XIX. Apesar de ainda este período constar de uma produção artística aos moldes neoclássicos, ele nos servirá de base de apoio para a compreensão do Romantismo. Com a vinda da corte de Portugal para o Brasil e com a regência de Dom João VI, os avanços foram imensuráveis desde a abertura dos portos, a permissão para as manufaturas e as me-lhorias na propagação da educação e da cultura. A respeito das expansões nas áreas da educação e da cultura, afirmou Castello (1999, p. 159):

Não custa rememorá-las, mesmo enumerativamente: contatos diretos com o estrangeiro, abrindo perspectivas de intercâmbio; fim da ação estranguladora da censura; importação de livros e seu comércio; estabelecimento de tipografias, dando início à atividade editorial e à implan-tação da imprensa periódica – jornais e revistas; formação de bibliotecas públicas e particulares; criação das primeiras escolas superiores; desenvolvimento do gosto pelo teatro, música e oratória religiosa nas freqüentes solenidades da Igreja; museus, arquivos, associações culturais; e sobretudo a melhoria das condições de vida social e a presença de

estrangeiros (...).

Se o advento do Romantismo teve ligação com a ascensão da classe burguesa e de sua associação com as classes populares, no Brasil, ela, a burgue-sia, estaria ainda longe de ter uma representação capaz de causar maiores levantes na vida social e política. A Independência do Brasil, em 1822, su-cedera por motivos que não estariam diretamente ligados à união burguesia/classes populares, mas, aos processos que Portugal enfrentava. De fato, o que contribuiu, em demasiado, para que o Roman-tismo despontasse e ‘circulasse’ em solo brasileiro foi o desenvolvimento urbano, a burguesia apenas

“dava fisionomia aos ambientes urbanos, crescia em im-portância, transitava para o enobrecimento, com a posse territorial que sempre buscava, mas não tinha possibilida-des de definir-se com um papel específico.” O Romantis-mo “não será, pois, em nosso país, a expressão burguesa

39Capítulo 4

por excelência, mas a expressão da classe territorial, na sua fase de urbanização, a que a burguesia se atrela, concorren-

do com as suas identificações.” (SODRÉ, 1995, p. 201).

Este é o cenário que alicerçou as bases do Roman-tismo.

Não poderemos, contudo, dar continuidade aos nossos estudos acerca do Romantismo, sem cha-mar a atenção para a contribuição peculiar da filosofia alemã ao movimento em questão. A ob-servação da filosofia irá nos ajudar a acrescentar aquele “algo mais” que falta para dar mais calor e vida ao espírito romântico, atribuindo-lhe novas dimensões e significados com a profundidade que merece.

A investigação filosófica alemã, que alicerçou as bases românticas, reagiu contra os ideais raciona-listas do chamado Século das Luzes. Não só na Alemanha mas noutras localidades, as críticas ao pensamento racional tiveram larga escala. A ideia de que só se pode chegar à essência das coisas por meio da razão, que só por meio dela alcançaríamos a verdade, reduzia o objeto pensado às dimensões do racional, à luz da explicação científica, afastan-do o homem da natureza última do ser das coisas. Mas, antes de explanarmos a filosofia alemã, to-memos as ideias de Rousseau, que contribuíram enormemente para o Romantismo e enriqueceram ainda mais os nossos estudos. Para ele, a natureza é sentimento, um mergulhar na interioridade do homem:

Só através dos sentimentos é que as idéias e o mundo ra-cional podem adquirir sentido, podem, de fato, ser apre-ciados, porque o sentimento é a medida da interioridade do homem. No sentir, no viver-se, o homem é, de fato, ele mesmo desde as suas raízes, espontânea e livremente.E a esse sentimento interior chama Rousseau de natureza: ‘Consultei a natureza, isto é, o sentimento interior’. Uma natureza que se opõe, portanto, à da concepção cartesiana e enciclopedista, que via nela algo de exterior, de objetivo, de matematizado e racional.” (BORNHEIM in GUINS-

BURG, 1993, p. 80-81)

Os caminhos para a subjetividade ganham novos ânimos, quando acrescentarmos as ideias do filó-sofo alemão Fichte. Com influência direta no mo-vimento pré-romântico denominado Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), Fichte levantou e tentou solucionar o problema da dualidade entre dois mundos da filosofia de Kant: o do real sensí-vel, que é objeto da ciência, regido, determinado e

explicado por leis físicas, e o do homem,

“enquanto ser psicofísico, dotado de inclinações, de de-sejos, de instintos, que deve satisfazer” (BORNHEIM in

GUINSBURG, 1993, p. 85),

mas que está subjugado a um mundo de determi-nismo, sem liberdade. A partir daí, o filósofo ad-mite que essa dicotomia só poderá ser resolvida, se for abolido um dos mundos: ou existe o mundo do determinismo da natureza, sem liberdade, ou exis-te a liberdade sem as necessidades naturais. Para superar este dualismo, Fichte buscou um princípio metafísico que a tudo condiciona, mas que não co-nhece condicionamento, um princípio original ao qual chamou de Eu. O Eu não corresponde ao eu individual, empírico, mas a um Eu que o homem traz de absoluto, incondicionado, que age e cria a realidade, um Eu alcançado pela atividade do pen-sar a si mesmo.

Por meio desse Eu puro, consegue-se alcançar a compreensão do eu individual no mundo e o mun-do. Como o Eu fichteano é incondicionado, ou seja, não depende de nada para se colocar e busca a si mesmo, tudo o que ele não é Fichte é chama-do de Não-eu; este é limitado, posto pelo próprio Eu em sua autodeterminação. O Eu, portanto, é dinâmico, com uma força altamente criadora. Mas o embate com o Não-eu, existente na consciência humana, fará tornar-se impossível o exercício da liberdade plena. O homem viverá sempre entre o finito e o infinito, e este dualismo não pode ser solucionado pela filosofia de Fichte, mas ganhará um novo apoio com Friedrich Schlegel.

O caminho mais viável para se viver a liberdade plena, para alcançar a unidade entre o real e o ide-al será a criação artística. Com Schlegel, a obra de arte é vista como possibilidade de toda idealização, pois nela será transmitido o elo mais forte que une o homem ao Absoluto. Tanto a obra de arte quan-to o artista recebem uma valorização suprema:

“(...) o artista, o poeta, torna-se uma espécie de sacerdote para os homens, pois é ele quem melhor consegue comuni-car o finito com o infinito. O artista genial é quem melhor realiza o absoluto que traz em si e melhor comunica-o aos

outros.” (BORNHEIM in GUINSBURG, 1993, p. 93)

Outros filósofos acompanharam e acrescentaram novas ideias às teorias apresentadas por Fichte e Schlegel, como Schleiermacher e Schelling. O pri-

40 Capítulo 4

meiro, por exemplo, deu ao sentimento um caráter mais valorativo na busca do Absoluto, enquanto o segundo, Schelling, questionou a redução do obje-to ao sujeito. Para ele,

“(...) o dualismo sujeito-objeto supõe sempre um condicio-namento recíproco, justificando-se um dos termos pelo ou-tro, e sendo, consequentemente, um tão importante quan-

to o outro.” (BORNHEIM in GUINSBURG, 1993, p. 99).

As forças antagônicas duelam constantemente e transmitem uma síntese dos fenômenos antitéti-cos.

Cada qual com sua importância e com seu devido valor, os filósofos abordaram temas peculiares ao Romantismo, como, por exemplo, o eu, a subjeti-vidade, o sentimento e, principalmente, um tema que custou caro às mentes românticas: a busca pelo Absoluto. E, nessa busca incessante, viu-se o artis-ta romântico fragmentado em seu ser e nostálgico de um lugar que nunca visitou, ou, se visitou, foi guiado pelas mãos da imaginação para percorrer caminhos de sonhos.

2. características estéticas: pintura e Literatura

A arte não deixaria, decerto, de acompanhar todas as mudanças ocorridas. O homem e, neste caso, especificamente o artista, como ser histórico, pre-sença efetiva que visualiza sua condição no mundo e a condição do mundo, se postaria, de maneira diferente, à dos neoclássicos. A estética regrada dos seus antecessores seria amplamente rejeitada pelos românticos, pois agora o artista está desimpedido de todas as fórmulas para a criação; ele não imita, ele é livre para expressar este Eu que vos fala e é original. Afinal, ele também grita por liberdade.

O confronto do indivíduo com o mundo, diálogo, muitas vezes, conflituoso, desesperado e dramáti-co, será a grande temática do Romantismo. O pa-pel da natureza ganha nova roupagem: de decorati-va e harmoniosa, como vista pelos neoclassicistas, para extremamente expressiva com os românticos. Ela acompanhará o romântico pelos percalços dos contrastes que o atormentam e afligem. Tomemos agora a obra Naufrágio (1805), do grande artista plástico inglês William Turner (1775-1851).

Tema recorrente nas obras de Turner, o mar, neste quadro, surge revoltado e violento, causando pâ-nico e tormento aos que o navegam. A força da natureza entra em movimento, demonstrando inquietude e vigor em uma ação trágica e singu-larmente capaz de abalar toda a ordem. O dese-quilíbrio causado pelo naufrágio desperta para um momento crítico que põe em jogo a sobrevivência. Acompanha o mesmo tema do naufrágio outra obra de Turner, Calais (1803), esta difere da an-terior, por conter um elemento a mais: enquanto que em Naufrágio, o universo é noturno, obscuro, em Calais, existe a presença do céu limpo e azul, embora, numa escala menor, entre nuvens pesadas e carregadas. Com a instabilidade do espírito ro-mântico, perguntamos: estariam elas, as nuvens, se dissipando ou se aglomerando? A natureza no Ro-mantismo caminha de mãos dadas com o artista. O estado emocional do artista transcende para a natureza todo o tormento de um espírito em cons-tante ebulição.

Figura 1: Naufrágio, de William Turner.

Font

e: s

ite: p

orto

gent

e.co

m.b

r

Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;de ruínas o homem marca a terra, mas se evolana praia o seu domínio. Na úmida extensãosó tu causas naufrágios; não, da destruição

Figura 2: Calais, de William Turner.

Font

e: s

ite: fi

near

tprin

tson

dem

and.

com

41Capítulo 4

feita pelo homem sombra alguma se mantém,exceto se, gota de chuva, ele tambémse afunda a borbulhar com seu gemido,sem féretro, sem túmulo, desconhecido.

O trecho acima é a primeira estrofe do poema Oce-ano (Byron, 2010), do escritor e poeta inglês Lord Byron (1788-1824). O poderio da natureza sobre as ações humanas prevalece, mas ambos, oceano e homem, se tornariam um só na morte de um dos elementos, do humano. Este, destituído de sua identidade, encontraria o Absoluto na infinitude do mar, onde encontraria uma outra identidade ao se tornar ‘gota de chuva’ e fazer parte de uma mesma natureza.

No Romantismo, a liberdade fora aplicada tam-bém ao universo literário: a comédia mistura-se à tragédia; encontramos lirismo, antes prioridade do poema, em romances; o belo une-se ao feio. Os versos são livres, e os personagens-heróis dos ro-mances não são

“semideuses, os românticos escolhem os personagens entre

os seres comuns”, (Gomes; Vechi, 1992, p. 27).

Quebram-se as regras da composição literária em prol da liberdade criadora, esta desconhece mode-los a serem seguidos. O romance, inclusive, nasceu com o Romantismo. Samuel Richardson (1689-1761), escritor inglês, é considerado o precursor deste gênero literário; com seus escritos Pamela (1740) e Clarissa Harlows (1747-1748), abrira as portas para aquela que seria a forma de expressão literária mais cobiçada pelos novos leitores, os bur-gueses. O romance, a partir de então cresceu, de-senvolveu-se e consolidou-se como um dos gêneros mais explorados até a atualidade.

No Romantismo, foram destaques o individualis-mo, a subjetividade, a supravalorização do ‘eu’ face ao objeto. Mesmo com todas as polêmicas filosó-ficas a respeito da questão, com todas as investiga-ções que englobam o mundo interior e o exterior, a solidão e a melancolia diante de um absoluto inatingível, a consciência de que há uma

“crise irreparável entre o ser e as coisas” (Gomes; Vechi,

1992, p. 19),

não nos esqueçamos de que, diante de tudo, este homem romântico dialoga, traz à baila o ‘outro’, ele faz com que se manifeste, por meio de si, esse misterioso ‘outro’. Como perguntou o poeta ale-mão Novalis:

No instante em que o poeta lhe fala, o rochedo não se torna um ‘tu’,

dotado de personalidade?

E, na transcendência da criação verbal, esse ‘ou-tro’ transforma-se em um inegável e indispensável interlocutor, e, no diálogo entre ambos, caímos diante da inquietante revelação de que, às vezes, poderemos não ser amparados.

Figura 3: O Pesadelo, de Henry Fuseli.

Font

e: s

ite: p

aulo

heus

er.b

logs

pot.c

om

Como crítica ao “Século das Luzes”, que já entrava em decaída, contra a apologia à razão como a úni-ca maneira de se conhecer a verdade das coisas, o Romantismo abre novos horizontes,

“o irracionalismo e o subjetivismo apresentam-se como novas possibilidades de se interpretar o mundo”, (Gomes;

Vechi, 1992, p. 14).

O imaginário do artista procura por aquilo que é desconhecido, que não está nem aqui nem ali, nem dentro nem fora, mas, em regiões mais profundas, no inconsciente. Observem, caros leitores, na obra O Pesadelo (1802), do artista plástico Henry Fuseli (1741-1825), a presença de uma figura ‘demoníaca’, compondo o cenário em que se fundem o sonho e a realidade.

42 Capítulo 4

3. pOesia rOmântica: GOnçaLves dias, ÁLvares de azevedO e castrO aLves

Iremos concentrar nossos estudos a partir de ago-ra, na produção literária do Romantismo no Bra-sil, destacando alguns de seus principais escritores. Como sabemos, tradicionalmente, esse período literário ficou estruturado em três gerações repre-sentadas pelos autores de poesia — a prosa será posteriormente analisada por meio dos romances de José de Alencar. Para cada geração, escolhemos um autor em particular. Apesar de o Romantismo ter sido oficialmente iniciado pela publicação, em 1836, de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gon-çalves de Magalhães, selecionamos Gonçalves Dias como nosso representante da primeira geração, por apresentar e solidificar as características da poesia romântica mais agudamente do que seu an-tecessor.

Deixemos, contudo, o registro de que, no prólo-go de Suspiros Poéticos e Saudades, Gonçalves de Magalhães (2010), sob a égide da religião e da mo-ral, critica aqueles que faziam da arte poética uma imitação: “Até aqui, como só se procurava fazer uma obra segundo a arte, imitar era o meio in-dicado: fingida era a inspiração, e artificial, o en-tusiasmo”, como também valoriza a liberdade na forma de compor os versos: “Quanto à forma, isto é, à construção, (...), nenhuma ordem seguimos, exprimindo as ideias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que a igualdade dos versos, a regularidade das ri-mas e a simetria das instâncias produzem uma tal monotonia e dão certa feição de concertado arti-fício que jamais podem agradar.” Embora tenha sido marco inicial de nosso Romantismo, partici-pado efetivamente do movimento e apresentado temáticas românticas, Gonçalves de Magalhães foi qualificado, por Alfredo Bosi (1997, p. 107), como um escritor que não apresentava “a liberdade ex-pressiva, que é o toque da nova cultura”.

Caracterizemos, agora, as gerações de acordo com suas tendências e, em seguida, seus respectivos re-presentantes:

1. A Primeira Geração é reconhecida por apre-sentar poesias voltadas para as questões do in-dianismo, da religiosidade e do nacionalismo;

2. A Segunda Geração explorou o pessimismo, o interesse pelo tema da morte, o individua-lismo egocêntrico. Foi a geração inspirada no “Mal do Século”.

3. A Terceira Geração, também chamada de Condoreira, englobou a poesia com temas po-líticos e sociais.

3.1. primeira GeraçãO: GOnçaLves dias (1823-1864)

A produção literária deste poeta maranhense ficou marcada pelo tema do indianismo. A figura do ín-dio fora abordada desde a colonização, sob a óti-ca dos estrangeiros que aqui desembarcavam, até o Arcadismo, último movimento literário da era colonial, por Basílio da Gama e Santa Rita Durão, mas, com o Romantismo, ele deixou de ser apenas um assunto para alcançar o patamar de herói. As teorias de Rousseau sobre o “bom selvagem” to-maram os corações dos românticos que viram no índio aquele que seria o melhor símbolo da nacio-nalidade brasileira. O índio é da terra, puro em suas origens.

O poema épico I – Juca Pirama (DIAS, 2010) nar-ra a história de um índio guerreiro da tribo tupi, que é capturado pelos índios de uma tribo rival, os timbiras. Lemos no Canto I:

Por casos de guerra caiu prisioneiroNas mãos dos Timbiras: - no extenso terreiroAssola-se o teto, que o teve em prisão;Convidam-se as tribos dos seus arredores,Cuidosos se incumbem do vaso das cores,Dos vários aprestos da honrosa função.

Sob festejos, os timbiras comemoram a captura do índio tupi cuja sina será a morte pela prática do canibalismo (Canto II):

O prisioneiro, cuja morte anseiam,Sentado estáO prisioneiro, que outro sol no ocasoJamais verá!

É dado ao tupi um momento para que narre sua história antes de morrer. Ele lhes canta seus feitos como guerreiro, corajoso e bravo, disposto a en-carar a morte e não fugir dela, mas a sua fraqueza reside no elo que o liga ao seu pai, cego e enfraque-cido. O índio tupi, quebrando com as tradições de

43Capítulo 4

honra de sua tribo, pede que, por seu pai, deixem-no partir (Canto IV):

Eu era o seu guiaNa noite sombria,A só alegriaQue Deus lhe deixou:Em mim se apoiava,Em mim se firmava,Em mim descansava,Que filho que sou.

Reconhecendo-o como um fraco, o chefe da tribo dos timbiras solta-o, pois não será digna do ritual a carne de um guerreiro que foge aos seus princípios. Ao encontrar seu pai, o índio tupi conta-lhe a sua história. O pai, honrando os costumes, entrega o filho ao chefe dos timbiras que o recusa. Envergo-nhado e enraivecido, o pai não reconhece mais o filho e o amaldiçoa a viver vagando sem rumo e sem amor (Canto VIII):

“Tu choraste em presença da morte?Na presença de estranhos choraste?Não descende o cobarde do forte;Pois choraste, meu filho não és!(...)“Possas tu, isolado na terra,Sem arrimo e sem pátria, vagando,(...)Ser das gentes o espectro execrado;(...)”

O filho, diante da postura de seu pai, reconhece ter-lhe causado tamanha dor, ao se desviar dos seus princípios e, gritando a palavra de guerra de sua tribo, ataca sozinho a aldeia dos timbiras em nome da honra de seu povo. O chefe timbira pede-lhe que pare, elogiando sua bravura, vendo-o abraçado agora ao pai que chora orgulhoso por seu filho.

Este poema, acompanhado de uma sonoridade amplamente elaborada, que muda de acordo com o tema de cada canto, mostra-nos a imagem do índio como símbolo daquele que luta pelos seus princípios e sua tribo, sua nação. Sentimentos de amor e ódio, a redenção do herói diante da morte, expressa pelo choro, mostram as emoções sentidas pelo índio, revelando-o frágil e em contradição com a sua natureza de guerreiro. No Romantismo, a busca por elementos que fossem nacionais acom-panhou as transformações sociais revolucionárias. Aqui no Brasil, o índio foi o escolhido como sím-bolo de origem para uma cultura nacional que pre-

cisava ser construída.

A poesia lírica também foi muito representativa em Gonçalves Dias. Em seu poema Leito de Fo-lhas Verdes (2010), quem nos fala é a voz feminina na figura de uma índia – novamente a figura indí-gena – e elementos da língua indígena são usados no poema, valorizando a cultura. O tema amor é acompanhado da saudade do amante ausente. A mulher e a natureza são colocadas no mesmo cenário, em que a atmosfera de um erotismo sutil preenche os espaços e desperta os sentidos:

Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,já solta o bogari mais doce aroma!Como prece de amor, como estas preces,No silêncio da noite o bosque exala.

Brilha a lua no céu, brilham estrelas,Correm perfumes no correr da brisa,A cujo influxo mágico respira-seUm quebrando de amor, melhor que a vida!

Mas finda o poema com a decepção de um amor não realizado, ficando apenas no plano da idealiza-ção. Os desejos são contrariados, transparecendo a desilusão e a frustração do eu lírico.

3.2. a seGunda GeraçãO: ÁLvares de azevedO (1831-1852)

Também conhecida como Ultra-romântica, esta ge-ração ficou caracterizada por explorar, ao extremo, os estados emocionais do eu. A morte, a melanco-lia, o tédio, o amor serão levados ao estado latente do verbo. Vejamos esses fragmentos de Álvares de Azevedo (Lira dos Vinte Anos, 1999):

Quando em meu peito rebentar-se a fibraQue o espírito enlaça à dor vivente,Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente!

(Lembrança de Morrer, p. 110)

Vivi na solidão – odeio o mundoE no orgulho embucei meu rosto pálido Como um astro na treva...Senti a vida um lupanar imundo –Se acorda o triste profanado, esquálido - A morte fria o leva....

(12 de setembro, IX, p. 208)

44 Capítulo 4

Os elementos da natureza aparecem constante-mente em seus poemas; são seus companheiros na solidão ou no amor, personificados, humanizados, de mãos dadas com o estado emocional do eu lí-rico:

Ó lua, ó lua bela dos amores,Se tu és moça, e tens um peito amigo,Não me deixes assim dormir solteiro,À meia-noite vem cear comigo!

(Spleen e Charutos, I, Solidão, p. 158)

Que vida que se bebiaNa noite que pareciaSuspirar de sentimento!(...)Como virgem que desmaia,Dormia a onda na praia!

(No Mar, p. 31)

Embebido pela literatura dos ingleses românticos Byron e Blake, Álvares de Azevedo contempla a profundidade que há na angústia existencial; an-gústia e, ao mesmo tempo, sede pela vida. Ânsia incontrolável de verificar nos caminhos tortuosos da vida tudo o que ela pode lhe oferecer. Mas é tarde para um coração aflito:

De tanta inspiração e tanta vidaQue os nervos convulsivos inflamava E ardia sem conforto...O que resta? Uma sombra esvaecida, Resta um poeta morto!

(Um Cadáver de Poeta, p. 112)

Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agoraSe inunda em tanto sol no céu da tarde!Acorda, coração!... Mas no meu peitoLábio de morte murmurou – É tarde!

(Virgem Morta, p. 94)

Nosso poeta não produziu apenas poesias, também contribuiu para a prosa. Com Noite na Taverna (AZEVEDO, 1992), dentre outros escritos narra-tivos, o autor explora temas, como crime, jogos de azar, sexo, morte, excessos alcoólicos. Em um universo de devassidão, imoral para uns, conheci-do para outros, os personagens não refreiam seus desejos diante dos prazeres proporcionados pelas mais absurdas situações. Entre delírios, perda da consciência, transposição dos limites, embriaguez,

orgias, as relações amorosas são levadas até o ex-tremo das possibilidades. Perdem-se nossos perso-nagens no labirinto ao qual o corpo, a mente e o amor podem levar:

— Sabeis, uma mulher levou-me à perdição. Foi ela quem me queimou a fronte nas orgias e desbotou-me os lábios no ardor dos vinhos e na moleza de seus beijos, quem me fez devassar pálido as longas noites de insônia nas mesas do jogo e nas doidices dos abra-ços convulsos com que ela me apertava o seio!

(1992, p. 04)

Dei um último olhar àquela forma nua e adorme-cida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na ago-nia voluptuosa do amor. Saí. Não sei se a noite era límpida ou negra; sei apenas que a cabeça me escal-dava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias na mesa; aos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o vinho do deleite....

(1992, p. 27).

3.3. a terceira GeraçãO: castrO aLves (1847-1871)

A poesia de Castro Alves ficou marcada, principal-mente, por um tema que viria a custar caro não só para a história do Brasil como também para a humanidade: a escravatura. Em 1850, no Brasil, começou a vigorar a Lei Eusébio de Queirós que proibia o tráfico de escravos, com esta proibição, os escravistas se viram obrigados a procurar outro tipo de mão-de-obra. A partir de então, se tornara mais difícil manter o tráfico de escravos. A aboli-ção da escravatura estava longe de acontecer em definitivo, mas o passo de vetar a vinda de novos escravos da África já havia sido tomada.

Castro Alves foi contemporâneo de uma transfor-mação que começara já a acontecer em nosso país:

“A sua estréia coincide com o amadurecer de uma situação nova: a crise do Brasil puramente rural; o lento, mas firme crescimento da cultura urbana, dos ideais democráticos e, portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do se-nhor-e-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social

no Brasil-Império.” (Bosi, 1997, p. 142).

Há quase duas décadas, a partir da publicação do poema O Navio Negreiro, em 1868, de Castro Al-ves, vigorava a Lei Eusébio de Queiroz, mas a práti-ca da escravidão agonizava nos corações de nossos

45Capítulo 4

escritores. Vejamos essas passagens de seu poema O Navio Negreiro (Alves, 2010):

Donde vem? onde vai? Das naus errantesQuem sabe o rumo se é tão grande o espaço?Neste saara os corcéis o pó levantam,Galopam, voam, mas não deixam traço.(...)Oh! que doce harmonia traz me a brisa!Que música suave ao longe soa!

A beleza de uma viagem embalsamada pelas ima-gens da natureza, a imensidão do mar, o céu, a doçura dos ventos, tudo em harmonia, mas que reserva uma visão da crueldade humana para com o próprio homem:

Ontem plena liberdade,A vontade por poder...Hoje... Cum’lo de maldade,Nem são livres p’ra... morrer...Prende-os a mesma corrente- Férrea, lúgubre, serpente –Nas roscas da escravidão.Ao som do açoite... Irrisão!...

O horror é presenciado pelo eu poético que se vê diante da imagem de um navio levando homens, mulheres e crianças para serem escravizados, sub-jugados, humilhados, em condições precárias e miseráveis. Contrariamente ao hino pregado pelo Romantismo, o da liberdade e da igualdade entre os homens, o que ele presencia são seres humanos reduzidos à condição de propriedade. O eu indi-vidual em conflito com a realidade abre-se, assim, para o sofrimento do homem na coletividade.

Numa época em que se buscavam elementos da terra para simbolizarem o que é nacional em suas origens, a imagem do índio fora a que mais con-vinha por este ser aquele que estava aqui antes da colonização. Jamais teria sido o negro a ser exal-tado numa sociedade ainda escravocrata. O negro era a mão-de-obra, aquele que servia para o traba-lho. Quando Castro Alves levanta a bandeira da abolição da escravatura, mostrando a dor de uma raça ainda sendo dominada e reduzida ao papel de objeto, ele ergue aos ventos a urgência de mudan-ças para uma pátria que aspira aos ideais de novos tempos.

4. a prOsa rOmântica: jOsé de aLencar

José de Alencar se insere no contexto do Roman-tismo de forma bastante versátil, deixando uma obra romanesca, dividida em quatro vertentes, tra-dicionalmente reconhecidas pela crítica: indianis-ta, histórica, social rural e social urbana. Castello (1999, p. 263) comenta o ponto de vista de Alen-car sobre a sua própria obra que, vale salientar, é relativamente extensa:

Com relação à própria obra, Alencar reconheceu três momentos da nossa formação: O primeiro, o das lendas e mitos da terra selvagem e conquistada. O segundo re-presentado pelo Consórcio do povo invasor com a terra americana, marcado pela assimilação mútua de conquis-tador e conquistado, de maneira a alimentar o processo da gestação lenta do povo americano que deveria sair da estirpe lusa, - esclarece - para continuar no Novo Mundo as gloriosas tradições de seu progenitor. O terceiro, a contar da Independência, voltado para a sociedade brasileira con-temporânea, urbana e rural.

Como modelos dessas quatro tendências, encon-tramos, por exemplo, Ubirajara como represen-tante da vertente indianista; Iracema e O Guarani como exemplos da vertente histórico-indianista; A Guerra dos Mascates e O Jesuíta, como exemplos da tendência histórica puramente dita; O Sertane-jo, O Gaúcho, O Tronco do Ipê, como exemplos da narrativa social rural e, por fim, A Viuvinha, Cinco Minutos, Senhora, como exemplos da nar-rativa social urbana.

Assim, distribuem-se, nessas tendências, caracterís-ticas românticas da prosa de Alencar, tais como a representação do autóctone, de nossas origens; a exaltação da natureza primitiva; o nacionalismo; a fusão do homem americano, o indígena, com o homem europeu; a representação da vida rural, de seus costumes; a representação da vida urbana, de seus costumes; o choque com o cotidiano imedia-to, choque do eu com o mundo; o sentimentalis-mo; a exaltação do amor e da honra; a imaginação criadora; o subjetivismo.

Vejamos, pois, algumas dessas características em duas obras, a saber, Ubirajara e Iracema. A obra Ubirajara, na qual encontramos como par român-tico Ubirajara e Araci, estaria na primeira verten-te, a indianista. A obra é vivenciada no período pré-colonial, portanto, antes de o homem branco

46 Capítulo 4

aparecer, e compõe o corpo das lendas e mitos da terra selvagem e ainda a ser conquistada. A exube-rância da natureza selvagem é destacada, e, nesse contexto, o indígena é idealizado como quem faz parte da beleza e da força incomuns da natureza. Observemos como Araci (ALENCAR, 2003, p. 15) se apresenta a seu futuro esposo:

Eu sou Araci, estrela do dia, filha de Itaquê, pai da grande nação tocantim. Cem dos melhores guerrei-ros o servem em sua cabana para merecer que ele o escolha por filho. O mais forte e valente me terá por esposa. Vem comigo, guerreiro araguaia, excede aos outros no trabalho e na constância, e tu rompe-rás a liga de Araci na próxima lua do Amor.

Nessa representação de nossas origens, a ênfase dada à pureza, à honra, à força guerreira são mar-cas do povo primitivo, uma vez que Ubirajara pre-cisará lutar com outros índios para poder despo-sar a virgem Araci. Ao cumprir esse desígnio, ele preserva sua honra, mostra sua força de guerreiro imbatível e conquista um valor, a pureza da índia tocantim, reportando, dessa forma, à natureza do bom selvagem de Rousseau, que tanto influenciou o Romantismo.

Diferentemente, o romance Iracema caracteriza-se por ser uma obra histórico-indianista, uma vez que vai narrar a história de nossa origem no contexto da colonização, mostrando o “consórcio do povo invasor com a terra americana” por meio do par romântico Iracema, índia da tribo dos tabajaras, e Martim, guerreiro branco. Uma vez que o Novo Mundo foi conquistado, o percurso a seguir é o da colonização, ou seja, o da transformação do mun-do primitivo em mundo civilizado, conforme a vi-são do português valorizada por Alencar. Isso se dá por meio do engrandecimento da “estirpe lusa” como o povo a ser espelhado. Em Iracema, essa transformação se dá com a morte do autóctone e a exaltação da civilização portuguesa, uma vez que, no final da narrativa, a índia Iracema morre, e seu par amoroso, o português Martim, é quem levanta nos braços o fruto da união dos dois, o Moacir.

No capítulo XXXIII, último da obra, a valorização da cultura europeia em detrimento da cultura indí-gena fica notória, como podemos perceber na fala do narrador abaixo colocada:

Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe branco, para fundar com ele a mairi dos cris-tãos. Veio também um sacerdote de sua religião, de

negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem.

Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão branco. Deviam ter ambos um só Deus, como tinham um só coração.

[...] Germinou a palavra do Deus verdadeiro na ter-ra selvagem e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá.

(ALENCAR, 1972, p. 102-103)

O projeto indianista de José de Alencar fica bem posto na obra, ao reconhecer a cultura do europeu como superior a dos nativos, e, nessa perspectiva, a religião católica desponta como a religião verda-deira. Assim sendo, o primeiro brasileiro simboli-camente representado pelo filho de Martim com Iracema, ou seja, filho da junção do povo ameri-cano com o europeu, deve espelhar-se na cultura do pai, que é a que sobreviveu e a que faz parte da civilização. A exaltação do índio se dá enquanto idealização de nossa origem guerreira e originária, como encontramos em Ubirajara, e não, como uma cultura que deve prevalecer em relação à cultura estrangeira. Esta veio para retirar o Novo Mundo do estado de natureza selvagem, e um dos primeiros passos para isso é ficar em terra indígena a cruz católica.

SAIBA MAIS!

Livros: Amor de perdição, de Camilo Castelo

Branco;OsSofrimentosdojovemWer-

ther, de Goethe; Espumas flutuantes, de

Castro Alves.

Filmes: Minha amada imortal, de Bernard Rose;

CarlotaJoaquina,deCarlaCamurati.

47Capítulo 4

atividades |1. Após nossos estudos sobre o Romantis-mo, escolha uma produção cinematográfica das sugeridas no “Saiba mais” e elabore um texto comentando as características românti-cas que você conseguiu observar.

2. Leia o romance “Senhora”, de José de Alencar e elabore um texto sobre o retrato de sociedade presente na obra, a partir dos perfis e ações dos personagens.

3. Escolha um soneto lírico-amoroso de Ál-vares de Azevedo. Escolha uma letra de música contemporânea que verse sobre o amor. Com-pare os dois textos, respondendo a questão: Que aspectos aproximam e que aspectos dis-tanciam a visão de amor presente nos 2 textos?

resumO

Vimos, então, que o Romantismo foi um movimento artístico singular. O conjun-to dos acontecimentos históricos, das teorias filosóficas e das produções ar-tísticas nos apresenta um universo atra-ente para a valorização do artista e da obra de arte, principalmente a literária. As temáticas do eu, da subjetividade, do amor, da natureza, do índio – no Brasil – ocuparam um destaque maior. Por es-ses motivos, o Romantismo foi de uma expansão tão gigantesca que se apre-senta vivo até os nossos dias.

referÊncias

ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Três, 1972.

_____. Ubirajara. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ALVES, Castro. O Navio Negreiro. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/do-wnload/texto/bn000074.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2010.

AZEVEDO, Álvares de. Noite na Taverna. São Paulo: Atual, 1992. – (Série Outras Palavras).

AZEVEDO, Álvares de. A Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Editora Martin Claret, 1999. – (Co-leção a Obra Prima de Cada Autor).

BORNHEIM, Gerd. Filosofia do Romantismo. In: GUINSBURG, J. (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. Páginas: 75-111.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura bra-sileira. 3. Ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1997.

BOSI, Alfredo. Imagens do Romantismo no Bra-sil. In: GUINSBURG, J. (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. Pp: 239-256.

BYRON, Lord. O Oceano. Disponível em: <http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/byron/oceano.htm>. Acesso em: 27 jul. 2010.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasilei-ra: origens e unidade, Vol 1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

DIAS, Gonçalves. I – Juca Pirama. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/do-wnload/texto/bv000113.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2010.

DIAS, Gonçalves. Leito de Folhas Verdes. Dis-ponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/goncalves-dias/leito-de-folhas-verdes.php>. Acesso em: 29 julho 2010.

FALBEL, Nachman. Os Fundamentos Histó-ricos do Romantismo. In: GUINSBURG, J. (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspecti-

48 Capítulo 4

va, 1993. Pp: 23-50.

GOMES, Álvaro Cardoso; VECHI, Carlos Al-berto. A Estética Romântica: Textos Doutriná-rios comentados. Tradução de Maria Antônia Simões Nunes (textos alemães, espanhóis, fran-ceses e ingleses); Dúlio Colombini (textos italia-nos). São Paulo: Atlas, 1992.

GUINSBURG, J. (Org.). Romantismo, Histori-cismo e História. In:____. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. Pp: 13-21.

MAGALHÃES, Gonçalves. Suspiros Poéticos e Saudades. Disponível em: <http://www.domi-niopublico.gov.br/download/texto/bn000076.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2010.

NUNES, Benedito. A Visão Romântica. In: GUINSBURG, J. (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. Pp: 51-74.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

GLOssÁriO

Vejam 2 conceitos de Natureza na Filosofia:

Natureza (1): o mundo sensível; real; objetivo.

Natureza (2): a essência das coisas e dos seres.