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2 Algumas considerações históricas sobre o processo de consolidação da Campanha da Fraternidade como projeto nacional
Compreender a Campanha da Fraternidade não é uma tarefa fácil. Neste
primeiro capítulo, vamos procurar compreender as suas origens nos fatos da
conjuntura social e eclesial brasileira e o seu desenvolvimento inicial para que
possamos descobrir, a partir de suas raízes e seus propósitos iniciais, os
pressupostos teórico-teológicos que vão fundamentar a sua ação.
2.1. A fundação da CNBB e suas preocupações iniciais
A Campanha da Fraternidade é promovida pela CNBB, que possui os
direitos sobre este título. Uma melhor compreensão da Campanha da Fraternidade
exige conhecimentos sobre a CNBB. A origem e a caminhada da CNBB são,
portanto, de extrema importância para que possamos compreender melhor a
Campanha da Fraternidade, sua natureza e seus objetivos.
Em 1936, o padre Helder Pessoa Câmara foi transferido para o Rio de
Janeiro e lá, pouco tempo depois, foi nomeado Assistente Geral da Ação Católica
Brasileira. Seu primeiro trabalho foi organizar o Secretariado Nacional da Ação
Católica Brasileira, contando com a colaboração de Aglaia Peixoto, Carolina
Gomes, Maria Luiza Amarante e Edgar Amarante, Jeanette Pucheu, Vera Jacoud e
Frei Romeu Dale, entre outros. Logo começaram a promover Encontros Regionais
de Bispos, mostrando a necessidade da criação de um Secretariado Nacional que
ajudasse os bispos a equacionar seus problemas locais. Amadurecia a idéia da
criação da CNBB. O padre Helder iniciou, por sua própria iniciativa, um diálogo
com o Cardeal Montini com objetivo de criar o organismo com autorização da
Santa Sé1. No dia 20 de abril de 1952, o então monsenhor Helder foi ordenado
1 Cf. CÂMARA, H. “A CNBB nasceu assim” in INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL –
INP (Org.). Presença pública da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas, p. 9-10.
25
bispo auxiliar do Rio de Janeiro2. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
foi fundada no Palácio São Joaquim, Largo da Glória, no Rio de Janeiro, em uma
reunião que começou no dia 14 de outubro de 1952 e prolongou-se até o dia 17 do
mesmo mês3.
Em seguida, os religiosos se organizaram criando a Conferência dos
Religiosos do Brasil – CRB, após o I Congresso Nacional de Religiosos, realizado
em fevereiro de 1954, no Rio de Janeiro4. Por fim, foi o episcopado continental
quem criou o seu organismo próprio quando, após o 36o Congresso Eucarístico
Internacional realizado em 1955 no Rio de Janeiro, aconteceu na Igreja da
Candelária, na mesma cidade, uma Conferência Geral não conciliar, integrada por
representantes de todos os episcopados latino-americanos e, durante este evento,
ficou decidida a criação do Conselho Episcopal Latino-americano – CELAM. A
sua primeira reunião plena foi na cidade do México em 1956 e, por decisão do
Papa Pio XII, ficou estabelecida a sua sede em Bogotá, na Colômbia, por ser este
o único país que une em si a América Central e a América do Sul5.
Os frutos pastorais da criação da CNBB logo começam a aparecer e os três
primeiros foram a criação de três organismos: o Instituto Nacional de Catequese –
INC, o Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social – CERIS, e o Serviço
de Cooperação Apostólica Internacional – SCAI, para intercâmbio de
missionários entre o Brasil e os demais países, aos quais se agregou o Centro de
Formação Intercultural – CENFI6.
Uma das preocupações iniciais da CNBB foi com o mundo rural. A CNBB
chegou à conclusão de que o surgimento das favelas nas grandes metrópoles
brasileiras era fruto do subdesenvolvimento no meio rural, marcado
principalmente pela ausência de organização e de direitos. Por isso, foi realizada
uma parceria entre a CNBB e o Serviço de Informação Agrícola – SIA, do
Ministério da Agricultura, para a realização de semanas rurais buscando despertar
a sociedade para o problema e encontrar caminhos de superação para o mesmo7.
2 Cf. BARROS, R. C. “Gênese e consolidação da CNBB no contexto de uma Igreja em plena
renovação” in INP (org.) opus cit., p. 31-32. 3 Cf. Ibid., p. 30-31.
4 Cf. Ibid., p. 34.
5 Cf. Ibid., p. 36.
6 Cf. Ibid., p. 35.
7 Cf. Ibid., p. 36-37.
26
A partir daí, várias iniciativas foram surgindo. Dom Eugênio de Araújo
Sales ajustou ao Rio Grande do Norte a experiência de educação de adultos
desenvolvida na Colômbia por meio de escolas radiofônicas. A experiência logo
se expandiu através da Representação Nacional de Emissoras Católicas – RENEC,
ligada à Secretaria de Ação Social da CNBB, sob a responsabilidade de Dom
Eugênio Sales. Um encontro entre Dom José Távora, bispo de Aracaju, e o
presidente eleito do Brasil, Jânio Quadros, resultou na criação, por Decreto, do
Movimento de Educação de Base, acontecida no dia 21 de março de 1961, e o
estabelecimento de um convênio entre a República e a CNBB para instalação de
75.000 escolas radiofônicas. A experiência foi posteriormente enriquecida com a
proposta pedagógica de Paulo Freire8.
Também merece destaque o processo de sindicalização rural, um dos frutos
do Movimento de Educação de Base. Com o crescimento das Ligas Camponesas,
de inspiração marxista, o Serviço de Assistência Rural – SAR da Arquidiocese de
Natal, a quem estava ligado o Movimento de Educação de Base – MEB, iniciou
um trabalho de sindicalização rural, como oposição às Ligas Camponesas. Este
trabalho também foi desenvolvido em Pernambuco, berço das Ligas Camponesas,
principalmente com a criação do Serviço de Orientação Rural de Pernambuco –
SORP, com o mesmo objetivo do MEB. A CNBB, representada por Dom Helder
Câmara, Dom Fernando Barros e Dom Eugênio Sales, conseguiu do Presidente
João Goulart, a agilização dos processos de reconhecimento dos sindicatos rurais,
que ficou ao cargo do Ministro do Trabalho André Franco Montoro9.
Em 1961, o Papa João XXIII escreveu uma carta aos bispos da América
Latina10
. Nesta carta, o Papa demonstra suas preocupações com o naturalismo de
Charles Darwin, o marxismo, o espiritismo de Allan Kardec e a aliança entre o
liberalismo e o protestantismo, e afirma a necessidade de uma Pastoral de
Conjunto para que a Igreja possa enfrentar esses desafios. Como resposta concreta
a esta carta, a CNBB aprovou o Plano de Emergência, que foi o primeiro plano de
pastoral com a intenção de abranger todo o território brasileiro. O Plano de
8 Cf. Ibid., p. 38-39.
9 Cf. Ibid., p. 39-40.
10 Cf. Anexo 1 deste trabalho.
27
Emergência foi aprovado em abril de 1962 e buscou a renovação da Igreja no
Brasil através de quatro eixos11
:
1. renovação das paróquias;
2. renovação do ministério sacerdotal;
3. renovação dos educandários católicos;
4. introdução a uma Pastoral de Conjunto12
.
A importância do plano de Emergência é assim descrita pelo Pe. José Oscar
Beozzo:
No Brasil, o Plano de “Emergência” foi preparado às pressas como o próprio nome o indica
e aprovado durante a V Assembléia Ordinária da CNBB, de 2 a 5 de abril de 1962, já às
vésperas do Concílio.
Ao mesmo tempo em que contemplava o princípio do planejamento pastoral, preparava as
estruturas da própria CNBB e da Igreja do Brasil para aplicá-lo. A principal decisão foi a de
descentralizar a sua implementação, criando-se os sete primeiros regionais da CNBB e
solicitando-se a cada diocese o estabelecimento de um secretariado do PE, para servir de
elo entre as estruturas nacionais e de centro propulsor das diretrizes do plano em âmbito
local13
.
Assim, vemos que a CNBB, originada a partir da experiência de
organização da Ação Católica, apresenta no seu início a preocupação com a
realidade brasileira, procura dar respostas concretas aos desafios por ela impostos,
seja através de suas próprias estruturas, criando organismos quando isso se faz
necessário, seja através do diálogo e cooperação mútua com o poder instituído. É
importante, também, afirmar que a CNBB procura atuar no sentido de coibir o
crescimento de organizações de inspiração marxista, como foi o caso das Ligas
Camponesas. Também vemos a origem da preocupação pela pastoral de conjunto,
vinda com a carta do Papa João XXIII, e que esta preocupação, que marca a Igreja
no Brasil até os dias de hoje, traz logo respostas práticas, como foi o caso do
Plano de Emergência.
11
Cf. GODOY, M. J. “A CNBB e o processo de evangelização do Brasil” in INP, opus cit., p. 388. 12
Evidentemente, sempre existiu, em toda a realização ou concepção da pastoral, uma
preocupação pela conjunção de todos os seus aspectos e setores. Isto foi conseguido, sobretudo,
nas épocas em que a preocupação eclesiológica foi mais clara, já que a Igreja é o fundamento de
toda a ação pastoral e, por conseguinte, de toda pastoral de conjunto. 13
BEOZZO, J. O. “A recepção do Vaticano II na Igreja do Brasil” in INP, opus cit., p. 432.
28
2.2. O Concílio Vaticano II como pano de Fundo da Campanha da Fraternidade
O Concílio Vaticano II foi o evento do século para a Igreja. Ignorá-lo ou
desconsiderá-lo seria uma falta muito grave. Quando pensamos na Igreja do
Brasil, pensamos também na atuação de uma Igreja que procura, mesmo durante a
realização do Concílio, adequar-se a ele, criar e lançar mão de todos os meios
necessários para a sua implantação, entre eles, a Campanha da Fraternidade. O
anúncio do Concílio Vaticano II, feito pelo Papa João XXIII, foi acolhido com
alegria no Brasil14
. Em 05 de outubro de 1960, o Papa João XXIII criou dez
comissões preparatórias e a comissão central e, entre os seus 827 membros,
apenas oito eram brasileiros: Dom Jaime de Barros Câmara, cardeal arcebispo do
Rio de Janeiro, Dom Helder Pessoa Câmara, Secretário-Geral da CNBB e
segundo vice-presidente do CELAM, Dom Antônio Maria Alves Siqueira, bispo
auxiliar de São Paulo, Dom José Távora, arcebispo de Aracaju, Dom Vicente
Alfredo Scherer, arcebispo de Porto Alegre, Mons. Joaquim Nabuco, do Rio de
Janeiro, Pe. Estevão Bentia, de São Paulo e Frei Boaventura Kloppenburg.
A pouca presença de representantes da Igreja do Brasil na preparação do
Concílio e o sigilo imposto aos que participavam dos trabalhos das comissões
preparatórias fez com que nem mesmo os bispos soubessem o que aconteceria no
Concílio15
. O Brasil levava para o Concílio a experiência de ser uma Igreja
fortemente comprometida com as populações mais pobres. Este compromisso era
manifesto na luta contra o subdesenvolvimento e nos programas de educação de
base e sindicalização.
Outro elemento importante era o fato de que os bispos brasileiros
pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no
trabalho em equipe, fruto da caminhada inicial da CNBB, e a isto se acrescenta o
fato de que estavam inseridos numa articulação supranacional, o CELAM.
Também convém salientar que o episcopado brasileiro tinha por característica um
profundo amor e fidelidade ao Papa, o que vai fazer com que logo se alinhe ao
bloco que se convencionou chamar da maioria16
.
14
Cf. Id. O. A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II – de Medellín a Santo Domingo.
Petrópolis: Vozes, 1993, 2ª ed., p. 72. 15
Cf. Ibid., p. 73. 16
Cf. Ibid., p. 74.
29
Após a abertura solene do Concílio, um fato mudou os rumos estabelecidos
previamente pela Cúria Romana em relação ao mesmo. O primeiro vice-
presidente do CELAM, Dom Manuel Larrain, descobriu que as listas dos
membros das Comissões Conciliares haviam sido elaboradas pela Cúria Romana e
seria apresentada no dia 13 de outubro de 1962, para aprovação. Dom Manuel
procurou Dom Helder, narrou-lhe o fato e, juntos, iniciaram um trabalho de
articulação para que os bispos conciliares pudessem propor membros para as
comissões e não simplesmente se verem obrigados a aprovar a lista da Cúria
Romana17
. Assim, no dia 13 de outubro, quando as listas foram apresentadas, os
cardeais Liénart e Frings propuseram o adiamento das eleições para que os padres
conciliares pudessem, em reuniões, elaborar listas de nomes. Com isso, o controle
do Concílio saiu das mãos da Cúria Romana18
. Em seguida, os dois bispos
articularam, contrariando a Cúria Romana, uma reunião do CELAM para o
mesmo dia, com a finalidade de levantar propostas de nomes para compor as
comissões. O presidente do CELAM não aprovou a reunião e não realizou a sua
convocação, que foi então feita pelo arcebispo de Santiago, o cardeal Silva
Enríquez. Esta reunião encorajou outras Conferências Episcopais a fazer o mesmo
e o resultado foi a eleição e a contribuição valorosa nas comissões de pessoas
completamente desconhecidas em âmbito internacional, como Dom Zoa, de
Camarões19
.
Os bispos brasileiros ficaram todos hospedados na casa Domus Mariae, e o
secretariado-geral da CNBB organizou reuniões e conferências, com teólogos e
peritos, durante todo o Concílio, sob a coordenação do biblista brasileiro Pe.
Antônio P. Guglielmi, que resultaram em poucas, mas grandes intervenções do
episcopado brasileiro no Concílio. Essas conferências se tornaram um verdadeiro
fórum de debates e uma universidade teológica. Os seminaristas brasileiros, no
início, participaram das conferências, porém, a Sagrada Congregação para os
Seminários logo proibiu sua participação, então os bispos passaram a gravar as
conferências para que fossem reproduzidas no seminário20
. Entre os frutos dessas
conferências podemos citar a elaboração do Plano de Pastoral de Conjunto,
17
Cf. Ibid., p. 76-78. 18
Cf. Ibid., p. 75. 19
Cf. Ibid., p. 78-79. 20
Cf. Ibid., p. 79-91.
30
estruturando as pastorais do Brasil a partir de linhas que eram definidas pelos
principais documentos conciliares, e a Campanha da Fraternidade como um
projeto nacional da Igreja no Brasil. O Plano de Pastoral de Conjunto elaborado
pelos bispos brasileiros foi copiado no mundo todo.
2.2.1. O Concílio Vaticano II e a compreensão da Igreja
A Eclesiologia do Concílio Vaticano II vai ter uma forte influência no início
da Campanha da Fraternidade. Por enquanto, a questão será abordada apenas para
possibilitar a compreensão da primeira fase da Campanha da Fraternidade, uma
vez que este tema será aprofundado no segundo capítulo deste trabalho.
2.2.1.1. A Igreja Ministério
A Lumen Gentium nos coloca a Igreja como sendo mistério que se manifesta
a partir da sua fundação, é anunciadora e instauradora do reino de Deus na história
dos homens21
.
Em Cristo, a Igreja é sacramento, ou seja, sinal que manifesta a sua união
íntima com Deus e a unidade de todo o gênero humano assim como é também
instrumento para que esta união aconteça. "E, porque a Igreja é em Cristo como
que sacramento, isto é, sinal e instrumento, da união íntima com Deus e da
unidade de todo o gênero humano, retomando o ensino dos concílios anteriores,
propõe-se a explicar com maior clareza aos fiéis e ao mundo inteiro, a sua
natureza e a sua missão universal"22
.
Somos chamados a ser Igreja e este chamado nos destina às realidades
eternas, o que nos mostra que uma das principais características desta pertença à
Igreja é a consumação no final dos tempos.
A Igreja, à qual somos todos chamados em Jesus Cristo e na qual, pela graça de Deus,
adquirimos a santidade, só será consumada na glória celeste, quando chegar o tempo da
restauração de todas as coisas (At 3, 21), e quando com o gênero humano, também o mundo
inteiro, que está intimamente unido ao homem e por ele atinge o seu fim, será totalmente
reconciliado em Cristo (cf. Ef 1, 10; Cl 1, 20; 2Pd 3, 10-1)23
.
21
Cf. LG 5. 22
LG 1. 23
LG 48.
31
A Gaudium et Spes fala do mistério da Igreja tanto na sua origem quanto no
plano escatológico quando afirma que a "Igreja, que tem a sua origem no amor do
eterno Pai, fundada, no tempo, por Cristo Redentor, e reunida no Espírito Santo,
tem um fim salvador e escatológico, o qual só se poderá atingir plenamente no
outro mundo"24
.
Como conclusão desta parte, cabe afirmar que a Igreja, originada no
mistério da cruz, cresce pela ação divina como presença do Reino de Deus na
história humana e como manifestação de Cristo, luz que ilumina todo homem que
vem a este mundo e finalidade da existência humana25
.
2.2.1.2. A Igreja Comunhão
O modelo de Igreja comunhão que nos é proposto pelo Concílio Vaticano II
representa a síntese de dois modelos: o primeiro é a Igreja Corpo Místico de
Cristo e o segundo é o modelo Igreja Povo de Deus.
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, corpo no qual a vida de Cristo
comunica-se a todos os membros principalmente através dos sacramentos. Cristo é
a Cabeça deste corpo e todos os membros devem conformar-se a ele para que
possam viver unidos a ele26
. O documento Unitatis Redintegratio, sobre o
ecumenismo, busca no Corpo Místico de Cristo a fundamentação para mostrar a
necessidade da busca da unidade entre as religiões cristãs, o que é atestado pelo
início deste documento, que afirma que Jesus fundou uma única Igreja27
.
O crescimento da vida do Corpo Místico de Cristo através da comunhão
entre as Igrejas é evidenciado no Concílio Vaticano II. O Concílio fala tanto da
comunhão que deve haver em uma Igreja particular como também na comunhão
que deve existir entre as Igrejas Particulares, que devem viver com a Igreja
Universal e fomentar a comunhão com a Igreja Universal entre todos os seus
membros28
.
A imagem de Igreja como Povo de Deus também é manifesta no Concílio
Vaticano II como, por exemplo, a Lumen Gentium que diz: "Assim a Igreja
24
GS 40. 25
Cf. LG 3. 26
Cf. LG 7. 27
Cf. UR 1. 28
Cf. AG 19.
32
universal aparece como o 'povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do
Espírito Santo'"29
. Este povo vive neste mundo como uma sociedade constituída e
organizada na qual subsiste a Igreja católica, embora fora do seu corpo possam ser
também encontrados muitos sinais de verdade e de santificação que conduzem
para a unidade católica30
.
2.2.1.3. A Igreja Missionária
A Igreja é essencialmente missionária e por isso, o Concílio Vaticano II
dedicou um documento exclusivamente para a missão, que é o Decreto Ad Gentes.
No seu início, procurando estabelecer os objetivos da ação missionária da
Igreja, o Decreto diz que a Igreja, sal da terra e luz do mundo, deve responder às
mudanças do nosso tempo no sentido de renovar todas as pessoas, de modo que
todos se irmanem como membros da única família e único povo de Deus. Esta
obra, que pela ação divina, já vem sendo realizada na história com a participação
de muitas pessoas que se dedicam ao trabalho de preparar a segunda vinda do
Senhor31
.
Todos são chamados a seguir o exemplo dos apóstolos, instruídos e
enviados por Cristo a anunciar a todos os povos o Evangelho do Senhor e a levar
uma vida coerente com o que pregam, procurando converter as pessoas, mas ao
mesmo tempo respeitando os fracos. Esta atividade apostólica seguiu-se desde os
tempos apostólicos até os dias de hoje, com o testemunho de mártires e fiéis. A
Igreja deve ser, apesar de suas fraquezas, continuadora desta obra32
. Desta missão
"derivam encargos, luz e energia que podem servir para o crescimento e a
consolidação da comunidade humana segundo a Lei divina"33
.
2.2.2. O conteúdo do Concílio como fonte dos temas da Campanha da Fraternidade na sua fase inicial
Os temas da CF, inicialmente, contemplaram mais a vida interna da Igreja.
Três documentos conciliares foram importantes para o desenvolvimento da
29
LG 4. 30
Cf. LG 8. 31
Cf. AG 1. 32
Cf. DH 11-12. 33
Cf. GS 42.
33
Campanha da Fraternidade: Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia; Lumen
Gentium, sobre a natureza e missão evangelizadora da Igreja; e Gaudium et Spes,
sobre a presença transformadora da Igreja no mundo de hoje.
2.2.2.1. Sacrosanctum Concilium
O documento Sacrosanctum Concilium faz com que a Campanha da
Fraternidade reflita sobre a sua inserção no tempo quaresmal. A quaresma implica
na penitência também em sua dimensão externa e social34
. No Brasil, a dimensão
comunitária da Quaresma é vivenciada e assumida pela Campanha da
Fraternidade, na qual, a cada ano, a Igreja destaca uma situação da realidade
social que precisa ser mudada.
O documento conciliar acentua a necessidade da formação dos fiéis sobre as
conseqüências sociais do pecado35
. A Campanha da Fraternidade, atendendo a
esta exigência, também procura formar nas pessoas a consciência sobre as
conseqüências sociais do pecado, seja em relação ao próprio pecado, que é sempre
causa de sofrimento, seja em relação aos pecados de outras pessoas. Essas
conseqüências exigem de todos nós solidariedade com os que sofrem e a
necessidade de um trabalho evangelizador que gere mudanças e possibilite a
superação do pecado, seja pela conversão das pessoas, seja a partir de mudanças
na sociedade. Essas mudanças devem eliminar as causas do pecado.
A Campanha da Fraternidade ilumina de modo particular os gestos
fundamentais da quaresma. Pelo exercício da oração, pessoal e comunitária, as
pessoas se tornam sempre mais abertas e disponíveis às iniciativas da ação de
Deus. O jejum e a abstinência de carne expressam a íntima relação existente entre
os gestos externos da penitência, mudança de vida e conversão interior. A esmola
confere aos gestos de generosidade humana uma dimensão evangélica profunda
que se expressa na solidariedade. Coloca a pessoa e a comunidade face a face com
o irmão empobrecido e marginalizado, para ajudá-lo e promovê-lo.
34
Cf. SC 110. 35
Cf. SC 109 b.
34
2.2.2.2. Lumen Gentium
A Constituição Dogmática Lumen Gentium apresenta uma nova proposta
eclesiológica. A eclesiologia não pode ser esgotada. Basta apreciarmos as imagens
que nos são apresentadas na Lumen Gentium e que nos revelam a natureza íntima
da Igreja: redil, rebanho, campo onde cresce a oliveira e a vinha, edifício que tem
em Cristo a pedra angular e que é chamado também de casa de Deus, família,
tenda de Deus, templo santo, Cidade Santa, Jerusalém do Alto36
. O Concílio
Vaticano I afirma que a Igreja é o Corpo de Cristo e que o cristianismo não pode
ser praticado a não ser na Igreja. A Igreja é uma sociedade verdadeira, perfeita,
espiritual, sobrenatural, visível e una, e fora da Igreja não há salvação. A Igreja é
indefectível e infalível37
. É interessante percebermos que, se por um lado o
Concílio Vaticano I trabalha a questão eclesiológica a partir de um pano de fundo
institucional, procurando mostrar sua legitimidade diante dos valores da
modernidade, a fundamentação da eclesiologia do Concílio Vaticano II é
eminentemente bíblica.
A Igreja existe em relação com a Trindade. A Trindade está presente no
início da Igreja, com a criação do mundo e do homem à imagem e semelhança da
Trindade para ser capaz de estabelecer um relacionamento com Deus e viver em
comunhão com ele. Em seguida, vemos a Igreja prefigurada e preparada no
Antigo Testamento, com a história do povo de Israel, a Antiga Aliança e os
diferentes sinais que a prefiguram: arca da Aliança, Templo, Reino, caminhada do
povo, vinha, etc. Ela é fundada por Jesus Cristo e manifestada em Pentecostes38
.
A Trindade está presente também na história da Igreja, pois o Pai
acompanha a Igreja pelo Espírito Santo e a acompanha por Jesus Cristo nos
caminhos da história39
. Por fim, a Trindade é o objetivo final da Igreja que busca a
felicidade perfeita no Reino definitivo40
, no qual ela aparece a partir da imagem
da Jerusalém Celeste e é iluminada pelo próprio Deus.
36
Cf. LG 6. 37
Cf. ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 2005, 5ª ed.,
p. 375. 38
Cf. SANTOS, B. B., “A perspectiva eclesiológica do Vaticano II: perfil da Igreja do terceiro
milênio” In: Diocese de Taubaté, Plano de evangelização – 1997-2000. Taubaté, [s.n.]. [1997 ?].
pg. 4-9. (Mimeografado), p. 5. 39
Cf. Prefácio da Oração Eucarística VI-B. 40
Cf. Prefácio da Oração Eucarística VI-B.
35
A Igreja também se manifesta como sacramento, como mistério. É mistério
que se manifesta a partir da sua fundação e tem a missão de anunciar e instaurar o
reino de Deus na história dos homens. Com a prática de Jesus e a pregação do
Reino, se cumprem as promessas feitas por Deus no Antigo Testamento e, em
Pentecostes, quando acontece a efusão do Espírito Santo, a Igreja inicia
historicamente sua missão e se torna o germe e o início desse Reino41
.
Em Cristo, a Igreja é sacramento que manifesta a íntima relação com Deus e
a unidade de todo o gênero humano. É também meio de realização desta
unidade42
. Somos chamados a ser Igreja e destinados às realidades eternas,
vocacionados à santidade, à reconciliação plena em Cristo43
. A Igreja é o reino de
Cristo já presente em mistério, que cresce a cada dia por graça divina para levar as
pessoas a viverem em Cristo44
.
A imagem de Igreja como Povo de Deus mostra a Igreja como povo
congregado na unidade da Trindade45
. Vivendo a unidade como povo de Deus e
Corpo Místico de Cristo, a Igreja vive a comunhão e revela aos homens o mistério
da Trindade na qual se encontra a sua origem e a sua vocação46
.
A Campanha da Fraternidade sofre forte influência da Lumen Gentium.
Inicialmente, a Campanha da Fraternidade vai ser um dos instrumentos mais
poderosos nas mãos da CNBB para a divulgação das idéias do Concílio em geral e
sua eclesiologia em particular, expressa principalmente no Plano de Pastoral de
Conjunto.
Assim, a Campanha da Fraternidade deve “lembrar aos fiéis que eles são
Igreja (fazer entender de modo prático e definitivo o erro de imaginar que a Igreja
são só os bispos e os padres) (...) levar os fiéis a ser responsáveis pelas obras de
apostolado e pelas obras sociais mantidas pela Igreja”47
.
41
Cf. LG 5. 42
Cf. LG, 1. 43
Cf. LG, 48. 44
Cf. LG 3. 45
Cf. LG 4. 46
Este elemento eclesiológico será o fundamento teológico para a realização das Campanhas da
Fraternidade nas suas duas fases iniciais: a Renovação da Igreja e a Renovação do Cristão. A
Igreja é essencialmente missionária, é chamada a salvar e a renovar toda criatura, para que tudo
seja instaurado em Cristo e nele os homens constituam uma só família e um só povo de Deus e a
difundir por toda a parte o reino de Cristo. A missão da Igreja é evangelizar. Sem realizar a obra
evangelizadora, a Igreja perde a sua razão de ser. 47
CNBB. Campanha da Fraternidade. São Paulo: Paulinas, 1983, Coleção Estudos da CNBB n.o
35, p. 22.
36
2.2.2.3. Gaudium et Spes
A Igreja está também em relação com o mundo. A constituição pastoral
Gaudium et Spes nos mostra isso. A Igreja está vinculada com o mundo porque é
feita de realidades terrestres e porque é presença de Deus na história dos homens.
Ela está ainda em relação com a missão através da ação inculturada, que penetre a
história de um povo, assim como os seus costumes, hábitos sociais, leis, projeto
de vida, enfim, sua cultura48
.
Nesta relação, a Igreja se vê interpelada diante da injustiça social.
Reconheçamos que existem valores na sociedade moderna, como o avanço
científico, a cooperação entre as diversas formas de conhecer, a solidariedade
internacional, o aumento da consciência e da responsabilidade de todos diante dos
mais sofridos e necessitados, valores que nos revelam a presença atuante de Deus
que prepara o coração dos seus filhos e filhas para o anúncio do Evangelho49
. Mas
devemos reconhecer também que a injustiça social se manifesta na fome, na
pobreza, no analfabetismo, nas formas de escravidão. Diante dos abismos da
sociedade moderna, há a exigência da solidariedade. Também é importante que se
perceba que a preocupação com a ordem temporal cada vez mais deixa de lado a
dimensão espiritual da pessoa humana50
. Jesus exige de todos nós o amor e a
solidariedade, que nos levem a uma comunhão fraterna e à prestação mútua de
serviço51
.
Esta mentalidade manifesta na Gaudium et Spes vai estar fortemente
presente na Campanha da Fraternidade. No seu início, fica a motivação para a
solidariedade que deve ser expressa na coleta do domingo de Ramos, mas a partir
do seu crescimento e do seu comprometimento histórico, passa a unir profetismo,
conversão, solidariedade e ação sócio transformadora.
A partir destes elementos que nos são colocados pelo Concílio Vaticano II, a
Campanha da Fraternidade vai apresentar a sua proposta inicial que é a renovação
da Igreja e do cristão.
48
Cf. SANTOS, B. B., op. cit., pg. 5. 49
Cf. GS 57. 50
Cf. GS 4. 51
Cf. GS 32.
37
2.3. A criação da Campanha da Fraternidade e a sua consolidação como projeto nacional
A partir do contexto eclesial colocado nos dois itens anteriores, é possível
analisar o surgimento da Campanha da Fraternidade e o seu rápido crescimento
como ação da Igreja no Brasil. Para isso, o passo inicial é uma exposição do
processo histórico que possibilitou o surgimento da Campanha no Rio Grande do
Norte para, em seguida, expor os fatos que contribuíram para que ela se tornasse
um projeto nacional. A partir de então, são analisadas as Campanhas da
Fraternidade que aconteceram na sua primeira fase, iniciada em 1963 e que se
prolongou até 1972, quando esta Campanha deixa de ser uma simples campanha
de arrecadação de recursos para custear os trabalhos da Caritas Brasileira para,
também, se tornar uma campanha de divulgação das propostas e resoluções do
Concílio Vaticano II.
Inicialmente, precisamos conhecer o processo histórico que deu origem à
Campanha da Fraternidade. Este processo iniciou-se na cidade de Natal, no Rio
Grande do Norte. Durante a Segunda Guerra Mundial, Natal foi escolhida pelos
Estados Unidos como lugar estratégico para comandar as tropas que lutavam no
norte da África e, no final do ano de 1941, a cidade, que tinha menos de 60.000
habitantes, recebeu 20.000 soldados norte americanos, o que gerou uma grande
desordem social52
. O crescimento da cidade foi vertiginoso, de modo que, em
1950, a sua população era de 103.215 habitantes, o que significou um crescimento
populacional de 84,18% em uma década. Se esse índice de crescimento fosse
mantido, Natal seria hoje pelo menos quatro vezes mais populosa e uma das cinco
maiores cidades do país.
Este crescimento veio acompanhado de sérios problemas que desafiaram a
Igreja. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, os soldados norte-
americanos deixaram Natal e, com eles, os recursos que moviam a economia
local, gerando uma crise social de grandes proporções. Quem respondeu
inicialmente aos desafios foi a Ação Católica que, a partir de 1945, deixa de ter
apenas objetivos religiosos e missionários para se preocupar também com os
problemas sociais, o que acontece com a realização da Primeira Semana da Ação
Católica. O assistente eclesiástico das Senhoras da Ação Católica de Natal era o
52
Cf. ARAUJO, E. Quando fala o coração. Londrina: Livre Iniciativa, 2000, p. 44.
38
padre Nivaldo Monte. Ainda em 1945, o padre Eugênio de Araújo Sales, diretor
espiritual do Seminário Menor São Pedro, de Natal, criou a Juventude Masculina
Católica, e logo se associou ao padre Nivaldo Monte na tarefa de responder aos
desafios sociais da cidade de Natal. O resultado dessa união foi o estabelecimento
de reuniões mensais, a partir de 1948, para discussão dos assuntos sendo que, aos
poucos, todo o clero de Natal envolveu-se com a questão. Com isso, teve origem o
do Movimento de Natal, que tem como referência de seu surgimento o ano de
1948, com ações sociais em diferentes frentes53
.
Em 1961, a Caritas Brasileira idealizou uma campanha para arrecadar
fundos para as atividades assistenciais e promocionais da instituição, buscando
autonomia financeira para a prática da solidariedade. Era uma campanha de coleta
que deveria acontecer no tempo da quaresma colhendo os frutos do jejum e da
penitência. A atividade foi chamada Campanha da Fraternidade e realizada, pela
primeira vez, na Quaresma de 1962, em Natal (RN), a pedido do então
Administrador Apostólico Sede Plena54
Dom Eugênio de Araújo Sales, que havia
sido nomeado bispo auxiliar em 1954 e, em 1962, assumiu a direção da
Arquidiocese. A iniciativa contou com adesão de outras três dioceses e apoio
financeiro dos bispos norte-americanos. No ano seguinte, dezesseis dioceses do
Nordeste realizaram a Campanha55
, sendo que o local onde ela obteve maior
sucesso foi a Arquidiocese de Fortaleza, principalmente por causa do estímulo,
apoio e comprometimento do seu arcebispo, Dom José de Medeiros Delgado56
.
Em 1963, na cidade de Nísia Floresta, quatro religiosas da Congregação
Missionária de Jesus Crucificado realizaram, à luz do Concílio Vaticano II que
estava em andamento, uma experiência de inserção, indo morar na paróquia que
era sede vacante e atuando como verdadeiras vigárias, inseridas também no
contexto da Arquidiocese de Natal. Ao constatar a péssima condição de vida do
povo e a necessidade de uma ação mais efetiva de solidariedade, criaram a
Marcha da Solidariedade, caminhada a pé passando de casa em casa recolhendo
53
Cf. Ibid., p. 45-46. 54
De acordo com os cânones 312 a 318, do Código de Direito Canônico publicado em 1917 e que
estava em vigor na época, em determinados casos a Santa Sé nomeava um bispo auxiliar como
Administrador Apostólico Sede Plena. O Administrador Apostólico Sede Plena gozava de plenos
poderes na Igreja Particular, embora houvesse outro bispo como titular no cargo. O bispo titular,
por algum motivo estabelecido pelo Direito Eclesiástico, estava impedido de exercer o seu ofício. 55
Cf. CNBB, Documento-base CF 1968, mimeografado, p. 132. 56
Cf. CNBB, Campanha da Fraternidade, p. 20.
39
doações para a solidariedade. Esta caminhada usava de todos os recursos
disponíveis como carro de som, faixas, cartazes, etc., e todos os meios de
locomoção e acontecia na semana que precedia o Domingo de Ramos57
. Nesta
caminhada, arrecadavam todos os tipos de doações, como roupas, utensílios
domésticos, alimentos, remédios e, principalmente, produtos da agricultura local
como o coco, mandioca, abóbora, etc. Alguns produtos eram distribuídos
diretamente e outros comercializados nas feiras livres da região. Com os recursos
angariados, eram comprados objetos que respondiam às necessidades da
população como alimentos, redes, roupas, panelas, etc., que as irmãs distribuíam
para as pessoas carentes nas suas próprias casas. A comunidade que mais
participou desta atividade em Nísia Floresta foi a de Timbó, distante cinco
quilômetros da sede, onde estive presidindo a Eucaristia e fiz uma reunião com os
moradores que narraram fatos do início da Campanha da Fraternidade e pediram
explicações sobre a situação atual da referida Campanha.
Durante o desenvolvimento do Concílio Vaticano II, o Cardeal Suenens fez
um discurso, no final da primeira sessão, que gerou uma discussão entre o
episcopado brasileiro sobre a realização de uma campanha de arrecadação de
fundos para a ação social. A conseqüência dessa discussão foi que durante uma
reunião dos Bispos do Brasil, na casa Domus Mariae em Roma, que aconteceu em
outubro de 1963, foi aprovada a realização da Campanha da Fraternidade em
âmbito nacional, seguindo o modelo que acontecia no Estado do Rio Grande do
Norte. A partir das decisões desta reunião, Dom Helder Câmara, Secretário-Geral
da CNBB, escreveu uma circular a todos os bispos do Brasil, datada de 26 de
dezembro de 1963, que ficou conhecida como “certidão de nascimento da
Campanha da Fraternidade” na qual coloca os seus princípios fundamentais58
.
A primeira Campanha Nacional aconteceu na quaresma de 1964 e procurou
unir a coleta com a conversão quaresmal e a implantação das decisões do
Concílio. Para a sua divulgação, havia o cartaz da Campanha, inicialmente
encomendado pela CNBB aos artistas e, a partir de 1976, os cartazes passaram a
ser fruto da realização de um concurso nacional, e eram distribuídos folhetos
57
ARAUJO, E. opus cit., p. 36. 58
Correspondência de Dom Helder encontra-se transcrita no “Anexo 2” deste trabalho.
40
volantes a todos os fiéis durante os domingos da quaresma, juntamente com
envelopes para a coleta59
.
Em 20 de dezembro de 1964, os bispos aprovaram o projeto inicial da
Campanha da Fraternidade, através de um documento com o título: “Campanha da
Fraternidade: pontos fundamentais apreciados pelo episcopado em Roma”. Em
1965, a Campanha da Fraternidade foi vinculada diretamente ao Secretariado
Geral da CNBB, que passou a assumir a sua organização, realização e definiu a
sua estrutura básica, trabalho desenvolvido pelo Secretário-Geral, Dom José
Gonçalves da Costa60
.
Em 1967, iniciaram-se os encontros nacionais das Coordenações Nacional e
Regionais da Campanha da Fraternidade. O padre Tomé Morressey, redentorista,
foi nomeado coordenador da CF, e o padre Irineu Bérvian, da Diocese de Passo
Fundo, assessor eclesiástico. No ano seguinte, assumiu a coordenação nacional o
padre redentorista Alfredo Novak, que tinha experiência de coordenação da
Campanha da Fraternidade em Manaus, Belém e Teresina61
. Hoje ele é bispo
emérito de Paranaguá.
Neste mesmo ano, surge também o então chamado Documento-base, um
livreto de orientações, subsídios de planejamento e publicidade62
. Em 1969, o
Documento base foi acrescido de subsídios litúrgicos e, em 1972, passou a ter
também subsídios catequéticos e recebeu o nome de Manual. O manual, com o
conjunto de tudo o que é publicado pela Campanha da Fraternidade, continua
sendo publicado. O Documento base ficou sendo uma parte do Manual e
permaneceu até a Campanha de 1977, quando foi substituído pelo Texto-base, que
passou a adotar o método Ver-Julgar-Agir e foi utilizado pela primeira vez na
Campanha de 1978, e continua nas campanhas atuais63
. Em 1970, teve início a
mensagem do Papa, que era transmitida em cadeia nacional de rádio e televisão na
Quarta feira de Cinzas, quando acontece a abertura da Campanha64
. Hoje, o Papa
envia sua mensagem aos brasileiros por ocasião do início da Campanha da
59
CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 40. 60
Cf. Ibid., p. 26. 61
Cf. Ibid., p. 26-27. 62
Cf. Ibid., p. 40. 63
Cf. Ibid., p. 40. 64
Cf. CNBB Documento-base CF 1968, p. 133.
41
Fraternidade, que é lida pelo Presidente da CNBB na cerimônia de abertura da
Campanha da Fraternidade, que acontece na Quarta feira de cinzas na sede da
CNBB em Brasília com uma entrevista coletiva, mas a mensagem do Papa não é
mais transmitida em cadeia nacional.
A partir de 1971, tanto a Presidência da CNBB como a Comissão Episcopal
de Pastoral começaram a ter uma participação mais intensa em todo o processo da
CF, que estabeleceu os seguintes princípios para a sua realização:
1 – O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é o mesmo do Plano de
Pastoral de Conjunto;
2 – A Campanha da Fraternidade é um instrumento extraordinário que, em
tempo oportuno, quer intensificar a realização dos objetivos ou fins do Plano de
Pastoral Orgânica;
3 – A determinação desses objetivos deve brotar da reflexão conjunta dos
órgãos pastorais da CNBB;
4 – A Campanha da Fraternidade situa-se como órgão intersetorial a serviço
das seis Linhas do Plano de Pastoral Orgânica em dependência direta da Comissão
Episcopal de Pastoral;
5 – Esses mesmos princípios se aplicarão, analogamente, em nível nacional,
diocesano e paroquial.
A Campanha da Fraternidade tem como objetivos permanentes:
“1 – Despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus,
comprometendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum;
2 – Educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência
central do Evangelho;
3 – Renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja
na evangelização65
, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e
65
A 35ª Assembléia Geral da CNBB, que aconteceu em 1997 em Itaici, aprovou a criação da
Campanha para a Evangelização a ser realizada no tempo do Advento com uma coleta específica
para a evangelização. Com isso, os recursos da Campanha da Fraternidade deixaram de custear a
ação evangelizadora da Igreja no Brasil e passaram a constituir os Fundos Nacional e Diocesano
de Solidariedade, destinando recursos apenas para a ação social.
42
solidária (todos devem evangelizar e todos devem sustentar a ação evangelizadora
e libertadora da Igreja)”66
.
Desta forma, a Campanha da Fraternidade se consolida como um projeto
nacional. Não apenas porque dela participam todas as Igrejas Particulares do
Brasil, mas também porque acontece o envolvimento de todas as pastorais, através
da Comissão Episcopal de Pastoral. As reuniões que passaram a acontecer entre a
coordenação diocesana e as coordenações dos Regionais vão possibilitando que
aos poucos o processo de escolha do tema e do lema da Campanha e o seu
processo de elaboração, execução e avaliação tornem-se mais participativos.
Assim, a escolha do tema e do lema da Campanha da Fraternidade deixa de ser
apenas resultado do trabalho da Presidência da CNBB – em especial do
Secretário-Geral – juntamente com o coordenador e o assessor eclesiástico.
A Campanha da Fraternidade, em toda a sua história, se caracteriza como
uma atividade ampla de evangelização libertadora desenvolvida no tempo
quaresmal, para realizar a dimensão sócio-transformadora da ação da Igreja, a
partir de um problema específico. Procura desenvolver o espírito quaresmal de
conversão e de prática solidária. Retoma o profetismo confirmado por Cristo na
parábola do bom samaritano (Cf. Lc 10, 25-37) e no discurso sobre o juízo final
(Cf. Mt 25, 31-46).
2.3.1. A primeira fase histórica da Campanha da Fraternidade a renovação da Igreja e do cristão
A primeira fase da Campanha da Fraternidade será voltada para a renovação
da Igreja e do cristão, seguindo as propostas do Plano de Emergência e do Plano
de Pastoral de Conjunto, abrangendo as Campanhas que aconteceram entre 1964 e
1972. Nesta fase, destacamos dois momentos: um primeiro, no qual aconteceram
duas campanhas, 1964 e 1965, na qual a preocupação foi a renovação da Igreja e a
segunda foi a renovação do cristão, abrangendo as demais campanhas do período.
Este é um período de aprendizado e de grande crescimento da Campanha da
Fraternidade, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos.
66
Cf. CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 36-37.
43
O Concílio Vaticano II estava em andamento, porém a cada dia ficava mais
clara a proposta de Igreja que seria aprovada no Documento Lumen Gentium. Os
bispos brasileiros tinham a grande preocupação de fazer com que a proposta
conciliar fosse compreendida e assumida por todos os membros da Igreja no
Brasil, de modo que a renovação da Igreja fosse possível, realizando também uma
das metas do Plano de Emergência. A realização da Campanha da Fraternidade
não apenas com a finalidade da coleta solidária, mas também com um conteúdo
evangelizador, apresentava-se como um novo instrumento para que esses
propósitos viessem a se concretizar. Assim, a preocupação foi que a Campanha da
Fraternidade abordasse os dois elementos fundamentais dessa renovação: o
primeiro seria, a partir do modelo de Igreja comunhão, despertar nos fiéis a
consciência de pertença à Igreja a partir da graça batismal; e o segundo seria
voltado para a realidade paroquial, pois nela a dimensão eclesial da fé acontece, já
que a paróquia é a referência eclesial para todos os fiéis, visto que é nela que
participam dos sacramentos e dela recebem os serviços prestados pela Igreja. As
organizações da Igreja que vão além da realidade comunitária e paroquial, como
as dioceses, as províncias eclesiásticas, as conferências episcopais regionais,
nacionais e continentais e os organismos da Igreja Universal são estranhos à
maioria do nosso povo.
Esses objetivos de renovação da Igreja e do cristão se expressam nas
Campanhas da Fraternidade entre 1964 e 1972, conforme a apresentação que
segue.
2.3.1.1. A Campanha da Fraternidade de 1964
Teve como tema: “Igreja em renovação”, e como lema: “Lembre-se: você
também é Igreja”.
A metodologia utilizada foi o envio das folhas volantes às Dioceses para
que fossem mimeografas e distribuídas entre os fiéis.
Os bispos afirmaram que precisamos encontrar a maneira mais adequada
para revisar a vida interna da Igreja e a sua ação apostólica no mundo. Para isso,
todos devem dar o máximo de si procurando, inicialmente, fazer um exame de
consciência no sentido de descobrir as próprias falhas e não as falhas dos outros.
Antes de criticar, as pessoas devem participar do trabalho apostólico e social da
44
Igreja, pois todos são Igreja67
. Todos devem entender de forma prática que é um
erro imaginar que a Igreja são somente os bispos e os padres, mas todos devem ser
responsáveis pelo trabalho apostólico e social da Igreja, procurando conhecer e
divulgar esse trabalho68
. Muitos fazem pouco ou nada e ficam criticando a Igreja,
jogando pedras, sem colaborar com a superação dos problemas eclesiais69
. A
partir de questionamentos sobre a realidade, todos devem discutir o trabalho
apostólico da Igreja e participar dele70
. Todos devem unir-se aos esforços dos
bispos e dar o máximo de si para melhorar a paróquia e a diocese, começando pela
melhora de si, para poder contribuir para a expansão da obra apostólica e social da
Igreja71
.
Embora a Lumen Gentium ainda não tivesse sido aprovada quando a
Campanha da Fraternidade de 1964 foi preparada, pode-se perceber claramente a
influência do modelo eclesiológico de comunhão na sua elaboração,
principalmente quando vemos que os leigos e leigas são também responsáveis
pela obra social e evangelizadora da Igreja, assim como pela superação dos
problemas eclesiais e devem dar a sua contribuição para que a Igreja realize
plenamente a sua missão. Também fica claro o interesse institucional presente na
Campanha, pois discutiu o Concílio em vista de uma nova visão de participação
dos fiéis na diocese e na paróquia, à luz da Lumen Gentium, porém não foi
colocada a questão a participação dos fiéis na ação socio-transformadora da
Igreja, embora também estivesse sendo discutido o documento Gaudium et Spes,
que mostra a necessidade da presença da Igreja no mundo, e não simplesmente na
diocese e na paróquia.
As responsabilidades dos erros que acontecem na vida da Igreja também são
transferidas para os fiéis, sem levar em consideração os erros institucionais. Os
fiéis são chamados a fazer um exame de consciência, procurando descobrir as
próprias falhas, pois as falhas são sempre dos fiéis, nunca da Igreja. Todos devem
participar das atividades da Igreja, porém a crítica é reprimida. Isso revela uma
mentalidade de fundo: a de que os fiéis são para a Igreja e não o inverso, a Igreja
não pensa em mudar para satisfazer as necessidades dos fiéis, pois os bispos e os
67
CNBB. Folhas Volantes CF 1964. p. 1. 68
Cf. Ibid., p. 4. 69
Cf. Ibid., p. 8. 70
Cf. Ibid., p. 9. 71
Cf. Ibid., p. 10-11.
45
padres já são muito esforçados e já fazem a sua parte, enquanto que os fiéis não.
Assim, os fiéis precisam converter-se e devem unir-se aos esforços dos bispos e
dos padres. Tudo isso nos mostra uma identificação entre Igreja e hierarquia de
modo que, embora a palavra de ordem seja comunhão, a lógica hierárquica
permanece. O próprio lema da Campanha da Fraternidade coloca os leigos e leigas
em segundo plano: Lembre-se, você também é Igreja72
.
2.3.1.2. A Campanha da Fraternidade de 1965
Teve como tema: “Paróquia em renovação”, e como lema: “Faça de sua
paróquia uma comunidade de fé, culto e amor”.
A Campanha da Fraternidade de 1965 comemora o sucesso da campanha
anterior em levar a mensagem do trabalho apostólico, social e de renovação da
Igreja aos fiéis73
, ao mesmo tempo em que mostra a necessidade – expressa na
Missa voltada para o povo, dialogada e em português – da união de todos os que
são Igreja, Corpo místico de Cristo74
.
Esta união se expressa na vida de comunidade, conteúdo central das Folhas
Volantes da campanha, que deve ser uma comunidade de fé, de culto, de caridade,
missionária em clima de Concílio Ecumênico75
.
A partir do lema, volta-se o olhar para o local da vivência concreta da vida
comunitária, que é a paróquia, local privilegiado do encontro com Cristo para a
transformação da vida do fiel através de um sentido novo, motivo do convite da
Igreja para que todos se tornem membros vivos da comunidade paroquial, que é a
comunidade de todos. A quaresma deve ser a oportunidade para que todos
assumam a vida paroquial como comunidade de fé viva e vivida, tornando-se
também comunidade de caridade76
.
Um elemento que passa a ser mais evidenciado é o da coleta da fraternidade
que aconteceu no dia 04 de abril, Domingo da Paixão. Cria-se assim a consciência
de que tudo o que temos vem de Deus, por isso devemos ser gratos a ele
retribuindo um pouco do dom divino à paróquia para ajudar na sua construção,
72
O grifo é meu. 73
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1965. Mimeografado, p. 1. 74
Cf. Ibid., p. 4. 75
Cf. Ibid., p. 3, 4, 5, 7, 8, 12, 15, 16. 76
Cf. Ibid., p. 1, 3, 5, 7, 12. 17.
46
como sinal do dom de si mesmo, manifestação de viva participação na
comunidade viva que testemunha a presença de Cristo e se torna comunidade de
caridade77
. A coleta deve ser, antes de tudo, manifestação da conversão acontecida
no tempo quaresmal, na qual foram assumidas as responsabilidades diante da vida
paroquial78
.
A preocupação continua sendo institucional, mas agora voltada unicamente
para a paróquia. A partir das mudanças na liturgia, apresenta-se a eclesiologia do
Corpo Místico de Cristo que foi apresentada no Concílio Vaticano I, mas que teve
uma maior expressão com a Encíclica Mystici Corporis Christi, escrita pelo Papa
Pio XII em 1955 e que teve grande influência no Concílio Vaticano II, na
construção da eclesiologia de comunhão.
Fala-se da coleta como manifestação da conversão, mas ela também é
voltada para a paróquia, é retribuição à paróquia de um pouco do dom divino para
ajudar na sua construção. A comunidade se torna comunidade de caridade e a
conversão significa assumir as responsabilidades diante da vida paroquial.
Novamente, os valores que estão sendo discutidos na elaboração da
Gaudium et Spes não aparecem na Campanha da Fraternidade, de modo que a
Igreja volta-se para si mesma e não leva em consideração a realidade e as
necessidades do povo de Deus, embora estas tenham sido as motivações para o
surgimento da Campanha e o elemento fundamental para o discurso da sua
legitimação. Isso demonstra a sua instrumentalização para a satisfação de
necessidades institucionais.
A preocupação da Campanha da Fraternidade, em seguida, passa a ser a
renovação do cristão, e esta preocupação irá abranger sete campanhas, começando
com a de 1966 e seguindo até o ano de 1972.
2.3.1.3. A Campanha da Fraternidade de 1966
Teve como tema: “Fraternidade”, e como lema: “Somos responsáveis uns
pelos outros”.
A Campanha da Fraternidade de 1966 foi muito rica, a sua reflexão foi
muito extensa, profunda, abrangente e original. Trabalhou elementos conjunturais,
77
Cf. Ibid., p. 5, 6, 8, 9, 11. 78
Cf. Ibid., p. 15.
47
doutrinais e metodológicos. A mudança de ótica, saindo da Igreja para focar a
vida do cristão, embora mantendo o pano de fundo da reflexão eclesiológica do
Concílio Vaticano II, exigiu que um grande esforço fosse desenvolvido e deu a
esta campanha uma importância ímpar no conjunto histórico da Campanha da
Fraternidade.
Esta campanha teve como objetivo reavivar nos fiéis a consciência de que
são membros do Povo de Deus, co-responsáveis por toda a comunidade da Igreja
local, diocesana, nacional e universal. Todos são chamados a servir todos os
homens, especialmente os pobres79
.
Novamente, temos como referência o Concílio Vaticano II. O espírito do
Concílio deve estar na consciência de todos os cristãos a fim de que comecem a
pensar de acordo com ele80
. Para isso, é importante que todos tenham presente o
momento histórico no qual está inserida a Campanha da Fraternidade e assumam
o 1º Plano de Pastoral de Conjunto, desenvolvido para que a Igreja no Brasil possa
tornar-se mais rapidamente uma imagem da Igreja proposta pelo Vaticano II,
renovando as paróquias, através do compromisso do clero e dos católicos. Um
importante instrumento para que isso aconteça é a Campanha da Fraternidade81
. O
Concílio abriu novos caminhos de renovação da Igreja para que ela seja esposa
sem ruga e sem mancha, e isso desafia a nossa consciência, principalmente na
quaresma, tempo de conversão. A renovação da Igreja começa por nós para
estender-se a toda a comunidade, na qual devemos viver como irmãos82
. Também
é necessária a oração pela renovação da Igreja na linha conciliar para que, tendo
como centro o Cristo e assumindo o Plano de Pastoral de Conjunto, torne-se
autêntica comunidade Igreja, testemunha da verdade e servidora dos pobres83
.
Uma das exigências do Concílio é a pastoral de conjunto84
. O Plano de
Pastoral de Conjunto foi desenvolvido para ser um instrumento que possibilite a
79
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966. Mimeografado, p. 1. 80
Cf. Ibid., p. 32. 81
Cf. Ibid., p. 8. 82
Cf. Ibid., p. 35-36, 58. 83
Cf. Ibid., p. 64-65. 84
A eclesiologia do Concílio Vaticano II, contida na Lumen Gentium, expressa uma visão de
Igreja como comunhão, e uma das conseqüências da Igreja em comunhão é a pastoral de conjunto,
que deve ser assumida por todos, inclusive pelos leigos e leigas (Cf. CD 17) que edificam o Corpo
Místico de Cristo (Cf. CD 16). A pastoral de conjunto revela esta unidade da Igreja. Agora não
existe mais lugar para o individualismo ou para iniciativas particulares. Nos somos a Igreja, o
Povo de Deus, o Corpo Místico de Cristo, o sinal da união íntima com Deus e com todos os
48
implantação da pastoral de conjunto na Igreja do Brasil. A Campanha da
Fraternidade deve integrar-se com todas as pastorais procurando levar os fiéis a
participar na solução de todos os problemas e a fortalecer a estrutura da Igreja
para cooperar com as reformas conciliares. Neste sentido, a Campanha da
Fraternidade é uma das grandes esperanças da Igreja no Brasil85
.
A preocupação eclesiológica continua presente na Campanha de 1966. O
tempo da quaresma, como tempo privilegiado de conversão, deve nos levar a
promover a unidade da Igreja a partir da sua relação pessoal com Cristo e da
adesão pessoal dos seus membros a ele, que realiza a íntima união dos homens
com o Pai e dos homens entre si86
. É por isso que o primeiro objetivo da
Campanha é fazer com que todos descubram que cristianismo é vida. Esta
descoberta mostra que todos somos Igreja, irmãos entre nós, filhos do mesmo Pai
e que devemos viver a fraternidade no serviço aos irmãos, principalmente os mais
pobres87
.
Jesus Cristo é o centro da unidade da Igreja e de toda a humanidade. Nele, a
humanidade supera o egoísmo, a divisão, a oposição, o pecado, e caminha para a
fraternidade, para a vivência da filiação divina. Ele, pelo sangue derramado, fez a
aliança da humanidade com Deus, realizando o desejo divino de que todos
encontrem nele a salvação e a amizade divina88
.
Para que isso seja possível, a campanha retoma as campanhas anteriores,
propõe renovar Dioceses e Paróquias conforme o espírito do Concílio e o Plano de
Pastoral de conjunto, o que começa com a renovação da consciência dos fiéis,
homens. Somos povo e não massa ou mera multidão. Temos objetivos comuns, a finalidade última
da nossa existência é a mesma, apesar de apresentar-se de inúmeras formas.
Somos Corpo de Cristo, um corpo, único, orgânico, que tem um único objetivo: a Vida. Devemos
viver a unidade para manifestarmos a Unidade da Trindade.
Somente a unidade da ação pastoral, que é a busca multiforme da realização de um único objetivo
geral, Evangelizar, realiza todos os elementos que são propostos pela eclesiologia do Vaticano II.
Esta unidade da Igreja deve respeitar as diferenças que existem dentro dela. De fato, existem
muitos dons, mas um só é o Espírito que os suscita (Cf. 1Cor 12, 4). Na Igreja existe uma grande
diversidade de ministérios e ambos só encontram o seu sentido quando participam da construção
do todo, que é o Reino de Deus. Porém, devemos levar em consideração que as diferenças não
existem à toa. Se elas existem e foram suscitadas pelo Espírito Santo, é porque elas são essenciais
para a obra do Reino, de modo que essas diferenças precisam ser respeitadas e valorizadas. 85
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966. p. 8, 36. 86
Cf. Ibid., p. 36. 87
Cf. Ibid., p. 44, 52, 56. 88
Cf. Ibid., p. 39, 42.
49
para que se sintam membros da Assembléia dos batizados, formando um povo,
convocado para a marcha em direção à casa do Pai89
.
Algumas conseqüências práticas dessas afirmações são:
o amor nos torna missionários que se fazem notar pelos seus sinais neste
mundo de egoísmos e conflitos90
;
necessidade de testemunho de vida, que leve as pessoas a perceberem
pela nossa prática que somos uma família reunida, ligados por um
intenso amor, que somos assembléia e comunidade91
;
necessidade do diálogo com o mundo para testemunhar a fé e ser
presença dela entre as pessoas, dando testemunho da palavra de Deus no
meio em que vivemos92
.
Tudo isso vai promover uma ação educativo-evangélica que tem por
finalidade dar aos fiéis a oportunidade de participar de modo prático e concreto na
comunidade eclesial93
. Uma das finalidades da Campanha da Fraternidade é
colaborar para a renovação da Igreja94
.
Todos são chamados a ser membros vivos deste povo e nele se encontram
visivelmente na medida em que vivem o próprio batismo, renunciando ao mal e
renovando sua adesão pessoal a Cristo através da comunidade Igreja. O sinal
visível para o mundo desta assembléia de batizados é a caridade, que realiza a sua
transfiguração, os une a Cristo e revela a santidade presente em todos,
despertando naqueles que não participam da Igreja o desejo de unirem-se a ela95
.
O batismo torna o cristão luz do mundo, testemunha de Cristo e capaz de
ver no próximo outro Cristo. A Campanha da Fraternidade quer recordar esta
verdade: todos são irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus e devem fazer
do tempo quaresmal uma oportunidade para a renovação da graça que recebem
com esse sacramento96
.
89
Cf. Ibid., p. 10, 38, 65. 90
Cf. Ibid., p. 37. 91
Cf. Ibid., p. 39. 92
Cf. Ibid., p. 42, 43. 93
Cf. Ibid., p. 10. 94
Cf. Ibid., p. 55. 95
Cf. Ibid., p. 39, 40. 96
Cf. Ibid., p. 50, 51, 65,
50
Outra expressão desta comunhão que deve existir na Igreja é o sacramento
da Eucaristia. Todos chamam a Eucaristia de comunhão, participação na mesma
comunidade, unidade formada pela união entre todos os cristãos, expressão da
caridade, do amor fraterno, do reconhecimento da presença de Cristo no próximo.
Na sua celebração, todos se tratam como irmãos e se apresentam a Deus como
família, o que deve ser uma expressão da vida de todos, para que não seja uma
mentira, pois a celebração deve ser traduzida em gestos de comunhão humana.
A Eucaristia gera sentimentos de liberdade, filiação, e não escravidão. Na
Eucaristia, continuação da multiplicação dos pães na Igreja, próprio mistério da
Igreja que vive este sinal, se realiza e pereniza a plenitude da Promessa. É a
própria vitória, na Igreja, do Mistério Pascal, a continuação do “Pão vivo que
desceu do céu tanto no sentido da Palavra evangélica como da presença
sacramental, que realiza a plena comunhão de vida com o Pai e entre nós, em
Cristo, no dom do Espírito Santo, pela mediação visível da Igreja”97
.
A partir destas reflexões, a Campanha da Fraternidade se encaminha para o
gesto concreto, que é a coleta. Esta se faz necessária inicialmente devido à falta
quase permanente de recursos, seja por causa da pobreza, seja por falta de
formação da consciência de pertença eclesial e co-responsabilidade na ação da
Igreja para a colaboração sistemática dos que podem contribuir. Para superar esta
dificuldade, a Campanha da Fraternidade realiza uma coleta em todo o Brasil, no
domingo da Paixão, cujos recursos serão utilizados de acordo com um plano a ser
apresentado à comunidade. A coleta deve ser um sinal, uma prova concreta de que
cada fiel é membro vivo e responsável por sua comunidade98
.
Todos são convidados a participar da coleta, contribuindo para a renovação
da Igreja, a realização do seu trabalho apostólico e para a ajuda aos pobres99
. Esta
participação é fruto do jejum e da abstinência quaresmal, de privações de coisas
supérfluas e de ocupação de parte do tempo livre para contribuir eficazmente para
os movimentos de caridade e para a obra evangelizadora da Igreja. Assim os
recursos obtidos permitirão um impulso novo e mais amplo à ação apostólica e
97
Cf. Ibid., p. 45-46. 98
Cf. Ibid., p. 57-59. 99
Cf. Ibid., p. 54, 61.
51
social da Igreja, e as novas responsabilidades advindas do Concílio e do Plano de
Pastoral de Conjunto poderão ser assumidas100
.
Por fim, a Campanha da Fraternidade de 1966 trabalha também a questão
metodológica e o envolvimento dos fiéis leigos101
. A Coordenação Nacional da
Campanha da Fraternidade propõe um temário que pode ser adaptado pelos
Regionais e Dioceses e desenvolvido em sermões, artigos de jornais, programas
de rádio e volantes para serem distribuídos a fim de que as mensagens da
campanha cheguem ao maior número de pessoas e estas participem da coleta com
consciência da grandeza deste gesto102
. Esta divulgação deve acontecer também
em jornais-murais, nas escolas, nos colégios e principalmente nas homilias, que
devem ser adequadas para a formação dos fiéis que desejam ouvir a voz do seu
irmão dedicado ao sacerdócio e encontrar meios para refletir a própria vida em
todas as suas situações. As orações dos fiéis devem fundamentar-se nas idéias
desenvolvidas na homilia103
.
Também se torna clara a preocupação com as pessoas que irão trabalhar na
realização da Campanha da Fraternidade. Para isso, é preciso que haja uma
Comissão Executiva, com tempo para dedicar à Campanha e capacidade para
assimilar seu espírito e seus objetivos. São necessárias também equipes de
trabalho, compostas de dirigentes dos movimentos apostólicos e sociais e outros
grupos de influência local, que se reúnam para a própria preparação e para a
concretização da campanha e envolvam a comunidade, inclusive os doentes, que
podem contribuir com orações e sacrifícios104
.
Para a realização da coleta, é importante a distribuição de envelopes, no 4º
Domingo da quaresma, com uma folha explicativa dos objetivos da campanha e
esclarecimentos sobre as motivações para a doação. Esses envelopes não devem
ser distribuídos apenas na Igreja, mas ter pessoas preparadas e credenciadas para
visitar as famílias da Paróquia, que pode ser dividida em quarteirões ou zonas, a
fim de esclarecer pessoalmente o sentido da campanha e, se for oportuno, recolher
os envelopes do Domingo da Paixão105
.
100
Cf. Ibid., p. 7, 11, 19. 101
Cf. Ibid., p. 11. 102
Cf. Ibid., p. 15, 27, 28, 29, 32. 103
Cf. Ibid., p. 30, 31, 63. 104
Cf. Ibid., p. 13, 14. 105
Cf. Ibid., p. 15, 18.
52
Também é importante a elaboração de um relatório de avaliação, tanto da
Paróquia como da Diocese, do Regional e do Nacional para que se possa ter uma
visão de conjunto da Campanha da Fraternidade. Na avaliação deve ser
apresentado, por um membro leigo da Comissão executiva, o resultado da
coleta106
.
A mudança de enfoque da Campanha da Fraternidade de 1966, passando da
renovação da Igreja para a renovação do cristão, criou um número muito grande
de necessidades novas e mostrou a inviabilidade da preparação, realização e
avaliação da Campanha da Fraternidade serem feitas apenas pelos bispos. A partir
desta Campanha, muitas coisas novas vão surgir e o processo começará a ser mais
participativo.
Isso vai fazer com que, na prática, uma nova eclesiologia vai começar a se
tornar presente na Campanha da Fraternidade. Aos poucos saímos de uma visão
de Igreja voltada para a instituição para criar uma eclesiologia de comunhão.
Porém, o assunto não é discutido nas folhas volantes, de modo que aqui se trata
mais de uma questão prática do que uma reflexão eclesiológica que traz mudanças
na forma de realização da Campanha da Fraternidade.
2.3.1.4. A Campanha da Fraternidade de 1967
Teve como tema: “Co-responsabilidade”, e como lema: “Somos todos
iguais, somos todos irmãos”.
A Campanha da Fraternidade de 1967 sublinha, inicialmente, que todos
devem ter em vista o momento eclesial de então no qual, para levar a efeito as
conclusões do Concílio Vaticano II, a CNBB elaborou o 1º Plano de Pastoral de
Conjunto, que exige reformas nas estruturas temporais, a criação e a dinamização
de movimentos apostólicos e sociais adaptados à época. A Campanha da
Fraternidade é vista pela Igreja como um importante meio para que essas reformas
aconteçam107
.
A Campanha da Fraternidade de 1967 tem por objetivo reativar a
consciência de que todos são membros do povo de Deus, co-responsáveis por toda
a comunidade da Igreja local, diocesana, nacional e universal. Também são
106
Cf. Ibid., p. 17, 18. 107
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. Mimeografado, p. 1, 6.
53
chamados a servir a todos os homens, especialmente os pobres. Para isso, é
necessário dar aos fieis a oportunidade, entre outras, de participarem de modo
prático e concreto na Comunidade Eclesial e desenvolver entre os movimentos,
organismos e obras apostólicas e sociais sob responsabilidade da Igreja, a
mentalidade de ação conjunta (planejamento e coordenação). Também é
importante divulgar a ação apostólica e social da Igreja e dar um impulso novo a
esta ação108
.
A Campanha da Fraternidade é um poderoso instrumento para que a Igreja
consiga a disponibilidade de pessoal e os recursos financeiros necessários para
que essa renovação aconteça. Embora o Brasil seja um país pobre, e as obras
sociais e apostólicas da Igreja não possam manter-se por si mesmas, uma
organização corajosa e otimista, que estabeleça objetivos concretos e adote a
firme decisão de usar os meios propostos pode contribuir para a conquista dos
recursos financeiros de que tanto necessita109
.
O tempo da quaresma traz consigo forte apelo à conversão, adesão a Jesus
pela fé, esperança e caridade, e por isso é adequado para a formação da
consciência dos fiéis. Por isso, ele colabora para a contribuição financeira em prol
das obras de caridade e de promoção humana, como também evangelizadora e
civilizadora da Igreja, pois esta pode ser fruto do jejum e da abstinência
quaresmal. Para este processo de conversão, é importante salientar as
conseqüências da pobreza, como a marginalização que multiplica as sementes do
ódio e negam a verdade do amor fraterno. Também deve ficar claro que a
participação de todos na solução dos problemas locais significa participação na
superação dos problemas regionais e nacionais, e uma das formas de participação
é o fortalecimento das estruturas da Igreja110
.
Os recursos financeiros obtidos pela Campanha da Fraternidade devem ser
distribuídos da seguinte forma:
45% para a paróquia
35% para da diocese
10% para o Regional da CNBB
108
Cf. Ibid., p. 8-9. 109
Cf. Ibid., p. 1, 4, 5, 7. 110
Cf. Ibid., p. 6, 9.
54
10% para a manutenção da CNBB111
.
A metodologia da Campanha da Fraternidade também é abordada nas folhas
volantes. O primeiro tema analisado é o da Comissão Executiva Diocesana, que
deve dispor de tempo para dedicar à campanha, saber trabalhar em equipe e
assimilar o espírito dos objetivos da Campanha da Fraternidade, na linha do
Vaticano II112
. Esta Comissão deve ser representativa das forças vivas da
Paróquia, das várias classes sociais e das instituições educacionais113
. Também
são analisadas as equipes de trabalho, que devem atingir os membros de
associações religiosas, confrarias, grupos de Ação Católica, etc., assim como
pessoas afastadas da Igreja e os não católicos, porém evitando animosidade em
relação às pessoas abordadas, que traz consigo aborrecimentos e desgastes114
.
Uma novidade apresentada é o Comitê de Honra, que possa contar com
católicos que exercem grande influência sobre a comunidade. Deve ser composta,
se for o caso, o juiz, o médico, o farmacêutico, o industrial, representante de
associações de classe, sob a presidência do católico mais influente de sua
paróquia, aprovado pelo pároco, e obter, inclusive através dele, a participação de
outros nomes de prestígio115
. É interessante uma análise sobre a criação deste
Comitê de Honra, pois é possível verificar que, se por um lado amplia a
participação do laicato na realização da Campanha da Fraternidade, por outro é
possível perceber um modelo de Igreja que faz acepção de pessoas em vista da
conquista dos objetivos propostos. Também podemos perceber que ainda traz
resquícios do tempo do padroado porque continua submissa ao poder temporal,
não mais ao poder político, mas ao poder social e econômico em vista da
satisfação de suas necessidades materiais. O Comitê de Honra é um poder
figurativo que rende. Na verdade, ele nunca foi implantado nas Dioceses.
A metodologia também deve ser levada em consideração, principalmente
porque da sua utilização podem depender os resultados da Campanha, como atesta
a Igreja de Manaus que, a partir da sua organização, na campanha de 1966,
conseguiu um resultado dez vezes maior que na campanha anterior, superando
111
Cf. Ibid., p. 7. 112
Cf. Ibid., p. 13. 113
Cf. Ibid., p. 18 114
Cf. Ibid., p. 19-20. 115
Cf. Ibid., p. 17.
55
muitos centros mais ricos116
. A Campanha da Fraternidade deve ser preparada
para que tenha êxito. Para isso, devem ser promovidas reuniões com o clero e com
as forças vivas da Diocese e da Paróquia para estudo dos objetivos da Campanha
da Fraternidade, promovidas pela Comissão Executiva Diocesana, que deve
também formar as Equipes de Trabalho e as Comissões Especiais117
, que devem
planejar suas atividades118
.
Para a divulgação da Campanha, deve ser utilizado o cartaz, a ser afixado
em igrejas, lojas, bancos e em locais de reunião de grande público. Também é
importante a divulgação dos resultados da Campanha anterior119
, acompanhada de
um agradecimento público da parte do bispo diocesano120
.
A Campanha da Fraternidade de 1967 apresentou uma pobreza maior na
elaboração das Folhas Volantes. A reflexão doutrinal-teológica é mínima e, na sua
maioria, são repetições do ano anterior. Os subsídios dão maior importância para
o aspecto organizacional da Campanha.
116
Cf. Ibid., p. 5. 117
Embora esse assunto já seja tema de discussão, a criação das equipes não aconteceu de
imediato. A criação de equipes diocesanas de Campanha da Fraternidade apenas começou a ser
efetivada quando o Regional Sul 1 da CNBB (Estado de São Paulo) convidou o Professor Luiz
Antonio de Souza Amaral para trabalhar a Campanha da Fraternidade de 1982, que teve como
tema “Fraternidade e Educação”. O Professor Amaral desenvolveu um bom trabalho e, por isso,
foi convidado para assumir a coordenação da Campanha da Fraternidade no Regional.
A sua preocupação imediata foi a organização de equipes de Campanha da Fraternidade nas
Dioceses, que fossem permanentes e tivessem condições de trabalhar a metodologia da Campanha
independentemente do tema e do lema, envolvendo a Igreja local e as pastorais na realização da
Campanha. A partir daí, as Dioceses do Estado de São Paulo procuraram organizar as suas equipes
e, aos poucos, os resultados foram aparecendo. Em 1997, o Pe. José Adalberto Vanzella integrou a
Equipe de Campanha da Fraternidade da Diocese de Taubaté e iniciou um trabalho conjunto com o
Professor Amaral.
Em novembro de 2000, o Pe. Vanzella assumiu a Secretaria Executiva da Campanha da
Fraternidade da CNBB e levou a experiência do Regional Sul 1 para os demais Regionais da
CNBB dando início a um trabalho de criação de Equipes Regionais da Campanha da Fraternidade,
de modo que as Equipes multiplicaram-se rapidamente. Também foi desenvolvido um trabalho de
treinamento das Equipes de Campanha da Fraternidade com a finalidade de capacitar os agentes
para o desempenho do trabalho de planejamento, animação, execução e avaliação da Campanha da
Fraternidade. Este trabalho foi continuado pelo Cônego José Carlos Dias Tóffoli, da Diocese de
Marília, que substituiu o Pe. Vanzella em agosto de 2003. Em junho de 2007, o Pe. Vanzella
reassumiu a Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade. Mas este trabalho, até o presente,
não atingiu ainda todos os Regionais da CNBB e, conseqüentemente, muitas Dioceses ainda não
têm Equipes de Campanha da Fraternidade sendo que, em muitas delas, por opção do Bispo
Diocesano. 118
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. p. 23. 119
Os resultados da coleta nacional da Campanha da Fraternidade passaram a ser divulgados a
partir de 1998, pela Caritas Brasileira. Porém, no que diz respeito às Dioceses, são poucas as que
tornam público o resultado e a aplicação dos recursos auferidos pela Campanha da Fraternidade
até o presente. 120
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. p. 29.
56
2.3.1.5. A Campanha da Fraternidade de 1968
Teve como tema: “Doação”, e como lema: “Crer com as mãos”.
Esta Campanha apresenta uma novidade: as Folhas Volantes são
substituídas pelo Documento Base.
O Documento Base inicialmente expõe o fato de que o monsenhor Franz
Hongsbach, bispo de Essen e presidente da “Ação Adveniat” afirmou que a Igreja
no Brasil sofre de pauperismo como conseqüência muito mais da falta de
consciência e de responsabilidade do seu povo pela Igreja do que da falta de bens
materiais. Faltam pessoas empenhadas no apostolado, tanto sacerdotes e religiosos
como leigos. Afirmou também que os bispos brasileiros deveriam partir da
Campanha da Fraternidade para realizar, entre o povo brasileiro, um trabalho de
educação em vista da responsabilidade eclesial que teria como conseqüência a
superação do pauperismo121
.
O tempo da quaresma e dedicado ao jejum, à esmola e à oração. Embora os
fiéis tenham sido dispensados do rigoroso jejum de outrora, o espírito de
penitência deve continuar e, por isso, todos devem renunciar a algo de próprio uso
para ajudar o próximo de modo que a Igreja convida a cada um a responder com
amor ao grito angustiado do seu irmão122
.
Com isso, a Igreja convida cada cristão a crer com fé operante oferecendo,
cada assalariado, o salário de um dia, e o não assalariado, o que gasta em um dia
de feriado, para o custeio das atividades sociais e apostólicas da Igreja. Tal oferta
deve ser colocada em envelopes entregues nas missas ou nas casas e recolhidos
em cofres com enfeites de uva e trigo, colocados nas portas principais das igrejas,
sendo que um dos cofres pequenos deve ser levado na procissão do ofertório após
as galhetas e hóstias, permanecendo no altar durante a missa123
. Ao mesmo tempo
em que a coleta é realizada, é necessária também a denúncia da exploração
financeira de certas devoções que trazem a consolação, arrecadando muito e
mantendo as igrejas cheias124
. Esse tipo de exploração depõe contra a Igreja
Católica e prejudica a realização da Campanha da Fraternidade.
121
Cf. CNBB. Documento-base CF 1968. Mimeografado, p. 32. 122
Cf. Ibid., p. 9, 20. 123
Cf. Ibid., p. 5, 7. 124
Cf. Ibid., p. 26.
57
O episcopado em geral não parece muito preocupado com a Campanha da
Fraternidade. Em meio a temores de um tecnicismo na realização da Campanha da
Fraternidade que dificultasse a formação da consciência e o medo de reformas, o
assunto é quase deixado de lado. Na 8ª Assembléia Geral da CNBB, que
aconteceu entre os dias 06 e 08 de maio de 1967, o assunto foi abordado apenas
em uma comunicação de uma Comissão encarregada de estudar a Campanha da
Fraternidade. Esta Comissão decidiu não apresentar nenhuma modificação
substancial na Campanha da Fraternidade de 1968125
, o que justifica o fato de
acontecer apenas uma mudança substancial desta Campanha, que foi o surgimento
do Documento Base. Este assunto não voltou a ser discutido na 9ª Assembléia
Geral da CNBB, que aconteceu no ano seguinte no Rio de Janeiro.
É importante salientar que a Campanha da Fraternidade parece totalmente
desvinculada dos fatos da época, sejam da sociedade, como a perseguição contra a
Igreja por parte dos militares, seja da própria Igreja, como a Conferência de
Medellín, que vai procurar caminhos para a implantação das decisões do Concílio
Ecumênico Vaticano II no continente latino-americano.
2.3.1.6. A Campanha da Fraternidade de 1969
Teve como tema: “Descoberta”, e como lema: “Para o outro, o próximo é
você”.
Embora muitas vezes tenha deixado a imagem de um instrumento de
captação de recursos para a manutenção e ampliação da máquina burocrática da
hierarquia, a Campanha da Fraternidade é eminentemente evangelizadora, e quer
despertar o verdadeiro sentido de Igreja na sua catolicidade que deve ser vivida na
fraternidade, buscando a promoção humana e cristã de todos126
. A sua finalidade
essencial é ser uma campanha educativa da consciência de Igreja, desenvolvendo
o senso de responsabilidade para uma participação apostólica e social como
expressão da mais autêntica vivência da missão cristã127
.
125
Cf. CNBB, ATAS NÚMERO 2. Ata da VIII Assembléia Geral da CNBB, Aparecida, 06 a 08 de
maio de 1967, Ata do dia 08 de maio, página 4. Esta ata é datilografada e está disponível em
versão original no Centro de Documentação e Informação da CNBB na sua sede, em Brasília. 126
Cf. CNBB. Documento-base CF 1969. Mimeografado. p. 2, 7. 127
Cf. Ibid., p. 6.
58
Influenciada pela publicação da Populorum Progressio de Paulo VI, a
Campanha da Fraternidade de 1969 abordou a questão do desenvolvimento vendo
nele um grave problema, sendo que suas dimensões precisam ser aprofundadas,
principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento solidário da humanidade e
ao desenvolvimento integral do homem. Acima da solução técnica, é preciso criar
uma nova mentalidade que dê ao homem uma nova visão, possibilitando a
construção do social numa perspectiva de solidariedade e de fraternidade128
. Essa
mentalidade se fundamenta no serviço, no diálogo e na solidariedade e a
Campanha da Fraternidade pode apresentar metas mais altas e exigentes para esse
desenvolvimento129
. Devemos nos aproximar dos outros “sem esperar que nos
chamem” (ES 4), em espírito de amizade e serviço para estabelecer comunhão,
relações de caridade e cooperação na construção do bem comum e na ajuda da
promoção pessoal, da descoberta de Cristo e da sua Igreja e também no diálogo
inter-religioso130
.
Tudo isso vai contribuir para a educação em vista de uma ética social
voltada para a solidariedade universal, criando laços de amizade e de fraternidade
em uma comunidade humana verdadeiramente universal que una grupos e nações
na ajuda mútua e no amor desinteressado131
.
Esta experiência será para alguns a descoberta da Igreja e para outros a
oportunidade para uma vivência mais profunda da fraternidade que se abre para as
carências materiais e espirituais do próximo. Ao mesmo tempo representará uma
experiência mais profunda de vida eclesial que possibilita a vivência do próprio
cristianismo num profundo espírito fraterno. Durante a quaresma, a Campanha da
Fraternidade nos convida a “tornar mais humana a família dos homens” (GS 4),
tornando realidade a fraternidade para que todos possam viver livremente (PP
47)132
.
Partir o Pão para celebrar a Páscoa significa repartir o pão terrestre. O amor
expresso na Eucaristia nos impele a colaborar com a salvação do mundo e com a
construção da fraternidade. O amor mais forte que a morte é aquele que sabe amar
até morrer. Aquele que ama colabora com Deus na libertação do mundo, na
128
Cf. Ibid., p. 8. 129
Cf. Ibid., p. 9. 130
Cf. Ibid., p. 26-27. 131
Cf. Ibid., p. 9. 132
Cf. Ibid., p. 6, 18.
59
ascensão gradativa da comunidade humana de quem Cristo é a energia
vivificadora e ressuscitadora, “o principio e o fim”133
.
A ação catequética e litúrgica se orienta no sentido de as comunidades
eclesiais atingirem uma consciência mais nítida de sua relação sacramental, de
serem sinal e fermento de plenificação em Cristo, da fraternidade entre todos os
homens e se abrirem para o mundo para manifestar o Cristo, como sinal e
fermento. Deve também conduzir os fiéis à co-responsabilidade entre hierarquia e
laicato e entre a hierarquia nos âmbitos diocesano, regional e nacional, como
serviço ao povo de Deus134
.
A ação catequética e litúrgica deve ainda levar a comunidade a preparar o
gesto concreto da Campanha da Fraternidade, ou seja, a coleta, tanto na sua
preparação prática como na formação sobre o seu significado mais profundo e o
seu alcance. Isso deve ser fruto da penitência quaresmal e forma de contribuição
eficaz para os movimentos de caridade e promoção humana, assim como para a
obra evangelizadora da Igreja. Como ponto alto da Campanha da Fraternidade,
deve informar a destinação dos fundos levantados e procurar caminhos para a
continuidade do gesto concreto. Os fiéis também devem ser informados sobre a
organização da Igreja e sobre as necessidades do povo. Quanto à destinação dos
fundos e dos serviços oferecidos, podem eles servir:
1. à promoção das comunidades;
2. à assistência aos necessitados;
3. às obras de evangelização, catequese, liturgia, coordenação pastoral,
formação de pessoal etc.135
.
2.3.1.7. A Campanha da Fraternidade de 1970
Teve como tema: “Participação”, e como lema: “Ser cristão é participar”.
A Campanha da Fraternidade é uma campanha educativa da consciência da
Igreja para desenvolver o senso de responsabilidade que gera uma intensa
movimentação apostólica.
133
Cf. Ibid., p. 34-35. 134
Cf. Ibid., p. 2, 7. 135
Cf. Ibid., p. 8, 11, 12.
60
Os objetivos concretos propostos pela Paróquia ou Diocese se constituem no
ponto de partida para educar a comunidade, pois o evangelho deve ser pregado a
partir da realidade, de problemas vivos e sentidos, e não de idéias abstratas. Os
fatos se constituem em pontos de partida para uma efetiva evangelização
extraordinária e maciça da comunidade cristã. A Campanha da Fraternidade
procura, através do fato social concreto, criar uma nova mentalidade, colocando
este fato na perspectiva da solidariedade e da fraternidade, segundo as exigências
do Evangelho, dando à comunidade, a partir de um objetivo concreto,
oportunidade de ação para a solução de um problema vivo de ordem pastoral ou
social136
.
Uma das grandes forças pastorais da Campanha da Fraternidade encontra-se
no uso dos meios de comunicação social para tornar-se um instrumento
extraordinário de pastoral comunitária no melhor estilo de apostolado de opinião
pública. Este apostolado deve levar a sociedade a desenvolver sentimentos
profundos e autênticos de amor fraterno a partir de uma imagem que fale ao
homem hodierno dentro das características de cada veículo de comunicação,
realizando assim tanto os seus próprios objetivos como os objetivos do Plano de
Pastoral de Conjunto137
.
Para a realização da coleta, é importante que inicialmente, no planejamento
da Campanha da Fraternidade, seja feita uma consulta às comunidades sobre a
aplicação do óbolo quaresmal. Assim, identificamos o fato concreto que solicita a
atenção e gera busca efetiva em comum da fraternidade, motivando o gesto
concreto de doação que leva o fiel a vencer a avareza e o egoísmo e a um
engajamento efetivo na promoção da fraternidade entre os homens como
expressão da própria conversão e aprofundamento da vivência evangélica. A partir
disso, devemos criar a consciência de que é mais meritório perante Deus, que
recompensa quem dá sem esperar retribuição.
A Campanha afirma que todos devem conhecer a destinação da oferta e isso
exige clareza e transparência da Igreja nas Paróquias, Dioceses, Regionais e no
136
Cf. CNBB. Documento-base CF 1970. Mimeografado. p. 7, 9, 17. 137
Cf. Ibid., p. 8, 11, 19, 20.
61
Nacional, de modo que a prestação de contas de todos os valores auferidos pela
Campanha da Fraternidade e da aplicação desses recursos é indispensável138
.
2.3.1.8. A Campanha da Fraternidade de 1971
Teve como tema: “Reconciliação”, e como lema: “Reconciliar”.
A Campanha da Fraternidade realiza-se especialmente nas paróquias que
encontram no povo e nos subsídios a oportunidade de participar de um raro
momento de unidade na pastoral orgânica da Igreja no Brasil e a possibilidade de
unir forças para a solução de seus problemas. Todos devem acreditar na
Campanha da Fraternidade, imbuir-se de sua mística e estudar o documento-base
para a própria capacitação através de uma reflexão teológico-pastoral mais
prolongada, para que possam corresponder às novas exigências da campanha, que
cresce a cada ano, principalmente devido ao conhecimento de seus métodos que
unem clero e laicato, fazendo da Igreja uma comunidade ativa e viva139
.
A Campanha da Fraternidade é uma missão popular pregada em todo o
território nacional, abrindo a Igreja à comunhão com todos para a realização de
uma evangelização anual extraordinária e maciça que leve os cristãos a realizarem
a justiça no mundo, tendo como fundamento a verdade e como sinal, a liberdade
(DM I, 3). Como campanha evangelizadora, procura desenvolver a consciência
eclesial e a responsabilidade perante a comunidade na construção do mundo,
unindo todas as pessoas na luta pela verdade, pela justiça e pelo bem140
.
Por englobar a edificação da Igreja e a construção do mundo, a Campanha
da Fraternidade convoca os leigos naquilo que lhes é específico: imbuir do
espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da sua
comunidade de vida (Cf. PP 81) para realizar o reino da justiça, da paz, da
liberdade e do amor, entregando-se a Deus no serviço dos homens. Esta
convocação, que deve ser vista como uma forma de assumir o dinamismo novo
dado pela graça batismal, está sendo ouvida. O engajamento dos leigos está
aumentando de ano para ano, dando origem a novas frentes de trabalho que
respondem às exigências conjunturais do nosso tempo e criam novas relações com
138
Cf. CNBB. Ibid., p. 10, 13, 14. 139
Cf. CNBB, Documento-base CF 1971, Mimeografado. p. 3, 6. 140
Cf. Ibid., p. 7, 8, 9, 12.
62
Deus e com os irmãos. Assim, cada pessoa, a partir das suas aptidões e carismas
particulares, contribui para que a Igreja realize a sua missão (Cf. DM I, 4)141
.
A Igreja, segundo as perspectivas de renovação do Vaticano II, busca o
engajamento na promoção humana e traz à memória o compromisso secular com a
educação do Brasil, que nos desafia até os dias de hoje. Por isso, a Campanha da
Fraternidade propõe como movimento de conjugação de forças para o ano de
1971 a alfabetização de adultos. Precisamos alfabetizar o Brasil para tirar da
marginalidade os adultos analfabetos142
.
Antes de realizar o trabalho de alfabetização, é necessária a realização de
uma propaganda que, para ser eficiente e viável, deve ser padronizada em todo o
território nacional. A partir do sábado e domingo de carnaval, é de fundamental
importância que a propaganda seja intensificada nas igrejas, tanto para a inscrição
como para pedidos de oferta de local, condução, material, etc. Para isso, um meio
a ser utilizado é a colocação de faixas em locais públicos com os seguintes
dizeres: RECONCILIAR-SE COM QUEM NÃO SABE LER É ENSINÁ-LO A
LER. Esta propaganda atinge o seu auge na Quarta feira de cinzas, inclusive com
o uso dos meios de comunicação social. Na semana seguinte, são abertas as
inscrições para alfabetização e acontece a convocação de voluntários para o
exercício do magistério. As comunidades religiosas também são convidadas a dar
a sua contribuição143
.
Os meios de comunicação são capazes de atingir multidões e a sociedade
humana inteira e não podem ser negligenciados na tarefa de propagar e firmar o
Reino de Deus (Cf. IM 1-2). Por isso, o seu uso durante a quaresma é necessário
para que a Campanha da Fraternidade se torne um instrumento extraordinário de
pastoral comunitária e de formação catequética e litúrgica, levando a sociedade a
sentimentos profundos e autênticos de amor fraterno144
.
A Campanha da Fraternidade deve motivar a conversão para uma vivência
mais intensa da graça batismal através da renúncia ao pecado e de uma vida mais
fraterna, manifesta também pela reconciliação. Esta conversão deve também
significar doação de si, da qual a coleta da fraternidade é uma expressão e um
141
Cf. Ibid., p. 10, 11, 16, 66. 142
Cf. Ibid., p. 12-13, 20, 21. 143
Cf. Ibid., p. 21, 23, 24, 25, 28, 29. 144
Cf. Ibid., p. 8-9, 10, 12.
63
caminho para superarmos a miséria, realidade anti-evangélica (Cf. DM I, 1-16),
expressão da injustiça presente na nossa sociedade e causa de violência145
.
Os párocos devem escolher cinco coordenadores que participarão do curso
diocesano de formação para depois realizarem reuniões e simpósios que tenham
por finalidade discutir um problema vivo da comunidade para, a partir dele,
mostrar os objetivos da campanha. Assim, motivarão elementos da Paróquia para
descobrir e realizar atividades para o bem da comunidade146
.
Pela primeira vez, nós vemos o material da Campanha da Fraternidade
apresentar textos do magistério, seja pontifício, como é o caso da Populorum
Progressio, seja do CELAM (Documento de Medellín), porém não reflete sobre
os textos citados, de modo que os mesmos são utilizados apenas para legitimar as
propostas da Campanha.
Também é importante percebermos que o Documento base, que ainda não é
o texto base, conforme vimos no item 1.3, não se abre para as discussões que
estão acontecendo na época como conseqüência do momento eclesial pós
conciliar, da realidade brasileira, marcada pelo regime de exceção e não leva em
consideração o surgimento e crescimento da Teologia da Libertação na América
Latina. Simplesmente se limita a expor a própria proposta de ação. Os grandes
problemas do país e as discussões sobre as dificuldades e os desafios na atuação
da Igreja, como os convênios estabelecidos com o governo, no caso da
Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB e do MEB estão
presentes nas assembléias gerais, mas estão longe da Campanha da Fraternidade,
que trabalha sempre as mesmas questões.
2.3.1.9. A Campanha da Fraternidade de 1972
Teve como tema: “Serviço e vocação”, e como lema: “Descubra a felicidade
de servir”.
Os bispos afirmam que a história da Campanha da Fraternidade nos mostra
que ela é um privilegiado momento de ação e unidade pastoral visando despertar e
formar o espírito comunitário cristão a partir de um objetivo concreto. É uma
campanha curta com prazos fixos: o tempo litúrgico da quaresma. Ela está
145
Cf. Ibid., p. 14-18. 146
Cf. Ibid., p. 30, 57, 58, 61,63.
64
inserida na pastoral de conjunto, o que lhe garante a continuidade e
aprofundamento e mobiliza todos os agentes de pastoral, lançando mão de todos
os meios disponíveis. O fato de a Campanha da Fraternidade acontecer durante o
tempo quaresmal não prejudica, antes contribui para a vivência espiritual deste
tempo de conversão147
.
Esta história, embora reconhecidamente marcada por lacunas, trouxe para a
Igreja um saldo expressivo de educação comunitária, de modo que a Campanha da
Fraternidade é uma realidade pastoral irreversível. A experiência de oito
campanhas realizadas trouxe o aperfeiçoamento tanto da sua realização como da
assessoria nacional148
, além de possibilitar à Igreja do Brasil a colheita de muitos
frutos149
, não explicitados pelos bispos, e deixar a esperança de bons resultados
com a realização da Campanha de 1972150
.
Para que haja integração entre a Campanha da Fraternidade e a pastoral
orgânica, é necessária a observação dos seguintes pontos:
1) O objetivo geral da CF é o mesmo objetivo geral do PPC.
2) A CF é um instrumento extraordinário que, em tempo oportuno, quer
intensificar a realização de objetivos ou fins específicos do PPC.
3) A determinação desses objetivos deve brotar da reflexão conjunta dos
órgãos pastorais da CNBB.
4) A CF situa-se estruturalmente como ÓRGÃO INTERSETORIAL a
serviço das linhas151
, em dependência direta do Conselho Episcopal de
Pastoral.
147
Cf. CNBB, Manual CF 1972, Mimeografado p. 4, 5, 6. Cf. VANZELLA, J. A. Verbete
Campanha da Fraternidade in VVAA. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 98-
99. 148
Já existente desde 1967 e composta por um coordenador nacional e um diretor espiritual, e que
conta com a colaboração dos demais assessores da CNBB e dos coordenadores regionais da
Campanha da Fraternidade, a partir da reunião nacional que acontece anualmente. 149
Os coordenadores regionais reunidos no 5o Encontro dos Coordenadores Regionais da CF que
aconteceu na sede da CNBB no Rio de Janeiro entre os dias 20 e 22 de maio de 1971, afirmaram
que o tema reconciliar trouxe resultados fabulosos para a Igreja e que 50% das dioceses adotaram
o plano nacional de alfabetização. Houve muitos esforços para melhorar a CF como a procura de
material e subsídios litúrgicos, além da produção de subsídios locais. Cf. CNBB, Comunicado
Mensal no 224, de maio de 1971, p. 65-66.
150 Cf. CNBB, Manual CF 1972, p. 7, 8.
151 O Plano de Pastoral de Conjunto se apresentava como uma proposta acabada para colocar a
Igreja do Brasil no compasso das conclusões do Concílio Vaticano II. Possuía uma técnica de
planejamento adequada e inovadora além de uma abrangência teológica impressionante e
revolucionou o modo de fazer pastoral no Brasil, dando uma nova estrutura à CNBB, ao tomar os
65
5) Estes mesmos princípios se aplicarão analogamente em nível regional,
diocesano e paroquial152
.
O lema: Descubra a felicidade de servir mostra em primeiro lugar o serviço
não como escravidão, mas como liberdade de quem descobre a felicidade na
doação ao próximo, conforme nos ensina a “Oração de São Francisco”. Também
nos ensina o Concílio Vaticano II: “O homem desenvolveu-se em todas as suas
qualidades e pode corresponder a sua vocação mediante a comunicação com os
outros, pelas obrigações mutuas, pelo dialogo com os irmãos” (GS 25). O ser
humano precisa aprender que “é mais feliz dar do que receber”153
.
A felicidade humana consiste em realizar o plano de Deus, vivendo a
fraternidade cristã pelo amor-serviço. Jesus Cristo se fez homem para nos ensinar,
pessoalmente, esta verdade. Ele é a motivação para esta Campanha da
Fraternidade, não só por suas palavras, mas também pelo seu exemplo, tornando-
se modelo para todos nós. Devemos mostrar este Cristo vivendo no mundo de
hoje através do cristão, na adesão a ele e na realidade concreta de cada um154
.
principais documentos do Concílio para criar as seis linhas fundamentais de ação em torno das
quais foi estruturada toda a ação pastoral:
Linha 1 – baseada na Lumen Gentium, dava as coordenadas para uma eclesiologia que, mais tarde,
ganharia o nome de comunhão e de participação;
Linha 2 – baseada na Ad Gentes, visava introduzir no Brasil a preocupação com o anúncio do
Evangelho além de suas fronteiras e reunir todas as iniciativas surgidas em torno do pólo
missionário;
Linha 3 – baseada na Dei Verbum, buscava tornar o cristão uma pessoa adulta, capaz de dar razão
de sua fé e de sua esperança. Mais tarde, essa linha ficou conhecida como bíblica e catequética;
Linha 4 – baseada na Sacrosanctum Conclilium, busca adequar toda a dimensão orante e
celebrativa da Igreja no Brasil às conclusões conciliares e dá novos rumos à liturgia;
Linha 5 – baseada na Unitatis Redintegratio e Nostra Aetate, trata do relacionamento da Igreja
Católica Romana com as outras Igrejas cristãs, advindas dos cismas antigos ou depois da reforma
protestante, e com as outras religiões não cristãs;
Linha 6 – baseada na Gaudium et Spes, leva a Igreja do Brasil à radicalidade em viver a evangélica
opção pelos pobres. 152
Estes pontos foram decididos no 5o Encontro dos Coordenadores Regionais da CF (Cf. CNBB,
Comunicado Mensal no 224, de maio de 1971, p. 70) e aprovados na reunião da Representativa da
CNBB e estão publicados no Comunicado Mensal no 227 de Agosto de 1971, p. 70. É importante
salientar que após esta reunião, a Campanha da Fraternidade deixou de ser um organismo próprio
ou uma iniciativa isolada para tornar-se uma atividade intersetorial de todos os órgãos pastorais e
esta decisão foi aplicada a partir da Campanha de 1972. A partir de então, e isso vigora até hoje, a
Campanha da Fraternidade é considerada uma atividade global da CNBB e vinculada diretamente
ao Secretariado Geral. 153
Cf. CNBB, Manual CF 1972, p. 8, 9. 154
Cf. Ibid., p 10-12.
66
A Campanha da Fraternidade de 1972 teve como objetivo motivar
fortemente o povo para descobrir, na mentalidade de serviço, a mensagem da
fraternidade, como fonte de felicidade155
.
Após a realização dessas Campanhas, encerra-se a primeira fase de sua
história, que enfocou a renovação da Igreja e do cristão. A Campanha da
Fraternidade, influenciada pelas grandes mudanças conjunturais que acontecem no
país e também pelas decorrências do Concílio Vaticano II, como as Conferências
do CELAM e as reflexões teológicas sobre a Igreja em geral e a realidade da
América Latina em particular, entra em uma nova fase, com um enfoque novo: a
realidade social do povo, o problema do pecado social e a necessidade da
promoção social. Esta mudança vai exigir que seja aprofundada a questão
metodológica da Campanha da Fraternidade, tendo como conseqüência o seu
desenvolvimento e o surgimento da estrutura que temos até os dias de hoje.
2.3.2. A segunda fase da Campanha da Fraternidade: Medellín, Puebla, a preocupação com a realidade social do povo, a denúncia do pecado social e a promoção da justiça
Em 1973, a Campanha da Fraternidade entra em uma nova fase, os seus
temas deixam de ser em torno da renovação da Igreja e do cristão e passam a ser
em torno da realidade social. Muitos fatores, tanto de natureza sócio-política como
eclesial e teológica, causaram esta mudança e garantiram a sua continuidade. O
Brasil vive um período de regime político de exceção, com a negação de direitos
políticos e sociais, aprofundamento da injustiça social com o aumento do acúmulo
de bens e o distanciamento entre ricos e pobres ficando cada vez maior, além da
violação dos direitos humanos. As Conferências do Episcopado latino-americano
procuram implantar no continente as propostas do Concílio, trazendo novos
modelos eclesiais e novas perspectivas de ação pastoral. Surge também a Teologia
da Libertação, que tem como lugar teológico o pobre. O conhecimento desses
elementos possibilita a compreensão do porquê da nova fase da Campanha da
Fraternidade, que irá perdurar até o ano de 1984. Nesta fase, a Campanha da
Fraternidade também completa o seu processo de construção metodológica, com a
155
CNBB. Datashow da celebração dos 40 anos da Campanha da Fraternidade ocorrida no dia 27
de abril de 2004, em Itaici, durante a Assembléia Geral dos Bispos do Brasil.
67
realização da Campanha de 1978, quando é adotado o Texto-base e o método Ver-
Julgar-Agir. Por isso, é necessária uma apresentação das Campanhas acontecidas
até 1978 para que possamos conhecer a Campanha da Fraternidade como tal, na
sua natureza, nos seus objetivos, nos seus conteúdos, nos seus subsídios e na sua
metodologia.
2.3.2.1. O momento histórico brasileiro
O trabalho de formação da opinião pública sobre a iminência de um golpe
comunista, desenvolvido entre 1963 e 1964, principalmente através de
movimentos financiados pelo capital estrangeiro, fez com que membros do
episcopado, numa reunião que aconteceu em maio de 1964 no Rio de Janeiro, com
a presença de todos os arcebispos do Brasil, juntamente com os membros da
Comissão Central da CNBB, expressassem sua confiança no novo governo militar
que se iniciava156
. Mas a violenta repressão, a injustiça social e os limites
impostos à Igreja pela Escola Superior de Guerra, buscando reluzi-la aos assuntos
estritamente religiosos e de foro íntimo e impedindo sua ingerência ou cooperação
em questões de justiça ou solidariedade humana, fez com que o episcopado
brasileiro mudasse de posição157
. Logo os conflitos entre a Igreja e a ideologia da
Escola Superior de Guerra começaram, envolvendo leigos e leigas, clérigos e
bispos. Assim, logo surgiram manobras de intimidação; censura no acesso aos
meios de comunicação social, acintes de todo gênero; intensas campanhas de
difamação sem conceder às vítimas a mínima chance de defesa; invasão de
instituições ligadas à Igreja, de residências paroquiais e episcopais; tentativas de
cooptação pela oferta de honrarias e condecorações; interpretações malévolas das
dimensões sociais do Evangelho; prisões e torturas, processos esdrúxulos;
deportações sumárias de estrangeiros; seqüestros, execuções e assassinatos. A
freqüência desses fatos acelerou-se a partir de 1968 e atingiu o seu clímax no
governo Médici. A partir do Ato Institucional n.o
5, a Igreja tornou-se, na prática,
a voz de quem não tem voz dentro do regime autoritário158
.
156
Cf. BARROS, R. C. “A CNBB e o Estado Brasileiro durante o interlúdio espartano” in INP,
opus cit. p. 171. 157
Cf. Ibid., p. 171-172. 158
Cf. Ibid., p. 171-174.
68
Durante o período da ditadura militar, a Igreja no Brasil viveu um de seus
momentos mais fortes de comunhão, de serviço à sociedade e de exercício da
missão, especialmente do profetismo. Enquanto as ondas renovadoras corriam o
risco de um certo triunfalismo, a vida nova no Espírito insuflada na Igreja do
Brasil pelo Vaticano II concedeu a ela a força e a coragem de renovar-se,
purificada pela dor e pelo sofrimento, despojada de elogios, reconhecimento e
conivência com os poderes constituídos. A Igreja, desde o início da década de
1970, concentrou seus esforços em quatro setores específicos: direitos humanos,
avaliação crítica do modelo econômico, agravamento do desafio agrário e
sobrevivência e respeito aos direitos da população indígena159
. Assim, a CNBB
buscou exercer, ante o Estado constituído, sua missão profética a partir de cinco
frentes de atuação: recusou-se a aceitar o tipo de relação entre Igreja e Estado
formulado pela Doutrina de Segurança Nacional, que permitia ao regime indicar a
maneira pela qual a Igreja deveria evangelizar; lutou contra a violação dos direitos
humanos, tanto os direitos fundamentais como os direitos políticos de qualquer
pessoa que pudesse ser considerada como hostil ao regime; procurou estar a
serviço dos pobres e necessitados; criou e montou instituições capazes de
contribuir para uma resposta a esses problemas, como a Comissão Brasileira de
Justiça e Paz – CBJP, a Comissão de Pastoral da Terra – CPT e o Conselho
Indigenista Missionário – CIMI; articulou-se com as instituições da sociedade
civil, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a Associação
Brasileira de Imprensa – ABI, as organizações empresariais e as organizações de
trabalhadores160
.
O período entre 1964 e 1978 foi para a Igreja no Brasil um período heróico,
mas o fervor missionário e a extrema docilidade ao Espírito que animou a Igreja,
neste intervalo de tempo, fizeram com que ela não esmorecesse161
.
Esses fatos contribuíram muito para uma mudança de ótica nos temas da
Campanha da Fraternidade a partir de 1973, mas a eles devemos acrescentar as
reações que surgiram no Brasil e na América Latina em relação ao Concílio
Vaticano II. Para tornar possível a compreensão da influência dessas reações na
159
Cf. Ibid., p. 181-185. 160
Cf. Ibid., p. 212-213. 161
Cf. Ibid., p. 214.
69
Campanha da Fraternidade, é importante, a título de informação histórica, uma
breve apresentação dessas reações.
2.3.2.2. Medellín, Puebla e a Teologia da Libertação
2.3.2.2.1. A discussão eclesial pós conciliar
O Concílio Vaticano II gerou uma série de publicações sobre eclesiologia
abordando múltiplos aspectos. No Brasil, o principal veículo utilizado na época
para esse fim foi a Revista Eclesiástica Brasileira – REB. Outra revista que trazia
artigos para a reflexão teológica neste período foi a Concilium, porém não trazia
artigos de teólogos brasileiros, de modo que a REB discutia melhor as questões
pertinentes à realidade brasileira. A título de ilustração, serão citados alguns
exemplos.
Sem sombra de dúvidas, um dos grandes pensadores da época foi o Frei
Boaventura Kloppenburg, de Petrópolis que, como vimos no capítulo anterior, foi
um dos poucos peritos brasileiros que participou do Concílio Vaticano II. Ele
abordou questões como a unidade da Igreja Católica e as múltiplas formas como
ela se apresenta162
; a presença da Igreja no mundo não deve ser um pequeno
número de eleitos no meio de uma multidão condenada, como se fosse uma seita,
mas sim atender aos sinais dos tempos, ser capaz de adaptar-se às novas situações
para que possa verdadeiramente se inserir e penetrar na realidade do mundo163
; os
novos acentos do Concílio Vaticano II e as tensões entre os tradicionalistas e os
progressistas164
e a questão da identidade e da missão da Igreja165
.
Outro autor que publicou artigos interessantes na REB foi o Pe. José
Comblin, do Instituto de Teologia do Recife – PE, que centrou a sua discussão na
vida religiosa, mas publicou também artigos interessantes sobre a vida em
162
Cf. KLOPPENBURG, B. “Pluralismo na Una e Única Igreja” in REB, vol. 27, fasc. 3,
Setembro de 1967, p. 610-641. 163
Cf. Id., “Por uma Igreja interpenetrada no mundo” in REB, vol. 28, fasc. 1, Março de 1968, p.
22-45. 164
Cf. Id., “Tradição e Progresso no Equilíbrio do Vaticano II” in REB, vol. 28, fasc. 4,
Dezembro de 1968, p. 793-810. 165
Cf. Id., “A Natureza e a missão da Igreja” in REB, vol. 29, fasc. 4, Dezembro de 1969, p. 785-
837.
70
comunidade analisando a evolução do conceito de comunidade no século XX166
, o
conceito sociológico de comunidade e perspectivas para a Igreja167
em vista da
discussão sobre a vida comunitária, a pastoral urbana e as comunidades eclesiais
de base168
.
Também merece destaque o Pe. Eduardo Hoornaert, professor do Seminário
Regional do Nordeste, em Recife – PE, que discutiu a eclesiologia a partir da
realidade brasileira169
e realizou algumas reflexões pastorais sobre as
comunidades e a cultura no interior do Brasil170
.
Outros autores também discutiram questões conseqüentes do Concílio
Vaticano II como, por exemplo, Monsenhor Marcelo Pinto Cavalheira, da
Arquidiocese do Recife, que abordou a questão da sociologia, da teologia e da
história no contexto de um mundo secularizado171
; Pe. Paulo Eduardo Andrade
Ponte, de Fortaleza – CE, que trabalhou o engajamento, a luta profética e a
libertação172
; Dom Eugênio de Araújo Sales, Administrador Apostólico de
Salvador – BA, e presidente do Departamento de Ação Social do CELAM, que
escreveu sobre a Conferência de Medellín, a promoção humana e a fidelidade à
Igreja173
; Pe. Aloísio Weber, professor de Dogma em Passo Fundo – RS, que
analisou os sacramentos, a pastoral e a devoção particular do povo de Deus, tendo
como pano de fundo o conceito de Igreja como Sacramento174
; Frei Honório Rito,
professor de Dogma no Instituto Teológico de Salvador – BA, que analisou a
questão da colegialidade episcopal como imperativo para a ação pastoral175
.
166
Cf. COMBLIN, J. “O Conceito de Comunidade e a Teologia” in REB, vol. 30, fasc. 118,
Junho de 1970, p. 282-308. 167
Cf. Id., “O Conceito de Comunidade e a Teologia – II” in REB, vol. 30, fasc. 119, Setembro de
1970, p. 568-589. 168
Cf. Id., “Comunidades Eclesiais e Pastoral Urbana” in REB, vol. 30, fasc. 120, Dezembro de
1970, p. 783-828. 169
Cf. HOORNAERT, E. “O Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil” in REB, vol. 27, fasc. 1,
Março de 1967, p. 43-54. 170
Cf. Id., “Problemas de Pastoral popular no Brasil” in REB, Vol. 28, fasc. 2, Junho de 1968, p.
280-307. 171
Cf. CAVALHEIRA, M. P. “Aspectos Culturais da Crise na Igreja” in REB, vol. 30, fasc. 118,
Junho de 1970, p. 257-281. 172
Cf. PONTE, P. E. A. “A Morte de Cristo e a Libertação Temporal do Homem” in REB, vol.
28, fasc. 2, Junho de 1968, p. 328-341. 173
Cf. SALES, E. A. “A Igreja na América Latina e a Promoção Humana” in REB. vol. 28, fasc.
3, Setembro de 1968, p. 537-554. 174
Cf. WEBER, A. “Pequeno Ensaio sobre a Função Eclesial dos Sacramentos” in REB, vol. 28,
fasc. 3, Setembro de 1968, p. 579-606. 175
Cf. RITO, H. “A Colegialidade dos Bispos a Serviço da Igreja” in REB, vol. 29, fasc. 4,
Dezembro de 1969, p. 838-849.
71
Com isso, percebemos que o Concílio Vaticano II gerou muitas discussões,
com posições diferentes sobre a Igreja e a sua missão. Porém, essas discussões
não provocaram reflexos nos textos da Campanha da Fraternidade.
A discussão sobre a Igreja, aos poucos, deixa de ser feita simplesmente a
partir da sua constituição ontológica para ser realizada também a partir da sua
ação e da sua relação com a realidade na qual está inserida e no diálogo com o
mundo, mostrando claramente a influência da Carta Encíclica Ecclesiam Suam, do
Papa Paulo VI, e da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano
II. Esta discussão vai afetar a Campanha da Fraternidade que vai deixar de ter
como foco a vida da Igreja para voltar-se para os problemas da realidade latino-
americana176
.
2.3.2.2.2. Contribuições de Medellín
Segundo o Documento de Medellín, a verdadeira promoção humana não
pode acontecer sem que haja verdadeira justiça e isso é fruto de um trabalho
evangelizador que leve ao crescimento da fé e exige uma revisão evangélica da
Igreja visível e de suas estruturas para animar as forças vivas da Igreja e bem
utilizar os meios disponíveis para evangelizar177
. A injustiça marca a nossa
realidade fere a consciência cristã, exige o empenho da Igreja no sentido de que
haja justiça para todos e deve envolver todos os cristãos e todas as pessoas de boa
vontade, como dever de consciência, na construção de uma nova ordem firmada
na justiça e no amor, que se constituem o verdadeiro fundamento da justiça
internacional178
.
176
Percebemos também uma Igreja dividida entre Progressistas e Conservadores. Esta divisão
também vai influenciar a Campanha da Fraternidade, que vai ser mais assumida pelas dioceses
onde os bispos são progressistas. A divisão entre os bispos exerce influência sobre a Campanha da
Fraternidade até os nossos dias, principalmente no que diz respeito à abordagem das questões. Um
exemplo disso é a Campanha da Fraternidade de 2008, Fraternidade e defesa da vida, que no seu
Texto-base abordou questões sobre a vida que, conforme diz a Oração da Campanha, é ameaçada
no seu início, no seu decurso e no seu declínio, mas na maioria das dioceses, reduziu-se à questão
do aborto. Esta divisão também fez com que a atual presidência da CNBB decidisse que todos os
textos da Campanha da Fraternidade deveriam ter o aval da Comissão Episcopal de Doutrina para
a sua publicação. 177
Cf. CELAM. Conclusões da conferência de Medellín, 1968: trinta anos depois, Medellín é
ainda atual? São Paulo: Paulinas, p. 7. 178
Cf. CELAM. “Mensagem aos povos da América Latina de 06 de setembro de 1968” in
Conclusões da Conferência de Medellín..., p. 27-35.
72
Assim como o povo de Israel é conduzido por Deus que o liberta da
opressão do Egito e reconhece a sua presença salvífica, devemos sentir e
reconhecer a presença salvífica de Deus na nossa história. Esta é uma história de
passagem de condições menos humanas para condições mais humanas, superando
carências materiais, carências morais, estruturas opressoras, abuso de poder,
exploração dos trabalhadores, injustiças nas transações, as calamidades sociais, a
falta de conhecimento, a desconsideração pela dignidade das pessoas, a falta de
cooperação no bem comum, o descompromisso com a paz, a desconsideração dos
valores supremos e de Deus. A falta de fé e a falta de unidade na caridade de
Cristo dificultam a conquista da promoção do homem e dos povos, os valores da
justiça, da paz, da educação e da família179
.
Medellín observa que embora se encontrem muitos esforços no sentido de
assegurar a justiça no continente, muitos estudos mostram a situação de miséria de
grandes grupos humanos na América Latina, fruto de injustiça que clama aos céus
e gera certa frustração de legítimas aspirações e cria um clima de angústia
coletiva180
. A Igreja tem uma mensagem de justiça para todos, a qual mostra o
amor incondicional de Deus pela pessoa humana, criada à sua imagem e
semelhança, assim como a destinação universal dos bens e as exigências da justiça
decorrentes dessa destinação. A Igreja prega que o Pai enviou seu Filho feito
homem para libertar a humanidade de todas as escravidões que o pecado sujeita.
Libertação implica necessariamente em conversão e mudança de estruturas
sociais. Os bispos enfatizam que só teremos um continente novo quando homens
se renovarem à luz do Evangelho e tornarem-se verdadeiramente livres e
responsáveis, viverem o amor autêntico, relacionarem as tarefas temporais com a
santificação, manifestando a esperança que se fundamenta na fé em Jesus Cristo e
lutando pela justiça social para superar antagonismos e gerar a unidade que traz
verdadeiro desenvolvimento e liberta do neocolonialismo181
.
Concretamente, o texto de Medellín recomenda promover as Comissões de
Justiça e Paz, buscar a colaboração de Igrejas cristãs não católicas que lutam para
instaurar a justiça nas relações humanas, estimular as organizações da sociedade
civil criadas e dirigidas por cristãos que têm por objetivo a promoção humana e a
179
Cf. DM, Introdução 6, 8. 180
Cf. DM 1, 1. 181
Cf. DM 1, 3. 4. 5. 13.
73
aplicação da justiça e apoiar os leigos no cumprimento das tarefas de
conscientização em favor da transformação das estruturas, de promoção humana e
vigência da justiça182
.
Embora em muitos casos a miséria em nossos países tenha causas naturais
difíceis de superar, os bispos lembram: não podemos negar que a injustiça
também é uma causa que se expressa em situações de pecado e ameaça à paz,
mostrando insensibilidade dos setores mais favorecidos diante da miséria dos
marginalizados. Um exemplo claro é a desvalorização da matéria prima e a
supervalorização dos produtos industrializados, condenando os países
monocultores à pobreza enquanto os industrializados enriquecem e, se contribuem
para diminuir a pobreza, retiram esta contribuição através da exploração
econômica. Esta situação gera também a fuga de técnicos e de pessoal
competente, formados a alto custo pelo país pobre183
.
Para Medellín, a paz é obra da justiça e supõe a justiça e só pode ser obtida
onde exista uma justiça mais perfeita entre os homens. A passagem de condições
menos humanas para condições mais humanas é o novo nome da paz, de modo
que a paz deve ser construída historicamente pelos cristãos que enfrentam o
egoísmo, a injustiça pessoal e a injustiça social como expressão de amor e
fraternidade que se fundamentam em Cristo, o Príncipe da Paz, e remetem a
gestos de solidariedade184
.
A América Latina apresenta fortes tensões e elementos que possibilitam a
violência institucionalizada por falta de satisfação de necessidades básicas e de
oportunidades de participação social e política para grande parte da sua
população. Na medida em que as pessoas adquirem consciência de sua dignidade
e seus direitos e que suportam uma condição assistencial inaceitável, a tentação
para a violência cresce e pode gerar uma insurreição revolucionária ou uma
revolução armada, que geram novas injustiças, novos desequilíbrios e provocam
novas ruínas. Todos os que possuem meios para a promoção da justiça social e da
paz e não fazem bom uso deles, contribuem para o agravamento da situação185
. A
Igreja deve, ao explicitar os valores da justiça e da fraternidade, numa perspectiva
182
Cf. DM 1, 21-23 183
Cf. DM 2, 1. 5. 9a.b. 184
Cf. DM 2, 14a-c. 185
Cf. DM 2, 16. 18. 19.
74
escatológica, formar consciências, contribuir para a formação humana e denunciar
a injustiça e o abuso que destroem a paz, usando os meios de comunicação,
defendendo o direito dos pobres e oprimidos, encorajando todos os esforços de
organização de base para a conquista de direitos e busca da verdadeira justiça e
dialogando com o poder público instituído. A família também deve fazer seu
papel, seja na educação dos filhos, seja na promoção da justiça e na prática do
serviço aos necessitados186
.
Segundo o Documento de Medellín, a catequese deve reconhecer a
exigência do processo de transformação social para ajudar na evolução integral do
homem e orientar os cristãos para a fidelidade evangélica, promovendo a justiça e
a paz, o diálogo e o ecumenismo, preparando os leigos para o compromisso nos
seus diferentes campos de atuação e criando condições para uma pastoral mais
atualizada, que responda ao dinamismo do progresso humano187
.
A Igreja deve, apesar de tantas fraquezas e fracassos seus no passado,
assumir seu papel na América Latina como promotora da justiça e da paz,
traduzindo o espírito de pobreza que faz dela um sinal autêntico de Jesus. O
episcopado do continente, em comunhão com a Santa Sé e com o episcopado de
outros continentes, não pode ficar indiferente diante das injustiças; deve denunciar
profeticamente a pobreza como um mal em si188
. Os vocacionados devem
desenvolver uma sensibilidade aos problemas sociais e assumir o seu papel na
transformação da realidade através de iniciativas pastorais, inserção na realidade e
cuidado com a própria formação189
.
Uma das conseqüências da opção pelos pobres desenvolvida pela
Conferência de Medellín foi o desenvolvimento da Teologia da Libertação na
América Latina, que foi se tornando, aos poucos, uma peça de fundamental
importância para a pastoral no Brasil em geral e, em especial, para a Campanha da
Fraternidade.
186
Cf. DM 2, 20-23. 27; 3, 7. 13. 21a; 10, 2. 187
Cf. DM 8, 7. 11; 10, 1. 15; 12, 13c. 188
Cf. DM 14, 1. 7. 10; 15, 28. 189
Cf. DM 13, 4; 14, 4a
75
2.3.2.2.3. A Teologia da Libertação
A valorização das Igrejas locais pelo Concílio Vaticano II e o diálogo com a
Modernidade possibilitaram o surgimento de teologias contextualizadas190
e, na
América Latina, este esforço tem início com a Teologia da Libertação, com
Gustavo Gutierrez em 1971191
, desenvolve-se nas décadas seguintes e ganha
espaço até que a sua temática encontra receptividade em Roma, com a Exortação
Apostólica Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI192
.
A Teologia da Libertação se propõe pensar toda a Revelação a partir da
libertação e utiliza um método original que substitui a mediação filosófica,
normalmente utilizada pela Teologia, pela sociológica,193
utilizada pela Ação
Católica a partir da experiência da Juventude Operária Católica – JOC, na
França194
. Isso faz da Teologia da Libertação um modo de fazer teologia, o qual
reflete sobre todos os tratados a partir da perspectiva do pobre e de sua libertação,
com um estatuto próprio. “Seu objeto formal é a perspectiva dos pobres”195
. A
mediação sócio-analítica ajuda a compreender cientificamente a realidade. Com o
auxílio das ciências sociais, se busca detectar as causas da situação em que se
encontra o pobre e entender esta realidade196
.
Uma das fontes da Teologia é a fé prática, compreendida como o
compromisso cristão em geral, que pode ser tanto a matéria prima, fonte, origem
ou princípio cognitivo da construção teológica. Assim, a prática se constitui num
princípio epistemológico do pensar teológico.
A prática é o que se teologiza. Não é, a rigor, o princípio da Teologia, que
é a Palavra da fé. A Palavra da fé determina a prática e a prática “sobredetermina”
a fé. Assim, a fé-palavra é o princípio formal ou determinante, a fé-experiência é o
princípio existencial e a fé-prática é o princípio interpelador e verificador. Deste
190
Cf. ANDRADE, P. F. C. “O significado permanente da Teologia da Libertação” in
BINGEMER, M. C. e ANDRADE, P. F. C. (orgs.). O mistério e a história. São Paulo: Loyola, p.
156-157. 191
Cf. Ibid., p. 158. 192
Cf. Ibid., p. 160. 193
Cf. Ibid., p. 137. 194
Cf. Item 1.3.3 deste trabalho 195
GONÇALVES, P. S. L. Liberationis Mysterium: o projeto sistemático da teologia da
libertação. Um estudo teológico na perspectiva da regula fidei. Roma: Editriche Pontifícia
Universitá Gregoriana, 1997, p. 32. 196
SEGUNDO GALILEA, Teologia da Libertação: ensaio de síntese, São Paulo: Paulinas. p. 19.
76
modo, temos os três níveis epistemológicos da Teologia da Libertação: a fé-
palavra, a fé-experiência e a fé-prática197
.
A Teologia da Libertação nos propõe talvez não tanto novo tema para a reflexão quanto
novo modo de fazer teologia. A teologia como reflexão crítica da práxis histórica é assim
uma teologia libertadora da história da humanidade, portanto também da porção dela –
reunida em ecclesia – que confessa abertamente Cristo. Teologia que não se limita a pensar
o mundo, mas procura situar-se como um momento do processo através do qual o mundo é
transformado: abrindo-se – no protesto ante a dignidade humana pisoteada, na luta contra a
espoliação da imensa maioria dos seres humanos, no amor que liberta, na construção de
uma nova sociedade, justa e fraterna – ao dom do Reino de Deus198
.
Para Juan Luis Segundo, uma teologia libertadora não é uma teologia de
genitivos que se preocupa apenas com um aspecto da realidade, mas um esforço
reflexivo de fé no sentido de contribuir para uma crescente humanização. É uma
interpretação coerente e significativa da revelação porque faz avançar o círculo
hermenêutico na direção da “verdade mais plena”199
.
O conceito libertação surge unido ao conceito de desenvolvimento integral
proposto pelo papa Paulo VI na Populorum Progressio, assumido pela
Conferência de Medellín e confirmado pelo Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi
como “o esforço e a luta por superar tudo aquilo que os condena (os povos) a
ficarem à margem da vida”200
.
Outro momento metodológico é constituído pela mediação hermenêutica,
que acontece a partir da mediação das Escrituras, da doutrina social da Igreja e de
toda a tradição teológica. Esta mediação é confrontada com a realidade
analisada201
a partir da categoria de Reino de Deus, enquanto elemento que
articula a história e a transcendência tendo como critério Jesus Cristo e sua missão
em meio aos pobres202
.
A raiz mais profunda da teologia da libertação está na fé objetiva que
articula dialeticamente revelação e realidade histórica dos pobres com primazia
determinante da fé e ótica do oprimido. Parte da análise da realidade usando
instrumentos sociais com a presença da fé positiva, escuta o clamor do oprimido
por justiça e libertação e responde articulando fé positiva e negatividade histórica,
197
Cf. BOFF, C. Teoria do Método Teológico. Petrópolis: Vozes, 3ª Ed. P. 157-159. 198
GUTIÉRREZ, G. O que é “Teologia da Libertação” in BOFF, C. op. cit., p. 195. 199
MURAD, A. ”A teologia visionária” in SOARES, A. M. L. (org.). Dialogando com Juan Luis
Segundo. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 81. 200
EN 31. 201
GONÇALVES, P. S. L. opus cit., p. 64. 202
Cf. Ibid., p. 65-66.
77
como resposta adequada aos sinais dos tempos, articulando as dimensões
histórica, pessoal e escatológica203
.
A teologia da libertação apropria-se de teologias elaboradas no século XX
sob a perspectiva do pobre, principalmente as teologias da história de O.
Cullmann, J. Daniélou, M. D. Chenu, H. de Lubac e Y. W. Pannenberg, as
teologias da práxis de E. Schillebeeckx, J. Moltmann e J. B. Metz e a teologia
transcendental de K. Rahner204
.
A teologia da libertação não foi plenamente aceita por parte do Magistério.
Através da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, a Igreja se posicionou
diante da teologia da libertação em duas ocasiões nos anos 80: na primeira vez, de
uma maneira mais específica, através da Instrução sobre alguns aspectos da
„Teologia da libertação‟ (06/08/1984); na segunda vez, de uma forma mais
genérica, através da Instrução sobre a Liberdade cristã e Libertação
(09/04/1986).
Aos poucos, começou a ser organizada e executada por altas instâncias da
Igreja na América Latina uma campanha contra a Teologia da Libertação, com a
finalidade de levá-la ao descrédito a partir da afirmação de sua não legitimidade
por não ser de raiz européia205
.
De 02 a 06 de maio de 1975, aconteceu em Roma um “Coloquium” dirigido
pelos bispos Hengsbach e Lopes Trujillo, sobre a Teologia da Libertação, com o
objetivo de impedir a reinterpretação da fé num programa social e político206
. Tem
início uma campanha organizada contra a Teologia da Libertação, sendo um dos
seus maiores expoentes Dom Lopes Trujillo, que então ocupava o cargo de
secretário-geral do CELAM, responsável pela preparação da Conferência de
Puebla207
.
A Igreja no Brasil, conforme já vimos, desde o início da década de 1970,
concentrou seus esforços em quatro setores específicos: direitos humanos,
avaliação crítica do modelo econômico, agravamento do desafio agrário e
sobrevivência e respeito aos direitos da população indígena. Em 1972, foi criado o
203
Cf. Ibid., p. 32-43. 204
Cf. Ibid., p. 87-98. 205
Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil de João XXIII a João Paulo II de Medellín a Santo
Domingo, p.137. 206
Cf. Ibid., p. 138. 207
Cf. Ibid., p. 139.
78
Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Em 1973, a Igreja lançou uma
campanha de informação e esclarecimentos sobre a Pacem in Terris de João
XXIII e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste mesmo ano, a
Assembléia Geral aprovou um projeto internacional com o objetivo de promover e
defender mais eficazmente os direitos humanos, sob a coordenação de Dom
Cândido Padin, no Brasil, e de Francisco Whitaker, na França. O projeto
estendeu-se até 1979, quando aconteceu o Encontro Internacional em João Pessoa.
O movimento chegou a contar com a participação de 1.500 membros de cerca de
90 países. A partir de 1975, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, ligada à
CNBB, desenvolveu um grande esforço para criar comissões análogas nas
dioceses. Em 1975, na Conferência Nacional sobre o desafio agrário brasileiro,
em Goiânia, foi criada a Comissão de Pastoral da Terra – CPT. O diálogo entre
Igreja e governo não eliminou as tensões que esses quatro setores criavam
continuamente, mas serviu para conte-los dentro de certos limites, porém o clímax
dessas tensões foi o “Pacote de Abril” de 1977 com o fechamento do Congresso
Nacional e mudanças constitucionais que acabaram por possibilitar a lei do
divórcio. A Assembléia Geral da CNBB, neste mesmo ano, aprovou por maioria
esmagadora (203 a 3) o documento Exigências cristãs de uma ordem política,
apontando o fracasso do regime militar em atender às exigências evangélicas de
uma ordem política digna desse nome. Em 1978, a Igreja do Brasil passa a se
dedicar à preparação e realização da Conferência de Puebla. A contribuição
brasileira revelou-se marcante em Puebla208
.
A rejeição à Teologia da Libertação foi se tornando muito forte e vai se
tornar mais visível na década de 1980, com apoio do papa João Paulo II que, em
10 de dezembro de 1980 dirige uma carta aos bispos do Brasil afirmando que a
Igreja perderia a sua identidade mais profunda se as questões sociais a distraíssem,
assim como as contingências políticas a dominassem, e ela perdesse a visão da sua
missão essencialmente religiosa de edificação do Reino que começa aqui. O papa
indicava, desde o início do seu pontificado, que via com apreensão a forte atuação
social da Igreja no Brasil. Mas mesmo assim, a década de 1980 conheceu uma
Igreja bastante vibrante, com um crescente abismo entre uma ala que incentivava
208
Cf. BARROS, R. C. “A CNBB e o Estado Brasileiro durante o interlúdio espartano” in INP
(org.) op. cit., p. 181-185.
79
a participação a Igreja na construção de uma sociedade democrática e outra que
crescentemente se fechava nos assuntos internos, mas, a partir de meados dessa
década, a missão social vai diminuindo, principalmente por causa de algumas
medidas tomadas pela Santa Sé em relação à Igreja no Brasil, como a visita
apostólica aos seminários, ocasionando um mal-estar nas orientações da formação
presbiteral da arquidiocese de São Paulo e o fechamento do SERENE ITER, da
Arquidiocese de Recife. A isso, acrescenta-se a desqualificação dos teólogos mais
avançados, a nomeação de bispos de tendência conservadora e de confiança de
Roma, o reforço da Nunciatura Apostólica e ataques às CEBs e à Teologia da
Libertação. Todo esse clima faz com que a Igreja no Brasil busque uma nova
metodologia para a sua ação pastoral, mas continue sendo um referencial para os
pobres e para toda a luta pelos direitos humanos209
.
Em 1985, no 20o aniversário do Concílio Vaticano II, João Paulo II
convocou um sínodo extraordinário para fazer um balanço desses anos. Surgiram
duas interpretações diferentes: uma primeira, otimista, e uma segunda, pessimista.
A primeira vê os avanços do Concílio como o aprofundamento da vida
religiosa, renovação bíblica, litúrgica e catequética, desterramento dos sermões
tradicionais moralizantes e terrificantes, o surgimento e desenvolvimento das
CEBs, a defesa dos direitos humanos, da justiça, da paz e da liberdade, a opção
pelos pobres e a inculturação, e a co-responsabilidade na Igreja, com os leigos
assumindo com muito mais consciência o seu papel210
.
A segunda, fundamentada nas palavras do cardeal Ratzinger: “Os resultados
que se seguiram ao Concilio parecem cruelmente opostos às expectativas de
todos (...) esperavam uma nova unidade católica e em vez disso foi-se a um
dissenso que (...) pareceu passar da autocrítica à autodestruição”211
. Sob a
influência do cardeal, levantaram-se os pontos negativos que demonstram uma
Igreja em crise que só pode ser superada por um reforço do centralismo, pois
perdeu-se clareza e nitidez da “identidade católica”, e o pluralismo penetrou a
209
Cf. GODOY, M. J. opus cit., p. 393-394. 210
Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: Encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola,
p. 153-155. 211
Ibid., p. 155.
80
Igreja de modo que, ao lado do falar da hierarquia, existem muitos discursos
diferentes e críticos, rompendo a identidade eclesial única e comum212
.
O projeto proposto visa uma nova evangelização. Nova em seu ardor, em
seus métodos e em sua expressão. Pressupõe uma mensagem fundamental,
organiza forças para implementá-lo e resiste aos opositores. Na sua concretização
formula uma mensagem fortemente compacta e uniforme, semelhante ao projeto
tridentino. É um projeto ambicioso, pois a situação quantitativa atual do
cristianismo no mundo se constitui o desafio para que os cristãos assumam um
duplo movimento de revigoração da própria fé e de testemunho da mesma pelo
anúncio do evangelho, tendo como horizonte o jubileu do ano 2000213
.
Em seguida, foi elaborado um programa em três movimentos:
1. a busca de um ponto dogmático e central, em torno do qual tudo deve
girar, que se concretiza na elaboração e publicação do Catecismo da Igreja
Católica;
2. voltado para o interior da Igreja, busca organizar as estruturas, disciplina
e a vida interna da Igreja;
3. voltado para fora da Igreja, nas pegadas da Gaudium et Spes e em
continuidade com o ensinamento social do magistério, sobretudo pontifício, a
Igreja adota posição destemida e intransigente na defesa dos direitos humanos,
vinculados à pessoa de Cristo214
.
Um outro projeto de Igreja e de evangelização discorda dessa linha e
fundamenta-se em outras prioridades como uma Igreja rede de pequenas
comunidades, especialmente de CEBs com presença no mundo dos pobres. Este
projeto estabelece um diálogo aberto e respeitoso com o pluralismo cultural e
religioso de hoje, desenvolve uma teologia crítica em confronto com a
mentalidade moderna e com a práxis e favorece uma concepção participativa e
colegiada de poder na Igreja. Também luta por uma presença responsável e crítica
do laicato, incentiva a leitura da Escritura em pequenos grupos, prefere os meios
pobres para evangelizar, defende a presença mais decisiva da Igreja nos meios
populares em colaboração ecumênica e se abre ao diálogo inter-religioso. Por fim,
212
Cf. Ibid., p. 156-158. 213
Cf. Ibid., p. 159-160. 214
Cf. Ibid., p. 164-165.
81
o projeto privilegia, principalmente na América Latina, os pobres como sujeitos e
destinatários da obra evangelizadora215
.
2.3.2.2.4. Os modelos da Igreja
Este assunto será abordado apenas em vista da compreensão da segunda fase
da Campanha da Fraternidade. Seu aprofundamento se dará no capítulo seguinte.
Em 1974, o teólogo americano Avery Dulles apresentou uma forma nova
para abordar a questão eclesiológica: os modelos216
, que não são simplesmente
aspectos ou dimensões, mas sim abordagens da Igreja para entender o seu caráter
enquanto mistério. Esta obra foi publicada no Brasil em 1978. Ele indica seis
modelos de Igreja: instituição, que tem como fundamento a visibilidade e a
organização da Igreja; comunhão mística, que considera a Igreja como o povo de
Deus ou o Corpo de Cristo; sacramento, que apresenta a Igreja como
manifestação visível de Cristo na comunidade humana; arauto, que se difere do
modelo sacramento por ter a Palavra como elemento principal e o Sacramento
como elemento secundário; e serva, que identifica a Igreja com o Servo sofredor,
o homem para os outros, o que deve fazer da Igreja uma comunidade para os
outros. A Igreja deve ser auxílio para as pessoas, onde quer que estejam. A
competência especial da Igreja é manter viva nas pessoas a esperança no Reino de
Deus e sua aspiração por ele, o que deve ser feito a partir da diaconia.
A partir desses modelos, o Pe. José Marins desenvolveu modelos próprios
para a América Latina, tendo como pano de fundo o seu trabalho com as
Comunidades Eclesiais de Base. Além dos modelos apresentados por Dulles, mas
acrescidos de algumas características próprias da realidade da América Latina, o
Pe. Marins apresenta um novo modelo: o que vê a Igreja como Libertadora217
,
sendo que neste modelo, a Igreja analisa a realidade para determinar o que deve
permanecer e o que deve ser mudado para realizar sua ação libertadora. Este
modelo une a fé ao compromisso político, valoriza a religiosidade popular, a
215
Cf. Ibid., p. 174-175. 216
DULLES, A. Models of the Church, Doubleday & Company, inc., Garden City, New York,
1974. 217
Cf. MARINS, J., TREVISAN, T. M. e CHANONA, C. Modelos de Igreja – comunidade
eclesial de base na América Latina. São Paulo: Paulinas, p. 48-103.
82
Comunidade Eclesial de Base e a Teologia da Libertação e utiliza o método Ver-
Julgar-Agir.
A proposta dos modelos de Igreja enriqueceu a reflexão eclesiológica no
Brasil e contribuiu muito para a compreensão da ação pastoral. A Campanha da
Fraternidade também foi influenciada por esta discussão e oscila entre o modelo
institucional e o modelo serva até adotar o método Ver-Julgar-Agir e assumir o
modelo libertador, na edição de 1978.
2.3.2.2.5. Contribuições de Puebla
O Documento de Puebla também influenciou a Campanha da Fraternidade.
Inicialmente podemos analisar a sua influência no que diz respeito ao sofrimento
humano. O sofrimento pode ser causado pelas carências decorrentes da pobreza,
mas também pode encontrar os fundamentos da sua existência na falta da
concórdia e da alegria, como também na desagregação da família218
.
O homem latino-americano é acolhedor, pratica a caridade, caracteriza-se
pelo desprendimento, principalmente os pobres, e se compadece com o sofrimento
alheio219
. Assim também a Igreja que, na sua ação evangelizadora, tem como pano
de fundo as aspirações e os sofrimentos dos que vivem na América Latina220
a
exemplo de Cristo que quis participar das alegrias, dos trabalhos e sofrimentos da
condição humana221
. Ela é solidária com todos na busca da liberdade e da
fraternidade, que manifestam de forma mais plena o Reino de Deus222
.
É necessário que a América Latina transforme seus sofrimentos em
crescimento para uma sociedade verdadeiramente participativa e fraterna a partir
da educação de todos para construírem a história a partir da conversão pessoal que
leva à solidariedade com todos os sofredores223
, vivendo o que é mais
característico da mensagem cristã a respeito da dignidade humana, aceitando as
bem-aventuranças e praticando de modo realista o serviço aos outros224
,
218
Cf. DP 581. 219
Cf. DP 17. 220
Cf. DP 163. 221
Cf. DP 169. 222
Cf. DP 181. 223
Cf. DP 279. 224
Cf. DP 339.
83
explicitando melhor o mistério da encarnação do Verbo225
. Neste sentido, tem
grande importância o papel das Igrejas particulares226
.
O sofrimento não pode ser superado através da violência, dos jogos do
poder ou dos sistemas políticos, mas mediante a verdade sobre o homem que
contribui para a construção de uma nova civilização, justa, fraterna e aberta ao
transcendente227
. Para que isso aconteça, é necessário criar no homem da América
Latina uma sã consciência social, um sentido evangélico crítico face à realidade,
um espírito comunitário e um compromisso social228
que mostre, a partir da opção
preferencial pelos pobres, o Cristo que revela a dignidade humana, é parceiro nos
esforços de libertação das carências e leva todas as pessoas à comunhão com o Pai
e com os irmãos através da vivência da pobreza evangélica229
.
O sofrimento e a miséria não se constituem numa etapa casual, mas na
verdade são produtos de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e
políticas, entre outras, que revelam a existência da injustiça social e exigem
mudanças que já estão acontecendo, embora lentamente230
. Este fato torna-se
terreno fértil para a difusão das ideologias marxistas que sacrifica valores cristãos,
cai em irrealismos utópicos e incrementam a violência231
. A injustiça social
também gera reflexos na vida de família causando a sua desagregação232
.
A Igreja responde a esta situação através da publicação de numerosos
documentos sobre a justiça social, criando organismos de denúncia contra a
violação e pela defesa dos direitos humanos e encorajando a opção pelos pobres e
marginalizados. Também denuncia o capitalismo liberal marcado pelo pecado233
,
que está a serviço da sociedade de consumo que defende uma visão individualista
da pessoa, reduzindo sua dignidade à eficácia econômica, sem considerar as
exigências da justiça social234
. Faz parte da missão da Igreja resgatar os direitos
sociais: educação, moradia, trabalho, saúde, lazer, justiça social, etc.235
.
225
Cf. DP 454. 226
Cf. DP 741. 227
CF DP 551. 228
Cf. DP 1308. 229
Cf. DP 1153. 230
Cf. DP 30. 231
Cf. DP 48. 232
Cf. DP 572. 233
Cf. DP 92. 234
Cf. DP 312. 235
Cf. DP 1272.
84
O materialismo individualista, presente na nossa sociedade, atenta contra a
comunhão e a participação, impedindo a solidariedade236
e a crise de valores
morais também contribui para que isso aconteça, enfraquecendo a comunhão com
Deus e a fraternidade237
. A comunhão com Deus nos possibilita fazer a
experiência da solidariedade divina para conosco e nos torna capazes de vivificar
pelo amor nossa atividade transformando, assim, nosso trabalho e nossa história,
fazendo de nós protagonistas com Deus na construção da convivência e das
dinâmicas humanas que refletem o amor de Deus238
. Em face da situação de
pecado, surge por parte da Igreja o dever de denúncia, que deve ser objetiva,
denodada e evangélica; que não intenta condenar, mas sim salvar o culpado e a
vítima239
.
O compromisso com os pobres e oprimidos e o surgimento das
Comunidades Eclesiais de Base ajudaram a Igreja a descobrir o potencial
evangelizador dos pobres porque muitos deles realizam em sua vida os valores
evangélicos de solidariedade, serviço, simplicidade e disponibilidade para acolher
o dom de Deus240
.
A Igreja deve progredir na realização de sinais que dêem testemunho de sua
vitalidade interior241
. A comunidade eclesial deve ser um modelo de convivência
marcado pela liberdade e a solidariedade, abrindo caminho para um tipo mais
humano de sociedade que manifeste sua radical comunhão com Deus em Jesus
Cristo242
e, assim, possa educar as pessoas segundo a práxis de Jesus243
para
fundamentar a sua cultura, impregnada pela fé, mas sem uma catequese
conveniente244
. Essa convivência exige reformulações e reacentuações para
responder às exigências de uma civilização urbano-industrial através de um
crescimento da fé que desenvolva uma personalização crescente, uma
solidariedade libertadora, alimente uma espiritualidade capaz de assegurar a
236
Cf. DP 55. 237
Cf. DP 69. 238
Cf. DP 213. 239
Cf. DP 1269. 240
Cf. DP 1147. 241
Cf. DP 976. 242
Cf. DP 273. 243
Cf. DP 279. 244
Cf. DP 413.
85
dimensão contemplativa, plasmando formas culturais que resgatem a nossa
sociedade do tédio opressor e do economicismo frio e asfixiante245
.
A comunidade eclesial de base procura viver este modelo de convivência
enquanto integra todos os que dela participam numa íntima relação interpessoal de
fé. É comunidade de fé, esperança e caridade que realiza a Palavra de Deus na
vida através da solidariedade fundamentada no mandamento do amor246
que traz
comunhão, participação, solidariedade, domínio de si mesmo, alegria, esperança,
justiça realizada na paz, castidade e entrega desinteressada de si mesmo vivendo a
santidade247
.
Os leigos devem encontrar os critérios adequados para a sua atuação na
doutrina social da Igreja para que possam encontrar opções cada vez mais
conformes ao bem comum e às necessidades dos mais fracos248
e que respondam a
um grande anseio de justiça e um sincero sentimento de solidariedade, num
ambiente social caracterizado pelo avanço do secularismo e pelos demais
fenômenos próprios duma sociedade em transformação249
.
Esta visão histórica e eclesiológica possibilita a compreensão das
Campanhas da Fraternidade que aconteceram na segunda fase da sua realização, a
partir de 1973. No próximo item serão apresentadas as Campanhas entre 1973 e
1978 com o objetivo de explicitar a construção da sua metodologia e da sua
estrutura, que ainda estão vigorando.
2.3.2.3. A segunda fase da Campanha da Fraternidade e a construção da sua estrutura
No período compreendido entre 1973 e 1984, a Campanha da Fraternidade
assume as decisões das Conferências Episcopais de Medellín e Puebla, voltando-
se para a realidade social do povo, a denúncia do pecado social e a promoção da
justiça. Neste mesmo período, a Campanha se organiza, adotando o método Ver-
Julgar-Agir e o Texto-base. O método Ver-Julgar-Agir somente não foi utilizado
245
Cf. DP 466. f. 246
Cf., DP 641 247
Cf. DP 960 248
Cf. DP 525. 249
Cf. DP 622.
86
nas Campanhas de 2000 e 2005, que não foram organizadas pela CNBB, mas pelo
CONIC, por serem ecumênicas.
O objetivo deste capítulo não é fazer uma abordagem histórica de todas as
Campanhas da Fraternidade, mas mostrar como se deu a construção da sua
estrutura e da sua metodologia. Por isso, serão abordadas apenas as Campanhas da
Fraternidade do período que se inicia em 1973 e vai até 1978, pois é neste período
que a Campanha assume a sua configuração definitiva.
2.3.2.3.1. A Campanha da Fraternidade de 1973
Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e libertação”, e como lema:
“O egoísmo escraviza, o amor liberta”.
O objetivo geral da Campanha de 1973 foi: “ser um movimento de
evangelização extraordinária e maciça, um privilegiado momento de unidade
pastoral em todos os recantos do País”250
.
Como podemos perceber, o tema e o lema expressam os termos utilizados
em Medellín e a necessidade da descoberta do outro, mas o objetivo geral
continuou voltado para uma visão institucional de Igreja, preocupada com a sua
ação e deixando de lado a necessidade da transformação da realidade. O modelo
libertação e o modelo de Igreja serva podem ser percebidos no tema e no lema,
mas no desenvolvimento da campanha, não.
2.3.2.3.2. A Campanha da Fraternidade de 1974
Esta Campanha voltou-se novamente para a realidade do próximo, tendo
como tema: “Reconstruir a Vida”, e como lema: “Onde está teu irmão?”
O objetivo Geral da Campanha de 1974 dizia: “A vida é o dom que mais
fortemente ambicionamos e mais desesperadamente defendemos, a partir do
próprio instinto de sobrevivência. A vida é o dom que mais devemos respeitar e
promover em nossos irmãos. Toma-se aqui a vida nos mais diversos níveis e
circunstâncias: a vida da graça, a vida moral, a vida da honra, a vida do
nascituro, a vida do enfermo e do velho, a vida do pobre e do faminto, a vida
250
CNBB. Power Point comemorativo dos 40 anos da Campanha da Fraternidade.
87
vítima de violência e injustiças... É este o dom que devemos construir, e em
muitos casos, reconstruir como modernos samaritanos”251
.
Como podemos ver, o objetivo geral ainda não é expresso de uma forma
técnica, iniciando com um verbo no infinitivo e expressando a finalidade e a
metodologia, mas expressa idéias e conceitos. No caso da Campanha de 1974,
tanto o tema como o lema remetem para a realidade do outro, mas agora são
enfatizados os elementos marcantes dessa realidade e um caminho de superação
através de um modelo de Igreja serva, expressa na expressão “modernos
samaritanos”. Assim, podemos perceber que o Concílio Vaticano II começa a
influenciar a Campanha da Fraternidade não mais como uma necessidade
institucional, mas a partir de um modelo de Igreja que passa a ser colocado em
prática.
2.3.2.3.3. A Campanha da Fraternidade de 1975
Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade é repartir”, e como lema:
“Repartir o pão”.
O objetivo desta Campanha dizia: “A fraternidade entre os brasileiros,
desde os que convivem na mesma comunidade local, até os distantes, dos quais
conhecemos só as carências. Esta fraternidade deriva do amor a Deus, Pai
comum, e do exemplo heróico de Cristo, morto por todos. Trata-se de uma
fraternidade afetiva e efetiva, que terá inúmeras formas de expressão, mas que
deverá levar a atitudes concretas e sinceras. Fraternidade é repartir”252
.
Como podemos perceber, aparece a palavra comunidade e a fraternidade,
afetiva e efetiva, deve expressar-se em atitudes que superem as carências. Assim,
vemos o modelo de Igreja serva continua presente, mas o modelo de Igreja
comunidade começa a ser levado em consideração pela Campanha da
Fraternidade, preparando caminho para a Campanha de 1976.
251
Ibid. 252
Ibid.
88
2.3.2.3.4. A Campanha da Fraternidade de 1976
Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e comunidade”, e como
lema: “Caminhar juntos”.
O objetivo geral foi: “Insistir na idéia de comunidade, dizendo sempre de
novo e de muitas maneiras que só seremos irmãos, se nos convertermos em
comunidades vivas... O ser humano precisa da comunidade, tende para a
comunidade, personaliza-se na comunidade... Queremos rever as diversas
comunidades, que devemos formar e integrar: a Família, a Escola, a Comunidade
Civil e Política, a Empresa, a Paróquia, a Comunidade Eclesial de Base...”253
.
Agora temos uma eclesiologia bem clara, presente no tema, no lema e no
objetivo: o modelo de Igreja de comunhão. Esta foi a primeira campanha que
conseguiu agir além das fronteiras da Igreja, tendo grande repercussão, sendo que
foram compostas músicas populares sobre ela. As músicas de ofertório (Sabes,
Senhor) e comunhão (É bom estarmos juntos) são cantadas com entusiasmo até os
nossos dias.
2.3.2.3.5. A Campanha da Fraternidade de 1977
Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade na Família”, e como lema:
“Comece em sua casa”.
O objetivo geral da Campanha de 1977 foi: “Os órgãos competentes da
CNBB escolheram como tema da próxima CF o seguinte: „Fraternidade e
Família‟. Isto quer dizer que a próxima Campanha procurará, por todos os
meios, promover os valores da família e curar suas feridas. De maneira especial,
será posta em relevo a influência que tem a Família sobre a verdadeira
fraternidade entre os homens”254
. Transcrevo o texto para mostrar as dificuldades
presentes na sua redação.
O tema desta Campanha foi escolhido por causa da discussão da Lei do
Divórcio e sua conseqüente aprovação. Com isso, vemos o retorno do modelo de
Igreja institucional, voltada para as suas questões. O curioso é que a preocupação
253
Ibid. 254
CNBB. Manual da Campanha da Fraternidade de 1977. São Paulo: Escolas Profissionais
Salesianas, p. 4.
89
maior era a não aprovação da Lei e não a formação da consciência dos fiéis em
relação aos valores da família. A necessidade da força da Lei está mais para a
realidade do Antigo Testamento do que para a da Igreja. O mesmo aconteceu com
a Campanha da Fraternidade de 2008.
2.3.2.3.6. A Campanha da Fraternidade de 1978
Esta Campanha inaugurou a era do Texto-base e o método Ver-Julgar-Agir.
Teve como tema: “Fraternidade no mundo do trabalho”, e como lema: “Trabalho e
justiça para todos”.
O lema desta Campanha da fraternidade deverá provocar muitos e salutares
gestos concretos. Será a coleta financeira inteligentemente preparada e realizada,
será uma nova e permanente atitude de justiça com os outros, será uma corajosa
contribuição para a promoção do trabalhador; será um esforço para reanimar a
Pastoral do mundo do Trabalho; enfim será aquilo que as condições concretas
sugerirem ou exigirem de cada um.
Novamente a Igreja volta-se para a realidade do mundo, como Igreja serva,
buscando a promoção do trabalhador.
A partir dessa Campanha, a CNBB passa a contar com a participação de
peritos e agentes de pastoral num seminário que segue o método Ver-Julgar-Agir
para elaborar o Texto-base da Campanha da Fraternidade, que passa a ser o
instrumento para a elaboração de todos os subsídios da Campanha.
2.3.3. O método Ver-Julgar-Agir
Em 1924, León Joseph Cardijn, sacerdote belga conhecido como “apóstolo
dos jovens”, funda a JOC, com o propósito de cristianizar a classe operária,
contribuindo para que o Papa Pio XI, em 1938, oficializasse a Ação Católica255
. A
preocupação pelo laicato em si foi crescendo em todos os setores do apostolado
255
“A Ação Católica – Associação de leigos que têm seu ponto de agregação e referência na
paróquia – funde suas raízes em 1867, na Sociedade da Juventude Católica Italiana, aprovada no
ano seguinte por Pio IX. Foi estabelecida com o nome e a configuração atual pelo Papa Pio XI
(1922-1939)”. Disponível em < HTTP://www.zenit.org/article-18323?|=portuguese >. Acesso em:
14 jun. 2009.
90
leigo. Tratava-se de implantar de novo a Igreja nas zonas urbanas, industriais,
trabalhadoras, turísticas, etc.
Uma nova ajuda surgiu da sociologia religiosa através da análise da situação
global:
- Godin, H. Daniel Y. La France, pays de mission? Paris: 1943. Sobre a
Igreja no mundo operário.
- Boulard, F. Problèmes Missionnaires de la France rurale. Pesquisa de
sociologia religiosa no ambiente rural.
- Michonneau, G. Paroisse, communauté missionnaire. Conclusion de cinq
ans d‟experience au milieu populaire. (1945) Anotações de Michonneau sobre a
vida cristã na paróquia urbana.
Em 1931 G. Le Bras publica um manifesto com o qual ele abre novas
perspectivas para explicar a ação da Igreja nas diversas regiões da França256
. De
1931 a 1940 Le Bras esteve sozinho; porém, mais tarde, com o contato com a
Mission de France, fundada em 1941, a experiência dos padres operários, nascida
no calor da segunda guerra; a renovação da missão paroquial dos anos 1943-1945
e o auge da Ação Católica, foi despertando um intenso movimento de renovação
pastoral total.
Boulard apresenta três etapas no seu estudo:
1. ruptura entre a vida e a religião;
2. ação conjunta do sacerdote e do leigo;
3. dimensão episcopal da pastoral, isto é, o deferimento de toda a ação
pastoral em relação ao bispo e à diocese.
A ação católica desenvolveu o método Ver-Julgar-Agir, uma maneira nova
de se considerar e experimentar a ação de Deus na história. Inicialmente, é
necessário ver a realidade do povo e os seus problemas. Em seguida, a partir de
textos bíblicos, realiza-se o julgar dessa situação, de modo que Deus se comunica
a partir dos fatos iluminados pela Sagrada Escritura. Esta comunicação pelos fatos
faz com que as pessoas possam agir de maneira nova. Como vimos no capítulo
anterior, a Ação Católica teve um papel fundamental na criação da CNBB.
256
Cf. LE BRAS, G. “Pour um examen detaillé et pour une explication historique de l‟etat du
catholicisme das les diverses régions de la France”: RevHustEg1Fr 17, 1931.
91
Com a crise da Ação Católica Especializada, o método Ver-Julgar-Agir foi
deixado de lado e os trabalhos pastorais foram desenvolvidos principalmente a
partir do método dedutivo, mas a partir da Teologia da Libertação e a realidade
sócio-econômica passando a ser considerada o ponto de partida da ação pastoral, o
método Ver-Julgar-Agir voltou a ter a sua importância e tornou-se a base do
trabalho pastoral na América Latina. No Brasil, as Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral e, a partir do Projeto Nova Evangelização, as Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora contemplam esse método. Também não podemos ignorar o fato de
que as Conferências do CELAM realizadas em Puebla e Aparecida utilizaram este
método.
A Campanha da Fraternidade passou a utilizar o método Ver-Julgar-Agir a
partir da edição de 1978, quando surgiu o Texto-base. O trabalho de elaboração,
realização e avaliação de uma Campanha da Fraternidade tem a duração de dois
anos, envolvendo toda a estrutura da CNBB, assim como grupos de especialistas e
agentes de pastoral que são convidados a colaborar na sua construção.
Este trabalho de elaboração, realização e avaliação da Campanha da
Fraternidade é muito complexo. Por isso, é necessário que sejam apresentados em
detalhes todos os seus elementos, desde o processo de escolha do tema da
Campanha até a sua avaliação. Esta apresentação será feita a seguir.
2.4. A construção da Campanha da Fraternidade
Por fim, é necessária uma exposição sobre o processo segundo o qual a
Campanha da Fraternidade acontece, ou seja, os diferentes caminhos de escolha
do tema e do lema da Campanha, o processo de elaboração do Texto-base e dos
demais subsídios, a escolha das músicas e do cartaz, o treinamento das equipes de
trabalho nos Regionais, nas dioceses e nas paróquias, a realização da Campanha
em si, durante o tempo da quaresma, a coleta da Campanha e, por fim, o processo
de avaliação da Campanha.
O tempo entre a escolha do tema de uma Campanha da Fraternidade e a
Quarta feira de cinzas que marca o seu início geralmente é em torno de vinte
meses. Sua realização é relativamente rápida, limitando-se ao tempo
compreendido entre a Quarta feira de cinzas e o domingo de Ramos. O processo
de avaliação da Campanha tem início duas semanas após a páscoa e se estende até
92
o mês de junho, quando acontece a avaliação nacional e encerram-se os trabalhos
referentes a essa Campanha e tem início o trabalho de outra Campanha, que irá
acontecer na quaresma, dois anos depois. Assim, a Secretaria Executiva da
Campanha da Fraternidade está sempre trabalhando duas Campanhas ao mesmo
tempo.
2.4.1. Os diferentes processos de escolha do tema e do lema de cada Campanha
A Campanha da Fraternidade é uma ação global do Secretariado Nacional.
Como o Conselho Episcopal de Pastoral – CONSEP é responsável pela promoção,
execução e coordenação da Pastoral Orgânica em âmbito nacional257
, é ele quem
define o tema e o lema de cada Campanha da Fraternidade. A escolha do tema de
uma Campanha da Fraternidade segue basicamente dois processos. O primeiro é
participativo e o segundo é definido pela Presidência da CNBB e pelo CONSEP.
No processo participativo, as Paróquias propõem temas no seu relatório de
avaliação como, por exemplo, no Questionário de Avaliação da Campanha da
Fraternidade de 2008258
, que é enviado para a Diocese por ocasião da avaliação
diocesana da Campanha. Ao preencher o Questionário de Avaliação para a
Diocese, são reunidas as sugestões enviadas pelas paróquias acrescidas de outras,
que são enviadas para o Regional. O Regional coleta as sugestões das Dioceses e
as propõe na reunião nacional de avaliação da Campanha da Fraternidade, que
acontece na reunião do CONSEP do mês de junho. A este processo somam-se o
grande número de abaixo-assinados das mais diferentes origens com propostas de
temas para a Campanha que irá acontecer dois anos depois. É de praxe que o tema
com maior representatividade seja o escolhido pelo CONSEP.
Em outros casos, o tema é escolhido pelo próprio CONSEP ou pela
presidência da CNBB como, por exemplo, a Campanha de 2002: “Fraternidade e
povos indígenas”. Nesses casos, a CNBB apresenta argumentos que motivaram tal
decisão. Na Campanha da Fraternidade de 2002, o que motivou a CNBB a
escolher o tema foram os acontecimentos em Porto Seguro e Coroa Vermelha por
257
Cf. CNBB. Estatuto Canônico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. São Paulo:
Paulinas, art. 224. 258
Cf. CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2008, p. 150.
93
ocasião da celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Os povos
indígenas realizaram uma grande marcha nacional e promoveram, em Coroa
Vermelha – BA, uma Assembléia Nacional, que foi engrossada com a
participação de diversas entidades representativas das populações excluídas do
país. Diversos organismos da sociedade organizada também estiveram presentes.
A Igreja fez-se presente através do CIMI, com o seu então presidente, Dom
Franco Masserdotti, bispo de Balsas, no interior do Maranhão. Terminada a
Assembléia, os indígenas resolveram fazer uma caminhada pacífica de Coroa
Vermelha até Porto Seguro, mas foram violentamente reprimidos pela Polícia
Militar e pelas Forças Armadas. Cenas da repressão foram divulgadas no mundo
todo, sendo que ficou famosa a cena em que o cacique pataxó Matalauê ajoelha-se
diante da tropa repressiva. Por ocasião da celebração eucarística presidida pelo
Legado Pontifício, Cardeal Ângelo Sodano, em Porto Seguro, que marcava os 500
anos da primeira missa no Brasil, os indígenas, liderados por Matalauê, entraram
na celebração e pediram a palavra, que foi concedida pelo presidente da CNBB,
Dom Jayme Chemello. Após o pronunciamento de Matalauê, denunciando os 500
anos de massacre dos povos indígenas e, em muitos casos, a cumplicidade da
Igreja do Padroado no Antigo Sistema Colonial, Dom Jayme Chemello pediu
perdão aos índios em nome da Igreja do Brasil e prometeu atos de reparação, que
se concretizaram no Projeto Missionário da Coroa Vermelha, mantido pela
CNBB, no Projeto Amazônia e na Campanha da Fraternidade de 2002:
“Fraternidade e povos indígenas”.
2.4.2. A construção do Texto-base e a elaboração dos subsídios
Após a escolha do tema e do lema da Campanha da Fraternidade, acontece
na primeira semana de setembro, na sede da CNBB em Brasília, um seminário,
dirigido pelo Secretário Executivo da Campanha da Fraternidade, do qual
participam o Secretário-Geral da CNBB, especialistas no tema, assessores da
CNBB e agentes das pastorais mais ligadas ao tema da Campanha. Este seminário
tem a duração de dois dias e o seu objetivo é propor os objetivos da Campanha e a
estrutura do Texto-base.
Utilizando o método Ver-Julgar-Agir, o seminário, na primeira manhã, faz
um levantamento de todos os assuntos que devem ser tratados no Ver e organiza a
94
sua estrutura. Na parte da tarde, o mesmo é feito em relação ao Julgar. Na manhã
do segundo dia, é realizado um diálogo entre o Ver e o Julgar para estabelecer um
diagnóstico pastoral, a partir do qual é definido o objetivo geral da Campanha e o
seu desdobramento em objetivos específicos. Na parte da tarde, a partir dos
objetivos específicos, o grupo reflete sobre o Agir, apresentando e
esquematizando propostas.
Esta estrutura inicial é apresentada e discutida na reunião do CONSEP do
final de setembro, sendo analisada, criticada e, algumas vezes, sofrendo
modificações. Em seguida, acontece o mesmo processo na reunião do Conselho
Permanente da CNBB, que se realiza no mês de outubro.
Com a aprovação da estrutura do Texto-base, o Secretário Executivo da
Campanha da Fraternidade elabora a sua primeira versão, que é enviada para a
Presidência da CNBB, membros do CONSEP e assessores, que com as pastorais e
agentes por eles escolhidos, fazem a crítica ao texto e apresentam emendas ao
mesmo. O resultado deste trabalho é a redação de uma nova versão, que passará
pelo mesmo processo, até a quinta versão, que é apresentada na reunião do
CONSEP de junho do ano seguinte, para aprovação. Esta reunião define a sexta
versão, que passa pela correção técnica, pela correção da Comissão Episcopal de
Doutrina e pela correção editorial, sendo que a oitava versão é a publicada. O
esquema é apresentado ao episcopado brasileiro durante a Assembléia Geral
Ordinária, que acontece sempre após a festa da Páscoa.
A partir das versões iniciais, as assessorias da CNBB elaboram os demais
subsídios e lançam os concursos nacionais de cartazes e música. Todos os
subsídios são aprovados na reunião do CONSEP do mês de junho e passam pelas
correções da Comissão Episcopal de Doutrina e editorial, sendo que todos os
subsídios são publicados no mês de agosto. Alguns Regionais da CNBB e
algumas dioceses têm o costume de publicar subsídios próprios, a partir da
publicação do Texto-base.
2.4.3. A preparação da Campanha nos Regionais e Dioceses
Após a publicação do Texto-base e dos subsídios, a Secretaria Executiva da
Campanha da Fraternidade elabora os materiais didáticos e a metodologia a ser
utilizada na formação das Equipes Permanentes de Campanhas dos Regionais e
95
das Dioceses. A partir daí, seguindo uma agenda previamente estabelecida que
tem seu início na segunda semana de setembro e termina no último domingo antes
do carnaval, acontecem os encontros de capacitação de acordo com a realidade
dos Regionais, seguindo o método Ver-Julgar-Agir. A partir desses encontros, as
dioceses fazem o trabalho de planejamento da Campanha, que envolve a
capacitação dos multiplicadores, a realização de atividades comuns, a distribuição
dos subsídios e a veiculação da Campanha nos meios de comunicação social.
Os materiais didáticos elaborados pela CNBB são disponibilizados no site e
utilizados para a capacitação dos multiplicadores da Campanha nas Dioceses e
Paróquias e enriquecidos com publicações diversas e dois DVDs, elaborados pela
editora Mundo Jovem e pela Verbo Filmes, que também elabora os spots
publicitários da Campanha para rádio e televisão.
2.4.4. A realização da Campanha
A Campanha da Fraternidade tem o seu início na Quarta feira de cinzas e o
seu término oficial acontece no domingo de ramos, com a Coleta da Fraternidade.
Durante esse tempo, acontecem celebrações litúrgicas e paralitúrgicas,
manifestações públicas, atos políticos e programas nos meios de comunicação
social. São envolvidas as paróquias, as escolas, os meios de comunicação social,
são realizadas parcerias as mais diversas.
As políticas públicas também são privilegiadas e muitas iniciativas são
assumidas nessa área, desde a organização da sociedade em torno da proposta da
Campanha até a criação de organismos políticos ou propostas de Projetos de Lei.
Também é preparada e motivada a Coleta da Solidariedade através da prestação
de contas da coleta anterior, feira pela Caritas Brasileira, e distribuição de
materiais para a coleta, assim como a veiculação dos seus objetivos, de acordo
com o tema da Campanha da Fraternidade.
2.4.5. A avaliação da Campanha
A avaliação da Campanha da Fraternidade acontece, num primeiro
momento, nas paróquias, depois nas dioceses e, em seguida, nos Regionais,
seguindo um calendário pré-estabelecido. O instrumento de avaliação fazia parte
do Texto-base, mas a partir de 2008, passou a ser disponibilizado no site na
96
CNBB e deve ser preenchido por todas as dioceses do Brasil. O instrumento de
avaliação, a partir da Campanha da Fraternidade de 2009, passou a ser elaborado
por uma equipe independente, formada por profissionais da Universidade Católica
de Brasília.
Após o preenchimento do site por parte das dioceses, o resultado dos
trabalhos é distribuído para os Regionais e analisado pela equipe de profissionais
da Universidade de Brasília, que apresenta os dados acompanhados de suas
análises e de propostas para a realização das próximas Campanhas na reunião
nacional de avaliação da Campanha da Fraternidade, que acontece no CONSEP
do mês de julho, encerrando um trabalho de dois anos. Este material é
disponibilizado no site da CNBB e publicado no Comunicado Mensal do mês de
junho.
2.5. Análise conclusiva
Esta visão histórica da Campanha da Fraternidade no seu início nos traz
alguns elementos que exigem uma reflexão.
O surgimento da CNBB está diretamente ligado à organização nacional da
Ação Católica. A experiência do Secretariado Nacional da Ação Católica no Rio
de Janeiro vai levar Pe. Helder Câmara a descobrir a importância do aspecto
organizacional para a Igreja. Esta descoberta vai ser seguida de um empenho
muito grande por parte dele, que resultou no surgimento da CNBB, em 1952. Mas
a organização da CNBB está muito mais voltada para a Igreja enquanto
Instituição, de modo que, se por um lado, a Ação Católica contribuiu para a
organização da CNBB, a CNBB não contribuiu para o crescimento da Ação
Católica, ao contrário, os interesses institucionais da CNBB, principalmente no
relacionamento com o governo federal no início do regime de exceção resultou no
fim da Ação Católica. A organização da Igreja encontra o seu fundamento teórico-
teológico em um modelo de Igreja, e o que percebemos é que a eclesiologia da
Ação Católica, que contribuiu para o surgimento da CNBB, é diferente da
eclesiologia da CNBB, que resultou na extinção da Ação Católica.
Outra questão que devemos analisar é a dos fatos históricos que
contribuíram para que a Campanha da Fraternidade viesse a existir e as reações da
Igreja a esses fatos. Como vimos, a presença norte americana em Natal não trouxe
97
nenhum tipo de benefício para a cidade. Ao contrário, esta presença trouxe
problemas que geraram um processo rumo ao caos social e que exigiram atuações
corajosas por parte da Igreja. Essas atuações caminharam na direção da criação da
Campanha da Fraternidade na Arquidiocese de Natal. Neste ponto dois elementos
chamam a atenção, como vemos a seguir.
O primeiro é a atuação do Padre Nivaldo Monte e do Padre Eugênio de
Araújo Sales que mais tarde realiza a primeira Campanha da Fraternidade como
administrador da Arquidiocese e a sua relação com Nísia Floresta. Esses dois
presbíteros iniciam o trabalho e logo percebem a necessidade de criar uma
iniciativa organizada para enfrentar os graves problemas que vão surgindo e se
avolumando, e procuram em experiências realizadas em outros países as bases
para esta organização. A partir da experiência das coletas dos Estados Unidos da
América e da Alemanha, organizam e realizam a primeira campanha com sucesso,
de modo que ela cresce e adquire as proporções que vemos hoje. Em Nísia
Floresta, a experiência de inserção das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado e
a realização da Marcha da Solidariedade foi algo diferente. Não buscam fora da
realidade local modelos de atuação, mas criam este modelo a partir do
relacionamento com a própria comunidade, que é envolvida no processo de
criação, planejamento e realização da atividade. O fundamento eclesiológico
também aparece aqui como elemento de base teórico-teológica das diferentes
atuações. A Campanha da Fraternidade é uma atividade reflexo de modelos
consagrados de primeiro mundo que vão acontecer a partir da Instituição. Já a
Marcha da Solidariedade aparece como atividade original decorrente da
experiência de Igreja Comunhão.
O segundo diz respeito à própria atuação da Igreja em Natal. Se por um lado
podemos afirmar que é uma atuação que tem como ponto de partida a realidade
com os seus problemas concretos, por outro também devemos afirmar que a
realização da Campanha da Fraternidade é muito mais um efeito de uma situação
do que o protagonismo. Existe resposta, mas não existe projeto, não há proposta
de algo novo a partir da realização da Campanha. Com isso, percebemos que a
Campanha da Fraternidade procura dar respostas aos efeitos dos problemas
sociais, mas não aos problemas sociais em si. A isso se soma o fato de que o
próprio Dom Eugênio realizava, como vimos, o trabalho radiofônico de
alfabetização dos adultos, com grande sucesso, trabalhando a partir de um fato
98
concreto, o analfabetismo em si, mas também como resposta a uma situação, sem
proposta de algo novo.
Assim, aparece um elemento comum: a atuação da Igreja é muito mais um
efeito que tem como causa uma situação do que causa de algo novo, já que não
transforma a realidade, mas é transformada por ela. Responde às exigências do
seu tempo, mas não constrói algo novo, corrige efeitos, mas não supera causas. É
muito mais uma atuação que mantém a ordem social instituída do que uma
atuação profética e transformadora, uma atuação que, de modo diferente, é reflexo
do passado e não criação do novo. Também é importante ver que ambos os
trabalhos, embora sob a responsabilidade da mesma pessoa, não se integram.
Numa visão cartesiana de idéias claras e distintas, temos atuações claras e
distintas. Nesta questão, a experiência de Nísia Floresta também responde ao
problema da fome, mas também não vai além, não discute as causas e não procura
superação, mas apenas respostas concretas para o problema tal qual se apresenta.
É claro que estamos no início de um momento novo na caminhada da Igreja e que
as idéias ainda vão ter que percorrer um longo processo de amadurecimento.
Com a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II, a Campanha da
Fraternidade, que já vinha ganhando espaço e conquistando resultados, passa a ser
nacional, o que atesta a sua necessidade e a sua legitimidade, mas novos
elementos surgem para a nossa reflexão. No seu primeiro momento, a Campanha
da Fraternidade tem como tema a renovação da Igreja, à luz do Concílio, o que
revela muito mais uma preocupação institucional do que com os problemas
sociais. Assim, a Campanha da Fraternidade prega uma eclesiologia de comunhão,
à luz da Lumen Gentium, mas a partir de uma visão de Igreja instituição, que não
deve ser criticada, mas sim contar com a adesão dos seus membros em suas ações,
de modo que a realização da Campanha da Fraternidade favorece muito mais a
instituição do que os pobres e necessitados. Basta lembrar que a finalidade da
coleta é o custeio das ações evangelizadora da Igreja, de modo que esses recursos
também são destinados à manutenção das estruturas da CNBB259
e superação dos
259
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966, p. 8, 11; CNBB. Folhas Volantes CF 1967,p. 9: CNBB.
Documento base CF 1968 p. 50.
99
seus apertos financeiros260
, muitas vezes com discursos mais voltados para a
teologia da retribuição, do tipo:
É nesta ocasião que podemos dar o testemunho de nosso sentido católico, incentivando o
espírito comunitário dos fiéis. É muito mais meritório perante Deus dar sem esperança
de receber, do que dar esperando retribuição. Por isso, o dinheiro que não permanece na
paróquia, mas vai para a Diocese, para o Regional ou para o Nacional da CNBB, é dinheiro
que frutifica para as nossas comunidades. Não é dinheiro dado para fora; é dinheiro
dado a Deus, que mais juros receberá do mesmo Deus261
.
A Assembléia Geral dos Bispos do Brasil de 1998 criou a Campanha para a
Evangelização com a finalidade de apoiar as estruturas da Igreja e a atividade
evangelizadora262
. Somente a partir daí é que os recursos da Campanha da
Fraternidade passaram a constituir o Fundo Nacional de Solidariedade e o Fundo
Diocesano de Solidariedade, para o enfrentamento de problemas da vida da
população em situação de exclusão social263
.
Dentro desta questão, não podemos deixar de lado a questão da imagem da
Igreja no Brasil como dependente financeiramente do episcopado estrangeiro para
o custeio de suas atividades, recebendo vultuosas somas da Igreja dos Estados
Unidos e da Alemanha264
. O Brasil precisa liberar suas obras sociais e apostólica
da falta crônica de recursos que faz com que muitas sobrevivam, em boa parte, às
custas da ajuda de católicos da Alemanha e dos Estados Unidos. O
pronunciamento do Cardeal Suenens, na primeira Sessão do Concílio, deixou
claro aos bispos brasileiros que a Igreja no Brasil deixa muito a desejar, e isto foi
fundamental para o início da Campanha da Fraternidade em nível nacional, que
sempre teve como elemento fundamental o crescimento da coleta265
que tem como
um dos objetivos, na linha financeira, “livrar a Paróquia e a Diocese da prisão a
subvenções para as obras sociais, subvenções, que, embora sendo questão de
justiça, não raro são interpretadas como favor e tomam tempo e paciência para
serem recebidas”266
.
260
CNBB. Folhas Volantes CF 1966, p. 19. 261
CNBB, Documento base CF 1970, p. 14. O grifo é meu. 262
Cf. CNBB. Evangelizando e mobilizando a solidariedade: Manual de Animação de
Campanhas, p.26-27. 263
Cf. Ibid., p. 18. 264
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966, p. 19. 265
Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967, p. 4. 266
CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 22.
100
Esta questão também diz respeito aos dois temas das Campanhas da
Fraternidade: Igreja e Paróquia. A apresentação desses dois temas como início de
um trabalho nacional de solidariedade é, no mínimo, estranha, principalmente
quando vemos que se pede adesão ao invés de críticas, com o argumento do tipo
“faça você o que não fazemos” ou “está errado porque você não fez”. Não se
pode, é claro, negar a importância da participação de todos na comunidade
eclesial, mas este, pelo menos no espírito da campanha, não era o seu propósito, e
a questão da coleta para a caridade, não é muito lembrada. Parece que a novidade
do Concílio sufocou os apelos da realidade local.
A Campanha da Fraternidade de 1966 pode ser considerada um marco. Ao
sair da questão institucional e voltar-se para a pessoa do cristão e o espírito de
fraternidade, aparece a pessoa do pobre e, com ela, os problemas que afligem o
nosso povo. Aparece também a necessidade da formação das Equipes em nível de
CNBB e a necessidade dos encontros nacionais, que começam a ser realizados no
ano seguinte. Com isso, abrem-se as portas para que a Campanha da Fraternidade
passe a ser mais participativa desde o seu planejamento, de modo que a
eclesiologia da própria Campanha começa a mudar e, com ela, os enfoques, a
metodologia, as preocupações de ordem técnica, etc., que vão cada vez mais
ganhando espaço nas campanhas seguintes e criando as condições necessárias
para que surja a preocupação com os problemas sociais, como é o caso do
analfabetismo analisado na Campanha da Fraternidade de 1971, e possibilitando o
próximo passo que é a preocupação com a realidade social do povo, a denúncia do
pecado social e a promoção da justiça267
.
O período compreendido entre 1973 e 1978 foi muito interessante e muito
rico para a Igreja em geral e para a Campanha da Fraternidade em particular. A
Campanha vai, aos poucos, assumindo a discussão eclesiológica e sendo
determinada por ela, mas vivendo a contradição de um episcopado dividido, mas
desafiado pelos acontecimentos da sua época.
Vai cada vez mais descobrindo a sua identidade de Campanha quaresmal
que busca um processo de transformação da sociedade em vista do mistério da
ressurreição, o que só é possível na medida em que se descobre Corpo Místico de
Cristo, o Servo Sofredor que, a partir da realização da obra da cruz, prestou seu
267
CNBB. Manual da CF 2008. p. 15.
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grande serviço à humanidade. Este serviço deve ser continuado pela Igreja nos
caminhos da história.
Na medida em que a Igreja procura, através da Campanha da Fraternidade,
contribuir para que a quaresma seja tempo de conversão a nível comunitário
através da formação da consciência de todos de modo que haja um grande mutirão
para a transformação da sociedade, o povo de Deus assume o papel de Igreja
Serva e Libertadora e contribui efetivamente para que a páscoa seja celebrada,
mas também vivida na história da humanidade.