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7/31/2019 (2) Margaret Moore - A Substituta http://slidepdf.com/reader/full/2-margaret-moore-a-substituta 1/173  A Substituta — Margaret Moore TÍTULO ORIGINAL: The Overlord's Bride Clássicos Históricos nº 213  ANO: 2001 SINOPSE: FORA UM ASSASSINATO HEDIONDO…  A primeira esposa de lorde Kirkheathe morrera e havia rumores que o comprometiam. Mas ele queria herdeiros, e apenas por isso aceitara casar-se com Elizabeth Perronet. Aquele homem severo realmente não era um selvagem, mas por que teria a reputação de ser tão indomável e rude? Traição, teu nome é mulher! Pelo menos era assim que pensava Raymond D'Estienne, graças à decepção que tivera no primeiro casamento. Como poderia, então, lidar com a admirável Elizabeth, que acabara de sair do convento e que estava determinada a mudar-lhe a vida de uma maneira que ele jamais ousara sonhar? 

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 A Substituta — Margaret Moore

TÍTULO ORIGINAL: The Overlord's BrideClássicos Históricos nº 213 ANO: 2001

SINOPSE:FORA UM ASSASSINATO HEDIONDO…

 A primeira esposa de lorde Kirkheathe morrera e havia rumores que o comprometiam. Mas elequeria herdeiros, e apenas por isso aceitara casar-se com Elizabeth Perronet. Aquele homemsevero realmente não era um selvagem, mas por que teria a reputação de ser tão indomável erude? 

Traição, teu nome é mulher! Pelo menos era assim que pensava Raymond D'Estienne, graças àdecepção que tivera no primeiro casamento. Como poderia, então, lidar com a admirável Elizabeth, que acabara de sair do convento e que estava determinada a mudar-lhe a vida de umamaneira que ele jamais ousara sonhar? 

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Warrior Serie

1. A Warrior's Heart (1992)2. A Warrior's Quest (1993)

3. A Warrior's Way (1994)

4. The Welshman's Way (1995)5. The Norman's Heart (1996)

6. The Baron's Quest (1996)

7. A Warrior's Bride (1998)

8. A Warrior's Honor (1998)9. A Warrior's Passion (1998)

10. The Welshman's Bride (1999)

11. A Warrior's Kiss (2000)12. The Overlord's Bride (2001)

13. A Warrior's Lady (2002)

14. In the King's Service (2003)

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Capítulo 1

— Pare de fazer gracejos como se fosse uma simplória! — advertiu lordePerronet, o nariz adunco voltado, com arrogância, em direção à sobrinha,esperando que ela colocasse o cavalo junto ao seu.

Elizabeth deixou de olhar para o castelo que se erguia à sua frente. Aestrutura maciça erguia-se por entre a bruma como se fosse uma enorme fera

à espreita da presa.— Considerando-se todas as coisas inesperadas que me aconteceram nosúltimos três dias, não seria de se esperar que meus miolos estivessem umtanto desarranjados? — a moça resmungou, provocando mais um olhar deaborrecimento no tio.

— Havia tamanho desprazer no modo com que a tratava desde que forabuscá-la no convento, que seria impossível disfarçar seu mau humor.

— Você continua a mesma!— comentou sardônico. — Pensei que aspiedosas irmãs já a tivessem domado…

— Bem, meu tio, tudo que posso dizer é que elas tentaram bastante.Lorde Perronet resmungou seu descontentamento num grunhido sem

significado. Olhou-a de cima a baixo, com atenção.Elizabeth sabia que ele não deveria estar gostando do que via. Se

estivesse, ela não teria sido enviada para aquela morte em vida em meio àsfreiras, treze anos antes. Teria ficado com lady Katherine DuMonde paraterminar seus estudos, sua preparação para o casamento e seus deveres comocastelã. Teria, também, se casado e tido filhos.

— Deve esforçar-se por comportar-se decentemente, como uma moça dealta linhagem — ordenou seu tio.

— Imagino que gostaria de me ver mais parecida com minha primaGenevieve…— Aquela rameira?! Não, certamente que não!Elizabeth mantinha um sorriso de satisfação nos lábios. A bela Genevieve

era quem deveria estar fazendo aquela jornada ao Castelo Donhallow naqueledia.

No entanto, tinha comprometido sua honra com um nobre galês-normando e se casara com ele, deixando o tio num terrível dilema, pois ele jáse tinha comprometido numa aliança de casamento com o poderoso lordeKirkheathe.

Sem se deixar abater, porém, lorde Perronet fora até o Convento doSantíssimo Sacramento e dera a Elizabeth a opção de ficar lá até o fim de seusdias ou sair e tomar, o lugar da prima.

Nunca houvera, para ela, escolha mais simples a fazer. A oportunidade deter liberdade, fosse nas bases que fosse, pareceu-lhe infinitamente melhor doque a escravidão em que vivia entre as freiras.

— O senhor não medisse quase nada sobre lorde Kirkheathe, meu tio —

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comentou, enquanto prosseguiam na viagem até Donhallow. Agora já lhe erapossível avistar uma pequena vila à base das muralhas e parecia-lhe poderperceber algumas pessoas agitando-se ao redor de uma fogueira.

— Não há nada a saber — seu tio respondeu seco. — Kirkheathe é rico,respeitado, tem amigos na corte e devemos rogar aos céus que ele aceite vocêem lugar da desvairada de sua prima.

— E, se, ao me ver, ele decidir não aceitar?

Os olhos negros do lorde voltaram-se para ela mais uma vez.— Digamos que será melhor que ele aceite — disse, duro. — Um homem

precisa ter o máximo de amigos na corte que conseguir arranjar.Elizabeth pensou por instantes, antes de indagar:— O senhor não confia nos amigos que já tem lá?O rosto de lorde Perronet tornou-se intensamente vermelho.— Eu não disse isso! — protestou.— Então, porque procurar ter uma aliança de família com lorde

Kirkheathe? As terras dele ficam tão distantes das suas!— E desde quando uma mulher que passou os últimos treze anos num

convento sabe alguma coisa sobre política ou alianças?— Acha, meu tio, que não há política num convento? Nenhuma aliança a

se fazer ou a se partir? Nenhum segredo a ser guardado? Nenhum poder? PorNossa Senhora, senhor, acredite que não sou a simplória que imaginou aprincípio!

— Bobagem! O que importa agora é, que lorde Kirkheathe a aceite, paraque tudo esteja bem, tanto para você mesma quanto para mim.

— Já que tenho de me ater a assuntos exclusivamente femininos, tio,diga-me ao menos como ele é?

— E o que mais quer saber, além do que já contei?— Ele é bonito?Lorde Perronet riu com desdém.— Você não está em posição de preocupar-se com a aparência do homem

— Observou-o.— É que, como não sou bonita, ocorreu-me que… também não sendo, ele

poderia não se importar muito com minha aparência…Mais uma vez os olhos negros, voltaram-se para Elizabeth, percorrendo-a,

de cima a baixo.— Na verdade, você se parece mais com Genevieve do que acho

conveniente — comentou ele, em tom soturno.Elizabeth surpreendeu-se com tais palavras. Era impossível parecer-se

com a prima, que tinha um rosto perfeito e cabelos, maravilhosos. Não a viadesde que deixara a companhia de lady Katherine, mas, mesmo assim,imaginava que Genevieve não tivesse mudado tanto.

— Genevieve esteve doente? — perguntou, querendo justificar seuspensamentos.

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— Não. Você que melhorou.Ela o olhou, incrédula, mais uma vez, lembrava-se muito bem dos

comentários e críticas que sempre recebera no convento, em especial dareverenda madre! Sabia que não era bonita. Por que seu tio estava, então,sugerindo que fosse?

— Ele não sabe, não é? — indagou em voz baixa.— Quem não sabe o quê? — lorde Perronet perguntou, num muxoxo

aborrecido.— Lorde Kirkheathe não sabe que aconteceu a Genevieve, não é?— Eu nunca disse isso.Apesar da negativa, Elizabeth insistiu:— Quando pretende contar a ele quem sou de verdade? Antes ou depois

do casamento?Dessa vez, seu tio preferiu não responder.— Se ele é um homem esperto não devia tentar ludibriá-lo — ela

prosseguiu — decidida a deixar claro seu, ponto de vista — Se ele tem amigosna corte, vai saber sobre Genevieve em breve e isso não seria nada bom para osenhor, meu tio. Além do mais, não permitirei tal coisa. Não pretendo me casarsob falsos conceitos.

— Prefere voltar ao convento?— Não. — Elizabeth lembrava-se muito bem do que passou lá: um inferno

de fome, castigos e frio que queria apagar da memória. — Mas não querocomeçar a vida com uma mentira — insistiu — Nada fiz de errado e nem osenhor. Com certeza, ele verá que o senhor está tentando manter sua palavrado acordo. Ou ele teria preferência por Genevieve. Não acredito, pois se ele ativesse conhecido, o senhor não estaria agora tentando enganá-lo…

— Tudo o que lorde Kirkheathe quer é que sua noiva seja virgem.— Bem, quanto a isso estou mais do que apta. Nem mesmo falei com umhomem desde que entrei naquele convento. Portanto, meu tio, não vejo razãopara mentiras. Além do mais, Genevieve também não se casou com um homeminfluente, apesar de galês?

— É ima família galesa com sangue normando — lorde Perronet explicou.— Eu não pretendia fazê-la passar por sua prima. O fato é que… Bem não vejomotivo para contar a lorde Kirkheathe a verdade. Afinal, uma mulher Perronet éuma mulher Perronet.

— Mas não sou Genevieve. Para começar sou mais velha do que ela.

— Confie em mim, Elizabeth. — Mais uma vez, as palavras de seu tioeram frias e não muito, claras.

A dúvida, porém, permanecia na mente de Elizabeth. E se lordeKirkheathe não a quisesse? E se a mandasse embora?

— Eu não falaria com ele como você fala comigo. — disse lorde Perronet,minutos depois, após ter pensado muito. — Posso garantir que um homem coma reputação que ele tem, não iria gostar disso.

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— Prometo ser uma noiva humilde e dedicada meu tio. — Estavadeterminada a fazer qualquer coisa para não voltar ao convento. — A reverendamadre fez o que pôde para tornar-me a mais humilde das servas de Deus.

— Mas não acho que ela tenha tido muito sucesso em tal empreitada.— Ela me ensinou a parecer humilde e dedicada quando necessário —

Elizabeth esclareceu.— Entendo. Bem, eu gostaria que você agisse assim comigo, então!

Ela sorriu, sincera.— Tenho sido autêntica com o senhor meu tio. Isso não é ainda melhor?— Não.A resposta irritada a feria, mas ela aprendera também a mascarar seus

sentimentos naquele convento. Deixou que alguns minutos se passassem paraperguntar:

— Que idade tem lorde Kirkheathe?— Não interessa.— Mas, se ele não é jovem talvez, interesse ao senhor saber que poderei

ser sua viúva um dia, Uma viúva muito rica, dona de uma fortuna imensa…Elizabeth acertara no argumento.— Acho que ele deve estar com trinta e poucos anos — o tio respondeu,

com expressão calculista. — Mas acredito que você possa ter um filho queherde sua fortuna antes que ele morra.

— Espero ter muitos filhos e filhas, meu tio. Ele já tem outros filhos?— Não.— Mas já foi casado antes?Lorde Perronet pigarreou, aborrecido.— Chega de perguntas! — determinou voltando os olhos para o céu

cinzento. — Acho que vai chover e é melhor nos apressarmos! — Chamou,então, o líder de seus homens, que seguia à frente do comboio, e logo estavamtrotando em direção ao Castelo Donhallow.

Raymond D'Estienne, lorde Kirkheathe, acariciava a cabeça de seu cãofavorito, sentado na enorme cadeira do hall, como um rei em seu trono. Ao seuredor, os criados esperavam, também, ansiosos e tensos, olhando, de vez emquando para seu senhor, ou um para o outro, ou, ainda, para a porta que davapara a cozinha. Nenhum ousava falar, com medo de receber o olhar severo delorde Kirkheathe.

Ninguém ali queria ser notado por ele. Lá fora, a chuva caía, forte,batendo contra as muralhas de pedra do castelo, intensa o suficiente para serouvida sobre o crepitar das chamas na enorme lareira.

A festa de casamento estava atrasada. Perronet e sua sobrinha, noiva delorde Kirkheathe, deveriam ter chegado há horas. Raymond impacientava-se.Imaginava o que poderia tê-los detido. Vinha recebendo mensageiros de Perro-net há dias, sempre desculpando-se pelo atraso.

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Se o homem e sua sobrinha não chegassem naquele dia, seria o fim. Nãoera um peixe para ser mantido num anzol assim. Precisava, isso sim, dodinheiro que o dote da moça garantia, mas poderia encontrar outra noiva agoraque decidira casar-se novamente. Quanto aos dotes pessoais da mulher emquestão, esses eram muito menos importantes do que o dinheiro que aacompanharia.

Nos últimos dias, Raymond vinha tentando manter seu castelo apenas

com a renda de suas propriedades, mas Donhallow era uma construção muitoantiga e precisava de reparos. Preferia casar-se a ver seu lar ruir a seu redor.

Precisava também de uma aliança através desse matrimônio, com receiode que seu inimigo obtivesse maior apoio do que ele próprio na corte e também

 junto ao visconde de Chesney, senhor de toda a região. Perronet e seus amigospodiam fornecer tal apoio.

Um grito soou, vindo de fora do castelo, e todos os criados voltaram-separa seu amo, mas ele não se moveu. Já que o tinham mantido à espera,ficaria aguardando ali. Não sairia na chuva para dar as boas-vindas aos recém-chegados.

As portas da enorme sala se abriram e, Barden, comandante da guarda,marchou para dentro da sala enorme, parando diante de seu senhor. Inúmerasgotas caíam de sua armadura e capacete.

— Lorde Perronet e sua comitiva chegaram, senhor! — Anunciou, em suapostura ao mesmo tempo severa e humilde.

Raymond, ainda assim, não se moveu. Queria que entendessem queestava aborrecido. Muito aborrecido.

Barden, que começava a sua carreira militar ali, conhecia seu amo osuficiente para saber que não haveria nenhum comentário por parte de lorde

Kirkheathe. E, com sua eficiência de militar, baixou a cabeça brevemente e,girando nos calcanhares, saiu.Minutos depois, as portas se abriram novamente e a figura familiar de

lorde Perronet surgiu, apressada. Atrás dele, também muito molhada, vinhauma mulher. A noiva, com certeza.

Raymond continuava olhando, sem expressão, enquanto o recém-chegadose aproximava, inclinando-se de leve, os olhos negros presos ao cão, Cadmus.

— Queira perdoar-nos a demora, senhor, mas, o tempo tem estadoterrível, além de termos tido problemas com um dos nossos cavalos — Perronetdesculpou-se. — Mal posso expressar minha alegria por termos chegado em

segurança.Raymond apenas inclinou a cabeça em resposta.— Permita-me apresentar minha sobrinha, senhor — Perronet prosseguiu,

aliviado. Voltou-se, então, e indicou a moça que o acompanhava.Elizabeth deu alguns passos à frente, puxando o gorro que lhe cobria a

cabeça e que também estava ensopado. Perronet dissera que sua sobrinha erade uma beleza estonteante, o que fizera Raymond ter suas dúvidas. Imaginara

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ser um exagero, ou, até, uma mentira, que criara para aumentar o valor danoiva. Mas, para sua surpresa, o homem dissera a verdade.

O rosto suave estava emoldurado por uma espécie de touca, mas issoparecia servir apenas para valorizar ainda mais seus traços suaves. Os olhos,grandes e castanhos, eram emoldurados por cílios espessos e curvos, ebrilhavam. O nariz, pequeno, era perfeito, muito diferente do de seu tio, e seurosto parecia ser suave coma a pele deu um pêssego. Quanto aos lábios,

rosados e carnudos, pareciam convidar a um beijo…Uma sensação já muito esquecida atingiu Raymond enquanto a

observava. Algo forte, um desejo diferente, intenso, estranho… O sanguepareceu circular mais depressa em suas veias, lembrando-o da solidão absolutaem que estava vivendo.

Procurou afastar tais sensações, impondo-se a necessidade de não senti-las. Uma vez, no passado, deixara-se levar por sensações bem parecidas e

 jurara nunca mais tê-las. A moça parara de andar junto ao tio.— Sou Elizabeth Perronet — anunciou, em voz suave.Raymond franziu o cenho de imediato. A mulher que estivera esperando

devia chamar-se Genevieve Perronet…— Senhor — interferiu o tio da noiva, logo após lançar um olhar severo à

moça — está é minha outra sobrinha. Sinto dizê-lo, mas… Genevieve provounão ser digna de Vossa Senhoria e da honra de ser sua esposa. Elizabeth, en-tretanto, é uma excelente donzela, e, é claro, o dote permanecerá o mesmo.

Fosse o que fosse que estava acontecendo, Raymond concluiu, nãoprecisavam de uma audiência. Podiam discutir o assunto com maiorprivacidade. Fez um gesto para que Cadmus permanecesse onde estava e olhoupara lorde Perronet com insistência, seguindo, depois, para a torre que levava a

seu solar.— Espere aqui — Perronet recomendou a Elizabeth. — Vou resolver esteassunto.

— Não, meu tio — ela rebateu, fazendo-o arregalar os olhos diante tantaaudácia. — Este assunto me diz respeito, então, devo fazer parte da conversa.Não sou uma peça de mobília, ou um pedaço de terra.

— Elizabeth… — ele repreendeu, em voz baixa.Raymond, parado a alguns, passos de distância ergueu as sobrancelhas.

Lorde Perronet, percebendo-lhe a impaciência, apressou-se em segui-lo, tendoa sobrinha aos calcanhares.

Uma mulher ousada, pensava Raymond enquanto caminhava. Isso seriabom ou mau? Alicia não foi ousada, pelo menos, não até a última noite de suavida…

— Ele é mudo? — Elizabeth perguntou ao tio.Os lábios de Raymond esboçaram um sorriso.Ao chegarem porta do solar, parou, deu passagem a lorde Perronet e,

quando Elizabeth ia passar, respondeu no tom áspero e baixo que restara de

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sua, um dia, bela voz:— Não. Não sou mudo.

Capítulo 2

Elizabeth jamais ouvira algo tão suavemente rouco quanto a voz de lordeKirkheathe. E a sensação que a tomou, foi estranha, como se estivesse diante

de algo íntimo e, ainda assim, assustador. Como se ele fosse parte homem,parte fera… E imaginou que a voz de um homem poderia ser assim emmomentos de pura paixão, murmurando coisas em seu ouvido…

Corou com tal pensamento, sentindo-se mais aquecida do que o normal,presa de excitação e vergonha. Sabia que precisava manter-se sob controlediante da situação que iria enfrentar.

Quando já estavam no meio da sala para a qual tinham seguido, elaarriscou um olhar para cima, notando a cicatriz que ele trazia ao pescoço, umalinha fina e macerada de carne avermelhada. Isso talvez explicasse o problemacom sua voz, imaginou. Devia ter se ferido ali, embora fosse uma cicatriz umtanto estranha, como se ele tivesse sido pendurado pelo pescoço com uma tirafina de couro.

Mas ela não ousava encará-lo. Talvez estivesse aborrecido por não estardiante da noiva que lhe fora prometida… Talvez, não a aceitasse, uma pobresubstituta que era, e a enviasse de volta ao convento.

Havia uma única tocha, presa à parede, iluminando o ambiente.Entretanto, a luz que produzia não era suficiente para mostrar os cantos dasala. Ao centro, havia uma enorme mesa de cedro, pesada como a cadeirasolitária, que ficava a sua cabeceira.

Tentando não estremecer, Elizabeth aguardava, ao lado do tio, numaatitude humilde, os olhos baixos. Talvez fosse necessário pedir a intervençãodivina para que aquele homem intimidante a aceitasse.

Rezava, em silêncio, para que ele não a enviasse de volta a companhiadas freiras. Prometia ser a esposa perfeita, humilde e mansa. Só não queriatornar a ver a reverenda madre, a qual, com certeza, a levaria a morte atravésde seus castigos brutais.

Lorde Perronet parecia inquieto. Estava mais tenso do que receoso,porém. Elizabeth percebera o quanto se zangara ao olhá-la, há pouco, no hall.

No entanto, bastara-lhe olhar para lorde Kirkheathe para saber que não

deveria mentir a ele. Muito menos sobre sua identidade. Ele dava passos largose lentos ao redor da mesa, agora, colocando-se do outro lado dela. Sentou-sena cadeira de espaldar alto e encarou-os.

— Senhor — começou lorde Perronet, em tom de penitência. — Deveentender a situação em que eu me encontrava. Genevieve nos desgraçou,embora tivéssemos tão amigavelmente acordado em reunir nossas famílias.Imaginei o que poderia fazer, como agir para manter minha palavra… Então me

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lembrei de Elizabeth. Posso garantir-lhe, meu senhor, que ela é virgem. Estevetreze anos num convento e, nesse tempo, jamais viu ou falou com homemalgum.

— Jamais? — indagou lorde Kirkheathe na voz baixa e rouca.— Jamais, senhor — Elizabeth confirmou. — Meu tio foi o primeiro homem

que vi nos últimos treze anos.Ela ergueu o olhar para encontrar o dele, firme, perspicaz. A luz difusa da

tocha tornava seu rosto uma máscara de bronze, os contornos de seus traçosmais definidos e demarcados num jogo de luz e sombra.

O que estaria pensando? Indagou-se. Estaria notando sinais das privaçõespelas quais ela passara no convento? Estaria avaliando se valeria ou não a penaaceitá-la?

Pelo que podia dizer, Elizabeth concluía que aquele rosto devia ter sidofeito de pura rocha… Mas, de repente, seus lábios se moveram de leve. Umsorriso? Ou teria sido uma ilusão provocada pelo movimento das chamas datocha?

— Sei que Elizabeth, não foi sua prometida, meu senhor — lorde Perronetinterferiu, querendo aliviar a tensão que sentia no ar. — Mas ela também éminha sobrinha e os termos do acordo de casamento não deverão seralterados.

— Mas deveriam — Elizabeth falou mais uma vez. Não fazia a menor idéiade quais eram os tais termos, mas não permitiria que a ambição de seu tio lhetirasse a única chance de liberdade que tinha. — Não sou a noiva que foiprometida a ele e isso deve ser levado em conta.

— Elizabeth, mantenha-se em seu lugar! — lorde Perronet avisou,alterado.

— Mas, meu tio, parece se esquecer de que não sou Genevieve. E lordeKirkheathe não está recebendo a noiva que lhe foi prometida! Acredito que odote deva ser aumentado, ou que deva haver algum outro tipo decompensação…

— Pelo amor de Deus, você ainda não é esposa dele para estarintercedendo a seu favor dessa forma!

— Meu tio, não é justo…— Justo?! -lorde Perronet gritou, voltando-se para encará-la e tentar de

alguma forma, fazê-la calar-se. — Justo seria aquela infeliz de sua prima terpermanecido virgem e não pular na cama do primeiro cavalheiro simpático que

encontrou! Justo seria você saber exatamente onde é seu lugar e recolher-se à insignificância dele! Justo seria…

— Saia, lorde Perronet — cortou a voz singular de lorde Kirkheath.— Perdoe-me pela perda de controle senhor… — começou lorde Perronet,

em tom mais baixo. — É que estivemos numa longa e difícil jornada até aquie… acabei me excedendo…

— Saia — ele repetiu.

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— Talvez Elizabeth esteja com a razão.. . Talvez uma alteração nodote…

Raymond levantou-se devagar e lorde Perronet com uma reverência,retirou-se.

Confusa e receosa, Elizabeth observou que lorde Kirkheathe voltava, asentar-se. Seria esse um bom ou mau sinal?, pensou. Esperou por algunsinstantes mais como ele nada dissesse, decidiu quebrar o silêncio:

— Perdoe minha impertinência por falar em lugar de meu tio, senhor —pediu num tom que julgou ser apropriadamente humilde. Surpreendia-se coma facilidade com que conseguia mostrar-se submissa agora, muito mais do quequando estava diante da reverenda madre. Prosseguiu, então, em voz baixa: —Entretanto, acho que seja justo ajustarmos o dote.

— Por quê?— Porque não sou Genevieve.— Por quê? — ele repetiu.— Por que não sou Genevieve?Raymond negou de leve com a cabeça e esclareceu:— Por que seria justo?— Porque não sou a noiva que o senhor estava esperando quando fez o

acordo. Não sou igual á ela.— Não?Agora, ela tinha certeza de que havia a sombra de um sorriso nos lábios

de lorde Kirkheathe. Estaria rindo dela? Teria percebido que estavadesesperada e teria achado graça nisso?

— Também quero saber por que quer se casar comigo? — observou ele.Elizabeth engoliu em seco diante de tal indagação, ela precisava encontra

uma resposta plausível. Seu futuro poderia depender do que dissesse agora.— Meu tio fez um acordo com o senhor… E se Genevieve não podecumprir sua parte nele, eu devo fazê-lo.

Raymond ergueu as sobrancelhas, mas nada disse, dando-lhe ensejo paracontinuar:

— Meu tio teme o quê possa acontecer se ele não cumprir o acordo.As sobrancelhas de Raymond ergueram-se ainda mais.— Quero me casar, senhor!Desta vez, ele baixou as sobrancelhas numa expressão sisuda.— Senhor, se não se casar comigo, ele vai me mandar de volta ao

convento e não quero voltar para lá! É uma vida miserável a que se vive ládentro! — Elizabeth aproximou-se da mesa, as mãos em súplica. — Se aceitarcasar-se comigo, meu senhor, prometo ser uma boa esposa. Não reclamarei denada e não pedirei nada! Apenas… — Ela se interrompeu, sabendo que nãodeveria prosseguir.

Mas Raymond indagou, curioso.— Apenas…

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— Apenas filhos. É um desejo que sempre tive, o de ser mãe.Outro sorriso, tão suave quanto o primeiro, curvou de leve os lábios dele.

O que Elizabeth não daria para saber o que ele estava pensando!— Sei que minha aparência não é das melhores — ela prosseguiu, ainda

mais humilde. — Portanto, se desejar ter uma amante, não o culparei por isso.As sobrancelhas se ergueram mais uma vez, enquanto Elizabeth corava

diante de seu olhar perscrutador.

— Eu me manterei atenta a meus serviços de casa e jamais irei interferirna administração de seus bens.

Raymond continuava erguendo as sobrancelhas e Elizabeth buscava, nofundo da mente, as outras observações que ainda se lembrava de ter ouvido daboca de lady Katherine sobre os deveres de uma boa esposa e mãe a fim deviver uma vida familiar senão feliz, pelo menos, sem conflitos.

— Serei uma boa anfitriã para seus amigos e para sua família, procurandodeixar nosso lar confortável para todos eles, para o senhor, e para qualquerconvidado que traga para cá.

A expressão no rosto dele se alterava um mínimo, deixando-a ainda maisconfusa quanto ao que deveria dizer. Talvez ele não quisesse que fosse tãohospitaleira…

— Vá buscar seu tio — ouviu, num sobressalto.O que significavam aquelas palavras? Pensou desesperada. Não eram uma

aceitação e nem uma dispensa. Apenas uma ordem.Sabia que não havia motivos para hesitar, ou continuar falando. Ele era

um guerreiro, um comandante. Já tinha tomado sua decisão e nada havia queela pudesse fazer para modificá-la!

Nisso, ele agia como a reverenda madre, a qual decidira, assim que

pusera os olhos em Elizabeth pela primeira vez, que ela era um grandeproblema em formato de gente, e nunca mudara de opinião, apesar de todos osesforços de Elizabeth para convencê-la do contrário.

Sem maiores esperanças, ainda assim, ela não queria dar-se por vencida.Precisava tentar ainda.

— Por favor, meu senhor — implorou. — Aceite-me. E, à não ser que sejaum homem muito mau, serei a esposa mais devotada e fiel que um homempoderia ter.

Raymond a encarou-a por alguns segundos e perguntou:— Como sabe se sou ou não um homem mau?

— Não sei: Mas não acho que seja, pois, mesmo no convento, teríamosouvido falar do senhor, se fosse mau. Os atos ruins de um homem correm maisrápido do que os bons…

— Nunca ouviu falar de mim?— Não, até que meu tio foi ao convento.Elizabeth pensou tê-lo ouvido suspirar.— Vá buscá-lo — Raymond repetiu a ordem.

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— Senhor, por favor, não me mande de volta! Eu preferiria morrer!— Ou casar-se comigo!— Sim! — assim que falou, ela se amaldiçoou por ter dito tal palavra. Que

chances teria agora?!Viu-o apontar para a porta, imponente, e percebeu que não havia mais

esperança.Baixou a cabeça, mas ergueu-a em seguida, e, com o resto de dignidade

que ainda sentia foi até aporta e abriu-a, vendo que seu tio aguardava,impaciente, do lado de fora.

— Ele quer vê-lo, tio — disse apenas.Os olhos de lorde Perronet se arregalaram, como numa pergunta muda,

mas Elizabeth não lhe fez nenhum sinal, bom ou ruim. Olhou para trás, porsobre o ombro esquerdo, para o homem que não conhecia e que, sabia agora,

 jamais conheceria.— Vou esperar aqui fora — disse, dando um passo no limiar da porta, mas

a voz rouca de Raymond ordenou:— Fique!Ele queria que aguardasse para ouvir sua recusa pessoalmente, Elizabeth

imaginou, entristecida. Sentia-se inferior a um verme… Mas voltou-se,retomando à sala. Ergueu o rosto, olhando-o de frente, quase desafiadora.

— Senhor? — apressou-se lorde Perronet, colocando-se diante da cadeiraem que Raymond ainda permanecia.

— Vou me casar com ela.Ele acabava de dizer que a aceitava! Elizabeth agradecia aos céus, sem

ainda poder acreditar de todo. Não teria mais que voltar ao convento! Baixou acabeça, permanecendo ali, parada, estática.

Muitas vezes já desmaiara na vida, mas sempre por falta de alimento oudevido às longas e cansativas vigílias durante as quais as freiras a obrigavam acontemplar a natureza terrível de seus pecados. Nunca antes sentira-se tontadevido ao alívio. Agora, porém, isso estava acontecendo!

De repente, dois braços fortes a ampararam, levando-a até um banco quenão tinha notado ainda, por estar envolto nas sombras. Não vira um homemdurante treze anos e, por muito mais tempo ainda, não sentira o toque de um.E nenhum homem a segurara daquela forma, nem mesmo para ajudá-la.

Crispou os dedos nos antebraços que a prendiam ainda, sentindo osmúsculos que se contraíam por baixo do tecido escuro de lã. Sentiu a

respiração se acelerar involuntariamente ao sentir-lhe o cheiro, tão masculino,tão diferente do das mulheres, ou de seu tio, que sempre tivera um estranhogosto por perfumes orientais.

Queria poder inclinar a cabeça sobre o peito largo que estava tão próximo,sentir-se ainda mais protegida, mas não ousou fazê-lo.

— Vinho? — Raymond ofereceu enquanto a ajudava a sentar-se.— Não… sim…

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— Entao, senhor, por que não nos casamos hoje?— Elizabeth, cale a boca! Ouviu o que lorde Kirkheathe disse! —

admoestou seu tio. — Ele marcou a data, para amanhã e você não…Raymond ergueu a mão esquerda, silenciando-o com a força do gesto. Por

alguns momentos, Perronet olhou para aquela mão, sem saber o que fazer, atéque Raymond num gesto impaciente mostou-lhe que queria ver o documento.

— Vamos nos casar hoje — arrematou Raymond.

Elizabeth respirou fundo, satisfeita. Viu quando lorde Kirkheathe ergueuos olhos de sobre o documento e seus olhares se encontraram por instantes.

Sabia que ele a queria, viu isso naqueles olhos escuros e misteriosos. Portudo o que ela dissera ou haveria algo mais? indagou-se.

Não tinha certeza. Ainda assim, sabia que, se ele não quisesse, nãohaveria poder na terra que o tivesse feito aceitá-la como esposa. E Elizabethestava certa de que queria sentir-se nos braços dele novamente, poderdescansar a cabeça em seu peito, sentir seu toque. Queria dar-lhe filhos.

Ele voltou a ler o documento e Elizabeth deixou que seus olhospasseassem sobre sua figura; como se fosse uma pintura a ser admirada noteto da capela do convento…

Ele se levantou, então e, indo até um armário próximo, trouxe de lá umapena e um pequeno frasco de louça. Então, enquanto lorde Perronet mordia olábio inferior, ansioso, assinou seu nome. Depois, com calma e deliberação,Raymond leu a seguinte folha do documento e, com a mesma classe, assinou-atambém. Depois tornou a olhar para Elizabeth, então chamou-a:

— Venha — E estendeu-lhe a mão direita.Trêmula e grata, ela aceitou a mão que lhe era oferecida e permitiu que

ele a acompanhasse para fora da sala. Conforme caminhava, prestava atenção

ao que não notara antes: a torre por onde passavam era feita de pedrasenormes, bem como o resto do castelo, muito sólido e cinzento. Um corrimãotinha sido cravado na rocha e os degraus estavam gastos. Donhallow era muitoantigo, em especial aquela parte por onde andavam agora.

De repente, a vontade de espirrar tomou-a , fazendo-a cobrir boca e narizcom a mão.

— Lã molhada sempre me faz espirrar — explicou depois, como numadesculpa.

Raymond parou de andar de imediato fazendo-a imitá-lo. Olhou-a de cimaabaixo, dizendo apenas:

— Espere aqui.E voltou para o solar, seguindo ainda mais adiante, para dentro da torre,

deixando-a nas escadas. Seu tio apareceu à porta do solar, viu-a ali, sozinha, eaproximou-se, admoestando-a:

— O quê, em nome dos céus, você fez agora?!— Espirrei.— Você… o quê?!

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— Espirrei. Por causa da lã molhada. E lorde Kirkheathe disse-me paraesperar aqui.

— Muito engraçado, minha sobrinha! — Mas ele não gostara em nada dabrincadeira. — Devia ter sido humilde e dedicada no solar e assim eu poderiater baixado o valor do dote…

— Ou pago mais… Diga-me, meu tio, barganhou com ele também quantoa Genevieve?

Não houve resposta, e seu tio não a olhava, e Elizabeth prosseguiu:— Não o fez, tenho certeza. Ele ditou os termos e o senhor aceitou porque

sabe que lorde Kirkheathe não ê homem que aceite barganhas. Então, por queachou, que poderia barganhar agora? Poderia ter estragado tudo…

— Ou ter conseguido termos melhores para o acordo.— Melhores para o senhor…Agora, ele a encarava.— E você é assim tão esperta em assuntos masculinos? Conhece-os

apenas em olhar para eles, não? — Havia ironia em suas palavras.— Conheço o suficiente para saber quando devo ficar calada.— Você, calada?! — Ele zombou — O que foi todo aquele falatório no

solar, então? Pelas chagas de Nosso, Senhor, mocinha, você devia ter ficadocalada, como qualquer mulher faria!

— Se tivesse me calado, podia estar saindo deste castelo agora mesmo,ao invés de estar prestes a me casar; O que eu quis dizer meu tio, é que seiquando falar e quando devo calar.

— Espero que sim, ou as coisas poderão ficar bem piores para você,mesmo que ele pareça querê-la agora.

Elizabeth não entendeu o que aquelas palavras continham.

— O que quer dizer com isso? — perguntou, desconfiada.— Ele pode não te feito objeções a sua audácia hoje, mas poderá fazê-loassim que se tornar sua esposa. Deve lembrar-se disso, Elizabeth. LordeKirkheathe não é um homem de bom coração, e há coisas que não sabe a seurespeito.

— Que coisas?

Capítulo 3

A expressão de lorde Perronet manteve-se fechada.— Nada que evite o casamento — respondeu, seco.— Porque quer continuar aliado dele, eu presumo…Elizabeth não acreditava ter se enganado quanto lorde Kirkheathe. No

entanto, talvez estivesse tão determinada a não voltar ao convento, que tinhavisto nele o que queria ver e não a realidade…

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— Meu tio, devo imaginar que, mesmo sendo ele a personificação do mal,o senhor não se importaria desde que as famílias estivessem unidas e não diriauma palavra sequer de aviso para a noiva a ser sacrificada por isso?!

— Não, não! — Perronet Protestou. — O que quero dizer é que você tem odom de aborrecer as pessoas, Elizabeth! E não deve aborrecê-lo! Não podenegar o fato de que ele não é exatamente, um homem, cordial… E eu não quisdizer nada além disso.

— Mas há, algo além — ela insistiu. — Posso ver isso em seu rosto.— Prefere voltar ao convento?Elizabeth pensou no convento e no sorriso de satisfação que haveria no

rosto da reverenda madre, se voltasse. Com certeza, não se enganara com ohomem que estava prestes a desposar, imaginou.

Até mesmo no convento contavam-se histórias sobre homens maus elorde Kirkheathe jamais fora mencionado lá… Além do mais, ele viera em seusocorro quando quase desfalecera. Se fosse cruel e egoísta, não o teria feito… Eteria discutido sobre a alteração no dote, pois era um direito seu fazer tal coisa.Na verdade, não parecia estar feliz, mas nem ela mesma parecia estar maisfeliz do que ele…

Elizabeth sabia também que não deveria julgar ninguém apenas pelasaparências. Aprendera tal lição de modo bastante amargo alguns meses depoisde sua chegada ao convento, quando contara à gentil e amável Gertrudes sobreseus planos para roubar algumas maçãs do refeitório da reverenda madre.

Gertrudes a incentivara e logo em seguida a denunciara apenas para cairnas graças da freira. Talvez, se tivesse prestado mais atenção ao rosto deGertrudes, a seu modo de ser, suas atitudes, não tivesse sido enganada…olhara com muita atenção para lorde Kirkheathe e agora era mais esperta do

que antes.— Não, meu tio, não desejo voltar ao convento — respondeu tranqüila.Ouviram passos na escada e logo em seguida lorde Kir kheathe apareceu,

trazendo algumas roupas nos braços.— Presente de casamento — disse, entregando as roupas a Elizabeth. —

Pedirei a uma criada que a leve até meu quarto para que mude de roupa.Senhor, venha comigo!

Antes que Elizabeth pudesse dizer alguma coisa, Raymond já continuava adescer as escadas. E, sem uma palavra, seu tio o seguia.

Ela passou as mãos pelo tecido das roupas, sentindo-o suave como uma

pétala de rosa. Uma senhora de meia-idade apareceu em seguida, apressada,informando:

— Devo levá-la aos aposentos de meu senhor.Elizabeth assentiu e seguiu-a além da entrada do solar. Quando chegaram

ao topo da torre, a serva abriu a pesada porta de carvalho, indicando o interior,para que entrassem.

O cômodo era frio: Havia uma única lamparina a óleo sobre uma mesa

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próxima à cama e o cheiro forte de couro impregnava o ar.— Vou acender o fogareiro — informou a mulher, aproximando-se para

pegar as roupas que Elizabeth ainda segurava. Colocou-as então, sobre aenorme cama, na qual uma colcha de pele sobressaía no aspecto geral doaposento. — Obrigada, senhora…

— Rual, senhora. Meu nome é Rual.Elizabeth hesitou por alguns momentos, mas sua curiosidade acabou

sendo mais forte:— Está no castelo há muito tempo Rual?— Vim, para cá há nove ou dez anos, minha senhora.— Lorde Kirkheathe é um bom patrão?A serva deu de ombros, enquanto procedia na atividade de acender as

brasas do fogareiro. Elizabeth arrependia-se de ter perguntado.Podia ainda lembrar-se de lady Katherine dizendo-lhe que a dona de um

castelo, jamais devia tornar-se íntima dos criados para que estes nãoperdessem o respeito. Apesar do conselho, ela ainda queria saber mais:

— Eu não gostaria de me casar com um homem cruel…— Ninguém gostaria — comentou Rual, tornando a colocar sobre a mesa a

lamparina que usava para ajudar a acender as brasas.Ao que parecia, os servos de lorde Kirkheathe eram tão reticentes quanto

ele próprio…— Vi a cicatriz ao redor do pescoço dele. Ele se feriu? Foi por isso que sua

voz ficou assim?Rual foi até a cama e pegou as roupas.— A garganta dele foi apertada — informou, em tom casual, sacudindo as

peças.

A revelação deixou Elizabeth pensativa. Ele tivera a garganta apertada, dealguma forma violenta e, ainda assim, não morrera. Mas parecia ser forte esaudável, o que devia explicar o fato.

— Quando isso aconteceu? — continuou, a perguntar.— Antes de eu vir para cá, senhora.— E como… — Mas ela se interrompeu quando a serva abriu outra das

peças, que se revelava um belíssimo vestido de veludo escuro bordado com fiosde ouro e prata no decote e nas mangas. Era o mais belo vestido que já vira navida.

— Ele tem um gosto excelente! — comentou:

A mulher não respondeu, ajeitando a roupa cuidadosamente sobre o leito.Estaria pensando que o gosto dele era fraco no que tocava a escolha da noivaou imaginava que Elizabeth estava a espera de um elogio? Não… Elizabethquase riu. O dia em que esperaria receber um elogio seria um dia de milagres…

— Acho que não devemos nos demorar, senhora — aconselhou a criadacom a sabedoria de quem conhecia o dono do castelo.

— Não, é claro que não. — E passou a despir-se, tirando primeiro a capa e

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depois a touca, que detestava.Passou a mão pelos cabelos, soltando-os, sentindo as raízes doloridas por

estarem presas há tanto tempo. Em seguida livrou-se do vestido simples, queaprendera a usar desde que chegara ao convento. Felizmente, suas roupas de

baixo ainda estavam secas.Apesar da pressa, aproximou-se do vestido com cuidado, de modo quase

solene, como se temesse tocá-lo. Afinal, era delicado e luxuoso demais para

ela…— Deixe-me ajudá-la,senhora — ofereceu Rua!. Elizabeth ficou parada,

erguendo os braços, e o vestido, colocado pela serva, caiu sobre seus ombroscom graça e suavidade.

— Está um pouco largo — Rua! comentou. — Mas vou apertar os laços evai ficar bom.

Maravilhada com a beleza do vestido, Elizabeth só conseguia passar asmãos com suavidade ao longo da cintura, e admirar a qualidade do que vestia.

— Como quer que eu prenda seus cabelos, senhora? Com tranças?O vestido estava agora ajustado, mas continuava um pouco largo na

cintura e Elizabeth imaginou que seus longos cabelos serviriam para encobrir opequeno franzido que ficara por trás dos laços.

— Não, não quero tranças.— Então, deixe-me penteá-los. — A criada foi até um móvel, num dos

cantos, para pegar a escova.Sem tranças, sem toucas, sem nada que os prendesse… Elizabeth não

conteve o sorriso.— Parece estar muito feliz, minha senhora — Rual comentou.— E não deveria estar? Hoje é o dia do meu casamento!

Uma expressão um tanto preocupada apareceu, no rosto da mulher, queobservou:— É verdade. E todos deveríamos estar felizes, eu suponho. Não há

dúvidas de que nosso senhor queira muito um herdeiro.— É esse meu maior desejo também — Elizabeth confessou, vendo que a

expressão no rosto da criada se acentuava. — Por quê? Acha estranho?— É que… imaginei…— Sim? Que eu não iria querer cumprir meus deveres de esposa?Rual parecia hesitar. Aproximou-se, trazendo escova e pente, e começou,

incerta.

— Não o acha… assustador, minha senhora?— Assustador? — Elizabeth pensava. A voz poderia ser… diferente,

estranha, mas apenas isso.— Não. Intimidador, talvez. Ele a assusta?— Não. — Rual parecia hesitar em usar o pente.— Acha que ele se importaria, se eu usasse seus objetos? — Elizabeth

indagou, percebendo sua atitude.— Acho que não. Afinal é sua noiva…

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Sim, era sua noiva, Elizabeth repetiu para si mesma, portanto, ele nãodeveria, se importar se usasse alguns de seus objetos pessoais.

— O cão estava novamente a seus pés e Raymond mantinha o olhar fixonas chamas da enorme lareira do hall. Padre Daniel esperava, paciente, a seulado, pronto para pronunciar as palavras que o uniriam a Elizabeth Perronet.

Pouco adiante, lorde Perronet se instalara a uma das mesas preparadas

para a festa de casamento e embebedava-se aos poucos com o excelente vinhoda casa. Pelo menos, assim, mantinha-se quieto, pensou Raymond lançando-lhe um olhar rápido.

Os criados agitavam-se para lá e para cá, cuidando de pratos e bebidas.Toalhas e doces, mas Raymond não parecia vê-los. Seus pensamentos estavamvoltados para seu outro casamento; há quase vinte anos. Estivera tão feliz eorgulhoso naquele dia! Alicia estava linda, encantadora, graciosa… tudo que umhomem poderia desejar numa esposa.

Mas ele fora jovem demais para perceber que aquela beleza e aqueleencanto eram fugazes e que a vaidade dela seria a única coisa que durariaainda muito tempo. Elizabeth Perronet também era bela, mas sua beleza era deum outro tipo. Suas feições eram adoráveis, mas havia um fogo em seus olhos,uma inteligência aguçada, uma determinação… E um orgulho, mesmo quandoela lhe implorara para que a aceitasse…

Estava impressionado. Ela não era uma criatura comum, governada pelocapricho e pela presunção.

Entretanto, Raymond não podia negar as outras qualidades de Alicia, elafora muito amorosa até aquela fatídica noite quando, surpreendentementeentorpecido, ele sentira a mordida dolorida da tira de couro em sua garganta, a

pressão crescente que cortou sua respiração, a dor aguda, o sangue…Cadmus ganiu a seu lado e foi só então que Raymond deu-se conta deque suas mãos crispavam-se nas laterais da cadeira a ponto das juntas ficarembrancas. Percebeu também que sua noiva aguardava, ao final das escadas datorre tão paciente quanto padre Daniel.

Levantou-se, com toda a majestade que lhe era peculiar, e observou-aaproximar-se. Os cabelos castanhos pareciam flutuar sobre seus ombros, comose tivessem vida própria, as leves ondas captando a luz das tochas espalhadaspara iluminar o ambiente.

Mas não havia luz naquele grande hall que se comparasse à que estava

nos olhos de Elizabeth e no sorriso que ela lhe oferecia, suave e encantador.Raymond lembrou-se das palavras dela no solar. Não saberia de

fato, o quanto era bonita? Teriam as freiras Incutido tamanha modéstiaem sua mente? Ela lhe parecera tão sincera quanto a isso e em tudomais que dissera…

O vestido caíra-lhe bem e não parecia guardar as marcas do

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tempo. Comprara-o em Londres, um presente para Alicia… Pensara emqueimá-lo centenas de vezes, mas agora estava satisfeito por não tê-lo,feito.

Cadmus alcançou-lhe a mão em busca de um afago. Desviando osolhos para o animal, Raymond lembrou-se, mais uma vez, de que nãodevia confiar em ninguém. Em especial, em nenhuma mulher, não

importava o quanto fosse bonita nem o quanto lhe sorrisse. Ficaram-lheas ruínas de sua voz para lembrá-lo disso pelo resto da vida.O tio da noiva levantou-se, uma expressão de absoluto triunfo

animando-lhe o sorriso imbecilizado pelo álcool. Raymond imaginou quedeveria tê-lo feito aumentar o dote ao invés de deixar se impressionartanto por Elizabeth.

Há muito tempo ninguém ousava discutir à sua frente. E não tinhapercebido a energia que aquele tipo de discussão poderia provocar, emespecial numa mulher. Ela estivera tão movida pela paixão!

Quanto mais poderia deixar-se levar?Mas isso não importava, desde que lhe desse um herdeiro.Raymond não tinha a menor intenção de sentir o que fosse por suaesposa, além de uma certa tolerância. E, já que não podia mais confiarem mulher alguma, também não amaria nenhuma delas.

— Tem um anel, meu senhor? — perguntou, o padre, em vozsuave.

Raymond pegou um que pertencera à sua mãe e que agora estavaem seu dedo mínimo e entregou-o ao padre enquanto Elizabeth

colocava-se a seu lado. Padre Daniel fez o sinal da cruz sobre a peça deouro e devolveu-a. Raymond, então voltou-se e pegando a mão deElizabeth, colocou o anel em seu dedo anular da mão esquerda. Fazia-osem encará-la, enquanto o padre pronunciava as palavras apropriadaspara aquele momento:

— Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, eu os declaromarido e mulher, diante dos olhos de Deus, Nosso Senhor, e diante dasleis de nosso reino. Pode beijar a nova, meu senhor.

Raymond olhou para o padre com agudeza. Não queria beijá-la.

Não ali, naquela sala cheia de gente. Na verdade, nunca. Beijar o fazialembrar-se demais de Alicia.— É para selar a promessa, meu, senhor — o padre sussurrou

tenso. — Não é estritamente necessário, mas as pessoas ficarãodesapontadas se não o fizer.

Ele não se importava se ficariam, ou não. E, de repente, sua noivatomou-o pelos ombros e o fez voltar-se para dar-lhe um beijo

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apaixonado nos lábios.Raymond não poderia ter ficado mais surpreso se ela tivesse

retirado uma faca do meio das saias para matá-lo.Elizabeth achegou-se mais para murmurar:— Quero que todos aqui saibam que estou me casando com o

senhor por, minha livre vontade.

O que poderia responder a isso, a não ser:— Venha até a mesa.Ela tomou-lhe o braço, de um modo que se parecia muito mais com

um carinho.— Vai me apresentar seus criados e agregados?— Não. — E não a olhou para ver se a resposta seca a afetara ou

não.Conforme tomavam seus lugares à enorme mesa, Raymond

assentiu em direção ao padre, o qual declarou a todos, já que seu

senhor não podia fazê-lo:— Dêem as boas vindas à nova dona deste castelo, lady ElizabethD'Estienne!

Capítulo 4

Assim quê padre Daniel abençoou a festa, Elizabeth sentou-se nacadeira com formato de trono, ao lado de seu marido, imaginando a realextensão de todos os erros que, já cometera. Que seu marido estava

zangado, não havia a menor dúvida. Até um cego poderia sentir a raivaque havia nele. Não deveria tê-lo beijado, nem lhe falado no tom queusara quando ele se voltara, surpreso por sua atitude. Além disso,deveria ter imaginado que, com a voz que lhe restara, ele jamaispoderia apresentá-la a seus convidados.Ainda assim, Elizabeth não se arrependia do beijo, pois era como dissera ele: queria que todos soubessem que se casara por sua livre eespontânea vontade. Assim, ninguém jamais pensaria em usá-la contraseu marido ou em pedir sua ajuda em prol de causas individuais. Isso

Lady Katherine também lhe ensinara.Aliás, lady Katherine falara sobre quase tudo que uma esposa precisariasaber para sair-se bem num casamento, pensou Elizabeth, lançando umolhar de soslaio ao homem sentado tão quieto, a seu lado.Sim, ela lhe ensinara quase tudo, exceto como lidar com um marido quenão tinha expressão alguma no rosto…Lembrava-se das palavras de lady Katherine dizendo-lhe que uma boa

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esposa tinha o dever de agradar seu marido, de adivinhar-lhe os desejose amoldar-se a eles.Talvez devesse ser calada também… Mas esperava que não. Podia serhumilde e mansa, mas, calada… Isso sempre lhe fora mais penoso doque suportar as surras.Alguns criados começaram a entrar trazendo a comida. O cheiro

agradável do Pão assado penetrou-lhe as narinas e seu estômago,acostumado a comida mais pobre, pareceu alegrar-se, roncando,deixando-a extremamente envergonhada, pedindo a Deus que ninguémtivesse ouvido…Perto a seu cotovelo estava uma belíssima taça de madeira e prata, parao vinho. Beberia vinho nessa noite, provavelmente de alta qualidade,como já provara no solar. Além do mais, o estado de embriaguez de seutio provava estar certa.

Ele se considerava um perito em bebidas e, se considerasse que o

que estava sendo servido era de má qualidade ou procedência, teriaapenas experimentado e não bebido tanto. Ao julgar pela cor de seunariz avantajado, o vinho era excelente.Uma criada colocou um grande pão diante de Elizabeth o qual exalavaum aroma delicioso, ela teve de conter-se para não agarrá-lo e dar-lheuma mordida vigorosa. Quanto à manteiga que o acompanhava, numadelicada travessa também de prata, não havia nem o que comentar.Suave, levemente amarelada, colocada em formato de pequenasbolinhas, numa travessa ao lado.

Elizabeth forçava-se a manter uma atitude digna. Lembrava-se de queseu tio a aconselhara a ser sempre cautelosa, coisa que, esquecera porinstantes, no momento da cerimônia. Ainda assim, o aroma daquele pãoa levava à loucura e rezava para que seu marido o partisse logo.Quando ele o fez entregando-lhe uma fatia, Elizabeth apressou-se empegar a faca ao lado de seu prato para espalhar a manteiga sobre, omiolo ainda quente. Mordeu-o em seguida e achou tão delicioso queteve de cerrar os olhos para saboreá-lo melhor.— O que é isto? — ouviu e voltou-se para ver que lorde Kirkheathe a

olhava, surpreso. — Você gemeu…— Gemi — Ela sentia o rosto aquecido, sabia que estava mais corada doque, o normal. — É ó pão. Está muito bom!— Mas é apenas pão.— Posso assegurar-lhe, meu senhor, que não há nada melhor do que osabor de um bom pedaço de pão. Na Verdade, poucas vezesexperimentei algo tão delicioso e acho que posso sentir o sabor em meu

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corpo todo, até os dedos dos pés. — E baixou os olhos, encontrando osdo cachorro, fixos nela.Afastou o pão dele e virou a cadeira um pouco para o lado, para evitá-lo.— Cadmus não vai roubar-lhe o pão. — lorde Kirkheathe explicou. — Amenos que o deixe cair. Mas… noto que está, tremendo.

Senhor, não gosto de cães. Em especial os grandes. A reverendamadre tinha um cachorro e ele… — Elizabeth interrompeu-se, notandointensidade no olhar de seu marido. Ele voltou-se para seu prato, eentão, deixando de dar-lhe atenção. Ela olhou mais uma vez para ocachorro e, sem acreditar que em vão tentaria roubar-lhe o pão deu-lheas costas ainda mais.Outros servos entraram, todos homens, trazendo jarros enormes, queElizabeth imaginou conterem vinho. Ainda mastigando seu pão, ela viuum deles se aproximar e encher sua taça.

Seu fio, como notou logo, engoliu o conteúdo da sua de uma só vez.Quando levou o vinho aos lábios, Elizabeth notou que ele era aindamelhor do que o pão. Tomou dois goles grandes, lentos, sentindo abebida aquecê-la por dentro, fazendo-a relaxar um pouco. Jamaisprovará algo tão bom. Seria tudo em Donhallow tão bom quanto o pão eo vinho? E todos os dias? Talvez não, concluiu. Aquela era uma noiteespecial. Uma festa. Sua festa de casamento. Com, um homem quenunca vira antes e que se mantinha quieto e sério a seu lado.Na verdade, o cão prestava mais atenção a ela do que lorde Kirkheathe.

Talvez devesse ter se casado com o cão, imaginou, divertida.E riu, fazendo com que a taça em sua mão balançasse. Apressou-se emcontrolar seus movimentos, pois não queria respingar, a bebida na belatoalha de linho da mesa, nem em seu precioso vestido de veludo. Teriaconseguido, mas a mão forte de seu marido aparou a taça, afastando-a.— Sinto muito, senhor — Elizabeth murmurou. — Também não bebo umvinho tão maravilhoso há muito tempo.Ele nem mesmo a olhou. Ela não era Genevieve, mas… teria lordeKirkheathe de ser tão sério em sua noite de casamento? pensou, um

tanto ressentida.— Peço desculpas por tê-lo beijado também. — ela prosseguiu.— Nãoachei que fosse se importar tanto assim, ou não o teria feito. Prometonão fazê-lo novamente.

Ele se voltou, muito lentamente, e ergueu as sobrancelhas. E,apesar de ter acabado de beber, Elizabeth sentiu a boca seca. E deimediato arrependeu-se por ter dito que não voltaria a beijá-lo.

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Viu-o afastar a taça deliberadamente de seu alcance e engoliu em seco,desviando o olhar do dele. Sua noite de núpcias estava cada vez maispróxima e seu coração batia acelerado. Era como se pudesse senti-lopulsando em seus ouvidos. E, sentindo uma espécie diferente dedesespero, estendeu a mão e tomou a taça, bebendo o resto do vinhoque estava nela.

— Estou com muita sede, senhor — explicou, mas sem ousar encara-lo.— E com muito calor também.— Está? — A pergunta não fora mais do que um sussurro.– E um pouco tonta.— Então coma mais.Elizabeth assentiu, sentindo-se aliviada por ver que os criados agoratraziam os pratos principais. E, quando o servo aproximou-senovamente com a jarra para encher-lhe a taça novamente, lordeKirkheathe não o impediu, como ela achou que faria.

— Esta mesa está maravilhosa, senhor — ela elogiou, vendo as carnes etortas sendo colocadas adiante de si. — Sempre come tão bem ou é porque hoje temos uma festa?— Sim — respondeu ele, passando os olhos firmes pelo ambiente, numaatitude que os criados pareciam esperar e temer ao mesmo tempo, poisobservavam-no e, vendo que eram notados, apressavam-se em agir damelhor forma possível.— Sempre come tão bem? — Elizabeth repetiu. — É de admirar que nemo senhor e nem seus homens estejam gordos…

— É uma festa especial — ele corrigiu.— Ah, sim…Lorde Kirkheathe voltou-se, as sobrancelhas erguidas novamente, o quea fez explicar depressa:— Sinto muito se pareci desapontada. Tenho certeza de que deve teruma cozinheira excelente e criados maravilhosos. Para ser sincera, meusenhor, acho que apenas o pão me bastaria para, viver feliz…

Um muito breve sorriso apareceu nos lábios dele quandoacrescentou:

— E o vinho.Elizabeth corou mais uma vez.— Não sou uma beberrona, posso garantir senhor. É que o vinho noconvento, estava sempre azedo, mal podíamos bebê-lo. Quanto a este…é excelente!— Bem, deveria ser.— Por quê? É muito caro?

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Ele assentiu. Lorde Perronet levara-a a crer que seu marido era umhomem rico e, se fazia questão de mostrar o quanto seu vinho era caro,talvez fosse avarento também, pensou, talvez fosse isso o que seu tiotentara lhe dizer… Isso também explicaria a ausência de música nafesta, a falta de menestréis ou trovadores para alegrar o ambiente…— Coma — seu marido ordenou-lhe, observando a comida ainda sem ter

sido tocada, em seu prato.— Eu gostaria, mas… tenho receio de que meu estômago estranhe tantacomida… Sabe, não estou acostumada a tanta variedade e não quero teruma indigestão esta noite.As sobrancelhas de Lorde Kirkheathe arquearam-se outra vez, como seela tivesse dito algo de escandaloso e Elizabeth corou violentamente aoimaginá-lo tomando-a nos braços. Levantou-se, então, sentindo-selevemente tonta, e comunicou:— Acho que… se não haverá nenhum entretenimento, eu deva me

retirar, senhor…— Mas a noite mal começou.— Este foi um longo e cansativo dia para mim. Por favor, fique com seusconvidados. Rual poderá me ajudar.Raymond nada disse e, de repente, um silêncio expectante tomou contada grande sala. Podia-se apenas ouvir a respiração pesada de lordePerronet, adormecido sobre a mesa.Elizabeth não sabia o que dizer ou fazer. Queria apenas ficar sozinha poralgum tempo; longe dos olhos frios de seu marido para poder pensar

bem no que estava acontecendo em sua vida e preparar-se para… o queestava por vir.Voltou-se e sentiu que a sala girava. Agarrou-se ao encosto

da cadeira para recuperar o equilíbrio e, como antes, sentiu os,braços dele ao seu redor. Mas, dessa vez, lorde Kirkheathe ergueu-a do chão.— Senhor! — ela se surpreendeu.Ele nada disse e seu rosto não traiu a menor emoção enquantocaminhava com ela nos braços em direção à escadaria da torre.

Ainda chocada, Elizabeth olhou por cima de seu ombro, vendo queo cachorro os seguia de perto.— Boa noite! — disse a todos, sentindo que deveria pronunciaralguma espécie de despedida.Seu marido mantinha-se calado. O que poderiam estar pensando láembaixo? Elizabeth indagava-se. E, se lorde Kirkheatheconsiderara seu beijo e sua sede como algo indigno, o que não

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dizer do que acontecia agora?Mas não queria pensar. Abraçou-se ao pescoço dele, deixando-secarregar, solta, entregue.— Quando eu era pequena — lembrou-se e não pôde deixar decontar — eu costumava sonhar em ser carregada assim. Mas nãoachei que isso fosse, de fato, acontecer algum dia. E, se alguém

me dissesse que isso iria suceder uma semana trás, eu nãoacreditaria…Raymond não falava.— Acho que nós dois esquecemos nossas boas maneiras hoje. —Elizabeth insistiu, mas ainda assim não houve resposta. Ele apenasseguia subindo. Ela prossegui: — Podia ter deixado que eu viessecom Rual…— Poderia ter caído.— Mas não,estou bêbada…

— Não?— Não. Eu lhe disse, foi o pão tão delicioso. — Ela inclinou acabeça, apoiando-se ao peito do marido, sentindo o tecido de lã,de sua túnica um tanto rude contra seu rosto. — Bem, talvez,tenha sido o vinho, também, mas só um pouquinho… Não sezangue comigo, senhor, por favor. Prometo ser melhor amanhã. Éque este foi um dia tão estranho…Estaria ele rindo? Indagou-se de repente. E afastou o rosto paravê-lo. Não… Devia.. ter se enganado. Chegaram ao quarto e

Raymond afastou a porta com um dos pés, depois esperouenquanto o cachorro, entrava.— Ele dorme aqui também? — Elizabeth alarmou-se.

Lorde Kirkheathe assentiu e acrescentou:— Guarda a porta.— E não pode fazer isso do lado de fora?— Ele percebe os intrusos.— Costuma ter intrusos no castelo?— Não, mas sou cauteloso. — Colocou-a no chão, esperando que

recuperasse o equilíbrio, antes de soltá-la de todo.— Oh… — A torre parecia tão fria quando não estava nos braços dele. —Então… imagino que,seja seguro dormir aqui.— Sim.— Bem, isso é um alívio. Embora eu ache que um homem deveria serlouco para tentar atacá-lo em seu próprio castelo.— Um homem poderia sê-lo — ele concordou de um modo enigmático.

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Elizabeth percebia que agora havia um candelabro com inúmeras velasiluminando o ambiente. Notou que seu marido se afastava e que soltavao cinto, de couro da túnica.Raymond se voltou e avistou-a fazendo um breve sinal com o queixo emdireção ao cachorro:— Ele não vai mordê-la.

— Espero que não…Os lábios de lorde Kirkheathe moveram-se num ligeiro sorriso aoacrescentar:— Também não vou.Elizabeth sorriu, tensa, notou que, para evitar o cão, à sua direita, teriade ir em direção a cama, ou ,em direção a seu marido, o qual colocava ocinto, sobre um aparador sob a janela.Não deveria ter insistido para que o casamento fosse naquele mesmodia, recriminou-se. O dia seguinte estaria bem e teria tido mais tempo

para acostumar-se com a idéia…O quê, em nome de Deus estaria errado com ela? Indagou a simesma, alarmada. Um dia a mais não faria diferença em seussentimentos e poderia levá-la de volta ao convento!O casamento fora a melhor coisa que poderia ter-lhe acontecido. Nãodeveria ser tola e tornar-se, de repente, tímida e recatada. Mesmosendo seu marido um total estranho, para ela, era um estranho bastanteatraente…E com determinação renovada, Elizabeth soltou os laços de seu vestido e

tirou-o. Passou por seu marido então, e com cuidado colocou o vestidono mesmo aparador ao lado do cinto. E, em seguida, subiu para aenorme cama, vendo lorde Kirkheathe terminar de se despir.

Capítulo 5

Elizabeth Perronet era, sem sombra de dúvida, a mulher maisestranha que ele conhecera, pensava Raymond enquanto a ignorava de

propósito. Era como se ela não tivesse a menor idéia do que estavafazendo. Ou de como seus atos poderiam ser interpretados pelos que arodeavam. E, o mais interessante: era como se ela não tivesse o menorconceito de dignidade e de respeito em relação a ele, seu marido esenhor.Lembrou-se da maneira como ela o beijara, indignado, enquanto tirava atúnica e a jogava sobre o vestido, no aparador. Não queria que ela o

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beijasse, nem naquele momento, nem nunca! E, naquela noite, atomaria da forma mais suave que podia, mas com a menor intimidadepossível.Elizabeth não queria que as pessoas pensassem que fora forçada a secasar? Repetia-se. E o quê, em nome de Deus, importava a opinião daspessoas? Ele era o senhor daquela região, governador e protetor de

todos que ali viviam. E isso era tudo de que precisavam se lembrar.Depois, ela quase se embebedara! Por Deus, ela quase caíra no hall!Não havia desculpa possível para isso! Tivera que tomá-la nos braços ecarregá-la dali antes que acabasse por envergonhá-lo por completo!Nu da cintura para cima, ele se lavava na água fria que havia na baciasobre a cômoda. Seu corpo reagira, é claro, à sensação de tê-la nosbraços. Aconteceria se fosse qualquer outra mulher. E, quando elaencostara a cabeça em seu peito, como se sentisse segura…Bem, não queria que Elizabeth se sentisse segura com ele, já que nunca

se sentiria seguro com ela, com receio de que o traísse também.Que Deus o perdoasse, mas jamais se esqueceria da dura liçãoaprendida, nem carregando-a nos braços, nem rindo, genuinamentedivertido com a observação que Elizabeth fizera, tão infantil e doce,sobre aquele ter sido um dia estranho.

O que precisava fazer agora era torná-la sua esposa de fato eacabar com aquilo. Tinha de consumar o casamento. Não hesitar. Ir atéa cama e pronto!Voltou-se, vendo-a ali, sentada, observando-o com os lindos olhos

castanhos muito abertos, as cobertas puxadas até os ombros, oscabelos, longos e ondulados caindo-lhe por sobre os braços.— O senhor tem muitas cicatrizes — Ouviu-a observar, em tom casual.De repente, Raymond sentiu-se mais do que parcialmente despido, oque pareceu-lhe absurdamente ridículo. Não estava diante da primeiramulher de sua vida, nem era um jovem inexperiente.Em silêncio, foi até a cama e, sentando-se, passou a tirar as botas. Eteve um sobressalto quando Elizabeth passou o dedo delicado por umade suas cicatrizes, nas costas:

— Não faça isso! — protestou de pronto. E ouviu os ruídos nas tábuasdebaixo da cama, quando ela se afastou depressa.Levantou-se, então, para tirar a calça, deixando-a sobre o piso. Voltou-se para encarar Elizabeth e ouviu-a novamente, a voz mais suave doque nunca:— Nunca vi um homem nu. Todos são como o senhor?Sem responder, Raymond levantou as cobertas e entrou debaixo delas.

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Sem preâmbulos, aproximou-se, afastando as roupas íntimas deElizabeth e colocando-se sobre seu corpo. Então cerrou os olhos elembrou-se da primeira mulher com quem havia estado na vida, umacriada da casa. Tinha quatorze anos naquela época e Gildred fora muitosuave. Podia ainda lembrar-se muito bem daquele dia, com Gildred, nopomar, quando aprendera que uma boca podia fazer muito mais do que

comer, beber, falar e beijar.Percebia que Elizabeth era virgem. Isso era ótimo. Forçou o corpo,ouvindo-a gemer de leve, mas nada, além disso. Depois, conformeseguia os movimentos do sexo, percebia que Elizabeth o seguia, emsilêncio. Lembrava-se da boca de Gildred. Os lábios de Elizabethestavam entreabertos, sua respiração quente pulsava junto dele. Oslábios de Gildred sobre seu corpo eram ardentes…

Elizabeth o abraçava, com todo o corpo. Gemia de leve e suas

mãos apertavam-lhe ás costas. Já não havia Gildred em seuspensamentos, apenas Elizabeth.. E com a continuidade dos movimentose dos gemidos que ouvia junto ao seu ouvido, atingiu o clímax comfacilidade:Quando tornou a abrir os olhos, encontrou os de sua esposa, muitoabertos, encarando-o. De repente, ainda respirando profundamente,sentiu vontade de beija-la com paixão, e abraçá-la com força.— É só isso? — ela murmurou.Raymond afastou-se de imediato, dando-lhe as costas.

— Sim — disse apenas.— Espero que tenhamos feito uma criança — Elizabeth desejou, com umsorriso nos lábios, recolocando as roupas no lugar.Raymond rangeu os dentes. Pelas chagas de Cristo, pensou, ela era tãoinocente que nem se dera conta que ele acabara de tomá-la com toda adelicadeza com que um soldado bêbado possuiria uma prostituta.— Durma bem, meu senhor — ouviu-a desejar, aprofundando aindamais aquela sensação de arrependimento que o consumia.Não respondeu. E nem dormiu bem…

Ela acordou assustada, com o grande cachorro lambendo-lhe o rosto.Tentou gritar, mas sua voz parecia ter desaparecido.— Cadmus! — Raymond gritou.Devia ter percebido que não estava tendo outro pesadelo terrível noconvento, mesmo porque estava aquecida e coberta. E muito dolorida,sentindo-se tola, sentou-se depressa.

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Lorde Kirkheathe já estava vestido e olhava-a da porta, o cão agora aseu lado. Seria possível que um cão sorrisse de alegria? Pensou ela,ainda tonta de sono: Porque seu marido não sorria.— Não tenha medo dele — disse Raymond, muito sério.Elizabeth puxou mais as cobertas, apreciando o conforto de seu calor.— Tentarei não ter senhor, mas fui muito mordida, certa vez.

Ele veria a cicatriz, mais cedo ou mais tarde, resignou-se ela, entãodecidiu mostrar-lhe agora, erguendo-se um pouco e baixando a golalarga da camisola, revelando a feia e escura marca da mordedura feitapelo cachorro da reverenda madre. Os olhos de Raymond cegaram-seum pouco enquanto se aproximava da cama.— Um cão fez isso? — estranhou.Elizabeth assentiu.Ele se inclinou, observando a pele suave marcada pelos dentes doanimal. Embaraçada com tal, proximidade e temendo pelo que mais ele

poderia ver do ângulo em que se encontrava, Elizabeth recolocou otecido de volta ao lugar.— E as outras cicatrizes?Ela sabia que seu marido as notaria também, mais cedo ou mais tarde.No entanto, não conseguia erguer os olhos para ver os dele.— Eu… roubei algumas coisas no convento e fui punida — explicou.— Você? Roubando?!Ela deu de ombros ao esclarecer:— Estávamos sempre com fome e as meninas menores choravam.

Então…— Você roubou comida? — Raymond sentou-se a seu lado, na cama.Elizabeth.. arriscou olhá-lo, mas não soube dizer se ele aprovava ou nãoseu procedimento. Sabia que era um pecado grave roubar de mulheressantas, embora, no fundo do coração, não se arrependesse.— Tudo o que podia, sempre que podia — confessou.— E dava para as outras?Era muito tentador dizer-lhe que jamais tocara numa migalha, massabia que, com aquele olhar intenso e perscrutador, seu marido

descobriria a verdade num instante.— Comia também — revelou, cabeça baixa.Lorde Kirkheathe tomou-lhe uma das mãos e examinou-lhe os braçosfinos.— Mas não muito… — comentou.— O suficiente — Elizabeth sussurrou, receosa em falar e, com isso, fezcom que ele a soltasse.

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Seus olhares se encontraram por segundos e depois ele disse, na vozrouca e arrepiante:— Cadmus vai passar a dormir do lado de fora da porta.Sem poder disfarçar o alívio que, sentia, ela murmurou:— Obrigada, meu senhor. Mas, tentarei me acostumar com ele, para quecoitadinho não tenha que ficar lá, exilado, para sempre.

Raymond sorriu de leve e Elizabeth sentiu-se, de repente, maisaquecida. Então, alguns ruídos no pátio, lá embaixo, chamaram-lhe aatenção e ele soltou-lhe a mão para ir até a janela. Imaginando que jáestava na hora da missa, Elizabeth afastou as cobertas e arrepiou-secom o frio da manhã.— Fique aí. — seu marido ordenou.— Como, senhor?— Fique na cama.— Mas… já é tarde. — E levantou-se, sentindo o piso gelado sob os pés.

Passou os braços ao redor de si mesma, tentando se aquecer. — Devehaver coisas que eu precise fazer… os criados vão pensar que soupreguiçosa. E isso seria um começo terrível.— Ninguém a perturbará.— Como, senhor?— Fique na cama tanto quanto quiser hoje. E chame por Rual quandonecessitar.Elizabeth não sabia o que a surpreendia mais: a noção de que poderiavoltar à cama quente e convidativa ou o fato de ele ter falado tanto.

— Mas… e a missa? — insistiu.— Já acabou.— Acabou?!Ele assentiu.— Não tem receio do que os criados poderão pensar sobre mim?Raymond tornou a negar.Certamente, ele não se importaria com as idéias dos servos, pensouElizabeth, lembrando-se, mais uma vez das palavras de lady Katherine.Aliás, nem ela deveria importar-se. Então, porque não aproveitar oferta

de seu marido e ficar mais um pouco entre às cobertas?Voltou para o leito, feliz, cobrindo-se, e percebendo que lordeKirkheathe sorria.— Obrigada, meu senhor. Nem posso me lembrar de quantas vezessonhei com um luxo destes!— Vai dormir?— Dormir? Não! Se dormisse, não conseguiria aproveitar esta delicia!

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Raymond sorriu mais uma vez.— Como quiser — aquiesceu.Elizabeth suspirou profundamente, satisfeita.— Ah! Primeiro aquele maravilhoso vestido e agora isto! Oh, meusenhor, agradeço-lhe do fundo do coração e peço a Deus que o abençoepor ter se casado comigo!

Lorde Kirkheathe nada mais disse. Saiu do quarto, deixando Elizabethfeliz em sua solidão. Tinha vontade de ri só em lembrar-se de que elesorrira.

Não havia dúvida de que seu marido tinha muitos afazeres, sendotão rico e poderoso. E faria de tudo para ajudá-lo a descansar de seusdeveres, em especial se isso o fizesse sorrir mais vezes. Talvez umacriança o deixasse mais feliz também.Moveu-se na cama e, erguendo os lençóis, notou o sangue seco entreeles.

— Oh, Deus! — Suspirou. — Faça-me estar grávida! Se ainda não estou,que seja em breve! Isto, é claro, se for de sua vontade!Ficou mais algum, tempo na cama e depois, animada, levantou-se e,estremecendo com o frio, ouviu ruído de cavalos. Foi até a janela e viuque seu marido cavalgava um belo animal negro e, logo atrás dele, umatropa de soldados se preparava para partir. Ficou observando enquantolorde Kirkheathe erguia o braço, dirigindo-se aos pesados portões, seusbem equipados homens logo atrasoEle nada dissera, apenas erguera a mão enluvada e fizera um gesto

breve. Tudo era feito num silêncio proposital, com a obediência total ebem treinada de todos os soldados.Com um sorriso maroto, Elizabeth deu-se conta de que a reverendamadre aprovaria seu marido, embora achasse que ele fizera umapéssima escolha no que se referia a sua noiva.Mas a reverenda madre estava muito distante agora e ela, Elizabeth,estava casada e em breve, com a ajuda de Deus, seria mãe; uma mãecarinhosa e dedicada, como fora a sua, antes de morrer daquela febreque também levara-lhe o pai, quando ela tinha apenas oito anos de

idade.Suspirou mais uma vez, procurando afastar tais pensamentos, que adeixavam por demais triste, pois provocavam outras recordações, emespecial aquelas de quando fora obrigada a viver em casa de parentes,sempre mudando de um lado para o outro sem nunca ser querida ouamada. A melhor fase que vivera fora àquela que estivera emcompanhia de lady Katherine, a qual apesar de ser rígida, era muito

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 justa. Depois tinham vindo os terríveis anos do convento… Voltou-se eolhou para a cama convidativa, mas achou que de nada adiantariadeitar-se novamente.

Nem queria dar margem a que os criados a julgassem mal, apesardo que seu marido garantira. Além do mais, estava ansiosa por saber seo desjejum seria tão saboroso quanto a festa da noite anterior…

Calçou os sapatos apressada, indo até a porta.— Rual!A criada apareceu tão depressa que Elizabeth imaginou que estivessenas escadas, apenas à espera de seu chamado.— Minha senhora?— Bem, eu devia chamá-la quando necessitasse… e acho que necessitoagora — disse Elizabeth sorrindo. — Sabe onde está meu outro vestido?Não posso usar o da festa de casamento.— Está no armário, ao lado da cama senhora.

— E meus outros pertences?— Estão lá também.— Não ocupam muito espaço, não é? — observou ela, abrindo oarmário.— Quer que eu traga um pouco de água quente?— Não se preocupe. Estou acostumada a usar água fria. — E não haviamentira nenhuma nisso, imaginou, calçando as meias e colocando ovestido de lã.Rual procedeu a arrumação da Cama e isso a fez lembrar-se do sangue

ressecado. Correu a lavar o rosto para, com as mãos sobre ele, escondera vergonha que sentia. Tentava convencer-se de que Rual obviamentesaberia o que se passara naquela noite. Aliás, todos saberiam.Passou várias vezes as mãos pelo rosto, com a água fria, tentandoesquecer o calor que havia em sua pele. Depois pegou a pequena toalhaque estava ao lado da bacia e secou-se. O tecido trazia em si o cheiro deseu marido, lorde Kirkheathe…— Oh, Deus… — suspirou, lembrando-se, de repente, que ainda nãosabia o primeiro nome dele.

— Precisa de mais alguma coisa, senhora? — indagou Rual, segurandoas roupas de cama enroladas junto a si.— Não… Ah, sim! Eu… bem, com toda a pressa de ontem, acabei nemperguntando o primeiro nome de meu marido… — Colocava a touca quesempre usara no convento.— Raymond D'Estienne é seu nome de batismo, senhora. O mesmonome que tinha seu pai.

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— Você conheceu os pais dele?— Não. Os dois morreram muito antes de eu vir para cá.

Nem queria dar margem a que os criados a julgassem mal, apesardo que seu marido garantira. Além do mais, estava ansiosa por saber seo desjejum seria tão saboroso quanto a festa da noite anterior…Calçou os sapatos apressada, indo até a porta.

— Rual!A criada apareceu tão depressa que Elizabeth imaginou que estivessenas escadas, apenas à espera de seu chamado.— Minha senhora?— Bem, eu devia chamá-la quando necessitasse… e acho que necessitoagora — disse Elizabeth sorrindo. — Sabe onde está meu outro vestido?Não posso usar o da festa de casamento.— Está no armário, ao lado da cama senhora.— E meus outros pertences?

— Estão lá também.— Não ocupam muito espaço, não é? — observou ela, abrindo oarmário.— Quer que eu traga um pouco de água quente?— Não se preocupe. Estou acostumada a usar água fria. — E não haviamentira nenhuma nisso, imaginou, calçando as meias e colocando ovestido de lã.Rual procedeu a arrumação da Cama e isso a fez lembrar-se do sangueressecado. Correu a lavar o rosto para, com as mãos sobre ele, esconder

a vergonha que sentia. Tentava convencer-se de que Rual obviamentesaberia o que se passara naquela noite. Aliás, todos saberiam.Passou várias vezes as mãos pelo rosto, com a água fria, tentandoesquecer o calor que havia em sua pele. Depois pegou a pequena toalhaque estava ao lado da bacia e secou-se. O tecido trazia em si o cheiro deseu marido, lorde Kirkheathe…— Oh, Deus… — suspirou, lembrando-se, de repente, que ainda nãosabia o primeiro nome dele.— Precisa de mais alguma coisa, senhora? — indagou Rual, segurando

as roupas de cama enroladas junto a si.— Não… Ah, sim! Eu… bem, com toda a pressa de ontem, acabei nemperguntando o primeiro nome de meu marido… — Colocava a touca quesempre usara no convento.— Raymond D'Estienne é seu nome de batismo, senhora. O mesmonome que tinha seu pai.— Você conheceu os pais dele?

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— Não. Os dois morreram muito antes de eu vir para cá.— E o que se diz sobre eles?

A criada ergueu os ombros.— O pai de meu senhor era, reconhecidamente, um homem bom,embora tivesse nascido pobre.— E como conseguiu toda esta fortuna?

— Toda a propriedade foi tirada de outro homem e dada a ele por lordeChesney.— Acha que ele não merecia recebê-la?— Isso não é de minha conta, senhora. O conde de Chesney, comcerteza, achava que ele merecia.— E quanto a mãe de meu marido?— Faleceu quando ele nasceu. E seu pai não tornou a se casar como elemesmo fez.Elizabeth foi pega de surpresa coma revelação, mas procurou não

parecer chocada. Tentava entender aquela situação. Lorde Kirkheathenão era tão jovem assim e devia ter sido casado antes, talvez, até maisde uma vez.— Quantas esposas ele já teve? Perguntou incapaz de guardar para si oque pensava.— Apenas uma. Antes da senhora, é claro.— E ela faleceu dando à luz, também?— Não, minha senhora.— Foi uma doença, então?

— Não, senhora. Ele a matou…Capítulo 6

Elizabeth não queria acreditar no que acabara de ouvir.— Como? — perguntou, mais embaraçada do que nunca.— Ele a matou-a, senhora. Neste quarto.— Mas… por quê?!— Lorde Kirkheathe disse que ela tentou mata-lo. — Rual mudou a

trouxa para o outro braço, para descansar o primeiro. — O que ouvidizer é que ela colocou alguma coisa em seu vinho e, quando ele,dormiu, passou uma tira ao redor de seu Pescoço e tentou estrangula-lo.Lorde Kirkheathe a empurrou e a fez cair. Ela bateu a cabeça no chão emorreu em seguida.

— É por isso que Raymond tem a cicatriz no pescoço… — Elizabethpensou em voz alta. — Por isso que sua voz é assim… — E, voltando-se

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para Rual, indagou: — Não acredita na explicação que ele deu?— O patrão é muito bravo.— Ele foi levado perante a justiça do reino por crime de

assassinato?— Não.— Então, o que disse a respeito do crime deve ser considerado

verdade.— Lorde Kirkheathe é um nobre.— Ainda assim, há punição, para um nobre que tenha matado a

própria esposa. Ele a tinha agredido antes?— Jamais vi marcas em seu corpo, senhora.O que não significa que não houvesse marcas por baixo da roupa,

imaginou Elizabeth. Ou que ele não fosse cruel com a esposa de outrasformas…

— Ele costumava ser grosseiro com ela? — insistiu.

— Não, que eu tenha ouvido ou visto.— Bem, meu marido tem a cicatriz e a voz destruída para provarque foi atacado — considerou.

Rual baixou a cabeça e nada disse.— Por que ela quis matá-lo? — Elizabeth não conseguia controlar a

curiosidade.— Não sei, senhora.— Rual, se não acredita nas expliçaç5es de meu marido, e percebo

que não o faz, deve ter alguma razão para pensar que ele quisesse

matá-la.— Talvez… talvez suspeitasse de sua fidelidade…Elizabeth pensou por instantes.— E com quem acha que ela ó trairia?Rual deu de ombros.— Ninguém teria um nome suspeito?— Não, minha senhora.Elizabeth pensava com rapidez. Se houvesse a menor suspeita de

que seu marido não tivera um bom motivo para matar a ex-esposa,

haveria rumores pelo castelo. Aprendera muito bem como as fofocas eboatos sé alastravam, enquanto estivera naquele convento.— Senhora, posso me retirar e levar estes lençóis para baixo? —

Rual parecia pouco à vontade.— Sim, obrigada, Rual. — Mais uma vez as palavras sábias de lady

Katherine eram sopradas em seu ouvido, dizendo-lhe para não acreditarem conversas de criados. — Meu tio já tomou o desjejum?

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— Ele e seus homens partiram com o nascer do dia, senhora, comolorde Kirkheathe lhes ordenou.

— Ele já partiu?!— Assim que lorde Kirkheathe recebeu o dote, ele o mandou

embora. E seu tio estava tão caído ainda, por causa, do excesso devinho, que mal podia manter-se sentado na sela.

— Mas lorde Kirkheathe estava aqui quando acordei…— Ele voltou, senhora.— Não ouvi nada…— Devia estar dormindo profundamente…— Deve ter sido.— Não tem um vestido mais quente, senhora?— Não. Mas há uma lareira no hall, não?— Sim, e uma muito boa! Lorde Kirkheathe insiste quanto a isso.— Então irei até lá e estarei aquecida. E, quando terminar com a

lavagem da roupa, poderia voltar e mostrar-me meu novo lar?— Como quiser, senhora.

— Lá, meu senhor! Vê? — disse Aiken, apontando para a ponte. —Está apodrecendo. A ponte poderá cair com a chegada da primavera.

Raymond inclinou-se para poder ver melhor, segurando a ponta datúnica para que, ela não arrastasse no terreno lamacento. Tinha odinheiro para pagar os reparos, graças ao dote de Elizabeth. Forarealmente uma sorte Perronet não ter percebido o quanto precisava do

dinheiro… ou ele teria diminuído o valor. Agora, porém, podia mandarconsertar a ponte e outros locais de sua propriedade.Poderia ter exigido um dote ainda maior, pensou, mas receou que

Perronet desistisse do acordo e levasse Elizabeth de volta ao convento.E ela estava tão desesperada para não voltar… Teria que ser feito deferro para não ceder às súplicas que ela lhe fizera.

Aliás, se fosse feito de ferro, poderia tê-la ignorado nessa manhã enão ter ficado ali, observando-a enquanto dormia, como um simplórioqualquer.

Podia ainda lembrar-se da suavidade daquela visão, os cabelosespalhados pelo travesseiro, um dos braços estendido sobre seu lado dacama, como se o estivesse abraçando, caso ele ainda estivesse ali…

Lembrou-se da cicatriz feita pelo cachorro, no ombro dela e dasoutras, finas e longas, em suas costas. Que tipo de freira teria feitoaquilo?! O tipo que ele gostaria de encontrar e fazer arrepender-se peloresto da vida…

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Endireitou-se e indagou:— Quantas outras pontes estão neste estado?— Dez, meu senhor — Aiken respondeu, caminhando de volta ao

terreno mais firme. Era um homem baixo, atarracado; de movimentosbruscos, e, muito embora fosse um soldado, era também um grandeconhecedor de estruturas de madeira e de pedra. — Todas precisam ser

consertadas neste verão e acredito que o melhor momento para issoseria em agosto quando as águas estão baixas. No entanto, acho queelas agüentam ainda algumas semanas, senhor.

— Ótimo.Raymond ergueu os olhos para o céu, era quase meio-dia. Devia

voltar para casa. Casa… Pela primeira vez em quinze anos, realmentesentia que tinha um, lar para onde voltar. Cascos de cavalo na estradaroubaram-lhe a atenção. Fane Montross aproximava-se, seguido dealguns de seus homens. Raymond sacou da espada de imediato e

dirigiu-se ao meio da estrada: esperando pelo vizinho e antigo amigo,que transformara-se no mais detestado dos inimigos. Montross fez umsinal a seus homens para que parassem.

— Ora, Raymond, que surpresa! — exclamou, de cima do nervosogaranhão que montava.

Lorde Kirkheathe encarou-o com seriedade. Como sempre,Montross estava vestido de maneira extravagante, dessa vez um verdee dourado, já que era tão vaidoso quanto Alícia fora. Também era tãobonito quanto ela, com o corpo magro e os cabelos claros emoldurando-

lhe os traços finos.— Imaginei que o noivo fosse ficar em casa, pelo menos hoje! —Havia um sorriso jocoso em seus lábios.

Então, ele ouvira falar no casamento…— Aliás, foi exatamente .por isso que vim até suas terras —

Montross prosseguia — para desejar-lhe felicidades.— Com vinte soldados?— Uma guarda pessoal, apropriada, nada mais.Todos sabemos que

vivemos tempos perigosos e que certas precauções devem ser

tomadas… Você mesmo, está com dez de seus homens e encontra-seem suas próprias terras!Raymond jamais explicaria que aqueles eram pedreiros e

carpinteiros que o acompanhavam na verificação de pontes e estradas.Na verdade, não tinha a menor intenção de explicar coisa alguma a FaneMontross.

— Certamente vai ser um cavalheiro, convida-me para conhecer

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sua noiva? — insistiu ele, sempre sorrindo!Raymond preferiria manda-lo para o inferno com seus vinte

soldados, mas isso seria fazer o primeiro movimento de hostilidade e jamais agiria assim.

— Por favor — concordou, voltando-se para seu cavalo. Olhou paraAiken e ordenou: — Você e mais quatro, cavalguem atrás dos homens

de Montross.— Sim, meu senhor! — obedeceu o soldado, compreendendo oolhar de seu amo: — Não gostaríamos que nenhum deles se perdesse,não é?

Raymond apenas assentiu e, com um gesto, colocou seus homensem movimento, de volta ao castelo.

— Ainda há mais despensas? — Elizabeth perguntou à criada.— Não, minha senhora — respondeu Rual.

O castelo, pelo que podia entender, era enorme e mal conseguiriase lembrar de tudo que tinha visto. Muito menos conseguir lembrar-sedos nomes de todas as pessoas que lhe tinham sido apresentadas emsua visita a seu novo lar. Repassava, porém, àqueles que tinham ficadogravados, por algum motivo, em sua memória: como Hale, sargento dearmas e segundo em comando na guarnição do castelo. Ele era umhomem forte, de ombros largos e feições rudes que, entretanto, lhesorrira com bondade.

Gostara de ver os pássaros que lorde Kirkheathe possuía, todos

muito fortes e belos animais de caça, em sua maioria. O tratador, umhomem miúdo e calado, apenas a observava, sem sorrir.Lud, na cozinha, e seus ajudantes, tinham sido muito amáveis. Era

estranho, mas Elizabeth percebia que, em Donhallow, todos faziam suastarefas com presteza e com alegria ao mesmo tempo.

A única pessoa que parecia não se encaixar nesse perfil era Greta,a mulher que cuidava da lavanderia, Era magra e tensa, de olhosassustados e dedos longos e finos. Ela lhe parecera nervosa demais eElizabeth tentara deixá-la à vontade, imaginando que sua presença

fosse o motivo para a outra estar tão tensa: Não obteve sucesso,porém, e acabou sentindo-se aliviada ao deixar a lavanderia.A manhã fora cheia para ela e seus pés doíam de tanto que tinha

caminhado pelo castelo. Queria apenas sentar-se um pouco e esperarpelo almoço. Donhallow era tão grande, e populoso, que sentia-se,definitivamente, prostrada.

Conforme caminhava ao lado de Rual, rumo ao hall principal do

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castelo, notou a carroça de um vendedor ambulante próxima à entrada..Um homem estava ao lado dela, falando com os soldados. No assento daboléia havia, uma mulher muito magra, que segurava um bebê.

Sorrindo, Elizabeth aproximou-se, enquanto tanto o homem quantoa mulher pareciam ficar mais assustados.

A mulher, como podia notar, tinha uma aparência muito debilitada

e Elizabeth sorriu-lhe de novo, para tranqüiliza-la.— Posso segurá-la? — pediu, fazendo um leve gesto em direção acriança. — E menino ou menina?

— Menino, senhora — respondeu a mulher, de modo tímido.— Esta é lady Kirkheathe — um dos guardas informou.— Faça o que ela…Elizabeth silenciou-o com um olhar mais firme.— Adoro bebês — explicou — Mas, se preferir continuar segurando-

o, eu entendo.

— Senhora! — avisou Rual, parecendo aflita. — Lorde Kirkheathenão gosta de vendedores ambulantes!O homem que estava ao lado da carroça lançou-lhe um olhar

zangado. Suas roupas pobres não melhoravam sua aparênciaenfraquecida e as coisas que trazia na carroça eram, em sua maioria,quinquilharias sem maior utilidade.

Entretanto, não era o homem nem as coisas quê vendia queinteressavam a Elizabeth.

— Eu não disse que quero comprar alguma coisa — respondeu ela.

— Pôr favor, posso segurar o bebê?— Se hão vai comprar nada, é melhor não ficarmos respondeu ovendedor, mal-humorado.

Elizabeth e a mulher olharam-no, depois olharam uma para a outrae sorriram, enquanto a mãe passava o bebê com cuidado para que ela osegurasse um pouquinho.

— Oh, ele é lindo! — exclamou, vendo o rostinho miúdo e coradoque aparecia por entre o cobertorzinho simples.

A criança, porém, começou a chorar e sua mãe mordeu o lábio.

— Não me importo com o choro — Elizabeth garantiu-lhe. Passou aniná-lo tentando fazer com que se acalmasse.De repente; o bebê parou de chorar, arrotou e passou a olhar para

tudo com alegria. A mãe sorriu enquanto o vendedor, contrariado,fechava a cara.

— Já que não tenho nenhum dinheiro, nada posso comprar, masnão razão para que não fiquem por uma noite e comam com os criados,

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por sua espinha. Ficaria ele zangado ao saber que ela oferecerahospedagem ao vendedor e sua família? No entanto, ele não pareciaaborrecido, não havia nada em sua expressão.

Os olhos de Raymond cerraram-se um pouco mais, conforme lhesinalizava para que se aproximasse. Elizabeth devolveu o bebê à mãe esussurrou-lhe:

— Fiquem, a menos que lhes seja dito o contrário.Ao chegar mais perto de seu marido, Elizabeth notou o olhar doestranho e nele, a expressão de surpresa foi a que chamou-lhe mais aatenção. Imaginou que seus, cabelos deviam estar despenteados, já quetirara a touca quando tivera na lavanderia, onde o ar era quente eabafado devido as roupas que estavam sendo fervidas. Seu nariz deviaestar vermelho porque espirrara demais, já que a umidade da lavanderiadeixara suas roupas colando-lhe ao corpo.

Se o estranho fosse um amigo, isso não teria importância, mas ele

não era… Lorde Kirkheathe era um homem orgulhoso e, certamente, nãogostaria de ver sua feia esposa parecendo-se muito mais com umacriada do que com a dona do castelo.

Sentiu-se corar de vergonha e por estar envergonhando seu maridotambém,

— Elizabeth, este é sir Fane Montross — disse lorde Kirkheathequando ela os alcançou. — Montross, minha esposa, Elizabeth.

Ela fez uma mesura.— Encantada, senhor.

— Sou eu quem está encantado, senhora! — disse o nobre,sorrindo e curvando-se demasiadamente. — Não pude descansar atéconhecer a jovem e bela esposa de Raymond.

— É casado, senhor?A pergunta pegou-o de surpresa, o que a agradou.— Não, senhora. Sinto não ter tido tal sorte ainda.— Entendo… — Elizabeth murmurou, num tom que deixava claro

que ela entendia o porquê, motivo que, aliás, não era muito agradável.Então passou a mão pelo braço do marido, pedindo a Deus que ele

assim o permitisse e não se afastasse. — Vai ficar e comer conosco, eusuponho…Elizabeth sentiu os músculos de seu marido mais tensos. Teria ido

longe demais?— Comer? Bem, seria muito agradável. Já faz muitos anos que não

sou convidado para partilhar uma refeição em Donhallow.— Talvez porque os homens fiquem muito… aborrecidos quando

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não têm companhia feminina — Elizabeth tentou explicar, passando aoutra mão pelo braço forte de lorde Kirkheathe e olhando-o comverdadeira adoração. Podia não ser bonita, pensava, mas daria àqueleimpertinente e vaidoso visitante um motivo para achar que seu maridonão precisava de compaixão.

E notou, que os olhos de Raymond a fixavam com um certo ar de…

interesse, talvez, até de divertimento…— Oh, acredito que não seja necessário temer tal coisa nestecastelo, senhora — respondeu Montross. — Ele nunca ficou semcompanhia feminina…

Se estivesse apaixonada por seu marido, aquelas palavras teriamsido muito doloridas, imaginou. E elas, ainda assim, feriam. Mesmotendo garantido a Lorde Kirkheathe que ele poderia até arranjar umaamante… Não podia então, pensar em reclamar pelo que ele fizera antesde se conhecerem. Voltou-se para Montross com um sorriso nos lábios e

respondeu:— Para um homem tão viril quanto meu marido, não se poderiaesperar nada diferente.

— Kirkheathe teve sorte em encontrar uma esposa tão…compreensiva.

— Sou eu quem teve sorte, senhor — Elizabeth corrigiu — E estoumuito feliz. Abençoada, na verdade — E lançou outro olhar de adoraçãoa lorde Kirkheathe.

— Ouvi dizer, senhora, que veio de um convento…

— De fato. — Ela continuava a acariciar o braço do marido. — E sesoubesse o que estava perdendo, teria fugido de lá há anos. Mas, setivesse feito isso, não estaria casada com meu senhor, portanto achoque foi bem melhor ter permanecido no convento até que meu tio fosseme buscar para trazer-me até aqui. Não concorda?

Capítulo 7

Ali, em pé no pátio do castelo, com Elizabeth ao seu lado,

acariciando-lhe o braço daquela forma, diante de todos, e abertamentedesafiando Montross e ele mesmo com suas palavras inteligentes,Raymond imaginava até que ponto deveria deixar que aquela conversaprosseguisse.

No entanto, para sua própria surpresa, estava gostando daestranha situação. Estava particularmente interessado na consternaçãoque via no rosto de Montross. Ele sempre fora muito seguro de si e tinha

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a língua afiada.Entretanto, quem imaginaria que Elizabeth, que ficara separada do

mundo por tanto tempo, mostrar-se-ia páreo à altura dele, um inimigotão esperto e sofisticado?

E quem poderia imaginar que ele, lorde Kirkheathe, não achariauma demonstração pública de afeto algo desconcertante, mas, ao

contrário, altamente excitante?— Não sabia que estava tão feliz — Montross comentou, aindaembaraçado.

Elizabeth riu mais uma vez.— Parece-me que os boatos voam mais rápido do que os falcões

por aqui, senhor — observou. –Já que sabe tanto sobre nossocasamento e acabamos de nos unir ontem… Além do mais, acredito quenão dê tanto crédito assim a rumores. Eu mesma posso lhe garantir quedepois de tantos anos no convento, não costumo dar ouvidos a fofocas.

— Mas… onde há fumaça… — Montross parecia estar se defendendotanto quanto estaria numa batalha e isso dava um prazer incrível aRaymond.

— Talvez o ditado se aplique em certas situações — Elizabethcontinuava, sem a menor interferência do marido — mas elas são raras.Além do mais, meu marido sabe muito bem o quanto estou feliz, emespecial depois da noite passada, não é verdade, meu senhor? — Esorriu, baixando os olhos, como se estivesse absolutamente embaraçadae alegre ao mesmo tempo.

A implicação de suas palavras era óbvia: que sua noite de núpciasfora maravilhosa.Raymond continuava quieto. Ela era incrível. Quem poderia

imaginar o que diria em seguida? Então erguendo o rosto, tomou aencará-lo. E deu-se conta, de repente, que Elizabeth queria suaparticipação na conversa. Não poderia anunciar seus sentimentos diantede todos!

No entanto, como ela continuasse com aquele olhar indagador eMontross se mexesse, parecendo desconfortável diante da situação,

sabia que teria que dizer ou fazer algo.Levou a mão de Elizabeth aos lábios e beijou-a com suavidade.Foram beijos leves, que seguiram até a palma, quase até o pulso, e quefizeram-na corar vigorosamente.

Raymond notou e surpreendeu-se. Ela corava com um simplesbeijo na palma da mão… Como não ficaria se… de repente, invadido poruma inesperada onda de desejo, ele se endireitou, encarando o outro

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nobre.— Deve perdoar-me, senhor — murmurou Elizabeth, voltando-se

para Montross. — Não deveríamos estar aqui, no pátio. Por favor,acompanhe-nos até nosso hall.

Nosso hall, pensava Raymond conforme se encaminhavam para lá,tendo Montross logo atrás. Se alguma mulher fosse digna de partilhar

aquela casa com ele… E sua riqueza, sua cama…Também imaginara que Alícia seria digna disso. Assim queentraram, Elizabeth segredou-lhe:

— Perdão, senhor, por minha aparência.Lorde Kirkheathe pensou que ela se referisse ao vestido simples

que usava e que ele só percebera naquele momento. Esse sim, não fazia jus a sua beleza. Se estivesse se referindo à falta daquela touca comque chegara, achava ótimo que não a estivesse usando e que seuscabelos pudessem estar soltos daquela forma, como se Elizabeth fosse

um ser selvagem, livre…— Se me desculparem — disse ela, voltando-se para o marido e oconvidado — pretendo trocar este vestido de serviço por algo maisapropriado para receber visitas.

E assim dizendo, apressou-se em subir a escadaria da torre.Vendo-se a sós com seu inimigo, Raymond indicou-lhe uma cadeira, comgesto brusco. A estranheza da situação começava a retomar suaaparência normal.

Jurara, certa vez, que morreria antes de deixar que Montross

adentrasse em sua casa novamente. No entanto, ele estava ali, e comoum convidado de sua esposa… Sua linda e surpreendente esposa.Sentou-se na cadeira enorme, que pertencera a seu pai e Cadmus

veio logo ajeitar-se a seus pés. Houve alguns momentos de umincômodo silêncio, até que Montross o quebrou: I

-Nada parece ter mudado. Nem a mobília, nem a tapeçaria… — Nãohouve resposta. E Montross insistiu:

— Ela sabe sobre Alícia?— Isso é assunto meu e de minha esposa — foi a resposta seca.

Os lábios do visitante se curvaram num sorriso maldoso e ele securvou um pouco para a frente, fazendo Raymond pensar numaserpente pronta a dar o golpe.

— Não, ela não sabe… — Raymond sorriu de leve. Parecia óbvioque Montross não acreditava em sua negativa muda, pois continuava asorrir daquela forma.

— Bem, talvez ela não seja tão feliz e apaixonada quando souber o

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que você fez a minha irmã… — comentou.— Parece estar esquecendo do que sua irmã quase fez contra

mim… — Raymond rosnou.— Sejam quais forem as circunstâncias que envolveram os fatos,

ela deve ter vivido um casamento miserável para querer matar omarido. Talvez apenas isso baste para sua atual esposa…

Lorde Kirkheathe levantou-se, as mãos fechadas em punhos.Cadmus também ergueu-se, rosnando baixinho, ameaçador.— Oh, senhor, sinto muito — ouviu atrás de si e voltou-se para ver

Elizabeth, que retornava. — Pedi que nos servissem vinhoimediatamente. Devia tê-lo feito antes de ir trocar de roupa. Por favor,perdoe-me pela falta de atenção. — Olhou para Montross, que ameaçaralevantar-se, mas que agora sentava-se novamente.

— Quanto ao senhor, peço-lhe desculpas também.Raymond não sabia como agir. Elizabeth achava que se zangara

por ela não ter pedido o vinho antes? questionava-se. A raiva que sentiano momento não tinha absolutamente nada a ver com ela. Exceto quenão queria que ela ficasse sabendo sobre Alícia pelos lábios de FaneMontross.

— Pedi a Rual que informasse a cozinha sobre nossos convidados epreparar locais extras para que durmam no hall — continuou ela.

— Não vamos passar a noite aqui — Montross apressou-se eminformar.

Raymond concordou, em silêncio. Isso seria demais! Não

estenderia sua hospitalidade a tanto. Entretanto, jurara jamais receberMontross em sua casa… seria melhor não jurar tanto antes de conhecersua esposa melhor…

— Não? Talvez, em uma outra oportunidade, então —condescendeu ela.

— Na verdade, não quero abusar de sua bondade, senhora. —Montross pôs-se em pé, disposto a partir.

— Espero que não tenha achado algo de errado na maneira como orecebi…

— Não, senhora. Para ser-lhe franco, considero-a uma pessoamuito gentil. Mas seu marido sabe que não poderei partilhar de suacomida, nem dormir sob este teto, já que ele matou minha irmã.

A mão direita de Raymond, respondendo a um impulso poderoso,foi direto a sua espada, enquanto seus olhos voltavam-se, apreensivos,para Elizabeth.

Ima estranha expressão passou pelo rosto dela, suavizando-se aos

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assunto.— Conversei com Rual esta manhã. Na verdade, quase a forcei a

me contar. Ela não, estava muito disposta a falar, posso lhe garantir.Mas, como insisti muito, ela acabou por me contar que o senhor,acidentalmente, matou sua esposa depois que ela o tinha drogado etentado estrangulá-lo.

Ele assentiu.— Eu não sabia que aquele homem era irmão dela até que ele odisse, no hall — Elizabeth continuou a explicar. — Percebi que sãoinimigos, mas não tinha entendido o motivo até então. Espero que nãoache estranho eu ter percebido… Mas era tão óbvio. Pelo modo como osdois agiam… Ele o odeia e o inveja, meu senhor. E já que matou suairmã, embora em legítima defesa, acredito que tal ódio se justifique. —Elizabeth o olhava com expressão meiga. — Confesso que tive algumasdúvidas quanto ao que o levou-a matar sua ex-esposa, pois, afinal, o

senhor é um guerreiro e ela era apenas uma mulher…Lorde Kirkheathe franziu as sobrancelhas antes de interrompê-la:— "Teve" algumas dúvidas?— Sim, mas lorde Montross as desfez, já que parece-me claro que

ele não hesitaria em levá-lo à justiça do reino caso houvesse a menorevidência para acusá-lo de assassinato. E, como tal não aconteceu,acredito que o senhor não teve culpa em matá-la.

Raymond respirou fundo, era como se lhe tivessem tirado um pesodas costas.

— Não, não tive — reiterou.— Ainda assim, meu senhor, se me permite expressar minhaopinião, acredito que a inveja desse homem é que causa o ódio que, elenutre. Tal sentimento deve ter tido raízes muito antigas.

Raymond apenas a olhou, imaginando como uma jovenzinha podiaadivinhar tanto.

— Você é vidente? — perguntou, quase sem sentir.— Não! Mas pude perceber tudo apenas observando a maneira

como ele olhava para Donhallow e para o senhor.

"E para você", Raymond acrescentou, para si mesmo, lembrando-se de como Montross a olhara. Conhecia o outro muito bem, de suasfarras na juventude, para saber como ele olhava para uma mulher que oagradava.

Um estranho sentimento o invadiu.Seria Elizabeth capaz de traí-lo também? Talvez… Além do mais

qualquer homem que a visse a desejaria. Qualquer um poderia tentar

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tirá-la dele. Uma sensação incômoda passou-lhe pelo peito ao pensar talcoisa. Poderia ser muito ferido por, aquela mulher… E jurara quenenhuma outra mulher o faria, que seria sempre forte.

— Não quero que se zangue comigo, meu, senhor — ouviu-amurmurar.

— Tudo o que precisa fazer é não me dar motivos para tanto —

respondeu frio.— Tentarei não fazê-lo.Elizabeth possuía a voz tão doce, tão frágil imaginou. A voz de uma

mulher que queria agradá-lo e que, entretanto, fora rejeitada. Não haviacomo remediar isso agora. Poderia desejá-la, amá-la de vez em quando,mas, apaixonar-se jamais.

Tomou-a pelos ombros e a fez encará-lo, os grandes e brilhantesolhos surpresos. Então beijou-a com paixão. E descobriu-se espantadodiante do fervor com que ela correspondeu a seu beijo…

Há anos não beijava alguém assim. Não quisera e nem necessitara.Fora um tolo por não tê-la beijado assim na noite anterior, por não teracariciado seu corpo voluptuoso. Devia ter usado sua boca e suas mãospara deixá-la pronta a recebê-lo.

Naquele momento, suas mãos deslizavam com desejo pelas curvasde seu corpo, explorando, procurando, descobrindo… Elizabeth gemeu eisso o excitou ainda mais. Sem deixar de beijá-la, passou a mão porbaixo de suas saias e a ergueu, carregando-a até a mesa. Soltou-a

devagar para que se sentasse à beirada.Só então se afastou para livrar-se de suas próprias roupas.Elizabeth o observava, os olhos brilhantes como os de um gato naescuridão. E quando ele a tomou, foi com prazer que ela sussurrou emseu ouvido:

— Oh, meu senhor, por favor…Raymond não conseguia pensar, tão fora da realidade que se

encontrava. Podia não saber por que Elizabeth o deixava assim, mas,naquele momento, isso não importava. Queria apenas amá-la, sentir o

corpo frágil vibrar junto, ao seu.E, quando tudo ao seu redor deixou de existir, para entregar-se porcompleto ao prazer, abraçou-a com força, não querendo mais se afastar.

— Suponho que isto signifique que estou perdoada… — disse ela,num murmúrio.

— Sim — Raymond sussurrou, quase não podendo falar.— Sinto-me feliz, senhor. Mas… se esta era sua idéia de castigo…

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devo confessar que gostaria de ser impertinente mais vezes para maisser castigada…

Tentando não sorrir, ele se afastou, tornando a vestir-se.— Oh! Meu vestido — gemeu ela, olhando-se. — Está todo

amassado! Oh, não! Eu o estraguei! — E passou a esfregar as mãossobre o veludo, de um modo que, aos olhos de Raymond, era

incrivelmente excitante.— Não. "Eu" o estraguei — ele corrigiu.— Não está zangado por isso também, está?Ele negou,com a cabeça. Estragaria um vestido a cada hora se

fosse para fazê-lo daquela forma, imaginou, divertido.Elizabeth parou de passar as mãos pelo tecido e; encarou-o, com

certo receio no olhar.— Acho que devo confessar mais uma coisa — disse, meiga. Estava

tensa, como se esperasse, que ele a amaldiçoasse ou coisa parecida. —

Um vendedor ambulante, sua esposa e filho estão na cozinha, comendo.Rual me disse que o senhor não aprova a presença de vendedores dessetipo, mas… eu não comprei nada…

— Não faço parte do clero — declarou lorde Kirkheathe, muitosério. — Não faço caridade.

— Senhor, acho que ela precisa apenas se alimentar… o bebê nãoestá doente nem…

— O bebê que você estava segurando?!— Sim, meu senhor. É uma criança saudável e…

Ele não esperou para ouvir mais. Saiu, a passos pesados do solar efoi direto a cozinha, ignorando os olhares assustados dos criados, bemcomo Elizabeth, que apressava-se a seu lado, sem, no entanto conseguiracompanhar seus passos.

Seu pai morrera de uma doença trazida a Donhallow por umvendedor ambulante e ele próprio quase tivera o mesmo destino. Eagora sua esposa deixara que mais um daqueles imprestáveis entrasseem seu castelo, com uma mulher doente! Ela, inclusive, estivera com ofilho deles nos braços!

Ao chegar a cozinha, passou os olhos ao redor, notando o casal quese encolhia num dos cantos enquanto os serviçais preparavam algo paracomerem.

— Fora! — rosnou. — Saiam de Donhallow agora mesmo! O homempuxou a esposa pelo braço. Ela era magra, como Elizabeth dissera. Acriança que trazia nos braços começou a chorar.

— Senhor por favor, não se zangue com eles — Elizabeth pediu,

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vendo-os dirigirem-se à porta. — Foi minha culpa! Rual me avisou!Os criados baixavam a cabeça, amedrontados, enquanto lorde

Kirkheathe voltava-se para a esposa.— Já que estão aqui, um pouco de misericórdia… — pedia ela.— Quem é o senhor aqui? -esbravejou Raymond.— O senhor.

— Então lembre-se sempre disso!Elizabeth assentiu e murmurou:— Lembrarei também o que lhe disse caso aceitasse casar-se

comigo, meu senhor. É o dono e senhor deste castelo e errei aodesobedece-lo. Não tornarei a fazê-lo.

Diante de tanta humildade, Raymond desejou não ter reagido comtanta raiva. Mesmo assim, não queria vendedores ou pedintes emDonhallow, para trazer doenças, intrigas ou armadilhas...

Olhou para a cozinheira e indagou, brusco:

— A comida está pronta?— Sim, meu senhor — Lud respondeu, assustada.— Então, sirva! — E passou por Elizabeth, voltando ao hall. Os

criados apressaram-se a segui-lo e, em segundos, Elizabeth ouviu otilintar de talheres sendo colocados à mesa.

A cozinheira e seus ajudantes, parecendo piedosos, masamedrontados ao mesmo tempo, voltaram a seus afazeres.

Elizabeth pegou um pedaço de pão que ficara sobre a mesa e saiudepressa, passando pelo pátio, atrás do vendedor e de sua esposa. Não

entendia como tudo ficara tão negro de repente. Naquela manhãestivera tão feliz e certa de que tomara a decisão correta ao deixar oconvento! Mas agora, depois de saber algumas coisas sobre seu maridoe de ter visto seu temperamento forte, depois de ter testemunhado suafalta de generosidade… E sem poder dizer ou fazer nada que criticasseseu comportamento, já que jurara-lhe obediência cega… sentia-se umatola.

Passou a mão pelo rosto, por onde rolavam duas lágrimas, e paroudiante dos portões enormes e imponentes. Não queria que os guardas a

vissem chorando.Na verdade, não queria chorar. Escolhera seu caminho. E agorateria de caminhar por ele, não importava quantas pedras houvesse sobseus pés.

Capítulo 8

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Raymond batia o pé direito no cão, impaciente, e esperava. Osoutros, reunidos no hall, também aguardavam, tão silenciosos quantoele próprio, olhando-se, com jeito significativo, para depois voltarem oolhar tenso para o seu senhor.

Ele jamais perguntaria onde sua esposa fora. Isso seria demonstrar

que se importava e os criados poderiam imaginar que ele se importavacom os sentimentos dela. E, se isso acontecesse, ela teria poder sobreele…

Mas, onde ela poderia ter se metido?!, indagava-se. Elizabethcomera como uma esfomeada na noite anterior, mas estava acostumadaas agruras do convento, às privações alimentares, aos jejuns… e, se atinha desapontado demais e ela estava se vingando com uma atitudepuramente infantil, deixando-o à espera, podia estar certa de que issonão o faria arrepende-se.

— Rual! — chamou, a voz carregada de raiva, os olhos brilhando,fixos na criada que esperava, próxima.— Sim, meu senhor? — ela se apressou a atendê-lo.— Sirva a comida.— Mas a senhora…— Agora!Rual assentiu e saiu, apressada, em direção ao corredor que levava

à cozinha. minutos depois voltava, acompanhada de outras serviçais,para trazer à mesa o pão fresco e a manteiga.

Talvez Elizabeth estivesse de volta antes de a refeição terminar,imaginou ele, contrariado. Se isso acontecesse, ele a expulsaria dali atéque o almoço estivesse concluído. Já que ela não se importava em estarali para o começo da refeição, podia perdê-la por completo.

Entretanto, Elizabeth não apareceu nem mesmo quando serviram oprato principal. Sua ausência estava mexendo com os nervos de lordeKirkheathe.

Afinal, o que ela pensava estar fazendo?, indagava-se, alterado.

Com certeza, ela não teria sido tão tola a ponto de sair do castelo…Elizabeth sabia que ele tinha inimigos…Fane Montross faria qualquer coisa para feri-lo, se tivesse uma

chance. E Montross a olhara com cobiça… Se a encontrasse sozinha edesprotegida…

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Raymond levantou-se de repente, fazendo com que a pesadacadeira arranhasse o chão de pedra. E, sem uma palavra a seushomens, dirigiu-se ao pátio, seguido de perto por seu fiel cachorro.

Os dois guardas do portão se endireitaram ao vê-lo aproximar-se.— Senhor! — saudou o mais velho, solene, quando lorde

Kirkheathe parou à sua frente.

— Minha esposa?— Passou por aqui, meu senhor.— Quando?— Há algum tempo.— E para onde foi?— Ela não nos disse, senhor.O olhar do outro guarda se desviou por segundos e Raymond

encarou-o sem expressão.— Eu a vi seguindo na direção da vila, senhor — informou o rapaz,

gaguejando.— Sozinha?— Sim, senhor. Sozinha.— Ela jamais deverá deixar Donhallow sem uma escolta,

entenderam?— Sim, senhor! — os dois soldados responderam em uníssono.O comandante da guarda apareceu à porta dos alojamentos e

apressou-se em sua direção.— Aldo errado, senhor? — perguntou solícito.

— Minha esposa não deverá deixar Donhallow sozinha novamente,Barden!As sobrancelhas do soldado se ergueram.— Se eu não estiver de volta com ela antes que o sol desapareça

atrás do muro oeste, comece a organizar grupos de buscas. — Raymondordenou, o rosto como uma máscara de pedra.

— Sim, senhor.Não havia razão para que lorde Kirkheathe explicasse a Barden o

que temia. O chefe da guarda já ocupava tal posto quando Raymond

ainda brincava nos joelhos de seu pai e conhecia muito bem aanimosidade entre seu senhor e Montross. Também fora ele quem oencontrara, banhado no próprio sangue, ajoelhado ao lado do corpo deAlicia.

Fora o testemunho de Barden ao conde de Chesney, bem como oferimento terrível na garganta de Raymond, que tinham feito com queele não fosse levado ao julgamento do rei sob suspeita de assassinato.

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— Acha que devemos esperar, senhor? — barden perguntou.— Sim.Raymond seguiu para a vila. Elizabeth poderia estar lá, em

segurança, e podia estar se preocupando à toa. Os primeiros habitantespelos quais cruzou no caminho, olharam-no, admirados, pois jamaistinham visto seu senhor entrando na vila a pé. Ele sempre se fazia

acompanhar por uma tropa, e sempre a cavalo.O que poderiam pensar se soubessem que estava atrás de suaesposa?, pensou ele, com crescente frustração. Achariam-no ridículo!Mesmo assim, prosseguiu, decidido a encontrá-la, ignorando a surpresano rosto de seus vassalos. Muitos deles, aliás, desviavam de seucaminho, baixando a cabeça em sinal de respeito.

Onde, em nome do bom Deus, teria Elizabeth ido?!, repetia-se, e acada instante mais tenso. Era como se a terra se tivesse aberto e aengolido… Ou alguém a tivesse raptado…

Passou a mão pela testa suada, olhando ao redor, e começando apensar em voltar ao castelo. Foi então que ouviu-lhe a voz. Ela estavacantando!

Raymond conhecia a canção. Era uma balada sobre um casal deamantes infortunados. Gostava de cantar essa mesma canção quandoera mais jovem, em especial quando fizera a corte a Alicia, quando suavoz ainda era forte e melodiosa.

Para quem Elizabeth estaria cantando agora? E quem a estariaacompanhando com uma harpa, como ele fizera com Alicia?

Seguiu a música, entrando num beco e indo até o fim de mesmo.Elizabeth estava na última e mais pobre moradia dali, junto àsmuralhas da vila. E, como a porta estivera aberta, não lhe foi difícil versua esposa. A música parou, então, e ela riu. Uma risada leve e alegre…

Raymond espiou, sorrateiro, vendo a sala na qual havia muitospedaços de madeira e instrumentos incompletos. Um homemextremamente velho estava sentado num banco tosco, coberto deraspas de madeira e ferramentas.

Raymond nem mesmo sabia que havia um homem que fazia

instrumentos musicais na vila…Perto do velho, num banquinho baixo, Elizabeth segurava umaharpa feita de madeira clara. Um raio de sol passava pela janela eatingia-lhe os cabelos.

— Toca muito bem, senhora — elogiou o ancião, em seu sorrisosem dentes.

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— Não… Você é que é muito gentil Johannes. É óbvio que não tocohá muito tempo. Mal pude me lembrar das palavras da canção…

— Mas sua voz é como a de um anjo.Ela não só cantava como um anjo, Raymond pensou, mas se

parecia com um. E o que estava ele fazendo ali, como um espião,cruzando a vila a pé e espiando por uma fresta da porta? Aquela era

 “sua” esposa, e estavam em “sua” vila, protegida por “seu” castelo!Saiu de detrás da porta e entrou na sala a passos firmes.Com um sobressalto, Elizabeth levantou-se, deixando a harpa, que

acabou caindo no chão coberto de serragem.O velho senhor, respirando com dificuldade, ergueu-se também.— Este é meu marido, lorde Kirkheathe — Elizabeth apresentou,

depois de se acalmar, como se aquele velho senhor fosse um nobre quemerecesse o mesmo tratamento dado aos ricos e poderosos. — Meusenhor, este é Johannes. Ele faz harpas.

— Venha — foi a única resposta de Raymond, estendendo o braçopara segurá-la.Elizabeth porém, moveu-se com graça e leveza, afastando-se,

pegando o instrumento que caíra e entregando-o ao velho senhor.– Ainda bem que não quebrou…O homem manteve o instrumento afastado do corpo, como se

quisesse que Elizabeth ficasse com ele, mas antes que ela pudessepegá-lo novamente, Raymond colocou-se entre ambos, olhando-a, muitosério, e repetindo:

— Venha!estava descobrindo que sua esposa tinha opiniãotambém. Entretanto, ela nada disse, apenas voltou-se para a porta ecomeçou a andar. Ele a seguiu, segurando-a, fazendo-a parar já na rua.

— Jamais deixe Donhallow sozinha outra vez! — rosnou.Elizabeth ergueu a cabeça e encarou-o altiva.— Sou sua prisioneira?Lorde Kirkheathe nunca encontrara uma mulher que o desafiasse

daquela forma.— Sabe muito bem que não.

— Então, porque devo ser tratada como uma?Ela devia ter confundido a reverenda madre, no convento,Raymond pensou, atônito. E a freira devia estar acostumada a obterobediência cega, como ele próprio… Podia entender o que a religiosasentira, mas de repente, deu-se conta de que admirava Elizabeth.

— Precisa de um guarda — disse apenas, mais calmo.

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— Até mesmo aqui? Não imaginei que corresse perigo em nossaprópria vila… Na verdade, achei que meu nobre marido estivesse tãozangado e furioso comigo, que minha presença pudesse lhe causarindigestão na hora do almoço.

Lorde Kirkheathe lançou-lhe um olhar cético.Elizabeth prosseguiu:

— Bem… talvez não tenha sido isso… Talvez eu não quisesse comerem sua companhia quando estava com tal humor… então… vim para avila.

— Sem permissão.— Sim, meu senhor. Sem permissão.Raymond aproximou-se e, ao fazê-lo e vê-la tão de perto, quase se

esqueceu do que ia dizer e do motivo pelo qual se zangara.— Lembre-se de que tenho inimigos — avisou — e eles podem ser

tão audazes quanto você.

Elizabeth ergueu os olhos para encará-lo.Não sou sua inimiga, meu senhor — sussurrou, causando umarrepio em todo corpo de Raymond.

Mas sua mente insistia em alertá-lo: “Ela ainda não é sua inimiga!” Como Alicia… Ela não fora sua inimiga quando se casaram, tinhacerteza… Então, sem mais nada dizer, colocou a mão de Elizabeth emseu braço e, em silêncio acompanhou-a de volta a Donhallow.

Naquela noite, Elizabeth recostou-se ao lado da janela de seu

quarto, observando as sombras que a luz do luar projetava na muradado castelo. O céu, muito negro, estava coberto de estrelas. Olhou-as,imaginando se cada estrela estaria ali sozinha ou se elas formariamfamílias, estando sempre unidas em harmonia. Ficava feliz ao pensarque assim era. Talvez ela própria, um dia ainda fizesse parte de umafamília novamente. Se conseguisse aprender a segurar a língua e serobediente, dócil, como prometera a seu marido que seria. Mas… e senão conseguisse? Até o presente, ao que parecia, não conseguira. Talvezlorde Kirkheathe já estivesse, até, pensando em anular seu casamento e

mandá-la de volta ao convento. Mesmo assim, o casamento já foraconsumado. Ele não poderia agir assim.Cinco das mulheres que conhecera no convento tinham sido

enviadas para lá porque seus maridos, insatisfeitos, haviam encontradoalguma nódoa obscura em seus laços matrimoniais que os tornava, decerta forma, ilegais.

Era um ardil muito bem planejado por todos eles, mas tinha

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comida deliciosa que Lud preparava como ninguém, e a falta deconversa apenas deixava-a mais ansiosa.

Tornou a olhar pela janela. Não podia ver mais ninguém dali.Continuava pensando, porém. Eram marido e mulher e isso nãoimplicava necessariamente que tivessem de ver-se o tempo todo. Mastinha prometido ser boa e dedicada, e era isso o que faria.

Entretanto, como seu marido, lorde Kirkheathe não tinha certasobrigações também? Estaria errada em querer que ele a respeitasse e,até, se afeiçoasse a ela?

Apesar de seus pensamentos ousados, ao ouvir os passos firmes deseu marido aproximando-se da porta, correu a enfiar-se entre ascobertas. Podia também ouvir o ruído das unhas de Cadmus, seguindo-o. Puxou as cobertas até o queixo, vendo o cão entrar e começar afarejar o quarto todo.

De que adiantava isso?, pensou. Se houvesse algum estranho ali

ela já estaria morta.— Não há ninguém aqui além de mim, senhor. — declarou,tentando encontrar forças para não temer o cachorro.

— Já lhe disse que ele não morde — lorde Kirkheathe esclareceusem se voltar…

— Eu não me surpreenderia se Cadmus me considerasse umaestranha…

Então, como para provar que ela estava enganada, o grandeanimal, apoiou a cabeça sobre a cama e olhou-a com um ar que mais se

aproximava da devoção absoluta do que de qualquer outra coisa.Talvez, ela fosse… apetitosa, pensou Elizabeth, sentindo um friopercorrer-lhe a espinha.

— A aparência dele pode ser mais feroz do que sua natureza — elacontinuou, ainda encolhendo — mas não tenho como me certificar deque ele possa ter uma atitude repentina. Afinal, conheço-o há muitopouco tempo.

Raymond voltou-se devagar para vê-la.Elizabeth prosseguiu, no mesmo tom casual:

— Às vezes pode ser difícil ajustar-se a novas pessoas…— Talvez — ouviu-o.— Além do mais, pode-se cometer erros sem intenção — ela

aproveitou para acrescentar, percebendo que ganhava sua atenção.Raymond encarou-a por longos momentos. Por fim, disse:-Há muitos anos, um vendedor ambulante apareceu aqui e trouxe

uma doença terrível. Já chegou doente e acabou por espalhar seu mal a

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muita gente. Eu e meu pai, inclusive. Muitas outras pessoas acabaramadoecendo, em especial os velhos e as crianças. Várias pessoasmorreram, meu pai entre elas.

Elizabeth arregalou os olhos.— Sinto muito, meu senhor. Eu não sabia… — desculpou-se de

pronto. — Não teria ficado tão aborrecida quando o senhor mandou

aquela gente embora, se soubesse dessa história.— Esses homens são, na maioria das vezes, desonestos também,Elizabeth — ele acrescentou, enxugando o corpo com uma toalha quepegara do armário, — Não quero que meus vassalos, guardas ouprotegidos sejam enganados por eles.

— Entendo isso também, senhor. E para falar a verdade, acreditoque aquele vendedor não fosse muito honesto, de fato. Eram a mulher ea criança que, eu queria ajudar.

— Eu sei. Poderia ter-lhe explicado tudo sem me alterar. Mas… não

podia imaginar que minha esposa se sentisse tão… feliz em partilhar seualimento.— Ensinaram-me que a dona de um castelo deve ser caridosa,

senhor. No futuro, porém, perguntarei primeiro.— Ótimo.Raymond começou a se despir, o que acelerou, de imediato o

coração de Elizabeth. No entanto, não queria distrair-se.— Senhor, como meu marido, devo respeitá-lo e honrá-lo e

perguntarei sempre antes de fazer qualquer ato de caridade. Sinto se

lhe causei algum problema, mas… eu… — Elizabeth respirou fundo antesde completar: — …eu não quero temê-lo.Raymond encarou-a por longos segundos. No entanto, era como se

alguma coisa dentro dele estivesse se modificando. Sua expressãosuavizou-se, embora muito pouco, mas o suficiente para alertá-la deque estava sendo sincero ao dizer:

— Também não quero que tenha medo de mim.Uma, estranha sensação de alívio e alegria a invadiu. Uma

sensação muito parecida com a que a tomava quando estava roubando

comida no convento e quase a surpreendiam… Ousadia era o nome detal sensação. E foi o que a levou a indagar:— Senhor; diga-me, então é seu costume estar sempre de mau

humor?Ele ergueu as sobrancelhas, mas não respondeu. Elizabeth sentiu,

de imediato, que poderia ter novamente estragado tudo com sua línguasolta.

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Quis consertar o que dissera com mais palavras que pareciam vir asua boca antes que pudesse conte-las:

— Talvez fique assim apenas à noite, então? Se assim for, podereipegar minhas agulhas e começar a bordar, mesmo detestando talpassatempo. Também poderia aprender a jogar xadrez, embora mepareça um jogo cansativo… Vi a reverenda madre e uma das irmãs

 jogando, certa vez, enquanto eu esfregava o chão do quarto. Elasficavam lá, sentadas, olhando para o tabuleiro, e não faziam mais nada.Ah, também posso ficar calada se o senhor assim preferir.

Raymond mais uma vez encarou-a com as sobrancelhas erguidas.— Posso garantir que consigo ficar calada, se for obrigada — ela

prosseguia. — O bom Deus sabe que tive muitos anos para treinar…Aliás, poderei suportar a tortura do silêncio com mais resignação se osenhor me garantir que não está me ignorando de propósito. Sabe, nãogosto de ser ignorada…

Um certo ar de riso apareceu no rosto dele.— Já notei — comentou.— E, comparada a algumas pessoas — Elizabeth seguia em frente,

mais aliviada — posso não ter, uma natureza quieta, mas jamais foi demeu feitio buscar atenção sem motivo algum. No convento, fiz tudo oque pude para que não me notassem, mas não tive muito sucesso…

— Acredito…— Quero apenas que entenda que não quero ser ignorada quando

fizer alguma coisa que o desagrade. Posso aprender com meus erros e

lembro-me muito bem do juramento que fiz quando concordou em secasar comigo.— Que bom! — Raymond sentou-se na cama e tirou as botas,

depois levantou-se e tirou as roupas íntimas. E, quando olhou paraElizabeth, houve mais alguma coisa que ela percebeu que jamaisesqueceria: como ele a tomara com paixão no solar, naquela manhã.

Elizabeth engoliu em seco.— Se não quiser conversar comigo — murmurou — é claro que não

espero que se force a fazê-lo, senhor. Como eu disse, posso ficar calada

e… Raymond deitou-se a seu lado.— Elizabeth, fique calada — disse na voz rouca e baixa, tomando-a

em seus braços e cobrindo-lhe a boca com um beijo ardente.E, sem querer dizer mais nada, Elizabeth correspondeu ao beijo

com paixão. Raymond a acariciava com a certeza de que não seriarecusado, aprofundava o beijo cada vez mais. E, com a mesma

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delicadeza com que um músico saberia tocar seu instrumento, passou aacariciá-la, sabendo tocar os lugares que a deixavam mais vulnerável eentregue.

Elizabeth, porém, não era passiva nem na vida, nem na cama. Nãopodia resistir à urgência em acariciar o corpo de seu marido também, desentir cada cicatriz, e de sentir-se maravilhada diante de cada gemido

que conseguia tirar de sua boca.— Podemos fazer isto duas vezes no mesmo dia? — perguntou,inocente, olhando-o nos olhos.

Raymond afastou-se um pouco.— Se você quiser… — respondeu.Elizabeth abriu um sorriso maravilhoso. Não precisava responder.— Então, deixe-me prepará-la — ouviu, sem entender.— Como? — ela indagou, o coração batendo descompassado.— Assim…

Capítulo 9

Raymond começou por acariciar-lhe a planta dos pés, com muitasuavidade, provocando em Elizabeth sensações com as quais jamaissonhara. Depois, sempre com toques muito suaves, passou os dedos porsua perna e, ao mesmo tempo, beijou-lhe o pescoço e os ombros deleve, quase com cuidado, como se estivesse beijando as pétalas de umaflor.

Em seguida, e sem deixar de beijar-lhe a pele macia do ombro,acariciou-lhe os seios por sobre o tecido da camisola fina, causando-lhearrepios pela espinha. Com a respiração presa, Elizabeth arqueou ocorpo para trás, querendo ser abraçada com a mesma força que jáexperimentara nos braços do marido.

Mas ele apenas continuou com os carinhos, deixado-a maisentregue. Suas mãos tocavam-na em locais onde ninguém a haviatocado e com tamanha doçura, que a fazia sentir-se como uma delicadapeça de fino cristal.

— Ame-me, meu senhor — gemeu, num sussurro. — Por favor…Raymond parou de acariciá-la, o que a fez  abrir os olhos deimediato, temendo que o tivesse aborrecido com seu pedido.

— O que foi? — apressou-se em perguntar. — O que fiz de errado?— Você? — A voz dele estava tão baixa que Elizabeth mal podia

ouvi-lo. E seus olhos brilhavam, intensamente. — Você não fez nada…— Mas… deveria ter dito? Há algo que quer que eu faça? — No

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medo, ela parecia mais ansiosa, mais tímida, certa de que deveria haveralguma coisa a mais que poderia fazer para agradá-lo. Queria participarmais, saber o que fazer em momentos tão íntimos quanto os queestavam vivendo.

E, determinada a mostrar que podia aprender ergueu as mãos etocou-o, com a mesma leveza, a mesma delicadeza que Raymond usara

em seu corpo.Ele apenas cerrou os olhos e prendeu a respiração. Elizabethsegurou-lhe os ombros e ergueu o corpo, para poder atingir-lhe oslábios num beijo suave e sensual ao mesmo tempo, seus dedosenfiavam-se por entre os cabelos dele, crispados no delírio da paixão.

Raymond não conseguiu esperar. Possuiu-a com um desejointenso, alucinante, como jamais sentira, por mulher alguma, inclusiveAlicia. E sua paixão deixavam-no mais forte, mais rígido, ferindo-a umpouco. Elizabeth, porém, não protestou.

Ele era seu marido e tinha o direito de amá-la como quisesse.Instantes depois, quando ele, já exausto deixava o peso de seucorpo cair sobre o de Elizabeth, percebeu que ela estava quieta demais,o que não era de seu feitio. Ergueu-se nos cotovelos, então, encarando-a.

— O que foi? — perguntou, sem voz.— Foi… um tanto doloroso, meu senhor.Raymond afastou-se mais, deitando-se a seu lado.— Por que não me disse? — indagou, seriamente preocupado.

— Porque o senhor é meu marido.— Mas não quero feri-la.— Mas se quisermos ter um, filho…— Eu poderia ter esperado mais um dia ou dois. Talvez até, mais.— Talvez eu, não. Quero dar-lhe um filho, senhor.— Então… isto nada mais é do que um dever a ser cumprido?

Elizabeth gostaria de conhecê-lo melhor para poder dizer-lhe as palavrascertas.

— Quer que eu lhe dê uma resposta honesta, senhor, ou a que uma

dama daria?Ele, a olhou profundamente por alguns segundos antes deresponder:

— Quero que seja franca.— Então, confesso que, com satisfação, suportaria o sofrimento que

acabei de ter, mesmo se não fosse para termos um filho…Um lento sorriso apareceu nos lábios dele e tal expressão de alegria

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deixou-a feliz também.— Venha — chamou Raymond, estendendo o braço para que

Elizabeth se aninhasse contra seu peito. Agora, já não dava uma ordem,mas um pedido. E um pedido que ela estava satisfeita em poderatender.

Raymond sentiu os dedos serem lambidos.— Cadmus! — repreendeu, com voz de sono, voltando-se para cimae enfiando as mãos sob as cobertas.

— Não… Sou eu, meu senhor… — Raymond abriu os olhos para, verElizabeth ao lado da cama, já usando aquele soturno vestido de lãescura, com o qual chegara ao castelo.

Seus belos cabelos estavam cobertos por um cachecol queamarrava no queixo.

Mesmo assim, pensou ele, com apenas o rosto à mostra, ela era

linda.— Você me lambeu? — estranhou, mesmo acreditando que suaesposa seria capaz de fazer algo tão… diferente, excitante e diferente.

— Não. Eu beijei sua mão. — Havia um sorriso puro e temo noslábios dela.

Raymond passou a mão por sua nuca e trouxe-a para um beijoardente.

— Volte para a cama — disse em seguida.Ela, porém, se afastou.

— Mas o dia já vai amanhecer, meu senhor!Ele olhou para a janela, percebendo, contrariado, que ela tinharazão.

— Acordei há pouco — Elizabeth explicou.Ele ergueu as sobrancelhas, sem, entender, ouvindo a explicação:— Na verdade, acordei antes da madrugada terminar e… bem,

como o senhor observou-me enquanto eu dormia ontem, achei que hojepoderia ficar observando-o também… Sabe que parece ser muito mais jovem quando está adormecido?

Mais jovem e mais vulnerável, Raymond pensou com amargura.Mas Elizabeth era diferente de Alicia e, como ele próprio dissera na noiteanterior, ela nada fizera para levantar suas suspeitas: No entanto, Aliciatambém não o fizera. Não até que sentisse aquela fina tira de couroapertando-lhe a garganta mais e mais…

— Eu disse algo errado? — ela preocupou-se, notando sua expressão sériae pensativa. — Eu não quis dizer que há algo de ruim no modo como o senhor

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dorme e muito menos que, ao estar acordado não tem tão boa aparência…Tais palavras fizeram-no sorrir.— Está dolorida ainda? — quis saber.— Não muito.De repente, uma onda de desejo passou-lhe pelo corpo, poderosa e

primitiva. Entretanto, como prometera na noite anterior, seria paciente.

Queria muito que o corpo de Elizabeth se acostumasse ao seu.Levantou-se, iniciando sua higiene matinal, enquanto, ela o seguiacom o olhar.

— Rual disse-me que o senhor não tem um valete — ela comentou,vendo-o vestir-se.

Raymond apenas assentiu. Elizabeth sentou-se na cama, as mãospostas no colo, os olhos seguindo cada movimento que ele fazia.

— Acho que sua vida deve ser muito movimentada, com tantascoisas a fazer no castelo e na vila, tendo de cuidar de tudo sozinho… —

passou a falar, já que, absolutamente, não conseguia ficar calada. —Imagino que alguém tão poderoso como o senhor devesse ter auxiliarespara cuidar de suas propriedades. Não os tem para tomar conta de suasoutras terras?

— Não tenho outras terras, nem outras propriedades.— Não?— Não.— Mas meu tio disse que… — Elizabeth interrompeu-se, pensativa.

Na verdade, seu tio nada dissera propriamente, apenas a fizera

acreditar, na riqueza imensa de seu futuro marido…Raymond terminava de colocar a túnica. Esperava que Elizabethnão lhe perguntasse sobre seu dinheiro.

— Bem, uma vasta propriedade é bem melhor do que váriaspequenas. — ouviu-a observar, como se fosse perita no assunto, esorriu de leve. Ela prosseguia: — Já pensou como seria terrível termosque ficar viajando o tempo todo, de unia para à outra. Qual é a extensãode sua propriedade, senhor?

— É grande o suficiente. — Maior do que a de Montross, pelo

menos, pensou ele satisfeito.— Sabe, não quero ser intrometida.Raymond nada disse, afivelando o cinto da espada.— Vai sair a cavalo hoje, meu senhor?Ele tornou a assentir.— Costuma patrulhar a propriedade porque teme problemas

maiores? Está á espera de algum ataque? Porque devo dizer que duvido

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que alguém tentasse atacá-lo.Ele tornou a sorrir e, dessa vez, respondeu:— Mas, poderiam tentar, se achassem que teriam alguma chance.Elizabeth levantou-se e, caminhando devagar, veio em sua direção.

Raymond continuou a falar, subitamente receoso de que se não ofizesse, a beleza que ela irradiava pudesse deixa-lo à sua mercê.

— Também procuramos ladrões de caça e ladrões comuns.Verificamos o estado das estradas ê dos bosques, bem como o daspontes. São muitas coisas que precisam estar em ordem.

— Se, algum homem tentasse atacá-lo, ou a seu castelo, seria umgrande tolo — Elizabeth murmurou, tocando-lhe o peito com mãossuaves.

Procurando manter o controle, ele as tomou e afastou-as avisando:— Pare, ou poderá não sarar…Com um sorriso misto de ternura e timidez, Elizabeth baixou a

cabeça e passou os braços pela cintura do marido, apoiando a cabeçaem seu peito.— É uma pena… — sussurrou. — Quero tanto ter um filho seu, meu

senhor!— Quer um filho, ou um filho meu?Ela ergueu os olhos para vê-lo. Sorria, sincera.— Seu, meu lorde Kirkheathe. Seu!Raymond baixou a cabeça e beijou-a, incapaz de controlar-se por

mais tempo. Abraçava-a com força, querendo esquecer as recordações

amargas de seu passado e a suspeita terrível que sempre o assombraradepois da morte da primeira esposa. Queria poder enterrar o quepassara, renascer, ser capaz de amar de novo e, em especial, deconfiar. Talvez um dia…

Cadmus choramingou junto à porta e Raymond teve de interrompero beijo, relutante.

— Acho que ele quer sair — ela concluiu. — Acho que eutambém. Estou com fome. E preciso manter minhas forças… —acrescentou, com um sorriso malicioso.

Lorde Kirkheathe foi até a porta e deixou o cachorro sair, depois esperouque Elizabeth tomasse seu braço para, juntos, seguirem até a capela, para amissa matinal.

— Posso seguir com o senhor em sua ronda de hoje? — elaperguntou, quando já estavam no corredor.

Raymond parou de andar e olhou-a, sem entender aquele pedido.Mas os olhos dela brilhavam, inocentes e doces, desarmando-o,

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enquanto dizia:— Cadmus não é o único que tem estado dentro de casa por muito

tempo, meu senhor. A viagem até aqui foi a primeira oportunidade quetive, em treze anos dentro dos muros do convento, para sair e ver omundo. E ontem foi a primeira chance de liberdade que pude apreciar.Gostaria tanto de conhecer sua propriedade, se for possível… O dia

promete ser muito bom e acho que não estou tão dolorida assim quenão possa cavalar…Ele pensava. Por que não? Por que não deixar que Elizabeth o

acompanhasse. No entanto, se permitisse tal coisa, que tipo deprecedente estaria abrindo?

— Lembro-me de ter prometido que não iria pedir nada… — tentoubarganhar.

— Oh… — Elizabeth baixou os olhos humildes — esqueci mais umavez… Sinto muito, meu senhor.

Continuaram seguindo. O que ela pedira era um quase nada ecustaria tão pouco! Raymond considerava. Não precisava deixá-la assimtão triste. Além do mais, os moradores de sua propriedade, seusvassalos mais distantes deveriam vê-la, como os habitantes da vila játinham feito. Eles tinham que conhecer sua valiosa, ousada e belaesposa.

Sentiu orgulho novamente, como quando vira a expressão surpresade Montross diante de Elizabeth.

— Pode vir comigo — concordou, por fim, vendo que ela tornava a

erguer a cabeça.No entanto, sua expressão não parecia feliz.— Talvez fosse melhor para mim permanecer aqui.— Mais eu disse que pode vir comigo.— E isso é uma ordem, meu senhor?Confuso, Raymond meneou a cabeça.— Não… Eu… gostaria que me acompanhasse.Elizabeth tornou a baixar a cabeça, passou a mão pelo rosto…

Estaria disfarçando a presença de lágrimas?

Raymond tornou a interromper os passos, tomando-a pelos ombrose encarando-a. Mas ela teimava em manter o rosto baixo.— Se eu o embaraço, senhor, ficarei feliz em permanecer no

castelo — insistiu.Embaraçá-lo… E como isso poderia acontecer?!, Raymond

imaginou. Sendo a mais bela e apaixonada esposa que poderia esperarencontrar?

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— Não, você não me embaraça, Elizabeth.Mas, ela continuava a olhar para o chão. Ou talvez fossem suas

roupas. Devia ser isso! Ela tinha vergonha das roupas que usava! Iriacomprar-lhe roupas novas com um pouco do dinheiro do dote.

— Elizabeth, não me envergonho de você — repetiu, querendo vê-la mais animada.

Ela ergueu os olhos, os esplêndidos olhos que brilhavam de modoincrível e que o conquistavam mais e mais a cada momento. Haviaesperança e de vida neles.

— Não se envergonha de mim? — indagou ela em vozextremamente suave.

— Mas é claro que não!— Então… ficarei muito feliz em acompanhá-lo na ronda pela

propriedade. Desde que disponha de uma, égua boazinha, e nãopretenda seguir com muita pressa. Deve lembrar-se senhor, que embora

não muito, ainda estou um pouco dolorida…— Estou feliz por ver que tem um bosque tão grande, meu senhor!

— Elizabeth comentou, cavalgando ao lado do marido numa éguaexcepcionalmente mansa.

A temperatura estava um tanto baixa, mas, acima deles, o céuestava magnífico, de um azul profundo, intenso. Não havia nevecobrindo o terreno e, ao sol, poderiam imaginar, até, que estavam naprimavera.

— Sabe, quando eu e meu tio nos aproximávamos do castelo, vindo pelolado oeste, devo confessar que minha impressão era a de que ele estava numterreno muito árido.

Ao contrário, como podia ver agora, ao sul e leste havia matas de váriostipos e tamanhos. E, como predissera, o dia estava maravilhoso paracavalgarem. Elizabeth estava feliz como nunca, seguindo ao lado de seumarido, os soldados vindo pouco mais atrás, caçados e, servis. Mas não haviamais ninguém observando-os.

Em Donhallow, era sempre o alvo dás atenções. Não, que não estivesseacostumada a isso, o que era comum no convento, mas o motivo de ser

observada naquela época, era por causa dos seus erros. As garotas e mulheresque lá estavam sempre à viam como foco de problemas ou olhavam-na apenasporque sentiam pena, por verem como era castigada.

Já em Donhallow, mesmo chamando a atenção de todos, Elizabethpercebia, que, ao surpreender olhares, as pessoas baixavam a cabeça ecoravam, e muitas vezes desviavam o olhar, como se fossem eles ospecadores. Todos, menos Rual. Ela sempre encarava Elizabeth com

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franqueza, o que a agradava. E isso, como sempre se lembrava, iacontra os princípios básicos sobre uma dama, que lady Katherine lheensinara.

Aliás, lembrando-se de lady Katherine, Elizabeth dava-se conta deque jamais percebera naquela mulher o menor traço de felicidade. Noentanto, uma das últimas garotas a entrar para o convento, dissera que

ela estava casada. Isso não parecera ser possível, já que era umamulher tão austera, e Elizabeth imaginava que tipo de homem poderiater conseguido conquistar o coração de sua antiga mãe adotiva. Umhomem tão severo quanto lorde Kirkheathe, talvez…

Ela ergueu os olhos para vê-lo, altivo e elegante, a seu lado, esentiu-se, de repente, muito parecida com lady Katherine, desejandoque aquela mulher fosse feliz em seu casamento.

Um coelho apareceu correndo, logo adiante, depois parou, no meioda estrada, olhando, assustado e curioso, como se não pudesse

acreditar que alguém ousava perturbar sua paz naquele local. Emseguida, sempre muito rápido, ele sumiu dentro da mata. Elizabeth riudo jeito do animalzinho e Cadmus, latindo, saiu correndo em suaperseguição.

— Espero que ele não o alcance — desejou ela. — Seria uma penaver um bichinho tão gracioso terminar seus dias nos dentes de um cão…

— É da natureza canina perseguir coelhos — respondeu Raymond,sério.

— Ah, mas eu queria que aquele escapasse de tal destino! Cadmus

terá velocidade suficiente para pegá-lo?— Ele é um bom caçador…— E o senhor também, não? Mas não trouxe seus falcões…— Hoje não é dia de caçada.— Para nós, não. Mas, para Cadmus…— Com efeito. Para Cadmus, sim.Continuaram em silêncio e, conforme seguiam, Elizabeth percebeu

o quanto se sentia livre e feliz. E o quanto gostaria que a reverendamadre a visse. Era como se sua alegria atual pudesse compensar todos

os anos de sofrimento pelos quais passara.No entanto, a conversa que acabara de ter com o marido, a fizerapensar em comida e isso a levava a pensar nas garotas que tinhamficado no convento. Com sorte, uma delas poderia ficar ousada osuficiente para continuar roubando comida para as menores…

Foi então que Elizabeth teve uma idéia. E, quanto mais pensavanela, mais animada ficava. Se, seu marido se mostrasse aberto a sua

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dela, enquanto seguiam pelo bosque.Talvez ele estivesse pensando em fazer algo mais além de beberem

água, e visão de uma cabana abandonada a alguns metros de distânciafez com que isso parecesse uma possibilidade para Elizabeth. Até queele parou junto a um pequeno córrego, dizendo apenas:

— Beba.

Ela se ajoelhou à margem e, com as mãos postas em concha,bebeu a água límpida e fresca. Voltou-se, então, notando que lordeKirkheathe a olhava com intensidade. Sentiu haver desejo naqueleolhar.

— Não… está com sede também, meu senhor? — indagou,submissa.

Ele negou com a cabeça.— Nem com fome?Um sorriso lento apareceu em seus lábios.

— Eu também — Elizabeth sussurrou, levantando-se.Muito embora meu estômago esteja satisfeito…Um brilho intenso surgiu nos olhos de Raymond. Poderia nunca

mais haver um momento tão oportuno, tão delicioso, pensou.— Sabe, as moças que ficaram no convento… devem estar famintas

— Elizabeth comentou, deixando-o surpreso com a mudança de assunto.— Acha, senhor, que eu poderia escrever ao bispo e contar-lhe todo osofrimento pelo qual elas passam lá? Tenho certeza de que a reverendamadre é muito bem paga para cuidar das moças, mas fica com a maior

parte do dinheiro.Respirou fundo e continuou:— Infelizmente, há pouquíssimos visitantes e as garotas são

proibidas de escreverem para suas famílias, muito embora poucas delassaibam como fazê-lo. E agora que estou livre, graças ao senhor, achoque seria muito egoísmo de minha parte se nada fizesse para ajudarminhas antigas colegas de infortúnio. Acho que devo ajudá-las. Podemnão ter a sorte que tive, dê casar-se com um homem como o senhor, e…— Ao ver a expressão no rosto do marido, Elizabeth interrompeu-se.

— Isso é um outro pedido? — indagou ele, erguendo assobrancelhas.— Não estou pedindo por mim, senhor, mas pelas moças. E eu me

envergonharia se as esquecesse.— Então, escreva ao bispo.— Oh, obrigada, meu senhor! — Elizabeth aproximou-se, exultante,

e abraçou-o. — E tão generoso!

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— Talvez não adiante…Ela ergueu os olhos, o sorriso menor nos lábios.— Mas vou tentar assim mesmo. Pelo menos, a reverenda madre

saberá que não pretendo guardar silêncio, sobre o que acontece ládentro.

Raymond ergueu as sobrancelhas.

— Guardar silêncio? Você? — comentou.— Falo demais para seu gosto, não é, meu senhor? Mas posso mecalar, se isso o agradar.

— Não, isso não vai me agradar. Fale-me sobre a reverenda madre.Uma expressão de repulsa apareceu no rosto de Elizabeth.— Eu prefiro não fazê-lo, senhor — disse, humilde.— Então, fale-me sobre as moças.— Não há muito a dizer. Não tínhamos muitas oportunidades para

conversar, portanto, quando digo que posso ficar calada, acredite, meu

senhor. Ficávamos semanas sem falar. E não podíamos conversarquando estávamos em nossas celas, para dormir. Também nãopodíamos quando estávamos trabalhando, nem quando havia missa, emuito menos a mesa, durante as refeições. — Elizabeth recomeçou acaminhar e Raymond a imitou, seguindo-a de perto.

— É, foi muito difícil para mim. E essa era uma das razões pelaqual fui  punida. Sabe, eu tentava apenas sussurrar, mas sempre meouviam… Acho que sempre fui muito melhor sem roubar comida…

— E como era punida?

Ela engoliu em seco antes de responder:— Batiam em mim com um açoite, como já pôde notar pelascicatrizes em minhas costas. Também me obrigavam a fazer vigíliasfreqüentes e a esfregar o chão, porque sabiam que eu detestava fazê-lo.Sabe, a água fria, as pedras em meus joelhos… Havia dias em que euachava que meus joelhos jamais parariam de doer.

— Continue.— Não há mais nada a dizer. Não sobre aquele lugar terrível. Mas

gostaria de falar sobre outras coisas.

— Muito bem. Como quiser.— Não temos que voltar? Os soldados estão esperando…— Deixe-os esperar.

Capítulo 10

Lorde Kirkheathe caminhou até um tronco caído e sentou-se. Então

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fez um sinal a Elizabeth para que fizesse o mesmo, a seu lado. Ela sesentia livre para pensar, falar e agir. E, com tal liberdade, contou a seumarido sobre seus pais e sobre suas mortes prematuras, sobre os anostodos em que foi levada de casa em casa de parentes e conhecidos,sobre o período breve, porém feliz, em que ficou morando na casa delady Katherine DuMonde.

— Sabe, ela era muito parecida com o senhor. Exceto, é claro, pelofato de ser mulher. Era muito severa e acreditava que a disciplina era aresposta para tudo na vida.

— Disciplina?— Sim. E sei  que o senhor insiste para que ela seja seguida,

também. Seus homens são muito bem treinados, com certeza muitomelhores do que os de meu tio. Sabe, nas duas vezes em que paramosem hospedarias em nosso caminho até Donhallow, eles saíam, jogavame bebiam, até cair. Meu tio tinha um trabalho e tanto tentando reuni-los

novamente. Se não estivesse com tanto medo do que me guardava,acho que até teria me divertido.— Acha que sou rígido?— Não pode negá-lo, senhor… mas… estou começando a notar que

não é assim o tempo todo. Não, quando estamos a sós, como agora.Elizabeth tocava-lhe o braço e olhava-o com uma afeição que

crescia a cada instante.— Ia beijar-me antes, senhor?Raymond sorriu de leve. Levantou-se, então, e ofereceu a mão

direita a Elizabeth.— Acho que os homens já esperaram demais — disse.Ela aceitou a mão que lhe era oferecida, não sem certo pesar. Mas,

assim que se levantou, Raymond puxou-a para si e beijou-a comtamanha paixão que a deixou sem ar.

— Além do mais, você está dolorida — sussurrou junto aos lábiosdela, deslizando os seus pelo pescoço que Elizabeth oferecia.

— Mas já me sinto melhor… — observou ela cerrando os olhos. —Os homens não poderiam esperar um pouco mais?

— Não. — Raymond afastou-se, deixando-a profundamentedecepcionada. Mas seus olhos brilhavam e havia uma expressão alegre emaliciosa em seu rosto. — Você me parece arrebatada…

— E como não havia de estar, senhor? Se me beija dessa forma…Imagina que eu poderia estar calma e não querer mais? Sabe de umacoisa? Acho que é um patife, meu senhor. Um belo e tentador patife.

Patife era a palavra mais leve que ela pudera encontrar, já que

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aquele olhar e aquele sorriso que Raymond trazia no rosto eram, nadamais da que a própria versão da mais maldosa sedução.

— Quando não estiver mais dolorida, vai ver que tipo de patife euposso ser — ele prometeu, deixando-a com as pernas trêmulas só emimaginar.

— Talvez… esta noite, meu senhor?

— Quando estiver pronta.— Bem, talvez não tenhamos que fazer tudo o que fizemos ontem ànoite… — sugeriu Elizabeth ansiosa.

— E você não ia pedir mais nada… –Raymond sorriu novamente etomou-a em seus braços. Os homens teriam de esperar um poucomais…

— Não pode ser verdade! — Fane Montross murmurou para simesmo, alguns dias mais tarde, ao olhar para a mulher.

Pegou uma pequena pedra que se soltara da parede e lançou-a,com raiva, em direção ao local onde, um dia, houvera uma lareira.— Como ela pode gostar daquele cretino?!Rual deu de ombros.— O que sei eu? O que sei ao certo é que ela está se apaixonando

por ele, apesar do que você possa pensar. E ele também, está seapaixonando por ela, sé é que quer saber.

— Tem certeza?!— Bem, eu tenho olhos. E parece-me bastante, evidente. Tenho-os

observado de perto desde que ela chegou e posso afirmar que ele estádiferente. Quase gentil.Fane torceu os lábios, em desagrado.— Raymond, gentil… isso eu até pagaria para ver.— Duvida do que estou lhe dizendo?— Não. Acredito em sua palavra.— E ela está feito uma garota tola que encontrou o grande amor de

sua vida. Sinto meu estômago virar só em olhá-los.— Ela não faz idéia de que você o está enganando?— Não sou nenhuma tola. É claro que não!— E não imagina quem você seja… ou melhor… quem foi sua

família?— O conde penso que todos estávamos mortos quando roubou

nossas terras e chamou o rei para dar a D'Estienne o título quepertenceu a meu pai.

— Seu pai era um traidor.

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— Sim, mas minha mãe, não! E nem eu! Não havia motivos para orei tirar-nos nosso sustento!

— O motivo, ao que sei, Rual, foi a lei. A fortuna de qualquertraidor é propriedade do rei. Confesso ter me surpreendido com suaousadia ao voltar.

— Não me venha com essa história sobre lei, sir Fane! Conheço a

lei muito melhor do que você! E por que eu não voltaria? Tenho muitomais direito de estar aqui do que Raymond D'Estienne e farei justiçacom minhas próprias mãos!

— Tenha cuidado quando fala comigo, mulher! Eu poderia matá-laagora e não haveria conseqüência alguma, muito menos remorso deminha parte! Seu corpo seria encontrado num bosque e todos culpariamladrões ou ciganos por sua morte. Eu jamais seria suspeito.

Rual sorriu, irônica.— Poderia matar-me, sim, mas perderia sua espiã em Donhallow.

Todos lá dentro respeitam lorde Kirkheathe como se ele fosse um deus etemem-no demais.— Então, diga-me, Rual, por que não o mata?— Para quê? Para ser enforcada? Odeio aquele homem e toda sua

família, mas penso muito mais em minha vida.— E se descobrissem que é uma espiã? Tem certeza de que ele não

desconfia de nada?— Absoluta.— Sabe muito bem que jamais conseguirá sua propriedade de

volta, mesmo que ele esteja morto, não sabe?— Sim, eu sei. Mas, por enquanto, apenas ajudarei o inimigodaquele infeliz a destruí-lo e ganharei um bom dinheiro com isso.

— É verdade. — Fane tirou de um armário próximo um pequenosaco de moedas de prata. — Com tudo que lhe pago, poderia ir paraLondres e viver como uma rainha.

— Mas não sairei daqui até ver lorde Kirkheathe morto! — Rualpegou o dinheiro que ele lhe jogou.

— Ainda assim, acho que está correndo um grande risco.

— Valerá a pena. Como disse, poderei ir para Londres e viver comouma rainha quando ele morrer.— E isso será em breve, eu prometo. Os planos já estão em ação.

Muitas coisas podem acontecer, quando um homem está viajando, longede casa…

— Sim, eu sei.Montross deu dois passos rápidos e segurou Rual pelo pescoço,

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num movimento abrupto.— E é melhor manter essa sua boca enorme fechada, ouviu bem?

— ameaçou.— Assim farei — ela respondeu, quase sem ar.— Ótimo. Faça isso. Agora vá logo embora daqui antes que sua

ausência seja notada.

O sorriso de satisfação que Raymond trazia nos lábios desapareceuassim que cruzou os portões de seu castelo e um dos guardas veio lheentregar a mensagem que estava lacrada com o selo do conde deChesney. Leu-a e disse ao mensageiro que seguia um de seus soldados:

— Diga a ele que ficarei honrado em atender a seu chamado. O jovem, parecendo tenso, inclinou-se numa mesura.

— Como quiser senhor!— Fique esta noite no castelo e siga caminho amanhã, cedo.

— Obrigado, senhor!Raymond levantou-se e foi até a janela para olhar, as amuradas deseu castelo. Finalmente, o conde, seu senhor, maior, pedia-lhe queestivesse presente no seu Conselho de Nobres. Raymond vivera em seucastelo durante, toda a vida e o conde jamais o chamara, nem a seu pai,para participar de tal honra.

E, tendo o convite vindo logo depois de seu casamento, a razãoparecia-lhe óbvia: estava, agora casado com a sobrinha de lordePerronet, um amigo antigo e grande aliado do conde.

Montross não gostaria de saber do fato. Ele usufruíra da amizadedo conde durante anos, chegara até a influenciá-lo em certas ocasiões,mas, agora, ao que parecia, tal influência já se enfraquecera bastante.Mais uma razão para Raymond estar feliz por ter desposado Elizabeth.

Entretanto, apesar do que pensara ao se casar com ela, a aliançacom Perronet não era o motivo mais importante para sentir-se bemagora. Seu motivo tinha um nome: Elizabeth. Adorava estar em suacompanhia, em especial quando estavam a sós, e não necessariamentena cama. Tê-la por perto já era um grande prazer e ouvi-la falar, ver

seus olhos vibrantes, puros, era mais do que poderia desejar da vida.Sabia que podia fazê-la feliz e que podia estar feliz por causa dela,o que era impressionante, pois casara-se com uma mulher esplêndida,ousada, inteligente, e bela…

Sentia-se um homem completo novamente, não mais o monstro devoz tenebrosa que assustava a todos.

Elizabeth estava na cozinha, naquele momento, discutindo o

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cardápio da semana com Lud. Embora gostasse da comida dele eestivesse até engordando um pouco, o que era absolutamentenecessário dado o estado de magreza em que chegara a Donhallow,Elizabeth era uma mulher econômica e não queria desperdícios, o quetambém alegrava Raymond sobremaneira.

Mesmo assim, gastara muito com ela nos últimos dias.

Comprara-lhe roupas, usando uma quantia de dinheiro que nãopodia gastar. Mesmo assim, não se arrependia, pois ela ficara tãoagradecida quanto naquela manhã em que permitira que ficasse maistempo na cama. Até a gratidão que Elizabeth demonstrava eraextremamente agradável.

O castelo do conde ficava no centro de uma grande cidade, pensouRaymond, ao deixar o solar. Talvez pudesse comprar um belo vestidopara Elizabeth, verde ou vermelho, para combinar com seus olhos…

Talvez comprasse uma harpa, também, para dar a ela…

Mas não precisava ir a Chesney para isso. Havia Jóhannes na vila,más então não seria uma surpresa…Gostava muito de surpreendê-la, de vê-la abrir aquele sorriso feliz,

de ver seus olhos se iluminarem. Sim, iria, definitivamente, comprar-lheuma harpa e um belo vestido.

Quando entrou no hall viu que Elizabeth estava junto à lareira,sentada em um banco, e que o mensageiro estava a seu lado. Derepente, um pensamento cruzou sua mente com a velocidade de umraio: o mensageiro era jovem, talvez tivesse a idade dela… E era um

belo rapaz, talvez, até, um tanto parecido com Montross.O pior de tudo era que Elizabeth estava rindo de alguma coisa queele dissera. E, em passos largos, que fizeram sua túnica esvoaçar emmovimentos elegantes, Raymond colocou-se diante deles em uma fraçãode segundo.

O mensageiro levantou-se de imediato, assustado, pálido.Elizabeth olhou para o marido, interrogativa, e franziu as

sobrancelhas.— Sim, meu senhor? — indagou inocente.

— Venha comigo.— Certamente. — Ela estava calma. — Com licença, Douglas.

Raymond retornou ao solar sem olhar para trás. Lá, esperou algunssegundos por Elizabeth, que o seguia, mas que não pudera acompanhara velocidade de seus passos.

— Sim, meu senhor? O que houve? — perguntou ela, assim que

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entrou, um tanto cansada.— Fui convidado a ir até o castelo do conde de Chesney, para fazer

parte de seu conselho.Elizabeth arregalou os olhos.

— E isso é mau?Raymond negou com a cabeça.

— É bom, então? Oh! — Elizabeth deixou-se sentar sobre umacadeira próxima, aliviada. — Imaginei que fosse algo terrível! Pois, osenhor agiu como se fosse… Assustou-me demais!

Raymond não tencionara assustá-la, O mensageiro, sim, mas nãoela.

— Alguma coisa mais? — Elizabeth indagou, olhando-o. — Há algomais… Eu… não devo ir com o senhor, devo?

— Não.— E vai ficar fora por muito tempo?

— Alguns dias.— Não gosto de pensar que estará ausente, meu senhor. Mas devoconfessar que me sinto um tanto aliviada. Sabe, ainda não estouacostumada com as deferências de uma esposa de nobre…

Raymond foi até a janela e olhou para o céu.— Mas parecia estar gostando muito disso há alguns minutos….E, para sua surpresa total, ela riu e confessou:— É verdade!Ele se voltou, muito sério, e o riso desapareceu do rosto de

Elizabeth.— Meu senhor o que fiz de errado? — perguntou ela, levantando-see vindo em sua direção. — Mal falei com o mensageiro do conde eadmito que, depois do convento, onde era tratada quase como umanimal, passei a apreciar a atenção das pessoas, mas isso não significaque me sinta confortável assim… Se o conde não é seu inimigo, que malhá em ser gentil com seu emissário?

Raymond cerrou os dentes e deu-lhe as costas, voltando a olharpela janela. Elizabeth, porém, tocou-lhe os ombros e puxou-os em

seguida, para forçá-lo a olhar para ela — Fale comigo, senhor… O que fizde errado?— Não gostei do modo como ele a olhou.— Do modo como… — ela começou a repetir, mas parou,

obviamente atônita, retirando as mãos que o tocavam. — Ele estavaapenas sendo educado.

— Estavam rindo juntos.

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— Ele me disse que achou o senhor intimidante e eu disse quepensava da mesma forma, então eu ri e ele acabou por relaxar osnervos e riu também. É dever da dona de um castelo deixar seushóspedes à vontade. Não vejo mal no que eu fiz ou disse, e nem no fatode ter rido.

Ele nada disse e, após alguns, momentos durante os quais seus

olhares se cruzaram, Elizabeth começou a entender.— Senhor… não pode… não pode estar com ciúme!Raymond deu alguns passos em direção a porta. Não se explicaria

para com ela. Não tinha obrigação de fazê-lo. Era seu marido e ela deviaentender que…

Mas Elizabeth correu à sua frente e colocou-se entre ele e a pesadaporta.

— Está com ciúme por causa daquele rapaz?! — perguntou,parecendo incrédula.

— Sai do meu caminho.— Não, até me dizer a verdade!Raymond, porém, nada disse.-É verdade… — Ela parecia estar chocada. — Meu Deus, não posso

acreditar! Isto é… é ridículo!— Você é minha esposa!— Sim, sou, mas… Uma esposa que não é bela…— Parede ser modesta!— Não estou sendo modesta, Como também não sou vaidosa. O

que vai me dizer em seguida? Que Cadmus também é belo? Ou éapenas porque sou sua que devo, ser fria e distante para com todos osoutros? Se é isso que espera de mim meu senhor, tentarei obedecer,mas não é, com certeza, o modo como fui ensinada que uma dama devaproceder. Além, do mais, não me sinto feliz por ver que o senhorimagina-me fútil o suficiente para encarar os votos do casamento demaneira tão irresponsável! Portanto, se foi por esse motivo queprocedeu, de modo tão grosseiro no hall, acho que me deve desculpas!

— Desculpas? — Raymond rosnou.

— Senhor, quero que me ouça e marque bem as palavras que voudizer: eu jamais serei motivo de desonra para o senhor! Fiz meus votosde fidelidade diante de Deus e serei sua esposa fiel e companheira até amorte!

Ele assentiu. Acreditava que Elizabeth fosse do tipo que se prendeaos votos feitos. Mas, se não fosse dono de seu coração, não importavase, ela agiria ou não de maneira a desgraçá-lo pudesse honrá-lo.

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Olhava-a, vendo sua determinação, defendendo sua honra com tantaaltivez, e percebia que a vida sem Elizabeth seria vazia, sem graça esem importância.

— Sou uma mulher honrada, embora não bonita, meu senhor —ouviu-a murmurar e sentiu que havia magoa em sua voz.

— Espere aqui — ordenou então, e sem esperar que ela dissesse

alguma outra coisa, deixou o solar e seguiu até seu quarto, subindo aescada de dois em dois degraus.Foi até seu armário e, vasculhando entre as peças de roupa,

encontrou o espelho que colocara ali anos antes, quando não maissuportara olhar para á terrível cicatriz em seu pescoço.

Pegou o objeto de prata e desceu de volta ao solar, onde Elizabethainda o esperava. Entregou-lhe o espelho, mas ela não se moveu.

— O que significa isto? — ela murmurou.— Nunca viu um espelho?

O lábio inferior de Elizabeth começou a tremer.— Por favor, não faça isso comigo, senhor. Eu lhe imploro! Não mehumilhe assim!

Ele praticamente enfiou o espelho nas mãos dela e esperou. Masela cerrou os olhos, recusando-se a olhar.

— Olhe! — Raymond ordenou. Depois, vendo que ela continuavacom os olhos fechados disse, em voz mais suave:

— Olhe-se no espelho. Elizabeth.Ela apertou os lábios um contra o outro e, hesitante, obedeceu.

Então, seus olhos se arregalaram e, sua boca se entreabriu.— Mas… não pode ser eu…— Mas é.— Não é possível! Poderia ser minha prima Genevieve, mas não eu.

Meu tio não estava mentindo, afinal…Para surpresa de Raymond, ela não parecia estar feliz.Estava, isso sim, perdida, angustiada.— A reverenda madre sempre dizia que eu era feia e ninguém a

contradizia. E, é claro, não havia espelhos no convento.

Elizabeth ergueu os olhos tristes para o marido. Sua voz não eramais do quê um lamento:— Por que ela sempre dizia que eu era feia?— Para feri-la — respondeu ele, em tom suave. — E para quebrar

sua força interior.— Eu, estou quase desejando que não me tivesse mostrado este

espelho… — E devolveu-lhe o espelho, com mãos trêmulas. — Sinto-me

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tão…confusa… Quando as pessoas da vila, seus homens e Montross,olharam para min, imaginei que sua atenção fosse apenas porque sousua esposa. Não fazia a menor idéia de que pudesse ter algo a ver comminha aparência. Sou… sou a mesma pessoa que sempre fui, mas… —Elizabeth interrompeu-se, os olhos cheios de lágrimas. Sentou-se numacadeira próxima, parecendo prostrada.

Quem estava confuso agora era Raymond. Uma mulher não deveriaestar feliz por ver o quanto era bela?, pensou.— Por que está assim? — perguntou.— Foi por isso, então, que me aceitou por esposa, meu senhor? É

por isso que faz amor comigo tão… tão ardentemente? Porque soubonita?

Raymond ajoelhou-se junto dela, tomando-lhe as mãos pequenasnas suas.

— Lembra-se da primeira vez em que ficamos a sós? — perguntou.

— Foi diferente de nossas outras noites, não?Ela a penas assentiu, sem encará-lo.— E você era, naquela primeira noite, como é agora. Você é muito

linda, Elizabeth, mas é muito mais do que isso.— Sou? — Ela finalmente o olhou.Raymond passou o polegar por seu rosto, secando uma lágrima que

rolava.— É sim.— Fico… feliz por ouvi-lo dizer isso, meu senhor. Tive tanto medo…

Ele não compreendia. Medo do quê? Elizabeth era a mais corajosamulher que já conhecera.— Tudo… tudo o que aprendi a observar na reação das pessoas à

minha presença, foi uma mentira — ela começou a falar, explicandoseus sentimentos. — E a muito que me senti feliz por ver que o senhorvia mérito em mim apesar de minha falta de beleza. Fiquei horrorizada.Imaginando que poderia não haver nada mais do que isso, então…

Ela ergueu as mãos, acariciando-lhe o rosto.— Mas o senhor pode entender melhor do que ninguém o que sinto.

O porquê quero que tudo continue como antes… Eu.. tinha uma idéiasobre o mundo e sobre meu lugar nele como uma mulher simples, semimportância, sem valor… Como o senhor mesmo tinha uma idéia sobre omundo e seu lugar nele antes de ter sua confiança quebrada e sua vozarruinada… Deve ter sido tão difícil, não? Estou arrasada, e o que acabeide descobrir devia deixar-me feliz. E o senhor aprendeu a ligar com algomuito, pior… Nem posso imaginar o quanto deve ter sofrido… Meu pobre

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Raymond…Ele engoliu em seco. Cerrou os olhos e agradeceu a Deus por ter-

lhe enviado Elizabeth por esposa. Porque ela compreendia tudo pelo quepassara e como seu mundo havia se alterado.

— E acho que você a amava… — ela acrescentou, sem voz.Desde a traição de Alicia, ele tentara esquecer que sentira amor

por uma mulher. Estivera tão desesperado, sentindo tanto medo e raiva,que não podia admitir a si mesmo que, certa vez, uma mulher foraimportante em sua vida.

E, naquele momento, ouvindo Elizabeth dizer aquelas palavras,algo parecia se quebrar em seu coração. Era o muro de defesa queconstruíra para se proteger do mundo e do amor.

— Sim, eu a amei — confessou, por fim, livre de seus sentimentos.— Oh, Deus, eu a amei tanto! — E deitou a cabeça sobre o colo deElizabeth, para que ela afagasse seus cabelos com ternura e

compreensão.Capítulo 11

Elizabeth passou os braços pelos ombros de Raymond e acalentou-o. E, enquanto acariciava-lhe os cabelos, percebeu que jamais pensaraser um homem capaz de ter o coração partido, como acontecia com asmulheres. E Raymond mostrava-lhe, ali, naquele momento, quecarregava o peso da perda e da traição e que tinha uma lembrança física

permanente de tais sofrimentos. Não, ele não era apenas ossos emúsculos num corpo atlético e viril. Aliás, nos últimos tempos, elaprópria vinha notando o quanto ele podia ser carinhoso. Um homemcapaz de amar como Raymond podia ser seriamente ferido pelasemoções…

O que ela sofrera, comparado ao que via nele? E ouvira-o confessaro quanto amara sua primeira esposa…

Então ele ergueu o olhar para fixá-la e disse, com a vozembargada:

— Eu a amei porque Alicia era linda, porque eu tinha orgulho porela me aceitar. Mas havia algo mais… Sei agora que não a amei por elamesma. Não, como amo você.

Elizabeth encarou-o, por instantes, sem ousar acreditar no queacabara de ouvir. Raymond prosseguiu, como se quisesse deixar patentea verdade de suas palavras:

— É verdade. Jamais senti por Alicia o que sinto por você, jamais

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— Sim, meu senhor?— Venha comigo até nosso quarto.— E quanto ao mensageiro?— Está bem. Vamos primeiro, voltar ao hall e assegurar ao rapaz

que ele não está correndo perigo algum. Depois seguiremos para nossoquarto. Está bem assim?

Ela riu feliz.— Como desejar, meu senhor.

Raymond passou o olhar austero pelo rosto dos nobres que sereuniam no Conselho, no Castelo Chesney. Jamais, com exceção de umavez em Londres, estivera entre tantos nobres do reino como agora.Estava também impressionado com o tamanho e a suntuosidade dadecoração no hall do castelo. Era óbvio que seu dono era um homem deimensas posses e de muito poder.

Mesmo assim, Raymond estava ali atendendo a um convite e não auma ordem. Isso o fazia sentir-se à vontade.Mas havia algo mais que o deixava feliz naquela manhã: o

pensamento sobre a harpa que comprara para Elizabeth no dia anterior,assim que chegara.

Também encontrara um tecido maravilhoso para mandar fazer-lheum vestido, e uma camisola de seda muito suave que decidira levartambém para agradá-la ainda mais. Custara-lhe muito, mas, quandoimaginara sua esposa usando a delicada peça, não resistira ao impulso

de comprá-la.Fora tentado também a seguir de volta para casa com seuspresentes, mas o dever o mantivera ali.

— Lorde Kirkheathe, que grata surpresa! — murmurou uma voz emseu ouvido.

Ele se voltou para encontrar o tio de Elizabeth logo à sua esquerda.— Lorde Perronet… — saudou, com uma breve mesura.— Como está minha sobrinha?— Bem.

— Já está grávida?— Estamos casados há apenas um mês, senhor — Raymondlembrou-o com certa repreensão na voz.

— Sim, é claro… Bem, ela é… digamos… Não… a acha…— Elizabeth é perfeita para mim. — Essa era uma descrição simples

de tudo que ela significava em sua vida, mas sabia ser o suficiente parasatisfazer a curiosidade de Perronet, o qual pareceu bastante aliviado.

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— Ah, lá está lorde Lockington! Tenho algumas coisas a discutircom ele. Se me permite, senhor, poderemos conversar mais tarde.

Raymond inclinou a cabeça e, agradecido pela aparição providencialdo outro nobre, viu Perronet afastar-se.

— Mas, em nome de Deus, se não é Raymond DEstienne! — Outravoz conhecida o fez sorrir: Era o barão de Clarewood que vinha

apressado, em sua direção. — Estou muito feliz por vê-lo aqui, meuamigo! — O barão sorria abertamente, como era seu costume, masparecia haver uma certa preocupação em seu olhar ao indagar: — Estáaqui por convite ou ordem?

— Convite.— Ah! Esplêndido! E já era tempo, não? Agora diga-me, é verdade

que, finalmente, se casou outra vez?Charles Clarewood sempre fora muito franco, desde a juventude, e

Raymond não se ofendeu com a pergunta.

— Sim, é verdade.— E com a sobrinha de Perronet?Raymond assentiu.— Mais uma vez, esplêndido! Como ela é?Ele pensou por instantes, imaginado se haveria palavras corretas

para fazer jus a Elizabeth. E, diante da evidente impaciência de seuamigo, sorriu e repetiu o que já dissera antes:

— Ela é perfeita para mim.— Meu Deus! Isso só pode ser um milagre!

— Pode-se dizer que sim.— E como ela é fisicamente? — Charles fez a pergunta olhandopara Perronet, que se encontrava distante, talvez imaginando se aesposa de Raymond seria parecida com o tio.

— Não, não é como ele — Raymond explicou, entendendo.— Ah, graças a Deus! E, sabe de uma coisa, essa moça fez bem a

você! Posso ver isso muito bem! Que maravilha, meu amigo! Quemaravilha! — E bateu várias vezes no ombro de Raymond, com tantafamiliaridade, que muitos dos nobres que conversavam ao redor tiveram

sua atenção chamada para o fato.Charles, notando-os, chamou:— Venha para cá, meu amigo, onde poderemos conversar com

maior privacidade. — E puxou-o para um local mais afastado. — Já fazcinco anos que não o vejo! E deveria ter me convidado para ocasamento, ouviu? Bem, mas não faz mal. Sabe que fez uma aliança etanto, não? Sem dúvida! A prima dela está casada com alguém da

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família DeLanyea, como deve saber.— Ouvi dizer, alguma coisa a respeito. — Raymond não lamentava

ter perdido a noiva antes prometida.— Então, meu caro, isso significa que você está ligado a uma das

mais famosas famílias dos Marches. Podem até ser metade galeses, massão muito bem-vistos! Grandes amigos de Urien Fitzroy, também, que é

um dos maiores treinadores de lutadores da Inglaterra! Meu própriofilho, Alexander, está quase terminando seus estudos com ele. Se havia,alguém no mundo capaz de colocar disciplina na cabeça daquele rapaz,só podia ser Fitzroy! Mesmo sendo meu filho não posso negar o quantoera teimoso e voluntarioso. E,  sabe de uma coisa? Alexander tem amelhor mira em todo o Reino! Se consegue ver um alvo, consegueatingi-lo. Pouca disciplina, como eu disse antes, mas agora, graças aotrabalho de Fitzroy, ele está excelente!

Enquanto Charles falava sem parar, Raymond imaginava como

seria ter um filho. E, com Elizabeth como mãe, certamente teria orgulhode seus filhos.— Seu casamento também criou laços com o barão DeGuerre,

sabia? — Charles observou, tirando Raymond de seu devaneiomomentâneo. — Por que a surpresa? Não sabia? Perronet não lhe faloudos relacionamentos que seu casamento estaria criando?

— Não falou de DeGuerre.— Talvez porque Perronet tenha suas reservas quanto ao

nascimento de suas amizades e parece-me que DeGuerre nasceu

bastardo…— Meu próprio pai não nasceu nobre — Raymond lembrou-o.— Foi premiado por seus serviços fiéis e dedicados à coroa.— Sim, eu me lembro… Foi-lhe dada a propriedade de um outro

homem…— Sim. A propriedade de um traidor.— Bem, mas isso foi há muito tempo e ninguém pode negar que

seu pai serviu o conde muito bem. E agora que você está, de algumaforma, relacionado com os DeLanyeas através de seu casamento e está

também ligado ao barão DeGuerre, o que é formidável! Na verdade, elessão todos homens muito importantes, por isso, não me surpreende vê-loaqui. Montross deve ter se mordido de raiva quando soube… Não é deadmirar que não tenha vindo.

Fane Montross não estava presente? Raymond sequer o percebera.Charles continuava falando:

— Ele mandou um recado, dizendo estar doente, mas não acredito.

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Ou talvez esteja, afinal, doente por saber que você fez ligações tãoimportantes: — Charles notava a preocupação no rosto Raymond. — Oque há? Achei que ficaria satisfeito…

Satisfeito?, Raymond repetiu para si mesmo. Como poderia ficarsatisfeito se eslava longe de casa e Elizabeth estava lá, tendo Montrosspor vizinho? Ela sabia o que sentia pelo ex-cunhado e os motivos que

tinha para sentir-se assim. Era uma mulher inteligente que também, nãogostava de Montross. Saberia, com certeza, ter cuidado…Raymond trouxera consigo apenas alguns de seus homens. Deixara

os outros no castelo, sob o comando de Barden. Montross não seria tolobastante para atacá-lo, em especial agora que o conde de Chesney tinhaRaymond em alta conta.

Além do mais, Montross não tinha por costume uma ataque direto.Sempre usara e sempre usaria subterfúgios e estratagemas, o quepoderia atestar quanto a veracidade de sua doença, impedindo-o de ir a

Chesney. Não fosse por isso, ele estaria lá, sim, usando a oportunidadepara colocar os outros nobres contra Raymond. Se achasse queRaymond estava ficando próximo demais do conde, estaria ali paragarantir sua própria posição no Conselho como o mais influente.

A não ser, é claro, que imaginasse ter um motivo melhor parapermanecer em casa…

Montross saberia que Elizabeth ficara em Do11haUow. Oshabitantes da vila e os vassalos tinham visto quando Raymond passarapelas estradas apenas com sua comitiva. Se Montross ousasse por os

pés em sua propriedade quando estivesse ausente, se tentasse visitar ocastelo, se chegasse a tocar a mão de Elizabeth, Raymond nãoresponderia por seus atos!

— Adeus, Charles. Preciso voltar para casa — disse, resoluto.— Voltar? Mas ainda não prestou homenagem ao conde! Se

partisse agora, isso seria considerado um grande insulto, ou até mesmotraição, já que o conde representa a coroa!

— Poderei me desculpar mais tarde.— Quando?

— Enviarei uma carta ou virei pessoalmente.— Montross não ousaria… — Charles começava a perceber quais osmotivos que levavam Raymond a agir daquela forma.

— Nunca se sabe do que aquele homem é capaz, Charles!— Raymond, isso é loucura! Esperou tantos anos por isto e agora…— Se o conde fizer perguntas, meu amigo, diga-lhe que assuntos

da maior importância obrigaram-me a voltar para casa. Não posso ficar,

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Charles. Adeus!

— Senhora?Elizabeth ergueu a cabeça diante do chamado. Raymond partira há

dias, mas era como se Donhallow estivesse absolutamente deserto semsua presença. Os dias demoravam a passar e ela procurava qualquer

coisa que pudesse preencher seu tempo.Como naquele momento, quando verificava as moedas que seriamdadas aos criados naquela semana. — Tinha, ainda, uma outradistração, mas esta ela mantinha para si mesma e assim procederia atéa volta de seu marido.

— Sim? — respondeu para Rual.— Há uma mulher aqui que deseja falar-lhe.— Uma mulher?— Sim. Ela diz ser a mãe de Erick e que precisa de sua ajuda.

Elizabeth pensara na família do vendedor ambulante nos últimosdias, imaginando como estariam vivendo.— Eu a verei imediàtamente. Onde está?— Junto aos portões. Disse que não entrará mais do que isso.Isso parecia compreensível, considerando-se o modo como

Raymond expulsara-os naquele dia, pensou Elizabeth, levantando-se.— Vai falar com ela agora, senhora? — Rual indagou.— É claro.— Lorde Kirkheathe não está aqui, mas acho que ele não gostaria

disso…Elizabeth parou e voltou-se. Agora que sabia porque Raymondtratara o vendedor e a família daquele modo, não mais temia sua raiva.

— Não vejo perigo algum em falar com a pobre mulher nos portões— esclareceu. — Talvez possa, até ajudá-la de alguma forma. Deveestar desesperada para vir até aqui e me procurar depois da maneiracomo foi enxotada de Donhallow. Por favor, cuide das moedas enquantofalo com ela.

Saiu apressada, esperando que a criada soubesse contar direito.

Avistou a frágil criatura, que andava de um lado para o outro juntoaos portões.— Oh, senhora! — Ela se colocou de joelhos assim que Elizabeth se

aproximou.— O que houve? — Ela estendeu os braços ajudando a pobre

mulher a levantar-se. Estava preocupada com a expressão desofrimento no rosto da infeliz. — Está, doente?

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silêncio.— Sente-se por alguns minutos, enquanto vou buscar meu xale e

algo mais quente para você usar, Hildegard — disse Elizabeth, numsorriso…

E, enquanto esperava por sua benfeitora, a mulher continuavatensa, como a saber que estava agindo mal.

Capítulo 12

Elizabeth trouxe um xale que já não usava para a mulher. Seguiucom ela até o pátio, onde pararam.

— Precisamos de uma pequena estratégia, Hildegard — avisou.Virando seu manto do lado avesso, para que, assim, ele ficasse da

mesma cor do manto usado por Rual, falou:— Veja, assim posso passar por minha criada. Ela está ocupada

contando algumas moedas e estaremos fora da vila quando elaterminar. Nem vai perceber que saímos.Hildegard assentiu, notando que o disfarce, de fato, funcionava.— Bem, isso deve ser suficiente para enganar os guardas, mas

precisa falar comigo como se estivesse falando com Rual, entende?Afinal, nenhum deles espera que eu deixe o castelo.

— Tem certeza do que está fazendo, senhora?— Absoluta. Temos que levar esta comida a sua família e eu quero

ver seu filhinho. Há também algumas coisas que quero lhe perguntar

sobre o tempo em que estava grávida.Os olhos da mulher se arregalaram diante do sorriso que surgiu nóslábios de Elizabeth. E ela apenas assentiu, respondendo a uma perguntaque Hildegard nem precisou fazer:

— É, eu acho que sim…— OH', senhora! Ficarei feliz em responder qualquer pergunta que

me faça! Sabe, minha mãe era parteira.— Verdade? E você é também?— Infelizmente, não. Minha mãe morreu há alguns anos, antes que

eu pudesse aprender seu oficio. Lembro-me de muitas coisas que mecontou, porém, mas não ousaria chamar-me de parteira apenas peloque sei.

Um certo ar de apreensão apareceu em seu rosto ao concluir:— Talvez fosse melhor que a senhora permanecesse aqui.— Ora, sinto-me muito bem! Na verdade, não me sinto tão bem há

anos! E acho que a caminhada me fará bem. Sua família está na cabana

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abandonada ao lado do riacho?— Sim. Conhece o lugar?— Conheço. — Elizabeth sentiu uma onde de calor tomar-lhe o

rosto ao lembrar-se da primeira vez em que estiver lá com Raymond.— Não sei como não a encontramos lá…

— É que… faz pouco tempo que chegamos…

— Bem, seja como for, estou feliz que estejam lá agora, pois assimpoderei ajudá-los. Agora comece a falar comigo, como se eu fosse Rual,está bem? Não se esqueça, lady Kirkheathe deu-lhe comida e pediu-mepara acompanhá-la.

Hildegard assentiu.— Muito bem, então, vamos ver se conseguimos passar pelos

guardas sem maiores problemas.Elizabeth baixou a cabeça, para que a touca de seu agasalho caísse

sobre o rosto. Ao se aproximarem dos guardas do portão, começou a

temer que a mulher fosse tímida demais para agir como orientara.Diminuiu o passo e pigarreou, como a dar-lhe um sinal. E Hildegardcomeçou:

— Sua senhora é muito gentil! — sua voz estava trêmula, mas,devido a sua aparência franzina, isso não seria de estranhar e ossoldados não imaginaria que estava tensa. — Tenho certeza de quepoderá voltar a tempo de servir o jantar. Deve ser muito agradáveltrabalhar aqui…

Elizabeth podia ver as botas dos soldados pelos quais passavam,

 junto aos portões.A mulher continuava com o falatório:— Seu senhor é um homem assustador e eu tremi o tempo em que

estive diante dele naquele dia…Ninguém percebeu o disfarce enquanto passavam pela vila, ainda

mais porque era dia de feira e havia muitas pessoas pela rua, o quedificultava qualquer tipo de identificação. Assim que se afastaram dascasas, Elizabeth afastou a touca da cabeça e sorriu.

— Pronto! Não foi tão difícil, foi? Acho até que foi fácil demais e que

devo falar com meu marido sobre os guardas que vigiam os portões eque podem ser tão facilmente enganados…— Oh, senhora, não quero causar problemas a ninguém!— Não se preocupe. Não vou falar sobre este dia em especial.Seguiram em direção ao riacho, deixando a estrada principal para

embrenharem-se no bosque:— Queria falar sobre gravidez e parto, senhora? — Hildegard

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lembrou-a, enquanto caminhavam.— Sim! Sabe, sempre achei que as mulheres ficam enjoadas

quando estão grávidas.— Algumas, sim. Outras, não, senhora. Depende da natureza da mulher.— Que bom! Porque, como já disse, nunca me senti melhor em

minha vida! No entanto, estou certa de estar grávida porque estou

atrasada em mais de uma semana e isso jamais aconteceu.— Seus seios estão sensíveis, senhora?— Sim, desde antes da partida de meu marido, mas achei que

fosse por causa de… Bem…Hildegard sorriu, compreensiva, e acrescentou:— Se eles ainda estão sensíveis, e ele se foi há vários dias, e a

senhora ainda não sangrou este mês, imagino que deva, de fato, estargrávida.

— Oh, espero que sim, Hildegard!

— Acho que será uma ótima mãe, senhora.— Eu adoro crianças!— Mesmo quando são más?— Considerando-se que eu sempre fui repreendida e castigada

porque me diziam que era má, acho que gosto, em especial, desse tipode crianças.

A mulher olhou-a, surpresa com suas palavras.— E verdade — Elizabeth ratificou. — Cheia do pecado original,

simplória e sem esperança de melhoras… Ah, e feia como o próprio

demônio, como dizia a reverenda madre no convento.— Mas… ela era cega?Elizabeth teve de rir diante de tal indagação.— Não, ela enxergava muito bem! Na verdade, algumas das moças

achavam que ela até possuía olhos na nuca! Nada lhe escapava!Exceto a própria Elizabeth, pensou ela, divertida, e com a

satisfação que tal idéia sempre lhe dera.— Bem, ela deve ter sido uma mulher muito má, para dizer tal

coisa — Hildegard comentou.

— Ela era, de fato.— Não deve ter tido uma vida fácil, não é, senhora?— Minha vida tem sido mais fácil do que, a de muita gente,

imagino. Mas passei maus bocados no convento. Estou feliz agora,porém! E se estiver, de fato, grávida, todas as, as minhas preces foramatendidas!

Os passos de Hildegard diminuíam de ritmo e Elizabeth percebeu,

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no rosto dela, a expressão de esforço e sofrimento. I— Não tema — aconselhou, compreensiva… — Sei muito bem o que

a espera na cabana e não falo de seu marido ou filho. Eles estão nocastelo de Montross? Assim que me deixar lá, eles serão libertados?

Hildegard parou de andar, olhando-a, incrédula. Mas não podiamais mentir:

— Ele… ele disse que… estaríamos livres para ir se eu… fizesseisto… Se não o fizesse, acusaria meu marido de roubo de caça e ocolocaria no calabouço para sempre! Então, o que seria de mim e demeu filhinho, senhora? Oh, eu sinto tanto! Foi tão boa para nós e édesta forma que lhe pago…

Elizabeth segurou-a pelos ombros, eles estavam trêmulos.— Hildegard, onde, exatamente, está sua família agora?— Na cabana. Com ele.— Graças a Deus! Se estão lá, será mais fácil para vocês

escaparem. Eu temia que estivessem presos no castelo. Não sei ao certoo que Montross seria capaz de fazer se estivesse lá… Agora pare dechorar ou ele vai acabar suspeitando que já sei de tudo.

— Como… como desconfiou, senhora?— Meu marido, certa vez, perguntou-me se eu era vidente; mas

não é nada tão especial assim. Pareceu-me óbvio que havia mais em seupedido do que fome porque você estava desesperada, mesmo quandoviu que iria ajudar. E, como estava, sozinha, imaginei que alguém aestivesse obrigando a agir assim, mantendo sua família refém para

garantir que o fizesse. Meu marido tem um grande inimigo, um tipo vil,capaz de colocar uma mulher, contra seu próprio esposo.— Senhora… se não é vidente, então é muito, muito inteligente.— No convento, a única coisa que tive de estudar eram as

mulheres que ali estavam. E depois de treze anos, acho que acabeiconhecendo um pouco mais sobre as pessoas em geral…

Hildegard olhava-a com tristeza.-Oh, senhora, saiba que, se aquele homem não estivesse com meu

filhinho, poder nenhum sobre a terra poderia colocar-me contra a

senhora.Elizabeth sorriu, com compreensão e amargura.— Acredito, Hildegard. E quando estiver longe, e em segurança,

acho que não mais nos veremos. Portanto, é melhor nos despedirmosagora. Adeus.

A mulher agarrou-lhe as mãos e beijou-as, aflita.— Deus a abençoe, senhora!

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Elizabeth continuou seguindo, resoluta, em direção à cabana.Notou a carroça e o cavalo do vendedor, junto a cerca quebrada.

Hildegard seguia atrás, limpando as lágrimas do rosto.Quando se aproximaram, Elizabeth foi até a porta. Num dos cantos

do ambiente escuro, o vendedor segurava o filho adormecido nosbraços. Seus olhos assustados estavam em sir Fane Montross, que

empunhava a espada.— Sir Fane! — Elizabeth gritou, com aparente surpresa, passando acesta para Hildegard, que a pegou sem problema algum no braço. — Oque está fazendo?

Montross embainhou a espada de pronto.— Senhora, chegou tão de repente. Eu estava, mostrando a este

vendedor a minha espada, já que ele pedira para vê-la.Ela quase podia admirar a facilidade com que o inimigo de seu

marido mentia.

— Pareceu-me que o estava ameaçando… — insistiu, vendo queHildegard corria a abraçar o filhinho.— Por Deus, não senhora!— Mas é uma coincidência interessante nos encontrarmos aqui, no

bosque. Como já deve saber, sir Fane, meu marido não aprova apresença de pedintes ou de vendedores ambulantes em nossapropriedade. Mas, felizmente ele está ausente. Está em Chesney. Então,quando Hildegard foi até Donhallow para pedir-me ajuda, fiquei feliz empoder socorrê-la. — Ela se voltou para a mulher:

— Acho que deve apressar-se em sair daqui, pois, se meu maridodescobrir que vocês estiveram aqui, em sua propriedade, não sei o quepoderia acontece.

Elizabeth deixava as palavras fluírem cheias de significado, eolhava Hildegard nos olhos.

— Perdoe-nos, senhora — pediu o vendedor, inclinando-se,humilde. — Partiremos agora mesmo.

— E acho que seria aconselhável jamais retomarem.— Sim, senhora!

Elizabeth observou-os enquanto iam até a carroça, o bebê acordoue começou a chorar enquanto seus pais revezavam-se em segurá-lo esubirem para a boléia, partindo em seguida, apressados.

— Receio que meu marido tenha sido muito cruel com eles antes —Elizabeth observou para Montross. — E devo confessar que estou surpresadiante da audácia dessa gente em voltar para pedir ajuda.

Ele olhava-a e sorria.

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Havia ironia em suas palavras.— Estou dizendo a verdade!Elizabeth encarou-o como se estivesse diante dê um inseto

extravagante.— Então devo me desculpar por achar que o senhor talvez, me

achasse atraente. — murmurou.

— Eu a acho muito atraente. Muito. E também acredito que sejacomo disse: sua beleza está sendo desperdiçada com Kirkheathe…— E acha que eu seria muito mais feliz a seu lado?— Eu faria tudo ao meu alcance para fazê-la feliz.Elizabeth sorriu, e recebeu o sorriso de volta.— Bem, sir Fane devo dizer-lhe, que é bastante persistente.— Talvez porque eu tenha me apaixonado assim que a vi.— Verdade?— Sim. A senhora é a mais bela mulher que meus olhos já viram.

— E o senhor é o mais terrível mentiroso que já conheci. E deveconsiderar-me uma mulher vil e estúpida para acreditar em suaconversa. Assim que o vi, percebi o quanto detestava e invejava meumarido. Os dois são inimigos e agora percebo que meu marido tem bonsmotivos para tanto. Apenas um covarde chega até outro, homematravés de sua esposa.

Montross tentava argumentar, mas Elizabeth não lhe dava tempo.— Agora, se fosse o senhor, eu pegaria meu cavalo e sairia daqui o

quanto antes, antes que eu chame pelos arqueiros de meu marido para

que eles me protejam. Vinte dos melhores entre eles estão ocultos entreas árvores ao redor da cabana. Vieram antes, enquanto eu atrasavameu passo com Hildegard. Bastaria que eu erguesse minha mão direitapára que o senhor fosse alvejado no peito por inúmeras flechas.

Montross entreabriu os lábios, irado.— Não se atreveria!— Vai arriscar?— Está blefando…— Devia acreditar em mim, senhor. Meu marido não teve

necessidade de levar os arqueiros a Chesney.Ele encarou-a por alguns segundos pensando. Então deu-lhe ascostas e, apressado, saiu da cabana e foi ate seu cavalo.

— Não, meu grande inimigo — murmurou Elizabeth, vendo-o partirem disparada. — Não sou tola.

Sorriu, então, fazendo um sinal para que os homens descessem dasárvores.

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Era dia de feira e Raymond teve de passar com o cavalo pelamultidão que bloqueava a velocidade de seu retorno. Estava impacientee viera adiante de seus homens, mas agora precisava deter-se e seguirdevagar, ou poderia ferir alguém da vila.

Além do mais, estava mais, aliviado, pois, se houvesse algum

problema maior em Donhallow, Barden o teria avisado e a feira nãoestaria acontecendo como de costume.E agora, vendo os rostos surpresos de seus vassalos, imaginava se

teria sido tolo em voltar com tanta pressa. Tinha arriscado a ser mal-visto pelo conde deixando Chesney daquela forma precipitada.Entretanto, não ficaria em paz até ver Elizabeth bem.

Quando cruzou os portões do castelo, seu coração batiadescompassado, na antecipação do que encontraria. Havia uma tropa dearqueiros no pátio, e agiam como se tivessem acabado de voltar de uma

prática. Não havia, porém, nenhuma carroça trazendo alvos fictícios…Dirigiu-se ao sargento de armas, preocupado.— Senhor! — saudou o homem. Não parecia particularmente tenso,

mas as flechas que os homens tinham consigo eram melhores. Nãohavia sido uma prática, então… — Onde estão seus homens, meusenhor?

— Estão chegando.— Se soubéssemos que estava retomando ela teria esperado, com

certeza.

— Ela…— Lady Kirkheathe.— Esperado para quê?— Para seguir com a mulher daquele vendedor. Perdoe-me se agi

mal obedecendo as ordens dela, senhor, mas… ela é sua esposa e acheique devia-lhe obediência.

— Barden não protestou?— Ele tentou, senhor, mas… — o soldado não terminou sua

explicação, pois Raymond já seguia, decidido, em direção ao hall.

Capítulo 13

Raymond não precisava ouvir mais nada. Elizabeth simplesmenteprecisava compreender que não era assim tão livre para agir como bementendesse.

Ele tinha seus motivos para as ordens quê dava e, se alguma coisa

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tivesse acontecido com ela… bem, não queria nem pensar. Antes quechegasse ao hall, Elizabeth apareceu, correndo, o rosto encantadorbrilhando de felicidade.

— Oh, meu senhor! Voltou cedo! Estou tão feliz que… — derepente, ela se interrompeu, a alegria cedendo vez à preocupação. —Mas…o que houve? Aconteceu alguma coisa em Chesney?

Raymond apenas a olhou. Não deixaria que sua zanga viesse a tonaem público.— Vamos para o solar. — disse, seco passando por ela em passos

firmes e apressados. Ouviu os dela, ágeis e leves, seguindo-o, e teveuma estranha e agradável sensação que não soube definir.

Quando lá chegaram, voltou-se de imediato.— Senhor qual é o problema? — Elizabeth estava ainda mais

ansiosa. Fechou a porta-atrás de si e encarou-o, os olhos muito abertos.— Por favor, conte-me logo! Está me deixando angustiada.

— Está? Então pode compreender muito bem meus sentimentosquando Hale me contou o que houve por aqui hoje.— Ficou angustiado?Raymond assentiu, notando agora, a real intensidade do temor que

lhe passara pela mente quando soubera o que Elizabeth havia feito.— Montross é um homem perigoso, Elizabeth — observou, muito

sério.— Eu sei, e me lembrei do que me disse sobre não deixar

Donhallow sem proteção. Foi por isso que levei os arqueiros comigo.

Raymond arregalou os olhos. Hale não lhe havia contado isso.Elizabeth prosseguiu em sua explicação:— É isso mesmo, meu senhor. Montross estava lá, como eu achei

que estaria. Foi uma armadilha, como suspeitei. Ele enviou Hildegard, aesposa do vendedor, aqui com a desculpa de implorar por um pouco decomida e fazer-me acompanhá-la. Felizmente, consegui adivinhar o queMontross estava planejando para vingar-se de você Raymond, mas elenão havia levado seus homens consigo.

Ele mal podia respirar direito diante de tais revelações.

— Por que não? — conseguiu murmurar.— Porque não pretendia levar-me à força, mas tentar seduzir-me.Raymond teve de se sentar.Ela continuava com a história:— Hildegard estava muito tensa. Muito mais do que estaria

normalmente por ter receio de voltar a Donhallow. Afinal, eu fui gentilcom ela quando aqui esteve pela primeira vez e, como não tinha

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passado pelos portões, não precisava estar angustiada como estava.Mas percebi que não se sentiu aliviada quando prometi ajudá-la. Naverdade, pareceu-me ainda mais tensa. Então deduzi que aquilo tudodeveria ser alguma espécie de estratagema para que eu saísse docastelo. E imaginei que a única pessoa interessada em algo assim sópoderia ser seu grande inimigo. Achei que Montross poderia tentar

matar-me, ou raptar-me, ou, ainda, seduzir-me. E, pelo que pude notarsobre ele, preferi pensar que se tratasse da última opção. Ele é vil osuficiente para crer que poderia seduzir qualquer mulher e covarde aponto de tentar atingi-lo, Raymond, através de mim.

Ele passou a língua pelos lábios, pensativo. Elizabeth era de fato, amulher mais esperta que já conhecera.

— Não é de se surpreender que eu tenha imaginado tanto. — disseela, sorrindo, como se tivesse adivinhado seus pensamentos. — Sabe,sempre havia garotas, no convento, que tentavam ferir outras, das

quais não gostavam, fazendo com que suas amigas se voltassem contraelas. E Montross não é diferente delas…Raymond assentiu e Elizabeth continuou:— Mesmo assim, mesmo tendo razões, não deveria ter saído daqui,

Elizabeth — repreendeu.— Mas eu tinha que fazê-lo! Se não agisse assim, ele teria ferido a

família do vendedor! Sabe tão bem quanto eu que ele não mediria seusatos!

Raymond estava incrédulo. Sua esposa arriscara a própria vida pela

de um vendedor ambulante e sua família… Ouvia-a falar, analisandosuas atitudes, e tinha a sensação de estar fora da realidade, de queaquilo tudo poderia apenas ter-sido um sonho…

— Acha que sou descuidada, eu sei, mas fiz-me acompanhar deseus melhores arqueiros, pára ter certeza de que estaria a salvo. Meumaior medo foi em relação a Hildegard, temendo que ela nãoacreditasse que os guardas não me reconheciam ao ver-me disfarçada…

Raymond se levantou, tomando-lhe as mãos e olhando-a de frente.— Ele poderia tê-la matado, mesmo assim — murmurou.

— Mas ele teria de desembainhar sua espada para fazê-lo,Raymond. Procurei manter-me a uma distância segura, para que eletivesse de avançar contra mim se tivesse alguma intenção perversa eisso daria tempo suficiente aos arqueiros para agirem. Por isso,exatamente, preferi levá-los, ao invés dos soldados.

Raymond olhava-a, pasmo diante de sua coragem e esperteza.— O pior era não saber como estavam o marido e o filhinho de

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Hildegard — ela se lamentava. — Se Montross pretendesse matar-me, eles deveriam estar em seu castelo. Mas, felizmente, eu nãosubestimei sua vaidade e eles estavam ali, com ele, e tentou manter aaparência de que nosso encontro foi apenas uma coincidência.

Raymond pensava que sua Elizabeth não tinha a menor noção deperigo. Ela, por sua vez, continuou a contar o acontecido.

— Sabe, ele disse que estava em nossas terras à procura de umfalcão fugitivo… Mas, graças a Deus, tudo acabou bem, Raymond. Afamília do vendedor conseguiu escapar ilesa e Montross entendeu quenão deve ter a menor esperança de conseguir estar entre você e eu.Acho que isso vale por qualquer risco a que eu tenha sido exposta.

Raymond puxou-a para si, abraçando-a com força.— Não, não… Se ele a tivesse ferido, ou pior… — E não pôde

terminar, sem conseguir encontrar palavras para descrever o quantoaquele episódio o afligia.

— Mas estou bem. E muito, muito feliz por tê-lo de volta. Sentitanta saudade — E apertou os braços em torno da cintura dele, — Sabe,há mais uma coisa que quero lhe contar.

Ele ergueu as sobrancelhas, imaginando o que mais Elizabeth teriafeito em sua ausência.

— Acredito estar grávida.Todos os outros sentimentos desapareceram do coração de

Raymond para dar lugar a um novo, uma alegria sem igual, como jamaissentira. Elizabeth estava carregando seu filho! Ergueu-a nos braços,

sorrindo, e começou a rodá-la pelo solar, absolutamente feliz.— Oh, ponha-me no chão, senão vou me sentir mal! — elaprotestou de pronto, percebendo que o mundo começara, de repente, agirar rápido demais ao seu redor.

Raymond obedeceu de imediato.— Bem, não precisa ficar tão preocupado… — Elizabeth observou

num sorriso, vendo que ele se arrependia do gesto impensado: — Afinal,tenho me sentido muito bem nos últimos dias. Aliás, eu estavapreocupada em sentir enjôos e coisas do tipo, mas conversei com

Hildegard, cuja mãe foi parteira, e ela disse que nem todas as mulheressentem-se mal na gravidez. E, como estou atrasada em meu período etenha outros sintomas também, é praticamente certeza que eu estejaesperando um filho.

— A que outras sintomas está se referindo?— Meus seios estão sensíveis.Ele ergueu as sobrancelhas. Elizabeth prosseguiu:

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— E, já que está tão sério meu senhor, quero perguntar-lhe porquevoltou de Chesney tão cedo? Imaginei que ficaria por lá mais algunsdias, ou devo pensar que a saudade que sentiu, foi, forte demais?

Raymond pensou por instantes, sabendo que essa fora, sim, aprincipal motivação para sua volta.

— Também — confessou.

— Também? Não foi a principal motivo de sua volta, então?— Fiquei enfadado — ele explicou, puxando-a para si, para umbeijo ardente, que provava estar mentindo e ter voltado, apenas porquenão conseguia mais ficar longe de Elizabeth.

— Mas deve haver outro motivo… — sussurrou ela, assim que obeijo terminou.

— Fane Montross não estava em Chesney — Raymond explicou,acariciando-lhe o rosto. — E, como é mais chegado ao conde do queeu…

— Imaginou que, se ele ainda estava em seu castelo, era porquepretendia fazer algo contra nós…— Contra você, para me atingir.— E a conde não se surpreendeu com sua partida repentina? Se ele

e Montross são amigos…— Não cheguei a falar com o conde.— Não?!Raymond negou com um gesto de cabeça.— Você estava tão satisfeito par ter sido convidado ao Conselho…

— Mas estava preocupado demais com você.— Oh… Espero que o conde não se ofenda, então. Ele o convidou, evocê partiu sem dar-lhe uma satisfação…

Ao imaginar que Montross pudesse estar preparando alguma coisacontra Elizabeth, Raymond não pensara em mais nada.

Agora, porém, que tudo estava bem, embora pudesse ter sidodiferente, percebia que o conde poderia, sim, ofender-se com o quefizera. Mas não pretendia preocupar Elizabeth com isso. Por isso deu, deombros, notando que o rosto dela se iluminava.

— Precisamos convidá-lo a fazer uma visita a Donhallow — Elasugeriu. — Podemos explicar-lhe que você estava preocupado com meuestado, e isso não seria mentira… E, enquanto ele estiver aqui, faremoscom que entenda que você se sentiu muito honrado com o convite paraparticipar do Conselho, e que ficou arrasado em ter de partir tão cedo,mas que não havia outro modo.

Raymond beijou-a de leve.

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— Você é muita esperta — elogiou! — Mas ele segue para Londresdentro de quinze dias.

— Podemos convidá-lo quando retornar…Ele sorriu. Ao que parecia, teria de cantar-lhe o real motivo pelo

qual não podiam, receber o conde em Donhallow.— Não temos dinheiro para tanto, Elizabeth.

Ela franziu as sobrancelhas.— Ele é um convidado assim tão caro? Quantos homens trará? Comcerteza, não mais de cinqüenta…

— Cinco ou cinqüenta não faria diferença. Não temos dinheiro pararecebê-lo em hipótese alguma.

— Mas você é rico…Raymond tentou interrompê-la, mas Elizabeth na lhe deu tempo,

insistindo:— Meu tio disse que…

— Ele estava enganado.— Enganado?-Sim. Estou quase sem dinheiro algum!— Mas este castelo… — Elizabeth começou a falar.Foi a vez de Raymond interrompê-la:— É difícil de manter e a renda que vem dos vassalos mal é

suficiente para cobrir as despesas e os impostos. Além do mais,Donhallow é um castelo muito antigo e que precisa de muitos consertos.Se não forem, feitos, poderemos vê-lo ruindo ao nosso redor.

Raymond percebeu que havia compreensão nos olhos dela.— As pontes e estradas também precisam ser reparadas, não? —Elizabeth indagou, num meio sorriso.

— Sim. Gastei o que ainda me restava preparando o castelo pararecebê-la para o casamento, para impressionar seu tio, na verdade. Foipor isso que insisti para que ele partisse logo no dia seguinte. Nãoqueria gastar mais.

— Devia ter pedido mais dinheiro para o dote.— Acontece que eu não queria perder você.

Elizabeth calou-se, emocionada, diante de tal revelação.— O que disse? — murmurou pouco depois.— Que não queria perdê-la.Ela corou, seu coração acelerado, o sangue parecendo correr mais

depressa em suas veias.— Já naquela época?— Com certeza.

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Elizabeth aproximou-se mais e beijou-o longa, profundamente,quase fazendo arrepender-se por não ter feito tal confissão antes.Depois encarou-o como se houvesse repreensão em seu olha, ecompletou:

— O senhor, com certeza, não demonstrou o que sentia…Raymond sorriu.

— Poderia ter feito uma fortuna como ator, sabia? Porque sabefingir, muito bem — Elizabeth insistiu brincando.— O dinheiro seria bem-vindo, mesmo assim — ele comentou,

desanimado.— De quanto foi o dote?— Quinhentas libras.— Mais isso é muito dinheiro!— Eu sei. E o que ainda resta, será destinado a reformas em

Donhallow.

— E resta muito?— Não… Gastei mais do que devia em caias que…– Ela se afastou para encara-lo.— Sim?— Em presentes para minha esposa.— Para mim?!— Nas roupas novas que comprei aqui e também em Chesney.— Mas isso é terrível!— Bem, essa não é a reação que eu esperava ver…

— Mas… Raymond! Não deveria ter gasto! E, se eu soubesse…— Seja como for, agora é tarde para fazermos conjecturas.— Mas deve ter sobrado algum dinheiro para preparar alguns

pratos, não?! — ela se alarmou.— Muito pouco.Elizabeth passou a caminhar pelo cômodo, parecendo pensativa.

Raymond sabia que ela buscava uma solução e sorriu, mais uma vezsatisfeito por ter se casado com uma mulher tão voluntariosa, tãoesperta, tão inteligente.

— Quanto tempo acha que teríamos antes do conde vir até aqui? —perguntou ela, sem parar de andar.— Bem, se ele vai a Londres… Uns cinco meses eu diria. Ele segue

para a França logo depois de ir a Londres.— Maravilhoso, então! Cinco meses serão mais do que suficientes

para economizarmos algum dinheiro!— Elizabeth, ele nunca viaja com menos de trinta homens, além da

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esposa e dos criados.— Quantas pessoas no total? — perguntou, pensativa.— Quarenta, pelo menos.— Bem, cinco meses… Passaremos pela primavera e pelo verão… —

ela calculava em voz alta. — Vi algumas lojas quando estive na vila e seique há linho bom em algumas delas, embora um tanto simples… Quanto

ao espaço, não haverá problemas, porque Donhallow é imenso.Precisamos apenas nos preparar bem, planejar os detalhes, evitargastos desnecessários… Sim, cinco meses, serão suficientes!

Minutos atrás, quando ela falara na possível visita do conde,Raymond achara a idéia completamente impossível de ser realizada. Noentanto, vendo-a sorrir daquela forma, tão animada e certa do quedizia, estava inclinado a acreditar que não só podiam encontrar ummodo de ter o dinheiro necessário para cobrir os custos, como tambémque o conde teria a estadia mais confortável é agradável de que já

desfrutara, em sua vida.Cinco meses depois, Elizabeth gemeu de leve, levando o dedo ferido aos

lábios. Raymond parou de dedilhar a harpa e olhou-a, preocupado.Esparramado no chão, a seu lado, Cadmus abriu os olhos.

Ela ficara maravilhada com seu presente, mas, depois queRaymond a corrigira algumas vezes, Elizabeth o convencera a tocar edescobrira que seu marido era um músico muito melhor do que elamesma. Nos dias que se seguiram, tinham aprendido a compor juntos.Ela cantava ele a acompanhava.

— Não foi nada — ela acalmou-o, observando bem o dedo picado pelaagulha com a qual, bordava um guardanapo. — Mas esta é a quarta vez nestatarde que faço isto, sabia? Teria sido muito melhor se a reverenda madretivesse me forçado a bordar e costurar com tanto empenho quanto me forçavaa limpar o chão, Eu, com certeza, saberia usar a agulha com muito maishabilidade.

— Pois eu acho que você borda bem demais. Cante aquela canção,que eu gosto, sobre a primavera.

Elizabeth deixou de lado o trabalho e passou as mãos pela barriga

proeminente, começando a cantar enquanto o observava tocar. Gostavade fazer isso, em especial quando Raymond não percebia seu olhar.Enquanto tocava, era como se Raymond, pudesse esquecer todas aspreocupações de sua vida. Como acontecia quando estavam na cama, juntos.

De repente, Elizabeth sentiu que o bebê se mexia dentro de seu

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ventre.— Oh, Raymond, venha aqui depressa! — chamou. — Ele está

mexendo outra vez!Ele deixou o instrumento e acorreu para junto de Elizabeth,

tocando-lhe a barriga. E seu sorriso encantou-a tanto quanto osmovimentos da criança.

 — Acho que ele vai ser muito forte. — ela observou e, logo em seguida, notou que uma sombra de preocupação passava pelos olhos de seu marido.

Apressou-se, então, a acrescentar:— Também sou muito forte. A parteira da vila disse isso, lembra-

se? Não se preocupe, Raymond. Minha mãe levantou-se, animada, umdia depois que nasci, como sempre ouvi dizerem. Aliás, minhas tiasachavam que ela fora impertinente por agir assim…

— Mesmo assim… mandei buscar uma parteira em Chesney — elecomunicou.

— Mas, Raymond, isso vai custar caro! Tenho tentado economizar

tanto para a visita, do conde e você faz uma coisa dessas!— Eu insisto!— Acho que será um desperdício.Ele pensou um pouco antes de responder, muito sério, muito

próximo:— Não quero perdê-la no parto.Elizabeth sorriu e acariciou-lhe o rosto.— Está bem, então — aceitou, suave. — Mas mais por sua causa do

que por mim, porque estou muito bem de saúde. E desde que não

queira trazer também um médico ou um padre, ou ambos…— Não… Apenas se forem necessários…Elizabeth sorriu.— O que Aiken disse, esta manhã, sobre as pontes? -perguntou,

mudando de assunto. — Os consertos já estão no fim?— Os mais importantes, sim. O resto será feito no inverno.— Ótimo. — Ela o observou por instantes, depois decidiu abordar

um assunto no qual já vinha pensando há muito tempo: — Teremos deconvidar Montross para a recepção que daremos ao conde.

Ele se voltou, brusco, olhando-a, aborrecido.— Ele também rende homenagens ao conde, Raymond. — Elizabeth

insistiu, certa do que dizia. — E é seu amigo.— Mas é "meu" inimigo!— E meu também, mas, mesmo assim, acho que devemos fazer a

coisa certa. E, se você o convidar e ele se recusar a vir, ninguém poderá

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— Raymond, você fez isso?! — Ela estava chocada e maravilhadaao mesmo tempo.

Ele tornou a assentir.— Agora, por que não fica aqui e descansa; enquanto falo com ela?— E deixá-la pensar que sou uma covarde que tenho medo de

enfrentá-la? Depois, de tudo que lhe disse sobre Montross? Não,

Raymond, não posso…— Tem certeza de que está bem?— Bem, já me senti melhor na vida, mas não vou me deixar

subjugar por uma leve indisposição. — Elizabeth sorriu e tocou-lhe amão. — Além do mais, quero que madre me veja ao lado de meumarido. Ela sempre dizia que eu teria um fim terrível e quero queperceba o quanto estava enganada.

— Também quero encarar a mulher que achou que poderia, vencersua força de vontade meu amor.

Assim, juntos, ambos deixaram o quarto, seguidos de perto por,Cadmus.Quando desceram as escadas e entraram no saguão, Elizabeth

percebeu que qualquer traço de bondade e, gentileza tinha desaparecidodo rosto de seu marido. Era com se o estivesse vendo naquele primeirodia quando checara ao castelo. Quase esquecera de como ele, poderiaser frio e imponente e de como tal aparência poderia ser assustadora.

A reverenda madre aguardava junto à lareira, e voltou-se quandoos ouviu aproximarem-se. Elizabeth notou logo que ela parecia ter

envelhecido muito naqueles poucos meses. Havia novas rugas, depreocupação ao redor de seus olhos e boca.Ainda assim, vendo-os caminhando juntos, um olhar de altivez

passou pelo rosto da freira, como muitas vezes antes Elizabeth vira. Noentanto, embora sempre tivesse apreciado cães, como aquele queincitara contra Elizabeth; a mulher olhou para Cadmus com certareserva. O animal começou a rosnar baixinho, tão ameaçador quepareceu afligir ainda mais a freira.

Elizabeth teve vontade de acariciá-lo por isso, quando Cadmus

sentou-se junto a Raymond.— Madre… Elizabeth cumprimentou, fazendo uma breve reverênciadiante de sua antiga opressora. E apresentou: — Este é meu marido,Lorde Kirkheathe. Senhor, esta é a reverenda madre, do Convento doSantíssimo Sacramento.

A freira pareceu ser tomada, de surpresa, mas dirigiu-se aElizabeth com o costumeiro desprezo:

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— Elizabeth, vim até aqui por que…— Lady Kirkheathe — Raymond corrigiu-a de pronto, na voz

áspera.A reverenda madre empalideceu um pouco. Depois continuou,

como ele impusera:— Lady Kirkheathe, vim para exigir que retire as acusações que fez

contra mim em sua infame carta ao bispo.Raymond cruzou os braços, fazendo-a dar um passo atrás, receosa.— Não quer se sentar? — Elizabeth ofereceu. — Não gosto de

ficar em pé por muito tempo, devido a meu estado.A freira olhou para seu ventre e ergueu as sobrancelhas. Elizabeth

sentou-se numa das cadeiras próximas, e a reverenda madre fez omesmo, à sua frente. Raymond colocou-se de pé, atrás de Elizabeth, eela não tinha a menor dúvida de que, de sua posição, ele encarava afreira com olhos duros, inflexíveis.

— Quer discutir a Carta que enviei a outra pessoa? — perguntou,com certa ironia.— O bispo contou-me o que escreveu e…— Ele fez isso? Devo confessar que isso me surpreende, já que o

conteúdo da carta era bastante forte. Sempre imaginei que o bispo fosseuma pessoa generosa e educada, e tal altitude não condiz com aimagem que eu tinha dele.

A freira mordeu os lábios, tensa.— Ele me contou porque… porque retirou-me de meu cargo e agora

está me enviando para a lrlanda! — Ela pronunciou o nome do paíscomo se este fosse uma maldição.— Mas a senhora sempre disse que nós todas éramos pequenas

bárbaras que tinham sido enviadas ao inferno… devia sentir-se emcasa…

— Quero que escreva novamente a ele e retire suas observaçõesodiosas e desonestas!

— Está falando com minha esposa! — Raymond rosnou, colocandoas mãos sobre os ombros de Elizabeth, demonstrando seu total apoio a

ela. A freira olhava-os, parecendo mal poder acreditar no que via.— Você… deve-me isso — murmurou, e os últimos vestígios de

arrogância desapareceram de seu rosto.— Eu a recebi no conventoquando ninguém mais a queria!

Elizabeth ergueu a mão e tocou a do marido, num gesto deabsoluta cumplicidade.

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— Teve de fazê-lo — rebateu. — Era seu dever para com oconvento. Meu tio pagou-lhe bem por isso. E pagou muito bem.

— Eliz… — começou a reverenda madre, mas lembrou-se logo doque lhe fora imposto e controlou-se: — Lady Kirkheathe, cumpri minhaobrigação para com a senhora e, se de alguma forma sente-se lesadacom isso, talvez deva lembrar-se de que sua família a abandonou,

deixando-a a meus cuidados.— Isso não lhe dava o direito de deixar-me passar fome. Nem àsoutras meninas.

Raymond deu alguns passos para o lado da cadeira sem soltar amão de Elizabeth.

— Sei de tudo o que fazia contra as moças do convento. — disse,num tom que seria suficiente para fazer a própria Elizabeth estremecer.Os olhos da freira iam de um ao outro, sem saber em qual dos doisbuscar mais atenção. Ergue-se devagar, murmurando:

— O senhor sabe apenas o que ela lhe contou…— Vi as cicatrizes.— Mas ela roubava coisas.— Roubava comida, porque a senhora deixava-a passar fome, bem

como às outras moças!— Isso é mentira!Raymond cruzou o espaço que os separava em largas passadas e,

por um instante, Elizabeth temeu que agarrasse a freira pelos braços e asacudisse. Mas ele parou diante dela, muito próximo, rosnando:

— Corno ousa dizer que minha esposa mente?! — E, como areverenda madre nada dissesse, apavorada, prosseguiu: — Tambémescrevi ao bispo, reiterando tudo que ela dissera antes. Também supõeque possa me forçar a negar tudo o que eu disse?

Lágrimas de raiva e frustração encheram os olhos miúdos da freirapara rolarem devagar por seu rosto empalidecido.

— Ela me fez perder meu posto… — conseguiu, ainda, murmurar.— Não. — Elizabeth interferiu. — Se alguém teve culpa nisso, foi a

senhora, não eu.

— Estou velha demais para ser enviada àquele lugar horrível! —exclamou a reverenda madre, desesperada. — Vou morrer lá!— E quantas moças morreram por causa do frio e da fome naquele

convento? — Elizabeth argumentou, em voz baixa e carregada de dor. —Seu cachorro comia mais do que todas nós juntas!

— Eu cumpri com minha obrigação!— Não, a senhora não fez isso… Ficou com o dinheiro de nossos

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parentes e gastou-o em comida e vinho que partilhava com suas poucasfreiras preferidas. Acha que não sabíamos disso? Acha que as freiras quenão eram suas favoritas também não sabiam? Podíamos sentir o cheiroda comida sendo preparada e nossos estômagos roncavam de fome!

— Era um trabalho muito difícil tomar conta de vocês todas… .— Mas não precisava nos castigar por existirmos… Devíamos

aprender tarefas domésticas no convento, como bordar, costurar, tocaralgum instrumento. Mas a única coisa que nos ensinaram foi a sermosescravas dos trabalhos mais pesados, como esfregar aquelas pedrasásperas de joelhos, sem trégua, sem descanso! E lavar toda aquelaroupa até nossos dedos sangrarem! Tratou-nos como os menosvalorizados escravos, e jamais vou me esquecer disso, reverendamadre! — Elizabeth pronunciou as últimas palavras com desdém.

Ainda assim, a freira insistiu:— Fiz o melhor que pude.

— Imagino… Pois saiba que não é bem vinda aqui. Adeus, madre!Desesperada, a freira voltou-se para Raymond. Mas ele apenasergueu as sobrancelhas, reiterando seu apoio à esposa, e ela teve devoltar a fixar Elizabeth com olhar suplicante.

— Não é capaz de sentir pena? — pediu. Elizabeth assentiu,acrescentando, em voz suave:

— É claro que sim. Sinto pena dos irlandeses.A freira encarou-a por mais alguns segundos, a boca aberta, sem

poder acreditar no que ouvira. Depois, apressada, saiu dali sem, olhar

para trás.Raymond voltou-se para Elizabeth, perguntando, atencioso:— Está se sentindo bem?— Sinto como se tivesse acabado de enfrentar um leão… — Ela

sorriu. — Obrigada por me ajudar.— Não há por que me agradecer. Você já a tinha vencido há muito

tempo, minha querida.

Uma semana mais tarde, Raymond encontrou Aiken esperando por

ele do lado de fora do estábulo, quando retornava de uma patrulha. Osoldado sorriu, mas Raymond conhecia-o bem demais para saber quehavia algo de errado. Esperava que Aiken não lhe pedisse mais dinheiropara o conserto das pontes, pois já estavam no limite do que poderiamgastar.

— Senhor! — chamou o soldado, assim que Raymond entregou ocavalo para um dos rapazes das cocheiras.

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Raymond praguejou novamente.— Quantos? — quis saber.— Aproximadamente dez.— E que motivos Montross está alegando para contratá-los?— Ah, o de costume: diz que está procurando por homens, extras

para tomar conta de sua propriedade. Para protegê-la, para ser mais,

preciso. Foi isso o que ouvi por lá.— Protegê-la contra quem?— Contra o senhor.— Mas… Aquele infeliz! Mentiroso! — Raymond cerrara os dentes e

suas mãos estavam fechadas em punhos. — Não quero as terras dele!— Eu sei disso, senhor, como sabem todos que o conhecem bem.Raymond respirou fundo.— Espero que o conde saiba a verdade — observou, contrariado. —

Obrigado mais uma, vez pelo aviso, Aiken.

O soldado assentiu e completou:— Imaginei que devesse saber antes da chegada do conde. Agora,se me der licença, senhor, vou cuidar de meus afazeres nas pontes.

Raymond assentiu e ele se foi, apressado.— "Se" o conde vier — Raymond completou, meneando a cabeça,

aborrecido. Quem poderia imaginar que tipo de veneno Montross iriadestilar desta vez?

Elizabeth tivera tanto trabalho para preparar tudo para a vinda doconde… Não iria aborrecê-la nem preocupá-la sem necessidade. Talvez o

conde viesse, pois, como Charles observara, Raymond agora estavaligado a homens poderosos e, apesar do que Montross pudesse dizer, oconde não arriscaria ofendê-los, mesmo se não tivesse grande apreçopelo casal que o convidara…

Ainda assim, Raymond achou melhor poupar Elizabeth de talpreocupação. Queria que ela estivesse tranqüila e com a saúde bemequilibrada. Nos últimos tempos, vendo-a a cada dia mais próxima doparto, ele começara a sentir um pavor estranho, um medo absurdo deque Elizabeth pudesse vir a morrer ao dar a luz. Mesmo com as palavras

da parteira da vila, garantindo que ela estava muito bem, Raymond nãose convencia de todo. Seu medo era forte demais. Se Elizabethmorresse, sabia que boa parte de si mesmo morreria também.

A morte de Alicia fora um golpe, sim, mas doera mais em seuorgulho do que em seu coração. Com Elizabeth, seria muito diferente…

Deixou a capela, acompanhado pelo cão, sem querer mais pensarnum assunto tão doloroso. Parou por segundos no hall, para indagar a

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Rual sobre o paradeiro de sua esposa.— Ela está no solar, senhor — foi a resposta.Raymond mandou que o cachorro aguardasse junto à escada e

subiu, de dois em dois degraus. Quando abriu a porta do solar, viu quesua esposa estava absorta, lendo uma carta. Tão absorta, na verdade,que sequer o ouviu entrar.

Quem teria escrito para ela?, indagou-se Raymond, curioso.

Capítulo 15

Elizabeth ergueu os olhos para o marido e lançou-lhe um sorrisoencantador, levantou-se, com certo esforço, e indagou:

— Foi tudo bem na ronda?— Não vimos nada de diferente.

— Acabei de receber uma carta de Genevieve — ela informou,alegre.

— Sua prima? — Raymond se aproximou dela.— Sim. A mulher que deveria ter sido sua esposa. Escrevi para ela

há algum tempo.— Mas não me disse nada…Elizabeth franziu as sobrancelhas..— Devia ter-lhe pedido permissão? — estranhou.— Não. — Raymond, respondeu, lembrando-se de que não queria

perturbá-la. Então beijou-lhe de leve a testa e, sentando-se numapoltrona, puxou-a para seu colo. — Mas estou surpreso por você quererse corresponder com ela, considerando-se as circunstâncias.

— Talvez eu tenha escrito para agradecer-lhe… — Havia malícia emseus olhos.

Não era de admirar que todos os pensamentos sobre Montross etodas as preocupações desaparecessem de sua mente quando estavacom Elizabeth, imaginou Raymond, sorrindo.

— Foi esse o motivo, então… — comentou.

— Humm… Não exatamente. Eu disse a ela o quanto estava feliz eo quanto esperava que também estivesse.

— E ela está?— Parece que sim e ficou feliz por ter notícias minhas. Na verdade,

acho que ela imaginava que eu estivesse condenada a um destinoterrível.

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— Palavras pouco agradáveis, considerando ser eu o centro de talassunto…

— Bem, mas ela nunca o conheceu, não é?— Não.— Então, tinha apenas a idéia fornecida pela descrição que meu tio

lhe fez sobre você. E devo dizer que ele não é a pessoa exata para

descrevê-lo, se é que me entende…— Então devo culpá-lo pelo ato desesperado de sua prima paraevitar casar-se comigo…

— Mas tudo terminou bem, não foi?— É verdade.— E como eu dizia, esse não foi o único motivo pelo qual escrevi a

minha prima — prosseguiu ela, suspirando. — Eu queria saber sobre airmã do conde.

Raymond olhou-a, sem entender.

— A irmã do conde?! — estranhou.— Sim. Achei que a irmã do conde, chamada Maude, tivessechegado à casa de lady Katherine um dia antes de minha partida, eGenevieve disse-me que eu estava certa, pois se lembra dela muitobem. Também se lembra de que Maude e seu irmão eram muitochegados e que, quando, algum tempo depois, ela morreu, ele ficouarrasado.

— Elizabeth, não está pensando em falar ao conde sobre sua irmãfalecida, está?

— É claro que sim! Ela era tão simpática e todos gostavam tantodela! Inclusive lady Katherine!— E lady Katherine gostava de você também, não?— Sabe… acho que sim. Ela não era muito dada a demonstrar seus

sentimentos, como outra pessoa a quem amo e respeito muito… — Elançou-lhe um olhar significativo e apaixonado. — Lembro-me de que,certa vez, eu disse às outras meninas para pararem dê aborrecer umacolega mais nova e acho que, depois disso, houve digamos… certacamaradagem nos olhos dela quando estava perto de mim. Como se

fossemos amigas…— Sabe de uma coisa, Elizabeth, acho que você enfeitiça aspessoas.Quanto a mim, não tenho dúvida de que me enfeitiçou.

— Eu não fiz nada disso! Nem mesmo tentei fazer com quegostasse de mim!

Ele riu.— É… Nisso, você falhou completamente…

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— Falhei?-Sim.— Então, vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para agradar

também ao conde.Raymond fingiu uma expressão aborrecida ao responder:— Está tentando fazer com que eu sinta ciúmes novamente?

— Não, não… — Elizabeth riu, mostrando o quanto não levava asério a carranca do marido. — Vou fazê-lo sentir-se feliz e confortável,para que tenha uma excelente impressão sobre nós.

— Bem, se há alguém neste mundo que pode fazer isso, essealguém é você, minha querida.

Elizabeth brincou com a borda da túnica que ele vestia, e comcarinho, enfiou a mão para dentro, acariciando seu peito.

— Genevieve disse que é muito feliz no casamento. Não consigoimaginar como isso é possível…

— Por que não? — Raymond cerrou s olhos, deliciando-se com ocarinho que recebia.— Porque ela não está casada com "você"! Coitadinha! Não faz a

menor idéia do que desperdiçou…— Sabe de uma coisa? Você poderia ensinar o próprio Montross a

ser bajulador.Elizabeth retirou a mão, fazendo-o reabrir os olhos. Havia uma

expressão preocupada no rosto delicado. Raymond arrependeu-se deimediato por ter tocado no nome de seu inimigo.

— Ele respondeu ao convite? — indagou ela.— Ainda não.— Fico imaginando se ele simplesmente não vai responder para

depois aparecer aqui no dia da recepção.Satisfeito com o fato de que ela não seria surpreendida, caso

Montross chegasse acompanhando o próprio conde, Raymond abraçou-lhe a cintura volumosa, e comentou:

— Não seria surpresa alguma. Talvez queira nos mostrar o quantoé, ainda, amigo do conde e o quanto não me teme.

— Precisamos estar preparados, então.— Você já fez  tantos preparativos que não deve haver maisnenhum detalhe esquecido, meu amor!

Elizabeth parecia pensativa.— Sempre há. — e afirmou. — Mas espero que poucas coisas não

estejam a contento e que o conde chegue amanhã, com o é esperado.— O clima está excelente, às estradas, secas e transitáveis, as

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pontes, reparadas. E seus planos estão perfeito. Nada pode dar errado.— Raymond beijou-lhe de leve o rosto e depois o pescoço.

— Raymond, já' está quase na hora de…— Não importa. Não temos tempo para nada. Nada é mais

importante do que ficarmos juntos.Abraçou-a e beijou-a intensamente. Depois acariciou-lhe os seios,

mas pareceu vacilar, e indagou, rouco:— Devo parar?— Não, meu amor. A parteira disse que ainda podemos.— Perguntou a ela?— Sim. Ontem. Afinal, você não é o único interessado em saber…

Adoro quando está comigo.Feliz e aliviado, Raymond sorriu e prosseguiu com seus carinhos.

Na manhã seguinte, em pé no piso, frio do hall, Raymond tinha sua

esposa a seu lado e sentia-se orgulhoso, por isso; A sentinela da torreavisara sobre a chegada iminente da comitiva que trazia o conde deChesney, e estavam agora á sua espera.

Ele olhou para Elizabeth, cujas mãos estavam unidas ao redor doventre. Ela estava absolutamente calma aparentemente, mas ele que aconhecia bem, sabia o que lhe ia na alma. Podia quase sentir a tensãoque a atingia.

— Espere lá dentro — disse-lhe — onde pode sentar-se.— Não. Quero estar a seu lado quando ele chegar.

— Mas está grávida…— Isso não significa que não possa ficar em pé.— Tem certeza, Elizabeth?— Se eu sentir alguma coisa, cansaço ou vertigem, não hesitarei

em avisá-lo e pedir ajuda.— Promete?Ela o olhou e sorriu.— Dou-lhe minha palavra, meu senhor.— Está bem. Mas procure não se cansar.

— Está bem. Estou tensa…— Parece mais zangada do que tensa.— Sinto muito. Mas você fica falando o tempo todo e isso me deixa

tensa!Raymond olhou-a, incrédulo. Jamais, em sua vida, alguém o tinha

acusado de falar demais, ainda "mais" depois do ferimento na garganta.— Sinto muito — ouviu-a desculpar-se.

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— Bem, a parteira me avisou de que você poderia ficar um tanto…mal-humorada.

— E quando falou com ela?— Ontem, depois… — Lançou-lhe um olhar significativo.— Eu havia lhe dito que ela garantira não haver problemas. Não

confiou em minhas palavras?

Ele engoliu em seco.— Eu tinha outras coisas a perguntar — confessou.— Por exemplo…— Não vou falar sobre isso aqui — Raymond resmungou, fazendo

um breve sinal em direção aos soldados e criados que se uniam a elesna espera. Muitos deles ainda faziam os últimos preparativos e os quetinham terminado suas tarefas conversavam em voz baixa entre si.

— Não vejo por que não — Elizabeth insistiu. — Não temos maisnada a fazer até que eles cheguem e, com este burburinho, ninguém

poderá ouvi-lo.— Mas é um assunto particular…— Sou sua esposa! O que quer que eu faça para que me conte?— Se fizer esse biquinho mais uma vez, vai me obrigar a beijá-la

em público!— Então me beije…— Não.— Se não vai me beijar, conte-me o que conversou com a parteira.— Não vai parar de pedir até que eu conte; não é?

— Não…— Ele se inclinou e, segredou-lhe ao ouvido:— Eu queria saber exatamente quanto tempo ainda temos até que

sejamos obrigados a parar de fazer amor.Elizabeth afastou-se e olhou-o de soslaio.— Bem que eu, desconfiei que era isso — disse, com ar triunfante.Então ouviu o barulho da comitiva, aproximando-se da entrada do

castelo, Elizabeth, enfiou a mão pela dele, e Raymond apertou-a. Sabiaque sua jovem esposa nada tinha a temer do conde. Ela trabalhara e

planejara tudo para que sua visita fosse a mais agradável possível e,durante cinco meses, dera tudo de si com tal intento, além do mais,Elizabeth era alegre e espirituosa, duas qualidades que conquistariamaté o homem mais recalcitrante. Afinal, não tinha ela conquistado-o tãoabsolutamente?

Se havia alguém, a ser temido ali, era como sempre, FaneMontross. Mais uma vez, agora em silêncio, Raymond praguejou,

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arrependendo-se por não ter sido mais diligente.Agora, tudo dependia do que Montross dissera ao conde e do

quanto ele estivera aberto a ouvir suas intrigas. Se dependesse darecepção que teria ali, tudo estaria bem. E, em sua maior parte,graças a Elizabeth.

Raymond dava-se conta naquele momento que seus receios tinham

tido fundamento. Estivera certo em imaginar e em preocupar-se com ofato de que Montross, depois de ter ido ao encontro do conde, tivesseseguido com ele até Donhallow. Agora ele ali entrava, ao lado de seulorde maior, altaneiro e falso como sempre.

Elizabeth prendeu a respiração ao avistá-lo, Raymond apertou-lheuma vez mais, a mão, para dar-lhe segurança. Afinal, como Charlesdissera, o conde sabia muito bem que lorde Kirkheathe, com seucasamento, tornara-se aliado de poderosas famílias da Inglaterra.

Os pratos da balança estavam agora equilibrados, e Montross teria

que despender grande esforço para fazer com que o seu pesasse maisdali em diante.E, ao que parecia, ele estava disposto a fazê-lo naquele mesmo

instante. Minutos depois, o cortejo adentrava o pátio e Elizabethinclinou-se, numa saudação, dizendo a Raymond, em sussurros:

— Sabia que ele viria acompanhando o cortejo?— Imaginava que sim.— Não está surpreso, então devia saber com certeza que isso

aconteceria.

— Vamos discutir isso mais tarde, sim?— AH, com certeza, meu senhor! — aceitou as mãos do marido,descendo com ele as escadas para saudar os recém chegados.

O conde de Chesney já desmontara e agora voltava-se para lançarum olhar à solidez das paredes de Donhallow.

Raymond mantinha o olhar em Montross, o qual fixava Elizabethcomo um lobo prestes a atacar um cordeiro. Poderia matá-lo apenas poraquele olhar!, pensou ele, enciumado.

— Meu senhor!— Raymond inclinou-se em uma mesura ante do

conde.Este voltou-se com singelo sorriso no rosto marcado pela varíola,respondeu:

— Lorde Kirkheathe.— Permita-me, senhor, apresentar-lhe, minha esposa, Elizabeth. —

Havia orgulho em sua voz.O conde dirigiu a palavra a Montross, que estava próximo:

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— Como você disse, ela é muito bonita!Um arrepio de raiva misturada a ciúme passou pelo corpo de

Raymond, com a força de um raio. Como Montross ousava descrever suaesposa a quem quer que fosse?, referir-se a seus predicados?

— A beleza que possuo vem de minha felicidade, senhor. —Elizabeth respondeu ao conde, tornando a chamar-lhe a atenção. — E

talvez porque esteja grávida. Diz-se que a gravidez faz uma mulherflorescer. — O nobre riu.— É, dizem, sim concordou. — E posso opinar sobre isso porque

minha querida esposa jamais me pareceu tão linda como quando estavagrávida. — E olhou para trás, onde sua esposa, uma senhora gorda e depouca beleza, se encontrava. — Por favor, não gostaria de adentrar aohall com sua comitiva, senhor? Preparamos refrescos — Elizabeth pros-seguiu, sempre muito suave. — Sir Fane também, é claro.

Havia uma cortesia impecável em suas palavras, embora estivesse

óbvio que o tom que usara para falar ao conde fora muito maisagradável. Montross sabia que tal diferença não passava despercebidaao conde, apesar do sorriso constante que o nobre sempre mantinha noslábios.

O conde estendeu o braço para que Elizabeth se apoiasse nele e,assim, entrassem no hall. Raymond fez o mesmo com lady Chesney.

Quando lá chegaram, os esforços de Elizabeth para deixar tudomaravilhoso mais uma vez tornaram-se evidentes, pois Raymond,que ainda não notara certos detalhes, estava encantado e a mulher que

vinha a seu lado até prendeu a respiração diante do que fora preparadopara recebê-la e a seu marido.Elizabeth encontrara tapeçarias maiores nos fundos de uma das

muitas despensas do castelo, elas estavam empoeiradas e cheias deminúsculos buraquinhos provocados por traças, mas ela as escovara ebatera com as criadas, rindo muito e espirrando mais ainda, e pedira aRual para que as consertasse.

Elas agora decoravam as paredes, e a mobília, muito bemencerada, brilhava a luz dos candelabros. As tochas das paredes tinham

sido lavadas e preparadas com ervas especiais, de modo que, acesas,recendiam a um perfume muito especial.A comida que seria servida não era das mais caras ou exóticas,

mas simples, caseira e saborosa. Elizabeth garantia a Raymond que otipo de comida não era o mais importante, mas sim se ela estava ou nãobem preparada. E acrescentara:

— É melhor termos muita, comida simples e bem feita do quê

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pouca comida cara e que possa não agradar a todos os gostos.Apesar da satisfação e do orgulho que sentia de sua esposa,

Raymond mantinha-se atento e tenso, em virtude da presença deMontross, logo atrás de si.

Não demorou para seu inimigo fazer notar o que pensara sobre osesforços de Elizabeth. Assim que entraram no hall, e agruparam-se em

torno da lareira, ele comentou:— Bem, Raymond, vê-se bem a diferença que uma mulher podefazer na toca de um lobo…

Ele não respondeu, e Elizabeth dirigiu a palavra ao conde:— Meu senhor, sabia que conheci sua irmã, na casa de lady

Katherine DuMonde?Um sorriso de alegria iluminou as feições do nobre.— Mas… é verdade?!.. — surpreendeu-se.— Sim. Foi por pouco tempo, o que é uma pena. Minha prima a

conheceu melhor que eu, e fala muito bem de sua irmã.— Ah, sim. Maude era muito querida!— E uma excelente dançarina, disse-me Genevieve. A melhor que

ela já viu.O peito do conde encheu-se de orgulho e seus olhos pareceram

brilhar com mais intensidade.— Ah, eu também jamais vi alguém dançar como ela… —

comentou, saudoso. — Quem sabe, senhora, poderia dar-me a honra dedançar comigo mais tarde?

Elizabeth modestamente olhou para a barriga.— Oh, devo estar tão desajeitada…— Não acredito nisso — Montross interferiu.O conde lançou-lhe um olhar ácido, obviamente não muito

satisfeito com a interrupção e, como Montross corasse vigorosamente,Raymond lançou um olhar de aprovação em direção a sua esposa.

— Também não creio — disse o conde. — E, se sua saúde nospermitir, eu gostaria muito de tê-la como par numa dança de volteios.

— Seria um prazer para mim,

senhor. Aliás, meu marido poderá tocar para nós.Se ela o tivesse atingido com um soco no estômago, Raymond nãoteria se sentido tão balançado. Tocar?! Para o conde?! E para outraspessoas dançarem?!

— Elizabeth… — rosnou, num aviso.Ela aproximou-se e, segurando-lhe a mão, voltou-se para o conde.— Ele é modesto demais — comentou, sorrindo. — Mas toca

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divinamente.— Eu me lembro… — Montross observou.Raymond encontrara muitos homens rio campo de batalha. Vira

desafio em seus olhares, em suas atitudes. E sabia que estava diante deum desafio novamente.

— Se o conde assim o quiser, eu ficarei satisfeito em tocar —

aceitou-o.O sorriso feliz e orgulhoso de Elizabeth foi seu primeiro pagamentopela atitude tomada.

— Como também ficarei feliz em dançar — acrescentou ela. —Agora, venha, meu senhor. Quero mostrar ao senhor e a sua esposaonde ficam seus aposentos, para que possam descansar e se refrescarantes da festa. — E levou o casal escadaria acima, até a torre do ladoleste, deixando Raymond com seu maior inimigo.

Capítulo 16

Eles não estavam propriamente a sós, é claro, já que Cadmusestava sentado junto ao dono e a guarda do conde acabava de entrar nohall, bem como os muitos criados.

— Ouso dize que você ficou atônito com minha presença aqui hoje— Montross observou com um ligeiro sorriso de ironia nos lábios. Eleainda desafiava.

— O que sei é que você foi bastante rude em não responder meuconvite — Raymond rebateu sério.— Eu estava ocupado com o conde.Diante de tal afirmação, a única coisa que Raymond fez foi erguer

as sobrancelhas, já que não fora exatamente isso o que a prostitutadissera ao Aiken e, levando-se em consideração o caráter de ambos, elaera muito mais confiável do que Fane Montross…

— Você pode ter ido longe demais com esse seu casamento,Raymond — ele continuou provocando. — Aliou-se a homens poderosos

e o conde deve ter imaginado onde de fato, quer chegar…— O conde ou você?— E o que me interessa com quem se casou ou com quem fez

alianças? Tenho meus próprios aliados.— Interessa-se tanto a ponto de encontrar minha esposa no

bosque.Montross endireitou os ombros.

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— Com certeza, ela lhe contou o que achou que eu estivessefazendo, lá. — Ele sorriu, mas apenas com os lábios.

— Nosso encontro foi puramente fortuito. Um acaso da sorte. Evocê deve pensar que assim foi, é lógico, ou teria cavalgado até meucastelo para pedir maiores esclarecimentos…

— E essa era a segunda parte de seu plano?, Foi o que pensei.

— Não houve plano algum! Você e aquela sua esposa…— Fale de Elizabeth com respeito ou saia daqui imediatamente.Estou apenas esperando que faça isso para que eu possa contar aoconde o motivo de sua partida.

Montross calou-se por instantes. Sua atitude demonstrava aRaymond que não estava tão seguro assim de sua posição em relaçãoao conde. Caso contrário, aquele aviso não lhe teria dito nada.

— Sua esposa estava enganada — repetiu apenas.Raymond, então, decidiu tomar outro rumo na conversa:

— Presumo que você deva ter comentado sobre seus receios emrelação aos meus novos aliados com o conde.— Como seu fiel vassalo, era minha obrigação para com ele.– E ele ficou tão aborrecido que rapidàmente aceitou meu convite

e, inclusive convidou minha esposa para uma dança…— Ela foi encantadora, e ele se deixou levar.— De fato, ela é muito encantadora.— A afabilidade dele não vai durar muito.— Você ainda parece considerar Elizabeth tão fascinante que não se

importa, em observá-la com luxúria. — A voz de Raymond estava maisbaixa agora, e mais ameaçadora também. Montross ergueu o queixo,altivo:

— Não se pode negar queda seja uma bela mulher. — comentou.— Exato. "Minha bela mulher".Montross aproximou-se alguns passos. Seu autocontrole estava

desaparecendo aos poucos:— Uma mulher que você não mereceu — sussurrou irritado. —

Como não merecia minha irmã.

— É verdade. Eu não a merecia. Merecia algo muito melhor, mas eunão sábia o que poderia ser melhor até conhecer Elizabeth.Os olhos de Montross se arregalaram, irados. Mas a constatação

que o alarmava era bem outra:— Meu Deus! Você a ama!Raymond não respondeu. Seu coração batia forte, vítima de um

sentimento de vulnerabilidade que chegava a ser incômodo. Pensava

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agora que não deveria ter dito nada, mostrado nada. Devia ter sido ummistério total para seu inimigo.

— Você tirou minha irmã de mim e depois a matou — Montrossdisse em voz alta. — Não merece ter amor ou felicidade! Você me enoja,Raymond! Você e aquela sua rameira!

Raymond deu um passo a frente para ordenar:

— Saia de Donhallow imediatamente!— Não, não vou sair daqui. Não, até poder falar com o conde outravez e avisá-lo de que encontra-se num ninho de cobras aqui.

Raymond tentava controlar a raiva que lhe subia do peito.— O conde sabe que você está contratando mercenários? —

perguntou, em tom ameaçador.-Tenho permissão para contratar soldados.— Eu também, se achar que vá precisar deles. Mas não do tipo

escória, como você está fazendo.

— O conde entende que preciso de proteção.— Proteção contra mim ou contra ele próprio?O rosto dê Montross tornou-se vermelho como um pimentão.— Ah, então, este é o jogo… — observou sarcástico. — Vai dizer a

ele que não deve confiar em mim, quando o grande traidor é vocêmesmo?! Vamos ver então em quem ele vai acreditar!

— Sim, vamos ver.Montross encarou-o por longos segundos.— Não, não vou permanecer aqui — disse, por fim. — Não quero

presenciar você e sua adorada esposa comportando-se comopassarinhos apaixonados, seu assassino detestável! E, quanto aoconde… — Calou-se, talvez pensando que, mesmo estandocompletamente fora de si, deveria respeitar seu superior a todo custo.

Voltou-se em direção a porta e saiu pisando firme. Todos que aliestavam acompanharam seus movimentos, depois voltaram-se paraRaymond, o qual mantinha-se impassível.

Ele não lamentava o confronto. Já estava mais que na hora deMontross entender que sabia sobre os mercenários e para que eles

estavam sendo contratados. Era bom que soubesse que estavapreparado.Entretanto estava preocupado também. Se Montross imaginasse ter

perdido os favores do conde, a única coisa que mantivera Raymond emcheque nesses anos todos, não havia como prever o que ele seria capazde fazer…

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Já na cama, feliz por poder colocar os pés numa altura acima docorpo, e bocejando, de cansaço e sono, Elizabeth esperava por seumarido. Ele ainda estava lá embaixo, conversando com o conde deChesney.

A partida repentina de Fane Montross causara grandesespeculações. Ela mesma não sabia ao certo o que acontecera, mas

imaginava que devia ter havido outro confronto entre os dois antigosinimigos.O conde não fizera perguntas, o que a fazia pensar que devia ter

chegado a mesma conclusão ou que queria fazê-las apenas a Raymond,quando estivessem a sós.

Elizabeth também, queria fazer muitas perguntas a seu marido. Elenão se surpreendera com a presença de Montross na comitiva do conde.

Ela não estava surpresa com a presença dele no castelo, mas jamais esperara vê-lo no cortejo que acompanhava o conde de Chesney,

pois isso traía uma intimidade que ela não gostara de ver. Imaginavaque alguém devesse ter avisado Raymond sobre aquilo, mas, acima desua curiosidade para saber a verdade, sentia-se magoada. Ousaraacreditar que seu amado marido confiasse nela, tanto quanto percebiaque ele a amava. Ainda assim, se confiava, por que ocultara segredos,dela? E o que mais poderia haver em sua vida que não lhe contara?

Quando afinal, ouviu os passos conhecidos que se aproximavam daporta do quarto, bem como o chorar baixinho de Cadmus, aguardou,ansiosa pela aparição de lorde Kirkheathe.

Ele veio quieto, pensativo, e deixou o cão do lado de fora.— Raymond?— Não está adormecida?— Não.— Deveria estar. — Ele veio até a cama e sentou-se, olhando para

Elizabeth longamente. — Parece cansada.— E estou, mas não consegui dormir até falar com você.Ele se ergueu, começando a se despir.— Preciso lhe falar — ela insistiu.

— Sobre Montross?— Sim, sobre ele. Não estava surpreso ao vê-lo chegar na comitivado conde…

Raymond não respondeu de imediato. Sentou-se novamente nacama, para tirar as botas.

— Não vai me explicar?— Eu sabia que ele tinha ido a Londres para encontrar-se com lorde

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Chesney e que, provavelmente, viria para cá em sua companhia.— E por que não me contou?— Para não deixá-la alarmada, ainda mais por causa de seu estado.

— Ele continuava lidando com sua vestimenta, sem encará-la.— E acha que me assusto assim tão facilmente?Raymond endireitou as costas.

— Não vi necessidade em preocupá-la com algo que, afinal, poderianem acontecer.— Você se preocupa tanto com minha segurança na hora do parto e

pode não haver a menor necessidade disso também…— Mas é diferente.— Não, não é. E, para alguém tão cuidadoso em relação a minha

saúde, surpreende-me que não lhe tenha ocorrido que um choque assimpoderia ter precipitado meu trabalho de parto.

Ele se voltou e, em seu rosto, havia tal expressão de medo, que

Elizabeth rapidamente apressou-se em acrescentar:— Mas isso não aconteceu.Raymond tocou-lhe de leve o rosto, extremamente carinhoso.— Eu devia ter pensado nisso — concordou sentindo-se miserável.— Na verdade, o que mais me deixou abalada foi imaginar que

você não me contou algo de tamanha importância.— Mas eu não queria que se preocupasse…— Mas ficou preocupado por nós dois, sabendo que Montross

estava com o conde, obviamente enchendo-lhe a cabeça com mentiras.

Sou sua esposa, Raymond, e quero partilhar tudo com você: alegrias etristezas, as preocupações e prazer. Não quero que suporte osproblemas sozinho. Nunca mais.

— É um hábito difícil de abandonar…— Não, não é um hábito. — Elizabeth pegou-lhe a mão e beijou-a

com carinho na palma. — É medo.Raymond puxou a mão.-Um medo compreensível — Elizabeth prosseguiu, mostrando-lhe

que entendia. — Você confiou em Alicia e ela o traiu. E eu esperava que

você confiasse em mim e que soubesse que jamais o trairei. Estavaenganada pensando assim?— Confio em você; Elizabeth.Eram palavras simples, e, ainda assim, capazes de arrepiá-la por

inteiro, ainda mais acompanhada por aquele olhar, que dizia muito mais.— E, se hão estiver cansada demais, venha comigo que eu lhe

provarei o que digo.

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— Ir com você? Para onde?— Humm… segredo.— É muito longe?— Não.— Então, não estou cansada demais.Raymond ajudou-a a levantar-se, depois foi até o armário e pegou

dois cobertores grandes, para se cobrirem.— O que diremos aos sentinelas? — Elizabeth indagou, segurandoas pontas do cobertor que ele ajeitara com carinho sobre seus ombros.Depois pegou uma vela da mesa de cabeceira.

— Não vamos sair — Raymond explicou. Tomou-lhe a mão e abriua porta.

Cadmus olhou-os, humilde e alerta.— Fique aqui — Raymond ordenou ao animal, que tomou a apoiar a

cabeça sobre as patas.

— Ele parece ter ficado desapontado — Elizabeth comentou, mas aúnica reação de seu marido foi pedir-lhe silêncio, colocando o indicadordireito sobre os lábios.

Desceram em direção ao hall e, quando já estavam no meio dasescadas ele parou e vasculhou as pedras da parede, Elizabeth, não faziaa menor idéia do que ele estava fazendo, até que uma das pedras cedeua leve pressão de seus dedos. Era uma pedra com uma pequena marca.

— Lembre-se disto — Raymond avisou, apontando para ominúsculo desenho entalhado na rocha. E, logo em seguida, com outro

movimento dos dedos, moveu aquela pedra e todas as outras cederam,até o chão, quase sem, ruído algum.— É uma porta! — Elizabeth sussurrou, recebendo um leve sopro

de ar frio no rosto. Olhou para dentro da abertura e viu a série depequenos degraus que levavam a um lugar mais baixo, o qual seencontrava em absoluta escuridão.

As paredes úmidas, brilhavam conforme aproximava a chama davela.

— Uma passagem secreta… — maravilhava-se ela. — Onde vai dar?

— Ela segue até a parte extrema do castelo, terminando nobosque, do outro lado.— Tão longe assim?— A porta de saída, no bosque, está bem oculta na mata.— Impressionante…— Foi feita para ser usada, como um caminho de fuga. Meu pai a

mostrou a mim pouco antes de morrer. Jamais falei a ninguém sobre

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isto, nem mesmo a Alicia.Elizabeth sentiu uma alegria sem igual. Que outra prova da

confiança de seu marido poderia desejar?, imaginou. Porque concluíaque alguém poderia entrar por aquela passagem também. Ou uma tropade homens, e tomar o castelo…

— Tem certeza de que Alicia não conhecia esta entrada? Um

amante poderia ter entrado por aqui…— Cheguei a pensar nisso e, assim que pude sair sozinho, verifiqueia outra porta, no bosque. Não parecia ter sido aberta.

— Entendo…— Mas isso não significa que eu estivesse absolutamente certo…— Manterei seu segredo, Raymond. Fique tranqüilo.— Eu sei. — Passou a mão pela pedra novamente, fechando a

entrada. — Você está com frio…— Sim, um pouco — Elizabeth admitiu, abraçando a si mesma.

— Vamos voltar para cama.Seguiram, de mãos dadas, de volta ao quarto. E, quando jáestavam sob as aconchegantes cobertas, Raymond voltou-se paraElizabeth, observando-a com olhar intenso:

— Vou contar-lhe uma coisa, Elizabeth, que jamais disse a ninguém— avisou. — É sobre Alicia e seu irmão.

Ela se interessou de pronto.— Eles estavam sempre muito próximos. Na verdade, eram

chegados demais. Eu devia ter prestado mais atenção a isso e a outras

coisas antes de me casar com ela.— O que… o que está tentando me dizer, Raymond?— Havia… sinais… avisos de que o relacionamento deles não era

normal, mas eu estava cego de paixão. Imaginei amar Alicia e queriaacreditar que ela era perfeita…

— Até o dia em que ela tentou matá-lo…— Sim. Estávamos caçando naquele dia. Fane, Alicia e eu, com

uma tropa de soldados. Ele e ela dividiam um segredo, como sempre,riam muito, e acabei por me zangar por ser deixado de lado. Quando

voltamos para casa, lembro-me de ter dito algo sobre eles pareceremmais amantes do que irmãos. Foi como uma piada sem graça, masagora acho que uma parte de mim queria descobrir a verdade…

Raymond respirou fundo, olhando para o teto.— Talvez eu quisesse que ela negasse tudo — continuou

melancólico. — Mas ela não o fez. Não disse absolutamente nada.Naquela noite, tentou me matar. Acredito que ficou com medo de que eu

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comentasse alguma coisa, que descobrisse toda a verdade e pudessepedir uma anulação de nosso casamento.

— E acha que ela seria capaz de cometer assassinato para encobrirseu pecado? Poderia ser julgada, condenada e morta!

— Acho que preferiu arriscar. Sabia que seu irmão ficaria a seu ladoe que ambos poderiam jurar inocência. Não tenho dúvidas de que, fosse

qual fosse a história que ela inventasse, acabaria por comover os jurados, pois sabia como influenciar um homem. Como você bem sabe,tenho temperamento forte e Alicia acabaria usando isso em sua defesa.

Apesar do calor proporcionado pelas cobertas e pelo corpo deRaymond, Elizabeth sentiu-se estremecer.

— Meu Deus! Isso soa tão… tão nojento…— Mas é a única explicação que tenho para o que Alicia tentou

fazer.— Por que você nunca acusou Montross?

— Porque nunca tive provas. Seria minha palavra contra a dele e,até nosso casamento, ele sempre teve mais influência do que eu.— Poderia contar ao conde agora…Ele se virou e tornou a encará-la.— Embora eu nunca tenha amado Alicia como amo você —

confessou — eu me preocupava com ela. Gostava dela. Montross estáarruinando sua própria vida, pois está perdendo o apoio do conderapidamente. E, quando isso acontecer, estará perdido, pois terá perdidotudo. Não quero arrastar a memória de Alicia num mar de lama, sem

necessidade.Elizabeth acariciou-lhe o rosto.— Você é um verdadeiro cavalheiro, Raymond. Mais uma razão

para eu amá-lo tanto.Ele voltou o rosto e beijou-lhe a palma da mão, provocando um

arrepio em todo seu corpo. Mas ela ainda tinha mais perguntas a fazer.— Por que ele partiu de modo tão precipitado? — quis saber.— Discutimos.— Sobre o quê?

Raymond demorou a responder.— Tem certeza de que quer saber de tudo?— Sim, Raymond.— Ele está contratando mercenários, homens que lutam de modo

feroz e desonesto. Foi Aiken quem me contou. Montross quer formarbrigadas desse tipo de soldado alugado.

— E você falou sobre isso com o conde?

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— Sim.— E o que ele pensa a respeito?— Que Montross está no seu direito.— E que motivos ele tem para estar contratando esse tipo de

gente?— Aparentemente, para proteger-se contra mim.

Elizabeth sentou-se de modo tão abrupto, que o bebê em seuventre chutou, num protesto. Raymond imitou-a.— O que houve? — perguntou, preocupado.— O bebê chutou… — ela explicou, depois voltou ao assunto: — Ele

quer se proteger de você? Mas você não o está ameaçando…— Foi o que eu disse ao conde. E ele não é tolo, Elizabeth. Na

verdade, não acredito que ele confie em seus vassalos completamente.Em nenhum deles. O que é muito sábio de sua parte. Vai manter-seatento ao que Montross fizer e acho que vai me observar também.

— A você?!— Sim. — Raymond pensou um pouco, depois sorriu e puxou-a deleve para si. — Fiz alianças excelentes com meu casamento — continuounum sussurro. — E o conde pode imaginar se estou tendo segundasintenções… Pode duvidar de minha lealdade.

— Mas você é leal e…— Sim, meu amor, e é isso que ele vai descobrir com o passar do

tempo. Mas estou cansado de falar sobre o conde e sobre Montross.— Tem razão, meu querido. Este foi um longo dia e acredito que

esteja querendo dormir.Ele sorriu.— Quero sim. Mas não tão depressa…

Capítulo 17

Quatro meses depois, num dia frio de outubro, Rual olhava para asacola de moedas que Fane Montross lhe apresentava.

— O bebê deverá nascer dentro de quinze dias, de acordo com a

previsão da parteira — informou.Ele viera sozinho, para encontrar sua espiã, como sempre. Era fácilpara um homem que conhecia bem o terreno, aventurar-se pelapropriedade de Raymond.

— Tem certeza? — quis saber.— Eu estava presente — Rual garantiu. — Ouvi da própria parteira.

Kirkheathe mandou buscá-la em Chesney.

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— Ótimo…— Sabe, eu não o entendo — Rual murmurou, estendendo a mão

para receber seu pagamento. — Por que esperar até agora para vingar-se?

— Talvez pela mesma razão que manteve você aqui…— Espera ser pago? — ela zombou.

O sorriso de Montross era frio como o vento que soprava do nortenaquele dia.— Não. Porque quero que ele sofra. E esperei até que seu rebento

estivesse a ponto de nascer, até que tivesse se afeiçoado a sua mulhermuito mais do que amou minha irmã. E quando Raymond perder suaadorada esposa, saberá, pelo menos em parte, o quanto sofri quandomatou minha Alicia.

Rual moveu-se, desconfortável, como se o plano de seu aliadoparecesse ser mais aterrorizante do que imaginara, ou como se

estivesse tendo segundas idéias a respeito dele…— O que vai fazer? — indagou desconfiada.— Nada que lhe interesse saber. — Montross ainda sorria.— Se estiver pensando em atacar Donhallow quero estar bem longe

de lá quando isso acontecer.— Entendo. Mas fique tranqüila. Eu a farei saber com antecedência.— ainda bem. Agora, acho que vou andando, ou minha ausência

poderá ser notada. — Rual deu dois passos a frente, na intenção depegar o dinheiro, mas Montross afastou-se, colocando a pequena sacola

atrás das costas.— Que desculpas arranjou para vir ao bosque hoje? — perguntou.Rual apontou para a cesta que deixava no chão, junto a porta.— Estive a procura de raízes para fazer um remédio que aliviasse

as dores nas costas de minha senhora.— Excelente! Sabe, você sempre me surpreende som sua

esperteza, Rual!— Sou esperta o suficiente para saber quando devo ficar de boca

fechada. — Ela, obviamente, queria assegurar-lhe, mais uma vez, que

manteria silêncio sobre sua cumplicidade.— Diga-me… Lady Kirkhethae fala de mim, às vezes?— Não, nunca.— Nem menciona meu nome?— Pelo menos para mim, não.— Entendo…— Eu não, mas nem quero entender. Tudo o que quero é meu

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dinheiro.Ele estendeu a mão que segurava as moedas.— Longe de mim manter uma mulher esperando — Montross

comentou, irônico.No entanto, quando Rual tentou segurar a cordinha pela qual ele

segurava a sacola, Montross agarrou-lhe o punho com a outra mão e

deixou o dinheiro cair enquanto desembainhava sua adaga.Rual arregalou os olhos, tentando escapar de seus braços fortes.No entanto, mal conseguia mover-se.

— Como pode ver, Rual, não terá mais que se preocupar com coisaalguma.

Então, cerrando os dentes, desferiu um único golpe. Os olhos delase abriram ainda mais, em desespero, começando a tornar-se vítreos,enquanto sua respiração diminuía aos poucos, até que seu corpo foiescorregando devagar em direção ao chão.

— Sim, eu vou enfrentar Raymond afinal! — Montross sussurroupara si mesmo, com um brilho de triunfo no olhar. — E, quando ele sairde seu castelo para me atacar, sentirá a força de minhas armas! — Esoltou o corpo que ainda retinha nos braços, não se importando se Rual já estava morta ou ainda agonizava.

Guardou a sacola de dinheiro e depois, como tinha planejado, feztudo o que foi necessário para parecer que Rual tinha sido surrada,violentamente e assassinada.

— Está sozinho, meu senhor?Ao som da voz de sua esposa, Raymond sorriu e ergueu os olhosdas listas de suprimentos que estava verificando. A colheita daquele anotinha sido especialmente favorável e teriam dinheiro e reserva dealimentos suficientes para passarem o inverno em segurança.

Na verdade, aquele fora um dos melhores verões de sua vida, senão o melhor. As notícias sobre os possíveis mercenários de Montrossdeixaram de chegar a Donhallow, o que levava Raymond a imaginar queo inimigo tivesse percebido seu erro e que, dali em diante, o deixaria em

paz. O melhor de tudo, porém, era a presença de Elizabeth em sua vida.Ela trouxera paz de espírito. Era como se fosse a luz do sol trazendoalegria e serenidade, libertando-o da prisão na qual, por vontadeprópria, se instalara depois da morte de Alicia.

Ela vinha em sua direção naquele momento, as saias amplas dovestido movendo-se a cada passo, o ventre proeminente avolumando-se

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cada dia mais.Notou que Elizabeth estava um tanto pálida e preocupou-se de

pronto:— O que houve? — Levantou-se, indo em sua direção e tomando-

lhe as mãos nas suas. — Não está se sentindo bem? Já está na hora?!— Não, não é isso. — Ela sentou-se, pesadamente. — Estou

preocupada.— Com o bebê?— Não. Você já se preocupa com isso por nós dois. — Sorriu, mas

seu sorriso logo desapareceu. -Trata-se de Rual. Ela ainda não voltou eo sol já está se pondo.

Raymond lançou um olhar pela janela, vendo que ela tinha razão.— Onde ela foi? — indagou.— Ao bosque. Como sabe, minhas costas têm doído muito nos

últimos tempos e Rual disse que sabia de uma receita com ervas que

aliviaria minhas dores. Foi até o bosque para buscá-las. E; como o diaestava claro e eu não precisava de seus serviços, achei que não haveriaproblema algum.

— Ela foi sozinha?— Sugeri que levasse um guarda consigo, mas ela se ofendeu Disse

que sabia cuidar muito bem de si mesma e que não, iria muito longe,porque conhece o bosque muito bem e sabe exatamente onde ficam asraízes necessárias.

— Realmente, ela conhece toda essa área — Raymond considerou.

— Mas… foi logo depois do meio-dia e achei que estaria de voltalogo. Quando começou a demorar, pensei que poderia ter encontradoalgum conhecido na vila e se demorado enquanto conversavam… Masagora já está escurecendo e temo que algo lhe tenha acontecido. Achoque deveria ter insistido para que levasse um soldado, ou, pelo menos,outra criada, para fazer-lhe companhia…

Raymond olhava-a, muito terno.— Rual não deve ter sentido o tempo passar. Deve estar na vila.

Talvez, também, tenha caído, nada de sério, é claro, e deve estar na

casa de algum conhecido.tratando de prováveis ferimentos… Voumandar alguns homens à sua procura. Sabe que caminho ela tomou?-Não. Nem mesmo perguntei.— Está bem. Não se preocupe. Vamos encontrá-la.— Espero que sim.— Como ela mesma disse, Rual esteve naquele bosque inúmeras

vezes antes — ele a fez lembrar, carinhoso.

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— Sim, mas nunca se atrasou. Logo será hora do jantar… Eu deviater-lhe contado antes…

— Elizabeth, ela é uma mulher adulta. Sabe o que faz. Vou enviaralguns soldados em sua busca, e tenho certeza de que ela logo estaráentre nós novamente. Talvez, até, retorne antes deles.

Elizabeth apoiou-se nos braços da cadeira, para levantar-se.

— Espero que sim, meu querido.Raymond olhou-a intensamente e, sorriu.— Descanse e não se preocupe mais, está bem — pediu-lhe.— Vou tentar.— Venha, vou acompanhá-la até o quarto.— Não, não é necessário. Vá dar as ordens aos homens.

Não a encontraram antes do anoitecer. Elizabeth passou quase quea noite toda em claro, preocupada, enquanto Raymond sequer

adormeceu, inquieto tanto com o desaparecimento da criada, quantocom o estado de sua esposa.Elizabeth estava em seus braços, aninhada como dormia todas as

noites, e ele esperou até que o sono por fim a vencesse, já demadrugada, para sair da cama e liderar ele próprio as buscas.

Cadmus cheirava o corpo da mulher morta, que farejara adistância. Fora uma terrível descoberta para os soldados e paraRaymond que, ainda montado junto à cabana abandonada, praguejava

em voz baixa, para depois chamar o cachorro para junto de sinovamente.Aquilo não era o que esperara encontrar. Esperara, isso sim,

descobrir Rual na cama de uma amiga na vila ou, pior do que isso,ferida em algum ponto do bosque, impossibilitada de voltar sozinha paraDonhallow. E isso já seria ruim o suficiente. No entanto, o que tinhadiante dos olhos era muito pior.

Engoliu em seco, repreendendo-se por ter baixado a guarda, porter falhado em sua obrigação de senhor daquelas terras, abandonando o

hábito de patrulhá-las incansavelmente noite e dia, como fazia antes.Não era de se admirar agora que tivessem sido pego de surpresa.Culpava-se por uma mulher ter pago por sua negligência.

— Fique aqui — ordenou ao cão, enquanto desmontava e seaproximava do grupo de soldados que se juntavam ao redor da criadamorta.

Ela estava deitada de costas, o rosto marcado por inúmeros golpes,

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as roupas rasgadas, as pernas afastadas. A poucos passos, havia umasacola de palha coberta por um pano de cozinha.

Era um modo horrível para uma mulher morrer, cruel e bárbaro,tirando-lhe tanto a dignidade quanto a existência. Raymond não queriaque Elizabeth soubesse daquilo. Retirou sua capa e cobriu o corpo,depois olhou para seus homens.

— Não quero que falem sobre os detalhes desta morte quandovoltarmos ao castelo — ordenou. — Que Rual tenha dignidade em suamorte, pelo menos por enquanto. A verdade só será revelada quandopegarmos o infeliz que fez isto e o julgarmos por seus atos. No entanto,quero poupar minha esposa deste sofrimento por enquanto.

Caminhou em torno do cadáver e ajoelhou-se ao lado da criada,notando seu corpete ensangüentado. Procurou melhor e encontrou aabertura no tecido.

Era claro que Rual tinha sido apunhalada, uma ferida mortal entre

as costelas, num golpe desferido por um homem destro, queprovavelmente assim agiu depois de tê-la usado, para que não houvessetestemunhas de seus horrendos atos.

— Coloquem o corpo sobre meu cavalo — ordenou.Hale, de cabeça baixa, indicou os homens que deveriam fazê-lo.

Eles a colocaram atravessada na sela, enquanto o cavalo, inquieto porter sentido o cheiro da morte, resfolegava, impaciente.

Nesse ínterim, Raymond passou a examinar o chão onde o corpo deRual estivera. Chovera na manhã anterior e a lama estava ainda fofa e

cheia de marcas de ferraduras, o que o impedia de precisar quantoscavalos tinham estado por ali, ou quantos homens tinham deixado suaspegadas. Talvez muitos… Bandoleiros, talvez, ou mercenários que ti-nham invadido sua propriedade…

— Hale! — chamou, levantando-se.— Meu senhor?— Quero seu melhor rastreador.— Derrick! — o soldado chamou, e um rapaz se aproximou,

apressado e obediente.

— Quantos homens? — Raymond perguntou, o olhar fixo emDerrick.Este agachou-se junto às marcas no chão e examinou-as com

atenção por alguns segundos, murmurando em seguida:— É difícil dizer senhor.— Muito bem. Vasculhe a área e quando tiver um número, avise-

me.

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O rapaz baixou a cabeça, respeitoso.— Sim, meu senhor!— Mas não vá sozinho.Hale adiantou-se, chamando por outros homens:— Martin, Rob! Acompanhem Derrick e mantenham os olhos bem

abertos!

Os dois homens colocaram-se ao lado do colega, que aindaverificava o solo e depois, seguindo-o, embrenharam-se bosque adentro.— Senhor, parece que temos problemas sérios — Hale comentou,

com a intimidade que anos de serviço fiel lhe conferiam. — Há anos nãovejo nada assim.

— Não. Graças a Deus, não…De repente, algo que brilhava fracamente no chão chamou-lhe a

atenção. Tornou a inclinar-se e apanhou uma pequena moeda de prata.Não poderia ser de Rua! Mesmo que tivesse algum dinheiro, ela jamais

se arriscaria levando-o consigo ao bosque.Talvez, em seus esforços para escapar a seu agressor, ela lhetivesse rasgado a sacola de dinheiro e esparramado parte de seuconteúdo… E,quando ele tentara recuperar as moedas, devia ter deixadouma para trás, sem saber.

Raymond franziu a testa. Rual, em seu esforço para escapar…repetia-se. E isso lhe parecia estranho olhou mais uma vez para o chão,em especial para o local exato onde o corpo dela estivera. Ao redor,havia marcas de muitas pegadas.

Nenhuma delas, porém, estava forçada, como se alguém tivessetentado fixar os pés para ganhar equilíbrio ao segurar outra pessoa quese debatia… Na verdade, não havia marca alguma de luta corporal…

Lembrava-se também de que não havia marcas nos braços de Rual,por onde ela deveria ter sido segura…

Teria sido apunhalada primeiro? Se assim fosse, por que oassassino batera em sua cabeça com tanta força? O ferimento entresuas costelas devia tê-la matado depressa, e, obviamente, sem forçaspara defender-se.

Bem, se não estava lutando por sua vida ou sua honra, como teriaela rasgado uma sacola de moedas? Ou o que acontecera ali fora algocompletamente diferente do que imaginara até então?

Talvez Rual tivesse ido até ali para encontrar-se com alguém… Umamante, talvez… Mas Raymond jamais notara a criada dando atençãomaior a algum homem, nem nenhum homem a ela, o que, certamente,não seria suficiente para imaginá-la uma celibatária… talvez esse fosse

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mais um sinal do quanto negligenciara sua gente, do quanto estavadesatento a seus vassalos e criados, culpou-se mais uma vez.

Mas aquela moeda poderia significar algo mais… Talvez Rualestivesse vendendo algo que carregava naquela cesta… Talvez tivesseroubado alguma coisa do castelo para vender… Raymond foi até acesta, pegou-a e afastou o pano que cobria sua abertura. Havia apenas

algumas raízes ainda sujas de terra lá, dentro. As raízes que elaprocurara para fazer o remédio para Elizabeth, com certeza.Não devia ter suspeitado da mulher. No entanto, a saída em busca

de raízes poderia ter sido apenas uma desculpa que ela arranjara paravir até ali… Tinha razões para suspeitar. Afinal, uma mulher já o traíraantes…

Quieto e pensativo, procurava lembrar-se de tudo que sabia sobreRual. E deu-se conta do pouco que sabia, na verdade. Sabia apenas queela estava em Donhallow há quase dez anos e que jamais sorria.

Sempre mantivera-se distante, em especial dele, mas isso não era de seestranhar, já que todos os criados o respeitavam demais.Nada podia lembrar-se que pudesse depor contra Rual, a não ser

que ela entrara no bosque muito confiante de si e, de algum modo,morrera ao lado de uma moeda de prata…

Minutos depois, Derrick voltava com os outros dois soldados. E foiele quem alcançou Raymond primeiro, para informar-lhe, ofegante:

— Apenas um homem, senhor. Em um cavalo.— E de onde ele pode ter vindo?

— Das terras de sir Fane Montross, meu senhor. Com certezaabsoluta.Então, o animal viera das terras de Montross, pensou Raymond,

raivoso, mas não muito surpreso. Quem, nas terras de seu inimigo, teriamoedas de prata?, indagou-se. E a resposta não poderia ser mais rápidae óbvia: ninguém, além dele próprio.

Ouvira Montross dizer, muitas vezes, que uma única, morte poderiacausar mais estragos do que um ataque armado. Que melhor estratégiapara aterrorizar o povo de Donhallow, sem arriscar ganhar a ira do

conde? Sem arriscar nada, na verdade, nem mesmo a vida de seushomens?Talvez a morte de Rual fosse apenas um macabro aviso, um sinal

de que mais terror ainda estava por vir…Não havia, porém, provas de que fora ele o autor daquela

barbaridade, a não ser, é claro, sua própria crença de que Montross eracapaz de fazer aquilo e muito mais.

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Entretanto, em silêncio, Raymond jurou que, fosse quem fosse oautor daquele crime, ele iria pagar. E bem caro.

Capítulo 18

Elizabeth estava sozinha ao acordar. E, a julgar pela fraca claridadeque passava pela janela estreita, Raymond devia ter saído muito cedopara ajudar nas buscas por Rual.

Não deveria ter permitido que a criada fosse sozinha, arrependia-seagora. Devia ter insistido para que ela se fizesse acompanhar por umguarda.

Não havia grandes perigos nas terras de seu marido, com certeza,tentava consolar-se. O mais certo era que como Raymond supusera,Rual tivesse caído e se ferido, e estivesse sem condições de voltar ao

castelo. À noite não fora fria demais e ela não deveria ter sofrido muito.Ouviu os portões do castelo sendo abertos e escorregou para forada cama. Calçando os sapatos, apressada e com grande dificuldadedevido ao ventre volumoso. Era-lhe praticamente impossível correr, foiaté a janela o mais rápido que pôde. Inclinou-se no peitoril, tentandover o que se passava lá embaixo.

Viu de imediato o corpo que estava atravessado sobre o cavalo deRaymond e seu coração se apertou. Ele e seus homens estavam paradosao redor do animal e pareciam conversar.

— Oh, meu Deus! — Elizabeth sussurrou e, sem forças paracontinuar em pé, deixou-se escorregar até o chão, cobrindo o rosto comas mãos. Como aquilo podia ter acontecido? perguntava-se,desesperada. Mesmo sozinha, Rual devia estar em segurançacaminhando por suas terras.

Chorou baixinho, até ouvir a porta do quarto sendo aberta para darpassagem a Raymond. Ele veio depressa em sua direção e ajudou-a aerguer-se, preocupado.

— Elizabeth, não deve ficar nesse chão frio…

— Era Rual sobre seu cavalo, não era? — ela quis saber, nummurmúrio dolorido.Raymond conduziu-a até a cama e, depois de vê-la sentada,

sentou-se a seu lado e assentiu.— Mas… como isso pôde acontece?!— Ela foi atacada.— Atacada?! — Havia espanto e horror em sua voz. — E foi

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violentada também, não?Raymond engoliu em seco.— Eu não ia lhe falar sobre isso por um tempo, mas… sim, é

verdade confessou.— Raymond, precisa parar com essa mania de querer me poupar

de tudo, fui criada num convento e não no céu. Muitas das garotas que

eram enviadas para lá tinham sido violentadas e, embora não tivessemtido culpa, ficavam ali, exiladas para sempre, para ocultarem suavergonha, e evitar um escândalo na família. Então, sei muito bem queessas coisas acontecem e como acontecem. Não preciso ser poupada denada. Ela estava muito longe do castelo?

— Estava na cabana abandonada, ao lado do riacho.— Mas não é tão longe assim… — Elizabeth protestou, como se, de

alguma forma, pudesse tornar a morte de Rual impossível de teracontecido, o que queria que fosse verdade. — Quem poderia fazer tal

coisa?!— Montross.Ela o encarou, horrorizada.— Montross? Mas… ele é um cavaleiro!— Sim. Um cavaleiro que deveria respeitar os ideais mais nobres

da Cavalaria, mas Montross não sabe o significado da palavra honra.Raymond enfiou a mão numa abertura de seu cinto e retirou a

moeda de prata que encontrara na cabana.— Encontrei isto e suponho que seja motivo suficiente para

suspeitarmos de Montross.— Uma moeda?— Uma moeda de prata.— Muitos homens levam moedas de prata consigo, até mesmo os

foras-da-lei.Ele assentiu, concordando, e prosseguiu:— Havia marcas de um cavalo ferrado ao redor da cabana e no

caminho que leva às terras de Montross.— Bem… Poderiam ser do cavalo de um de seus soldados ou

oficiais, ou de um daqueles mercenários que contratou. Com certeza,muitos deles devem ser capazes de cometerem tamanha atrocidade.— Eu sei. Mas conheço Montross muito bem. Ele também seria

capaz de fazer algo assim, se achasse necessário.— Necessário? E porque violentar e matar uma pobre criada seria

necessário?Raymond meneou a cabeça, pensativo. Depois de alguns segundos,

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indagou:— Você confiava em Rual?Elizabeth franziu a testa.— Sim. Nunca tive razões para desconfiar dela…Ele olhou para a moeda que virava na mão direita.— Talvez isso tenha sido um erro — murmurou enigmático.

— Acha que ela poderia estar aliada a Montross contra nós? —Elizabeth começava a achar que seu marido podia não estar tãoenganado assim: — Acha que essa moeda poderia ser parte de umpagamento? E o que ela poderia ter dito a ele?

Raymond negou de leve coma cabeça. Pensava. Disse, tentandoentender o que havia acontecido:

— Ela poderia ter-lhe revelado nosso número de armas, as posiçõesdos meus homens, o que temos na despensa e na sala de munição,quantos arqueiros tenho, quantos cavalos…

Parou e olhou-a intensamente, finalizando:— Centenas de coisas que um inimigo acharia importante saber.O bebê mexeu-se e ela teve de colocar as mãos sobre o ventre,

tendo a sensação de que seus movimentos poderiam ser percebidos porsobre o tecido da camisola.

— Ainda acho difícil acreditar… — comentou.— Eu, não. Talvez porque tenha mais experiência com a

desonestidade…Elizabeth sentiu um aperto no peito ao vê-lo falar daquela maneira

sobre seu passado.— Desonestidade feminina em especial, não é? — observou. — Sei,que tem suas razões para pensar assim, meu querido, mas, isso nãodescarta a possibilidade de ter sido um fora-da-lei.

— É claro que não. Também pode ter sido um dos homens deMontross, que viu a oportunidade diante de si e aproveitou-a.

— Não seria uma explicação melhor, considerando-se a violênciaque Rual sofreu?

— Sim, ou algo que tivesse por intuito retirar as suspeitas de sobre

Montross…— Raymond, mas se ela era espiã a serviço dele, por queMontross a mataria? E por que o faria agora?

— Talvez porque Rual estivesse cobrando caro demais por seusserviços e ele achasse que já lhe pagara o suficiente.

— Precisamos verificar no quarto dela e tentar achar evidências deoutros pagamentos.

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Elizabeth notou, que ele olhava a moeda com atenção redobrada.— Pode pensar em outros motivos, não pode? — indagou.Raymond ergueu os olhos para encará-la e sua expressão era tão

séria que a fez estremecer.— Talvez ela já não fosse útil aos propósitos de Montross — ele

explicou. — Talvez ele ache que já sabe tudo o que precisa para

começar a avançar contra nós. — E passou os dedos entre os cabelos,angustiado. — Deus nos ajude Elizabeth! Já fui complacente demais,com esse sujeito. Devia ter percebido que o receio de que o condesoubesse sobre suas atividades não seriam motivos suficiente para deterMontross.

Elizabeth tomou-lhe as mãos nas suas.— Ele não pode simplesmente, nos atacar sem motivo — tentou

raciocinar com ele. — Isso poderia levar o conde ou o próprio Rei Julgá-lo por traição! Até mesmo se um servo se rebela contra seu senhor

estaremos diante de um caso de traição!— Tenho certeza de que Montross terá uma boa explicação paraseus atos. Já deve ter tudo preparado. Talvez até me acuse de tramarcontra o conde ou contra o rei.

— Isso seria ridículo!Raymond sorriu de leve, irônico.— Se ele planeja, de fato, atacar, podemos estar certos de que

dispõe de alguma evidência. Por outro lado, Montross poderá sesatisfazer com minha morte apenas…

— Não diga tal coisa! –Elizabeth protestou, horrorizada diante detal perspectiva. — Se ele nos atacar, deverá sofrer as conseqüências.Isso, se sobreviver, é claro!

Ele tornou a sorrir, acariciando-lhe o rosto.— Ah, meu amor, eu gostaria que tudo fosse assim tão simples:

um combate pessoal entre mim e ele. Mas temo que haja mais do queisso… — E beijou-a de leve.

Elizabeth sentiu, então, uma pequena dor no baixo ventre. Levou amão até lá.

— O que houve? É o bebê? — Raymond alarmou-se.— Não… foi só uma pequena dor, nada mais sério.— Tem certeza?— Tanto quanto você está certo sobre Montross. Então, o que

vamos fazer? Porque precisamos fazer alguma coisa, Raymond!Ele assentiu, diante de tanta resolução.— Precisamos enterrar Rua!

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Elizabeth apoiava-se pesadamente no braço do marido enquanto opadre Daniel pronunciava as palavras finais sobre o túmulo de Rual, nocemitério da vila, logo depois do almoço. Foi uma cerimônia muitosimples, acompanhada, de belas palavras de adeus enquanto baixavamseu caixão à terra.

Ao redor, estavam outros criados de Donhallow e o som de suspirose soluços enchia o ar. Elizabeth estava surpresa diante de tantosofrimento, pois jamais imaginara que a quieta e distante Rua! Fosseparticularmente bem-amada por seus colegas.

No entanto, haveria alguma mulher que não se comovesse diantede um fim tão amargo quanto o que ela tivera?

Elizabeth encontrara uma sacola de moedas de prata escondida sobo colchão, no quarto que a criada ocupara e isso poderia ser uma forteevidência de traição. Mesmo assim, até ela estava triste com o modo

como Rual fora morta.Q som de cavalos se aproximando chamou a atenção de todos queali estavam, interrompendo as últimas bênçãos do padre. Elizabethapertou a mão que apoiava no braço do marido vendo que FaneMontross, acompanhado de um guarda pessoal e mais vinte rudes ebem armados homens entravam no cemitério.

— Senhor, senhora… — saudou ele, inclinando-se de leve sobre ocavalo. — Ouvi dizer que tiveram um problema em suas terras.

Raymond não respondeu de imediato. Ao invés disso, acompanhou

Elizabeth até junto do padre, dizendo-lhe:— Fique aqui.Ele estava, mais uma vez, como naquele primeiro dia em que o

vira, quando chegara a Donhallow para se casarem. Frio, distante,imponente.

— Raymond… — ia protestar, mas ele insistiu:— Faça o que estou dizendo.E voltou-se para encarar Montross. Elizabeth não queria ficar com o

padre, mas estava no final de sua gravidez. O que podia fazer, além de

observar enquanto seu marido caminhava em direção a seu maiorinimigo e seus homens?— Ouvi falar sobre a morte da criada — Montross repetiu, com

outras palavras. — Um caso terrível, não? E, como somos vizinhos, vimpara oferecer minha ajuda.

— Os boatos continuam voando com o vento, pelo que vejo —Raymond fomentou, em tom casual.

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— Por quê? Não é verdade? Pois foi para isso que vim: paraoferecer toda a ajuda que puder…

— Não queremos nada de você. — Raymond estava firme, altivo.— Não? Já sabe quem fez aquilo? Prendeu-os?Raymond cruzou os braços, em silêncio.— Pelo amor de Deus, Raymond! -Montross protestou. — Pode

haver um bando de malfeitores rondando por aqui! Se não os prendeu,onde estarão?O silêncio persistia.— Vai deixar que continuem a matar pessoas inocentes?Montross continuava com seu discurso eloqüente. — Essa não é a

atitude de um senhor de terras responsável! O conde de Chesney nãovai gostar de saber como está agindo.

Diante das palavras que lhe pareciam zombeteiras, e do silêncio deseu marido, Elizabeth não mais conseguiu manter-se calada. Afastou-se

do padre antes mesmo que este pudesse detê-la e seguiu em direção aRaymond o mais rápido que podia.— Temos uma idéia de quem fez "aquilo", senhor — disse, decidida.— Elizabeth — Raymond começou a repreender, em voz baixa. No

entanto, sua voz foi encoberta pela de Montross:— Senhora, é extremamente agradável falar-lhe novamente! —

Seu olhar passava, meticuloso, pelo corpo avolumado de Elizabeth. —Posso perceber muito bem porque seu marido não quer sair de seu lado.Devo concordar com o conde quando ele diz que a gravidez deixa uma

mulher ainda mais bela. Não é de se admirar, portanto, que seu maridonegligencie suas obrigações para com seus vassalos e para com o condee prefira desfrutar de sua companhia no castelo…

— Meu marido conhece suas obrigações muito bem, senhor! Tantoquanto conhece a identidade do homem que matou Rua!

— De fato? E, se está assim tão certo quanto a isso, por que nãoprende logo o infeliz num dos calabouços de Donhallow? Ou espertosujeito teria escapado? Ou não teriam evidências suficientes paramantê-lo sob custódia? Que pena, se for esse o caso, não?

— Teremos as evidências — ela assegurou.— Bem… Seu marido não me parece pensar dá mesma forma.Elizabeth voltou-se para Raymond, vendo-o sério e calado, mas

não conseguia entendera expressão que havia em seus olhos, muitomenos imaginar o que lhe ia na mente.

— Teremos as evidências — repetiu, tentando parecer convincente.

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Montross sorriu.— Está calado demais, Raymond — zombou. — Teria ficado mudo

de repente? Ou há outros motivos para não falar? Talvez medo do queeu possa fazer em retaliação se lançar pesadas e falsas acusações sobreminha pessoa? Preocupação por sua jovem e grávida esposa, que amatanto, muito mais do que minha bela e infeliz irmã?

Elizabeth encarou o mando mais uma vez. Seria isso? Ele estariaali, calado, quase indiferente a Montross apenas por temer por ela?Sentia duas emoções muito fortes dentro de si nesse momento:

orgulho por saber que ele se importava tanto assim com sua segurança,e horror por ver que o amor que ele lhe tinha enfraquecia-o diantedaquele homem.

— Por favor, Raymond leve-me para dentro, longe dessa pessoa —pediu.

— Sim, Raymond! — Montross zombou. — Leve-a para dentro… e

fique por lá também!— Até logo, Montross — Raymond disse apenas, a voz dura e friacomo metal. — E saia de minhas terras.

A risada triunfante e zombeteira de Montross se fez ouvir enquantocaminhavam de volta ao castelo, seguidos pelo padre e pelos quetinham ido ao enterro de Rual.

— Temos que conversar sobre isto, meu senhor — Elizabeth avisou,ao passarem pelos portões.

Raymond encarou-a para responder apenas:

— Não.— Sinto se o desobedeci, mas não pude suportar ouvir Montrossdizer aquelas coisas horríveis sem enfrentá-lo.

— Não devia ser você a fazê-lo. E eu já lhe tinha dito que,precisamos de mais provas para acusá-lo!

— E vamos deixá-lo pensar que pode escapar, assim,impunemente?

— Vamos deixá-lo falando sozinho, sem saber o que pensamos aseu respeito! Isso é o que devemos fazer!

Elizabeth parou de andar.— Oh, senhor, sinto muito! Nem pensei nisso!— Achei que não, mesmo. — Raymond olhou-a, reprovando-a, e

diminuiu os passos, acrescentando: — Eu não devia andar tão depressa.— Não tem importância, Raymond, sinto muito.Ele segurou-apelo braço, conduzindo-a até os estábulos e dizendo,

contrariado:

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— Não gosto de discutir tais assuntos em público!Quando lá chegaram, bastou um olhar de Raymond para que os

cavalariços saíssem correndo e os deixassem a sós.— Raymond, preciso saber de uma coisa — Elizabeth se apressou

em dizer. — É verdade o que Montross disse? Que não o enfrenta pormedo do que ele possa fazer?

— Não sou um covarde, Elizabeth! Fiz o que fiz porque sei que FaneMontross jamais suportou o silêncio e que isso o deixaria fora de si. Nãopercebeu que aquele idiota veio até aqui hoje apenas para me provocar,ameaçando você, acreditando que meu amor por você, e por nosso filho,me deixaria fraco?

Respirou fundo, e continuou:— Houve uma época, quando eu estava começando a perceber o

quanto a amava, em que imaginei que, de fato, meu amor poderia meenfraquecer, tornar-me vulnerável. No entanto, quando o vi hoje aqui,

ameaçando, percebi o quanto eu estava enganado e o quanto ele está,também, por pensar assim.Elizabeth olhava-o com amor, enquanto ele falava.— Meu amor por você não me enfraquece. Ao contrário, faz com

que eu me tome mais forte ainda e mais determinado a proteger aosque amo. Fane Montross cometeu um erro terrível ao ameaçá-la, meuamor. Não podia ter feito nada pior, pois lutarei por você e por nossofilho até meu último suspiro.

— Oh, Raymond… — Ela toda estremecia, olhando-o nos olhos.

— Não quero que morra por mim!— Prometo fazer todo o possível para evitar tal coisa, minhaquerida. — E acariciou-lhe o rosto com dedos suaves. — Agora, precisocolocar meus homens em prontidão. Aqueles que deverão combatercomigo precisam estar avisados do que pode acontecer. Vem comigo ouprefere descansar?

— Gostaria de acompanhá-lo, meu amor.Raymond sorriu mais uma vez maravilhado diante da força de sua

mulher.

— Então venha, minha senhora. Embora deva lembra-la de que umdia, mentiu para mim, quando disse que seria capaz de manter-se emsilêncio…

Ao checarem ao hall, viu que muitos dos soldados ali estavam,falando nervosamente entre si, bem como outros tantos criados.Ficaram, porém, todos calados, assim que perceberam que seu senhor

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adentrava o recinto. Alguns, até começaram a se retirar humildes, maspararam quando Raymond lhes falou:

— Fiquem!Levou Elizabeth até uma cadeira e depois, voltou-se novamente.

Suas, palavras eram fortes, embora sua voz não lhe permitisse dizê-lasem tom alto:

— Já  sabem sobre o que aconteceu a Rua! Infelizmente, possuorazões para suspeitar que ela não estivesse no bosque pelos motivosque deu a minha esposa, ou melhor, ela estava lá por tais motivos e poroutro. Acredito, devido ao que lady Kirkheathe encontrou nos pertencesde Rual, que ela tenha sido uma espiã durante muito tempo.

Uma onda de comentários sussurrados passou por entre todos.Entretanto, calaram-se quando Raymond ergueu a mão direita paraprosseguir:

— Também acredito saber quem está por trás disso, tudo: Fane

Montross. E, se não foi o responsável direto pelo que aconteceu a ela, foio mandante, com certeza.Um murmúrio de perplexidade ecoou no salão.— No entanto, não disponho de provas. Não posso acusá-lo

publicamente e todos estamos correndo perigo. Esse homem não sedeixará deter por nada, até poder conseguir a vingança que sempre quiscontra mim por ter matado sua irmã e, por isso, peço-lhes perdão.

Os olhos de todos se arregalaram, incrédulos, surpresos.— A morte de Alicia foi um acidente — Raymond continuou firme.

— Ela me atacou e, quando consegui afastá-la de mim, empurrando-acom toda minha força, ela caiu, bateu a cabeça e faleceu. E, mesmosabendo que agi em legítima defesa, sinto por tê-los colocado emperigo, pois Montross quer ter sua vingança a qualquer preço. E, sejaqual for a alegação que ele possa ter, assassinatos não são umaresposta que justifiquem seus atos.

A atenção de todos estava em Raymond. Sempre tinhamrespeitado seu senhor e agora o faziam em dobro, pois percebiam oquanto de lealdade, justiça e hombridade havia nele.

— Mas, como já disse, preciso de provas para acusá-lo! — eleprosseguiu, colocando a mão na altura da garganta, pois a estavaforçando demais. — Colocarei mais patrulhas para guardar Donhallow equando os homens retomarem deverão me informar de tudo que viram.Absolutamente tudo! Qualquer estranho pego em minhas terras deveráser trazido a minha presença, ileso, para ser interrogado.

Depois de uma pausa, continuou:

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— Não quero, jamais, que se obtenha confissões por meio depressões ou torturas. Da mesma forma, nenhum de vocês deverá ir àsterras de Montross, em hipótese alguma, nem mesmo perseguindoalguém suspeito. Precisamos agir com cautela e sabedoria, para quenada seja usado contra nós! Receio que haja ainda muitos problemas anossa frente, portanto, avisem suas famílias. Todos devem estar

avisados para buscar abrigo no castelo o mais rápido possível, caso issoseja necessário.— Abaixo Montross! — Ouviu-se no meio das pessoas. E logo

muitos gritos de apoio a Raymond se fizeram ouvir, fortes,entusiasmados. Ate que alguém gritou:

— Deus abençoe lady Kirkheathe.— Sim, Deus a abençoe! — Raymond concordou, e todos se

calaram novamente.Ela sorriu e se aproximou, segredando-lhe:

— Agora sei por que estava tão calado no dia em que o conheci.Estava economizando voz para tudo o que disse hoje!Raymond sorriu e beijou-a, arrancando ovações de todos os

presentes.— Meu senhor! Diante de todas essas pessoas! — Elizabeth

repreendeu-o. — Não sei o que lhe deu!— Foi o amor, Elizabeth! Meu amor por você abriu-me os olhos,

libertou-me e, por que não dizer, soltou-me a língua!Ele sorriu, malicioso, acrescentando:

— Ou, talvez, eu apenas quisesse que todos aqui tivessem acerteza do quanto estou satisfeito e feliz com a esposa que tenho.Elizabeth retribuiu-lhe o sorriso, o último que trocariam em muito

tempo…

Capítulo 19

Quatro dias mais tarde, Elizabeth olhou para Raymond, no hallcheio de pessoas onde almoçavam, e sua expressão era tensa. Ele

parecia estar exausto, era um grande guerreiro, experiente, mas sentiao peso da dificuldade de estar enfrentando mais um inimigo.Cadmus, como sempre, estava deitado a seus pés, e também

parecia cansado demais para, até mesmo, pedir por comida. Várioshabitantes da vila, bem como outros vassalos já tinham pedido abrigodentro das muralhas do castelo e ali se encontravam, sentados entremuitos soldados que tinham acabado de voltar da ronda com Raymond.

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Estranhos tinham sido vistos no bosque próximo a fronteira entreDonhallow e a propriedade de Montross. Pareciam ser os mercenárioscontratados por ele, mas, infelizmente, nenhum deles fora capturado,portando não se podia dizer ao certo de quem se tratava e nem por queestavam ali.

Raymond percebeu o olhar intenso de sua esposa e tentou sorrir-

lhe, mas não teve sucesso.— Você precisa descansar — ela aconselhou, tocando-lhe o joelho,por baixo da mesa. — Caso contrário, poderá, até adoecer.

— Estou mais preocupado com você — respondeu ele. — Imagineique o bebê já teria nascido nesta época.

— Os bebês nascem quando nascem, não há como prever nada.Mas confesso que gostaria que tudo já estivesse terminado. Já meconvenci de que a espera é pior do que o trabalho de parto em si.

— Eu ficaria mais tranqüilo se a parteira já estivesse aqui.

— Estará em breve. Ela avisou que poderia se atrasar por estarcuidando de uma parenta do conde. E, se ela não chegar a tempo, aindatemos a parteira da vila, que é muito competente. Ela espera a chegadade apenas mais um bebê em breve e, quando ele nascer, virá paraDonhallow a tempo para meu parto.

— Espero que esses dois bebês nasçam depressa, então.— Sabe, não sei o que me preocupa mais, se o. ataque de Montross

ou essa espera de que ele o faça a qualquer momento…Um soldado entrou, apressado, naquele momento, vindo em

direção a Raymond para dizer:— Senhor, avistamos fumaça em rolos espessos vindo da região deuma das fazendas!

Raymond levantou-se de imediato, comentando:— Parece que nossa espera acabou.Elizabeth levantou-se também, com muita dificuldade.— Cuidado, meu amor! — pediu, aflita.— Fique tranqüila. — E, voltando o olhar para o cão, ordenou: —

Fique! — depois tornou a olhar para Elizabeth e acrescentar: — Não me

preocuparei tanto se ele ficar com você, junto de Barden e de meusmelhores homens. Cadmus a protegerá tanto quanto qualquer soldado.Elizabeth apenas assentiu, recebendo o beijo rápido do marido para

vê-lo sair, depois, seguido por seus homens.E, quando ele se foi, apoiou as mãos à mesa e soltou a respiração

devagar, enquanto a dor passava.Quando Raymond chegou à fazenda, tanto a casa quanto o celeiro

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 já estavam queimando. As galinhas esvoaçavam por toda parte, empânico e, dentro do estábulo, um boi mugia desesperado. Raymond viuque o vassalo que cuidava daquela propriedade estava caído, o rostoafundado na lama, tendo uma flecha nas costas. Reconhecia o homem,seu nome era Dennis, e tinha esposa e filhos.

O quintal estava vazio. Os atacantes já tinham fugido, fossem

quem fossem.— Apaguem as chamas. — ordenou, vendo, que seus homens secolocavam depressa em fila, ligando a casa ao poço. — Resgatem o boi!— acrescentou, para um soldado mais próximo de si, o qual apresou-seem obedecer.

Então, Raymond apeou e, sem vacilar, colocou a mão sobre a bocae entrou na casa em chamas. Viu logo a mulher, caída com uma flechaatravessando-lhe o pescoço, junto dela, duas crianças, tinham a cabeçasobre mesa, como se estivessem adormecidas. Eram um menino e uma

menina.Havia sangue sobre a mesa, haviam sido degolados.Ele já vira a morte em muitos campos de batalha, mas nunca se

sentira tão revoltado quanto naquele momento. Saiu novamente dacasa, jurando encontrar os responsáveis por aquela barbaridade e puni-los com justiça. Provaria quem estava por trás daquilo e teria prazer emver o desumano executado por assassinato.

Uma patrulha chegou, a cavalo e, em seus rostos, as expressõeshorrorizadas mostravam que não havia boas notícias. O oficial

desmontou logo e dirigiu-se a Raymond:— Vimos um grupo a cavalo seguindo para as terras de Montross, acinco milhas daqui. Os perseguimos, senhor. — disse ele, os olhoscheios de tristeza e remorso. — Saíram de suas terras e então voltamos.Foi quando percebemos a fumaça. Devem ter passado por aqui antes…

— Quando vocês estiveram aqui pela última vez?— Esta manhã.— E estava tudo bem então?— Sim, senhor. Tentamos convencer Dennis a ir para o castelo,

porque lá estaria mais seguro, já que suas terras ficavam muitopróximas às de Montross. Sua esposa estava ansiosa para ir, mas eledisse que não seria colocado para fora daqui por aquele… bem… ele deuum nome terrível para Montross, senhor.

— Não me interessa do que ele o chamou, já que está morto agora.— De fato, senhor…— O que fizeram em seguida?

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— Seguimos para o oeste, continuando a vigiar.— E os homens que perseguiram? Que aparência tinham?— Pareciam homens rudes e bem armados. Era óbvio que não

tinham boas intenções. Fizeram-nos segui-los por bastante tempo.Agora entendo que estavam apenas querendo nos afastar daqui. Queriater chegado aqui antes deles e não depois. Sinto muito, senhor.

— Eu também. Mas teria sido melhor se Dennis lhes tivesse dadoouvidos. Reconheceria algum dos homens se os vissem novamente?— Acho que um deles, sim. Era enorme e tinha urna grande cicatriz

no rosto.— Depois falaremos a esse respeito.— Senhor! — chamou outro soldado, apontando para leste, por

sobre as árvores, onde se podia ver grossos rolos de fumaça negra quesubiam para o céu.

— E lá! — gritou outro dos homens, agora apontando para oeste.

Assim que o primeiro momento de surpresa e choque passou, umaonda de ódio e rancor passou pelo peito de Raymond. Montross estavapor trás daqueles ataques e por Deus, ele o faria pagar por tudo aquilo!Jurou.

— Você, leve sua patrulha para oeste! — ordenou ao líder dosegundo grupamento a chegar. — O resto de vocês, sigam-me paraleste!

Montaram todos e Raymond pediu a Deus que chegassem a tempode evitar outro banho de sangue. Pedia também que Montross ainda

estivesse por ali…Mas ele não estava em nenhuma das fazendas atacadas. Tinhaseguido em outra direção.

Elizabeth arregalou os olhos quando outra contração a atingiu.Suas dores eram muito fortes e vinham com regularidade. Cerrou osdentes, esperando que a dor passasse, imaginando quanto tempolevaria para que seu filho nascesse. Ele não tinha escolhido um bommomento para vir ao mundo, mas, com certeza, chegaria em breve.

A parteira tinha-lhe avisado de que os primeiros partosnormalmente levavam mais tempo do que os outros. Por um lado, erabom que Raymond não estivesse em casa, pensou, já que ele sepreocupava demais com seu estado. Assim, ocupado com as patrulhas,ele estaria melhor.

Ouviu um ruído do lado de fora, como se o vento estivessesoprando mais forte, ou como se tivesse, começado a chover.

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— Senhora! — Greta chamou— a, alarmada, batendo à porta doquarto. — Eles atacaram as fazendas mais afastadas!

Elizabeth engoliu em seco e olhou para o cachorro, que pareciatenso. Levantou-se, então, caminhando com dificuldade até a porta.

— Atacaram pelo menos três fazendas, senhora! — Greta informou,assim que a viu. E, trêmula, apontou para a janela, dizendo: — Veja a

fumaça!Elizabeth foi até a janela e segurou-se ao peitoril. Podia ver os rolosde fumaça que subiam, distantes. E o ruído que ouvira era o murmurardos habitantes da vila, em pânico que entravam para o pátio do castelotrazendo consigo todos os seus animais.

Onde estaria Raymond?, ela se perguntou. E as patrulhas? Teriam sidoatacados também? Afastados do castelo e em menor número, teriam sidosurpreendidos pelos mercenários de Montross?

Greta começava a chorar enquanto Elizabeth decidia-se: ninguémdeveria saber que estava em trabalho de parto. Pelo menos, não porcerto tempo. Não, enquanto aquilo estivesse acontecendo lá fora. Tinha,ainda muito tempo antes da chegada do bebê. A parteira lhe dissera…

Queria falar com Barden e saber o que deveria ser feito paraproteger Donhallow e sua gente. E, quando tudo estivesse o mais seguropossível, então mandaria chamar a parteira, a qual até já deveria estardentro das muralhas, com os demais. Mais segura diante de talpensamento, voltou-se para a criada e indagou:

— Quando a fumaça foi avistada?— Há alguns minutos apenas. Barden enviou-me aqui de imediato

para avisá-la.— Quero falar com ele! Ajude-me a descer até o hall e chame-o.— Mas, senhora, seu estado…— Faça o que eu disse.Greta obedeceu, mais calma, enquanto Cadmus as acompanhava

de perto.Mais uma contração atingiu Elizabeth enquanto esperava pela vinda

de Barden, mas forçou-se a parecer natural, para que ninguémdesconfiasse do que se passava. Escondera seu sofrimento muitas vezesantes, quando estava no convento, e faria a mesma coisa agora, até quetudo estivesse sob controle. Mas Barden estava demorando e ela seimpacientava.

— Ajude-me a chegar até a porta — pediu à criada, que voltara eaguardava a seu lado. — Vou até ele. Barden deve estar ocupadodemais para vir até aqui.

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Chegavam à porta quando avistaram o soldado, que se apressava.O barulho lá fora era ensurdecedor, com as pessoas desesperadasfalando todas ao mesmo tempo, crianças chorando, animais mugindo,relinchando, grunhindo… Muitos ainda estavam entrando no castelo,trazendo suas famílias e animais, e os poucos pertences que podiamcarregar. Os portões, dessa forma, estavam abertos.

— Todas as patrulhas ainda estão lá fora? — Elizabeth quis saber.— Sim, senhora.— Enviou reforços para eles?— Não, senhora.— Então, faça isso!Barden meneou a cabeça.— Sinto muito, senhora, mas lorde Kirkheathe ordenou-me não

mandar mais homens para fora de Donhallow sob nenhumacircunstância. Temos que ficar aqui e defender o castelo a qualquer

custo.Ela mordeu o lábio inferior, sabendo que o soldado nãodesobedeceria seu marido em hipótese alguma. As patrulhas tinham, emsua maioria, vinte homens. Se Montross enviasse muitos homens contraelas a batalha seria terrível e desleal.

— Quantas pessoas mais ainda virão para o castelo? — perguntou,aflita.

— Muitas, senhora. Não podemos fechar os portões diante deles,mas… é o que teremos de fazer.

— Não! Ainda não! –ela se alarmou, pensando nas famílias que,sem terem para onde seguir, buscavam abrigo seguro ali. — Comcerteza, as patrulhas poderão deter os ataques longe da vila.

Mesmo se todos morressem, ela acrescentou apenas para si,desesperada. Mesmo se Raymond morresse… Não, não queria pensarassim. Sua obrigação naquele momento era cuidar de sua gente e cuidarpara que todos tivessem abrigo e segurança em Donhallow, salvandotantos quantos fosse possível.

— Senhora, temos que fechar os portões! — Barden afirmou,

lançando um olhar avaliador à situação no pátio.— Peço-lhe apenas um pouco mais de tempo — ela insistiu eprendeu a respiração, sentindo nova contração.

— Senhora, está…— Estou ótima! Mande alguns de seus homens para apressar

aquelas pessoas. Diga para não trazerem mais animais. O gado é lentodemais.

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— E se não quiserem deixar os bichos para trás?A dor se intensificou, um tanto modificada, atingindo-a com mais

força.Diga-lhes que temos de fechar os portões agora explicou, tentando

controlar-se. — E que o pátio já está cheio demais. Se, ainda assim, serecusarem a deixar os animais para trás, diga-lhes que suas únicas

opções são: deixá-los ou morrer lá fora, com eles.— Sim, senhora.— Vá agora e dê as ordens. — Elizabeth sorriu de leve. — Acho que

a maioria vai preferir viver.Barden deu dois passos, depois voltou-se para dizer:— Meu senhor escolheu a esposa certa!Houve um som estranho, como um assobio de cobra, e, de repente,

uma flecha atingiu Barden no peito. Greta gritou, mas Elizabeth,chocada demais para produzir qualquer tipo de som, apenas observou

enquanto o valente, soldado dobrava-se em dois, para depois rolarescada abaixo.As pessoas, no pátio, entraram em pânico e tudo transformou-se

num pandemônio. Todos gritavam, empurravam-se, procuravam fugir eesconder-se onde fosse possível. Elizabeth agarrou Greta pelo braço e,apesar de suas dores, puxou-a consigo, enquanto outros homensentravam no castelo, começando um combate sangrento com os deDonhallow.

Duas mãos fortes agarraram Elizabeth e Greta pelos braços e

levaram-nas de volta até o hall. Era Aiken, cujos lábios estavamextremamente pálidos. Algumas mulheres e crianças também tinhamconseguido chegar até ali e estavam todas abraçadas, como para aliviaro medo que sentiam. Estavam em silêncio, porém, e seus rostos lívidos,e os olhos arregalados mostravam a Elizabeth o quanto estavamapavoradas.

Queria dizer-lhes alguma coisa, consolá-las, mas naquelemomento, mais uma contração a atingiu, muito mais forte do que asanteriores.

Apertou os lábios, tentando manter-se firme e em pé. Queriapensar com clareza, como era seu dever de senhora daquele castelo.Greta, no entanto, ajoelhou-se, em prantos.

Elizabeth ignorou-a e, tentando deixar a dor de lado, voltou-se paraAiken, perguntando:

— Quem está no comando agora?— Não sei, senhora. — E olhou, aflito, para Greta, sua esposa.

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sem ter quem pagasse as taxas e cuidasse das terras, supondo-se queconseguisse tirá-las de Raymond naquela batalha. E isso só aconteceriase ele matasse Raymond…

Com tal pensamento passando-lhe pela mente e mais umacontração apertando-lhe o ventre, teve de gritar. Sabia que Montrossera, sim, um tolo. Um tolo capaz de matar por vingança, capaz de

chegar a um homem e fazê-lo dobrar-se por sua esposa e seu filho…Apoiou-se mais uma vez à parede, a dor parecia não quererpassar… Podia ouvir o barulho da mobília sendo arrastada no hall,conforme as mulheres arrastavam coisas, para bloquearem a porta.

— Oh, meu Deus, proteja-nos! — pediu, seguindo escada acima. —E proteja meu filhinho também!

Cerrou os olhos, devido a dor e, quando as reabriu, viu-se no exatoponto da escadaria em que Raymond lhe mostrara a passagem secreta.

Pensou por alguns segundos, depois forçou a pedra, fazendo com

que as outras deslizassem, abrindo para o corredor escuro e úmido.Precisava de tempo… Tempo para fugir, para se esconder, para terseu filho… Se Montross pensasse que ainda estava no castelo…

— Sente-se, Cadmus — ordenou e o cão obedeceu-a de imediato.— Fique aqui!

Ela deu dois passos na direção da abertura, e o cachorro fezmenção de segui-la.

— Fique! — repetiu. E, caminhando com esforço, entrou no túnel,voltando-se em seguida, para cerrar a porta de pedras. Ajoelhou-se, no

escuro, com receia de que, andando, pudesse escorregar e cair.Continuou seguindo, apoiando o ventre com uma das mãos, enquanto aoutra deslizava pela parede úmida. O ar fétido do local quase a fezvomitar. Mas tinha que continuar para proteger o bebê Raymond. Seubebê. E assim fez.

Capítulo 20

— Fujam! — O grito partiu dos atacantes quando Raymond e seus

homens cavalgaram contra o castelo em chamas.Raymond podia ver pelo menos seis homens, incluindo um quesegurava uma jovem ao chão e outro, que ajoelhava-se unto dela.

Cavalgando com fúria, os dentes cerrados, numa expressão deraiva incontida, Raymond desembainhou a espada e, investiu contraeles. O homem que segurava a moça soltou-a de pronto e juntou-se aseus camaradas, que corriam mata adentro. O outro, um tanto

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atrapalhado no momento de levantar-se, foi deixado para trás.E Raymond esqueceu-se do que dissera sobre apenas prender

aqueles mercenários, poupando-lhes a vida. Usou sua espada commaestria no ato de vingar a morte de outros de seus vassalos. Segundosdepois, o corpo inerte do criminoso caía ao chão, enquanto um grito depavor escapava na garganta da garota que estivera sendo atacada.

Mas Raymond não prestou atenção a ela. Seguiu para a mata,seguindo os que tinham corrido para lá. Seus homens o seguiam deperto. Queria capturar todos aqueles desordeiros. Capturá-los e matá-los. Mas não conseguia encontrá-los. Forçou seu cavalo a parar e olhouao redor, atento. Podia ouvir brados de homens gritando em batalha. Eo barulho estridente, das espadas ao se chocarem.

Sua respiração estava acelerada a sua mente bloqueada com oúnico instinto de continuar lutando. Mas sabia que precisava controlar-see pensar. Não deixaria que aqueles homens escapassem dessa vez e,

por Deus, eles lhe diriam quem os comandava!Precisava de provas contra Montross a qualquer custo! Os ataquesàs fazendas eram numerosos e ousados demais para serem algo alémde um ataque planejado de seu grande inimigo. O qual, provavelmentedevia estar confortavelmente instalado em seu castelo, pronto a negarsua autoria em todas aquelas atrocidades.

Diria, com certeza, que os homens agiram sem seu conhecimento eentão…

De repente, Raymond sentiu como se seu coração tivesse parado

de bater. Mal conseguia respirar. A idéia de que Montross pudesse "não"estar em seu castelo atingiu-lhe os pensamentos e atormentou-os.E se aqueles ataques não fossem uma tática direta, mas um

engodo para mantê-lo distante de Donhallow, para que Montrosspudesse…

Abriu os lábios para gritar por seus homens, chamá-los de volta…Mas não conseguia gritar. Não o fizera desde que Alicia tentara matá-lo.Não… Não podia reunir seus homens novamente para que o seguissemrumo a Donhallow. No entanto, não podia esperar…

Em breve, muito em breve, Raymond D'Estienne conheceria o realsentido da palavra tormento, pensou Montross, com um sorriso desatisfação nos lábios, enquanto subia os degraus sem pressa, seguindopela passagem secreta que conhecia tão bem. Logo ele saberia o realsignificado de perder alguém querido, alguém por quem se daria a vida,pois Raymond jamais amara Alicia…

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Se a amasse, jamais teria sido capaz de matá-la. Estava tãopróximo de vingar-se! Na verdade, depois de tantos anos, a espera dolado de fora dos portões de Donhallow tinha sido muito penosa, quaseinsuportável. Mas agora seus homens tinham tomado o castelo eestavam fazendo o que queriam lá dentro.

E não eram apenas os poucos mercenários sobre os quais Raymond

e o conde tinham ouvido falar. Eram homens diferentes, contratados epagos em segredo, muito bem selecionados e mantidos afastados atéque chegasse o momento da esposa de Raymond dar à luz.

Tivera contato com apenas um dos foras-da-lei, um brutamontesnojento e violento que conhecera em Londres anos antes. Dessa forma,se fossem pegos, apenas um poderia acusá-lo ou citar seu nome.Apenas um fora-da-lei, cuja palavra pouco ou nada pesaria num julgamento perante a corte do rei.

Agora, os atacantes poderiam pegar o que quisessem de Donhallow

e matar qualquer um que tentasse detê-los. Se pudessem capturar LadyKirkheathe e mantê-la presa em seu quarto.Fane Montross sorriu de novo, sentindo o suor a escorre-lhe pelas

costas. Tinha planejado e escolhido seus homens muito bem. Tudo oque Raymond viria a saber era, que alguém, matara sua esposa e seufilho antes mesmo que este nascesse. Poderia suspeitar o quantoquisesse então. Sem provas, nada poderia fazer, o que seria ainda maisum castigo para seu coração devastado pela dor.

Fane escorregou e estendeu a mão direita para apoiar-se à parede.

Ela estava tão fria e escorregadia quanto o solo e fez uma expressão dedesagrado enojo ao limpar a mão nas roupas.Certa noite no passado, Alicia escorregara daquela mesma forma

ao seguir por ali. Ela estendera a mão para garanti o equilíbrio e acabarapor encontrar a abertura secreta. No dia seguinte, pegara uma, vela efora investigar, seguindo o caminho todo até chegar ao bosque.

Jamais contara a Raymond, sobre sua descoberta, porém, como elepróprio fizera, sem nunca ter lhe revelado a existência daquelapassagem.

Alicia ficara aborrecida por ver que o marido não confiava nela. EFane tivera esperanças de que ela, finalmente, percebesse, queRaymond não a amava, não como ele.

Ela deveria saber disso… Afinal, partilhara o segredo daquelapassagem secreta com seu querido irmão numa noite em que ele vieradormir em Donhallow para, na manhã seguinte fazerem uma caçada.

Eles deveriam encontrar-se a sós, no solar, quando todos já

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tivessem se recolhido para dormir. E seria como nos velhos temposnovamente, pensara Montross, feliz, quando um confortava ao outro,muitas vezes dividindo a mesma cama quando seu terrível pai tinhasaído para uma de suas noitadas.

E, numa daquelas noites, quando Fane estava com quatorze anos,e Alicia com doze, o conforto que partilhavam tinha assumido um

caminho diferente.Não… Alicia jamais poderia amar alguém como o amava, pensavaagora, ainda sorrindo. E ele, da mesma forma, jamais poderia amaroutra mulher. Não se envergonhava, do que havia entre ambos, e elatambém não, embora soubessem que nunca poderiam revelar nada aninguém. As pessoas não entenderiam o amor especial que os unia.

Mas, então, Raymond se apaixonara por ela. Fane franziu a testa,lembrando-se de como à irmã mudara quando Raym6nd aparecera emsuas vidas. E mesmo agora, depois de tanto tempo, com ela morta,

Fane ainda sentia um ciúme terrível. Mas, depois do casamento, Aliciasentira sua falta, pedira que fosse visitá-la.A princípio, mostrara-se distante, quase fria, porque tinha medo.

Medo de Raymond, da Igreja e, do que as pessoas diriam.Mas ela jamais sentira medo dele, de seu irmão querido. Fora

então, naquela, conversa particular entre ambos, que ela lhe revelaraque Raymond parecia desconfiar do que havia entre ambos.

Mas isso seria impossível, Fane pensara na época. Raymond jamaispoderia saber, a menos que ela própria lhe tivesse contado!

No entanto, Alicia insistiu na história, dizendo ,que não seria capazde continuar vivendo, tamanha seria sua vergonha, se Raymondsoubesse de tudo. E ela estava tão perturbada, que não quis sequer queseu irmão a tocasse.

Ele insistira. Finalmente, sem conseguir mais lutar, ela permitiraque a confortasse mais uma vez, como antes, mesmo tentando negá-lo,era aquilo que Alicia queria e do que mais precisava: estar em seusbraços novamente.

Raymond jamais poderia substituí-lo em seu coração. Fora por isso

que ela tentara matar o marido na noite seguinte, para livrar-se dele,escapar do inferno em que vivia com sua consciência, e manter seugrande segredo. E, se tivesse conseguido, estaria ambos vivendo, felizese juntos… Para sempre…

Mas Raymond a matara! E agora Fane seguia, determinado amatar-lhe a esposa, a qual Raymond obviamente adorava, mas acriança que estava prestes a nascer.

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Finalmente, ele atingiu o fim da passagem. Sabia que o momentode triunfo estava em suas mãos! Faria com que Raymond pagasse bemcaro! Ele saberia o que era perder a pessoa mais amada de sua vida!

E, com um sorriso maldoso, Montross colocou a mão na pedracorreta, e fazendo com que o bloco de rochas se afastassem. E,erguendo os olhos, abriu-os desmesuradamente ao dar de frente com o

imenso cão de Raymond, ali, parado, como se estivesse à espera dele…O animal rosnou, ameaçador, mostrando os dentes pontiagudos.Seu corpo todo estava preparado para atacar.

Com a respiração muito difícil e as pernas absolutamente semforças, Elizabeth sentia as dores agora freqüentes e cada vez maisintensas sacudirem seu corpo. Descansou, por instantes, as mãosapoiadas nos joelhos dobrados, esperando que a agonia diminuísse umpouco. Já tinha sofrido dores antes, podia agüentar, dizia-se, numa

tentativa de conforto que, no entanto, mostrava-se inútil.Gemeu, angustiada. Quanto tempo mais demoraria para que obebê nascesse? E o que poderia fazer ali, sozinha no bosque? E se obebê não estivesse na posição correta? E se sangrasse até a morteantes de ser encontrada e socorrida?

Não tinha idéia do quanto estava distante de Donhallow. Mas, saibaque precisava ainda, seguir, para escapar aos homens que atacavam…

Temia por Raymond, pelo que poderia ter acontecido a ele. Pedia aDeus que ele estivesse bem, que pudesse combater e vencer os homens

de Montross e, em seguida, procurar por ela e encontrá-la. A ela e aoseu filho. Negava-se a ter maus pensamentos. Tudo acabaria bem.Mas aquela dor não passava… Gemeu novamente, sentindo mais

uma angustiante contração, que a derrubou e a fez contorcer-se sobre osolo. Apertou os lábios um contra o outro, para não gritar. Não podiagritar. Não podia ser ouvida. Não soube ao certo por quanto tempo ficouali, sentindo aquela dor horrível, e um medo enorme de perder a criançapara a fatalidade.

Foi então que a chuva começou. Podia sentir os pingos em seu

rosto. Em algum lugar e momento que não recordava, perdera ocachecol que lhe cobrira a cabeça.A dor estava mais intensa agora. Muito mais. Mas, mesmo com tal

sofrimento, sabia que não podia permanecer ali, ao relento, tendoapenas as árvores por cobertura. Arrastando-se com dificuldade, foi atéo tronco de uma delas, muito devagar, conseguiu colocar-se de pénovamente:

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— Oh, Deus! — murmurou, de olhos fechados, tentando suportar ador. — Ajude-me, por favor!

Deu alguns passos incertos, mas suas pernas fraquejaram outravez e caiu de joelhos, sentindo o impacto dolorido nas rótulas. A chuvase intensificava. Precisava encontrar abrigo.

Forçou-se a levantar-se outra vez, mas não conseguiu endireitar o

corpo.E assim, dobrada em duas, seguiu mais alguns passos, até que,como num milagre, conseguiu avistar um chalé. Podia chegar lá,animou-se. Tinha de fazê-lo!

E seguiu, determinada a encontrar, um local seco e seguro. Muitasvezes caiu e continuou seguindo, mesmo de joelhos, as roupasenlameadas e ensopadas de chuva. Parou várias vezes, cerrando osdentes para não gritar de dor quando mais uma contração afligia seucorpo.

Então, ao atingir o mourão da cerca, apoio-se a ele e ergueu-sedevagar, sentindo que sua bolsa rompia.— Oh, Deus! — gemeu, avistando os portos que estavam num

cercado próximo.Não imaginava onde o fazendeiro e sua família poderiam estar.

Ninguém saíra da casa para ajudá-la… Prestou atenção às janelas,então, e notou que estavam fechadas com tábuas pregadas aosbatentes. As pessoas que viviam ali não se encontravam no momento.

Talvez tivessem seguido para Donhallow em busca de proteção.

Mas, mesmo assim, Elizabeth sabia que, lá dentro, estaria bem. E,cerrando os dentes mais uma vez, seguiu pelo terreiro, chegando àporta da frente do chalé.

A chuva caía e Raymond seguia por entre as árvores, apressado.Tinha de chegar a Donhallow e, sem seus homens a segui-lo em suaproteção, precisava tomar a passagem secreta para poder entrar nocastelo sem maiores problemas. Não dispunha de uma tocha, mas issonão seria bastante para detê-lo. Localizou a entrada sem maiores

dificuldades e abriu a tranca sem vacilar. Deixou a porta disfarçadaentre os arbustos aberta para ter uma certa claridade, pelo menos atéuma parte do caminho.

Seguia, as mãos tocando as paredes escorregadias, tentandomanter o equilíbrio, já que, aos poucos, a escuridão tornava-se maior.Chegou a imaginar que não conseguiria atingir o fim da passagem, mas,afinal, um de seus pés tocou a porta no final do corredor estreito.

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Era estranho, alguma coisa parecia estar bloqueando seu caminho.Inclinou-se e forçou mais a rocha, fazendo com que o bloco de pedras semovesse. A pouca claridade que entrou a princípio revelou-lhe o corpoensangüentado do que lhe pareceu ser um homem pequeno.

Viu, pela fresta, a pelagem familiar de Cadmus. O cachorro estavamorto do lado de fora da porta. E, se ele morrera, o que fora feito de

Elizabeth?! Forçou o ombro contra a rocha e, no processo, ouviu ruídosdentro do castelo. Era como se alguém estivesse tentando quebrar aporta do hall com um tronco.

Mas Raymond ignorou tal ruído. Enquanto a porta agüentasse,nada poderia fazer. Seus olhos estavam no cachorro que, ferido emdiferentes pontos do corpo, jazia a seus pés. Sentiu um aperto no peitopor perdê-lo daquela forma. No sangue que havia ao seu redor, marcasde botas seguiam em direção ao quarto.

Raymond passou  por  sobre o cadáver do animal e seguiu na

mesma direção. A porta do quarto estava aberta. Seu coração começoua bater mais forte conforme entrava.Viu Montross de imediato, sentado no chão, junto à parede da

 janela. Sua túnica estava completamente manchada de sangue, o rostoarranhado, os lábios baços como a pele da face, os olhos fechados. Seupeito erguia-se devagar, para baixarem seguida, mostrando umarespiração deficiente.

Raymond cruzou o aposento a passos largos. Sem piedade,segurou Montross pela gola da túnica e o fez erguer-se, contra a parede.

A espada que ele segurava caiu ao chão, com um ruído gelado e seusolhos abriram-se devagar.— Onde está minha esposa? — Raymond rosnou, cheio de ódio.— Eu não sei — foi a resposta num murmúrio de dor.Raymond sacudiu-o.— Mentiroso! — tomou a dizer, em sua voz rouca e, agora,

enfurecida. — Deixei meu cão protegendo-a e ele foi morto.— E… ele me matou… — sussurrou Montross, mal conseguindo

olhá-lo.

Somente então, Raymond, percebeu que o braço direito deMontross fora tão ferido que quase estava separado do corpo, elesangrava em profusão.

— Morreu por nada, aquele animal — continuou ele, quase semvoz. — Atacou-me, mas ela já tinha fugido…

Raymond soltou-o, vendo o farrapo humano em que seu inimigo setransformara arrastar-se parede abaixo.

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Sua mente trabalhava depressa. Elizabeth devia ter usado apassagem secreta. Mas… onde estaria? Estaria em segurança?

— Onde estará sua querida esposa? — Montross teve forças parazombar. — Deve ter saído por aquela sua passagem. Deve estar sozinhae grávida, pesada, que chances teria, contra as brigadas de soldadosque contratei?

Raymond baixou os olhos irados sobre ele.— Eu sabia da passagem, sim. — Montross sorriu, tossindo logo emseguida, depois de um lento gemido, completou: — Como acha queconsegui entrar, seu tolo? Minha querida Alicia descobriu-a e mecontou… Queria que eu viesse para ela… Porque me amava, e só a mim.

Mais uma vez, Raymond agarrou-o pela frente da túnica, fazendo-oerguer-se.

— Onde está Elizabeth? — repetiu, sem voz, mas extremamenteameaçador.

Não vira sinal dela nem na passagem, nem nos arbustos quecobriam sua entrada. No entanto, como não estivera procurando por ela,talvez não tivesse notado algum indício de sua presença. Além do mais,Montross podia estar mentindo. Podia estar morrendo, mas podia terdado ordens a seus homens para levarem Elizabeth.

Apertou a mão em tomo da garganta do outro e exigiu saber:— Onde está minha esposa?!— Espero que a tenha perdido, Raymond. Desejo que esteja morta,

para que você viva no inferno em que tenho vivido desde que matou

minha adorada Alicia.A cabeça de Montross inclinou-se de repente, para a frente.— Fane! Fane!! — Raymond chamou, erguendo a voz tanto quanto

podia. Mas era tarde. Montross estava morto.Então, deixando o corpo de seu inimigo cair ao chão, Raymond,

sentiu um aperto tão forte no peito que quase sufocou. Não sabia seElizabeth tinha, de fato, escapado pela passagem secreta. Se assimfosse, poderia encontrá-la e tudo estaria bem.

Então, vindo de longe, ouviu um ruído ensurdecedor. Conhecia o

barulho. A porta do hall tinha sido posta abaixo. Apertou a mão no caboda espada e saiu correndo do quarto. Parou junto ao corpo do cachorroe olhou para a abertura na parede.

Aquele era seu lar. O lar de seus pais e, agora, também de suaesposa. Era seu dever proteger sua gente e eles precisavam demais desua ajuda naquele momento. Não podia partir em busca de Elizabeth.Não, agora. Lutaria primeiro contra as brigadas que invadiam Donhallow

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e só depois seguiria a procura de sua esposa querida.Começou a descer as escadas, então pedindo a Deus que o

ajudasse em sua missão e que mantivesse Elizabeth viva. Se não fosseassim, não precisaria mais seguir vivendo.

Ao chegar ao hall, ignorou os criados e mulheres do povo queseguiam, apavorados, para a cozinha, lá, poderiam encontrar abrigo nas

despensas.Enquanto isso, ele cuidaria de varrer, aqueles vermes de sua casa.Respirou fundo, então e, erguendo a espada por sobre a cabeça, e, comum rosnado semelhante ao de um lobo, partiu para cima dos homensarmados que entravam pela porta arrombada.

E então aqueles homens souberam que a reputação de lordeKirkheathe não se baseava apenas em sua presença intimidante e emsua voz rouca.

Capítulo 21

Raymond atacou o primeiro soldado que veio em sua direção. Ohomem mal tinha percebido sua presença quando a espada forte oatingiu mortalmente. Seus companheiros olharam, admirados esurpresos, por segundos, depois avançaram contra o recém-chegado,brandindo suas armas. Mais dois caíram, mortalmente feridos.

Vendo que a atenção do atacante estava desviada em outradireção, Greta começou a gritar. As mulheres que a seguiam em direção

à cozinha, vendo o que fazia, seguiram-na de volta ao hall. E como ferasenlouquecidas, passaram a atacar os invasores, muitas delas gritandopalavrões e ofensas enquanto, os feriam como podiam. Lutavamferozmente pelo direito de estarem vivas e de viverem em paz com seusfilhos naquelas terras. O desespero tornava-as mais fortes do quepoderiam supor.

As espadas dos agressores acabaram sendo-lhes tomadas desurpresa. Aos poucos, eles foram abaixando-se, cobrindo a cabeça combraços, procurando evitar os golpes que as mulheres lhes desferiam com

qualquer objeto que tivessem encontrado pela frente, inclusive aspróprias espadas, que não sabiam manejar como um soldado.Raymond ainda lutava quando Aiken surgiu com mais homens,

assim que os notaram, os dois oponentes que enfrentavam Raymond jogaram suas espadas ao chão, entregando-se.

— Senhor! — Aiken gritou, surpreso. — Como conseguiu… — Massua pergunta ficou no ar.

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— Donhallow foi retomado? — Raymond perguntou de imediato.— Sim, senhor! Aqueles mercenários não tiveram coragem de

enfrentar soldados de verdade, quando seus homens chegaram dobosque, acabaram com o resto deles. Eram todos um grande bando decovardes, senhor!

— Excelente. Agora, precisamos encontrar minha esposa.

— Sua esposa?! Mas ela não está…— Não. Desapareceu.— Mas, como? A porta do hall foi fechada e bloqueada assim que

eu saí! E a da cozinhas também.— Ela saiu pelo mesmo caminho por onde entrei, e que você

desconhece, bem como todos os outros. Agora, leve os atacantes quesobreviveram ao calabouço.

Greta adiantou-se, ainda respirando com dificuldade devido aoesforço da batalha.

— Senhor, temo que… bem… — disse, constrangida.— Diga logo, mulher! — Raymond ordenou, sabendo que não haviatempo a perder.

— Acredito que Lady Elizabeth estivesse em trabalho de parto,senhor.

Raymond sentiu um aperto no estômago. Ela saíra pela passagemsecreta sofrendo as dores do parto, e depois seguira pelo bosque numadistancia suficiente para que ele não a tivesse visto.

— Tragam a parteira aqui, imediatamente! — Ordenou. — Quero

que ela esteja pronta quando eu voltar com Elizabeth! E, num juramentosecreto, prometeu a si mesmo que traria sua esposa de volta. Mesmoporque, a outra alternativa que podia vislumbrar era-lhe por demaispenosa, para sequer pensar a respeito.

Em uma coisa, Montross estivera certo, se alguma coisaacontecesse a Elizabeth, e ele a perdesse viveria num inferno semtréguas pelo, resto de seus dias.

— Mas… senhor… — Hale protestou.Ele se voltou, aquela terrível expressão dura no rosto novamente,

como há muito seus homens não viam, e encarou Hale e Aiken.— Parou de chover — disse apenas.— Está escuro, senhor — Aiken tentou argumentar. — O chão está

escorregadio e os cavalos podem cair e ferir-se, bem como aoscavaleiros…

— Minha esposa está lá fora, em algum lugar, e deve serencontrada!

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Não havia apelação para sua ordem. Sua angustia era visível, masa força de suas palavras, era ainda mais eloqüente.

Os soldados tinham sido forçados a abandonar as buscas quando àchuva se transformara num verdadeiro dilúvio.

Nesse meio tempo, Raymond dera ordens para que se fizessem osfunerais, inclusive de Cadmus, e que se cuidasse de tudo que fosse

necessário para que o castelo voltasse a sua vida normal o quantoantes.Mas agora parara de chover e Raymond não se importava se

estavam ou não no meio da madrugada.— Vamos levar tochas — explicou.— Senhor, estamos todos solidários quanto ao desaparecimento de

sua esposa — Hale disse, tentando sorrir. — mas não podemos arriscarperder mais gente. Muitos já morreram hoje.

Lorde Kirkheathe passou as mãos por entre os cabelos, pensando

naqueles que tinham perecido em defesa de Donhallow, naquele dia,inclusive Barden.Reconhecia que Hale tinha razão, não podia arriscar as vidas de

outros homens naquela empreitada.— Irei sozinho — decidiu-se, então. Poderia arriscar seu cavalo na

busca por Elizabeth, mas não mais do que isso. — Enviem patrulhas debusca pela manhã.

— Eu irei com o senhor! — Rale ofereceu-se. Raymond, no entanto,negou com um gesto enfático.

— Prefiro que fique aqui — disse. — Eu o fiz comandante daguarda, então, seu lugar é aqui, Você também vai ficar, Aiken, paragarantir que tudo se restabeleça o quanto antes. Quero que dê atençãoespecial aos feridos. Se eu não estiver de volta pela manhã, enviem aspatrulhas, como já disse.

Hale sentia vontade de protestar, mas sabia que só lhe restavacalar-se e obedecer. Raymond já decidira o que deveria ser feito.

— Senhor, é perigoso para sua pessoa também. — Aikenargumentou. — E não só por causa da chuva ou da escuridão. Pode

haver mais daqueles mercenários espalhados por aí, e estará sozinho…— Minha esposa também está. Então não vou descansar atéencontrá-la.

— Como quiser, senhor. Que Deus lhe acompanhe, então.Hale assentiu, como se pensasse o mesmo, vendo seu senhor

afastar-se em direção aos estábulos. Lá, Raymond ordenou quepreparassem seu cavalo de imediato. E, pouco depois, deixou

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Donhallow.Começaria a procurar pela saída da passagem secreta no bosque. E

prestaria atenção a qualquer detalhe que pudesse lhe indicar em quedireção Elizabeth, seguira.

Se ela já tivesse dado à luz ao relento, com aquela tempestade,talvez, fosse tarde demais para salvar a criança. Mas sua esposa era

 jovem e forte e seu coração simplesmente se recusava a acreditar queElizabeth pudesse estar morta também.Ela, que trouxera tanta alegria a sua vida, não poderia agora deixa-

lo para sempre. Seguia, levando consigo uma tocha nova bem clara,mas ela era a única fonte de luz na escuridão total que o rodeava. Eracomo se estivesse nó purgatório, imaginou.

Vasculhou por todos os arbustos do bosque, até chegar à aberturada passagem secreta, onde desmontou e começou a procurar mais deperto por qualquer evidência da passagem de Elizabeth por ali. Ficou ali,

sem encontrar nada, por quase meia hora.Quando já voltava para o cavalo, notou algo que lhe pareceu maisclaro do que as muitas folhas das árvores, junto a um arbusto mais alto.Seguiu até lá e, encontrou o tecido, preso a um galho. Soltando umabreve, expressão de triunfo. O Pedaço de pano, pertencia ao vestido deElizabeth, não havia dúvidas. Então, ela passara por ali, rimando paraleste.

Raymond pegou as rédeas do cavalo e seguiu andando devagar, osolhos mais atentos do que nunca, a outra mão erguendo a tocha para

melhorar-lhe a visão. Se, ao menos, não tivesse chovendo! Talvezhouvesse pegadas ou outras evidências que pudesse seguir.Chegou à estrada. Talvez Elizabeth tivesse seguido por ela em

busca de socorro. Mas, com medo de ser vista pelos atacantes docastelo, poderia, também, ter-se mantido embrenhada na mata… Comosaber ao certo?

Ele vacilava, tentando imaginar como ela estaria, sozinha, sentindoas dores do parto, talvez dando à luz sem ajuda alguma…

Prestou atenção ao silêncio da noite, tentando ouvir talvez, um

choro de bebê, ou ela própria, chamando-o.Mas mão ouviu nada. Era como se estivesse sozinho no mundo,como estivera antes de Elizabeth chegar a sua vida.

Ela teria seguido pela estrada ou voltado para a mata?, pensava,começando a sentir-se esgotado.

— Deus, mostre-me o caminho, por favor! — pediu, cheio de fé edesespero. — Não sei o que fazer…

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Pensava… Elizabeth protegeria a vida do bebê com sua vida, senecessário. Tentaria afastar-se dos mercenários. Evitaria a estrada.

Se aqueles pensamentos eram inspirações divinas ou fruto de suaprópria lógica, Raymond não sabia, mas eles eram a única coisa quetinha no momento. Voltou, então, para dentro do bosque.

Se, ao menos, a lua estivesse cheia! Se fosse dia! Se tivesse,

permanecido com ela em Donhallow! Viu, de repente, uma outramancha mais clara na escuridão da noite, pouco adiante, junto a umaárvore. Mal podia respirar. Seu coração passou a bater tão depressa quequase o sentia nos ouvidos.

Imaginou que poderia ser o corpo inerte e pálido de um bebê, masera apenas um pedaço de pano. Inclinou-se e pegou-o, examinando-o àluz da tocha. Reconheceu o cachecol de Elizabeth e sorriu de leve,satisfeito, reanimado.

— Graças a Deus! — murmurou. — Obrigado Senhor, por este

sinal!Recomeçou a andar, vistoriando o chão, afastando arbustos,buscando pôr novas evidências. A tocha estava mais fraca agora, masnão desistiria. Não agora, que estava certo de Elizabeth ter tomadoaquela direção.

Já se encontrava próximo à cerca, quando conseguiu avistar ochalé. Ergueu mais a tocha, percebendo que não havia luz dentro dacasa, os únicos sons que podia ouvir ali eram os grunhidos dos porcosque se amontoavam num chiqueiro junto à cerca.

Fincou a tocha ao chão e amarrou as rédeas do cavalo na cerca.Depois retomou a tocha e seguiu em direção ao chalé. As janelasestavam pregadas com tábuas, devia estar deserto, concluiu. Oshabitantes deviam ainda estar em Donhallow, para onde poderiam terseguido em busca de abrigo.

Entretanto, isso não era motivo para que Elizabeth não tivessebuscado refúgio ali. Sua esperança crescia. Foi até a porta e abriu-a.Então, seu coração quase parou de bater, ao avistá-la, deitada numcatre tosco, a um canto.

Aproximou-se e foi então que viu o sangue, notando, em seguida oquanto ela estavas pálida. Engoliu em seco, sentindo uma angústia que jamais experimentara antes. Elizabeth estava morta!

Ajeitou a tocha a um canto, para mantê-la em pé, ajoelhando-se esentindo os soluços brotarem de seu peito numa onda devastadora eimpossível de ser contida. Seu corpo todo tremia, em convulsões de dore desespero. Ela estava morta. A razão de sua vida estava morta!

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— Raymond?Prendeu a respiração ao ouvir seu nome sussurrado. Afastou as

mãos do rosto e olhou-a. Os olhos de Elizabeth, brilhantes comosempre, o fitavam.

— Você está viva… — sussurrou.Ela sorriu, mas estava cansada e abatida demais para reagir, além

disso. Raymond levantou-se e isso deu-lhe a impressão de que ele eramais alto do que sempre fora. E estava vivo! Salvo! Só podia agradecera Deus por essa felicidade! Por mais essa, corrigiu-se, já que a outradormia, tranqüila, entre seus braços.

— Sabia que Montross não conseguiria derrotá-lo — disse, sem voz,enquanto Raymond sentava-se a seu lado e acariciava-lhe a testa — Masprocure não fazer barulho, para não acordar nosso filhinho…

Ele olhou, admirado e surpreso, para a pequena criatura que ela lheapresentava, embrulhada nos farrapos de seu vestido, que usara para

protegê-lo do frio.Elizabeth procurara limpá-lo da melhor forma possível e a criança,como se estivesse se sentindo incomodada em seu sono, começou achorar, fazendo com que Elizabeth sorrisse ainda mais e completasse:

— Nosso saudável e lindo filho.Raymond passou à língua pelos lábios. Estava emocionado demais

para falar. E, abraçando a ambos, afundou o rosto no tecido queenvolvia a criança e chorou, numa expressão incontida de puro alívio efelicidade.

Elizabeth também chorava, mas estava imensamente feliz.— Cuidado para não apertá-lo demais — pediu.Ele se afastou e passou as mãos pelo rosto, num esforço evidente

de controlar suas emoções.— Como foi que conseguiu fazer tudo sozinha? — perguntou

então…— Eu me ajeitei… — Elizabeth o pouparia das explicações, de como

trouxera seu filho ao mundo.Não mencionaria a dor, o medo, o desespero de imaginar que

alguma coisa poderia dar errada. Mas seu filho nascera perfeito e forte eera isso o que importava.— Agora, acabou tudo e estou bem, meu senhor — garantiu. -E

nosso bebê não poderia estar melhor.Ele notou que Elizabeth se cobria com farrapos e indagou:— Está despida?— Minhas roupas estavam ensopadas por causa da chuva. Tive que

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tirá-las. Cobri-me com um pedaço de tecido que encontrei aqui.— E… este sangue todo? Tem certeza de que está tudo bem?— Há sempre sangue em nascimento meu amor. Aliás, há sangue

em suas roupas também.Ele se olhou e explicou:— Montross e alguns de seus mercenários, a maioria, suponho,

estão mortos. Mas Barden também está, bem como alguns de meushomens.— Sinto por eles, mas não por Montross e sua, turba.— Foi Cadmus quem matou Montross. Caso isso não tivesse

acontecido, seria enforcado por traição.— Cadmus o matou?! — ela se espantou.Raymond assentiu e acrescentou, aborrecido:— E ele matou Camus.— Oh, Raymond, fui eu quem o mandou ficar enquanto saía pela

passagem secreta…— Não se culpe. Muitas atrocidades são cometidas em batalhas.Mas, mesmo tendo perdido meu fiel cachorro e muitos dos meusmelhores homens, fico feliz por tudo ter terminado assim, pois, seMontross tivesse chegado até você, as coisas teriam sido bem piores.

— Raymond, quero voltar para casa. — ela pediu, com lágrimas norosto.

— Imediatamente, meu amor. Estou com meu cavalo.— Mas acho que não posso cavalgar…

Raymond pensou por instante.— Talvez o fazendeiro tenha deixado uma carroça ponderou. — Vouverificar. Quanto antes voltarmos a Donhallow, melhor.

— Mas já estamos em segurança, meu querido. Em especial agora,que você está aqui, conosco.

Poucas semanas depois, Elizabeth estava à porta de seu quarto,segurando uma cesta de vime. Observava seu marido, o qual, inclinadosobre o berço, admirava, mais uma vez seu filho, Brennon.

Raymond acabara de retomar de Chesney, onde explicara ao condeo que acontecera em suas terras e entregara os mercenários para serem julgados pela corte real.

O conde ficou horrorizado e indignado com a atitude de Montross.Além do mais, agora que Raymond tinha poderosos aliados, estespoderiam alegar que o conde não soubera controlar seu vassalopoderoso. E isso poderia criar-lhe grandes problemas.

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E, já que Montross não deixara herdeiros, o conde passou suaspropriedades em nome de Raymond, o qual decidiu fazer de Aiken ozelador legal delas, numa justa recompensa por seus serviços durante oataque a Donhallow e por tudo que já fizera para beneficiar aquelapropriedade.

— Achei que fosse deixá-o dormir desta vez — Elizabeth

repreendeu-lhe, com um sorriso.Raymond se endireitou de imediato, como se tivesse sido pego emuma atitude errada.

— Ele ainda está dormindo — defendeu-se.— Que bom. Porque não quero que acorde por algum tempo. —

Elizabeth respondeu, entrando no quarto. — Johannes disse-me emoutro dia, que podem ouvir o choro de nosso filho lá na vila, de tão forteele que é. Espero, porém, que ele esteja apenas brincando… Sabe, meuamor, Brennon ainda é muito pequeno para ter uma harpa, mesmo a

pequena, que pediu a Johannes para fazer.Ela se sentou na poltrona que usava quando estava amamentandoBrennon, tendo a cesta no colo.

— Talvez eu tenha sido um tanto apressado… Mas é que…— Sim?— Andei pensando que, talvez, quando ele crescer e tornar-se

homem, bem, talvez possa cantar como eu costumava fazer.Elizabeth sorriu, percebendo que Raymond ainda se ressentia por

ter perdido a bela voz.

— Gosto de sua voz do jeito que ela é, sabia? — consolou-o,embora estivesse sendo sincera.— Gosta?— Sim. Acho-a… excitante. Na primeira vez em que o ouvi falar,

bem… fiquei um tanto temerosa, mas agora não mais.Ele a olhou com uma expressão sensual que era muito mais

excitante do que a voz a que se referira.— Verdade? — insistiu.— Verdade.

— Sabe de uma coisa, lady Kirkheathe? Acho que jamais vouentendê-la.— Bem, mas um homem jamais deve entender sua esposa, meu.

senhor. Imagine como seria aborrecido… Um pequeno mistério é sempree bem-vindo…

— Um mistério… Como esse que traz na cesta? O que há aí dentro?Fraldas limpas?

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— Não… É um presente.— Para Brennon?— Não, meu amor. Para você. — Ela depositou a cesta no chão. De

imediato a tampa se levantou e um pequeno focinho negro apareceu.-Um cão?!Elizabeth riu diante da expressão admirada no rosto do marido.

Abriu, então, a tampa por completo, para revelar um belo filhote decachorro, marrom, com uma das orelhas torta, a cabeça grande e aspatas enormes e desajeitadas.

O bichinho latiu, saltando para fora da cesta, seguindo diretamenteem direção às pernas de Raymond, para depois começara farejando oquarto todo, até chegar a uma das pernas da cama, diante da qualergueu uma pata traseira.

— Oh, Deus! — Elizabeth exclamou, levantando-se para pegar umpano e limpar a sujeira.

— Os pequenos costumam fazer muito disso — Raymondcomentou, sorrindo, tirando-lhe o pano das mãos. — Deixe que eu limpoa sujeira.

— Eu tive um bebê, Raymond, não uma doença que me deixouinválida! — Elizabeth protestou.

— É, mas perdeu muito sangue.— Não mais do que o normal num parto.Assim que terminou de limpar o chão, Raymond, sem maiores

preocupações lançou o tecido pela janela.

— Raymond! — ela repreendeu.— E o que mais queria que eu fizesse?— Que o lavasse…— Mas havia urina de cachorro nele!— Eu sei! Meu Deus! Brennon não teria mais fraldas se fizéssemos

isso o tempo todo.— Mas ele é diferente!— Sim, e você não lava suas fraldas!Raymond encarou-a, sorrindo.

— Nem você, minha senhora — observou.— E verdade, mas acho que já lavei muitas roupas em minha vidaantes de vir para cá, e muito chão, também! Mas, mudando de assunto:você não disse o que achou do meu presente.

Ele ergueu as sobrancelhas e olhou para o cãozinho, quecontinuava a cheirar tudo por onde passava e que, de repente, voltou-se, para começar a morder-lhe a bota direita.

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— Oh, não! — Elizabeth apressou-se em afastar o animalzinho, masRaymond segurou-a pelos ombros e abraçou-a.

— É apenas uma bota velha — murmurou.— Gostou do meu presente? — ela repetiu, entregando-se ao

prazer de recostar-se a seu corpo.— Muito. Não poderia ter escolhido melhor. Como o encontrou?

— Ah, foi só procurar pelo maior e mais feio filhote de cachorro davila… — Tarefa difícil, então, já que todos os cachorrinhos são sempretão engraçadinhos…

— Bem, eu não iria gostar de um cachorro… engraçadinho.— Foi o que pensei.— Você é muito esperta, sabia?Elizabeth sorriu.— É por isso que me ama tanto, não é? — indagou, caprichosa.Raymond apertou os braços que a prendiam.

— Exatamente. E sabe que a amo com todo meu co ração, não?— E com todo seu corpo também? Porque… sabe, já estoucompletamente curada, Raymond, e a parteira disse que…

— Agora? — ele a interrompeu sorrindo.— Brennon vai dormir um pouco ainda… Eu o amamentei há alguns

minutos…Raymond olhou para baixo e acrescentou às palavras dela:— E o pequeno Cadmus II acabou de adormecer sobre minha bota.

— Ela riu.

— Vai conseguir tirá-la sem que ele acorde, meu senhor?— Com certeza! O que eu não faria por uns minutos com minhaesposa?

— Então, está perfeito, porque Cadmus parece-me perfeitamenteadaptado e em casa.

Raymond sorriu de leve e acrescentou sério:— Eu também me, sinto em casa, minha querida, como não me

sentia há muito tempo.— Vai continuar falando, ou vai levar-me para a cama, senhor?

Porque, se me lembro bem sou eu quem costuma falar demais…Ele tirou a bota com extremo cuidado, sem despertar ocachorrinho, e, depois, ergueu Elizabeth nos braços, levando-a para a

cama.— Venha, meu amor — sussurrou, então na voz rouca que ela

adorava. — Não temos tempo a perder.

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Fim