2.12 Da Ideia de Deus Cpcy No Candonblé

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Vol.2/2012 ISSN 1647-8347 CPCY Publicação Periódica Oficial da CPCY 1

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CONCEPÇÃO DE DEUS NO CAMDONBLÉ

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  • V O L U M E II: Da Ideia de Deus e sua Delimitao Teolgica Presente

    A t o s d e O r d e m R e l i g i o s a

    E M I S S O R A : Comunidade Portuguesa do Candombl Yorb

    N M E R O D E S R I E : 1647-8347

    V O L U M E : II

    E D I O : digital, e-paper

    P A S : Portugal

    S E D E : Benavente, Portugal

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    VOLUME II

    Resumo de Contedo

    O presente volume dos Atos de Ordem Religiosa,

    emitidos pela Comunidade Portuguesa do Candombl

    Yorb, trata da complexa questo de Deus na tradio

    religiosa Yorb e Afro-Brasileira, sua delimitao

    religiosa presente, seu quadro teolgico e sua definio

    clara para o contexto da CPCY. O presente A.O. R.

    prope-se discernir e definir a validade concetual e

    pragmtica da natureza de um ser-supremo expresso nos

    termos Oldmar e l run.

    A G O S T O 2012

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    D A I D I A D E D E U S & Sua delimitao Teolgica Presente

    1. A IDEIA DE DEUS faz parte da mais profunda

    natureza civilizacional ocidental. Monotesmo e ocidentalismo cultural so duas faces de uma realidade histrica incontornvel. Desde o xodo judaico e a afirmao metodolgica de Abrao que um modelo ideolgico de ser-supremo tem imperado largamente. O Deus de e para Israel, desenhado e acomodado s especificidades culturais do seu povo e, no menos importante, moldado imagem de Abrao, processo que nas cincias religiosas descrito por human-like models, e que geralmente se apelida de antropomorfizao. Todavia, tal assunto diz respeito aos telogos cristos e judaicos e aos estudiosos dessas tradies religiosas.

    2. A ns importa o pensamento de um ser-supremo africano e, acima de tudo, Yorb e Yorb-descendente, compreendendo, todavia, o quanto esta questo se encontra acantonada aos encontros religiosos intra-africanos e das tradies autctones com elementos exgenos. Discernir efetivamente a existncia teolgica de uma ideia de Deus entre os Yorbs e no Candombl e, acima de tudo, quais as delimitaes essenciais no contexto da CPCY enquanto instituio de

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    natureza doutrinal e confessional, pois o presente propsito.

    [ . R A M I F I C A E S H I S T R I C A S . ]

    3. Deus um complexo histrico e dramtico para os dilogos multiculturais. A repetio e reforo de um paradigma ecumnico, amplamente valorizado como modelo ideal nos encontros inter-religiosos, no mais dissimulador do que as misses evanglicas de converso religiosa. O ecumenismo , inegavelmente, um processo de assuno de um Deus nico e partilhado. Assumir o ecumenismo aceitar a presena do Deus de Abrao sobre a nossa tradio religiosa. Assim, no quadro atual, em que as liberdades religiosas so direito inalienvel (pelo menos no Ocidente assim tendem a ser), o ecumenismo somente tem viabilidade nas chamadas religies do Livro. A Religio Yorb e o Candombl no fazem parte desse lote.

    4. Ora, no ser de uma das religies do Livro no deve ser tomado como menosprezvel. O problema, no seio das tradies africanas e suas descendentes, o complexo histrico-psicolgico de menosprezo religioso que os tempos mais recentes no souberam corrigir. O problema, claro, tem suas ramificaes em tempos antigos e nos primrdios das cincias sociais.

    5. O espao cultural que descrevemos hoje como Yorb , na verdade, uma construo recente. Autores como

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    Matory (2005) ou Peel (2000) trataram do problema e souberam expor claramente o contexto o renascimento em Lagos, no j tardio sculo XIX, uma contrarresposta cultural de natureza africanista contra o modelo ideolgico criado por autores africanos cristianizados como Samuel Ajayi Crowther e Samuel Johnson, missionrios da Church Missionary Society, que tomaram como tarefa a criao de uma nao crist africana sob a bandeira Yorb, a partir do modelo j extinto de y , capital de um imprio tombado, ou no dizer de Matory, an empire that is no more.

    6. No obstante do importante papel tomado pelo renascimento lagosiano e o ideal africanista expresso na valorizao da cultura religiosa tradicional, a sn bl , importa ter presente que tal facto surge como contrarresposta e representa um movimento de resistncia, revivalismo e preservao nostlgica. Para trs temos sculos de avano cultural e poltico do islo (que levaria queda do imprio de y ) e de misses crists. O fator comum entre ambos os movimentos exgenos de tradio abramica o intenso sentido de Deus. Imensos foram os autores que fizeram questo de procurar e promover uma ideia de Deus entre os africanos do Golfo da Guin. Bouche, Baudin, Borghero, foram homens empenhados em promover uma ideia de

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    Deus, de encontrar entre os africanos um deus que na verdade eles levavam nos barcos.

    7. No cabe neste texto fazer uma reviso histrica do problema, para tal remetemos a outros trabalhos de outra natureza1. O que importa ter presente, todavia, a longa tradio de uma ideia de Deus que Pierre Verger em O deus supremo iorub: uma reviso das fontes de algum modo abordou.

    8. Atravs de um engenhoso processo levado a cabo pelos missionrios e articulado com a expanso do islo mstico africanizado atravs dos hau do norte, uma ideia de Deus como o conhecemos por intermdio da tradio bblica imperou. A transposio de conceitos religiosos nativos, como l run para Deus, no interior da Bblia serviu bem o propsito de converso dos nativos. Olorum (na grafia portuguesa do Candombl) era, como referiu Ellis (1890), uma divindade celestial, um r entre tantos outros, ou, numa outra tradio,

    nomeadamente em torno de Il-If , um epteto de

    rl ou btl, o grande deus do branco e da criao.

    1 Ferreira Dias, Joo, 2011, Frmulas Religiosas entre os Yorbs (...), dissertao de mestrado em Histria e Cultura das Religies, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

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    9. A dinmica das transformaes religiosas foi tambm claramente expresso por Olabiyi (1992), particularmente em relao a esta questo do ser-supremo, nomeadamente entre os Fons do Dahom. A Doutrina Crist para frica teve vital papel na promoo do monotesmo.

    10. No obstante do papel tomado pelo islo e pelo cristianismo, a tradio monotesta Yorb prosseguiu. O sistema de f, fundado sobre a tradio mstica islmica-africana e de feio monotesta, ganhou amplo terreno no espao cultural que viria a ser o Yorb. Atravs de um exerccio sinttico que ainda hoje tem lugar, o sistema de f reorganizou as divindades colocando-as ao servio de um Deus de tradio abramica, chamado Oldmar. Desta forma, os rs deixaram, neste contexto, de assumir um papel de independncia cultual, tornando-se mensageiros e ministros do senhor da existncia, o omnipotente Oldmar. Mitos, versos e todo um corpo teolgico assente num mtodo de adivinhao herdado do islamismo entraram em jogo. O sistema de f tornou-se smbolo de religio Yorb, secundarizando, por sua natureza monotesta similar ao catolicismo, os velhos cultos locais de diferentes concees.

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    C A N D O M B L

    11. O Candombl, por seu turno, resultado de um complexo processo de transferncia de escravos para o Brasil. Frutos das guerras de libertao e expanso do Dahom, da queda do imprio de y , os escravos chegaram aos milhares ao Brasil, aportando sem identidade, sem direitos e dignidade. Batizados e convertidos fora, os escravos e os crioulos viram-se forados a reorganizar o seu processo de culto que Luis Nicolau Pars cuidadosamente analisa em A Formao do Candombl.

    12. Quis a histria e permitiram os deuses que a tradio fosse mantida, um cristal novo, nostlgico e reconfigurado da identidade nativa. Num novo contexto civilizacional, em que a identidade era toda ela imaterial, coube ao engenho dos negros a reconstruo da memria. Um processo de re-tecer mitos, selecionar ritos de entre os dspares, ritmos sagrados, modos de evocao, modos de iniciao, et. al., tomou lugar.

    13. Porque a liberdade religiosa era garantida a todos desde que fossem catlicos, os negros, antepassados desta rica tradio que se professa, viram-se forados a ampliar um modelo j intermeio vigente em frica: o sincretismo religioso africano-cristo. Aportados ao Brasil os escravos recebiam um nome de tradio catlica

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    portuguesa, eram batizados e entregues a uma confraria religiosa, consoante a sua origem tnica (mais ou menos vasta e nem sempre coincidente com a realidade, como fala Pars em op. cit.).

    14. Ora, em confrarias religiosas, a ideia de Deus foi amplamente promovida e amplificada. Noes como omnipotncia e omnipresena, salvao, pecado, entre outras, que vinham j nos pores atravs das misses crists em frica, do Islo e do sistema de f que fazia a sntese religiosa entre as diversas tradies, ganhou fora.

    15. Na resistncia e na luta pela sobrevivncia do Candombl, a meio com a perseguio policial e a denncia do jornal O Alabama, o Candombl foi forado a adaptar-se e a acomodar-se realidade do seu tempo. No pois de estranhar que y Aninha, fundadora do Candombl do Ax Op Afonj, declarasse que seguia os ensinamentos de Abrao. As estratgias de sobrevivncia impunham novos discursos e viu-se empurrado para fora do espao do culto, despachado, graas terrvel campanha iniciada em frica contra Ele, associado que estava ao Diabo judaico-cristo, inclusive na Bblia de Crowther.

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    16. Diante de longa tradio em terras africanas com a presena missionria e o islo, procurando em terras inspitas africanas um Deus que eles mesmos levavam como arma, e perante um sistema religiosa sinttico de feio africanista, o culto de f, uma ideia irmanada do Deus bblico tomou lugar. Blaji Idowu, pastor da Igreja Metodista Nigeriana, deu por fim o contributo decisivo afirmao definitiva de Deus em frica, graas ao seu livro Oldmar: God in Yoruba Belief, um longo argumento pretenso-cientfico que reorganiza as tradies Yorbs em funo de um interesse claro: fazer de Deus a realidade absoluta da religio no espao cultural Yorbno.

    17. Oldmar, que traduz uma ideia religiosa ligada ao arco-ris e seu conhecimento, o que poderia ser um epteto ou alternativa lingustica de mr, passou a designar com Idowu e antes no sistema de If o nome do ser-supremo, Deus, que o pastor traduz como significando todo-poderoso. A ideia africana de Deus foi ainda exacerbada por obras como African Ideas of God (1966) e outras suas contemporneas, de teor supostamente cientfico. A toda esta tradio literria se juntaram as teorias evolucionistas, criando um caldo de anlise das tradies culturais e religiosas africanas altamente distorcido.

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    18. No Brasil tudo isto ficou bem latente, atravs de estudos cientficos que promoviam a superioridade cultural de um povo africano sobre os demais.

    19. Mas, cremos por bem, que o melhor ser definir o que teologia em contexto africano. A ideia de teologia e a sua disciplina, fazem parte do imaginrio cultural em torno de Deus. Isto significa, pois, que teologia faz parte de uma tradio monotesta. Em todo o caso, podemos dizer que teologia seja, em palavras largas, o entendimento sobre o sagrado/religioso.

    20. Ora, nesse sentido, estamos pois a optar, de ora avante, usar o termo Od Mm , da nossa lngua cultural, designando o conhecimento do sagrado.

    21. Desta forma, o conhecimento do sagrado compe-se: da tradio oral feita de cnticos, evocaes, saudaes, encantamentos e toda a vasta literatura oral dos mitos e similares; e da ritualidade prtica que d eficcia oralidade e que juntas formam a cabaa total da religio. Assim, fica isto definido.

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    22. Que entendimento religioso define a CPCY para os seus membros, sobre Deus? Traado que foi o roteiro histrico, lato sensu, importa delimitar conceptualmente, i.e., em termos claro de doutrina religiosa que estamos a assumir e definir, o que Deus entre ns. Reconhecendo a longa tradio do conceito mas nela vendo as heranas de um passado que nunca nos foi prprio, fica pois claro que uma ideia de Deus reinando hierrquica e absolutamente sobre os rs, omnipresente, omnipotente, et. al., no tem validade entre ns.

    23. Doutrinariamente, define-se, portanto, que Deus uma ideia externa nossa realidade cultural e religiosa. Temos ns os nossos rs, aceitando-se unicamente, como

    vivel, a assuno de rl como reinante sobre os outros, no numa lgica crist, mas antes numa lgica que largamente nos ultrapassa. Ele pai, rei, absoluto, maior, igual, entre as divindades.

    24. Por isso, a afirmao de Deus no interior do Candombl, assumimos, resulta de duas distintas posturas: 1) herana histrica que no se apaga e que est bem vincada na tradio popular do Candombl; 2) colagem intencional com propsito ecumnico e comercial.

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    25. Com este Ato de Ordem Religiosa no pretende a CPCY exportar para o Brasil, frica ou casas de culto em Portugal a sua doutrina. A CPCY per si. Serve esta doutrina para o seu interior, para os seus fiis, simpatizantes, e casas que dela derivem. As restantes faam uso ou no desta doutrina, se tal lhes aprouver. Serve tal doutrina, igualmente, para conhecimento institucional das entidades religiosas existentes em Portugal e igualmente reconhecidas pelo Ministrio da Justia como pessoa coletiva religiosa.

    Assim se atesta e declara, nesta data ocidental de 30 de Ago. de 12. ALAGBA o m o p e . i w i n t o s i n . a d e t o k u n b o .