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    Universidade de São Paulo/Faculdade de Educaçãodezembro/2006Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática (SEED-FEUSP)Coordenador: Nílson os! "ac#ado

    A escrita chinesaUma reflexão crítica sobre o livro

    IDEOGRAMA - Ló ica! "oesia! Lin #a em$Or % &arol'o 'e (am)os*

    (ristina (anto

    O Ideograma é um livro composto por seis ensaios voltados para a linguagemchinesa e suas implicações à cultura e ao modo de pensamento. Seu organizador é Haroldode Campos; essa coletânea tem como tema central o ensaio de rnest !enollosa" americano#ue tra$alhou v%rios anos no &ap'o como pro(essor de arte e se apai)onou pela poesia *aponesa. +e sua pai)'o pela arte *aponesa surge o interesse pelos caracteres da escritachinesa chamados tam$ém de ideogramas.

    !enollosa chamava os caracteres chineses de ,elementos universais de (orma-.pesar de toda a sua insist/ncia so$re o aspecto imediatamente ,pictural- do ideograma em

    relaç'o à natureza e)terior" ele admite no (inal de seu ensaio sua hip0tese hiper(ilol0gica.le considerava #ue a escrita chinesa era superior" pois sua etimologia constantemente

    (icava vis1vel" mas con(orme veremos depois" na maioria dos ideogramas n'o é poss1velreconhecer esse car%ter ,pictural- atri$u1do por !enollosa. 2o ,modelo chin/s- ele pensouter encontrado uma instância viva" milagrosamente preservada" da hip0tese emersoniana3

    O poeta é o denominador ou Criador-de-linguagem, que dá nome às coisas

    de acordo com sua aparência, umas vezes, ou com sua essência, outras, e dá

    a cada qual seu próprio nome e não outro, com isso alegrando o intelecto,

    que se deleita no insulamento ou vinculação. O poeta cria todas as palavras

    por isso, a linguagem é o arquivo da !istória e, a "em dizer, uma espécie de

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    t#mulo das musas. $%merson &''()

    2o in1cio do séc 56III" havia grande especulaç'o (rente à possi$ilidade de uma,l1ngua universal-. 7ei$niz viu na escrita ideogr%(ica a idealizaç'o de um ,modelo- capazde uma com$inat0ria #ue resultaria nessa linguagem universal" com a vantagem doscaracteres poderem ser entendidos por todos em suas pr0prias l1nguas *% #ue teriam umcaractere pictogr%(ico.

    8orém" en#uanto #ue para 7ei$niz" o #ue importava no chin/s era a isenç'o dehistoricidade 9o chin/s teria sido inventado para (acilitar a comunicaç'o dos diversos povos#ue viviam no grande Império da China:" !enollosa encarava o chin/s como sendo o

    espelho da natureza" por sua ,picturalidade- pr0)ima ao mundo ativo das coisas. 8ara ele"osideogramas eram como registros mnem nicos da humanidade.

    Os i'eo ramas

    )iste um mito so$re a construç'o dos ideogramas #ue diz #ue" no reinado doimperador sem1tico Hung

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    sérios" (ica di(1cil n'o ter um vest1gio de d vida so$re a origem de uma escrita. Oscaracteres chineses t/m sua construç'o (undamentada em #uatro princ1pios3 O primeiro é o

    nico #ue se $aseia na representaç'o pict0rica. O segundo é uma espécie de diagramaç'oda idéia. O terceiro se d% pela evocaç'o por sugest'o" através da con*ugaç'o de doiscaracteres para desencadear um terceiro elemento ideativo. o #uarto seria umacom$inaç'o de um dos G4 elementos ,radicais- com um (onograma. maioria das palavras chinesas pertence a esse #uarto grupo.

    4 J lguns ideogramas #ue t/m representaç'o pict0rica passaram por muitastrans(ormações. O sol" por e)emplo" era representado por 9um c1rculo com um pontono meio:" e ho*e é representada pelo caractere. lguns s1m$olos" porém" n'o so(reram

    muitas alterações como por e)emplo3 9porta: " 9%rvore:" 9chuva:.

    G J lgumas idéias n'o podem ser representadas" podendo entretanto ser diagramadas. )emplos3 os n meros um" dois e tr/s" s'o representados" respectivamente" por um" dois e tr/s traços. Km traço acima de uma linha horizontal representa acima" e uma$ai)o dessa linha signi(ica a$ai)o. ntigamente os caracteres de acima e a$ai)o eramrepresentados por um ponto acima de uma linha e um ponto a$ai)o respectivamente.

    9acima: 9a$ai)o: 9um: 9dois: 9tr/s:

    L J O princ1pio da sugest'o é a *unç'o de dois ou mais caracteres colocados *untos para (ormar uma palavra #ue sugira uma terceira idéia. )emplo3 a palavra $rilho M sol elua; (loresta M duas %rvores lado a lado; $om M mulher segurando uma criança.

    9%rvore: N 9%rvore: M 9(loresta:

    9%rvore: N 9%rvore: N9%rvore: M 9$os#ue:9sol: N 9lua: M 9$rilho:

    9criança: N 9mulher: M 9$om:

    J Com$inaç'o de um elemento signi(icativo e de um elemento (onético. O

    L

    .

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    primeiro indica a categoria geral de coisas a #ue pertence o signi(icado da palavra"en#uanto #ue o segundo (ornece o som do caractere. 8or e)emplo3 oceano M mar e ovelha;in#uietude M pulga e cavalo

    9cavalo: N 9pulga: M 9in#uietude:9ovelha: N 9mar: M9oceano:

    8ara uPQuang Chu" o segundo elemento nada mais tem a ver com ,ovelha-" sendoapenas um grama (onético. 2o entanto" a mente de um poeta n'o resistiria a essa ,(%$ula deminiatura- #ue parece pulsar na *ustaposiç'o do radical e do (onograma" como #ueempurrando o seu produto para a terceira categoria dos ideogramas ,associativos- ou

    ,sugestivos-3 ,o encresparPse do mar em pe#uenas ondas espumosascomo um re$anho decarneiros-.

    O in1cio dos escritos em chin/s tem sua origem h% cerca de 4 EE a.C.; sem d vida" mudança operada através dos tempos torna imposs1vel sa$er #ual era a pictogra(ia originalde muitos caracteres. o leitor chin/s" os ideogramas na maior parte do tempo s'o vistosapenas como s1m$olos convecionalizados" sem mais perce$er neles a etimologia vis1vel #utanto impressionou !enollosa.

    )iste uma lista de AE.EEE caracteres" mas metade deles raramente s'o utilizados e por vezes *% n'o se conhece mais seu signi(icado. pesar de os ideogramas mais utilizadosse apro)imarem de E.EEE" um indiv1duo é considerado al(a$etizado conhecendo por voltde G.EEE caracteres. )istem" apro)imadamente" 4"L $ilh'o de (alantes do chin/s" mase)istem diversos dialetos P os mais (alados s'o o mandarim 98e#uim: e o canton/s 9HongQong e 5angai:. Outros povos #ue se utilizam dos caracteres chineses para escrever s'o o

    *apon/s e o coreano 9apenas Coréia do Sul:.

    A )o+tica 'os i'eo ramas

    8ara !enollosa" o ,pictograma é decididamente um 1cone-" em$ora essa ,#ualidade

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    representativa- n'o se*a decorrente de uma imitaç'o servil" mas sim de di(erenciadacon(iguraç'o de relações" segundo um critério seletivo e criativo. 8ara ele" mais do #ue ascoisas" importavam as ,relações- entre elas" #ue era *ustamente o #ue ele via na escrita dosideogramas.

    !enollosa (az uma comparaç'o dos ideogramas com a m sica #ue" por sua vez" temcomo caracter1stica a harmonia" e complementa3 ,todas as artes o$edecem à mesma lei; aharmonia re#uintada est% no delicado e#uil1$rio dos matizes. m m sica" a pr0pria possi$ilidade e a teoria da harmonia se $aseiam nos sons harm nicos. 2esse sentido" a poesia parece uma arte mais di(1cil... como determinar os harm nicos meta(0ricos de palavras vizinhasR- le v/ ent'o na escrita chinesa a possi$ilidade dessa ,harmonizaç'o- e

    mostra suas vantagens apresentandoPse até em um simples verso3 ,O sol se ergue a leste-.

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    apesar de de(ender o tempo todo o argumento ,pictogr%(ico- 9ideograma en#uanto pinturade idéia via coisas: dos caracteres chineses" ele a(irma #ue o #ue lhe interessa é oargumento ,relacional- dos ideogramas P ideograma en#uanto processo relacional"en#uanto met%(ora estrutural.

    8ara !enollosa" o chin/s seria o discurso #ue mais se apro)imaria da natureza" poisessa n'o se dei)a reger pela l0gica silog1stica de ,partes do discurso- e pela ontologiacategorial de ,su$stância-" onde o homem n'o é um nome" um su$stantivo" uma coisamorta" e sim um ,(ei)e de relações-. +a1 a importância da relaç'o de ordem das palavras nochin/s. sinta)e posicional do chin/s impressiona" por lhe dar uma imagem de como" nanatureza" as coisas $rotam uma das outras. 6ide o poema ,O sol se ergue a leste-.

    m seus estudos so$re poesia" !enollosa se encantou com a escrita dos caractereschineses. 8ara ele" a poesia chinesa transcendia os meios de comunicaç'o ver$al"con(igurandoPse com uma ordem de caracteres #ue podem ser contempladossilenciosamente pelos olhos" um ap0s o outro. considera" sendo o pensamento e asoperaç*es da natureza, não um recorte de aç*es independentes, e sim sucessivas e in+initas

    aç*es que comp*em um cenário, analise este e emplo amos supor que este/amosol0ando por uma /anela, vendo um 0omem. 1e repente, ele vira a ca"eça e +i a ativamente

    a atenção em alguma coisa. Ol0amos e vemos que o ol0ar dele está +ocalizando um cavalo.

    imos, a princ2pio, o 0omem antes de agir em segundo lugar, enquanto agia em terceiro

    lugar o o"/eto para o qual se dirigia sua ação. 3o +alar, rompemos a rápida continuidade

    dessa ação e de sua representação em suas três partes essenciais, ou mem"ro na ordem

    correta, e dizemos 4O 0omem vê o cavalo5. %stá claro que esses três mem"ros, ou

    palavras, são apenas três s2m"olos +onéticos, colocados no lugar dos três termos de um

    processo natural. 6as poder2amos indicar com a mesma +acilidade esses três estágios de

    nosso pensamento através de s2m"olos igualmente ar"itrários, destitu2dos de "ase sonora

    por e emplo, através de três caracteres c0ineses

    homem v/ cavalo

    @

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    2o primeiro caractere" temos o homem de pé so$re as duas pernas. +epois o olho amoverPse pelo espaço" como duas pernas a correr em$ai)o de um olho; e (inalmente umcavalo so$re as #uatro patas. ssa con(iguraç'o de s1m$olos provocaria para !enollosa umarepresentaç'o do pensamento.

    !oram argumentos do tipo representados acima #ue seduziram !enollosa. gora"tendo em mente #ue um poeta" #uando compõe" utilizaPse de todos os recursos lingT1stico poss1veis" talvez ent'o n'o se*a mera ,coincid/ncia- haver con(igurações como as #uetanto impressionaram !enollosa.

    Lin #a em x "ensamento

    (orma da sentença chinesa é transitiva. s palavras n'o s'o (le)ionadas; asde(inições de singular" plural" superlativo" posse etc. s'o de(inidas por advér$ios. 2'oe)iste g/nero" nem artigo" nem declinações. Somente a ordem das palavras podedeterminarPlhes a (unç'o. essa ordem n'o seria uma indicaç'o su(iciente se n'ocorrespondesse àordem natural, isto é" à ordem de causa e e(eito. O idioma chin/s é umidioma monossil%$ico" isto é" cada s1la$a é dotada de uma unidade distinta de signi(icaç'o

    m chin/s os ver$os podem ser transitivos ou intransitivos" à vontade. 2'o e)istem" porém"ver$os naturalmente intransitivos. O tipo tradicional de proposiç'o ,su*eitoPpredicado- n'oe)iste na l0gica chinesa. ssim como na 2atureza n'o h% negações" no chin/s tam$ém n'oh%3 para representar um estado de n'oPe)ist/ncia em chin/s" utilizaPse o signo ,estar perdido na (loresta-. m chin/s" n'o e)iste nenhum ver$o ,ser- compar%vel à (ormainglesa.

    teoria ocidental considerou por muito tempo o conhecimento como conhecimentouniversal da humanidade. Segundo Chang

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    categorias universais para o pensamento humano" mas n'o as de(inidas por Qant. 8araChang

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    chinesa n'o se $aseia nesta lei. l0gica ocidental tendo como $ase a lei de identidade"tende a dicotomizar as (ormas como , e n'oP -" ,Wem e =al-. 2o chin/s" essas (ormasn'o se reduzem à dicotomia da l0gica ocidental" para os chineses" além de e n'oP podehaver W" assim como além do Wem e do =al pode haver n'oPWem e n'oP=al. o invés daregra do terceiro e)clu1do" o chin/s d% pre(er/ncia à #ualidade ,relacional- das coisas. Kmasentença #ue e)empli(ica $em essa #ualidade relacional pode ser esta3 Xu Vu hsiang sheng"nan i hsiang chZeng" chZang tuan hsiang chiao" chZien hou hsiang sui 9alguma coisa e nageramPse um ao outro; o di(1cil e o (%cil s'o reciprocamente complementares; o longo e ocurto s'o mutuamente relativos; a (rente e as costas se acompanham mutuamente.:. nt'o ochin/s interessaPse pelas interPrelações entre os di(erentes signos" sem se preocupar com asu$stância #ue lhes (ica ad*acente.

    sposa9 : M mulher9: #ue tem marido 9 :

    O livro das mutações e)i$e a seguinte a(irmaç'o3 ,O principio negativo e o positivoconstituem o #ue se chamatao ou 2atureza-. O Xin 9princ1pio negativo: e o Xang9princ1pio positivo:" dependem um do outro para completarPse. 8odemos perce$er ent'o nalinguagem chinesa uma l0gica de correlaç'o" valendo se dos ant nimos para completar umaidéia de negaç'o. tente para alguns e)emplos de sentenças chinesas3 ,um grande ru1do" porém di(icilmente aud1vel-. ,O maior de todos os press%gios sem ser vis1vel-. , elocuç'omais (luente parece gague*ar-.

    Os chineses recorrem à analogia em lugar da in(er/ncia mostrando mais uma vez adi(erença entre sua l0gica e a l0gica ocidental. m alguns tipos de sentenças citadas em

    6êncio " podemos entender melhor como seria esse racioc1nio anal0gico3 ,Humanidadeassim como homem-. , $ondade da natureza humana 9é: como a tend/ncia da %gua a

    descer pela vertente-. ,6ida n'o signi(ica 2atureza" assim como $ranco signi(ica $rancoR $rancura de uma pena $ranca n'o signi(ica a $rancura da neve $rancaR a $rancura daneve n'o signi(ica a $rancura do *ade $rancoR... se assim é" ser% a natureza do c'osemelhante à do homemR-

    ?

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    linguagem do outro pode in(erir so$re a l0gica de pensamento de outra cultura sem estar in(luenciado por sua linguagem ha$itualR

    !enollosa se encantou com a escrita dos caracteres chineses" vendo neles a possi$ilidade para #ue uma poesia transcendesse a oralidade e se trans(ormasse numaespécie de pintura de poesia. ssim como ele" n'o posso dei)ar de ver a ,picturalidade- dealguns ideogramas" mas ao mesmo tempo n'o dei)o de concordar com os sin0logos #ueesses caracteres (ormam apenas um pe#ueno grupo dos mais de #uarenta mil caracteresusualmente utilizados. =esmo assim" !enollosa (az com #ue sua pai)'o nos contagie e nosincita a #uerer conhecer mais so$re os ideogramas.

    inda ho*e e)iste grande diverg/ncia so$re #uais seriam as verdadeiras implicaçõesda linguagem chinesa so$re a sua (orma de pensamento. 8enso eu #ue" sendo a natureza eseus conceitos sempre os mesmos em #ual#uer lugar" a maneira #ue uma certa cultura produza para represent%Plos P e a partir disso construir o seu conhecimento P é importan para nosso entendimento e re(le)'o" pois apresenta sem d vida uma gama de novas possi$ilidades dentro dos nossos conceitos enraizados por muito tempo" onde se acreditou#ue o tipo de pensamento ocidental era um tipo de pensamento universal. credito #uee)istam in(initas possi$ilidades de in(erir os conceitos" e os caminhos para deduziPlos echegar a uma soluç'o podem ser diversos. Considero muito importante conhecer asmaneiras #ue outras culturas trilham para chegar aos mesmos conceitos pois" apesar de #ueos caminhos possam ser di(erentes" a 2atureza e suas ações s'o nicas. =as dei)a de ser importante conhecer essas di(erenças se elas s0 servirem como critério de comparaç'o" de#ue uma se*a melhor do #ue a outra" n'o e)istindo nesse sentido algum tipo de linguagemou cultura #ue se*a melhor do #ue outra para #ue se construa o conhecimento. O importanteé chegar l%.

    Refer ncia .iblio r/fica

    C =8OS" Haroldo . oesia, 7inguagem . S'o 8aulo3 dusp" GEEE.

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