24850753 Marcel Benedeti Todos Os Animais Merecem o Ceu
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MARCEL BENEDETIMARCEL BENEDETI
TODOS OS ANIMAISTODOS OS ANIMAIS
MERECEM O CUMERECEM O CU
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TTodos os Animais Merecem o Cuodos os Animais Merecem o Cu
Obra premiada no Concurso Literrio Joo Castardelli
2003 2004, promovido pela Fundao Esprita Andr Luiz
(FEAL).
Coordenadores do Concurso: Joo Carlos Bacurau e
Aparecida Quintal
Comisso Julgadora: Ana Maria B Paschoal, Arnaldo
Epstein, Carlos Coelho, Celeste P. da Silva, Cleonice S. Soares;
Da R. Conti, Dirceu Luttke, Doracy dos R. Gonalves,Dulcelina de Jesus, Eduardo Luiz Xavier Fernando Bacurau;
Gasto de Lima Neto, Lara Bacurau, Ildzio Bilmayer, Jayme R
Pereira, Joo Demtrio Lorichio, Jos Geraldo Ramos, Jos
Pozzi, Maria Rita Ortega, Marlene Santos; Nadir da S. L. de
Assis, Nicelmo Abreu Andrade, Paulo Nanini, Ricardo P. de
Paula, Roberto Pasetchn Sprio Faccione e Valter S. de SouzaConsultora: Ana Gaspar
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AApresentaopresentao
A platia aplaudia, entusiasmada, ao v-lo recebendo o
diploma de graduao, como mdico veterinrio. Ali, naquele
salo, cerca de quinhentas pessoas estavam reunidas para
contemplar os amigos e parentes que se formavam, tambm,
assim como ele.
Seus pais e suas irms estavam felizes por v-lo colando
grau, pois, sabiam que no havia sido fcil para todos
conseguir chegar at ali. Foram anos de esforo e at mesmode privaes, para atingir aquele objetivo, uma vez que vinha
de uma famlia de operrios e os recursos financeiros eram
escassos.
Mas, todos os esforos foram recompensados naquele
momento. Tornara-se mdico veterinrio. Ao receber o
diploma, virou-se para a platia e agradeceu de volta a salvade palmas que recebeu, mostrando seu cartucho azul e
sorrindo como nunca.
De cima do palco, acenou para os parentes, em
agradecimento, quando os viu sentados entre o pblico.
Havia, entretanto, algumas pessoas que ele no conhecia,
acenando, tambm, e estavam perto aos seus pais.
Quem seriam aquelas pessoas que pareciam to felizes
por sua diplomao? Uma delas usava uma espcie de batina
marrom escuro, com um grosso cordo preso cintura, de
onde um crucifixo de madeira polida pendia, brilhante.
Poderia ser algum padre que o conhecia ou aos seus pais. O
eclesistico estava acompanhando. Ao lado, estava algum
vestido de branco como um mdico, que segurava um livro e
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um pequeno co da raa fox terrier de plos duros. Ele
tambm acenava. Ao lado de ambos, outra figura bem-
vestida. Usava um terno azul, bastante alinhado. Eram trs
pessoas ali, acenando e marcando presena no evento.O recm-formado, por uma frao de segundo, desviou o
olhar e j no mais os encontrou ali. Seus parentes
continuavam a aplaudi-lo, e pareciam no se surpreender
com o sbito desaparecimento daquelas trs pessoas. Com
um grande aceno, e desceu do palco, levando seu cartucho.
Aps a cerimnia, procurou seus pais para abra-los,enquanto, discretamente, procurava aquelas pessoas entre os
presentes, mas no as encontrou mais.
Os colegas de turma se abraavam, com lgrimas nos
olhos pela despedida, quando ele notou aquele que estava de
roupas brancas, prximo porta do saguo, fitando-o, com
um sorriso nos lbios. Quis ir at ele para conhec-lo e
agradecer-lhe a presena, mas, naquele saguo repleto de
pessoas, perdeu-o de vista. Desde ento, no mais os viu.
Passado algum tempo, em uma noite, quando estava
prestes a pegar no sono, nota o surgimento de uma figura,
agora conhecida, mas inesperada. O susto foi grande,
pela surpresa.
De um salto, saiu da cama. O visitante inesperado, comsua voz suave, acalmou o rapaz e explicou-lhe quem era.
Aps desculpar-se pela surpresa, disse que eram amigos de
outras vidas e que o acompanhava h muito tempo, mas
nunca se manifestou antes, pois, no havia chegado o
momento.
Pediu que no se assustasse quando se encontrassemnovamente, pois estariam muito prximos, a partir de ento.
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Ele era um monge franciscano, que estava ali, a seu prprio
pedido, antes de reencarnar nesta vida atual, para ajud-lo a
atingir as metas propostas para esta existncia. Ele seria um
amigo com quem poderia aconselhar-se e pedir auxlio,quando precisasse. O monge usava uma vestimenta tpica, de
tecido grosso e um capuz que cobria metade de sua cabea.
As mos magras e a pequena estatura davam a ele uma
aparncia frgil, mas sua fora estava em sua sabedoria e
ponderao, que dividiria com o recm-formado veterinrio.
Desde ento, os ouvia aconselhando-o em sua mente,como se fossem seus prprios pensamentos. Somente
diferenciava dos seus, porque as frases eram sempre na
terceira pessoa. Quando ele precisava de conselhos, ali
estava o monge ou o homem de branco com seu co e seu
inseparvel - livro. Este ltimo foi um veterinrio em uma
vida anterior, que, tambm, prometeu aconselh-lo e intu-lo
positivamente na vida profissional. Os anos se passaram, o
rapaz se casou, tornou-se pai, abriu sua prpria Clnica
veterinria e levava uma vida tranqila, ao lado da esposa e
da filha pequena, que eram seus tesouros na Terra.
Posteriormente, foi pai mais duas vezes. A esposa, muito
espiritualizada, o levou a conhecer a Doutrina esprita. De
inicio, estranhou os conceitos, mas lembrou-se de seusamigos espirituais e acabou aceitando tambm como sua a
doutrina, mas, nunca se aprofundou nos conhecimentos que
ela lhe oferecia, por simples desinteresse.
Queria, apenas, acompanhar a esposa s reunies, e nada
mais. Suas preocupaes eram com a clnica e com a famlia.
Nada de estudos doutrinrios, apesar de sua esposa insistir
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para que ele estudasse e entendesse melhoro fundamento
daquela doutrina.
Aos poucos foi se interessando pelos estudos referentes
Doutrina Esprita e comeou a fazer parte de um grupo deestudos no Centro Esprita. Os assuntos eram, realmente,
interessantes e mereciam sua ateno. Passou a ler mais e
mais livros. O Livro dos Espritos passou a ser seu livro de
cabeceira, por conter perguntas objetivas e respostas claras a
diversos temas.
Como veterinrio, pesquisou sobre o seu maior interesse,que era a vida espiritual dos animais, e notou a escassez de
informaes a respeito. Queria saber mais, uma vez que tinha
a certeza de que os espritos superiores no estavam
desinteressados em divulgar o assunto. Era possvel que as
informaes fossem raras, porque as pessoas ainda no
estavam preparadas para elas. Pesquisou e procurou livros
que relatassem sobre seu assunto de interesse e encontrou
alguns: Os Animais tm Alma?, de Ernesto Bozzano, escrito
no incio do sculo passado, e Evoluo Anmica, de Gabriel
Delanne. No entanto, nenhum deles relatava como eram
tratados os animais no mundo espiritual.
Continuou sua busca, mas, pouco encontrou. Em seu
consultrio, ouvia comentrios de clientes, que indagavam,curiosos, sobre o porqu de tanto sofrimento entre os animais
e se eles reencarnavam. Queriam saber se tinham alma ou
esprito e quais atenes receberiam na outra dimenso. A
curiosidade do veterinrio aumentava, a cada livro que lia,
mas, no encontrava as respostas que procurava.
Quando surgiu a oportunidade, pediu ao seu amigoespiritual Monge Franciscano que o orientasse em sua
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busca, e a resposta foi: ainda no!. Ele no entendeu a
recusa, mas, no ousou questionar e esperou. Enquanto
esperava, continuou por sua conta a busca, durante meses
seguidos. Nesse nterim, lhe chegou uma notcia, que oabalou e o entristeceu: era portador do vrus da hepatite do
tipo C, uma doena incurvel e letal que contraiu, em 1978,
quando sofreu um acidente, em que quase desencarnou, e
recebeu, acidentalmente, sangue contaminado por este vrus,
que somente se transmite por transfuso sangunea. Naquela
poca, no se sabia da existncia deste vrus. Chocado com anotcia, sentiu-se abatido depois que soube que talvez tivesse
apenas mais dois anos de sobrevida antes que deixasse este
mundo, pois, ainda no existe um tratamento eficaz.
Procurou, novamente, seu amigo monge para saber dele
se seria bem-recebido do outro lado, quando chegasse sua
hora. O amigo disse-lhe que no era o momento de se
preocupar com isso, pois havia muito trabalho, ainda, a fazer.
Mas, o jovem mdico no recuperou o nimo, rapidamente.
Ainda estava convencido de que lhe restavam poucos meses
de vida. Certo dia, o amigo monge lembrou-lhe de que a vida
era eterna e pediu que se afastasse destas idias tristes que
lhe faziam baixar o padro de pensamentos.
Ainda no convencido, sofria por no se sentir preparadopara a volta outra dimenso e pensou: se era inevitvel o
retorno, ento, ao menos, queria deixar uma boa impresso
de si aos que ficassem. Procuraria ser uma pessoa melhor do
que havia sido at ento. O amigo monge perguntou-lhe o
que o afligia e ouviu como resposta um pedido. Ele queria, ao
ingressar na dimenso espiritual, poder enviar aos queficaram informaes sobre a vida espiritual dos animais.
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O amigo espiritual sorriu, largamente, e disse: Eu j
esperava isso de voc.
O veterinrio sorriu, tambm, sem entender por que, e
ouviu, ainda:Voc no precisa desencarnar para obter as respostas
que procura. No se preocupe, voc viver, ainda, por muitos
anos.
O mdico pediu que o auxiliasse a encontr-las, ento.
O eclesistico lhe sugeriu que estudasse mais e anotasse
tudo o que encontrasse sobre o assunto, pois, as anotaeslhe serviriam como uma espcie de manual de consultas para
entender o que viria depois. Feliz, comeou a fazer, no
mesmo dia, suas anotaes. Foram quatro anos de pesquisas
antes de encerrar suas notas.
Em uma noite, o monge surge-lhe e pergunta: Podemos
comear?. E ele entendeu que se referia ao recebimento das
informaes da espiritualidade. No entanto, os meses se
passaram sem que o amigo espiritual fizesse novo contato.
Um dia, o veterinrio, ao acordar, sentiu-se compelido a
pegar uma caneta. Estava ansioso, eufrico e entusiasmado
com algo que no sabia o que era.
Chegando ao consultrio, sentou-se em sua escrivaninha,
e, como se fosse guiado por uma fora invisvel, comeou aescrever as primeiras palavras. Naquele instante, seus
sentidos ficaram levemente entorpecidos, sentindo como se
flutuasse. Era uma sensao agradvel, acompanhada de
intenso bem-estar. Desligou-se do mundo exterior.
No ouvia mais as pessoas que passavam na rua e nem o
som dos automveis que, antes, o incomodava. Perdeu anoo de tempo e espao. Suas mos, impacientes,
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continuavam a escrever, enquanto uma tela se formava em
sua mente, atravs da qual podia acompanhar as cenas mais
comoventes e emocionantes por ele j presenciadas.
As cenas se desenrolavam, vivas, mas, ele era,meramente, um expectador. Era como se ele pudesse tocar
os personagens, se o quisesse. Mas, apenas observava, ouvia
e sentia o que acontecia. Sua secretria o observava na
escrita frentica, sem interromp-lo. Eventualmente, era o
telefone que tocava ou um cliente que entrava em seu
consultrio para pedir ajuda profissional, mas, nos intervalosde cada atendimento, reiniciava de onde tinha parado,
ansioso por conhecer o desfecho, que nem mesmo ele sabia.
Aps escrever milhares de palavras, repentinamente,
voltou a si. Tudo ao redor parecia estar exageradamente
colorido, brilhante e barulhento. Suas mos no
acompanhavam sua vontade de terminar o que comeou. O
calor agradvel que o acompanhou por muitos minutos,
repentinamente, tornou-se como um gelo colocado sobre a
testa. As cenas desapareceram de sua mente, as palavras do
narrador deixaram de ser ouvidas. Por mais que se
esforasse, as palavras no lhe ocorriam. Restava, apenas,
parar e ver o que escreveu.
Era a histria de Paloma, uma gua da raa manga-largaque retornava ao mundo espiritual. S ento entendeu o que
estava acontecendo. Eram as informaes do mundo
espiritual que desejava receber e que lhe estavam chegando.
No dia seguinte, novamente sente aquela compulso de
pegar em uma caneta e escrever. Desligou-se do ambiente,
de forma quase involuntria, retornando a ele somentequando o dever profissional o chamava de volta. Aps cada
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atendimento, cada telefonema, retomava seu trabalho de
descrever o mundo espiritual dos animais.
A cada cena que lhe aparecia na mente, como se
estivesse mergulhado em um filme, surpreendia-se, pois nosabia por antecipao o que ocorreria a seguir. A curiosidade
tambm o impulsionava a continuar com este trabalho que se
tornou prazeroso para ele.
Aos poucos, envolveu-se com os personagens.
Emocionou-se com a passagem de Paloma, com a lealdade de
Formosa, com o sofrimento de Bob, de Sofia e dos outros.Alegrou-se com os momentos felizes e ria das situaes
engraadas. Surpreendeu-se ao saber da existncia de
animais no umbral; revoltou-se com aqueles que os
maltratavam. Era surpreendido a cada cena e queria conhecer
o desfecho daquelas narrativas.
Ao final de seu trabalho literrio, descobriu que h muito
a aprender e a descobrir no convvio com os animais, que nos
passam muitas lies de humildade, pacincia e resignao.
Os animais so, realmente, nossos irmos no s no esto
desamparados pela espiritualidade, como so bem-assistidos.
Existem tantos assistentes quantos forem necessrios, pois
eles merecem a mesma ateno que ns.
Com o despertar dessa nova conscincia que despontacom a nova era e com o novo milnio, as pessoas j esto
mais bem preparadas para aceitar e reconhecer nos animais a
sua prpria imagem. Eles so nossos irmos caulas, por isso
cabe a ns a responsabilidade do bom exemplo.
FRANCESCO VITA.So Paulo, 15 de maro de 2004.
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AAnimaisnimais
Eram trs horas da manh e uma brisa suave e
refrescante soprava fazendo sibilar as folhas pontiagudas dos
pinheiros que rodeavam a fazenda, como se fossem milhares
de flautas executando uma melodia montona. A Lua cheia
deixava cair sua luz prata sobre as guas do lago, criando um
efeito que lembravam pinceladas em um quadro pintado em
fundo escuro. Prximo ao lago, semelhante a um grande
espelho que refletia a grande bola branca brilhante, algunscavalos pastavam sobre aquela grama tmida pelo sereno. O
luar intenso daquela noite deixava ver os seres noturnos
alados em VOS rasantes como sombras voadoras sobre as
folhagens do pasto. Eram morcegos frutvoros fazendo vos
quase acrobticos, ligeiros, e corujas, observadoras, atentas
com seus grandes olhos, luz vinda das lmpadas queiluminavam o estbulo onde estavam duas pessoas em um
trabalho silencioso e delicado.
O trabalho exigia silncio e concentrao, por isso
sussurravam tambm para no assustar a velha Paloma, uma
gua, j aposentada dos trabalhos na fazenda desde que
contraiu uma enfermidade no casco que a impedia de
trabalhar. Apesar da idade relativamente avanada, Paloma
mantinha uma aparncia jovem, com seus plos macios e
brilhantes tal como quando deu sua primeira cria. Somente os
plos encanecidos denunciavam que ela j no era mais a
jovem da poca em que trabalhar era diverso.
Paloma j tinha trinta e quatro anos de idade e sempre
viveu na fazenda onde nasceu. Por isso, era como se fosse um
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membro da famlia do senhor Mataveira, dono daquelas
terras.
Guilherme, o veterinrio, estava dando assistncia ao
parto daquela que j no deveria mais engravidar, devido asua idade avanada. Quanto a isso, quando indagado pelo
veterinrio, Mataveira justificou-se:
Foi um descuido nosso, pois, h muito tempo Paloma j
no era, ao menos aparentemente, frtil. Acreditvamos que
j estava estril. Infelizmente, Ventania, o nosso garanho
mais jovem, em sua fase mais viril, na qual os hormniosesto flor da pele, no se interessou em distinguir uma
fmea jovem de Paloma. Nossa Paloma uma senhora de
respeito, que nos ajudou muito em trabalhos que somente ela
era capaz de fazer, devido a sua agilidade e fora. Hoje est
fraca e velha, mas j foi jovem e forte. Ventania devia t-la
poupado! falou Mataveira, sussurrando para no incomod-
la.
Guilherme, o veterinrio de vinte e seis anos de idade,
(com quatro de experincia) estava ali no somente como
veterinrio, mas como amigo, pois era conhecido do
fazendeiro desde criana, quando vinha com seu pai para
comprar queijo e mel e cavalgar em Paloma. Guilherme
olhava srio para o senhor Mataveira, enquanto ouvia asexplicaes do amigo, quando resolveu responder, tambm
em voz baixa, depois de soltar o queixo que apoiava com sua
mo direita.
Senhor Mataveira, os animais no so como ns. Eles
no pensam e no sabem distinguir situaes que exijam
raciocnio. Os hormnios mandam em seus instintos, pois somente isso que so. So os instintos que os levam a
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colocar a idia da gravidade do problema de forma mais
completa.
Mataveira entendeu e somente observou o trabalho do
mdico, que comeou sua interveno. Guilherme era umveterinrio experiente, apesar da pouca idade. Por isso,
utilizando-se de suas habilidades mdicas, estava
monitorando a respirao e os batimentos cardacos de
Paloma. Eram notveis os sinais de cansao, e uma certa
arritmia cardaca comprometedora o preocupava. Ao contrrio
do que se esperava para o incio do parto, as contraes erammuito fracas e insuficientes para expulsar o filhote, que j
dava sinais de estar passando do tempo de nascer. Uma
interveno cirrgica parecia urgente, Mataveira, fazendeiro
que tambm tinha experincia, percebeu que algo no estava
bem com sua gua preferida e pediu ao mdico que fizesse o
que fosse necessrio e possvel para salv-la, mas se ela no
sobrevivesse, ele entenderia.
Joo Rubens, o auxiliar de Guilherme, estava sempre
atento aos parmetros de sade de Paloma, enquanto seu
patro cuidava do filhote. A pedido de Guilherme, Joo aplicou
uma dose de sedativos previamente preparada pelo doutor,
fazendo com que Paloma relaxasse um pouco, o que permitiu
a interveno. O filhote, muito grande e pesado, exigiu que odoutor utilizasse alguns instrumentos mdicos para melhor
posicionamento do potro, e exigindo de ambos esforos
fsicos extenuantes. Paloma estava mais debilitada e fraca, e
o mdico percebeu que precisaria decidir quem deveria
salvar. Optou por salvar o filhote, pois Paloma j demonstrava
sinais de falncia e no suportaria uma cirurgia. A
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manipulao do filhote tambm estava se prolongando por
mais tempo do que o esperado.
Duas horas se passaram, e Guilherme estava totalmente
esgotado pelo esforo. Posicionando o filhote em direo aocanal do parto, conseguiu expor uma de suas patas, e a ponta
do focinho podia ser vista tambm, buscando o ar. O mdico
fazia traes lentas para no ferir o potro, mas percebeu que
Paloma comeou a respirar com dificuldade e que sentia dor.
O doutor pediu ao auxiliar que aplicasse novamente os
sedativos, a fim de amenizar a dor e para que conseguissesuportar a interveno.
Ento, Joo aplicou uma nova dose na me. Ela parecia
estar suportando mais do que podia, to-somente para dar
tempo de tentar salvar o seu filhote. Paloma relaxou um
pouco e Guilherme retornou ao pequeno potro, que se
mostrava ansioso por se livrar da angstia de estar preso.
Guilherme podia sentir com sua mo o filhote, bem como
observar os movimentos das narinas do potro, que
procuravam o oxignio atravs da pequena abertura para o
exterior, Mas, Guilherme no percebeu que OS movimentos
das pernas do filhote perfuraram a parede uterina,
provocando uma hemorragia. Paloma contraiu-se de dor, mas
permaneceu firme, espera do nascimento de seu filhote.Atravs dos instrumentos auxiliares de trao, foi possvel
expor gradativamente o corpinho do filhote.
Com a ajuda de Joo, conseguiram retirar o escorregadio
corpo saudvel da pequena Palominha, pois era uma fmea,
cpia idntica da me. At mesmo a mancha branca entre os
olhos que lembrava o contorno de uma pomba em vo, elapossua.
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Com toalhas secas, Guilherme retirou os envoltrios e
enxugou o filhote, alm de romper o cordo umbilical que o
ligava me. Imediatamente, aps ver-se livre de todo
aquele material materno, ps-se sobre as quatro trmulaspatas e tentou dar alguns passos, mas caiu. Nova tentativa de
se levantar e, por fim, conseguiu firmar-se o suficiente para
se manter e caminhar de maneira insegura at prximo ao
rosto da me, j fraca. Normal mente, o filhote ao nascer
procura mamar, mas Palominha procurou o rosto de sua me
como se soubesse o que estava para acontecer. Permaneceuali, trmula, ao seu lado e se deitou, apoiando a cabea sobre
a dela, como se tivesse alcanado o seu objetivo, e, ento,
relaxou. Ela encontrou o que buscava com aquela que lhe deu
a luz. Ao sentir o toque da filha, Paloma abriu, leve mente, os
olhos e seu olhar encontrou o do filhote recm-nascido. A
expresso de Paloma mudou em ver sua cria ao seu lado. Era
notvel a felicidade estampada em seu rosto. Paloma a
olhava com grande ternura. Era uma linda potrinha, suas
pernas eram esguias. Os olhos expressivos depois de ver a
me passaram a contemplar ao redor como se j conhecesse
a todos. Parecia que ela sorria com os olhos em
agradecimento pelo que fizeram Guilherme e Joo em seu
favor e de sua me.Guilherme estava aplicando medicamentos em Paloma,
quando Joo notou sua respirao ofegante. O auxiliar
chamou o doutor que, deixando o que estava fazendo, a
examinou nova mente. Guilherme pegou seu estetoscpio e
auscultou o corao da me, que estava ainda mais arrtmico
e fraco. Olha para Mataveira e fez um sinal com a cabea deque a morte era inevitvel. Mesmo assim, ainda tentou
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aplicar-lhe alguns medicamentos cardacos estimulantes,
mas, Paloma estava se despedindo de todos. Com grande
esforo, levantou um pouco a cabea, passou um longo olhar
em todos e parou em Mataveira, a quem era mais apegada.Fixou seu ltimo olhar em seu maior amigo. Deu um longo e
sonoro suspiro e deixou de respirar, definitivamente. Suas
pupilas se dilataram, mas, como se uma fora invisvel a
guiasse, aproximou-se do filhote e tocou-a com seu focinho j
gelado, para, a seguir, ficar imvel. Guilherme tentou
reanim-la, em vo. Mataveira deu um impulso, saltou sobrePaloma e a abraou, sem conseguir pronunciar uma s
palavra enquanto as lgrimas inundavam seus olhos.
Permaneceu em silncio por alguns segundos e, enxugando
as lgrimas, disse: Vamos enterr-la prxima sede, ela
merece um lugar especial para descansar. Adeus, amiga. Que
Deus a receba como voc merece disse Mataveira, com o
olhar distante no horizonte, como se estivesse fazendo um
pedido direto a Deus.
Em um canto escuro, estava Joo Rubens, chorando
discretamente, escondido de seu patro. Joo era uma pessoa
extrema mente sensvel e espiritualizada, que conseguia ver
alm do que via seu patro materialista. Ele estava sentido
com a perda de Paloma e com a cena de Mataveira,despedindo-se dela pela ltima vez.
Guilherme, ao contrrio, encarava seu trabalho e seus
pacientes de uma forma extremamente racional, evitando
deixar misturar sentimentos com a rotina de trabalho.
Joo Rubens sabia que, se fosse flagrado naquele estado
de sentimento, seria repreendido, pois, seu patro, apesar deser uma tima pessoa, algumas vezes era duro demais.
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Acompanhando tudo em silncio, estava ali perto dona Na
tlia, a esposa de Mataveira, que, assim como Joo, era muito
sensvel. Notando a tristeza do auxiliar do veterinrio,
aproximou-se dele e o abraou, dizendo: Voc uma boa pessoa, Joo. Ns percebemos que
tem algo difcil de se encontrar nas pessoas: compaixo pelos
animais. Fico feliz por voc ser assim. Nunca deixe de ser
como , e continue a ser um exemplo, pois, talvez, um dia,
Outras possam ser como voc. Boa noite, Joo. V para casa e
nos perdoe por incomod-los a esta hora, tirando do sossegode seus lares para acudir um animal que, praticamente, j
estava morto. Agradeo-lhes por virem nos atender, tendo
que pegar estradas esburacadas neste escuro. Sei que
fizeram o possvel.
Guilherme fingiu nem notar que dona Natlia estava
tentando mostrar a ele, com sua discreta crtica, o quanto
Joo poderia ensinar-lhe. Desapontada por no atingir o
corao do mdico, dona Natlia abraou-o e se afastou, em
silncio.
Assim que dona Natlia deu-lhe as costas, o mdico de
animais dirigiu um olhar de reprovao a Joo Rubens, por
misturar sentimento com profissionalismo, e ainda deixou que
percebesse o seu estado emocional, que ele consideravacomo uma falta grave no trabalho e, pior ainda, deixou
margem a comentrios.
Voltando sua ateno para o trabalho e, aps certificar-se
que Palominha estava bem, recomendou ao encarregado da
fazenda que a deixasse para ser amamentada com Flecha,
que tambm acabava de se tornar me havia poucos dias. Elaera jovem e poderia amament-la e ao seu prprio filhote,
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sem dificuldades. O mdico guardou seus pertences, sem
dizer uma palavra ao auxiliar que aguardava uma
reprimenda. Despediram-se de Mataveira e dos empregados
da fazenda, que ainda estavam acordados espera de boasnotcias sobre Paloma, que no vieram, mas a presena de
Palominha amenizou a gravidade da situao.
Partiram dali em um pequeno, mas confortvel, veculo
adaptado para percorrer -os terrenos acidentados das
fazendas a que assistiam. Guilherme, ainda com feies de
poucos amigos, nada disse a Joo, mas este j sabia o que oesperava. Mal entraram no automvel, Guilherme o
repreendeu, tentando, sem conseguir, no ser grosseiro, pois
sua maneira de falar j era normalmente spera.
Joo, voc precisa aprender a controlar seus acessos de
choro em pblico. No podemos demonstrar fraqueza aos
nossos clientes. Caso contrrio, no nos chamam mais para
atend-los. Voc precisa entender a minha posio. J
imaginou se todos ficam sabendo que voc chora assim, cada
vez que morre um bicho? dizia isso franzindo a testa,
usando um tom de voz autoritrio.
Perdoe-me, patro, mas no pude me conter dessa vez,
pois vi nos olhos do senhor Mataveira o quanto ele e sua
senhora sentiram pela perda de Paloma. No pude conter-meante a cena comovedora de uma me tentando, com suas
ltimas foras, tocar a filha pela ltima vez disse Joo, j
aos soluos, como uma criana, com lgrimas caindo a
cntaros.
Calma, Joo. Eu no quis ser grosseiro com voc! No
precisa se ofender, pois, eu apenas acho que voc no devese envolver emocionalmente com os pacientes. Animais,
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como eu disse ao senhor Mataveira, no sabem de nada.
Morrem e nem sabem o que aconteceu. Eles no sentem e
no so como ns. Veja se entende isso: animal animal,
gente gente. No confunda as coisas, Joo. Procure no agircomo se os animais fossem capazes de ter alguma espcie de
sentimento. Animal s sabe comer dormir e dar cria. So
somente instintos. Quando morrem como se uma mquina
estivesse parando de funcionar. Sou como um mecnico de
animais. Se a mquina no quer funcionar direito, l vou eu
tentar consert-la; mas, se no tiver jeito, o melhor substitu-la por outra mquina. Simplesmente joga-se fora a
mquina estragada e substitui-se por outra. Morreu, morreu!
O que se pode fazer se ningum eterno? Esquea o que
aconteceu com a Paloma e v descansar porque amanh
outro dia.
Joo Rubens nunca respondeu s crticas do patro, mas,
desta vez resolveu falar da maneira mais polida possvel:
Sinto muito, doutor, mas no consigo ser to racional
quanto o senhor. Quando vejo um animal sofrendo, eu sofro
junto. Por isso, no quero ser veterinrio. Prefiro continuar
meus estudos supletivos e quando for possvel irei para a
faculdade de Qumica. S assim no precisarei mais me
deparar com tantos animais sofrendo falou Joo, que noseu ntimo queria mesmo era ser veterinrio.
Mas, eu pensei que gostasse de fazer o que voc faz!
retrucou Guilherme. Pensei que quisesse ser veterinrio
tambm, para trabalharmos juntos.
Sinto muito, doutor. muito sofrimento para mim. Eu
gosto do que fao, pois ajudo o senhor a salvar animais que
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no sobreviveriam sozinhos. E a maneira que tenho de
contribuir com os nossos irmos animais.
Guilherme olhou para Joo com expresso de deboche e
por pouco no soltou uma gargalhada de desdm. Irmos? Perguntou o mdico, surpreso com o termo usa
do por seu funcionrio, pois nunca sups que um animal
pudesse ser seu irmo por consider-los apenas objeto.
Para ele era uma idia simplesmente fora da realidade.
Voc acredita em um absurdo destes? Quem, em s
conscincia, poderia supor que animais sejam nossos irmos?Como voc consegue ter estas idias to doidas?
Para mim, algo natural, patro! Sempre os considerei
assim desde criana. No tenho muito estudo, mas sei que
eles so inteligentes e esto aqui na Terra para nos auxiliar.
Eles aprendem conosco e ns aprendemos com eles tentou
explicar Joo Rubens.
Inteligentes? Guilherme riu, debochando, sem
disfarar desta vez. Voc vem com cada uma que, algumas
vezes, acho que lhe faltam parafusos na cabea. Que idias
mais esquisitas. Irmos e ainda inteligentes! Imagine eu
sendo irmo de um burro, ou de um rato transmissor de
leptospirose. Eu, hein! falou Guilherme, em tom de
sarcasmo. Mas isso mesmo, doutor. Por que o senhor acha que
os animais esto a nossa volta? Qual o propsito de estarem
aqui convivendo conosco? O senhor acredita que eles estejam
aqui apenas para nos servir?
claro que sim respondeu.
claro que no! replicou Joo. O senhor nunca seperguntou por que alguns animais nascem em locais onde so
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bem tratados, enquanto outros somente vivem sofrendo e
morrem sofrendo tambm? Nunca se perguntou por que um
bovino levado ao abate em um processo doloroso de morte
em massa, enquanto um co de raa, por exemplo, criadocomo um rei, comendo as melhores comidas, sendo cuidado
como uma criana, recebendo o melhor tratamento possvel?
Uns tm mais sorte que outros disse Guilherme.
Se fosse s isso, no seria justo. Deus no agiria injusta
mente com ningum, nem mesmo com um animal. Eu
acredito que estejam aqui para aprender algo conoscoatravs destes Sofrimentos e alegrias que compartilham
conosco argumentou Joo Rubens.
Joo do cu! Voc est precisando de um psiclogo.
Voc est ficando doido, mesmo. Onde j se viu? Animal no
pensa, no entende nada do que acontece ao seu redor
Guilherme ironizava, no querendo aceitar os
argumentos do amigo. J pensou um cachorro descobrindo
teorias cientficas? finalizou, com uma barulhenta
gargalhada.
Joo Rubens ficou ruborizado com as observaes irnicas
do mdico, que queria faz-lo sentir-se um estpido, e disse:
Doutor, os animais so to inteligentes quanto ns em
alguns aspectos, e talvez em outros sejam melhores que ns.Acredito que o problema seja apenas de comunicao.
Eles no conseguem pronunciar palavras como ns e por
isso no os entendemos. No entanto, quando voc d uma
ordem ao seu co, por exemplo, ele obedece. Voc, muitas
vezes, no o entende, mas ele consegue entend-lo.
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Ah, isso verdade. O meu co Bons demais. Parece
gente, entende tudo e s falta falar concordou Guilherme,
ao me nos neste momento.
Ento, doutor, o Bons j no uma prova de que OSanimais so inteligentes? perguntou o amigo a Guilherme,
feliz por encontrar um exemplo que o tocou intimamente, pois
o mdico adorava seu co d tal maneira que chegava a
causar cimes em sua noiva, Cludia.
Vamos com calma falou Guilherme. Eu no disse que
o Bons inteligente. Eu acho que ele consegue copiar de nsalgumas maneiras de agir, mas s uma repetio.
No espontneo. Ele no poderia fazer algo se no
tivesse me visto fazer algumas coisas que ele repete
retrucou Guilherme, insatisfeito com o argumento de Joo
Rubens.
Mas, doutor, o Bons cego. Como poderia ver e copiar?
argumentou o amigo, convencido do que dizia.
O automvel estava se aproximando da casa de Joo e
no teriam tempo para continuar o assunto at O final, por
isso Joo pediu:
Por favor, doutor, pense no que estamos falando.
Amanh cedo, ou daqui a pouco, pois j so quase seis da
manh, conversaremos a respeito. A o senhor me diz seestou certo ou no, em acreditar no que falamos sobre a
inteligncia dos animais.
Tudo bem! Amanh... Daqui a pouco, conversaremos a
respeito. Depois de alguns minutos, parou seu automvel em
frente casa de Joo Rubens. Despediram-se e Guilherme
retornou, exausto, para sua casa, onde foi recebido por Bons,
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que veio cor rendo e latindo, alegremente, pelo retorno de
seu melhor amigo.
Bons um co sem raa, que o mdico recolheu em uma
de suas consultas granja do senhor Ichimura. Ele estavapassando de automvel por uma estrada que corta um
intenso canavial, quando ouviu um som estridente. Parecia
um miado de gato, de to agudo que era o som do latido do
recm-nascido filhote, mestio com Cocker, que foi
abandonado na beira da estrada para morrer.
Caramba! exclamou Guilherme Quem poderia serto ruim assim para abandonar um filhote neste sol, sem
gua e sem comida? Dificilmente, algum passa por aqui.
Que gente mais doida! pensou o mdico.
O jovem doutor recm-formado parou seu veculo, desceu
E saiu procura de onde vinha aquele choro sentido e agudo.
Vasculhou entre os ps de cana e encontrou um monte de
plos pretos ressecados da poeira da estrada, com os olhos
tomados por uma secreo pegajosa causada pela
conjuntivite que estava a ponto de ceg-lo.
Estava em adiantado estado de subnutrio. Deveria
estar ali h dias sem se alimentar. Guilherme admirou-se com
a fora com que gania, mesmo depauperado como estava.
Ao examin-lo, notou que um lquido viscoso e mal-cheiroso escorria e em papava os plos do abdome. Era uma
miase. Enormes larvas de moscas de at dois centmetros
devoravam-lhe a carne, deixando um grande ferimento, no
qual se podiam ver os vermes movendo-se no interior.
O senhor Ichimura que me perdoe, mas no poderei
atend-lo agora falou consigo mesmo.
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alimentasse em excesso, mas deixou-o, pois estava vido por
comida, aps, sabe-se l, quantos dias sem se alimentar.
Tendo alimentao regular e tratamento adequado, em
alguns dias ele estava irreconhecvel. Seus plos brilhantes emacios, sua pele fofa que j formava dobrinhas nas patas e
no pescoo, davam a ele um timo aspecto, mas sua viso
no se restabeleceu. Foi levado para a casa de Guilherme,
onde cresceu saudvel, mesmo cego e sem nunca conseguir
ver, desenvolveu outras sensibilidades que compensavam a
falta de viso. O mdico procurou no modificar a disposiodos mveis e, com isso, acostumou-se a se movimentar
normalmente em casa sem se acidentar.
Assim, ele corria, brincava, como se pudesse ver; guiava-
se por sons, tato e olfato. Mal se podia notar sua deficincia.
Era, sem dvida, um co especial e Guilherme sabia disso. Por
isso, adotou-o e cuida dele at hoje, quando j completou seu
quinto ano de vida. Bons era um belo co de plos longos e
brilhantes, com orelhas longas e cobertas por densos plos
ondulados e negros.
Depois que foi resgatado da morte certa por Guilherme,
nunca mais ficou doente, nem sequer pegou um resfriado.
Desde que foi adotado, so inseparveis. Por isso, quando
Guilherme chega em casa, sempre recebido por seu amigoBons, o resgatado que agradece a seu modo, em cada latido,
por ter sido salvo por este grande amigo.
Ao chegar em casa, ento, aps aquela noite de trabalho
extenuante. Bons o abraa e o lambe com tamanha alegria
que parece que no o encontra h anos. Bons correu, pulou,
rolou pelo cho, latiu de alegria. Apesar do cansao,Guilherme no resiste ao convite de Bons e comea a brincar
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com ele. Rolavam pela grama do quintal e corriam feito
crianas de um lado para o outro. Com esta algazarra toda,
surge na janela, sonolenta, Dona Elza, me de Guilherme.
Guilherme Tavares Benati! Que baguna essa no meujardim a esta hora da manh? Voc no cresce, mesmo, hein!
Olha a sua roupa, est toda suja e babada. Vo tomar banho
os dois, enquanto esquento o caf!
Oi, me! Foi culpa do Bons, eu estava quietinho!
brincou Guilherme com sua me, como se fosse apenas uma
criana com seu cachorro.Dona Elza entendeu a brincadeira do filho, sorriu e fez um
sinal com a cabea chamando-os para dentro. Bons correu
para frente, como se pudesse ver.
Senta, Bons! ordenou Dona Elza. Bons abaixou-se e
colocou a cabea entre as patas dianteiras e no se moveu
dali, obediente. Ento, dona Elza repara no odor exalado pelo
filho e pergunta: Que cheiro esse?
Guilherme d um sorriso sem graa, pois por estar
acostumado com os cheiros que adquire no trabalho,
esquece-se de que podem incomodar outras pessoas. Ele foi
direto tomar um banho para livrar-se daquele odor que estava
incomodando sua me e retornou para a mesa que o
esperava com seu desjejum. Mas antes de se ajeitar em suacadeira, sua me fala:
Filho, voc vai acabar doente trabalhando deste jeito.
Voc est desde a noite de ontem trabalhando. Ningum
agenta este ritmo. Descanse hoje pediu dona Elza ao filho,
que nem pensava em dormir. Ele s queria comer algo e
voltar para a clnica.
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Me, a senhora j deveria saber, vida de mdico
assim mesmo, as emergncias surgem quando menos
esperamos, seja dia ou noite. E alm do mais, eu no poderia
deixar de atender a Paloma. Eu a conheo desde que meconheo por gente. Lembra-se quando amos com papai
fazenda do senhor Mataveira comprar mel e queijo? Enquanto
vocs ficavam de conversa, eu ia cavalgar Paloma,
acompanhado pelo seu Juca, o capataz. Paloma era muito
querida explicou Guilherme, j com a voz um pouco lenta
por causa do sono que se aproximava e o abatia. Seus olhosestavam irritados pela viglia prolongada, que o fazia esfreg-
los sem parar, enquanto bocejava vrias vezes.
Tudo bem! Voc quem sabe. Eu sou s sua me e
voc j est bem crescidinho para saber o que melhor para
voc ou no. Coma ao menos, para no piorar sua sade.
Eu fiz bolo de fub com queijo, de que voc tanto gosta.
Ah! Antes que eu me esquea, a Cludia ligou ontem, porque
no o encontrou o dia todo e estava preocupada com o seu
excesso de trabalho disse Dona Elza ao filho, que mal
prestava ateno s palavras, enquanto as plpebras pesadas
caam, obrigando-o a dar longas piscadas e fazer um grande
esforo para se manter acordado.
Est bem, me. J ligo para ela.Dona Elza serviu-lhe o desjejum e foi cuidar dos seus
afazeres domsticos. Guilherme morava com sua me e com
Bons; seu Vitor havia morrido h dois anos de cncer no
pulmo, pois era fumante inveterado. Dona Elza nem gostava
de tocar em assuntos relativos s doenas, pois a faziam
lembrar-se de quanto seu Vitor sofreu, quando a doena sealastrou sem que OS mdicos pudessem fazer algo a respeito.
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Guilherme separou um pedao de queijo fresco, que dona
Elza mesmo fez. Serviu-se de uma grande xcara de leite com
caf muito aucarado e uma grande fatia de seu bolo
preferido. Bebericou um pouco de caf, cuidadosamente, poisestava muito quente. Mais um gole, uma mordida no bolo de
fub e o sono se abate sobre Guilherme.
Mastigava, lentamente, e, por fim, apoiando sua cabea
sobre seus braos, adormeceu sobre a mesa. Mal fechou os
olhos, sentiu-se leve, como se flutuasse.
Estava sonhando. Subitamente, se v em uma grandefazenda, muito arborizada, onde soprava uma brisa
refrescante sobre sua face, fazendo movimentar sua
cabeleira.
A entrada daquela fazenda era enfeitada por flores de um
colorido pouco comum, que pareciam ter sido plantadas com
extremo cuidado por um paciente jardineiro. Elas coloriam o
ambiente de uma forma to harmoniosa que poderia ter sido
feito por um artista plstico de muito bom gosto. Pareciam
exticas, pois eram de espcies que nunca tinham sido vistas
antes por ele. A estrada que dava para a entrada da fazenda
era muito bem trabalhada por tijolos amarelos e pedriscos
que pareciam ter sido colocados um a um.
Olhando para cima, Guilherme se depara com um cumuito azul e lmpido e admira-o, pois no se conhece um cu
assim to limpo e com atmosfera to perfumada em lugar
antes visitado pelo jovem doutor dos animais.
Os pssaros de plumagens to diferentes eram muito
amistosos e pousavam prximos ao mdico, como se
soubessem que ele no representava qualquer ameaa. Eramde todas as cores, e seus cantos pareciam msica tocada por
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um experiente flautista. Na entrada, havia uma grande
porteira, com uma inscrio acima, no ponto mais alto:
Rancho Alegre.
Rancho Alegre! Que lugar mais bonito! Parece umsonho! exclamou o mdico. Quem ser o dono disso tudo?
Deve ser algum muito rico e deve ter muitos empregados
para manter tudo to organizado e limpo deste jeito. No me
lembro de ter estado aqui antes, mas sinto-me
estranhamente familiarizado... Parece que j conheo este
lugar, mas no me lembro. Mas, de qualquer modo, estouadmirado com tanta beleza, sem falar do bem-estar que me
invade. Gostaria de conhecer este lugar. Ser que algum vir
me receber?
Mal acabou de pensar nisso, notou, ao longe, uma figura
conhecida, que se aproximava. Estava mais jovem e mais
disposto. Estava muito mais forte e corado do que quando o
viu pela ltima vez. Mas, sem dvida, era ele. A semelhana
era muito grande para no ser. Era o pai do senhor Mataveira.
Senhor Gustavo! exclamou Guilherme, estranhando
a presena deste que conhecia desde criana.
Sim, Guilherme! Prazer em rev-lo bem e forte disse
o senhor, que o doutor reconheceu como sendo seu velho
amigo. Mas, o senhor no morreu? Eu no fui ao seu enterro
por que no me sinto bem em velrios, mas tenho certeza de
que meus pais foram, O senhor morreu ou estou sonhando?
perguntou, admirado, apario.
Morrer? Ningum morre, Guilherme. A morte apenas
uma iluso. E um perodo temporrio entre dois estadosevolutivos em que apenas nos desvencilhamos do envoltrio
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que nos ser viu enquanto vivamos no mundo fsico e deixa de
ser til quando acertamos nosso retorno ao nosso verdadeiro
mundo, o espiritual. Aquele revestimento fsico, que foi
somente um instrumento, deixado para trs e devolvido natureza quando novamente nos reunirmos aqui nesta outra
dimenso. explicou Gustavo, com voz paternal.
Ento eu morri tambm? perguntou, assustado com
a possibilidade de ter desencarnado devo ter cochilado
enquanto estava tomando meu caf da manh e me afoguei
no leite, ou bati com a cabea na mesa, e nem notei que noestou mais vivo.
Nada disso, Guilherme. Todas s vezes que dormimos,
nosso corpo espiritual, juntamente com a nossa conscincia,
se torna livre do corpo fsico pelo perodo que durar o sono.
Estando libertos, agimos como se estivssemos
desencarnados sem estar. Podemos voltar ao corpo fsico a
qualquer momento. Com isso, iremos aonde quisermos, com a
velocidade do pensamento, pois nos movemos atravs do
pensamento quando estamos livres do denso corpo fsico.
Voc ainda est ligado ao seu corpo fsico atravs destes fios
brilhantes, quase invisveis, que saem do seu peito e da sua
cabea.
Ah! verdade. Posso perceber. H mesmo um fio aqui. falou Guilherme, que tentou toc-lo, mas suas mos
atravessaram os fios, como se presenciasse uma iluso
ptica.
Tentou vrias vezes tocar o cordo, sem sucesso, e
desistiu. Ento, olhou para o seu amigo e notou que nele no
havia resqucios de cordo ou algo parecido.
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O senhor no tem cordo? Por qu? perguntou
Guilherme.
No, eu no preciso mais ter um, pois no estou mais
encarnado. Meus laos com o mundo fsico se romperam hanos. Os nicos contatos que fao com o mundo fsico so
apenas visitas ocasionais aos familiares, quando me sobra
tempo.
Mas se o senhor no vive mais entre ns, ento no
precisa se preocupar mais em sobreviver, nem tem que
trabalhar para pagar contas e os salrios dos empregados,no vai mais fazer negcios com gado leiteiro e mel. Como
pode no ter tempo para reencontrar a famlia e os amigos?
perguntou Guilherme, curioso.
Com freqncia, recebo visitas dos familiares, que vm
nos auxiliar em nosso rancho, e de amigos que nos procuram
para uma prosa e tambm para trabalhar conosco, mas
retornar ao mundo fsico em visita social muito raro, pois
pode no parecer, mas h mais trabalho a fazer aqui do que
quando eu era encarnado e trabalhava na fazenda.
O senhor o dono desta fazenda aqui tambm?
No, no. Sou apenas um dos trabalhadores. Esta
fazenda , na realidade, uma colnia espiritual, isto , uma
comunidade que cuida dos animais, auxiliando-osprincipalmente no seu aprendizado evolutivo. H vrios
colaboradores de diversas reas de especializao e vrias
equipes especializadas em assuntos relativos aos animais. H
os colaboradores das equipes de resgate, de cirurgies, os
responsveis por animais selvagens, que incluem os animais
marinhos e diversos outros. Aqui em nossa fazenda trabalhammuitos que foram, quando encarnados, veterinrios, que nos
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auxiliam, mas h muitos outros que se encontram ainda
encarnados tambm. Dentre os diversos especialistas, h
aqueles que exercem as mesmas especialidades que exercem
na Terra, trabalhando aqui, em funes semelhantes. Haqueles que no so especialistas, mas so grandes
colaboradores e trabalhadores valorosos naquilo que fazem e
que por isso merecem tanto respeito quanto os Outros.
Ento, h muitos trabalhadores aqui que ainda vivem
na Terra, assim como eu? Como podem trabalhar no mundo
espiritual estando encarnados? Sim, h vrios colaboradores encarnados, e quando
dormem, assim como voc est fazendo agora, se
transportam mentalmente at aqui para exercer o que sabem
e o que podem fazer para auxiliar os nossos irmos animais
em sua escala evolutiva. Ficam pelo tempo que acharem
necessrio ou que tiverem disponvel, mas o melhor de tudo
isso o fato de que, quando esto auxiliando, ajudam a si
prprios tambm a se elevar espiritualmente. Trabalhar na
espiritualidade um aprendizado constante, pois j dizia So
Francisco de Assis: E dando que se recebe.
O senhor falando assim parece o Joo, meu secretrio,
que chama os animais de irmos.
Voc se refere ao doutor Joo Rubens? perguntouGustavo.
No, doutor no. O Joo Rubens mal fez o primrio,
est tentando terminar o primeiro grau fazendo escola
supletiva por correspondncia. Ele semi-analfabeto.
explicou Guilherme, um tanto quanto constrangido com o
suposto mal-entendido. Este a deve ser outro Joo Rubens! completou Guilherme.
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Engano seu, amigo. Aqui ele conhecido como doutor
Joo Rubens, e ele um dos diretores mais graduados de
nossa comunidade. Em outras pocas, em reencarnaes
passadas, ele j ajudava em nossa instituio e, alis, umdos fundadores desta que foi formada h mais ou menos
quinhentos anos por ndios, negros africanos que eram
escravos dos senhores de engenho, e alguns europeus,
principalmente portugueses e ingleses. Depois disso,
juntaram-se a ns vrios japoneses, chineses, egpcios e
muitos outros de diversas nacionalidades e em pocasdiferentes. O doutor Joo Rubens, quando da poca da
fundao de nossa colnia de animais, era um ndio muito
respeitado em sua comunidade. Como lder, era uma pessoa
extremamente justa e bondosa, mas sempre sentiu
necessidade de reencarnar para resolver problemas crmicos
e para ajudar naquela outra dimenso em que voc vive hoje.
Retornou a ns novamente como escravo em diversas
reencarnaes. Em outras reencarnaes, estudou medicina;
em outras, foi engenheiro, fsico, qumico, bilogo. Foi um
cientista brilhante, reconhecido por mrito entre a
comunidade cientfica no sculo XX. Recebeu prmios
importantes como cientista. Hoje, um humilde auxiliar, por
opo, mas no o subestime. uma mente notvel expsGustavo a Guilherme, que nem piscou, atento e boquiaberto.
Quem diria, hein! O Joo Rubens. Eu nem poderia
imaginar. Esse Joo Rubens sempre me surpreendendo
comentou Guilherme, com um misto de surpresa e
constrangimento por t-lo subestimado.
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Notando que Guilherme ficou pouco vontade com a
notcia de ter um auxiliar to graduado, Gustavo o convidou
para conhecer o Rancho Alegre.
Vamos entrando, vamos conhecer a casa! Ns o chamamos aqui para isso mesmo.
Vocs me chamaram? Como assim? Eu pensei que
tivesse chegado aqui por acaso.
Depois que voc e Joo Rubens conversaram sobre a
vida espiritual dos animais, sentimos que voc estava quase
amadurecido para nos auxiliar. Se voc quiser, claro. Mas eu discordei de quase tudo o que o Joo me falou!
Mesmo assim voc est apto a auxiliar.
O que devo fazer, ento?
Por enquanto, s conhecer a casa e depois a rotina dos
trabalhos daqui. Posteriormente, voc ir trabalhar conosco
efetivamente, mas, por enquanto, ainda precisa preparar-se
melhor para as tarefas que desenvolvemos aqui. Mas, venha,
vamos entrando...
Ao se aproximarem da grande porteira, ela se abriu,
automaticamente, tornando-se quase invisvel para tornar-se
novamente slida, aps a atravessarem. Guilherme admirou-
se com o mecanismo de abertura daquela porteira enorme e
exclamou:Ah! Por isso no notei as porteiras se abrirem quando
voc saiu!
Exatamente. Este portal somente se abre s pessoas
cadastradas. Assim, so evitadas invases e ataques de
selvagens que querem agredir nossos irmos que esto sob
nossa responsabilidade. Selvagens? perguntou Guilherme.
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Sim, os selvagens so seres ignorantes, no sentido
espiritual. No so ignorantes intelectualmente, pois muitos
deles so at mesmo doutores na Terra; no entanto, se
comprazem em ferir e maltratar animais. Organizam caadase safris no mundo fsico para exterminar animais indefesos
e, durante o sono, libertam-se de seus corpos fsicos e tentam
entrar clandestinamente em nossos limites, a fim de praticar
este esporte detestvel, que a caa de animais com armas
plasmadas mentalmente por eles. Os animais que esto aqui
no podem ser aniquilados, pois j esto desencarnados,mas, mesmo assim, podem sofrer graves desequilbrios que
atrasariam seu retorno ao mundo fsico, em funo dos
transtornos decorrentes. Essas pessoas so freqentemente
acompanhadas por seres horripilantes, que se assemelham a
animais em aspecto, apesar de serem humanos vindos de
regies trevosas, agindo como guias de caa, indicando os
lugares onde se encontram os animais e fornecendo armas e
munies em troca de um pagamento que me arrepia s de
pensar.
Pagamentos?
Sim, como pagamento pelos servios de guia, eles
entregam suas energias vitais a eles, que os sugam enquanto
esto em atividade na Terra durante a viglia. Nossa! Que terrvel. E se conseguirem entrar, como se
defendem?
Temos uma equipe de segurana a postos,
ininterruptamente, munida de armas eltricas que produzem
descargas dolorosas que fazem os encarnados desdobrados
despertarem na Terra com horrveis dores de cabea. Osdesencarnados atingidos pelos raios, geralmente desmaiam e
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so levados de volta ao seu lugar nas profundezas. Enquanto
os encarnados se preocupam com a cefalia, esquecem
nossos animais e os seus parasitas espirituais tambm no os
alcanam, pois, os raios possuem uma caracterstica que ade modificar seus padres vibratrios. Quando os mudam,
tornam-se indigestos aos parasitas que procuram se afastar,
ao menos, temporariamente. Na verdade, a descarga eltrica
que recebem se assemelha, em termos de freqncia, ao
passe magntico, ou hstia, ou, ainda, quando vo igreja
evanglica, s energias da imposio das mos. Quando osselvagens se sobrecarregam destas energias positivas, que
so contrrias s energias que carregam consigo,
normalmente, sentem forte mal-estar e acordam.
Deve ser uma guerra, no mesmo?
Sim, terrvel; mas, vamos entrando convidou
Gustavo Caminharam por uma estrada rodeada de extensos
jardins floridos e de onde podiam ver diversas estradas que
ligavam muitos prdios. Eram dezenas de prdios em todas
as direes. Continuaram a caminhar por alguns metros.
Ento, Guilherme olhou para frente e percebeu uma nuvem
de poeira que se formava e se movia grande velocidade em
direo aos dois. Gustavo no parecia surpreso, mas
Guilherme ficou curioso. O que ser aquilo? perguntou Guilherme ao seu
amigo Gustavo.
No reconhece? Olhe melhor.
Parece um cavalo, e veja que cavalo esperto e gil. Faz
movimentos muito rpidos como nunca presenciei algum
animal destes fazendo. Galopa to velozmente que malconsigo acompanhar seus movimentos. Ele parece flutuar no
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ar. Isso incrvel! observou Guilherme, admirado com
tamanha agilidade em um animal to pesado.
Repare melhor e ver que a nossa Paloma.
Paloma?! Mas ela estava agora mesmo morrendo, porestar totalmente enfraquecida. Como pode? Ela parece to
jovem e saudvel!
Lembra-se do que lhe disse sobre o corpo fsico?
perguntou Gustavo. Pois ento, o corpo de Paloma j
estava gasto pelo tempo, mas seu esprito permanece jovem.
A aparncia dela agora reflexo de como se sente nestemomento e era assim que tambm estava, mesmo quando
sua mquina fsica falhou. O corpo envelhece, mas o esprito
no. Assim que a libertamos de seu corpo fsico, ela saltou
para nossa dimenso como uma borboleta sai de sua
crislida, j dando galopes, saltos, como se nada houvesse
acontecido. De fato, nem houve necessidade de sed-la para
proceder soltura dos liames que a prendiam ao seu velho
corpo esgotado. espantoso como eles no se ressentem dos
males sofridos no fsico ao retornarem.
Enquanto Gustavo falava, Paloma vinha se aproximando
dos dois. A poucos metros, diminuiu seu ritmo e aproximou-se
trotando, para demonstrar como estava bem. E, mesmo
quando estava a longa distncia, j havia reconhecidoGuilherme. Aproximou-se ainda mais e devagar para tocar-lhe
a face com seu grande e quente focinho, como quem diz: Eu
sabia que voc viria. Bem-vindo, amigo, minha nova casa.
Em seguida, ofereceu um olhar meigo a ambos e afastou-se
dali, a galope, at sumir de vista Guilherme no tinha certeza,
mas parecia-lhe que ouviu as palavras de Paloma ecoarem
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dentro de seu crebro. Tentou disfarar, para no parecer
tolo, e se recomps antes de perguntar:
O que acontece com Paloma agora? Viver aqui para
sempre? Aqui seria como o paraso dos cavalos? Aqui no o paraso, mas um timo lugar, onde os
animais so bem tratados at se recuperarem e estar em
condies de retornar ao mundo fsico e continuar seu
aprendizado. Aqui se encontram no somente cavalos, mas
todas as espcies de animais que conhecemos na Terra, dos
quais cuidamos at sua recuperao. Aqui ns os preparamospara um novo retorno vida fsica. Mas, como pode perceber,
no exatamente um paraso, mas to-somente uma colnia
espiritual. Este lugar apenas um posto intermedirio. H
muitos outros em outras localidades que cuidam de assuntos
ligados a animais mais evoludos que os que conhecemos,
cuja tecnologia desconhecida de ns. necessrio muito
tempo de estudo e trabalho para sermos levados a pontos
mais avanados de trabalho que esto, digo, com certeza, a
muitos anos-luz de nossa capacidade. Nosso trabalho aqui
bem elementar, se comparado com o que desenvolvem por
l, mas no nos preocupemos com isso ainda.
Gustavo ia prosseguindo com o dilogo quando,
subitamente, notou que Guilherme estremeceu, como sefosse tomado por um grande susto, para, a seguir, ter seus
cordes prata avolumados e aumentado sem consistncia.
Seus msculos se retesaram e suas pupilas se dilataram, O
cordo que o ligava ao corpo fsico aumentou de dimetro e
parecia se contrair. Estava como tomado por uma dor
repentina que o impedia de continuar o dilogo final,Guilherme, como se desmaterializasse diante de Gustavo,
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desapareceu sem ter tempo de se despedir de seu velho
amigo. Guilherme retornou subitamente ao corpo fsico, pois
sua me o estava acordando.
Acorde, Guilherme! Acorde! No durma sobre a mesa,voc vai ficar com a coluna toda dolorida. Tome seu leite e
deite se em sua cama. J est arrumada, sua espera.
Guilherme ainda sonolento e sem recuperar totalmente
sua conscincia, acordou, falando de modo desconexo.
O que foi? O que aconteceu? Senhor Gustavo?
perguntava Guilherme atormentado pelo retorno inesperado erepentino sua me.
Que Gustavo, que nada. Voc est sonhando. V deitar-
se em sua cama pegando o filho pelo brao, carregou-o
como a uma criana, ajudando-o a encontrar o quarto e sua
cama.
Me! Eu vi o senhor Gustavo no sonho e a Paloma
tambm estava l. Que sonho mais esquisito! Sonhei que ela
falou comigo. Quanto tempo eu dormi?
Ah! No chegou a um minuto, mas ali no lugar de
dormir. Lugar de dormir na cama falou a me, com certa
autoridade.
Ajudando-o a deitar-se, acomodou o rapaz e o cobriu,
saindo devagarzinho, sem dizer mais nada, pois notou queseu filho novamente tinha pegado no sono. Em silncio,
afastou-se e fechou a porta atrs de si com todo cuidado. O
cansao fsico aps o trabalho extenuante com Paloma o
havia esgotado. Por isso, dormiu sem notar que j estava em
sua cama, para onde caminhou automaticamente sem saber
como chegou ali.
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No se preocupe, filho respondeu a me, falando
tambm alto, do outro lado da casa a Cludia passou por
aqui e o encontrou em sono pesado, por isso cuidou de tudo.
Ela j deve ter organizado sua agenda de hoje de modo a nosobrecarreg-lo. Voc sabe, a Cludia a organizao em
pessoa. Se ela no ligou porque no surgiu nenhuma
emergncia. Fique tranqilo, tenho certeza que estar tudo
pronto, sua espera, quando voc chegar no seu escritrio.
Ainda apressado, Guilherme gritou de novo, j na porta da
sada, e se despediu de sua me. Me! gritou Guilherme Estou indo. At mais tarde!
At mais tarde, filho. Tenha um bom dia de trabalho!
Saindo rpido, do lado de fora estava Bons, que veio
correndo em sua direo e pulou sobre ele para desejar-lhe
um bom dia, mas acabou sujando sua cala branca.
No, Bons. Seu desastrado! Agora vou ter que ir
trabalhar sujo. Veja o que fez na minha cala! Ah! Voc nem
pode ver Fica a. Depois ns conversaremos sobre isso
bronqueou Guilherme.
Saindo apressado rumo ao consultrio, Guilherme nem ao
menos reparou o quanto feriu os sentimentos de seu amigo.
Bons sentiu-se o ltimo dos ces. Ento, ficou ali, cabisbaixo.
Abaixou as orelhas, como se estivesse se desculpando. Eleparecia dizer: Desculpe-me e afastou-se indo deitar-se,
triste, sobre o tapete da porta da cozinha. Permaneceu imvel
por horas, deixando Dona Elza preocupada.
Guilherme, ao chegar ao consultrio, encontrou Joo
Rubens, seu auxiliar tcnico, em uma animada conversa com
sua noiva, Cludia, que o ajudava na clnica enquanto estavade folga no hospital onde trabalhava dando plantes.
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Ela nutricionista do Hospital Municipal o principal
hospital da cidade. Cludia descendente de japoneses. Aqui,
seus parentes se estabeleceram e criaram razes.
Tiveram seus filhos e netos. Cludia tem uma vitalidadede dar inveja. Adepta da prtica de yoga e tai-chi-chuan,
possui energia de sobra para trabalhar em seu planto e
ainda dar auxlio em uma creche e em outros trabalhos
voluntrios pela cidade, com pessoas carentes.
No hospital conhecida como mosquitinho, por no parar
quieta um segundo. Sobe e desce as escadarias do prdiocom uma celeridade que chama a ateno de todos.
Ela muito querida pelos pacientes, mdicos e
enfermeiros, que a respeitam por ser uma pessoa que se
importa com todos. Passa de quarto em quarto para obter a
opinio dos pacientes sobre a qualidade e a aceitao dos
alimentos que so servidos, e ainda encontra tempo para
ouvir o que cada um tem a dizer. Todos querem contar como
surgiu sua enfermidade e como sofrem com isso. Cludia,
pacientemente, ouve a todos e sempre transmite a cada um
deles a confiana que os motiva a lutar contra o mal fsico
que os aflige. Isso OS ajuda a enfrentar suas doenas com
mais nimo, pois Cludia sabe o quanto so carentes,
principalmente aqueles com enfermidades incurveis.A nutricionista to querida que em alguns chega a
causar cime. Sua chefe est constantemente dando-lhe
reprimendas porque ela fica ouvindo os lamentos dos
pacientes.
Mas, Cludia sabe que so apenas reaes de cime, pois
ela consegue cumprir suas obrigaes a contento, sem deixarde ouvir um paciente que seja.
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Ela faz seu trabalho, que vai alm de sua obrigao, mas
faz com boa vontade. Quando os pacientes tm alta, voltam
sempre ao hospital, somente para visit-la. uma pessoa
especial, sem dvida, tmida, mas ao mesmo tempo muitocarismtica. Ela muito espiritualizada e compartilha com
Joo as mesmas opinies, a respeito dos animais serem
nossos irmos, mas nunca comentou com Guilherme a
respeito disso, pois sabe como o seu noivo cptico.
Certa vez, perguntou-lhe sobre Deus. A resposta foi, no
mnimo, estranha para ela, cuja condio espiritual elevada.Guilherme respondeu: Deus!? Deus no existe.
apenas uma criao mental das pessoas para que se
sintam amparadas de qualquer forma, mas s isto.
Cludia, surpresa com a resposta, perguntou-lhe:
Guilherme, se Deus no existe, o que faz tudo funcionar to
coordenadamente e sincronizadamente no Universo? Quem
criou e pe ordem nessa imensido?
a Natureza! A Natureza perfeita respondeu o noivo,
certo de que sua resposta era abrangente o suficiente para
convencer sua noiva de que seu argumento era melhor.
Ento, Cludia acalmou seu corao, pois notou que
Guilherme entendia Deus como sendo a Natureza e sentiu-se
satisfeita, pois de certa forma ele estava certo e discutir noera sua inteno. Alis, Cludia raramente entrava em
contendas por pontos de vista. Ela respeitava todas as
opinies.
Por isso, ambos se davam bem, pois ela era o oposto de
Guilherme. Um completava o outro de certa forma. Dona Elza,
a me de Guilherme, no sabia ainda, mas ambos estavam
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planejando unir-se em matrimnio em breve tempo e
pretendiam ter Joo Rubens como padrinho.
Ao entrar na clnica, vendo Joo Rubens e Cludia em
animado colquio, Guilherme sentiu-se um pouco enciumado,e Joo Rubens percebeu sua expresso e calou-se,
repentinamente.
Cludia estava de costas para a porta de entrada e,
notando a mudez repentina de Joo Rubens, virou-se e viu
Guilherme com fcies de poucos amigos.
Bom dia, Gu! Era assim que ela o chamava. Dando-lheum beijo no rosto disse: Acordou mal-humorado? O que
aconteceu? Levantou com o p esquerdo? brincou a noiva,
tentando reanim-lo. Ento, fez-lhe ccega na barriga,
oferecendo um largo sorriso.
Ah! Foi o Bons. Encheu-me de terra. Olha s falou
Guilherme, apontando com o indicador a pegada de poeira do
co carimbada em sua coxa esquerda como que vou
trabalhar, estando sujo de pata de cachorro?
Trabalhando, u! Todos sabem que veterinrio pode se
sujar um pouco no seu ramo. Ningum liga para isso! Relaxe
e deu outro beijo no rosto de seu noivo, que se mostrou
mais sossegado.
Tudo bem. Vamos agenda disse Cludia. Algumaspessoas ligaram e eu expliquei que voc ficou a noite toda no
senhor Mataveira em uma emergncia e voltou exausto.
Estava descansando um pouco, mas atenderia a todos.
Marquei os nomes dos que querem sua visita e os horrios em
que voc poderia atend-los.
Guilherme examinou a agenda, verificou os horrios edisse:
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Obrigado, Cludia. No sei o que eu faria sem voc.
No sei onde voc consegue energia para fazer tantas coisas
ao mesmo tempo. Trabalha no planto do hospital e, na sua
folga, ao invs de descansar, vem aqui e organiza a minhabaguna. Que energia! Guilherme estava admirado com a
vitalidade de sua noiva de pequenos olhos amendoados e
cabelos pretos com leve tom castanho.
Irei atend-los de acordo com sua organizao. Aposto
que o primeiro da lista o senhor Ichimura, estou certo?
ele mesmo! respondeu a pequena sansei de pelebranca como algodo.
Guilherme, aps conhecer seu roteiro e horrios, comeou
a preparar a valise que carregava consigo quando saa em
consultas externas, e quis saber:
Mas, me digam, sobre que assunto vocs falavam to
animados!
Falvamos sobre a espiritualidade dos animais. Joo me
falou que vocs conversaram a respeito disse Cludia.
Isto mesmo, mas no sabia que voc se interessava por
isso. Eu sei que voc estuda assuntos relativos a estas coisas
de espiritualidade, mas achei que voc s entendia de
fantasmas.
Disse Guilherme, mostrando sua ignorncia a respeito dosassuntos espirituais.
Cludia, com pacincia extrema, nunca se exaltava com
as observaes debochadas e sarcsticas do noivo. Ao
contrrio, via em suas atitudes e palavras a oportunidade de
expor suas idias ao noivo cptico que, aos poucos, estava
aceitando melhor os assuntos preferidos dela.
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Ah! Como voc bobo, Gu! No tem isso de fantasmas.
So espritos. E animais tambm tm esprito. Quando
morremos, nosso esprito se liberta definitivamente e
deixamos para trs nosso invlucro fsico do corpo e nosatiramos em outra dimenso: a espiritual, onde no mais
precisamos daquele corpo que nos serviu enquanto vivamos
na Terra. Assim, temos nosso esprito livre. Alguns so
encaminhados s colnias espirituais para tratamento ou
educao. Outros, que no acreditavam, ou nem sabiam
enquanto estavam encarnados que a vida continua, aps aperda do corpo fsico, nem ao menos notam que no
pertencem mais a esta dimenso e ficam vagando por entre
as pessoas. Antes de serem resgatados por parentes e
amigos que os esperam naquela dimenso, podem ser vistos
por algumas pessoas encarnadas que tenham maior
sensibilidade medinica, isto , se mantm perceptveis aos
que possuem vidncia. Os animais so como ns: quando
morrem, tambm so encaminhados para a dimenso
espiritual e so acolhidos por equipes que os tratam e
alimentam.
Guilherme interrompeu neste ponto, com inteno de
fazer mais deboches. Mas, Cludia percebia um interesse
oculto, que ele relutava em revelar: E fantasma precisa comer? Falou rindo.
A maioria das pessoas est muito ligada aos hbitos
terrestres. Precisam se alimentar, dormir, vestir-se, etc. Os
animais so mais ligados ainda aos hbitos alimentares, por
isso, apesar de no precisarem para manter seus corpos
fsicos que no possuem mais , so alimentados mais
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A razo! s pensar um pouco e tudo isso que voc diz
perde o valor respondeu, sem rodeios.
Ora, Gu! Pense voc, ento, no que eu digo e me diga
onde est o absurdo de minhas palavras. Ns temos provasda existncia da espiritualidade e de seus habitantes o tempo
todo. Muitos cientistas esto atestando isso.
Devem ser cientistas malucos ironizou o doutor.
Sem dar ouvidos aos comentrios irnicos do noivo,
Cludia tenta explicar-lhe sobre os estudos cientficos a
respeito. Na Rssia, os cientistas conseguiram provar que ns
possumos tambm um corpo no fsico, que eles chamam de
corpo biofsico ou corpo de bioplasma. Este corpo seria o
nosso corpo espiritual. Parte deste corpo de bioplasma nos
acompanha aps nossa desencarnao ou durante o nosso
sono, quando podemos abandonar temporariamente o corpo.
Quando dormimos nos livramos, durante o tempo que durar o
sono, do corpo fsico. Estando novamente livres, entramos na
dimenso espiritual para retornarmos dela para mais um dia
aqui, quando acordamos. Quantas vezes sonhamos com
pessoas que j partiram e obtemos delas informaes que
somente elas poderiam nos trazer? disse Cludia ao
companheiro incrdulo, que permaneceu um momento imveltentando lembrar-se do sonho que teve h pouco. Ele pareceu
realmente interessar-se por este tpico.
Se for verdade o que est dizendo, ento, h pouco, em
sonho, conversei com o senhor Gustavo, pai do senhor
Mataveira, e me encontrei com a Paloma, que morreu disse
o mdico. Claro, voc realmente os encontrou. No h dvida.
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Guilherme estava relutante em demonstrar interesse, e
por isso quis interromper a conversa, demonstrando um falso
desinteresse.
Vamos parar um pouco. Esse papo est me deixandocansado. Eu vou sair para atender estes clientes e depois
voltamos ao assunto. Irei ao senhor Ichimura e casa de
Luciana, que est com sua gata doente. Volto logo.
E saiu, apressado, sem levar o auxiliar, como se estivesse
fugindo da conversa.
Assim que saiu, entrou uma pessoa com uma gata nosbraos. Era Luciana, que a pedido de Bruno, seu irmo,
preferiu no esperar por Guilherme em casa e a trouxe para o
consultrio.
Ol, Luciana cumprimentou Cludia. No agentou
esperar pelo Guilherme?
No isso. O Bruno muito estressado e no sossegou
enquanto no peguei a Branquinha para traz-la para ser
examinada e tratada. Eu sei que no grave, mas voc sabe
como o Bruno, no ? Ele nunca deixa nada para depois.
Mas, deixe-me sentar um pouco. A caminhada me deixou
cansada. O doutor est ocupado agora? perguntou Luciana.
Ele acabou de sair para atender o senhor Ichimura e
depois iria sua casa. Vou ligar para o seu celular e avis-loque voc est aqui.
Diga a ele que no precisa ter pressa. Faz tempo que
no conversamos e esta uma boa oportunidade para
pormos nossa conversa em dia.
Concordando com a cabea e dando um sorriso, Cludia
avisou o veterinrio que Luciana estava na clnica.
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Voc est de folga hoje do hospital? perguntou
Luciana.
No, j fui fazer meu planto e estou dando uma pequena
ajuda ao Gu. Ele anda muito atarefado, ultimamente. Hojetrabalhou durante toda a noite na fazenda do senhor
Mataveira e est exausto.
Pelo jeito voc gosta tambm dos bichinhos, no ,
Cludia?
Sim, adoro os animais, mas no gostaria de ser
veterinria. Gosto do que fao no hospital. Admiro os animaispor sua natureza e inteligncia, principalmente.
Isso verdade. So muito inteligentes. A Pretinha,
minha outra gata, demais. No que a Branquinha no seja
tambm, mas o que aconteceu ontem foi muito interessante e
provou o que eu digo. Estvamos eu e o Bruno tomando
nosso desjejum, quando Pretinha veio at ns, miando,
fortemente, e olhando para a jarra de leite, como que pedindo
um pouco de forma insistente. Estranhamos, pois ela no
gosta de leite, mesmo assim, peguei uma vasilha e coloquei
um pouco para ela no cho. Para minha surpresa, Pretinha
saiu correndo e voltou acompanhando Branquinha, como se
estivesse amparando-a at se aproximar do leite. Deixou-a
beber e ficou observando-a o tempo todo, em silncio. Pareciaque ela estava ali certificando-se de que ela tomaria tudo. Ela
estava preocupada com a sade de Branquinha, que no
acordou bem naquela manh.
Ento o leite era para a outra gatinha? perguntou
Cludia.
Exatamente. Ela se preocupou em saber se aBranquinha estava se alimentando adequadamente e pediu o
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leite. No uma gracinha? Bruno ficou to comovido com a
cena que quase chorou. Foi a que notamos que a Branquinha
no estava bem de sade e resolvemos chamar o doutor. E
tambm percebi como Pretinha evoluda.Como estavam na clnica, o assunto de animais se
mesclou com os espirituais e voltaram ao assunto de que
conversavam antes de Guilherme sair.
Pois. O Guilherme no entende que os animais sofrem
tanto quanto ns e aprendem com o sofrimento. No , Joo?
falou Cludia, tentando puxar o tmido auxiliar para oassunto.
Sim, verdade, O patro no aceita estes conceitos
por acreditar que animais somente existem para nos servir e
servir aos seus prprios instintos respondeu Joo Rubens,
timidamente. Mas, aos poucos, acredito que se interessar
pelo assunto e os entender melhor O tema muito vasto e
complexo. O maior problema a falta de material para
estudos. Existe somente o contato com eles e as explicaes
dadas por mentores espirituais para conseguirmos um
pequeno acesso s informaes mais profundas. Ontem, digo,
hoje de madrugada, quando fomos atender Paloma, l no stio
do senhor Mataveira, pude presenciar as equipes espirituais
trabalhando conosco para salvar o filhote dela, a Palominha, edesligar a sua me dos envoltrios fsicos para que passasse
para a outra dimenso sem traumas.
Joo Rubens tinha uma mediunidade muito evidenciada.
A equipe numerosa teve pouco trabalho com Paloma,
que colaborou com eles, facilitando tudo. Pude notar quando
ela se soltou das amarras e saiu de seu estado de semi-sonolncia para o outro em que inclusive tinha uma aparncia
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bem mais jovem e vivaz. Saiu em um galope em direo ao
pasto, no sem antes fazer um carinho em seu filhote. Havia
vrias pessoas, mas alguns s observavam como se
estivessem ali para aprender como era feito o trabalho queconsistia em desativar pontos que serviam como fixao do
corpo fsico ao corpo espiritual. Enquanto uns aplicavam raios
de energia sobre o corpo, outros aplicavam sobre o tero.
Parece que estavam fazendo o possvel para que Palominha
nascesse antes que sua me se libertasse totalmente. Foi
uma cena realmente comovente. Difcil foi conter as lgrimasdiante de tudo sem que o doutor notasse.
No fcil para voc ter um patro excessivamente
racional, sendo voc o outro extremo em termos de
sensibilidade. Voc consegue vislumbrar o mundo espiritual,
mas no pode compartilhar com ele o que pode captar da
espiritualidade falou Luciana.
Eu sei que o patro se importa com o que se passa com
os animais, e sei tambm que ele sensvel ao sofrimento
dos nossos irmos, mas ele prefere manter esta aparncia
indiferente por simples questo profissional. Ele acredita que
se demonstrar esses sentimentos, estar se expondo. Por
isso, as esconde, das pessoas e talvez at de si mesmo,
algumas vezes. Tenho certeza de que ele tem interesse porassuntos espirituais, mas no quer se abrir.
Aps algum tempo de conversa, o telefone toca. Era
Guilherme, avisando que j terminara a consulta no stio do
senhor Ichimura, e j estava voltando para atender a gata
Branquinha, da Luciana.
O stio um tanto retirado da cidade e para chegar at l necessrio passar pelo mesmo canavial onde Guilherme
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encontrou Bons. Sempre que passa por ali, ele revive a cena
do resgate do co, que hoje seu companheiro, e se comove
com essas lembranas.
Guilherme vai dirigindo, apressado, para no deixarLuciana esperando por muito tempo no consultrio. Enquanto
isso, Bons, deixando sua depresso momentnea por causa
da reprimenda que recebeu de seu dono, passou a se
comportar de modo estranho, ficando um tanto agitado e
inquieto. De um momento para outro, Bons ficou ansioso e
angustiado como se algo o estivesse ameaando. Dona Elzano podia ver o que era e no podia entender o que estava
ocorrendo e provocando esta transformao em Bons, que
no parecia o mesmo. Ele fixava o olhar em alguma coisa,
mas no poderia, pois era cego.
Repentinamente, comea a rosnar e a mostrar seus
caninos ameaadores, enquanto continuava a fixar o olhar em
algum ponto no horizonte. Parecia que ele estava mesmo
vendo algo. Dona Elza aproximou-se dele e tentou toc-lo, e
conversar com ele para acalm-lo, mas, como se estivesse
hipnotizado, no deu ateno voz da me de Guilherme,
que o chamava sem ser ouvida. Quando ela o tocou no dorso
para tentar acalm-lo com carcias, Bons deu um salto, como
se estivesse querendo se defender ou atacar algum. DonaElza assustou-se, pensando que ele queria atac-la, por isso
correu para dentro de casa e trancou a porta da cozinha,
isolando-se do animal que estava transformado. Parecia um
animal raivoso com a aparncia alterada como nunca antes
havia visto.
Observava-o atravs da janela, temerosa por um ataque,e notou que continuava rosnando insistentemente para algo
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ou algum que somente ele poderia ver. Dona Elza estava
achando que o co havia enlouquecido e no queria ficar
sozinha com aquele perigo, por isso ligou para o consultrio,
mas seu filho no estava. Tentou ligar para o celular, mas notinha sinal algum, ento, pediu Cludia que lhe avisasse
sobre Bons e lhe pedisse que voltasse para casa o mais
rapidamente possvel.
Naquele instante, Guilherme voltava pela estrada que
cortava por entre a enorme plantao de cana. Eram
quilmetros e quilmetros de cana. Repentinamente, ouve-seum estrondo e Guilherme quase perde o controle de seu
veculo, que derrapou e quase entrou no canavial. O susto foi
grande, mas nada sofreu.
O que aconteceu? pensou Guilherme.
Plido de susto e com o corao disparado com aquele
acidente que poderia ter sido mais grave, se no fosse por
sua percia no volante, Guilherme parou e deu um grande
suspiro de alvio por estar bem. Permaneceu imvel dentro de
seu veculo por algum tempo, tentando se recuperar do susto,
e em alguns minutos se refez. Ainda trmulo e com a
respirao ofegante, desceu do veculo para verificar o que
acontecera, e qual era a causa daquele som que se
assemelhava ao estouro de uma bomba.Observando ao redor, notou uma tbua com vrias pontas
de ao perfurantes que, coberta pela poeira da estrada, ficou
camuflada. Provavelmente, foi a causa do estouro dos dois
pneus dianteiros.
Que azar! exclamou Guilherme em pensamento
dois pneus furados, e s tenho um sobressalente. Terei que
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chamar um guincho para me rebocar. Droga! Agora complicou
tudo. Vou atrasar todas as consultas por causa disso.
Nesse instante, em casa, Bons continuava com
comportamento cada vez mais estranho, agressivo e fora donormal. Comeou a eriar os plos das costas e latir
fortemente de forma ameaadora para algum ou alguma
coisa que dona Elza no podia ver o que era. De repente, a
expresso de Bons modificou-se completamente. Parecia um
animal selvagem prestes a atacar o inimigo. Com expresses
faciais alteradas, partiu em disparada em direo ao muro,batendo fortemente com a cabea e desmaiando em seguida.
Guilherme, nesse momento, nada sabia sobre Bons. Sua
nica preocupao era conseguir ajuda para sair dali, daquele
deserto de canas. Mas, seu celular no tinha sinal por causa
de uma colina que faria uma barreira transmisso das
ondas. Se quisesse pedir ajuda, teria que caminhar a p por
alguns quilmetros at o topo da colina onde haveria sinal.
Enquanto a ajuda no chegasse quele local, ele estava
isolado e desprotegido. Retirando aquela tbua de pregos do
caminho e observando os estragos ocorridos por causa do
acidente, no notou que surgiam dentre as folhagens dois
vultos.
Dois assaltantes se aproximaram de Guilherme,sorrateiramente, quando ele estava distrado. Foram eles que,
propositadamente, colocaram o artefato perfurante na
estrada, com intenes escusas.
Ao se aproximarem de Guilherme, gritaram, anunciando o
assalto. Assustado com mais esta surpresa, quase no podia
se mover diante da arma de grosso calibre portada por umdos homens de expresses duras. Estavam com o controle da
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situao, mas notava-Se que eram inexperientes e estavam
mais assustados que o prprio assaltado.
Suas mos tremiam, assim como sua voz, que ordenou a
Guilherme que lhes entregasse todo seu dinheiro. Guilhermetentou argumentar, dizendo que tinha poucos valores consigo,
mas poderiam ficar com seu celular e seu relgio. Irritados,
pois queriam somente o dinheiro, os dois homens gritavam e
ameaavam atirar se no lhes entregasse, o que acreditavam
que o mdico escondia. O jovem mdico se viu em uma
situao de grave perigo, pois, real